Ano II • n. 3 • jul. - dez. 2005

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Sumário
Ano II • n. 3 • jul. - dez. 2005
Yumi Kori
Maria Irene Aparício
Maria Hidalgo Sanchez / Laima Mesgravis
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
Nicolai Filimonoff
Mauricio Libreti de Almeida / Senira Anie Ferraz Fernandez
Rubens De Souza / Senira Anie Ferraz Fernandez
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
1ª JORNADA DO GRUPO DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO, ARTE E CRIATIVIDADE
Anna Barros
Milton Sogabe
Mônica Rebecca Ferrari Nunes
Reynaldo Damazio
Edna Domenica Merola
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen
Ana Carolina Caetano Senger Dantas / Lucilene Regina Marques / Anna Barros
Martin Kuhn / Rosemari Fagá Viegas
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
Roberto Padilha Moia / Anna Barros
Cassius Breda Pereira
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Sumário
Universidade São Marcos
PESQUISA EM DEBATE
REVISTA ELETRÔNICA DO PROGRAMA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E COMUNICAÇÃO
ISSN 1808-978X
Ano II, no 3, jul-dez 2005
2006
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Sumário
Reitor: Ernani Bicudo de Paula
Vice-Reitora Acadêmica e de Relações Internacionais: Luciane Miranda de Paula
Vice-Reitor de Gestão e Desenvolvimento: Marcio Luiz Miranda de Paula
PESQUISA EM DEBATE
Revista eletrônica do Programa Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação
Diretora da Revista: Prof.ª Dr.ª Anna Barros
Comissão editorial:
Carlos Felipe Moisés, Luiz Paulo Rouanet, Reynaldo Damazio, Rosemari Fagá Viegas
Conselho consultivo:
Alzira Lobo de Arruda Campos, Ana Mae Barbosa (USP), Carlos Elias Kater, Cidmar Theodoro Pais (USP),
Cléa Lebjman, Dilma de Melo e Silva (USP), Eduardo de Camargo Oliva, Fernando Cilento Fittipaldi (SMA –
Instituto Geológico), Gilbertto Prado (USP), Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa (Unicamp – Fecap), Hélio de
Souza Santos, João Alexandre Barbosa (USP), João Batista Brito (UFPB), Joaquim Antônio Severino (FEA –
USP), José Americo Martelli Tristão, Laima Mesgravis, Leda Tenório da Motta (PUC-SP), Leonel Mazzali,
Liana Maria Sabino Trindade, Lincoln Etchebèré Junior, Lúcia Santaella (PUC-SP), Luiz Fernando Santoro
(USM), Marcos Antonio Lorieri (PUC- SP), Maria Esther Maciel (UFMG), Marília Gomes Ghizzi Godoy (USM),
Milton Sogabe (Unesp), Paulo Sérgio Marchelli (USM), Regina Silveira (USP), Sandra Farto Truffem (USM),
Saulo César da Silva (Centro Universitário Álvares Penteado), Senira Annie Ferraz (USM) Fernandes
Site: www.smarcos.br
Presidente: Luciane Miranda de Paula
Editor: Reynaldo Damazio
Revisão: Luiz Paulo Rouanet
Imagem da Capa: Anna Barros
Capa: Ricardo Botelho
Diagramação: Regina Kashihara
Conselho Editorial:
Álvaro Cardoso Gomes, Carlos Felipe Moisés, Fabio Magalhães, Fernando Novais,
Ismail Xavier, Manuel da Costa Pinto, Marcelo Perine, Myriam Augusto da Silva Vilarinho,
Paulo Roberto de Almeida, Sergio Paulo Rouanet
End.: Av. Nazaré, 900 • Ipiranga • 04262-100 • São Paulo • SP
Tel.: (11) 3471-5700 • ramal 5776 • Fax: ramal 5754
e-mail: [email protected] • Site: www.unimarco.com.br
© Unimarco Editora 2006
ISSN 1808-978X
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PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 3 • jul-dez 2005 • p. 5
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APRESENTAÇÃO
Anna Barros • 7
ARTIGOS
Architecture as extended human skin/communication device
Yumi Kori • 11
Da natureza da técnica à técnica da natureza ecos de Der Arbiter na cultura contemporânea
Maria Irene Aparício • 13
História e experiências brasileiras do Crédito Educativo antes do FIES – Financiamento Estudantil
Maria Hidalgo Sanchez / Laima Mesgravis • 24
O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy • 39
Gabinete Topográfico: Precursor no ensino da engenharia em São Paulo
Nicolai Filimonoff • 48
A formação de comissários de vôo no Estado de São Paulo
Mauricio Libreti de Almeida / Senira Anie Ferraz Fernandez • 56
Design gráfico e tecnologias
Rubens De Souza / Senira Anie Ferraz Fernandez • 64
Relacionamentos: algumas portas na escola
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros • 69
1ª JORNADA DO GRUPO DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A distorção da informação
Anna Barros • 77
A distorção da informação na arte
Milton Sogabe • 81
A memória na mídia: distorção da informação ou re-semantização de sistemas comunicativos?
Mônica Rebecca Ferrari Nunes • 84
Jornalismo na Guerra do Paraguai: Cabichuí e El Centinela
Reynaldo Damazio • 88
Distorções da informação: do ensino da Língua Portuguesa na escola de Ensino Fundamental
Edna Domenica Merola • 94
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Turismo sustentável em áreas de manancial: análise da vocação turística no território
de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen • 99
Aspectos da comunicação interpessoal no relacionamento professor – aluno
Ana Carolina Caetano Senger Dantas / Lucilene Regina Marques / Anna Barros • 107
A Síndrome de Down aos olhos da propaganda
Martin Kuhn / Rosemari Fagá Viegas • 112
A distorção como recurso
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros • 117
Problemas sociais e a dificuldade da inclusão social
Roberto Padilha Moia / Anna Barros • 124
A mensagem da dor nas artes visuais: um paralelo entre a dor do estilo Barroco e
a dor do estilo Expressionista
Cassius Breda Pereira • 131
NORMAS EDITORIAIS • 139
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Cema de O Balípodo , animação em stop motion de Regina Kashihara e Ricardo Botelho (2005)
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Apresentação
Uma revista de Academia tem dois propósitos básicos: formar e informar.
A formação, ao contrário do que comumente se imagina, estende-se aos alunos e a toda a
sociedade, que pode rever seus conceitos e opiniões sobre os assuntos nela contidos. Propiciando
um lugar de conscientização de problemas de várias áreas da cultura, oferece uma oportunidade
para um melhor desenvolvimento da cidadania. Sendo fruto de um Mestrado interdisciplinar, Pesquisa
em Debate, é um espaço de confluências e conexões, que reflete uma gama preciosa de enfoques
sobre um mesmo sujeito em um compasso de trocas com outras universidades e mesmo com outros
países, como os textos da Profª. Mônica Rebeca Ferrari Nunes, dos Cursos de Comunicação da
Universidade São Judas, e da FAAP, do Prof. Milton Sogabe do Instituto de Artes da UNESP, Profª.
Maria Irene Aparício, do Instituto Superior de Línguas e Administração de Santarém, Portugal, diretora
da revista on line, Artciencia. Os dois primeiros, foram palestrantes convidados para a Jornada do
Grupo de Pesquisa em Comunicação, Arte e Criatividade da Pós-graduação Interdisciplinar da
Universidade São Marcos, liderado pelas Profª Anna Barros e Rosemari Fagá Viegas, em setembro
de 2005, cujos textos integram o dossier desse evento, inseridos na revista. A palestra da Profª. de
Arquitetura da Columbia University, Nova York, e artista, Yumi Kori, (convidada pelo mesmo grupo de
pesquisa), proferida em março, aparece em um resumo de sua autoria e que oferece algumas ilustrações
de seu trabalho premiado em Tóquio, A Casa das Sombras. Os professores e alunos do programa,
ainda além dos trabalhos constantes na Jornada, apresentam um material rico e variado que extravasa
as salas de aula em benefício da comunidade. Agradecemos em especial a Regina Kashihara e Ricardo
Botelho a imagem que abre a Revista, cena da animação premiada como Melhor Vídeo no I Festival do
Minuto da Universidade São Marcos. Esperamos que o espirito de generosidade de todos os autores
presentes neste número da revista ecoe nos domínios da pós. Nossos agradecimentos.
Anna Barros
Diretora da Pesquisa em Debate
São Paulo, março de 2006
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Apresentação • p. 9
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Architecture as extended human skin/communication device
Yumi Kori
Architecture as extended human skin/
communication device*
Yumi Kori**
I believe that architecture works as communication device for human beings. Relationship between
nature and inhabitant, society and individual are influenced by architecture. For example, light, wind,
sound is filtered and information is controlled by the architectural boundaries such as wall, windows
and doors. Architecture also frame nature and create new relationship between inhabitant and nature.
Arquitetura, como uma extensão da pele humana/
dispositivo de comunicação
Eu creio que a Arquitetura funcione como um instrumento de comunicação entre os seres
humanos. A relação entre a natureza e seus habitantes, entre a sociedade e o indivíduo é influenciada
pela arquitetura. Por exemplo, a luz, o vento, o som são filtrados pelos limites arquitetônicos tais
como paredes, janelas e portas e assim também, a informação é controlada. Além disso, a Arquitetura
emoldura a natureza e cria uma nova relação entre ela e seus habitantes.
* Resumo da palestra Arte, Comunicação e Educação na Cultura Japonesa. No Auditório da Unidade Padre
Chico, a convite das Profas. Anna Barros e Rosemari Fagá Viegas, Grupo de Pesquisa Comunicação, Arte e
Criatividade, da Pós-graduação Interdisciplinar em Administração, Educação e Comunicação, USM.
** ARQUITETA E ARTISTA, nascida no Japão.Studio Myu é seu escritório de arquitetura em Tókio
Ganhou vários prêmios em projetos arquitetônicos e em arte. Professora de arquitetura no Banard College e
na Columbia University em Nova York.Em algumas instalações de arte Yumi trabalha com o músico vienense
Bernhard Gal. Esses trabalhos constituem-se em paisagens sonoras, que não são narrativas nem esculturas
mas sim uma aproximação experimental que une a arte de instalação com a tradição filosófica dos jardins
japoneses e do paisagismo.Os dois artistas juntos exploram as interações entre situações espaciais e
temporais nos espaços em que constroem suas instalações. Têm mostrado suas obras na Áustria, no Japão,
na Alemanha e nos Estados Unidos. É a primeira vez que Yumi vem ao Brasil e que profere uma palestra em
universidade brasileira.
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PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 3 • jul-dez 2005 • p. 11-12
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Architecture as extended human skin/communication device
Yumi Kori
http://www.studio-myu.com/e_page/architecture/ho_hira/hira_01.html
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Da natureza da técnica à técnica da natureza
ecos de Der Arbiter na cultura contemporânea
Maria Irene Aparício
Da natureza da técnica à técnica da natureza
Ecos de Der Arbiter na cultura contemporânea
Maria Irene Aparício*
Resumo
Vivemos no mundo da Técnica como os antigos viviam no mundo mágico. Não o entendemos. Mas é
precisamente o retorno a um certo mundo de Titãs que permite uma espécie de crença na salvação da
humanidade pela técnica. No limite, a técnica poderá, até, ser a arma mais eficaz contra o Leviatã das
más aplicações das novas tecnologias. Mas o que é a Técnica? Será apenas um instrumento do Homem,
uma tecnologia, ou assume a inevitabilidade de factor autónomo, no sentido de fatalidade ou destino...?
Ainda que antitéticas, veremos que uma e outra das concepções servem a designada função ideológica
do pensamento. A primeira, por fornecer à sociedade um meio de não pensar o seu verdadeiro problema,
a segunda porque permite aos homens esquivarem-se da responsabilidade das suas criações.
Palavras chave: Arte, Figura, Natureza, Técnica
Abstract
We live today in the world of the Technique as the old ones lived in the magic world. We did not understand
it. But, it is precisely the return to a certain world of Titans that allows a type of faith on the humanity’s
salvation for the technique. Actually, it seems to be the solution of all the problems, the cure of all of the
evils... Perhaps the technique will be able to be the most effective weapon against the Leviathan of the
bad investments of technologies. However, what is the Technique? It will just be an instrument of the
Man, a technology, or it assumes the inevitability of autonomous agent, in the fate sense or destiny?
Although antithetic, we will see that both of the conceptions serve the ideological function of the thought.
The first one, for supplying to the partnership a mean of not thinking his true problem, the second because
it allows to the men to be avoided of the responsibility of their creations.
Key words: Art, Figure, Nature, Technique
1. O verdadeiro problema que a tecnologia pretende ultrapassar é, precisamente, aquele que
ela tem ajudado a cumprir; a dimensão irreversível da finitude do corpo humano. Numa palavra, o
Homem pensa que pode dominar a Natureza, controlar a Técnica , pela tecnologia, mas é a Natureza
que o subjuga pela Técnica. Isto só é possível porque o Homem está convencido de ter obtido
alguma autonomia. Neste contexto, a Cultura parece ser a sua grande arma. O recurso à tradição ,
isto é, à memória das grandes produções espirituais do passado, e ao conjunto de atributos e produtos
* Mestre em Ciências da Comunicação (especialização em Cinema) pela Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Actualmente docente de Técnicas Audiovisuais e Projecto no
Isla – Instituto Superior de Línguas e Administração de Santarém.
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Da natureza da técnica à técnica da natureza
ecos de Der Arbiter na cultura contemporânea
Maria Irene Aparício
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das sociedades humanas, bastam para manter a ilusão de continuidade, de percurso teleologicamente
orientado, controlável , no limite.
Ora, Ernst Jünger vislumbrou no cenário da I Guerra Mundial, a verdadeira natureza de um
encontro, desde sempre, marcado; a convergência da técnica e do homem que continua a acontecer
todos os dias. É desse encontro que trata a obra Der Arbiter (1932). Preocupado em responder à
técnica, ao automatismo da natureza em que tudo se encontra irremediavelmente, Jünger considera,
no entanto, que a técnica será destrutiva até ser dominada. Uma visão talvez demasiado linear, num
mundo onde tudo acontece vertiginosamente e, quase, em simultâneo.
Hoje, como ontem, o choque poderá ser ainda de origem e dimensão puramente virtuais e
constituir, simultaneamente, o perigo e a esperança da nossa destruição/sobrevivência como espécie.
Daí que, perante algo que poderá influenciar o curso da História – a rapidez/aceleração que comprime
o vector tempo –, é importante saber dar uma resposta, agir.
É ainda a fatal atracção dos pólos destruição/sobrevivência que constitui o maior problema do
aqui e agora, porque é aqui e agora que tudo se joga, na imediatidade, sem espaço-tempo para a
mediação que, como veremos, se vislumbra na figura do trabalhador Jungeriana. É também aí que a
Técnica surge como problema e não como solução. Para onde quer que dirijamos o olhar, lá está o
elementar como o gato na caixa de Schrödinger. Ficar parado não impede a catástrofe, a passividade
não tem qualquer influência no resultado final. Também não contraria os nossos medos. É inevitável
o confronto com eles, porque não prevemos nada, não sabemos nada...
Esta declinação permanente, cada um pode confrontá-la de modo diferente. Não há o método.
Jünger diz que não olhar não soluciona. Saber olhar, talvez. A Figura do Trabalhador é o resultado
imediato dessa metafísica da visão que não se compadece com a visão da História. Porque está
para além dela, num tempo absoluto, tal como o Herói, enquanto forma de dominação do mundo, de
ultrapassar a morte.
Ora, o problema fundamental está em perceber se existe uma forma de humanizar a técnica e
tecnicizar o homem sem anular, pura e simplesmente, a humanidade. A ficção não hesitará em afirmar
essa possibilidade, e talvez tenha sido essa a predicção de Jünger ao postular a fusão orgânica, o
encontro adiado “sine die” entre Técnica e Bios. Mas podemos questionar-nos até que ponto Ernst
Jünger se afasta desta mesma ambição, tanto mais que a Figura do Trabalhador, na sua função de
mediação, acaba por justificar sempre o injustificável – o elementar que, afinal, nos escapa.
Mais, é essa mesma Figura que dá à contingência um lugar cativo de coisa necessária à
resolução de todos os problemas da humanidade, nomeadamente a guerra, palco de emergência
dos escritos de Jünger cuja dimensão ficcional não chega para disfarçar um certo desencanto e
desespero (nihilismo até), e a (in)consciência da fronteira inultrapassável da condição de ser
humano. A este propósito dizia Lorenz, citando Nicolai Hartmann “o homem não quer olhar face a
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Da natureza da técnica à técnica da natureza
ecos de Der Arbiter na cultura contemporânea
Maria Irene Aparício
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face a dureza do real como a de algo perante si absolutamente indiferente. Ele pensa logo que,
sendo assim, não vale a pena viver . 1
2. Não terá sido, porventura, intenção de Ernst Jünger mergulhar no mistério do Paradigma
Perdido mas, ao questionar a Técnica, é impossível não retornar a esse mítico momento da origem
ritualizado, em cada irrupção do elementar, da physis. A reflexão de Jünger, a propósito da técnica,
quer em Der Arbiter (O Trabalhador), quer em Der Waldgang (O Passo da Floresta ), é uma tentativa
de compreender o mundo em conflito e, sobretudo a estranha aceleração de uma História contada,
até então, quase sempre, na primeira pessoa do singular.
Ao aperceber-se que a técnica não é um simples instrumento (quantas vezes identificado com a
tecnologia), e postulando o seu estatuto a priori, Jünger está a condenar o Homem à sua natureza
subalterna, ainda que tente manter o derradeiro sopro de livre arbítrio, ao consignar em Der Arbiter ,
uma Figura – a Figura do Trabalhador – como elemento unificador de uma ideia de Cultura agonizante,
à beira do século XXI. Em Der Waldgang o autor chega mesmo a afirmar que “As cadeias da técnica
podem romper-se e é o indivíduo precisamente que as pode romper”.
É na emergência do non-sense da destruição e da guerra que Jünger se apercebe que não é o
Homem que controla a Técnica, mas é a Técnica (na sua essência) que constitui a frente de batalha
e comanda o sentido da sua época e, provavelmente, de todas as épocas anteriores e posteriores. É
justamente nesta profética ante-visão do futuro, que a questão da técnica nos interessa, na medida
em que o autor terá antecipado algumas das questões fundamentais da Teoria da Cultura
Contemporânea. François Jacob dizia em O Jogo dos Possíveis, que quase tudo aquilo que caracteriza
a humanidade se resume na palavra cultura, enquanto Castoriadis afirmava que o abismo que separa
as necessidades do Homem como espécie biológica, e as suas necessidades como ser histórico, é
cavado pelo imaginário, utilizando como enxada a técnica.
A metáfora parece acertada na medida em que, se no dealbar do século XX, o mundo parecia
constituído por estratos sobrepostos mas não comunicantes: Homem/Cultura, Vida/Natureza, esta
ideia de técnica vem, subitamente, restituir à história da humanidade, um certo elo perdido. A
clarividência da ideia de que a Técnica não é mais do que a mobilização do mundo pela Figura do
Trabalhador, tem consequências incalculáveis a todos os níveis. Parece-nos que a mais grave é
uma certa legitimação da violência, nomeadamente da guerra, já que o espaço de controlo da técnica
passa a ser todo e qualquer palco da acção (in)controlada, entendida aqui como agir . Mais, a ideia
de mobilização, enquanto destruição absolutamente necessária e anterior à fase de reconstrução,
atira, definitivamente, o homem para o caos determinístico de uma Natureza indiferente à sua
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in LORENZ, Konrad; O Homem Ameaçado, Dom Quixote, Lisboa, 1988, p. 20
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Da natureza da técnica à técnica da natureza
ecos de Der Arbiter na cultura contemporânea
Maria Irene Aparício
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dimensão carnal. E nem a Figura do Trabalhador parece salvar-nos do destino de uma de Fénix
condenada a renascer eternamente das suas próprias cinzas. O que, no limite, (como se sabe, a
teoria do Big Bang é a última pergunta, para a qual ainda não há resposta) pode até nem ser verdade...2
A recusa da instrumentalidade da técnica afasta, definitivamente, o homem da condição quer de
criador, quer de vítima da técnica, já que, devido à sua característica de Totalidade, ela jamais entra
realmente em contacto com o homem; “... L`homme n`est pas lié immédiatement mais médiatement
à la technique. La technique est l`art et la manière dont la Figure du Travailleur mobilise le Monde.” 3.
Esta aparente neutralidade pretende, é claro, evidenciar uma certa urgência de questionar a História,
bem como os poderes culturais, no sentido em que a técnica nada mais faz do que prosseguir um
caminho – não de progresso ilimitado, mas da permanência.
Mas, se a ideia é suficiente para apreender um sentido da actualidade da experiência moderna,
ela não chega, no entanto, para explicar a origem desse mesmo sentido. Isto é, a visão humana
não chega para apreender a totalidade ; nem a História, nem a Ciência, nem mesmo a Arte. É caso
para perguntar se haverá, então, figura que resista à permanente fragmentação da experiência...
É claro que o Homem só pode, na sua materialidade, entrar em contacto com a máquina. E, nesta
medida, o corpo é o seu interface com a realidade . Mas Jünger sabia, porque viveu “in loco” a
experiência da guerra, que a este nível há um momento em que a ruptura é inevitável. O momento
da descontinuidade observou-o ele no campo de batalha, quando o contacto desigual entre carne
e metal abala todas as ideologias.
Profundamente enigmático e não isento de polémica, Der Arbiter desvela uma solução ideal
para a ordenação do espaço ideológico do Ocidente. A Figura do Trabalhador surge quase como
uma necessidade. Parafraseando Eduardo Lourenço “o que não aparece funda a lógica paradoxal
do que aparece...” 4 I.e, a essa relação dicotómica Homem/Máquina sobrepõe Jünger uma outra –
Figura do Trabalhador/Técnica – que nos leva a perguntar se estamos de regresso à metafísica, às
coisas mesmas, ou se, pelo contrário, é o fim da metafísica. Ao carácter ambíguo e (im)provável de
uma única resposta, sobrepõe-se ainda a questão: “onde nos poderá levar o devir, se acaso
atravessarmos a fronteira, neste limiar crítico do Humanismo ?”5
2
“A humanidade encontra-se hoje numa situação mais perigosa do que nunca. Mas a ciência forneceu à
nossa cultura os meios, pelo menos potenciais para escapar ao declínio de que todas as grandes culturas
foram vítimas. Isto acontece pela primeira vez na história do mundo” in EIGEN, Manfred et al; O Jogo, As
Leis Naturais que Regulam o Acaso, Gradiva, Lisboa, 1989, p.324
3
in JÜNGER, Ernst; Le Travailleur, Christian Bourgois Éd., 1994, p. 198
4
In “Prefácio”, FOUCAULT, Michel; As Palavras e as Coisas, Edições 70, Lisboa, 1988, p. 14
5
“Pois, poderia mesmo acontecer que a natureza, escondesse precisamente a sua essência, naquela face
que oferece ao domínio técnico do homem” in HEIDEGGER, Martin; Carta Sobre o Humanismo, Guimarães
Ed., Lisboa, 1987, p. 47
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Da natureza da técnica à técnica da natureza
ecos de Der Arbiter na cultura contemporânea
Maria Irene Aparício
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A verdade é que a Figura do Trabalhador constitui uma resposta às inúmeras questões colocadas
pela modernidade, nomeadamente a questão da finitude e a permanente recusa dessa finitude. É
aliás, nesse contexto, que surge a outra figura – o Herói. Na relação finita, incontornável, que o
homem tem com a espacialidade, fantasmaticamente configurada pela morte, é preciso contornar a
ideia de destruição total, de apagamento do ser na ausência do corpo. É então que emerge o Herói
que habita, efectivamente, esse espaço imponderável e transcendental do confronto com a técnica.
O Herói é a reconstituição de um Homem despedaçado pela Máquina. Mas, enquanto figura, também
ele repousa na Figura do Trabalhador, e só esta última permanece no centro imóvel do próprio
movimento. Vem a propósito citar Oswald Spengler que considerava que “O tempo não pode deter-
se; não há retrocessos prudentes, nem renúncias cautelosas. (...) Nascidos nesta época, temos de
percorrer até final, mesmo que violentamente, o caminho que nos está traçado. Não existe alternativa.
O nosso dever é permanecermos, sem esperança, sem salvação, no posto já perdido, tal como o
soldado romano cujo esqueleto foi encontrado diante de uma porta de Pompeia, morto por se terem
esquecido, ao estalar da erupção vulcânica, de lhe ordenarem a retirada. (...) Esse honroso final é a
única coisa de que o homem nunca poderá ser privado.”6
O que parece estar em causa no pensamento moderno é o confronto do Eu com a Totalidade, nesse
fugaz percurso em que, “cada um de nós, intrinsecamente insignificante, não deixa de ser – mesmo
nesse instante incrivelmente breve – uma vida lançada no turbilhão cósmico”.7 É verdade que Jünger
contrapõe, precisamente, ao caos, uma figura que permanece, mesmo quando o elementar emerge. E,
no seio de toda e qualquer catástrofe, a figura é uma espécie de fio de Ariadne no labirinto da vida.
Curiosamente, é para essa figura que nos dirigimos. É nela que caímos quando passamos a fronteira
entre vida e morte. Porque a figura escapa a qualquer mutação. Não está antes nem depois. Está entre...
No entanto, nesta abertura ao infinito, à (nossa) eternidade, o que causa medo é a invisibilidade
dos limites. À pergunta inquietante «Onde está o limite?», a modernidade só pode responder com a
experiência. Jünger tentou responder de modo diferente, numa tentativa de nomear o que nos escapa
incessantemente; a linha do horizonte que se desvia quando nos aproximamos. Essa linha que é o
tempo diferido da eternidade, o que é e não muda ou, talvez, a alma, que é também sombra projectada;
i.e . a Figura do Trabalhador. Apesar de, radicalmente, Jünger considerar que “la technique, c`est-àdire la mobilisation du monde pour la Figure du Travailleur, étant destructice de toute foi en général
est aussi la puissance la plus résolument antichrétienne qui soi apparue jusqu`ici.”8
É um facto que não está em causa uma avaliação positiva e/ou negativa da Técnica , mas
Jünger só em parte consegue fugir a uma certa concepção ocidental da técnica , radicada ainda na
6
in SPENGLER, Oswald; O Homem e a Técnica, Guimarães Ed. Lisboa, 1993
7
Ibidem p. 44
8
In JÜNGER, Ernst ;Le Travailleur, Christian Bourgois Éditeur, p. 203
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Da natureza da técnica à técnica da natureza
ecos de Der Arbiter na cultura contemporânea
Maria Irene Aparício
cultura grega. Enquanto “mise-en-oeuvre” de um saber, o domínio da Techné não está totalmente
separado da virtude ética. Quer isto dizer que não a devemos julgar senão no âmbito do ajustamento
da eficácia dos meios ao fim visado. Estamos a opor as considerações técnicas às considerações
políticas, e as técnicas artísticas à expressão ou à interpretação. É uma questão de Língua, Cultura
e Política.
Para Jünger o carácter de tese/antítese da técnica constitui todo o seu poder e eficácia , já que
o extermínio, a destruição, é apenas uma primeira fase da verdadeira construção. É o grau zero a
partir do qual tudo renasce. A destruição tem em si o germe da criação; a génese de uma nova
sociedade que emerge, primeiro com o Herói e, depois, com a Figura do Trabalhador. Ousaríamos
dizer que, no limite, a técnica é o corpo mítico de uma paixão; o Poder . Na medida em que é a
técnica / physis que encarna o poder de destruir e simultaneamente o de criar, num movimento
dialéctico, perpétuo – o agir , o trabalho cuja conotação, aqui inteiramente assumida, é a de
(re)construção. Este ponto de encontro com a teoria marxista, só o é em parte. É que, ultrapassando
a ideia grega de Téchné , Marx colocou, explicitamente, a técnica como momento central e criador
do mundo histórico-social. Mas, só aparentemente a (sua) técnica é um instrumento neutro, já que
ela é sinónimo de trabalho enquanto força produtiva, indústria e tudo o que, ideologicamente, vem
por acréscimo.
Em contrapartida, Hegel contribuiu para uma outra noção de técnica , ao ver no trabalho um
acto de construção espiritual do homem. Se Marx devolve ao homem histórico a sua dimensão
corporal, a carne , Jünger vai mais longe e fala de um misto de homem hegeliano e homem de
Marx, o Homem que é, sem alternativa possível, figura transcendente (a Figura do Trabalhador ) e
o herói antes de o ser , no campo de batalha, a carne para canhão. Tímida procura do ser ontológico
que é, paradoxalmente, um ser da paixão , um ser que sofre a limitação do corpo, ainda que de
uma forma quase ascética. Se o destino do ser parece conduzir à ausência dos deuses, resta
saber o que será mais difícil de entender: a Totalidade (espécie de Deus ex-machina ) ou o seu
fragmento, a Humanidade . A resposta poderá passar, então, pela técnica enquanto dimensão
essencial da criação dessa totalidade englobante que a Língua e a Cultura atiram para o domínio
fragmentário da representação.
Efectivamente, a essência da técnica nada tem de técnico. 9 A técnica é um processo de
desvendamento, liberto de toda a pregnância humana. E o destino provável do desvelar da realidade
é o perigo, por excelência, a beira do precipício ao longo do qual o homem caminha. Qualquer
tentativa de dominação é, apenas, um adiamento do encontro com a verdade, já que “o limite liberta
9
“A civilização (cuja técnica constitui um domínio particular) tem por finalidade cultivar, desenvolver e proteger
o ser-homem do homem, a sua humanidade.” in HEIDEGGER, Martin; Língua de Tradição e Língua Técnica,
Vega, Lisboa, 1995, p.17.
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para o desvendamento, é pelo seu contorno, na luz grega (que não restringe, faz aparecer) que a
montanha persiste no seu erguer-se e repousar. O limite constituinte é o que repousa – a saber, na
plenitude da mobilidade...” 10
Heidegger questiona-se até que ponto a Técnica contribui, negativa ou positivamente, para a
Cultura . E é esta questão que o leva a repensar o estatuto da Língua e as suas limitações na
conferência que designou por Língua de Tradição e Língua Técnica; “atrás do título da conferência
esconde-se a alusão a um perigo a crescer constantemente e que ameaça o homem no mais íntimo
da sua essência – a saber, na sua relação com a totalidade daquilo que foi, do que vai vir e que
presentemente é . (...) É um desmoronamento do mundo do qual o homem nota, contristado, os
sobressaltos, porque é continuamente coberto pelas últimas informações.”11 O Logos, essência da
Língua, é o recolhimento do que se torna manifesto, é a ordem da physis. A Língua quando se torna
palavra (e, sobretudo poesia) é um trazer à presença pelo traçado do contorno – ge-stell -, ou a
essência da técnica moderna. A Língua é, pois, a poesia original, a resposta mais próxima do real. 12
Ora, também Jünger postula a arte, particularmente a poesia, como solução e, tal como Heidegger,
considera a Linguagem como um pensamento em imagens que germina. A tarefa maior da Linguagem
é criar um espaço aberto, uma obra em processo de desvendamento. Na arte parece estar,
efectivamente, a chave que permite ultrapassar a linha do nihilismo.
O regresso urgente à poiésis, à criação que é téchné , (não é mimesis , não é imitação da
natureza 13), é a natureza mesma revelada. O quadro é mancha de tinta e, tal como o real, emerge
sempre para destruir ou tornar obsoleta a nossa ilusão das formas, “a criação não é falsificável e a
obra de arte reflecte o jogo eterno da criação na natureza”.14 O elementar jungeriano é a arte da
natureza que é o real. O seu princípio de destruição devolve-nos, incessantemente, ao lugar infinito
e (in)significante do mutismo. Daí que só nos reste aflorar a realidade, pelos sentidos; a pintura que
é tinta, a palavra que é grito. Este é o resultado da queda no elementar, da entrega que constitui,
10
in HEIDEGGER, Martin; A Origem da Obra de Arte, Ed. 70, Lisboa, 1992, p. 70
11
Ibidem, p. 41
12
“Na tecnologia que tudo avassala, ainda entreluz o logos. Pela nossa parte procurámos mostrar que essa
forma é perigosa, reforçando o caminho para o pior quando procura garantir um único caminho. O perigo
desse caminho a que a modernidade chama “método”, é a sua ilusão de dominar o existente (...).” / “Mas
para libertar as melhores possibilidades do agir, é preciso salvar todas as possibilidades” in MIRANDA, J. A.
Bragança de; Analítica da Actualidade, Vega, Lisboa, 1994, pp. 311 e 318
13
“L´art n`est rien de particulier, rien qui puisse être exposée dans ses parties puis reconstitué dans des domaines
singuliers. En tant qu`expression d`un sentiment puissant de la vie, il ressemble à la langue que l`on parle
sans être conscient de sa profondeur. Le merveilleux se rencontre partout ou nulle part. En d`autres termes,
il est une propriété de la Figure” in JÜNGER, Ernst; Le Travailleur, p. 277
14
in EIGEN, Manfred et Al; O Jogo, p. 416
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Maria Irene Aparício
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cada vez mais, apanágio da arte. Jünger diz que “a arte é o meio pelo qual a Figura é gerada como
princípio criador”, ou seja, a arte é a arte da natureza...
Sabemos que Jünger critica as artes do seu tempo porque elas acentuam as metamorfoses, os
monstros, a velocidade. i.e., o contrário das formas perfeitas, aparentemente imutáveis da natureza,
de que as conchas são um exemplo. Talvez por isso, tenha dado maior importância à escrita e à
poesia, no sentido em que através delas seria possível ligar o que o Museu (ideia preversa e burguesa
da arte) desligou.15
O ponto fulcral da técnica não reside no gesto da sua utilização. É de saber, no sentido rigoroso e
fundador que lhe deu Platão (épistème), e não de fazer que se trata. O que falta é articular essa noção
de técnica, figura ideal de uma Totalidade que se adivinha virtual, com o espaço efectivo da Ciência e
da Cultura, o seu domínio. Moniz Pereira diz hoje o que Jünger não teve palavras para dizer, “...o
computador veio elucidar um problema filosófico de sempre, o da interacção corpo-mente (o “mind
body problem”), em todas as suas versões monistas ou dualistas, com ou sem interacção, com ou sem
epifenómenos, porque reconcilia aquelas duas visões: cada uma é afinal um ponto de vista, uma
descrição da mesma coisa. (...) Mas as implicações da questão metafísica são claras. O Homem sentese ameaçado pela competição da Máquina (...), e também em desarmonia consigo mesmo, porque em
desarmonia com as máquinas que fazem, literalmente, parte de si mesmo, isto é, do seu modo de se
representar inserido na Natureza. (...) Já não podemos pensar o Homem sem a Máquina.”16
A construção orgânica do mundo pode até ser uma miragem, mas a robótica, a cibernética e
outras maravilhas da Tecnologia e da Ciência, são fenómenos que remetem para uma dimensão
fantasmática da técnica, para o seu poder ilimitado e imprevisível, que é também a sublime esperança
da Humanidade. É claro que, para já, não é provável a fusão total entre homem e máquina. O cyborg
está, ainda, enclausurado numa qualquer dimensão ficcional e a sua concretização dependerá,
sobretudo, da (in)decisão de quem faz o quê com que objectivos...
O que é indiscutível é o facto de estarmos, hoje, no limiar dessa realidade apenas intuída por
Jünger, mas que emergiu, cresceu e se multiplicou, de forma virulenta, no berço da guerra. Foi o
desenvolvimento tecnológico de uma indústria de armamento, e a necessidade no limite inferior de
segurança (o medo), na sequência do gélido sopro da Guerra Fria, que engendrou uma espécie de
vida orfã de pai e mãe – a inseminação artificial, a clonagem, as armas biológicas... e o que mais,
estrategicamente, (ainda) não se disse.
15
“... a arte será sacralizada na instituição do museu (a fundação do Louvre data de 1793). Mas esta consagração
terá como efeito a sua queda no inessencial...” in M. Le Bot ; “Technique et Art” , Enciclopaedia Universalis,
Vol. 15, pp. 809-812
16
PEREIRA, Luís Moniz; “Inteligência Artificial – Mito e Ciência” in Colóquio/Ciências, nº 3, Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa, 1988, pp. 1-13
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3. À pergunta colocada pela Filosofia: “Para onde vamos?”, a Ciência procura dar uma resposta...
A Biologia e, particularmente, a Etologia, respondem positivamente, e operam uma certa reconciliação
da Técnica / Natureza com o Homem. Tal como em Jünger, a rejeição implícita do “humanismo” não
aponta para uma dissolução mas para uma integração. Não ansiamos por uma civilização de
máquinas, de superfícies polidas e/ou de robots. A nossa luta é a da sobrevivência, a partir do
momento em que a consciência da finitude, determina o rumo de toda a nossa Cultura. É preciso
escapar ao nihilismo provocado pela morte de Deus, mas por enquanto tacteamos apenas a fronteira
a partir da qual tudo permanece.
Podemos, portanto, estar de acordo com Jünger, relativamente à forma como enfrentou os problemas
da sua época. E, tal como ele, consideramos que é decisivo responder à actualidade, não com a actualidade
mas de forma um tanto profética. Mesmo se amanhã a Natureza irromper e esse Poder, que é a Técnica,
nos disser que tudo não passou de “rêverie” – “de sonhos da razão”.17 É que, “não contorna a floresta
quem está dentro dela” e, nesse sentido, o enigma que hoje se nos depara acompanhar-nos-á sempre,
porque é da sua natureza deslocar-se. É uma imagem espelhada no horizonte...
Em última análise, Homem e Técnica talvez não necessitem da mediação da Figura do
Trabalhador . Talvez sejam as duas faces da mesma moeda. De uma mesma Realidade , Una,
Indivisível, Total e inapreensível na sua Totalidade. Se assim é, qualquer olhar dirigido do exterior é
pura ilusão. A “visão” (para Jünger há os que vêem e os que não vêem) será, por este meio, apenas
um artífício da Linguagem para fugir à fatalidade da interioridade do ser. Mas quais são as
consequências de fazer passar a «alma» (o garante da eternidade) pela Figura do Trabalhador, pois
que só através dela o homem acede à permanência? “On voit ici se substituer à la religion, et plus
exactement à la religion chrétienne, la connaissance qui assume le rôle du Rédempteur. Dans un
espace òu les enigmes du monde sont résolues, la tâche de libérer l`homme de la malédiction du
travail et de lui permettre de se consacrer à des sujets plus nobles échoit à la technique”18. Que
técnica é esta que agrilhoa mas tem o poder de libertar? Não tenhamos ilusões. A técnica será
17
“A ciência fornece-nos uma visão da realidade segundo a perspectiva da razão (...). É uma visão poderosa,
formal e austera, mas estranhamente silenciosa a respeito de muitas das questões que nos preocupam
profundamente. A ciência mostra-nos o que é que existe, mas não o que é que se há-de fazer com isso. A
política, o direito, a arte e a religião fornecem-nos outras visões de uma outra realidade. Essas visões da
realidade são moldadas pela perspectiva da primeira pessoa e pelos princípios da razão prática ou estética
que ordenam o imediato da nossa experiência vivida e os nossos valores, reflectidos nos nossos juízos
éticos e estéticos. Como Vico referiu, há muitos séculos, é esta realidade – o mundo da sociedade civil e da
cultura – que poderemos vir a compreender verdadeiramente, pois foi construída por nós e não por Deus.” in
PAGELS, Heinz R.; Os Sonhos da Razão, o Computador e a Emergência das Ciências da Complexidade,
Gradiva, Lisboa, 1990, p. 413
18
in JÜNGER, Ernst; Le Travailleur, p. 213
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sempre o mais perfeito exercício para morrer, na justa medida em que, com ela, se atinge a inércia
total – a des-realização. Paul Virilio diz que “é difícil imaginar uma sociedade que negue o corpo, do
mesmo modo que foi, precisamente negando a alma e, todavia, é para ela que nos encaminhamos”.19
No devir universal é disso que se trata. Quando agimos, estamos a morrer. Quando Descartes iniciou
o deslocamento da alma do exterior para o interior do corpo, profetizou a trágica solidão do Homem,
que a Fisíca Quântica acabaria por confirmar. Mas, por agora, como diria Nietzsche, “o que importa
não é o que é verdadeiro é o que ajuda a viver”...
Na altura em que Dendid criou todas as coisas,
criou o Sol,
e o Sol nasce, e morre, e volta de novo;
criou a Lua,
e a Lua nasce, e morre, e volta de novo;
criou as estrelas,
e as estrelas nascem, e morrem, e voltam de novo;
criou o homem,
e o homem nasce, e morre, e nunca mais volta.
Canção Africana
19
in VIRILIO, Paul; A Inércia Polar, Dom Quixote, Lisboa, 1993, p. 124, nota do autor retirada de “L`Horizon
Négatif”, uma outra obra de sua autoria
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Referências bibliográficas
CASTORIADIS, C.; “Technique” in Enciclopaedia Universalis, Vol. 15, pp. 803-808
EIGEN, Manfred et WINKLER, Ruthild; O Jogo , As Leis Naturais que Regulam o Acaso, Gradiva,
Lisboa, 1989
FOUCAULT, Michel; As Palavras e as Coisas, Edições 70, Lisboa, 1988
HEIDEGGER, Martin; A Origem da Obra de Arte, Edições 70, Lisboa, 1992
HEIDEGGER, Martin; Carta Sobre o Humanismo , Guimarães Ed., Lisboa, 1987
HEIDEGGER, Martin; Língua de Tradição e Língua Técnica, Vega, Lisboa, 1995
JÜNGER, Ernst; Le Travailleur, Christian Bourgois Éditeur,
JÜNGER, Ernst; O Passo da Floresta, Ed. Cotovia, Lisboa, 1995
LE BOT, M.; “Technique et Art ” in Enciclopaedia Universalis, Vol. 15. pp.809-812
LORENZ, Konrad; O Homem Ameaçado, Dom Quixote, Lisboa, 1988
MIRANDA, José A. Bragança de; Analítica da Actualidade, Vega, Lisboa, 1994
PAGELS, Heinz R.; Os Sonhos da Razão, O Computador e a Emergência das Ciências da Complexidade,
Gradiva, Lisboa, 1990
PEREIRA, Luís Moniz; “Inteligência Artificial – Mito e Ciência” in Colóquio/Ciências, nº 3, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1988, pp.1-13
SPENGLER, Oswald; O Homem e a Técnica , Guimarães Ed., Lisboa, 1993
TROTIGNON, Pierre; Heidegger, Edições 70, Lisboa, 1990
VIRILIO, Paul; A Inércia Polar , Dom Quixote, Lisboa, 1993
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História e Experiências Brasileiras do Crédito Educativo
antes do FIES – Financiamento Estudantil
Maria Hidalgo Sanchez / Laima Mesgravis
História e Experiências Brasileiras do Crédito Educativo
antes do FIES – Financiamento Estudantil
Maria Hidalgo Sanchez*
Laima Mesgravis**
Resumo
Este trabalho resume as primeiras experiências de políticas públicas ou privadas do Crédito Educativo
para alunos universitários, posteriormente substituídas pelo FIES.
Palavras-chave: Crédito Educativo; Universidade; Política Pública
Abstract
This work summarizes the first experiences of public or private politics of “Crédito Educativo” (educational
credit) for university students, substituted later by FIES
Key-words: Educative credit; University; Public politics
A questão do crédito educativo no país surgiu, com grandes expectativas a partir da crescente
privatização do ensino superior e ampliou-se com a política pública da expansão das vagas nas
universidades, na administração Jarbas Passarinho à testa do MEC, nos anos 60. O aumento das
vagas no ensino público, com a troca do concurso de habilitação pela classificação, não supriu a
demanda reprimida e o atendimento das exigências do acelerado processo de desenvolvimento da
década de 1970. Para atender à massa de candidatos, foi necessário facilitar a abertura de centenas
de universidades particulares pagas, mas esses candidatos, via de regra, não dispunham de recursos
para as mensalidades, daí a necessidade das diversas experiências de crédito educativo que
passaremos a examinar.
Diversas são as formas de apoio estudantil nas instituições de ensino superior, dentre as quais
o crédito educativo. O referido financiamento se deu através do chamado crédito rotativo, que tem
*
Mestre em Educação, Comunicação e Administração pela Universidade São Marcos.
**
Professora Doutora do programa de Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação
da Universidade São Marcos. Profa. Livre-docente pela USP.
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antes do FIES – Financiamento Estudantil
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como finalidade proporcionar condições para que o estudante universitário possa cursar a graduação,
permitindo, mediante a devolução do empréstimo, que outros alunos sejam beneficiados.
Este tipo de programa foi criado na Colômbia, em 1943, pelo estudante Gabriel Betancur Mejía,
em sua tese de mestrado na Universidade de Siracusa, Estados Unidos, e tinha como proposta e
objetivo atender e beneficiar a população estudantil de menos capacidade econômico financeira.1
Diplomado, Gabriel dedicou-se ao compromisso assumido com seu orientador de colocar em
prática sua tese. Para tanto criou em 1950, o ICETEX-Instituto Colombiano de Crédito Educativo e
Estudos Técnicos no Exterior, a primeira instituição conhecida no mundo que financia o ingresso de
jovens na educação superior.
Em 1969 constitui-se a APICE – Associação Panamericana de Instituições de Crédito Educativo,
com sede em Bogotá, formada por oito instituições da América Latina e Caribe, com o objetivo de
organizar uma força panamericana que reunisse as ações realizadas individualmente pelas diferentes
instituições e que tivessem representação internacional, buscando soluções comuns para o tratamento
dos problemas relacionados com o financiamento da educação superior. 2 Atualmente setenta
membros, de vinte países, integram a Associação, cujo objetivo permanece inalterado. Conforme
dados do Banco Mundial, mais de setenta países têm hoje um sistema de crédito educativo. 3
Segundo Souza & Faro 4, o programa de crédito educativo caracteriza-se por proporcionar
empréstimos em bases iguais a todos os que o solicitam, independentemente da renda familiar; a
amortização pode ser feita mediante prestações fixas, ou em prestações proporcionais ao rendimento
que serviu de base de cálculo para o crédito. Porém, enquanto a prestação fixa permite a cobrança
integral da dívida de cada mutuário, as prestações proporcionais à renda, por terem geralmente um
único prazo de amortização, envolvem uma redistribuição da renda dos mutuários de renda alta para
os de renda baixa. Os programas de crédito educativo baseiam-se nos princípios de liberdade inseridos
nos ideais sociais como democratização e igualdade de oportunidades educacionais.
No entendimento de Broderson & Sanjurjo: “O crédito educativo é um instrumento que,
antecipando as rendas futuras do estudante, lhe permite o financiamento de sua educação presente5”.
1
APICE. Historia, hoja de vida y semblanza. Colômbia, 2002.www.apice.com.
2
Ibid.
3
APICE. Historia, hoja de vida y semblanza. Colômbia, 2002. www.apice.com.
4
SOUZA, A. M. & FARO, C. Crédito Educativo e Ensino Superior. Fórum Educacional. Rio de Janeiro: FGV, 4
(1): 3-17, jan./mar.1980.
5
BRODERSON, M. & SANJURJO, E. Financiamiento de la educación en América Latina. México: Fondo de
Cultura Econômica, 1978, p. 397.
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Assim sendo, o crédito educativo é um mecanismo de inversão recuperável, que permite a
utilização de um capital em forma rotativa, caracterizando seu cunho social. Trata-se de uma idéia
positiva, uma vez que proporciona um meio de ampliar a ajuda econômica à classe estudantil, através
do fundo rotativo que é mantido pelo próprio estudante.
Zylmelman argumenta: “Todo crédito educativo deve ser considerado um instrumento financeiro,
a fim de facilitar ao usuário a aquisição de bens que ele pretende e aos quais não tem acesso por
carecer de recursos”.6
Este conceito baseia-se em princípios educacionais, democráticos, orientação para o mercado
de trabalho e o econômico-financeiro: o educacional procura proporcionar a dedicação do aluno aos
estudos, em tempo integral, através do empréstimo de manutenção provocando uma melhoria no
aproveitamento escolar do estudante; o democrático, que visa à igualdade de oportunidades
educacionais nas diversas classes, permitindo às pessoas carentes de recursos financeiros atingir o
estágio de formação superior no seu campo profissional; o de orientação para o mercado de trabalho,
que procura destinar o crédito para aquelas formações profissionais em que o desequilíbrio entre a
demanda e a oferta indica a existência de insuficiente número de técnicos habilitados; o econômicofinanceiro, que, além de beneficiar diretamente o aluno, como se demonstrou no aspecto democrático,
possibilita, também às universidades, um afluxo mais regular de receitas, pela forma como o crédito
é processado, e os recursos são liberados para as instituições de ensino superior.
De outra forma, ou a própria escola teria de financiar o estudante, ou então este, com imenso
sacrifício pessoal, seria forçado a recorrer às linhas de crédito pessoal, oferecidas pelas instituições
financeiras, ou o que é pior, forçá-lo a desistir dos estudos.
Destarte, torna-se explícito o pressuposto básico desse tipo de programa: o estudante, ao receber
seu empréstimo ou bolsa, tem aumentadas suas chances de ingresso e permanência no ensino
superior. É neste aspecto singular que se situa o crédito educativo: sistema que visa a auxiliar
financeiramente o jovem, para que este se eduque adequadamente, levando-o a assumir, desde o
período de formação, o compromisso social de devolver, quando chegar a época, o correspondente
financeiro que lhe possibilitou a formação profissional.
O impacto que os empréstimos através de programas de crédito educativo teriam sobre a igualdade
de oportunidades no ingresso ao ensino superior seria muito maior se estes empréstimos tivessem
início no ensino médio. Desta forma as chances de cursar o ensino superior aumentariam sensivelmente.
Segundo Souza & Faro 7 caso típico acontece na Suécia, onde os alunos de escolas de 2º grau
recebem empréstimos estudantis, elevando dessa forma as chances de acesso ao ensino superior,
6
ZYLMELMAN, M. Fondos públicos para financiar la educación. México: ADI, 1974, p. 135.
7
SOUZA, A. M. & FARO, C. Crédito Educativo e Ensino Superior. Fórum Educacional. Rio de Janeiro: FGV, 4
(1): 3-17, jan./mar.1980.
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já que freqüentam instituições de ensino de 2º grau de nível aprimorado. Igualmente os resultados
positivos alcançados pelos programas de crédito educativo, sobretudo em países do continente latinoamericano, Estados Unidos e Europa, têm demonstrado a força de uma idéia que vem encontrando
sua aplicação no contexto do ensino superior.
No contexto brasileiro existem experiências concretas de empréstimos ou programas de crédito
educativo, mas do tipo indireto, ou passivo, isto é, dispensa total ou parcial das anuidades durante o
curso universitário, e o pagamento do crédito acontece a partir de alguns meses ou um ano após o
término dos estudos. Essa prática é freqüente nas Universidades Católicas.
Na PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná)8, que segue modelo parecido com o de
outras PUCs, como a do Rio Grande do Sul, são oferecidas aproximadamente 300 vagas semestrais
de financiamento para atender aos 18.000 alunos que possui. A forma de concessão do crédito é por
meio de seleção feita pelo Serviço de Assistência Estudantil da PUC. O teto máximo de financiamento
é de 50% do valor da mensalidade e pode ser obtido para apenas um semestre ou para o curso inteiro.
Depois de terminar o curso, o graduado tem um ano de prazo de carência para começar a
pagar.O número de parcelas pagas depois de formado será igual ao número de meses durante os
quais utilizou o benefício; e o valor mensal a ser pago é o mesmo que os estudantes de seu curso
pagam à instituição de ensino superior, sofrendo os mesmos reajustes que as mensalidades sofrerem
– em geral, o aumento segue o índice da inflação. Em caso de não pagamento das parcelas, a PUC
recorre aos mesmos instrumentos jurídicos à disposição de qualquer instituição financiadora, como
assessoria jurídica e Serasa.
O benefício, que em 2003 completou dez anos de existência na PUC-PR, é realizado em parceria
com a Fundação Cultural Leonardo da Vinci, que cuida da parte jurídica dos financiamentos. A
Universidade Federal de Pernambuco9 vai um pouco além, pois concede Bolsas de Manutenção aos
estudantes de graduação que comprovadamente forem de baixa renda. O objetivo é oferecer-lhes o
apoio sócio-econômico e a oportunidade de desenvolver atividades curriculares e/ou extracurriculares
vinculadas às Unidades Universitárias da Universidade Federal de Pernambuco, prioritariamente na
área à qual o bolsista esteja vinculado.
O estudante, por meio de inscrição, passa por um processo seletivo, conduzido pelo Serviço
Social do Diretório da Universidade, que procederá à elaboração de laudo técnico, atestando a
carência do candidato. São selecionados os alunos de menor renda familiar e, em caso de igualdade
sócio-econômica, o quesito dirimidor será a nota no concurso vestibular.
8
PUC-PR. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. SAE – Serviço de Assistência ao Estudante,
2004.www.pucpr.br.
9
UFP. Universidade Federal de Pernambuco. Conselho de Administração. Resolução nº 2/2002. Ementa:
Regulamenta o Programa de Bolsas de Manutenção Acadêmica da UPF, 2004.www.ufp.br.
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antes do FIES – Financiamento Estudantil
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O ponto que chama a atenção nesse programa é a forma de devolução do crédito. O aluno
contemplado com a bolsa passa a desempenhar as chamadas atividades da Bolsa de Manutenção,
a saber: estágio curricular, monitoria, iniciação à docência, iniciação científica e extensão. As
atividades são coordenadas e controladas por um supervisor de alunos e, quando cumpridas dentro
das normas de regularidade e freqüência, dão ao aluno a quitação da bolsa ou do empréstimo.
A EAESP-FGV – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas10, possui um núcleo de consultoria que administra o chamado Fundo de Bolsa. O aluno de
graduação pode recorrer ao fundo, restituindo o empréstimo após sua formatura. O Fundo permite o
financiamento das mensalidades e das bolsas de manutenção.O reembolso começa no 5º ano depois
do ingresso na faculdade e a forma de pagamento é semestral. Para ter acesso ao crédito o aluno
precisa ter o seu pedido aprovado, mediante análise de documentação, realizada pela Comissão do
Fundo de Bolsas; a aprovação depende também de disponibilidade financeira no semestre, bem
como do número de solicitações e dos seus respectivos percentuais de empréstimo.
Em 1972, a APLUB – Associação dos Profissionais Liberais Universitários do Brasil11, entidade
de previdência privada, aberta, sem fins lucrativos, instituiu um programa de crédito educativo. A
meta da APLUB era participar ativamente na formação de futuros profissionais universitários, por
meio de um instrumento de apoio a estudantes que não possuíssem meios financeiros suficientes
para alcançar seus ideais. A APLUB filiou-se à APICE – Associação Panamericana de Instituições de
Crédito Educativo, em 1973, com a finalidade de manter intercâmbio de informações sobre o
financiamento da educação superior.
A experiência, nos primeiros anos, beneficiou vários estudantes, nas áreas de graduação, pósgraduação, residência biomédica e cursos técnicos de nível médio, atuando inclusive com bolsas
rotativas de estudo no exterior, o que levou a desenvolver um programa de fundos administrados.
Em 1974, a APLUB assinou o primeiro convênio para administração de crédito educativo com a
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do SUL – PUC-RS. No ano seguinte, firmou convênio
com a Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas.
Administrando então cerca de 3.000 créditos, em 1976, a APLUB instituiu a Fundação APLUB
de Crédito Educativo – FUNDAPLUB, e definiu seus programas de atuação:
Programa I – Crédito Educativo – Graduação: Programa com recursos próprios e doações
para concessão de crédito educativo em nível de graduação.
Programa II – Crédito Educativo – Pós-Graduação: Programa com recursos próprios e
doações para concessão de crédito em nível de pós-graduação e residência médica.
10
FGV-EAESP. Formando pessoas que fazem a diferença. São Paulo, 2003.www.fgvsp.br.
11
FUNDAPLUB. Sistema de Crédito Educativo.São Paulo, 2003. www.fundaplub.com.br.
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Programa III – Programa de Fundos Administrados: A experiência adquirida em crédito
educativo e as condições técnicas permitiram a FUNDAPLUB disponibilizar seus serviços
para administrar programas de universidades e empresas.
Além dos recursos para o financiamento, um dos fatores mais importantes da manutenção e
ampliação dos programas da FUNDAPLUB, é a recuperação da carteira, ou seja, o retorno dos
financiamentos, que possibilita o atendimento da demanda crescente, respondendo ao objetivo social
da fundação nas suas atividades.
No Estado do Rio Grande do Sul encontramos a experiência do PROCRED – Programa de
Crédito educativo 12. Criado em 1996, é sustentado com recursos provenientes da receita líquida de
impostos do Estado e intermediado pelo BANRISUL – Banco do Estado do Rio Grande do SUL. Os
critérios para seleção dos candidatos à bolsa são estabelecidos pela Secretaria de Educação do
Governo do Estado do Rio Grande do Sul, e levam em conta o desempenho acadêmico e a carência
de recursos econômico–financeiros. O prazo de carência para início do pagamento é de um ano
depois de formado, e o pagamento é igual ao período de utilização do benefício, contado a partir do
término da carência. Os valores de reembolso são atualizados pelos valores das mensalidades do
curso na época do pagamento, acrescidos de uma taxa anual de 6% calculada sobre o saldo devedor
do beneficiário. Atualmente apenas 1.300 alunos são beneficiados pelo PROCRED, sendo que em
2004 sequer foram abertas as inscrições para novos contratos.
No dia 16 de Setembro de 2003, foi aprovado o projeto de lei complementar no 267/2003 do Poder
Executivo do Estado do Rio Grande do Sul, que altera a Lei Complementar no 10.713. O referido
projeto cria o Programa Comunitário de Ensino Superior – PROCENS, para integrar, juntamente com o
PROCRED, o sistema estadual do ensino superior do Estado do Rio Grande do Sul.
As instituições de ensino superior particular concederão desconto de 30% no valor das
mensalidades, as empresas apoiadoras financiarão 50% e aos alunos caberão os 20% restantes.
A participação do Estado se viabiliza através do ressarcimento às empresas do crédito fiscal presumido
de ICMS, no limite de 90% dos valores aplicados. Os alunos poderão pagar sua parte com 24 meses
de carência e em seis anos, sem incidência de juros.
A seleção estará a cargo de comissões especiais nas Instituições de Ensino Superior (IES).
Os portadores de deficiência física e sensorial de baixa renda e os filhos de policiais mortos na
defesa da segurança pública serão candidatos natos. O projeto que tem em seu teor valorosa
intenção, porém cabe aqui consignar que, dos 26,5 milhões previstos no orçamento de 2003 do
Estado do Rio Grande do Sul para investimento no ensino superior, apenas aproximadamente
quatro milhões foram aplicados.
12
GOVERNO-RGSUL. PROCRED. 2003.www.rgsul.gov.br.
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Em maio de 2003 o SEMESP (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de
Ensino Superior no Estado de São Paulo)13, anunciou a criação do CEBRADE (Centro Brasileiro do
Ensino Superior). A nova entidade foi criada com o objetivo de contribuir para a redução da
inadimplência das instituições privadas de ensino superior. Para tanto irá gerir um sistema de crédito
estudantil rotativo, por meio da concessão de bolsas pelas universidades conveniadas. O projeto,
que contará com uma oferta inicial de 10 mil bolsas a partir de 2004, pretende ampliar o interesse
dos alunos das escolas particulares, a fim de aumentar a procura por vagas nessas instituições;
para isso, o financiamento conta com algumas vantagens, que não estão presentes nos modelos
tradicionais. O estudante que tiver acesso às bolsas oferecidas pelo projeto só começará a quitar o
débito um ano após a conclusão do curso e terá como prazo de pagamento o tempo de duração da
graduação. Além disso, não será cobrada nenhuma taxa de juros sobre o valor disponibilizado; a
única correção será em caso de alteração no custo do curso.
A relação das três partes (IES, aluno e CEBRADE) acontecerá da seguinte forma: a instituição
de ensino, a seu critério, concede a bolsa restituível e o aluno providencia a documentação necessária,
enquanto o CEBRADE fica com o gerenciamento do sistema, tomando todas as cautelas necessárias
para garantir a quitação dos empréstimos.
Além da abertura do financiamento, o projeto do SEMESP inclui ainda programas de capacitação
e titulação de docentes; parcerias com empresas para investimento em pesquisa científica; colocação
de graduandos em estágios curriculares e o desenvolvimento de um plano de avaliação institucional.
No final de 2002 foi formada a Ideal Invest14, para atender alunos do ensino superior em geral, por
meio de crédito educativo. É um financiamento a que os universitários podem recorrer, além dos
oferecidos pelo governo e pelas instituições de ensino; é o chamado crédito privado. Normalmente
cobrando juros mais altos, esse tipo de socorro pode ser útil tanto para quem está em dívida com a
IES onde estuda, como para quem não tem recursos sequer para começar a pagar o curso, depois
de aprovado no vestibular.
Há duas opções de financiamento, um chamado de crédito estudantil de recuperação, para
quem está em débito, e outro de crédito estudantil de manutenção, para quem ainda não deve nada
à instituição. No caso do crédito de recuperação, o estudante realiza um contrato com a Ideal Invest,
que quita a dívida contraída com a IES e, então o universitário passa a dever à empresa. Este
financiamento pode ser feito em até oito anos, a uma taxa de juros de 2,5% ao mês. Depois, o
estudante pode voltar a pagar as mensalidades normalmente com a instituição.
Já no crédito de manutenção, o estudante pode financiar até 30% do valor da mensalidade e há
a possibilidade de firmar o contrato desde o primeiro ano. O prazo nesse tipo de crédito também é de
13
SEMESP.O CEBRADE. São Paulo, 2003.www.semesp.org.br.
14
IDEAL INVEST. Crédito Educativo. 2003. www.idealinvest.com.br.
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oito anos (desde o início do financiamento) e os juros, cumulativos (que incidem sobre o saldo
devedor), também são de 2,5% ao mês, até o final do curso; a dívida do universitário apenas se
acumula, pois até então nenhuma amortização é feita. Depois de formado, o aluno passa a pagar,
à financeira, o mesmo valor que pagava de mensalidade à IES. Em ambos os casos existem as
opções de amortizar o financiamento em qualquer época para diminuir o saldo devedor, o valor da
prestação ou até quitar a dívida.
Verifica-se nesse tipo de financiamento, uma série de itens que merecem a atenção dos
contratantes.
O empréstimo chamado “crédito de recuperação”, que quita o débito do aluno junto à IES, trará
o alívio do fim da inadimplência junto à instituição, porém há que se atentar para a necessidade de
organização nesse tipo de aquisição, uma vez que o universitário, ao mesmo tempo em que paga as
mensalidades normais do curso, deverá proceder à quitação das parcelas do financiamento. Outro
aspecto diz respeito aos juros que, como já comentado em parágrafo anterior, normalmente são
mais altos do que os praticados em outras opções de crédito estudantil e neste caso particular são
atrelados às oscilações da taxa Selic. No caso do país voltar a vivenciar um cenário de hiper-inflação,
a variação dos juros acompanhará essa taxa.
Ainda, no tipo de “crédito de manutenção”, o percentual máximo de financiamento de 30% da
mensalidade escolar é bastante irrisório, deixando a cargo do aluno a parcela mais significativa. Nos
casos dos créditos já citados, não existe um prazo de carência para que o estudante possa se
estabelecer e iniciar o pagamento da dívida, assim como, para ambos os casos, o aluno deverá
apresentar, como condição básica de contratação dos financiamentos, um fiador com renda
comprovada, atualmente de no mínimo R$ 1.500,00 ou que possua um imóvel quitado em seu nome.
Como se verifica, o empréstimo é bastante limitador e voltado para classes de maior poder aquisitivo.
O Programa de Crédito Educativo – PCE/CREDUC – O antecessor.
O programa de Crédito Educativo Federal PCE/CREDUC surgiu em 1973 quando o governo
brasileiro, através do Ministério da Educação e Cultura, elaborou uma série de estudos visando a
desenvolver um sistema de bolsas de estudo restituíveis, destinadas a alunos do curso superior. O
objetivo maior era atender às necessidades dos estudantes de classes sociais menos favorecidos, no
que se refere ao acesso e permanência no ensino superior. Da evolução desses estudos surgiu o
Programa de Crédito Educativo Federal, cujas principais vantagens eram: facilidade operacional e a
garantia, origem e volume de recursos renováveis, permitindo sua permanente ampliação e continuidade.
O Programa de Crédito Educativo foi criado pela Presidência da República, em 23 de agosto de
1975, com base na Exposição de Motivos nº 393 de 18 de agosto do mesmo ano, e implantado no
primeiro semestre de 1976. Nos primeiros anos, o Programa foi operacionalizado com recursos do
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Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e bancos comerciais. Em 1983, foi alterada sua forma de
custeio, passando os recursos a serem providos pelo orçamento do MEC e pelas receitas das loterias,
previstas para o Fundo de Assistência Social (FAS), ficando a Caixa Econômica Federal como seu
único agente financeiro.
A Lei 8.436, de 25 de junho de 1992, institucionalizou o Programa. Posteriormente, em 17 de
fevereiro de 1993, o MEC, através da Portaria 202, e o Banco Central, através da Circular 2.282,
fixaram suas regulamentações e diretrizes. A partir da regulamentação da Lei 8.436, passou a ser
definitivamente administrado e supervisionado pelo MEC.
Segundo Barroso15 esse programa baseou-se em experiências de outros países para a formulação
de um modelo operacional próprio, que tinha os seguintes objetivos: buscar a igualdade de
oportunidades educacionais; diminuir a evasão do ensino superior; proporcionar aos brasileiros de
escassos recursos financeiros novas fontes de renda que lhes facilitasse cursar o ensino superior;
beneficiar os estudantes de estabelecimentos de ensino público e privado; possibilitar ao estudante
o seu auto-financiamento, gerando um grau de responsabilidade; obter melhoria na qualidade de
ensino e maior rendimento acadêmico.
Observa-se, portanto, que o objetivo primordial do programa foi o acesso e a permanência do aluno
no ensino superior, facilitando a dedicação plena aos estudos e substituindo, graças ao crédito de
manutenção, o tempo durante o qual ele teria que trabalhar para sobreviver por dedicação aos estudos.
De acordo com Souza & Faro16, segundo os objetivos propostos, o Programa definiu inicialmente
duas modalidades de operação: “manutenção e anuidade”. O empréstimo “manutenção” foi idealizado
na tentativa de reduzir as dificuldades de sustento dos alunos carentes, tanto na rede oficial como
na privada. O valor desse empréstimo seria alterado de acordo com o custo de vida e a inflação.
O programa de crédito de “manutenção” assumiu valores semelhantes ao do salário mínimo, muito
embora não se constituísse de fato em salário atraente para o trabalhador, também não o sendo
para o indivíduo com o 2º grau completo e, portanto, apto a ingressar no 3º grau. É provável que na
época esse aluno pudesse ingressar no mercado de trabalho e auferir salários muito superiores ao
mínimo regional. O empréstimo para “anuidade” teve seu valor fixado pelo próprio valor da anuidade
estipulada pelo estabelecimento de ensino superior em que o beneficiário estivesse matriculado.
O prazo de duração dos contratos era equivalente ao da duração média do curso, admitindo-se,
em casos especiais, a tolerância de mais um ano. O prazo de carência era de um ano, contado a
partir do término do prazo de utilização. Os juros eram de 15% ao ano, capitalizados semestralmente
15
BARROSO, C. L. Crédito Educativo. Revista Educação. Brasília: MEC, p. 65-70, 1974.
16
SOUZA, A. M.; FARO, C. Crédito Educativo e Ensino Superior. Fórum Educacional. Rio de Janeiro: FGV, 4
(1): 3-17, jan./mar.1980.
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durante o prazo de utilização e de carência, calculando-se a referida taxa, pelo sistema Price. Durante
o prazo de amortização, os juros eram de 12% ao ano, para remuneração dos agentes financeiros,
mais 3% destinados à formação de Fundo de Risco do Programa, utilizado no ressarcimento dos
saldos devedores não resgatados, depois de esgotados todos os meios de cobrança.
O critério de seleção dos candidatos ao crédito educativo foi definido pelo Ministério da Educação
e Cultura e baseou-se no índice de carência do candidato. Esse índice era determinado pela renda
bruta familiar do candidato, pelo número de componentes da família que vive da mesma renda, pelos
valores de referência regionais, e por uma constante destinada a abater o pagamento de aluguel ou
a prestação da casa própria.
Com base nestes critérios de seleção, a Caixa Econômica Federal, como gerenciador
(administrador) do Programa, passou a selecionar os candidatos inscritos para serem atendidos de
acordo com a disponibilidade de receita do Programa.
Diversas foram as fontes de financiamento do programa de crédito educativo federal em seu
início, destacando-se: os recursos orçamentários do MEC e de outras fontes, a fundo perdido, que
comporiam o fundo financeiro com vistas a custear a parte subsidiada, os depósitos compulsórios
nos bancos comerciais até o limite de 1% e os recursos próprios da Caixa Econômica Federal e do
Banco do Brasil.
Assim idealizado, o Programa de Crédito Educativo foi implantado no primeiro semestre de
1976 nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País, incluindo a maioria dos estados em que,
na época, se concentrava parcela inferior a um quarto da população universitária, e onde se localizava
o maior índice de carência do País. No segundo semestre de 1976, o Programa foi estendido às
regiões Sul e Sudeste, completando-se a sua implantação em nível nacional.17
Em 1979 o Banco do Brasil retirou-se do Programa, dados os altos custos de administração e a
perspectiva de rentabilidade zero do investimento. Os Bancos Comerciais retiraram-se do Programa
em 1980, fazendo que a Caixa Econômica passasse a ser o único agente financeiro nele envolvido.
Após seis anos de implantação do programa, a participação do MEC no seu financiamento, mostrouse insuficiente, devido ao agravamento do processo inflacionário, a partir de 1978. Constata-se então,
de acordo com Schwartzman:
Que “o custo real do Programa de Crédito Educativo estava muito além da previsão feita na época
da implantação. O total de recursos envolvidos perfazia no cômputo geral, Cr$ 17,5 bilhões a preços
correntes. Desta soma um percentual de 33% correspondia a subsídios que deveriam ser cobertos
pelo Ministério da Educação e Cultura.”18
17
CAIXA. Relatório de Gestão, Mar. / 2002. Brasília, 2004. www.caixa.gov.br.
18
SCHWARTZMAN, J. O Crédito Educativo no Brasil. Revista Educação Brasileira, v. 17, (34): 71-84, 1º sem. 1995.
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Ao estabelecerem, a taxa de juros de 15% ao ano, os idealizadores do Programa de Crédito
Educativo enfatizavam o cunho social do crédito, visto que, já em 1975, a taxa de inflação existente
girava em torno de 30%ao ano. Aparentemente, não deve ter sido previsto que a inflação cresceria
em proporções galopantes, anos depois. De acordo com Souza & Faro19, pelos cálculos estimativos
feitos em 1979, mesmo que a taxa inflacionária tivesse sido fixada em torno de 30%, tomando por
base o tempo de utilização, carência e amortização do empréstimo, o beneficiário restituiria ao
programa apenas 48% da quantia recebida. O financiamento, então, era favorável ao beneficiário,
mas muito pouco rentável ao programa, devido à alta taxa de juros no mercado e à elevada
inflação.Verifica-se que os altos índices inflacionários constituíram um dos fatores intervenientes
para o insucesso do programa de crédito educativo.
Outro fator que contribuiu para o crescimento da dívida do MEC para com a Caixa Econômica
Federal e, conseqüentemente para a retração do programa, foram os altos índices de inadimplência.
Em 1979, quando os primeiros alunos iniciaram a restituição dos empréstimos aos bancos,
verificou-se a principal falha do programa: inadimplência. Um ano após a conclusão do curso superior,
o beneficiado pelo crédito não procurava a Caixa Econômica Federal para iniciar o pagamento de
seu débito.
Argumentam Souza & Faro20 que a não existência de avalista nos contratos de empréstimos foi
outra crítica feita ao programa. A ausência de garantias reais tem contribuído para a alta taxa de
inadimplência, restringindo conseqüentemente a participação de novos estudantes.
Além das baixas condições econômicas e salários menores no mercado de trabalho, outra razão
que levou os universitários a não efetuar o pagamento, e que chamou a atenção à época, prende-se
a que muitos entendiam que a dívida deveria ser perdoada, com base no princípio de que o ensino
superior gratuito seria obrigação do Estado.
Outro aspecto foi a liquidez financeira do sistema, com taxa de juros crescente, além da correção
monetária acompanhada de inflação galopante, tendo como conseqüência a diminuição de aplicações
de recursos, no programa, por parte do próprio governo e dos agentes financeiros.
Outrossim, uma das críticas mais freqüentes formuladas ao Programa de Crédito Educativo é a
de que sua finalidade original de reduzir as desigualdades de oportunidades educacionais no terceiro
grau terminou por resultar numa forma de manutenção de uma rede de ensino de má qualidade.
19
SOUZA, A. M.; FARO, C. Crédito Educativo e Ensino Superior. Fórum Educacional. Rio de Janeiro: FGV,
4 (1): 3-17, jan./mar.1980.
20
SOUZA, A. M.; FARO, C. Crédito Educativo e Ensino Superior. Fórum Educacional. Rio de Janeiro: FGV,
4 (1): 3-17, jan./mar. 1980.
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Esses fatores e talvez outros de menor porte, eclodiram em insuficiência de recursos, o que
contribuiu de certa forma para que, em 1983, houvesse uma parada nas operações de crédito
educativo, com o propósito de definir e reestruturar o Programa, em face de nova realidade econômica
do País. As alterações introduzidas foram: redução de juros de 15% para 6% ao ano, introdução da
correção monetária parcial, equivalente a 80% da variação das ORTNs, a exigência de fiador e o
alargamento do prazo para amortização em duas vezes o tempo de utilização do crédito.
Em 1997 o Programa de Crédito Educativo financiou pela última vez novas vagas, tendo sido
liberados R$ 309 milhões para atendimento de 58.709 cidadãos brasileiros. A partir dessa data, os
recursos liberados foram suficientes somente para os aditamentos dos contratos em vigor.21 Dentre
os fatores que levaram o Programa de Crédito Educativo à sua exaustão podemos destacar:
•
parcelas de amortização elevadas em decorrência do longo prazo da operação, capitalização
dos encargos e juros;
•
inexistência de fiadores ou garantias do crédito;
•
dificuldades na cobrança administrativa, dada a grande mobilidade dos estudantes;
•
limitação das fontes de recursos pela diminuição do retorno dos créditos concedidos.
O Crédito Educativo foi a principal fonte de recursos públicos federais para as instituições de
ensino superior privadas. Quando de sua instalação, em 1976, o Programa financiava mensalidades
e gastos de manutenção de alunos de instituições públicas e privadas. Desde então, mais de um
milhão de estudantes foram beneficiados pelo Programa. No seu início, havia um volume apreciável
de recursos e quase todas as solicitações eram atendidas. Nessa época o reembolso deveria ser
efetuado com um ano de carência e com prazo equivalente à duração do respectivo curso, a uma
taxa de juros fixa de 15% ao ano, para uma inflação média de 100% ao ano, no período 19761983. O Programa era administrado pela Caixa Econômica Federal, mas suas perdas financeiras,
devidas aos juros negativos e à inadimplência, deveriam ser cobertas pelo Ministério da Educação,
através de seu orçamento.
Por volta de 1983, o Programa estava praticamente falido, já que o subsídio dos empréstimos
chegava até a 90%. Os valores nominais de reembolso tornaram-se tão baixos que nem os estudantes
se preocupavam em pagá-los nem a Caixa em recebê-los.
Após o colapso de 1983, o programa foi reformulado, introduzindo-se novas fontes de
financiamento – as loterias –, restringindo-se o acesso aos estudantes carentes de universidades
particulares somente para pagamento de mensalidades. Nessa fase, os termos do reembolso
ficaram mais apertados, mas permaneceu um grande subsídio, estimado em 55%. Apesar de
21
CAIXA. Relatório de Gestão, Mar. /2002. Brasília, 2004. www.caixa.gov.br.
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mais baixo do que o anterior, esse subsídio ainda não era suficiente para tornar o Programa
financeiramente viável.
A partir de 1989, novas modificações buscaram trazer auto-suficiência para o Programa, tais
como a introdução de uma taxa de 6% acima da correção monetária, a diminuição do período de
carência e a exigência de um fiador. Não obstante, estima-se que o subsídio nesse período tenha
sido de 8%, além dos custos administrativos e das elevadas taxas de inadimplência.
Além da questão financeira, o Programa foi criticado em muitos aspectos, tais como o de nem
sempre atingir os estudantes mais necessitados, de ter um inaceitável índice de inadimplência e de,
muitas vezes, financiar indiretamente escolas de muito baixa qualidade.
Foram também detectados, por volta de 1995, problemas de natureza político-operacional.
Entre os primeiros estariam a baixa prioridade do CREDUC no MEC, a instabilidade dos recursos,
a falta de clareza entre os papéis do MEC e os da Caixa Econômica Federal, problemas com o
mecanismo de seleção, elevada concentração de benefícios nas áreas de Ciência Humanas e
Sociais e uma acentuada dependência financeira por recursos do MEC, até o momento
considerados insuficientes, e ausência de avaliação da qualidade das instituições que integram
o Programa. Os problemas de natureza operacional eram, entre outros, de falta de informatização,
ausência de um modelo atuarial, baixíssima taxa de retorno, elevado custo operacional (13%),
prazo demasiadamente longo de permanência de estudantes, chegando a 12 ou 13 anos, em
alguns casos. 22
Várias foram as causas do não pagamento do débito pelos alunos beneficiados pelo Programa,
dentre elas: o descompasso dos cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior versus as
necessidades do mercado de trabalho, recessão econômica e desemprego, a desistência do aluno
do curso superior escolhido e a própria atitude do aluno em relação ao pagamento do ensino superior.
Sabe-se da existência, no meio estudantil, da bandeira de luta que defende a gratuidade do ensino
público em todos os níveis.
Outro aspecto que influenciou a alta taxa de inadimplência foi o desemprego dessa clientela
estudantil, criado pela recessão econômica. Em 1981 e 1982 a taxa de desemprego girava em torno
de 8,2%, sendo que a taxa inflacionária, em 1981 era de 110,2% e em 1982, de 131%, o que contribuiu
cada vez mais para a inviabilidade do Programa.23
O principal indicador de gestão refere-se à inadimplência do Programa.O Quadro I apresenta a
situação do Programa até o final do exercício de 2001.
22
SCHWARTZMAN, J. O Crédito Educativo no Brasil . Revista Educação Brasileira, v. 17, (34): 71-84, 1º
sem. 1995.
162
CONJUNTURA ECONÔMICA. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1981/82.
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QUADRO I – CREDUC – POSIÇÃO DE INADIMPLÊNCIA.
Fases
Quantidade de Contratos
Saldo Devedor
Utilização
11.401
126.622.055,11
Carência
14.201
103.890.544,72
Amortização
22.468
65.202.560,28
Total
48.070
295.715.160,11
Inadimplência
16.941
50.160.619,34
Índice de Inadimplência (*)
75,40%
76,93%
Fonte: CAIXA: Relatório de Gestão – Março/2002. (*) Índice de Inadimplência calculado, apenas, sobre os contratos em
Amortização.
A CAIXA e o MEC, em trabalho conjunto, encaminharam proposta de alteração da Medida
Provisória, no sentido de permitir que aqueles contratos que não mais se beneficiam da Lei 10.207,
pudessem ser renegociados por normas mais flexíveis a serem estabelecidas pela CAIXA. Em 12/
07/2001, a Lei 10.260 em seu art. 2º, §5º, permitiu essa flexibilidade e a CAIXA voltou-se aos estudos
para operar de forma a garantir o retorno dos recursos em condições favoráveis ao estudante sem,
no entanto comprometer o programa e lançar essa alternativa em 2002. Diversas ações foram
empreendidas visando à recuperação do Programa. Em 1997 foi oferecida a prerrogativa de
alongamento dos prazos de amortização. A medida provisória 1.706, de junho de 1998, atualmente
Lei nº 10.207, possibilitou expressivos descontos para a liquidação e a renegociação de saldos
devedores. Desde sua implantação, 53.711 clientes renegociaram ou liquidaram seus débitos.
QUADRO II – CREDUC – POSIÇÃO DE CONTRATOS RENEGOCIADOS/LIQUIDADOS.
Quantidade de
Contratos Renegociados
Valor de Contratos
Renegociados
Quantidade de
Contratos Liquidados
Valor de Contratos
Liquidados
Em 2001
3.325
60.943.626,70
919
10.324.172,63
Até 2001
32.979
368.950.163,01
20.732
63.992.737,14
Fonte: CAIXA: Relatório de Gestão-Março/2002.
A grande instabilidade e as mutações no cenário econômico determinaram o esgotamento do
modelo CREDUC vigente. Em 1999, com a criação do FIES – Fundo de Financiamento ao Estudante do
Ensino Superior, o CREDUC deixou de contratar novos empréstimos para estudantes, mantendo-se,
apenas, os aditamentos que, segundo se estima, persistirão até 2005.
Iniciava-se uma nova fase da história do crédito educativo no país. Como já vimos, o estudo da
questão exigiu um amplo espectro de pesquisas de caráter interdisciplinar, que recorreu a dados
históricos, político-administrativos, sociológicos, educacionais e culturais, das últimas décadas do país.
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PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 3 • jul-dez 2005 • p. 24-38
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História e Experiências Brasileiras do Crédito Educativo
antes do FIES – Financiamento Estudantil
Maria Hidalgo Sanchez / Laima Mesgravis
Sumário
Referências bibliográficas
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O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
Sumário
O conceito de cultura: revisão e atualidade
Marília Gomes Ghizzi Godoy*
Reynaldo Damazio **
Resumo
A partir de conteúdos do curso Significados Culturais da Identidade o artigo reflete sobre a genealogia
do conceito de cultura e sua inserção na pós-modernidade. Encaminhando-se como uma representação
da humanidade, o conceito projeta-se como intrinsecamente ligado ao tema da identidade cultural e é
expressivo das contradições e fragmentações do mundo atual.
Palavras-chave: Antropologia, cultura, identidade, aculturação.
Abstract
From contents of the course Cultural Meanings of the Identity the article reflects on the genealogy of the
concept of culture and its insertion in Post-Modernity. Directing itself as a representation of the humanity,
the concept is projected inherently to the subject of the cultural identity and is expressive of the
contradictions and spallings of the current world.
Key-words: Anthropology, culture, identity, acculturation
O conceito de cultura indica uma genealogia que surgiu comprometida com a própria humanidade.
Há uma tendência clara, na atualidade, de ter a cultura se tornado uma expressão da humanidade,
singular ou plural, intrínseca à própria natureza humana.
Em seus desdobramentos semânticos ordenam-se conjuntos e situações temporais mobilizados
pelos sujeitos em suas produções coletivas.
O tema da universalidade e particularidade cultural tomou o rumo do próprio modo de ser com
que as sociedades articulam e expressam suas condições de vida material e de elaboração simbólica.
Elementos de valor e condições da realidade emergem e exigem definições e atitudes críticas
compromissadas com essa temática, que muitas vezes são expressas como “questões culturais”.
*
Professora Doutora do Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da
Universidade São Marcos.
**
Aluno do Mestrado Interdisciplinar da Universidade São Marcos. Editor da Unimarco Editora.
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Sumário
O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
O objetivo deste artigo é sinalizar a necessidade de construção e reconstrução do conceito de
cultura na antropologia e a forma como tal conceito foi abrangendo uma complexidade social, sendo
experimentado como uma idéia contextualizada histórica e espacialmente. Entendemos ser esta
uma questão central para um olhar compreensivo do mundo contemporâneo, e a freqüente tentativa
de ordenamento das representações e da revisão do conceito de evolução cultural1.
Na antropologia as colocações teóricas referentes ao conceito de cultura, abrangem uma
dimensão crítica das idéias e representações que centralizam o diálogo político no que se refere às
diferentes situações de cultura. A crise contemporânea de valores expõe uma dimensão da cultura
que se projeta em identidades específicas retratadas em campos de intensos conflitos ideológicos,
com implicações étnicas e históricas.
Inicialmente, discutimos neste artigo a gênese da cultura e sua introdução como objeto de estudo
da antropologia. Em seguida, situamos o movimento do relativismo cultural, para chegar à
incorporação de um movimento definidor da cultura em relação à natureza e à expressão simbólica
da comunicação. Finalmente comentamos a modernização, o individualismo e áreas de representação
da cultura como expressão de uma pós-modernidade.
O processo civilizatório, interrogado quanto a sua direção linear e de propósitos definidos no
interior de um universo hierárquico, abre-se para um diálogo em que o sentido de modernidade e de
urbanismo indica também formas de contestação e de contrastes. Uma atitude crítica e científica
toma a forma de uma condição de se projetar no universo das diferenças humanas através da criação
de elemento de valor e de produção de uma civilidade crescente2.
1. A gênese da cultura e sua inserção no desenvolvimento das civilizações.
Na era de uma concepção linear.
Ressalta-se a inicial representação cultural do termo cultura para designar uma parcela de terra
cultivada. Entende-se uma idéia diante do fato de cultivar a terra, conforme ocorreu no século XVI. A
partir daí, a dinâmica do pensamento expande-se para indicar diferentes conceitos com que a ação
de cultivo se amplia. Progressivamente, como afirma Cuche, a cultura se libera de seus complementos
e acaba por ser empregada só para designar a “formação”, a “educação do espírito”3.
Nos bastidores da Revolução Francesa, do século XVIII em diante, o movimento do Iluminismo
incorpora essa idéia, concebendo-a como um caráter distintivo da espécie humana.
1
Registramos que este artigo resulta de uma reflexão realizada entre os alunos no curso Significados Culturais
da Identidade, que foi ministrado no 2º semestre de 2005. (Mestrado Interdisciplinar em Educação,
Administração e Comunicação – Universidade São Marcos)
2
Vide a respeito dessa evolução ELIAS, Nobert – O processo civilizatório.
3
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. p. 20
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Sumário
O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
Nessa época, o pensamento indicava saberes em uma direção certa da acumulação; uma visão
otimista de desenvolvimento e de concepção idealizada do homem. O antropocentrismo construíase por uma noção crescente do progresso humano, ou seja, da sociedade fundamentada no
capitalismo e no crescente poder da burguesia.
Ao originar-se uma idéia de “ciência do homem” a concepção histórica da humanidade emerge
pela dessacralização da história. Ou, como afirma Eagleton, “quanto mais predatória e envilecida
parece ser a civilização real, mais a idéia de cultura é forçada a uma atitude crítica”, a Kulturbritik
está em guerra com a civilização, em vez de estar em harmonia com ela 4.
O antigo universo medieval torna-se o passado de uma nova dimensão de vida que proclama a
ciência como expressão de uma situação de universalidade do homem, marcada por novos estilos
de vida e pelos avanços do desenvolvimento urbano sob o nascente capitalismo.
Dentro de uma ideologia comprometida com a idéia de unidade do homem e de gênero humano
nasce a antropologia como ciência expressiva da civilização e sua condição de universalidade.
A primeira definição de cultura origina-se em 1871, por Tylor, como expressão da totalidade dos
costumes, das crenças, com o propósito de indicar estágios, ou graus de evolução.
É notável a dinâmica da civilização e de sua ascendência francesa, onde a ciência abrange um
amplo universo social mobilizado tanto pela aristocracia como pela burguesia ascendente e seus
intelectuais. No entanto, ao lado dessa tendência é retornado o caráter específico e restrito de valores
“cultivados”. Emerge esse contexto na Alemanha de forma a valorizar aspectos de uma visão
particularista dos acontecimentos e costumes.
Assinala Norbert Elias que a ascensão de uma marca distinta da nação alemã no século XIX
tornou-se fruto do pensamento dos intelectuais unidos aos burgueses5. Introduziam-se valores ligados
à ciência, arte, filosofia, em oposição aos valores da aristocracia.
Abandonando as leis universais da evolução, esse movimento recusa as generalidades e opõese à dinâmica hierárquica dos países em suas projeções culturais de civilização. Como afirma,
novamente, Eagleton,
Por volta do final do século XIX, ‘civilização’, por sua vez, tinha também adquirido uma
conotação inevitavelmente imperialista, suficiente para desacreditá-la aos olhos de alguns
liberais. Consequentemente era necessária outra palavra para denotar como a vida social
deveria ser em vez de como era, e os alemães tomaram emprestado o termo francês culture
para esse propósito 6 .
4
EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. p. 220
5
ELIAS, Nobert, idem
6
EAGLETON, Terry. idem, p. 22
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Sumário
O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
A temática do progresso toma um rumo diferente, particularista, que se tornou a chave para as
novas representações do conceito de cultura, uma vez que passará a considerar os movimentos dos
povos em seus fundamentos étnico-raciais.
A antropologia vai ordenar novas tendências que se acentuarão no século XX com a temática da
diversidade cultural, seus particularismos e singularidades. Esse movimento ganhou vulto inicial
com Franz Boas, ainda em fins do século XIX; suas propostas nasceram na Alemanha e foram
depois cultivadas nos Estados Unidos. Conhecido como relativismo cultural, o novo movimento vai
seguir pelos meados do século XX e mobilizar diferentes tendências teóricas expressivas de uma
constante indagação sobre as direções do progresso científico e dos sujeitos inseridos nessa dinâmica.
2. Cultura: o relativismo cultural
Assim, as propostas do relativismo cultural registram um movimento científico que se tornou central
na definição da antropologia. Na abrangência de uma ampla ordenação do conhecimento voltamos a
ressaltar a produção de Boas e o conseqüente surgimento do(s) culturalismo(s) americano(s).
Na comentada
produção de Boas foi considerada a visão do historicismo cultural. Desta,
derivaram-se as análises sobre cultura e indivíduo, cultura e personalidade, comunicação social,
tipos culturais, os padrões (patterns) . Definida a realidade através de uma conceituação expressa
pela configuração cultural, estilo, modelo cultural, os seguidores de Boas retrataram a coerência e
dinâmica de múltiplos universos, concebidos pelos costumes humanos particularizados.
Nos anos 1930, esse movimento introduziu o conceito de aculturação, caracterizando situações
de contatos e dominação cultural. Diante de realidades altamente complexas, tornou-se ele problemático
e deu motivos para a formação de um “memorando para o estudo da aculturação” em 19367. Duas ou
mais culturas em contato recíproco e harmonioso tornam-se relevantes através do conceito de
sincretismo. Pela sua inserção na dinâmica cultural este conceito teve grande domínio no campo das
religiões e abrangeu um espaço na bibliografia especializada dessa área do conhecimento.
Situações de descontinuidade cultural, as estruturas sociais e desestruturações formaram o
foco da crítica francesa ao culturalismo. Esta crítica foi assumida na obra de Roger Bastide, cuja
grande parte tratou das religiões africanas no Brasil. Exige-se um contato particular com a obra de
Marcel Mauss, que se tornou a chave para a compreensão da origem subjetiva e do caráter total dos
fenômenos sociais8.
7
Conforme esse memorando foi esclarecido o conceito de aculturação como resultante de um contato direto
e contínuo, com alterações nos modelos (patterns). O conceito de assimilação e de difusão referem-se a
formas da aculturação e do contato entre grupos, entre indivíduos.
8
MAUSS, Marcel. Antropologia, Org. Roberto Cardoso de Oliveira
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O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
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No início do século, o relativismo cultural projetado por Malinowski na Inglaterra tomou um rumo
diferente do culturalismo americano, já que esse autor trabalha com a noção de sistema social e
introduz a questão cultural como importante da adaptação do homem e como recurso intrínseco da
própria natureza humana. Malinowski trabalhou com grande empenho na questão metodológica do
trabalho de campo, que se insere em toda a obra do relativismo cultural. Refletiu-se sobre a pesquisa
participante, a relação entre o pesquisador e o objeto de estudo e nessa época, a pesquisa de
campo foi abordada sob uma consideração de objetividade e de neutralidade científica.
É preciso registrar que o relativismo dessa época centralizou o conhecimento antropológico
como a antropologia clássica.
A lógica da objetividade e coerência, presentes em um universo de funcionamento que ordena
os movimentos discutidos, toma uma direção de aprofundamento com relação à possibilidade de ser
desvendada a subjetividade dos fenômenos humanos, entendidos em sua relação de intensa
reciprocidade, de um contato que é reestruturador de sentidos simbólicos, ou mesmo ideológicos.
3. Natureza e Cultura
Na segunda metade do século XX novos pressupostos revolucionaram as concepções da
evolução homínida9. Indica-se a formação de símbolos que projetam o compromisso e definição do
homem na sua vida coletiva. O sentido da cultura torna-se expressivo das representações simbólicas,
como um universo em oposição à natureza. Lévi-Strauss esclarece essa questão com os conceitos de
“sistemas simbólicos”, “estrutura”, “regras universais” etc. O homem entra em jogo com a civilização
seguindo regras não definidas em si por ele, mas pela história e pela cultura a que pertence, e embora
tais regras sejam universais, cada jogo tem suas variantes e a participação ativa dos jogadores.10
O caráter do positivismo, que anunciou as realidades culturais do século XIX, toma nova dimensão
e novo entusiasmo frente a diversidade. A noção de barbarismo readquire poder pela dinâmica que
o universo simbólico expressa diante de uma natureza.
Designado por estruturalismo, o movimento antropológico no século XX criou-se pela dimensão
inconsciente, que une os homens sem apagar suas particularidades. Os homens são os mesmos,
mas não são substantivamente iguais, como afirma Roberto Da Matta11.
9
Caracterizada na evolução da natureza são abordadas as condições próprias de uma humanidade sapiens.
A respeito da evolução homínida e o que ela representou na redefinição do conhecimento ver MUSSOLINI,
Gioconda – Evolução, Raça e Cultura; FOLEY, Robert – Apenas mais uma espécie única.
10
Apud CUCHE, Denys. idem.
11
DA MATTA, R. Um mundo dividido.
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O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
Desde os anos 1970, a cultura enveredou pelo caminho das subjetividades e os objetos de
estudo e de análise da interação social ganharam a dimensão dos movimentos de coletividades
variadas, complexas, plurais.
Estilos de vida, gostos de classes, cultura de massas, gestualidades, sentidos de marginalidade
desvendaram a moderna antropologia. Esta, a partir da onda dos movimentos de contracultura passou
a interagir de modo inédito com seus objetos de estudo, renovando seus recursos metodológicos e
permitindo mais intercâmbio entre pesquisador e as múltiplas realidades analisadas.
A antropologia interpretativa de Clifford Geertz tornou-se central no debate contra o ecletismo e
o caráter realista da antropologia clássica. Partindo de uma proposta da cultura inserida na evolução
homínida, como uma expressão do homem produto e produtor da cultura, Geertz insere o trabalho
de campo na própria percepção que o etnógrafo descobre entre os dados significativos da cultura.
O conceito semiótico da cultura conforme esse autor centralizou o debate que se expandiu para
várias áreas do conhecimento científico. Conforme ele: “O conceito da cultura que eu defendo e cuja
utilidade os ensaios abaixo tentam demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max
Weber, que o homem é um animal amarrado a teias que ele mesmo teceu, assumo a cultura como
sendo estas teias, e sua análise, portanto, não como ciência experimental em busca de leis, mas
como uma ciência interpretativa, à procura do significado”.12
4. Uma palavra sobre modernidade e pós-modernidade
A cultura como centro das cenas na pós-modernidade projeta-se na crise de identidades,
que resulta tanto da fragmentação do sujeito como na diversidade das etnias que afloram junto do
fenômeno da globalização. Segundo Hall, o sujeito moderno passa por vários descentramentos,
primeiro apartado da divindade, em seguida como ser autônomo cartesiano, passando pelo sujeito
histórico do marxismo, pela abertura ao inconsciente e ao imaginário do sujeito freudiano e chegando
à condição pós-moderna em que o descentramento e a fragmentação são suas divisas essenciais13.
A segunda metade do século XX e o início do XXI formam uma realidade complexa que põe
em xeque os paradigmas científicos ocidentais para a compreensão da sociedade e dos homens,
exigindo uma abertura necessária para a questão das culturas humanas. Esgotados os paradigmas
racionais, torna-se evidente a inclusão dos elementos culturais no centro da reflexão, bem como das
singularidades mitológicas e étnicas, a multiplicidade de explicações da realidade que se fundam na
riqueza da linguagem e das criatividades humanas.
12
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. p. 15
13
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. p. 75
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O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
Sumário
Ainda de acordo com Stuart Hall,
“Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens,
pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente
interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares,
histórias e tradições específicos e parecem ‘flutuar livremente’. Somos confrontados por uma gama
de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes
partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha”. 14
Ou seja, a definição do sujeito e de sua identidade, tanto no âmbito individual como no coletivo,
passa por mediações complexas, com implicações antropológicas profundas, mas que devem ser
abordadas a partir de uma perspectiva interdisciplinar, ou transdisciplinar como quer Edgar Morin. 15
Analisando as transformações geradas na modernidade, Giddens fala em “descontinuidades”,
ressaltando que os “modos de vida produzidos pela modernidade nos desvencilham de todos os
tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira que não tem precedentes”.16
Nesse sentido, o antropólogo francês Marc Augé lança mão do conceito dos não-lugares, como
dado da supermodernidade, assim definido:
“Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se
definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar. (...) a
supermodernidade é produtora de não-lugares, isto é, de espaços que não são em si lugares
antropológicos e que, contrariamente à modernidade baudelairian, não integram os lugares antigos:
estes, repertoriados, classificados e promovidos a ‘lugares de memória’, ocupam aí lugar circunscrito
e específico”.17
O aparecimento desses novos espaços não se dá apenas no sentido geográfico, mas também
na configuração de novas formas de relação identitária na sociedade, estas, vêm se tornando um
desafio para a interpretação, tais como as comunidades virtuais, as gangues urbanas, as comunidades
marginalizadas (favelas, tribos indígenas que ocupam as periferias de grandes metrópoles etc.), os
grupos religiosos, o crime organizado, movimentos artísticos como o Hip Hop, o grafite, entre outros.
Em estudo recente, Berger e Luckmann falam numa “crise de sentido” como decorrente do
“pluralismo” na modernidade 18. Para esses autores, a crise de sentido é decorrência de uma crise
14
idem, p 75
15
MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios.
16
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. p. 14
17
AUGÉ, Marc. Não-lugares – Introdução a uma antropologia da super modernidade.p. 73
18
BERGER, Peter L.; e LUCKMANN, Thomas. Modernidade, pluralismo e crise de sentido.
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O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
estrutural das sociedades, que se deve ao fato “de que as sociedades modernas não conseguem
mais realizar de maneira igual e relativamente exitosa uma função básica e antropológica que todas
as sociedades têm que realizar, ou seja, geração, comunicação e preservação de sentido, como
puderam fazê-lo outras ordenações sociais do passado”.19
Podemos concluir que qualquer discussão política e econômica hoje, em âmbito global ou local,
terá que necessariamente passar pela dimensão da cultura e da identidade, como fatores
indissociáveis para o entendimento dos ordenamentos sociais e intersubjetivos.
19
idem, p. 80.
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O conceito de cultura: revisão e atualidade
Reynaldo Damazio / Marília Gomes Ghizzi Godoy
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Gabinete Topográfico: Precursor no ensino da engenharia em São Paulo
Nicolai Filimonoff
Gabinete Topográfico:
Precursor no ensino da engenharia em São Paulo
Nicolai Filimonoff*
Resumo
Em 1835, a Assembléia Legislativa da Província de São Paulo criou um curso especial de “engenheiros
de estradas”. Atenderia essa escola à necessidade da construção de novas estradas e à conservação
das já existentes. Ela foi a primeira manifestação do ensino das ciências exatas em São Paulo, cujo
objetivo era atender ao clamor público da necessidade da conservação de pontes e estradas, pois, sem
elas, a economia da Capitania e posteriormente da Província estariam aniquiladas.
Palavras-Chave: Ensino secundário, engenharia, estradas de ferro, Gabinete Topográfico.
Abstract
In 1835 the Legislative Assembly of the Province of São Paulo created a special course on “road
engineering”. The course was intended to meet the demand to built new roads and to maintain the existing
ones. Thus appeared the first manifestation toward the teaching of natural sciences in São Paulo, whose
goal was to meet the need for conservation of bridges and roads, given that, without these, the local
economy and eventually that of the province would have to face extreme difficulties.
Key Words: middles school, engineering, railroads, Office for Topography
Introdução
A lavoura da cana de açúcar, que se desenvolveu em São Paulo a partir do século XVIII, (17651775), e só foi ultrapassada em volume pela do café, em meados do século XIX, foi, segundo o historiador
Alfredo Ellis Jr. a atividade responsável por “sustentar” a economia de fins do século XVIII, quando o
ouro estava em declínio e o café ainda não havia florescido com a força que se veria posteriormente:
“(...) tudo nos diz que, entre o ouro e o café, deveria ter havido um pequeno ciclo econômico, ou vários
pequenos ciclos econômicos”.1 Segundo o autor, se suprimirmos aquilo que ele denomina de “ciclo do
açúcar planaltino”, a economia brasileira não teria possibilidade de viver, porque entre a extinção do
ouro e o começo do café existiram algumas décadas vazias economicamente.
* Professor Doutor da Universidade São Marcos.
1
ELLIS, Alfredo Junior. A economia paulista no século XVII. São Paulo: Academia Paulista de Letras (vol XI),
1979, p. 76
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Sumário
Gabinete Topográfico: Precursor no ensino da engenharia em São Paulo
Nicolai Filimonoff
Durante a última metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX, isto é, durante cem
anos, o açúcar foi o grande produto da região de São Paulo. A cana-de-açúcar garantiu o surgimento
e a consolidação de diversos núcleos urbanos, mais tarde transformados em freguesias e vilas, e
também as novas atividades decorrentes do aumento populacional, principalmente na região que a
historiadora Maria Thereza Schorer Petrone chama de “quadrilátero do açúcar”, formada por MogiGuaçu, Jundiaí, Sorocaba e Piracicaba. A produção de açúcar cresceu, e exigiu novos mercados
consumidores: assim, seu crescimento estimulou o surgimento da atividade tropeirista e sugeriu
profundas modificações no sistema de transporte, principalmente na ligação do planalto com o litoral,
que até o advento do açúcar se restringia a uma via para pedestres. Para que se pudesse exportar
mais facilmente e para que o frete fosse barateado, o poder público buscava alternativas que
vencessem as péssimas condições das estradas na época.
A má qualidade das estradas
As queixas sobre a má conservação das estradas paulistas eram constantes entre aqueles que
dependiam delas para a exportação do açúcar proveniente do quadrilátero do açúcar. A difícil descida
da Serra do Mar e a Baixada Santista tinham que ser transpostas para que o produto chegasse ao
seu destino. Maria Thereza Schorer Petrone diz que “A economia paulista, a economia do planalto,
quando se integrou no mundial, sofreu o impacto das dificuldades de transporte decorrentes, por um
lado, da má conservação de todas as estradas e, por outro, dos obstáculos inerentes à descida da
Serra do Mar que, para os recursos da época era vencida com dificuldade”.2
A agricultura configurava-se uma atividade mais lucrativa no litoral que nas “terras do sertão”,
porque seus produtos eram mais facilmente exportados tanto para o Rio, quanto para a Europa. Os
efeitos da “serra acima” , como se dizia, suscitava dificultosa saída dos produtos, que só podiam ser
conduzidos através de cargas, e mesmo assim, com grandes dificuldades, dada a aspereza do
caminho que dividia o litoral do sertão. Conforme Maria Thereza Schorer Petrone, “a má qualidade
do açúcar, além de atribuída aos senhores de engenho e aos encaixadores, era devida, em grande
parte, ao péssimo estado dos caminhos. As queixas sobre os danos causados pelas más estradas
de São Paulo eram constantes e bastante graves. É claro que esse problema não afetava o açúcar
produzido na marinha, o qual, para ser exportado, não dependia de estradas. Atinge, isso sim, o
açúcar do quadrilátero do açúcar que, para ser exportado, tinha que percorrer as péssimas estradas
do planalto, vencer a difícil descida da Serra do Mar e atravessar a Baixada Santista”. 3 O principal
2
PETRONE, Maria Thereza Schorer. A Lavoura Canavieira em São Paulo: Expansão e Declínio. (1765 –
1851). São Paulo, DIFEL, 1968, página 186.
3
PETRONE, Maria Thereza Schorer. Op. Cit, página 187.
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problema do comércio do açúcar era, pois, o transporte pelos péssimos caminhos, sobretudo pelo
caminho do mar, fator que limitava sua capacidade exportadora.
Assim, o primeiro produto paulista que buscou caminhos “serra acima”, encontrou o sistema
viário pouco desenvolvido, com precários contatos com o litoral. A demora entre o pólo produtor até
o porto de embarque do açúcar muitas vezes era responsável por sua má qualidade, já que, sendo
um produto altamente perecível quando sujeito a intempéries, ele invariavelmente estragava durante
a longa viagem. Tratando-se de produto particularmente sujeito à deterioração, é fácil compreender
o grande prejuízo que o comércio do açúcar sofria com as péssimas condições das vias de
comunicação.
Além disso, o transporte encarecia demais o preço final do açúcar: em 1836, o preço do transporte
de Rio Claro a Santos, sendo 7,9 réis a arroba por quilômetro rodado, e a distância um total de 250
quilômetros, perfaziam cerca de 1$970 réis por arroba. Isso significava de 50 a 70% do valor da
mercadoria. Assim, o próprio transporte absorvia a maior parte do valor do produto.
Os governantes de São Paulo sempre estiveram cientes dessas dificuldades no transporte do
açúcar para o litoral. Era sabido que a articulação com o caminho do mar, única via de acesso ao
litoral para os produtores do quadrilátero do açúcar, era indispensável para que houvesse comunicação
com o “mundo exterior”. Melo Castro e Mendonça, no auge do desenvolvimento da cultura de cana,
relacionou a má conservação das estradas com a má qualidade do açúcar paulista, o que limitava os
lucros dessa cultura: “a cana de açúcar vegeta igualmente bem de Serra acima e na Marinha: e
suposto que o produto de Serra acima seja mais abundante, e a manipulação menos complicada...”
“... com tudo o transporte para o lugar de embarque, e alguma dannificação, que adquire o dito
gênero no mesmo transporte fazem, que seja menos lucrativa a sua cultura nesta Situação, por este
motivo quazi todo o assucar que se embarca em Santos degenera da sua qualidade ao ponto de
ficar em descrédito em producto, que comparado aqui com o melhor da Serra abaixo não se lhe
conhece differença.”4 Em 1802, Melo Castro e Mendonça escrevia para o seu sucessor no governo
que “o único meio que há para evitar a alteração que pela humidade se occasiona no assucar he a
conservação das estradas.”5 Assim, o sistema viário da Capitania passou por transformações que
visavam suprir a necessidade do transporte do produto até Santos.
As tentativas de melhora
Bernardo José de Lorena foi responsável por uma tentativa bem-sucedida na melhoria dos caminhos
e, conseqüentemente, na escoação do açúcar. A calçada do Lorena, como ficou conhecida sua obra de
4
PETRONE, Maria Thereza Schorer. Op. Cit, página 188.
5
PETRONE, Maria Thereza Schorer. Op. Cit, página 188.
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calçamento da descida da serra do mar, realmente representou um avanço muito grande para a época.
Foi a partir da calçada do Lorena que o caminho do mar se efetivou como o “caminho do açúcar”.
Antes descrita como um “caminho de horrores”, a ladeira passou a permitir a subida com pouco
cansaço e a descida com maior segurança.
Assim como Lorena, outros governantes tentaram empreender melhorias nas estradas paulistas,
mas o problema estava longe de ser resolvido. A “batalha” passou a ser a conservação e a melhoria
dessas obras.
Durante a década de 1830, foram muitos os pedidos para a construção de uma estrada de
carros que facilitasse a exportação do açúcar. A Assembléia Provincial de São Paulo fazia apelos
constantes à União para que a situação dos transportes em São Paulo fosse remediada: “He o
excessivo preço dos transportes que inutilisa no estabelecimento do agricultor as sobras do seu
trabalho, e dessa arte o priva de outros gêneros que preciza, quam desanima sua industria, e o torna
indolente (...)”.6
O sistema viário sofreu importantes transformações e melhorias com o advento da cana-deaçúcar, mas as dificuldades ainda eram grandes: faltavam trabalhadores para as obras de conservação
e reparos nas estradas, assim como pessoas especializadas para orientá-los. As condições de
transitabilidade continuavam razoáveis, mas o grande problema era a exportação dos produtos
paulista. Em 1835, o presidente da Província, Rafael Tobias de Aguiar, atento à importância de boas
estradas no negócio açucareiro, idealizou a criação do Gabinete Topográfico, instituição de ensino
destinada, principalmente, a formar engenheiros aptos à construção e à manutenção das estradas,
e certamente um dos precursores do ensino de engenharia em nosso Estado.
O Gabinete Topográfico
Com o intuito de melhorar os caminhos para que as necessidades econômicas de São Paulo
fossem supridas, foi criado pela Lei Provincial número 10, de 24 de maio de 1835, sancionada pelo
então presidente da Província de São Paulo, Raphael Tobias de Aguiar, o Gabinete Topográfico:
Art. 1 – Haverá na capital da Província um gabinete topographico, contendo:
1. – Um Director.
2. – Uma escola para estradas.
3. – Os instrumentos necessários para os trabalhos geodésicos.
6
Annaes da Assemblea Legislativa Províncial de S. Paulo.Secção de Obras D’ “O Estado de S. Paulo”, 1926,
p. 177.
7
Idem, p. 182.
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4. – A collecção de todos os instrumentos topographicos da Província que se puder obter.
5. – Uma bibliotheca análoga ao estabelecimento.7
Paula Souza considerou essa iniciativa como os “Primeiros Tentamens da Escola Polytecnica”,
tendo frisado em seu discurso de inauguração desta Escola, em 15 de fevereiro de 1894, que: “a
victoria, hoje alcançada, foi em luta porfiada: porque a idéia que hoje venceu não é nova. Nossos
avós tentaram realiza-la. Elles bem avaliavam as grandes vantagens que esta região adviria a
divulgação de conhecimentos mathemáticos. Crearam, por isso uma Escola de Engenheiros
construtores de estradas, que modestamente denominaram Gabinete Topográfico”.
8
Tratava-se de uma instituição concebida para atender as necessidades da cidade àquela época:
formar topógrafos medidores de terra e engenheiros construtores de estradas, denominados
condutores de trabalho. Aos alunos habilitados nas disciplinas ensinadas pelo Gabinete eram
concedidas as cartas de Engenheiros de Estradas.
Segundo um dos diretores do Gabinete, o marechal engenheiro Pedro Daniel Muller9, os objetivos
dessa instituição eram: arquivar todos os mapas e memórias de projetos relativos à construção de
estradas e instruir alunos nas matemáticas puras e desenhos necessários as aplicações em medidas
de terrenos, construções de pontes e conhecimentos dos instrumentos utilizados para esses fins.
O Gabinete iniciou suas atividades no antigo Palácio do Governo, na época situado no Páteo do
Colégio, a 1º de outubro de 1835, com quatorze alunos: conseguiu construir uma pequena biblioteca,
“boas obras das matérias que lhe são necessárias e alguns instrumentos”, mas enfrentou algumas
dificuldades, apontadas por Pedro Muller ao observar que era preciso promovê-lo, “a fim de se obterem
entendedores das matérias acima mencionadas, e haver pessoas que profissionalmente se apliquem
as construcçõens das estradas de que tanto necessita a Província”.
10
O Gabinete Topográfico funcionou por três anos, de 1835 a 1838, e embora não escapassem ao
governo as vantagens que boas estradas trariam à província, tal como o fomento do comércio entre
as regiões próximas, o Gabinete enfrentou muitos contratempos para se manter em funcionamento.
Entre os motivos que dificultaram sua implantação efetiva estão, além da falta de um local apropriado
para o Gabinete, a insuficiência de verbas para a contratação de funcionários. Entretanto, a principal
dificuldade era encontrar profissionais capazes de dirigir a construção de estradas e obras públicas
em geral, ou de ministrar as matérias que capacitassem os alunos. Com todos esses problemas, as
atividades do Gabinete foram suspensas em 1838.
8
PAULA SOUZA, Antonio Francisco de. Sessão de installação da Escola Polytecchica em 15 de fevereiro de
9
MÜLLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um quadro estatístico da Província. São Paulo: Seção de Obras d’O Estado
1894. Annúario da Escola Polytecchica para o Anno de 1900. São Paulo. p. 403.
de São Paulo, 1923, p. 261.
10
Idem, ibidem.
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Em 1840, o funcionamento do Gabinete Topográfico foi restabelecido, tendo sido tomadas algumas
providências quanto à organização, direção e melhoramentos das instalações. No entanto, depois
de ter feito parte da recém criada Diretoria de Obras Públicas – que logo foi suprimida – o Gabinete
Topográfico foi extinto em 1849, dessa vez definitivamente.
É oportuno examinarmos algumas das características técnicas e os resultados práticos do
Gabinete Topográfico.
Neste período os planos para obras viárias eram extremamente ambiciosos. Para a Serra do
Mar, projetava-se uma obra de melhor nível técnico, com novo traçado e melhorias na antiga Estrada
do Mar. A obra, concluída em 1844, foi denominada Estrada da Maioridade, a primeira estrada de
rodagem da Província de São Paulo.
Algumas dúvidas sobre a eficiência dessa estrada foram levantadas, visto que em 1846 Dom
Pedro subiu a Serra montado em uma cavalgadura, o que poderia demonstrar que o objetivo principal,
o de permitir a circulação de carros, não havia sido atingido. Alguns anos mais tarde, Nabuco de
Araújo declarava que aquela jamais seria uma estrada normal e própria de rodagem. No entanto,
não podemos perder de vista as dificuldades que existiam para a construção de obras desse porte e,
portanto, seus resultados devem ser relativizados.
A construção da Estrada da Maioridade alcançou ampla repercussão em várias regiões da
província. Alguns anos depois foi feito um esforço semelhante para a construção da estrada da
Graciosa, ligando Curitiba com o porto de Paranaguá. Ex-aluno do Gabinete Topográfico, Saturnino
de Freitas Villalva trabalhou em sua fase inicial, quando o território do atual Estado do Paraná ainda
pertencia a São Paulo. Algumas melhorias devem ter sido executadas nos traçados de outras estradas
já existentes na província, pois no início do século XX, já existiam as condições para que os veículos
movidos a gasolina pudessem trafegá-las.
Para o estabelecimento de tais condições, o advento do Gabinete Topográfico foi o grande passo
inicial, já que representou uma primeira tentativa de sistematizar os conhecimentos sobre engenharia,
assim como canalizá-los para a construção de obras vantajosas à província.
Escragnole Taunay considerou o Gabinete Topográfico como um “avoengo” da Escola Politécnica
e ressaltou sua importância para o desenvolvimento do ensino técnico e de engenharia na província
de São Paulo, principalmente na formação de topógrafos, mais habilitados do que os “pilotos”,
sucessores do “pratico de agulha” profissionais ancestrais dos agrimensores, topógrafos e engenheiros11.
11
Taunay, Affondo Escragnole. A engenharia e o ensino técnico em São Paulo anteriores à Escola Politécnica
de São Paulo (trabalho escrito para comemoração do cinqüentenário da Fundação da Escola Politécnica).
Anuário da Escola Politécnica de 1947, p.101.
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Infelizmente a experiência do Gabinete Topográfico teve curta duração, apesar de ser um “Instituto
tão necessário para o real desenvolvimento do paiz não podia medar naquelle regimen de ficções e
de enfezada centralização. Por isso, apesar da grande falta que então se experimentava, de homens
práticos, capazes de bem delinear e executar as estradas, já n’aquela época reputadas indispensáveis
para a prosperidade de São Paulo, após a extinção daquella modesta tentativa, que alias já ia
produzindo excellentes fructus, nada mais se ensinou entre nós d’aquelle gênero”. 12
Era evidente que estava reservado ao governo Republicano, “que é o Governo do Povo, pelo
Povo e em proveito do Povo, a tarefa de cuidar seriamente deste empreendimento; e só agora é que
realmente se poderá esperar de semelhante instituição os benefícios que nossos avós já tão
sabiamente anteviam”.13
Nas primeiras décadas do século XX, a província de São Paulo pouco exigia em matéria de
grandes obras de engenharia, mas tracejar, localizar e abrir estradas era uma necessidade básica
para se alcançar melhores condições de vida. Foi para responder esse apelo que se criou o Gabinete
Topográfico, uma experiência que, apesar de duração efêmera, pode ser considerada como um
marco na implantação do ensino técnico e de engenharia em São Paulo. Entretanto, apesar do seu
valor para a província de São Paulo, o Gabinete Topográfico estava longe de representar um ensino
superior. Naquela época somente a Corte possuía uma Escola de Engenharia, a Escola Central. O
ensino no Gabinete era dedicado a noções de matemática, física, geometria e topografia e por isso
acreditamos que podemos enquadrá-lo no chamado “ensino secundário”, que deu grande ênfase às
ciências exatas, o que não foi observado em outros estabelecimentos secundários da época,
excetuando-se o “Gymnasio do Estado”, surgido no final do século XIX.
No Arquivo do Estado de São Paulo, local onde foi iniciada a pesquisa, pudemos encontrar o
Livro de Matrículas do ano de 1842, com a lista dos alunos que freqüentavam as aulas do Gabinete.
Além disso, estão disponíveis na biblioteca do Arquivo a coleção de Leis e Decretos do Estado de
São Paulo, que incluem desde a lei que criou o Gabinete, em 1835, e as mudanças que a instituição
sofreu, até a data do seu fechamento definitivo, em 1849.
12
Taunay, Affondo Escragnole. op. Cit, p. 101.
13
Paula Souza, Antônio Francisco de. op cit. p. 403.
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Nicolai Filimonoff
Referências bibliográficas
MULLER, Daniel Pedro, 1923. Ensaio d’um quadro estatístico da Província. São Paulo: Seção de Obras
d’O Estado de São Paulo.
PINTO, Adolpho Augusto, 1977. História da viação pública de São Paulo. São Paulo: Governo do Estado.
SOUZA, Antônio Francisco de Paula, 1973. Sessão de installação da Escola Polytecnica em 15 de
fevereiro de 1894. Anuário da Escola Polytecnica para o ano de 1900, São Paulo.
TAUNAY, Affonso Escragnole,1947. A engenharia e o ensino técnico em São Paulo anteriores à Escola
Politécnica de São Paulo. Anuário da Escola Politécnica de São Paulo de 1947, São Paulo.
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A formação de comissários de vôo no Estado de São Paulo
Mauricio Libreti de Almeida / Senira Anie Ferraz Fernandez
A formação de comissários de vôo no Estado de São Paulo
Mauricio Libreti de Almeida1
Senira Anie Ferraz Fernandez2
Resumo
O presente texto trata de uma análise do sistema de formação de comissários de vôo no Estado de São
Paulo, uma formação eminentemente multidisciplinar. Está organizado em duas partes, onde inicia-se
por uma análise histórica da profissão e conclui-se com os preceitos de sua formação na atualidade.
Mescla para isso fontes bibliográficas e fontes humanas através de uma pesquisa realizada segundo o
método conhecido por transcrição da história oral, chegando a importantes considerações sobre a questão
limitadora do atual modelo de formação do novo profissional. A importante questão debatida é até que
ponto o atual sistema de formação no Brasil condiz e é aplicável ao escopo desta profissão.
Palavras chave: Comissário de vôo; Aeronauta; Escola de Aviação Civil; Formação profissional de nível
técnico, Portarias.
Abstract
The present article is about an analysis of the flight attendants formation system in the Sao Paulo state, an
eminent multidisciplinary formation. It is organized in two parts. It starts by an historical analysis of the
profession and it is concluded by the principles of this formation nowadays. For these purpose, this article
shares bibliographic sources and human testimonies, where the testimonies were obtained by a research
done according the oral transcription method. From these two relevant sources, important conclusions
about the limitation aspects of the current formation system were obtained. The important question to be
discussed is how far the current flight attendants formation system is applicable to the profession scope of
this category.
Key words: Flight attendant; Aeronaut; Civil Aviation School; Technical level professional education;
Governmental decrees.
A atividade do comissário de vôo3 é uma das mais importantes para o transporte aéreo comercial
brasileiro e mundial. Este profissional, pertencente à classe dos aeronautas, é formado no Brasil de
1
Mestre pelo programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Educação, Comunicação e Administração da
Universidade São Marcos.
2
Professora Doutora do programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Educação, Comunicação e Administração
da Universidade São Marcos.
3
Também conhecida por comissário de bordo.
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Mauricio Libreti de Almeida / Senira Anie Ferraz Fernandez
acordo com as premissas de nosso órgão máximo da aviação, o Comando da Aeronáutica4, através do
Departamento de Aviação Civil, a fim de exercer atividades a bordo de aeronaves nacionais brasileiras
que vão do simples oferecimento de refeições e do atendimento cortês, como a profissão ficou por
muito tempo estigmatizada, até procedimentos específicos de emergência. Entender suas diretrizes
de formação torna-se um meio muito interessante de analisar muitos aspectos de sua atividade.
Em nosso país a aviação civil e os profissionais que operam suas aeronaves, os chamados
aeronautas, começaram a surgir, segundo Aldo Pereira5, em 1927 através da empresa aérea Condor
Syndicat que, de origem alemã, implantou as primeiras linhas aéreas brasileiras, utilizando para isso
hidroaviões na região sul do país.
É na década de 1930 que a função de comissário de vôo começa a surgir de uma forma oficial
nas aeronaves, primeiramente nos Estados Unidos e Europa, e logo em seguida no Brasil. Diz-se de
forma oficial porque, segundo Pereira6, desde 1920 a profissão já existia dentro dos hidroaviões de
empresas americanas como a Western Airlines e a Pan American, as quais utilizavam nessa época
homens, com a função de amarrar e desamarrar aeronaves, carregar bagagens e malas postais e
cuidar dos passageiros.
As mulheres, símbolos maiores da profissão de comissário de vôo até hoje, só foram na realidade
empregadas a partir da década de 1930, tendo como principal nome o da americana Ellen Church ,
que, não aceita para pilotar para uma empresa americana, concordou em tornar-se aeromoça 7, tendo
como forte argumento o fato de que poderia tirar o medo dos passageiros em voar e ainda cuidar
daqueles que passassem mal na viagem, uma vez que ela era enfermeira por formação.
Grande desenvolvimento a profissão sofreu a partir de então, graças à melhora tecnológica das
aeronaves que fez com que o trabalho destes profissionais ficasse menos pesado e muito mais
sofisticado, chegando, nas décadas de 1960 e 1970, os comissários de vôo, em especial as
comissárias, a serem consideradas modelos a bordo de aeronaves, fato que gera fortes influências
até hoje na profissão.
No Brasil esse panorama não é diferente. De trabalho pesado no seu início, a atividade do
comissário evoluiu para uma profissão considerada requintada, exercida em sua maioria por belas
mulheres, tendo seu ápice na década de 1970, sofrendo uma nova evolução, chegando ao panorama
4
Antigo Ministério da Aeronáutica. Hoje possui status de comando e está subordinado ao Ministério da
Defesa brasileiro.
5
PEREIRA, Aldo. História da Aviação Comercial Brasileira. Rio de Janeiro: Europa Empresa Gráfica e
Editora. p. 44.
6
Idem, p. 383.
7
Stewardess em inglês.
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atual, em que se busca conceituar o profissional comissário de vôo muito mais como um técnico em
segurança do avião do que como alguém belo que somente distribua sorrisos e refeições a bordo de
aeronaves.
Essa evolução apresenta profundas relações com o sistema educacional que formou e ainda
forma estes profissionais no Brasil. No inicio da profissão é fato, segundo Pereira8, que não existia
qualquer tipo de formação ou treinamento especial. A cargo das próprias companhias aéreas, eram
destacados funcionários, em geral despachantes do vôo, para cuidar dos passageiros quando a
bordo das aeronaves.
Uma formação mais estruturada só começa aparecer no Brasil por volta da década de 1950,
quando pressionadas pela concorrência das empresas americanas, nossas companhias aéreas notam
que a única forma de atrair mais passageiros seria através de um algo a mais em seu serviço de
bordo. Neste momento, seguindo suas próprias diretrizes, as empresas começam a formar estes
profissionais com o objetivo de melhorar o atendimento a bordo. O curso, segundo comissárias da
época, vinculava-se à função de “recepcionista”9 e cuidava de como atender bem um cliente; havia
aulas de gastronomia e etiqueta além de maquiagem. Definitivamente, não havia grande preocupação
em ensinar ao comissário conceitos de segurança, visto que se acreditava à época que pouco os
mesmos poderiam fazer numa situação de emergência.
Apesar de desde 1938, segundo Pereira10, o Departamento de Aviação Civil, ou DAC, já controlar
a admissão de comissários de vôo por empresas brasileiras11, a preocupação em regular a formação
e educação dos mesmos demorou algum tempo12, ocorrendo somente depois de vários anos após a
subordinação de toda a aviação civil brasileira ao Ministério da Aeronáutica, um órgão militar, a qual
ocorreu em 1941.
A supervisão do Ministério da Aeronáutica na educação do comissário de vôo começa a mudar
o escopo da profissão. Já com boa experiência em educação de pilotos e sofrendo pressões variadas
de setores da sociedade, o Ministério cria currículos padrão para que as empresas aéreas passem a
formar e reciclar seus comissários. O foco passou a ser totalmente voltado à segurança da aeronave
e de todos os seus ocupantes. O glamour e o contato humano estimulados até então nos cursos, dão
lugar a uma educação de modelo tecnicista e militarizada.
8
PEREIRA, Aldo. Op.cit. p. 383.
9
Do inglês hostess.
10
PEREIRA, Aldo. Op.cit. p. 45.
11
À época ainda chamados aeromoços.
12
Diferentemente do que acontecia com os pilotos que já tinham sua educação regulada desde os primórdios
da profissão no Brasil pelo Ministério de Viação e Obras Públicas e depois pelo DAC.
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Na década de 1980 deu-se uma profissionalização ainda maior da função de comissário de vôo.
Em 1984 cria-se aquilo que se pode chamar da mais importante lei da categoria, chamada de
regulamentação da profissão da aeronauta, a qual válida até hoje, delimitou ainda mais a profissão
no Brasil. Novamente no campo educacional, a criação em 1986 do Instituto de Aviação Civil13 fez
com que houvesse um controle maior por parte do governo brasileiro destes profissionais, através
da instituição de uma política muito clara de sua formação. Nota-se de uma maneira muito clara,
nesse documento, que a formação de um comissário de vôo passou a ser encarada, numa alusão às
diretrizes do Ministério da Educação brasileiro, como uma formação profissional de nível técnico14.
Apesar da alusão feita, destaca-se, na portaria citada um distanciamento e um corte de qualquer
canal como o Ministério da Educação Brasileiro, o qual de direito deveria ser o responsável pela
formação de nível técnico no Brasil, como sugere a nossa LDB15 em seus artigos de números 39 a
42. O próprio Ministério da Educação, através de parecer, concorda que se trata de uma formação
especifica, que deve ser organizada por um órgão competente para tal, conforme relatado a seguir:
Um espaço que, certamente, não será· ocupado pelo sistema formal de ensino médio profissional
seria o da formação da mão de obra muito especializada, necessária para algumas empresas.
Fala-se aqui da especialização em pilotagem de aviões, embarcações e trens, controladores de
vôo e assemelhados. É um espaço muito complicado de atuar. Muitos pilotos da aviação se formaram
nas escolas de Aeronáutica, muitos pilotos de embarcações se formaram em escolas da Marinha16.
A mais recente alteração sofrida por este sistema de formação se deu em 1992 quando o IAC
decidiu-se por desvincular a formação inicial das empresas aéreas e trazê-la para instituições
particulares, denominadas escolas de aviacao civil. Essa desvinculação ocorreu em razão de um
novo documento conhecido por RBHA 14117, que regulamentou, autorizou e deu poder ao DAC e
consequentemente ao IAC para homologação das escolas que passariam a formar os futuros
comissários de vôo para as empresas brasileiras.
Este é o panorama atual da formação de um comissário de vôo no Brasil. Uma série de escolas
homologadas pelo DAC através do IAC oferecem cursos particulares de duração aproximada de
13
Conhecido simplesmente por IAC.
14
A qual ocorre pós ou simultaneamente ao segundo grau e visa profissionalizar indivíduos diretamente para o
mercado de trabalho.
15
BRASIL, Leis etc. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei n º 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Brasília.
16
BRASIL. Manuais do Ministério da Educação. Educação Profissional: Referenciais Curriculares nacionais de
educação profissional de nível técnico. Brasília, 2004.
17
BRASIL, Portarias etc. Departamento de Aviação Civil. Portaria nº 827/DGAC de 04 de agosto de 2004.
Atualiza o RBHA 141. Rio de Janeiro.
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quatro meses, nos quais, seguindo um currículo mínimo estabelecido, os alunos deverão obter um
desempenho satisfatório que lhes permita serem aprovados na respectiva escola, para que possam
fazer uma espécie de vestibular, realizado três vezes ao ano pelo IAC, em que a aprovação significa
ao futuro profissional o direito de obter um Certificado de Conhecimento Teórico. Este certificado é
uma espécie de licença que dá direito ao futuro comissário de concorrer a um emprego em uma
companhia aérea. Essa companhia aérea, também regulada e fiscalizada pelo DAC e IAC, deverá
prover ao futuro comissário de vôo uma complementação do curso ministrado pela escola, uma
habilitação específica o tipo de aeronave de cuja tripulação o futuro comissário vai fazer parte, e uma
espécie de estágio a bordo para que finalmente o mesmo seja considerado apto a exercer a profissão.
Apesar de aparentemente funcional, existem certos pontos nessas diretrizes educacionais para
comissários de vôo cuja aplicabilidade e respectivos reflexos acabam sendo muito discutidos no
próprio meio da profissão.
Um primeiro ponto, avaliando as escolas e depoimentos analisados de alunos e de instrutores é
que o nível do corpo docente deixa muito a desejar. Não é somente o fato de a maioria deles não
possuir formação universitária18, mas sim o fato de faltar muitas vezes um melhor preparo para a
transmissão do conhecimento. Não há nas portarias do DAC um incentivo ao desenvolvimento das
habilidades do instrutor tanto na didática quanto na pesquisa, ficando este último quesito inteiramente
a cargo das empresas aéreas que acabam por não repassar às escolas estes novos conhecimentos.
De um certo modo, a diretriz incentiva que os instrutores das escolas de aviação civil sejam
apenas repetidores de um conteúdo já formulado e que tenham acima de tudo experiência de vôo,
algo que na visão do DAC e do IAC parece ser considerado benéfico e suficiente para que o
entendimento do assunto seja atingido. O máximo a que se chega na parte pedagógica é um lembrete
do IAC para que os instrutores tenham feito algum “curso de preparação para instrutores”19. Somese a isso o fato de as escolas de aviação civil utilizarem os instrutores num regime free lancer,
escalando-os, em geral, em suas folgas nas companhias aéreas 20, o que diminui o vínculo do
profissional com a instituição e o próprio fomento à pesquisa.
Devido à forte presença militar ainda presente no DAC, pode-se afirmar, baseando-se nas palavras
do professor Nilton Santos21, que a qualificação de professores, na época da educação militar, que
18
Fato muito comum nas escolas de afiação civil brasileira já que possuir nível universitário não é considerado
requisito mínimo da portaria número 827 do DAC, a qual regula o conteúdo e formação do corpo docente
para tais instrutores.
19
BRASIL, Departamento de Aviação Civil. Portaria nº. 827/DGAC de 04 de agosto de 2004. Atualiza o RBHA
141. Rio de Janeiro
20
Muitos deles são comissários em atividade em empresas aéreas.
21
SANTOS, Nilson. Filosofia para crianças. Rondônia: Edufro, 2001, p. 7.
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atingiu seu apogeu após o golpe de 1964, era muito baixa, pois se buscava claramente não angariar
professores qualificados, mas sim professores que pudessem ser moldados quanto a seu estilo de
atuação, banindo qualquer tipo de criatividade.
Somando-se a essa má qualificação e mais especificamente a um não fomento da pesquisa,
encontra-se um currículo extremamente rígido e dificilmente mutável, proposto por IAC e DAC para
a formação do comissário de vôo. Segundo a portaria 827 do Comando da Aeronáutica, é um fator
que pode causar a perda de homologação de uma escola o “não cumprimento das normas contidas
nos manuais expedidos pelo IAC referentes aos cursos 22”.
Na prática, esse currículo imutável cria uma defasagem de quase 20 anos entre alguns conceitos
que são ensinados e aquilo que realmente o comissário vai necessitar em sua atividade pratica
quando de sua entrada em uma companhia aérea. Uma rápida checagem na bibliografia recomendada
para formulação de uma aula pela portaria 827 permite afirmar que a maioria das publicações data
da década de 1980. Sendo as escolas meras repetidoras de conteúdo e não fomentadoras da
pesquisa, fica claro que essa defasagem será retirada quando do ingresso do comissário de vôo na
empresa aérea, que acaba, na visão de muitos comissários, por realizar praticamente uma nova
formação dos profissionais em suas dependências, levando para isto um tempo muitas vezes
semelhante a de um curso de formação das escolas. Paralelamente a isso existe o fato que parece
ser o mais critico de todo o sistema de formação de um novo comissário de bordo, que diz respeito
a um foco muito mais no lado técnico da profissão do que seu lado humano. Nas diretrizes de formação
publicadas e cumpridas pelas escolas, poucas horas da carga horária são reservadas para trabalhar
relações humanas. Quando o são, acabam sendo abordadas segundo uma visão muito mais do
condicionamento de comportamentos23 do que de uma visão sociológica da relação humana. Assim
como na formação de um piloto, o comissário tem uma grande quantidade de assuntos técnicos
presentes em seu currículo, que são, sem dúvida, muito importantes juntamente com uma série de
condicionamentos que servem para treiná-lo em uma situação de emergência24. Não é objetivo discutir
a eficácia ou não deste tipo de comportamento, mas sim salientar que no trabalho diário de um
comissário de vôo, a maior parte do tempo é dedicada às relações pessoais e não às emergências.
A possível explicação para essa quase nula ênfase nos aspectos humanos pode ser explicada,
como já foi dito, pelo próprio órgão controlador da categoria e consequentemente do seu sistema de
formação. A legislação, e especialmente o DAC, ao encarar pilotos, comissários de vôo e mecânicos
de vôo como aeronautas, acabam por criar um modelo de educação cuja filosofia se concentra
22
BRASIL, Portarias etc. Departamento de Aviação Civil. Portaria nº 827/DGAC de 04 de agosto de 2004.
Atualiza o RBHA 141. Rio de Janeiro.
23
Nota-se no programa fortes influências do behaviorismo.
24
Muitos dos comissários entrevistados informaram que são treinados para não pensar e sim agir.
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quase que exclusivamente no escopo técnico, parecendo esquecer que o comissário de vôo apresenta
um perfil diferenciado, sendo que dele se exige um contato maior com pessoas. Some-se isso o fato
de que existe um preconceito histórico com relação à profissão do comissário de bordo por parte dos
usuários e até dos próprios demais aeronautas, desvalorizando o lado humano da atividade, encarada
segundo uma visão pejorativa do servir , o que faz com que discussões sobre o lado humano desta
profissão fiquem cada vez mais distantes, como se fosse um lado nebuloso da profissão, que não
deve ser abordado.
Paralelamente a tudo isso, existe no contexto da formação uma forte presença de métodos
rígidos de ensino, fazendo que as escolas valorizem de maneira extrema a disciplina, em detrimento
da criatividade ou da democracia. É muito comum alunos associarem às escolas palavras como
quartel e autoritarismo, devido ao fato de estas possuírem regras extremamente rígidas quanto a
conduta, horários, formas de se fazer perguntas, apresentação pessoal, dentre outras.
Na visão dos seus diretores e responsáveis, essa é a forma encontrada de criar nos futuros
comissários um senso de responsabilidade para uma profissão cuja disciplina é algo considerado
essencial e muito cobrado pelas empresas aéreas.
São inúmeras as citações no dia a dia dessas escolas que promovem essa disciplina forçada.
Como diria Paulo Freire25, poderíamos afirmar, por analogia, que se trata daquilo que ele conceituou
como uma “educação bancária”. Para Álvaro Vieira26, nesses casos, o educando acaba sendo tratado
como um simples objeto da educação.
Corroborando essa informação, temos fato de que na maioria das escolas não se estimula o
debate entre os alunos e sim a simples aceitação do conteúdo proposto. A explicação para isso parece
estar novamente na relação DAC versus historia da categoria, em que o DAC, de um lado, através da
equiparação da educação de pilotos e comissários sob uma única filosofia de forte herança militar,
procura mostrar com todas as letras o fato de que a disciplina é única forma de se alcançar os objetivos
educacionais, e a categoria, de outro lado, por seu próprio histórico, tendendo a aceitar o fato que
servir clientes é algo considerado menor, não necessitando para isso mais do que um simples
condicionamento.
A impressão que resulta do excesso de disciplina exigida nas escolas é de uma aceitação forcada
do preconceito relativo ao lado servir da profissão, em que o elemento apaziguador encontrado pela
maioria é o da importância do comissário com relação à segurança dos passageiros a bordo, que
criou no Brasil até uma famosa autodenominação da classe como “técnicos de segurança da
aeronave”, suprimindo qualquer tipo de debate que pudesse despertar e valorizar o lado humano e
25
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 4ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974, p.81.
26
VIEIRA, Álvaro. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Cortez, 11ª ed., 2000. p.29.
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prazeroso de uma profissão em que uma das principais habilidades é a de servir pessoas. Todo um
leque de discussão em torno de disciplinas humanas é desperdiçado sob uma falsa imagem de que
servir é algo menor e sempre condicionado à forte disciplina.
Em síntese o que se percebe é que o grande controle e a rigidez impostos pelo DAC e IAC ,
somados à falta de autonomia das escolas de aviação civil, a um grande preconceito quanto ao lado
humano da profissão de comissário de vôo, faz com que o sistema de formação destes profissionais
no Brasil siga um modelo limitador e pouco humanista, pela sua própria filosofia, não condizente
com o escopo de uma profissão em que o contato humano é fundamental.
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Atualiza o RBHA 141. Rio de Janeiro.
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KANE, Paula & CHANDLER, Christopher. Objetos sexuais nos céus: um relato pessoal da rebelião das
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SANTOS, Nilson. Filosofia para crianças. Rondônia: Edufro, 2001.
VIEIRA, Álvaro. Sete lições sobre educação de adultos . 11ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.
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Design Gráfico e Tecnologias
Rubens De Souza / Senira Anie Ferraz Fernandez
Design Gráfico e Tecnologias
Rubens De Souza*
Senira Anie Ferraz Fernandez**
Resumo
Este artigo tem por objetivo discutir questões referentes às relações entre tecnologias e o design gráfico.
O suporte digital e a Internet apresentam novos elementos que interferem neste processo e as relações
que estabelecem entre si. Verificou-se a necessidade de melhor explicitação das principais etapas de
execução dos conteúdos elaborados pelos designers. A partir da revisão de literatura e dos dados
coletados, foram elaboradas algumas categorias que apresentam e discutem certos elementos levantados
como integrantes deste trabalho, ainda que não possam ser categorias fixas e estáticas, uma vez que
tais elementos apresentam constantes alterações. Buscou-se revisar a capacitação dos profissionais
ligados a esta área, delineando caminhos e possíveis soluções, para futuras reflexões e discussões,
visando à melhoria do processo de sua formação.
Palavras-chave: Comunicação, Design gráfico, Criação, Tecnologias.
Abstract
The objective of this article is to discuss the connection between technology and graphic design.
The digital support and Internet present new elements that interfere in that process. A better highlight
of the execution content of the main steps taken by designers is needed. Some categories were
drawn from literature review and collected data. Those categories present and discuss elements
that can be found in this article even though those categories can’t be fixed and static as the
elements have constant changes. A review on professional ability of the area is explained, defining
paths and possible solutions to future discussions and reflection so that an improvement can be
offered to the education process.
Key words: Communication, Graphic design, Creation, Technologies.
Design gráfico e tecnologias
A conjuntura atual delimita as mudanças de uma sociedade caracterizada pela informatização
com seus aparatos capazes de produzir, armazenar e difundir mensagens culturais, e por sua vez
amplia o fluxo de informações a partir da apropriação das recentes tecnologias que agregam aos
meios eletrônicos diferentes dispositivos informatizados e interligados pela Internet.
*
Aluno do Mestrado Interdisciplinar em Educação, Comunicação e Administração da Universidade São Marcos.
**
Professora Doutora do programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Educação, Comunicação e Administração
da Universidade São Marcos.
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Design Gráfico e Tecnologias
Rubens De Souza / Senira Anie Ferraz Fernandez
Assim, muitas áreas profissionais modificam suas atividades laborais ao se atualizarem neste
complexo modelo midiático, ou seja, as redes de informática que democratizam os inúmeros conteúdos
lançados pela Internet e que alteram a cognição da sociedade que os acessa.
Com o objetivo de discutir tais fenômenos, este artigo analisa a área do design gráfico e suas
relações com as tecnologias, as influências decorrentes dessa sistêmica, constatando-se que a
aplicação de recursos tecnológicos às atividades do designer deve levar em conta um conjunto de
elementos intervenientes neste processo e as relações que mantêm entre si.
Inicialmente verifica-se que há uma insuficiência de informações quanto aos procedimentos
adequados à efetivação do trabalho a ser executado, quando o profissional apenas demonstra um
vasto conhecimento da tecnologia de ponta, mas não leva em conta que outras relações vão interferir
em sua atividade produtiva, principalmente no âmbito das criações.
Pode-se notar que os elementos envolvidos no processo de utilização da informática, com seu
aparato tecnológico, especialmente da Internet, são muitos e se intercomunicam. Os protagonistas
desta área profissional, responsáveis pelos conteúdos elaborados, não lidam apenas com as
atividades técnicas e criativas relacionadas com o produto de imagens, mas com a análise, a
organização e os métodos de apresentação de soluções visuais para problemas de comunicação.
Assim, para uma visão geral do desenvolvimento de técnicas nesse universo, deve-se observar
o percurso da tipografia até os atuais sistemas de impressão. Essa trajetória diferencia-se com o
advento do suporte digital a partir de uma nova relação profissional, em que as regras são evidentes
nas questões tecnológicas que as permeiam.
A inserção do computador e de todas as tecnologias advindas dessa descoberta prestam valiosas
contribuições às áreas do design. Rotinas são alteradas e se adaptam a um fluxograma operacional
permeado pelo suporte digital. As empresas ligadas ao ramo da comunicação enxugaram seus
departamentos, seus profissionais aderiram a esta nova realidade e os fluxos midiáticos se ampliaram.
O conhecimento tecnológico capacitou os profissionais a desenvolverem seus trabalhos;
todavia, muitos deles necessitam de aprofundamento em conhecimentos, quer eruditos, quer
populares. Vale dizer que não é recomendável a redução da utilização das tecnologias no processo
da aprendizagem profissional das diferentes modalidades de cursos superiores, e sim a geração
de aprofundamentos nas reflexões que os permeiam e que propiciam novos experimentos por
meio das mesmas tecnologias.
Para isso, há a necessidade de orientação e apoio adequados, uma vez que a maioria das
instituições de ensino registra maior ênfase no conhecimento técnico, visando atender às demandas
do mercado de trabalho. As disciplinas ligadas às ciências sociais tornam-se então oportunas, por
serem capazes de gerar insumos para novas reflexões, experimentos, diferentes tipos de pesquisas
e atualização para este segmento profissional.
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Rubens De Souza / Senira Anie Ferraz Fernandez
Nota-se a urgente necessidade da ampliação do diálogo entre a universidade, as indústrias e os
serviços midiáticos, a sociedade local e as corporações profissionais. O legitimador Conselho Estadual
de Educação recomenda para os cursos superiores desta área profissional os projetos de conclusão
de curso (projetos experimentais, monografias e estágios supervisionados), que são sinalizadores
de grandes oportunidades para os recém-formados ingressarem no mercado de trabalho.
Paralelamente, podem ser também um espaço comum a disciplinas como filosofia, sociologia, análise
cultural e outras. Nessa circunstância, seria relevante uma análise técnica e pedagógica capaz de
sistematizar e dinamizar as diretrizes curriculares por meio de levantamentos de dados suficientes
para tal objetivo. Atualmente, no entanto, o trabalho de conclusão de curso (TCC) ainda apresenta
pontos de dúvida em muitas instituições de ensino.1
Constata-se que a formação dos profissionais na área pressupõe três dimensões básicas:
1. Os processos midiáticos que configuram as técnicas de produção e difusão dos conteúdos
elaborados por esses profissionais; sua rotina profissional, linguagem técnica, preceitos legais
e éticos, planejamento e gestão, bem como critérios estéticos.
2. Divulgação dos projetos elaborados na finalização dos cursos, junto a organizações nacionais
e multinacionais, de diferentes portes e setores, organizações governamentais e nãogovernamentais, com o objetivo de serem criadas melhores condições de gerar empregos.
3. Os conteúdos culturais que justificam as mensagens elaboradas, as simbologias, uma visão
geral da sociedade, sua história, economia, política, cultura e relações.
Além disso, verifica-se a necessidade de estabelecer uma definição precisa dos objetivos dos
cursos de formação profissional dessa área. Para tanto, as estratégias pedagógicas, profissionais e
a comunidade acadêmica devem objetivar as melhores formas de sobrepor os conteúdos mínimos
necessários ao design para a formação profissional de curta duração, com um mínimo de reflexão
nas áreas de ciências humanas. Ou seja, expressar maior ênfase em processos tecnológicos,
conteúdos administrados nas instituições de ensino, e em programas que possam suprir demandas
regionais nesta área profissional. Assim, projetos experimentais poderão ser desenvolvidos por alunos,
simulando a realidade da comunicação no mercado de trabalho em que se encontram, além de
oferecerem uma visão integral dessa dinâmica.
É de fundamental importância que as universidades se mostrem sensíveis às novas modalidades
de atuação profissional, como produção editorial, diferentes modalidades da web, com a inserção de
conteúdos animados e sonoros, jogos interativos, conteúdos para telefonia celular e outros.
Verifica-se nos últimos anos a abertura de várias instituições de ensino em regiões de grande
concentração de faculdades, mas que oferecem os mesmos cursos profissionalizantes. A produção
1
Cf. FREITAS, Sidinéia G., pp. 21 – 28
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editorial, por exemplo, poderia ser uma nova opção de curso profissionalizante, como são os recentes
cursos de fotografia, moda etc.
Em alguns casos se percebe, em muitas faculdades de comunicação social a aglutinação dos
cursos de publicidade e propaganda, marketing, relações públicas, jornalismo, design e outros.
Na realidade, cabe redefinir os diferentes cursos agregados às faculdades de comunicação
social, numa espécie de “megacurso” funcionando por módulos divididos basicamente entre as
disciplinas do tronco comum e as técnicas. Naturalmente, muitas disciplinas oferecidas em
determinado curso acabam sendo potencializadas para outros, distanciando-se das especificidades
requeridas pelas áreas profissionais.
A renovação curricular pode ser um importante mecanismo para atender às novas demandas
que surgem na “sociedade da informática”, com o crescente aumento da utilização das tecnologias
permeadas pelo suporte digital.
De outra forma, entende-se que o designer gráfico alterou sua maneira de elaborar as peças
comunicacionais. Onde, por exemplo, se faziam cálculos diagramáticos para editar textos a partir de
escalas de medidas próprias em técnicas de paste-up , estes cálculos foram substituídos pela
editoração de textos que facilitam a organização com resultados imediatos. Estes benefícios propiciam
melhor aproveitamento do tempo, dinamizando o fluxo operacional das atividades.
Constata-se que tais facilidades se dão a partir dos diferentes softwares existentes no mercado, que
auxiliam os designers não somente na diagramação, mas também na elaboração de ilustrações em duas
ou três dimensões, e nos conteúdos animados ou estáticos criados para as diferentes mídias e suportes.
Assim, verifica-se que na nova maneira como o indivíduo concebe a idéia para a elaboração de suas
propostas, a criatividade não se altera em sua forma essencial de ser, pois é um processo mental. As
mudanças ocorrem na forma de transferir a idéia. Normalmente as criações surgiam no papel, numa
etapa de elaboração denominada rough, e a partir daí havia um percurso até se chegar ao original de
impressão. Agora a maioria dos profissionais já desenvolve suas criações diretamente na tela do
computador, utilizando-se igualmente do aparato tecnológico de entrada e saída de dados no computador.
Contudo, a metodologia adotada para a solicitação de serviços ainda permanece inalterada, e
as criações são elaboradas através do briefing. A Internet é, sem dúvida, mais um campo de atuação
dos designers gráficos, ao mesmo tempo em que se constitui em fonte de pesquisa.
A formação do designer, em suma, deve enfatizar o seu caráter humanístico, a fim de indicar
novos caminhos a partir de levantamento e discussões de alguns elementos que possam interferir
no processo, objetivando à melhoria profissional para as novas demandas do mercado de trabalho.
É certo que muitas outras discussões merecem aprofundamento, e muitos outros elementos
concernentes a este trabalho de pesquisa ainda poderão ser levantados.
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Design Gráfico e Tecnologias
Rubens De Souza / Senira Anie Ferraz Fernandez
Não obstante, espera-se que este ensaio possa contribuir para a identificação de alguns benefícios
a favor da mediação entre designer e tecnologias, com a finalidade de aperfeiçoar o desempenho
dos profissionais desta área.
Referências bibliográficas
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Relacionamentos: Algumas portas na escola
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
Relacionamentos: algumas portas na escola
Marcos Luciano Corsatto*
Anna Barros**
Os processos que estamos vivendo e as relações que estabelecemos no cotidiano da escola,
em especial naquela onde se trabalha com alunos do Ensino Fundamental, exigem tomadas de
posições cada vez mais embasadas nos conhecimentos das ciências que, direta ou indiretamente,
influenciam a reflexão e a prática educacionais.
Num mundo cada vez mais complexo, que proporciona uma rede quase que infinita de possibilidades,
uma instituição educacional que se pretende séria e comprometida com valores éticos necessita de
profissionais que estejam preparados para exercer sua liderança de forma competente e com
embasamento suficiente, sobretudo para trabalhar com a dimensão educativa das relações humanas.
Os sujeitos que participam da e na escola são pessoas, que agem e interagem como seres humanos
e não meramente como executores de determinadas funções. Por isso, este pode ser um contexto
privilegiado de vivência da condição humana: a construção constante e eterna das relações, com suas
dificuldades, medos, imprevistos, etc. Neste sentido, a humanização da escola depende da interação
de todos e deve ter, principalmente nas suas lideranças (devidamente preparadas e embasadas em
fundamentos científicos), a garantia de se buscar uma escola mais humanizada, com todas as
implicações desta realidade.
Ao lado do avanço de toda espécie de técnica e tecnologia, os educadores precisam lembrar-se
constantemente do caráter humano de todas as pessoas que atuam e participam da realidade escolar;
caráter humano que deve ser compreendido, sobretudo, pela vasta rede de comunicações, relações
e conexões que todos nós, os humanos, estabelecemos e vivenciamos, do nascimento à morte, em
qualquer circunstância ou realidade.
* Aluno do curso de Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos.
** Professora Doutora da Pós-graduação Interdisciplinar em Administração, Educação e Comunicação da
Universidade São Marcos.
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PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 3 • jul-dez 2005 • p. 69-74
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Sumário
Relacionamentos: Algumas portas na escola
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
Para aprofundarmos um pouco mais esta reflexão, propomos que esta se faça através de uma
concepção relacional sugerida por um texto de Edgar Morin, no qual apresenta três formas em que pode
acontecer esta interação humana: em relação a si, em relação ao outro e em relação ao mundo1. E, com
este enfoque, que evidentemente não exclui outras possibilidades de análise da questão, façamos uma
analogia simbólica com as portas, que possuem funções semelhantes ao que pretendemos apresentar.
A função das portas
Em qualquer lugar onde as encontramos, as portas têm algumas funções em comum: servem
para abrir, dar passagem, fazer conexão; também servem para proteger, isolar, trancar, esconder.
Em ambas as situações, a existência da porta é vital. Toda pessoa tem as suas portas, que são
usadas na abertura e no fechamento para os relacionamentos que podemos estabelecer.
Podemos abrir as nossas portas para nós mesmos, no sentido de nos conhecermos melhor,
percebendo quem realmente somos, o que podemos, o que sentimos, nossas potencialidades e
limites, nossos medos e nossos desejos. Da mesma forma, nossa porta pode estar aberta para o
conhecimento dos outros e do mundo que nos cerca. Portas fechadas podem também nos ajudar,
nas circunstâncias de intimidade, ou podem dificultar nosso relacionamento com os demais.
De qualquer forma que façamos esta analogia, a questão do abrir e do fechar das portas, como
estabelecer ou não relacionamentos, está presente na realidade escolar e atinge as crianças e jovens
diretamente. As portas físicas da escola, que se abrem para receber alunos, professores, funcionários
e pais, exercem uma função de acolhimento para aquilo que existe de mais íntimo nessa realidade
escolar. Essas portas se abrem para que todos possam entrar, para que todos possam Ser, neste
ambiente educativo.
Desta forma, a questão relacional também coloca em discussão as propostas educativas e
pedagógicas. Em geral, estas propostas colocam a pessoa como centro do processo pedagógico,
como sujeito de sua própria educação. Se a prática nem sempre corresponde a este posicionamento,
a afirmação continua válida, pois
o ensino humanizado tem que ser centralizado no que está acontecendo com a personalidade dos
alunos. É o processo existencial individual inserido no social que deve ser a coluna vertebral do
ensino, e não o saber especializado, setorizado e separado da sua instrumentalização existencial.
(...) O objeto não pode ocupar o centro do programa. O centro do programa tem que ser ocupado pelo
Ser, pela vivência do aluno na cultura em função da etapa do seu desenvolvimento como pessoa2.
1
Cf. MORIN, Edgar. X da questão: o sujeito à flor da pele. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 139-140.
2
BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. Pedagogia Simbólica: a construção amorosa do conhecimento de ser.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1996, p. 225 e 229.
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Relacionamentos: Algumas portas na escola
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
As relações, portanto, são fundamentais neste processo de centralidade do humano. Porque,
primeiramente, ao adentrar para o mundo escolar, o que afeta a realidade do aluno é o seu impacto
com uma comunidade de outras pessoas, com muitas mais do que supostamente está acostumado
a conviver. Além disso, neste contexto, ele, aluno, está sozinho, está adentrando num mundo
completamente novo de estabelecimento de relações com muitos colegas. Isso, evidentemente, tem
um impacto na sua vida e no desenvolvimento de sua personalidade. Antes de definir a escola como
espaço sistemático de aquisição, elaboração, produção e transformação do conhecimento, de espaço
de ensino e de aprendizagem, a escola é um espaço de estabelecimento de formas de relacionamento
muito novas e muito diferentes para todos os que nela adentram.
As pessoas são seres relacionais por natureza. A existência humana só é possível pelo
estabelecimento de relações e isto deve ser essencial na experiência escolar. A escola, sem dúvida,
pode e deve
formar o ser humanizado, o seu lado cognitivo, afetivo, social e moral, capaz de conviver com a
diversidade (em todos os sentidos) (...) e terá de ser vista como uma organização construída
socialmente; portanto, com ênfase no processo de interação social que aí se desenvolve antes que
nos aspectos formais que a caracterizam, impondo limites rígidos e intransponíveis3.
A ação educativa, portanto, precisa considerar esta realidade das relações e das portas, antes
mesmo da preocupação de focar a prática educativa no processo em si ou nos conteúdos a serem
trabalhados. Antes do processo e do conteúdo, existem sujeitos convivendo, interagindo e
influenciando-se mutuamente; e a maneira como estes sujeitos se relacionam, define todo o processo
e o conteúdo da aprendizagem.
As portas para si mesmo e para os outros
Na dimensão relacional da pessoa consigo mesma, a dinâmica escolar poderia e deveria trabalhar
na construção e no desenvolvimento da consciência do Eu, na essencial experiência de abrir as
portas de si mesmo para si mesmo, com a intenção de melhor compreender-se como pessoa. É este
princípio de auto-conhecimento e de construção de uma boa auto-estima que possibilita a pessoa a
crescer sadiamente em todos os aspectos de sua personalidade. Para os profissionais da educação,
é importante compreender que “a forma como nos sentimos acerca de nós mesmos é algo que afeta
crucialmente todos os aspectos da nossa experiência”4, ainda mais quando se trata de crianças e
adolescentes em desenvolvimento de sua personalidade. Crescer constantemente no conhecimento
3
ALONSO, Myrtes. A Gestão/Administração Educacional no contexto da atualidade in: VIEIRA, Alexandre
Thomaz (org.). Gestão educacional e tecnologia. São Paulo, Avercamp, 2003, p. 33-34.
4
BRANDEN, Nathaniel. Auto-estima. 36a. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 9.
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Relacionamentos: Algumas portas na escola
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
de si mesmo e procurar desenvolver uma auto-estima positiva são posturas fundamentais para o
desenvolvimento do trabalho educativo.
O relacionamento da pessoa com as outras pessoas, o abrir as portas para os outros, levanta
questões que envolvem o afeto, a amizade, a tolerância, o amor, o respeito, a responsabilidade pelo
outro; e também todos os aspectos negativos destes valores e situações. Estas relações devem
levar em conta a realidade do outro. Por isso a escola é um espaço privilegiado de se aprender e de
se ensinar que as relações humanas são o que de mais importante existem em nossa essência de
seres humanos. Pela sua existência e exercício é que somos capazes de crescer nos outros aspectos.
Da mesma forma, existe um caráter ético na maneira como as relações são vivenciadas na
escola. A maneira como ela se dá mostra e ensina ao aluno que as relações podem ser justas, na
medida em que existem experiências significativas de expressão de justiça; são sérias, na medida
em que são respaldadas pelo respeito mútuo, que exclui a exploração, a dominação, a submissão, a
fofoca, a falsidade, a inimizade.
Evidentemente, como espaço de crescimento, é no espaço da escola que crianças e adolescentes
se deparam com situações de conflito; a maneira de resolver um conflito indica a capacidade de
crescimento e de desenvolvimento de uma personalidade sadia, capaz de encaminhar a solução
através de um relacionamento mais adequado.
A partir desta dimensão podemos trabalhar a questão do respeito mútuo, da tolerância, da
aceitação do diferente. Neste sentido, podemos trabalhar com a idéia de que formamos uma grande
teia de relações uns com os outros e que nos devemos respeitar como tal, porque todos somos
interdependentes. Assim, a escola e os educadores precisam, como exigência ética, procurar
favorecer por todos os meios possíveis a educação para a convivência solidária entre os alunos.
Educação que estimula a relação positiva entre os diferentes grupos humanos em um clima de
tolerância e diálogo, propício e fecundo, entre os diversos povos e culturas. Essa situação não se
improvisa, mas vai sendo forjada dia a dia e é fruto de atitudes e vivências que os seres humanos
tiveram desde sua mais tenra infância e nos quais a educação é chamada a desempenhar um
papel significativo5.
Para que as portas possam estar abertas, favorecendo este clima de bons relacionamentos,
compreensão e tolerância, a escola como tal deve refletir, pelo cotidiano concreto, pelo que acontece
nas salas de aula, nos corredores e nos pátios, que esta é a única maneira de, como pessoas,
continuarmos a conviver e a nos ajudar mutuamente.
5
SERRANO, Gloria Pérez. Educação em valores. Como educar para a democracia. 2a. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2002, p. 53.
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Relacionamentos: Algumas portas na escola
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
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Outras portas
Uma outra dimensão é aquela que situa a pessoa em relação com o mundo, com os demais
seres, vivos ou não, físicos ou espirituais, concretos ou simbólicos, que fazem parte da existência exterior
ao próprio eu. Nesta dimensão, coloca-se em discussão a relação de uso/instrumento das coisas, o meio
ambiente, a dimensão da ecologia profunda, a responsabilidade pelos objetos, a educação para a
consciência terrestre, o sentido do transcendente e do místico, que caracteriza todos os seres humanos.
Estas portas nem sempre são bem trabalhadas ou consideradas na realidade escolar, provocando
um fechamento para toda a realidade que circunda a pessoa. Sem trabalhar esta dimensão relacional,
crianças e adolescentes deixam de ter, na escola, a possibilidade de aprenderem a melhor se
relacionar com o contexto.
É profundamente importante darmos atenção a esta dimensão relacional e assumirmos a
responsabilidade de fazê-la presente no cotidiano da escola. É preciso que
ensinemos nossos filhos a venerar o mundo e a consciência que o ilumina. Façamo-los perceber
concretamente o caráter sagrado, mágico da vida: esse inimaginável emaranhado de todas as
formas e de todas as histórias possíveis que originaram infinitamente no espaço unitário da
consciência. É o fim único da educação tornar a consciência humana consciente dela mesma e de
sua disposição fundamental: sua expansão onidirecional. Sua liberdade, seu amor por todas as
formas e por todos os seres6.
Cada pessoa só se torna completa quando é capaz de ter as portas abertas para essa dimensão
circundante, real e virtual, física e simbólica, material e cultural, no meio da qual todos nós
crescemos e vivemos.
Considerações finais
Retomamos, aqui, a idéia fundamental de que todos somos, por essência, relação. Sem essas
conexões invisíveis – mas extremamente reais e poderosas – que estabelecemos continuamente,
não haveria vida nem sustentação da vida.
Por isso, sem abdicar de sua função especificamente técnica, que é a de ensinar, a escola
precisa trabalhar cada vez mais para compreender, refletir e avaliar como as relações humanas são
vivenciadas em seu contexto. Da mesma forma, a escola precisa ter consciência de que educar para
bons relacionamentos e para que crianças e adolescentes possam abrir e fechar as portas de maneira
adequada deve ser parte fundamental de sua proposta pedagógica.
6
LÉVY, Pierre. A conexão Planetária. O mercado, o ciberespaço, a consciência. São Paulo: Editora 34,
2001, p. 155.
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Relacionamentos: Algumas portas na escola
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
Não pode existir escola sem pessoas; e não pode haver pessoas que não se relacionem.
Desta forma, não é possível compreender a escola a não ser como espaço de relações. Relações
que acontecem naturalmente, mas que podem ser objeto de aprendizagem para que as pessoas
possam ser mais pessoas.
Referências bibliográficas
BRANDEN, Nathaniel. Auto-estima. 36a. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. Trad. Ricardo Gouveia.
BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. Pedagogia Simbólica: a construção amorosa do conhecimento
de ser. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1996.
LÉVY, Pierre. A conexão Planetária. O mercado, o ciberespaço, a consciência. São Paulo: Editora 34,
2001. Trad. Maria Lúcia Homem e Ronaldo Entler.
MORIN, Edgar. X da questão: o sujeito à flor da pele. Porto Alegre: Artmed, 2003. Trad. Fátima Murad.
SERRANO, Gloria Pérez. Educação em valores. Como educar para a democracia. 2a. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2002. Trad. Fátima Murad.
VIEIRA, Alexandre Thomaz (org.). Gestão educacional e tecnologia. São Paulo, Avercamp, 2003.
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1ª Jornada do grupo de
Pesquisa em Comunicação,
Arte e Criatividade
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A distorção da informação
Anna Barros
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A distorção da informação
Anna Barros*
Quando escolhemos esse título para a 1ª Jornada do grupo de Pesquisa em Comunicação, Arte e
Criatividade, estavamos mergulhados nas notícias das mídias sobre as várias CPIs que afligiam o País.
Ampliando essa interpretação, direta e ostensiva, do que seja distorção de informação, seja por
parte dos inqueridos, seja por parte da Imprensa, gostaria de trazer algumas idéias que afluíram à
minha mente.
A definição de informação é bastante conhecida por todos e ainda suscita questões sobre quando
deixa de ser informação e passa a ser formação.
Estamos dentro da Academia, a qual, desde a Grécia antiga tem sido o local sagrado onde se
formam pessoas e cidadãos mais cultos e informados, aptos a levar o conhecimento e a sabedoria
mundial a um patamar mais alto e amplo.
É interessante notar que o próprio significado de Academia já tem sido distorcido, passando a
significar, passando a significar algo já gasto e ultrapassado. Quando dizemos: ele (ou ela) é um
acadêmico, queremos designar, alguém que ficou preso nas regras de uma cultura, que não alimenta
a pesquisa em direção a novas e importantes descobertas.
Por outro lado, tem sido dentro de todas as grandes universidades do país e do mundo que
as grandes descobertas têm sido feitas e apresentadas à sociedade. Quando os professores e
orientadores debatem assuntos trazidos por seus alunos e orientandos, estão preocupados em
lhes dar uma formação científica, por meio da informação e do exemplo.
Se todas as investigações começarem e terminarem dentro de um formalismo estabelecido, que
tende a verdades absolutas, vai-se cair em ortodoxias escondidas, nas quais não há como verificar
de onde estas verdades provêm, levando a investigação a uma distorção da informação.
Para fugir das “verdades absolutas’ que sufocam tudo que é novo, temos por vezes de processar
nossa pesquisa à margem do conhecimento já aceito pela cultura, levantando hipóteses criativas e
ousadas: colocar nossa atenção na periferia do conhecimento.
* Professora Doutora da Pós-graduação Interdisciplinar em Administração. Educação e Comunicação da
Universidade São Marcos.
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A distorção da informação
Anna Barros
A mudança, entretanto, nunca é fácil, pois parte de um lugar seguro na cultura, onde o sucesso
pode ser obtido. Outra questão é de que, para ser aceita, tem que receber uma forma complexa e
ordenada, podendo levar anos antes de ser aceita por esta mesma cultura. Para que qualquer mudança
substancial entre no sistema, ela vai ter que passar por várias fases, sempre levando em conta a
possibilidade de distorção nas informações.
A primeira é subjetiva, acontecendo dentro do indivíduo em sua unicidade, e é absolutamente
necessária se quisermos empreender qualquer mudança social. Uma mudança na maneira de construir
a realidade terá de afetar antes a vida do pesquisador, pois só então terá efeito na sociedade.
Problematicamente, deverá ir contra conceitos estabelecidos, que facilitam e referendam a atividade
profissional; pode-se vislumbrar as dificuldades que isto implica.
A maioria das grandes descobertas tiveram sua informação distorcida por elementos da própria
sociedade científica, com o intuito, muitas vezes, de destruir algo tão esplêndido que iria prejudicar
muitos colegas do pesquisador. Na Idade Média cientistas foram levados à fogueira pela distorção
da ciência como vista pela religião.
Este estado de coisas, com outras roupagens, ainda perdura em nossas sociedades pósmodernas; testemunhamos isso no nosso próprio dia-a-dia, até mesmo quando desejamos introduzir
metodologias inovadoras no ensino.
O tema desta jornada abre espaço a várias considerações dentro de um espirito interdisciplinar;
esperamos vislumbrar inovações em vários domínios do conhecimento.
A maior revolução dos últimos séculos, na maneira como percebemos o mundo e a nós mesmos,
e onde a informação se processa em um universo de dimensão tão pequena que teremos que nos
acostumar a usar a imaginação para vivênciá-la (ilustrações) encontra-se no campo da nanotecnologia
(surgida na Física e se alastrando por várias ciências) A imaginação terá que se associar à informação
científica recebida por sensores corporais e ambientais, pois nos é ainda impossível visualizar na
escala nano, onde ocorre algo que não estamos ainda acostumados a perceber: que uma partícula
exerce influência sobre os campos de energia a seu redor.
A informação científica está ao sabor de elementos estruturais a que não estamos acostumados,
e cuja comunicação pode se esgueirar por meandros de custosa informação, levando-nos a distorções
na sua compreensão.
Fazendo uma analogia, esse é um mundo todo novo, que na sua recepção pela sociedade pode
ser comparado ao nosso antigo “novo mundo”, à América quando recém-descoberta e às iformações
que chegavam ao “velho mundo”.
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A distorção da informação
Anna Barros
Sumário
Essas são situações extremas que se repetem de maneira semelhante, na vida diária de todos nós
Há sempre um mundo novo que busca ser conhecido em cada informação passada, o qual será
transmitido: distorcido fielmente ou fielmente distorcido.
Os cientista têm recorrido a artistas para tornar visualizável o mundo nano, e atualmente na
UCLA- University of California Los Angeles, acontece uma pesquisa em nano, do químico Gimzewski
associado à artista dos Novos Meios, Victoria Vesna, a qual tem sido veiculada em várias exposições
de arte, nas galerias da própria universidade e outros lugares pelo mundo. As imagens inseridas
neste texto são dessas exposições.
Fluid Bodies, nuvens de partículas formam sua imagem espelhada caminhando e memoriza
essa ação quando você sai. Mais tarde sua imagem reaparecerá fazendo a mesma movimentação.
Palavras aparecem e se dissolvem em partículas. Na escala nano, “uma partícula exerce influência
sobre os campos de energia a seu redor”.
Innercells, interpretam uma célula de mínimas proporções, agora tornada vizível pela artista
com sua modelagem ao computador, com a qual podemos interagir de maneira semelhante a que
acontece na ciência.
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A distorção da informação
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A distorção da informação na arte
Milton Sogabe
Sumário
A distorção da informação na arte
Milton Sogabe
Quando pensamos na questão da “distorção da informação” logo relacionamos esse assunto com o
jornalismo, quando um fato não é transmitido da forma mais fiel possível, criando uma deformação e
tornando-se um empecilho para os objetivos da área. Já no contexto da arte, essa distorção adquire
outros aspectos, sendo até inerente a própria arte, na medida em que o signo estético produz o seu
significado pelas qualidades materiais do signo e muitas vezes contradiz o que o signo deveria representar.
“o signo não é idêntico à coisa significada, mas se dela difere sob alguns aspectos, deve naturalmente
possuir algumas características próprias, que nada têm a ver com a função representativa. Chamarei
a estas características as qualidades materiais do signo”1
Principalmente na poesia visual, podemos presenciar este fato (http://www.arteria8.net/)2, onde
a palavra adquire outros significados diferentes dos encontrados no dicionário, trazidos pela forma
visual com que a palavra é apresentada. A palavra “grande” pode passar a idéia de “pequeno”,
dependendo de como ela esteja apresentada visualmente no contexto.
Com esta função, a questão da distorção da informação parece perpassar toda a produção
artística, não se caracterizando com isso um desvirtuamento ou infidelidade ao real, mas um outro
aspecto pelo qual a deformação pode ser pensada e utilizada.
Embora tenhamos momentos em que sabemos que estamos distorcendo uma informação, há
outros momentos em que acreditamos estar sendo fiel ao fato por nós presenciado, mas nosso
próprio olhar sobre a realidade é uma distorção, na medida em que cada olhar realiza uma
interpretação, de acordo com toda a experiência pessoal vivida, não existindo uma única e fiel
interpretação de todos os aspectos de um mesmo fato. A realidade em si é incaptável, sendo
intermediada pela nossa percepção que capta as sombras dessa realidade, tal como no Mito da
Caverna narrado por Platão. Sabemos também que nossa percepção é limitada e nos engana a todo
momento, seja nos 24 quadros por segundo no cinema ou em outras ilusões de óptica.
* Professor Doutor do Instituto de Artes da UNESP
1
PEIRCE, Charles Sanders – Escritos Coligidos. Abril Cultural, São Paulo, 1980, pág. 74.
2
Revista digital organizada por Omar Khouri e Fabio Oliveira Nunes, acessada em 10/02/2006.
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Sumário
A distorção da informação na arte
Milton Sogabe
Cada meio utilizado para expressar essa realidade também possui características próprias na
sua estrutura, que vão contribuir, interferir e construir aspectos diferenciados do mesmo fato.
A arte se utiliza muito desse conhecimento e ao mesmo tempo os artistas sempre buscam a
distorção e a subversão da função dos meios que utilizam, ampliando o potencial destes para além
das funções oficiais.
A história da pintura é uma história do processo de distorção da forma visível, indo do conceito
de pintura como janela através da qual vemos a natureza, onde a pintura se aproximava de uma
ciência óptica, até chegar ao abstracionismo, onde a referência visual é abandonada. Constatamos
que a partir do Impressionismo, apesar da manutenção da observação e referência à natureza, o
que os artistas procuram representar não é mais aquela paisagem aparente, mas algo além da
realidade óptica, e no Expressionismo é a própria distorção da forma que produz o significado
poético da imagem.3
No cinema, podemos encontrar logo no início de sua história, experimentações onde o nosso
assunto pode encontrar relações, quando a distorção da informação, se é assim que podemos dizer
nessa situação, produz vários significados a partir de uma mesma imagem, ou seja, utilizando a
imagem da mesma expressão de um rosto, podemos atribuir-lhe outras expressões através de uma
montagem com outras imagens que a sucedem e que acabam influenciando na leitura da expressão
desse rosto (efeito Kuleshov)4. O rosto seguido de um prato de comida pode expressar fome e o
mesmo rosto seguido de um caixão de criança pode transmitir tristeza. Nesse sentido, parece que
esse rosto não possui uma expressão própria isolada, ou que tenha uma única e verdadeira expressão.
O contexto é que vai definir a expressão do rosto.
Na vídeoarte quando Nan June Paik5 aproxima um imã do aparelho de tv, alterando o percurso
dos raios no tubo catódico, seu interesse está na distorção das imagens figurativas exibidas, e essa
atitude abre o caminho para a abstração e a pós-produção da imagem eletrônica, ampliando as
possibilidades imagéticas e de comunicação na televisão.
Com a utilização na arte, das fotocopiadoras como meio de (re)produção de imagens, os artistas
vão encontrar mais um meio para subverter, ou seja, para explorar o potencial criativo nele existente.
Um dos recursos muito utilizados é o da distorção da imagem, quando se movimenta o “original” ou
a fonte de referência no momento da cópia, deturpando a informação enviada para a máquina e
construindo uma imagem deformada em relação ao elemento “copiado”. Com essa distorção ele
utiliza a máquina para produzir uma nova imagem e não simplesmente para reproduzir outra.
3
GOMBRICH , E H – “Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação da forma”, Martins Fontes, São
Paulo, 1986.
4
BRETTON, Gerard – “Estética do cinema”, Martins Fontes, São Paulo, 1987.
5
MACHADO, Arlindo – “A Arte do Vídeo”, Editora Brasiliense, São Paulo, 1988, pág. 119.
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A distorção da informação na arte
Milton Sogabe
Sumário
Atualmente, é quase um consenso no contexto digital, que as imagens fotográficas que vemos
nas revistas e impressos em geral, não são uma representação fiel da realidade e quase sempre
estão alteradas através de programas. Com a tecnologia digital a possibilidade de manipulação da
imagem fotográfica aumentou num grau que podemos duvidar da fotografia como documento do
real, sem falar das imagens geradas por algoritmos, que apresentam “realisticamente” elementos
não existentes no tempo e no espaço. Mas mesmo a fotografia fotoquímica, já não podia ser tomada
como um documento fiel aos fatos. A escolha de um ponto de vista, de um enquadramento e do
momento de um registro fotográfico podem construir significados diferentes de um fato. A fotografia
e o cinema documentário têm como objetivo a verdade, mas sabemos da relatividade do que seja a
verdade ou a mentira, tema tão discutido pelos filósofos. A história nos mostra como os documentos,
sejam eles construídos por palavras ou por imagens de qualquer tipo, podem ser distorcidos de
acordo com os interesses da verdade de um grupo. Na história temos a conhecida e polêmica foto
alterada onde Trotsky e Kamenev foram retirados da foto onde apareciam perto de Lênin em 19206.
Independente da linguagem utilizada, a distorção dos fatos parece ser um elemento essencial
no contexto da arte, que não tem o compromisso com uma verdade única e procura sempre explorar
as várias possibilidades de “representar” os fatos, tornando-se mais rica quanto mais versões
forem apresentadas, caracterizando assim o campo da arte como um espaço de liberdade, já que
a verdade é relativa.
6
http://www.igutenberg.org/propa19.html (acesso 19/02/2006)
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A Memória na Mídia: Distorção da Informação
ou Re-Semantização de Sistemas Comunicativos?
Mônica Rebecca Ferrari Nunes
A Memória na Mídia:
Distorção da Informação ou
Re-Semantização de Sistemas Comunicativos?
Mônica Rebecca Ferrari Nunes
Este trabalho tem por objetivo discutir a memória gerada pela mídia, e, em especial, questiona
o modo como a mídia pode construir uma memória, analisando certas produções audiovisuais de
animação. O artigo quer também responder se esta memória se faz por meio de uma distorção ou
re-semantização dos sistemas comunicativos.
De imediato, vale retomar o que se entende por memória, no âmbito da teoria semiótica da
cultura de origem eslava. Iuri Lotman e Bóris Uspenski (1981:40) revelam que cultura é “ memória
não hereditária da comunidade, expressa num sistema determinado de proibições e prescrições” ,
pois entendem a cultura como informação traduzida em um ou mais sistemas de signos que, por sua
vez, geram textos, os textos de cultura.
A cultura age como uma complexa engrenagem apta a conservar e selecionar certas informações
que podem ser reproduzidas e transmitidas ao longo de sua história. Assim, a cultura tem a capacidade
de codificar e decodificar mensagens de épocas diferentes e transcodificá-las em outros sistemas
de signos, diferentes daquele que originou tal informação ou texto de cultura.
Desse modo, segundo os autores propostos para esta análise, as leis semióticas da cultura
podem ser comparadas às leis da memória, uma vez que o que passou nunca é de fato aniquilado,
mas sim reorganizado, ao sofrer processos de seleção e novas codificações para que, em
determinadas condições, manifeste-se novamente, porém, de modo transformado.
Em face da equivalência entre cultura e memória, pode-se pensar de que modo os produtos
audiovisuais de animação constroem a memória da cultura midiatizada, uma vez que tais produtos
submetem-se à velocidade como código dominante – e, muitos teóricos da mídia e da cultura
contemporânea apontam a velocidade como razão da destruição da memória, a exemplo de Paul
Virilio(1993), Jean Baudrillard (1991), Frederick Jameson (1996), entre outros.
Ao comandar todos os fluxos de informação, a velocidade acirra a produção do efêmero, ao
provocar a temporalização de tudo. A contração das distâncias físicas e a vivência no tempo, graças
• Professora Doutora Titular – Fundação Armando Álvares Penteado, FAAP.
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PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 3 • jul-dez 2005 • p. 84-87
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Sumário
A Memória na Mídia: Distorção da Informação
ou Re-Semantização de Sistemas Comunicativos?
Mônica Rebecca Ferrari Nunes
às transmissões ‘diretas’ ou em tempo real, promovem a codificação do presente, e, para alguns
autores, como Frederic Jameson (1996), fundam a ruptura da própria temporalidade, liberando um
presente isolado, vívido, intenso e intoxicante.
Porém, à luz do conceito de semiosfera, funcionando como um continuum fora do qual a
comunicação e a vida de relação não existem, devemos nos voltar ao postulado de Lotman (2000)
quando afirma que variados sistemas de signos compõem a semiosfera seguindo a lei da
irregularidade, ou seja, os sistemas semióticos podem se desenvolver com velocidades diferentes e
igualmente terem ciclos e magnitudes diversas.
Esta diversidade de tempos permite, então, que a cultura crie mecanismos para retardar a flecha
do tempo. E assim, a velocidade estonteante com a qual os textos da tecnologia se desenvolvem e
se transformam pode estar imbricada a sistemas de linguagem que resistem à aceleração imposta
por esta mesma tecnologia.
Pode-se, então, reconhecer a irregularidade na interface inquietante entre a mídia eletrônica
audiovisual e sistemas sígnicos cuja codificação não segue a lógica da velocidade específica ao formato
das mídias terciárias, a exemplo da permanência, na cultura, de certos textos tradicionais como os mitos
e as formas de magia costumeiramente presentes nos textos de animação infantis, ainda que mutados.
Embora o desenho de animação caracterize-se como um sistema semiótico cuja orientação nuclear
seja a velocidade presente no argumento dos roteiros, na composição psicológica de personagens, na
duração de cortes, na criação de microcenas e também na criação das paisagens sonoras criadas
pelas trilhas musicais, podemos verificar que certos signos que migram de sistemas latentes na
semiosfera asseguram a permanência de representações arcaicas – o que de certo modo garante a
construção de mecanismos de desaceleração ou, no mínimo, de superposições temporais.
Assim, ainda que As Meninas Superpoderosas, populares entre crianças e adultos, dispensem
a mediação de capas, anéis ou tapetes mágicos para voarem, contrariando a linhagem da literatura
fantástica, e reafirmem seus superpoderes como habilidades cognitivas e motoras, continuam a
presentificar certos signos de uma infância-modelo 1, a exemplo das maria-chiquinhas de Lindinha,
do sentimento amoroso que nutrem pelo pai, do vestido cor-de-rosa de Florzinha, da rabugice de
Docinho e de brincadeiras tradicionais, como o pega-pega, porém, impregnado de velocidade, já
denunciando a migração e mutação de signos tradicionais para o sistema midiático.
1
Philipe Ariès(História Social da Criança e da Família. RJ:LTC,1981.), ao tratar da origem da infância no
Ocidente Europeu, afirma que não existia sentimento de infância antes do século XVI. Crianças viviam como
adultos, indistintamente, excetuando as interdições quanto à vivência da sexualidade. Eram adultos menores,
sem roupas específicas, não havia um espaço específico separado do mundo adulto. A segmentação da
população e a invenção da população infantil é produzida pela modernidade – afirmamos aqui estas
características de um comportamento infantil tomando esta “invenção”como paradigma.
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PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 3 • jul-dez 2005 • p. 84-87
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A Memória na Mídia: Distorção da Informação
ou Re-Semantização de Sistemas Comunicativos?
Mônica Rebecca Ferrari Nunes
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Clube das Winx, desenho animado italiano, produzido por Panini Comics, em versões eletrônica,
impressa e digital, novamente acena ao hibridismo entre os sistemas semióticos cuja codificação se
vale da velocidade e aqueles que se valem da magia como código. Na pista do sucesso de Harry
Potter, o clube congrega fadas iniciantes que vão para Magix, um mundo mágico paralelo a terra, para
desenvolverem suas habilidades. Nesta dimensão, Alfea é a escola das fadas, heroínas dos episódios:
Bloom, a guardiã da chama do dragão; Stella, a fada do sol e da lua; Flora, a fada das plantas; Tecno,
a fada da tecnologia; Musa, a fada da música. A Escola da Torre Nebulosa, abriga as bruxas más; a
Escola da Fonte Vermelha, os rapazes, treinados para serem especialistas em magia e tecnologia.
Na tessitura híbrida do desenho, fogo, sol, lua, plantas, elementos da natureza normalmente
ritualizados a partir de uma simbologia diversa, em cada cultura, combinam-se à valorização de
certos lugares tradicionalmente vinculados à elaboração de ritos e revelações, como as fontes, também
sacralizadas como “a boca que simboliza a origem do poder e do saber” (Bethencourt, 2004) –
habilidades dos rapazes da Fonte Vermelha, ao serem especialistas em magia e tecnologia, e também
em roubar corações, ao gosto dos inúmeros clichês presentes em histórias de amor.
Do mesmo modo, a escola das bruxas más, Torre Nebulosa, volta a dialogar com os lugares
tradicionais do imaginário mágico, como as formas erguidas, propícias para a invocação e comunicação
com os espíritos – comunicação necessária para o conhecimento das coisas ocultas, típicas da magia.
Entretanto, se no imaginário mágico, a simbologia das cores tem menos incidência que a simbologia
dos números, segundo Bethencourt(2004), em Club das Winks, a telinha, o site, a revista impressa
tingem-se de cor-de-rosa para traduzirem as fadas de Alfea para o universo infanto-juvenil. Cor-signo
que demonstra o maravilhoso e o fantástico traduzidos, transformados e mediados pela tevê.
As asas coloridas das garotas assumem a função de signo mitigado do mundo feérico agora
proliferado em um arsenal de poses e objetos sensuais pertencentes a culturas diversas: luvas, botas
de salto alto, calças de cintura baixa, em tons metálicos, variando do rosa ao azul. Somadas às mariachiquinhas, da fada Musa, e ao corpo andróide, da fada Tecno, magia e tecnologia unem-se para
representar a infância – compondo a semiose do desenho de animação que reconstitui e re-significa a
visão mágica do mundo como texto tradicional. Verifica-se, então, que o desenho animado plasma um
novo sistema de significação, resultante da heterogeneidade entre textos, códigos e temporalidades,
evidenciando que a mistura de códigos e de signos, vindos de sistemas semióticos diversos, podem
tornar o próprio desenho, compreendido como texto de cultura, um elemento complexo de memória.
Recordar não é reproduzir mecanicamente um fato, mas reconstruí-lo ou mesmo construí-lo,
inventá-lo, torná-lo informação nova, lembrando Lotman (1998).
Os sistemas semióticos que compõem a semiosfera, e, neste caso, artefatos midiáticos,
demonstram, em sua gênese, processos de re-semantização e na medida que o sistema re-semantiza,
reconstrói-se, gerando um processo de recordação de sistemas anteriores na exata medida em que
produz uma nova informação: uma infância adultecida.
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A Memória na Mídia: Distorção da Informação
ou Re-Semantização de Sistemas Comunicativos?
Mônica Rebecca Ferrari Nunes
Sumário
Se em meio a velocidade contemporânea, o sujeito da cultura midiática ou cybercultura multiplica
seu tempo em função das inúmeras conexões com as quais ele pode operar, o tempo da infância
também se amplia, pois sobrepõe o presente da experiência imediata, no caso, o pensamento mágico
que prevalece nas crianças que participam como público-alvo do desenhos analisados, ao discurso
da mídia, por sua vez, pautado na velocidade que domina as ações do mundo adulto e nos próprios
valores culturais que a indústria do entretenimento veicula, a exemplo do erotismo-tecno do Clube
das Winks e dos artefatos que elas portam, como celulares e palmtops.
De outro modo, o adulto ou o jovem também carrega, no tempo presente de suas ações cotidianas,
os objetos de memória do mundo infantil, teoricamente passado – recuperado apenas nas
performances da memória, cultural ou neurobiológica – ao modo das estampas dos personagens de
desenhos animados, tais como as Meninas Superpoderosas, Bob Sponja, Hello Kitty, entre outros,
em cadernos de jovens universitários ou estojos com chaveiros de pelúcia.
Percebe-se que velocidade produz, de um lado a aceleração de certas experiências e, de outro
modo, paradoxalmente, produz também um retardamento das codificações temporais – ou seja, do
modo de interpretar o tempo, que verificamos com os objetos infantis que perduram como memória
de uma infância vivida simultaneamente à vida adulta .
Do mesmo modo que a mídia arquiteta a memória, ao reproduzir signos e textos longevos e
fecunda a cultura, como observamos com os desenhos animados que reeditam signos tradicionais,
isto é, re-semantizam outros processos comunicativos – codifica de modo ambíguo a infância,
uma vez que a aceleração pode provocar o envelhecimento e destruir a própria infância como
sistema comunicativo.
Por outro lado, esta mesma aceleração gera a manutenção de traços infantis nas representações
do mundo adulto, que pode significar um dos mecanismos da cultura para retardar o tempo.
Referências Bibliográficas
BAUDRILLARD, Jean (1991). Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio D’Água.
BETHENCOURT, Francisco (2004). O Imaginário da Magia. SP: Companhia das Letras.
JAMESON, Frederic (1996).Pós-Modernismo.( trad. Maria Elisa Cevasco) SP: Ática.
LOTMAN, Iuri (1998). La Memória de la Cultura. In: La Semiosfera II. Madri: Ediciones Cátedra.
_____________ e Bóris USPENSKII (1981). Sobre o Mecanismo Semiótico da Cultura. In: Ensaios de
Semiótica Soviética (trad. Vitoria Navas). Lisboa, Livros Horizontes.
NUNES, Mônica (2001). A Memória na Mídia: A Evolução dos Memes de Afeto. SP:Annablume/FAPESP.
VIRILIO, Paul (1993). O Espaço Crítico . Rio de Janeiro: Editora 34.
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Jornalismo na Guerra do Paraguai: Cabichuí e El Centinela
Reynaldo Damazio
Jornalismo na Guerra do Paraguai:
Cabichuí e El Centinela
Reynaldo Damazio*
Para muitos historiadores, a Guerra do Paraguai (1864-1879) pode ser considerada um genocídio,
tamanha a brutalidade com que as forças da Tríplice Aliança – formada por Brasil, Argentina e Uruguai
– dizimaram o exército paraguaio. Estima-se que a guerra tenha causado a morte de cerca de 100
mil pessoas1, a maior parte na população do Paraguai. As baixas, no caso do país derrotado, também
incluiriam as vítimas de doenças e a emigração posterior ao conflito. Embora não sejam precisos e
ainda hoje causem muita controvérsia, os números assombram, em virtude das condições técnicas
do confronto e do contingente populacional das nações envolvidas. Além disso, é preciso levar em
conta a trágica situação econômica e social do Paraguai ao final da guerra, somada ao impacto
político resultante também sobre os supostos vencedores.
Segundo o historiador Boris Fausto, “o Paraguai saiu arrasado do conflito, perdendo partes de
seu território para o Brasil e a Argentina e seu próprio futuro”.2 O projeto de modernização do ditador
Solano López, morto por soldados brasileiros em março de 1870, fracassou e o país se tornou
“exportador de produtos de pouca importância”. O cobiçado acesso ao Atlântico pela bacia do rio da
Prata foi definitivamente perdido e, para agravar a situação, a população do Paraguai ficou
praticamente reduzida a velhos, mulheres e crianças.
Fato curioso e de dimensões culturais inestimáveis, como se verá adiante, foi a edição dos
jornais paraguaios El Centinela e Cabichuí durante a guerra, cujos editores, jornalistas e ilustradores
dividiam seu tempo conturbado entre balas e letras, escrevendo e combatendo com o mesmo
empenho. Os jornais mantiveram certa periodicidade e uma qualidade gráfica excepcional, contra
todas as adversidades, parecendo ao estudioso de hoje pouco provável um trabalho de elaboração
de textos, diagramação e impressão naquele cenário hostil e em condições materiais tão precárias.
*
Aluno do Mestrado Interdisciplinar da Universidade São Marcos. Editor da Unimarco Editora.
Texto apresentado no seminário “A Distorção da Informação”, organizado por Anna Barros e Rosemari
Viégas, em 28/09/2005. Mestrado Interdisciplinar, Universidade São Marcos.
1
FURTADO, Joaci Pereira. A Guerra do Paraguai (1864-1870). São Paulo: Saraiva, 2000.
2
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial, 2002, 1ª reimpressão.
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Jornalismo na Guerra do Paraguai: Cabichuí e El Centinela
Reynaldo Damazio
El Centinela foi lançado em 25 de abril de 1867. O Cabichuí veio a seguir, no dia 13 de maio do
mesmo ano. Embora apresentem características editoriais e gráficas diversas, ambos tinham como objetivo
levantar o moral das tropas, exaltar a nacionalidade e fazer circular informações com agilidade e muito
humor. A crítica aos adversários era mordaz e desde logo se destaca a intenção de propaganda ideológica.
Diante da imensa desigualdade bélica com relação às forças da Tríplice Aliança, da invasão de seu
território e do acirramento do cerco às suas tropas, os paraguaios lançaram mão de uma estratégica de
comunicação ousada para unir os combatentes e fortalecê-los psicologicamente. Era preciso insuflar
otimismo nos combatentes, reforçando-lhes a nacionalidade e ridicularizando seus oponentes.
Além do efeito propagandístico que tais edições representavam para os paraguaios, sua produção
editorial também trouxe conquistas importantes para a história da cultura do país. Com a escassez
de papel e tinta, imposta pelo bloqueio comercial da Inglaterra – aliada do Brasil e grande potência
da época interessada no livre trânsito pelo rio Prata – a edição dos jornais tornou-se essencialmente
artesanal, obrigando os jornalistas/soldados a produzirem as matérias-primas necessárias para
assegurar a continuidade do trabalho. Como resultado dessa carência, pela primeira vez na história
se produziu papel no Paraguai, reforçando o caráter de resistência e de inovação dos periódicos,
especialmente na óptica do povo daquela jovem nação.
O papel foi fabricado com fibras de árvores nativas, como o caraguatá e a ybira. As tintas eram
obtidas a partir do suco de legumes, como cenoura e beterraba. O material resultante era grosseiro
e a edição dos jornais complicava-se sobremaneira. Não bastassem as enormes limitações técnicas,
pode-se imaginar a tensão de se fazer um jornal no meio do combate, com feridos e mortos ao redor,
o país em frangalhos, mantendo o humor corrosivo e o alto nível de textos e ilustrações. Sem dúvida,
foi uma façanha.
El Centinela era editado em Assunção, na Imprensa Nacional, e portanto estava próximo e sujeito
à ingerência do governo. 3 Seu discurso era mais “oficialista”: os artigos e os desenhos tendem a
caricaturar o inimigo e a exaltar a figura do Marechal Francisco Solano López. O principal desenhista
do semanário era Alejandro Ravizza, arquiteto e ilustrador italiano, de estilo neoclássico, contratado
diretamente por López para trabalhar no Paraguai. Quando Carlos Solano López, pai de Francisco,
governou o país, enviou o filho para diversas missões na Europa para tentar construir alianças que
fortalecessem seu projeto de crescimento e modernização. O contato com artistas europeus é
resultado dessas investidas diplomáticas.
O artista paraguaio Manuel Colunga transformava as ilustrações de Ravizza em xilogravuras,
conseguindo um surpreendente efeito de desenho com bico de pena. Com a intervenção de Colunga,
o contorno e o volume se tornavam mais importantes que os planos e os espaços gráficos produzidos
pela madeira talhada e a tinta.
3
El centinela. Edição fac similar. Assunção: Museo del Barro, 1998.
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Jornalismo na Guerra do Paraguai: Cabichuí e El Centinela
Reynaldo Damazio
O estilo do jornal El Centinela segue três linhas fundamentais. Em primeiro lugar, as imagens
que enaltecem personagens gloriosos ou mitificam ideais épicos, abusando dos recursos alegóricos.
Tratava-se de construir o imaginário de heróis nacionais, muitos nascidos de povos indígenas. Por
outro lado, quando representavam ações de bravura, certas imagens apelam para o repertório
romântico, refletindo os valores estéticos oriundos da Europa.
Por fim, nos casos em que as ilustrações se propunham a ridicularizar os adversários, recorriam
à caricatura jornalística da época, com traços de um expressionismo preciso e mordaz, também
muito comum na imprensa européia do período. As ironias com o inimigo são o grande charme
editorial da publicação, com soluções formais criativas e imagens fortes, tais como a recorrente
representação dos brasileiros como animais – nós que tínhamos o maior contingente militar em
combate e impusemos aos paraguaios derrotas navais duríssimas.
Já o periódico Cabichuí , cujo nome significa uma espécie de vespa em guarani, era impresso no
“ateliê” do exército, em Paso Pacú, em plena linha de combate. Logo no texto de apresentação diziase que “as gravuras do Cabichuí são trabalhadas com uma mão no fuzil e outra no cinzel, uma vez que
estamos frente a frente, a um palmo de distância do inimigo”. 4 A empreitada rendeu quase cem
números, resultado do tempo que sobrava nas tréguas e no repouso obrigatório dos soldados.
Nas páginas do Cabichuí ficaram registrados desde momentos solenes, de sofrimento e alegria,
sobre o cotidiano da batalha – crônicas que fazem referência a vitórias e derrotas – até poemas de
autores anônimos, ou mesmo a poesia guarani de Natalício Talavera, importante autor da época.
Sirva de exemplo a nota de morte do capitão Simon Villamayor, que recebera autorização do governo
para aposentar-se do exército, em virtude dos longos anos de serviços prestados, e que tombou ao
juntar-se à defesa de Villa del Pilar, onde se encontrava, e que fora cercada pelo exército inimigo.
4
Cabichuí. Edição fac similar. Assunção: Museo del Barro, 1984.
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Jornalismo na Guerra do Paraguai: Cabichuí e El Centinela
Reynaldo Damazio
Há muita dúvida entre os pesquisadores sobre a verdadeira
identidade dos soldados/artistas, ou soldados/escritores, que
produziram o jornal Cabichuí . Fala-se de um certo sargento Godoy,
cujos desenhos chegaram a ser considerados melhores que os do
“concorrente italiano” Ravizza, e do pintor Saturio Ríos.
A ensaísta e pesquisadora espanhola Josefina Plá se refere ao
trabalho dos gravadores Inocencio Aquino, M. Perina, Francisco
Ocampos, Gregorio Baltasar Acosta, Gerónimo Gregorio Cáceres,
J. Bargas e Francisco Velasco como integrantes da heróica equipe
de editores combatentes. Segundo Plá, “considerada em conjunto
a obra destes gravadores se destaca por sua notável unidade”.
Podemos entender, observando a coerência e organicidade na
diagramação, no diálogo entre textos e ilustrações, na variedade dos estilos narrativos, na originalidade
de charges que demonstram uma crítica muito bem articulada ao absurdo da guerra, no bestiário
construído para caracterizar as tropas inimigas, como a solidariedade nascida nas trincheiras gerou
um trabalho em mutirão, que transformava os traços e as palavras individuais num projeto comum,
harmônico, submetido ao que Josefina Plá definiu como “o sentido unívoco da técnica”. 5
A riqueza e a diversidade da imaginação desses
artistas do front pode ser ilustrada pelas vinhetas
utilizadas como letras capitulares, separando as seções
nas colunas de cada página do Cabichuí . Seja nesse
abecedário criado especialmente para as edições, seja
nas gravuras estampadas entre as matérias, o Cabichuí
apresenta traços fortes e provocadores, que
condensam idéia e forma em pequenas obras-primas
de beleza e concisão, talvez com inspiração no melhor
da arte gráfica produzida na Europa. Em cada detalhe
das páginas do Cabichuí e do Centinela se percebe o
cuidado com o grafismo, o esmero técnico, a tentativa
de documentar o instante histórico com criatividade e
agudo senso de rebeldia.
Outro detalhe interessante que chama a atenção
e ilustra o teor inconformado de atuação do periódico
é a representação de brasileiros como macacos, com
5
Cabichuí. Op. cit.
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Jornalismo na Guerra do Paraguai: Cabichuí e El Centinela
Reynaldo Damazio
destaque para grandes protagonistas como Duque de
Caxias, Almirante Tamandaré, princesa Isabel e o imperador
Pedro II, entre outros. Muitos desenhos apresentam as
tropas brasileiras em fuga, humilhadas pelos paraguaios.
E não raro nossos personagens históricos são
demonizados. Há uma ilustração muito engraçada numa
edição de agosto de 1867 do Centinela, entre tantas, em
que soldados do Paraguai mostram o traseiro para o espião
inimigo que os observa de um balão, num gesto de desprezo
e provocação. A legenda diz: cara feia al enemigo.
O que nos interessa ressaltar com esses exemplos
colhidos ao acaso, é que texto e imagem combinavam-se
com agilidade e clareza, passando notícias urgentes e
mensagens reconfortantes, sem abandonar o zelo com os
aspectos gráficos. Os jornais procuravam essencialmente
informar, mas também levar um pouco de alegria às tropas, fazendo circular alguma nota de esperança,
entre crônicas, narrativas literárias, manifestos, desabafos, poemas, reportagens, enfim, a mais diversa
e sofisticada forma de jornalismo. A afirmação da nacionalidade que estava na origem da proposta editorial
deu lugar a uma produção extremamente refinada e que pode ser considerada pioneira na América
Latina, caso levemos em consideração o momento e as condições materiais em que foi realizada.
Na opinião do crítico de arte paraguaio Ticio Escobar, “as gravuras do Cabichuí e algumas
do Centinela constituem o fenômeno mais importante da prática visual paraguaia até o século XIX e
um dos casos mais significativos na história das artes gráficas latino-americanas da época”.6 Não
resta dúvida de que o legado dessas edições são a prova de que arte e história se mesclam, às
vezes, de modo dramático, para deixar impressa a marca de nossa frágil, mas criadora, humanidade.
No olhar do artista materializado nas xilogravuras do Centinela e do Cabichuí podemos entrever,
transcorridos 135 anos do final do conflito, o cotidiano dos paraguaios, com suas utopias e desilusões,
com sua alegria e miséria. Na distorção imposta pelo artista ao real, podemos reconstruir o mosaico
histórico de um drama que envolveu quatro países num embate de repercussão continental.
Se o Paraguai sofreu uma derrota cruenta e dolorosa nos campos de batalha, que desvelou
as contradições na formação dos países latino-americanos e na sua emancipação política, ao menos
nas páginas do Centinela e do Cabichuí os paraguaios conquistaram uma vitória significativa,
demonstrando que a criatividade pode ser transformada numa arma poderosa de resistência, ainda
que sob o fogo cruzado e a morte iminente.
6
Cabichuí. Op cit. Escobar foi o responsável, com Osvaldo Salerno, pela compilação dos originais.
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Jornalismo na Guerra do Paraguai: Cabichuí e El Centinela
Reynaldo Damazio
Referências bibliográficas
BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina – da Independência até 1870. São Paulo: Edusp,
2004, vol. 3.
BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005
Cabichuí . Edição fac-similar. Assunção: Museo del Barro, 1984.
El centinela. Edição fac-similar. Assunção: Museo del Barro, 1998.
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil . São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial, 2002, 1ª reimpressão.
FURTADO, Joaci Pereira. A Guerra do Paraguai (1864-1870). São Paulo: Saraiva, 2000.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível – estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005.
SCHULZ, John. O exército na política – origens da intervenção militar (1850-1894). São Paulo: Edusp, 1994.
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Distorções da informação: do ensino da Língua Portuguesa
na escola de Ensino Fundamental
Edna Domenica Merola
Distorções da informação:
do ensino da Língua Portuguesa na escola de Ensino Fundamental
Edna Domenica Merola*
Resumo
Questões relativas a disfunções na comunicação são colocadas do ponto de vista da educadora brasileira
do Ensino Fundamental. O ensino da Língua Portuguesa é revisitado desde o início do processo da
chamada democratização da escola pública (década de 70) até hoje. A análise das questões aventadas
apóia-se nos conceitos de rede e de máscara. O cenário do ensino de Língua Portuguesa é mostrado
em sua cotidianidade na qual predomina o fracasso, porém é apontada como alternativa: a construção
dialética da prática do ensino.
Palavras-chaves: Língua Portuguesa; Ensino Fundamental; formação do professor; Didática;
desvantagem sócio-cultural; escola pública.
Abstract
In this article, the brasilian educator exposes the communication disfunctions on the education of chidren
from 6 to 14 years.
The teaching of Portuguese Language is reviewed since the beginning of the public school democratisation
process, on the 70‘s, until now.
The analysis of the questions raised is supported by the concepts of network and mask.
The teaching of Portuguese Language scenery is shown in its daily life, where the failure is the main
aspect. The dialectical construction of the teaching practice is the solution pointed as an alternative.
Key-words: portuguese language, basic education, teacher formation, socio-cultural disablement, public
school
Sobre o tema Distorções da informação (colocado pelas professoras Dra. Anna Barros e
Rosemari Faga Viégas, na qualidade de organizadoras da Jornada de Comunicação, Arte e
Criatividade, dentro das atividades de pesquisa do programa de Mestrado Interdisciplinar –
Educação, Comunicação, Administração – da Universidade São Marcos), construí minha fala do
ponto de vista das educadoras que vivenciaram o processo da chamada democratização da escola
pública, ocorrida a partir da década de 70, no Brasil, quando do início da captação de clientela
proveniente de classes socioeconômicas desfavorecidas.
*
Mestre pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar.
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Distorções da informação: do ensino da Língua Portuguesa
na escola de Ensino Fundamental
Edna Domenica Merola
Nos anos finais daquela década, as universidades brasileiras já ensinavam a seus alunos de
licenciaturas que, no ensino fundamental, a grande maioria dos alunos multirrepetentes não era
culpada de seu fracasso, uma vez que os chamados problemas de aprendizagem eram provenientes
da condição de desvantagem sociocultural por eles enfrentadas. No entanto, ainda hoje, vozes que
partem da escola de ensino fundamental dizem, em uníssono, que o número de alunos com
dificuldades de aprendizagem tem aumentado gradativamente nos últimos anos.
Segundo Semeghini-Siqueira1, no final da oitava série, o fato de haver “um grande contingente
de alunos não leitores fluentes e que não produzem textos de modo coerente e coeso é um indicativo
de que mudanças são necessárias”, uma vez que esses alunos, apesar de terem concluído o ensino
fundamental continuam excluídos socialmente pela mínima apropriação de instrumentos do discurso
dominante.
Segundo a autora, para que tais mudanças ocorram, é necessário reformular os cursos
universitários que habilitam professores para lecionar Língua Portuguesa no ensino fundamental,
tanto nas séries iniciais (curso de Pedagogia), quanto nas séries finais (curso de Letras), pois nenhum
dos dois cursos consegue dar conta da formação necessária aos futuros responsáveis pelo ensino
da Língua Portuguesa no ensino fundamental. Essa formação é, portanto, incompleta, tanto em relação
à teoria da linguagem para os pedagogos, quanto às práticas educativas para os licenciados em
Letras.
A análise das conseqüências dessa formação incompleta, a ser apresentada a seguir, apóia-se
na metáfora da rede para explicitar a tessitura dos significados ou feixes de relações construídas
social e individualmente, e, portanto, em constante atualização.
Na rede que se pretende tecer, por meio desta fala, há pontos (nós) que privilegiam o entendimento
dos cenários, onde ocorrem as distorções da informação no processo de comunicação entre os
atores do processo ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa.
No entanto,
“... não se pode perder de vista que a metáfora da rede contrapõe-se diretamente à idéia de cadeia,
de encadeamento lógico, de ordenação necessária, de linearidade na construção do conhecimento,
com as correspondentes determinações pedagógicas relacionadas com os pré-requisitos, as
seriações, os planejamentos e as avaliações.”
1
2
SEMEGHINI-SIQUEIRA, Idméa. A Escola inclusiva investe nas potencialidades do aluno: tópicos para reflexão
com a comunidade . In BAUMEL, Roseli e SEMEGHINI-SIQUEIRA, Idméa (org.). Integrar para incluir: desafios
da escola atual. São Paulo: FEUSP,1998.
2
MACHADO, José Nilson. Epistemologia e Didática. São Paulo: Cortez, 2000. 4ª. ed. P. 139-140.
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Distorções da informação: do ensino da Língua Portuguesa
na escola de Ensino Fundamental
Edna Domenica Merola
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Desta feita, convido os leitores a acompanhar o percurso da exploração da rede de significações
que serão apresentadas, imbuídos, portanto, da visão (analógica e metafórica) necessária.
Um dos pontos constitutivos do perfil apropriado ao professor de Língua Portuguesa do ensino
fundamental para a escola inclusiva, é o de: “trabalhar com uma concepção dialógica da linguagem:
diálogo entre interlocutores e diálogo entre discursos”
3
A escola democrática tem escolhido como interlocutor o Estado de direito e ignorado o estado
de fato. O poder público federal brasileiro impinge aos seus estados e municípios o dever de oferecer
vagas na escola pública a crianças que completem sete anos. No entanto, a criança socialmente
desfavorecida poderá, ou não, usufruir da permanência na escola, dos 7 aos 14 anos, e também do
sucesso no percurso das oito séries; isso irá depender não só da organização familiar do aluno,
como também do projeto político pedagógico da escola.
Educadores do ensino fundamental têm recorrido a silogismos perversos, tais como, o de que: ‘se
a exclusão social provém da falta de domínio dos saberes da cultura dominante, se as classes
desfavorecidas partilham de culturas minoritárias, logo a criação de espaços curriculares para as
culturas minoritárias enfraquece o acesso à cultura dominante, com prejuízo dos alunos provenientes
de famílias desfavorecidas. ’
O silogismo tomado como exemplo é análogo ao conceito de máscara.
“ A noção de máscara trabalha obscuramente em nosso psiquismo. A partir do momento em que
queremos distinguir o que se dissimula sob um rosto, a partir do momento em que queremos ler em
um rosto, tomamos tacitamente esse rosto por uma máscara.”
4
A máscara irá
“ indicar uma teologia da dissimulação, uma tentação constante de dissimular, uma aspiração a ser
outro que se é. A máscara realiza, em suma, o direito que nos concedemos de nos desdobrar.
Oferece uma avenida de ser a nosso duplo, a um duplo potencial [...] que é a própria sombra de
nosso ser, sombra projetada não atrás mas adiante de nosso ser. A máscara é então uma
concretização do que teria podido ser.
5
Munidos do conceito de máscara, caminhemos à procura de dois seres: o professor e seu aluno.
3
SEMEGHINI-SIQUEIRA, Idméa. Opus cit. P. 25.
4
BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. São Paulo: Difel, 1985. P.165.
5
BACHELARD, Gaston. Opus cit. P. 173.
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Distorções da informação: do ensino da Língua Portuguesa
na escola de Ensino Fundamental
Edna Domenica Merola
O diálogo professor-aluno tem por cenário a sala de aula. O professor representa o papel daquele
que detém os saberes da classe dominante. Mas em que medida usufrui das liberdades de ler e de
escrever que supostamente adquiriu? O desempenho dos papéis de leitor e de produtor de textos
pelo professor proporciona-lhe o prazer desejado? O desempenho desses papéis tem a autonomia
esperada? Possibilita a qualidade de participação social atribuída àquele que é sujeito-histórico?
O aluno representa o papel de estar presente. Mas em que medida não andará perdido em seu
mundo pessoal ou de outros iguais? Mas esses iguais são também sem rosto. Ou têm um rosto
próprio, mas encoberto por véus das culturas minoritárias? Quando mostra sua ausência perante o
discurso do professor, esse aluno se chama rebelde. Se algum continente é dado, ou seja, se algum
tipo de protagonismo é oferecido, o rebelde permanece na escola, caso contrário, se evade. Lá fora,
ele se chama infrator.
O diálogo professor-aluno tem de novo por cenário a sala de aula. Desta vez o professor se
identifica com o papel representado, é empático com a angústia impingida ao aluno pelas condições
de desfavorecimento sociocultural. O aluno, por sua vez, percebe que pode tirar proveito desse tipo
de sentimento. Tornam-se mãe-filho, até a quarta série.
E depois?
O diálogo professor-aluno tem novamente por cenário a sala de aula. Este cenário tem no centro
um quadro-negro. O quadro negro é o centro do cenário: todo o restante tornou-se periférico! No
quadro-negro não há linguagem. No quadro-negro só há meta – linguagem: análise sintática, análise
morfológica, análise fonética.
E quanto à análise léxica das redes de significações existentes na cultura a que o aluno pertence?
E as pertinentes ao diálogo de discursos diversos?
Não houve tempo, pela lentidão dos alunos.
O jocoso paradoxo do segmento de fala criado nos remete à
“ positividade da dissimulação, a manutenção – na própria alienação – de uma certa consciência de
desdobramento. As ambivalências não são nunca simplesmente justapostas. Entre seus pólos está
sempre em ação uma conversão de valores. Essa conversão de valores é que age na psicologia do
ser mascarado. Do ser mascarado à máscara há fluxo e refluxo, dois movimentos que repercutem
alternadamente na consciência. A fenomenologia da máscara nos oferece bosquejos sobre esse
desdobramento de um ser que quer parecer o que não é e acaba por se descobrir ao dissimular, por
meio de sua dissimulação.”6
6
BACHELARD, Gaston. Opus cit. P. 174.
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Distorções da informação: do ensino da Língua Portuguesa
na escola de Ensino Fundamental
Edna Domenica Merola
Caminhemos, então, nesse percurso de autodescoberta por meio do desdobramento dialético.
O diálogo professor-aluno tem, desta vez, por cenário a diversidade cultural que dá continente à
expressão das diversas subjetividades. Nesse diálogo, o professor assume o papel de mediar as
trocas entre as diversas culturas, gerando novas linguagens. O diálogo professor-aluno constrói-se
agora num cenário novo: o do projeto político pedagógico que endossa metas libertadoras e que
aposta num currículo que permite a continuidade entre o saber local e o nacional, o que não implica
forma alguma de barateamento em relação à apropriação da cultura da classe dominante, de forma
que seja possível partir da cultura local para a ela retornar já com outra visão, fazendo dela, um
ponto de partida e de chegada, num movimento dialético.
Desta feita, nesse processo de busca por libertação dos cenários anteriormente mencionados
e das distorções de informação que eles trazem em seu bojo, o professor de Língua Portuguesa e
seu aluno dialogam. Constroem um ponto de encontro: é um cenário tão novo que pode até incluir
a sala de aula.
Referências bibliográficas
BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. São Paulo: Difel, 1985.
MACHADO, José Nilson. Epistemologia e Didática. São Paulo: Cortez, 2000. 4ª. ed.
SEMEGHINI-SIQUEIRA, Idméa. A Escola inclusiva investe nas potencialidades do aluno: tópicos para
reflexão com a comunidade . In BAUMEL, Roseli e SEMEGHINI-SIQUEIRA, Idméa (org.). Integrar para
incluir: desafios da escola atual. São Paulo: FEUSP,1998.
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Turismo sustentável em áreas de manancial:
Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen
Turismo sustentável em áreas de manancial:
Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas*
Sandra Farto Botelho Trufen**
Introdução
A pesquisa teve como objetivo estudar, analisar e produzir um diagnóstico das propriedades
rurais utilizadas como segunda residência e empreendimentos turísticos localizados em áreas de
proteção aos mananciais existentes na Subprefeitura da Região Metropolitana da Grande São Paulo.
A área de estudo foi delimitada a partir de uma das cinco sub-bacias que fazem parte da bacia do
Alto Tietê: Cotia-Guarapiranga na microbacia do rio Parelheiros.
A hipótese de trabalho, apontou o turismo de segunda residência e o investimento em
empreendimentos turísticos como ações capazes de: gerar renda para a população local; contribuir
para a preservação ambiental da área de manancial e, afetar negativamente área através da violência.
A metodologia empregada constituiu-se na aplicação de questionários a 15 proprietários ou
caseiros de propriedades rurais, assim como outros tantos 15 questionários a administradores de
empreendimentos turísticos. Os questionários englobavam questões sobre o interesse original que
levou os interessados à região, situação de interesse atual, aspectos de preservação ambiental,
segurança pública infra-estrutura urbana de estradas, comércio e escolas, possibilidades de geração
de renda aos moradores locais, transformação das propriedades em áreas de lazer público mediante
cobrança de serviços, além de alguns outros aspectos.
A tabulação dos dados permitiu verificar que, de modo geral, os proprietários das segundas
residências, assim como dos empreendimentos turísticos gostariam de ver a região melhor preservada
em seus aspectos ambientais, e vislumbram no turismo rural uma das possibilidades de alcançar
esse objetivo. Os entrevistados acreditam, ainda, na possibilidade de geração de empregos e renda,
controle da violência e melhoria nas condições de infra-estrutura urbana. A preocupação ambiental
dos moradores da região foi fortemente acentuada no estudo, bem como a ansiedade de que o
poder público atue nesse sentido como, por exemplo, inserindo o tema no Plano Diretor.
* Aluna do curso de Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos.
** Professora Doutora da Pós-graduação Interdisciplinar em Administração, Educação e Comunicação da
Universidade São Marcos.
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Turismo sustentável em áreas de manancial:
Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen
Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Na acepção de Knafou (2001), a análise do turismo e de sua dimensão territorial pode-se estar
de acordo com três tipos de situação:
os territórios sem turismo – caso raro na atualidade em razão do progresso dos transportes
e da facilidade de acesso da prática social aos lugares turísticos, mas para o autor isso não
quer dizer que “três turistas em uma fazenda e um escritório de turismo possam ser suficientes
para fazer um território turístico”;
o turismo sem território – turismo que não procede da iniciativa de turistas, ou melhor, da
prática social, mas é o resultado das operadoras de turismo que colocam o produto no
mercado. O produto é localizado em ponto estratégico, formalizando alguma relação com o
território, que não é suficiente para produzir um “território turístico apropriado pelos turistas”;
os territórios turísticos – inventados e produzidos pelos turistas, mais ou menos retomados
pelos operadores turísticos e pelos planejadores. O planejamento do território é apenas
um planejamento do espaço, no qual o turismo constitui um princípio de organização, que
neste caso deve ser muito bem pensado, pois não é apenas o espaço que se planeja, mas
toda a sociedade.
No que se refere à região estudada e a sua relação com o turismo e lazer, melhor dizendo, com
“territórios turísticos”, a Subprefeitura de Parelheiros desenvolveu Plano Diretor, que trata dos
problemas sociais, urbanos e ambientais do município, em especial visando sua inserção na área
metropolitana. Esse plano contou com a orientação e supervisão da Secretaria Municipal do
Planejamento Urbano – SEMPLA, e das Subprefeituras (Capela do Socorro e Parelheiros), com a
participação dos munícipes de diversos bairros, de representantes de associações nãogovernamentais e demais interessados. É importante ressaltar que a sociedade civil esteve presente
em todas as fases desenvolvidas.
O Plano Diretor de Parelheiros está voltado às políticas públicas da região, cujos objetivos
estabelecem o desenvolvimento urbano e ambiental, partindo de alternativas econômicas direcionadas
ao desenvolvimento rural, como turismo e agricultura sustentáveis, compatíveis com a proteção dos
mananciais, com vistas à produção de água e à proteção dos ecossistemas.
Em relação ao desenvolvimento econômico e social, o Capítulo II do Plano Diretor estabelece
duas vertentes: uma voltada para o turismo sustentável e a outra para o desenvolvimento rural, a
partir dos seguintes princípios:
a) conscientizar a população para a necessidade de conservação ambiental;
b) valorizar e inserir as comunidades locais no processo de exploração racional do turismo;
c) promover a agregação do valor e do retorno econômico para a economia local;
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Turismo sustentável em áreas de manancial:
Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen
Sumário
d) promover o desenvolvimento social e proteção ao patrimônio natural e cultural local;
e) garantir o respeito à capacidade de suporte dos ecossistemas;
f)
promover a viabilização da atividade turística como alternativa econômica para a Área de
Proteção Ambiental (APA) Municipal do Capivari-Monos.
Em relação ao desenvolvimento rural:
a) promover a viabilização do espaço rural como espaço produtivo, dominantemente agrícola,
mas com crescentes opções de novas atividades;
b) promover a viabilização do espaço rural como espaço de residência, tanto para os agricultores
quanto para a população urbana que busca uma segunda residência ou mesmo um padrão
de moradia diferenciado;
c) valorizar o espaço rural como espaço de serviços voltado ao lazer e ao turismo;
d) promover a viabilização do espaço rural como espaço de proteção, baseado no uso
sustentável dos recursos naturais;
e) capacitar a população rural para a atividade profissional e desenvolver a atitude
empreendedora voltada à agricultura e turismo sustentáveis e serviços correlacionados.
E em relação ao turismo sustentável, os objetivos são os seguintes:
I.
desenvolver políticas públicas para o desenvolvimento do turismo sustentável, especialmente
ecoturismo, turismo rural e turismo cultural;
II. implantar centros de informações turísticas nas centralidades previstas;
III. capacitar e instrumentalizar a comunidade local para o turismo receptivo, ampliando a
possibilidade de ocupações profissionais;
IV. estabelecer regulamentações para a visitação nas áreas naturais, em especial no interior da
APA Municipal do Capivari-Monos;
V. implantar serviços e equipamentos públicos e particulares, proporcionando urbanização local
e melhoria das condições para recepção de turistas;
VI. identificar fontes de financiamento e desenvolver ações que viabilizem o acesso a elas;
VII. conservar e viabilizar o uso econômico do patrimônio histórico, arqueológico, cultural e
arquitetônico;
VIII. conscientizar a população e visitantes acerca da importância da proteção dos recursos naturais;
IX. incentivar a implantação de infra-estrutura receptiva;
X. implantar, de acordo com os princípios expressos no inciso I do artigo 4º, o Pólo Ecoturístico
de Evangelista de Souza.
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Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen
De fato, Viégas (2005) afirma que existe a possibilidade de desenvolver atividades
voltadas ao turismo e lazer na região da Sub-Prefeitura de Parelheiros. Apesar de existir áreas
degradadas e invadidas, a região possui ricas paisagens turísticas, importantes para a
preservação dos ecossistemas, o que irá contribuir para a conscientização da população local
sobre a necessidade da conservação ambiental e cultural, e até mesmo inseri-la no processo de
exploração sustentável do turismo, com programas de capacitação para a recepção de turistas e
geração de empregos. Ademais, com a possibilidade de reduzir os casos de violência ocorridos
na região.
A Área de Proteção Ambiental Capivari-Monos, entre outros atrativos turísticos compreende
lugares que podem ser preparados para a recepção de turistas. Esse modelo de investimento em
turismo pode proporcionar à comunidade local, aos moradores do entorno e até mesmo aos
visitantes, o conhecimento sobre Educação Ambiental. Reciclagens com passeios nas trilhas e
outras atividades podem despertar o respeito e o interesse pelo meio em que estão inseridos,
conscientizando-os acerca da importância da proteção dos recursos naturais. A criação de um
parque, dotado de campo de futebol e área de lazer, seria mais uma opção, podendo ser utilizado
para piqueniques.
Mas para que todas as atividades acima descritas ocorram da melhor forma, não se pode deixar
de pensar nas políticas públicas para o desenvolvimento de um turismo sustentável, como
demonstrado no Plano Diretor1. Visando a contribuir com o desenvolvimento desse processo, a
Subprefeitura de Parelheiros vem trabalhando junto à comunidade para conscientizá-la sobre a
importância dessa área. Estão construindo um grupo com lideranças para o desenvolvimento da
Agenda 21 Local na Região da Sub-Parelheiros (GTA21SUL) que integra Parelheiros, Campo Limpo,
Santo Amaro e Jabaquara, e conta com a supervisão e orientação do Conselho Municipal do Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – CADES, e Secretaria do Verde e do Meio Ambiente,
além das Subprefeituras de Capela do Socorro e Parelheiros.
Agenda 21 – é o documento resultante da Conferência da ONU para Ambiente e
Desenvolvimento – ECO 92, programa a ser implementado pelos governos envolvendo a criação
de legislação, financiamento de projetos e transferência da tecnologia entre os países, com
vistas à proteção ambiental. É processo e instrumento de planejamento participativo para o
desenvolvimento sustentável que tem como eixo central a sustentabilidade, compatibilizando a
conservação ambiental, a justiça social e o crescimento econômico. Depende da vontade política
dos governantes e da mobilização da sociedade, que para implementar os seus programas e as
suas recomendações se faz necessário desdobrar a Agenda 21 em agendas regionais, nacionais
e locais.
1
Construído com o apoio da sociedade civil (Planejamento Estratégico Participativo)
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Turismo sustentável em áreas de manancial:
Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen
A Agenda 212 Local é um instrumento de planejamento de políticas públicas, envolvendo a
sociedade civil e o governo. Suas ações podem ser iniciadas tanto pelo poder público quanto pela
sociedade civil. O processo é amplo e participativo voltado a levantar os problemas ambientais,
sociais e econômicos locais, e o debate sobre soluções para esses problemas através da identificação
e implementação de ações concretas que visem ao desenvolvimento sustentável local.
De fato, a Agenda 21 Local é processo e documento de referência para planos diretores e
orçamentos municipais, entre outros, podendo também ser desenvolvida por comunidades rurais,
e em diferentes setores/territorialidades, em bairros, áreas protegidas/unidades de conservação e
bacias hidrográficas.
Os principais desafios para a elaboração da Agenda 21 Local consistem em: planejamento
voltado à ação compartilhada, na construção de propostas voltadas para a elaboração de uma
visão de futuro entre os diferentes atores envolvidos; condução de um processo contínuo e
sustentável; descentralização e controle social; e incorporação de uma visão multidisciplinar em
todas as etapas do processo.
Desta forma, governo e sociedade estão utilizando esse poderoso instrumento de planejamento
estratégico participativo para a construção de cenários harmônicos, em regime de co-responsabilidade,
que devem servir de subsídios à elaboração de políticas públicas sustentáveis, orientadas para
harmonizar o desenvolvimento econômico, a justiça social e o equilíbrio ambiental. Para isso,
deve-se formar um grupo de trabalho composto por representantes da sociedade civil e do governo
(no caso de um município ou de um determinado território), podendo ter a liderança de qualquer
segmento da comunidade.
As atribuições desse grupo devem envolver desde a mobilização e a difusão dos conceitos
e pressupostos da Agenda 21, até a elaboração de uma matriz para a consulta à população
sobre problemas enfrentados e possíveis soluções, incluindo o estabelecimento de ações
sustentáveis prioritárias a serem implementadas no processo de construção da Agenda 21 Local,
envolvendo: metodologia de trabalho; reunião de informações sobre as questões-chave para o
desenvolvimento local; identificação dos setores da sociedade que devem estar representados
em função das particularidades locais; os papéis dos diferentes participantes do processo;
identificação de meios de financiamento para a elaboração da Agenda 21 Local; e negociações
com o poder local sobre a institucionalização do processo de construção e implementação da
Agenda 21 Local.
2
Ministério do Meio Ambiente. Ary da Silva Martini, coordenador interino da Agenda 21 Brasileira. s/l. s/d.
Disponível em: http://www.mma.gov.br/?id_estrutura=18&id_conteudo=908. Acesso em: 15 jan.2004.
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Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen
Considerações finais
Avaliar em que medida as atividades voltadas ao turismo e lazer (sítios de lazer e/ou residências
de uso ocasional e os empreendimentos turísticos) contribuem com o uso e ocupação do solo,
considerando as recomendações para área de Manancial não é tarefa fácil. Mas o que se pode
afirmar, é que essas atividades podem assegurar a preservação de parcela de área permeável
(vegetação arbórea), dentro da propriedade e impedindo o uso irregular do terreno.
Dessa forma, o turismo sustentável em sítios de lazer e empreendimentos turísticos em áreas de
mananciais, quando devidamente conduzido pode contribuir para a qualidade das matas e água,
preservando parte do território das maiores ameaças identificadas, que são os loteamentos ilegais sobre
áreas de risco. Por outro lado, os aspectos de violência aparecem como elementos restritivos à atividade,
necessitando, portanto, de mais providencias, ações, atenção por parte do poder constituído. Para que o
território se torne mais freqüentado, ou seja, turístico, faz-se necessário conter a violência urbana que
existe, e dessa maneira transformar a imagem que alguns fazem da região, considerada “perigosa”.
Tanto para os sítios de lazer como para os empreendimentos turísticos, consegue-se perceber a
importância dessas atividades na região de Parelheiros, pelo fato de proporcionarem empregos,
conseqüentemente, renda para a população local, e em alguns casos até mesmo a moradia e plantio
para consumo. Esta hipótese é considerada positiva; os sítios de lazer contratam funcionários,
particularmente caseiros, empregadas domésticas e serviços de manutenção. Os empreendimentos
necessitam de funcionários permanentes que exercem funções de zeladoria, limpeza, manutenção,
cozinha, administração e escritório, e os temporários, que normalmente desenvolvem trabalhos de
cozinheira, horta e/ou jardim e segurança em épocas de maior movimento do turismo e/ou lazer.
Em relação à legislação de recuperação e proteção dos mananciais, nem todos souberam afirmar
a sua existência, deixando explícito a necessidade de uma melhor divulgação e principalmente
atuação, tal como fiscalização mais eficiente, por se tratar de uma região de grande importância, e
por ser responsável pelo abastecimento da Grande São Paulo.
Em face do exposto, o Plano Diretor Regional de Parelheiros, irá contribuir, desenvolvendo os objetivos
referentes à Política de Desenvolvimento Urbano e Ambiental; os Objetivos para o Desenvolvimento
Econômico e Social; os Objetivos do Turismo Sustentável; e o Objetivo para o Desenvolvimento Humano
e Qualidade de Vida, buscando soluções coerentes com a realidade da região.
Além da Agenda 21 Local que se apresenta em fase inicial, envolvendo a comunidade civil,
despertando sobre o potencial turístico existente, e contribuindo para o desenvolvimento do Plano
Diretor. A Agenda 21 – GTA21SUL integra Parelheiros, Campo Limpo, Sto Amaro e Jabaquara, e
conta com a supervisão e orientação do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável – CADES e Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, além das Subprefeituras (Capela
do Socorro e Parelheiros).
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Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen
A análise sobre a interferência da paisagem no território estudado demonstra que a paisagem é
em grande parte reflexo da sociedade, ou seja, é extremamente reveladora. Para transformá-la, deve-se
mudar o espaço, e para isso tem se que mudar a consciência dos atores envolvidos.
Sendo assim pode-se afirmar que a avaliação das atividades estudadas é positiva, pois,
contribuem para uma melhor qualidade de vida para a população local, e para a preservação do
território e dos fragmentos ainda existentes. Para que esse desenvolvimento prossiga da melhor
forma, a sociedade civil deve estar sempre presente em todas as etapas do processo referente ao
território em questão.
Considerando-se as localidades turísticas da atualidade como parte de uma rede, os nós dessas
redes são invariavelmente, cidades cuja função estratégica, do ponto de vista do turismo não decorre
apenas de infra-estrutura material de que dispõem e do papel que ocupam no espaço cognitivo, mas
de sua localização – um feixe de forças sociais se exercendo em um lugar no mundo. (Santos, 1997:2)
Referências bibliográficas
BELLENZANI, Maria Lucia. A Apa Municipal do Capivari-Monos como uma Estratégia de Proteção
aos Mananciais na Região Metropolitana de São Paulo. 2001. Dissertação (mestrado em Ciências
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São Paulo, São Paulo.
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BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Agenda 21 Brasileira. s/l. s/d.
BRASIL. Ministério do Turismo/ Secretaria de Políticas de Turismo. Diretrizes para o Desenvolvimento
do Turismo Rural no Brasil., 2003.
COSTA, Patrícia Côrtes. Unidades de Conservação: Matéria – Prima do Ecoturismo. São Paulo: Ed.
Aleph, 2002. (Série Turismo).
INSTITUTO DE HOSPITALIDADE (Org). Norma nacional para Meios de Hospedagem: requisitos para a
sustentabilidade NIH-54, 2004. São Paulo: Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica,
2005. (Caderno da Reserva da Biosfera: série conservação e áreas protegidas, n.30).
KNAFOU, Remy. Turismo e Território: Por uma abordagem científica do Turismo. IN:RODRIGUES, Adyr.
Turismo e Geografia: Reflexões Teóricas e Enfoques Regionais. São Paulo, Ed. Hucitec, 2001.
MESQUITA, Carlos Alberto Bernardo; VIEIRA, Maria Cristina Weyland. RPPN: Reservas Particulares
do Patrimônio Natural da Mata Atlântica. São Paulo: Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da
Mata Atlântica, 2004. (Caderno da Reserva da Biosfera: série conservação e áreas protegidas, 28).
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E DA AMAZONIA LEGAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO
AMBIENTE – IBAMA. Roteiro Técnico para elaboração de Planos de Manejo em áreas protegidas de
uso indireto. Brasília, 2000.
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Turismo sustentável em áreas de manancial:
Análise da Vocação Turística no Território de Parelheiros
Jéssica Fagá Viégas / Sandra Farto Botelho Trufen
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE TURISMO. Desenvolvimento de Turismo Sustentável: Manual para
Organizações Locais. 1. ed. 1998.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE TURISMO. Desenvolvimento de Turismo Sustentável: Manual para
Organizações Locais. 1 ed. 1998.
RODRIGUES, Adyr. Um ensaio de uma tipologia. IN: RODRIGUES A.B.(org) Turismo Rural. São Paulo,
Contexto, 2000.
SANTOS, Milton. Pensando e espaço do homem. São Paulo: Editora da Universidade de São PauloEDUSP, 2004.
SÃO PAULO (Estado). Prefeitura de São Paulo. Plano Diretor Regional de Parelheiros. São Paulo:
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SÃO PAULO. Fundação SOS Mata Atlântica. Diagnóstico e Caracterização por percepção de bacias
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SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Planejamento Urbano. Prefeitura do Município de São Paulo. Planos
Regionais Estratégicos – PRE: Município de São Paulo Subprefeitura de Parelheiros. São Paulo, 2004.
55p. (Série documentos)
SÃO PAULO (Estado).Secretaria de Estado de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras. Governo do
Estado de São Paulo. PDPA Guarapiranga: Subsídios ao Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental
da Bacia do Guarapiranga. São Paulo: CNEC/JNS, 1995/1997. 41p.
VIÉGAS, Jéssica Fagá. Turismo em áreas de Manancial: Uma Análise da Vocação Turística na Região
de Parelheiros, RMSP. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas), Programas Multidisciplinar da
Universidade São Marcos – USM. 2005.
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PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 3 • jul-dez 2005 • p. 99-106
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Aspectos da Comunicação Interpessoal no Relacionamento Professor – Aluno
Ana Carolina Caetano Senger Dantas / Lucilene Regina Marques / Anna Barros
Sumário
Jornada do Grupo de Pesquisa Comunicação, Arte e Criatividade
A Distorção da Informação
Aspectos da Comunicação Interpessoal no Relacionamento Professor – Aluno
Ana Carolina Caetano Senger Dantas*
Lucilene Regina Marques*
Profª. Drª. Anna Barros**
Resumo
Este artigo visa constatar como é importante a comunicação interpessoal efetiva entre professor-aluno,
para um bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.
Palavras – Chave: Comunicação interpessoal, professor, aluno, problemas.
Abstract
The text intends to proof the importance of a real interpersonal relation between teacher- student for the
development of a teaching-learning process.
Key-words: interpersonal comunication, teacher, student, problems.
Comunicação Interpessoal: Conceitos
Para o perfeito entendimento do processo de comunicação interpessoal, faz – se necessário o
conhecimento sobre dois conceitos: dado e informação. Segundo CHIAVENATO “dado é um registro
a respeito de determinado evento ou ocorrência”, e informação “é um conjunto de dados de
determinado significado o que permite o conhecimento a respeito de algo”.
A comunicação eficaz somente ocorre quando determinado dado é recebido e compreendido
pelo destinatário e se torna informação, ou seja, o simples recebimento da informação sem a sua
compreensão não efetiva o processo de comunicação; assim podemos concluir, que a comunicação
é a transferência de informação e significado de uma pessoa a outra.
A presença de pessoas nesse processo salienta a importância do entendimento do modo como
elas se relacionam umas com as outras, reafirmando que a comunicação está sujeita à influência de
dois fatores: a percepção seletiva e a percepção social.
* Alunas do curso de Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos.
** Professora Douotra da Pós-graduação Interdisciplinar em Administração, Educação e Comunicação da
Universidade São Marcos.
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107
Sumário
PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 3 • jul-dez 2005 • p. 107-111
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Sumário
Aspectos da Comunicação Interpessoal no Relacionamento Professor – Aluno
Ana Carolina Caetano Senger Dantas / Lucilene Regina Marques / Anna Barros
Todo indivíduo possui de maneira única sua percepção seletiva, que age de modo a classificar
as informações. Essa percepção seletiva é formada pelas referências pessoais; como exemplo, os
valores e motivações que selecionam e rejeitam as informações. Percepção social é o modo pelo
qual a pessoa forma impressões sobre uma outra pessoa, considerando o ambiente onde estão
incluídas, na esperança de compreendê-las. Envolve o percebedor, aquele que está tentando
compreender, o percebido, aquele que está sendo compreendido, e a situação, conjunto dos
aspectos do ambiente.
A construção da percepção social no indivíduo é influenciada pelos estereótipos, generalizações,
projeções, caracterizados por mecanismos de defesa pelos quais o indivíduo tende a atribuir a outros
características próprias, que rejeita inconscientemente, e a defesa perceptual que ocorre quando o
observador distorce os dados.
Processo de Comunicação
O processo de comunicação é realizado em duas fases: primeiro o receptor deve perceber a
mensagem e em seguida interpretá-la. Para tanto, cinco elementos fundamentais são utilizados:
emissor, codificador, canal, decodificador e receptor. O emissor ou fonte da mensagem é caracterizado
pela pessoa que inicia a comunicação. O segundo elemento é a codificação que ocorre quando o
emissor utiliza-se de símbolos para transmitir a informação. Esse elemento é importante, pois a
informação só pode ser transmitida de uma pessoa a outra por símbolos, e a utilização destes com
problemas de significado é uma causa comum das falhas na comunicação. Canal é o meio de
transmissão de uma pessoa a outra; receptor é a pessoa cujos sentidos percebem a mensagem do
emissor, e a decodificação caracteriza-se pelo processo de interpretação dos dados pelo receptor,
traduzida em informações significativas.
Durante a comunicação podem ocorrer falhas que impeçam, perturbem, confundam ou
interfiram na transmissão ou entendimento da mensagem. Essas falhas são classificadas em
ruídos internos ou emocionais, caracterizados pelas reações emocionais que influenciam o modo
de se compreender a mensagem, ou em ruídos externos, físicos (também chamados de
interferência), quando a informação é afetada por aspectos externos, como a distorção da
informação pelos sons ambientes.
O emissor durante o processo de comunicação deve tentar evitar tais ruídos para facilitar o
entendimento da mensagem, buscando melhorar a clareza e a força desta mensagem.
Além dos ruídos, o processo de comunicação pode apresentar obstáculos ou resistência entre
as pessoas, ou seja, variáveis que intervêm no processo de comunicação, fazendo com que a
informação, tal como enviada, torne-se diferente da informação, tal como recebida. Esses obstáculos
são chamados de barreiras à comunicação.
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Aspectos da Comunicação Interpessoal no Relacionamento Professor – Aluno
Ana Carolina Caetano Senger Dantas / Lucilene Regina Marques / Anna Barros
A mais comum tem a sua origem nas diferentes formas de percepção do indivíduo, o que
possibilita vários entendimentos sobre o mesmo fenômeno. Para evitá-la, o emissor deve
compreender que seus receptores possuem diferentes visões e experiências e deve considerá-las
durante o processo de comunicação.
Outro exemplo de barreiras à comunicação são as inconsistências entre as comunicações verbais
e não-verbais, ou seja, toda mensagem que enviamos ou recebemos são influenciadas por fatores
não-verbais, como: postura, trajes, movimentos dos olhos. Durante a comunicação o emissor deve
atentar para a perfeita relação entre o que está sendo falado e os movimentos corporais.
A quantidade de confiança que o receptor tem na mensagem enviada também constitui um
obstáculo à comunicação. O entendimento da mensagem é atribuído à credibilidade do emissor, fato
de extrema importância e alcançado ao longo do tempo.
Diferenças na linguagem também se caracterizam como barreiras à comunicação. Palavras ou
gestos utilizados devem ter o mesmo significado para o receptor e emissor. A utilização de termos
simples e a explicação de termos não convencionais ou técnicos diminuem tais barreiras.
Com o objetivo de evitarmos distorções de entendimento durante a comunicação, é preciso
utilizar a repetição e o feedback para torná-la clara.
A repetição ou redundância caracteriza-se pela reformulação de uma mensagem que assegure
sua recepção ou reforce seu impacto. Já o feedback é o reverso do processo de comunicação. Nele
é expressa uma reação à comunicação do emissor.
Além dos ruídos e das barreiras, a comunicação pode sofrer alguns males, como omissão,
distorção ou sobrecarga.
A omissão caracteriza-se pelo cancelamento de certos aspectos ou partes da informação, ou
feitas pelo emissor ou pelo receptor. A distorção ocorre quando a informação sofre alterações ou
deturpações que lhe modificam o significado. Já a sobrecarga caracteriza-se pelo excesso do volume
ou quantidade de informações que afetam a capacidade do receptor de processá-las.
Os problemas de comunicação entre professor-aluno
Conhecedores de como ocorre o processo de comunicação interpessoal, centramos, então,
nosso problema na questão da dificuldade de comunicação entre professor-aluno.
A tarefa de transmitir conhecimentos acaba sendo a maior carga que o professor apresenta,
atualmente, em nosso sistema de ensino, que é centralizado nos pilares: professor e matéria
(conteúdo). Assim, o aluno coloca-se numa posição de receptor, vendo-se obrigado a captar uma
considerável, e cada vez maior quantidade de informações, tais como fórmulas, conceitos, nomes,
datas, etc., que partem do professor, o emissor “oficial” do ensino.
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Aspectos da Comunicação Interpessoal no Relacionamento Professor – Aluno
Ana Carolina Caetano Senger Dantas / Lucilene Regina Marques / Anna Barros
Entretanto, acabamos por nos esquecer de que as tarefas de transmitir, emitir e receber
informações compõem somente uma parte da função da comunicação entre alunos e professores.
Para que se instaure uma comunicação eficaz, é necessária a transformação dos dados em
informação, não centrada apenas na transmissão da mensagem, mas também na cooperação, na
criatividade e no respeito mútuo.
Conforme podemos observar nas colocações de BORDENAVE e PEREIRA, há vários problemas
que atrapalham a comunicação entre professor-aluno, dos quais citamos a questão do professor estar
muito preocupado em expor sua matéria, esquecendo-se de comunicar, isto é, de motivar o aluno a ter
interesse pela aula e de estimular-lhe a inteligência, induzindo-o a expressar-se e a dialogar.
Outra questão é do uso de termos e conceitos emitidos pelo docente que ainda não estão
presentes nas experiências de vida pessoal e acadêmica dos alunos, de modo que várias idéias são
expostas aos discentes, e apenas algumas delas terminam por ser captadas e retidas por eles.
A utilização de recursos audiovisuais, quando feita de modo incorreto, em vez de colaborar com
o processo de ensino-aprendizagem, terminam por desestimular o pensamento dos alunos.
Os discentes também carregam parte da responsabilidade das deficiências da comunicação
entre professor-aluno, porque eles tendem a não prestar atenção à fala do professor, preocupandose com outros assuntos não pertinentes à aula ministrada.
Os alunos, muitas vezes, têm preguiça de pensar e de raciocinar, adotando, dessa forma,
atitudes de passividade e desligamento. A falta de desejo de saber e aprender acaba fazendo com
que eles tenham dificuldades de vencer barreiras físicas e emocionais, que se interpõem no decorrer
do processo de ensino.
Não podemos nos esquecer de que o ensino vai além da comunicação, pois segundo
BORDENAVE E PEREIRA (1998, p. 185) “Ensinar é fazer pensar, é estimular para a identificação e
resolução de problemas; é ajudar a criar hábitos de pensamento e de ação”. Sendo assim, vemos
que para um professor ser um bom comunicador, deve colocar-se no lugar do aluno, para que com
ele, consiga estimular a capacidade de pensar, restringindo as barreiras da comunicação.
Dessa forma, percebemos que os problemas que interferem na comunicação interpessoal de
professores e alunos podem ser de natureza psicológica, semiológicas, semânticas, sintáticas e
também cibernéticas. Com isso, vemos como o processo de comunicação é complexo, e que para
solucionar estas intercorrências, é preciso o auxílio da interligação de várias ciências.
Assim sendo, nota-se que para melhorar a comunicação professor-aluno, é necessário que o
professor (o emissor), o aluno (o receptor), a mensagem e os meios sejam cuidadosamente ajustados
e preparados, para que os problemas sejam amenizados. É preciso entender que uma mensagem
só será adequadamente entendida, quando houver uma interação profunda entre emissor e receptor,
que estimule e facilite a assimilação do que se pretende comunicar.
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Aspectos da Comunicação Interpessoal no Relacionamento Professor – Aluno
Ana Carolina Caetano Senger Dantas / Lucilene Regina Marques / Anna Barros
Considerações finais
Ao longo da elaboração e construção deste artigo, pudemos constatar que a comunicação é um
fator que rege o processo de ensino-aprendizagem. Quando o ato comunicativo entre professoraluno não se faz claro e eficiente, isto acarretará um grande prejuízo ao meio educativo.
É válido salientar que, quando o equilíbrio entre pessoa, signo e objeto é inexistente ou
prejudicado, a comunicação não se desenvolve como deveria, e conseqüentemente, o que se
pretendia comunicar fica desestruturada.
O professor e o aluno, ora sendo bons comunicadores, ora sendo eficientes receptores, devem
tentar sempre construir um clima de confiança e amizade entre si, para que a empatia sja desenvolvida,
e o mecanismo de assimilação da informação seja melhor oportunizado. Portanto, para que a máxima
eficácia da comunicação seja alcançada, é preciso que a mensagem seja devidamente compreendida
pelo receptor.
Referências bibliográficas
CHIAVENATO, Idalberto. Recursos Humanos.Edição Compacta.São Paulo: Atlas, 2002.
STONER, James A.F, FREEMAN, R. Edward.Administração. Rio de Janeiro. LTC, 1982.
BORDENAVE e PEREIRA
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A Síndrome de Down aos Olhos da Propaganda
Martin Kuhn / Rosemari Fagá Viegas
A Síndrome de Down aos Olhos da Propaganda
Martin Kuhn*
Rosemari Fagá Viegas**
Resumo
Este artigo tem como objetivo desvelar e compreender características implícitas na propaganda de
instituições ligadas ao trabalho de assistência e estimulação à pessoa com deficiência, particularmente
portadores de Síndrome de Down, na última década (1996 a 2006) e sua possível conseqüência na
perpetuação ou alteração do estigma que atinge este segmento da população. As análises terão como
base: teorias de Goffman, que tratam sobre as questões do estigma e estudos de D’antino que abordam
as ações de comunicação, principalmente as propagandas de instituições especializadas no atendimento
à pessoa portadora de deficiência física e mental.
Palavras chaves: Propaganda, Deficiência, Estigma, Comunicação, Educação Especial, Mídia, Síndrome
de Down, Sociedade
É notória a constatação de que a sociedade tem procurado abrir espaços para o portador de
Síndrome de Down , principalmente na área da Educação e do Esporte. Contudo é necessário rever
alguns conceitos, principalmente aqueles referentes às potencialidades do deficiente. Nesse contexto,
deve-se considerar o papel fundamental que os meios de comunicação desempenham como difusores
de mensagens que contribuam para a transformação do imaginário social e do estigma para com o
portador de Síndrome de Down .
Não faz muito tempo que os temas relativos às pessoas portadoras de deficiência eram abordados
somente por médicos, educadores e terapeutas. A única ação que se realizava em favor do deficiente
era o seu atendimento dentro de instituições especializadas. Este tipo de abordagem sempre confirmou
uma tendência presente na sociedade: o portador de Síndrome de Down ou de outras deficiências
seria visto exclusivamente como alguém que carece de programas de assistência social, mantidos
pelas organizações não-governamentais. Esta prática não resulta em efetiva estimulação e
desenvolvimento das potencialidades do deficiente. Pelo contrário, promove a segregação.
Lenir Santos, presidente do Conselho da Fundação Síndrome de Down em Campinas, assinala
essa confusão entre programas públicos para o desenvolvimento da pessoa deficiente e programas
de assistência social:
* Aluno do curso de Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos.
** Professora Doutora da Pós-graduação Interdisciplinar em Administração, Educação e Comunicação da
Universidade São Marcos.
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A Síndrome de Down aos Olhos da Propaganda
Martin Kuhn / Rosemari Fagá Viegas
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“Os programas públicos para o desenvolvimento integral da pessoa deficiente são confundidos,
quase sempre, com programas de assistência social. Sempre que se busca apoio ou ajuda financeira
para as atividades de educação da pessoa deficiente somos encaminhados para os serviços de
assistência social. Ora, a assistência social é a satisfação de necessidades básicas do indivíduo,
excepcional ou não”.1
Santos defende ainda que o modelo de abordagem dos temas e da postura que abordam o
deficiente seja alterado, assumindo uma postura que coloca o deficiente não apenas como “um ser
carente em busca de assistência”, mas como um ser humano com potencialidades, em busca de um
programa educacional capaz de desenvolver todas as suas qualidades e valores. De acordo com
essa nova perspectiva, Santos propõe uma abordagem, na qual a “pessoa” seja privilegiada em
detrimento da “deficiência”, diminuindo o preconceito.
A concepção de que o deficiente deve ser tratado com igualdade e que a sua relação com a
sociedade deve ser marcada por um envolvimento absolutamente livre de pré-conceitos não é muito
simples de se vivenciar. Não faz um século, que a condição para ser exterminado do convívio social
era portar alguma deficiência física ou mental. Notem que o uso da palavra “exterminado” se refere
primeiramente as práticas de isolamento em instituições fechadas, mas em alguns casos, esta
exclusão resultava no extermínio literal do deficiente.
“Durante muitos séculos, as pessoas com deficiência eram consideradas ‘inválidas’ e socialmente
inúteis. Neste contexto de quase barbárie, a política de segregação formulada no final do século
XIX e aplicada até a década de 1940, impondo a internação definitiva em instituições fechadas,
representou um progresso humanitário”.2
Embora a citação acima esteja preocupada em apontar o início do chamado “movimento de
integração das pessoas com deficiência”, fica clara a referência ao aspecto “exterminação” do convívio
social quando se pensa numa internação definitiva em instituições fechadas .
Porém, existem registros que atestam que esse “extermínio” se dava também de modo literal,
numa situação tão extrema que muitas vezes o deficiente pagava por sua condição com a própria
vida. Uma das provas desta prática, apresentada na tese de doutorado de D’antino, mostra uma
imagem e comenta o episódio de uma pessoa com deficiência mental, negra, submetida à execução
publica em 1916. 3
1
DA SEGREGAÇÃO À INTEGRAÇÃO: Um processo para a construção da cidadania. II Congresso Brasileiro
2
MÍDIA E DEFICIÊNCIA / Veet Vivarta, Coordenação. – Brasília: Andi; Fundação Banco do Brasil, 2003. p. 17.
3
D’ANTINO, Maria Eloísa Famá. Deficiência e a mensagem reveladora da instituição especializada: Dimensões
e I Encontro Latino-Americano Sobre Síndrome de Down. Brasília, DF, 1997. p. 10.
imagética e textual. Tese de doutoramento. IP/USP. São Paulo, 2001. p. 198.
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A Síndrome de Down aos Olhos da Propaganda
Martin Kuhn / Rosemari Fagá Viegas
Hoje, a leitura desses episódios causa estranhamento, e sensação de incredulidade: algo
impossível te der ocorrido a tão pouco tempo na história. Mas os fatos não podem ser contestados.
E a marca, o estigma que acompanha o deficiente mental, não desapareceu por completo.
Em sua obra clássica Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada , Erving
Goffman define estigma como marca, categorização de indivíduos, identificação de segregados,
definição de desgraça de um indivíduo ou de classes de indivíduos.4 Esta marca que os portadores
de Síndrome de Down carregam consigo, mesmo que bastante atenuada, precisa ser eliminada por
completo da sociedade.
É exatamente neste contexto que os meios de comunicação desempenham um papel especial
ao contribuir com mensagens que cooperaram para a criação de uma relação de convivência sem
preconceitos entre os indivíduos de uma comunidade, nas suas relações sociais.
É incrivelmente paradoxal que, mesmo sem uma intenção direta, os meios de comunicação ao
invés de eliminar os estigmas, as marcas e os avisos de exclusão, manifestos nas pessoas portadoras
de deficiência, auxiliam na manutenção do imaginário social que classifica o deficiente como uma
aberração. Esta também é uma preocupação apresentada nos estudos de D’antino, ao analisar as
propagandas de instituições de apoio às crianças deficientes.
Em seus estudos, foi detectada uma certa ambivalência destas ações de comunicação. Se por
um lado os comerciais veiculados na televisão e em outras mídias provocam nas pessoas alguma
iniciativa que se reverte em doações para a manutenção da instituição, por outro, acentua na mente
do telespectador cada vez mais a marca de que o deficiente é um inútil, incapaz para o trabalho,
carente, isolado, assexuado, entre outras idéias. D’antino analisa algumas propagandas utilizadas
em campanhas de arrecadação de fundos, nas quais a criança deficiente é profundamente explorada,
não como alguém com um valor ou com qualidades e limitações, mas sim com um ser grotesco,
quase uma aberração, numa ação definida pela autora como a ‘venda da piedade’. 5
Em muitos casos a abordagem e a terminologia utilizadas pelos meios de comunicação de massa,
neste caso, numa ação de propaganda institucional e de arrecadação de fundos, refletem na maneira
como a sociedade interpreta os temas de interesses gerais. Se a linguagem verbal, sonora e visual
for utilizada de modo inadequado e se a informação que se quer transmitir não é devidamente avaliada,
acaba reforçando conceitos, estigmas e posturas preconceituosas que depois são transmitidas
culturalmente, transformando-se num empecilho ao desenvolvimento social.
4
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4ed. Rio de Janeiro,
Zahar, 1982. p.11.
5
D’ANTINO, Maria Eloísa Famá. Deficiência e a mensagem reveladora da instituição especializada: Dimensões
imagética e textual. op. cit. p. 66.
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A Síndrome de Down aos Olhos da Propaganda
Martin Kuhn / Rosemari Fagá Viegas
Infelizmente a mídia televisiva e impressa no Brasil vem se valendo, cada vez mais, dos recursos
de uma comunicação sensacionalista, nos quais as imagens veiculadas exploram as aberrações.
Este estilo de comunicação gera no telespectador um olhar com predominância de sensações estéticas
em detrimento de reflexões racionais 6 . Este fato pode ser percebido também na propaganda
institucional e de captação de recursos destas instituições ao vincularem seus anúncios à figura
marcante do deficiente mental ou às “aberrações” do deficiente físico.
A preocupação com este tipo de ênfase midiática foi manifestada em 1991 por Demétrio Casado,
no VI Seminário Ibero-americano sobre deficiência e informação em Madri. O autor condena a
“freqüente associação da deficiência com a incapacidade total ou a infelicidade, conforme demonstram
certas campanhas de captação de recursos”. 7
D’antino, em Deficiência e a mensagem reveladora da instituição especializada: Dimensões
imagética e textual, também enfatiza esse aspecto das propagandas de captação de recursos :
“Seja qual for o sentimento gerado por estas imagens o fato é que a criança com deficiência não só
é reificada pela propaganda institucional como, também, apresentada de forma grotesca, de modo
que a disseminação de sua imagem, ao contrário de prestar um serviço à população, no sentido de
dirimir preconceitos, tende a perpetuá-los”.8
Contudo, existem alguns comerciais que merecem o reconhecimento por tratarem deste assunto
de maneira coerente com os objetivos da instituição ou causa que está por traz das campanhas, e ao
mesmo tempo valorizando as potencialidades dos indivíduos portadores de deficiência. É o caso de
um comercial veiculado em rede nacional por emissoras como a Rede Globo e a TV Bandeirantes. O
filme, intitulado Garçonete, foi criado por uma das grandes agências de publicidade do Brasil, a
Giovanni, FCB e produzido pela Zero Filme, também uma produtora altamente conceituada por sua
qualidade tanto para produzir filmes publicitários, quanto filmes para o cinema. O comercial se passa
dentro de uma lanchonete. A câmera mostra as atividades de uma garçonete que é portadora de
Síndrome de Down e alguns freqüentadores que acompanham com os olhos o trabalho que realiza.
Por um momento a garçonete sai de quadro e ouve-se um grande estrondo de bandeja caindo no
chão e copos se quebrando. A câmera procura lentamente onde aconteceu o acidente, e encontra
6
DORNELLES, Vanderlei. Do verbal para o visual: O status da imagem nas revistas semanais de informação.
Dissertação de Mestrado em comunicação: Universidade Metodista de São Paulo, 2004. p. 10
7
CASADO, Demétrio. Identidade de las personas com discapacidades e informacion in: Real Patronato de
Prevención y de Atención a Personas com Minusvaliá. Discapacidad e Informacion – Documentos 14/92.
3ed. Madrid, Secretaria General Del Real Patronato de Prevención y Atención a Personas com Minusvaliá,
Op.cit.,1992.
8
D’ANTINO, Maria Eloísa Famá. Deficiência e a mensagem reveladora da instituição especializada: Dimensões
imagética e textual. São Paulo, 2001. Tese de doutoramento, IP/USP. p. 63
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A Síndrome de Down aos Olhos da Propaganda
Martin Kuhn / Rosemari Fagá Viegas
uma outra garçonete agachada, catando cacos de vidros. Permanece um grande mistério que induz
o telespectador a interpretar que aquela nova garçonete em cena está ajudando sua colega deficiente.
Neste momento o filme mostra a portadora de Síndrome de Down concentrada em seu trabalho num
outro ambiente da lanchonete, totalmente isenta de qualquer culpa naquele episódio constrangedor.
Este filme publicitário certamente desempenhou um papel importante no sentido de atenuar o
preconceito social para com o portador de Síndrome de Down, especialmente no que diz respeito ao
seu potencial para o trabalho. Um pequeno exemplo disto foi relatado por Adilson Xavier, diretor de
criação da Agência Giovanni,FCB: “Recebemos um e-mail de um pai agradecendo a agência porque
a sensibilização da campanha rendeu um emprego ao seu filho, portador de Síndrome de Down”.
9
Em síntese, os dois exemplos de propagandas mencionados neste artigo apresentam aspectos
diferentes do uso de uma mesma ferramenta de comunicação: a propaganda. Ao analisar os dois
anúncios, percebe-se que houve avanços quanto à forma de tratar o portador de Síndrome de Down,
ou mesmo de outro tipo de deficiência. Esse avanço passa necessariamente pela informação e
pelos meios de comunicação de massa que, pela natureza de suas funções sociais, são ferramentas
poderosas para formar conceitos, evidenciar ou dirimir pré-conceitos, e neste sentido, colaborar
com o portador de deficiência no lento processo de inclusão na sociedade onde vive.
9
REVISTA DA PROPAGANDA. Editora Referência: São Paulo, Abril de 2003. p. 53.
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A distorção como recurso
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
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A distorção como recurso
Marcos Luciano Corsatto*
Anna Barros**
1. A palavra distorção
A palavra distorção, em geral e a princípio, nos sugere algo de negativo, de desvio, de alteração
de algo. Há inúmeras situações, entretanto, em que isso acontece de maneira diversa.
O Dicionário Houaiss traz a definição de distorção como sendo a “alteração da forma ou de
outras características estruturais, desvirtuamento, infidelidade, proposital ou não”.1
O mesmo dicionário nos apresenta sua origem etimológica, do latim “distortionis”, que significa:
torcedura, contorção, voltar para um a outro lado.
De fato, há inúmeros processos comunicativos que fazem uso da distorção. Embora ela possa
acontecer em diversas circunstâncias aleatórias, pode ser usada deliberadamente, quando existe
uma clara intenção para tal.
A seguir, alguns rápidos exemplos de situações em que a distorção foi usada como recurso
intencional, provocando os leitores dos textos e das imagens.
2. A palavra poética distorcida
Os poetas, via de regra, usam as palavras de seus poemas com sentidos nem sempre
convencionais, visando a provocar certa reação no leitor.
* Aluno do curso de Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos.
** Professora Doutora da Pós-graduação Interdisciplinar em Administração, Educação e Comunicação da
Universidade São Marcos.
1
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p.1061
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A distorção como recurso
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
A linguagem poética é, por essência, um meio de comunicação em que as palavras e seus
sentidos dançam de acordo com as circunstâncias, os olhos, os sentimentos, as sensações, o espírito
de quem as lê e de quem as escreveu. É este, portanto, um campo onde, muito facilmente, se
recorre ao uso da distorção.
No texto do poeta português Fernando Pessoa, transcrito abaixo, existe um exemplo típico de
uso deliberado de distorção, criando uma ambigüidade. Ou mesmo provocando, genialmente, o
nosso raciocínio.
Neste texto, Pessoa afirma que “Navegar é preciso. Viver não é preciso” 2. Na verdade, estes
versos foram tomados do latim “Navigare necesse; vivere non est necesse”, frase de Pompeu, general
romano, que viveu entre 106 e 48 a.C., dita a um grupo de marinheiros, amedrontados, que se
recusavam viajar durante a guerra.
Pessoa traduziu “ necesse” por “preciso”, causando uma distorção de sentido e na comunicação
da idéia: conhecendo a realidade portuguesa das grandes navegações, a palavra se refere a ser
preciso, no sentido de ser necessário ou no sentido de precisão, exatidão?
Embora o texto original seja claro, Pessoa provocou uma distorção, forçando-nos a questionar o
verdadeiro sentido de seu texto.
3. A expectativa distorcida
O escritor gaúcho Mário Quintana, perito pelas afirmações curtas, cheias de significados,
surpresas e bom humor, escreve um texto, uma definição para a palavra “camuflagem”.
O resultado desta definição bem-humorada é: “A Esperança é um urubu pintado de verde” 3.
Evidentemente, a primeira idéia que temos, a partir da palavra “esperança”, é que seria uma definição
de caráter mais ético, moral ou relativo a valores nobres, dado o peso semântico desta palavra. Em
geral, a expectativa seria esta ou semelhante a esta.
No entanto, ao utilizar o recurso do humor, Quintana distorce a nossa expectativa, em relação
ao que vem em seguida. A justaposição camuflagem-esperança-urubu-verde provoca uma reação
significativa em nossos conceitos, apesar de conter certa lógica.
Neste caso, a própria expectativa lógica sofre uma distorção, com um texto curto, permeado de
distorção e criatividade.
2
PESSOA, Fernando. Disponível em: <http://www.secrel.com.br/jpoesia/fpesso05.html>. Acesso em: 08
set. 2005.
3
QUINTANA, Mário. Prosa & Verso, p. 79
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A distorção como recurso
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
Sumário
4. O ponto de vista distorcido
O ponto de vista de cada um de nós é o lugar de onde contemplamos a realidade. Deste modo,
cada ponto de vista tem aspectos e elementos que se diferenciam, de um olhar para o outro, fazendo
com que interpretemos a realidade observada de forma subjetiva.
Esta situação, portanto, pode provocar situações interessantes em que um mesmo fenômeno
ou realidade seja interpretado de forma diversa, diríamos que de maneira distorcida, dependendo
do referencial.
Imaginemos a cena relatada a seguir, que nos apresenta uma situação de comunicação distorcida
pelo ponto de vista dos personagens envolvidos:
“Um estudante de aviação estava fazendo seu primeiro vôo solo. Ao ligar o rádio para receber as
instruções de vôo, a torre de controle perguntou: Você poderia nos dar sua altitude e posição?. O
piloto disse: Tenho 1,70 m e estou sentado na frente.”4
Neste exemplo, a situação real de cada um possibilita uma percepção da realidade e as palavras
são interpretadas de acordo com essa percepção. Para quem observa a situação da torre de comando,
as palavras altitude e posição se revestem de um significado diferente daquele que o piloto, nervoso
em sua primeira viagem, atribui a essas palavras.
Está criada, neste exemplo, a distorção a partir de pontos de vista distintos.
5. A gramática distorcida
A Língua Portuguesa, por sua estrutura gramatical e vocabular, às vezes pode gerar ambigüidades
no processo de comunicação, distorcendo a mensagem original.
O caso exemplificado a seguir faz uso desta realidade gramatical para promover um erro de
compreensão, provocando uma situação humorística:
“O gerente geral de um banco estava preocupado com um jovem e brilhante diretor, que depois de
ter trabalhado durante algum tempo com ele, sem parar nem para almoçar, começou a ausentar-se
ao meio-dia. Então o gerente chamou um detetive e solicitou-lhe que seguisse o jovem diretor
durante uma semana, durante o horário de almoço. O detetive, após cumprir o que lhe havia sido
pedido, voltou e informou: O diretor sai normalmente ao meio-dia, pega o seu carro, vai à sua casa
4
Tom CHUNG. Qualidade começa em mim, p. 182
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A distorção como recurso
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
almoçar, faz amor com a sua mulher, fuma um dos seus excelentes cubanos e regressa ao trabalho.
O gerente, então, fica aliviado, achando não haver nada de mal nesse comportamento...” 5 .
O texto continua, com o detetive esclarecendo que, ao usar o pronome “sua” estava se referindo
a ele gerente, e não ao diretor. Ao empregar o pronome em terceira pessoa (seu carro, sua casa, sua
mulher, etc.), o detetive causou uma ambigüidade, distorcendo a realidade dos fatos por ele observados.
É óbvio que esta situação tem um fundo cômico, mas a partir dela podemos refletir que, ao
usarmos certos recursos gramaticais que nossa língua possibilita, podemos obter resultados
inesperados na compreensão das mensagens.
6. A situação distorcida
Também podemos aproveitar certas situações vividas no cotidiano para observar o quanto a
distorção pode ser utilizada para reinterpretar os fatos ou o significado das palavras e expressões,
causando um resultado inesperado.
Um conhecido livro didático de Inglês para os alunos do Ensino Médio traz o pequeno texto
abaixo, com um final inesperado, bem-humorado e criativo. Ao partir de uma situação do cotidiano –
o café da manhã –, o diálogo entre pai e filha termina de uma maneira inusitada:
“John Knox era um famoso líder religioso na Escócia. Ele era muito duro e severo com todos, inclusive
com sua família. Um dia, sua filha estava atrasada para o café da manhã. Quando ela chegou à mesa,
Knox olhou para ela e disse: Bom dia, filha do demônio!. A menina respondeu: Bom dia, papai! 6
Nesta situação, o pai faz uma referência simbólica à filha, a partir de seus valores rígidos;
evidentemente, a expressão por ele utilizada tem um caráter metafórico.
Ao responder a saudação ao pai, a menina o faz dentro do contexto real e objetivo. O resultado
disso é uma interpretação distorcida, deliberadamente criada, para ter um efeito surpreendente e
humorístico.
7. A imagem da política distorcida
Afirmar que a política sofre constantes distorções é quase que redundante. A realidade política,
brasileira e internacional, com suas artimanhas, é vítima de distorções provocadas, sobretudo pelo
humor e pela sátira.
5
Texto recebido por e-mail, sem indicação de autoria
6
MARQUES, Amadeu. Reading texts in English, p. 32
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A distorção como recurso
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
Sumário
A imagem da personagem Mafalda, na figura abaixo 7, explicita a distorção de seu rosto –
literalmente distorcido no reflexo do bule –, comparando-o com a situação política como um todo.
Também há a distorção feita, propositadamente, com outras intenções. Aproveitando a atual e
triste crise política brasileira, humoristas também fazem adaptações de outros materiais existentes,
distorcendo imagens e/ou palavras, para criar um efeito humorístico e, ao mesmo tempo, provocar
nossa reflexão.
É o caso da figura abaixo, retirada do site humorístico <http://www.euhein.com.br>, em que há
a distorção de duas campanhas publicitárias do Governo Federal.
A primeira distorção foi elaborada a partir da campanha “O Melhor do Brasil é o Brasileiro” ,
usando a imagem do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. As palavras foram trocadas/distorcidas
para causar o resultado final, que lemos na imagem.
A segunda distorção, na mesma figura, é feita, sutilmente, a partir do slogan do Governo Federal:
“Brasil, um país de todos”. Aproveitando o clima de crise política, a palavra “todos” é trocada por
“ tolos”. A distorção do slogan é sugestiva e esta simples alteração proporciona uma série de
possibilidades de interpretações, reflexões e críticas.
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Sumário
A distorção como recurso
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
8. A imagem da publiciidade distorcida
A distorção na imagem também pode ser utilizada como um poderoso recurso para transmitir
uma idéia ou um conceito.
As figuras abaixo foram publicadas em duas páginas da Revista Época8, e pertencem a uma
publicidade da Fundação Roberto Marinho. A primeira página apresenta somente a primeira foto. A
segunda página traz a outra foto e, no alto, a seguinte frase: “Ainda bem que existem pessoas que
enxergam o que muita gente não quer ver”.
Esta campanha publicitária usa, exatamente, a questão da distorção da imagem como essência
da idéia que quer transmitir. A imagem é distorcida e desfocada em dois momentos e em dois pontos
diferentes, da primeira para a segunda foto.
Com isto, a frase utilizada ganha um poderoso reforço visual: a propaganda distorceu a imagem
para significar o próprio slogan e a própria distorção.
9. Distorção e comunicação
Por fim, nesta breve reflexão sobre algumas situações específicas, queremos salientar que, em
alguns momentos, a distorção é utilizada como um recurso comunicativo, com objetivos bem precisos
e com intenções claras.
Esta realidade reforça e exemplifica claramente a afirmação de Morin, quando diz que “a
comunicação não garante a compreensão”.9 Para compreender, precisamos perceber as mensagens
de acordo com suas intenções, seus contextos e levando-se em consideração a subjetividade da
percepção humana, com toda sua carga cultural.
Uma das intenções presente no processo comunicativo pode ser, sem dúvida, a distorção, utilizada
como recurso visual ou de linguagem, para provocar reações diversas.
Este uso, entretanto, não pode escapar de uma análise crítica e ética. Distorcer para enganar
não tem respaldo. Somos favoráveis ao uso do recurso da distorção quando estes objetivos e intenções
servem para provocar a nossa reflexão diante da realidade, inquietando-nos e incentivando-nos a
transformá-la, de maneira positiva, ética e responsável.
Distorcer para enganar é distorcer a possibilidade de uma boa distorção.
7
QUINO. O mundo da Mafalda, p. 20
8
Revista Época, n. 372, p. 70-71
9
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do futuro, p. 94
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A distorção como recurso
Marcos Luciano Corsatto / Anna Barros
Sumário
Referências bibliográficas
CHUNG, Tom. Qualidade começa em mim. 5ª. ed. São Paulo: Maltese, 1998.
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.1061
MARQUES, Amadeu. Reading Texts in English. Vol. 1. São Paulo: Ática, 1989.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora F. da Silva
e Jeanne Sawaya. 5ª. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
QUINTANA, Mario. Prosa & Verso. 8ª. ed. São Paulo: Globo, 1998.
Revista ÉPOCA. Rio de Janeiro: Editora Globo, fasc. XXX, 04 jul. 2005.
QUINO. O mundo da Mafalda. Trad. Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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Problemas sociais e a dificuldade da inclusão social
Roberto Padilha Moia / Anna Barros
Problemas sociais e a dificuldade da inclusão social
Roberto Padilha Moia*
Anna Barros**
Resumo
Este artigo tem como objetivo apontar a dificuldade da inclusão social do indivíduo que enfrenta algum
problema de cunho social. Esta dificuldade pode estar ligada à distribuição de renda que é feita de
maneira desigual desde os primórdios. Com o advento da globalização, a tendência foi a ampliação
dessa desigualdade, pois o mundo passou a agir de maneira integrada e exclusiva, no sentido da
separação. O trabalho procura estudar a dificuldade da inclusão das pessoas em meio à evolução da
sociedade.
Palavras chaves: Exclusão Social, Globalização, Sociedade.
Abstract
This article intents to point out the difficulties of social inclusion in handcaped people under any social
way. This diffculty can be due to the unequal affair distribution. The advent of globalization has magnified
this unequality because the world started to act in a very integrated and exclusive way which led to class
separation. The text aims at a study of the difficulty of integrating parts of the society facing the fast
speed of social evolution.
Quando falamos em problemas sociais, automaticamente somos remetidos às condições de
pobreza dos povos, que os levam a se afastar das transformações na vida social, muitas vezes não
por opção, mas, por falta de condições para acompanhá-las, sendo que um dos maiores fatores de
agravamento desta condição é a concentração de renda. “A sociedade brasileira foi estruturada
originalmente a partir de um padrão extremamente concentrado de distribuição social de riqueza”1.
Essa afirmação nos remete à história da distribuição de riqueza no Brasil, que vai desde o período
colonial, quando a divisão de terra já contemplou alguns pequenos grupos da sociedade em detrimento
de outros até a atualidade, quando , aparentemente, pouca coisa mudou.
A modernização trouxe muitas mudanças para a sociedade, e uma delas foi a globalização, que
tem por objetivo integrar os povos, mas, favoreceu a concentração de renda e a pobreza continuou
* Mestrando do Programa de Pós-graduação Intrdisciplinar em Administração, Educação e Comunicação da
Universidade São Marcos
** Prof ª Dr.ª Orientadora
1
POCHMANN et.al. Atlas da exclusão social no Brasil: Os ricos no Brasil. Vol. 3. São Paulo: Cortez, 2004.
pág. 26/27.
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Sumário
Problemas sociais e a dificuldade da inclusão social
Roberto Padilha Moia / Anna Barros
a aumentar. Antigamente a pobreza era originária dos processos mais gerais de mudança, naturais
ou sociais, que aconteciam em determinado lugar e ficavam circunscritos a ele. A globalização trouxe
um novo contexto para as mudanças sociais; apesar de terem sido mais regionais no passado,
tinham muito em comum com outros lugares. As comunidades tentavam administrar ou resolver o
problema como se fosse um problema local; com o tempo, entretanto, percebeu-se que o problema
não era exclusivamente local, mas que existia em maior ou menor intensidade em outras localidades.
A questão da exclusão social advinha de fatores semelhantes nas várias regiões. O que era fator de
exclusão social para uma região também era para outra; a regionalização , entretanto, não permitia
que o problema fosse compartilhado de uma forma mais ampla; o que mudou, com a eclosão das
mídias de massa, é que a informação se alastrou rapidamente, tornando-se propriedade global.
As noticias dos acontecimentos mundiais atingem as mais longínquas localidades e, assim, os
problemas de minúsculas aldeias passam a fazer parte da consciência global, tornando-se uma
questão de cidadania. Um dos problemas mais prementes, atualmente, é o da exclusão social que
deriva da confrontação entre camadas sociais diferentes.
O poder econômico e o consumismo passam a representar um abismo entre os que estão
incluídos e os excluídos. A exposição ao consumo acaba agravando as diferenças entre ricos e
pobres. Os bens materiais, a educação, a tecnologia e a informação só são acessíveis a quem
possua alguma renda para consumir. O indivíduo que possui renda para consumir passa a se destacar
na sociedade e o que não consegue consumir fica à margem esperando ajuda para sobreviver.
Os mais necessitados ficam no desejo de algum dia poder usufruir toda a abundância que está
à disposição na sociedade, buscando a igualdade como uma forma de status. A exclusão sempre
levará o indivíduo a se afastar dos grupos de poder. Por exemplo, na área da educação, quem não
possui um nível mais alto tende a ser , pois ninguém está disposto a se nivelar pelo mais baixo. Essa
situação gera a necessidade de um trabalho que possa auxiliar o indivíduo a ser considerado um
cidadão pela sociedade. Surge a importância do direito à cidadânia, ou seja, a inclusão do indivíduo
como participante ativo no crescimento social, afim de não continuar como um personagem à sombra.
Estar incluído significa ser um cidadão com direitos e deveres. E a sociedade e o Estado precisam
reconhecer suas manifestações como válidas, caso contrário ele não terá sua opinião respeitada.
Para fazer parte da cidadania, o indivíduo deve estar incluído social e politicamente.
A partir do momento em que não participa da sociedade o indivíduo se sente desvalorizado,”a
pobreza reveste-se de um status social desvalorizado e estigmatizado, onde a humilhação o impede
de aprofundar qualquer sentimento de pertinência a uma classe social ” 2 O pobre é obrigado a viver
2
PAUGAM. Serge. O enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais. In Org.SAWAIA. Bader. As artimanhas
da exclusão _ Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. 2ed. P 67.
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Problemas sociais e a dificuldade da inclusão social
Roberto Padilha Moia / Anna Barros
isolado do restante da sociedade e acaba por se isolar, ficando à espera de algo que não depende
dele: o resgate dessa situação de exclusão. A exclusão interfere no desenvolvimento da sociedade,
impossibilitando o acesso à educação, à saúde, ao saneamento básico, ao emprego, à tecnologia
entre outros. Com a exclusão do indivíduo, a sociedade passa a administrar esses problemas, muito
mais de maneira assistencialista do que segundo a ética da igualdade social, que levaria a incentivar
e apoiar o indivíduo, levando-o a sair dessa situação. Para podermos entender melhor a exclusão
social adotaremos a seguinte definição:
A exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas,
relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como
parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é o processo que envolve o homem por
inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não é uma falha do sistema,
devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ele é produto do
funcionamento do sistema.3
O funcionamento do sistema passa pelo governo, pela sociedade e por suas elites intelectuais e
políticas. Investir em políticas de inclusão social é uma necessidade imediata da sociedade moderna,
cujo foco principal será a redução da falta de acesso do indivíduo aos seus direitos de cidadão. O
grande questionamento é a quem interessa a exclusão social, ou seja, quem é o grande beneficiário
dessa situação.
Se, por um lado, sabemos que governo e sociedade devem empenhar esforços para incluir o
indivíduo, por outro, sabemos que há interesses, muitas vezes de ordem econômica, que preferem
dar as costas ao problema e tirar proveito para si. Nesse contexto podemos citar as elites econômicas,
políticas e todos aqueles que exploram as vítimas da exclusão, pois elas não têm condições de
contestar, ou preferem ficar no anonimato por conveniência. Governantes, cada vez mais interessados
no poder, preferem atender aos interesses econômicos em lugar de resolver os problemas básicos
da sociedade. Ou seja: “educação, saúde, saneamento básico, empregos ) os quais) foram
substituídos por diretrizes governamentais que privilegiaram as ações do capital, o mercado financeiro,
os juros, a ciranda financeira e a globalização. O ser humano ficou à margem dessas diretrizes”4.
O indivíduo passou a ser mero coadjuvante no cenário econômico, para facilitar e ampliar a
desigualdade social, sendo que o governo tem papel importante nesse quadro. A falta de
planejamento, ações e recursos relacionados a programas sociais tem sido essencial para o
3
SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão – Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis:
Editora Vozes, 2001, 2ed. Pág. 9.
4
ALMEIDA, Nelson Morato Pinto de. Inclusão Digital: tecendo redes afetivas/Cognitivas. PELLANDA et.al.(orgs.)
– Rio de Janeiro: DP&A, 2005. pág. 345.
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Problemas sociais e a dificuldade da inclusão social
Roberto Padilha Moia / Anna Barros
aumento da exclusão. Observamos na história brasileira que os investimentos nas áreas sociais
foram sempre relegados a segunda ordem.
A visão assistencialista, que muitos ficam esperando que o governo assuma, ao mesmo tempo
em que incomoda, passa a ser vital para a base de sustentação dos governantes. Qualquer discurso
político que não incluir como plataforma de governo os programas de assistência social não terá
validade para o eleitorado, fazendo que o candidato ou o partido político não consiga êxito na disputa
pelo poder. Esses discursos estavam presentes nas campanhas presidenciais de Fernado Henrique
Cardoso e de Lula.
Não ter poder significa não ter acesso à distribuição de riquezas. O problema é que depois de
eleitos, os candidatos, seus programas colocados em prática, não conseguem atingir os resultados
esperados, pois envolvem muitos recursos e sua manutenção acaba sendo onerosa, gerando mais
exclusão, pois o programa muitas vezes é um paliativo e não uma solução.
Muitas situações são descritas como de exclusão, que representam as mais variadas formas e
sentidos advindos da relação inclusão/exclusão. Sob esse rótulo estão contidos inúmeros processos
e categorias, uma série de manifestações que aparecem como fraturas e rupturas do vínculo
social(pessoas idosas, deficientes, desadaptados sociais; minorias étnicas ou de cor; desempregados
de longa duração, jovens impossibilitados de aceder ao mercado de trabalho, etc.)5.
Além das citadas, o indivíduo passa a ter outra situação de exclusão, quando participa de um
determinado programa social, como por exemplo, “bolsa família”, o que acaba reforçando sua
posição de excluído. A sociedade, por acreditar que esses programas servem muito mais de
palanque para reeleição ou desvio de recursos, não os leva a sério. Portanto o indivíduo que
participou do programa social além de, em alguns casos, não ter conseguido resolver seu problema
de exclusão, passa a ser vítima de um outro preconceito da sociedade, o de tersido beneficiado
por um programa assistencialista.
O indivíduo, diante de tantas dificuldades, passa a agir de forma excluída. Muitas vezes ele
mesmo se coloca como excluído, ou por não ter acesso ou por não querer fazer parte de programas
assistencialistas, acreditando que estes não o ajudarão.
No caso das pessoas que estão chegando ao mercado de trabalho ou que estão desempregadas
há muito tempo, essa situação impede que ela possa participar de maneira igualitária na obtenção
de uma oportunidade de colocação ou recolocação. O dinamismo do mercado de trabalho exige que
as pessoas acompanhem sua evolução e, para isso, é necessário ter acesso à educação e ao uso
5
WANDERLEY, Mariângela Belfiore. Refletindo sobre a noção de exclusão. Org. SAWAIA. Bader. As artimanhas
da exclusão – Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Editora Vozes, 2001, 2ed. Pág. 17.
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Problemas sociais e a dificuldade da inclusão social
Roberto Padilha Moia / Anna Barros
das tecnologias disponíveis, ou seja, não basta apenas saber o básico, é necessário estar sempre
atualizado, buscar aquilo que ainda não se conhece ou não se domina.
O problema que surge com essa situação é impotência de buscar o novo por conta própria, “o
homem ao defrontar-se com aquilo que não conhece e domina, perde a capacidade de controle, fica
inseguro e muitas vezes desesperado”6. Quanto menos conhecimento e/ou informação as pessoas
tiverem, maiores as chances de exclusão e a de serem dominados por outras pessoas. Deixar o
velho, ou tradicional de lado não é uma tarefa fácil. A sociedade sempre valorizou a experiência que
está ligada ao passado; todavia há uma constante cobrança pelo novo.
Uma pessoa que alguns anos atrás utilizava habilmente o teclado da máquina de escrever,
atualmente pode estar desempregada, se não evoluiu para o novo, se não souber utilizar o computador
e conhecer alguns dos programas mais difundidos. Quando surgiu o computador, muitas pessoas
relutaram em usá-lo, pois isso invalidaria um conhecimento longamente empregado, ou seja
datilografar. A parafernália ligada ao computador as assustava.
A insegurança diante do novo foi uma barreira para o uso do computador . “O novo sempre
requer um novo olhar e novos olhares geralmente geram insegurança naqueles que olham sem
fazer uso de referências conhecidas, ao mesmo tempo em que provocam a ira daqueles que não
querem abandonar a segurança dos referenciais” 7. Essa insegurança gerada pelo novo colabora
para que o indivíduo demore para aceitar a mudança, e com isso, ele ficará mais excluído e mais
dependente da ajuda governamental. Enquanto espera por essa ajuda, o indivíduo depara-se com a
realidade, ou seja a necessidade de buscar conhecimento para conseguir melhorar suas oportunidades
e reverter esse quadro de exclusão.
Quando o governo ou a sociedade não faz sua parte, e nem o indivíduo busca uma solução para
o seu problema, ficamos com uma lacuna e não encontramos o responsável pela iniciativa concreta
de reduzir a exclusão. Um verdadeiro jogo de empurra acontece entre os envolvidos e alguém tem
que pagar a conta da falta de solução para o problema. Aparentemente a solução inicial deve partir
do próprio indivíduo: “é necessário encontrar uma vítima expiatória sobre quem descarregar o pecado
da marginalização. Essa vítima é o próprio excluído. O sistema não é o culpado, mas sim o ser
humano, que é o único responsável pelo seu êxito ou fracasso” 8.Ou seja, o indivíduo passa a ser
6
SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão – Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis:
Editora Vozes, 2001, 2ed. Pág. 120.
7
NICOLACI, Ana Maria da Costa. Na malha da rede: os impactos íntimos da Internet. Rio de Janeiro:
Campus, 1998.
8
GUARESCHI, Pedrinho A. Pressupostos psicossociais da exclusão: Competitividade e culpabilização. Org.
SAWAIA. Bader. Op. cit. p. 154.
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Roberto Padilha Moia / Anna Barros
responsável pelas suas atitudes e escolhas, tendo que deixar o que é velho de lado e partir para o
novo. Ele precisará ter a iniciativa de buscar ou de cobrar as soluções para o seu problema.
Com a união dos povos, através da globalização, esse quadro tende a aumentar. O novo já não
é algo regional, de fácil compreensão; ele vem ditado por outras nações mais dominadoras, em
todos os sentidos. Os países ditos de primeiro mundo dominam o novo muito mais rápido que os
países subdesenvolvidos, devido ao poder econômico que possibilita o investimento necessário para
que a sociedade possa acompanhar a evolução. Resta aos países mais pobres a promessa de ajuda
posterior, ou seja, a evolução é garantida primeiramente aos países mais ricos para somente depois
vir a beneficiar os menos favorecidos. Nesse contexto globalizado, a expectativa é de que a exclusão
social seja maior ainda, aumentando o abismo entre pobres e ricos, dominadores e dominados.
A globalização da economia privilegia as nações ricas e as grandes corporações, que ditam um perfil
econômico favorável a seus objetivos comerciais sem se importar com os efeitos danosos que provocam
nas economias dos países mais frágeis. Esses efeitos geralmente estabelecem um aumento substancial
do nível da pobreza da sua sociedade, a partir do desemprego provocado pela ação do capital e da
especulação financeira em lugar da ação social, descentrando a identidade do sujeito trabalhador
que, ao perder suas referências sociais, se encaminha para depressão profissional, social e humana,
desembocando finalmente no estigma da exclusão social, de onde dificilmente consegue sair.9
Quando trazemos essa realidade para o território nacional, podemos constatar a grande diferença
social aqui existente. Dentro do Brasil, possuímos realidades diferente; enquanto algumas cidades
têm seus investimentos mais voltados para o crescimento econômico – cidades mais ao sul do país
– outras ficam à margem da ajuda governamental para cumprir pelo menos o básico para sua
população – cidades mais ao norte do país.
Isso não isenta grandes cidades como São Paulo de ter num mesmo espaço geográfico situações
de riqueza e situações de dependência total do setor governamental.
Em São Paulo, “o modo de vida é dominado pela idéia de quantidade e de abundância, a pobreza
na cidade é uma contradição. Expostos aos mais variados e intensos estímulos, que invadem todos
os sentidos”,”10 o que tendem a aumentar a necessidade de consumo.
A sociedade tem a seu dispor uma série de benefícios, tais como, educação, saúde, informação,
entre outros. Porém, somente aquele que possui alguma “riqueza”, seja ela econômica ou intelectual,
9
ALMEIDA, Nelson Morato Pinto de. Inclusão Digital: tecendo redes afetivas/Cognitivas. PELLANDA et.al.(orgs.)
– Rio de Janeiro: DP&A, 2005. pág. 347.
10
MELLO, Silvia Leser de. A violência urbana e a exclusão dos jovens. Org. SAWAIA. Bader.Op. cit. p. 134.
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Problemas sociais e a dificuldade da inclusão social
Roberto Padilha Moia / Anna Barros
é que pode desfrutar de toda essa abundância. Essa situação gera a necessidade de um trabalho
que possa auxiliar o indivíduo a ser considerado um cidadão, pela sociedade.
Surge daí a importância do direito à cidadania, ou seja, a inclusão do indivíduo como participante
ativo no crescimento social e não apenas como personagem de manobra dos interesses de poucos.
Estar incluído significa ser um cidadão com direitos e deveres, que a sociedade e o estado devem
reconhecer passando a aceitar sua manifestação como positiva e a respeitar sua opinião.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Nelson Morato Pinto de. Inclusão Digital: tecendo redes afetivas/cognitivas. PELLANDA
et.al.(orgs.) – Rio de Janeiro: DP&A, 2005. pág. 345.
GUARESCHI, Pedrinho A. Pressupostos psicossociais da exclusão: competitividade e culpabilização.
Org. SAWAIA. Bader. As artimanhas da exclusão – Análise psicossocial e ética da desigualdade social.
Petrópolis: Editora Vozes, 2001, 2ed. Pág. 154.
MELLO, Silvia Leser de. A violência urbana e a exclusão dos jovens. Org. SAWAIA. Bader. As artimanhas
da exclusão – Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Editora Vozes, 2001, 2ed.
Pág. 134.
NICOLACI, Ana Maria da Costa. Na malha da rede: os impactos íntimos da Internet. Rio de Janeiro:
Campus, 1998.
PAUGAM, Serge. O enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais. Org. SAWAIA. Bader. As artimanhas
da exclusão – Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Editora Vozes, 2001, 2ed.
Pág. 67.
POCHMANN et.al. Atlas da exclusão social no Brasil: os ricos no Brasil. Vol. 3. São Paulo: Cortez, 2004.
SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão – Análise psicossocial e ética da desigualdade social.
Petrópolis: Editora Vozes, 2001, 2ed. Pág. 9.
WANDERLEY, Mariângela Belfiore. Refletindo sobre a noção de exclusão. Org. SAWAIA. Bader. As
artimanhas da exclusão – Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Editora Vozes,
2001, 2ed. Pág. 17.
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A mensagem da dor nas artes visuais: um paralelo entre a dor
do estilo Barroco e a dor do estilo Expressionista
Cassius Breda Pereira
Sumário
A mensagem da dor nas artes visuais: um paralelo entre a dor do estilo
Barroco e a dor do estilo Expressionista.
Cassius Breda Pereira*
Resumo
O artigo estabelece uma discussão do trato da dor nas artes visuais, com foco no estilo Barroco e no do
Expressionismo. A dor aqui discutida não é a dor física mas a dor que ultrapassa os limites do corpo. A
arte abordada é a qual abre espaço para discussão do feio, do comum, do social, do homem. A mensagem
dessa dor sofre influências de suas épocas mas podem estabelecer um paralelo com as aflições da
sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Dor, Arte, Barroco, Expressionismo
Abstract
This article carries out a discussion of the way pain is portrayed by visual arts, having Barroque and
Expressionism as focus. The kind of pain present in this text is not physical but the one that goes beyond
the one the body can bear. Concerning art, this is approached in a possible debate on the idea of “ugly”,
ordinary, social and mankind. The message of such pain suffers influences of each period of time, but
those influences can be compared with the afflictions of contemporary society.
Key-words: Pain, Art, Barroque, Expressionism
Introdução
Com base na bibliografia pesquisada, deseja-se estabelecer um paralelo entre os estilos do
Barroco e o do Expressionismo sobre a mensagem da dor nas artes plásticas.
A dor foi retratada sob várias óticas nos diversos estilos da arte visual. Os estilos que mais
profundamente trataram dessa temática foram o Barroco e o Expressionismo.
A dor em questão não é a dor física, da qual a medicina se ocupa, mas a dor psicológica,
espiritual, social e existencial do ser humano.
* Aluno do Programa de Pós-graduação Intrdisciplinar em Amninistração, Educação e Comunicação da Universidade
São Marcos. Vice-coordenador acadêmico da FIA (Faculdade Interação Americana), em SBC/SP.
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PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 3 • jul-dez 2005 • p. 131-138
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Sumário
A mensagem da dor nas artes visuais: um paralelo entre a dor
do estilo Barroco e a dor do estilo Expressionista
Cassius Breda Pereira
O Barroco (séc XVII) foi um movimento inovador nas artes, sendo a primeira vez, que as artes
deixaram a Península Itálica para alcançar o restante do continente, seguindo para as colônias na
África, América e Ásia. As dialéticas que o estilo disseminou instigaram novos questionamentos
sobre o papel do homem, de Deus e do artista. A dor representada nessa escola é social. Pela
primeira vez na arte, o feio e o pobre (em oposição ao belo renascentista) são retratados.
O Expressionismo (final do séc. XIX e início do séc. XX) um momento de transformação da arte;
que proporcionou novos conceitos estéticos para a obra de arte. A dor, representada nesse momento
criativo é existencial, a do sofrimento humano. A loucura, o feio e o psicológico dão vazão a essa
abertura da obra de arte, que, a partir desse estilo, já não será a mesma, pois sua ideologia e
estética sofrem a maior e mais profunda mudança quanto aos conceitos presentes.
A problemática da dor apresenta-se em todo o processo de evolução do homem e as artes
visuais não poderiam deixar de expressar esse sentimento.
A inserção da dor como mensagem na arte nasceu da vontade de conhecê-la através dos
caminhos das artes, o que nos leva a buscar entender como algumas escolas estéticas olharam e
reproduziram, em expressão visual, a dor humana em seu sentido existencial.
A importância e os questionamentos que o tema abrange são de suma importância para a
compreensão das motivações que levam o ser humano a produzir, em artes plásticas, estilos tão
particulares e inovadores, representativos da estética da dor.
Fazer um paralelo entre essas duas escolas inovadoras é o que a pesquisa pretende, paralelo
que está no entender como essas escolas trabalharam a questão da dor, onde existe um
relacionamento entre suas óticas, seus estilos, seu modo de retratá-la.
Caráter social da dor do Barroco:
Tudo nos leva a crer que o caráter social da dor barroca está na intrínseca ligação entre o artista
barroco e o questionamento social da época. Há uma nítida sugestão de conflito entre os ideais
estéticos, entre a arte renascentista e nova arte – o Barroco.
O artista barroco sofre e enfrenta os ideais heróicos clássicos e retrata o povo como seu
herói. Parece que, na fantasia do artista barroco, é necessário bradar a dor das pessoas simples,
que estão à mercê de uma elite, em circunstâncias cruéis. A sensação transmitida é de um
basta. A Sagrada Família não pode ser retratada em um ambiente luxuoso, nem os personagens
precisam ser nobres, em suas vestes exuberantes. A verdadeira Sagrada Família está no seio
da população.
São-nos mostrados, muitas vezes, personagens à beira da sociedade, maltrapilhos, pessoas
em seu cotidiano simples, humildes, com pés, mãos e unhas sujas, afrontando a estética clássica, a
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do estilo Barroco e a dor do estilo Expressionista
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qual jamais permitiria esse tipo de conduta. É nítida a sensação de descontentamento social que o
estilo barroco conseguiu inserir na arte.
A arte, até o Renascentismo, no séc. XVI, sufocava qualquer valor estético que fosse além da beleza
considerada pura; Assim, a partir de elementos antes considerados antiestéticos, o Barroco vem a criar
um novo conceito de estética, e parece, inclusive, ter desatado o nó que afligiu o homem durante séculos,
expondo sua dor, sua verdade social, o que resultou em um conceito mais amplo de beleza.
A dor existencial do Expressionismo:
Nesse movimento da arte, vemos-nos diante da maior dor que o ser humano pode encarar, a dor
do espelho; um espelho que nos desnuda, transforma e flerta com a nossa verdade. E é nesse
espelho que os artistas expressionistas souberam retratar a sua dor. A dor desse estilo é da alma, de
tudo aquilo que não vemos, mas sentimos, presenciamos. É uma dor psicológica que dilacera a
carne. E a estética soube retratar essa dor.
Essa representação é nítida nos rostos deformados que se apresentam nas telas expressionistas.
Dão-nos a nítida impressão de que não são seres humanos em pleno gozo da vida, mas sim cadáveres.
Existe uma atmosfera fúnebre que ronda esses artistas. Muitas vezes nos são apresentados quadros
de pessoas doentes, em seu leito final, como se fosse necessário enaltecer a tragédia que cerca os
expressionistas.
Munch trata da dor do abandono e da solidão incansavelmente. Esse abandono é notório no
quadro Os solitários (noite de verão), 1906-1907, onde ele apresenta um casal que contempla o
horizonte frio, escuro e triste de uma praia imaginária, sem vida, em uma noite de verão. É a
representação de uma noite de verão que foge de todos os arquétipos existentes e relativos a uma
quente noite de verão. Para tornar a obra mais agoniante, o casal somente coexiste no mesmo
espaço; eles não estão juntos, sofrem da mesma dor da solidão e do abandono.
Outra tela que retrata essa solidão doentia, aterrorizadora, é Melancolia (Eduard Munch, norueguês,
1894/95). Nada mais parece parece ser belo diante do olhar expressionista. Parece, sim, que estamos
deitados no divã de um consultório psiquiátrico, onde tudo deve ser exposto e encarado.
Kirchner, outro expressionista brilhante, cria uma fantasia onde seus personagens estão envoltos
em uma aura escura, com se nos quisesse dar a impressão do lado sombrio das pessoas. Sua
pincelada é em diagonais que aumentam esse aspecto de seus personagens.
Voltando à temática dos espelhos, essa foi a escola que maior quantidade de auto-retratos
produziu. Isso nos leva a crer que havia uma intenção de demonstrar a dor, o horror que o espelho
reflete. Os olhos desses auto-retratos estão entorpecidos por uma depressão, um
descontentamento, um amargor incomum. O norueguês Eduard Munch, em seu Auto-retrato com
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cigarro aceso (1895), parece estar se consumindo na fumaça que o cigarro produz e que consome
toda a tela em uma asfixia incomum.
A questão dos auto-retratos não se restringe ao olhar e à atmosfera triste que paira nessas
obras. A dor do espelho parece ser muito maior; basta olhar para o auto-retrato de Egon Schilie
(1910), em que ele se retrata tão repugnante, tão horripilante, que somente alguém que estivesse
sofrendo uma dor desesperadorapoderia fazê-lo.
A dor no espelho indica um terror profundo, a ponto de muitos artistas não conseguirem controlá-Ia,
dando vazão a descontroles emocionais totais.
O estilo expressionista apresenta-nos uma dor vertical, seca e trágica.
Um paralelo entre os dois estilos:
Esses dois estilos reproduziram a dor em seu caráter mais profundo, em épocas diferentes, com
temáticas que ora se encontravam, denotando a mesma intensidade, ora se tornavam uma só com
intensidades peculiares.
Assim o Barroco, revolucionário nas artes, deixa um enorme legado de nfluências para a arte
expressionista.
Por essas influências
(...) serão despertadas as vocações dos mestres do séc. XVII, desde Greco ou Velazquez até
Rubens ou Rembrandt. Nesta pintura nova, encontrarão o instrumento quer de um impressionismo
fixando as aparências mais imperceptíveis, quer de um expressionismo do impulso vital ou das
perfeições espirituais. A sensibilidade particularizada, dos sentidos e da alma, é doravante
transmissível. O indivíduo deixa de estar emparedado no seu segredo (HUYGE, R. 1986, p. 127).
No estilo barroco, séc XVII, existe uma preocupação com o social, com a elite dominadora que
oprime a população. A arte expressionista, início do séc. XX, também toma as dores da população e
questiona o social, agora em outro momento político, o do capitalismo, que dissemina as desigualdades
sociais, tornando-se mais adiante opositor ao regime totalitarista de Adolf Hitler levando-nos a deduzir
que nos dois estilos havia necessidade de questionar o status quo vigente e a crer em uma
aproximação entre os dois estilos.
Giulio Carlo Argan comenta o veio social dos artistas expressionistas:
(...) A polêmica social dos expressionistas alemães não se limita à renúncia do artista à sua condição
de intelectual – burguês, em favor da condição de trabalhador, de homem do povo. A burguesia é
denunciada como responsável pela inautenticidade da vida social, pelo fracasso das iniciativas
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humanas, por aquilo que, para Nietzsche, constituía a total negatividade da história. Se para existir
é preciso querer existir, lutar para existir é sinal que há no mundo forças negativas que se opõem à
existência. A existência é autocriação, mas, se o mecanismo do trabalho industrial é anticriativo,
por isso é destrutivo. Destrói a sociedade, dilacerando-a em classes exploradoras e exploradas;
destrói o sentido do trabalho humano, separando concepção e execução; acabará por destruir, com
a guerra, toda a humanidade (ARGAN, G. 1992, p. 240).
A arte expressionista tem sua barroquice na apresentação exagerada do uso da expressão. O
artista expressionista parece ter necessidade de enfatizar o trágico para realçar a sua mensagem. O
Barroco fez uso desse aspecto, que foi um dos marcos da sua arte, a qual, por si só é expressionista,
na ênfase da expressão e do exagero dos personagens.
Mas a arte clássica do Barroco não pode ser comparada com a arte moderna do Expressionismo,
quanto ao figurativismo do barroco e à nãopreocupação de retratar a realidade pura dos modernistas.
Todavia, adiante, foi-nos possível traçar um paralelo na concepção dessas duas artes.
Roger Cardinal comenta a desvinculação da arte expressionista na estética clássica:
(...) o Expressionismo jamais se poderia mover na direção da arte pela arte. Sua reiteração de
valores como vitalidade e espontaneidade, sua visão dinâmica do contato com a experiência vivida,
significam que, mesmo quando abraça uma teoria de abstração, não o faz em termos de uma
especulação fria, mas como um projeto carregado de emotividade (CARDINAL, R. 1984, p. 80)
René Huygue comenta a despreocupação com as concepções do estilo clássico, em relação à
arte moderna: “(...) Também aqui se prepara a arte moderna, menos preocupada em afirmar a
regra universal do Belo do que deixar emanar o que há de único na alma do artista” (HUYGUE, R.
1986, p. 126).
A atmosfera sombria do Barroco, em seu jogo com a luz e a escuridão, está presente no
Expressionismo, o qual intensifica esse jogo, forçando uma forte escuridão.
As cores do Barroco são fortes, para realçar o contraste claro/escuro, para expressar sua tristeza
espiritual. No estilo expressionista, as cores também são fortes, mas há uma preferência por cores
fúnebres como o roxo, o preto e o marrom, que dão maior ênfase à dor desses artistas. No
expressionismo, a cor surge como matéria viva. É uma arte que antecede a abstração total, em que
a matéria, por si, passa a expressar a arte.
O estilo do barroco dá-nos a ilusão de um turbilhão, que movimenta os personagens na tela, os
quais são construídos com a destreza de suas diagonais e espirais, característica dessa arte. Já no
estilo expressionista, o movimento nos leva a crer que há um pulso delirante, ofegante, a impregnar
as pinceladas desses artistas; é também um movimento forte, o qual, nesse instante da arte, interage
com a tinta, intensificando a expressão. Basta olhar para a obra do holandês Vincent van Gogh
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Triga/com ciprestes 1889, que ressalta o movimento circular existente em suas elas. Um outro exemplo
importante são as telas de Eduard Munch, nas quais o movimento é espaçado, dando-nos a impressão
da tinta consumindo a tela. O movimento, no barroco, está na distribuição dos personagens na tela
e, no expressionismo, na mistura da cor com as pinceladas do artista.
A solidão e o abandono foram retratados nos dois estilos. Os artistas dessas duas artes
expressaram essa dor, que aterrorizou a todos os homens, em todas as épocas. Esta dor é
representada na obra Barroca de Caravaggio (italiano) A Madalena Arrependida ( 1516-1517) em
que a personagem aparece em um momento de dor trágica. No expressionismo, a dor da solidão
passa pelos caminhos do trágico. Esses artistas expressionistas procuravam o mais extremo dos
sentimentos; algo de sombrio pairava na arte desses artistas.
Na arte Barroca, a dor é representada pelo questionamento, pela busca da compreensão do
viver e estar vivo. No expressionismo, a dor estabelece-se no limbo entre a vida e a morte. Munch,
por exemplo, vivia impregnado da morte. Ele pintou, em várias de suas obras, personagens quase
moribundos, faces cadavéricas.
Existe, nesse paralelo, a necessidade de análise da mensagem da dor. A dor, a qual gera a
discussão, é aquela que de certa maneira transforma, ora o homem, ora a sociedade. A dor como
mensagem nas artes visuais está inserida na reflexão e na transformação que sua retratação nos
traz. A dor do Barroco muitas vezes nos remete à dor do Expressionismo, pois a dor é universal e
também um mecanismo que atua na psique humana de forma única.
Esses estilos retrataram a dor em instâncias diferentes, pois é dessa maneira que cada artista,
dentro do seu contexto histórico, abraça esse paradigma. A dor que procuramos identificar foi retratada
em cada um desses movimentos, em sua acidez Expressionista diferente da dor espiritual Barroca;
contudo esses artistas, desses dois estilos, talvez tenham vivido suas vidas “comuns”, com a mesma
intensidade, a ponto de retratar na sua arte suas próprias dores.
E duas obras podem ser consideradas como expressão dessa grande dor: Tomé o incrédulo,
1602-1603, de Caravaggio (italiano), barroco e outra O Grito, 1893, de Eduard Much, expressionista.
Considerações finais:
Com base nos autores pesquisados, tratamos da questão da mensagem da dor nas artes visuais,
presente no paralelo entre os estilos do barroco e do expressionista.
Tal paralelo entre os dois estilos faz-nos refletir a respeito da dor, no seu caráter particular,no
que realmente leva o homem a reproduzir esse sentimento em suas obras e como os homens barrocos,
do séc. XVII, e os expressionistas, do início do séc. XX, são dialéticos, sufocados, e sofrem, com
isso, como o homem do início do séc. XXI.
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Vimos, nesse paralelo entre os dois estilos, quanta influência a arte revolucionária do Barroco
proporcionou ao Expressionismo. Influências que vão desde o trato da cor, do movimento, da
expressão até o trato do caráter questionador e social.
O paradigma da dor, o que a arte retratou, é de caráter social no estilo Barroco, e é de caráter
existencial no estilo Expressionista.
O paralelo traçado merece, assim, um aprofundamento e um tempo hábil maior de estudo, que,
em outra oportunidade, poderá ser efetivado... para além dessas poucas linhas.
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programa, na forma de artigos, revisões, comunicações, notas prévias, resenhas e traduções, que
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2-
Os trabalhos podem ser redigidos em português, espanhol, inglês, italiano ou francês.
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5-
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7-
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8-
Os artigos devem ser acompanhados de abstract e resumo de 10 linhas, no máximo, e de palavraschave, em português e em inglês.
9-
As resenhas não devem exceder a sete páginas.
10- Abaixo do nome do autor e/ou co-autores deverá constar a instituição à qual se vincula e o
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11- As traduções devem vir acompanhadas do texto original e da competente autorização do autor.
12- Caso o artigo seja resultante de uma pesquisa contemplada com auxílio financeiro, a instituição
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13. Os trabalhos devem ser apresentados em disquete e em duas vias impressas. O programa utilizado
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15. Cabe à Comissão Editorial a decisão referente à oportunidade da publicação das contribuições
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SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo. Tradução, edição, Cidade: Editora,
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