Dano ambiental provocado por espécies exóticas... Naida
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Dano ambiental provocado por espécies exóticas... Naida
DANO AMBIENTAL PROVOCADO POR ESPÉCIES EXÓTICAS: A VIOLAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO Naida Dellamora Degrazia1 RESUMO: O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está positivado na Constituição Brasileira, alçado à categoria de direito fundamental, essencialmente ligado ao princípio da dignidade humana. Evidencia-se, entretanto, grande dificuldade em tornar efetivo esse direito. Através de uma ótica desenvolvimentista, que entende o desenvolvimento como sinônimo de obtenção de lucros, visualizam-se processos de intensa degradação ambiental, entre os quais desponta a silvicultura com espécies exóticas. Nas décadas passadas, embora já existissem boas leis ambientais mesmo antes do advento da Constituição de 1988, o poder público falhou com relação à escolha das políticas ambientais adequadas, ainda que com intenção de diminuir o desmatamento. Assim, os vários delitos ambientais foramse multiplicando, e as espécies exóticas, altamente predatórias, constituem um dos principais exemplos. Resta à coletividade, através de suas associações e principalmente do Ministério Público, recorrer aos meios que a própria Constituição disponibiliza para tentar reverter a situação. Palavras-chave: direitos fundamentais, meio ambiente, espécies exóticas, pinus, dano ambiental 1 Médica, acadêmica de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público 2 INTRODUÇÃO A ponderação entre os princípios que norteiam nossa Constituição Federal, de forma a garantir tanto quanto possível o respeito aos direitos fundamentais, tem sido o grande desafio apresentado aos operadores do Direito. Já não se trata apenas de examinar as situações de conflito individuais, procurando descobrir com quem está a razão e tomar a melhor decisão, que irá beneficiar uma ou outra parte. No momento em que se começou a dar ênfase aos direitos sociais, de segunda geração, e posteriormente os direitos difusos de terceira geração, aí se incluindo os direitos ambientais, as variáveis da equação tornaram-se muito mais complexas. Em se tratando de meio ambiente, não está em jogo somente ganhar ou perder uma causa: trata-se de dar efetividade ao princípio constitucional que assegura a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado, “impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.2O termo “impondo” utilizado no artigo é taxativo: não é apenas desejável que se preserve o meio ambiente, é necessário, é imperativo que o façamos. Após discorrer brevemente sobre direitos e garantias fundamentais atinentes ao escopo deste trabalho, apresentaremos um panorama da situação ambiental no Brasil e particularmente no Rio Grande do Sul, detendo-nos sobre a silvicultura com espécies exóticas e os malefícios por elas causados, com isso evidenciando-se a violação do direito a um ambiente sadio e equilibrado, tanto por parte de particulares como do poder público, tanto por ações como por omissões. DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS: No título II da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais, vemos, no art.5°, XXII: “é garantido o direito de propriedade”, e, logo a seguir, no inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”. Além disso, o art.170, em seu caput, refere-se à ordem econômica, fundada no trabalho humano e na livre iniciativa, de forma a assegurar a todos existência digna e conforme os ditames da justiça social. Entre os vários incisos do art.170, destacamos o III e o VI, que tratam respectivamente da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente. Mais adiante, na conceituação de função social da propriedade rural, temos o art.186, (do qual nomearemos os incisos I e II) que diz: “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.3 A Constituição Federal de 1988 emprestou especial importância à matéria relativa aos direitos fundamentais, dando espaço relevante para o princípio fundamental da dignidade humana, mas também consagrando, no seu artigo 225, a proteção ambiental, cotejando o exercício dos direitos individuais com a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado4, sendo a universalização dos direitos individuais, sociais e difusos uma de suas características. Quando o artigo 225 usa a expressão “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” quer dizer que o direito ao meio ambiente equilibrado é de cada um, como ser humano, porém alarga a abrangência da norma; ao não particularizar de quem é especificamente o direito, evita excluir seja quem for5. Se, por um lado, assegura-se o direito fundamental de propriedade, também se podem estabelecer condições limitantes ao exercício desse direito, no sentido de atender aos direitos fundamentais socioambientais, representados por normas que assegurem o equilíbrio ecológico, ou seja, o ser humano só obterá um estado de bem-estar e de equidade na medida em que lhe seja assegurado o direito fundamental de viver num ambiente ecologicamente equilibrado6. Na interação homem-ambiente, dois paradigmas deverão ser analisados: o paradigma antropocêntrico-utilitarista, impondo seus valores histórico-culturais, econômicos e sociais, e colocando o homem como o centro da natureza, a qual estaria a seu serviço. Os bens naturais, assim, são convertidos em matérias-primas no processo de produção ou serviriam para satisfação do ser humano. De acordo com essa visão, a proteção aos bens da natureza estaria limitada apenas à sua qualidade ou ao seu valor de mercado.7 Por outro lado, o paradigma biocêntrico procura fazer da natureza um sujeito de direitos, e não objeto de direitos, e o ser humano seria uma espécie como qualquer outra, todas elas com o mesmo direito de proteção. Embora biologicamente isso seja um fato, as dificuldades práticas se fazem sentir para seguir rigidamente esse modelo, o que fatalmente levaria a distorções. Na realidade, não há como não admitir a posição central ocupada pelo homem, porém, concomitantemente, é preciso enfatizar sua responsabilidade para com a natureza, reconhecendo-lhe o valor intrínseco8. O caput do art.225 é antropocêntrico, vez que o ser humano continua a ser a finalidade última da proteção jurídica ao nomear o direito ao 2 Constituição da República Federativa do Brasil, art.225, caput, segunda parte Idem ibidem. Arts. 5°, XXII e XXIII, 170, caput e incisos III e VI, 186, I e II. 4 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização – Ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 98. 5 MACHADO Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ª. Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2009, p.127. 6 Idem ibidem. p.59. 7 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental. As Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004. p.14. 8 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental. As Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004. p.100 3 3 meio ambiente equilibrado como um direito fundamental da pessoa, sendo forma de preservar-lhe a vida e a dignidade9, pois a destruição ambiental no mundo compromete a possibilidade de uma existência compatível com a dignidade humana, colocando em risco a própria vida humana. O referido artigo adota ainda a ética da solidariedade entre as gerações, uma vez que as atuais gerações não podem usar o meio ambiente de forma a trazer a escassez e a debilidade para as gerações vindouras.10 Não há como negar a temática da valorização ambiental trazida pelo art.225 o qual reconheceu o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana. Com isso, consolidou-se a autonomia do bem jurídico ambiental, tutelando-o de forma explícita e independente de outros valores constitucionais, mesmo que somado à tutela da qualidade de vida.11 Entretanto, a ideia de desenvolvimento como crescimento econômico é insustentável, pois uma economia não pode crescer sempre. Sendo impossível retirar da legislação ambiental o termo desenvolvimento, deve-se interpretá-lo como “utilização sustentável dos recursos ambientais”.12 No intuito de compatibilizar a defesa do meio ambiente com o desenvolvimento econômico e a propriedade privada com sua função socioambiental, o Estado é chamado a cumprir seu papel, com uma política de regulação estatal das atividades passíveis de provocar danos ambientais.13 Um problema que pode ser encontrado, tanto em países capitalistas como socialistas, é o modelo de desenvolvimento que tem como fulcro a produção a qualquer preço, sem levar em consideração os impactos ambientais. Consequentemente, verifica-se a degradação ambiental resultante de um conflito entre ecologia e economia. Há várias formas de o Estado não cumprir sua função de fazer valer o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, seja através de concessões dos bens públicos à iniciativa privada, sem o devido controle e fiscalização, seja através de políticas de incentivos fiscais a atividades econômicas que não contemplem o desenvolvimento sustentável ou o interesse socioambiental.14 Em que pese a positivação do direito ao meio ambiente equilibrado, tão bem representada pela art.225 da Constituição, na prática tem-se constatado que a compatibilização entre preservação ambiental e desenvolvimento econômico suscita numerosos problemas, ensejando graves situações de conflito e problemas de difícil equacionamento. Apesar da indiscutível qualidade de nossas lei ambientais, com relação a múltiplos aspectos, como proteção de ecossistemas, controle e zoneamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, incentivo à pesquisa e estudo para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais, recuperação de áreas degradadas, proteção de áreas ameaçadas de extinção, educação ambiental, entre outras, a tendência a desrespeitar a vida tende a acentuar-se, atentando contra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.15 DIREITO À AÇÃO JUDICIAL EM CASO DE DANO AO MEIO AMBIENTE: Dois tipos de ações judiciais são passíveis de utilização em caso de dano ao ambiente: a ação popular ambiental e a ação civil pública ambiental. A primeira está prevista no art.5°, LXXIII da Constituição Federal, e pode ser intentada por qualquer cidadão, sempre que haja ato lesivo ao patrimônio público, moralidade administrativa, meio ambiente e patrimônio artístico e cultural. A ação popular, embora pleiteie direitos subjetivos, não se funda em um interesse próprio do indivíduo, senão que em favor da coletividade. Por outro lado, a ação civil pública está prevista apenas de forma indireta no art.129, III da Constituição Federal, como função institucional do Ministério Público, porém já havia sido instituída pela Lei 7.347/1985, tendo sido confirmado seu delineamento constitucional através das funções conferidas ao Ministério Público, embora este não guarde o monopólio de figurar com autor desse tipo de ação, a qual também pode ser intentada por terceiros.16 9 Idem ibidem, p.14 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ª. Ed. São Paulo, Malheiros Editores 2009, p.134 11 STEIGLEDER, Annelise Monteiro de. Op.cit., p.104. A autora refere que o art.225 colocou o Brasil em posição de vanguarda quanto à proteção ambiental, em termos de dogmática jurídica. Acrescenta ainda, citando autores como Peter Ashton, Eckhard Rehbinder e Antônio Herman Benjamin, que diversos países, como Estados Unidos, França, Itália e Alemanha, ainda não dispõem de normas constitucionais voltadas para a proteção ambiental, cabendo aos intérpretes extrair um princípio de defesa do ambiente a partir de outros princípios ou direitos. 12 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: Ambiente e Direito no limiar da vida. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.126 13 Paulo Affonso Leme Machado refere que o Poder Público não significa somente o Poder Executivo, como também o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, devendo estar todos eles engajados na missão de preservar o meio ambiente. O autor entende também que os constituintes fizeram um chamamento aos grupos sociais para fazerem parte dessa luta, como as organizações não governamentais e as organizações da sociedade civil de interesse público; entende também que o texto constitucional deveria ter, ainda, dado ênfase ao dever dos indivíduos na preservação e defesa do meio ambiente 14 STEIGLEDER, Annelise Monteiro de. Op.cit. p.53 15 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, apud AZEVEDO, Plauto Faraco de, em Ecocivilização, p.99-100. Nesse sentido, Plauto Faraco de Azevedo refere que, apesar do grande número de leis ambientais, e em que pese sua qualidade, a impressão maior é de ineficácia dos dispositivos constitucionais, que na verdade são muito pouco aplicados. 16 CONSTITUIÇÃO FEDERAL, arts.5°, LXXIII e 129, III 10 4 INTERESSES ECONÔMICOS E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL: A DESTRUIÇÃO DA MATA NATIVA PROVOCADA PELO PLANTIO DE ÁRVORES EXÓTICAS EM LARGA ESCALA Antes de mais nada, é preciso conceituar espécies exóticas invasoras: estas são constituídas por organismos vivos (fungos, plantas, animais, bem como seres vivos microscópicos) que se encontram fora de sua área natural de distribuição devido à dispersão acidental ou intencional. Por meio do processo de contaminação biológica, essas espécies se naturalizam e passam a alterar o funcionamento dos ecossistemas nativos.17 Segundo o Instituto de Recursos Mundiais; União Mundial para a Natureza; Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 1992, “espécies exóticas são aquelas que ocorrem numa área fora de seu limite natural historicamente conhecido, como resultado de dispersão acidental ou intencional por atividades humanas”. De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), “espécie exótica” é toda espécie que se encontra fora de sua área de distribuição natural. “Espécie exótica invasora”, por sua vez, é definida como sendo aquela que ameaça ecossistemas, habitats ou espécies. Essas espécies, por suas vantagens competitivas e favorecidas pela ausência de predadores e pela degradação dos ambientes naturais, dominam os nichos ocupados pelas espécies nativas, notadamente em ambientes frágeis e degradados.18 Os contaminantes biológicos tendem a se multiplicar e disseminar, gradativamente, dificultando a autoregeneração dos ecossistemas. Por esse motivo, a contaminação biológica é também denominada de poluição biológica (Westbrooks, 1998, apud Espindola, Bechara, Bazzo e Reis).19 Para Ziller20, o conceito de espécies exóticas refere-se à ocupação fora dos espaços naturais, independentemente da divisas políticas de países ou Estados, isto é, espécies brasileiras de um ambiente podem ser exóticas em outros, ainda que dentro das mesmas fronteiras políticas. Por outro lado, de acordo com a mesma autora, as espécies exóticas invasoras são aquelas que, uma vez introduzidas em outros ambientes, adaptam-se e reproduzem-se a ponto de substituírem espécies nativas e alteram processos ecológicos naturais, tornando-se dominantes após um período mais ou menos longo. As espécies exóticas invasoras são consideradas a segunda causa de redução da biodiversidade no mundo, atrás apenas da perda de habitats por intervenção humana. Apropriam-se competitivamente do espaço, da água e dos alimentos das espécies nativas.21 Ziller ainda refere que a colonização européia foi a maior responsável pela introdução de espécies exóticas nos demais continentes. A introdução proposital de espécies exóticas, em todo o mundo, deveu-se a vários motivos, entre os quais obtenção de produtos alimentares diversos e de maior valor econômico, gosto pelo cultivo de plantas ornamentais, produção florestal, experimentação científica, usos medicinais, etc. Entretanto, foi possível constatar que as plantas invasoras também causam impactos sobre áreas de produção econômica, pois competem por luz, água e nutrientes, limitando as opções de rotação de culturas e práticas culturais e perdas de qualidade em plantas cultivadas em função da contaminação de colheitas. Também agem como vetores de outras pragas, gerando necessidades adicionais de limpeza e processamento de colheitas, aumentam o consumo de água em culturas irrigadas, aumentam custos de produção e reduzem o valor da terra.22 A utilização de espécies exóticas tem colocado em risco a integridade dos ecossistemas brasileiros, comprometendo sua função ecológica e provocando a extinção de espécies.23 No Brasil, as espécies mais freqüentes, aqui introduzidas na década de 50, são as plantas coníferas do gênero Pinus, trazidas para a produção de madeira de reflorestamento, e até hoje aqui mantidas sem preocupações ambientais. O cultivo de Pinus foi saudado como solução econômica, e as agências governamentais, ao mesmo tempo em que recomendavam esse cultivo através de incentivos 17 Entre as formas como se manifestam essas alterações, são citadas alterações em propriedades ecológicas essenciais tais como ciclagem de nutrientes, cadeias tróficas, taxas de decomposição, processos evolutivos e relações entre polinizadores e plantas. Podem mudar a adequação do hábitat para espécies animais, alterar características físicas do ecossistema como erosão, sedimentação e mudanças no ciclo hidrológico, no regime de incêndios e no balanço energético e reduzir o valor econômico da terra e o valor estético da paisagem, comprometendo seu potencial turístico. 18 De acordo com informação do Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) as espécies exóticas invasoras já contribuíram, desde o ano 1600, com 39% de todos os animais extintos cujas causas são conhecidas. Acrescenta ainda o CDB que mais de 120 mil espécies exóticas de plantas, animais e microorganismos já invadiram os Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Índia, África do Sul e Brasil. Considerando-se o número de espécies que já invadiram esses seis países estudados, estimou-se que um total aproximado de 480 mil espécies exóticas já foram introduzidas nos ecossistemas da Terra. Cerca de 20 a 30 % dessas espécies são consideras pragas e são as responsáveis pelos grandes problemas ambientais enfrentados pelo homem. Informações do Secretariado da CDB alertam também para os custos da prevenção, controle e erradicação de espécies exóticas invasoras, concluindo que os danos para o meio ambiente e para a economia são significativos, atingindo cifras que se aproximam dos 250 bilhões de dólares. 19 ESPINDOLA, M.B., BECHARA, F.C., BAZZO, M.S., REIS, A. Recuperação ambiental e contaminação biológica: aspectos ecológicos e legais.Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Botânica, 2004. 20 ZILLER, Silvia Renate. Plantas exótica invasoras: a ameaça da contaminação biológica. Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas e da Auto-sustentabilidade (Ideaas), PR.Ciência Hoje, 2001. 21 Em estudos realizados por Versfeld e Van Wilgen, em 1986, citados por Ziller, realizaram-se, na África do Sul, comparações volumétricas de vazão entre vegetação herbáceo-arbustiva original e áreas invadidas por exóticas arbóreas. Constatou-se redução de volume de 52% em área de Pinus pátula com 29 anos de idade e de 100% em área de Eucallyptus grandis com 5 anos. Constatou-se também perda da diversidade nas áreas invadidas, com redução da cobertura da vegetação original (redução de 74% para 19%), bem como 750 espécies ameaçadas de extinção. 22 ZILLER,Silvia Renate, Os processos de degradação ambiental originados por plantas exóticas invasoras. Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental. Disponível em: HTTP://institutohorus.org.br/download/artigo/Ciencia%20Hoje.pdf. Acesso em: 05/04/2011. 23 ESPINDOLA et al. A recuperação ambiental e contaminação biológica:aspectos ecológicos e legais. UFSC, Departamento de Botânica, 2004. 5 fiscais (Decreto-Lei n° 1134/70), não faziam nenhuma menção à necessidade de controle de sua dispersão, até por falta de conhecimento técnico. Dados publicados pela revista Direito dos Humanos, da Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná, em junho de 2010, dão conta de que o Paraná ocupa o primeiro lugar no cultivo de florestas de Pinus, com 701.578 hectares, seguido por Santa Catarina, com 548.037, e Rio Grande do Sul, com 182.378 hectares. No Estado do Rio Grande do sul, embora seja menor a área infestada pelo Pinus, não há o que comemorar: as empresas de celulose Stora Enzo (sueco-finlandesa) e Aracruz Celulose já plantaram cerca de 8 mil hectares de eucaliptos, boa parte deles no pampa gaúcho. O argumento dessas empresas é o desenvolvimento econômico, tendo havido grande pressão sobre a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), responsável pelo zoneamento ambiental da silvicultura, para que apressasse o licenciamento ambiental necessário.24 Segundo Madeira (2007), o IBAMA/RS, por meio de seu grupo de trabalho do Bioma Pampa, analisou e emitiu parecer favorável ao Zoneamento proposto pela FEPAM e FZB (Fundação Zoobotânica), em que pesem alguns pontos passíveis de serem aperfeiçoados. Esse Zoneamento buscava justamente garantir que o modelo de desenvolvimento em torno da silvicultura fosse implantado de forma planejada, duradoura e sustentável. Argumentos falaciosos colocaram geração de empregos e interesses sociais em campos opostos à preservação ambiental, pois há grande interesse econômico em transformar a região do Pampa em pólo mundial para o plantio de eucaliptos e produção de celulose.25 No tocante ao controle de espécies exóticas invasoras, Ziller (2001) enfatiza não haver efetividade na realização de operações pontuais de controle, pois as invasões biológicas não são fenômenos que possam ser limitados por fronteiras políticas ou fundiárias, e só se resolverão pela interferência humana persistente. Concepções errôneas na escolha de processos para restauração de áreas degradadas levaram ao uso de espécies exóticas invasoras em décadas passadas, a ainda hoje verificamos o avanço de invasões biológicas em áreas sob proteção legal, como florestas ciliares e margens de rodovias. Em muitas áreas, essas espécies ainda persistem, devido a fatores que vão desde o desconhecimento do assunto até a hesitação em executar a remoção, tanto por parte dos responsáveis pelo manejo no campo quanto pelos órgãos ambientais que fazem o licenciamento. Segundo a autora, espécies não nativas (exóticas) de um ecossistema tendem a causar grandes danos ao meio ambiente, pois crescem de forma exponencial quando se tornam invasoras, e os impactos negativos sempre são superiores a algum possível benefício. Assim, cumpre aqui utilizar a lógica do princípio da precaução, que deverá ditar a aplicação da lei ambiental no Brasil. DANO AMBIENTAL PROVOCADO PELA ESPÉCIE EXÓTICA PINUS ELLIOTII NO PARQUE NACIONAL DA LAGOA DO PEIXE E EM SEU ENTORNO. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA: O Parque Nacional da Lagoa do Peixe foi criado pelo Decreto Federal n°9546, de 06 de novembro de 1986. Destaca-se entre seus objetivos a proteção de amostras dos ecossistemas litorâneos da região da Lagoa do Peixe e, particularmente, das espécies de aves migratórias que dela dependem para seu ciclo vital. O parque está localizado no segmento mediano da Planície Costeira do Rio Grande do Sul, entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico, e situa-se nos municípios de Mostardas e Tavares. A importância ambiental da área do Parque fez com que, no ano de 1991, a Unidade de Conservação passasse a receber especial proteção internacional, adquirindo relevância mundial na conservação de aves migratórias. O Plano de Manejo refere que o florestamento com espécies de Pinus ssp, introduzido a partir da década de 70, ocupa uma área expressiva, com mais de 21 000 ha.A espécie mostrou-se altamente invasora, apresentando crescimento descontrolado, a ponto de descaracterizar totalmente a paisagem da região. Em função do desequilíbrio ecológico resultante, portanto da violação de um direito fundamental, o Ministério Público Federal entrou com uma Ação Civil Pública, visando a que os órgãos ambientais, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tomem medidas efetivas para a erradicação dessas espécies, tanto no Parque como no seu entorno. A tarefa não é simples, pois a erradicação terá de ser feita de forma criteriosa, principalmente levando em conta a fragilidade do ambiente, composto por sistemas de dunas, banhados e borda de lagoa, sendo que as dunas, pela presença do pinus, modificaram sua morfologia. Na Ação Civil Pública em comento são enumerados os graves danos ambientais causados pelas espécies exóticas Pinus sp e, em menor grau, Eucalyptus sp à Unidade de Conservação, visto que essas espécies propagam-se com facilidade, ampliando-se para além das áreas de plantio comercial e entrando em competição com a flora nativa. Dentre muitos, citaremos alguns: redução da regeneração da flora nativa, redução dos recursos alimentícios e habitats para a fauna, alteração do ph do solo, perda de nutrientes e fertilidade do solo, riscos de incêndios florestais, perda de patrimônio genético, empobrecimento e depreciação das paisagens, prejuízos ao turismo e à atividade econômica diversificada, rebaixamento dos níveis do lençol freático, trazendo como conseqüência o ressecamento das áreas úmidas (banhados) e situações recorrentes de escassez de água que vêm afetando a região. A contaminação por Pinus sp é 24 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização, p.89 MADEIRA, Marcelo Machado. Zoneamento da Silvicultura no Rio Grande do Sul: em artigo publicado em 20/08/2007, o autor adverte para os graves impactos que poderão advir do plantio indiscriminado de eucaliptos e produção de celulose, em uma região que já perdeu cerca de 60% de sua vegetação nativa original, a exemplo do que já aconteceu em outros Estados brasileiros com relação à Mata Atlântica. 25 6 resultante da disseminação espontânea das áreas plantadas, devido à falta de manejo responsável pela empresas que realizam o plantio. O Plano de Manejo do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, inclusive, já previa “eliminar ou substituir os talhões de Pinus spp da área do Parque”, “eliminar toda e qualquer espécie exótica da área do Parque” e “eliminar todas as mudas invasoras”. Entretanto, devido à agressividade da espécie, o quadro agravou-se, inclusive com o crescimento da atividade econômica do reflorestamento, alternativa que também passou a ser utilizada por pequenos produtores. CONCLUSÃO: Apesar do grande avanço normativo representado pela Constituição Federal quanto à questão ambiental, o Brasil tem um histórico nada invejável em termos de provocação de danos ambientais graves e sistemáticos, o que encerra um paradoxo; isto ocorre porque as normas constitucionais representam paradigmas a serem seguidos, ainda que possam parecer inatingíveis. A fiscalização mais rígida e a punição efetiva dos delitos ambientais é uma medida que se impõe, porém não se pode prescindir de políticas de educação ambiental, com o escopo de mudar a cultura predatória imperante que tem o lucro como sua principal finalidade, mesmo que muitas vezes disfarçado de atendimento às necessidades sociais. Não se pode negar que o estabelecimento e o manejo de florestas plantadas com pinus vem possibilitando o abastecimento de madeira que, anteriormente, era suprido com a exploração do corte de árvores nativas. Apesar desse elogiável objetivo, não foi contabilizada a possibilidade de a espécie vir a causar danos ambientais de tal magnitude, uma vez que não encontrou aqui nenhum competidor e/ou predador à sua altura, mas, pelo contrário, condições altamente favoráveis, não só à sua sobrevivência como à sua disseminação predatória. No caso específico dos reflorestamentos por espécies exóticas, os estudos comprovando os danos ambientais por elas provocados já estão bastante adiantados. Ainda que faltassem dados para essa comprovação, o que não é o caso, o princípio da precaução deverá ser seguido, recomendando o máximo de cautela em seu manejo, de modo que, gradativamente, possam ser encontradas outras alternativas de desenvolvimento que sejam menos agressivas ao meio ambiente. A Ação Civil Pública que mencionamos anteriormente encontra-se em andamento, e os efeitos positivos de seus desdobramentos deverão render frutos, culminando com a descontaminação da região. Crescimento e geração de empregos são metas louváveis a serem alcançadas, desde que venham acompanhadas de uma boa qualidade de vida para toda a população. Qualidade de vida, entretanto, está longe de ser sinônimo de consumismo; antes de mais nada, é dispor de um meio ambiente sadio e equilibrado, direito inalienável de todos. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização – Ambiente e direito no limiar da vida. 2ª.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 3ª.ed. São Paulo, Saraiva, 2010. CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica). Disponível em: <http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=174/>. Acesso em 05/04/2011. ESPINDOLA, M.B.; BECHARA, F.C.; BAZZO, M.S.; REIS, A. Recuperação ambiental e contaminação biológica: aspectos ecológicos e legais. Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Botânica, 2004. FEMPAR (Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná). Artigo: Código Florestal: um debate sobre o futuro ambiental do Brasil. Jun. 2010. MADEIRA, Marcelo Machado. Zoneamento da Silvicultura no Rio Grande do Sul. Artigo. In: ambiente Brasil, 20/08/2007 Disponível em: <http://www.portoweb.com.br/webmailPW/dmailweb.exe?cmd=item-96d90713229e6c8>. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ª.ed. São Paulo, Malheiros, 2009. PARQUE NACIONAL DA LAGOA DO PEIXE – Plano de Manejo Disponível em: <www.furg.br/furg/projet/pnlpeixe.htm>. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: As Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Ação Civil Pública. Justiça Federal, Vara Ambiental, Porto Alegre. Abr.2006. ZILLER, Silvia Renate. Plantas exóticas invasoras: a ameaça da contaminação biológica. Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas (Ideaas), PR. 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