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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR
RECONHECIDA PELA PORTARIA - MEC N.º 1580, DE 09/01/93 - D.O.U. 10.11/93
MANTENEDORA: ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE ENSINO E CULTURA - APEC
JOÃO MILTON SALLES
A PROVA DO CRIME ANTECEDENTE NO CRIME DE LAVAGEM
DE DINHEIRO
UMUARAMA
2008
JOÃO MILTON SALLES
A PROVA DO CRIME ANTECEDENTE NO CRIME DE LAVAGEM DE
DINHEIRO
Trabalho de dissertação apresentado como
requisito para a conclusão do Curso de Mestrado
em Direito Processual e Cidadania da
Universidade Paranaense - UNIPAR.
Área de concentração: Processo Penal
Linha de Pesquisa: Eficácia Processual
Orientador: Fábio André Guaragni
______________________________________
Profº. Dr. Fábio André Guaragni
______________________________________
Profº. Dr.
______________________________________
Profº. Dr.
Umuarama, ____ de _______ de 2008.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr. José Alfredo de Oliveira Baracho, a quem tenho
grande apresso e gratidão.
Ao meu orientador, professor, colega e amigo, Dr. Fábio André
Guaragni, meu incentivador e referencial de profissão.
E aos colegas do Curso de Mestrado em Direito e Cidadania da
Universidade Paranaense que, de alguma maneira, contribuíram para esta
dissertação, notadamente à amiga Cristiane Codoli Siqueira.
SALLES,João Milton. A prova do crime antecedente no crime de lavagem de
dinheiro. 2008. 92 f. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito e
Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR.
Resumo: A presente dissertação trata da criminalidade organizada, suas origens
históricas, da problemática de sua conceituação, da lavagem do dinheiro
proveniente das suas atividades ilícitas, da tipificação penal do crime de lavagem
de dinheiro, notadamente, das questões referentes à prova dos crimes
antecedentes para o recebimento da denúncia e para o processo e julgamento da
ação penal proposta, conforme disposição legal dos arts. 1° e 2°, incisos II e § 1°,
ambos da Lei n.° 9.613, de 3 de março de 1998.
Palavras-chave: Criminalidade organizada. Lavagem de dinheiro. Prova e
incídios do crime antecedente
SALLES, João Milton. A prova do crime antecedente no crime de lavagem de
dinheiro. 2008. xxx f. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito e
Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR.
Abstract: The present dissertation aims at talking about organized criminality, its
historical origins, its controversial conceptualization, money laundering originating
from illicit activities, kind of penalty for money laundering crime, notoriously, from
issues referred to the proofs of preceding crimes to the receipt of report and to the
sue and judgment of the penal lawsuit proposed, according to legal disposal from
articles 1º and 2º, II and § 1º, both from Law # 9.613, March 3rd 1998.
Key words: organized criminality, money laundering, proof of preceding crime,
enough clues of preceding crime.
SUMÁRIO
RESUMO..........................................................................................................
04
ABSTRACT......................................................................................................
05
INTRODUÇÃO..............................................................................................
07
1 RAZÕES HISTÓRICAS...............................................................................
1.1 O ANTECEDENTE DO CRIME ORGANIZADO.........................................
1.2 O CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO.................................................
1.3 DA LAVAGEM DE DINHEIRO E O SEU CONCEITO................................
1.4 ETAPAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO....................................................
1.5 CONVENÇÕES E ORGANISMOS INTERNACIONAIS.............................
1.6 DA LEI N° 9.613/98....................................................................................
09
09
16
18
21
25
29
2 BEM JURÍDICO............................................................................................
33
2.1 O BEM JURÍDICO PROTEGIDO NO CRIME DE LAVAGEM DE
DINHEIRO........................................................................................................
41
3 O TIPO DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO......................................
3.1 SUJEITOS DO CRIME...............................................................................
3.1.1 Sujeito Ativo........................................................................................
3.1.2 Sujeito Passivo....................................................................................
3.2 NÚCLEOS DO TIPO..................................................................................
3.3 OBJETO MATERIAL..................................................................................
3.4 O TERMO CRIME COMO ELEMENTO NORMATIVO DO DELITO DE
LAVAGEM DE DINHEIRO...............................................................................
3.5 TIPO SUBJETIVO......................................................................................
52
54
54
56
57
61
63
69
4 DESDOBRAMENTOS ALUSIVOS AO ELEMENTO NORMATIVO.............
72
4.1 DESDOBRAMENTOS PROBATÓRIOS ATÉ O RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA: ARTIGO 2°, § 1°, DA Lei 9.613/98..............................................
72
4.2 DESDOBRAMENTOS PROBATÓRIOS RELATIVOS AO PROCESSO E
AO JULGAMENTO...........................................................................................
78
CONCLUSÃO........................................................................................
87
BIBLIOGRAFIA............................................................................................
89
INTRODUÇÃO
A criminalidade organizada, embora não seja um fenômeno social recente,
adquiriu proporções nunca imaginadas: é capaz de gerar riquezas e proporcionar
uma circulação de capitais ao redor do mundo maior que o produto interno de
vários países.
As atividades criminosas dessas organizações criminosas vão desde a
produção e comercialização de substâncias entorpecentes, a exploração da
prostituição, pirataria, tráfico de armas e pessoas, espionagem industrial,
corrupção até a exploração de jogos de azar, dentre outras.
Muitas das atividades criminosas praticadas por tais organizações contam
com o consentimento de parcelas significativas das sociedades que, ou
consumindo os produtos ilícitos ofertados ou simplesmente apoiando uma
ideologia proposta, fomentam tais atividades. E isso, aliado à corrupção e ao
ingresso de integrantes dessas organizações nas estruturas políticas e
administrativas dos estados, dificulta sobremaneira o combate ao crime
organizado.
Além da lesividade dos crimes praticados, essas organizações criminosas,
que atingem os mais variados bens jurídicos como a vida, a integridade física, a
saúde, o patrimônio, geram grande volume de bens, direitos e valores os quais
são inseridos na economia mundial, misturando-se com as movimentações lícitas
de capitais, lesando, assim, a ordem econômica.
Para tanto, as organizações criminosas se valem das tecnologias
disponíveis e de mecanismos de circulação de capitais bastante ágeis,
característicos da globalização da economia mundial.
8
Diante de tal panorama e tendo em vista a impossibilidade de combate aos
crimes praticados pelas organizações criminosas, chegou-se à conclusão de que
para se combater de forma eficaz o crime organizado é necessário perseguir a
atividade de ocultação e reinserção na economia dos bens, direitos e valores
provenientes das suas atividades.
O primeiro documento internacional a tratar do assunto foi a Convenção
Contra o Tráfico ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas –
Convenção de Viena – aprovado na Áustria no ano de 1988, do qual o Brasil foi
signatário e, cerca de sete anos depois, cumpriu o preceito referente ao combate
à lavagem de dinheiro com a edição da Lei n.° 9.613, de 03 de março de 1998.
Essa lei, ao tipificar a conduta de lavagem de dinheiro, no seu art. 1°,
enumerou, de forma taxativa, os crimes antecedentes, geradores dos bens,
direitos e valores objetos da descrição fática.
A partir daí surge a discussão a respeito da autonomia do crime de
lavagem de dinheiro em relação aos crimes antecedentes, eis que o art. 2° da Lei
n.º 9.613/98, no seu inciso II, dispõe que o processo e o julgamento do crime de
lavagem de dinheiro independem do processo e julgamento dos crimes
antecedentes e, no seu § 1°, dispõe que para o recebimento da denúncia basta a
demonstração de indícios da existência desses crimes.
Resta, pois, analisar qual o alcance dessas normas, uma vez que a
independência do crime antecedente deve ser apreciada de forma relativizada,
pois o que não se exige é a demonstração da autoria deste crime antecedente,
sendo necessária a sua materialidade para que reste demonstrada a origem ilícita
dos bens, direitos e valores utilizados.
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1 RAZÕES HISTÓRICAS
1.1 O ANTECEDENTE DO CRIME ORGANIZADO
Duas vertentes históricas vêm à baila quando o tema abordado é a
lavagem de dinheiro: a primeira, refere-se ao surgimento e evolução do crime
organizado em um contexto mundial, e a segunda engloba o histórico legislativo
internacional e nacional para o combate do crime organizado e da lavagem de
dinheiro.
Como meios para acúmulo de riquezas, anteriores ao surgimento da
máfia, Albérico Camelo de Mendonça (2006, p.21/23) destaca o regime
escravocrata, a pirataria e o corso.
Para o autor, o regime escravocrata, inicialmente visto pelo Estado como
prática autorizada, surgiu quando o homem passou a enxergar no próximo um
meio para exploração de trabalho e conseqüente aumento do seu capital, assim o
mais poderoso escravizava o mais fraco. O mesmo autor informa que nos dias
atuais ainda ocorrem tráfico e escravização de seres humanos, garantindo
suporte ao crime organizado e à lavagem de dinheiro (2006, p. 22).
Quanto à pirataria e ao corso, destaca o autor:
Outra prática infame muito utilizada no passado para obtenção e
acúmulo de riquezas foi a pirataria e o corso. A primeira foi usada desde
os tempos antigos, tanto pelos fenícios, quanto pelos gregos e romanos.
Ambas foram utilizadas pelos portugueses, espanhóis, ingleses,
holandeses, franceses e até chineses. Embora desenvolvessem a
mesma atividade, isto é, o roubo e o saque de navios e de populações
marítimas indefesas, a diferença entre piratas e corsários é que os
primeiros roubavam por conta própria e os segundos faziam por ordem
e proteção de reis ou de pessoas detentoras de autoridade. Os
corsários, por serem subordinados, tinham que prestar contas aos seus
superiores, entregando-lhes parte do produto roubado. Considerados
heróis em seus países, piratas e corsários eram vistos em outros países
como bandidos da mais alta periculosidade. (MENDONÇA, 2006, p.22)
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O texto acima demonstra uma forma de organização criminosa, na qual
há distribuição de tarefas e a presença de hierarquias, que é representada
modernamente pelo surgimento das máfias italianas.
Rodolfo Tigre Maia (1997, p. 06/07) destaca que o surgimento da máfia
se deu como uma reação defensiva à exploração durante séculos dos
camponeses sicilianos, resultado da não implementação da reforma agrária, da
manutenção dos latifúndios improdutivos e da opressão feudal, pela inexistência
de uma classe média e a rigidez do sistema de ascensão social, da absoluta
ausência do Estado e pela elevada instabilidade política e sucessivas invasões
estrangeiras. E, sobre o tema, continua:
Inicialmente, na sua vertente criminosa (controverte-se acerca da
existência de uma vertente comprometida com mudanças sociais e
políticas e da época em que tal variante surgiu), aflora na região de
Palermo, no século XVIII, logo espraiando-se por toda a Sicília. Já
naquela época, os relatórios policiais referiam-se a ela como “uma rede
de quadrilhas de extorsão politicamente protegidas (...) como grupos de
criminosos que aterrorizam a comunidade local, vivendo de extorsões e
outros ganhos ilegais, e controlam o acesso aos empregados e
mercados comunais”. Com seu advento novos elementos estruturais
passam a caracterizar as associações de criminosos, já que a
originalidade desta sociedade secreta estava “em parecer como uma
família, vinculada não pelo sangue mas pela nacionalidade siciliana.
Através de um compromisso solene todos votavam nunca revelar os
segredos da Máfia mesmo sob dor ou morte. A disciplina que manteve a
Máfia unida através dos séculos foi a omertá, que significa ‘honradez’
ou, usualmente, ‘silência’. Esse foi o código da Máfia então e o é até
agora. (MAIA, 1997, p. 07)
O objetivo primordial dessa modalidade de organização criminosa voltase para a obtenção de lucro fácil, sem qualquer vinculação a um objetivo social ou
mesmo político. Desta forma, verifica-se que a máfia, na verdade, pretendia
manter a situação desprivilegiada, sem a possibilidade de mudança. Rodolfo Tigre
Maia ilustra essa evolução:
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(...) ao analisar como a organização sobreviveu ao período de
predominância do capitalismo agrário e de formação do estado
nacional, no século XIX, resistindo portanto ao processo de
modernização na Sicília, as razões de sua manutenção residem
na “persistência de um idêntico padrão clientelista de mobilização
política nos níveis nacional, regional e local. Apesar do lapso de
tempo decorrido desde os oitocentos, apesar, igualmente, do
interlúdio de governo fascista – o arranjo político que foi
determinante do ascenso da Máfia permaneceu protegendo-a,
pelo menos até o verão de 1992”, donde decorre que ela “é
organicamente e simbioticamente ligada as elites políticas”,
Acrescentam estes autores, também, que ‘da perspectiva de um
procurador ou investigador antimafia, mafiosos que proclamam
não estar envolvidos no maligno tráfico do final de século vinte –
drogas, armas, lavagem de dinheiro – simplesmente não merecem
crédito (...) Mafiosi que buscam legitimidade através da
identificação com antiga tradição rural, são suspeitos, porque aos
olhos dos procuradores, a mafia sempre procurou monopolizar
poder e recursos através de meios ilegais e violentos”. É assim,
dentre outras razões, no bloco histórico das contradições
antagônicas entre capitalismo e feudalismo, entre indústria e
latifúndio, entre cidadania e clientelismo nas relações políticas da
formação social italiana que encontramos alguns dos fatores
determinantes do surgimento e da persistência do fenômeno
mafioso naquele país nos dias de hoje. Ao contrário da Camorra,
sua congênere napolitana de origem urbana, e da ‘Ndrangheta,
surgido na Calábria, hoje uma das mais poderosas OC, ambas de
penetração social mais lenta, já na década de 20 deste século a
Mafia dominava inteiramente o cenário político e econômico
siciliano e possuía sólidas ramificações em diversas cidades norteamericanas que depois se organizaram autonomamente sob o
nome de La Cosa Nostra (LCN). (...) na década de 40, “a história
das sociedades criminosas italianas neste país começa pouco
antes da virada do século, quando gânsgsters do velho mundo,
integrantes da Mafia e da Camorra vieram para a América”.
(MAIA, 1997, p. 08/09, grifos do original)
Com a expansão da máfia italiana para os Estados Unidos, originou-se a
máfia norte-americana-italiana (ou ítalo-americana), uma modalidade de crime
organizado caracterizada pela internacionalização e por uma organização
bastante rígida, demarcada pelo respeito incondicional aos seus dirigentes.
Também se desenvolveram em várias localidades do mundo máfias de cunho
interno ou regional (GOMES. CERVINI. 1997, p. 73).
Nos Estados Unidos a criminalidade organizada originou-se no período
da “Proibição”, quando foi instituída a Lei Seca. Em 1920 adotou-se uma
legislação federal no país proibindo a fabricação, a venda e o transporte de
12
bebidas com teor alcoólico superior a 0,5%, salvo se comprovada utilização para
fins medicinais. Este contexto favoreceu o surgimento de inúmeras organizações
criminosas atuantes em um mercado de fornecimento de produtos e serviços
ilegais vinculados à produção e ao consumo de álcool, os quais movimentavam
milhões de dólares anualmente. É nesse cenário que o conhecido Al Capone
conquista sua fortuna, atuando, principalmente, na região de Chicago (MAIA,
1999, p.26/28).
Atualmente várias são as máfias e organizações criminosas em atuação.
Na Itália atuam a Camorra (Campânia), N’Drangheta (Calábria), Cosa Nostra
(Sicília) e Sacra Corona Unita (Puglia); na Rússia, países desmembrados da
URSS, Espanha e Portugal está presente a Máfia Russa; na China e sudoeste
asiático as Tríades Chinesas, na Colômbia os Cartéis Colombianos, no Japão a
Yakussa, nos Estados Unidos a La Cosa Nostra etc. (MENDONÇA, 2006, p. 28).
O dinheiro das organizações criminosas advém das mais variadas
práticas delituosas, dentre elas: tráfico ilícito de drogas, tráfico de armas, tráfico
de seres humanos e do comércio ilegal (principalmente de produtos piratas ou
contrabandeados), espionagem industrial, dentre outras.
Vejamos, brevemente, os ilícitos a que se dedicam as principais máfias
em atividade no mundo: as Tríades Chinesas, os Cartéis Colombianos, a Máfia
Siciliana e a Máfia Russa (BLANCO CORDERO, 2002, p. 39).
Dentre as atividades ilegais praticadas pelas Tríades Chinesas estão:
tráfico de heroína para os Estados Unidos e Europa, contrabando de armas,
roubo e contrabando de automóveis de luxo, intervenção em mercados de iates
de luxo, práticas fraudulentas contra cartões de crédito (BLANCO CORDERO,
2002, p. 40/41), exploração da prostituição, transporte ilegal de pessoas que
pretendem fugir do comunismo, indústria do lazer e entretenimento e mídia, com
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as quais lucram, anualmente, algo por volta de 200 bilhões de dólares
(TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 36).
Segundo dados do próprio governo chinês, as Tríades praticamente
controlam o tráfico de containers entre a China continental e os portos de
Hong Kong e outros países do Sudeste asiático. É claro que isso propicia
o desenvolvimento de tráfico de drogas, do contrabando, do transporte
ilegal de todo tipo de mercadoria – incluindo seres humanos. Isso tudo
tem um impacto social altamente nocivo e desestabilizador, já que as
máfias funcionam como fonte de suborno e corrupção das autoridades,
assim como criam “bolsões” de simpatia entre a população local por
conta de sua proximidade étnica e de oportunidades de ganhar algum
dinheiro com pequenos negócios vinculados às atividades do crime
organizado. (TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 36)
Os Cartéis Colombianos dedicam-se exclusivamente ao tráfico de drogas
e atividades relacionadas, atuando com grande incidência na Europa. Foram
apoiados financeiramente pela Cosa Nostra (italiana) no momento em que
passaram a plantar a cocaína exclusivamente na Colômbia1 (MENDONÇA, 2006,
p. 29).
Já dissemos, no início, que os recursos e a atividade das máfias no
mundo contemporâneo foram, em grande parte, gerados e estimulados
pelos cartéis de droga da Colômbia, em especial os de Cali e Medellín. O
poder e os tentáculos que estas organizações conquistaram nos anos 80
são amplamente conhecidos em todo o mundo, sem que haja
necessidade, aqui, de maiores detalhamentos. Basta dizer que, juntos,
produziram 80% de toda a cocaína consumida nos Estados Unidos,
faturavam, anualmente, US$ 200 bilhões e constituíam – de longe – o
setor produtivo mais importante da economia colombiana. (TOGNOLLI.
ARBEX JR. 2004, p. 38)
A Cosa Nostra, máfia instalada na Sicilia, é a mais antiga dentro do seu
país e possui as suas atividades voltadas, dentre outras, à prática de suborno, às
adjudicações fraudulentas, ao tráfico de heroína e à proteção a instituições
1
Informa Alberico Mendonça que, anteriormente a esse período, os cartéis atuaram no Peru e na
Bolívia utilizando produtos brasileiros para refino da cocaína, sendo que os laboratórios
localizavam-se na região amazônica.
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financeiras e bancos como garantia no auxílio à lavagem de dinheiro (BLANCO
CORDERO, 2002, p. 45).
Está instalada em 390 municípios sicilianos, conta com cerca de 5 mil
afiliados e caracteriza-se por uma estrutura de hierarquia piramidal. É a máfia
responsável pelos homicídios de Giovanni Falcone e Paolo Borselino,
magistrados que combatiam a máfia de forma enérgica, e o general Carlo Alberto
Dalla Chiesa, reconhecidamente a maior autoridade italiana contra a máfia dentro
do país. Continua em expansão enviando famílias para a Rússia e América Latina
(principalmente Brasil, Colômbia e Venezuela) e, de acordo com dados da
Interpol, auxilia os cartéis colombianos e as Tríades chinesas na lavagem de
dinheiro, a partir de uma base no Caribe que presta serviços turísticos, em troca
do fornecimento de cocaína daquela e de papoula, ópio e heroína desta
(TOGNOLLI. ARBEX JR. 2004, p. 45).
A Máfia Russa tem no seu rol de atividades ilícitas o tráfico de drogas, de
matérias-primas, material nuclear, tráfico de mulheres, crianças e adolescentes
para prostituição (MENDONÇA, 2006, p. 28). Esta máfia originou-se devido à
fragilidade econômica, pela economia mascarada e corrupção dentro da antiga
União Soviética, fatos que geraram reflexos dentro da justiça penal, a qual não
contava com leis para o combate das organizações criminosas (BLANCO
CORDERO, 2002, p. 47).
Los grupos delictivos son muy numerosos y están muy repartidos por el
território ruso. Se dedican a múltiples actividades, ligadas,
generalmente, al pillage de los recursos locales. Una de las
particularides de la mafia rusa es su extrema violencia, dirigida tanto
contra los demás miembros del grime organizado – lo que es algo
tremendamente corriente em todas las mafias – como contra las
personas ajenas a las organizaciones mafiosas. Esta violencia, unida a
um estraordinario dinamismo delictivo, convierte a la máfia rusa en
extraordinariamente peligrosa, tanto más cuanto domina casi por
completo la economia rusa. Los mafiosos más emprendedores dejan
Rusia y se instalan por todo el mundo, imponiendo sus métodos. El
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Estado, tanto el ruso como el de las antiguas repúblicas soviéticas,
piensa que es totalmente impossible acabar com ella. Más bien al
contrario, tanto en Rusia como en el resto del mundo se expande
vertiginosamente. (MAILLARD, 2002, p. 71)
Segundo dados oficiais, atualmente, a máfia russa controla 40% dos
negócios privados na Rússia, número que pode subir até 80% se consideradas as
taxas extorquidas de empresas por grupos mafiosos em troca de “proteção”. E
ainda, das empresas que foram privatizadas nos meados dos anos 90, 60% estão
sob o controle total ou parcial da máfia, 50% dos bancos moscovitas possuem
estreita relação com a máfia (índice que aumenta para 70% quando considerado
o sistema bancário russo em geral), 70% do comércio, hotéis e serviços estão sob
o comando dos mafiosos e qualquer nacional ou estrangeiro que pretenda abrir
um escritório de representação em Moscou deve entregar à máfia 15% dos seus
lucros. Há, ainda, fortes indícios de que muitos oficiais e generais russos estejam
ligados à máfia em práticas de corrupção (TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 56).
No Brasil, tem-se conhecimento que uma organização criminosa
chamada Scuderie Le Cocq foi fundada no Rio de Janeiro em 1964, a partir do
homicídio contra um detetive chamado Milton Le Coqc. Desde então, criminosos
eram encontrados mortos ao lado de um cartaz com o desenho de um crânio,
símbolo da organização. Registros mostram que a Scuderie foi criada com o
objetivo de servir à comunidade, combatendo a criminalidade e tóxicos.
Essa organização só passou a ser vista como criminosa a partir de 1992,
quando um menor foi morto depois de conversar com policiais militares (os quais,
juntamente com policiais civis, integram a organização). Quando sua sede, no
Espírito Santo, foi revistada foram encontrados registros de sócios, dentre os
quais estavam um juiz e um promotor (TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 77/79).
16
1.2 O CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO
Não há consenso quanto à conceituação de crime organizado e, dentro
destas perspectivas, esta é uma tarefa à qual poucos se arriscam.
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo (2003, p. 23) afirma que “penalistas
e criminólogos confessam não saber definir crime organizado” pois se trata de
“uma expressão sem nenhum rigor científico; verdadeira figura de linguagem, ao
invés de conceito jurídico e sociológico”.
Evandro Fernandes de Pontes e Guilherme Madeira Dezem, em artigo
intitulado Crime Organizado e Devido Processo Legal, admitem a dificuldade de
conceituação de crime organizado, matéria que está longe de ser objeto de um
entendimento pacífico dentre os estudiosos do tema em todo o mundo (2000, p.
249).
Em contraponto à idéia de Hegel, de que o crime é uma decorrência
natural da vida em sociedade, sendo impossível erradicá-la do meio
social, podemos afirmar que o crime organizado seja a faceta delitual da
própria sofisticação da sociedade, qual seja, é o uso de meios mais
complexos oriundos de outros gêneros do conhecimento humano com o
intuito da prática delituosa. O crime organizado é a atuação de um
fenômeno social não mais de forma eventual, mas de forma autônoma e
sistemática nos moldes empresariais. (PONTES. DEZEM, 2000, p. 249)
Rodolfo Tigre Maia (1997) indica alguns conceitos de crime organizado
elaborados pela doutrina estrangeira, dentre eles destacam-se:
c) O atual diretor do FBI, órgão do Departament of Justice do Governo
norte-americano, o classifica como “uma conspiração criminal
continuada, possuidora de uma estrutura organizada empresarial,
conspiração alimentada pelo medo e pela corrupção” e esta agência o
define como “qualquer grupo possuidor em algum nível de uma estrutura
formalizada e cujo objetivo primário é obter dinheiro através de
atividades legais. Estes grupos mantêm sua posição através do uso da
violência, corrupção de funcionários públicos, tráfico de influência ou
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extorsão, e geralmente alcançam um impacto significativo na população
dos locais ou regiões do país”;
d) a Interpol formalmente já o definiu como “qualquer empresa ou grupo
de indivíduos engajados em uma contínua atividade ilegal que tem por
objetivo primário a geração de lucros, para além das fronteiras nacionais.
Recentemente, a unidade de Crime Organizado da instituição modificou
o conceito para incluir a utilização da violência e de suborno (...)”; (MAIA,
1997, p. 38)
Para entender o crime organizado é preciso ter em mente a necessidade
de estudo do contexto social e cultural em que ele está inserido, visto que
acompanha a evolução social. Assim, estudando o homem, seus princípios e
valores, é possível conhecer a nossa sociedade, sua ordem jurídica e seus
conceitos éticos, nos quais o crime organizado está presente, utilizando-se dos
fenômenos modernos, da tecnologia, eficiência nas comunicações para se
desenvolver (PONTES. DEZEM. 2000, p. 250/251).
Acertadamente, lembra Luiz Flávio Gomes (1997, p. 80) que as
organizações criminosas representam um crime organizado mercantilista.
Entretanto, não se pode esquecer que “o crime organizado possui o seu lado
‘dourado’, isto é, ele também é praticado por gente de colarinho branco. Em torno
da corrupção, favorecimentos ilegais, crimes contra a concorrência pública,
evasão de divisas, sonegação fiscal, etc, há muita organização criminosa”.
No Brasil a Lei n.° 9.034/95 dispõe sobre meios operacionais para
prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. O artigo
1° desta Lei previa, inicialmente, a sua aplicação aos crimes praticados por
quadrilhas ou bando. Com o advento da Lei n.° 10.217/01, este rol de
aplicabilidade foi estendido para ações criminosas praticas por organizações e
associações criminosas de qualquer tipo. Em que pese a alteração da Lei, esta
em momento algum apresentou os conceitos de bando, quadrilha, associação ou
organização criminosa para fins de sua aplicação.
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O Código Penal Italiano, em sentido contrário, define organização
criminosa, chamada em seu texto de associazione di tipo mafioso, no artigo 416
bis, como sendo aquele que exige a participação de pelo menos três pessoas e a
utilização por parte dos membros do grupo de força intimidativa do vínculo
associativo, da condição de submissão ou da lei do silêncio dali oriunda, para
adquirir, de modo direto ou indireto, a gestão ou o controle de atividades
econômicas, de concessões ou de permissões de serviços públicos, para obter
lucro ou vantagem ilícita. Punem-se, também, as ações que visem obstruir o livre
exercício do direito de voto, ou a utilização de poder intimidatório para captar
votos para si ou para outrem2.
Embora haja tal dificuldade doutrinária e jurisprudencial na elaboração do
conceito de crime organizado, é consenso nessas esferas que este está
intimamente ligado a mecanismos e procedimentos voltados para tornar lícito o
dinheiro advindo da atividade delituosa, prática historicamente conhecida como
lavagem de dinheiro.
1.3 DA LAVAGEM DE DINHEIRO E O SEU CONCEITO
Certo é que as organizações criminosas, nas suas diversas áreas de
atuação, geram um grande volume de dinheiro, bens e direitos decorrentes de
2
Chiunque fa parte di un'associazione di tipo mafioso formata da tre o piu' persone (...)
L'associazione e' di tipo mafioso quando coloro che ne fanno parte si avvalgono della forza di
intimidazione del vincolo associativo e della condizione di assoggettamento e di omerta' che ne
deriva per commettere delitti, per acquisire in modo diretto o indiretto la gestione o comunque il
controllo di attivita' economiche, di concessioni, di autorizzazioni, appalti e servizi pubblici o per
realizzare profitti o vantaggi ingiusti per se' o per altri ovvero al fine di impedire od ostacolare Il
libero esercizio del voto o di procurare voti a se' o ad altri in occasione di consultazioni elettorali
(...). Disponível em http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/legislacion/it/cp.htm, acesso em 15 de
novembro de 2007.
19
suas atividades ilícitas, os quais necessitam ingressar na economia de forma a
encobrir sua origem criminosa.
As organizações criminosas e a lavagem de dinheiro não coexistem
separadamente. Não é possível imaginar uma organização criminosa
que não pratique a lavagem de dinheiro obtido ilicitamente, como forma
de viabilizar a continuidade dos crimes, sempre de maneira mais
aprimorada. (...)
(...)
As organizações criminosas operam sempre sobre o eixo dinheiropoder. O dinheiro atrai o poder e vice-versa. Assim, pode-se dizer que
toda organização criminosa precisa e necessariamente pratica lavagem
de dinheiro, mas inverso nem sempre é verdadeiro, pois nem sempre
quem lava dinheiro pertence a uma organização criminosa.
(MENDRONI, 2006, p. 09/10)
Lavagem de dinheiro é “o processo pelo qual se busca atribuir faceta lícita
a ganhos advindos de atividades ilegais, tencionando assim, além de obstar a
atividade estatal (...) a criação de um canal seguro de transferência de valores de
forma a incrementar a atividade delituosa” (MACEDO, 2007, p. 30).
Cada uma das organizações criminosas acima citadas como sendo as
principais em atuação utiliza um procedimento para a lavagem de dinheiro e,
certamente, o avanço tecnológico vem contribuindo para a criação de novas
práticas capazes de burlar o rastreamento de bens e valores.
Para legitimarem os lucros da atividade delituosa, as Tríades Chinesas
agem da seguinte forma:
Los sistemas que emplean para blanquear el dinero han sido descritos
de la seguiente manera. Los chinos transportan el dinero desde el lugar
de recolección hasta el lugar de la inversión en metálico. Se trata, por
tanto, de un sistema de trenasporte físico del dinero, estimándose que
alrededor de unos 10 millones de dólaresem metálico dejan los EE UU
para ser reinvertidos en las operaciones de un contrabandista taiwanés
ubicado en Bolívia. Posteriomente se produce la integración del dinero
mediante la inversión de millones de dólares en negócios situados en
zonas econômicas especiales de Guandong e Fujian. (BLANCO
CORDERO, 2002, p. 42)
20
Os Cartéis Colombianos, devido à grande soma de dinheiro que
arrecadam com o tráfico de drogas, desenvolveram uma forma sofisticada para
lavagem de dinheiro. Esta organização criminosa conta com uma estrutura
hierarquizada, dotada de especialidades e divisão de trabalho (BLANCO
CORDERO, 2002. p. 42). O Brasil também foi apontado pelos Estados Unidos
como sendo o país com mais investimentos e negócios dos Cartéis Colombianos
(TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 65).
(...) Na época, os detidos eram comerciantes e prestadores de serviços
recém-capitalizados que, depois do Plano Collor, faliram e passaram a
alugar suas empresas a traficantes, para usá-las como fachada. A PF
chegou a elencar quinze cidades ao norte e ao noroeste de São Paulo
invadidas por este tipo de neotraficantes. (...) (TOGNOLLI. ARBEX JR.,
2004, p. 65)
Com a expansão dos Cartéis Colombianos Cali e Medellín, o Brasil voltou
ao cenário das investigações internacionais sobre o crime organizado. O Brasil
passa a ser visto, em 1993, a partir de relatório realizado pelo Departamento de
Estado dos Estados Unidos, como sendo a maior rota de distribuição de cocaína
oriunda dos dois principais cartéis colombianos, e ainda, aparece em segundo
lugar na lista de países que possuem dinheiro gerado pelo narcotráfico
(TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 63/64).
A Máfia Siciliana inicialmente utilizava métodos comuns para lavagem de
dinheiro, entretanto, atualmente, também possuem formas sofisticadas de
investimentos, sendo que, inclusive, conta com a colaboração de empresas
nacionais e internacionais com profissionais especializados na lavagem de
dinheiro de organizações criminosas. Mas também fazem investimentos próprios,
sempre com o objetivo de não perder o controle do dinheiro saído da organização,
comprando apartamentos, empresas de importação e exportação, restaurantes,
21
sendo ajudados, muitas vezes, por membros da máfia que tenham imigrado a
outros países (BLANCO CORDERO, 2002, p. 45).
En lo que se refiere al ámbito interno italiano, há aumentado la presión
en el norte de Itália, fundamentalmente en Milán donde existen 8.000
negocios financeiros y 173.000 empresas de comercio. Aquí han
encontrado nuevas condiciones para negocios de compensación
financiera, operaciones de venta fictícias y operaciones financieras
nacionales e internacionales. La diversificación de la mafia va en el
sentido del sector financiero y bancario, hacia empresas que comercian
con títulos valores o de prestación de servicios bancarios como el ramo
del seguro. (BLANCO CORDERO, 2002, p. 46)
O crime organizado no mundo, de uma forma geral, especializou-se na
elaboração de técnicas econômicas e financeiras com a finalidade de movimentar
o dinheiro oriundo de suas atividades ilícitas, sem que o Estado, que condena
esta prática, possa rastrear estes investimentos, os quais voltam à origem com a
faceta livre de qualquer impedimento, a ponto de gerar uma economia criminal
paralela, mas inserida no contexto financeiro mundial3.
1.4 ETAPAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO
O processo de lavagem de dinheiro conta com algumas etapas e a
doutrina preocupou-se em documentar alguns destes processos.
3
Assim é possível constatar a versatilidade do crime organizado, o qual está amparado e adaptado
e amparado pelos avanços advindos da globalização. Nesse sentido, Rodolfo Tigre Mais coloca
que ainda mais quando se trata de instrumento legal indispensável para combater um inimigo
poderoso, astuto e feroz, que atua melhor em uma sociedade cada vez mais globalizada, na qual
os recursos da informática e da telemática aplicados ao fluxo de informações possibilitam uma
intensa e rápida movimentação transnacional de capitais, inclusive através deste inigualável canal
de comunicação, distribuição de produtos, informações e serviços que é a internet.O crime
organizado assimilou estas transformações, combinando as inovações tecnológicas inerentes ao
processo de globalização com as antigas tradições culturais ainda remanescentes em alguns
Estados nacionais. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (lavagem de ativos provenientes de
crime) – anotações às disposições criminais da Lei nº 9.613/98). São Paulo: Malheiros, 1999, p.
15.
22
O modelo elaborado por Bernasconi descreve a lavagem de dinheiro
realizada em duas etapas: a primeira conhecida como money laudering, que
“consiste en aquel conjunto de actuaciones a traves de las cuales se libera a los
bienes contaminados, en un corto periodo de tiempo, de los rastros de su origen
delictivo” (BLANCO CORDERO, 2002, p. 56). A segunda fase é a chamada
recycling e se trata de operações para lavagens de bens em médio e longo prazo,
até que não se consiga fazer a conexão com a atividade delituosa. Neste último
momento é que são feitos os investimentos em restaurantes, cinemas, transações
financeiras internacionais por meio de bancos e bolsa de valores.
O modelo de ciclos para lavagem de dinheiro proposto por Zünd é mais
extenso devido à previsão de algumas particularidades; conta com 10 etapas,
assim descritas: 1 – precipitação: é o dinheiro oriundo da atividade criminosa
recolhido em espécie; 2 – infiltração: é a conversão do dinheiro em espécie em
bens e notas de maior valor; 3 – corrente de águas subterrâneas: refere-se a
consórcio de empresas, momento em que o dinheiro volta para a organização
criminosa e é transformado em outros bens; 4 – lagos subterrâneos: o dinheiro é
direcionado uma parte para a organização criminosa especializada em lavagem
de dinheiro, ou então é dado como pagamento a uma empresa responsável por
realizar a transação internacional; 5 – nova acumulação de lagos: é o repasse de
fundos que estão no exterior para agentes especializados em lavagem; 6 –
estação de bombeiros: o dinheiro entra no sistema financeiro por meio de contas
em bancos e compra de bens; 7 – estação de depuração: nova depuração com o
auxilio de testas de ferro; 8 – aplicação/aproveitamento: com o dinheiro dentro
dos bancos é executada a sua movimentação entre diversas contras legais até a
total ocultação da origem ilícita; 9 – evaporação: diante da ocultação da origem do
dinheiro, este pode retornar, ou não, à sua origem; 10 – nova precipitação: com
23
os devidos impostos pagos, o dinheiro pode ser usado para atividades legais,
completando o esquema que sempre recebe novos fundos (BONFIM, M.
BONFIM, E., 2005, p. 33/34 e BLANCO CORDERO, 2002, p. 57/59).
Dentre outros modelos criados pela doutrina descrevendo o procedimento
para lavagem de dinheiro pelas organizações criminosas, tem-se o modelo
elaborado pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), modelo este
adotado em larga escala.
Esse modelo prevê três fases na lavagem de dinheiro (BLANCO
CORDERO, 2002, p. 62/70 e MAIA, 1999, P. 38/40), quais sejam:
1 – Introdução: momento em que se introduz no sistema financeiro o
dinheiro em espécie advindo da atividade ilícita. É uma fase bastante difícil, pois o
agente deve utilizar a sua identidade para poder introduzir os valores no sistema
financeiro quando o dinheiro já se encontra na localidade onde será investido,
onde chegou transportado por “mulas”. Nessa fase são efetuados depósitos
bancários, aplicações, abertura de contas convencionais ou em paraísos fiscais,
compra de bens e até mesmo cassinos são utilizados.
2 – layering ou ocultação: é a ramificação do dinheiro ilícito injetado no
sistema econômico por meio de transações eletrônicas de valores para contas
nacionais e no exterior, conversão de moeda em aplicações, suporte de
sociedades off-shore, onde o controle estatal é falho ou inexistente, a realização
de um falso rastro documental sobre o destino do dinheiro etc. É nesta fase em
que existe a colaboração da tecnologia na tentativa de mascarar a origem do
dinheiro.
3 – integração: esta última fase corresponde ao momento em que os
valores inicialmente ilícitos voltam a sua origem de forma lícita por meio de
24
investimentos ou simples compra de bens. É o dinheiro disfarçado no lucro do
negócio.
Jean de Maillard (2002, p.88) faz uma crítica a este modelo de lavagem
de dinheiro afirmando que a partir dele se consegue abranger somente as
técnicas arcaicas para lavagem de dinheiro, as quais podem ser facilmente
descobertas e, também, porque este modelo não atende às exigências das
atividades delituosas que atuam hoje na casa dos milhões, e continua:
Por conseguiente, el enfoque clásico, basado en esta clasificación en
ter estapas, no soluciona los problemas que plantea el bloqueo de
dinero negro cuando se sobrepasan determinadas cotas. También
desconoce la diversidad de destinos posibles del dinero blanqueado,
sobre todo dentro del sistema financiero y, por tanto, cuáles son las
diferentes estrategias posibles de uso del dinero delictivo. Este enfoque
supone, inocentemente, que los fondos blanqueados tendrían que
volver a invertirse automáticamente en actividades tradicionales
(consumo, inversiones productivas). Por encima de ciertas sumas de
dinero, és más probable lo contrario: cuando las cantidades son muy
importantes, no pueden volver a introducirse tan fácilmenre en la
economia real; ni siquiera pueden permanecer en la esfera financeira
(...). Por el contrario, las enormes cuantidades de dinero de las
organizaciones delictivas están muy interesadas en permanecer
discretamente ocultas en los mercados financieros donde nadie les va a
preguntar nada; podrán ganar dinero sin hacerse notar, pues, en la
esfera virtual de las finanzas mundiales, ya da igual que sea dinero
sucio o limpo. Los intereses que producen estas inversiones serán más
que suficientes para asegurar el tren de vida de los padrinos mafiosos o
dirigentes corruptos. (MAILLARD, 2002, p. 88)
Em que pese toda dificuldade acadêmica na redação do conceito de
crime organizado e na elaboração de modelos de lavagem de dinheiro, o fato é
que ambos existem e devem ser combatidos por organismos e legislações
eficientes. Desde os primórdios, quando o crime organizado era ilustrado pela
pirataria, a lavagem de dinheiro já andava paralelamente a ele, fazendo com que
coexistissem e evoluíssem no contexto mundial.
Com o crescimento do crime organizado e das práticas de lavagem de
dinheiro, os Estados, isolados e conjuntamente, com apoio de organizações
25
intergovernamentais passaram a se dedicar à produção instrumentos jurídicos e
colaboração interna no intuito de combater a criminalidade transnacional e
desmantelar os esquemas para tornar lícito o dinheiro advindo de práticas
delituosas.
1.5 CONVENÇÕES E ORGANISMOS INTERNACIONAIS
O primeiro documento de âmbito internacional elaborado com o objetivo
de combater a lavagem do dinheiro das organizações criminosas, notadamente
aquelas ligadas ao tráfico de substâncias entorpecentes, foi a Convenção Contra
o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, conhecida como
Convenção de Viena, aprovada na Áustria em 1988.
A Convenção de Viena teve, portanto, o propósito de gerar
conscientização dos Estados de que, tendo a criminalidade organizada
tomado forma empresarial globalizada, seria necessário o seu combate
através de uma cooperação internacional em relação às questões
ligadas ao tráfico ilícito de entorpecentes. (MENDRONI, 2006, p. 15)
A Convenção de Viena possui uma breve exposição de motivos para
justificar a necessidade de tal iniciativa, dentre elas: a preocupação dos países
com a crescente produção e demanda de substâncias entorpecentes que causam
prejuízos à saúde dos seres humanos e descaso com as bases econômicas,
políticas e culturais da sociedade; a preocupação com a entrada das drogas
ilícitas em diferentes grupos sociais e, principalmente, devido à utilização de
crianças como consumidoras, instrumento de produção, distribuição e comércio
dos entorpecentes; o reconhecido vínculo existente entre o tráfico de drogas e
outras atividades criminosas ligadas às organizações que desafiam o mercado
26
lícito, a segurança e a soberania dos Estados; pelo conhecimento das grandes
fortunas oriundas do comércio de entorpecentes que permite que as organizações
transnacionais invadam e corrompam a administração pública, as atividades
comerciais e a sociedade em todos os seus níveis; o reconhecimento de que a
erradicação do tráfico ilícito é de responsabilidade dos Estados, os quais devem
atuar em cooperação uns com os outros a fim de combatê-lo; e a necessidade de
engrandecer o aparato jurídico eficaz no sentido de combater os crimes
internacionais de tráfico de drogas, etc4.
A Convenção foi ratificada pelo Brasil a partir do Decreto n.º 154, de 26
de junho de 1991. Desde então o país se obrigou, dentre outras tarefas, a tomar
providências para que, no âmbito legislativo penal interno, fossem tipificadas
como crime diversas condutas ligadas ao tráfico internacional de substâncias
entorpecentes (de acordo com aquelas previstas no artigo 3° da Convenção),
para criação de normas processuais referentes à jurisdição e competência, para
realizar o confisco de substâncias entorpecentes e dos bens adquiridos com o
dinheiro oriundo da atividade delituosa5, a erradicar as plantações que contenham
ou se prestem a fabricar substâncias psicotrópicas, bem como colaborar com as
investigações no âmbito internacional etc.
Não se utiliza na Convenção o termo lavagem de dinheiro, citado em
alguns de seus documentos preparatórios, entretanto, esta mantém punição das
condutas intimamente ligadas à definição de lavagem, relacionadas apenas ao
crime de tráfico de drogas (BLANCO CORDERO, 2002, p. 105).
4
De acordo com a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias
Psicotrópicas, concluída em Viena, Áustria, em 20 de dezembro de 1988. Disponível no site
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=112636.
5
Inclusive, importante ressaltar que, no artigo 5°, o qual trata do confisco, no item 3, a Convenção
prevê a possibilidade de as autoridades competentes ordenarem a apresentação ou confisco de
documentos bancários, financeiros ou comerciais, não sendo possível se alegar sigilo bancário
para descumprimento da determinação. É neste momento que se vê mais claramente a intenção
de combater a lavagem de dinheiro.
27
Ainda em 1988 editou-se a chamada Declaração da Basiléia, cuja
destinação voltou-se ao setor financeiro internacional. Apresentaram-se apenas
princípios a serem seguidos, sem qualquer obrigatoriedade, para evitar que as
transações bancárias fossem utilizadas para esquemas de lavagem de dinheiro
(MENDRONI, 2006, p. 16). Com esta mesma característica, voltada ao setor
econômico, foi elaborada a Recomendação n.° R (80) 10 do Comitê de Ministros
do Conselho da Europa, em 27 de junho de 1980, a qual versava sobre medidas
de combate a transferência e o “encobrimento de capitais” (BONFIM, M. BONFIM,
E., 2002, p. 16).
Em 1990, foi editada a Convenção sobre Lavagem, Identificação,
Apreensão e Confisco de Produtos do Crime, em Estrasburdo, durante uma
reunião do Conselho da Europa. Foi o primeiro documento a trazer definições
importantes como a de produto, bens, instrumentos, confisco e delito principal.
Mas o seu destaque é merecido pelo fato de ter ampliado o rol de crimes
antecedentes, deixando para trás a exclusividade concedida ao tráfico de drogas
na Convenção de Viena (BONFIM, M. BONFIM, E., 2002, p. 19).
O GAFI, Grupo de Ação Financeira Internacional, foi criado, à época, pelo
G-7, em 1989, no intuito de combater a lavagem de dinheiro. No ano seguinte,
com a adesão de novos Estados, inclusive a do Brasil no ano de 2000, publicou
40 Recomendações tratando de questões penais, financeiras e de cooperação
internacional no tocante à lavagem de dinheiro. É um instrumento importante, pois
também ampliou o rol de delitos antecedentes à lavagem de dinheiro e enfatiza
uma colaboração administrativa, sem intervenção judicial, para que o combate ao
crime seja mais eficiente (BONFIM, M. BONFIM, E., 2002, p.17/18).
No âmbito da Organização dos Estados Americanos, OEA, foi criada a
Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, responsável pela
28
elaboração do Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com
o Tráfico Ilícito de Drogas e outros Delitos Graves, aprovado na XXII Assembléia
Geral da OEA, em 1992. Marcelo Mendroni (2006, p.18) destaca como pontos
principais deste documento, dentre outros, a de tipificação da lavagem de dinheiro
como crime autônomo, medidas cautelares sobre os bens, produtos ou
instrumentos utilizados para o crime, bem como o seqüestro destes por delitos
praticados no estrangeiro, estabelecimento de unidade para recebimento e
análise de informações, definição das pessoas sujeitas às medidas preventivas,
cooperação internacional etc.
No ano de 1994, realizou-se em Miami – EUA, a primeira Cúpula das
Américas, no âmbito da OEA, integrada pelos Chefes de Estados dos países
americanos, quando restou consignada a seguinte recomendação: “Ratificarão a
Convenção das Nações Unidas sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e
Substâncias Psicotrópicas de 1988 e sancionarão como ilícito penal a lavagem
dos rendimentos gerados por todos os crimes graves”, a qual está expressa na
exposição de motivos n° 692/MJ referente à Lei n.° 9.6136/98. A segunda Cúpula
das Américas realizou-se em Santiago – Chile, em 1998, quando foi aprovado
“um sistema de avaliação multilateral para temas relacionados ao tráfico ilícito de
estupefacientes e delitos conexos, entre os quais a lavagem de dinheiro”
(MENDRONI, 2006, p.17).
Foi criado, a partir de uma reunião em Bruxelas, em 1995, o Grupo de
Egmont, cuja função é funcionar como uma rede internacional de agregação de
unidades financeiras de inteligência dos países e, a partir das trocas de
informações, promover um combate efetivo à lavagem de dinheiro no mundo.
29
Para tanto, buscam descobrir a rota do dinheiro advindo do tráfico ou de
outros crimes considerados graves até chegar a seus donos (MENDRONI, 2006,
p.20).
O Brasil faz parte deste grupo que, atualmente, conta com 93 membros,
grupo este caracterizado mais por ações repressivas do que preventivas
(MACEDO, 2007, p. 52).
1.6 DA LEI N.º 9.613/98
O Brasil ratificou a Convenção de Viena três anos após a sua criação,
entretanto, só cumpriu os preceitos destinados ao combate à lavagem de dinheiro
no âmbito interno por volta de sete anos depois, com a edição da Lei n.° 9.613 de
03 de março de 1998, a qual tipificou como crime a lavagem de dinheiro, com
pena de reclusão de três a dez anos e multa.
A exposição de Motivos n° 692/ MJ, referente à Lei n.° 9.613/98, destaca
como textos internacionais influentes de tal legislação a Convenção contra o
Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de substâncias Psicotrópicas, aprovado em
Viena no ano de 1988 e ratificado pelo Brasil mediante o Decreto n° 154/1991; o
Regulamento Modelo sobre os Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico
Ilícito de Drogas e Delitos Conexos aprovado na XXII Assembléia-Geral da OEA,
em Bahamas; o Plano de Ação elaborado durante a Cúpula das Américas
ocorrida em Miami no ano de 1994, documento que recomendava a ratificação do
documento elaborado na Convenção de Viena; e, por fim, a Declaração de
Princípios relativa ao tema firmado em Buenos Aires, em 1995, durante a
Conferência Ministerial sobre a Lavagem de dinheiro e Instrumento do Crime.
30
O termo “Lavagem de Dinheiro”, segundo a Exposição de Motivos n°
692/MJ, foi adotado pelo legislador pois se entendeu como pertinente a utilização
de um termo que denotasse limpeza e também pela natureza da ação praticada,
dadas as características da conduta, a qual tem o condão de transformar dinheiro
advindo do crime, ou seja, sujo, em dinheiro limpo. Considerou-se, ainda, o fato
de que o termo “Lavagem de Dinheiro”, à época, já estava inserido no rol de
expressões das atividades financeiras, bem como na linguagem formal e coloquial
do Brasil, ao contrário do termo “branqueamento” utilizado em outros países de
língua portuguesa.
O anteprojeto da Lei foi obra do Ministério da Justiça sob a coordenação
de Nelson Jobim, então Ministro, e previa apenas quatro delitos antecedentes ao
de lavagem de dinheiro: tráfico de entorpecentes, aqueles praticados por
organizações criminosas, terrorismo e os crimes contra a administração pública
(CASTILHO, 2004, p. 47).
A lei, no seu art. 1°, previu que somente haverá o delito de lavagem de
dinheiro se restar demonstrado que os bens, direitos ou valores “lavados” são o
resultado dos seguintes crimes antecedentes: tráfico de drogas, terrorismo,
contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção,
extorsão mediante seqüestro, crimes contra a administração pública, contra o
sistema financeiro nacional e aqueles praticados por organizações criminosas.
Vale destacar que esta é considerada uma lei de segunda geração, uma
vez que elencou rol taxativo de crimes antecedentes ao de lavagem de dinheiro,
assim como ocorre nas legislações da Alemanha, Espanha e Portugal. São
consideradas normas de primeira geração aquelas que prevêem somente o crime
de tráfico de drogas como crime antecedente, e de terceira geração aquelas que
31
admitem como crime antecedente ao delito de lavagem de dinheiro qualquer
delito, como ocorre na Bélgica, França, Itália, Suíça e Estados Unidos.
A Exposição de Motivos 692/MJ assim justifica a escolha do rol dos
crimes antecedentes:
21. (...) algumas dessas categorias típicas, pela sua própria natureza,
pelas circunstâncias de sua execução e por caracterizarem formas
evoluídas de uma delinqüência internacional ou por manifestarem-se no
panorama das graves ofensas ao direito penal doméstico, compõem a
vasta gama da criminalidade dos respeitáveis. Em relação a estes tipos
de autores, a lavagem de dinheiro constitui não apenas a etapa de
reprodução dos circuitos de ilicitudes como também, e principalmente,
um meio para conservar o status social de muitos de seus agentes.
22. Assim, o projeto reserva o novo tipo penal a condutas relativas a
bens, direitos ou valores oriundos, direta ou indiretamente, de crimes
graves e com características transnacionais.
Não estão incluídos no rol de crimes antecedentes, como bem se notou,
os crimes contra a ordem tributária. A justificativa, para tanto, de acordo com a
Exposição de Motivos da Lei é que nesta espécie de crimes não existe um
aumento no patrimônio do agente devido ao não cumprimento de uma obrigação
fiscal, e sim, manutenção de seu patrimônio. Quando o agente não paga tributo
está sonegando e não lavando bens, direitos ou valores oriundos de atividade
delituosa, uma vez que o dinheiro é seu (CASTILHO, 2004, p, 50).
Devido à previsão da Lei n.° 9.613/98, foi criado no Brasil o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (COAF), unidade de inteligência financeira
destinada a proteger a economia nacional. Está ligado ao Grupo Egmont na
tentativa de auxiliar ao combate a lavagem de dinheiro no mundo. O COAF
elaborou, juntamente com a Federação Brasileira de Bancos, uma coletânea de
legislação para combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo
e, na apresentação da obra, Antônio Gustavo Rodrigues, então presidente do
32
COAF, informou que este órgão consolidou-se durante os primeiros sete anos de
sua criação. (COAF, 2005, p. 3).
Sem adentrar no mérito quanto à eficácia da lei, pode-se afirmar que o
Brasil, ao tipificar a lavagem de dinheiro como crime, está atendendo a uma
exigência mundial de combate à criminalidade globalizada de natureza
econômica, que oferece novos riscos à sociedade e utiliza os avanços
tecnológicos, bem como da nova feição político-econômica mundial marcada pela
globalização, que possibilita uma rápida circulação de capitais. É o direito penal
atuando em áreas antes impensadas.
33
2 BEM JURÍDICO
Em épocas remotas da história, o delito estava ligado à idéia de pecado
devido
às
transgressões
de
normas
tidas
como
divinas.
Aquele
que
desobedecesse a vontade de Deus tinha como pena a expulsão do meio social e
cultural. O delito era caracterizado pelo sentido ético, vez que havia uma confusão
entre delito e pecado (PRADO, 2003, p. 27/28).
A sociedade e o direito passaram por diversas transformações até o
surgimento do iluminismo, época em que se enalteceu o uso da razão como
forma de progresso. Nesse contexto, foi preciso que o direito penal
acompanhasse as transformações para poder atender aos novos anseios sociais.
A partir de então, o delito rompeu com as preocupações ético-religiosas e
encontrou a “sua razão de ser no contrato social violado” (PRADO, 2003, p. 27) e
a pena passou a atuar como medida preventiva.
Em precedentes históricos o direito penal possuía uma característica
eminentemente individualista atuando em defesa de direitos subjetivos, sem
considerá-los, contudo, bens jurídicos. Esta noção kantiana, presente na doutrina
de Feuerbach, está intimamente ligada à proposta de autonomia subjetiva,
característica do contratualismo.
Trata-se do poder punitivo vinculado à proteção de direitos individuais, em
que a vítima é bastante considerada (YACOBUCCI, 2005, p. 77).
O delito seria sempre a violação de um direito subjetivo variável, de
acordo com a alteração da espécie delitiva e pertencente à pessoa
(física ou jurídica) ou ao Estado. A ação delitiva deve contrariar um
direito subjetivo alheio. O Direito Penal desse período se expressou na
doutrina jurídica privatista de Feuerbach: lesão de um direito subjetivo. O
fundamental não é que a conduta lesiva se dirija contra uma coisa do
mundo real. O objeto da proteção, integrado por uma faculdade jurídica
privada ou uma atribuição externa individual constitutivas de direito
34
subjetivo, representa o núcleo essencial do fato punível, sobre o qual se
deve configurar o conceito jurídico de delito. (PRADO, 2003, p. 29).
Na tentativa de superar idéia de um direito penal individualista é que
nasce o conceito de bem jurídico. Ocorre, neste período, um processo de
estatização do direito penal, sendo o Estado o único autorizado a punir. O foco se
volta para a busca do status anterior ao crime e a inserção do criminoso na
sociedade, sem, contudo, oferecer a mesma atenção à vitima, antes tida como o
centro do conflito (YACOBUCCI, 2005, 76/77). É abandonada a perspectiva de
um indivíduo afetado pela conduta do outro, já que esta pode representar um
risco e influir nos pressupostos essenciais da vida em comum, como a “ordem, a
paz e a segurança”. (YACOBUCCI, 2005, p. 78).
Assim, em meados do final do século XIX, o delito passa a ser visto como
lesão ou perigo de lesão a um bem, o qual se revela objeto da tutela penal. Nessa
época, a partir da doutrina de Birnbaum (1834), nasce o conceito de bem jurídico,
o qual se caracteriza por um bem de cunho material protegido pelo Estado. O
crime não pode violar um direito subjetivo, pois o direito não pode ser violado
(GOMES, 2006, p.7/18).
Segundo a concepção de Birnbaum, de 1834, os direitos subjetivos são
deslocados do centro da proteção penal, ocupando seu lugar a noção
de bem, entendida em boa hora como objeto ou coisa. Nessa
perspectiva sobressai a idéia de lesão ou colocação em perigo que,
considerada naturalisticamente, não parece adequada ao conceito de
direito subjetivo; é porém congruente com a afetação das coisas ou
objetos. A postura de Birnbaum, de fato, supõe a ampliação do
horizonte de proteção do direito penal, pois na prática inclui condutas
lesivas de moralidade e da religião estatal (bens imateriais).
(YACOBUCCI, 2005, p. 78).
A partir de então, a noção de bem jurídico passou a ser objeto de estudo
e sofreu diversas alterações com o tempo. Contudo, ainda se está longe de um
35
consenso a respeito do tema. Nesse sentido, Figueiredo Dias, nos dizeres de
Alice Bianchini, entende que até o presente momento não foi possível obter uma
segurança em relação ao tema, sendo, portanto, impossível convertê-lo em um
conceito, que qualifica como “fechado”, que nos permita ter certeza do que pode
ou não ser criminalizado (BIANCHINI, 2002, p. 37).
Retornando ao conteúdo histórico, é necessário destacar a doutrina de
Franz von Liszt, para quem a noção de bem jurídico está intimamente ligada à
“existência das pessoas dentro da sociedade” (YACOBUCCI, 2005, p. 78).
O bem jurídico, objeto da proteção do direito, em última análise é
sempre a existência humana nas suas diversas formas e
manifestações. Ela é que é o bem jurídico, isto é, centro de todos os
interesses juridicamente protegidos. Mas a existência humana aparecenos como existência do homem considerado na sua individualidade ou
como existência dos membros da comunhão na sua coletividade. Todos
os interesses atacados pelo crime e protegidos pelo Direito Penal se
distinguem consequentemente em bens do indivíduo e em bens da
coletividade. (LISZT, 2003, 27)
Quando afirma que o indivíduo, como ser existente, deve ser o objeto da
proteção do direito, quer dizer que o ordenamento jurídico, como ordem de paz,
deve lhe assegurar o livre exercício de suas faculdades, cujo contexto engloba em
primeiro lugar a proteção da vida física. Destaca como bens da coletividade o
Estado, a administração pública e o poder público (LISZT, 2003, p. 28/30).
Como informa Luiz Régis Prado (2003, p. 36), na concepção de Liszt, o
bem jurídico localiza-se no limite entre a política criminal e o direito penal. “O bem
jurídico vem a ser, portanto, uma criação da experiência e como tal é um
interesse vital do indivíduo ou da comunidade”.
Assim, não é função do ordenamento jurídico criar bens jurídicos e sim
elevá-los a este nível a partir de sua importância dentro do contexto social, visto
36
que “o centro da noção de bem jurídico se relaciona com a pessoa que vive em
sociedade” (YACOBUCCI, 2005, p. 78).
Binding, em sentido contrário, destaca que bem jurídico é tudo aquilo que
o legislador entende como relevante para o ordenamento jurídico, oferecendo,
portanto, uma visão metodológica diversa, ou seja, o bem jurídico está
diretamente vinculado à norma. Diego-Manuel Luzón Peña (2004, p. 326) assim
se manifesta sobre o tema:
Una posición conservadora y positivista, que arranca de Binding,
considera que bien jurídico es todo objeto (en sentido amplio, material o
inmaterial) que la ley, y concretamente la ley penal en los respectivos
tipos, considera digno de protección jurídica, y sólo esse objeto
legalmente reconocido como valioso y protegido; es decir que el
catálogo de bienes jurídicos se desprende de la ley y es definido por la
propia ley.
Com relação à pena imposta ao criminoso, Binding entendia que esta
incidia não em virtude do dano causado, mas sim por um cumprimento de dever
do Estado (YACOBUCCI, 2005, p. 81).
A partir do século XX, já no direito penal contemporâneo, toma lugar uma
concepção metodológica do bem jurídico. Trata-se de um valor abstrato, de cunho
social juridicamente protegido. Nesse sentido, tem-se a doutrina de Hans-Heinrich
Jescheck (2002, p. 08):
Las normas jurídico-penales no protegen a los bienes jurídicos
sencillamente en su existencia, sino únicamente frente a acciones
humanas. Por eso al Derecho penal no le interesan catástrofes
naturales inevitables, incluso aunque éstas casen graves daños. De
significado jurídico-penal son únicamente las consecuencias de la
voluntad humana que desatiende la pretención de validez del bien
jurídico, socavando así la base de confianza necesaria en la
convivencia de las personas. El desvalor de acción del hecho punible
reside en la acción peligrosa objeto del ataque. El derecho penal
materializa la protección de bienes jurídicos, pues busca mantener la
concordancia entre la voluntad de los destinatarios de la norma y las
exigencias del Ordenamiento jurídico. El delito se muestra así,
37
similtáneamente, como la lesion del bien jurídico y la infracción del
deber.
Nesse sentido, destaca-se o bem jurídico como um valor cultural, no qual
o delito se situa no campo valorativo e não no social; é o bem jurídico protegido
em conseqüência da “observância dos valores da consciência jurídica”. Para
Guilhermo Jorge Yacobucci (2005, p. 82):
Sem discutir a importância do conceito de bem jurídico, Welzel
supervalora, na década de sessenta, a relevância do desvalor da ação
em relação ao desvalor de resultado. O bem jurídico, diz, é “todo Estado
social desejável que o direito quer resguardar de lesões. A soma dos
bens jurídicos constitui a ordem social”. Neste âmbito explica o mestre
alemão que o direito penal quer proteger determinados bens vitais da
comunidade, porém esta proteção se faz com a ameaça de uma sanção
a certas condutas dirigidas a lesão de bens jurídicos. (YACOBUCCI,
2005, p. 82)
Na Alemanha, modernamente, desenvolveram-se as teorias sociológicas
na evolução da noção de bem jurídico. Tais teorias outorgam ao bem jurídico uma
característica social, de caráter funcionalista.
O bem jurídico é ligado à idéia de disfuncionalidade para o sistema social,
oportunidade em que o jus puniendi atua em desfavor de condutas danosas ao
meio.
(...) Assim, o direto penal só pode criminalizar condutas socialmente
danosas (exigência esta que a própria Constituição alemã impõe ao
definir o Estado alemão como um Estado de Direito); é socialmente
danoso o facto disfuncional, o facto que dificulta ou impede que o
sistema social resolva os problemas da sua sobrevivência e
manutenção – o crime é um caso particular de facto disfuncional. Ao
Direito Penal compete agir em sentido contrário ao do crime – impor
uma sanção que tem por finalidade repor a confiança na funcionalidade
do sistema. (CUNHA, 1995, p. 92)
É bem verdade que esta doutrina não conseguiu apresentar um conceito
material de bem jurídico que indicasse qual o bem que a conduta criminosa
38
lesiona, bem como não expressou por que certas sociedades criminalizam
determinados comportamentos (PRADO, 2003, p. 39 e 43).
Por outro turno, a Itália adotou em grande parte as teorias constitucionais
do bem jurídico. Esta teoria tem como objetivo conferir ao legislador ordinário
parâmetros para compor ilícitos penais a partir da Constituição. Nos dizeres de
Luiz Régis Prado, opera-se uma “espécie de normativização de diretivas políticocriminais” (PRADO, 2003, p. 62). Para Claus Roxin (2003, p.56):
El punto de partida correcto consiste en reconocer que la única
restricción previamente dada para el legislador se encuentra en los
principios de la Constitución. Por tanto, un concepto de bien jurídico
vinculante politicocriminalmente sólo se puede derivar de los cometidos,
plasmados en la Ley Fundamental, de nuestro Estado de Derecho
basado en la liberdad del individuo, a través de los cuales se le marcan
sus límites a la potestad punitiva del Estado. En consecuencia se puede
decir: los bienes jurídicos son circunstancias dadas o finalidades que
son útiles para el individuo y su libre desarrollo en el marco de un
sistema social global estructurado sobre la base de esa concepción de
los fines o para el funcionamento del propio sistema.
No entendimento de Rudolphi, citado por Luiz Régis Prado (2003, p. 64),
a Constituição deve ser utilizada como parâmetro para apuração de valores
fundamentais, estando o legislador ordinário adstrito à proteção de bens jurídicos
previamente estabelecidos à ordem jurídica penal. O Estado de Direito deve estar
vinculado ao princípio da legalidade, encontrando legitimação na justiça material.
Desse modo, o bem jurídico é visto como uma unidade de função social,
indispensável à manutenção da sociedade e que vê na norma constitucional a
base do sistema.
Destaca Luiz Régis Prado (2003, p. 62) que a Constituição deve ser
observada pelo legislador ordinário, cuja limitação para definir bens jurídicos está
na consideração de valores consagrados no texto constitucional, os quais já
dotam
de
reconhecimento
social.
“Encontram-se,
portanto,
na
norma
39
constitucional, as linhas substanciais prioritárias para a incriminação ou não de
condutas”.
Por todo o exposto, é fácil constatar uma grande dificuldade doutrinária
para conceituar bem jurídico, o qual vem sendo objeto de estudo constantemente,
a ponto de ser considerado um conceito em crise.
Em nosso tempo, entretanto, esse conceito foi posto em crise desde
duas perspectivas diferentes. De um lado na política criminal, já eu o
legislador utilizou o direito penal em áreas da vida social, econômica,
etc., em que os objetos de proteção carecem da mesma determinação
que nos casos de bens essenciais da pessoa individual. Porém, o outro
ponto de crise vem desde o campo da dogmática penal. Neste sentido o
pensamento penal dos nossos dias chega a duvidar que o direito penal
dos nossos dias chega a duvidar que o direito penal realmente proteja
bens jurídicos. Nas posições mais extremas voltou-se a critérios que
dizem que o substancial do delito é a desobediência à norma. (...)
(YACOBUCCI. 2005, p. 73)
Entretanto, é correto afirmar que a maior parte da doutrina considera
como função primeira do direito penal a proteção de bens jurídicos. Atualmente,
cabe ao legislador elencar o rol de bens jurídicos a serem protegidos, a partir da
necessidade de cada sociedade e momento histórico (SILVEIRA, 2003, p.35).
Partindo do pressuposto de que o direito penal é uma matéria em
expansão, e considerando a constante evolução da sociedade, nada mais natural
do que se prever o surgimento de novos bens jurídicos a serem tutelados, ou
então de uma nova valoração a situações preexistentes. Também devem ser
considerados determinados bens, que devido a sua escassez recente, passaram
a ter uma importância maior dentro da sociedade, como, por exemplo, o meio
ambiente (SILVA SÁNCHEZ, 2002, p. 27).
As mudanças causadas pela verdadeira revolução tecnológica notada na
sociedade das últimas décadas foram também sentidas no âmbito
sociológico. Praticamente, todas as relações socioeconômicas sofreram
profundas alterações. A confirmação de que estas transformações
40
propiciaram o surgimento de uma nova criminalidade chega a ser
preocupante. Como se viu, desde Birnbaum, muito avançou a
conceituação de bem jurídico. Este veio a mudar o paradigma do Direito
Penal, sendo que, hoje, este direito não se refere a considerações
unicamente quanto aos indivíduos, senão no objeto de proteção penal.
Tem-se, por certo, antes de tudo, um problema de decisão política e não
de subjetividade do sujeito (SILVEIRA, 2003, p. 35)
A doutrina estrangeira mostra que na Espanha e na Alemanha, pelo
menos nos últimos dez anos, a política criminal está focada na criminalização, e
não na descriminalização.
As novas tendências do direito penal não estão focadas em sua parte
geral ou naquelas referentes à pena e ao sistema penitenciário. É dever do
legislador preocupar-se com as novas tendências tecnológicas advindas do
avanço científico.
Assim, a parte especial do direito penal e as legislações penais especiais
estão em destaque devido à necessidade de criação de novos tipos penais em
áreas como meio ambiente, economia, processamento de dados, drogas,
impostos, mercado exterior e todos aqueles delitos ligados à criminalidade
organizada (HASSEMER, 1999, p. 52).
Os bens jurídicos supra-individuais são aqueles bens mais genéricos e
elementares, que visam proteger não a um bem individual, nem um
bem pertencente a todos, mas a um bem que pertence a um
agrupamento de indivíduos. Assim, de um lado podemos encontrar
bens jurídicos gerais, que se caracterizam por pertencerem à
generalidade das pessoas que se integram na comunidade social e, de
outro, há bens jurídicos denominados difusos que, diferentemente dos
antecedentes, afetam a totalidade das pessoas. (CASTELLAR, 2004, p.
40)
Nos dizeres de Renato de Mello Jorge Silveira (2003, p. 56/57), o Estado
Democrático de Direito determinou uma exagerada preocupação com os bens
jurídicos atinentes à pessoa, o que não pode prejudicar a valoração de outros
41
bens, os quais se referem a novos bens jurídicos supra-individuais. Estes bens
de cunho supra-individuais devem ser considerados jurídicos, e, portanto,
passíveis de tutela penal, a partir do momento em que reflitam na vida social da
pessoa, fazendo com que se deixe de lado o conceito iluminista de uma
consideração da pessoa no campo individual.
Lênio Luiz Streck afirma que no âmbito jurídico nacional esta crise
também persiste. Entendo o autor que o país continua ligado a “um paradigma
penal de nítida feição liberal-individualista” (2004, p. 307), sem conter preparo
para enfrentar delitos de cunho transindividual (de bens jurídicos coletivos), os
quais compõem “majoritariamente o cenário desta fase de desenvolvimento da
Sociedade brasileira” (2004, p. 307).
2.1 O BEM JURÍDICO PROTEGIDO NO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
A possibilidade de o direito penal tutelar bens jurídicos supra-individuais é
de suma importância no tema atinente à lavagem de dinheiro, pois, embora a
doutrina não seja unânime a indicar qual o bem jurídico protegido com a
criminalização da lavagem de dinheiro, como se verá adiante, parte dela entende
o crime inserido nos delitos econômicos, que são direcionados a bens de
natureza coletiva.
Nesse contexto, aplicando esta nova ordem de proteção de bens jurídicos
supra-individuais, ou coletivos, ao delito de lavagem de dinheiro, é possível
afirmar que a introdução de dinheiro advindo de práticas delituosas nos sistemas
financeiros nacional e mundial passou a desestabilizar determinados setores da
economia, fazendo com que as atenções se voltassem à necessidade de coibir tal
prática, que tem o condão de transformar os lucros do crime em dinheiro lícito.
42
O legislador pátrio tipificou o crime de lavagem de dinheiro no texto da Lei
Federal n.º 9.613/98, como cumprimento à recomendação da Convenção de
Viena. A ementa de Lei reza que esta “dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou
ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema
financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de
Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências” (BRASIL, Lei n.°
9.613/98).
São
citados
como
possíveis
bens
jurídicos,
dentre
outros,
a
administração da justiça, a ordem econômica ou mesmo bem jurídico tutelado
pelos crimes antecedentes.
Omar Orsi (2007, p. 295) traça uma relação entre as etapas evolutivas do
crime de lavagem de dinheiro e o bem juridicamente tutelado por este delito.
Assim, quando em uma primeira etapa, o delito de lavagem de dinheiro
estava exclusivamente ligado ao tráfico de substâncias entorpecentes, o bem
jurídico tutelado era a saúde pública, o mesmo protegido pela criminalização do
tráfico de drogas. Era, pois, combatido como um meio para atingir o tráfico de
drogas.
Quando a lavagem de dinheiro deixou de estar ligada exclusivamente ao
tráfico de drogas, foi criada a base, segundo o autor para que o crime fosse
considerado um delito autônomo.
Numa terceira etapa, o delito de lavagem de dinheiro, já considerado
autônomo, deixa de estar ligado a outros delitos prévios pelo bem jurídico ou por
uma relação de meio e fim, passa a ter um fim em si mesmo, adquirindo todos os
requisitos de um delito autônomo.
Assim, passa-se a discutir a natureza do bem jurídico tutelado pela
criminalização da lavagem de dinheiro. Para aqueles que vêem a lavagem de
43
dinheiro como uma espécie do gênero sonegação, o bem jurídico a ser tutelado é
o correto funcionamento da administração da justiça; para os que o vêem como
um delito que recai sobre a economia e suas regras de regulamentação, o bem
jurídico é constituído em torno da ordem socioeconômica ou do direito de
preservação da livre concorrência etc.
Como fuere, la rapidez con que estas dos ultimas se alternaran en la
sucesión de la primera lleva a relativizar las diferencias que entre ellas
median. En efecto, tales discrepancias no parecen ser más que meros
desacuerdos conyuturales sobre el alcance práctico de las regulaciones,
pues ambas encajan perfectamente en el contexto que les ha dado vida:
el afloramiento y expanción del de los control de los flujos financeiros.
Así, aun cuando se discuta si el hecho previo debe limitarse a los delitos
graves a cierto número de ilícitos o si, por otro lado, cabe encuadrar el
fenómeno en la receptación, el encubrimiento o en los delitos contra el
orden económico, lo cierto es que tras todo ello sobrevuela la Idea de
resguardar el orden económico y la posibilidad mediata de que, con su
socavamiento, se afecte la estabilidad política y social. (ORSA, 2007, p.
298/9).
Não existe um consenso doutrinário acerca de qual seria o bem jurídico
tutelado com a tipificação do delito de lavagem de dinheiro, sendo essa uma das
maiores discussões dentro do tema de lavagem de dinheiro.
Omar Orsi (2007, p. 303), inicialmente sem tomar posicionamento, faz um
estudo analítico expondo as razões pelas quais se pode considerar determinados
bens como protegidos juridicamente pela criminalização da lavagem de dinheiro:
1. O mesmo bem jurídico do delito prévio: o bem jurídico da lavagem de
dinheiro pode coincidir com o do delito que deu origem ao capital a ser lavado.
Dentro de um plano integral a lavagem funciona como um fim, completando o
delito prévio e promovendo sua reiteração.
Duas vertentes se manifestam dentre aqueles que acatam o bem jurídico
do delito antecedente como aquele protegido pela criminalização da lavagem de
dinheiro. A primeira relaciona a lavagem de dinheiro com a lesão concreta
44
causada pelo crime antecedente, assim, busca-se perseguir aqueles que
colaboraram para garantir o proveito alcançado, impedindo o término do crime
inicial, dentro do qual a lavagem de dinheiro funciona como uma nova progressão
ao ataque do mesmo bem jurídico. A segunda vertente trata do perigo de lesão,
ou seja, o crime antecedente não pode ser visto como uma conduta isolada, e sim
parte de um elo de uma meta criminal prolongada, ou seja, a lavagem de dinheiro
mantém a continuidade do delito por meio da garantia econômica necessária. Não
se trata, portanto, de uma lesão já ocorrida, mas daquela que poderá ocorrer
mediante o patrocínio advindo da lavagem de dinheiro. (ORSI, 2007, p. 304)
2. Ordem Pública: considerando-se que a lavagem de dinheiro auxilia o
autor do delito prévio a colocar no sistema econômico os proventos de sua
atividade delituosa, pode-se afirmar que a lavagem de dinheiro em si não está
ligada, necessariamente, a nenhum delito em particular.
Para configurar a lavagem de dinheiro basta que o capital advenha de
delitos ligados a uma atividade criminosa continuada, dentro de um plano criminal
organizado, fazendo com que, conseqüentemente, a ordem e a tranqüilidade
pública sejam lesionadas.
Nessa perspectiva, os autores deste crime podem agir como uma
organização criminosa isolada, responsável apenas pela lavagem de dinheiro,
sem possuir qualquer relação com os autores e prática do crime antecedente, ou
então a lavagem de dinheiro pode funcionar como uma vertente da organização
criminosa que comente o delito antecedente e poderia ser punida também como
uma atividade de apoio e desenvolvimento da atividade criminal. (ORSI, 2007, p.
305/306)
3. Administração Pública: neste plano a criminalização da lavagem de
dinheiro não protege o Estado e sim o bom funcionamento dos órgãos do governo
45
e de todos os desdobramentos dos três poderes. Os atos praticados para ocultar
a origem ilícita dos proventos do crime destinam-se a esconder esta origem dos
órgãos governamentais competentes, comprometendo o bom funcionamento
destes setores específicos. Desta forma, não se estaria lesionando um sujeito ou
uma coletividade e sim as delegações conferidas dentro do Estado para garantir
ordem, no campo econômico, em benefício dos cidadãos.
Dentro dessa perspectiva, um outro posicionamento mais aceito afirma
que as condutas praticadas com o fim de ocultar a origem ilícita dos bens, direitos
e valores advindos do crime, de esconder autores e co-autores dos delitos e a
evitabilidade de confiscação de bens lesionam e dificultam a administração da
justiça, situação em que se considera mais o valor probatório do que o valor dos
bens ocultados em si. (ORSI, 307/308)
4. Fé pública: a fé pública em seu sentido original é ligada ao Estado, em
relação à verdade acerca de atos, documentos, signos ou símbolos fundamentais
para exercício das atividades da vida civil. Passou de um bem jurídico destinado
aos atos do Estado para os atos praticados por particulares, representando uma
confiança geral. O delito de lavagem de dinheiro fere a fé pública quando os
sujeitos do crime se utilizam da confiança estabelecida dentro dos negócios e
transações comerciais para conferir aparência lícita aos proventos criminosos. Há
quem considere que a fé pública em seu sentido original possa ser o bem jurídico
lesionado pela lavagem de dinheiro quando o sujeito ativo do crime pratica
condutas de falsidade documental, gerando documentos falsos ou alterando
documentos verdadeiros para garantir a ocultação da origem delitiva do bem ou
valor. (ORSI, 2007, p. 309/310)
5. Ordem Socioeconômica: entende o autor que a ordem socioeconômica
não pode ser bem jurídico tutelado pela criminalização da lavagem de dinheiro
46
visto que o Código Penal assim não o considera dentro de sua parte especial, em
que pese seja ela reconhecida pela Constituição Federal e por leis especiais. Há,
neste caso, somente uma violação ao marco normativo constitucional e especial,
os quais legitimam e regulamentam o livre mercado e seus objetivos. (ORSI,
2007, p.313)
6. Propriedade: pode ser a propriedade um bem jurídico protegido pela lei
de lavagem de dinheiro quando se consideram os efeitos nocivos da inserção de
dinheiro advindo de crime na economia.
Para tanto, devem ser considerados os patrimônios constituídos de bens
ou direitos dotados de valor econômico e sejam alvo de proteção jurídica. Esta
situação pode ser constatada, por exemplo, pela troca de bens ilícitos por lícitos
envolvendo-se terceiro de boa-fé na negociação, o qual supõe adquirir bem
negociável.
A lavagem de dinheiro ainda pode trazer desfalque financeiro àqueles
que precisam competir comercialmente com capital advindo de atividade
delituosa, ou a usuários de bens e serviços. Uma empresa constituída com
capitais ilícitos não opera com o mesmo custo-benefício de uma lícita, fazendo
com que estas percam clientes de suas carteiras a estes outros. Pode-se,
considerar, portanto, que a inserção de ativos ilícitos no mercado causa efeitos
negativos à economia de forma geral. (ORSI, 2007, p.314)
Para Marcelo Batlouni Mendroni (2006, p. 30/31), os bens jurídicos
protegidos pela Lei de Lavagem de Dinheiro limitam-se à administração da justiça
e à ordem econômica.
Afirma ele que nos “crimes parasitários”, que dependem de outro anterior,
o bem juridicamente tutelado seria a administração da justiça a partir do momento
em que esta visa contribuir para a apuração e punição de delitos agressores à
47
ordem pública e não conseguem vislumbrar um retorno eficiente desta mesma
administração no intuito de defender a sociedade. Justifica a ordem econômica
como bem jurídico devido ao impacto negativo da introdução de grandes somas
de dinheiro no sistema socioeconômico.
Esse dinheiro pode gerar o quebramento de empresas regulares (o que
acarreta em demissões e domínio de mercado, por exemplo), pois o crime
organizado dispõe de capital suficiente para praticar ações de dumping,
underselling, formação de cartel com outras de igual condição etc. E, ainda,
porque esta inserção de dinheiro no mercado econômico possibilita o
aprimoramento do crime.
Por outro turno, Carlos Márcio Risse Macedo (2007, p. 62/63) elege a
ordem econômica como bem jurídico protegido pela Lei de Lavagem de Dinheiro
e destaca que esta foi prevista constitucionalmente desde a Constituição de 1946,
vigorando, também, no atual texto constitucional, fazendo com que o legislador
pátrio, atento às evoluções do direito, editasse a lei incriminadora da lavagem de
dinheiro.
Os
fundamentos
apresentados
para
justificar
tal
proteção
são,
basicamente, os mesmos apresentados pelo autor acima citado. Aceita, ainda,
como objeto jurídico da lavagem de dinheiro os bens jurídicos atacados pelos
crimes antecedentes.
A lavagem de dinheiro é crime acessório, podendo somente existir a
partir da ocorrência de delitos prévios, fazendo com que se torne inevitável a
proteção dos bens jurídicos destes crimes, os quais também se pretende evitar.
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo (2003, p. 74/75) informa que a
perspectiva de ver como bem jurídico da Lei de lavagem de dinheiro o bem
jurídico do crime antecedente está ligada à primeira fase de caracterização do
48
delito prévio, quando este somente se referia ao tráfico de entorpecentes, fazendo
com que a lavagem de dinheiro, conseqüentemente, tutelasse apenas a saúde
pública. Sendo assim, o delito de lavagem de dinheiro teria o objetivo apenas de
coibir o tráfico. O autor não concorda com este entendimento “porque almeja criar
um supertipo, cuja função seria atuar nas hipóteses de ineficácia de outro tipo
penal, o que implicaria a própria negação da idéia de tipo”. E continua:
Não fosse isso, ainda, se estaria pretensamente prevenindo o
cometimento de um crime, impondo-se ‘pena a sujeito diverso daquele
cujo comportamento se quer evitar’ (...).
Não se mostram idênticos os bens jurídicos, porque o agente, na
lavagem de dinheiro, não contribui com a manutenção do ataque ao
bem jurídico já lesionado ou posto em perigo pelo autor do crime
antecedente. (PITOMBO, 2003, p. 74)
O autor retro-citado também não é partidário da idéia de que a
administração da justiça seja um bem jurídico tutelado pelo tipo penal do crime de
lavagem de dinheiro.
Dentre várias críticas formuladas a esse entendimento, indica como
sendo o principal problema o fato de que, se assim o fosse, haveria o
desaparecimento da finalidade limitadora do ius puniendi, o qual entende ser
inerente ao conceito de bem jurídico, pois, dessa forma, o direito penal restaria
submisso a qualquer tendência ideológica.
Assim, entende ele ser somente a ordem econômica o bem jurídico
tutelado pelo delito em tela, tendo em vista que, exercendo a atividade
empresarial, as organizações criminosas adotam práticas que prejudicam a livreiniciativa, a propriedade, a concorrência, o meio ambiente, o consumidor, dentre
outros setores da ordem socioeconômica (PITOMBO, 2003, p. 77-79).
49
Willian Terra de Oliveira (1998, p. 322) admite uma generalização do
conceito de bem jurídico devido a uma tendência atual na elaboração de tipos
penais, pois vivenciamos uma realidade distinta daquela que serviu de
fundamento para construção de tipos penais tradicionais. Isso se deve à
criminalidade organizada, da qual emerge uma complexa delinqüência econômica
que requer uma previsão penal mais específica e abrangente. Em relação ao
objeto jurídico protegido na lavagem de dinheiro, afirma:
Portanto, diante desse quadro é que se costuma afirmar que a conduta
de lavagem de dinheiro atinge interesses metapessoais ou
tansindividuais, e por esse motivo o bem juridicamente protegido não
poderia ser outro senão a própria ordem socioeconômica. O sistema
econômico é na verdade o substrato e a quintessência global de
interesses individuais, mas trata-se de um bem jurídico independente e
autônomo, porém de característica coletiva. Atribui-se esse perfil
mataindividual ao objeto de proteção da norma para impedir o
comprometimento dos destinos econômicos de toda uma sociedade e
evitar a erosão do sistema democrático de direito. (OLIVEIRA, 1998, p.
323)
João Carlos Castellar (2004, p. 179) possui um posicionamento
totalmente diverso da doutrina até aqui citada, da qual ele faz um rápido resumo
antes de adentrar às suas razões. Não acata a possibilidade de as organizações
criminosas comandarem certos setores da economia a partir do poder concedido
pelas enormes quantias de dinheiro advindo de suas atividades ilícitas, resultando
no comprometimento da livre concorrência. Frisa que grandes empresas já
comandam determinados setores da economia, fato que é inerente à lei do
mercado na sociedade capitalista, o que não ofende a livre competição. No
entendimento do autor, aqueles que sustentam a tese de que o delito de lavagem
de dinheiro ofende o sistema financeiro deixaram de atentar ao fato de que o
sistema financeiro é apenas o meio utilizado pelas organizações criminosas para
50
dispersar o dinheiro no mercado, não sendo possível admitir que o sistema
financeiro seja prejudicado somente pela origem do capital.
O autor destaca, ainda, que o direito penal deve ser utilizado como ultima
ratio na proteção de determinado bem jurídico, ou seja, é necessário que outros
ramos do direito não sejam capazes de fazê-lo. Entretanto, no caso da lavagem
de dinheiro o autor demonstra que o direito administrativo brasileiro possui meios
eficazes para garantir a proteção dos bens jurídicos citados pela doutrina como
sendo os juridicamente tutelados (ordem econômica, administração da justiça
etc). Menciona, para ilustrar o seu entendimento, determinados procedimentos
adotados por diferentes órgãos nacionais, dentre eles o Banco Central do Brasil,
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e COAF (criado inclusive pela lei que
tipificou o delito de lavagem de dinheiro). Do mesmo modo, não se pode admitir
que o direito penal seja visto como meio de perseguição e confisco dos bens
resultantes da prática criminosa, a partir de um tipo penal autônomo de lavagem
de dinheiro, pois o direito administrativo poderia atuar com normas de confisco de
bens de origem ilícita (CASTELLAR, 2004, p. 183-191).
Sendo assim, João Carlos Castellar (2004, p. 195) afirma que a
criminalização da lavagem de dinheiro não atua como meio de proteger algum
bem jurídico, mas trata-se, somente, de um meio mascarado de confisco de bens
e valores oriundos da atividade criminosa. As operações econômicas indicadas
como forma de lavagem de dinheiro poderiam encontrar respaldo típico dentro de
outras condutas previstas na lei penal, como, por exemplo, na receptação ou
favorecimento real, o que evitaria sobremaneira tipos penais capazes de exigir
flexibilização de garantias de cunho constitucional e processual penal.
Isidoro Blanco Cordero (2002, p. 183-198) faz um estudo acerca do bem
jurídico tutelado pela criminalização da lavagem de dinheiro na doutrina
51
comparada. Na Suíça, onde parece existir consenso sobre o tema, o bem
juridicamente protegido é a administração da justiça. Na Alemanha a doutrina se
mostra dividida, uma vez que admite como bens jurídicos no delito de lavagem de
dinheiro os bens jurídicos dos delitos prévios, a administração da justiça, a luta
contra a criminalidade organizada e a ordem econômica. Na Itália o entendimento
majoritário recai sobre a administração da justiça. Por sua vez, na Espanha
elenca-se uma gama de possibilidades de bens jurídicos, dentre eles: os bens
jurídicos dos delitos prévios, a administração da justiça, a eficácia da
administração da justiça, a ordem econômica, a transparência do sistema
financeiro, a legitimidade da atividade econômica, a livre concorrência, a
circulação de bens no mercado e, em um plano mediato, a saúde pública.
Resta evidente, portanto, que além de uma dificuldade secular para se
definir bem jurídico, há uma dificuldade generalizada na doutrina mundial para
delimitação do bem jurídico protegido com a criminalização da lavagem de
dinheiro.
Diante dos posicionamentos acima mencionados, por todos os seus
fundamentos, o sistema financeiro parece-nos ser o mais afetado em virtude das
práticas de lavagem de dinheiro. Esta conduta criminosa é capaz de abalar todo
um sistema diante do dinheiro oriundo de práticas criminosas injetados na
economia mundial.
Somente com o reforço de medidas preventivas e repressivas às formas
de colocação de dinheiro sujo em circulação é que se pode garantir eficiência ao
combate à criminalidade organizada, que necessita destes mecanismos, seja para
gozar dos frutos de suas atividades, seja para capitalizar as próprias empreitadas
criminosas.
52
3 O TIPO PENAL DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
A partir de preceitos advindos da Convenção de Viena, no intento de
combater a lavagem de dinheiro no país, foi editada a Lei n.° 9.613/98.
Como destaca Willian Terra Oliveira (1998, p. 318), o tipo penal criado no
ordenamento jurídico brasileiro segue o modelo internacional, uma vez que a
edição de uma legislação internacional uniforme para o combate do crime
organizado “é uma das bases dos sistemas globais de controle do delito”.
A lavagem de dinheiro foi tipificada no artigo 1° da Lei n.° 9.613/98, in
verbis:
Art. 1° - Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado
à sua produção;
IV – de extorsão mediante seqüestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência , para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como
condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira.
Pena: reclusão de três a dez anos e multa.
§1° Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização
de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes
antecedentes referidos neste artigo:
I – os converte em ativos lícitos;
II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia,
guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos
verdadeiros.
§2° Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores
que sabem serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes
referidos neste artigo;
II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de
que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes
previstos nesta Lei.
§3° A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do artigo 14 do
Código Penal.
§4° A pena será aumentada de um a dois terços, nos casos previstos
nos incisos I a IV do caput deste artigo, se o crime for cometido de forma
habitual ou por intermédio de organização criminosa.
53
§5° A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser
cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou
substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou patícipe
colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de
sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do
crime.
Willian Terra de Oliveira (1998, p. 318/319) afirma que a estrutura do tipo
penal do artigo 1° acima pode ser descrita da seguinte forma:
a) em primeiro plano está o caput, complementado pelos incs. I a VII,
descrevendo a principal forma de lavagem; b) em seguida temos as
formas especiais ou derivadas descritas nos §§ 1° e 2°; c) além disso, a
lei se ocupa em descrever causas ou circunstâncias relacionadas à
dosimetria da pena, que irão influenciar no cômputo da resposta penal,
quer por representarem institutos como o da tentativa (§3°) quer por
descreverem situações de especial reprovabilidade (como o conceito de
habitualidade - § 4°), ou finalmente por possibilitarem a diminuição de
pena ante o reconhecimento do instituto da delação premiada (§5°).
(grifos do original)
O caput do artigo 1°, da Lei n.º 9.613/98, descreve as condutas que
indicam a idéia central do tipo e a razão do injusto, qual seja: “punir os processos
de atribuição de aparência de licitude a bens, direitos e valores cuja origem deita
raízes em fatos ilícitos anteriores” (OLIVEIRA, 1998, p. 319).
Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 64) classifica este tipo penal como
acessório, tendo em vista a exigência de um crime anterior como antecedente
lógico de sua ocorrência, a exemplo do que ocorre na receptação e no
favorecimento.
Por outro lado, o autor destaca que se trata de um crime autônomo em
relação aos crimes antecedentes, no sentido de que mesmo desconhecidos os
autores destes, ou se absolvido o acusado ou se este for inimputável, ainda assim
haverá o delito de lavagem de dinheiro (1999, p. 65).
54
Willian Terra de Oliveira, por sua vez, entende que o artigo 1° da Lei n.°
9.613/98 não trata de um delito meramente acessório a crimes anteriores, pois
possui estrutura típica própria, com preceito primário e secundário, “pena
específica, conteúdo de culpabilidade própria e não constitui uma forma de
participação post-delectum”.
Ele classifica os crimes antecedentes como diferidos ou remetidos, já que
o art. 1° menciona uma relação de crimes anteriores, dos quais depende para sua
caracterização (1998, p. 333, grifos do original).
3.1 SUJEITOS DO CRIME
3.1.1 Sujeito ativo
Alguns tipos penais não indicam objetivamente o sujeito ativo do delito,
admitindo qualquer pessoa como autora do crime, pois não exigem “qualquer
qualidade ou condição pessoal ou especial do autor da infração penal”
(BITENCOURT, 2004, p. 253). Tais tipos penais são classificados como crimes
comuns, a exemplo do delito de lavagem de dinheiro.
O sujeito ativo do delito de lavagem de dinheiro pode ser qualquer pessoa
que pratique qualquer das condutas previstas no caput e incisos dos parágrafos
do artigo 1° da Lei n.º 9.613/98, pois o legislador não lhe atribuiu nenhuma
qualidade específica.
O autor do delito de lavagem de dinheiro também não se confunde com o
autor dos crimes antecedentes, expressos nos incisos I a VIII do artigo 1°, ou
mesmo tenha concorrido para a sua prática, fato que reforça a idéia de autonomia
do crime de lavagem de dinheiro. Todavia, como assevera Marcelo Mendroni
55
(2006, p. 32), há oportunidades em que o autor do crime antecedente pode ser
autor da lavagem de dinheiro, o que não retira a autonomia delitiva deste último,
cujas condutas e penas são expressas e distintas.
Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 91), citando o entendimento de parte da
doutrina, sem contudo adotar tal entendimento, discorre que quando o autor do
crime antecedente também é o autor da lavagem de dinheiro, esta deixa de ser
vista como um tipo penal autônomo para ser considerada mero exaurimento
impunível, pois passa a ser o objetivo desejado na atividade criminosa praticada
pelo agente ativo.
Tal entendimento é decorrente da analogia com o crime de receptação,
quando o autor, co-autor ou partícipe do crime antecedente respondem apenas
por este e não pelo crime acessório.
Todavia, o autor acima citado discorda deste entendimento e fundamenta:
De fato. Em primeiro lugar por tratar-se, aqui, da realização de ações
tipicamente relevantes e socialmente danosas, que não se confundem
com as condutas constantes daqueles. Em segundo lugar pela
diversidade das objetividades jurídicas e sujeitos passivos dos tipos
envolvidos. Aqui não se trata de mero exaurimento do crime
antecedente, com a imediata disposição ou fruição do produto do crime,
como ocorre na receptação, mas de prática pelo criminoso de novas
condutas destinadas a obstaculizar a atuação das forças da ordem para
lograr a impunidade do crime primário e a fruição tranqüila dos ganhos
assim obtidos, em detrimento da administração da justiça e em prejuízo
das vítimas daquele crime, colocando em risco outros valores
especialmente resguardados, tais como o sistema financeiro e a ordem
econômica. Em terceiro lugar porque as atividades de “lavagem” de
dinheiro processam-se via de regra sob a direção e o controle dos
autores dos crimes antecedentes, que, nestes casos, por não
transferirem a titularidade dos produtos do crime e possuírem o domínio
do fato típico, configuram-se como autores. Aliás, nesta hipótese, outro
entendimento pode conduzir a uma situação em que existam partícipes
ou cúmplices (atuantes apenas na reciclagem) de um crime sem autores.
Em quarto lugar, como apontado anteriormente (...), a própria etiologia
da incriminação da “lavagem de dinheiro”, originada de sua intensa
lesividade quer à administração da justiça, quer à ordem econômica,
remete à ampliação dos limites de responsabilidade penal por sua
prática, destarte, a “lavagem” de dinheiro é crime comum, qualquer
56
pessoa pode cometê-lo, inclusive, e principalmente, os autores dos
crimes que a antecedem (MAIA, 1999, p. 92, grifos do original).
O Código Penal Argentino, por exemplo, no artigo 273 exclui
expressamente o autor do delito do crime antecedente como autor do delito de
lavagem de dinheiro. “(...) quien há realizado la conducta de blanqueo de
capitales no debe haber participado en el delito previo que dio
origen a los
bienes” (RODRÍGUES VILLAR. GERMÁN BERMEJO, 2001, p. 98), ao contrário
da lei brasileira, a qual admite que o autor, co-autor ou partícipe do crime
antecedente sejam o autor do delito de lavagem de dinheiro (BONFIM, 2005, p.
52).
Com relação à co-autoria e participação no delito de lavagem de dinheiro,
informa Carlos Márcio Rissi de Macedo (2007, p. 68) que a legislação pátria não
previu esta possibilidade, fazendo com que todos os que de alguma forma
participaram no processo de lavagem sejam considerados autores do crime.
Entretanto, o autor discorda deste posicionamento e, para tanto, cita o artigo 29
do Código Penal, o qual deve incidir no tipo para se referir à participação no delito
de lavagem de dinheiro.
3.1.2 Sujeito passivo
De uma forma geral, sujeito passivo de um delito é o titular do bem
jurídico tutelado pelo tipo (MACEDO, 2007, p. 71). Assim, a delimitação do sujeito
passivo do delito de lavagem de dinheiro depende do entendimento acerca de
qual é o bem juridicamente tutelado pela criminalização da conduta.
Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 90) entende que a administração da justiça
é, de forma imediata, o bem jurídico lesado pela lavagem de dinheiro. Neste
57
sentido adota como principal sujeito passivo o Estado, o qual detém o monopólio
da justiça.
De forma mediata considera como bens jurídicos tutelados os bens
jurídicos dos crimes antecedentes, fazendo com que os sujeitos passivos destes
delitos sejam, também de forma mediata, sujeitos passivos da lavagem de
dinheiro.
Para Carlos Márcio Rissi de Macedo (2007, p. 71), o bem juridicamente
tutelado na lavagem de dinheiro são aqueles afetados pelo crime antecedente e a
ordem econômica. Cita, para exemplificar o seu entendimento, o delito de tráfico
ilícito de entorpecentes, na qual a saúde pública é o sujeito passivo, bem como a
ordem econômica, o próprio sujeito passivo, pois é atingida pela circulação de
ativos ilícitos.
Marcelo Mendroni (2006, p. 33) coloca a sociedade ou a comunidade
local como sujeito passivo devido o “abalo das estruturas econômicas e sociais,
além da soberania dos Estados”.
O entendimento de que o bem jurídico lesado é a ordem econômica
corrobora com a afirmação de que o sujeito passivo do crime de lavagem de
dinheiro é a sociedade.
3.2 NÚCLEOS DO TIPO
No caput do artigo 1° da Lei n.° 9.613/98 duas são as condutas descritas
representativas do núcleo do tipo, quais sejam, ocultar e dissimular. Para Willian
Terra de Oliveira (1998, p. 329), no contexto em que estão inseridas, elas se
referem às “finalidades específicas do agente”. Afirma, ainda, o autor que a
conduta de ocultar é o processo básico utilizado pelo sujeito ativo, e representa o
58
primeiro passo para transformar em lícito o dinheiro advindo de crime, uma vez
que a sua intenção é causar desconhecimento acerca de sua origem, natureza,
localização, propriedade, movimentação ou disposição.
Seguindo esse raciocínio, a conduta de dissimular refere-se ao segundo
passo, objetivando manter a ocultação e, para tanto, o sujeito ativo se utiliza de
diversas manobras e muita atenção. O intuito desta ação é manter a invisibilidade
ou, pelo menos, garantir a intangibilidade da origem, natureza, localização,
propriedade, movimentação ou disposição dos bens, fazendo com que se tornem
mais difíceis a investigação e a fiscalização pelo Estado, proporcionando ao
agente uma tranqüila disposição de tais bens (OLIVEIRA, 1998, p. 329).
Carlos Márcio Rissi de Macedo (2007, p. 73/74) se manifesta no seguinte
sentido:
As condutas de ocultar ou dissimular, constantes na cabeça do artigo,
podem ser compreendidas como sendo aquelas características da
primeira fase do processo de reciclagem de ativos (...), que em linhas
gerais estão relacionadas a transações financeiras realizadas com o
objetivo de fracionar em quantias menores o capital ilícito, pulverizando-o
em investimentos financeiros diversos, obstando a investigação quanto a
sua origem.
A prática destas condutas pode se dar, consoante a própria dicção do
texto legal, de forma como a ocultação ou dissimulação quanto à
natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade
de bens, direitos ou valores.
Ocorre a ocultação ou dissimulação quanto à natureza ou origem quando
o agente busca despistar as características essenciais do bem,
diretamente relacionadas ao crime antecedente. Quanto à localização,
disposição ou à movimentação, haverá encobrimento da própria
localização espacial do bem. Em relação à propriedade busca despistarse a titularidade do bem, atividade que se dá, essencialmente, através
da utilização dos chamados “laranjas”.
O caput trata-se de um tipo penal misto alternativo, pois a realização de
qualquer uma das duas condutas ali previstas já faz existir o ilícito, e se houver
subsunção aos dois núcleos do tipo, não restará configurada a pluralidade de
crimes. Assim como se houver a lavagem de vários bens resultantes de apenas
59
um dos crimes elencados como antecedentes haverá apenas uma violação penal
se efetuada concomitantemente (MAIA, 1999, p. 65).
No § 1°, do artigo 1°, da Lei n.° 9.613/98 estão previstas formas especiais
de agir no procedimento de lavagem de dinheiro. Os incisos I a III do referido
parágrafo descrevem condutas utilizadas para legitimar os bens, direitos e valores
provenientes dos delitos anteriores, descritos nos incisos I a VIII do caput.
O tipo descreve a conduta do agente que possibilita que os bens, direitos
ou valores oriundos dos graves crimes descritos no caput possam ser
reintroduzidos no circuito econômico, mediante determinadas operação
(descritas nos incisos I, II e III), assegurando desta forma sua
disponibilidade e fruição, bem como a impunidade.
Os três incisos do § 1° são a ilustração de típicas operações de lavagem
de dinheiro, representadas por negócios jurídicos de aquisição, troca,
guarda, movimentação e transferência, algumas vezes em relação ao
exterior, que acabam por gerar riquezas de aparência lícita e de pronta
disponibilidade. (OLIVEIRA, 1998, p.335, grifos do original).
Carlos Márcio Rissi de Macedo afirma que o § 1° estabelece condutas
assemelhadas e típicas. Acredita que o autor que a partir desta disposição tem-se
o intuito de incriminar co-autores e partícipes, “que não tenham efetivamente
participado do crime antecedente, mas de alguma forma atuaram no processo de
reciclagem” (2006, p. 74).
Considerando a existência de incontáveis mecanismos de lavagem de
bens, direitos e valores, torna-se necessária a previsão, também, das
respectivas transformações, em todos os sentidos. Se se visou, no caput
do artigo, punir a obtenção de resultado do processamento direto dos
ganhos ilícitos, pretendeu-se aqui punir o “meio” percorrido para se
atingir o processamento de tais ganhos. Usou-se aqui, para tanto, o
termo para (que se pode substituir pela expressão: “com a finalidade
de...”) – ocultar ou dissimular, demonstrando a conduta indireta, e
especificando as várias formas possíveis. (MENDRONI, 2006, p. 53,
grifos do original)
Neste sentido, para que haja a consumação do previsto no §1°, basta que
o agente tenha praticado as condutas descritas nos seus incisos com o dolo
60
específico de ocultar ou dissimular bens, direitos ou valores advindos da prática
de algum dos crimes antecedentes, independentemente do seu “sucesso ou êxito
econômico, ou que os valores venham a alcançar uma efetiva situação de
segurança fática ou jurídica” (OLIVEIRA, 1998, p. 336).
No inciso I, do § 2°, do artigo 1° da Lei n.° 9.613/98, está prevista a
conduta de utilizar, na atividade econômica, valores, bens ou direitos advindos
dos ilícitos tidos como crimes antecedentes. Trata-se de comportamento
localizado nas fases mais avançadas da lavagem de dinheiro, na qual deve se
verificar o dolo direto do agente, em outros termos, o sujeito ativo deve ter o real
conhecimento de que aqueles valores, bens ou direitos são provenientes dos
delitos elencados nos incisos do caput do artigo (OLIVEIRA, 1998, p. 336). Basta
apenas a utilização dos bens, direitos e valores, ou seja, não é necessário que o
agente pretenda ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens (BONFIM, 2005, p.
47).
No incido II do parágrafo e artigo retromencionados o tipo imputa as
mesmas penas do caput àqueles que participam de grupo, associação ou
escritório sabendo que aquele local se destina a prática dos crimes mencionados
na Lei. Willian Terra de Oliveira (1998, p. 337) afirma que esta figura típica é
“derivada de uma forma especial de participação, ou, por assim dizer, da
ampliação do conceito de autoria” e elenca alguns requisitos para se verificar a
incidência deste tipo, quais são: a) demonstração de que o grupo de fato existe;
b) a presença de uma mínima estabilidade associativa; c) a ocorrência de
finalidades concretas destinadas à prática dos crimes previstos na Lei; e d) deve
se verificar se a conduta do agente contribuía para a efetivação dos planos
coletivos e se o agente aderia voluntariamente àqueles planos (OLIVEIRA, 1998,
61
p. 337-338). Verifica-se, portanto, que neste tipo penal, também é indispensável a
configuração de dolo específico do sujeito ativo.
3.3 OBJETO MATERIAL
Márcia M. Bonfim e Edilson M. Bonfim (2005, p. 38) noticiam que objeto
material do delito é o objeto corpóreo, pessoa ou coisa sobre os quais incide a
ação passível de punição. O tipo penal pode indicá-lo direta ou indiretamente,
entretanto, não se confunde com o bem jurídico tutelado.
A Lei n.° 9.613/98, no artigo 1°, elenca expressamente os seus objetos
materiais, quais sejam, “bens direitos e valores”. Pode-se observar que a redação
implica objetos materiais bastante genéricos.
Desde a Convenção de Viena os diversos instrumentos internacionais
que mais influenciaram as diferentes legislações nacionais, adotaram
sempre uma definição ampla de objeto material do delito de lavagem de
dinheiro. Depois dessa Convenção, que definiu bens como “os ativos de
qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou
intangíveis, e os documentos legais que comprovem a propriedade ou
outros direitos sobre referidos ativos”, a Diretiva n. 308/1991 (art. 1°) e a
Convenção de Estraburgo (art. 1°, “b”), também o fizeram no mesmo
sentido. (BONFIM, 2005, p. 39)
Certamente, é devido a influências dos modelos acima descritos que a lei
incriminadora da lavagem de dinheiro no país não faz menção expressa ao termo
“dinheiro”, o qual, por óbvio, está inserido na expressão “bens”. Esta previsão
ampla dos objetos materiais do delito faz com que não se busquem somente os
objetos dos delitos anteriores, mas também aqueles derivados dos bens, direitos
e valores, que sofreram mutações durante o procedimento de lavagem de
dinheiro (OLIVEIRA, 1998, p. 325). Esta autorização consta no caput do artigo 1°,
62
que trata de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, dos
crimes antecedentes.
Com relação aos bens, direito ou valores de procedência indireta, um
problema discutido pela doutrina diz respeito à contaminação sem fim do objeto
material. Márcia M. Bonfim e Edilson M. Bonfim assim se referem ao tema:
Alguns autores utilizam as diversas teorias da relação de causalidade
para atribuir ou não a existência de um nexo causal entre os bens,
direitos ou valores, transformados ou substituídos várias vezes, e dos
respectivos delitos do qual se originam. Assim, no exemplo da doutrina,
apenas para ficarmos no terreno da teoria imputação objetiva, um bem
não tem sua origem num fato delitivo quando esse fato não é
juridicamente significativo para o bem, introduzindo dessa forma o
critério da “importância”, com base no qual se pode resolver uma série
de hipóteses.
Por isso, preferimos as soluções apresentadas na Espanha (...) nas
hipóteses de mescla, será objeto material da lavagem apenas a parte
que procede de um dos delitos, não o bem, direito ou valor em sua
totalidade. No caso de transformações, ao revés, os bens, direitos ou
valores mantêm a origem delitiva, independentemente da perda ou não
da identidade do bem. Por fim, nos casos de substituição, o bem de
origem lícita, que toma lugar daquele de origem criminosa, adquire o
mesmo caráter delitivo, sem contar que esse bem (de origem delitiva,
que foi substituído por um de procedência lícita) permanece
contaminado, não havendo saneamento. A contaminação alcança o bem
substituído e o bem substituto. (2005, p.40)
Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 61/62) faz uma crítica à utilização das
expressões “bens, direitos ou valores” na elaboração do tipo, pois tal situação
torna frágil a função garantista do tipo penal, uma vez que remete a conceitos de
ordem valorativa ou cultural. Dessa forma, afirma que os objetos materiais do
delito de lavagem de dinheiro devem preencher dois requisitos: 1 – devem se
caracterizar, em sentido amplo, como produto de crime; e 2 – deve ser possível a
sua individualização ou especialização no caso concreto. Dentre os bens
passíveis de legitimação, não se podem incluir os instrumentos utilizados para a
63
prática do crime antecedente, pelo mero fato de que são meios de prática e não
produtos do crime6.
3.4 O TERMO CRIME COMO ELEMENTO NORMATIVO DO DELITO DE
LAVAGEM DE DINHEIRO
Os incisos I ao VIII, do artigo 1° da Lei n.° 9.613/98 elencam quais os
delitos antecedentes ao de lavagem de dinheiro. Ou seja, a lavagem de dinheiro,
embora seja crime autônomo, é acessório, visto que depende da ocorrência de
delitos prévios para sua configuração. O termo crime, portanto, é elemento
normativo do tipo penal.
Márcia M. Bonfim e Edilson M. Bonfim (2005, p. 54) afirmam que basta
que o crime antecedente seja típico e antijurídico, não se exigindo que seja
culpável, para a ocorrência da lavagem de dinheiro. Entretanto, se houver
qualquer situação que exclua tipicidade ou uma das causas excludentes da
antijuridicidade do crime antecedente não será possível incriminar a lavagem de
dinheiro. Situação que não se verifica quando presente alguma causa excludente
da culpabilidade ou quando esta é extinta, já que se referem ao sujeito ativo e não
ao delito.
Como já citado anteriormente7, a Lei n.° 9.613/98 é uma lei de 2ª geração,
uma vez que elenca rol específico de crimes antecedentes aos de lavagem de
dinheiro, quais sejam: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, terrorismo,
contrabando ou contrabando de armas, munições ou material destinado à sua
6
Nesse contexto o autor cita o artigo 91, II, “a” do Código Penal, no qual se prevê, que para
efeitos da condenação, há perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros
de boa-fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação,
uso, porte ou detenção constitua fato ilícito.
7
Vide nota 5.
64
produção, extorsão mediante seqüestro, crimes contra a Administração Pública,
inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer
vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos
administrativos, crime contra o sistema financeiro nacional e crime praticado por
organização criminosa e delito praticado por particular contra a administração
pública estrangeira.
O tráfico ilícito de substância entorpecente, atualmente incriminada no
Brasil pela Lei n.° 11.343, artigo 33, foi o primeiro delito a estar ligado
legislativamente à lavagem de dinheiro. Evidentemente, devido à sua gravidade
nunca deixou de pertencer ao rol dos crimes antecedentes, no qual já esteve
sozinho em legislações de primeira geração.
Não por acaso foi a primeira forma criminosa a ser catalogada no
dispositivo legal. Isto porque toda a discussão a respeito da necessidade
de regramento legal de crimes de lavagem de dinheiro surgiu da
preocupação da comunidade internacional com os efeitos lesivos à
sociedade causados pela prática de tráfico e consumo de entorpecentes
em todo o mundo. Foi, por assim dizer, a causa da criação do modelo da
legislação, que depois acabou ampliado para outros delitos. São
condutas criminalizadas em todo o mundo, mais ou menos
drasticamente, e que portanto sempre permitirão o processamento
criminal do agente pela prática da lavagem, ainda que não no país de
origem. (MENDRONI, 2006, p. 40)
O terrorismo, em que pese seja mencionado pela Constituição Federal –
artigo 5°, inciso XLIII – e pelas Leis n.° 7.170/83 – Lei de Segurança Nacional – e
8.072/90 – Lei de Crimes Hediondos – não existe na legislação penal pátria como
tipificação legal. Sobre a lavagem de dinheiro que tem como delito prévio o
terrorismo, Carlos Márcio Rissi de Macedo (2006, p. 88) se manifesta no seguinte
sentido:
65
Nesse sentido, embora não existam dúvidas quanto ao conceito do que
se chama de terrorismo, mal que tanto tem afligido o mundo
contemporâneo, não há viabilidade na aplicação do preceito contido na
Lei 9.613/98 porquanto a legislação acessória não estabelece limites
condizentes com a garantia constitucional da legalidade de forma a
viabilizar sua aplicação.
O contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua
produção é conduta que encontra previsão na Lei n.° 10.826/03, nos artigos 17 e
18. Noticia Willian Terra de Oliveira (1998, p. 331) que as Nações Unidas,
baseadas em estudos da época, afirmaram que esta conduta é responsável pela
movimentação de grandes somas de dinheiro anualmente, a qual é inserida no
sistema econômico, fazendo com que se justifique a previsão deste delito como
antecedente ao de lavagem de dinheiro.
O quarto crime elencado como antecedente é a extorsão mediante
seqüestro, previsto no artigo 159 do Código Penal; é prevista como crime
hediondo pela Lei n.° 8.072/90. De acordo com o entendimento de Willian Terra
de Oliveira (1998, p. 331), a intenção do legislador é evitar que os valores
conseguidos com seqüestros possam ser “utilizados e desfrutados por seus
agentes”.
É o texto do inciso V, do artigo 1°: “contra a Administração Pública
inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer
vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos
administrativos”. Tal redação é, certamente, dotada de absoluta incoerência,
evidenciando total falta de técnica legislativa daquele que a elaborou. Rodolfo
Tigre Maia realiza acertada crítica sobre o dispositivo, vejamos:
Esta primeira parte do inciso é lamentável do ponto de vista da técnica
jurídico-penal (a) por ampla em demasia, envolvendo incontáveis tipos
penais, inclusive alguns de pequena lesividade, enfraquecendo a função
de garantia da norma incriminadora; (b) por referir indistintamente ilícitos
66
que sequer propiciam diretamente a aquisição de bens passíveis de
“lavagem” de dinheiro. Assim, e.g., os crimes de prevaricação,
condescendência criminosa, abandono de função, resistência,
desobediência, desacato, inutilização de edital ou de sinal, reingresso de
estrangeiro expulso, exercício arbitrário das próprias razões,
arrebatamento do preso, motim de presos, etc. A segunda parte do
dispositivo (“inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a
prática ou omissão de atos administrativos”), resultante da emenda
aditiva aprovada pelo Parlamento, consegue ser pior: (a) é rebarbativa,
eis que a hipótese anunciada estaria subsumida ao objeto jurídico já
enunciado (contra a Administração Pública); (b) é inconsistente, eis que
a conduta descrita não corresponde com exatidão a qualquer dos tipos
penais vigentes em nosso ordenamento jurídico (aproxima-se um pouco
com a corrupção passiva e da concussão). (1999, p. 77)
Marcelo Mendroni considera que tais condutas são das que mais afetam o
desenvolvimento do país, já que o “Estado corrupto não consegue encontrar
campo fértil para o desenvolvimento” (2006, p. 46).
O conceito de instituição financeira e os crimes contra o sistema
financeiro nacional estão previstos na Lei n.° 7.492/86. Willian Terra de Oliveira
considera que a inclusão dos crimes contra o sistema financeiro nacional como
delitos prévios à lavagem de dinheiro foi feita de forma acertada, entretanto, um
tanto tímida, uma vez que poderia ter “incluído outras ordens de delitos afins,
como o de abuso de poder econômico ou aqueles que atingem a economia
popular ou a livre concorrência” (1998, p. 331).
Quando prevê os crimes cometidos por organizações criminosas como
sendo antecedentes, evidencia, a Lei n.° 9.613/98, portanto, estreita relação com
a Lei n.° 9.034/95, qual seja, Lei do Crime Organizado. Entretanto, mesmo com lei
especial, o crime organizado não possui definição em nosso ordenamento
jurídico, não se podendo falar, portanto, em crime organizado anterior à lavagem
de dinheiro, “o que implica em deixar vácuo na política criminal” (PITOMBO, 2003,
p. 117).
67
Com o Decreto n.° 5.015 de 2004, o Brasil promulga a Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional8. A definição de crime
organizado
presente
neste
documento
é
o
que
vem
sendo
utilizada
subsidiariamente, permitindo, portanto, a utilização do dispositivo da Lei de
Lavagem de Dinheiro, independentemente de definição legal (MENDRONI, 2006,
p. 51). Assim, sendo verificada a existência de organização criminosa, qualquer
crime por ela praticado poderá ser crime antecedente ao de lavagem de dinheiro.
A Lei n.° 10.467, de 2002, inseriu na Lei n.º 9.613/98 o inciso VIII no artigo
1°, que prevê como crime antecedente ao de lavagem de dinheiro aquele
praticado por particular contra a administração pública estrangeira. A mesma Lei
inseriu no Código Penal Brasileiro os artigos 337-B, 337-C e 337D, que tipificam
os crimes de corrupção ativa em transação comercial internacional, tráfico de
influência em transação comercial internacional e a definição de funcionário
público estrangeiro para fins de aplicação dos artigos, respectivamente.
No entendimento de Antônio Sérgio de A. Moraes Pitombo (2003, p. 117),
essas
alterações
legislativas
servem
para
demonstrar
reciprocidade
e
cooperação, em matéria penal, com os Estados Unidos, visto que trazem a
definição jurídica ao direito nacional de disposições legais do Foreign Corrupt Act.
É sabido que no Direito Penal brasileiro existe distinção entre crime e
contravenção penal. Assim, quando a Lei n.° 9.613/98 se referiu expressamente
ao termo crime, excluiu a possibilidade de contravenções penais fazerem parte do
rol de delitos antecedentes, mesmo que praticados por organizações criminosas.
8
Artigo 2 – Terminologia – Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo
criminoso organizado" – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e
atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou
enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um
benefício econômico ou outro benefício material; (...)
68
Tiago Ivo Odon (2003, p. 342/343) faz acertada crítica a esta previsão e cita
alguns exemplos de práticas que conduzem à lavagem de dinheiro ou são meios
para, mas que não permitem a aplicação da lei, dentre elas o jogo do bicho, o
bingo, máquinas caça-níqueis, loterias não autorizadas, comércio clandestino de
obras de arte etc.
O jogo do bicho, por exemplo, uma das maiores chagas da criminalidade
nacional, é uma contravenção penal e não um crime. Assim, se um
bicheiro introduz proventos do jogo no sistema financeiro para ocultar ou
dissimular a origem, não estará praticando crime nenhum, por maior que
seja o montante. Hoje há um vácuo legislativo com relação ao bingo. Foi
editada medida provisória dando à Caixa Econômica Federal poder para
fiscalizar e licenciar, mas necessita de regulamentação. O Poder
Judiciário tem atrapalhado bastante a fiscalização e repressão da Caixa,
pois tem concedido liminares contra o descredenciamento de várias
dessas atividades.
Atualmente proliferam-se no Brasil as máquinas caça-níqueis. (...) É um
negócio que movimenta R$ 40 milhões por ano só no DF. É típico jogo
de azar cujos proventos podem ser injetados no sistema financeiro sem
risco de incriminação, pois o jogo é mera contravenção penal.
O mesmo ocorre com a promoção de loterias não autorizadas, nacionais
ou estrangeiras, que também é contravenção penal. (...) Estima-se que
há cerca de 9 mil revendedores lotéricos no país, os quais podem
comprar bilhetes premiados para fins de lavagem. Outra contravenção é
o comércio clandestino de obras de arte, um dos mercados mais
utilizados atualmente para lavagem de dinheiro. Muitos bancos europeus
têm aceitado sem maiores problemas obras de arte como garantia para
empréstimos, muitas das quais furtadas ou roubadas.no Brasil, qualquer
pessoa poderia furtar ou roubar obras de arte caríssimas, oferecê-las
como garantia de um empréstimo correspondente ao seu valor, para, em
seguida, não pagar o empréstimo: o banco ficaria com um bem sujo e o
criminoso com dinheiro limpo (com uma origem a ser declarada), e ele
não seria punido por isso.
Ela Wiecko V. de Castilho (2004, p. 46), em artigo publicado na Revista
Brasileira de Ciências Criminais, faz uma análise do delito de lavagem de dinheiro
buscando responder o motivo pelo qual os delitos contra a ordem tributária não
estão inseridos no rol de crimes antecedentes. Concluiu que a exclusão deste
delito se deve a razões econômicas para proteção daqueles que detêm o capital
nos países ricos, visto que 50% dos depósitos são oriundos de evasão fiscal de
multinacionais e pessoas físicas muito ricas, 30 a 40% se devem à corrupção de
69
autoridades políticas de alta classe e, somente, 10 a 20% são oriundos de
organizações criminosas atuantes no tráfico de drogas, armas e seres humanos.
Nelson Jobim, em 1997, perante a Comissão de Finanças e Tributação da
Câmara dos Deputados, como informa Ela Wiecko V. de Castilho (2004, p.50),
declarou que na sonegação fiscal o agente passivo não se desfaz do seu
patrimônio para dar cumprimento a uma obrigação fiscal, não sendo caracterizado
um aumento no seu patrimônio, e, se deixa de pagar tributo, não está lavando
dinheiro. “No momento em que compra um apartamento, faz um investimento.
Transfere dinheiro para o exterior. Ele está transferindo um dinheiro seu, não de
outrem e nem dinheiro oriundo de atividade criminosa”. Esta seria, portanto, a
justificativa para não elencar os crimes tributários dentre aqueles antecedentes à
lavagem de dinheiro.
3.5 TIPO SUBJETIVO
As condutas criminosas elencadas no artigo 1° da Lei n.° 9.613/98
admitem somente a forma dolosa, uma vez que o artigo não faz referência à
possibilidade de crimes culposos. Nesse sentido, a construção do tipo considerou
a recomendação da Convenção de Viena (PITOMBO, 2003, p. 135).
Para incidência das penas previstas no tipo sobre o agente é necessário
que este tenha conhecimento de que está ocultando ou dissimulando dinheiro,
bens, valores ou direitos advindos de prática anterior relacionada aos crimes
previstos como antecedentes.
O conhecimento do crime antecedente é parte integrante do dolo típico.
Não se deve, assim, embaralhá-lo com a potencial consciência da
70
ilicitude, porque quem conhece a antijuridicidade do crime anterior não
deduz, necessariamente, a proibição da lavagem de dinheiro.
(...)
Esse juízo de reprovabilidade vincula-se ao reconhecimento da potencial
consciência do desvalor da conduta, mas, antes, depende do pleno
conhecimento, pelo agente, do significado do agir, o qual se configura
como elemento do dolo.
O elemento cognitivo, na lavagem de dinheiro, apresenta dois planos
diferentes: conhecer a origem criminosa dos bens e ter a possibilidade
de entender a ilicitude da ocultação, da dissimulação e da integração de
tais bens à economia. (PITOMBO, 2003, p. 137/138)
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo (2003, p. 138) destaca que
“integram o dolo típico da conduta de lavagem de dinheiro: conhecer os bens; a
ocorrência de crime antecedente; e a relação entre tais bens e o crime
antecedente”. Assim, no momento em que pratica a conduta típica o agente deve
ter conhecimento de todos esses elementos para que se possa falar em dolo, não
sendo suficiente o dolo antecedente na fase preparatória, ou dolo posterior à
conduta (PITOMBO, 2003, p. 144).
É importante ressaltar que a Exposição de Motivos da Lei n.º 9.613/98,
em seu artigo 41, admite a possibilidade de dolo eventual somente no caput do
artigo 1°, vejamos a redação:
“40. Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a
importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1o, § 1o,
III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta
descrita tenha como objetivo a ocultação ou a dissimulação da utilização
de bens, direitos ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes.
Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo
eventual somente para a hipótese do caput do artigo”. (grifos nossos)
Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 87) questiona se a “dúvida acerca do objeto
material ou da natureza do crime anterior, à qual o agente permanece indiferente,
assumindo os riscos e realizando a conduta típica” poderia configurar dolo
eventual. Para responder à questão, utiliza-se da referência acima retirada da
Exposição de Motivos da Lei. Explica ainda, o autor, que a figura do dolo eventual
71
é muito próxima da culpa consciente, fato que dificultaria a sua caracterização na
prática, visto que se trata de elemento interno do agente, e nem sempre é por ele
externado (1999, p. 87/88).
Willian Terra de Oliveira somente aceita o instituto do dolo eventual se o
agente estiver localizado em uma posição de garantidor “em relação à
evitabilidade do resultado ou se sua conduta é relevantemente causal no
processo de lavagem de dinheiro”. Cita como exemplo um diretor de instituição
financeira que, ao saber de determinada transação financeira que se destina à
lavagem de dinheiro, deixa de comunicar o fato às autoridades competentes
(1998, p. 328).
72
4 DESDOBRAMENTOS ALUSIVOS AO ELEMENTO NORMATIVO
4.1
DESDOBRAMENTOS
PROBATÓRIOS
ATÉ
O
RECEBIMENTO
DA
DENÚNCIA: ARTIGO 2°, § 1°, DA Lei n.º 9.613/98
A denúncia nos crimes de lavagem de dinheiro, além de atender aos
requisitos elencados nos artigos 41 e seguintes do Código de Processo Penal, no
que tange à ação penal pública, possui regra específica descrita no § 1°, do artigo
2° da Lei n.° 9.613/98, in verbis:
Art.2°. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
(...)
§1° A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do
crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda
que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime.
A doutrina processual penal moderna não se contenta somente com as
condições da ação penal como aquelas tradicionalmente estudadas e elencadas
pela teoria geral do processo, quais sejam: legitimidade de parte, possibilidade
jurídica do pedido e interesse de agir, como faz Fernando da Costa Tourinho Filho
(2007, p. 195).
Afrânio Silva Jardim entende a legitimidade de parte, a possibilidade
jurídica do pedido e o interesse de agir como condições para regular o exercício
do direito de ação. E, ainda, estabelece uma quarta condição chamada de justa
causa, a qual também é reconhecida pela doutrina moderna (1997, p. 95).
Aury Lopes Junior afirma que na tentativa de adequar os requisitos acima
ao processo penal “é feita uma verdadeira ginástica de conceitos, estendendo-se
73
para além de seus limites semânticos. O resultado é uma desnaturação completa
que violenta a matiz conceitual”, sem, contudo, oferecer um retorno ao processo
penal. Para o autor, tais requisitos constituem categoria do processo civil e são
inaplicáveis ao processo penal, visto que este está caracterizado pelo principio da
necessidade9, algo que não se exige naquele. (2007, p. 348/349).
Para estabelecer as condições da ação dentro de uma perspectiva
moderna deve-se utilizar como parâmetro o artigo 43 do Código de Processo
Penal, in verbis:
Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I – o fato narrado evidentemente não constituir crime;
II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;
III – for manifesta a ilegitimidade de parte ou faltar condição exigida pela
lei para o exercício da ação penal;
Parágrafo único – nos casos do n° III, a rejeição da denúncia ou queixa
não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte
legítima ou satisfeita a condição.
A partir de uma análise, a contrário do senso, do artigo retrocitado, tem-se
que as condições da ação no processo penal são: prática de fato aparentemente
criminoso (fumus commissi delict), punibilidade concreta, legitimidade de parte e
justa causa (LOPES JUNIOR, 2007, p. 351). Assim, deixa-se de lado a análise
das condições de ação da doutrina tradicional, evidenciando-se, portanto, o
entendimento da doutrina moderna.
Para saber se o fato narrado na denúncia constitui ou não crime é
necessário realizar uma análise dentro do conceito analítico, ou seja, verificar se a
conduta é típica, antijurídica e culpável. Não basta, portanto, que a conduta seja
9
Esclarece Aury Lopes Junior que o princípio da necessidade “impõe, para se chegar à pena, o
processo como caminho necessário e imprescindível, até porque o direito penal somente se
realiza no processo penal. Está relacionado à impossibilidade de auto-composição, isto é, a partir
do momento que o Estado chamou para si o poder-dever jurisdicional e a exclusividade da
aplicação da lei penal, o processo passou a ser caminho necessário à imposição da pena”. (2007,
p. 349)
74
considerada como típica. Deve-se, ainda, verificar se estão presentes alguma das
causas de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade. Quando presente
alguma dessas causas, descriminantes ou exculpantes, desde que incontestáveis
e capazes de formar o convencimento do juiz acerca da inexistência do crime, a
denúncia ou queixa, certamente, será rejeitada (LOPES JUNIOR, 2007, p. 351354).
Por fim há de se considerar ainda a quarta condição da ação, que se
refere à justa causa, magistralmente tida por Afrânio Silva Jardim como “suporte
probatório mínimo que deve lastrear toda e qualquer acusação penal” (1997, p.
95).
Desta forma, torna-se necessário ao regular exercício da ação penal a
demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária ou
leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte
probatório mínimo se relaciona com indícios de autoria, existência
material de conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e
culpabilidade. Somente diante de todo esse conjunto probatório é que,
ao nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade do exercício da
ação penal pública. (JARDIM, 1997, p. 100/101)
Para o recebimento da denúncia não basta que esta esteja formalmente
correta, nos termos no artigo 41 do Código de Processo Penal. É necessário,
ainda, que os fatos narrados tenham ligação com o apurado e registrado no
caderno investigatório, ou seja, tenham sido apurados anteriormente, mesmo que
não em sua totalidade. Não se exige a constatação de prova cabal, uma vez que
a justa causa pressupõe apenas um “mínimo lastro probatório” (JARDIM, 1997, p.
101).
Esses requisitos mínimos exigidos pela justa causa também terão o
condão de, eventualmente, evitar a estigmatização do suposto autor do delito,
75
visto que o Estado não deve atuar em desfavor do cidadão “sem o mínimo de
segurança da real ocorrência de um fato delitivo” (CAMPOS, 2001, p. 14)
A existência de um crime antecedente é requisito obrigatório para o
oferecimento da denúncia no crime de lavagem de dinheiro. Para tanto, é
necessário constatar a existência de um suporte probatório da ocorrência do
crime antecedente que possibilite, desta forma, o recebimento da denúncia.
A lei exigiu, para tanto, somente indícios suficientes da existência do
crime antecedente.
Inicialmente, faz-se importante uma análise acerca da palavra “indícios”,
tanto em uma perspectiva geral no processo penal pátrio, para depois estender à
aplicabilidade no processo de lavagem de dinheiro.
O artigo 239 do Código de Processo Penal define indícios como a
circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por
indução10, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
A palavra indício tem a sua origem etimológica no termo latino indicium,
que significava o que é apontado, o que é indicado, isto é, aquele que,
pelos elemento colhidos, pelas circunstâncias fáticas assinaladas, é o
provável autor do fato. (...)
(...)
Há uma definição que já se tornou clássica: é o fato provado que, por
sua ligação com o fato probando, autoriza a concluir algo sobre este
último. Ou como bem definido por Alsina: “É todo resto, vestígio, pegada,
circunstância e, em geral, todo o fato conhecido, ou seja, devidamente
provado, perceptível de conduzir, por interferência do conhecimento, ao
fato desconhecido. (ARANHA, 2006, p. 218)
(grifos do original)
10
Em que pese o texto trate de método indutivo, parte da doutrina acredita ter havido um erro de
redação, acreditando, portanto, que o método a ser seguido é do dedutivo, dentre eles Adalberto
Camargo Aranha, para quem a indução “é método de conhecimento pelo qual, da passagem do
particular para o geral, chega-se a uma determinada conclusão” e a dedução “é a argumentação
que torna explícitas as verdades particulares contida em verdades universais”, sendo o ponto de
partida o antecedente e o de chegada o conseqüente (2006, p. 219). Guilherme de Souza Nucci,
por outro lado, não acata este entendimento. Afirma o autor que o legislador utilizou o termo
correto, pois a utilização de indícios para chegar a um veredicto no processo trata-se, de fato, de
método indutivo (2003, p. 421).
76
Como destaca Aury Lopes Junior, não se pode confundir indícios com
prova, embora aquele tenha sido inserido no Título VII do Código de Processo
Penal. Os indícios não podem ensejar um édito condenatório e pensar de forma
diversa seria negar o sistema de direito e garantias elencados na Constituição
Federal (2007, p. 651). Posição contrária, entretanto, é a de Fernando da Costa
Tourinho Filho, uma vez que acata os indícios como meio de prova e lhe garante
valor probatório semelhante às chamadas provas diretas (2007, p. 579).
Entretanto, o momento é de referir-se a indícios suficientes de crime
antecedente para oferecimento da denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro, e
não para sentença condenatória. Estão intimamente ligados, neste ponto, os
temas de indícios suficientes e justa causa necessária para oferecimento da
denúncia.
Mas a denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro, conforme preceitua o
art. 2°, §1°, deve ser instruída com indícios suficientes do crime
antecedente (tráfico de drogas, armas, contrabando, etc.). É preciso que
se examine a “justa causa” da ação, que se revela em tais indícios. Não
havendo justa causa, leia-se, uma base probatória mínima e razoável,
impõe-se a rejeição da denúncia. Se o delito de “lavagem” de bens é um
crime derivado, porque pressupõe a existência de outro precedente,
nada mais lógico que exigir a demonstração (ainda que indiciária) da
origem ilícita dos bens. Cuida-se do fumus boni iuris, na parte
relacionada com a existência do crime. Observe-se, porém, que não são
quaisquer indícios (vagos, imprecisos, obscuros) que já justificam o
surgimento do processo: a lei exige “indícios suficientes”, isto é,
razoáveis, prováveis. (GOMES, 1998, p. 356)
(grifos do original)
O Ministro Paulo Medina, atuando como Relator no Recurso Ordinário em
Habeas Corpus n° 14.575 – MS, admite a possibilidade de a denúncia ser
oferecida com bases em inquérito civil, leia-se administrativo, sobre a ocorrência
do delito antecedente. Afirmou, ainda, que se a Lei n.° 9.613/98 exigisse certeza
com relação ao crime antecedente para oferecimento da denúncia, estaria
77
obstaculizada e raramente poderia ser elaborada em crimes de lavagem de
dinheiro, vejamos:
Sob o aspecto material, a denúncia vem amparada em elementos
colhidos em inquérito civil, que teve como objeto a apuração de atos
lesivos ao patrimônio público, por parte de servidores da própria
Secretaria da Fazenda.
De antemão, é preciso tornar claro que, em tese, elementos, originários
de inquérito civil, são perfeitamente admissíveis para formação do juízo
provisório formulado na denúncia e suficientes para a fundamentação do
ato de seu recebimento.
Primeiro, porque a fonte de onde provêm indícios que autorizam a
denúncia é procedimento investigatório de inteira competência do
Ministério Público; segundo, porque o conjunto desses elementos é o
que o Código de Processo Penal chama de "peças de informação" quaisquer peças diferentes do inquérito policial que, de forma intensa ou
menos vigorosa, indiquem a existência da materialidade e da autoria do
delito.
Sem razão os recorrentes, portanto, ao afirmarem que o inquérito civil
público não é meio adequado para chegar-se à certeza quanto à prática
de crime anterior.
A categórica certeza quanto ao crime antecedente é totalmente
dispensável para o oferecimento da denúncia.
Se na fase de instauração da Ação Penal fosse exigível a inteira
demonstração dos fatos atribuídos ao réu ou a própria certeza que
fundamenta sua condenação, raramente seria possível a oferta de
denúncia em face das figuras que constituem genericamente a "lavagem
de dinheiro". (STJ – RHC n° 14.575/MS – Relato Min. Paulo Medina –
Sexta Turma - DJU 6/12/2004)
(grifos nossos)
Como revela expressamente a redação final do §1°, do artigo 2°, da Lei
n.º 9.613/98, é desnecessário o conhecimento da autoria delitiva do crime
antecedente, sendo que deve haver indícios suficientes somente da sua
ocorrência, o que resta demonstrado por meio da materialidade. É o que reza a
Exposição de Motivos da referida Lei:
(...)
60. Trata-se de uma relação de causa e efeito que deve ser equacionada
por meio de fórmula processual que, viabilizando a eficácia da
incriminação do ilícito posterior, exija razoável base de materialidade do
ilícito anterior. Segue-se daí a necessidade de a denúncia pelo delito de
ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores ser instruída com
"indícios suficientes da existência do crime antecedente" (§ 1o do art. 2o).
Tais indícios podem restringir-se à materialidade de qualquer dos fatos
puníveis referidos pelo caput do art. 1o, sem a necessidade de se
apontar, mesmo que indiciariamente, a autoria. Tal ressalva se torna
óbvia diante dos progressos técnicos e humanos da criminalidade
78
violenta ou astuciosa, máxime quanto à atomização da autoria em face
da descentralização das condutas executivas.
(grifos do original)
(...)
Conceição Maria Leite Campos é partidária do posicionamento de que
não bastam somente indícios suficientes da materialidade do crime anterior para
oferecer a denúncia. Entende a autora pela existência de um suporte probatório
mínimo da ocorrência de um crime, e isso inclui a gente culpável. Entretanto, por
questões de política criminal a Lei não exige a verificação de culpabilidade do
delito antecedente (2001, p. 19).
4.2 DESDOBRAMENTOS PROBATÓRIOS RELATIVOS AO PROCESSO E AO
JULGAMENTO
Os procedimentos judiciais para a apuração e o julgamento dos crimes de
lavagem de dinheiro são os previstos nos artigos 394/405 e 498/502 Código de
Processo Penal.
Luiz Flávio Gomes lamenta que a Lei n.º 9.613/98 não tenha exigido a
chamada defesa preliminar, apresentada antes do recebimento da denúncia que,
no entendimento do autor, deveria ser estendida a todo tipo de crime (1998, p.
354).
Em regra, tem-se que a competência para julgamento dos crimes de
lavagem de dinheiro é da Justiça Estadual, entretanto, esta competência é
prorrogada para a Justiça Federal nos casos previstos nas alíneas “a” e “b”, do
inciso III, do artigo 2° da Lei, quais sejam: quando o crime for praticado em
detrimento do sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou contra bens,
79
serviços ou interesses da União, de entidades autárquicas ou empresas públicas
e nas hipóteses em que o crime antecedente for de competência Federal.
Restaria à Justiça Estadual, por exemplo, por exclusão, a competência
residual, ou seja, não sendo o caso afeto à Justiça Federal ou mesmo às
Justiças Especiais, seriam de sua alçada o processamento e o
julgamento da lide.
Assim, considerando a exegese literal do texto e o entendimento já
sustentado de que o bem juridicamente tutelado pela Lei de Lavagem de
Dinheiro é também a ordem econômico-financeira, não haverias dúvidas
quanto à competência exclusiva da Justiça Federal para processar e
julgar os crimes desta espécie.
Há, contudo, os que entendem que, se a lesão não for de grande monta,
de forma a não tangenciar bens ou interesses da União, a competência
seria da Justiça Estadual: (MACEDO, 2006, p. 106)
Nos termos do artigo 2°, inciso II, da Lei n.º 9.613/98, o processo e
julgamento dos delitos previstos no artigo 1° são independentes com relação ao
processo e julgamento do crime antecedente, mesmo que praticados no exterior.
Esse inciso combinado com o disposto na parte final do §1°, do mesmo
artigo 2°, marca a independência, dotada de real autonomia, dos crimes e
processos de lavagem de dinheiro em relação ao crime antecedente e o seu
processo.
Os dois dispositivos consagram a autonomia dos crimes e dos
respectivos processos de lavagem de dinheiro em relação aos delitos
antecedentes e os seus correspondentes processos. Basta que se prove
a existência de um dos delitos prévios, do qual procedam os bens,
direitos ou valores (fato típico e antijurídico, sendo prescindível que seja
culpável), que podem ter sido cometidos no Brasil ou no estrangeiro,
sem que seja necessário processo, julgamento ou apuração de autoria.
(BONFIM, 2005, p. 72)
É o entendimento proferido em acórdão no Tribunal Regional Federal 4ª
Região:
80
O princípio da independência do crime de lavagem de dinheiro em
relação ao respectivo crime antecedente éconditio sine qua non para
assegurar a repressão desta nefasta criminalidade. Caso contrário,
segundo preleciona o eminente Ministro Gilmar Ferreira Mendes
(Aspectos Penais e Processuais Penais da Lei de Lavagem de Dinheiro.
In: Seminário Internacional sobre Lavagem de Dinheiro. Brasília: CJF,
2000, v. 17, p. 32), "nós nos embrenharíamos numa discussão sem
limites e sem fronteiras, uma vez que o crime de lavagem se pratica, em
geral, em outro país diferente daquele onde se praticou o crime inicial ou
originário.".
Entrementes, a incidência desse princípio não se restringe aos aspectos
meramente processuais, devendo ser observado, também, no âmbito do
direito penal material, inclusive no que concerne à aplicação das penas,
uma vez que o artigo 2º, inciso II, da Lei 9.613/98 dispõe que "o
processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: II - independem
do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo
anterior, ainda que praticados em outro País". Como é cediço, a
dosimetria da pena integra a sentença penal condenatória, que, por sua
vez, confere decisão definitiva à demanda proposta pelo Ministério
Público, a teor do artigo 162, §1º, do CPC (Sentença é o ato pelo qual o
juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.). Nessa
linha de intelecção, o ilustre Professor André Luís Callegari, em
conferência proferida no âmbito do Currículo Permanente da Emagis
(Problemas pontuais da Lei de Lavagem de Dinheiro. In Caderno de
Direito Penal nº 2 - volume 1. Porto Alegre: Escola da Magistratura do
TRF da 4ª Região: 2005, p. 204), onde, dentre outras questões,
sustentou a ocorrência de concurso material do crime de lavagem e o
respectivo crime antecedente, invocou valiosas lições de Hassemer no
sentido de que "o Direito Penal material e o Direito Processual Penal
estão unidos funcionalmente. Um direito penal autenticamente respeitoso
com os princípios jurídicos só é possível se também o Direito Penal
material for autenticamente respeitoso. A criminalização em grande
escala no Direito Penal também deve conduzir a um direito processual
regulado para esta grande escala. "Atuar com justiça" não é, por
conseguinte, um problema do Direito Processual Penal, senão também
do Direito Penal material.". (TRF4 – Apelação Criminal n°
2003.71.00.046933-0/RS, Relator Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro,
Publicado D.E em 25/10/2007)
(grifos do original)
Isidoro Blanco Cordero indica duas dificuldades com relação à prova nos
delitos de lavagem de dinheiro: a primeira se refere à dificuldade de determinar a
procedência delitiva dos bens, direitos ou valores e a segunda demonstra que o
sujeito ativo sabia da origem delituosa destes (2002, p. 394).
Para efetuar a prova desses elementos, a jurisprudência espanhola tem
recorrido à prova indiciária, circunstancial ou de presunção, sendo normal que no
decorrer do processo da lavagem de dinheiro não se exija a prova direta do
conhecimento da origem dos bens, direitos ou valores, mas esta é presumida por
meio de uma valoração de dados subjetivos colhidos na instrução (2002, p. 394).
81
Também se pode valer de dados objetivos do caso concreto para chegar
à prova do conhecimento, por parte do sujeito ativo, da origem ilícita do bem.
Para tanto, o autor se vale do disposto no item 3.3 da Convenção de
Viena, que dispõe: “O conhecimento, a intenção ou o propósito como elementos
necessários de qualquer delito estabelecido no parágrafo 1 deste Artigo poderão
ser inferidos das circunstâncias objetivas de cada caso” (2002, p. 394).
Acreditar el conocimiento del origen delictivo de los bienes,
evidentemente, probar con carácter previo que éstos proceden de un
delito grave. Señala Zaragoza Aguado que bastará con la presencia
previa de una actividad delictiva grave de modo genérico que, en
atención a las circunstancias del caso concreto, permita excluir otros
possibles orígenes de los bienes, no siendo necesaria ‘ni la
demonstración plena de un acto delictivo específico ni de los concretos
partícipes en el mismo’. Más específica debe ser la prueba cuando se
trate de un delito relativo a las drogas, pos ello dará lugar a la aplicación
de un subtipo agravado, por lo que va a ser necesario un mínimo
presupuesto indiciario que apunte hacia esta actividad delictiva concreta.
El Tribunal Supremo há afirmado el origen del dinero en un delito relativo
a las drogas y el conocimiento de tal origen en un supuesto en el que la
sentencia de instancia declaraba probado que el sujeto desconocía las
concretas operaciones de tráfico de drogas de las que procedía el dinero
(...) (BLANCO CORDERO, 2002, p. 395)
Para demonstrar a procedência delitiva dos bens e o conhecimento desta
circunstância pelo autor da lavagem de dinheiro, pode-se recorrer a elementos
indiciários de grande força, são eles: o aumento imotivado do patrimônio do
agente, operações financeiras de grande porte, uma rápida circulação de valores
em espécie, transferências anômalas de patrimônio, a ocorrências de transações
financeiras fora do contexto das práticas usuais de comércio, ausência de
negócios lícitos, e vinculação com atividades delitivas ou pessoas ligadas a elas.
(BONFIM, 2005, p. 75).
Isidoro Blanco Cordero indica outros elementos indiciários:
82
Otros elementos indiciarios son: (...) la utilización de sociedades ficticias
carentes de actividad económica alguna, especialmente cuando estén
radicadas en paraísos fiscales, el recurso a testaferros sin disponibilidad
económica real sobre los bienes, el empleo de identidades supuestas, la
existencia de anotaciones irregulares en los libros contables, el
fraccionamiento de ingresos en depósitos bancarios para disimular su
cuántia, la utilización de falsos documentos en los que se constatan
importaciones inexistentes, la simulación de negocios u operaciones
comerciales que no responden a la realidad, la percepción de elevadas
comisiones por los intermediarios, etcétera. (BLANCO CORDERO, 2002,
p. 396)
Há ainda que se mencionar mais especificamente sobre a prova da
ocorrência do delito antecedente. Vejamos um exemplo prático de sua verificação,
no julgamento do HC n.° 65.041 – CE, do Superior Tribunal de Justiça:
Ao contrário do que se pretende fazer crer a impetração, o conteúdo da
exordial acusatória aponta indícios do comentimento de crime contra o
sistema financeiro nacional, isto é, “fazer operar, sem a devida
autorização (...), instituição financeira” (art. 16 de Lei n° 7.492/1986),
principalmente em razão da existência de operações bancárias de
saques emergenciais, intermediação em pagamentos e recebimentos,
transferências de valores, etc, não se relevando razoável que se fale,
prima facie, em atipicidade da conduta.
Com efeito, a denúncia faz menção a dados obtidos do “notebook”
apreendido com o paciente (...), que tratam da concessão do serviço
denominado “saque emergencial” e a respectiva cobrança de juros, o
marketing sobre esse serviço, encontrando-se ali, inclusive,
comprovantes de documentos eletrônicos.
Ademais, ressalta a exordial acusatória, como anotado, o laudo que
analisou o conteúdo das mensagens de correio eletrônico obtidas do
mencionado computador, que revelam a origem da Basecard, os
objetivos da constituição da empresa, a intenção de criação de um
banco, seus investidores, a política de juros e a cobrança da CPMF.
Diante disso, não se tratando de hipóteses de atipicidade da conduta, de
inexistência absoluta de indícios de autoria ou de extinção da
punibilidade, não é de se falar em ausência de justa causa para a ação
penal, o que inviabiliza o trancamento na vis estreita do habeas corpus.
(STJ – HABEAS CORPUS n° 65.041-CE, Relator Paulo Galloti. Sexta
Turma – DJ 01.10.2007)
(grifos do original)
Anteriormente, foi demonstrado que para oferecimento da denúncia basta
haver, o que a lei chamou, de indícios suficientes da existência do crime
antecedente. Entretanto, o questionamento a se fazer é se somente esses
83
indícios da materialidade da ocorrência do delito antecedente são suficientes para
ensejar um édito condenatório por crime de lavagem de dinheiro.
A Exposição de Motivos da Lei n.° 9.613/98 reza:
61. Observe-se, no entanto, que a suficiência dos indícios relativos ao
crime antecedente está a autorizar tão-somente a denúncia, devendo ser
outro o comportamento em relação a eventual juízo condenatório.
Entretanto, o texto da Exposição de Motivos não indica qual seria este
outro comportamento em relação a eventual juízo condenatório. Acredita-se que
se pode fazer uso, nesta oportunidade, do que a Autora Conceição Maria Leite
Campos, anteriormente citada, chamou de “suporte probatório” mínimo da
ocorrência do crime antecedente, excluindo-se, todavia, a exigibilidade de
verificação da autoria.
Fábio Roberto D’Avila faz uma crítica à aceitação de “indícios” do crime
antecedente para embasar um édito condenatório por lavagem de dinheiro (1999,
p. 4). O autor não acata este posicionamento:
Por outro lado, observamos que parte da doutrina jurídico-penal vem
assumindo uma curiosa postura ao comentar a relação entre estes dois
preceitos: o tipo penal diferido e o tipo penal antecedente. Segundo
alguns dos comentários destinados ao tema, por ser o crime de lavagem
de dinheiro autônomo, não estaria condicionado ao processamento ou
julgamento do crime antecedente, como, aliás, expressamente dispõe o
art. 2°, inciso II, da lei, exigindo para a subsunção típica do crime de
lavagem, apenas a constatação de “indícios”, “sérios indícios” da
existência do crime antecedente. Tais indícios, chamamos a atenção,
não serviriam apenas à justa causa para o processamento, mas seriam,
até mesmo, suficientes para a condenação do suposto lavandeiro.
Salvo melhor juízo, não podemos concordar com tal posicionamento.(...)
Por óbvio, a incerteza quanto a ocorrência do crime antecedente,
redundaria na incerteza quanto a um dos elementos objetivos do tipo em
questão, impossibilitando, conseqüentemente, a sua adequação legal.
(D’AVILA, 1999, p. 4)
84
Considerou, ainda, que aceitar uma condenação baseada em indícios da
existência de crime antecedente nos faria retroagir a um Direito Penal Inquisitorial,
despótico e autoritário, visto que a mera suspeita substitui a certeza em um afã de
condenação (1999, p. 4). No mesmo sentido Petrucio Ferreira da Silva enfatiza
que a redação do artigo 2°, inciso II, e do §1° “são pérolas dignas dos sistemas
jurídicos de Saddam Hussein ou Hitler” (2000, p. 26).
Em relação à certeza do crime antecedente, Petrucio Ferreira da Silva, o
qual se dedicou à relação ontológica entre o crime antecedente e o de lavagem
de dinheiro, assim se manifestou:
Ora, em se falando de crime, principalmente, quando o mesmo está
intimamente ligado a um outro ilícito penal dentro de uma relação
ontologicamente necessária e estabelecida por lei, em termos de
antecedência à perfeição daquele ou daqueles que lhe serão
conseqüentes, está-se a falar de fato assim encontrado por decisão
judicial, no quando a certeza jurídica para que se tenha uma conduta
como criminosa não existe, não vale, senão decorre de sentença penal,
cuja eficácia resultará de seu trânsito em julgado, pois o que dantes
existe é uma mera especulação, uma ação noticiada como ilícita a
embasar, no máximo, uma denúncia, que, sob o enfoque processual
penal, se recebida, dará ensejo a investigação de tal conduta (...)
(SILVA, 2000, p. 24).
Mesmo dotados de excelentes argumentos, não se pode concordar com o
posicionamento dos autores acima referidos. Para haver a condenação no crime
de lavagem de dinheiro basta que reste demonstrada a existência concreta do
crime antecedente, ainda que tenha havido absolvição do denunciado por este
com trânsito em julgado. Para isso, o suporte probatório, mesmo que indiciários,
colhidos para o oferecimento da denúncia, juntamente com as provas produzidas
durante a instrução, poderão, sem dúvida, ensejar a condenação pelo delito de
lavagem de dinheiro, desde que comprovados os demais requisitos, por óbvio. É
85
o entendimento expressado em acórdão do TRF 4ª Região, já citado neste
trabalho:
Portanto, em regra, o resultado do julgamento do crime antecedente não
influencia no deslinde da ação penal instaurada para apurar o delito de
lavagem subseqüente, consoante adverte o magistrado federal José
Paulo Baltazar Junior (in Crimes Federais. 1. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2006, p. 424-5), ao afirmar que "em caso de isenção de
pena para o autor do delito antecedente por discriminantes putativas,
erro de proibição ou inimputabilidade, não será afetado o delito posterior
(Pitombo: 121). Do mesmo modo, a absolvição por não restar
determinado o autor do crime antecedente não afeta o crime de lavagem
de dinheiro.". (TRF4 – Apelação Criminal n° 2003.71.00.046933-0/RS,
Relator Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Publicado D.E em
25/10/2007)
(grifos do original)
Vejamos a manifestação Ministro Paulo Gallotti no Habeas Corpus n.°
65.401-CE do Superior Tribunal de Justiça:
Importante salientar, desde logo, a teor do que dispõe artigo 2°, inciso II,
da Lei n° 9.613/98, segundo o qual a denúncia pelo crime de lavagem de
dinheiro independe do processamento do acusado pela infração que a
antecede, mostra-se possível, em princípio a deflagração da ação penal
tão-somente em relação àquele delito, desde que a peça acusatória
esteja instruída “com indícios suficientes da existência do crime
antecedente” (§ 1° do art. 2° do mencionado diploma). (STJ – HC n°
65.401-CE, Relator Min. Paulo Gallotti)
Quando se trata de aceitar “indícios” de crime antecedente como prova
para condenação no crime de lavagem de dinheiro, não se está admitindo uma
condenação baseada em provas frágeis. Estas, certamente, devem se mostrar
sólidas e capazes de formar o convencimento do Juiz:
Neste diapasão, é de se reafirmar “(...) no moderno sistema de livre
convencimento não há como hierarquizar, previamente, a diversas
categorias probatórias, enaltecendo umas em desprestígio de outras.
Somente na apreciação do caso concreto é que a prova, qualquer que
seja a sua espécie, poderá ter mais peso e valor que outra prova de
natureza diversa. O que importa, em se tratando de prova indiciária, é a
sua equilibrada, isenta e correta apreciação sem delírios imaginativos ou
metas pré-concebidas, e que, por fim, tudo se ajuste de forma
harmônica, em síntese fina do todo o conjunto probatório” (...). (MAIA,
1999, p. 121)
86
Dessa forma, o sistema adotado pela legislação brasileira não exige que,
para a condenação pela prática de crime de lavagem de dinheiro, exista a prova
concreta da prática do crime anterior. Isto porque no conceito analítico de crime,
este deve ser uma conduta típica, antijurídica e culpável.
Certo é, todavia, que para o julgamento do crime de lavagem de dinheiro,
nos termos do art. 2°, da Lei n.º 9.613/98 não se faz necessária a condenação de
agentes pela prática do crime antecedente.
Assim, basta a prova da materialidade de da Antijuridicidade do fato típico
antecedente, não sendo, pois, necessária a demonstração da autoria ou, mesmo
que esta seja aparente, não é necessário que o agente seja culpável.
Basta, pois, a prova da origem criminosa dos bens, direitos e valores,
desde que tais crimes sejam elencados no art. 1° da Lei n.° 9.613/98. Tal prova
não é mais a indiciária, suficiente para o recebimento da denúncia, e sim uma
prova robusta, eis que nesta fase processual deve prevalecer o princípio do in
dubio pro reu.
Não se pode confundir, pois, a prova indiciária, exigida no art. 2°, §1°,
com a desnecessidade da condenação de agentes pela prática do crime
antecedente. A existência do fato típico e antijurídico que originou os bens,
direitos e valores “lavados” deve estar devidamente comprovada no processo, sob
pena de absolvição do agente do crime de lavagem de dinheiro por atipicidade da
conduta.
87
CONCLUSÃO
A Criminalidade organizada se desenvolveu no mundo em um contexto
socioeconômico globalizado e de grandes avanços tecnológicos que possibilitam
uma agilidade nas atuações ilícitas, bem como na circulação e ocultação dos
recursos financeiros decorrentes de tais atividades criminosas.
Junte-se a isso a circunstância de que grande parte das atividades ilícitas
praticadas por intermédio das organizações criminosas encontra aceitação na
sociedade, que utiliza indiscriminadamente os produtos ofertados, como, por
exemplo, as substâncias entorpecentes, a prostituição, as armas e os produtos
piratas.
Também o próprio dinheiro obtido pelo crime organizado acaba por ser
injetado nas economias mundiais, depois de lavados e passam a integrar o
sistema econômico mundial.
Há de se levar em consideração que com o capital acumulado, as
organizações criminosas acabaram por patrocinar o ingresso de seus integrantes
nas estruturas dos Estados, tanto no Poder Legislativo quanto no Executivo e no
Judiciário, sendo que muitas empresas privatizadas no mundo estão sob o
controle de organizações criminosas, além de exercerem grande influência na
produção legislativa e nas atividades de persecução criminal.
Dessa forma, o poderio econômico, a aceitação social, a influência
política e a ingerência nas administrações públicas por parte das organizações
criminosas tornam extremamente complexas as atividades voltadas para o
combate do crime organizado no mundo.
88
Tal modalidade criminosa vem se transformando em um poder paralelo
aos poderes estatais sem similaridade na história da humanidade, e todos os
métodos até agora adotados para combatê-la têm se mostrado ineficazes.
O que se busca, agora, é impedir a lavagem e circulação dos bens,
direitos e valores angariados pelas organizações criminosas, criminalizando
condutas e criando mecanismos administrativos de identificação, rastreamento e
obtenção de tais ativos de origem ilícita.
Este é o grande desafio para o combate ao crime em dimensões
mundiais, uma vez que as organizações criminosas não se adstringem a
fronteiras geopolíticas, não se subordinam às burocracias estatais, valem-se de
recursos tecnológicos modernos e, principalmente, utilizam uma estrutura de
circulação de capitais globalizada.
A Lei n.° 8.613/98 foi editada no Brasil com o objetivo de possibilitar, em
território nacional e em colaboração a outros países, o combate efetivo às
organizações criminosas.
Todavia, temos que apenas a criação de tipos penais não é suficiente
para o êxito deste combate, eis que os estados devem, acima de tudo, impedir a
atuação social desses organismos criminosos, que se aproveitam da carência de
programas sociais para angariar a simpatia da sociedade.
Também se deve atentar para o fato de que muitos dos produtos
ofertados pelo crime organizado têm grande aceitação popular, o que deve ser
objeto de uma atuação efetiva dos poderes públicos no sentido de conscientizar a
sociedade e, em alguns casos, descriminalizar e regulamentar atividades hoje
proibidas e, por essa razão, dominadas por criminosos, os quais acabam por
obter lucros extraordinários.
89
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