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SUDÃO DO SUL A RENOVAÇÃO DA MISSÃO DE ASSISTÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS NO SUDÃO DO SUL (MINUSS) GUIA DE ESTUDOS VI SIMULAÇÃO DA FACULDADE ANGLO-AMERICANO DE FOZ DO IGUAÇU 22 A 24 DE NOVEMBRO DE 2014 HOTEL GOLDEN TULIP INTERNACIONAL SUMÁRIO VI SIMULAÇÃO DA FACULDADE ANGLO-AMERICANO DE FOZ DO IGUAÇU Apresentação .............................................................................................................................................................................. 3 África, o continente ao meio do mundo ................................................................................................................... 4 Jovem senhora: A vida política da África descolonizada................................................................................................... 5 Jovem senhora: Breve geopolítica da África contemporânea ........................................................................................ 10 Sudão e Sudão do Sul, desafios e problemas ...................................................................................................... 11 Sudão pré-Independência: o domínio britânico e as vinculações com o Egito .......................................................... 11 República do Sudão: os desafios da construção nacional e as diferenças entre norte e sul................................. 12 Sudão do Sul: novo Estado, velhos conflitos ........................................................................................................................ 14 Sudão do Sul: A precária infraestrutura, a falta de segurança e a ameaça terrorista.......................................... 15 Sudão do Sul: Ouro negro............................................................................................................................................................17 A MINUSS, segurança e assistência em xeque?............................................................................................... 18 Jogo externo: Em torno do petróleo.........................................................................................................................20 Dragão vermelho: A China no Sudão e no Sudão do Sul ..................................................................................................20 Estados Unidos: As ameaças ao Ocidente ............................................................................................................................. 21 Referências ................................................................................................................................................................................. 22 Anexo I: Mapas ........................................................................................................................................................................ 23 Comissão Organizadora ................................................................................................................................................... 27 APRESENTAÇÃO VI SIMULAÇÃO DA FACULDADE ANGLO-AMERICANO DE FOZ DO IGUAÇU É com imenso prazer que a Comissão Organizadora da VI Simulação das Nações Unidas da Faculdade AngloAmericano de Foz do Iguaçu apresenta aos delegados este Guia de Estudos! Esperamos que, durante sua preparação, este material possa auxilia-lo (a) com as informações necessárias sobre o tema que será tratado durante o evento. A presente edição, que será realizada no dia 22 de novembro de 2014 nas dependências do Hotel Golden Tulip Internacional de Foz do Iguaçu, tem como objetivo promover a compreensão e o conhecimento acerca dos processos decisórios e procedimentos de negociação que são inerentes ao ambiente político de uma Organização Internacional, proporcionando ao delegado um conhecimento mais aprofundado de debates importantes da realidade internacional contemporânea. Procurando explorar ao máximo as possibilidades de articulação dos participantes, a proposta desta edição parece ousada, visto que trata-se de um tema complexo e extremamente atual. No âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas, será discutida a renovação da Missão de Assistência dessa organização na República do Sudão do Sul (MINUSS). Apesar de parecer um tema simples, suas nuances necessitam ser bem compreendidas. quantidade gigantesca de deslocados internos. Em meio a uma disputa entre o presidente e o ex-vice-presidente, os conflitos entre os grupos vinculados a ambos transcendeu a esfera política e adquiriu características étnicas, uma vez que as duas personalidades pertencem a etnias diferentes. Em meio ao perigo do conflito, renovar a missão sem encontrar uma solução para a instabilidade social que ora se apresenta seria infrutífero, pois a quantidade de refugiados não cessaria de crescer. Por outro lado, a renovação não pode esperar, pela mesma razão: a crescente quantidade de pesoas que recorrem à missão. Dado este panorama, os delegados deverão lidar com questões humanitárias e de segurança internacional, sem deixar de lado os interesses dos Estados que representam, a partir de suas políticas exteriores. A resolução do problema demanda urgência e assertividade, uma vez que milhares de vidas dependem das medidas adotadas a partir das resoluções do Conselho. Desse modo, a Comissão Organizadora deseja a todos um excelente preparação para esta que será uma reunião de decisões muito importantes! Na iminência de mais uma guerra civil, a MINUSS encontra-se em um país com quase nenhuma infraestrutura e com uma 3 ÁFRICA, O CONTINENTE AO MEIO DO MUNDO A história da ocupação da África inicia-se por volta do século X a.C, sendo os últimos a estabelecerem colônias os estados modernos da Europa, a partir do século XIV. O processo de ocupação territorial, exploração econômica e domínio político do continente africano por potências europeias, como Grã-Bretanha, França, Portugal, Espanha, e posteriormente Alemanha, Bélgica e Itália, se estendeu até a metade do século XX, na maioria dos casos. Nesse processo, destaca-se o comércio humano de milhões de africanos realizado pelos europeus para vários pontos do mundo. 1 As marcas deixadas pelo domínio europeu no continente são profundas, tanto pelas modificações impostas sobre quase toda a estrutura tradicional africana, como redes de poder e tradições sociais, culturais e políticas, como pelas transmutações econômicas também incentivadas pelo poder das metrópoles (PENNA FILHO, 2006, p. 101). Essa dinâmica, que insere as relações de tipo capitalista na região, colocam-na em uma posição de subordinação com relação ao centro do sistema econômico mundial. “Os africanos se debatem com o fato de estarem num continente que possui um passado de glórias, de grandes e estáveis impérios e reinos, mas que desde a intensificação dos contatos com os europeus começou a entrar em declínio e entrou num ciclo de infortúnios de enormes propoções, passando pela escravidão e pelo colonialismo em sua forma mais brutal.” (PENNA FILHO, 2006, p. 101) 1 A presente seção baseia-se nos textos de Vizentini (2007) , Lohbauer (2008) e Penna Filho (2006)▪ 2 COLONIALISMO Segundo o dicionário Aurélio (1999, p. 504), “colonialismo” define-se como o “sistema ou orientação política tendente a manter sob domínio, inclusive econômico, as possessões de determinado Estado”. Podemos denominar como colonialista, por exemplo, o regime sob o qual o Estado português manteve seus domínios na América do Sul até o século XIX, quando então observa-se o início da formação do atual Estado brasileiro. A grande maioria dos atuais países africanos conquistou sua independência bastante recentemente, em meio a diversos processos econômicos e políticos que marcaram cada Estado em sua singularidade. Golpes, conflitos, projetos politico mal-sucedidos, dificuldades e entraves ao desenvolvimento econômico-social e a significativa intervenção das potências, tanto as antigas metrópoles como outras de menor porte, são registrados nas linhas dessa história. Entre as falhas dos modelos implementados a partir de fora, até os ensaios em criar vias autônomas, a África coloca-se no processo de esforços rumo ao desenvolvimento, como uma reapropriação de uma “evolução histórica local”, cuja debilidade tem suas raízes no tráfico escravo e na dominação colonialista1 direta. Após a “‘década perdida’ do desenvolvimento”, que vai de meados dos anos 1970 até aproximadamente 1985, em que os conflitos regionais foram expostos de maneira estereotipada pela mídia como “tribais”, a África volta a afirmar-se no contexto internacional, mesmo que inicialmente tenha sido marginalizada na conjuntura de reordenamento mundial paralela às dinâmicas da globalização. Entretanto, para o historiador Eric Hobsbawn (2002, p. 114), consolidase entre os anos de 1880 e 1914 nas relações mundiais um novo tipo de império, de tipo colonial, baseado na divisão do mundo entre regiões “avançadas” e atrasadas”. → 4 JOVEM SENHORA: A VIDA POLÍTICA DA ÁFRICA DESCOLONIZADA É possível classificar o desenvolvimento das relações políticas no continente africano em cinco fases distintas. A primeira inicia-se em 1956, com as primeiras independências e vai até 1963, com a fundação da Organização da Unidade Africana (OUA). A segunda e a terceira compreendem-se entre 1963 a 1975, caracterizada por uma maior mobilização dos recém -criados países. A quarta inicia-se em 1975 e é finalizada em 1989, cuja principal marca é a crise em que entra o continente. A partir de 1990, o fim da Guerra Fria altera mais uma vez a dinâmica regional. É possível indicar uma sexta fase, a partir de meados dos anos 1990, quando as tendências da fase anterior parecem reverter-se. No primeiro período observam-se tensões decorrentes das rivalidades e coalizões entre os governos, dividindo-se entre um grupo mais moderado e outro convictamente antiimperialista. Ao primeiro deu-se o nome de grupo de Brazzaville, e ao segundo, de Casablanca. O período que se estende de 1963 a 1975 pode ser dividido em dois outros: de 1963-1970 e de 1970 a 1975. No primeiro destes, a OUA consegue criar uma autoridade capaz de congregar as novas nações em um sistema interafricano, buscando inserção internacional e gestão de crises, como as que se observaram no Congo (Zaire), Biafra e Rodésia. No último, nota-se um aumento da solidariedade continental e a conquista de alguma autonomia no cenário mundial, em grande parte devido à ação dentro do Movimento dos Países Não-Alinhados, à luta por uma Nova Ordem Econômica Internacional e à política anti-Israel, em meio à crise do petróleo. Quando da segunda metade da década de 1970, graves e violentos conflitos explodem na África Austral, Saara Ocidental e Chifre da África, com um aumento contínuo de intervenções por parte das potências. Neste momento, a economia mundial está se reorganizando, levando o continente à uma forte crise, que de tão paradigmática deu à década em que ocorreu a denominação de “perdida”. Ao fim do século, na década de 1990, o fim da bipolaridade leva a maioria dos conflitos regio- nais à resolução, além da liberalização dos regimes políticos e a abertura das economias locais. O resultado deste momento foi a marginalização de uma África que, até então, dava significativos passos no sentido de uma afirmação internacional, além de uma “tribalização” dos conflitos que se inseriam nos marcos estratégicos das duas potências dominantes. No segundo quinquênio da década de 1990, o continente volta a timidamente a reafirmar-se em temas internacionais, buscando novos paradigmas para seu desenvolvimento. O fato, entretanto, é que a última década do século XX pode ser enxergada como um período de transição, em que se podem notar muito mais incerteza e indefinições que convicções de fato. Do ponto de vista político, a década apresentase para partes de setores sociais organizados africanos como uma tomada de consciência política face aos graves problemas que se enfrentou, passando por temáticas como direitos humanos, direito à alimentação, luta contra o racismo e pelos direitos femininos e preservação ambiental. Esse “imperialismo” tem como característica a expansão colonial dos Estados nacionais europeus, que então entravam em uma dinâmica de disputava que marcaria o mapa mundial. “(...) Em suma, o novo colonialismo foi um subproduto de uma de uma era de rivalidade econômico-política entre economias nacionais concorrentes, intensificadas pelo protecionismo” (HOBSBAWM, 2002, p. 114) Portanto, falamos de um momento em que as nações europeias estão procurando expandir seus domínios em prol tanto de fortificação de suas economias, mas também de demonstração de força e poder entre si.▪ Além disso, a democracia ganha mais espaço nos debates interestatais, cuja valorização é vista como condutora à harmonia, justiça social e retomada do desenvolvimento das nações africanas, desta vez controlado e implementados pelos próprios africanos. Existe um pessimismo com relação às possibilidades de desenvolvimento de várias regiões africanas, cujos Estados ainda não conseguiram romper com a condição de exportadores de materiais primas e produtos nãoindustrializados, e cujos problemas sociais e instabilidade política agravam-se durante os anos. Entretanto, não se pode descartar o histórico de dominação que inicia-se com a desestruturação de sociedades autóctones ainda quando dos primeiros contatos entre europeus e africanos. Obviamente, o desenrolar da história não foi somente de responsabilidade europeia, mas grande parte das mazelas enfrentadas no continente hoje são frutos e consequências de políticas anteriores que foram se acumulando e sobrepondo ao longo do tempo. 5 JOVEM SENHORA: A VIDA POLÍTICA DA ÁFRICA DESCOLONIZADA Dado este panorama geral, é necessário voltar algumas décadas no tempo e visualizar com um pouco mais de profundidade as dinâmicas que constituíram a África atual. O chamado processo de “descolonização” aparentemente teria surgido após a Segunda Guerra Mundial, mas na realidade já na década de 1930 apresentava seus primeiros sinais. Já no período Entre-Guerras, os resultados da Primeira Guerra Mundial e as circunstâncias econômicas do momento, em especial a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, instaram as potências europeias a modificar sua relação com as respectivas colônias. Após 1945, saindo vitoriosos da Guerra, os Estados Unidos conseguem romper o monopólio britânico na Arábia Saudita e na China, dando mostras de sua força frente à Europa. França e Grã-Bretanha, por sua vez, iniciam o processo de concessão de autonomia limitada a algumas de suas colônias. A França, em especial, tinha bastante clareza a respeito da importância deste tipo de política, visto o saldo de aproximadamente 100 mil mortos na repressão da revolta da Cabília (Argélia), em 1945, e da insurreição de Madagascar, em outubro de 1947. Para o governo francês, cooptar as elites locais em um novo modelo de relação significava manter tanto seu poder e influência como metrópole ao menor custo possível, quanto o prestígio de grande potência, cujos domínios deveriam estender-se sobre o território africano. É importante entender a influência que aquelas colônias situadas no Magreb3 no processo da descolonização, pois o nacionalismo árabe aí emergente foi o impulsor da descolonização na África Subsaariana. Com efeito, em 1952 movimentos nacionalistas tiram do poder o rei Faruk, do Egito, golpe militar realizado durante a guerra de independência de Israel. O novo país seria liderado pelo nacionalista Gamal Abdel Nasser. Nas colônias francesas — Argélia, Tunísia e Marrocos — o clima de manifestações e insurgências anticoloniais também cresce. Os dois últimos e o Sudão tornam-se independentes Bouzareah, Argelia, 1962—juventude argelina em 1956. Na Argélia a situação é mais complicomemora a independência do país. cada, e a independência só vem após uma guerra com a metrópole, iniciada em 1954. A Frente de Libertação Nacional (FLN) da Argélia, apoiada pelo Egito, Cuba, Gana e outros países da África, consegue a concessão de independência da França após o desgaste da metrópole no combate. A guerra entre França e Argélia teve importante influência sobre a descolonização da África Subsaariana, tanto nas mobilizações por independência, quanto influenciando os posicionamentos dos países europeus e da Comunidade Econômica Europeia (CEE). A CEE é criada em um contexto no qual era necessário tanto manter a influência internacional da Europa quanto sua presença na África. Por outro lado, a cena internacional começava a favorecer os movimentos de descolonização. Em 1954 ainda, realiza-se a Conferência de Colombo, em que Índia, Paquistão, Indonésia, Birmânia e Ceilão promovem a criação de uma frente neutralista no contexto da Guerra Fria, ou seja, um grupo de países que procurariam, juntos, não se alinham nem aos Estados Unidos nem à União Soviética. Assim, aumentariam sua margem de manobra no jogo da Guerra Fria, então em seu auge. Na Conferência de Bandung, em 1955, os movimentos de independência da África alinhariam-se aos asiáticos, tornando as reivindicações do ascendente Terceiro Mundo cada vez mais ressonantes. Os potências coloniais, por meio da cooptação das elites locais, conseguiram de certa forma controlar o crescimento dos movimentos libertários. Estudantes africanos eram enviados à metrópole para cursar o ensino superior, e viriam a ser no futuro os dirigentes de seus países de origem. Assim, a administração das colônias foi aos poucos sendo transferidas às mãos dessas elites “ocidentalizadas”, capazes de defender os interesses das futuras exmetrópoles nos momentos precisos. 3 MAGREB Região noroeste do continente africano, que inclui Saara Ocidental, Marrocos, Argélia e Tunísia. O Grande Magreb abarca também Mauritânia e Líbia.▪ 6 JOVEM SENHORA: A VIDA POLÍTICA DA ÁFRICA DESCOLONIZADA Em 1957, Gana consegue sua independência da Inglaterra. Em sua política neutralista, acercou-se da URSS e da China, declarando-se o então Primeiro Ministro, Kwame Nkrumah, panafricanista. Futuramente, Nkrumah viria a ser presidente do país. Em 1958, organiza a I Conferência dos Estados Africanos Independentes, com vistas a uma articulação política mesmo ano em que Guiné consegue sua independência da França. Entretanto, é em 1960 que grande parte dos países africanos tornam-se independentes. França, Bélgica e Grã-Bretanha adotam uma conduta não-agressiva, cujo perfil de desvinculação era gradual e sob seus auspícios. Entre os novos Estados, pode-se citar: Alto Volta (Burkina Faso), Botsuana, Burundi, Camarões, Chade, Congo-Brazzaville (República Popular do Congo), CongoLeopoldville(Zaire/República Democrática do Congo), Costa do Marfim, Daomé (Benin), Gabão, Gâmbia, Lesoto, Madagascar, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Quênia, Ruanda, República Centro-Africana, Senegal, Serra Leoa, Somália, Tanzânia e Uganda. Em 1961, os novos Estados iniciam os processos de aproximação dentro do âmbito do continente. A aproximação não seria unânime, uma vez que a implementação das orientações políticoeconômicas se dariam de formas discrepantes. Em torno de dois grupos, o de Brazzaville e o de Casablanca, os novos atores articulariam suas aproximações. O Grupo de Brazzaville, liderado por Senegal e Tunísia e cuja maioria dos países era de colonização francesa, adotava uma conduta mais moderada e vinculada ao neocolonialismo4. O de Casablanca, cujos integrantes eram Egito, Argélia, Gana, Mali, Marrocos, Guiné e Líbia, eram neutralistas e pregavam um rompimento mais categórico com as potências. Em 1963, a Etiópia convoca outra conferência africana, a partir da qual se cria a Organização da Unidade Africana (OUA), com sede em Addis Abbeba, capital etíope. A nova Organização contava com comissões para arbitramento de conflitos e comitê para libertação dos territórios ainda vinculados aos países colonizadores. A OUA aprovou a manutenção das fronteiras impostas pelos europeus no continente. Os países francófonos mantiveram seus vínculos com a França, assim como os de língua inglesa com a Congo Belga — Independência 4 NEOCOLONIALISMO Segundo o dicionário Aurélio (1999, p. 1401), trata-se do “domínio que um país exerce sobre outro, menos desenvolvido, não por Sistema ou orientação política, mas pela influência econômica e/ou cultural”.▪ Commonwealth. A maioria tambémassinava tratados bilaterais com as ex-metrópoles, e, destaca-se, com os Estados Unidos. Estava instaurado o neocolonialismo. Os sistemas internos permaneciam inalterados, enquanto no plano exterior mantinha-se a posição de países exportadores de produtos primários. Entre 1965 e 1975 buscam consolidar o desenvolvimento econômico, mas esbarram com as mesmas divergências estratégicas préOUA. Apesar disso, o contexto mundial permitia uma maior margem de manobra, especialmente na Organização das Nações Uni- “Na verdade, o processo de descolonização não deixou de ser apenas uma mudança na forma de exploração dos novos países nascentes por grupos vinculados ao antigo império ou pela proliferação de empresas multinacionais explorando os recursos das antigas colônias. Tratou-se de uma transformação em imperialismo informal (…).” (LOHBAUER 2008 p. 128-129) 7 JOVEM SENHORA: A VIDA POLÍTICA DA ÁFRICA DESCOLONIZADA Enquanto isso, Amilcar Cabral liderava as lutas contra Portugal na Guiné-Bissau, engajando tanto os movimento políticos das ilhas do Cabo Verde e São Tomé e Príncipe quanto de Moçambique e Angola. das, mas também no Grupo dos 77, na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e no Movimento dos Não-Alinhados. A França, bem-sucedida, consegue manter sua influência sobre o continente, inclusive ampliando sua atuação para outras regiões em que não tinha colônias, como Zaire, Ruanda, Burundi, Maurício, Serra Leoa e Libéria. Os principais opositores as incursões francesas, especialmente das intervenções militares no Saara Ocidental, Chade e Zaire, eram Argélia, Líbia e Nigéria. Portugal, que tentou manter o controle das colônias apesar da discordância das potências, depara-se com o acirramento dos combates. Isto ocorre especialmente a partir de 1970, quando o Movimento pela Libertação de Angola (MPLA) e a Frente de Libertação Moçambicana (Frelimo) passam a receber apoio da União Soviética, Cuba e Alemanha Oriental. Em meados da década, as tropas portuguesas já estavam enfraquecidas o suficiente quando um movimento originado das próprias forças armadas derruba o regime ditatorial e instaura a democracia em Portugal. Em 1974 foi dado um golpe de Estado, no qual o General Spinola assume o poder transitório paralelamente à retirada da Guiné -Bissau, Moçambique e Angola. Buscando o desenvolvimento, os Estados dividiam-se entre aqueles de viés neocolonial e aqueles que preferiam a via socialista-nacionalista. Nesse sentido, a URSS, mesmo que modestamente, auxiliava as novas nações para manter seu status de superpotência. A República Popular da China, que havia rompido suas relações diplomáticas com a URSS ainda antes da queda de Krushev em 1964, devido à negativa da última em transferir tecnologia nuclear, atua em princípio dando suporte a grupos libertários, mas posteriormente também esforça-se por combater a influência soviética na região. Após o breve período de criação de entidades democráticas, uma série de golpes militares são perpetrados no continente, o que era conveniente para as potências, uma vez que com isso se mantinha a estabilidade política social e econômica do continente. Muitos tinham uma orientação de esquerda com discursos e posicionamentos anti-imperialistas, dos quais se destacam, por exemplo, o da Líbia, liderada pelo Coronel Muammar Kadafi a partir de 1969 e o do Congo, a partir de 1972 por Marien N’Gouabi. Berço e túmulo do colonialismo, Portugal retira-se da África e a descolonização foi completada. Entretanto, a década que se seguiria traria grandes problemas ao continente, motivo pelo qual ficou conhecida como “década perdida”. Mesmo na ONU a posição do Terceiro Mundo se fortalece, visto a quase duplicação na quantidade de Estados componentes do sistema internacional da época. Possuíam, portanto, boa margem de manobra, apesar das vicissitudes enfrentadas internamente. Portugal, que até então não havia concedido a liberdade às suas colônias no continente, manteve estreita relação com a África do Sul. Já sob o regime do Apartheid e juntamente com seus vizinhos, possuíam jazidas de ouro, diamantes e minerais estratégicos, um agricultura bem desenvolvida e uma posição privilegiada entre ambos os oceanos Índico e Atlântico. O país mais ao sul do continente colaborava com Portugal por conta dos problemas regional e também por ser o europeu componente da OTAN, projetando assim a influência norte-americana no Atlântico Sul. Nesse novo contexto, em crescente multilateralização das relações internacionais e com o crescimento da crise econômica nas regiões periféricas do globo, uma onda revolucionária foi desencadeada, com nuances socialistas. Muanmar Kadafi, Libia, 1969; Regime do Apartheid, Áfrical do Sul, s/d; Amilcar Cabral, GuinéBissau, s/d. Agora, com o dólar desvinculado do ouro, a elevação dos pre- 8 JOVEM SENHORA: A VIDA POLÍTICA DA ÁFRICA DESCOLONIZADA ços do petróleo, a tecnologia mais avançada e a Guerra do Yom Kipur, em 1973, mais uma vez observa-se uma mudança no quadro africano. mica e retomada do desenvolvimento. Em 1990 a dívida externa africana já era o dobro do que se observava em 1980, totalizando US$272 bi. Revoluções anti-imperialistas emergiam em diversos pontos do mundo. Etiópia, Angola, Vietnã, Nicarágua, Irã e Afeganistão são exemplos de insurgências e abalariam a vida do Terceiro Mundo. Na África do Sul, o derramamento de sangue, além das incursões em Angola, deu-se por conta do levante de Soweto, bairro em que negros eram segregados em Johanesburgo. Duramente reprimida pelo governo, bastante conservador, não foi a única investida do país. Sua ação levou os vizinhos a organizarem-se em torno da Linha de Frente, cujos componentes eram Tanzânia, Zâmbia, Angola, Moçambique, Botsuana e Zimbábue. Aumento da fome, falta de comida e saneamento básico, desemprego, falência de companhias privadas e aumento da corrupção foram apenas umas das muitas consequências da década. Visando manter sua legitimidades, as autoridades começam a utilizar discursos que hostilizavam as diferenças étnicas ou religiosas, o que irá culminar nos genocídios dos anos 1990. No Chifre da África a situação também era complicada. A Somália padecia de fome e seca, além de sofrer os ataques das guerrilhas muçulmanas esquerdistas da Eritreia. Os conflitos na região, que durariam muitos anos, afetaram a política internacional e o Oriente Médio. Arábia Saudita, Egito, Sudão e Estados Unidos apoiavam inimigos da Etiópia, que era defendida pela URSS, por aliados regionais e, supreendentemente, por Israel, que tentava evitar um controle exclusivo do Mar Vermelho por países árabes. Líbia Etiópia e Iêmen do Sul criam então a Frente de Rejeição, com o objetivo de se contrapor aos Acordos de Camp David. Etiópia e Líbia, em reação, passa a apoiar as guerrilhas negras da então ainda região sul do Sudão, cuja batalha era travada contra o governo central sudanês, árabe-islâmico. No fim da década de 1980 e início dos ano 1990, a Nova Guerra Fria geraria um aumento nas tensões entre EUA e URSS, apesar de que, formalmente, a Guerra Fria já estava encerrada. A nova corrida armamentista mostraria ao Estado soviético suas limitações e o enquadraria em posição de inferioridade com relação aos norte-americanos. O apoio às revoluções no Terceiro Mundo, então, é limitado, em troca da redução da pressão militar dos Estados Unidos. O que se observa, então, é uma onda de contrarrevoluções na periferia do globo. No sul, a África do Sul ocupava a região austral de Angola, além de auxiliar a direita moçambicana com tropas. No Zimbábue, a mesma situação. No Chifre da África via-se o fortalecimento dos poderes contra a Etiópia. A Líbia, em plena guerra no sul do país contra a França, sofre pressões americanas pelo Mediterrâneo. Cada vez mais o continente estava dividido em torno dos conflitos. Zaire e Marrocos deixam a OUA , e a ONU e o Movimento dos Não-Alinhados cada vez mais perdem suas forças frente à administração Reagan. Além disso, a ressaca da crise dos anos 1970 ainda se sentia, e como última alternativa, muitos Estados africanos tiveram de recorrer às normativas do Fundo Monetário Internacional (FMI e Banco Mundial, como última tentativa de recuperação econô- Mais uma vez, as modificações do plano internacional impactam a vida africana. Em 1989 Cuba retira-se da África, mais especificamente de Angola, que em 1991, assim como Moçambique em 1992, assinam acordos de paz depois das longas guerras civis. Em 1990, a Namíbia torna-se independente da África do Sul. Esta, de sua parte, decreta o fim do Apartheid. Com a queda da URSS, o continente perde sua relevância estratégica e sua margem de negociação. Marginalizada, é no Chifre da África onde a situação mais se deteriora. O governo somali é derrubado em fevereiro de 1991, e viu-se cenário de uma intervenção militar da ONU a fins de 1992. Quanto à Eritreia torna-se independente em 1993. O Sudão, agora ancorado em leis islâmicas, praticamente “vetado” de participar da política internacional pelos Estados Unidos e aliados regionais. Até o fim da década, as lutas independentistas no sul farão parte da realidade do país, na qual cristãos e animistas, apoiados pelo Ocidente, rebelam-se contra Cartum. É na década de 1990 também que se descobre petróleo em terras sudanesas, o que leva a uma boa negociação entre governo e rebeldes. Mesmo com a morte dos comandantes libertários, os compromissos foram mantidos. Para explorar o recurso recémdescoberto, empresas da China e da Malásia, e a estatal sudanesa, mobilizaram seus recursos. Enquanto isso, inicia-se o conflito na província de Darfur, onde havia sido descoberto urânio não havia muito. Com muitos refugiados, o Conselho de Segurança, pressionado pelas potências, chega a votar uma intervenção humanitária, que foi vetada pela China. Apesar dos diversos conflitos civis e genocídios de ocorrem, cujo caso mais emblemático é o de Ruanda, e da ascensão de alguns governos autoritários, é possível notar avanços no que tange à integração regional. Um importante ator neste cenário é a nova África do Sul, que além de modificar as bases de sua antiga política exterior, aprovou em 2008 a criação de uma área de livrecomércio na África Austral. No ano de 2002 a OUA torna-se a União Africana. A China também tem estado cada vez mais presente no continente, seja na busca de mercados e matériasprimas, seja no combate à presença de Taiwan em solo africano. 9 Mapa politico do continente africano. Fonte: Google Maps JOVEM SENHORA: BREVE GEOPOLÍTICA DA ÁFRICA CONTEMPORÂNEA É possível considerar que atualmente o continente se divide em três te. O primeiro, transaariano, corresponde aos Estados árabes do subsistemas geopolíticos, a saber: 1) Transaariano; 2) África Cen- mediterrâneo (Saara Ocidental, Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e tral, e 3) África Austral. Egito), da faixa sul do Deserto do Saara, também chamado Sahel (Gâmbia, Mauritânia, Mali, Níger, Burkina Faso, Nigéria, Chade, Esta classificação, entretanto, não trata de vinculações de herança Sudão, Sudão do Sul e Eritreia), do Golfo da Guiné (Guiné-Bissau, cultural ou de fluxo comercial regional, uma vez que, já na década Guiné, Serra Leoa, Libéria, Costa do Marfim, Togo e Benin) e do de 1960 observava-se a artificialidade das fronteiras africanas, que Chifre da África (Somália, Etiópia e Djibuti). O segundo, a África não representavam nem ligações geoeconômicas, nem histórico Central, é composto por Camarões, República Centro-Africana, culturais. Enquanto em alguns dos novos países encontravam-se Congo e os países da Região dos Lagos (República Democrática do grupos etnolinguísticos distintos, e por vezes rivais, em outros gruCongo, Ruanda, Burundi, Uganda, Quênia, Tanzânia e Zâmbia). O pos inteiros viam-se divididos pelas linhas fronteiriças forjadas, último, da África Austral, refere-se aos antigos domínios britânicos ficando uma parcela do grupo em um Estado, e a outra no país vizi(África do Sul, Lesoto, Suazilândia, Namíbia e Botsuana) e as exnho. No caso africano, “o Estado antecedia à existência de uma colônias portuguesas de Moçambique e Angola. nação” (VIZENTINI, 2007, p. 172). Portanto, os subsistemas são configurados em torno das interações políticas, de competição e cooperação, entre os Estados tão somen- 10 SUDÃO E SUDÃO DO SUL, DESAFIOS E PROBLEMAS 5 SUDÃO PRÉ-INDEPENDÊNCIA: O DOMÍNIO BRITÂNICO E AS VINCULAÇÕES COM O EGITO O Sudão, que era o maior país da África antes da independência de sua região austral e cuja extensão era de 2.505.815 km², tem seu povo originalmente egípcio. Com a entrada de missionários cristãos no século VI, principalmente vindos da Etiópia, suas regiões foram convertidas em reinos cristãos, que por vários séculos coexistiram com os muçulmanos que dominavam o Egito. 5 A presente seção baseia-se nos textos de Hernandez (2005), Perrone-Moises (2001), Nascimento (2011), Visentini e Castellano (2014), Oliveira e Silva (2011) e Schneider (2008).▪ Do século XIII ao XV, porém, nômades árabes emigraram do Egito para o Sudão, e se estabeleceram na região mais ao norte do atual Estado, enquanto o sul escapou desse controle. Posteriormente, no começo do século XIX, o Egito do Império Otomano ocupou a região, e Khedíve Ismail Paxá, vice-rei do Egito, estendeu suas expedições até 1874. sua soberania sobre o então Condomínio Anglo-Egípcio, que futuramente viria a ser o Sudão e também estava incluído nos domínios africanos da potência europeia. Após uma revolução em solo egípcio, em 1919, negocia-se a independência, consolidada com a Declaração de Independência de 28 de fevereiro de 1922. Entretanto, mesmo com a desvinculação formal, que previa um regime constitucional e a autonomia de um Ministério de Relações Exteriores como representante do país, os ingleses não retiram sua tropas da região. Em articulação com a elite política então no poder, logra desarticular os movimentos nacionalistas condensados em torno da Wafd, provocando cisões internas. Os britânicos, por sua vez, estavam nos arredores da região desde a abertura do canal de Suez em 1869, explorando e colonizando algumas regiões. Entretanto, apenas em 1874 o vice-rei Khedive Paxá teve contato direto com os ingleses. Devido ao seu endividamento com as potências europeias e ao denso comércio de escravos na sua região, ofereceu o cargo de governador-geral do Sudão Egípcio ao general e governador inglês Charles Gordon, favorecendo a crescente incursão do Reino Unido em terras africanas. Em 1914, o Egito é declarado unilateralmente como protetorado do Reino Unido. A medida, é claro, não agradou aos nacionalistas egípcios de então, que formam a Wafd (delegação egípcia). A Wafd tinha como objetivo não somente a independência do Egito com relação ao Reino Unido, como também garantir Egito e Condomínio Anglo-Egípcio. Fonte: HERNANDEZ, 2005, p. 210 11 SUDÃO PRÉ-INDEPENDÊNCIA: O DOMÍNIO BRITÂNICO E AS VINCULAÇÕES COM O EGITO Entre 1924 e 1934 a Wafd volta a fortalecer-se, e briga novamente pela independência e pela mudança da situação com relação ao Sudão. Em 1935, depois de anos de repressão britânica, firma-se um acordo com a Grã-Bretanha, e em 1936, o Tratado Anglo-Egípcio que reconhecia a ocupação inglesa no Egito e no vizinho do sul. plomados e o Partido UnnA (Partido do Povo), formados pela elite cultural local. Em 1944, ambos estão em franca oposição com relação aos destinos do Sudão, especialmente no que se refere à exclusão do sul, que poderia levar a uma outra independência ou anexação por parte de Uganda, e com relação a assuntos legislativos do projeto político sudanês. A crise decorrente desse momento fortalece a Wafd e em 1937, já independente, o Egito ingressa na Sociedade das Nações. As fronteiras do Condomínio Anglo-Egípcio eram então definidas por ambos os colonizadores. Desde 1901, o domínio havia sido repartido em sete províncias, comandados por oficiais egípcios que seguiam ordens inglesas. Ainda assim, em 1946 passam a coordenar suas ações em função da revisão do acordo anglo-egípcio de 1936. Formou-se uma delegação que se encontrou com o governo egípcio propondo a constituição de um governo democrático vinculado ao Egito e aliado da Grã-Bretanha. Em 1946, com um tratado já não os agradava, os egípcios pediam aos britânicos que abandonassem o Sudão, enquanto que estes propunham modificações no regime do governo. Desde a década de 1920, havia nas redondezas de Cartum uma militância anticolonialista, que foi se desenvolvendo e gerando movimentos de independência favoráveis à desvinculação da GrãBretanha e união com o Egito. Nos anos 1930, acentua-se um sentimento nacionalista sudanês, reivindicando a autodeterminação do “povo” pertencente à região, mesmo frente às divergências étnicas. As questões relativas ao território ao sul do Sudão não parecem ter origem recente. Já naquela época colocava-se em pauta o pertencimento ou não da região ao território do Sudão entre as elites políticas locas. Os principais grupos de então eram o Congresso Geral dos Di- Com a recusa egípcia, uma ala mais radical da UnnA passa a atuar com o governo sudanês, fortalecendo o projeto político independentista. Com o fortalecimento interno do governo, que já controlava o Legislativo, o governo egípcio reage. Em 1951, o rei Farouk proclamou-se rei do Egito e do Sudão, revogando o tratado de 1936. Mesmo assim, em 1952 os ingleses concedem ao Sudão um regime de autonomia, talvez tentando manter seus domínios na região. Pouco depois, um golpe militar derrubou o rei, e ambos, Grã-Bretanha e Egito, acordaram na garantia a independência do Sudão. Eleições parlamentares deram poder ao Partido Unionista Nacional, e no ano seguinte começou uma politica de “sudanização”. Esse programa agravou as diferenças geográficas, econômicas e sociais entre o norte e o sul. A República do Sudão, independente, foi oficialmente declarada em 1º de janeiro de 1956. REPÚBLICA DO SUDÃO: OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO NACIONAL E AS DIFERENÇAS ENTRE NORTE E SUL O Sudão, desde 1898 até sua independência, foi alvo de uma política de administração colonial distinta ao norte e ao sul. Com a independência, seu governo foi assumido pelas autoridades mulçumanas, concentradas ao norte do país, devido a fronteira com o Egito, que até a independência, disputava a liderança na região com o Reino Unido. No país existem mais de 19 etnias e 600 subgrupos O Sudão esteve em guerra durante praticamente todo o período de sua existência, tendo 4 grandes conflitos, em 1958, 1969, 1985 e 1989. A situação se agravou quando, em 1983, o governo tentou instaurar o “Sharia”, a lei islâmica, em um país onde dois terços da população é mulçumana. No sul, entretanto haviam diversas etnias e religiões que não concordavam com a medida, especialmente os cristãos e os animistas. A falta de consenso na formatação do Estado, principalmente pela centralização na capital Cartum (ao Norte), muita contestada pelo Sul, e pela separação dos vários grupos étnicos, se estendeu até 1960, quando da eclosão de conflitos civis. A Guerra Civil que se observou pode ser divida em dois grandes períodos. O primeiro período, durou até 1972, e o segundo de 1983 até 2005. As hostilidades de quase quatro décadas resultaram em milhões de mortes, deslocamentos internos, falta de alimentos e saneamento básico, todos derivados da luta entre norte e sul. Após a 1ª Guerra Civil Sudanesa, o sul do Sudão, tornou-se uma região autônoma em 1972 até 1983, quando a segunda parte do conflito eclodiu e se ampliou principalmente pelo ataque de rebeldes na região do Darfur. Divididos em dois grupos, ambos reivindicavam do governo central mais atenção, principalmente devido a divisão dos recursos do país. 12 REPÚBLICA DO SUDÃO: OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO NACIONAL E AS DIFERENÇAS ENTRE NORTE E SUL Membros do SPLM/A 6 Um dos grupos era o Darfur Liberation Front (DLF), rebatizado de Sudan People Liberation Movement/Army (SPLM/A), e o outro era o Justice and Equality Movement (JEM). O primeiro, de maioria cristã, tinha força no sul do país Os ataques foram repelidos por milícias conhecidas como Janjaweed. O SPLM/A, sob o comando de John Garang, da etnia dinka, possui divisões internas desde sua formação. A mais importante delas era entre os que apoiavam a separação da região sul do país e aqueles favoráveis à tomada do poder no norte e uma revolução que colocasse Cartum sob comando dos sulistas. Garang se situava nas fileiras do segundo grupo. Durante os conflitos civis, faltou ao SPLM/A políticas de ocupação das regiões conquistadas. A dominação territorial e união política do movimento foram garantidas por meios autoritários coercitivos e técnicas de guerrilha. Além disso, a concentração de poder que detinha Garang levou uma parcela de dissidentes a formar o SPLM/A-Nasir, em 1991. Riek Marchar e Lam Akol, seus principais comandantes, objetivavam a separação do sul e a retirada de Garang do comando do grupo. Como Cartum pretendia enfraquecer o SPLM/ A, apoia militarmente o SPLM/A-Nasir. Com vistas a conseguir apoio popular, estimulou a rivalização entre as tribos Nuer e Dinka6, especialmente com o massacre de dois mil Dinkas nas cidades de Bor e Kongor a fins de 1991, ambas atualmente no Sudão do Sul. Vale ressaltar que boa parte dos líderes do SPLM/ A vinham dessas cidades. Durante o conflito civil, que se mantém durante os anos 1990, o controle do governo sudanês sobre o SPLM/A-Nasir aumenta e outro conflito civil se inicia entre facções de origem Nuers. Prevendo o perigo, Riek Marchar assina o acordo de paz com o SPLM/A em 2002 e se insere novamente no grupo. A 2ª Guerra Civil Sudanesa, resultou novamente na autonomia da região sul, através da assinatura do Comprehensive Peace Agreement/Acordo Compreensivo de Paz (CPA/ ACP) em 2005, em Naivasha, no Quênia. O ACP deu origem ao Sudão do Sul, e que também tinha em sua constituição o desarmamento da Janjaweed e dos grupos armados restantes, além do estabelecimento de um governo temporário no qual os rebeldes participassem. O restante do país, localizado ao norte, denominou-se Sudão, a assinatura deste tratado ocorreu por apenas um grupo rebelde, o SPLA/M, cujo líder tronou-se vicepresidente do Sudão. O DLF junto a outros grupos derivados de tribos africanas, de língua árabe e muçulmanos, recusaram assinar o tratado de 2005, formaram a Frente de Redenção Nacional e passaram a espalhar violência na região de Darfur, motivados principalmente pela rejeição do governo de Cartum e também contra os povos não-árabes da região. Contra esses grupos estavam as milícias islâmicas (Janjaweed) e o governo, o que resultou mais mortes e refugiados, inclusive pelos conflitos Os Dinkas e os Nuers são duas das numerosas tribos que habitam o Sudão. O antropólogo Evans-Pritchard, que realizou uma pesquisa entre os Nuers entre 1930 e 1936, afirmava que a semelhança entre eles e seus vizinhos Dinkas eram notáveis, apesar de serem inimigos. Há um mito que conta a história da inimizade entre ambas as tribos. Segundo a história, no início dos tempos , os Dinka roubaram o gado pertencente à tribo dos Nuers, cujo Criador deu-lhes a responsabilidade de atacar os Dinkas para sempre. Segundo o que conta o antropólogo, desde o início das inimizades, em quase todas as oportunidades, são os Nuers que tomam a iniciativa dos ataques. No Sudão atual, 52% da população é negra, 39% árabe, 6% beja, 2% estrangeira e 1% de grupos minoritários. Religiosamente, 70% da população é muçulmana, 25% é animista e 5% é cristã. Os grupos árabes muçulmanos se concentram no norte do país, e os cristãos africanos no sul. Além disso, ao todo no país, existem mais de 19 etnias e 600 subgrupos.▪ 13 SUDÃO DO SUL: NOVO ESTADO, VELHOS CONFLITOS A situação do Sudão do Sul não é das melhores. Dois conflitos já assolaram o país que ainda completa seus três anos de idade. Em 2012, a produção de petróleo foi interrompida devido a divergências com o Sudão quanto à divisão de lucros, o que levou ambos a uma severa crise econômica. Hoje, o maior problema é o conflito interno derivado da luta pelo poder entre o presidente Salva Kiir e o ex-vice-presidente, Riek Marchar. Os dois são componente do SPLM/A, partido hegemônico. O conflito, entretanto, não ficou restrito ao campo político, pois as etnias Dinka e Nuer estão envolvidas nas disputas, que continuam a derramar sangue pelo país. É importante lembrar que a lógica fundamental para a ocorrência dos conflito é, principalmente, a histórica concentração de poder politico e econômico em Cartum, e a falta de atenção em relação às periferias do país. As identidades étnicas apenas foram os instrumentos acionados pelos comandantes para acirrar o conflito e ganhar força perante o inimigo. E, mesmo que o Sudão do Sul seja um novo país, seria incongruente pensar que três anos de história modificariam raízes da violência estimulada, que foi cultivada durante tantos anos. A independência do país, ao contrário do que se pode pensar, não deveu-se apenas por conta das disputas históricas entre norte e sul e da guerra civil — apesar de sua grande importância. A política norte-americana para a região também teve seu grande peso. A questão começa com a chegada dos chineses ao poços petrolíferos do Sudão na década de 1990. Visando diminuir a capacidade de influência do gigante asiático no país, os Estados Unidos oferecem-se para articular da independência do Sudão do Sul. Como resultado, a nova nação concentraria 75% das reservas de petróleo que anteriormente estavam sob o comando de Cartum. Como alcançar o objetivo? Elaborar um acordo de paz que contemple seus interesses. Foi nesse contexto que ocorreu a assinatura do ACP, que, além de por fim à guerra civil, previa um referendo no Sudão do Sul em 2011. Com a divisão do poder entre o Partido do Congresso Nacional, de Omar al-Bashir, presidente sudanês desde o golpe de 1989, e o SPLM/A, na figura de Salva Kiir, o acordo finalizou a histórica questão que girava em torno da separação da região austral do Sudão. Além disso, o ACP versava sobre a distribuição de rendas para o Sudão do Sul, a partir de Cartum, por meio da divisão igualitári, sob a dos lucros do petróleo. O governo sudanês descumpriu sua parte do acordo, gerando um descontentamento no novo vizinho do sul. Além disso, em julho de 2005 falece John Garang, então vice-presidente do Sudão e presidente do Sudão do Sul e mais importante defensor da unidade sudanesa. Desse modo, o resultado do referendo de 2011 foi a favor da criação do novo país. Sudão do Sul — Jovens dirigem-se ao referendo que decidiu sobre a independência do país. Uma vez independente, articulou-se um acordo que dividia o poder do novo país entre os líderes do SPLM/A. Entretanto, com a proximidade das eleições de 2015 e a concentração de poder no Executivo, o acordo foi perdendo sua força. Salva Kirr e Riek Marchar, a partir de 2011 no comando do Sudão do Sul, conseguem estabilizar a política nacional, apesar da rivalidade por conta da origem nuer do primeiro e dinka do segundo. Isso talvez não seria relevante, não fosse o fato de a etnia Dinka ser a base de sustentação do SPLM/A e Kirr o principal representante entre os Nuers. Em meados de 2013, entretanto, o jogo se inverte. Sob acusações de uma tentativa de golpe de Estado por parte de Marchar, ocorre a deposição do vice-presidente. Em dezembro, o político deposto mobiliza suas milícias e funda o SPLM/A-Oposição. No comando dos grupos, ataca os campos de petróleo do país, especialmente os da província do Alto Nilo, com o objetivo de enfraquecer e depor o presidente. As rivalidades políticas, entretanto, rumaram para conflitos étnicos entre os Dinkas e os Nuers, uma vez que cada comandante engajou seu grupo étnico na batalha. Juba solicitou, então, apoio militar para a Uganda. A partir dos esforços engendrados com o vizinho, foi possível que o exército-sulsudanês recuperasse o controle de cidades tomadas pelas tropas da oposição. Em 23 de janeiro de 2014 foi assinado um acordo entre ambas as partes, que, entretanto, não foi capaz de suprimir os combates. No início do mês seguinte, a SPLM/A-Oposição atacou a cidade de Malakal. Como resultado das novas hostilidades, mais de um milhão de pessoas migrou internamente, o que acarreta um grave problema na manutenção das condições humanitárias, especialmente em se tratando de assistência internacional. Nesse sentido, a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) — composta por Sudão, Sudão do Sul, Eritreia, Djibuti, Etiópia, Somália, Quênia, e Uganda — esforça-se para evitar com o estado de beligerância evolua para mais uma guerra civil, o que poderia ser possível no caso de maior aderência de populações Dinka aos combates. Para tanto, o bloco toma diversas medidas. Além das tropas enviadas para a garantia da produção petrolífera, foi iniciado um processo de mediação entre as partes, com apoio da União 14 SUDÃO DO SUL: NOVO ESTADO, VELHOS CONFLITOS Africana. Por outro lado, instou a Uganda que retire seus exércitos do Sudão do Sul e vem tentando implementar um conjunto de medidas que possam garantir uma reforma nas estruturas políticas do Estado até as próximas eleições, a ocorrerem em 2015. Com isso, espera-se que o país possa ter um mínimo de estabilidade política, uma vez que as disputas não se dão somente entre os dois grupos rivais, mas também internamente. No SPLM/A, é possível encontrar os unionistas (antigos aliados de Garang), o grupo comandado por Marchar, a elite em torno de Kirr, e outros grupos que tentam chegar à presidência em 2015. Além da população, a principal afetada pelas ocorrência é a Missão de Assistência das Nações Unidas no Sudão do Sul (MINUSS), cujas instalações são atacadas pelos dois grupos em conflito. Massacres também estão sendo realizados em estados ocupados pelo SPLM/A-Oposição, além de ataques de Dinkas a campos de refugiados com maioria de Nuers. A produção de petróleo também é afetada, e os prejuízos não se restringem somente ao Sudão e Sudão do Sul, mas também afetam a China. Por fim, os poucos recursos do país são direcionados para a manutenção do exército. SUDÃO DO SUL: A PRECÁRIA INFRAESTRUTURA, A FALTA DE SEGURANÇA E A AMEAÇA TERRORISTA Com relação ao saneamento básico, somente 13% da população tem acesso a água tratada e 3,3% têm água e esgoto encanada. Dos aproximadamente 12 milhões de habitantes que povoam o país, por volta de 90% sobrevivem com menos de um dólar por dia, abaixo da linha da miséria. Em todo o país, há somente três hospitais, com uma taxa de 1 médico para cada 500 mil habitantes, o que nos leva ao dado de 6 médicos em todo o território nacional. Com o pior índice mundial de mortalidade materna no parto, com cerca de 2.000 mortes a cada 100.000 nascimentos, a mortalidade infantil no primeiro ano de vida é 102 em cada 1000 crianças. Tampouco há infraestrutura de transportes, energia ou comunicações. O que existe está em Cartum. De 619.000 km² de território, apenas 50 km das estradas são pavimentadas, em sua maioria nos arredores da capital, Juba. Como o Sudão nunca chegou a construir ligações asfaltada entre Cartum e o sul, não foi possível integrar as economias das regiões. A pouca infraestrutura que restou do período colonial foi seriamente danificada durante a primeira guerra civil, nunca passando por reconstrução. O que restou foi destruído pela segunda guerra civil. Somente 10% das residências possuem alguma forma de acesso à energia elétrica, cifra na qual se inclui o fornecimento de eletricidade em somente algumas horas por dia. Os dados são alarmanetes: 4% tem acesso a gás de cozinha ou GLP e 92,6% da população utiliza outros tipos de combustíveis para cozinhar, como lenha, carvão vegetal, briquete, restos de biomassa ou esterco). O índice de doenças das vias respiratórias, por esse motivo, também são altíssimos. Por outro lado, existem projetos para a construção de usinas hidrelétricas e termoelétricas, com investimento do Egito e da Etiópia. A aproximação com a China também leva investimentos ao Sudão do Sul, uma vez que o país asiático é o maior investidor em infraestrutura no continente. A economia do país é agrícola, a partir da qual se produz algodão, sorgo, amendoim, banana e goma arábica. Com exceção da mineração e extração de petróleo, não tem atividades industriais em nenhum setor específico. Sem saída para o mar, a única riqueza do país é o petróleo, que é escoado por oleodutos que vão até o Mar Vermelho via Sudão. Ainda que tenha uma economia complementar à do vizinho do norte, continuará dependente e vinculada à Cartum. Com relação à segurança do país, há inúmeros grupos armados que atuam no território, sobretudo os que são financiados pelo Sudão e antigos aliados da região sul que foram contrários a acordos de paz com al-Bashir, mantendo sua ação com técnicas de guerrilha e terrorismo. Além disso, segundo o Terrorism Risk Index, é um dos cincos Estados com maior risco de incidência de ataques terroristas, após Somália, Paquistão, Iraque e Afeganistão. Nesse sentido, grupos armados de outros países encontram facilidade em transitar pelas florestas tropicais no extremo sul do país. Além disso, devido à precariedade das condições de manutenção da segurança no país, grupos vinculados à Al-Qaeda, como o Al-Shabab da Somália, têm o Sudão do Sul como base territorial de retaguarda e de operações. Frente às deficiências do novo estado, a ONU autorizou o envio e outra missão de paz à região, a Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (MINUSS), em substituição à Missão das Nações Unidas no Sudão (MINUS). A MINUSS atualmente conta com mais de 10 mil soldados, cerca de 2600 civis locais e estrangeiros e um corpo policial com aproximadamente 900 componentes. 15 Mapa do Sudão do Sul e Chifre da África — Infraestrutura Fonte: OLIVEIRA; SILVA, 2011, p. 26. 16 SUDÃO DO SUL: OURO NEGRO Os lucros angariados com a exportações de petróleo correspondem a 90% das entradas do Sudão do Sul. O produto é tão importante para a economia nacional que, em situações de conflito, o governo geralmente enfrenta as tropas de grupos excluídos do ACP nas regiões petrolíferas. Nesse sentido, os países aliados a Cartum, ao perceberem que a independência de sua porção sul era iminente, não tardaram em reconhece-la, abandonando a lealdade exclusiva com o primeiro. Isto ocorre porque 70% do petróleo sudanês é produzido na região, além de reservas que ainda praticamente não foram exploradas de urânio, bauxita, diamante, cobre e ouro. A China está inserida no mesmo movimento enquanto maior exportadora do petróleo produzido por ambos, Sudão e Sudão do Sul. Além disso, é o principal aliado internacional de Omar AlBashir. Ainda assim, não deixou de acercar-se de Juba a partir de 2005, no intuito de modificar a imagem que tinha perante os integrantes do SPLM/A. O Consulado Chinês em Juba foi aberto em 2008, consolidando as relações com o governo do sul enquanto a companhia CNPC dava suporte à modernização de instituições locais. Os Estados Unidos, por sua vez, recebe milhares de refugiados sul-sudaneses e fornece milhões de dólares para a ajuda humanitária regional. Além disso, foi o principal articulador do ACP de 2005. Além disso, o governo estadunidense incentiva que Cartum mantenha relações pacíficas com Juba, por meio da suspensão de sanções econômicas, supressão do Estado da lista de países terroristas e auxílio para reduzir a dívida externa. Vista aérea de Juba, capital do Sudão do Sul 17 A MINUSS, SEGURANÇA E ASSISTÊNCIA EM XEQUE? 7 A ONU esteve acompanhando de perto os processos sociais no Sudão e apoiou as iniciativas de paz em segundo plano até 2002, quando a partir de então começou a participar mais ativamente das iniciativas de resolução do conflito no Sudão. Dois anos depois, foi estabelecida a Resolução 1547 pelo Conselho de Segurança (CS), para a realização de uma missão especial política para o Sudão, recomendada pelo então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan. A missão, denominada Missão Avançada das Nações Unidas para o Sudão (MAINUS), tinha como objetivo o auxílio para o contato entre as partes do acordo de 2005 (SPLA/M e Sudão) e o suporte para a manutenção da paz. 7 A presente seção baseia-se nos textos da página online da MINUSS. Recomendamos a leitura do artigo “Desafios da Responsabilidade de Proteger”, de Fonseca Jr. e Belli (2003).▪ A MAINUS teve seu mandato aumentado por 90 dias pelo CS, através da Resolução 1556, tendo em vista o aumento da violência em Darfur e o cessar-fogo promovido pela União Africana (AU), para que pudessem confiscar as armas dos atores não-estatais aí atuantes. Darfur foi incorporado na agenda a pedido do CS ao Secretário-Geral, para que houvesse um relatório mensal ao governo a respeito da implementação da paz e de seus compromissos, sem grandes efeitos na região. A resolução posterior, de número 1564 do CS, condenava as repetidas ações da milícia Janjaweed, assim como novamente exigia uma ação eficaz do Secretário-Geral para o fim da violência. Em 2004, foi estabelecido pelo CS uma Comissão de Inquérito, que tinha como papel investigar as denúncias de violência contra civis no Darfur. A pedido do Secretário-Geral, no ano seguinte a Comissão apresentou seu relatório, e mostrou que a violência não somente não diminuiu, como também se havia agravado. As injúrias eram cometidas pelas milícias da oposição bem como pelas forças diretas e indiretas do governo. No dia 24 de março daquele ano, logo após a assinatura do Comprehensive Peace Agreement (CPA), a Resolução 1590 foi estabelecida, criando a Missão das Nações Unidas no Sudão (MINUS). A missão, recomendada pelo CS, tinha como papel a implementação da paz e melhores condições no Darfur. Reuniu 10 mil militares e 700 policias que tinham um mandato de seis meses para tornar a missão eficaz. Após mais de 20 de anos de guerra, em 9 de janeiro de 2005, foi firmado o Acordo Geral de Paz entre o Governo do Sudão e o Movimento de Liberação do Povo Sudanês (SPLM). Ao longo desse ano, a MINUS iniciou suas operações, principalmente no Sul. A atuação inicialmente se dava de forma sutil, porque as desconfianças existentes ainda muitas, inclusive com acusações de parcialidade por parte da Missão. Em Darfur, a situação não mudava e a violência continuava extremada. Tendo esse cenário em vista e os problemas do Darfur Peace Agreement (DPA), o SecretárioGeral recomendou criação de missão de paz no Darfur, sendo, na realidade, uma expansão pelo CS do mandato da MINUS. A MINUS deu suporte ao Acordo Geral de Paz, durante o período de transição do governo do Sudão e do SPLM/A no sul do país. O Acordo estabelecia um referendo para determinar a condição do Sudão do Sul, para janeiro de 2011. Como previsto, 98,83% dos cidadãos foram a favor da independência, celebrando então sua independência em 9 de julho deste ano. Em 8 de julho de 2011, o CS determinou que as condições pelas quais se estava encaminhando a situação no Sudão do Sul continuavam a ameaçar a paz e a segurança internacionais. Assim, estabeleceu, por meio da resolução 1996, a Missão de Assistência das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (MINUSS), com o objetivo de consolidar a paz e a segurança, contribuindo para estabelecer as condições necessários ao desenvolvimento do novo país. Diante da crise iniciada em dezembro de 2013, o CS reforçou a MINUSS e estabeleceu as prioridades do mandato, como proteção dos civis, vigilância dos Direitos Humanos e o apoio à prestação de assistência humanitária, com o fim de aplicar o acordo de cessar-fogo. A resolução em questão, 2155 de 2014, foi aprovada no dia 27 de maio deste ano. No final do de 2013, a violência tomou parte em Juba, capital do Sudão do Sul, e rapidamente se espalhou para outras regiões, como Equatória Central, Jonglei, Lagos, Unidade. Nesse contexto, a tensão entre o governo e a MINUSS começou a crescer, principalmente devido a elementos anti-Nações Unidas, que alegavam que a missão por ela estabelecida, não era imparcial e ajudava as forças que não eram do governo. A MINUSS também viu sua liberdade de movimentação restringir-se cada 18 vez mais. Além disso, tal era a impopularidade da missão que foram organizadas manifestações a ONU em várias capitais estaduais. A crise provocou, no primeiro mês, o deslocamento interno de quase 500.ooo pessoas, ao passo que aproximadamente 74.300 atravessaram as fronteiras dos países limítrofes. Em fevereiro de 2014, a quantidade de deslocados girava em torno dos 900.000, dos quais 167.000 foram para os países vizinhos. A quantidade de civis nas categorias “em situação grave” e “em situação de emergência”, no que corresponde a segurança alimentícia, subiu de 1,1 a 3,2 milhões. Além disso, por volta de 500.000 enfrentavam problemas relativos a fome, necessitando de assistência alimentar básica urgente. Muitos daqueles que fugiam dos confrontos buscaram as instalações da MINUSS em Juba, Bor, Akobo, Bentiu, Malakal e Melut. As instalações, muitas vezes precárias, acolheram 85.000 desabrigados. Devido à grande quantidade de pessoas, a missão viuse tendo que lidar com a falta de recursos que começava a deteriorar suas ação, além daqueles problemas políticos que já enfrentava. Nesse sentido, no dia 24 de dezembro de 2013, o CS aprovou a recomendação de Ban Ki-Moon de aumentar o orçamento da missão e o número de agentes da missão, por meio da resolução 2132/2013. A guarnição militar, que agora passaria a ser composta por 12.500 efetivos, trabalharia em conjunto com uma força policial de até 1.323 indivíduos. No dia 06 de março do presente ano, o Secretário Geral frisou a importância de que o contingente permanecesse distribuído no campo de atuação por pelo menos 12 meses. Neste período, Moon acreditava que provavelmente os deslocados poderiam retornar a seus locais de origem, o que aconteceria após finalizado um processo de paz. A crença se dava pelo fato de que os grupos beligerantes atuam nos meses de chuva, quando as florestas centrais do país podem cobrir sua passagem. Com a chegada dos meses secos, no segundo semestre de 2014, as regiões de regresso provavelmente estariam estabilizadas. O limite do contingente Sudão do Sul—Mapa Político: Cidades enviado e os rumos da missão poderiam, então, serem revistos ao fim do prazo de 12 meses. Devido aos recentes acontecimentos, o Secretário Geral declarou que a MINUSS deveria reorientar temporariamente suas atividades, deixando a estratégia de consolidação da paz, construção de um Estado e a ampliação da autoridade governamental, adotando uma postura neutra perante ambos, governo e oposição. Sem isso, outras tarefas da missão não poderiam ser levadas a cabo. Em 27 de maio de 2014, o CS aprovou por meio da resolução 2155/2014 as recomendações anteriores do Secretário Geral, e em especial os pedidos do comunicado de 06 de março. Entretanto, as hostilidades parecem não ter cessado. No dia 30 de outubro de 2014, Moon condenou energeticamente o acirramento das hostilidades ente o SPLM/A e as forças de oposição em Bentiu e Rubkona, no estado de Unidade. No comunicado, Moon convocou o presidente Kiir e o opositor Riek a cessar imediatamente todas as operações militares. Além disso, recorda que as hostilidades são uma clara e grave violação ao CPA e que somente colaboram para menoscabar os esforços por encontrar uma solução para os conflitos. Destaca também a inviolabilidade das instalações da ONU, inclusive os Centros de Proteção a Civis das MINUSS, onde se refugiam 10.000 deslocados, 49.000 deles somente em Bentiu. Por fim, chama ambos os grupos a participar das negociações políticas realizadas em Addis Abeba, capital da Etiópia, visando elaborar um acordo que abranja as questões transnacionais em questão. Sudão do Sul—Mapa Político: Estados 19 JOGO EXTERNO: EM TORNO DO PETRÓLEO 7 O DRAGÃO VERMELHO A CHINA NO SUDÃO E SUDÃO DO SUL Com as sanções impostas em 1997 ao Sudão, o governo dos Estados Unidos de certa forma facilitou a entrada da China no país. Nenhuma empresa ou civil norte-americanos poderiamfazer negócios no país. Com o “caminho livre”, o gigante asiático, mesmo que silenciosamente, foi inserindo-se na vida do então maior país da África em extensão territorial, equivalente quase ao tamanho da Argentina. 7 A presente seção baseia-se nos textos de Rysdyk (2010), Machado (2012) e Schneider (2008).▪ A compra de 40% das ações da sudanesa Greater Nile Petroleum Operating Company (GNPOC) pela a China National Petroleum Corporation (CNPC) garantiu à segunda concessão para explorar três blocos petrolíferos no Sudão do Sul, nas regiões de Unity e Cordofão do Sul. A estimativa é que de cada um dos poços possa retirar-se 450 mil barris/dia. Em 2008, foram produzidos 210 mil barris/ dia. A CNPC também possui 95% da CNPCIS, cujo controle está sobre o bloco 6, na região oeste do Sudão, bem como um acordo com o governo do norte na exploração do bloco 13, em regime offshore. internos. Obviamente, o principal importador do produto é a China. Em 2009, 99,14% do comércio entre os países foi referente ao petróleo (US$4,62 bi), enquanto o restante, 0,86% (US$40 mi), dizia respeito a outras mercadorias, como algodão cru, couro, resíduos e sucata de cobre etc. As exportações da China para os países resume-se a produtos manufaturados. Nesse sentido, observa-se uma crescente dependência das economias sudanesas com relação à China. Extremamente dependente do petróleo, com mais da metade das exportações direcionadas ao parceiro oriental, já antes da independência do Sudão do Sul o bom desempenho da economia nortista era fruto da aliança com o gigante vermelho. Mas, ao contrário do que se pode pensar, o petróleo fornecido pelos países supre somente 6% da demanda chinesa, sendo Angola eArábia Saudita os principais exportadores do continente, ao lado da Nigéria. A estatal chinesa também comprou 41% das ações da Petrodar, segunda maior do ramo no Sudão. Suas concessões abrangem dois blocos, no Alto Nilo. Outra estatal da China, a Sinopec, possui mais de 6% das ações da Petrodar, o que coloca na mãos dos orientais 47% das ações da empresa. Os blocos têm reservas que se estimam chegar aos 460 milhões de barris, cuja produção em 2008 foi de 200 mil/dia. A Red Sea Petroleum Operating Company (RSPOC), também possui concessãopara explorar o bloco 15, em águas profundas no Sudão (CNPC, 35%; Petronas, 35%; Sudapet, 15%; Express Petroleum & Gas, 10%; Hi-Tech, 5%). O petróleo é, sem sombra de dúvidas, o mais importante produto de exportações de ambas as economias, sudanesa e sul-sudanesa. Mesmo que separadas, devido à configuração das reservas e refinarias nos dois territórios, não se pode negar a complementariedade do sistema de extração e refinamento do petróleo. Por esse motivo, o Sudão tenta manter as relações com o Sudão do Sul em um nível cordial e institucional, sem tomar partido nos conflitos 20 ESTADOS UNIDOS AS AMEAÇAS AO OCIDENTE sos minerais, a americana tem consciência da ameaça que isto representa. Desde o fim dos anos 1990, o crescimento da economia mundial tem levado os países a uma maior busca por recursos naturais, a partir de quando os Estados Unidos começa, a dar mais atenção aos temas que se referem ao continente africano. O crescimento da China e da Índia traz ameaças competitivas ao domínio dos mercados controlados pelos norte-americanos. Por outro lado, os recursos cada vez mais estão sob o controle de atores nacional que por várias ocasiões não compartilham as preocupações do mercado ocidental. Por último, ameaças terroristas e pressões ambientais agravam esse quadro. Os posicionamentos dos Estados Unidos no que se refere aos assuntos do Sudão do Sul inserem-se em sua política de tentativa de afastamento da China dos países africanos. Se a política externa chinesa para a África baseia-se na não intervenção em assuntos internos e tem como base estratégias de longo prazos nos campos da segurança energética, diversificação de mercados para exportação, criação de empregos e abastecimento de recur- Diante desse novo cenário, o país americano enxerga a solução pela via militar. Em 2002, é criado o programa Africa Contingency Operations Training Assistance (ACOTA), cuja meta é o treinamento de exércitos para a manutenção da paz e ajuda humanitária, bem como o fornecimento de material não letal. No mesmo sentido, o Pentágono cria em 1999 o Centro Africano para Estudos Estratégicos e em 2007 o programa Pentagon’s Africa Command (AFRICOM), por meio do qual acordos bilaterais foram firmados com quase todos os países africanos. O último visa a proteção do acesso aos campos petrolíferos e outras fontes energéticas, além de ser uma resposta ao envolvimento político chinês no continente. É importante frisar que, ao lado da potência americana estão outros países ocidentais que, temerosos do avanço da China, econômica e politicamente, colaboram com os Estados Unidos no sentido de tentar conter o avanço do país asiático. 21 REFERÊNCIAS FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. HERNANDEZ, L. M. G. L. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005. HOBSBAWM, E. A era dos impérios: 1880-1914. Tradução Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel Toledo. 7 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. LOHBAUER, C. A Guerra Fria e os movimentos de descolonização. In: ____. História das Relações Internacionais II: O Século XX: do declínio europeu à Era Global. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 117-135. MACHADO, L. W. 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Boletim Mundorama, 2014. 22 ANEXO I: MAPAS Mapa I— grupos étnicos do Sudão do Sul Fronte: BBC Mapa II— Estados afetados pela crise atual, em dezembro de 2013 Fronte: BBC 23 24 Mapa III— Sudão do Sul: crise de dezembro de 2013 Fronte: USAID ANEXO I: MAPAS ANEXO I: MAPAS Mapa IV— Assistência humanitária Fronte: USAID 25 Mapa V— Quadro geral da situação humanitária em janeiro de 2014 Fronte: ONU ANEXO I: MAPAS Comissão Organizadora VI Simulação da Faculdade AngloAmericano de Foz do Iguaçu André de Almeida Chaves Bruno Vinícius Nascimento de Oliveira Fernanda Ferreira Chan Marcos Breno Nascimento de Oliveira Nayara Silvestre Luz Patrícia Regina Cenci Queiroz E-mail: [email protected] Endereço eletrônico: simulfaa.wordpress.com 27
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