San Francisco combate prostituição com curso para constranger os

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San Francisco combate prostituição com curso para constranger os
San Francisco combate prostituição com curso para constranger os fregueses
Encravada na costa oeste dos Estados Unidos, San Francisco já exportou para o mundo um
modelo de tolerância que os gays desfrutam hoje em outros lugares. Há três anos, a cidade
vem experimentando uma novidade que pouco tem a ver com a fama de liberalidade, mas está
igualmente servindo de modelo em outros países: o combate ao cliente. O programa consiste
basicamente num curso de reeducação para “infratores” primários. Isso só é possível porque
em várias cidades americanas, ao contrário do que ocorre no Brasil, solicitar sexo pago é um
delito que pode resultar em cadeia. Em troca do arquivamento do processo, a polícia de San
Francisco propõe uma multa de 500 dólares e oito horas de aulas sobre os horrores e
armadilhas do submundo da prostituição.
O sistema funciona nos moldes dos programas para infratores de trânsito, mas com conteúdo
mais agressivo e moralista. Causar impacto, arrependimento e consciência pesada são mesmo
os objetivos originais do programa, criado em 1995 por uma insólita união entre uma
ex-prostituta, Norma Hotaling, atualmente com 47 anos, e um policial que de tanto prendê-la
acabou seu amigo. Depois de oito anos nas ruas, ela largou a bolsinha e se matriculou numa
universidade para estudar educação sanitária. A experiência do sexo por dinheiro, que Norma
descreve em detalhes dolorosos, procura destruir qualquer ilusão de que a vida das prostitutas
tenha remota semelhança com a da personagem de Julia Roberts em Uma Linda Mulher. “Eu
costumava carregar uma faca de carne na bolsa”, relata a seus “alunos”, na maioria senhores
de meia-idade, muitos deles casados e dispostos a qualquer sacrifício para evitar que uma
escapadela sexual lhes arruíne a reputação. “Queria enfiar na garganta de vocês e revirar”.
Todas as noites, prostitutas comparecem para contar a seus fregueses em potencial que
nenhum deles deve alimentar a ilusão de que elas gostam do que estão fazendo por dinheiro.
Os reeducandos ouvem histórias de estupros, de abusos que as prostitutas sofreram em
criança, sabem das drogas e dos momentos em que elas estiveram perto da morte por
agressão de clientes, cafetões ou pela tentação de suicídio. Por fim, um policial mostra como
se arriscaram a ser roubados ou agredidos nas áreas de prostituição e fala dos horrores da
vida numa cela de prisão. Os números da polícia de San Francisco parecem demonstrar a
eficiência do curso ou, pelo menos, do susto: 99% dos 2300 homens que passaram pelo
programa de reabilitação não voltaram a ser presos pelo mesmo delito.
O modelo já foi copiado em 29 cidades, algumas do Canadá e na Inglaterra. Está longe de
receber, evidentemente, aprovação generalizada. A principal crítica é que o programa pune
sexo consensual entre adultos. A perseguição policial a quem solicita sexo pago, contudo, é
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um procedimento legal bem assentado na legislação e na vida dos americanos. Em algumas
cidades menores, como Kansas e Buffalo, programas de televisão expõem fotos, nomes, datas
de nascimento, endereço e antecedentes de usuários reincidentes. A idéia de constranger a
freguesia das áreas de prostituição ultrapassam as fronteiras do puritanismo americano. As
autoridades de algumas cidades italianas driblam a tolerância das leis com idéias criativas para
atrapalhar o comércio sexual. É o caso de Bolonha, onde simplesmente se proíbe o
estacionamento de veículos nas ruas em que estão as prostitutas.
(Revista Veja, 13 de janeiro de 1999, pág. 54)
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