Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO

Transcrição

Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Alquimy Art
Curso de Especialização em Arteterapia
Pós-Graduação lato sensu
CRIAR E CRESCER
ARTETERAPIA NO TRABALHO CLÍNICO PSICOPEDAGÓGICO
Miriam Celeste Teles Cohim Silva
Aracaju, SE
2008
MIRIAM CELESTE TELES COHIM SILVA
CRIAR E CRESCER
ARTETERAPIA NO TRABALHO CLÍNICO PSICOPEDAGÓGICO
Monografia apresentada à FIZO – Faculdade
Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art, SP,
como parte dos requisitos para obtenção do título
de Especialista em Arteterapia.
Orientador:
Allessandrini
Profa.
Aracaju, SE
2008
Dra.
Cristina
Dias
SILVA, Miriam.
CRIAR E CRESCER: Arteterapia no trabalho clínico
psicopedagógico. Miriam Celeste Teles Cohim Silva – Osasco; [s.n.], 2007
42p.
Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO,
Faculdade Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP.
1. Oficinas Criativas®. 2. Brincar. 3. Cuidado. 4. Aprender.
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Alquimy Art
CRIAR E CRESCER
Arteterapia no trabalho clínico psicopedagógico
Monografia apresentada pela aluna Miriam Celeste Teles Cohim Silva ao curso
de Especialização em Arteterapia em 28 de novembro de 2008 e recebendo a
avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores:
Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Orientadora e Coordenadora da
Especialização
Profa. Cássia de Fátima Souza, Coordenadora Local e Supervisora
Profa. Margaret Bateman Pela, Leitora Crítica
Este trabalho é dedicado a todos aqueles que não
tiveram uma “escola suficientemente boa”.
Agradecimentos
Agradeço ao Colégio Anchieta, pelo apoio e, aos amigos Nídia e Aurélio pelo
acolhimento amoroso em Aracaju.
Às Professoras Cristina Dias Allessandrini e Cássia de Fátima Souza pelo
incentivo e estímulo durante todo o curso.
A todas as minhas colegas por tudo que aprendemos juntas e, especialmente, a
Susy, minha companheira de idas e vindas.
A arte diz o indizível, exprime o inexprimível, traduz o intraduzível.
Leonardo da Vinci
RESUMO
A presente monografia apresenta o trabalho clínico psicopedagógico que foi associado a um
trabalho arteterapêutico. Inicialmente traz o relato da trajetória da autora no vislumbre desta
possibilidade e do seu percurso à procura de comprovar o seu pressuposto com as Oficinas
Criativas®, ressaltando os aspectos psicológicos e lúdicos que esta metodologia proporciona,
relacionando-os com a teoria psicanalítica de D. W. Winnicott. Ao final será apresentada a
fundamentação teórica que a autora pesquisou durante esse caminho e a sua experiência
durante o estágio, relatando o processo de uma das crianças atendidas, a qual será chamada de
GPS, criando, crescendo e aprendendo.
Palavras chave: Oficinas Criativas®, brincar, cuidado, aprender.
ABSTRACT
This paper depicts the clinical psychopedagogical work which was associated to an art
therapeutic work. It initially shows the report of the author’s trajectory aiming at this
possibility and of her path in the seek for proving her suppositions with the Oficinas
Criativas®, highlighting the psychological and ludic aspects this methodology can provide,
relating them to D. W. Winnicott’s psychoanalytical theory. In the end it will be showed the
theoretical foundation the author researched during this path and her experience during the
output sessions, reporting the process of one of the children assisted, who will be called GPS,
creating, growing and learning.
Key words: Oficinas Criativas®, play, care, learn.
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................................
08
ABSTRACT.....................................................................................................................
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1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................
11
2. OBJETIVO..................................................................................................................
13
3. ARTETERAPIA E PSICOPEDAGOGIA..................................................................
14
4. OFICINAS CRIATIVAS®..........................................................................................
17
5. O “BRINCAR” DE WINNICOTT.............................................................................
19
6. O BRINCAR E O APRENDER NA OFICINA CRIATIVA®...................................
22
6.1. Relacionando as etapas das Oficinas Criativas® com a Teoria de Winnicott....
23
7. ESTUDO DE CASO: GPS – CRIANDO, CRESCENDO E APRENDENDO..........
26
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................
40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................
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1. Introdução
Esta monografia traduz o resultado de uma busca em tornar o atendimento
psicopedagógico mais eficiente, interessante e, conseqüentemente, mais ágil com crianças e
adolescentes, uma vez que este público quase sempre se mostra resistente e entediado com os
processos terapêuticos convencionais e longos.
Durante o estágio no curso de Psicopedagogia (ano 2000), verifiquei que as sessões
clínicas eram muito mais estimulantes quando era usado algum recurso artístico, tais como,
desenhar, pintar, ouvir música, entre outros, e conseqüentemente, tornavam-se mais produtivas.
Já no meu trabalho final da pós-graduação em Psicopedagogia, apesar de ter cursado a
disciplina Arteterapia, mas sem a consciência da verdadeira importância da arte no atendimento
psicopedagógico, abordei a “Importância do letramento antes do processo de alfabetização para
despertar o interesse para a leitura e a escrita”, dando ênfase à leitura de histórias infantis,
principalmente devido às ilustrações coloridas, ao desenvolvimento da criatividade, por despertar
o desejo de aprender a ler, e a sensação de “brincadeira” que isto significava.
Na continuidade ao atendimento clínico individual e no trabalho em grupo na escola,
constato a boa aceitação das crianças e adolescentes à proposta dos trabalhos com arte.
Procuro, na bibliografia do curso de Psicopedagogia, uma conexão entre esta e a
Arteterapia e encontro as Oficinas Criativas® de Cristina Allessandrini confirmando que o
trabalho terapêutico com as mesmas estimula o autoconhecimento, a criatividade, a expressão das
questões internas, a melhoria das relações sociais e serve como elo entre os diferentes campos do
conhecimento. A partir daí sigo em busca da pós-graduação em Arteterapia, mesmo sem ter
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nenhum envolvimento com qualquer curso de Arte, anteriormente.
Durante a pós-graduação, percebo o quanto posso relacionar o meu trabalho com a Teoria
Psicanalista de Winnicott, com a qual tive o primeiro contato desde 1995, quando, morando em
São Paulo, fazia um trabalho voluntário com crianças em situação de risco.
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2. Objetivo
Este trabalho visa a abordar a utilização e eficiência do trabalho psicopedagógico
associado ao trabalho arteterapêutico com a metodologia das Oficinas Criativas®, relacionando
com o “brincar” da teoria de Winnicott.
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3. Arteterapia e Psicopedagogia
Arteterapia pode ser definida como o uso de linguagens artísticas e da criatividade em
trabalhos terapêuticos, o que proporciona o desenvolvimento da aprendizagem a partir de um
trabalho expressivo e criativo, tornando-se importante na expressão da atividade cognitiva
(URRUTIGARAY, 2006)
Segundo Allessandrni (1996, pág. 32): “O processo de conhecimento vivenciado por
meios de experiências artísticas permite que o indivíduo simbolize suas percepções do mundo,
especialmente quando não consegue expressar-se verbalmente, pela linguagem oral ou escrita.”
Celso Pedro Luft define “aprender” como “ficar sabendo, conhecendo”. É preciso, no
entanto, ressaltar que “só há saber pelo caminho que leva a ele e só há conhecimento na
apropriação de que dele faz o sujeito” (MEIRIEU, 1998). A associação do trabalho
arteterapêutico na clínica psicopedagógica, não se trata de usar a arte pela arte, ou a arte apenas
para facilitar a aprendizagem, mas, principalmente, da arte integrada à psicopedagogia numa
relação de ajuda, uma vez que aquela viabiliza diferentes maneiras de transmitir uma mensagem
através da expressão das questões internas, aproveitando todas as possibilidades de contato com
as emoções e o conhecimento.
Na clínica psicopedagógico, é comum receber crianças e adolescentes que possuem
dificuldade de aprendizagem simplesmente por não conseguirem criar no imaginário, não
conseguir abstrair, não sendo possível aprender.
O trabalho clínico psicopedagógico inicia-se com vista na busca da criança em estabelecer
uma relação com a sua aprendizagem. Com a Arteterapia associada à Psicopedagogia, o
conhecimento não é adquirido de forma passiva e/ou reprodutora, e sim de forma criativa,
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possibilitando à criança o encontro com a autoria do seu pensamento, que é a maior forma de
garantir a aprendizagem. Este é o grande diferencial da Arteterapia das outras abordagens
terapêuticas: o fato de que para a pessoa que cria, o seu trabalho é sempre surpreendente e este se
torna uma possibilidade de reflexão, dando novas perspectivas para o seu “olhar”.
Aprender significa aquisição de novos conhecimentos, para construir novos saberes, estes,
de sua autoria. Isto só acontecerá se considerarmos que cada um transforma o conhecimento do
seu jeito e no seu tempo, pois tudo depende da sua inserção na sociedade, na cultura, dos
conhecimentos dos símbolos desta cultura e das outras pessoas. É muito importante o cuidado ao
avaliar as diferenças nos trabalhos e produções de cada sujeito, para não impormos padrões. Para
Ferre, “o desafio, portanto, é possibilitar a expressão mais criativa e fértil de seres humanos
verdadeiros” (apud FAGALI, 2007, p.3).
Acreditamos que a atitude de CUIDADO é o centro de potencialização para aprender.
Como disse Leonardo Boff (1999, p.33),
O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato;
é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de
desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de
responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.
O conhecimento não é adquirido só pelo intelecto. Piaget quando fala sobre o jogo
simbólico, quer dizer que , uma criança enquanto brinca com um pedaço de pau de madeira entre
as pernas e sai correndo, dizendo estar montando um cavalo, significa que ela está substituindo
um cavalo, enquanto coisa, por outro objeto capaz de representá-lo na brincadeira. Isto, do ponto
de vista do desenvolvimento cognitivo significa que a criança já sabe que os objetos existem fora
delas e de suas ações, e que já construiu uma imagem mental (uma idéia) que lhe permite
representar o objeto tornando-o presente na ausência de uma ação concreta (PIAGET, apud
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LIMA, 2000, p. 79). Neste momento a criança precisa abstrair para dar significado ao “cavalo
pedaço de pau”. A apreensão intuitiva da existência de um cavalo naquele pedaço de pau é que
vai dar vida ao mesmo, permitindo à criança cavalgar, alimentar e competir com o seu “cavalo“.
Arnheim afirma que “A intuição e o intelecto são dois processos cognitivos” sendo
cognição “a aquisição de conhecimento no sentido mais amplo do termo” (2004, p.13). Podemos
então afirmar que a arte é um processo cognitivo.
A Arteterapia, portanto, vai atuar possibilitando colocar para fora os conteúdos internos, e
despertando a ação criativa do indivíduo, favorecendo a construção de um ambiente propício à
aprendizagem. A escolha das cores, dos temas, do material, como por exemplo, o contato com a
argila, massa fria e úmida, sem forma definida, tudo isso faz parte de um processo de “despertar”
a consciência (URRUTIGARAY, 2006).
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4. Oficina Criativa®
A Oficina Criativa® é uma proposta de atendimento individual ou grupal, composta de
cinco etapas definidas, a sensibilização, a expressão livre, a elaboração da expressão, a
transposição de linguagem e a avaliação, onde o indivíduo, através de uma expressão artística, vai
expressar os seus conteúdos internos (ALLESSANDRINI, 1996).
A sensibilização, como o próprio nome sugere, é o momento de sensibilizar o sujeito para
o trabalho a ser desenvolvido, levando-o a entrar em contato com o seu mundo interno. A
expressão livre é o momento da criação mental, fazendo emergir seu universo interno para, na
elaboração da expressão, externar, através da elaboração artística, não verbal. Na transposição de
linguagem, o indivíduo é convidado a transpor para outra linguagem, preferencialmente, através
da palavra, oral ou escrita, o conteúdo do que foi elaborado artisticamente, fazendo com que desta
forma, seja levado para a consciência o conteúdo interno emergente. Por fim a avaliação, que
permite a conscientização da aprendizagem desenvolvida.
O trabalho com as Oficinas Criativas®, portanto, é uma forma de intervenção
arteterapêutica em Psicopedagogia, que deverá possibilitar ao indivíduo viver a criação,
“exercitando suas capacidades de aprender, fazendo uso do seu potencial psíquico e tendo seu
dinamismo energético afetivo e cognitivo direcionado para uma melhor qualidade em
aprendizagem” (ALLESSANDRINI, 2004, p. 83). Isto significa que o trabalho com as Oficinas
Criativas®, vai favorecer o desenvolvimento da aprendizagem a partir da expressão interna e da
criatividade. Por meio do desenho, colagem, modelagem, pintura, dança, contos e outros, e da
reflexão do próprio autor em torno do que foi produzido, os conflitos internos ganham formas, e
podem ser avaliados de maneira consciente.
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Alguns desses estímulos trazem lembranças e memórias afetivas, fazendo entrar em
contato com histórias e sentimentos mais profundos. Esses conteúdos emergentes podem ser
analisados, possibilitando uma melhor elaboração por parte do indivíduo, permitindo a
reconstrução consigo mesmo e com o mundo.
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5. O “brincar” de Winnicott
De certa maneira, podemos perceber o trabalho com as Oficinas Criativas® como uma
“brincadeira”. Entretanto, não se trata de uma “estratégia de ensino” ou “recurso facilitador da
aprendizagem”, mas de um campo onde os aspectos da subjetividade encontram-se com os
elementos da realidade externa para possibilitar uma experiência criativa com o conhecimento.
Segundo Winnicott (1975), psicanalista inglês, o brincar é a primeira experiência da
criança com o outro, na relação mãe-bebê. Tudo começa quando o bebê pensa que ele e a mãe são
um único ser, portanto ainda não houve o corte da unidade imaginária mãe-criança. Nesse
período, o bebê vive em total dependência da mãe que, em contrapartida, para que tudo corra
bem, precisa oferecer a ele uma adaptação quase completa às suas necessidades. Esta mãe que no
começo tenta atender a todas as necessidades do bebê, Winnicott chamou de “mãe
suficientemente boa” (1975, p. 25). Desta forma ele sai do conceito de ideal (mãe perfeita), para o
conceito real (mãe suficientemente boa). Isso precisa acontecer no início da relação mãe-bebê
para que este possa experimentar o que ele chamou de “continuidade do ser”. Isso significa que,
no primeiro momento, o bebê precisa confiar, ter a ilusão de que a mãe vai satisfazer a “quase
todos” os seus desejos imediatos. Aí, uma mãe com muitas falhas será prejudicial para o bebê.
Porém, posteriormente, a mãe, para continuar “suficientemente boa”, precisa falhar para que o
bebê possa se reconhecer como sujeito. E, quanto mais confiança o bebê tiver em relação ao
atendimento das suas necessidades pela mãe no momento da indiferenciação mãe-bebê, mais fácil
será aceitar as suas falhas no momento do corte. (1975)
Winnicott viu também, na alimentação, o primeiro contato do bebê humano com o mundo
externo. Ele adotou como primeiro modelo de relação com os objetos, o par bebê-seio (ou mãe)
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durante a amamentação. Neste momento a mãe proporciona ao bebê viver uma experiência
semelhante à das crianças nas brincadeiras de faz-de-conta: a ilusão de que ele tem o controle
mágico, ou seja, a ilusão de que o seio da mãe faz parte dele. Toda vez que ele tem fome, a mãe
apresenta-lhe o seio e este fenômeno repetido torna o bebê capaz de viver a experiência de criar e
re-criar o seio materno. A ilusão decorre da mãe proporcionando ao bebê, o seio, e o bebê
concebendo-o como parte dele mesmo, constituindo assim uma terceira área de experiência entre
a subjetividade e a objetividade.
Winnicott (1975, p.30) afirma que
[...] esta área intermediária de experiência, incontestada quanto a pertencer à
realidade interna ou externa (compartilhada), constitui a parte maior da
experiência do bebê e, através da vida, é conservada na experimentação intensa
no que diz respeito às artes, à religião, ao viver imaginativo e ao trabalho
científico criador.
Esta área incontestada a que o autor se referiu, é a área intermediária entre a subjetividade
e a objetividade, onde surgirão os fenômenos transicionais. O autor usa o nome transicional
referindo-se à transição entre a objetividade e a subjetividade. Ele vai referir-se, também, aos
objetos transicionais, como as primeiras possessões verdadeiramente não-eu, isto é, aqueles
objetos - bichinhos de pelúcia, de plástico, cobertor, fralda, lençol - a que os bebês costumam se
apegar, que se tornam muito importantes para ele. A função dos objetos e fenômenos
transicionais, é que eles iniciam o indivíduo numa longa jornada cuja trajetória vai dos objetos ou
fenômenos subjetivos (indiferenciação) até alcançarmos a objetividade (diferenciação) (1975).
Isto acontecerá num movimento pendular, cuja função é tentar relacionar o que é subjetivamente
concebido do que é objetivamente percebido. Essa terceira área de experiência é o espaço
potencial, onde o indivíduo terá a oportunidade de viver criativamente ao longo da sua existência.
É o espaço onde a criança pode brincar. Neste caso, Winnicott (pág. 139) diz que “brincar é uma
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experiência criativa, uma experiência num continum espaço-tempo, uma forma básica de viver”.
Aceitando a idéia do “brincar” como uma experiência do espaço potencial, é possível
dizer que o “brincar” e o “conhecer” têm em comum o fato de ambos estarem sempre a meio
caminho entre os conteúdos da vida subjetiva (sonhos, fantasias, desejos) e a riqueza oferecida
pelos objetos da realidade exterior. Através do brincar e do conhecer, é possível viver a agradável
ilusão, da qual Winnicott nos fala, só que de maneira mais elaborada, uma vez que é possível
transitar de forma cada vez mais independente entre a fantasia e a realidade.
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6. O brincar e o aprender na Oficina Criativa®
“A característica da infância é a brincadeira”.
“A brincadeira é o recurso que a natureza encontrou para
promover o desenvolvimento mental das crianças”
(PIAGET, apud LIMA, 2000, p.69)
A importância da brincadeira para Piaget é algo fundamental no desenvolvimento
intelectual da criança, e, nas Oficinas Criativas®, queremos enfatizar não só o aspecto de
brincadeira e de ludicidade que o trabalho com arte suscita, mas, principalmente o brincar de
Winnicott, ou seja, como qualidade de relação que o indivíduo estabelece com os objetos do
mundo externo, como atividade humana e não só como aspecto estritamente cognitivo.
Para Allessandrini (1996, p.42), “por meio de um trabalho de Oficina Criativa, o sujeito
consegue restabelecer sua relação com o ato de aprender e com o mundo” [e] “a construção e
elaboração de projetos através da arte se dá da mesma maneira como o indivíduo constrói a sua
aprendizagem ao longo da vida” (p. 43). Fazendo-se uma relação entre as etapas que compõem
uma Oficina Criativa e o desenvolvimento infantil segundo Winnicott, é possível comprovar
essas afirmações.
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6.1. Relacionando as etapas das Oficinas Criativas® com a Teoria Psicanalista de Winnicott
A articulação dos modelos teóricos propostos pelos autores utiliza o Quadro 01 como
ponto de partida.
Quadro 01: Principais aspectos teóricos das Oficinas Criativas® e da teoria de Winnicott.
Oficinas Criativas®
Sensibilização: sensibilização para entrar
em contato com o mundo interno.
Expressão livre: criações mentais, fazendo
emergir seu universo interno;
Elaboração da expressão: externar, através
da elaboração artística, não verbal.
Transposição da linguagem: transposição
para a linguagem oral ou escrita, levando
para a consciência o conteúdo interno
emergente.
Avaliação: conscientização da
aprendizagem desenvolvida.
Teoria de Winnicott
Mãe suficientemente boa.
Fenômenos transicionais.
Objeto transicional.
Viver criativamente.
Criatividade.
A sensibilização é uma forma de motivação para o indivíduo entrar em contato com o seu
mundo interno de maneira cuidadosa, (grifo nosso) despertando o desejo inconsciente de abordar
conteúdos que muitas vezes não tem oportunidade ou disponibilidade de expressar. A
sensibilização age como uma “mãe suficientemente boa” dando segurança e confiança ao bebê
que não toma conhecimento de que o mundo já estava lá antes da sua existência, mas precisa
começar a falhar para que o ele possa se reconhecer como sujeito.
Na expressão livre, é o momento da liberdade para entrar em contato com o pensamento e
o sentimento, e aqui, como no início do desenvolvimento da criança, passado o primeiro
momento, no qual ela não percebe o mundo, esta entra num segundo momento em que começa a
notá-lo e reage com angústia a tudo que é novo, ou seja, tudo que não é mãe, e isso persiste ao
longo de toda a vida, frente ao desconhecido. Esta inquietação fará emergir uma energia de ação
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criadora e construtiva que não está na subjetividade nem na objetividade, e, como disse Winnicott
na área de transição entre o interno e o externo, o que chamou de espaço dos fenômenos
transicionais.
Na elaboração da expressão, o indivíduo traz à consciência esta energia criativa para
elaborar o seu conteúdo interno. Neste momento o indivíduo vai concretizar a sua criação em
linguagem artística, não verbal, que irá agir como um objeto transicional que, para Winnicott, tem
a função de relacionar o que é subjetivamente concebido e o que é objetivamente percebido. É na
elaboração da expressão que o sujeito vai “brincar”, ou seja, poder criar a partir da subjetividade,
sem o rigor que a objetividade impõe, vivendo a experiência criativa de conhecer os seus
conteúdos internos.
A transposição da linguagem é o momento da re-significação da imagem interna em
mensagem ou texto, uma produção do sujeito para ele mesmo. Para Winnicott, quando
escrevemos algo sobre nós mesmos, fortalecemos o sentimento de que estamos vivos (2005, pág.
28). Ele afirma que viver criativamente envolve preservar algo de pessoal, “talvez algo de secreto,
que é inconfundivelmente você mesmo” (pág. 27).
A avaliação, segundo Alessandrinni, “é a retomada do processo que permite a
conscientização e a percepção crítica do indivíduo na aquisição de novos conhecimentos” (1996,
pág. 42). Para Winnicott a consciência da realidade externa torna uma pessoa ativa e em
condições de tomar parte da vida em comunidade, e a isso ele chama criatividade. A tomada de
consciência de forma amorosa é a oportunidade de o indivíduo passar da dependência para a
autonomia (1975, p. 150), dando-lhe a possibilidade de adquirir novos conhecimentos.
Dessa maneira podemos observar que um indivíduo que possui alguma dificuldade de
aprendizagem não teve, no início da sua vida de aprendente, uma relação de acolhimento e
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confiança “suficientemente boa”, para lhe dar autonomia nos momentos da “falha”. Para
Winnicott, sem autonomia, não é possível “viver criativamente”, ou seja, viver por si mesmo. O
trabalho com as Oficinas Criativas® vai permitir ao indivíduo recriar este vínculo de confiança
com a própria construção, gerando aprendizagem de novos conhecimentos. Aqui ele vai realizar
a máxima “Ser antes de Fazer”, pois segundo Winnicott (2005), o “Ser tem que se desenvolver
antes do Fazer”.
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7. Estudo de caso: GPS - criando, crescendo e aprendendo
As Oficinas aqui descritas foram desenvolvidas ao longo do estágio do Curso de
Especialização em Arteterapia. Este estágio foi desenvolvido na Creche São Paulo, no bairro de
São Cristóvão, periferia de Salvador, BA, com um grupo formado por 06 crianças estudantes do
ensino fundamental na rede estadual de ensino, que apresentavam dificuldade de aprendizagem.
Serão descritas as observações com algumas situações vividas por GPS, aos 07 anos, cursando a
1ª. série do ensino fundamental em 2007.
Da 1ª. a 5ª. sessão: um padrão de cópia e imitação
O objetivo do primeiro encontro era envolver e ganhar a confiança do grupo assim como
trabalhar a identificação de cada um dos participantes. Para isto foi planejado como
sensibilização um convite a ouvir a música “Todos juntos”, (HOLANDA, 1977, f.1) a dançar pela
sala todos juntos, e, imitar os animais citados na música.
Expressão livre: sentar, relaxar, fechar o olho e pensar: se eu fosse um animal, qual seria?
Elaboração da expressão: disponibilizar papel sulfite branco A4, lápis de cor, canetas
hidrocor e giz de cera, era para desenhar o animal imaginado.
Transposição da linguagem: Imitar o animal escolhido para que o grupo possa identificar.
Avaliação: Dizer para o grupo porque a escolha desse animal e qual o nome que daria para
ele.
GPS mostrou-se quieta e calada no início. Reproduziu o comportamento de sua irmã mais
velha, que também faz parte do grupo do estágio, dizendo que queria ser uma ovelha, mas não
soube justificar o motivo. Esperou a irmã iniciar o desenho e também a imitou tanto na ilustração
quanto na escolha do material, usando caneta hidrocor e lápis de cor. Disse ter gostado de
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desenhar e deu o nome de Gabriele à sua ovelha.
Figura 01
Fazendo uma análise desta Oficina, iniciaremos falando do momento de, quando as
terapeutas participam com o grupo, não havendo diferenciação, dando ao mesmo a ilusão de que
estas também fazem parte do grupo.
O cuidado, tão importante neste momento, é percebido na escolha de materiais
estruturantes como, o lápis de cor, o giz de cera e a caneta hidrocor, visando a não oferecer, no
início, um desafio que não possa ser cumprido.
Quanto ao trabalho desenvolvido por GPS, vimos que ela reproduz o comportamento
escolar da cópia, mas acrescenta um pequeno dado de sua autoria: deu um nome à sua ovelha. Ao
fazer isso por si mesma, GPS vive criativamente este momento.
GPS mantém esse padrão de atitude de cópia até a 5ª. sessão.
6ª. sessão: mudanças no padrão estereotipado
Na 6ª. sessão iniciamos um trabalho mais desafiador, uma vez que já estava garantida uma
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relação de confiança com o grupo. Esta foi desenvolvida da seguinte forma:
Sensibilização: Leitura do livro O Flautista Mágico, de Rubem Alves.
Expressão livre: Perguntar para as crianças: de que forma o povoado voltou a ser alegre e
feliz? Pensar nas cores que surgiram neste momento.
Elaboração da expressão: Pintar todo o papel misturando as cores e ver quais as misturas
alegres e as misturas tristes.
Transposição de linguagem: Quais as misturas de cores que ficam mais alegres ou mais
tristes?
Avaliação: As cores claras e escuras são iguais? Toda mistura deixa a cor igual? O sol
deixa a cor de que forma?
Foi oferecido papel canson A4 e lápis de cor vermelho, azul, amarelo e branco. Os
objetivos desta Oficina eram promover a aquisição de novos conhecimentos com a descoberta das
diversas possibilidades das cores, trabalhar o pensamento intuitivo, aquele voltado para outras
possibilidades, e sair da rigidez da forma.
GPS utilizou todos os lápis disponíveis. Trabalhou sozinha, sem buscar copiar os outros,
fez diferentes formas de misturas criando diferentes tonalidades, embora a cada produção
perguntasse se já podia entregar, enquanto era estimulada a tentar outras possibilidades. Para ela
as cores claras eram mais bonitas que as cores escuras, sendo a amarela, a cor do sol, a mais
alegre.
GPS não achou o seu desenho bonito.
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Figura 02
Podemos perceber que na sensibilização a terapeuta lê uma linda história para o grupo,
numa atitude de destaque como leitora, mas participando do grupo. GPS na elaboração de
expressão já apresenta autonomia, embora insegura e sem compreender bem o sentido da ação,
uma vez que, para ela, a ausência de forma significa ausência de produção. Ao ser estimulada, ela
começa a perceber a diferença que a mistura das cores desenvolve e adquire o conhecimento de
construção do claro e escuro, fazendo também a analogia do claro com a alegria. Mesmo assim, a
ausência da forma não lhe possibilita ver a beleza da sua produção, mantendo o paradigma de que
o bonito é o certo e, o certo é a forma perfeita, sem levar em consideração o significado.
Nesta Oficina vemos GPS dando mais um passo em direção à autonomia, ao viver criativo
e à aprendizagem. Por outro lado percebemos que este trabalho já é possível devolver neste
momento, por já estar estabelecido o vínculo afetivo e de confiança entre ela e as terapeutas, pois,
caso contrário, seria um trabalho de muita frustração e ela não daria conta.
7ª. sessão: maior envolvimento com a produção criativa
No encontro seguinte, percebendo que o grupo já pode produzir, mesmo vivendo alguma
frustração, decidimos aumentar o desafio, levando materiais mais fluidos, com os quais o controle
do material é mais difícil, e mantém-se a ausência da forma. Foram escolhidos os seguintes
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materiais: tinta guache diluída na proporção de dois para um nas cores amarela, vermelha, azul e
branca, papel canson A4 e 03 canudos de diâmetros diferentes. Os objetivos eram fugir da
situação convencional quebrando a rigidez da forma, trabalhar a auto-estima uma vez que não é
possível uma avaliação comparativa entre as produções e, trabalhar o imaginário.
A Oficina foi construída da seguinte forma:
Sensibilização: Colocar uma música suave de fundo, um incenso para dar um clima
diferente e com todos deitados, fazer um relaxamento.
Expressão livre: Ainda deitados, de olhos fechados, levá-los a pensar nas coisas boas, que
os deixam felizes.
Elaboração da expressão: Pingar gotas de tinta guache sobre o papel canson A4 e pedir
para soprar com diferentes tipos de canudos, espalhando a tinta para ficar com a imagem de uma
coisa feliz.
Transposição de linguagem: Falar sobre o resultado final da sua imagem.
Avaliação: Perguntar como se sentiram durante o trabalho e se gostaram da técnica usada.
GPS trabalhou misturando todas as cores. Fez o seu trabalho concentrada, sem se
preocupar com os outros e, ao final, gostou da sua produção e do trabalho em si, exceto do
momento do relaxamento, da música e do incenso, pois estava “agoniada” para iniciar o trabalho.
Figura 03
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Podemos perceber que o aprendizado sobre as cores foi apreendido no encontro anterior, e
já se sobrepõe ao paradigma da “forma e do certo”, uma vez que GPS consegue ver beleza no seu
trabalho. A sua ansiedade de experimentar o novo também permitiu que a sensibilização, que é o
momento do acolhimento da “mãe suficientemente boa”, já não necessita acolher a todas as suas
expectativas, ou seja, já pode falhar. O mais esperado torna-se a produção do conhecimento.
GPS começa a caminhar sozinha.
8ª. sessão: expandindo e apropriando-se da criatividade.
No 8º. Encontro, a Oficina visava a trabalhar o abstrato, estimular o imaginário,
reconhecer a autoria da produção e, conseqüentemente, trabalhar a auto-estima. A sua formatação
era a seguinte:
Sensibilização: Fechar os olhos e movimentar livremente o dedo no ar.
Expressão livre: Imaginar que estão voando bem alto e podem passar pelas nuvens e, com
o dedo, ir mudando o contorno e as curvas das nuvens.
Elaboração da expressão: Com os olhos vendados, desenhar com um lápis de cor,
desenhar livremente no papel à frente. Depois, retirar a venda e olhar o desenho resultante,
procurando identificar algumas formas. Destacar essas formas usando lápis de outras cores.
Transposição de linguagem: Criar uma história com o seu desenho e contar para o grupo.
Avaliação: Dizer como foi trabalhar esta técnica, se houve ou não algum incômodo com
os olhos fechados.
GPS trabalhou quieta, timidamente, mas concentrada e organizada. Quando olhou o seu
desenho, percebeu algumas coisas e destacou duas: um pé de galinha e uma boneca. Contou que a
menina estava passeando e, quando chegou em sua casa viu que a mãe tinha arrancado o pé da
galinha, o que a deixou triste. A mãe levou a galinha e disse que a menina não iria ficar com ela
32
porque a galinha era má.
Na sua avaliação o seu desenho foi feio, mas ela gostou de fazer todo o processo.
Neste encontro já somos surpreendidos pela percepção e criatividade demonstradas por
GPS, quando consegue identificar figuras na sua imagem rabiscada e criar uma história com estes
elementos. Neste momento ela se reconhece como autora da sua produção, embora a mesma não
corresponda ao seu padrão de exigência. Este trabalho foi muito valorizado pelas arteterapeutas
frente a GPS.
Figura 04
Da 9ª. a 12ª. sessão: criatividade e originalidade.
A partir dessa sessão GPS trabalha sozinha, com criatividade e originalidade. Passa a ter
uma relação boa com a sua produção, achando todas “bonitas”. Na 12ª. sessão e última de 2007,
GPS trabalhou só, com entusiasmo e alegria. Usou vários materiais disponíveis para o trabalho,
foi criativa e uma das primeiras a finalizar.
33
Figura 05
Ao final do ano letivo, GPS foi aprovada para a 2ª. série do ensino fundamental.
15ª. Sessão: retorno das atividades com o grupo.
Retornamos após as férias escolares, e GPS recebeu-nos com alegria, de forma efusiva, e
já no primeiro trabalho estava curiosa. Trabalhou bem concentrada, gostou do seu trabalho e o
achou bonito. A partir daí, ela mantém este padrão de comportamento nas sessões seguintes,
sempre colaboradora, participativa, produzindo com segurança.
18ª. Sessão: fortalecimento da originalidade.
No 18º encontro percebemos mais um avanço em GPS. Os objetivos da Oficina eram
iniciar um trabalho corporal, trabalhar limites, fazer a diferença entre colorir e misturar as cores,
trabalhar a criatividade e a individualidade. Estes objetivos estavam definidos para atender uma
demanda do grupo naquele momento, e o material utilizado foram folhas de papel sulfite com um
círculo desenhado ao meio e cola colorida com as cores: branca, preta, azul, vermelha, amarelo e
verde.
Etapas da Oficina Criativa®:
Sensibilização: Todos de pé, fizemos um alongamento enrolando e desenrolando a coluna,
34
de maneira a fazer um trabalho bem circular.
Expressão livre: Pensar que, ao enrolar e desenrolar o corpo, vocês fizeram um círculo.
Em seguida, pensar neste círculo, e fazer um desenho bem bonito dentro dele.
Elaboração da expressão: Entregar a cada um uma folha de papel sulfite com um círculo
desenhado e solicitar que façam o círculo colorido que imaginaram, usando cola colorida com as
cores básicas.
Transposição de linguagem: Solicitar que as crianças falem sobre o seu trabalho.
Avaliação: Levá-los a refletir como se sentiram ao realizar o trabalho? Por que este ficou
colorido, diferente da sessão anterior, na qual as tintas foram misturadas, tornando-se de outra
cor?
GPS mostrou-se criativa, segura e muito envolvida com o trabalho. Foi original, fugindo
do padrão dos outros componentes do grupo que preencheram o círculo só com pingos de tinta.
Ficou feliz ao perceber a sua produção diferente das demais.
Figura 06
Quando GPS percebe que a sua produção é mesmo só dela, fortalece o sentimento de
existência, de vida, tornando-a capaz de reconhecer-se como pessoa. Isto lhe dá confiança para
35
continuar produzindo. Este foi um momento especial no desenvolvimento de GPS, pois, a partir
daí, ela inicia uma nova fase como pudemos comprovar na sessão seguinte.
19ª. sessão: o contato com a escrita e a expressão da subjetividade.
No 19º. encontro, na transposição de linguagem era para escrever sobre as cores. No
início, GPS negou-se a escrever porque não sabia. Pedimos então que ela escrevesse “do jeito
dela”, assim como ela desenhava “ do jeito dela”. A mesma resistiu um pouco, mas escreveu e
ficou surpresa quando foi lido o que escreveu: “Eu gosto das cores porque ela forma colorido.
Também gosto de arte”. Ela não acreditava que aquilo era possível. Sua irmã mais velha e
também participante do grupo também não acreditou, pois, segundo ela, a irmã escreve tudo
errado. Explicamos que a mesma estava no processo de aprender a escrever e que já era possível
entender o que ela escrevia. GPS não se continha de contentamento. A sua escrita foi da seguinte
forma: “eu coito das core Pque El fona colorido tabe eu gosto de auti”.
Figura 07
Aqui fica muito claro a re-significação da imagem interna em texto, como falamos
36
anteriormente, permitindo a GPS uma relação acolhedora com a escrita, criando um vínculo de
confiança consigo mesma, tornando-a capaz de escrever. Esta produção só foi possível porque a
mesma já tinha construído uma relação de confiança com a sua produção, então foi possível
arriscar.
20ª. sessão: o auto-retrato e a afetividade
Na sessão seguinte, a elaboração da expressão foi a confecção do auto-retrato. Cada
criança teve o contorno do seu corpo copiado em papel metro e foi pedido fazer o seu retrato.
GPS fez o trabalho mais criativo de todos e mais fiel às suas características. Enquanto as outras
participantes, afro-brasileiras, desenhavam-se loiras, com cabelos longos, ela manteve o senso de
realidade, mas com muita amorosidade. Enfeitou todo o papel em volta com árvores, desenhou o
seu nome bem bonito, fez a blusa com papel e não com tinta, como os outros, e enfeitou o seu
cabelo com um lindo laço de fita amarela.
,
Figura 08
37
21ª. sessão: representações familiares
No encontro seguinte desenvolvemos uma Oficina voltada para as relações familiares.
Esta foi elaborada da seguinte forma:
Sensibilização: Ao som de uma música instrumental lenta, é sugerido circular livremente
pela sala pensando na sua família.
Expressão livre: Agora deve-se pensar em cada membro da família e em alguma coisa,
animal, objeto, enfim, algo que fizesse lembrar-se de cada um.
Elaboração da expressão: Com papel Canson e lápis de cera traduzir por meio de desenho
de que forma representaria cada membro da família.
Transposição de linguagem: Escrever no papel a razão da escolha de cada representação.
Avaliação: Revelar como se sentiram ao pensar na família e ao desenhar e falar sobre cada
um deles.
GPS fez um desenho com um sol e nuvens. Abaixo desenhou um lápis, um coração e uma
estrela, e acima dos desenhos escreveu mãe, pai e irmão (ela só tem uma irmã). Disse que não iria
escrever sobre a razão da escolha, mas iria falar. Explicou que a mãe foi lembrada como um lápis
porque a ajudava nos estudos. O pai era o coração, porque gostava muito dele, e a estrela era a
irmã, mas não sabia como explicar. Quando lhe questionamos onde ela estava no desenho, ela
pensou um pouco e respondeu: - eu sou a nuvem, pois gosto de olhar tudo. Este é um trabalho de
conteúdo subjetivo muito rico, mas, no momento vamos nos ater ao aspecto do desenvolvimento
de GPS, que traz o seu conteúdo interno, apodera-se da sua expressão e consegue, inclusive
encontrar-se , quando questionada, afirmando cada vez mais a sua existência. E assim ela segue
cada vez mais confiante e, na 24ª. sessão, verbaliza o desejo de se comunicar. A Oficina foi
desenvolvida da seguinte forma:
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Sensibilização: O grupo forma um círculo, de pé, com os pés bem firmes no chão, pernas
levemente flexionadas, levantam a argila nas mãos acima da cabeça com os braços estendidos,
inspiram e, na expiração, jogam a argila no chão, abaixando os braços e soltando a cabeça para
baixo, por três vezes.
Expressão livre: pensar na beleza e importância da terra. A comida vem da terra, a energia
também vem da terra.
Elaboração da expressão: amassar bastante a argila e dar muitas formas. Ao final escolher
uma para deixar endurecer.
Transposição de linguagem: dizer o que criou.
Avaliação: Revelar o que você sente trabalhando com a terra?
GPS fez um celular porque está precisando muito se comunicar. Quanto a trabalhar com a
argila, ela fez a seguinte afirmação: - Dá agonia trabalhar com argila, mas é gostoso.
Figura 09
GPS usou o telefone celular como “objeto transicional” para expressar o seu desejo de
conhecer o mundo, de “se comunicar”, de adquirir conhecimento. E isso é confirmado nos
próximos encontros quando ela cria, é imitada, trabalha sempre com muita alegria, é criativa nos
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títulos dos seus trabalhos. Começou a nos escrever bilhetes e nos entregava assim que
chegávamos. Valorizava o seu trabalho sempre. Os trabalhos em grupo foram desenvolvidos com
colaboração.
33ª. sessão: expressando alegria.
No último trabalho individual do estágio, eles trabalharam com tinta de alto relevo,
vidrilhos, lantejoulas, transformando um CD em um CD da alegria. GPS foi quem colocou o
maior número de camadas de tinta e a maior quantidade de complementos, criando um CD bem
consistente, sem nenhum espaço vazio. Ela mostrou o quanto foi feliz nesta experiência.
Figura 10
40
Considerações finais
Os alunos, considerados com dificuldade de aprendizagem, salvo aqueles com severos
comprometimentos neurológicos, são encaminhados para avaliação psicopedagógica quase
sempre pela escola, embora muitas vezes sem a compreensão dos pais. Para estes, seu filho
parece suficientemente inteligente para ter problema de aprendizagem, embora apresentem
dificuldades na escola.
Quanto à relação com a escola, alguns se apresentam ajustados e felizes, mas outros
desenvolvem problemas emocionais frente à frustração de tentar fazer e não conseguir. Eles se
sentem muito mal por não atender as expectativas dos pais e freqüentemente culpam a si mesmos
pela sua incapacidade. Em geral, para todos eles, as oportunidades educacionais são experiências
ruins, nas quais questionam sua própria inteligência, começam a achar que ninguém pode ajudálos e se fecham para o “aprender”.
O trabalho clínico psicopedagógico, como já nos referimos anteriormente, visa a
estabelecer uma relação positiva do aluno com a sua aprendizagem. Depois de experiências
desagradáveis na escola, cabe ao psicopedagogo o restabelecimento desta relação com muito
cuidado, pois depende principalmente disto o sucesso do trabalho.
O trabalho arteterapêutico com as Oficinas Criativas possibilita refazer o processo de
aprendizagem, levando o sujeito a desenvolver outro contato com o conhecimento, quantas vezes
sejam necessárias para que o mesmo se aproprie da sua capacidade criadora, de autoria, e assim
se perceba como um aprendiz pró-ativo. Hoje, fala-se muito em dificuldade de aprendizagem,
mas, a criança que não aprende, quase sempre, é aquela para quem a escola não conseguiu
ajustar-se devidamente no início e nas primeiras necessidades da vida acadêmica do estudante.
Assim como Winnicott denominou de “mãe suficientemente boa”, a escola para ser
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“suficientemente boa”, precisa atender a todas as necessidades da criança no seu início de vida
acadêmica, até que ela se sinta habilitada a desvincular-se da dependência e se autorize a
vivenciar novos desafios sozinha. A escola não pode abandonar o aluno antes de garantir o seu
significado para ele.
GPS mostrava claramente que, para ela, a escola tinha o significado de “copiar e fazer
certo”. Desta forma, era muito difícil perceber o verdadeiro significado: aprender. Fazer e refazer
o processo de desenvolvimento intrínseco à Oficina Criativa® viabilizou uma quebra nesse
paradigma e possibilitou uma nova perspectiva para a sua aprendizagem.
42
Referências Bibliográficas
ALLESSANDRINI, C. D. Oficina Criativa e Psicopedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1996.
- Análise Microgenética da Oficina Criativa®:projeto de modelagem
em argila. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
ALVES, R. O flautista mágico. São Paulo: Loyola, 1987.
ARNHEIM, R. Intuição e Intelecto na Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BOFF, L. Saber Cuidar: Ética do humano - compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
FAGALI, E. Desafios nas Avaliações e Intervenções Psicopedagógicas: novas articulações e
pesquisas na área clínica e institucional. São Paulo: InterAção, 2007.
HOLANDA, C. Os Saltimbancos. Rio de Janeiro: Gravadora Universal, 1977.
LIMA, L. Piaget: sugestão aos educadores. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
LUFT, P. Minidicionário Luft, São Paulo, Ed. Ática, 1995.
MEIRIEU, P. Aprender... Sim, mas como? Porto Alegre, Artmed, 1998.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade, Rio de Janeiro, Imago, 1975.
- A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC, 1985.
- Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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