Pesquisa mapeia publicidade e cotidiano feminino dos anos 1920

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Pesquisa mapeia publicidade e cotidiano feminino dos anos 1920
Disciplina - História -
Pesquisa mapeia publicidade e cotidiano feminino dos anos 1920
História
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Postado em:20/12/2011
Se a publicidade paulista dos anos 1920 divulgava um ideal de mulher urbana materna, afetiva,
zelosa pelo bem-estar alheio e da família, não era isso que mostravam as trabalhadoras pobres. É o
que revela uma tese de doutorado defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP, que analisou o cotidiano vivido por essas mulheres e como se dava sua presença
no espaço público.
Mariana Soares - Agência USP de Notícias Se a publicidade paulista dos anos 1920 divulgava um
ideal de mulher urbana materna, afetiva, zelosa pelo bem-estar alheio e da família, não era isso que
mostravam as trabalhadoras pobres. É o que revela uma tese de doutorado defendida na Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que analisou o cotidiano vivido por essas
mulheres e como se dava sua presença no espaço público. O estudo, de autoria da historiadora
Xenia Miranda Salvetti, também analisou como essa mulheres se apercebiam da moda e da
publicidade. Ao abordar o cotidiano das mulheres pobres e seus movimentos pelo perímetro central
e cercanias na cidade de São Paulo, a pesquisadora realizou uma operação cartográfica do
comércio e das moradias das mulheres trabalhadoras pobres no centro. Em um primeiro momento,
a historiadora pesquisou anúncios de estabelecimentos com endereços comerciais no centro da
cidade, veiculados em periódicos de grande circulação na época, o que resultou em um mapa do
comércio e de outros serviços daquela região. Na pesquisa Imprensa e publicidade na São Paulo
dos anos 20: quotidiano das mulheres pobres também foram analisados os atendimentos prestados
a essas mulheres pelos postos de saúde pública, que, como descreve a pesquisadora, eram
registrados na forma de Boletim de Ocorrência, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública.
Foram analisados boletins dos anos 1920, 1925, 1929 e 1931. Como os boletins contêm dados de
nome, endereço, idade, profissão, local e motivo do atendimento, Xênia pôde montar um banco de
dados inédito com registros de 876 mulheres, localizando-as espacialmente. Nesse mapeamento, a
historiadora observou que havia um grande número de mulheres nas cercanias da região central da
cidade. E por terem que cruzar o centro para ir ao trabalho ou para casa, essas mulheres
carregavam muitas informações, onde o que era veiculado na publicidade se inclui. O estudo
espacial do comércio, serviços e das moradias das mulheres pobres, evidenciou a tensão gerada
pela presença não desejadas destas mulheres pelo grupo dirigente. Para o estudo, que foi orientado
por Maria Odila Leite da Silva Dias, Xenia analisou a publicidade da revista Cigarra (feita para a elite
e classe média), do jornal A Capital (mais popular) e Fanfulla (com notícias de moradores de regiões
como Brás e Bom Retiro). A pesquisadora entende que "a publicidade propagava um discurso de
um grupo dirigente sobre a cidade e sujeitos desejados". A pesquisadora estudou ainda quem era o
grupo que fazia a publicidade e as intenções por trás do uso da imagem feminina nos anúncios. A
historiadora destaca que as mulheres pobres da época viviam um cotidiano tenso, pois tinham
expressiva presença nos espaços públicos onde não eram desejadas [o centro]. "São Paulo passou
por um boom nas duas últimas décadas do século 19. O número de empresas, de investidores e de
estabelecimentos comerciais cresceu, e as mulheres que moravam no centro foram para a periferia,
pois a cidade passou por mudanças urbanísticas que arrastaram essas pessoas para áreas mais
periféricas. Isso não significa, entretanto, que o centro foi esvaziado. Essa mulheres eram muito
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corajosas, pois mesmo com os esforços do Estado para tirá-las de lá, elas insistiam", explica.
Mulheres de papel versus mulheres de verdade. A propaganda da época amarrava as mulheres à
biologia. Isto é, todos seus problemas tinham origem fisiológica, vinham do útero, havendo uma
relação entre seu comportamento social e seu aparelho reprodutor. Elas deveriam ainda ser
honestas, honradas e era sua responsabilidade a formação da nação (em associação com uma
gestação). Segundo o pensamento da época, o resguardo de sua energia para as funções
reprodutoras evitaria disfunções biológicas e psicológicas, bem como futuras alterações na evolução
da espécie humana. E se a mulher na sociedade deve se restringir às funções maternais e
domésticas, os anúncios ainda ensinavam como: há registros de campanhas para instruí-las a
cuidar da casa, da família e da saúde. Xenia acrescenta que há longos textos didáticos e que os
trabalhos direcionados à elas se relacionavam às características culturalmente ligadas às mulheres.
É o caso da indústria têxtil e de outros trabalhos manuais. "E é importante notar que mesmo que
elas fossem maioria em um tipo de indústria, elas ainda ganhavam menos do que um homem
exercendo a mesma função", observa. O estudo também observou que se estimulava um cuidado
com anatomia estética, com grande número de anúncios de produtos de beleza, como cremes
modeladores para o corpo. "A anatomia era o testemunho da honra, por isso a necessidade do
cuidado com ela", diz a historiadora. Mas as mulheres pobres não tinham acesso a esses produtos,
e por isso não tinham o corpo padrão para a época. Nas palavras da pesquisadora, era uma
"anatomia da exclusão". Xenia procura atentar para o fato de que a imagem feminina foi construída,
ao longo do período estudado, por mãos masculinas, e destaca a dificuldade da historiografia das
mulheres pobres. "Muitas não liam ou escreviam, o que sabemos são registros de outros ou
memórias, por exemplo". Intelectuais e artistas na publicidade. Para a pesquisadora, a imagem
feminina participava de uma ideologia biopolítica de construção da nação. "Para compreendê-la, é
necessário conhecer as preocupações que cercaram a geração de intelectuais que atravessou as
duas primeiras décadas do século 20 e os princípios cientificistas que influenciavam os grupos
dirigentes", diz ela. A pesquisa aponta que, no período estudado, aqueles que faziam propaganda
eram, em sua maioria, intelectuais escritores, poetas, literatos e artistas envolvidos na construção da
imagem nacional. Entre eles, Olavo Bilac, Menotti Del Picchia e Monteiro Lobato. Estes intelectuais
viam na alfabetização o meio para o país se desenvolver, mostravam descontentamento com a
república e criavam grupos dirigentes autônomos e ligas para discutir política. Eles, influenciados
pela corrente positivista, depositavam sobre a mulher a responsabilidade de fazer uma nação
crescer. Pioneirismo. Ao mapear o comércio e seus serviços no centro da cidade e a presença de
mulheres pobres trabalhadoras principalmente nas cercanias do centro, o estudo de Xenia Salvetti
se constitui ainda em um trabalho cartográfico que permite estudar o cotidiano dessas mulheres
frente à imagem da mulher nacional e dos sujeitos desejados no perímetro central. Nas palavras da
pesquisadora, "essas mulheres eram valentes ao viver o enfrentamento corpo-a-corpo, travado
cotidianamente nas esferas dos trabalhos exaustivos e mal remunerados, nos espaços públicos
destinados às mulheres da boa sociedade". Mais informações: [email protected] Esta notí-cia foi
publicada em 16/12/2011 no site Agência USP de Notícias. Todas as informações nela contida são
de responsabilidade do autor.
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