4 Vol XV 2006 - Revista Nascer e Crescer
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4 Vol XV 2006 - Revista Nascer e Crescer
15 4 Revista do Hospital de Crianças Maria Pia Ano | 2006 Volume | XV Número | 04 www.hmariapia.min-saude.pt Directora | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Inês Moreira; Directora do Hospital de Crianças Maria Pia | Manuela Machado Corpo Redactorial | Amélia José; Ana Cristina Cunha; Artur Alegria; Carlos Enes; Carmen Carvalho; Conceição Mota; Esmeralda Martins; Inês Lopes; Laura Marques; Margarida Guedes; Maria do Carmo Santos; Miguel Coutinho Editores especializados | Ciclo de Pediatria InterHospitalar do Norte - Rogério Mendes; Helena Jardim; Virgílio Senra; Fernanda Manuela Costa; Jorge Sales Marques; Armando Pinto; Cidrais Rodrigues; Joaquim Cunha. Caso Endoscópico - Fernando Pereira. Imagens Filipe Macedo. Caso Estomatológico - José Amorim. Genes, Crianças e Pediatras - Margarida Reis Lima. Perspectivas Actuais em Bioética - Natália Teles. Artigo Recomendado - Tojal Monteiro Conselho Técnico | Cristina Soares; Gama de Sousa; Lígia Carvalho; Rui Nogueira Secretariado Administrativo | Carla Correia Publicação trimestral resumida e indexada por | EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX Publicação parcialmente subsidiada pelo | Apoio do Programa Operacional Ciência, Tecnologia, Inovação do Quadro Comunitário de Apoio III Design gráfico | bmais comunicação Execução gráfica e paginação I Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN | 0872-0754 Depósito legal | n° 4346/91, anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24 Tiragem | 2.500 exemplares Autorização CTT | DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração | Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto; tel: 226 089 900; fax: 226 000 841; www.hmariapia.min-saude.pt Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser dirigidos a I Coordenação da revista Nascer e Crescer Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto; tel: 226 089 988; email: [email protected] Condições de assinatura | Anual 2006 (4 números) - 35 euros; Número avulso - 10 euros; Estrangeiro - 70 euros Conselho Científico Nacional Conselho Científico Internacional - Adelaide Justiça; - Agustina Bessa Luís; - Alfredina Guerra e Paz; - Álvaro Aguiar; - Carlos Duarte; - Carmen Santos; - Celeste Malpique; - Clara Barbot; - Cidade Rodrigues; - Damião Cunha; - Eloi Pereira; - Faria Gaivão; - Fernanda Teixeira; - Fernando Cardoso Rodrigues; - Filomena Caldas; - João Carlos Figueiredo de Sousa; - José Carlos Areias; - José Oliveira Simões; - José Maria Ferronha; - Lourenço Gomes; - Lucília Norton; - Lurdes Lima; - Luís Januário; - Luís Lemos; - Luzia Alves; - Manuel Dias; - Manuel Rodrigues Gomes; - Manuela Machado; - Manuel Strech Monteiro; - Marcelo Fonseca; - Maria Augusta Areias; - Maria Salomé Gonçalves; - Morais Barbot; - Miguel Taveira; - Nuno Grande; - Octávio Cunha; - Paulo Mendo; - Pinto Machado; - Raquel Alves; - Rui Carrapato; - Maximina Pinto; - Sílvia Álvares; - Sodré Borges; -Tojal Monteiro. - Allan de Broca (Amiens); - Anabelle Azancot (Paris); - D. L. Callís (Barcelona); - F. Ruza Tarrio (Madrid); - Francisco Alvarado Ortega (Madrid); - George R. Sutherland (Edinburgh); - Harold R. Gamsu (Londres); - J. Bois Oxoa (Barcelona); - Jean François Chateil (Bordeaux); - José Quero (Madrid); - Juan Tovar Larrucea (Madrid); - Juan Utrilla (Madrid); - Peter M. Dunn (Bristol) Correspondentes - António Lima (H.0. Azeméis); - Areio Manso (H.Vila Real); - Arlindo Soares Oliveira (H.Ovar); - Dílio Alves (H.P.Hispano); - Ferreira da Silva (H.Régua); - Gama Brandão (Guimarães); - Gualdino Silva (H.Barcelos); - Guimarães Dinis (H.S.Tirso); - Henedina Antunes (H.Braga); - Joana Moura (H.Viana do Castelo); - Jorge Moreira (C.H.Póvoa Varzim/ Vila do Conde); - José Carlos Sarmento (C.H.Vale Sousa); - José Castanheira (H.Viseu); - Lopes dos Santos (H.P.Hispano); - Manuel Tavares (H.Amarante); - M. Judite Marques (H.Bragança); - Pedro Freitas (H. Guimarães); - Reis Morais (H.Chaves); - Ricardo Costa (H.Covilhã); - Ventura Martins (H.Lamego FUNDADA EM 1882 Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 Somos a Entidade Promotora do Voluntariado e Suporte da Humanização do Hospital NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2006, vol XV, n.º 4 número4.vol.XV 211 Editorial Sílvia Álvares 213 Artigos Originais Craniossinosteses – Importância Clínica e Implicações Funcionais Claudia Cristóvão, Alexandra Emílio, M. Rita Soares, Ana Isabel Dias, Mário Matos, Luís Távora 216 A Primeira Viagem: Transportar com Segurança Maria do Céu Ribeiro, Marta João Silva, Felisbela Rocha, Fernanda Carvalho, Paula Fonseca 219 Estimativas do Ruído numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais Margarida Albuquerque, Sandra Valente, Graça Oliveira, Manuel Albuquerque 223 Casos Clínicos Recobro do Investimento Objectal pelo Diálogo dos Corpos – Balneoterapia e Massagem Virgínia Manuela Gomes Rocha, Maria Lurdes Lima, Maria Teresa Graça, Ilda Ferraz 230 Artigo Recomendado Tojal Monteiro 233 Perspectivas Actuais em Bioética O Vírus da Imunodeficiência Humana no Contexto da Procriação Medicamente Assistida aspectos técnicos e considerações éticas Ilda Pires de Pediatria Inter Hospitalar 240 Ciclo do Norte Infecção Congénita por CMV – Caso Clínico S. Lira, Luísa Lopes, Paula Soares, Manuel Dias, Cármen Carvalho NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 247 Qual o seu Diagnóstico? Caso Endoscópico Fernando Pereira 249 Caso Estomatológico José M. S. Amorim 251 Genes, Crianças e Pediatras João Silva, Célia Barbosa, Sílvia Álvares, Margarida Reis-Lima 253 Imagens Filipe Macedo S255 Estudos Interinstitucionais – Mesa Redonda Criança em Risco – Estudo Multicêntrico Maria José Vale, Conceição Casanova, Clara Paz Dias, Camila Gesta, Ana Margarida Alexandrino, Teresa Borges, Nuno Lunet S262 Disfunção Miccional – Mesa Redonda Reeducação Vesico-esfincteriana Rosa Amorim 265 Pequenas Histórias O Ruizinho Cármen Carvalho, Maria do Carmo Santos 268 269 271 Índice de Autores 2006 Índice de Assuntos 2006 Agradecimentos NASCER E CRESCER summary revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 number4.vol.XV 211 Editorial Sílvia Álvares 213 Original Articles Craniosynostosis – Clinical Relevance and Functional Implications Claudia Cristóvão, Alexandra Emílio, M. Rita Soares, Ana Isabel Dias, Mário Matos, Luís Távora 216 The First Voyage: Transport with Safety Mª Céu Ribeiro, Marta João Silva, Felisbela Rocha, Fernanda Carvalho, Paula Fonseca 219 Noise Level in a Neonatal Intensive Care Unit Margarida Albuquerque, Sandra Valente, Graça Oliveira, Manuel Albuquerque 223 Clinical Cases Baththerapy and Massage: Restauring the Objectal Relationship with Interbody Communication Virgínia Manuela Gomes Rocha, Maria Lurdes Lima, Maria Teresa Graça, Ilda Ferraz 230 Recommended Article Tojal Monteiro 233 Current Perspectives in Bioethics Human Immunodeficiency Vírus in Medically Assisted reproduction contex: technical aspects and ethical considerations Ilda Pires 240 Pediatric Inter-hospitalar Meeting Cytomegalovirus Infection Sónia Lira, Luísa Lopes, Paula Soares, Manuel Dias, Cármen Carvalho NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 247 What is your Diagnosis? Endoscopic Case Fernando Pereira 249 Oral Pathology Case José M. S. Amorim 251 Genes, Children and Paediatricians João Silva, Célia Barbosa, Sílvia Álvares, Margarida Reis-Lima 253 Images Filipe Macedo S255 Multicentric Studies – Round Table Children at Risk of Maltreatment – Multicentric Study Maria José Vale, Conceição Casanova, Clara Paz Dias, Camila Gesta, Ana Margarida Alexandrino, Teresa Borges, Nuno Lunet S262 Voiding Disfunction – Round Table Reeducation – Disfunction Rosa Amorim 265 Short Stories Little Rui Cármen Carvalho, Maria do Carmo Santos 268 269 271 Author Index 2006 Subject Index 2006 Acknowledgements NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 editorial A Medicina Baseada na Evidência (MBE), definida como a “utilização conscienciosa, explícita e criteriosa da evidência científica actualizada na tomada de decisões clínicas referentes ao doente individual” (Sackett, 1996), iniciou-se na década de 90 e continua a ser hoje um tema controverso. Consiste num processo sistemático de selecção, análise e aplicação de resultados válidos de publicações científicas como base de decisões clínicas. Essas decisões incluem quantificação de risco, escolha de métodos diagnósticos, estabelecimento de prognóstico e escolha da melhor abordagem terapêutica. Muito embora tenha sido adoptada por muitas organizações de saúde, a MBE é também alvo de críticas e cepticismo. Para os seus defensores, a MBE proporciona a qualidade e a segurança da prática clínica, facilita o processo de transpor para a prática clínica os resultados da investigação científica e tem o potencial de reduzir os gastos em saúde. Por outro lado, os seus oponentes consideram que a MBE subvaloriza a importância da experiência clínica e limita a liberdade clínica; referem ainda que os resultados obtidos nos ensaios clínicos que definem a melhor prática são difíceis de reproduzir na clínica diária e que é um método para reduzir os custos da prestação de cuidados de saúde. A evolução técnica e científica da Medicina, nas últimas décadas têm sido extraordinárias. É indispensável a actualização e educação médica continua para fazer face aos problemas clínicos diários. O número de publicações científicas anuais tem crescido exponencialmente, pelo que dificilmente o médico tem possibilidade de seleccionar e avaliar todos os trabalhos científicos do seu interesse (em média, em pediatria, surgem, diariamente, 19 novos artigos em revistas cientificas). A síntese e organização de evidências em diferentes bancos de dados (revisões sistemáticas e estudos de metanálise) permite uma consulta mais rápida e constitui uma ferramenta importante na tomada de decisão clínica. As principais fontes de revisões sistemáticas são a Cochrane Library, publicação da Cochrane Collaboration (www.cochrane.org) e o The York Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness (DARE) do NHS Centre for Reviews and Dissemination. Como exemplos da importância dos ensaios clínicos randomizados citamos, na área da Neonatologia, os avanços conseguidos pela introdução da corticoterapia pré-natal ou a administração de surfactante na prematuridade. Mas a MBE não se limita aos estudos de metanálise e ensaios randomizados: proporciona-nos a melhor evidência científica para questões clínicas da prática diária, referentes ao diagnóstico ou ao prognóstico, ou questões que envolvam as ciências básicas como a genética ou a imunologia. Não há dúvida que a decisão clínica é um processo complexo ao qual são inerentes a incerteza e a probabilidade e em que intervêm, necessariamente, vários agentes: a relação médico-doente (que integra a envolvente social e psicológica de cada doente, os seus valores, necessidades, expectativas e preferências), o conhecimento e experiência clínica individuais, a evidência científica resultante da investigação clínica de qualidade e ainda os constrangimentos relacionados com a disponibilidade de recursos, as questões éticas e legais. A aplicação do conhecimento científico à saúde é um aspecto essencial da prática clínica, mas a medicina é muito mais do que o conhecimento das doenças, é também uma arte. A arte da medicina editorial 211 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 consiste em aplicar o conhecimento baseado na evidência ao doente individual, em função das suas necessidades e também das suas preferências, não esquecendo a família ou responsáveis quando o doente é uma criança. As preferências do doente ou família são fundamentais na decisão da não reanimação, na orientação e tratamento de malformações congénitas graves entre outras situações. Perante a rápida evolução da ciência e da tecnologia e o volume crescente da literatura médica a integração da evidência científica na decisão clínica será um factor que contribuirá para uma prestação de cuidados de saúde de maior qualidade, segurança e eficácia. A MBE representa um instrumento importante de apoio à decisão clínica, que pode aplicar-se à prática diária; exige algum treino dos profissionais de saúde, que devem estar conscientes das forças e limitações desta ferramenta para a sua utilização adequada. 212 editorial NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Craniossinostoses Importância Clínica e Implicações Funcionais Cláudia Cristóvão1, Alexandra Emílio2, M. Rita Soares3, Ana Isabel Dias4, Mário Matos5, Luís Távora5 RESUMO Introdução: A craniossinostose é uma condição patológica que resulta do encerramento precoce de uma ou várias suturas cranianas, podendo, para além da questão estética, levar ao aparecimento de complicações neurológicas, mais frequente quando existe envolvimento de mais de uma sutura. Descrição dos Casos: Os autores apresentam dois casos clínicos de craniossinostose, com diferentes tempos de seguimento, ilustrando a problemática da intervenção cirúrgica e a necessidade de observação precoce e seguimento por Neurocirurgia. Discussão: Sendo uma patologia relativamente frequente na população pediátrica geral deverá constituir um motivo de atenção especial por parte do Pediatra/Médico Assistente na avaliação periódica em Consulta de Rotina, referenciando à Consulta de Neurocirurgia o mais precocemente possível. Palavras-chave: craniossinostose, deformação craniana INTRODUÇÃO Apesar das deformações cranianas posicionais serem mais frequentes, a sinostose craniana não é uma situação rara em pediatria. As craniossinostoses resultam do encerramento precoce de uma ou várias suturas cranianas. Classificam-se em primárias ou secundárias. __________ 1 Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha 2 Serviço de Pediatria do Hospital de São Bernardo 3 Serviço de Pediatria do Hospital do Divino Espírito Santo 4 Serviço de Neurologia Pediátrica do Hospital de Dona Estefânia 5 Unidade de Neurocirurgia do Hospital de Dona Estefânia As primárias podem ser geneticamente determinadas (uma vez que alguns casos são familiares) e, quer o desenvolvimento anormal do crânio quer o encerramento das suturas, estão presentes ao nascimento. As secundárias podem resultar de microcefalia. Nestes casos a cabeça é pequena mas o formato do crânio não está alterado, apenas o seu tamanho(1). Podem, ainda, resultar de outras causas, tal como, doenças hematológicas (talassémias, drepanocitose), metabólicas (hipertiroidismo e Síndrome de Hurler)(2,3) e ósseas(4). As craniossinostoses primárias dividem-se em sindromáticas (ex: Síndromes de Apert e de Crouzon) e não sindromáticas. Estas últimas são as mais frequentes, com uma incidência de 0,6/1000 recém-nascidos(5). Podem ser monosuturais, originando diferentes configurações cranianas: escafocefalia (sutura sagital), plagiocefalia (sutura coronal unilateral – embora possa ocorrer por compressão externa do crânio, sem que haja craniossinostose, (situação transitória), trigonocefalia (sutura metópica), acrobraquicefalia (suturas coronais); ou envolver mais do que uma sutura. Os autores apresentam dois casos clínicos de sinostose craniana, alertando para o facto de nem todas as deformações cranianas serem posicionais, podendo inclusivamente cursar com perímetro cefálico normal. As craniossinostoses monossuturais evoluem sobretudo com problemas estéticos(6) com enorme importância para o normal desenvolvimento da criança (imagem de si própria/ imagem que os outros vão fazer de si). As craniossinostoses com envolvimento de várias suturas podem originar ocorrência de hipertensão intracraniana, perturbações do comportamento, dificuldades de aprendizagem, défices visuais e cognitivos(6-8). Na suspeita de craniossinostose, o lactente deve ser referenciado, o mais precocemente possível, a uma Consulta de Neurocirurgia, uma vez que nos casos com indicação cirúrgica, esta deverá ser efectuada com brevidade. CASO CLÍNICO 1 D.A.R, sexo masculino, caucasiano, 12 anos de idade, com antecedentes familiares de enxaqueca e antecedentes pessoais irrelevantes. Crescimento cefálico regular (percentil 50) e desenvolvimento psicomotor adequado à idade (Teste de Griffths). Aos quatro meses foi notada configuração craniana anormal, com fronte proeminente e diâmetro biparietal reduzido, que se foi acentuando ao longo do primeiro ano de vida, motivo pelo qual foi referenciado à Consulta de Neurocirurgia. A radiografia do crânio mostrava encerramento da sutura sagital e padrão de “chapa batida” (Figura 1). Foi discutida, com os pais, a possibilidade de intervenção cirúrgica que acabou por ser protelada, uma vez que, nesta altura, estava em causa a questão estética, encontrando-se a criança assintomática. Figura 1 - Padrão de “chapa batida”. artigos originais 213 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Manteve, no entanto, acompanhamento nesta consulta. Aos cinco anos de idade iniciou queixas de cefaleias intensas, associadas a fotofobia, fonofobia e vómitos, de predomínio vespertino, com uma frequência quase semanal. A avaliação neurológica e oftalmológica não mostrou alterações. Considerou-se a hipótese de enxaqueca juvenil sendo medicado com propranolol. Contudo, houve agravamento progressivo da sintomatologia, e entre os oito e os nove anos desenvolve comportamento hipercinético, défice de atenção com insucesso escolar, baixa auto-estima e agressividade, sendo ridicularizado, com frequência, pelos colegas, devido à sua conformação craniana (Figura 2). A evolução fez-se no sentido do envolvimento de mais de uma sutura, sendo o exame oftalmológico anormal, com ausência de pulso venoso no olho esquerdo (OE) e assimetria dos campos visuais (com maior constrição no OE). Radiologicamente era notório o aumento do padrão de “chapa batida” e o exame de TAC evidenciou apagamento do espaço sub-aracnóideu da convexidade e fenda inter-hemisférica, apagamento das cisternas da base e diminuição do volume ventricular. Perante a existência de hipertensão intracraniana e a evolução clínica desfavorável com grande repercussão familiar (apesar de usufruir de apoio psicológico regular), aos 12 anos, foi submetido a intervenção cirúrgica. Cerca de seis meses após a intervenção (Figura 3) verificou-se uma melhoria franca das cefaleias, das dificuldades escolares e das alterações do comportamento, com recuperação do pulso venoso espontâneo (OE), aumento das neosuturas e desaparecimento do padrão de “chapa batida” na radiografia do crânio. CASO CLÍNICO 2 T.A.P.C, sexo masculino, caucasiano, com 10 meses de vida; antecedentes familiares irrelevantes; configuração craniana anormal desde o nascimento. Evolução cefálica regular no percentil 75 e desenvolvimento psicomotor adequado (Escala de Mary-Sheridan). Aos 7 meses de vida foi internado por intercorrência infecciosa, sendo constatada escafocefalia com fronte proeminente, diminuição do diâmetro biparietal, alongamento do diâmetro antero-posterior com crista óssea Figura 2 - Jovem com envolvimento de mais uma sutura craniana antes da intervenção cirúrgica. 214 artigos originais palpável na sutura sagital. Na radiografia do crâneo era observável um padrão de “chapa batida”. Foi efectuada cirurgia correctiva, aos 11 meses, que decorreu sem problemas, com correcção completa da deformação. DISCUSSÃO As deformações cranianas posicionais nem sempre são transitórias. Estas, bem como as sinostoses devem ser orientadas precocemente para a consulta de Neurocirurgia, uma vez que existem técnicas não cirúrgicas/ técnicas cirúrgicas(7) para abordagem destes casos. A radiografia do crânio permite distinguir estas duas situações na medida em que nas deformações posicionais a sutura está patente estruturalmente. Com estes dois casos clínicos os autores pretendem ilustrar que a componente estética (apesar de ser a mais notória inicialmente), não é a única consequência desta patologia, sendo o desenvolvimento de hipertensão intracraniana, perturbações do comportamento, dificuldades de aprendizagem e défices visuais e cognitivos(1-9), bem mais preocupantes. Figura 3 - Seis meses após correcção cirúrgica da deformidade craniana. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Enquanto no segundo caso clínico o aspecto estético preocupava os pais levando à correcção cirúrgica, no primeiro caso as repercussões intra-cranianas da patologia eram bem mais problemáticas. Neste último caso, a decisão de protelar a cirurgia foi tomada em contexto de consulta de Neurocirurgia juntamente com os pais, uma vez que na fase inicial estava em causa uma alteração estética. Posteriormente optou-se pela correcção cirúrgica quando se verificou o envolvimento de várias suturas, com desenvolvimento de hipertensão intra-craniana secundária, alterações oftalmológicas graves e perturbações do comportamento. Embora não possamos provar uma relação causal entre as sinostoses e as alterações apresentadas por este jovem, de facto, com a correcção cirúrgica da deformação craniana verificou-se uma franca melhoria clínica dos aspectos neurológicos e comportamentais. Apesar de nem todos os casos de craniossinostose apresentarem indicação cirúrgica deverão ser referenciados à Consulta de Neurocirurgia assim que diagnosticados, pois uma intervenção precoce é determinante na evolução clínica (inclusive na evicção de sequelas morfológicas, hipertensão intra-craniana, défices de perfusão cerebral, motores e cognitivos)(8). Sendo uma patologia relativamente frequente na população pediátrica geral deverá constituir um motivo de atenção especial por parte do Pediatra/Médico Assistente na avaliação periódica em Consulta de Rotina. Salienta-se ainda a im- portância da avaliação global da criança como forma de excluir ou confirmar uma forma sindromática de craniossinostose. CRANIOSYNOSTOSIS – CLINICAL RELEVANCE AND FUNCTIONAL IMPLICATIONS ABSTRAT Introduction: Craniosynostosis is a pathologic condition characterized by abnormal, premature fusion of one or more cranial sutures. Beyond a estetnic aspect, neurologic complications are more frequent when more than one suture is affected. In selected cases surgery must be precociously performed. Case Report: We report two cases of craniosynostosis with different period of follow up, showing the problematic decision of surgical intervention. Discussion: The authors emphasize the need of an early diagnosis and referal to neurosurgery as this way have a favourable impact in the outume of the child. Key-words: craniosynostosis, cranial deformity 3. Cohen MM Jr, MacLean RE: Craniosynostosis. Diagnosis, Evaluation and Management (ed 2). New York. Oxford University Press, 2000. 4. Reilly BJ, Leeming JM, Fraser D: Craniosynostosis in the rachitic spectrum. J Pediatr. 1964; 64: 396-405, 5. Shupert A, Merlob P, GrunebaumM, et al. The incidence of isolated craniosynostosis in the newborn infant. Am J Dis Child. 1985; 139: 85-86, 6. Johnston MV, Kinsman S. Cranioestenose. In Beharman RE, Kliegman RM, Jenson HB, eds. Nelson- Tratado de Pediatria.17ª ed. Elsevier ,2005: 2113. 7. Panchal J, Uttchin V. Management of craniosynostosis. Plast Reconstr Surg. 2003; 111(6): 2032-48. 8. Rannan ES, Middleton J, Wall S. Functional implications of single suture craniosyostosis. Current Pediatrics. 2002; 12: 199-205 9. Lekovic GP, Bristol RE, Rekate HL. Cognitive impact of craniosynostosis. Semin Pediatr Neurolo. 2004; 11(4): 305-10. Nascer e Crescer 2006; 15(4): 213-215 CORRESPONDÊNCIA BIBLIOGRAFIA 1. Flores-Sarnat L. New Insights Into Craniosynostosis. Seminars in Paediatric Neurology 2002; 9 (4): 274-91. 2. Cohen MM Jr. Etiopathogenesis of Craniosynostosis. Neurosurg Clin N Am 1991; 2 (3): 507-13. Serviço de Neuropediatria e Unidade de Neurocirurgia do Hospital de Dona Estefânia Cláudia Cristóvão Pátio do Singelo lote B 2ºE 2050-275 Azambuja; Tel 966162425 E-mail: [email protected] artigos originais 215 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 A Primeira Viagem: Transportar com Segurança! Mª Céu Ribeiro, Marta João Silva, Felisbela Rocha, Fernanda Carvalho, Paula Fonseca RESUMO O transporte automóvel com o correcto sistema de retenção pode evitar até 90% de lesões graves em caso de acidente, particularmente no recém-nascido (RN). O objectivo deste trabalho foi avaliar a forma de transporte do recémnascido após a alta hospitalar; conhecer as atitudes dos pais em relação ao transporte de crianças em automóvel e os factores determinantes na decisão dos pais quanto ao meio de retenção a utilizar. Material e Métodos: Foi aplicado um inquérito anónimo, de forma aleatória a puérperas e seus cônjuges à data da alta do RN. Resultados: Obtiveram-se 102 inquéritos. Apesar de 79% dos inquiridos já terem obtido a cadeira adequada, apenas 43% planeava utilizá-la à data da alta e só 19% demonstrou conhecer a forma correcta de colocação da cadeira. Dos 36 inquiridos que tinham outros filhos, 23 (64%) transportavam-nos correctamente; porém, só 6 (17%) planeavam transportar o filho recém-nascido também de modo adequado. Conclusão: Os dados obtidos mostram a necessidade da educação dos pais e comunidade em geral sobre o transporte em segurança de recémnascidos e crianças no automóvel, bem como de intervenção no sentido de aumentar a adesão dos pais às regras de segurança rodoviária. Palavras–chave: sistemas de retenção em transporte automóvel, recémnascido; criança. Fig. 1 – Escolaridade dos pais. __________ 1 Serviço de Pediatria do Hospital São João de Deus – Vila Nova de Famalicão. 216 INTRODUÇÃO Os acidentes, particularmente os de automóvel, são a principal causa de morte na infância e é conhecido que a utilização correcta de sistemas de retenção (SR) pode prevenir 90% de lesões graves em caso de acidente(1). As crianças até aos 18 meses de idade e, particularmente os recém-nascidos, devem ser transportados num sistema de retenção colocado no sentido oposto ao movimento, dado o peso relativo da sua cabeça (cerca de ¼ do seu peso total) e a elasticidade elevada das suas estruturas cervicais(1). Desta forma cabeça e corpo permanecem apoiados em caso de acidente. O Art.º 55º do Código da Estrada de 2005 prevê a utilização de sistemas de retenção homologados para crianças de acordo com o seu tamanho, idade e peso (até aos 150 cm, 12 anos ou 36 Kg), sendo no entanto omisso quanto às particularidades de utilização do SR(2). artigos originais OBJECTIVOS 1. Avaliar a forma de transporte do recém-nascido após a alta hospitalar. 2. Conhecer as atitudes dos pais em relação ao transporte de crianças em automóvel. 3. Conhecer os factores determinantes na decisão dos pais quanto ao meio de retenção a utilizar. MATERIAL E MÉTODOS Foi aplicado inquérito anónimo e aleatório a puérperas e seus cônjuges, preenchido sem a presença do pessoal de saúde, no período de 1 de Outubro de 2004 a 31 de Janeiro de 2005. As variáveis analizadas foram: a idade, escolaridade e profissão dos pais; o número de filhos e o sistema de retenção utilizado no transporte destes; o meio de retenção automóvel planeado para o RN quando da alta hospitalar e os factores que determinaram essa decisão. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Fig. 2 – Profissão da mãe. Fig. 3 – Profissão do pai. Fig. 4 – Factores influenciadores na aquisição da cadeira adequada ao transporte do RN. RESULTADOS No período em que decorreu o estudo efectuaram-se 490 partos, tendo-se obtido 102 inquéritos. A idade média das mães foi de 29 anos e a dos pais de 31 anos. A população era pouco escolarizada, como se pode observar na Fig.1, com a maioria dos inquiridos a exercer profissões pouco diferenciadas (Fig. 2 e 3). Em 46% dos inquiridos este era o seu 1º filho. Cinquenta e três porcento tinham outros filhos, na sua grande maioria (69/102) apenas mais um filho. Quando questionados sobre se já tinham adquirido a cadeira adequada para o transporte do RN, 79% respondeu afirmativamente, alegando sobretudo o gosto pessoal como determinante para a escolha do modelo (Fig. 4). Entre os 21% que ainda não tinham adquirido a cadeira de transporte, as razões evocadas foram diversas, realçando-se o facto de a variável preço apenas ter sido considerada relevante em 8 casos. Nenhum dos inquiridos considerou desnecessária a cadeira de transporte. Quando questionados sobre a forma planeada para o transporte do RN à data da alta da maternidade, apenas 43% responderam optar pela cadeira adequada e destes apenas 44% (19% do total dos inquiridos) a colocariam correctamente no seu automóvel, ou seja no banco traseiro no sentido oposto ao movimento e com o cinto de segurança. Dos 36 inquiridos que tinham outros filhos, 23 (64%) transportavam-nos correctamente; porém, só 6 (17%) planeavam transportar o filho recém-nascido também de modo adequado. DISCUSSÃO Do presente estudo é saliente a forma incorrecta de utilização do sistema de retenção: apesar de 79% dos pais já terem adquirido a cadeira, só 19% a sabiam utilizar correctamente. De resto, é sobre a correcta utilização dos sistemas de retenção que as campanhas informativas aparentemente mais têm falhado(1). A relação entre o transporte correcto e a escolaridade dos pais, já referida em alguns estudos, foi também aparente e até mais evidente na nossa amostra(3-6). O número reduzido de pais que, apesar artigos originais 217 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 de transportarem outros filhos correctamente, planeavam transportar o RN de forma inadequada demonstra a resistência ainda existente quanto à utilização da cadeira neste grupo etário. Parece evidente a necessidade de intervenção antes da alta da maternidade e até, em antecipação, a nível dos cuidados primários de saúde, quanto à utilização do sistema de retenção em recémnascidos. A atribuição de benefício fiscal na compra de sistemas de retenção, ou a possibilidade de aluguer destes, poderá também contribuir para uma utilização mais alargada(4), não resolvendo, contudo, a questão da sua má colocação, que só poderá ser enfrentada com mais campanhas informativas. THE FIRST VOYAGE: TRANSPORT WITH SAFETY! ABSTRACT Objective: Using the correct car restraint during motor transportation can prevent up to 90% of serious lesions in case of accident and especially in the newborn. The objective of this study 218 artigos originais was to know how the parents planned to transport their newborns from hospital to home and children in general. It was also designed to research factors affecting the parental decision. Population and methods: We applied an anonymous randomized inquiry to 102 parents in the post-delivery period. Results: Seventy nine percent of the parents had already acquired a car restraint; 43% intended to use it at the discharge; only 19% of the parents knew the correct way to use the car restraint. Thirty six couples had other children; they transported them in a safe way in 64% of the cases; only 17% knew how to restrain correctly the newborn. Conclusion: Our data point out the need to increase community knowledge of the effectiveness of appropriate child restraints in preventing death and injury and also to increase compliance of parents and children with correct car restraint use laws. Key-words: Car restraints, newborn, children Nascer e Crescer 2006; 15(4): 216-218 BIBLIOGRAFIA 1. APSI. Boletim 16. In: www. apsi.org.pt 2. Direcção Geral de Viação. Código da Estrada. In: www.dgv.pt 3. Marujo A, Moleiro P, Faria D. Transporte de crianças em automóvel. 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CORRESPONDÊNCIA E-mail: [email protected] Rua António Patricio 104 R/C esq 4460 Sra da Hora Matosinhos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Estimativa do Ruído numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais Margarida Albuquerque1, Sandra Valente2, Graça Oliveira1, Manuel Albuquerque3 RESUMO Introdução: O ruído tem sido considerado como uma importante fonte de stress podendo complicar o tratamento dos recém-nascidos e como factor de risco para o seu desenvolvimento. O ruído também é reconhecidamente uma fonte de stress e patologia para os profissionais de saúde, dificultando o seu trabalho e agravando o risco de erro. Metodologia: Foi feita uma estimativa do nível contínuo equivalente em 3 postos de cuidados intensivos da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais da Clínica Universitária Pediátrica do Hospital de Santa Maria, com diferentes tipos de incubadora e diferentes modos de ventilação, de manhã e de noite. Esta avaliação era desconhecida para todas as pessoas que se encontravam na Unidade. Foi estimado o ruído dentro das incubadoras com a porta aberta e fechada e fora das incubadoras. Foi ainda avaliado o ruído provocado por algumas situações particulares. Resultados: O ruído estimado variou entre 50,0 dB(A) dentro de uma incubadora até 70.4 dB(A) fora das incubadoras, não se registando diferenças entre as medições diurnas e nocturnas. Posteriormente foi avaliado o ruído provocado durante algumas situações como fechar a porta da incubadora, escrever e bater com caneta no topo das incubadoras. O __________ 1 Assistente graduado de pediatria – competência em Neonatologia Clínica Universitária Pediátrica - Hospital de Santa Maria – Lisboa 2 Interna de pediatria – Clínica Universitária Pediátrica – Hospital de Santa Maria – Lisboa 3 Assistente graduado de Saúde Pública, Especialista de Medicina do Trabalho -Departamento HST/Medicina do Trabalho – Unimed - Lisboa ruído mais elevado registado nestas situações foi de 84,4 d B(A). Conclusões: Não se detectaram níveis de ruído com risco de lesão auditiva quer para os recém-nascidos quer para os trabalhadores. No entanto o nível contínuo equivalente de ruído é bastante superior ao recomendado quer para doentes internados (45 dB(A)), quer para trabalho que requeira esforço mental e necessidade de concentração (55 dB(A)), com o consequente aumento do risco de stress, fadiga e erro. As incubadoras fechadas conferem alguma protecção, variável e não suficiente, variando o ruído também com o tipo de ventilação. Recomendam-se a motivação para o controlo do ruído e algumas medidas no sentido de o reduzir. Palavras-chave: Ruído, UCIN, recém-nascido INTRODUÇÃO Os recém-nascidos (RN) reagem intensamente aos ruídos com alterações electrofisiológicas, mais prolongadas que o próprio estímulo, impedindo-os de repousar(1). A redução do ruído tem um efeito positivo no sono dos recém-nascidos internados(2). Os prematuros em particular reagem com aumento da frequência respiratória e cardíaca e redução da saturação de oxigénio(3). O ruído tem sido considerado como uma importante fonte de stress podendo complicar o tratamento dos RN(1,4,5) e como factor de risco para o seu desenvolvimento(6,7). O ruído também é reconhecidamente uma fonte de stress e patologia para os profissionais de saúde, dificulta o trabalho e agrava o risco de erro(2,8). A OMS recomenda uma exposição máxima de 70 dB(A) durante 24h, 73 dB(A) durante 12h, 76 dB(A) durante 6 h e 79 dB(A) durante 3h, com o intuito de evitar lesão auditiva, mas acima de 65 dB(A) já pode ocorrer dificuldade de comunicação e de concentração, com risco de erro, assim como aumento da tensão arterial, redução da circulação periférica, cefaleias, irritabilidade e fadiga(9). Para trabalho que requeira esforço mental e necessidade de concentração, como é o caso numa Unidade de Cuidados Intensivos, o nível de ruído contínuo não deve exceder 55 dB(A). Um estudo do nível de ruído em sete unidades de cuidados intensivos neonatais (UCIN) de nível III encontrou um valor médio de 54.89 dB(A) nos EUA(10). O nível de ruído nas UCIN é determinado pelas características acústicas da própria Unidade e pelo comportamento do pessoal de saúde(11). É amplamente reconhecido que as principais fontes de ruído dentro de uma UCIN são os alarmes, o choro dos bebés e a actividade dos profissionais(12,13). Até à data poucas UCIN têm tido sucesso no controlo mantido do ruído(2,14). Os níveis médios encontrados têm variado entre 50 – 78 dB(A) em período diurno e de 40 – 65 em períodos calmos(2,11). Dificilmente se encontra uma UCIN que mantenha os níveis recomendados. As incubadoras fechadas atenuam o ruído, no entanto as próprias incubadoras podem ser uma fonte de ruído, especialmente de baixa frequência(15). Aparentemente registam-se níveis de ruído mais elevados em caso de nCPAP e ventilação de alta frequência e menos em ventilação convencional(16-18). Para a boa evolução de doentes internados recomenda-se um nível médio máximo de 45 a 50 dB(A) de dia e 40 dB(A) de noite)(19,20). Este nível recomendado para os doentes é “quase silêncio” se considerarmos que o limiar artigos originais 219 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 auditivo se encontra nos 20 – 25 dB(A) e a conversação humana normal produz 60 dB(A). Os picos (Lmax) não devem exceder 70 dB(A)(20). Estes níveis permitem proteger o sono, estabilizar sinais vitais e promovem a inteligibilidade durante a maior parte do tempo(5,20). Guimarães H e col, encontraram em 1994 no Hospital de São João, valores entre 61 e 67 dB(A) com picos superiores a 100 dB(A)(21) e Castela J e col, entre 60 e 70 dB(A) na Maternidade Alfredo da Costa, em 1992(22). Ana Nicolau e col, num estudo multicêntrico recente do ruído em UCIN da região de Lisboa e Vale do Tejo,(23) encontraram valores entre 58,2 e 65,4 dB(A) na região central das Unidades e 51,2 e 61,4 dB(A) no interior das incubadoras, não parecendo ter havido evolução favorável na última década. O valor médio do nível contínuo equivalente de ruído (Leq) na nossa Unidade, enquanto participante nesse estudo (UCIN E) foi de 61,9 na região central e 59,2 dentro de incubadora. Foi a unidade com maior contribuição de ruído exterior. Quase todos os profissionais inquiridos neste mesmo estudo se revelaram habitualmente incomodados com o ruído. Cada Unidade deve avaliar regularmente a sua situação e tomar medidas apropriadas(2). Pretendemos obter uma avaliação sumária dos níveis de ruído da UCIN do Hospital de Santa Maria (HSM), como base para determinar necessidade de futura, mais aprofundada avaliação e programar medidas de controlo. METODOLOGIA Usou-se um sonómetro simples calibrado – roline RO 1350. Numa primeira fase foram feitas avaliações desconhecidas por todas as pessoas da Unidade, com a excepção dos autores, de manhã entre as 9h30 – 10h30 e de noite entre as 23h30 – 24h30. Para evitar o efeito Hawthorn os profissionais que se encontravam na Unidade pensavam que se estava a efectuar avaliação de parâmetros de qualidade de ar ambiente. Decorreu em dias de semana. Em cada um destes períodos avaliou-se o ruído em 3 postos de cuidados intensivos: 1) posto com incubadora Athom recente e recém-nascido em ventilação de alta frequência num 220 artigos originais ventilador Sensormedics, 2) incubadora Athom recente e recém-nascido em ventilação sincronizada com ventilador VIPBIRD, 3) incubadora Vickers mais antiga com recém-nascido sem suporte respiratório. Em cada um destes postos foram registadas 5 medições em períodos de 10 minutos (medições sucessivas) dentro da incubadora, dentro da incubadora com a porta aberta e fora da incubadora. Foi estimado o nível contínuo equivalente (Leq), definido como o nível sonoro constante que, se estivesse presente durante todo o tempo de exposição, produziria os mesmos efeitos, em termos de energia, que o nível variável(9). As estimativas foram efectuadas através do programa informático “Ruído” (ANEOP-IDICT) que calcula o Leq através do somatório logarítmico ponderado de todas as medições efectuadas . Todos os 8 postos de cuidados intensivos se encontravam ocupados. Durante os períodos de avaliação não houve qualquer admissão ou transferência, nem se registou qualquer movimento particular. Registaram-se toques de diversos alarmes, chamada de telefone fixo, vozes humanas, choro dos bebés, passagem de aviões, movimentação de portas de armários e manipulação de instrumentos e biberons. Durante o período nocturno registou-se a passagem de turno de enfermagem. Numa segunda fase, já com conhecimento dos trabalhadores da Unidade, foi avaliado o ruído intermitente durante algumas situações particulares: fechar as aberturas de manipulação nas portas, escrever e bater com caneta no topo das incubadoras; esta avaliação foi feita em dois postos de cuidados intensivos: 1) incubadora Athom e recém-nascido em nCPAP, 2) incubadora Vickers e recémnascido sem suporte respiratório. RESULTADOS Dentro das incubadoras o nível variou entre 50,0 e 61.4 dB(A), com a porta aberta variou entre 57,9 e 66,9 dB(A). Fora das incubadoras o nível variou entre 68.9 e 70.4 dB(A) durante o dia e 64.5 a 70.4 dB(A) durante o período nocturno. (Quadros I a III). Considerando todas as medições efectuadas o nível equivalente contínuo médio durante o dia foi de 69,7 dB(A) e à noite de 67,8 dB(A), sendo este correspondente ao nível de exposição dos trabalhadores. Na segunda fase de estimativa do ruído observámos que escrever em cima da incubadora não aumenta quase nada o ruído medido dentro da incubadora (menos de 1 dB(A)), bater com a caneta aumentou de 3 a 9 dB(A) consoante o tipo de incubadora e o que provocou maior aumento de ruído foi o fecho das aberturas de manipulação nas portas, chegando a atingir 84,4 dB(A). (Quadro IV) DISCUSSÃO A avaliação decorreu numa ocasião em que a Unidade tinha todas as vagas ocupadas, mas numa fase relativamente calma, sem admissões, transferências, necessidade de reanimação ou qualquer tipo de “stress”. A diferenciação entre o ruído diurno e nocturno foi prejudicada por o período de avaliação à noite ter coincidido com a passagem de turno de enfermagem. É provável que uma avaliação de madrugada registasse um nível de ruído inferior. Também há outras situações que não foram avaliadas como a hora das visitas ou a diferença entre os dias de semana e fim-de-semana. Contudo consideramo-la uma estimativa representativa da maioria da actividade na Unidade. Nas unidades em “open space” a distribuição do ruído é relativamente uniforme(24). Atendendo às características do trabalho numa Unidade deste tipo e aos valores obtidos nesta avaliação admitimos poder aceitar que se trata de um ruído contínuo, isto é, definido como ruído sem amplas variações de nível ou espectro(25), podendo ser avaliado através do Leq. Considerando o nível de ruído a que os trabalhadores estão expostos como o nível contínuo equivalente fora das incubadoras – 69,7 dB(A) de dia e 67,8 dB(A) de noite – verificamos em primeiro lugar que não há risco de lesão auditiva pois se considera que não há risco abaixo de 75 dB(A) e a legislação obriga a que seja inferior a 85 dB(A) mas é claramente prejudicial em termos de stress e risco de erro. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Os recém-nascidos em incubadoras fechadas estão submetidos a um nível contínuo de ruído algo inferior (50,0 a 61,4 dB(A)) que aumenta principalmente com a abertura e fecho das portas. Varia com o tipo de incubadora e principalmente com o tipo de suporte respiratório. Como seria de esperar as incubadoras mais recentes atenuam melhor o ruído. Registaram-se níveis de ruído mais elevados em caso de nCPAP e ventilação de alta frequência e menos em ventilação convencional e sem suporte respiratório, como seria de esperar. Estes níveis não são compatíveis com as recomendações para a boa evolução de doentes internados. O nível de ruído estimado é semelhante ao referido por Ana Nicolau e col(23) e, tal como aqueles autores, não encontrámos ritmos circadianos nem eficaz protecção contra o ruído atribuível às incubadoras fechadas. RECOMENDAÇÕES O ruído exterior não é facilmente controlável, dada a localização quer do Hospital, quer da Unidade dentro do mesmo. Assim, é fundamental motivar os trabalhadores para o controlo do ruído. Será necessário evitar ruídos desnecessários como conversar e reduzir a abertura das portas das incubadoras(26). Devem-se criar condições para remover de dentro da Unidade toda a manipulação não absolutamente indispensável como o aquecimento dos biberons, tarefas administrativas como citografar, imprimir, arrumos e passagens de turno ou reuniões clínicas. Johnson NA(2) sugere a eliminação de dentro das unidades de telefones e rádios; reduzir o volume dos alarmes, limitar a interacção do pessoal de saúde “à cabeceira”. Também têm sido recomendadas medidas como a “almofadagem” de portas e gavetas e a substituição de reci- Quadro I – Estimativa de Ruído (Posto Athom/sensormedics) Dentro da incubadora Incubadora porta aberta Exterior à incubadora Dia LEQ dB(A) 57.7 63.9 68.9 Noite LEQ dB(A) 61.4 66.9 64.5 Quadro II – Estimativa de ruído (posto athom/vipbird) Dentro da incubadora Incubadora porta aberta Exterior à incubadora Dia LEQ dB(A) 50.0 57.9 69.7 Noite LEQ dB(A) 57.4 60.7 66.2 Quadro III – Estimativa de ruído (posto vickers/sem ventilação) Dentro da incubadora Incubadora porta aberta Exterior à incubadora Dia LEQ dB(A) 56.8 60.0 70.4 Noite LEQ dB(A) 58.8 62.7 70.4 Quadro IV – Ruído dentro da incubadora em situações particulares Base Escrever sobre incubadora Bater com caneta Fechar as portas Athom/nCPAP 72.4 dB(A) 72.6 dB(A) 75.5 dB(A) 84.4 dB(A) Vickers/sem ventilação 56.7 dB(A) 56.9 dB(A) 67.1 dB(A) 78.0 dB(A) pientes de metal por recipientes de plástico sempre que possível(27). É também importante considerar a produção de ruído como um dos parâmetros a equacionar na aquisição de equipamento e considerar a capacidade de insonorização das incubadoras ao receber os recém-nascidos mais frágeis, se bem que a capacidade de atenuação do ruído com o motor ligado é reconhecidamente diminuta podendo até os sons de baixa frequência serem mais altos dentro das incubadoras do que no exterior(16). Fontes exteriores de estimulação sonora colocadas propositadamente, como aparelhos musicais, deve ser restrita a situações clínicas específicas, devidamente avaliadas não havendo qualquer benefício demonstrado do seu uso para os RN de alto risco(5,14). É particularmente útil a medição regular dos níveis de ruído, quer para monitorizar o resultado das medidas implementadas, quer para manter o nível de motivação dos profissionais(2). A tendência na construção de novas unidades com modelos com quartos individualizados que respondam a um tipo de cuidado centrado nas famílias, permitindo um ambiente mais adequado ao desenvolvimento do RN, também se poderá revelar benéfica para o controlo do ruído(28,29). NOISE LEVEL IN A NEONATAL INTENSIVE CARE UNIT ABSTRACT Introduction: noise exposure in neonatal units has been considered a detrimental factor for stabilization and future development of newborns. It has also been associated with health providers stress and the probability of error. Methods: The authors recorded mean continuous noise at three intensive care stations in Hospital Santa Maria Neonatal Intensive Care Unit, with different incubators and different ventilation support, morning and night. It was a blind evaluation to all people within the Unit. Samples where collected inside the incubators, with doors closed and opened, and outside the incubators. Peak noise occurring during several procedures was also recorded. artigos originais 221 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Results: Mean noise level varied between 50,0 dB(A) inside one of the incubators and 70.4 dB(A) outside. There where no significant differences between day and night measurements. Peak noise was evaluated during closing incubator doors, writing and banging in the top of the incubator and alarm sounds. Highest peak noise recorded was 84,4 d B(A). Conclusion: Mean noise level measurements are not consistent with hearing loss risk for both providers and newborns. Nevertheless, it is substantially higher than recommended for hospital patients (45 dB(A)) and for work with high concentration needs (55 dB(A)), increasing stress, fatigue and error. Closed incubators give variable but insufficient protection. Noise levels also varied with type of ventilation support. Motivation for noise control is very important. Some measures for noise reduction are recommended. Key-words: Noise, NICU, newborn Nascer e Crescer 2006; 15(4): 219-222 BIBLIOGRAFIA 1. Trapanotto M, Benini F, Farina M, Gobber D, Magnavita V, Zacchello F. Behavioural and physiological reactivity to noise in the newborn. J Paediatr Child Health. 2004. 40:275-81. 2 Johnson AN. Adapting the neonatal intensive care environment to decrease noise. J Perinat Neonatal Nurs. 2003. 17(4):280-8 3. Bremmer P, Byers JF, Kiehl E. Noise and the premature infant: physiological effects and practice implications. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2003. 32:447-54. 4. American Academy of Pediatrics. Noise: a hazard for the fetus and newborn. Pediatrics. 1997. 100:724-7. 5. Graven SN. Sound and the developing infant in the NICU: conclusions and recommendations for care. J Perinatol. 2000. 20:s88-s93. 6. Chang EF, Merzenich MM. Environmental noise retards auditory cortical development. Science. 2003.300:498502. 222 artigos originais 7. Kawada T. 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Palavras-chave: Crianças psicóticas, Balneoterapia, Massagem. Nascer e Crescer 2006; 15(4): 223-229 INTRODUÇÃO A – Enquadramento De acordo com os conceitos teóricos de Tustin(1) e Meltzer(2) é possível conceptualizar o autismo como uma reacção de encapsulamento necessária a um certo tipo de crianças, que viveram processos psiconeurobiodesenvolvimentais precoces e catastróficos, Estas crianças parecem recorrer a um “encapsulamento” autista que porventura os proteja do terror de um “Não Eu” e assegure, não a sobrevivência de um psiquismo (que não existe), mas a continuidade “Espécie – Matéria viva Corporal”(1,3,7). A criança autista teria, então, uma perturbação precoce da elaboração das sensações. Estas não são transformadas em emoções por falha de ligação, ou __________ 1 Assistente Eventual de Psiquiatria da Infância e Adolescência. 2 Assistente Eventual Graduada de Psiquiatria da Infância e Adolescência. 3 Assistente Hospitalar Graduada de Psiquiatria da Infância e Adolescência. 4 Enfermeira Especialista. Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia (Porto). seja, de tradução materna transformadora, com consequente desenvolvimento de uma auto-sensualidade bizarra. Nestas crianças, a relação com o meio baseia-se na continuidade “sensação – objecto desmantelado que produz a sensação”. Meltzer(2) fala de identificação adesiva (bidimensional), referindo-se à dependência por colagem em superfície a um objecto que não é reconhecido como tendo uma existência separada; nestas circunstâncias, a continuidade “pele – objecto” impede a representação das coisas e a criação de um espaço interior. B – Proposta de avaliação de um processo terapeutico em crianças autistas Para melhor compreensão das perturbações autistas do ponto de vista psicodinâmico, G. Haag(8) propôs um esquema evolutivo psicopatológico, ordenado segundo as grandes etapas da construção do Eu corporal (Quadro I e II). A grelha das etapas evolutivas do autismo infantil, resultado da sua experiência de tratamentos psicanalíticos de longa duração de crianças autistas, permite seguir a evolução clínica de crianças autistas numa perspectiva clínico-biológica integrada. Porque clínico-biológica integrada, permite igualmente distinguir os subgrupos clínicos com expressão biológica diferente, e sugerir eventuais correlações clínico-biológicas, até à data não estabelecidas. Nesta grelha é dada grande importância à génese da imagem do corpo enquanto primeiro Eu, assim como à estruturação do Espaço que a acompanha indissociavelmente. Esta é uma das charneiras mais profundas entre os aspectos emocionais, pulsionais e identificatórios da personalidade e do nascimento das capacidades de conhecer (factor K de Bion) – cognição. Se os psicanalistas, nomeadamente os da corrente Kleiniana e pós-Kleinian, trabalharam os aspectos corporais e espaciais do nascimento da “psique”, Haag preocupou-se em desenvolver a compreensão do funcionamento da percepção, do pensamento e das capacidades de aprendizagem e, para isso, recorreu aos trabalhos de U. Frith(9) sobre a “Teoria da Mente” e incapacidade empática das crianças autistas. A percepção do Espaço estaria no centro da problemática das primeiras identificações, umas adesivas e outras projectivas. Segundo G. Haag, é a incapacidade da criança autista em construir uma identificação projectiva útil que a impede de se identificar às emoções e às ideias dos outros. Também os trabalhos de A. Bullinger concernente a fluxo sensorial, aspectos periféricos e centrais dos diferentes sentidos, construção espacial ligada ao jogo das sensibilidades, tónusmotricidade e emoção, se entrecruzam perfeitamente na perspectiva psicanalítica da primeira construção espacial do Eu(10,11). C – Utilização da grelha Na evolução das crianças autistas em tratamento, além das principais etapas propostas, existem fases intermediárias nas quais a criança pode oscilar de forma muito variável, dependendo de cada caso. Os diferentes aspectos do desenvolvimento articulam-se, ao longo da evolução da criança autista, ou de forma contínua (muito raramente de forma harmoniosa e síncrona) ou à custa de clivagens no tempo, de duração mais ou me- casos clínicos 223 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Quadro I – Etapas da construção do eu corporal. Esquema evolutivo de Haag (1998) I. Estado Autístico “réussi” Expressões emocionais e relacionais Olhar 224 III. Fase simbiótica instalada IV. Etapa de individuação (separação em corpo esfincterizado) Aceitam o contacto preferencialmente pelo dorso: retraimento quase permanente sobre estereotipias de auto-estimulação sensorial; procura predominante de sensações; emoções reduzidas ao mínimo; recrudescência de estereotipias. Agitação e crises de tantrum (crise de angústia com desorganização corporal) na presença de motivos particulares de ansiedade e preocupação (sem relação com o tipo ou a gravidade). O contacto corporal do dorso é activamente procurado pela criança ou passivamente aceite, quando a iniciativa é do adulto; procura ou combina o contacto do dorso com o olhar penetrante; ligação emocional que pode passar pelas cores; invólucro sonoro. Demonstrações de angústia de reperda do invólucro: entrada e saída rápida de continentes: crises de temper - tantrum (surgem no desarranjo de estereotipias, na frustração do contacto, por desejos pulsionais mais marcados ou sem causa aparente); diminuição do retraimento das estereotipias, nomeadamente nos tempos relacionais. Aproximação acentuada ao adulto “pegar na mão para fazer”: desenhar, mostrar imagens; emergência de momentos relacionais, em mutualidade, com trocas ternas; aparecimento de emoções (ciúmes) e manifestação de desejos; fusão parcial do seu hemicorpo ao hemicorpo do outro (identificação adesiva lateralizada); frequentes flutuações de humor do tipo maníacodepressivo, mais ou menos prolongadas; esboço de uma consciência de separação; masturbação anal com o fantasma maníaco. Confirmação da possibilidade de um sentimento de separação (introjecção com vista à estabilização); verdadeira procura de momentos relacionais; manifestações de rivalidade Fraterna e edipiana; emergência de cóleras violentas (idênticas às do 2° ano de vida): momentos de verdadeira ternura; confirmação do estado de espelho; recuperação do desenvolvimento correspondente ao 2° ano de vida. Ausente, fugidio, fixo mas não penetrante: olhar periférico (à procura do contorno do próprio corpo e da continuidade com o outro ou os objectos). Alternância do olhar fugidio com o hiper-penetrante (efeito ciclópico); por vezes indícios indirectos de um desejo de “picar” dentro do olho do outro para o atravessar; frequente penetração directa no olhar do outro, juntando as faces. Estrabismo (para evitar a binocularização); “olhar oral” (comer com os olhos); o olhar também manifesta a problemática da pulsão oral: medo de comer, medo de ser comido com os olhos; troca de olhar quase normal; mais luminoso, entregue ao outro, por vezes perverso. Cintilante, com verdadeiras trocas. Inexistente ou ecolálica (imediata ou diferida); voz de tonalidade monocórdica; gritos agudos. Exercícios vocálicos espontâneos, com pouca imitação (“teatro da boca”, Meltzer); lalações; sensação - emoção - construção corporal e espacial vocalizada. Possível, em eco ou com clivagens variadas (pronuncia meias palavras, sons vocálicos com evitamento de consoantes, jogos de parelhas - papá, dadá, titi), com uma tonalidade normal; imitações da melodia da frase: prolongamentos sonoros de certas palavras; avidez de aquisição de vocabulário com repetição de palavras.Imagem do corpo Articulação de duas palavras com complexidade progressiva na organização gramatical; aperfeiçoamento da prosódia e interiorização da sequência do diálogo: aparecimento do “não”: linguagem gestual socializada: podem persistir algumas anomalias (por exemplo, na tonalidade e em preciosismos). Estado hipertónico ou hipotónico: jogos estereotipados (trepar e deslizar sobre o próprio): angústia de queda e de liquefacção: amputação do andar inferior da face (boca mole e flácida, saída de saliva); fácies pouco expressiva; marcha em pontas de pés. Tentativas de combinar o apoio do dorso com o olhar penetrante; inclusão do próprio corpo dentro de conteúdos circulares (sinal da recuperação, em curso, do sentimento de invólucro); procura de sensações “de aperto”, de toda a superfície corporal ou de partes, ao mesmo tempo que manifesta sinais de claustrofobia; sinais de recuperação do “andar médio - inferior” da face e ao mesmo tempo angústia de reperda (verifica ao contornos da boca, explora os objectos com a boca, etc.) - início da esfincterização oral; trabalha essencialmente com a parte superior do corpo. Pegar na mão do outro para fazer; adere o seu lado ao lado do outro (por exemplo, juntar as mãos); investimento na metade inferior do corpo, incluindo a zona anal e sexual; demonstração de diferentes níveis de altura (ex.: colocar o mesmo objecto em cima e em baixo de uma mesa). Total capacidade total da separação corporal; confirmação do estado de espelho; investimento no espaço, prazer na exploração; esfincterização: procura de trocas mantendo um espaço entre os corpos (percepção de duas pessoas totalmente separadas). Linguagem verbal Imagem do corpo II. Etapa de recuperação da primeira pele (início da fase simbiótica) casos clínicos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Quadro II – Etapas da construção do eu corporal. Esquema evolutivo de Haag (1998)(cont.) I. Estado Autístico “réussi” II. Etapa de recuperação da primeira pele (início da fase simbiótica) Aparecimento duma reparação do espaço tridimensional: exploração com o indicador doscontornos dos objectos e superfícies; início de actividades de encaixe. Confirma a exploração com o indicador; interesse por ângulos (demonstração da equivalência simbólica entre o eixo do próprio corpo e o ângulo); interesse pelas articulações e encaixes (ex.: jogos de abertura e encerramento) - exercício relacionado com o controle esfincteriano; interesse por objectos duplos, comparando o parecido com o não parecido, esboço de séries simétricas/assimétricas; interesse pela localização acima ou abaixo dos objectos e continentes: construções de encaixe mais complexas; alinhamentos e montagens obsessivas de objectos com repetições indefinidas. Interesse por jogos de encaixe (noção de permanência do objecto); jogos de conteúdo -continente (jogos de manipulação do 2° ano de vida): encerramento/abertura dos objectos (janelas, caixas, etc.). Problemática do controlo esfincteriano: condutas de oferta, em que a criança coloca e retira os objectos da mão da outra (reexperimentação do circuito enviar/voltar); manipulação persistente, obsessiva, de alguns objectos. Auto e hetero agressividade, frequentemente indiferenciada. Aparente heteroagressividade (destrutibilidade ligada à pulsão oral). Comportamentos autoagressivos (ataque possível a um lado do corpo, confundindo-o com o do adulto; temporariamente, auto-mutilação dos membros inferiores; hetero-agressividade que inclui os elementos do nível da construção anal normal e patológica: possessão maníaca, estado de excitação, por vezes, sexualizado. Potencialmente tirânico, actos cruéis sobre os animais e crianças mais novas, etc. Heteroagressividade em contexto de rivalidade, competição por uma pessoa ou objecto (morder, puxar os cabelos, bater pela posse de objectos); a autoagressividade é possívelquando recai sobre si uma heteroagressividade reprimida com movimentos de identificação ao agressor. Tempo unidimensional: abolição do tempo, concentração num só canal sensorial.Tempo bidimensional: tempo circular, ritualização (evitamento de variações) paracompletar os ciclos (voltar ao mesmo). Charneira entre o tempo circular e o tempo oscilante; preocupação com o tempo circular (à volta de si mesmo); início do tempo oscilante (início da identificação projectiva à mãe); crença na reversibilidade do tempo. Alternância do tempo circular com o tempo oscilante; charneira do tempo oscilante e tempo linear com megalomania atenuada. Mantém a noção de tempo linear com melhor tolerância à separação. Nula. Hiperreactividade à dor e manifestações de pânico com feridas no próprio ou nos outros. Hiper-reactividade atenuada ou normalizada (erotização da dor numa problemática sado-masoquista). Normal. Grande resistência as infecções. Sensibilidade às infecções. Aparentemente normal. Aparentemente normal. Inexistente ou reduzido a traços desprovidos de elementos rítmicos. Inexistente ou possível; “varreduras” ritmadas simples: desenvolvimento de espirais; ultrapassagem dos limites da folha. Verticalização do eixo das espirais, varreduras ou pontilhado; interesse pela duplicação do desenho; desenhos realizados sobre um semi-espaço ou com um jogo de duas metades de desenho em duas folhas unidas verticalmente: horizontalização do eixo das espirais e das varreduras; representações do hemicorpo dividido horizontalmente; maior utilização de cores, com significado emocional e de simbolismo primitivo. Encerramento do círculo; instalação de formas radiárias; mais ou menos rapidamente e de acordo com a idade, tornam-se possíveis traços figurativos; o evitamento de figuras humanas pode ser persistente e haver predomínio de jogos plásticos abstractos. Agressividade Reactividade à dor Estado imunitário Grafismo IV. Etapa de individuação (separação em corpo esfincterizado) Sem exploração dos objectos; os objectos são manipulados como objectos autistas; tendência em manter um espaço uni/bidimensional; luta contra as formas tridimensionais (evitam orifícios, extremidades, pregas). Exploração do espaço e objectos Referência temporal III. Fase simbiótica instalada casos clínicos 225 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 nos prolongada, o que deverá ser analisado para cada caso. O desbloqueio, frequentemente desarmónico, resulta de um trabalho de integração incompleto, pois há áreas de desenvolvimento que podem permanecer “mudas” por bastante tempo. Nestas crianças, encontramos pois, dois tipos de desenvolvimento - um tipo que tem um curso normal e contínuo, outro tipo que mantém e é responsável pelos aspectos do desenvolvimento propriamente patológicos. D – Balneoterapia e massagem As terapias corporais, desde há muito tempo aplicadas em doentes mentais, iniciaram-se de uma forma empírica. Uma das primeiras experiências relatadas na literatura data de 1948 e surgiu no Centro de Tratamento e de Readaptação Social do Centro Especializado de Ville-Evrard(12,13). Com base nas actividades lúdicas realizadas nos Jardins de Infância - plasticina, pintura a dedo, etc. - foram implementadas diferentes técnicas de abordagem corporal, que rapidamente se revelaram úteis em doentes mentais isolados durante longo tempo. À partida, sem nenhum substrato teórico, mas somente com base numa busca obstinada de métodos que permitissem restabelecer a comunicação humana com indivíduos isolados, destacou-se a Balneoterapia, de que nos iremos ocupar. A balneoterapia permite estimular e integrar as sensações mais primitivas da criança, dando-lhes significado do “banho de palavras” que acompanha indissociavelmente esta terapia. Por este meio, constitui-se um envolcro psíquico o “Eu-pele” de D. Anzieu (14), tipo de pré-Eu organizador da personalidade. Com efeito, e segundo D. Anzieu(12), a sensação táctil é uma sensação-base, a única que favorece a distinção entre o dentro e o fora, permitindo assim à criança separar o interior do exterior do Self, e o Self do seu ambiente, passar da unidimensionalidade à tridimensionalidade, no dizer de G. Haag(8), do estado autístico “réussi” à fase de separação-individuação. O vestir, o despir, o secar, os jogos com a àgua permitem conferir a esta terapia o valor duma matternage “suficiente- 226 casos clínicos mente boa” no sentido de Winnicott(15,16). Este autor fala de “não-integração” no autismo e de “desintegração” nos casos de psicose precose, em que se organizou uma certa comunicação integradora, mas muito frágil. Para tentar favorecer a reconquista do “vivido corporal” pode-se recorrer à massagem geral. A massagem tem como objectivo diminuir a angustia da criança e ajudá-la a experimentar sensações corporais mais globais. Já a psicologia do desenvolvimento comparado, tinha revelado a importância do contacto corporal na aceleração dos processos do desenvolvimento psicológico (17). A importância do contacto corporal na relação de objecto e nos processos maturativos biopsicológicos, coloca-nos no cerne da reflexão sobre o estatuto psicológico do corpo; este, objecto para o ego e objecto para o outro está no centro da problemática que liga o Eu reflexivo ao amor do próprio, por intermédio do amor que o outro lhe confere(18). E – A técnica de balneoterapia e massagem De forma sistemática vamos referir os aspectos fundamentais da técnica utilizada. O terapeuta deve ser bem conhecido da criança, mas não deve ser o técnico que lida diariamente com esta. Numa frequência semanal pré-estabelecida, em horário pré-determinado, o terapeuta irá procurar a criança no grupo, abordando-a individualmente. O local do banho e massagem deverá ser aconchegado, aquecido, pouco iluminado e calmo. Quando a criança e o terapeuta chegarem ao local, todo a material deverá estar pronto para dar início à sessão, assim: - a água deverá estar a uma temperatura aproximada de 34°C, sensivelmente a temperatura da pele, o que facilita o bem estar da criança; - as toalhas estarão aquecidas; - os brinquedos devem ser os mesmos em todas as sessões e estar disponíveis, habitualmente na mesma posição. A duração do banho será em função do prazer da criança, variando entre os 5 minutos e uma hora. O terapeuta e a criança estarão a sós em relação íntima, dual, em permanente contacto pele a pele. Em nenhuma altura, o terapeuta se deverá ausentar. A aproximação deste à criança deve ser progressiva e prudente (não pensar que o autismo é imediatamente solúvel na água). O terapeuta pode acompanhar a sessão de uma lengalenga. Os movimentos serão gradualmente propostos, e tanto estes como a emersão na água serão pouco a pouco facilitados, para que se faça a transição de um estado de dependência inicial a um “deixar andar” cada vez maior, podendo então o corpo estender-se e abandonarse para flutuar. A criança poderá também recorrer a brinquedos durante a sessão, e o terapeuta deverá interagir com esta através destes, tentando dar um significado ao jogo. A massagem corporal deverá ser realizada com delicadeza e extrema atenção. O corpo deverá ser abordado simetricamente (na maioria das vezes, mas não de forma rígida), insistindo-se nas zonas de junção do eixo axial com as extremidades. É importante acompanhar a massagem de uma lenga-lenga, sendo a melodia mais importante que o conteúdo. A maior parte das crianças manifesta um prazer cada vez mais evidente com o decorrer da terapia. CASO CLÍNICO A. foi enviada à consulta de Psiquiatria da Infância e Adolescência por atraso na aquisição de linguagem, alterações de comportamento e perturbações do sono. Foi observada, pela primeira vez, com 4 anos e 7 meses. Vinha acompanhada dos pais. Filha de pais jovens, não consanguíneos, saudáveis, indiferenciados, A. é a terceira de uma fratria de 3. A sua irmã de 11 anos é saudável e tem bom aproveitamento escolar. O seu irmão terá falecido com 3 anos, por afogamento, um ano antes do nascimento de A.. Não são descritas intercorrências durante a sua gestação. O pai ficou triste quando soube que ia nascer uma menina. Não são referidos quadros psicopatológicos na mãe durante a gravidez ou no pós-parto. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 A. foi descrita como uma bebé muito calma que só esporadicamente tinha comportamentos de chamada, mesmo nas fases de necessidades vitais. Permanecia longos períodos de olhos abertos, sem chorar. Os pais não se recordam da idade com que A. começou a sorrir, referindo que esta revelava alguma indiferença pelas pessoas e preferia brincar sozinha. Iniciou a marcha aos 14 meses, dizia 3 palavras aos 24 meses (“pai, mãe, titi”), não adquiriu outros vocábulos e, e a partir dos 3 anos, deixou de os dizer. Controlo de esfíncteres diurno e nocturno desde 2 anos e meio. O desenvolvimento estaturoponderal é harmonioso, dentro dos limites normais, tal como o crescimento do perímetro craniano. Não há referência a lesões orgânicas, nem vivências de acontecimentos traumáticos ou de separações. No entanto, a mãe acaba por reconhecer que A. foi uma bebé sujeita a um relativo isolamento e falta de estimulação. Foi uma criança que não frequentou o Infantário porque as Educadoras consideravam-na “diferente” das outras crianças. Os pais referiam, sem grande preocupação, o atraso de linguagem da filha. Realçavam que esta tinha, agora, um sono intranquilo, passando grande parte da noite num “choro” angustiante e inconsolável. É uma criança com dificuldades em alimentar-se sozinha, que não solicita os alimentos mas tem alguns caprichos alimentares. Deambula frequentemente sem motivo aparente, indiferente às solicitações; é muito ágil, pondo-se, por vezes, em situações de perigo. Reage a ambientes estranhos e não entra em interacção com os pares. O seu brinquedo preferido é um boneco de corda. São referidas crises de ansiedade desencadeadas por ruídos intensos, por alterações do seu ambiente habitual, por contrariedades; outras vezes surgem sem motivo aparente (ultimamente chega a ter comportamentos de auto e heteroagressividade). A. é uma menina particularmente bonita, sem qualquer traço dismórfico, mas com um fácies pouco expressivo. Durante a entrevista, aceitava relativamente bem o contacto físico com os pais, moldando-se ao colo destes. No entanto, evitava o nosso contacto, aceitando-o, por vezes, pelo dorso. Tinha um olhar fugidio e periférico; não respondia à chamada, nem utilizava gestos reguladores da interacção social quando solicitada. Também não dirigia o olhar aos pais, nem tinha qualquer resposta emocional às iniciativas verbais e não verbais destes (no entanto, os pais referiam que A. por vezes era afectuosa). Manipulava indiscriminadamente diferentes objectos, cheirava-os quase sempre, sem lhes fixar o olhar ou os explorar (não parecia atribuir-lhes significação icónica e simbólica), geralmente por curtos períodos de tempo. Era evidente um comprometimento tanto do jogo simbólico como dos jogos sociais de imitação. Frequentemente, ficava imóvel por períodos mais ou menos prolongados ou detinha-se em jogos estereotipados. O seu baixo limiar à frustração foi evidenciado por gritos e agitação dos membros superiores. Apresentava alguns maneirismos motores: passar os dedos à frente da face, passar a mão pelo cabelo, fechar todas as portas, mesmo que entreabertas; marchava em bicos de pés inclinando-se para a frente. Realizou-se a seguinte investigação médica: 1. Exame neurológico: normal. 2. Childhood Autism Rating Scale(19): 56 (Autismo Severo). 3. Estudo socio-familiar: índice social de Graffar III. 4. EEG: normal. 5. Potenciais evocados auditivos: sem alterações da audição. 6. TAC cerebral: normal. 7. Rotinas analíticas: sem alterações. 8. Cariótipo: 46,XX. 9. Consulta de oftalmologia: fundo de olho sem alterações. 10. Screening para detecção de doenças metabólicas: negativo. De acordo com CID X e DSM IV, A. Foi diagnosticada em “Perturbações globais do desenvolvimento ou Perturbações invasivas do desenvolvimento” - Autismo Infantil (F84.0). Nestas circunstâncias foi internada no Hospital de Dia - unidade terapêutica destinada ao tratamento de crianças com patologia predominantemente psicótica, da 1ª e 2ª infância (Graçae al.(20); Matos(21-23)). Iniciou um processo terapêutico de Balneoterapia e Massagem em Janeiro/98 - as sessões tinham uma frequência bissemanal, com duração aproximada de 60 minutos, realizadas por uma Enfermeira Especialista e por uma médica interna de Pedopsiquiatria, com a supervisão da médica-pedopsiquiatra coordenadora do Hospital de Dia. Este tratamento teve uma duração de 7 meses, num total de 32 sessões. No final de todas as sessões era realizado um registo escrito, tendo sido algumas documentadas com um registo videográfico. Simultaneamente, a mãe beneficiou de uma abordagem terapêutica quinzenal, efectuada pela médica pedopsiquiatra assistente de A. A grelha de referência clínica acima apresentada (Quadro III) foi o instrumento utilizado para a análise da evolução do processo terapêutico. Ao longo do processo terapêutico foi possível identificar, progressivamente as 3 primeiras fases de evolução: Estado autístico “réussi”, Etapa de recuperação da primeira pele e Fase simbiótica. Como poderemos observar todos os ítems de cada fase eram observados mais ou menos no mesmo período de tempo à excepção do grafismo, cujas características correspondiam já à fase imediatamente a seguir. ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA MÃE A mãe foi terapêuticamente apoiada pela pedopsiquiatra da filha em entrevistas quinzenais durante o período da balneoterapia. Inicialmente em postura tensa e algo receosa, acabou por mostrar de uma forma explícita e até implícita, maior tranquilidade ao sentir que tinha alguém com quem podia falar da sua bebé, do seu desenvolvimento e dos sentimentos que tinha despertado nela. Foi percebendo que tinha um espaço e alguém que a sabia escutar, percebendo também que era importante escutar melhor a sua filha-problema. Tentou-se questionar o conteúdo latente dos intercâmbios filha-mãe e seu meio-ambiente. Foram-se percebendo algumas emoções, fantasmas e mensagens latentes, que muito contribuíram para amadurecer a relação terapêutica. casos clínicos 227 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Reflectiu-se sobre a criança e as dificuldades da relação mãe-filha. Procurou-se estar atento aos disfuncionamentos da díade mãe-flha, nunca julgando ou aconselhando. A história familiar de A. está marcada com a morte de um filho do casal, que com três anos de idade se afogou num tanque em casa de seus pais. Um ano depois nasceu A., desejada e planeada, conforme descreve a mãe. Contudo, a perda do filho terá sido um traumatismo psíquico grave, provocando uma enorme angústia aos pais durante a gestação de A.. Desde o seu nascimento que A. Teve cuidados especiais carregados de ansiedade , diríamos mesmo, uma certa hiperprotecção ansiosa, principalmete após ter apresentado características diferentes das outras crianças e terem surgido as dificuldades de funcionamento da díade. A mãe ficou submetida a uma enorme tensão, e mostrou-se incapaz de encontrar respostas adequadas aos pedidos da filha. Por vezes, nem escutava tais pedidos. Outras vezes, era-lhe fácil deixá-la sozinha em casa, dado tratarse de uma bebé extremamente calma e sossegada, mas logo aumentando a sua culpabilidade com o sentimento de abandono da filha; dinâmica que só contribuía para o agravamento do quadro psicopatológico. A partir de algumas sessões, a mãe mostrou-se mais atenta, mais capaz de atender às necessidades da menina e de responder a elas de uma forma mais maternal e menos reivindicativa, parecendo ter aprendido a escutar e a interpretar melhor a problemática da filha. No final das entrevistas, o papel de continente do sofrimento da mãe pareceu ter sido de primordial importância. Foi aí que encontrou espaço para projectar, sem temer ser julgada, toda a sua vivência depressiva perante uma filha que a decepcionou e angustiou, rompendo uma imagem de bebe ideal e pondo em questão a competência materna. Progressivamente esta mãe deixou de se sentir tão só, com o peso dos seus sentimentos incomunicáveis, começou a viver a experiência de poder comunicar os seus afectos dolorosos, de poder compartilhar as suas dúvidas com outro adulto que a ouvia sem julgar, nem tão pouco a aconselhar, mas que sabia escutar e reflectir com ela sempre que necessário. Além disso, procurou-se ajudá-la a sentir-se mais segura na sua competência materna, estando atentos aos fantasmas de desqualificação e às suas projecções, que se traduziam mui- Quadro III – Grelha de referência do Caso Clínico I. Estado Autístico réussi II. Etapa de recuperação da 1” pele III. Fase simbiótica instalada Expressões emocionais e relacionais Janeiro Março/Maio Junho Olhar Janeiro Maio Junho Linguagem verbal Janeiro Março Maio Imagem do corpo Janeiro Maio Maio/Junho Exploração do espaço e objectos Janeiro Maio Junho Agressividade Janeiro Maio Junho Referência temporal Janeiro Abril/Maio Junho Reactividade à dor Janeiro Abril/Maio Junho Estado imunitário Janeiro Abril/Maio Junho Janeiro Março/Junho Grafismo 228 casos clínicos IV. Etapa de individuação tas vezes em pedidos de conselhos, confissões de incompetência ou condutas maternas inadequadas. A pedopsiquiatra procurou nunca se identificar com este imago tutelar, no dizer de Houzel (24), para que a mãe por si própria arranjasse soluções adequadas, através da elaboração dessas projecções, sentindo-se assim, pouco a pouco, cada vez mais segura na sua competência materna. Assim, a mãe de A., no final das entrevistas, era uma pessoa mais tranquila, mais empenhada na relação maternal e mais confiante na ajuda terapêutica proposta, contribuindo, não só mas também, para o evoluir de A., como ficou demonstrado enquanto permanecia no Hospital de Dia, em regime de semiinternato. CONCLUSÃO Apesar da idade da criança constituir um “handicap” grande a uma melhor evolução, nomeadamente a nível da linguagem, o processo terapêutico propiciou uma aprendizagem relacional que permitiu a saída do estado autístico, com uma evidente melhoria da relação em todos os aspectos. A abordagem terapêutica da mãe, figura de vinculação, parece-nos também primordial na medida em que lhe permitiu investir e aceitar a filha real(25-29). De realçar ainda a necessidade do trabalho de sensibilização na comunidade e, nomeadamente nos Centros de Saúde, a fim de que estas patologias com manifestações precoces possam ser diagnosticadas e tratadas atempadamente. AGRADECIMENTOS: Os autores agradecem a colaboração da Técnica de Serviço Social Rosário Figueiredo. BATHTHERAPY AND RESTAURING THE RELATIONSHIP WITH COMMUNICATION MASSAGE: OBJECTAL INTERBODY ABSTRACT The authors describe the use of a Baththerapy plus Massage Therapy on an autistic child and point out the efficien- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 cy of these bodily mediated therapies on a pre-symbolic functioning children. Key-words: Autism. Psychotic children. Baththerapy. Massage. Nascer e Crescer 2006; 15(4): 223-229 BIBLIOGRAFIA 1. Tustin, F. Autistic States in Children. London: Routledge and Kegan. 1981. 2. Meltzer, D., et al. Explorations dans le Monde de l’Autism. Paris: Payot. 1980. 3. Tustin, F. Autisme et Psychose de l’Enfant. Le Seuil. 1977 4. Tustin, F. Conversation Psychologique. Paris : Andit Editions. 1994. 5. Hochmann, J., Geissman, C., & Visier, J.P. Hommage à Frances Tustin. Paris: Audit Éditions. 1993. 6. Kanner, L. 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Correspondência Maria Teresa Graça Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia Rua Prof. Álvaro Rodrigues 4200 Porto casos clínicos 229 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Rotavirus Infection Frequency and Risk of Celiac Disease Autoimmunity in Early Childhood: A Longitudinal Study Stene L, Honeyman MC, Hoffenberg ED, Haas JE, Sokol RJ, Emery L, Taki I et al. Am J Gastroenterol 2006; 101:2333 – 2340. Objective: Few studies have assessed the role of specific gastrointestinal infections in celiac disease. We investigated whether increased frequency of rotavirus infection, a common cause of gastrointestinal infection and inflammation, predicts increased of celiac disease autoimmunity. Methods: A cohort of 1,931 children from the Denver metropolitan area who carried celiac disease human leukocyte antigen (HLA) risk alleles were followed from infancy for development of celiac disease autoimmunity, defined as positivity, at two or more subsequent clinic visits for tissue transglutaminase (tTG) autoantibodies measured using a radioimmunoassay with human recombinant tTG. Blood samples were obtained at ages 9, 15, and 24 months, and annually thereafter. Rotavirus antibodies were assayed using an indirect enzyme immunoassay in serial serum samples from each case and two matched controls. Frequency of infections were estimated by the number of increases (» 2 assay coefficient of variation) in rotavirus antibody between clinic visits. Results: Fifty – four cases developed celiac disease autoimmunity at a median age of 4.4 yr. Thirty – six had an intestinal biopsy, of which 27 (75%) were positive for celiac disease. Frequent rotavirus infections predicted a higher risk of celiac disease autoimmunity (compared with zero infections, rate ratio 1.94, 95% confidence interval [CI] 0.39 – 9.56, for on infection and rate ratio 3.76, 95% CI 0.76 – 18.7, for ≥ 2 infections, rate ratio for trend per increase in number of infections = 1.94, 95% CI 1.04 – 3.61, p = 0.037). The result was similar after adjustment for gender, ethnic group, maternal education, breast – feeding, day- care attendance, 230 artigo recomendado number of siblings, season of birth and number of HLA DR3-DQ2 haplotypes. Conclusions: This prospective study provides the first indication that a high frequency of rotavirus infections may increase the risk of celiac disease autoimmunity in childhood in genetically predisposed individuals. COMENTÁRIOS Meses ou anos após introdução de glúten, algumas crianças desenvolvem doença celíca, uma intolerância imunologicamente mediada a fracções proteicas do glúten, colectivamente conhecidas como prolaminas, a gliadina no trigo, secalina no centeio e hordeína na cevada, resultando atrofia das vilosidades e hiperplasia das criptas do intestino delgado com a consequente má absorção. Esta acarreta graves prejuízos nutricionais e do crescimento. Desenvolve – se também um estado inflamatório intestinal. A longo prazo podem registar – se consequências igualmente graves: a maior incidência de neoplasias, particularmente do tubo digestivo, nomeadamente de linfomas intestinais. Nos doentes celíacos o risco de todas as neoplasias está triplicado, o de neoplasias da boca, orofaringe e esófago é de 22 vezes e o de linfoma intestinal 77. A exclusão do glúten da dieta resolve todos estes problemas. De tudo isto se depreende a necessidade de um diagnóstico firme, pois passar toda a vida sem ingerir glúten não é fácil, dada a sua ampla utilização na dieta(1,2). À medida que se vai trabalhando no rastreio da doença, a incidência vai aumentando, uma vez que se vão encontrando formas silenciosas, deixando – se de contabilizar apenas as sintomáticas, ou seja a clássica imagem do iceberg. Da clássica incidência de 1 para 2 a 3.000 mil, vamos hoje em 1 para 100 a 200, ou seja mais de 10 vezes mais(3-7). É que para além da forma visível, sintomática, temos, e de baixo para cima, mais três: potencial em que há positividade serológica, mas biópsia normal, latente em que já há inflamação e silenciosa em que ainda que não haja sintomatologia (ou não se reconheça…) há enteropatia. Estas formas “submarinas” poderão ser responsáveis por manifestações não clássicas e dificilmente reconhecíveis como, por exemplo irritabilidade/letargia, mal estar geral, sintomatologia digestiva vaga e imprecisa e menor ganho ponderal(1,2,7). Na génese da doença, para além do glúten, há uma predisposição genética pois a maioria dos doentes é portador dos antigénios leucocitários humanos HLADQ2 e HLA-DQ8. Mas como nem todos desenvolvem a doença, há que procurar factores ambiências desencadeantes, através de estudos epidemiológicos. Ascher e colaboradores referem que são factores desencadeadores a introdução do glúten depois de terminar a amamentação, alta ingestão de glúten e introdução precoce de leite de vaca ou glúten (8). Amamentar protege da doença (9) . O momento da introdução do glúten parece também influenciar o desencadear da doença. Noris e col estudaram prospectivamente 1560 crianças com risco de terem doença (portadoras dos alelos DR4 ou DR3 do HLA, ou tendo um familiar em primeiro grau com diabetes tipo I) e verificaram que a introdução de glúten nos primeiros 3 meses ou depois dos 6 meses aumentava o risco da doença (10). A melhor altura para introduzir o glúten será então entre os 4 e os 6 meses, o que vem de encontro com as recomendações da Academia Americana de Pediatria (11). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 O atraso do crescimento intra-uterino e uma infecção neo-natal são outros factores desencadeantes, a par de outros menos evidentes como a menor idade materna, a paridade e o tabaco. Estes factores de risco revelaram – se independentes uns dos outros(12). Infecções repetidas por rotavirus parecem constituir um factor de risco para se desenvolver doença celíaca em crianças geneticamente predispostas, como parece deduzir – se do trabalho que escolhemos para comentar. Os autores referem – se a outros trabalhos a favor de uma “teoria infecciosa”. Um dos trabalhos procurou relacionar a doença com adenovirus em que há curiosas semelhanças peptídicas entre a gliadina e proteínas do vírus. Mas trabalhos posteriores não confirmaram a relação. Um outro trabalho feito na Suécia mostrou que as crianças nascidas no verão tinham mais probabilidades de desenvolver doença celíaca antes dos dois anos. Estas crianças teriam infecções por enterovírus no verão e depois infecções por rotavirus pelos 6 meses, perto do desmame. No entanto, outro trabalho não concluiu o mesmo. Ainda a favor desta “teoria infecciosa” foi a constatação, no presente trabalho, de que havia também correlação entre o desenvolver da doença e a frequência precoce de infantário e o número de irmãos. O mecanismo etiopatogénico será o seguinte: a transglutaminase tecidual é libertada das células após stress mecânico ou inflamatório e do contacto entre esta enzima e a gliadina resulta a desaminidização desta e a formação de epítopes reconhecidos como não self; a inflamação causada pelo rotavirus leva a um aumento da permeabilidade intestinal o que facilita a entrada de proteínas estranhas e a consequente exposição antigénica; a combinação do aumento da permeabilidade intestinal e a presença aumentada da transglutaminase na mucosa facilita a desaminidização da gliadina e a consequente formação de epítopes imunogénicos;o contínuo estado inflamatório, como resposta à presença destes neo- antigénios, pode estender se à própria trasnsglutaminase, o que, na presença de predisposição genética, determina a autoimunidade que conduz à doença celíaca. Não é a primeira vez que o rotavirus é apontado como desencadeador de autoimunidade: há uma associação entre a infecção por rotavirus e a diabetes tipo 1, uma doença igualmente auto – imune. Neste caso, o mecanismo gerador da autoimunidade residirá na semelhança entre as sequências peptídicas do vírus e epítopes celulares –T de autoantigénios das ilhotas pancreáticas (13). A importância deste trabalho escolhido para comentar reside na possibilidade que se abre de se poder reduzir a incidência da doença celíaca e da diabetes tipo 1 através da vacina contra o rotavírus. Para além de ser um factor de risco para o desenvolvimento de doença celíaca e diabetes tipo 1 em crianças geneticamente predispostas (e quem sabe, de outras doenças autoimunes…), o rotavirus causa grande mortalidade e enorme morbilidade. Estima – se que no planeta mate cerca de 600.000 crianças por ano, causa à volta de 2.4 milhões de internamentos, 24 milhões de consultas e 114 milhões de episódios diarreicos. Estes números são respectivamente, Nos Estados Unidos de 20 a 60, 55 a 70.000, 600.00 e 2.7 milhões (14), na Comunidade Europeia de 231,> 87.000, 700.000 e 3.6 milhões e em Portugal 3, 2080, 16.641 e 66.516 (15). Também a não desprezar, são as infecções nosocomiais. O prolongamento da hospitalização (ou reinternamentos) de crianças que admitidas por outras razões, foram infectadas pelo rotavirus, é do conhecimento da prática diária. O leitor mais interessado pode colher em 16, dados a este respeito em 6 países da Comunidade. Do acabado de referir, não há dúvidas acerca dos benefícios da vacinação. Estão neste momento disponíveis duas vacinas orais, uma monovalente (Rotarix) derivada de uma estirpe humana e outra pentavalente (Rota Teq) derivada de uma estirpe bovina. A Rotarix é administrada em duas doses, a primeira entre as 6 e as 14 semanas e a segunda 4 semanas depois; a RotaTeq é dada em três doses, a primeira entre as 6 e as 12 semanas e as outras com 4 semanas de intervalo. São bem toleradas, não aumentam o risco de invaginação, como aconteceu com a primeira vacina (RotaShield), retirada no ano seguinte ao seu licenciamento. A eficácia é semelhante (14, 17). Acrescente – se que se desenha no horizonte a possível reintrodução da primeira vacina, tetravalente, (RotaShield) introduzida em 1998 e retirada no ano seguinte pela polémica associação a raros casos de invaginação. Poderá ser iniciada no período neo-natal e repetida aos 2 e 4 meses. A precocidade de administração poderá reduzir o já pequeno risco de invaginação observado em crianças mais velhas (18). Podemos então concluir que são vias possíveis para reduzir a doença celíaca evitar a má nutrição intra-uterina, amamentar, evicção do tabaco, vacinar contra o rotavírus, introduzir o glúten entre os 4 e os 6 meses e reduzir a sua quantidade. Estão à nossa disposição vacinas eficazes contra o rotavirus, de cómoda administração (oral), facilmente integráveis no plano nacional de imunizações, mas muito caras e por isso fora do alcance de muitas crianças. E imperioso alargar o plano e que de imediato sejam comparticipadas. Nascer e Crescer 2006; 15(4): 230-232 BIBLIOGRAFIA 1. Garcia-Coreaga M, Kerner JA. Malabsortive disorders. In Behrman ER, Kliegmann RB, Jenson HB, eds. Nelson Textbook of Pediatrics; 17th ed, Philadelphia: WB Saunders; 2004, p. 1264 – 1266. 2. Bisset WM, Beath S V, Jenkins HR, Baker AJ. Disorders of alimentary tract and liver. In McIntossh N, Helms P, Smyth R, eds. Forfar and Arneils’ Textbook of Pediatrics 6th Ed, London: Churchill Livingstone; 2003, p.651716. 3. Carlsson A, Axelsson I, Boruff S, Bredberg A, Ivarsson S- A. Serological screening for celiac disease in healthy 2.5 year – old children in Sweden. Pediatrics. 2001; 107:42 – 45. 4. Farrell RJ, Kelly CP. Celiac sprue. 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Tojal Monteiro1 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 O Vírus da Imunodeficiência Humana no Contexto da Procriação Medicamente Assistida: Aspectos Técnicos e Considerações Éticas Ilda Pires1 RESUMO No início da epidemia da SIDA, devido ao mau prognóstico das pessoas infectadas com a doença, os casais com um parceiro infectado com VIH eram desencorajados de planear uma gravidez. Actualmente, a SIDA mantém-se como uma condição grave a nível mundial, e mesmo nos países industrializados onde estão disponíveis tratamentos inovadores e eficazes, a infecção por VIH continua a ser uma doença crónica com elevada morbilidade e mortalidade. No entanto, graças às terapias anti-retrovirais, a expectativa e qualidade de vida de muitos pacientes seropositivos aumentaram drasticamente durante os últimos dez anos. Além disso, tanto o risco de transmissão horizontal como vertical diminuiu, encorajando muitos casais com um parceiro infectado com VIH a criar expectativas de maternidade. As técnicas de reprodução medicamente assistida podem minimizar o risco de contaminação do parceiro não infectado e ajudar os casais a engravidar. Palavras-chave: procriação medicamente assistida, vírus da imunodeficiência humana (VIH), serodiscordante, seroconcordante Nascer e Crescer 2006; 15(4): 233-239 INTRODUÇÃO A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) é um problema de saúde de dimensão mundial, constituindo uma verdadeira pandemia. As estimativas da Organização Mundial de Saúde __________ 1 Técnica Superior de Saúde na Unidade de Medicina da Reprodução do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia (OMS), actualizadas em Dezembro de 2005, revelaram um total de 38,6 milhões de pessoas a viver com a infecção ou mesmo já com a doença (síndroma de imunodeficiência adquirida, SIDA), das quais 17,3 milhões eram mulheres(1). O programa das Nações Unidas para a SIDA estima que em Portugal a doença atinja 32 mil portugueses, sendo a maioria indivíduos com idade superior a 15 anos. Desde 1980, altura em que ocorreram os primeiros casos de doença associados a esta infecção, até à data actual, muito se avançou nas medidas disponíveis para o controlo da infecção e das manifestações oportunistas secundárias. A modificação da história natural desta infecção e a melhoria da qualidade e esperança de vida das pessoas infectadas foi conseguida em várias fases: inicialmente, com as medidas profilácticas para as infecções oportunistas, posteriormente com o aparecimento dos medicamentos anti-retrovirais, a partir de 1996 com a introdução da terapêutica anti-retroviral de elevada eficácia (HAART, sigla inglesa para highly active antiretroviral therapy) e posteriormente com os inibidores da protease e da transcriptase reversa para o VIH-tipo 1. A SIDA tornou-se uma doença crónica, fatal, mas controlável com a participação activa dos doentes no cumprimento das terapêuticas. Diminuiu-se a incidência de episódios mórbidos e a taxa de mortalidade. Muitas das manifestações oportunistas, frequentemente observadas antes do aparecimento da HAART, passaram a ser raramente registadas. Esta normalização encorajou muitos doentes a incluírem nos seus planos de vida perspectivas que previamente lhes pareciam difíceis de concretizar. A possibilidade de constituírem uma família é uma dessas perspectivas. Actualmente é possível a procriação sem risco, ou com risco muito baixo, para o parceiro não infectado e para a futura criança. A baixa taxa de transmissão materno fetal, que presentemente é possível obter, conduziu a que mulheres infectadas com o VIH considerassem a possibilidade de uma gravidez. Em muitos países europeus foram ultrapassadas controvérsias legais e éticas relacionadas com esta questão e as técnicas de procriação medicamente assistida (PMA) são oferecidas a estes casais. LEGITIMIDADE NO DESEJO DA GRAVIDEZ O desejo de ter um filho nem sempre coincide com o querer ou poder ser mãe/pai, tendo repercussões a nível consciente e inconsciente. O nascimento de um filho confirma a fertilidade e a capacidade reprodutiva, proporcionando aos pais o sentimento de imortalidade. Por vezes os pais vêm-no como um modo de serem re-aceites na sociedade. O filho surge como um espelho através do qual o casal se pode rever, funcionando como um elo de uma longa cadeia de gerações em que são mantidos os ideais e tradições familiares. O não ter filhos na nossa sociedade, pode ser encarado como um sinal de imaturidade, de egoísmo, de instabilidade ou de falhanço individual ou conjugal, contribuindo para a estigmação e isolamento social. A decisão de conceber uma criança ou de evitar a sua concepção em presença do VIH, é extremamente pessoal e muitas vezes não é controlada pelo indivíduo, havendo pressões externas e desejos internos, mais ou menos cons- perspectivas actuais em bioética 233 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 cientes, que tornam a decisão da gravidez num conflito marcado pela ansiedade e ambivalência. Mesmo tendo conhecimento da sua situação clínica, muitas mulheres tomam a decisão impulsiva de engravidar. A impossibilidade de ser mãe é dramática para jovens mulheres assintomáticas e que, não sendo estéreis, se sentem injustiçadas de uma forma tanto mais profunda consoante o episódio contaminante tenha sido acidental, antigo, escondido ou desconhecido. Outros sentimentos podem ainda estar em jogo, como o desejo de dar um filho ao homem que ama, a negação face à própria doença, o desafio que representa triunfar em relação a esta, o perpetuar-se ou a esperança de ter um filho não infectado que lhe permita a reabilitação e reintegração no seu meio social(2). VIH, FERTILIDADE E GRAVIDEZ A presença de VIH pode não afectar o potencial reprodutivo de uma pessoa seropositiva, a não ser que esta possua uma infecção oportunista(3). A maioria dos dados epidemiológicos sobre a fertilidade de mulheres seropositivas sugere taxas de gravidez inferiores, quando comparadas com a população em geral(4). No entanto, estas mulheres tinham (a) uma menor frequência de relações sexuais devido ao receio de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e contaminação do parceiro; (b) idade mais avançada, uma vez que a gravidez lhes foi desencorajada durante muitos anos; e (c) passado de toxicodependência (as drogas, principalmente os opiáceos, estão relacionados com disfunções do eixo hipotálamo-hipófise-gónada)(5). Alguns grupos também observaram uma maior incidência de doença inflamatória pélvica (DIP) em mulheres seropositivas. A DIP provoca danos directos nos ovários e/ou alterações mecânicas no desenvolvimento folicular, estando associada a baixas respostas ováricas(6) e aumento da prevalência de factor tubar. Quando estas mulheres recorrem às técnicas de PMA verifica-se que as estimulações ováricas são mais difíceis de conseguir, há mais cancelamentos, precisam de maiores doses de gona- 234 dotrofinas e dias de estimulação, mas quando atingem uma estimulação satisfatória e realizam punção folicular, a taxa de fertilização e gravidez não é diferente dos grupos controlo(7). Noutros estudos verificou-se que mulheres seropositivas preferem transferir menos embriões para reduzir os riscos de gravidez múltipla e transmissão vertical do vírus(5). Neste sentido o consenso é de que parece haver uma ligeira tendência para uma pior resposta das mulheres seropositivas, mas não pode ser estabelecida uma significância neste sentido(6). A evolução clínica e biológica da infecção por VIH durante a gravidez é bem conhecida. Em mulheres assintomáticas, com infecção controlada, a gravidez por si só não agrava a progressão da infecção do ponto de vista clínico, imunológico ou virológico(8-10). As complicações que surgem às vezes, associadas à infecção por VIH, como o aborto espontâneo, malformações fetais, atraso de crescimento intra-uterino, parto prematuro e morte neo-fetal in utero, parecem relacionar-se mais com factores coadjuvantes como o consumo de drogas, más condições sanitárias, gravidez não vigiada, fase avançada da doença, natureza do vírus e sua variabilidade, estado nutricional, existência de DST, condições sanitárias e co-existência de outras doenças infecciosas/parasitárias, do que com factores inerentes à condição de seropositividade(2). Por outro lado, estudos retrospectivos confirmam a eficácia de HAART na prevenção de transmissão vertical, que ocorre numa fase tardia da gravidez e, especialmente, durante o parto. A terapia HAART, associada ao recurso à cesariana e proibição do aleitamento, permite obter valores inferiores a 1% de risco de transmissão vertical(11-12). Estudos posteriores mostram que a cesariana não é necessária para diminuir o risco se a carga vírica da grávida for indetectável(3). Os efeitos e riscos da terapia anti-retroviral para a mãe e para o feto estão em investigação clínica, mas ainda não se encontraram padrões de efeitos adversos consistentes(10). perspectivas actuais em bioética A repercussão da infecção por VIH na espermatogénese não tem consenso entre os investigadores, mas o nascimento de crianças saudáveis e a ausência de transmissão horizontal em mais de 2000 casais serodiscordantes em todo o mundo, contrariam esta ideia(13). O tratamento anti-retroviral parece não ter qualquer efeito deletério na espermatogénese de homens seropositivos(14). Estudos que contrariam esta hipótese estão disponíveis na literatura(15-16). No entanto isto não tem qualquer influência nos resultados de processamento do esperma ou nas características deste após protocolo de lavagem(13). OPÇÕES DE PATERNIDADE As opções para casais infectados com VIH que queiram realizar o desejo da paternidade variam teoricamente entre inseminação artificial com recurso a dador (IAD), adopção, sexo não protegido ou técnicas de PMA. A IAD e a adopção são opções seguras, mas como a maioria dos casais deseja descendência biológica de ambos, não são, maioritariamente, as opção preferidas. Habitualmente os casais não são aconselhados a praticarem sexo desprotegido no dia ovulação, de modo a prevenir potencial infecção da futura criança e do parceiro não infectado. Apesar do baixo risco de transmissão por contacto sexual (0,1-0,5%), estes valores podem ser superiores se a carga vírica for elevada e/ou estiverem presentes outras DST. Por outro lado, nem sempre há correlacionamento entre carga vírica do sangue e do sémen, podendo haver variações no tempo e na intensidade (p.e., pode haver uma carga vírica indetectável no sangue, mas não no esperma). Com base no pressuposto que o isolamento dos espermatozóides do plasma seminal reduz o risco de transmissão do vírus ao parceiro não infectado e à descendência, a PMA surge como recurso legítimo, uma vez que apenas usa a fracção final do processamento do esperma. LEGITIMIDADE NAS TÉCNICAS DE PMA Os riscos que a PMA induz nestes casais são semelhantes aos induzidos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 num casal seronegativo, uma vez que a medicação para estimulação dos ovários não agrava a doença e, por outro lado, a PMA não é responsável pela transmissão vertical que pode ocorrer no final da gestação devido a trocas materno-fetais, e principalmente no parto, uma vez que apenas se correlaciona com o início da gravidez. Para quem defende que é errado dar aos casais infectados com VIH a possibilidade de terem um filho, quando se sabe a priori que a esperança de vida dos pais é reduzida, os defensores argumentam que também é livre o acesso destas técnicas a casais com outras doenças tais como a diabetes e doença coronária, ou as doenças autossómicas recessivas com risco de 25% de transmissão de patologia, que podem igualmente afectar a longevidade dos casais e a saúde da futura criança(17). Neste contexto muitos centros de PMA decidiram oferecer as suas técnicas a casais serodiscordantes e/ou seroconcordantes. SEGURANÇA NA LAVAGEM DE ESPERMA A técnica de lavagem do esperma de homens seropositivos foi apresentada por Semprini et al em 1992(18) e consiste em fazer passar o esperma por um gradiente triplo de densidades, realização de swim-up e detecção do vírus por polymerase chain reaction (PCR). Esta técnica deve ser realizada numa altura em que as cargas víricas (VIH-ARN e VIH-ADN) sejam indetectáveis/baixas tanto no sémen como no sangue. Após liquefacção, o ejaculado é diluído e centrifugado de modo a eliminar o plasma seminal. Esta primeira fase é muito importante porque a carga viral parece ser superior no plasma seminal; além disso, este contém inibidores da PCR, o que poderia alterar a detecção e quantificação da carga vírica (falsos negativos)(19). Com esta primeira lavagem há uma redução de 10.000 vezes da carga vírica. Em seguida a suspensão de espermatozóides passa por um gradiente triplo de densidades (90-70-45%) de modo a eliminar os espermatozóides mortos, células imunitárias e células epiteliais, reduzindo 100.000 vezes a carga vírica. Segue-se o swim-up, que consiste na incubação dos espermatozóides durante 20-60 minutos a 37.ºC de modo a permitir a selecção dos espermatozóides móveis. Com este passo a carga vírica é reduzida 100.000 vezes. Uma aliquota da fracção final da lavagem do esperma é testada para a presença de partículas virais através da técnica de PCR, enquanto a restante fracção é criopreservada e armazenada em tanques de azoto líquido exclusivos. de PMA: inseminação intra-uterina (IUI), fecundação assistida por fertilização in vitro convencional (FIV) ou através de microinjecção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI) seguida de transferência embrionária. De acordo com as recomendações alemãs para a reprodução assistida de casais serodiscordantes para o VIH(20), a escolha do método depende dos resultados do exame ginecológico e andrológico do casal, bem como das preferências deste. A segurança do teste de detecção depende da sensibilidade do método usado para detectar o vírus. Inicialmente Semprini estipulou um limite de 800 cópias de partículas víricas por ml de plasma seminal(18), mas actualmente o limite é de 50 cópias/ml, havendo inclusive laboratórios que conseguem detectar 1 cópia/ml através da técnica de nested PCR (nPCR). No entanto, ainda não se pode afirmar que é um método isento de risco. Se o resultado for positivo, procede-se a nova colheita após 2-3 semanas. Se for negativo a amostra criopreservada é usada para técnicas de PMA. Quando um resultado é positivo não é possível determinar se é consequência da presença de resíduos de plasma seminal, células imunitárias que escaparam às lavagens ou se há a presença de um único espermatozóides com partículas virais(19). O melhor resultado é o de carga vírica indetectável, o que não quer dizer que não haja VIH na amostra, mas apenas que não existe em quantidade suficiente para ser detectado pelo teste. Vários estudos revelaram vestígios de partículas virais por nPCR em 3-10% das amostras(13,20). Dados de 2003 revelaram que mais de 1800 casais foram tratados com 4500 ciclos de várias técnicas de PMA usando apenas a fracção final do processamento do esperma, tendo nascido a nível mundial mais de 500 crianças seronegativas após protocolo de lavagem do esperma e determinação negativa da carga viral na fracção final do esperma(21). Na IUI são usados milhões de espermatozóides in vivo. Na FIV tradicional os ovócitos são expostos a centenas de espermatozóides in vitro. A ICSI permite a fertilização do ovócito com um único espermatozóide, reduzindo consideravelmente o risco de transmissão vírica, relativamente às outras técnicas de PMA. Na FIV e na ICSI a fertilização do ovócito ocorre fora do corpo da mulher, não a expondo a milhões de espermatozóides. Uma vantagem que tem sido apontada da ICSI relativamente à FIV prende-se com os melhores resultados de taxas de gravidez(22). A necessidade de haver menos tentativas para engravidar reduz a potencial exposição ao VIH em ciclos repetidos. A grande maioria dos laboratórios prefere oferecer a ICSI argumentando que com esta técnica o risco de transmissão horizontal e vertical é quase nulo(13,22-23). Além disso salientam que a preparação que é efectuada ao esperma e a criopreservação da fracção final conduz a que, mesmo em homens normospérmicos, o número de espermatozóides recuperado seja insuficiente para a realização da IUI(23). Os aspectos negativos do ponto de vista psicológico e económico da ICSI são justificados por estes autores pela elevada profilaxia de contaminação. Outros investigadores argumentam que não há evidência clara de que ICSI é mais segura ou apresenta melhores resultados do que a IUI(24-25). Além disso a ICSI traz a desvantagem de expor o casal a efeitos laterais deste método, tais como a punção folicular, anestesia, mais stress e ser uma técnica mais dispendiosa. Por outro lado Semprini et al(26) sugeriram que a ICSI pode interferir e danificar os mecanismos de barreira naturais contra infec- A ESCOLHA DA TÉCNICA DE PMA A fracção final da lavagem do esperma pode ser utilizada em várias técnicas perspectivas actuais em bioética 235 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 ções virais do ovócito. Segundo a Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE) os dados de 2004 não permitem concluir que a ICSI possa reduzir o risco de transmissão, uma vez que as vantagens e desvantagens são baseadas em ideias teóricas (menor exposição ao material infectado versus ruptura do oolema)(10). No futuro poderão ser consideradas outras alternativas, tais como tratar o esperma de modo a destruir o vírus sem danificar os espermatozóides ou fazer a cultura dos embriões até terceiro ou quinto dia, de modo a retirar uma(s) célula(s) e verificar a presença do VIH anteriormente à transferência para o útero. CONDUTA CLÍNICA Havendo as condições para se iniciar tratamento, o casal deve ser avaliado por uma equipa multidisciplinar, que inclua um especialista em infertilidade, um especialista em doenças infecto-contagiosas, um biólogo, um obstetra, um pediatra e um psiquiatra(6,25). Os únicos critérios de exclusão que devem existir são os relacionados com o estado da doença, possibilidade de resistência aos retro-virais, evolução da carga vírica e receptores CD4. A avaliação do casal é semelhante à de um casal não infectado que procure ajuda para técnicas PMA. Assim, para além da observação feminina e masculina, é ainda importante a avaliação específica relacionada com o VIH, uma vez que é importante que a lavagem do esperma seja efectuada numa altura em que a carga vírica seja reduzida, tanto no sangue, como no sémen. É ainda essencial avaliar a existência de problemas psicossociais e emocionais, estruturas de suporte (familiares, amigos, grupos de apoio), situação financeira, assim como efectuar uma abordagem acerca das perspectivas do futuro da família, incluindo possível invalidez ou morte de um ou ambos os membros do casal. Do aconselhamento inicial deve fazer parte uma informação exaustiva sobre todas as opções de reprodução 236 disponíveis, diagnósticos e pré-requisitos dos tratamentos, taxas de sucesso, custos, riscos, listas de espera, assim como as implicações éticas, sociais e jurídicas. No caso de ser o elemento masculino o infectado com VIH, o casal deve ser esclarecido que a lavagem e rastreio do esperma reduz significativamente o risco, mas não o elimina totalmente, uma vez que o vírus pode estar presente, mas indetectável25. É um risco teórico que não pode ser expresso em percentagem. Por outro lado as mulheres infectadas devem ser informadas sobre o risco de transmissão materno-fetal (2-5%) e de todas as etapas necessárias para a evitar. Em qualquer dos casos, os casais têm de ter conhecimento que as técnicas de PMA não garantem a existência de uma gravidez. Em muitas situações é necessário discutir o risco de contactos sexuais não protegidos, não só durante o período de tratamento, mas em todas as situações. Nos casos em que não há integração dos serviços psicossociais, é aconselhável a cooperação com organizações na área do aconselhamento da SIDA ou grupos de inter-ajuda. Como todos os consentimentos, este deve ser particularmente claro, preciso e empático, de modo a haver um consentimento livre e esclarecido. Neste sentido, no consentimento escrito deve obrigatoriamente constar que: (a) a lavagem do esperma e a terapia anti-retroviral ajudam a diminuir o risco de transmissão ao parceiro não infectado e descendência, mas o risco não é nulo; (b) existe a possibilidade de transmissão cruzada de outros vírus, tais como hepatite B, C e G, e citomegalovírus. Se a mulher engravidar deve haver protocolos de acompanhamento e vigilância anual acerca da situação serológica para o VIH do casal e descendência até aos cinco anos, e depois por períodos de cinco em cinco anos(25). INFECÇÃO POR VIH DE AMBOS OS PARCEIROS É cada vez maior o número de casais seroconcordantes que procuram apoio para realizar o sonho de ter um perspectivas actuais em bioética filho. Em alguns centros europeus estes casais também são aceites para técnicas de PMA. Uma opção poderá ser o recurso ao sexo desprotegido, mas mantém-se a possibilidade de transmissão de estirpes virais resistentes aos anti-retrovirais entre parceiros infectados. Estes casais deverão beneficiar do mesmo tipo de aconselhamento e rastreio da fertilidade que os serodiscordantes. O estado de saúde de cada parceiro deverá ser avaliado cuidadosamente pela equipa multidisciplinar. Dados na literatura revelam que até um terço destes casais, após aconselhamento aprofundado sobre o tema, decide ir contra o seu desejo prévio de paternidade. RISCOS DE TRANSMISSÃO A TERCEIROS Devido à aplicação das recomendações sobre o manuseamento de material biológico reprodutivo(27-28) os riscos de transmissão do VIH para outros pacientes e pessoal técnico são mínimos. Para reduzir este risco todas as amostras devem ser manuseadas por pessoal devidamente treinado e protegido (bata, máscara, touca, óculos) segundo protocolos de virologia rigorosos. O tratamento do esperma de homens seropositivos deve ser efectuado com separação temporal e espacial do tratamento a efectuar a outros casais, em câmaras de fluxo de alta segurança e centrífugas com tampa(29). A fracção final do esperma deve ser criopreservada em tanques de azoto líquido exclusivos para este vírus, que devem ser limpos e esvaziados frequentemente. PAÍSES QUE OFERECEM PMA A maior parte dos países europeus que oferecem técnicas de PMA para casais serodiscordantes fazem parte da rede CREATE, fundada em 2001, que tem por objectivo optimizar o tratamento e segurança dos métodos, bem como compilar a maior quantidade de informação numa base de dados. Há esperança que dentro em breve haja um número de casos clínicos suficiente para demonstrar claramente a segurança e fiabilidade da lavagem do esperma. Apesar de tudo, a paridade de acesso entre homens e mu- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 lheres infectados pelo VIH não está garantida em todos os países europeus. As mulheres ou os casais infectados ainda são excluídos dos programas de PMA de alguns centros. Em Portugal, a Lei n.º 32/2006 de 26 de Julho, no seu artigo 4.º restringe os tratamentos de PMA a casais inférteis, tratamento de doença grave ou casos de possibilidade de transmissão de doença genética, infecciosa ou outra(30), o que deixa subentender que os tratamentos são permissivos para a redução do risco de transmissão do VIH. Por outro lado o seu artigo 10.º, ao regular que apenas se pode recorrer a esperma dador quando há a impossibilidade do casal conceber de outra forma, sugere que casais férteis, embora infectados com VIH, não podem recorrer aos dadores, tendo de recorrer às técnicas de PMA para engravidar. CONSIDERAÇÕES ÉTICAS O tratamento de casais seropositivos pode levantar dilemas éticos aos especialistas em PMA, gerando conflito entre dois princípios éticos, o respeito pela autonomia do casal decidir sobre a sua reprodução e o princípio da beneficência expressado pela preocupação do bem-estar da futura criança. Sem a possibilidade de recurso à PMA, um grande número de casais continuaria a tentar engravidar sem ajuda, apesar de serem fortemente desencorajados pelos clínicos de doenças infecciosas, uma vez que o risco é inaceitável. Em situações em que uma criança possa nascer com doença grave pode argumentar-se que o casal está a actuar de forma ética ao planear uma gravidez, se tomar todas as precauções possíveis de não transmissão da doença e se está preparado para aceitar e amar a criança, independentemente da sua condição clínica. Do mesmo modo a equipa médica está a actuar de forma ética se tomou todas as precauções para limitar o risco de transmissão para o parceiro não infectado e descendência. Há hoje o consenso que suporta o argumento da obrigatoriedade de tratar estes casais, com base no aumento da expectativa e qualidade de vida se receberem cuidados médicos adequados. Além disso não existe literatura com argumentos éticos que defendam o direito a recusar, apesar da ESHRE recomendar a aplicação destas técnicas apenas a casais serodiscordantes, para que pelo menos um progenitor tenha a possibilidade de criar a criança, pelo menos enquanto não houver estudos que comprovem o aumento considerável da expectativa de vida de pacientes sintomáticos com VIH(10). Na prática a decisão deve ser do casal e da equipa médica que o acompanha. Esta decisão deve ser seguida de consentimento escrito e aconselhamento(31). Informação e autonomia A informação é a chave para atingir a autonomia. A ESHRE recomenda que haja informação do público em geral de aspectos que estão sempre em evolução, tais como os riscos de transmissão, progressão da doença e tratamentos(10). Estes factores são relevantes para a avaliação ética do tratamento destes casais. Por outro lado a informação do público contribui, indirectamente, para a diminuição da propagação da doença. Responsabilidade Há várias dimensões de responsabilidade a considerar. O casal tem a obrigação de informar a equipa da sua infecção e tem o direito de exigir o tratamento mais indicado para a sua situação, tanto para cada elemento do casal, como para o bem-estar da futura criança. Os riscos específicos envolvidos nos tratamentos devem ser amplamente explicados e aceites pelo casal. O bem-estar da criança é da responsabilidade conjunta da equipa médica e do casal, e contempla não apenas a componente física, mas também a dimensão psico-social, isto é, o risco de ficar órfã numa idade vulnerável ou de crescer numa família que se vê confrontada com uma doença grave. Há um consenso geral de que a morte de um progenitor é um dos traumas mais devastadores que uma criança pode sofrer. No caso da infecção por VIH há a considerar dois grupos distintos com di- ferentes necessidades: casais férteis e inférteis. A intervenção nos casais férteis dimensiona-se no sentido de evitar a transmissão do parceiro e, indirectamente, da futura criança. Uma vez que estes casais não têm dificuldade em conceber, a contribuição da equipa de PMA direccionase na redução do risco de transmissão do VIH, o que já por si é uma obrigação. Neste sentido a ESHRE recomenda a técnica de IUI para casais serodiscordantes(10), de modo a evitar a transmissão ao parceiro por sexo desprotegido. Quando a mulher seropositiva engravida deve aceitar tratamento com anti-retrovirais, parto por cesariana (se necessário) e proibição do aleitamento. Nos casais infertéis, a equipa médica ao oferecer tratamento assume uma especial responsabilidade para com a futura criança, que não existiria sem a sua intervenção. Não há nenhuma razão para excluir estes casais das considerações normais aplicadas a todos os casais que procuram ajuda para engravidar. No momento, o risco de transmitir o VIH para a criança não é excessivamente elevado quando comparado com os riscos aceitáveis pela concepção em mulheres acima de uma determinada idade, indivíduos portadores de anomalias cromossómicas, gravidez múltipla e o risco de anomalias congénitas na população em geral. Confidencialidade e privacidade Num processo de reprodução assistida devem ser feitos todos os esforços para proteger a privacidade e confidencialidade dos indivíduos/casais envolvidos, de modo a evitar discriminação e injustiças para os seropositivos. A necessidade de quebrar a confidencialidade sobre a seropositividade do parceiro tem de ser aceite pelo casal, sendo a notificação feita preferencialmente pelo próprio(31). A equipa médica deve discutir com o casal os riscos do sexo desprotegido e todos os aspectos reprodutivos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A infecção por VIH pode ser classificada como crónica, tratável, mas não curável. Avanços significativos nas terapias anti-retrovirais e protocolos de re- perspectivas actuais em bioética 237 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 dução de transmissão vertical justificam uma ponderação do projecto de um casal infectado ter um filho, o que lhes confirma a fertilidade e capacidade reprodutiva, proporcionando aos pais o sentimento de imortalidade. Com uma expectativa de vida maior ou igual a 20 anos desde o diagnóstico, não parece justificável negar os tratamentos de fertilidade a adultos seropositivos, dos quais 75% têm entre 15 e 44 anos(16,22). As técnicas de PMA com lavagem do esperma podem reduzir significativamente o risco de transmissão do VIH, mas este não pode ser considerado nulo. A infecção por VIH não deve ser por si só um critério de exclusão de acesso às técnicas de PMA, que oferecem o duplo benefício de reduzir o risco de transmissão ao parceiro não infectado e à futura criança, assim como tratar um possível factor de infertilidade. Os indivíduos seropositivos devem usufruir de igual acesso a estas técnicas e ser avaliados usando os mesmos princípios que são aplicados aos seronegativos. Quando um casal infectado procura ajuda para engravidar, deve ser conduzido para uma unidade de reprodução assistida que esteja preparada para oferecer técnicas de PMA a casais infectados com VIH. Para além de conhecimentos sobre reprodução humana e virologia, constitui elemento essencial de uma destas unidades um laboratório adequadamente equipado e preparado para lidar com gâmetas e embriões possivelmente infectados com HIV, o que ainda não acontece em Portugal. O casal deve beneficiar de aconselhamento não discriminatório e de informação adequada, inclusive sobre a possibilidade de optarem por outras soluções, como o recurso a gâmetas de dador, adopção ou opção por não ter filhos. Se o casal optar pela PMA, deve ser informado sobre todos os riscos e benefícios destas técnicas. No caso de haver gravidez deve haver follow-up do casal e da criança. Os princípios éticos de autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça devem ser considerados a todo o tempo 238 e a decisão final relativamente às opções reprodutivas deve ser efectuada pelo casal e respeitada pelos profissionais de saúde. Key-words: medically assisted reproduction, human immunodeficiency virus (HIV), serodiscordant, seroconcordant As normas de PMA delegam uma grande responsabilidade na equipa médica sobre a futura criança, devido ao seu papel activo em induzir uma gravidez. Neste sentido, é necessário que seja efectuada uma avaliação cuidada do casal, considerando todos os aspectos para o sucesso da PMA e da saúde da criança. Actualmente parece mais legítimo intervir nas situações mais favoráveis do que deixar estes casais arriscar a concepção espontânea fora dos cuidados de saúde, pelo que é necessário que haja uma avaliação contínua dos resultados e das novas investigações sobre o VIH. Esta medida, coerente do ponto de vista científico, respeita tanto a autonomia do casal infectado com VIH, como os interesses da criança em nascer não infectada. Nascer e Crescer 2006; 15(4): 233-239 HUMAN IMMUNODEFICIENCY VÍRUS IN MEDICALLY ASSISTED REPRODUCTION CONTEX: TECHNICAL ASPECTS AND ETHICAL CONSIDERATIONS ABSTRACT At the beginning of theAIDS epidemic, because of the poor prognosis of those infected with the disease, couples with an infected HIV partner were discouraged from planning a pregnancy. Nowadays, AIDS remains worldwide a serious condition, even in industrial countries where efficient and innovative treatments are available, HIV infection remains a chronic disease with high morbidity and mortality. Nevertheless as a result of the development of anti-retroviral therapies, life expectation of many seropositive patients, and their quality of life, have improved dramatically during the last ten years. Furthermore, both horizontal and vertical transmission risk have decreased and many couples with an HIV-partner may now consider parenthood. Assisted reproductive techniques can minimize the risk of contamination of the uninfected partner and help couples to conceive. perspectivas actuais em bioética BIBLIOGRAFIA 1. UNAIDS. 2006 Report on the global AIDS epidemic. Disponível em http:// www.unaids.org/en/HIV_data/Epidemiology/epi_slides.asp (09-08-2006). 2. Chaves C, Ramalho MJ, Carrilho P, Araújo T. Sida e mulher. Educação, ciência e tecnologia. 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Frente 4400-101 Vila Nova de Gaia perspectivas actuais em bioética 239 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Infecção Congénita por CMV Caso Clínico Sónia Lira1, Luísa Lopes1, Paula Soares1, Manuel Dias2, Cármen Carvalho1 RESUMO A infecção congénita por Citomegalovirus (CMV) representa actualmente a infecção congénita mais frequente nos países desenvolvidos, podendo considerar-se um problema de saúde pública nestes países. Apresenta-se o caso clínico de uma trombocitopenia grave, inicialmente interpretada como uma trombocitopenia aloimune, mas cujo diagnóstico diferencial revelou tratar-se de uma infecção congénita por CMV. Na evolução clínica identificaram-se sequelas neurológicas graves, traduzidas num atraso global do desenvolvimento e surdez unilateral. Discute-se a abordagem diagnóstica e controvérsias da terapêutica, alertando-se para a frequência e importância deste agente. Palavras-chave: citomegalovirus, congénita, trombocitopenia INTRODUÇÃO A infecção congénita por Citomegalovirus (CMV) representa actualmente a infecção congénita mais frequente nos países desenvolvidos, a segunda causa de atraso mental com etiologia identificável e a causa vírica mais frequente de malformações congénitas(1). Apresentase o caso clínico de um recém-nascido (RN) com trombocitopenia grave, cuja investigação etiológica suscitou algumas dúvidas, mas que culminou com este diagnóstico. CASO CLÍNICO Pais jovens, saudáveis, não consanguíneos, sem história de patologia heredofamiliar. Primeira gestação, vigiada, __________ 1 Unidade de Cuidados Intensivos de Neonatologia da Maternidade Júlio Dinis 2 Serviço de Anatomia Patológica da Maternidade de Júlio Dinis sem intercorrências. Os hemogramas maternos e as ecografias obstétricas foram normais e o rastreio do estado de portador do Estreptococo do Grupo B, realizado a menos de 4 semanas do parto, foi negativo. As serologias realizadas no 2º e 3º trimestre revelaram imunidade para a toxoplasmose e rubéola e seronegatividade para o antigénio HBs e para o anticorpo do Vírus da Imunodeficiência Humana. A reacção de VDRL foi negativa em ambos. O parto foi eutócico e ocorreu às 38 semanas de gestação com rotura de membranas peri-parto. Ao recém-nascido, do sexo feminino, foi atribuído um índice de Apgar de 9 ao 1º minuto e 10 ao 5º minuto. Nasceu impregnado de mecónio e a sua somatometria correspondia a um Atraso de Crescimento Intra-Uterino assimétrico: Peso – 2020g (<P10); Comprimento – 42,5 cm (<P10); Perímetro cefálico – 31,5 cm (P10). Nas primeiras horas de vida surgiram petéquias difusas pelo que foi realizado estudo analítico. A identificação de trombocitopenia (12000 plaquetas/μl) e proteína C reactiva positiva motivou o internamento na Unidade de Cuidados Intensivos. A terapêutica instituída compreendeu a transfusão de plaquetas sem antigénio HPA-1a e antibioterapia empírica de largo espectro. Nesta data foram pedidos à mãe o doseamento de anticorpos anti-plaquetários, cujo resultado foi positivo, a pesquisa de antigénios de superfície das plaquetas HPA – 1a, também positiva e a serologia para o Citomegalovirus. Perante estes resultados foi administrada imunoglobulina polivalente (efectuada em dois dias consecutivos na dose de 1 g/Kg/dia). A partir do 4º dia de vida tornaram-se evidentes alterações do estado neurológico com períodos de agitação, irritabilidade, movimentos descoordenados, polegares em adução e hiperextensão dos membros. No 5º dia de vida por trombocitopenia de 22000 plaquetas/μl efectuou-se a segunda transfusão do mesmo dador. A ultrassonografia cerebral seriada revelou dilatação ventrícular bilateral assimétrica (com predomínio do ventrículo lateral esquerdo), quistos volumosos na matriz germinal bilaterais, vasculopatia lenticulo-estriada e lesão cavitada na região inferior ao ventrículo lateral esquerdo, na região frontal (figura 1 e 2). Após o conhecimento da positividade da IgM materna para o Citomegalovírus, foi pesquisada virúria ao recém-nascido pelo método de cultura shell-vial que foi fortemente positiva. O exame anátomo-patológico da placenta revelou vilite e o estudo imunohistoquímico foi positivo para os anticorpos antiCMV (figura 3). Ficou assim corroborado o diagnóstico de infecção congénita por Citomegalovirus. A trombocitopenia resolveu-se após o 10º dia de vida (figura 4). Para investigação complementar das sequelas mais frequentes na infecção congénita por CMV foi realizado um exame oftalmológico e rastreio de défices auditivos. A observação por Oftalmologia em D12 identificou hemorragias superficiais da retina esquerda e não se observaram processos de coriorretinite. As otoemissões acústicas foram normais em D13, mas ficaram dúvidas nos potenciais auditivos evocados ao tronco cerebral (PAETC). Teve alta clínica ao 21º dia, mantendo as alterações neurológicas descritas. Foi orientado para a consulta externa da Maternidade e para a consulta de Oftalmologia. Aos 3 meses os PAETC revelam ausência de resposta evocada auditiva nos ciclo de pediatria inter hospitalar do norte 241 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Figura 1 - Imagem quística da matriz germinal, dilatação do ventrículo lateral esquerdo, vasculopatia lenticulo-estriada Figura 2 - Dilatação do ventrículo lateral esquerdo, lesão cavitada parenquimatosa do núcleo caudado, calcificação das paredes dos vasos lenticulo-estriados bilateral Figura 3 - Exame anatomo-patológico da placenta: inclusão citomegálica Figura 4 - Evolução da trombocitopenia e sua relação com as intervenções terapêuticas 100 dB à direita, pelo que foi referenciado à consulta de surdez. Na data da última consulta, com 10 meses de vida, a evolução ponderal situava-se no percentil 25 para a idade e o comprimento e o perímetro cefálico no percentil 5. Apresentava um atraso global de desenvolvimento, hipotonia axial, estrabismo e pouco contacto visual. Estava já orientada para a Unidade de Apoio ao Desenvolvimento e Intervenção Precoce. DISCUSSÃO O caso clínico relatado tem como apresentação uma trombocitopenia, que pela sua gravidade motivou a intervenção terapêutica imediata, prévia à investigação etiológica. A trombocitopenia é a anomalia hematológica mais frequentemente encontrada no período neonatal(2), usualmente em contexto infeccioso. A trombocitopenia aloimune é um diagnóstico a considerar no contexto de uma 242 trombocitopenia neonatal grave, sem trombocitopenia materna e com a presença de anticorpos anti-plaquetários em circulação(3). A abordagem da trombocitopenia aloimune pressupõe a transfusão de plaquetas desprovidas do antigénio responsável pela imunização, se houver risco de hemorragia, e a administração de imunoglobulina polivalente. A resposta esperada é uma subida da contagem das plaquetas entre as 24 e 72 horas(2,3,4). No caso descrito a trombocitopenia manteve-se após a administração da imunoglobulina e a presença de antigénios HPA-1a nas plaquetas maternas excluiu a forma mais frequente de aloimunização. Uma vez que não existiam registos quanto às serologias maternas para o citomegalovirus e sendo a infecção por este agente uma das causas frequentes de trombocitopenia com apresentação semelhante(3), a investigação etiológica foi reorientada, resultando no diagnóstico ciclo de pediatria inter hospitalar do norte de certeza de infecção congénita por este agente. O citomegalovirus é um vírus ubíquo, específico da espécie humana, pertencente à família Herpesviridae, cuja infecção causa maior morbilidade e mortalidade(1). O diagnóstico de infecção congénita só poderá ser considerado com certeza, se o produto obtido para cultura fôr colhido antes da 2ª ou 3ª semanas de vida, caso contrário poder-se-á tratar apenas de uma infecção peri-natal, adquirida nomeadamente através do leite materno(1,5). A determinação do DNA vírico por PCR no sangue parece ser tão sensível e específica como a identificação do vírus na urina. Resultados negativos nestes testes excluem infecção congénita por CMV(5). Nos países em vias de desenvolvimento a maioria das crianças adquire a infecção nos primeiros anos de vida, pelo que a seroprevalência nos jovens adultos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 é de quase 100%. Pelo contrário, nos países desenvolvidos a seroprevalência nesta faixa etária é de apenas 50%, aumentando por isso o risco de infecção congénita sintomática, uma vez que esta ocorre mais frequentemente quando a infecção primária materna é simultânea com a gravidez (com 40% de taxa de transmissão, presumivelmente transplacentária)(1). A probabilidade de infecção congénita e a extensão da doença no recém-nascido depende do estado da imunidade materna(1). Na generalidade, ao nascimento, 85 a 90% dos recém-nascidos infectados estão assintomáticos(6). Estima-se no entanto que 8 a 15% desenvolvam no futuro complicações tardias(7). Dos recém-nascidos sintomáticos, a maioria por primoinfecção materna durante a gestação, 80% desenvolve sequelas com 20% de mortalidade perinatal(8). Apesar da sua frequência, é ainda escasso o conhecimento da patogénese da lesão tecidular originada por este vírus(1). O Sistema Nervoso Central é o principal alvo para a lesão tecidular do feto em desenvolvimento. Os mecanismos indutores da trombocitopenia propostos são o efeito citopático directo, nomeadamente ao nível dos megacariócitos e um efeito mediado imunologicamente(9). Este último poderia explicar a presença de anticorpos anti-plaquetários, embora a bibliografia encontrada não descreva de forma clara este mecanismo no RN. A questão colocada após o diagnóstico de infecção congénita, na sua forma mais severa de doença de inclusão citomegálica (englobando a trombocitopenia e as petéquias, o ACIU e as alterações do Sistema Nervoso Central), centrou-se na abordagem terapêutica. Existe ainda uma experiência limitada da utilização do ganciclovir na infecção congénita. Os resultados de estudos recentes sobre a eficácia desta terapêutica são contraditórios(10), mas a análise de uma grande série sugere uma diminuição ou estabilização das sequelas auditivas avaliadas aos 6 meses de vida (Schleiss and McVoy, 2004)(1). No entanto são conhecidos os efeitos adversos deste fármaco, que além de imunossupressor tem potencial carcinogénico a longo prazo e toxicidade na espermatogénese e fertilidade feminina(11). Neste caso foram ponderados os riscos e benefícios desta opção. Perante um recém-nascido clinicamente estável, sob antibioterapia de largo espectro por rastreio séptico positivo nas primeiras horas de vida, foi decidido não iniciar terapêutica com ganciclovir. Permanecerá no entanto a dúvida quanto à possível diminuição das sequelas, nomeadamente auditivas, que esta intervenção poderia ter proporcionado. Este caso alerta para a importância da infecção por Citomegalovirus, que se afigura um problema de saúde pública para os países desenvolvidos(12); relembra que na investigação diagnóstica, as etiologias mais frequentes têm sempre prioridade na orientação dos estudos complementares; e por último levanta a dúvida quanto à oportunidade de intervenção terapêutica específica, ainda pouco satisfatória e não consensual. CYTOMEGALOVIRUS INFECTION ABSTRACT The cytomegalovirus (CMV) congenital infection represents actually the most frequent congenital infection in developed countries, and us considered a public health problem. The authors present a case of severe thrombocytopenia, initially interpreted as alloimmune, but in the course of differential diagnosis revealed to be a CMV congenital infection. The clinical evolution identified serious neurological sequelae, with global development retardation and unilateral deafness. The diagnostic approach and therapeutics are discussed, with focus on the frequency and importance of this agent. K e y - w o r d s : cytomegalovirus, congenital, thrombocytopenia. 3. Millar L. Imune thrombocytopenia and pregnancy. www.emedicine.com 4. Raju C, Arora L. Neonatal Immune Thrombocytopenia. MJAFI 2004;60: 333-336 5. Lanari M, Lazzarotto T, Venturi V et al. Neonatal Cytomegalovirus blood load and risk of sequelae in symptomatic and asymptomatic congenitally infected newborns. Pediatrics 2006;117;76-83 6. Fowler KB, Mc Collister FP, Dahle AJ, Boppana S, Britt WJ, Pass RF. Progressive and fluctuating sensorineural hearing loss in children with asymptomatic congenital cytomegalovirus infection. J Pediatr. 1997;130:624-630 7. Fowler KB, Stagno S, Pass RF, Britt WJ, Boll TJ, Alford CA. The outcome of congenital cytomegalovirus infection in relation to maternal antibody status. N Engl J Med. 1992;326:663667 8. Pass RF, Stagno S, Myers GJ, Alford CA. Outcome of symptomatic congenital cytomegalovirus infection: results of longterm longitudinal followup. Pediatrics. 1980;66:758-762 9. Eisenberg MJ, Kaplan B. Cytomegalovirus-induced thrombocytopenia in an immunocompetent adult. West J Med 1993;158:525-526 10. Tanaka-Kitajima N, Sugaya N, Futatani T et al. Ganciclovir therapy for congenital cytomegalovirus infection in six infants. Pediatr Infect Dis J. 2005;24(9):782-5 11. Ganciclovir – Laboratórios Roche 12. Kylat RI, Kelly EN, Ford-Jones EL. Clinical findings and adverse outcome in neonates with symptomatic congenital cytomegalovirus infection. Eur J Pediatr 2006;165(11):773-778 Nascer e Crescer 2006; 15(4): 241-243 CORRESPONDÊNCIA BIBLIOGRAFIA 1. Schleiss M R. Cytomegalovirus infection. www.emedicine.com 2. Roberts I, Murray N A. Neonatal thrombocytopenia: causes and management. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2003; 88:F359-F364 Sónia Lira Serviço de Pediatria Maternidade de Júlio Dinis Largo da Maternidade 4050 PORTO E-mail: [email protected] ciclo de pediatria inter hospitalar do norte 243 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Caso Endoscópico Fernando Pereira1 Apresentamos neste número o caso endoscópico de uma criança de 13 anos, sexo feminino, filha de pais saudáveis e não consanguíneos e com irmão saudável, que recorreu ao nosso serviço por apresentar intermitentemente dificuldade de deglutição, mais acentuada para sólidos do que para líquidos e com evolução de cerca de 10 dias. Tratava-se de criança com um cariótipo 46 XY, translocação 10-13, com surdez neurosensorial, atraso de desenvolvimento estaturo-ponderal ligeiro e psicomotor acentuado e ence- falopatia epileptiforme controlada com valproato de sódio. Como antecedentes havia a referir refluxo gastroesofágico corrigido cirurgicamente e tuberculose pulmonar. Cerca de 10 dias antes da nossa observação, a mãe notou dificuldade intermitente na ingestão dos alimentos, mais frequente para sólidos e nos últimos dias recusa alimentar. Não tinha outros sinais ou sintomas de doença, nomeadamente, sintomas respiratórios, vómitos ou febre. O seu exame objectivo era normal. Decidimos proceder à realização de endoscopia digestiva alta que permitiu observar no 1/3 médio do esófago, o aspecto que mostramos na figura 1, sendo normal todo o restante exame até à segunda porção duodenal. Qual é na sua opinião o diagnóstico correcto: 1 – Úlcera secundária a refluxo gastroesofágico. 2 – Perfuração esofágica 3 – Tuberculose do esófago 4 – Úlcera traumática do esófago Figura 1 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia qual o seu diagnóstico 247 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 COMENTÁRIOS O quadro de disfagia intermitente mais acentuada para sólidos, de início súbito, em doente com perturbações comportamentais e antecedentes de refluxo gastro-esofágico, sugere a existência de obstáculo esofágico, podendo tratar-se de estenose secundária ao refluxo ou corpo estranho encravado no esófago. O facto de a doente ter feito cirurgia anti-refluxo há longa data e não apresentar queixas de evolução progressiva mas sim de instalação súbita e não ter esofagite, particularmente na porção inferior do esófago, não apoia o diagnóstico de lesão secundária ao refluxo. A doente não apresentava outros sintomas ou sinais que fizessem pensar na perfuração esofágica. Nesta situação os sintomas instalam-se por regra rapidamente após Figura 2 248 qual o seu diagnóstico a rotura e atingem considerável gravidade, o que não verificamos com esta doente, pelo que esta hipótese não parece de considerar. A doente teve tuberculose pulmonar que tinha sido curada alguns anos antes e não apresentava sintomas gerais que fizessem pensar em recidiva. A lesão que apresentava era isolada, estando os restantes segmentos do tubo digestivo observados à endoscopia normais; esta era uma hipótese possível embora pouco provável, mas que a realização de biópsias e a sua coloração especial afastaria. A figura 2 que apresentamos esclarece definitivamente o caso; de facto a doente tinha engolido um corpo estranho, uma chave, que pela sua dimensão ficou encravado no esófago, em ponto onde anteriormente tinha existido ligeira estenose, secundária ao seu refluxo. Não provocava obstrução completa do esófago pelo que a doente continuava a ingerir alimentos que progrediam com maior ou menor dificuldade consoante a posição da chave. Por esta razão só ao fim de 10 dias efectuou endoscopia. A persistência do traumatismo local provocou a úlcera profunda que se mostra na figura 1. A realização de exame radiográfico do tórax teria feito de imediato o diagnóstico etiológico. Tratava-se portanto de úlcera traumática associada à impactação esofágica por chave engolida pela doente. No controlo efectuado cerca de 30 dias depois e após tratamento com sucralfato em gel 3g/dia observou-se cicatrização completa da lesão sem deformação. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Caso Estomatológico José M. S. Amorim1 Criança de 13 anos de idade que foi enviada à consulta de Estomatologia, proveniente do internamento Pediatria, devido a tumefacção dolorosa, na região do ângulo mandibular esquerdo, sem flutuação, acompanhada de hipertermia e odinofagia e disfagia, bem como trismo. Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal e hipertermia de 38º C. A nível dentário apresenta destruição de 3.6 por cárie. Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia do Hospital de Crianças Maria Pia qual o seu diagnóstico 249 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 O presente quadro clínico insere-se no quadro das complicações infecciosas da cárie dentária – Angina de Ludwig. Instala-se de repente, de forma violenta e alarmante, com dores à mastigação, trismo, odinofagia e disfagia dolorosa intensa, hipertermia, calafrios e em situações avançadas sem terapia agressiva e eficaz leva a dificuldade respiratória. Juntamente com a sintomatologia descrita ainda se visualiza tumefacção mais ou menos exuberante do lado das queixas. Ao exame físico o paciente mostra a língua empurrada para cima pelo edema do assoalho da boca, deixando por vezes dúvidas se ela também se encontra, ou não, envolvida no processo flogístico. 0 assoalho da boca apresenta-se endurecido, resistente, lenhoso e dolorosíssimo. O processo inflamatório e infeccioso estende-se rapidamente, levando ao edema da glote e provocando dificuldade respiratória. A disseminação do processo infeccioso processa-se com rapidez, servindo-se das bainhas dos músculos gênio- 250 qual o seu diagnóstico glosso e milohióideo, podendo invadir o mediastino, nos casos mais graves. O s germes desta infecção parecem provir de dentes cariados ou de lesões traumáticas da mucosa bucal. Nas formas subagudas da angina de Ludwig não deve ser esquecido o diagnóstico diferencial com a sífilis, com as diferentes micoses e nalgumas idades, mais avançadas, com alguns tumores. 0 tratamento deve ter duas vertentes: - Farmacológico: Benzilpenicilina associada ao Metronidazol, por via parentérica e nas doses máximas possíveis. Juntamente com a antibioterapia fazer corticoterapia para redução do edema da via aérea superior; - Cirúrgico: Fazer drenagem cirúrgica da lesão se houver flutuação da tumefacção, assim como fazer a extracção do dente responsável pelo quadro clínico, assim que ocorrer diminuição do trismo. Complicações que podem ocorrer: - Obstrução da via aérea superior que pode levar à necessidade de traqueotomia, bem como a cervicotomia e por vezes exploração do mediastino afim de se promover a limpeza cirúrgica das regiões envolvidas. Neste doente foi feita medicação endovenosa e intramuscular, em regime de internamento, tendo sido possível extrair o dente ao fim de 72 horas. A criança teve alta 48 horas após a extracção dentária, sem hipertermia, sem dores e sem trismo. Nascer e Crescer 2006; 15(4): 249-250 BIBLIOGRAFIA Cawson´s Essentials of Oral Pathology and Oral Medicine – R.A. Cawson – seventh edition – Churchill Livingstone, 2002.p.94-96 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Genes Crianças e Pediatras João Silva1, Célia Barbosa2, Sílvia Alvares3, Margarida Reis-Lima1 Criança do sexo masculino referenciada a Consulta de Genética aos 2 anos e 9 meses por atraso do desenvolvimento psicomotor e dismorfia. Tratava-se do primeiro filho de um casal jovem, saudável e familiares em 5º grau (segundos primos). Os antecedentes familiares eram irrelevantes. A gestação decorreu sem intercorrências, tendo nascido às 39 semanas, com somatometria adequada e índice APGAR normal. À data da primeira observação em consulta não tinha marcha autónoma, teve controle cervical aos 14 meses e sentava-se sozinho desde os 16 meses. Tinha antecedentes de várias intercor- rências respiratórias e asma. Além do atraso de desenvolvimento e hipotonia, apresentava baixa estatura desproporcionada com membros inferiores curtos e dismorfias evidentes, nomeadamente: hipoplasia da face média, assimetria facial, fontanela anterior persistente, hipertelorismo, fendas palpebrais pequenas e com orientação para baixo, sobrancelhas largas e esparsas, ponte nasal baixa e larga, lábios grossos, palato alto e estreito, dentes hipoplasicos, pectus excavatum, mãos pequenas, de aspecto grosseiro e com dedos afunilados. A estatura evoluiu sempre abaixo do P5 mas com perímetro craniano normal no P50, macrocefalia relativa (última observação aos 14 anos). A avaliação do desenvolvimento com Escala de Griffiths aos 3 anos revelou um nível global de 35, atraso mental grave. Dos exames complementares efectuados há a salientar a presença de insuficiência mitral ligeira que evoluiu desfavoravelmente com necessidade de intervenção cirúrgica para colocação de prótese mitral mecânica, aos 11 anos, por descompensação cardíaca. O cariótipo, estudo molecular de X-fragil e o estudo metabólico não revelaram alterações. A linguagem é actualmente muito reduzida. As características faciais ficaram mais grosseiras com a idade. Fig. 1 – Face aos 5 anos Fig. 2 – Mão aos 5 anos Fig. 3 – Face aos 13 anos Qual é o seu diagnóstico? __________ 1 2 3 Unidade Consulta – Instituto de Genética Médica Neuropediatria – Serviço Pediatria – Hospital Pedro Hispano Cardiologia Pediátrica – Hospital Maria Pia qual o seu diagnóstico 251 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 O diagnóstico deste doente é: Síndrome de Coffin-Lowry (OMIM #303600). A suspeita de diagnostico inicial estava correcta e foi posteriormente confirmada por estudo molecular. A sua prevalência está estimada em aproximadamente 0,5/100.000. Trata-se de um síndrome com transmissão ligada ao X em que os indivíduos do sexo masculino afectados têm atraso mental grave e dismorfias afectando principalmente as mãos e a face. As características típicas da face consistem em fronte proeminente, hipertelorismo, ponte nasal baixa, fendas palpebrais orientadas para baixo e uma boca grande com lábios grossos. Habitualmente há uma progressão com a idade ficando os doentes com aspecto facial mais grosseiro. As mãos são largas e grosseiras, com dedos a afunilados. Outros aspectos clínicos frequentes incluem: baixa estatura (95%) mas com somatometria normal ao nascimento, pectus carinatum ou pectus excavatum (80%), cifose e/ou escoliose (80%), disfunção da válvula mitral e surdez neurossensorial. O atraso mental é, quase invariavelmente, grave no sexo masculino enquanto que nas mulheres afectadas a capacidade intelectual varia entre o atraso grave e inteligência normal. O atraso na aquisição da linguagem é particularmente comum, quase todos os rapazes descritos têm um vocabulário muito pobre. Outras manifestações do envolvimento do SNC incluem hipotonia congénita generalizada, convulsões presentes a partir 252 qual o seu diagnóstico do ano de vida e surdez neurossensorial que pode ser profunda. O gene causal, RSK2, foi identificado em 1996, está localizado no cromossoma X na região Xp22.2 e codifica uma proteína de 740 aminoácidos. A proteína RSK2 pertence à família das proteína cinases de serina/treonina, fosforilam proteínas activando vias de sinalização tanto no citoplasma como no núcleo das celulas. As quatro proteínas RSK conhecidas no Homem têm um papel importante no controle transcripcional da expressão de genes. Existem muitas mutações diferentes no gene RSK2 associadas ao Síndrome de Coffin-Lowry a maioria das quais presentes em apenas uma família (mutações privadas). Estranhamente, e ao contrario do que é habitual em doenças ligadas ao X, existe uma taxa alta de novas mutações (80% dos casos), ou seja, muitas vezes as mães de crianças afectadas não são portadoras somáticas da mutação. No entanto o risco de recorrência na futura descendência está aumentado pois já foi verificada a ocorrência de mosaicismo gonadal. O diagnóstico atempado do Síndrome de Coffin-Lowry é essencial para a adequada orientação dos doentes, incluindo o rastreio de complicações específicas como a perda de audição, e para o aconselhamento genético correcto. Há alguns factores nesta doença que tornam o seu diagnóstico difícil como o facto da maior parte dos casos ser esporádico e as características clínicas que nem sempre permitem, pelo menos em crianças pequenas, a sua distinção de outros síndromes com atraso mental, como por exemplo o ATR-X, algumas Mucopolissacaridoses, o Síndrome de X-fragil e o Síndrome Williams. Nascer e Crescer 2006; 15(4): 251-252 BIBLIOGRAFIA Firth HV, Hurst JA, Hall J (consulting editor). Oxford Desk Reference Clinical Genetics, Oxford University Press, 2005 Hanauer A, Young ID Coffin-Lowry syndrome: clinical and molecular features. J Med Genet 2002;39;705-713 Hunter GWA Coffin-Lowry Syndrome: A 20-Year Follow-Up and Review of Long-Term Outcomes. Am J Med Genet 2002;111:345-355 Hunter GWA, Schwartz CE, Abidi FE (Updated 31 August 2006). CoffinLowry Syndrome. In: GeneReviews at GeneTests: Medical Genetics Information Resource (database online). Copyright, University of Washington, Seattle. 1997-2006. Available at http://www.genetests.org. Accessed 05 January 2007. Jones KL. Smith’s recognizable patterns of human malformations, 6th edn. Elsevier Saunders, 2006. Orphanet: an online database of rare diseases and orphan drugs. Copyright, INSERM 1997. Available at http:// www.orpha.net Accessed 05 January 2007 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Imagens Filipe Macedo1 Recém-nascido com uma semana de vida, sexo masculino, com crânio escafocefálico. Ecografia trans- fontanelar normal, com excepção de aparente encerramento da sutura sagital. Rx de crânio não totalmente conclusivo para todas as suturas cranianas. Figura 1, 2, 3 e 4 – TC do crânio com reconstruções 3D __________ 1 Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC Porto qual o seu diagnóstico 253 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 DIAGNÓSTICO Escafocefalia por craniosinostose sagital. Restantes suturas normais. DISCUSSÃO O crânio normal do recém-nascido é constituído por placas ósseas separadas por suturas, que são inicialmente articulações fibrosas. Com o crescimento as suturas fundem-se formando uma peça óssea contínua. A craniosinostose é uma situação em que suturas encerram demasiado cedo podendo perturbar o crescimento normal do crânio e encéfalo com risco de alterações na pressão intracraniana e assimetrias crânio-faciais. De referir no entanto que nem todas as deformidades do crânio pediátrico se relacionam com craniosinostose, já que nem sempre há envolvimento de uma sutura. A craniosinostose surge em cerca de 1/2000 nados vivos, sendo duas vezes mais frequente no sexo masculino do que no feminino. A maioria dos casos é esporádica, sobretudo os casos que envolvem apenas uma sutura(1). Há casos associados a síndromas genéticos, frequentemente com envolvimento de mais de uma sutura. As deformidades cranianas mais frequentes são: - plagiocefalia É uma das mais frequentes. Ocorre por fusão unilateral da sutura coronal ou lambdóide, provocando achatamento da 254 qual o seu diagnóstico região atingida e expansão contralateral. Uma das causas mais frequentes de plagiocefalia é postural, em que não existe propriamente craniosinostose e em que geralmente não é necessário cirurgia. - trigonocefalia Por fusão da sutura metópica, provocando deformidade triangular do osso frontal com bossa frontal e achatamento das eminências frontais. - escafocefalia (dolicocefalia) Ocorre por fusão da sutura sagital, provocando alongamento e estreitamento generalizado do crânio. - braquicefalia. Por fusão da sutura coronal bilateral – é uma craniosinostose composta. Há diminuição do diâmetro antero-posterior do crânio e expansão bitemporal por deposição óssea ao longo das suturas escamosas. Quando se detecta uma configuração anormal do crânio deve fazer-se a avaliação imagiológica para caracterizar correcta e precocemente a deformidade. O diagnóstico imagiológico pode englobar a radiografia simples, a ecografia, a cintigrafia e a TC. - radiografia simples: geralmente suficiente para o diagnóstico. Observa-se ponte óssea na sutura, estreitamento e esclerose da sutura ou indefinição da sutura - ecografia: pode ser bastante útil nos casos em que a radiografia não é conclusiva e a TC não está facilmente disponível. Tem a vantagem do seu baixo preço e inocuidade(2). - cintigrafia: menos eficaz e com papel limitado. - TC: é o mais eficaz sobretudo com as reconstruções 3D com MIP. Demonstram a patência das suturas e avaliam a extensão das deformidades, permitindo melhor planeamento do tratamento(3) O tratamento é geralmente cirúrgico, muitas vezes antes do ano de idade por maior facilidade de manipulação dos ossos. Dado que a correção cirúrgica precoce tem melhor resultado estético(4) é muito importante o diagnóstico atempado. Nascer e Crescer 2006; 15(4): 253-254 BIBLIOGRAFIA 1. Aviv RI, Roger E, Hall CM. Cranial synostosis. Clin Radiol 2002, 57: 93102 2. Regelsberger et al. Ultrasound in the diagnosis of craniosynostosis. Journal of Craniofacial Surgery 2006; 17 (3): 623-625 3. Varnier M, Hildebolt C, Marsh J et al. Craniosynostosis: diagnostic value of three-dimensional CT reconstructions. Radiology 1989; 173:669-673 4. Pershing JA, Babler W, Winh HR et al: Age as a critical factor in the success of surgical correction of craniosynostosis. J. Neurosurg 1990, 72: 22-26 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Criança em Risco Estudo Multicêntrico Grupo coordenador: Maria José Vale (HSOliveira), Teresa Borges (HGSA), Ana Alexandrino (MJDinis), Camila Gesta (HMPia), Conceição Casanova (CHVilaConde/PóvoaVarzim), Nuno Lunet (FMUP), Clara Paz Dias (HSOliveira) Grupo de colaboradores: Rosa Areias (MJDinis), Joana Rios, Teresa Andrade (CHAMinho), Fátima Madruga (HDFZagalo), Virgínia Monteiro, Isabel Loureiro (HSMiguel), Isabel Paulo, Conceição Casanova (CHVilaConde/PóvoaVarzim), Ana de Lurdes Aguiar, Maria Manuel Lopes, Clara Lago (HPHispano), Nicole Silva, Alexandre Monteiro, Henedina Antunes (HSMarcos), Lurdes Lisboa, Margarida Martins (HIDPedro), Rute Lopes, Cláudia Lima (HCMPia), Susana Lira (HPAmérico), Nilza Ferreira, Vânia Martins, Isabel Peixoto (CHVReal/PRégua), Ângela Miguel Lima, Dina Carvalho, Eva Chaves, Ana Paiva Chaves, Reis Morais (HDChaves), Marta Rios, Luísa Caldas (HGSAntónio) Catarina Magalhães, Isaltina Vitorino (HSOliveira), Luís Filipe Torres (HLamego) Objectivos: Caracterizar as crianças em risco ou maltratadas identificadas nos hospitais da região Norte de Portugal e conhecer os mecanismos de protecção à criança existentes nessas instituições. Material e Métodos: Foram avaliadas as crianças com idade inferior a 18 anos, referenciadas ao Serviço Social em 2005, através da consulta retrospectiva dos processos clínicos/sociais. Foi calculada a proporção de crianças classificadas como estando em risco ou tendo sido maltratadas. Compararam-se as características dos indivíduos em que se observaram os diferentes tipos de mau trato e risco através da prova do χ2 ou do teste exacto de Fisher. Resultados: Participaram no estudo quinze hospitais; cinco tinham Núcleo de Apoio à Criança e Jovem em Risco. Das 804 crianças, 53,2% eram do sexo masculino e 68,3% tinham menos de 3 anos. Os motivos de sinalização foram: risco (79,4%), negligência (20,5%), mau trato físico (5,4%), mau trato psicológico (3,7%), abandono (5,6%) e abuso sexual (3,5%); 25% das crianças já tinham sido referenciadas ao Serviço Social. Foi pedido o acompanhamento da Comissão Protecção Crianças Jovens em Risco em 30,1% e do Tribunal de Menores e outras instâncias judiciais em 14,5% dos casos sinalizados. Os casos de maus tratos ou risco foram mais frequentemente perpetrados pela mãe (88,2%) e pelo pai (55,2%). Comparativamente com outras formas de mau trato, o abuso sexual foi mais frequente em crianças do sexo feminino (6,3% vs 1,2%, p<0,001) e mais frequentemente perpetrado por Desconhecidos (31,6% vs 2,8% p<0,001) ou Outros (27,5% vs 1,9% p<0,001). Conclusão: A elevada percentagem de crianças sinalizadas por risco traduz uma maior preocupação dos profissionais de saúde com esta problemática, embora seja necessário uniformizar os critérios de referenciação e protocolar a recolha de informação referente à criança, família e caracterização do mau trato. Urge melhorar o funcionamento das equipas de intervenção social e permitir que as medidas de protecção instituídas sejam cumpridas. Palavras-chave: mau trato, criança, risco. INTRODUÇÃO Foram necessárias profundas modificações culturais, sociais e de sensibilidades, para que a perspectiva face à criança levasse ao reconhecimento da sua individualidade e dos seus direitos próprios. Não surpreende que só no final do segundo milénio a criança passe a ser vista como um ser social, integrante e pilar fundamental da sociedade. O reconhecimento e valorização do papel da família e do ambiente no seu desenvolvimento tornaram-se indiscutíveis e a Pediatria Social passou a assumir um papel de especial relevo. Em 1959 é elaborada, pela Organização das Nações Unidas (ONU), a declaração dos direitos da criança. No entanto, o seu reconhecimento jurídico como sujeito de direito surge em 1989, na Assembleia-geral da ONU, com a aprovação da Convenção dos Direitos da Criança, ratificada por Portugal em 1990 em Assembleia da República. Desde então têm-se multiplicado os esforços no sentido de promover os direitos civis, económicos, sociais e culturais da criança bem como de a proteger de “qualquer acto ou omissão que a perturbe gravemente, ameaçando a sua integridade corporal, o seu desenvolvimento físico, afectivo, intelectual e moral e cujas manifestações são o grave descuido e/ou lesões de ordem física, psíquica, sexual, perpetradas por familiares ou outras pessoas que cuidem da criança” (Conselho de Europa, 1981). Tal como em outros países, o sistema judicial português tem evoluído de forma a acompanhar os progressos da Pediatria Social. Isto tem permitido o estabelecimento de uma estreita relação entre os tribunais e os hospitais, onde com maior frequência são identificados novos casos. Os avanços científicos na identificação dos maus tratos infantis não se fizeram acompanhar por uma protecção mais eficaz destas crianças. É fundamental alertar a consciência da comunidade e dos órgãos de soberania, bem como estudos interinstitucionais – mesa redonda XVIII reunião do hospital de crianças maria pia S 255 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 promover a formação dos profissionais de saúde para que, em conjunto, se previna a ocorrência do mau trato e em última instância este seja diagnosticado precocemente diminuindo as sequelas do mesmo e prevenindo as recorrências. Este estudo teve como objectivos caracterizar as crianças em risco ou mal tratadas identificadas nas instituições hospitalares da região Norte de Portugal, em particular a tipologia do mau trato ou risco a que foram sujeitas e as suas características sócio-demográficas, bem como conhecer os recursos médicos e sociais que estas unidades de saúde diferenciadas têm ao seu alcance para lhes prestarem os cuidados necessários. MATERIAL E MÉTODOS Foram convidados a participar neste estudo os Serviços de Pediatria e de Pedopsiquiatria de todos os hospitais da região Norte de Portugal. A amostra foi constituída por todas as crianças, com idades compreendidas entre os 0 e os 17 anos, para as quais foi pedido o parecer do Serviço Social (crianças sinalizadas) no ano civil de 2005. Os dados inerentes à criança foram obtidos através de um questionário individual, preenchido nas unidades hospitalares participantes tendo por base a consulta retrospectiva dos processos clínicos/sociais de cada uma das crianças identificadas. Neste questionário procedeu-se à caracterização da criança (idade, sexo, posição na fratria), da família (tipo de família, idade dos pais, profissão, grau de escolaridade, fonte de rendimento), da habitação (saneamento básico, localização) e do mau trato (data da ocorrência, tipo, perpetrador, local de sinalização, necessidade de internamento, orientação e factores de risco). Os questionários que tinham as mesmas iniciais do nome, data de nascimento e sexo foram comparados para averiguar se se referiam ao mesmo participante. Nos casos em que existia mais do que um inquérito para a mesma criança incluiu-se no estudo apenas a informação relativa ao episódio mais recente. Definiu-se risco como qualquer circunstância que atente contra o bem-estar físico, psíquico e social da criança. Entendeu-se como mau trato contra a criança a perpetração de um dano psicológico, físico ou sexual (de forma intencional, não acidental), cometida por sujeito em condições superiores (idade, força, posição social ou económica, inteligência, autoridade) contrariamente à vontade da vítima ou por consentimento obtido a partir de indução ou sedução enganosa. A negligência consiste na incapacidade de proporcionar à criança a satisfação das suas necessidades de cuidados básicos, de higiene, alimentação, afecto e saúde, indispensáveis ao seu crescimento e desenvolvimento normais. Abandono é a privação da criança, de um meio familiar normal e securizante, por opção dos seus cuidadores, ficando esta entregue a si própria, não tendo quem lhe assegure a satisfação das necessidades básicas e de segurança. O mau trato psicológico resulta da incapacidade de proporcionar à criança um ambiente de tranquilidade indispensável ao crescimento, desenvolvimento e comportamento adequados. Nele inclui-se a ausência de afecto, a hostilização verbal, a depreciação, as ameaças, as humilhações ou a violência familiar que originando um ambiente de maior instabilidade, insegurança, terror ou medo, se pode repercutir no comportamento, rendimento escolar, sono ou qualquer outra actividade da vítima. O abuso sexual consiste no envolvimento da criança ou adolescente em actividades cuja finalidade visa a satisfação sexual de um adulto ou outra pessoa mais velha e/ou mais forte. A informação relativa à instituição foi obtida através de um questionário, também preenchido na unidade de saúde participante, onde se averiguou se esta tinha Núcleo de Apoio à Criança e Jovem em Risco, normas de actuação perante uma criança em risco ou mal tratada, consulta de pediatria de acompanhamento das crianças referenciadas ao Serviço Social, psicólogo e assistente social integrados no Serviço de Pediatria. Foi calculada a proporção de crianças que foram classificadas como estando em risco ou tendo sido vítimas dos diferentes tipos de mau trato anteriormente definidos. Foram comparadas as características dos indivíduos em que se obser- estudos interinstitucionais – mesa redonda S 256 XVIII reunião do hospital de crianças maria pia varam os diferentes tipos de mau trato e risco através da prova do χ2 ou do teste exacto de Fisher quando adequado. RESULTADOS Participaram no estudo interinstitucional da “Criança em risco” quinze hospitais que preencheram 820 questionários referentes a crianças sinalizadas por risco ou mau trato: Maternidade Júlio Dinis, Porto (n = 80), Hospital Pedro Hispano, Matosinhos (n = 17), Centro Hospitalar do Alto Minho, Viana do Castelo (n = 16), Hospital Dr. Francisco Zagalo, Ovar (n = 21), Hospital de S. Miguel, Oliveira de Azeméis (n = 31), Hospital de S. Marcos, Braga (n = 33), Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim e Vila do Conde (n = 52), Hospital Infante D. Pedro, Aveiro (n = 6), Hospital de Crianças Maria Pia, Porto (n = 58), Hospital Padre Américo, Vale do Sousa (n = 41), Centro Hospitalar Vila Real/Peso Régua (n = 30), Hospital Distrital de Chaves (n = 31), Hospital Geral de Santo António, Porto (n = 108), Hospital Senhora da Oliveira, Guimarães (n = 295) e Hospital Distrital de Lamego (n = 1). Dos hospitais participantes cinco tinham Núcleo de Apoio à Criança e Jovem em Risco cujo tempo de funcionamento variava entre 7 e 16 anos. Nos restantes hospitais, cinco possuíam normas de actuação perante uma criança em risco ou mal tratada, quatro tinham uma consulta de pediatria de acompanhamento das crianças sinalizadas, seis possuíam assistente social destacado para o Serviço de Pediatria e dois um psicólogo. De 820 questionários recebidos obteve-se uma amostra final de 804 crianças referenciadas ao Serviço Social. Dezasseis questionários foram excluídos porque se reportavam a diferentes episódios de uma mesma criança (registados em hospitais diferentes ou no mesmo hospital). Das 804 crianças sinalizadas, 53,2% eram do sexo masculino. Mais de metade da amostra (68,3%) tinha idade inferior ou igual a 2 anos à data da sinalização. Aproximadamente 95% das crianças foram sinalizadas dentro do hospital (5,7% no Serviço de Urgência, 64,5% no Internamento do Serviço de Pediatria, Neonatologia e Obstetrícia/Berçário, NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Quadro I – Caracterização dos indivíduos sinalizados e do mau trato/risco a que foram sujeitos. n Sexo Feminino Masculino Idade [0 – 28 dias] [29 dias – 2 anos] [3 anos – 7 anos] [8 anos – 12 anos] [13 anos – 18 anos] Data da sinalização 1º Trimestre de 2005 2º Trimestre de 2005 3º Trimestre de 2005 4º Trimestre de 2005 Local de Sinalização Serviço de Urgência Internamento Consulta Externa Centro de Saúde Escola/Infantário/Creche/ Instituição Segurança Social/CPCJR/ EMAT/MP Família Alargada Sinalização Prévia Tipo de mau trato/risco* Risco Negligência isolada Mau trato físico Mau trato psicológico Abandono Abuso sexual** Perpetrador*** Mãe Pai Outro**** Desconhecido * % 368 46,8 419 53,2 330 199 91 79 76 42,6 25,7 11,7 10,2 9,8 241 196 185 174 30,3 24,6 23,2 21,9 44 5,7 496 64,5 188 24,5 9 1,2 8 1,0 22 2,7 2 0,3 198 25,1 638 79,4 165 20,5 43 5,4 30 3,7 45 5,6 28 3,5 706 88,2 442 55,2 51 6,4 19 2,4 O total é superior a 100% porque diversas crianças sofreram mais do que um tipo de mau trato/ risco (13,1% sofreram dois tipos, 2,1% três tipos e 0,2% quatro tipos); ** Suspeito ou confirmado; *** O total é superior a 100% porque diversas crianças sofreram mau trato/risco perpetrado por mais do que um indivíduo (50,2% por dois indivíduos e 1,0% por três indivíduos); **** Ama (n=1), família de acolhimento (n=1); namorado (n=1), professores/funcionários da escola (n=2), colega (n=3), vizinho (n=4), irmão (n=5), avó (n=8), próprio (n=8), padrasto/madrasta (n=9), tios (n=9). 24,5% na Consulta Externa). Um quarto das crianças incluídas neste estudo já tinha sido referenciado ao Serviço Social por suspeita de mau trato e/ou existência de risco. O número de episódios de sinalização descritos foi superior no primeiro trimestre de 2005 (Quadro I). No que diz respeito ao motivo de sinalização verificou-se que 79,4% das crianças tinham sido referenciadas por se encontrarem em risco, 20,5% por terem sido vítimas de negligência, 5,4% por mau trato físico, 3,7% por mau trato psicológico, 5,6% por abandono e 3,5% por abuso sexual (suspeito ou confirmado). De salientar que 15,4% das crianças tinham sido referenciadas por dois ou mais tipos de mau trato/situação de risco (Quadro I). Os perpetradores de mau trato ou risco mais frequentemente identificados foram os progenitores (a mãe em 88,2% e o pai em 55,2%). Cerca de 8% das crianças foram mal tratadas por outras pessoas, nomeadamente: ama, avós, tios, primos, padrasto, madrasta, irmãos, Quadro II – Caracterização da família das crianças sinalizadas por mau trato ou risco. n Tipo de família Monoparental Nuclear Reconstruída Família alargada Nuclear inserida em alargada Monoparental inserida em alargada Instituição* Fratria Número de irmãos Nenhum Um Dois Três Quatro Cinco ou mais Posição na fratria** Irmão mais novo Irmão do meio Irmão mais velho % 128 16,6 368 47,7 30 3,9 182 23,6 17 2,2 3 9 278 192 146 85 41 25 4,9 1,2 36,2 25,0 19,0 11,1 5,4 3,3 345 74,7 50 10,8 67 14,5 * Quatro crianças estavam institucionalizadas com a mãe; ** aplicável apenas às crianças com irmãos. vizinhos, família de acolhimento, namorado, professores, funcionários da escola, colegas (Quadro I). Em 50,2% dos episódios identificaram-se dois agressores. O modelo de família nuclear foi o mais frequentemente observado (47,7%) seguido da família alargada (23,6%) e da família monoparental (16,6%). Cerca de 1% das crianças estavam institucionalizadas, metade das quais com a mãe biológica. Aproximadamente 60% das famílias caracterizadas tinham um ou dois Quadro III – Caracterização socio-económica da família das crianças sinalizadas por mau trato ou risco. n Pai Idade (anos)* < 18 ≥ 18 Escolaridade (nível máximo frequentado) Nenhum 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo Secundário Universitário Profissão Trabalho manual Trabalho não manual Sem profissão/desempregado Reformados Mãe Idade (anos)** < 18 ≥ 18 Escolaridade (nível máximo frequentado) Nenhum 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo Secundário Universitário Profissão Trabalho manual Trabalho não manual Sem profissão/desempregado Reformados % 9 1,7 531 98,3 10 2,4 228 55,8 99 24,2 51 12,5 15 3,7 6 1,5 365 69,7 34 6,5 110 21,0 15 2,9 83 11,7 624 88,3 32 5,4 248 42,1 138 23,4 118 20,0 47 8,0 6 1,0 174 31,0 36 6,4 342 60,9 10 1,8 Rendimento social de inserção 187 27,0 100 14,2 Habitação social * Mediana=32, percentil 25=26, percentil 75=39; ** Mediana=29, percentil 25=22, percentil 75=35. estudos interinstitucionais – mesa redonda XVIII reunião do hospital de crianças maria pia S 257 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 filhos. Das crianças em risco ou maltratadas que tinham irmãos, 74,7% eram os últimos da fratria (Quadro II). Relativamente às crianças sinalizadas, a mediana da idade materna foi de 29 anos (percentil 25-percentil 75: 2235 anos) e da idade paterna de 32 anos (percentil 25-percentil 75: 26-39 anos). De salientar que 11,7% das mães e 1,7% dos pais eram menores de idade. Quanto à escolaridade, a maioria dos progenitores tinha frequentado apenas o 1º ou o 1º e 2º ciclos (60% das mães e 80% dos pais). Observou-se uma elevada percentagem de mães desempregadas e/ou sem profissão quando comparadas com os pais (60,9% vs 21,0%) e um predomínio de profissões manuais em ambos os progenitores. Das famílias caracterizadas, 27% beneficiava do rendimento social de inserção e 14,2% residia em habitação social (Quadro III). O episódio de mau trato ou risco que motivou o pedido de colaboração esteve associado a patologia orgânica em 45,9% dos casos e a internamento hospitalar em 61,2%. Houve necessidade de prolongar o internamento, por motivo social, em 19% das crianças sendo a mediana de dias de protelamento de sete. A orientação dada foi de vigilância no Centro de Saúde (Serviço Social e/ou Médico Assistente) em 16,6% dos casos e no Hospital (Serviço Social, Pediatra, Psicólogo, Pedopsiquiatra) em 44,7%. Foi pedido o acompanhamento da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJR) em 30,1% e do Tribunal de Menores e outras instâncias judiciais em 14,5% dos episódios. O apoio da Segurança Social e das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) bem como de outras instituições de carácter beneficente foi solicitado em 26,4% e 19,1% das crianças, respectivamente. A criança sinalizada foi entregue à responsabilidade do núcleo familiar original na grande maioria dos casos (73,4%), contudo houve necessidade de a colocar à guarda de famílias de acolhimento e/ou centros de acolhimento em 9,6%. Duas crianças faleceram, nos primeiros dias de vida, durante o internamento por doença não relacionada com o mau trato, (Quadro IV). No Quadro V é apresentada a frequência com que possíveis indicadores de risco foram observados nos pais das crianças sinalizadas. Por ordem decrescente de frequência foram registados a pobreza, o desemprego, a monoparentalidade e o isolamento social ou familiar. A existência de outros filhos previamente retirados foi referida em 3,5% dos casos (Quadro V). A criança não desejada, a gravidez mal vigiada ou não vigiada, o absentismo à consulta de saúde infantil e a doença crónica e/ou malformação foram os parâmetros, relacionados com a criança, mais frequentemente assinalados, como possíveis factores associados a situações de risco e/ou mau trato (Quadro VI). Quando se estudou a relação entre o tipo de mau trato e o sexo da criança não se observaram associações estatisticamente significativas, com excepção do abuso sexual, que foi mais frequente no sexo feminino (6,3% vs 1,2%, p<0,001), e a existência do risco que foi mais frequente no sexo masculino (82,1% vs 76,4% p=0,047). Não se verificou uma associação, com Quadro IV – Caracterização do episódio de sinalização. Patologia orgânica associada Internamento Protelamento internamento por motivo social* Orientação** Centro de Saúde Hospital CPCJR Tribunal de Família e Menores/MP/EMAT IPSS/Instituições beneficentes Segurança Social PAFAC Responsável pela criança após a sinalização Núcleo familiar original Núcleo familiar alargado Centro de acolhimento Família de acolhimento Hospital da área de residência Não aplicável (criança falecida) n 316 490 92 % 45,9 61,2 19,0 132 355 239 115 151 209 8 16,6 44,7 30,1 14,5 19,1 26,4 1,0 579 129 57 19 3 2 73,4 16,4 7,2 2,4 0,4 0,2 * Aplicável apenas às crianças que necessitaram de internamento; Duração mediana do protelamento do internamento: 7 dias (percentil 25=3, percentil 75=15); ** O total é superior a 100% porque diversas crianças tiveram mais do que um tipo de orientação. estudos interinstitucionais – mesa redonda S 258 significado estatístico, entre o sexo da criança e a ocorrência de mais do que um tipo de mau trato, o perpetrador do mau trato e a existência de mais do que um agressor. Verificou-se um aumento progressivo da percentagem de crianças que já tinham sido sinalizadas à medida que a idade aumentava (4,3% dos 0 aos 28 dias, 38,1% dos 28 dias aos 2 anos, 35,2% dos 3 aos 7 anos, 38,5% dos 8 aos 12 anos e 54,7% dos 13 aos 17 anos). A mãe foi a perpetradora mais frequentemente identificada nas crianças mais novas, diminuindo de importância o seu papel como agressora com o aumento da idade (97,3% dos 0 aos 28 dias, 91,4% dos 28 dias aos 2 anos, 82,0% dos 3 aos 7 anos, 70,5% dos 8 aos 12 anos e 63,2% dos 13 aos 17 anos). O pai foi identificado como perpetrador do mau trato/risco em 42,2% dos recém-nascidos, tendo uma frequência como agressor variável entre 61% e 65% a partir dos 28 dias. Os Desconhecidos (estranhos à criança) bem como os Outros (elementos da família XVIII reunião do hospital de crianças maria pia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 alargada da criança e/ou pessoas que lhes são próximas) assumem um papel cada vez maior à medida que aumenta a idade. Os Desconhecidos agrediram 0% dos recém-nascidos, 1,5% das crianças com mais de 28 dias e menos de 2 anos, 3,4% das crianças com idades entre os 3 e os 7 anos, 7,7% das crianças com idade compreendida entre os 8 e os 12 anos e 7,9% dos adolescentes. Os Outros foram identificados como agressores em 0,3%, 3,5%, 14,6%, 17,9% e 21%, respectivamente nas faixas etárias dos 0 aos 28 dias, dos 28 dias aos 2 anos, dos 3 aos 7 anos, dos 8 aos 12 anos e dos 13 aos 18 anos. Na relação existente entre o tipo de mau trato e o perpetrador do mesmo verificou-se que, comparativamente com os outros tipos de mau trato/risco, o abuso sexual foi mais frequentemente perpetrado por Desconhecidos (31,6% vs 2,8% p<0,001) ou Outros (27,5% vs 1,9% p<0,001). Os agressores responsáveis por mau trato físico foram mais frequentemente Desconhecidos (26,3% vs 4,9% p<0,001) e Outros (21,6% vs 4,3% p<0,001). DISCUSSÃO Apesar dos nossos conhecimentos actuais relativamente ao crescimento e desenvolvimento da criança, da consciencialização da necessidade de protecção à infância e à família, a violência sobre a criança perpetua-se na nossa sociedade. O mau trato infantil constitui uma patologia preocupante não só pela sua frequência mas, principalmente, pelas consequências que pode provocar a curto e longo prazo. Sabe-se que pode ser fatal, causar sequelas físicas permanentes e que é responsável por uma elevada morbilidade com hospitalizações repetidas e prolongadas. A longo prazo, as principais sequelas descritas são: atraso de crescimento e desenvolvimento, alterações do comportamento, problemas cognitivos, insucesso escolar, perturbações da personalidade, comportamento social de risco, aumento da delinquência e criminalidade e a transmissão do mau trato de geração em geração. Na suspeita de mau trato a criança deve ser internada visando o afastamento do presumível agressor. Perante esta Quadro V – Características dos pais da criança maltratada ou em risco. Pobreza Desemprego Lar monoparental Isolamento social/familiar Debilidade mental Violência doméstica Alcoolismo Pai e/ou mãe adolescente Toxicodependência Pais/cuidadores com antecedente de mau trato Doença psiquiátrica Doença crónica Trabalhadores do sexo Antecedentes de institucionalização Marginalidade Outros filhos retirados Imigrante em situação ilegal Criminalidade Progenitor falecido n 424 250 180 162 130 100 93 92 91 82 82 72 48 36 34 28 24 19 10 %* 57,4 34,7 23,6 22,2 17,5 14,3 13,4 12,2 12,5 12,7 11,2 9,8 6,8 4,9 4,8 3,5 3,2 2,7 1,2 necessidade confrontamo-nos com a dificuldade em definir mau trato. Se há situações inequívocas como o mau trato físico outras exigem um olhar mais atento já que a fronteira entre o normal e o patológico é muitas vezes difícil de estabelecer tal como se verifica no risco. Os diversos tipos de maus tratos podem ser identificados isoladamente sendo, no entanto, mais comum a associação de mais do que um tipo de agressão na mesma criança. No nosso estudo apenas 15,4% das crianças tinham sido vítimas de dois ou mais tipos de mau trato. Tal facto poderá ser justificado pela elevada percentagem de crianças sinalizadas por risco nesta amostra. A tipologia dos maus tratos acompanhados pela rede de comissões de protecção da criança e jovem em risco, em 2003, que acompanhou 14256 crianças1, é semelhante à identificada nesta amostra: negligência 20,5%, maus tratos físicos e psicológicos 9,1%, abandono 5,6% e abuso sexual 3,5%. Esta distribuição parece existir também noutros países(2,3). Tal como noutros estudos, não se encontrou predomínio de nenhum dos Quadro VI – Características encontradas em crianças maltratadas ou em risco. Criança não desejada Gravidez não/mal vigiada Absentismo à consulta de saúde infantil Criança malformada ou com doença crónica Separação mãe-filho nos primeiros dias de vida Abandono escolar Delinquência/mendicidade Antecedente de institucionalização Episódios ameaçadores à vida auto-infligidos Toxicodependência Ingestão voluntária de álcool Tentativa de abortamento Trabalho infantil Promiscuidade sexual n 246 220 113 73 57 32 17 15 13 7 6 4 2 2 %* 39,2 32,6 15,3 9,5 7,7 4,3 2,2 2,0 1,7 0,9 0,8 0,6 0,3 0,2 * Percentagens calculadas considerando apenas os participantes para os quais existe informação para cada uma das variáveis. * Percentagens calculadas considerando apenas os participantes para os quais existe informação para cada uma das variáveis. estudos interinstitucionais – mesa redonda XVIII reunião do hospital de crianças maria pia S 259 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 sexos(4,5,6,7,8) entre as crianças maltratadas. A realidade é diferente no que diz respeito ao abuso sexual uma vez que, à semelhança de outras séries(9,10),no nosso trabalho 82% das vítimas de abuso sexual eram do sexo feminino. A grande maioria das crianças (68%) tinha idade inferior ou igual a dois anos; o que pode ser explicado pelas características de maior vulnerabilidade dos mais jovens, particularmente dos lactentes, considerando-os desta forma o grupo de maior risco. Estes resultados são coincidentes aos encontrados noutras séries(8,9,10,11,12). Os perpetradores do mau trato/risco mais frequentemente identificados, no nosso estudo, foram os progenitores; tal facto poderá dever-se à elevada percentagem de crianças com menos de dois anos já que à medida que a idade aumenta os Desconhecidos e os Outros assumem um papel preponderante como agressores. Observou-se uma elevada percentagem de crianças maltratadas/em risco integradas em famílias não nucleares (51,2%) provável reflexo das profundas mudanças sociológicas que têm vindo a ocorrer e para as quais os profissionais de saúde têm de estar preparados no sentido de compreender a nova dinâmica familiar em que a criança está inserida e ajudá-la a tirar o maior partido da mesma. Os autores dividem-se quanto à maior frequência dos maus tratos infantis segundo a ordem de nascimento da criança. Alguns afirmam que são mais frequentes nos primogénitos(6,9,13) e outros consideram de maior risco os que nascem depois de uma segunda gestação, principalmente se existir uma prole numerosa(14,15). Na nossa série 39% tinham dois ou mais irmãos e em 75% a criança maltratada ou em risco era o último da fratria. De referir que 3,5% tinha irmãos que já tinham sido retirados da tutela dos progenitores. O mau trato pode existir em todos os estratos socio-económicos e culturais embora seja mais frequentemente diagnosticado nas classes sociais desfavorecidas. Os nossos resultados são concordantes; salienta-se o baixo grau de escolaridade, o predomínio das profissões manuais dos progenitores e a elevada taxa de desemprego e/ou ausência de profissão. Um quarto da amostra beneficiava do rendimento social de inserção à data da sinalização. A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (lei nº 147/99, de 1 de Setembro, alterada pela Lei nº 31/2003, de 22 de Agosto) determina que a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, apenas em última instância, pelos tribunais. A elevada percentagem de crianças orientadas para as CPCJR e para o Tribunal de Menores ou outras instâncias judiciais reflecte a gravidade das agressões atentadas, contudo a grande maioria permaneceu no seu núcleo familiar original. Acresce o facto de um quarto das crianças já terem sido previamente sinalizadas. Estas constatações devem-nos fazer reflectir sobre a eficácia da orientação e apoio dados. Durante a realização deste estudo deparámo-nos com algumas limitações – a ausência de colaboração de alguns hospitais, a falta de registos de caracterização da família nos processos clínicos e/ou sociais, a valorização dos factores de risco em função do mau trato identificado e mesmo a sua confusão com a definição de risco, o facto da amostra ser um reflexo das diferentes sensibilidades dos profissionais que pediram a colaboração do Serviço Social em particular nas situações de risco e o desconhecimento do meio sócio-económico e cultural em que estas crianças estão inseridas – que dificultaram a extrapolação dos resultados encontrados para a população. CONCLUSÃO O nosso estudo permitiu conhecer algumas das características sócio-demográficas das crianças em risco ou maltratadas que foram orientadas nas instituições hospitalares participantes bem como caracterizar os maus tratos a que elas foram sujeitas. estudos interinstitucionais – mesa redonda S 260 XVIII reunião do hospital de crianças maria pia A elevada percentagem de crianças referenciadas ao Serviço Social por suspeita de se encontrarem em risco encontrada neste estudo provavelmente traduz uma maior consciencialização dos profissionais de saúde para esta temática bem como o seu esforço no sentido de intervir antes do mau trato ocorrer, prevenindo-o. Contudo a disparidade verificada nas diferentes instituições alerta para a necessidade de se uniformizarem os critérios de referenciação por risco. A baixa escolaridade dos progenitores, a elevada percentagem de mães adolescentes bem como de desemprego e emprego precário relembra-nos a necessidade de se implementarem, de forma mais eficaz, os dispositivos de apoio social. O facto de 25% das crianças deste estudo já terem sido previamente referenciadas ao Serviço Social bem como 3,5% terem irmãos que já tinham sido retirados aos progenitores (provavelmente também eles vítimas de maus tratos) chama-nos a atenção para a importância de se reorganizar e articular os organismos existentes de modo a melhorar o funcionamento das equipas de intervenção social e permitir que as medidas de protecção à criança instituídas sejam cumpridas. CHILDREN AT RISK OF MALTREATMENT – A MULTICENTRIC STUDY Objectives: The aims of the present study were to characterize the children at risk or maltreated identified in hospitals from the north of Portugal and to describe the child protection mechanisms available in these institutions. Material and methods: All children aged 0 to 17 years evaluated by the Social Services during 2005, were eligible for this study. Data was obtained from retrospective consultation of the social and medical files. The proportion of children abused or at risk of maltreatment was calculated. The characteristics of individuals suffering different types of abuse or at risk of maltreatment were compared using χ2 and Fisher exact tests. Results: F i f t e e n h o s p i t a l s participated in this study; five of them had NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Children Protective Comittees (Nucleo de Apoio à Criança e Jovem em Risco). Information was obtained for 804 children (53.2% male; 68.3% aged less than 3 years). Referral to Social Services was due to: risk of maltreatment (79.4%), child neglect (20.5%), physical abuse (5.4%), emotional abuse (3.7%), abandonment (5.6%) and sexual abuse (3.5%); 25% had had a previous referral to the Social Services. Follow-up by Children Protective Services and Family Court were solicited in 30.1% and 14.5% of the cases respectively. The mother (88.2%) and the father (55.2%) were the most usual perpetrators of child abuse or risk of maltreatment. Compared to other types of abuse/ maltreatment, sexual abuse was more frequent among females (6.3% vs 1.2%, p<0,001), and more frequently perpetrated by strangers or other persons besides the parents (27.5% vs 1.9% p<0,001). Conclusion: The high detection of children at risk of maltreatment probably reflects the health professionals concern about this subject. However it’s necessary to establish uniform referral criteria to the Social Services to standardize procedures and to maintain records regarding reports and families. It’s urgent to improve the coordination of Children Protective Services, law enforcement, schools, mental health and other institutions. Key-words: maltreatment, child, risk. Nascer e Crescer 2006; 15(4): S255-S261 REFERÊNCIAS 1. Escobar G. III Relatório sobre direitos humanos da Federação Ibero-Americana de Ombudsman (FIO). Infância e adolescência. O caso português: enquadramento normativo geral e actuação do Provedor da Justiça. Ed. Trama Editorial, Madrid, 2005. 2. May-Chacal C, Cawson P. Measuring child maltreatment in the United Kingdom: a study of the prevalence of the child abuse and neglect. Child Abuse Negl 2005; 29(9): 969-84. 3. Hussey JM, Chang JJ, Kotch JB. Child maltreatment in the United States: prevalence, risk factors, and adolescent health consequences. Pediatrics 2006; 118(3): 933-42. 4. 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E-mail: [email protected] estudos interinstitucionais – mesa redonda XVIII reunião do hospital de crianças maria pia S 261 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Reeducação Vesico-Esfincteriana Rosa Amorim1 As disfunções miccionais, por alteração funcional do tracto urinário inferior, podem surgir nos mais variados contextos clínicos, sendo as mais graves aquelas que derivam de lesões neurológicas. Se não forem tratadas, podem levar à deterioração do tracto urinário superior com lesão renal irreversível num curto espaço de tempo. Condicionam também incontinência urinária e/ou dificuldade na micção, com repercussões a nível do desenvolvimento da autonomia e, por consequência, da auto-estima da criança e do adolescente com estes problemas, uma vez que a incontinência urinária é conotada como sendo um handicap social major. É, assim, da maior importância intervir o mais precocemente possível nestas situações. A reeducação vesico-esfincteriana (RVE) ou reabilitação neuro-urológica tem como principais objectivos: 1. Preservar a função renal 2. Adquirir continência urinária (e fecal) 3. Permitir o desenvolvimento da autonomia e melhorar a integração social Para os atingir é necessário conhecer em pormenor a anatomia e fisiologia da função vesical e esfincteriana para melhor compreender os mecanismos que levam à disfunção, tanto neurogénica como não-neurogénica. A RVE tem especial interesse na disfunção neurogénica. Esta pode surgir nas seguintes situações: __________ 1 Serviço de Medicina Física e Reabilitação Hospital Maria Pia Disrafismos espinhais (por distorção no desenvolvimento dos tecidos neurais) Mielomeningocelo Lipomeningocelo Cisto dermoide Diastematomielia Medula ancorada primária Agenesia do sacro Lesões do SNC Traumatismo vértebro-medular Mielite transversa Paralisia Cerebral Neoplasias A função da bexiga é permitir o armazenamento da urina sob baixa pressão e o seu esvaziamento completo numa altura socialmente aceitável. Este processo, aparentemente tão simples, necessita da integração de várias vias, desde o cérebro, tronco cerebral, medula espinal, o detrusor e o esfíncter urinário. A inervação da bexiga e esfíncter é feita através dos sistemas nervosos autónomo e somático. A inervação somática tem origem no corno anterior da medula, entre os segmentos S2 e S4 e vai, via nervo pudendo, até ao esfíncter externo (músculo estriado), permitindo a sua contracção voluntária. A inervação parassimpática origina-se também nos níveis S2 – S4. São fibras pré-ganglionares que vão para os receptores colinérgicos muscarínicos distribuídos pelo corpo, trígono, colo vesical e uretra, através dos nervos esplâncnicos. A sua activação provoca a contracção do detrusor, facilita a abertura do colo e o relaxamento da uretra – promove a micção. A inervação simpática da bexiga tem origem entre os níveis D10 e L2, e vai, pelos nervos hipogástricos até aos receptores adrenérgicos α, no trígono, colo e uretra proximal (cuja activação provoca contracção), e receptores β, localizados no fundo da bexiga, que originam o relaxamento do detrusor, permitindo a acomodação da urina. A activação do simpático contrai a uretra posterior e relaxa o detrusor, favorecendo a continência. A coordenação destes sistemas ocorre a nível da ponte e do córtex cerebral. Durante a fase de enchimento da bexiga, na micção normal, as pressões intravesicais não aumentam significativamente, e o detrusor mantem-se estável (relaxado). Com cerca de 1/3 de capacidade surge a sensação de replecção vesical. A micção inicia-se pela activação dos mecanorreceptores (pelo estiramento) da parede vesical (vias aferentes), que levam à estimulação do parassimpático e à contracção sustentada do detrusor e relaxamento do colo vesical e do esfíncter externo, esvaziando completamente a bexiga com pressões baixas (inferiores a 40 cm H2O). Na disfunção miccional todos estes mecanismos estão lesados e descoordenados, provocando alterações no detrusor – hiperreflexia ou arreflexia – e no esfíncter – resistência aumentada ou diminuída – consoante o nível da lesão. Nas lesões torácicas,o arco reflexo mantem-se intacto, pelo que é frequente haver hiperreflexia do detrusor , dando origem a pressões intravesicais elevadas, refluxo vesicoureteral e lesão renal , e espessamento, por hipertrofia, da parede vesical, com diminuição da capacidade e da compliance. disfunção miccional – da enurese à incontinência urinária – mesa redonda S 262 XVIII reunião do hospital de crianças maria pia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Nas lesões sagradas o detrusor é arrefléxico, com contracções fracas ou nulas, a pressão vesical é baixa e o seu esvaziamento incompleto – bexiga flácida, cuja hiperdistenção também pode provocar refluxo e hidronefrose. A resistência esfincteriana pode estar aumentada ou diminuída. A situação mais grave é quando ocorre contracção vesical e do esfíncter simultaneamente – Dissinergia vesicoesfincteriana – que provoca pressões intravesicais elevadíssimas e deterioração rápida da função renal. Podemos, assim, descrever 4 tipos básicos de bexiga neurogénica: 1. Detrusor arrefléxico e hipotonia do esfíncter – provoca incontinência e tem risco baixo de lesão renal 2. Detrusor arrefléxico e hipertonia do esfíncter – incontinência por regurgitação e retenção urinária, com risco de lesão renal 3. Detrusor hiperrefléxico e hipotonia do esfíncter- incontinência , risco de lesão renal se pressões intravesicais elevadas 4. Detrusor hiperrefléxico e hipertonia do esfíncter- incontinência e/ou retenção, grande risco de lesão renal Na prática clínica verifica-se que muitas vezes, e principalmente nas lesões congénitas (como é o caso da Espinha Bífida), não existe correlação entre o nível neurológico da lesão e o tipo de disfunção vesico-esfincteriana. A vigilância deve ser tão rigorosa nas crianças sem deficiência motora como naquelas que estão em cadeira de rodas, pois as consequências podem ser catastróficas em ambas as situações. As alterações miccionais não são estáticas, modificam-se com o crescimento, pelo que a vigilância deve ser contínua. E como é feita essa vigilância? Antes de iniciar o processo de reeducação vesico-esfincteriana é fundamental caracterizar o tipo de disfunção em causa. Para isso a história clínica deve incidir sobre o número de fraldas usadas, o tipo de jacto urinário (ou apenas gotejo contínuo), o volume da micção, a existência de dermatite crónica genital, a dificuldade no controle de esfíncteres, para além da existência de episódios de infecção urinária, e também na evolução do desenvolvimento psicomotor da criança. No exame físico deve dar-se particular atenção à região dorsal para pesquisa de pequenos estigmas de espinha bífida oculta (ou fechada), tais como fosseta sagrada, lipoma, tufo piloso, assimetria dos glúteos (pode corresponder a agenesia do sacro). No exame neurológico a definição de um nível de lesão medular, completa ou incompleta, pode ajudar a definir o tipo de disfunção urinária. O exame neuro-urológico pesquisa a presença ou ausência de sensibilidade perianal, a intensidade do tónus anal e da contracção anal voluntária (ou a sua não existência) e a integridade dos reflexos anal, bulbocavernoso e cremastérico, embora estes últimos sejam difíceis de pesquisar, mesmo em pessoas saudáveis. No entanto, verifica-se que tanto a anamnese como o exame físico, mesmo minucioso, têm pouca correlação com a disfunção existente, principalmente nos doentes neurológicos. Por isso é imprescindível recorrer a exames subsidiários, sendo o mais importante o Estudo Urodinâmico, que nos permite caracterizar o tipo de bexiga e de disfunção vesico-esfincteriana , orientar a intervenção terapêutica mais adequada e vigiar a evolução das alterações existentes, devendo ser repetido periodicamente. Outros exames incluem a ecografia renopélvica, estudos analíticos de sangue e urina, com medição da creatinina , a CUMS (cistouretrografia miccional),e estudos com radioisótopos (DMSA, renograma). Na suspeita de disfunção miccional a avaliação deve ser imediata para permitir a intervenção terapêutica o mais precocemente possível. Existem diversas opções terapêuticas, dependendo da situação em causa. Os objectivos são sempre: • Conseguir esvaziar a bexiga em cada 3 ou 4 horas • Estar continente • Evitar complicações, como infecções urinárias ou litíase • Preservar a função renal Basicamente utilizamos técnicas para esvaziamento vesical, sempre que este não é possível por micção voluntária (ou está contra-indicado), associadas a fármacos quando necessário. TÉCNICAS PARA ESVAZIAMENTO VESICAL Cateterismo vesical intermiente (CVI) A algaliação intermitente da bexiga é actualmente a técnica mais utilizada na reeducação vesical. Foi descrita pela primeira vez em Inglaterra, por Guttman, em 1947, que a utilizou nos doentes paraplégicos por traumatismo vértebro-medular durante a 2ª Guerra Mundial. Consiste na introdução de um cateter na bexiga para drenar a urina, retirando-o logo em seguida, e repetindo o processo cerca de 3 a 4 horas mais tarde. Inicialmente era utilizada a Técnica Asséptica, sempre efectuada por um médico em ambiente esterilizado, o que limitava muito o seu uso. Mais tarde, em 1972, Lapides introduz o conceito de Técnica Limpa, portanto sem necessidade de material esterilizado. Na fase inicial houve algum cepticismo, mas o uso deste método foise generalizando nos doentes com lesões medulares, estendendo-se depois a todos os doentes com dificuldade no esvaziamento da bexiga. A facilidade de execução, permitindo a sua utilização pelo próprio doente, e o seu baixo risco, associado à diminuição da incidência das complicações renais e da insuficiência renal (a principal causa de morte nestes doentes antes do uso do CVI) promoveram a sua generalização. Actualmente está indicada em todas as situações com impossibilidade funcional ou orgânica de micção ou quando esta só é possível à custa de altas pressões intravesicais. É frequente a associação com medicação anticolinérgica para relaxar o detrusor, aumentando a capacidade vesical e diminuindo as pressões. disfunção miccional – da enurese à incontinência urinária – mesa redonda XVIII reunião do hospital de crianças maria pia S 263 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Na criança, o CVI pode ser utilizada desde o primeiro ano de vida , se indicado. A partir dos 6 anos há já crianças que conseguem fazer a sua auto-algaliação. Alias, sempre que possível, esta deve ser encorajada. Os problemas mais comuns são a bacteriúria e o traumatismo uretral. Os estudos efectuadas não correlacionam a bacteriúria assintomática com aumento da incidência de ITU. Pelo contrário, esta é mais elevada nos doentes que não utilizam o CVI. A existência de bactérias na urina está relacionada com o tipo de técnica (não esterilizada) e corresponde a uma colonização (sem invasão tecidular). A maioria dos autores não recomenda o seu tratamento, excepto quando causada por organismos produtores de urease , como o Proteus, pelo risco aumentado de litíase . O traumatismo uretral está mais relacionado com a existência de um espasmo do esfíncter interno. Se houver hemorragia o CVI deve ser suspenso temporariamente e pode ser necessária a algaliação contínua durante um curto período. MANOBRAS DE ESVAZIAMENTO VESICAL Valsalva, Credé O aumento da pressão abdominal (Valsalva) ou a pressão manual suprapúbica (Credé) são uma forma mecânica de esvaziamento da bexiga, só aconselhável quando não há risco de lesão alta, pois podem favorecer o refluxo vesicoureteral. Estimulação supra-púbica A percussão da região supra-púbica pode provocar uma contracção reflexa do detrusor com esvaziamento vesical, principalmente nas lesões medulares. Há também o risco de aumento da pressão vesical. Estas manobras não estão aconselhadas nas crianças pelos riscos referidos. Além disso não há a certeza de que o esvaziamento foi completo, podendo aumentar o risco de ITU. Micção por horário Está indicada quando há hiperreflexia, com sintomas de urgência ou incontinência, com sinergia esfincteriana, como acontece nas lesões cerebrais (ex: Paralisia Cerebral). Consiste no estabelecimento de um horário para micção voluntária antes que surjam as contracções do detrusor (não inibidas). O défice cognitivo é o maior obstáculo ao uso deste método. Fortalecimento do soalho pélvico Eficaz quando há incontinência de causa não neurogénia. Muitas vezes não alcançamos os objectivos propostos com meios conservadores, sendo então necessário recorrer a técnicas cirúrgicas. O tratamento destes doentes é, assim, multidiscilinar e a sua eficácia resulta tanto da articulação das especialidades intervenientes como da aderência do doente e, no caso da criança, do apoio da família. Nascer e Crescer 2006; 15(4): S262-S264 BIBLIOGRAFIA 1. Cardenas DD, Mayo ME. Management of bladder dysfunction in: Randall Braddom, Physical Medicine and Rehabilitation, 2ª ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company; 2000; p.561-77 2. McLellan DL, Bauer SB. Bladder Dysfunction. In: Ellis D. Avner, Pediatric Nephrology, 5ªed. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins, 2004. p.1077-87 3. Stover L. Management of bacteriuria and infection in neurogenic bladder. Phys Med Rehabil Clin N Am, 1993; 4: 343-361 4. 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Neurourol and Urodyn 2003 ; 22:328-334 disfunção miccional – da enurese à incontinência urinária – mesa redonda S 264 XVIII reunião do hospital de crianças maria pia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 O Ruizinho Cármen Carvalho, Maria do Carmo Santos O Ruizinho foi uma criança que viveu no Hospital Maria Pia, até falecer, aos 10 anos de idade. Bem conhecido de todos os funcionários, aqui ficam dois testemunhos de duas médicas que se cruzaram no seu trabalho com ele. O Rui era o menino da UCI do Hospital Maria Pia. Muitas histórias passam pela mente, pequenas e grandes conversas, cumplicidades, emoções, alegrias e tristezas... De todos sabia o nome, estava sempre atento ao que se passava...sabia se o turno estava calmo ou “negro”...quantas entradas, quem tinha necessitado do “tubo”, quem tinha sido operado ou feito apneias...Nada lhe escapava. Testava qualquer novo técnico (médico, enfermeiro ou auxiliar), pondo-o à prova, desconectando-se do ventilador, ou pedindo para ser aspirado. Referindo-se aos cirurgiões, disse um dia a uma mãe chorosa que se preparava para a traqueostomia da filha: “Não te aflijas...eles parece que não fazem nada, mas são muito competentes”... Requeria muita atenção de todos...Quando pedia que lhe chegassem um brinquedo seu, seleccionava quase sempre o menos acessível, obrigando a uma árdua busca para que se pudesse aceder ao que ele pretendia. Conduzia a sua cadeira eléctrica na perfeição, passando por locais estreitos e pouco acessíveis. Ao contrário, deleitava-se com as dificuldades de quem tentava conduzila, dando voltas e mais voltas... O FCP era o clube do seu coração. Sabia o nome de todos os jogadores e muitos pormenores das suas vidas...Chegou a visitar o estádio do dragão. Outras aventuras emocionantes foram a ida à praia, ao cinema, ao centro comercial, a visita á sua terra natal e entrou no cockpit de um avião... O Rui era o menino da UCI do Maria Pia. Deixou-nos numa noite quente de verão. Muitas histórias ficam por contar.... O poder da comunicação O Rui era aquela criança em relação à qual não conseguiríamos imaginar que se pudesse viver em tamanha dependência: da cama hospitalar e seu ventilador, sem marcha, movimentos débeis, a fala soprada, permitida nos intervalos dos movimentos do ventilador, corpo débil e esguio, sem possibilidade de se libertar do leito. E no entanto… pequenas histórias 265 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Recordo o trabalho de conquista para me aceitar na sua intimidade. O enorme poder de que dispunha quando aceitava ou não interagir com os outros: apegando-se indiscriminadamente quando se sentia mais só, interpelando técnicos e pais atarefados e angustiados dos cuidados intensivos onde vivia desde que nascera; ou escolhendo com quem queria falar, quando rodeado de várias pessoas que amiúde o visitavam. Em certo dia em que cheguei junto dele, à hora habitual para as nossas conversas, fui recebida por um rosto de olhos fechados, que não reagia ao meu cumprimento. Surpreendida com essa reacção, e frustrados os meus esforços para “furar” aquele muro de não comunicação, sentia então todo o poder que vinha daquele ser tão vulnerável. Quando estava já prestes a desistir de o convencer a falar (e embaraçada com aquele rosto impassível e silencioso), abriu os olhos e explicou-me então, com evidente zanga, de que não o tinha cumprimentado! Relembrei então que poucos dias antes, ao passar na enfermaria, o meu olhar se cruzara com o seu quando ele estava a ser aspirado através do seu orifício de traqueostomia. Sentindo aquele momento como sendo particularmente aflitivo, evitei aproximar-me para não aumentar a sua atrapalhação. Mas o que para mim significava uma situação delicada, para ele não era mais do que um gesto da sua rotina diária. E, por isso, após ouvir as minhas explicações, repreendeu-me: “Mas podias ao menos ter dito olá!” Desculpei-me então com palavras à altura da sua indignação. O perdão foi confirmado no tom amistoso que se seguiu. Pensei mais tarde na função do cumprimento quando assinalamos a presença de alguém, e no valor da comunicação, instrumento que utilizamos para regular a distância e a proximidade em relação aos outros. 266 pequenas histórias NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Índice de Autores Afonso A S159 Aguiar A 144 Aguiar AL S159, S185 Aguiar AP S185 Aguilar A 71 Aires de Sousa L 8 Aires Pereira S S191 Albuquerque M 219 Alexandrino AM S255 Almeida R S187 Almeida R S195 Almeida S 142 Almeida S S201 Álvares S 7, 63, 123, S184, S195, S201 Alves R S197 Amorim JMS 43, 99, 138, 249 Amorim R S262 Andrade T S184 Andrade T S201 Antunes H S159 Araújo F S185 Araújo L S190 Araújo Martins C S194 Aroso S S159, S185 Azevedo M 45 Bandeira A 85, S187, S199 Barbosa C 251 Barbosa M S197 Barbosa T 21 Barbot C S191, S196 Barbot J S185, S193, S200, S201 Bártolo A S188 Bastos L S184 Bento C S187 Bini Antunes M S185 Bom Sucesso M 37, S198 Borges AC S189 Borges E 106 Borges T 85, S255 Borrego LM S153 Braga A S186, S193 Brandão L S189 Bravo L S195 Caldeira T S199 Campos A S198 Canedo A S188 Cardoso H 85 Cardoso ML S196 Carreira Machado AC S194 Carreiro E 13 Carrilho I S191 Carvalhas A S195 Carvalho A 8 Carvalho C 21, 33, 71, S195, 240, 265 Carvalho F 216 Carvalho S S195 Casanova C 13, S255 Castel-Branco MG S186 Castro F S187 Chorão R S191 Coelho C 28 Coelho E S159 Cordeiro Ferreira G 125 Correia M 8 Correia Z 19 Costa A 103 Costa A S199 Costa E 21, S186, S187, S189, S200 Costa M 65, S159, S189 Costa M AR S194 Costa T 71, S174, S189 Coutinho M S161 Cristovão C 213 Cunha L S187 Dias AI 213 Dias C 103 Dias M 240 Diogo C S201 Duarte C 21, 71, S185, S195 Emílio A 213 268 índice de autores Encarnação A S198 Espírito Santo A S200 Estevinho N 37 Falcão H S187 Farela Neves J 125 Ferraz C 65 Ferraz I 223 Ferreira AM 37, S198 Ferreira H 91 Ferreira N 13, S187 Figueiredo M S186, S188, S193 Figueiroa S 129 Fonseca J S190 Fonseca JA S186 Fonseca P S199, 216 Fonseca T S196 Fortuna A S197 Gesta C S255 Gomes L S198 Gomes MC 125 Gonçalves C 144 Graça MT 223 Guedes A S184, S195 Guedes M 105, S187 Guedes R 88, S191 Guerra I S188, S192 Jacinto T S186 Lacerda L S193 Lapa P S201 Leça A 125 Lima ML 223 Lima R 21, 91, S159 Lira S 33, 240 Lopes A S196 Lopes C S187, S190 Lopes I S200 Lopes L 240 Loureiro I S189 Loureiro M S184, S195 Lunet N S255 Macedo F 39, 101, 140, 253 Maia I 37, S200 Marcelino F 21, 71, S185 Marques E 65, S189 Martins C 88, S198 Martins E 91, S193, S196 Martins M 45, 142, S197 Martins V S187 Matos M 213 Matos P S199 Meireles C 13 Melo S S191, S196 Miranda N 88 Monteiro L S161 Monteiro R S192 Monteiro T 25, 77, 133, S180, 230 Monteiro V 13 Monteiro V S201 Morais L S192 Moreira HP 21 Mota C 71, S185, S186, S193 Mota C 71, S189 Mota Coelho TC S194 Mota-Freitas M 103 Moura I S193 Nascimento P S184, S186, S196 Neiva Araújo L S184, S196 Neto T 65 Neuparth N S153 Neves J S195 Norton L 37 Nunes MJ S195 Oliveira A 13 Oliveira A S199 Oliveira G 65, 219 Oliveira Gomes MTS S194 Oliveira L 91 Oliveira L S198 Oliveira M 125 Oom P 8 Paz Dias C S195, S255 Pedroto I S168 Pereira E 71, S189 Pereira F 41, 97, 136, S192, 247 Pinto A 37 Pinto Basto J 45, 142, S197 Pinto F, S188, S192 Pinto PL S153 Pinto R 88 Pires I 233 Portal C S188 Prior AC 129 Proença E 33, S150, S184, S195 Queiroga C S197 Quintas C 88 Ramalho H S193 Ramos A 91 Ramos C 33 Rebelo Gomes E S190, S200 Rebimbas S S191 Recaman M 91 Reis G S198 Reis Lima M 45, 103, 142, S197, 251 Ribeiro MC 216 Rocha F 216 Rocha H 21,91, S186 Rocha L S198 Rocha M 142 Rocha P 71, S151, S195 Rocha S 71 Rocha VHG 223 Rodrigues L S199 Rodrigues MC 33 Rodrigues RM 33 Rodrigues Sousa A S195 Romão B S191 Rosado Pinto J S153 Rosales M S185 Rosário R S198 Sá Figueiredo HMV 80 Salgado M 49 Sameiro Faria M 71, S189 Santos E 8 Santos H S188 Santos M S191 Santos MC 265 Santos P 144 Saraiva S 144, S185 Sarmento A S193 Senra V S184, S192 Silva E S201 Silva J S197, 251 Silva MJ 216 Silva S S201 Silvestre C 8 Sizenando Cunha J S200, S201 Soares G 45, S197 Soares MR 213 Soares P 240 Soares S 65 Sotto Maior T 144 Sousa AC S189 Sousa H S187 Sousa HS S195 Sousa P S163 Tavares S 129 Taveira M S200 Távora L 213 Teixeira C 91 Teixeira Martins S S194 Teles A 19 Temudo T 129, 203 Tomé S S187 Toste L S195 Vale MJ S255 Valente I S159, S188, S192 Valente S 219 Zenha R S201 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Indice de Assuntos Vol. 15 Acidentes - Acidentes e Intoxicações: estudo de uma população do Norte de Portugal. 13 - Promoção da Segurança Infantil, uma Preocupação dos Enfermeiros dos Cuidados de Saúde Primários S194 Acondroplasia - Genes, Crianças e Pediatras.142 Adolescência - “Antibiomania” – A Propósito de um Caso Clínico. 19 - Perfil Lipidico, Prevalência de Obesidade e Hábitos Alimentares de uma População de Adolescentes. 65 - Tiques em Crianças e Adolescentes. Revisão Teórica e Abordagem Terapêutica. 129 Agenesia Dentária - Caso Estomatológico. 99 Alergia - Sensibilização à Barata e/ou Camarão em Crianças e Adolescentes. S187 - Alergias que vêm do Mar: que segredos? S200 Amelogénese Imperfeita - Caso Estomatológico. 138 Anemia - Caso Endoscópico. 97 - Anemia de Fanconi: uma doença subdiagnosticada? S200 Angina de Ludwig - Caso Estomatológico. 263 Antibiomania - “Antibiomania” – A Propósito de um Caso Clínico. 19 Ards - Insuficiência Respiratória Fatal em Recém-Nascidos. 21 Aspiração Corpo Estranho - As Crianças Doentes também Adoecem. 49 Autismo - Recobro do Investimento Objectal pelo Diálogo dos Corpos – Balneoterapia e Massagem. 223 Bioética - Bioética em Reprodução Medicamente Assistida. 28 - Liberdade e Responsabilidade na Procriação Medicamente Assistida. 80 Canal Arterial - Laqueação de Canal Arterial na Unidade de Neonatologia. Experiência de Três Centros da Região Norte. S195 Cáries Dentárias - Caso Estomatológico. 43 - Caso Estomatológico. 249 CMV - Infecção por Citomegalovirus. Uma Forma Rara de Apresentação. 144 - Infecção Congénita por CMV – caso clínico. 241 Colite Ulcerosa - Caso Endoscópico. 136 Craniossinostose - Craniossinostoses – Importância Clínica e Implicações Funcionais. 213 - Imagens. 253 Defeito Cortical da Tíbia - Imagens. 39 Diálise - Técnicas Dialíticas na Insuficiência Aguda. 71 Dificuldade Respiratória - Dificuldade Respiratória no RecémNascido .S150 - Dificuldade Respiratória no Lactente e Criança. S151 Displasia Broncopulmonar - Imagens. 101 Distúrbios do Sono - Perturbações do Sono na Criança. Perspectiva do Pediatra. S180 Doença Celíaca - Doença Celíaca: Forma de Apresentação Atípica. S189 Doenças Reumáticas - Doença Reumática na Criança: Descrição da Consulta. S199 Endocardite - Endocardite Infecciosa. S184 Enteropatia Perdedora de Proteínas - Infecção por CMV. Uma Forma Rara de Apresentação. 144 Enurese - Enurese Nocturna. Fisiopatologia e Tratamento. S174 - Reeducação Vesico-Esficeriana. S262 Epilepsia - Síndrome de Panayiotopoulos: Revisão Clínica de uma Epilepsia Benigna Subdiagnosticada. S191 Escoliose - Pós-operatório de Correcção de Escoliose: Experiência da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos. 8 Espasmos de Choro - Espasmos de Choro – Perturbação de Comportamento? S196 Fotoprotecção - Pediatria de Ambulatório. Hábitos de Exposição ao Sol e Fotoprotecção na Criança. S188 Fructosemia - Fructosemia. Importância da Clínica. S196 Gangliosidose GM1 - Vacuolização de Linfócitos como suspeita de Doença Rara – GM1 – caso clínico. S193 Gastroenterite Aguda - Gastroenterite Aguda na Criança. Estudo Prospectivo Multicêntrico. S159 Granuloma Eosinófilo - Imagens. 140 Hemólise Intravascular - Hemólise Intravascular Pós-Cirurgia Cardíaca. S201 Hemorragia Digestiva - Hemorragia Digestiva Alta – Etiologia Pouco Comum. S192 Hiperplasia da Supra-renal - Hiperplasia do Supra-renal Complicada de Puberdade Precoce Central – caso clínico. 85 Hipersensibilidade a Fármacos - Hipersensibilidade aos AINES na Criança: Investigação Diagnóstica. S190 - Características de Reacções de Hipersensibilidade a Fármacos em Crianças – inquérito a 1631 pais em ambulatório hospitalar e não hospitalar. S190 Hipertensão Pulmonar - Hipertensão Pulmonar Persistente do Recém-nascido: caso clínico. S184 índice de assuntos 269 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 Hipomelanose de ITO - Hipomelanose de ITO – Revisão Casuística da Consulta do Instituto de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães. S197 Incontinência Pigmentar - Clínica e História Natural da Incontinentia Pigmenti: casuística da Consulta do IGM. S197 Infertilidade - Bioética em Reprodução Medicamente Assistida. 28 - Liberdade e Responsabilidade na Procriação Medicamente Assistida. 80 Insuficiência Respiratória - Insuficiência Respiratória Fatal em Recém-Nascido. 21 IRA - Técnicas Dialíticas na Insuficiência Renal Aguda. 71 Intoxicações - Acidentes e Intoxicações – Estudo numa População do Norte de Portugal. 13 Maus Tratos Infantis - Maus Tratos Infantis: Um Desafio Actual para os Profissionais de Saúde. S194 - Criança em Risco. S255 Meningite Asséptica - Meningite Asséptica Recorrente – caso clínico. S191 Neurofibromatose - Um Diagnóstico… Muitas Incertezas. S187 Neutropenia - Neutropenia Autoimune – Um Desafio Diagnóstico. S185 Obesidade - Obesidade Infantil: Um Desafio. S198 - Perfil Lipídico, Prevalência de Obesidade e Hábitos Alimentares de uma População de Adolescentes. 65 Obstipação Crónica - Caso Endoscópico. 97 Osteomielite - Osteomielite Aguda Neonatal – Localização Rara. 88 Pâncreas Ectópico - Hemorragia Digestiva Alta – Etiologia Pouco Comum. S192 Pitiríase Liquenóide - Pitiríase Liquenóide e Doença de Von Willebrand: caso clínico. S200 270 índice de assuntos Pólipo Rectal - Caso Endoscópico. 41 Prevenção - A Primeira Viagem: transportar com segurança. 216 - Promoção da Segurança Infantil, uma Preocupação dos Enfermeiros dos Cuidados de Saúde Primários. S194 - Acidentes e Intoxicações – Estudo numa População do Norte de Portugal. 13 Provas de Função Respiratória - O Laboratório de Exploração Funcional Respiratória no Lactente. S153 - Avaliação da Função Respiratória e da Fracção Exalada de Óxido Nitríco (FENO) em 251 Crianças. S186 Pseudo Obstrução Intestinal - Pseudo Obstrução Intestinal – caso clínico. 91 Puberdade Precoce - Hiperplasia da Supra-renal Complicada de Puberdade Precoce Central – caso clínico. 85 Quilotorax - Quilotorax Congénito - Controvérsias. 33 Sida - Vírus da Imunodeficiência Humana no Contexto da Procriação Medicamente Assistida: Aspectos Técnicos e Considerações Éticas. 233 Síndrome Nefrítico - Síndrome Nefrítico Agudo: Revisão Casuística de um Serviço de Nefrologia. S189 Síndrome de Panayiotopoulos - Síndrome de Panayiotopoulos: Revisão Clínica de uma Epilepsia Benigna Subdiagnosticada. S191 Síndrome de Pterigium - Síndrome de Pterigium Múltiplo – a propósito de um caso clínico. S197 Síndrome de Rubinstein-Taybi - Genes, Crianças e Pediatras. 45 Síndrome de Silver - Russel - Síndrome de Silver - Russel- Caso clínico. S186 Síndrome de Wolf-Hirschhorn - Genes, Crianças e Pediatras. 103 Síndrome de Kawasaki - Síndrome de Kawasaki: um desafio diagnóstico. S201 Surdez - Grisi – Grupo de Rastreio e Intervenção da Surdez Infantil. S161 Raquitismo - Raquitismo Hereditário: dois casos clínicos. S199 Rastreio - Grisi – Grupo de Rastreio e Intervenção da Surdez Infantil. S161 Recém-nascido - Estimativa do Ruído numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais. 219 - Hipertensão Pulmonar Persistente do Recém-nascido: caso clínico. S184 - Laqueação de Canal Arterial na Unidade de Neonatalogia. Experiência de três centros da Região Norte. S195 - Dificuldade Respiratória no Recém-nascido. S150 - Insuficiência Respiratória Fatal em Recém-nascido. 21 - Osteomielite Aguda Neonatal – localização rara. 88 Rectorragias - Caso Endoscópico. 41 - Caso Endoscópico. 136 Ruído - Estimativa do Ruído numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais. 219 Tiques - Tiques em Crianças e Adolescentes. Revisão Teórica e Abordagem Terapêutica. 129 Tosse Convulsa - Insuficiência Respiratória Fatal em Recém-nascido. 21 Trombose Venosa - Trombose Venosa Profunda Recorrente em Criança de 9 Anos – Uma Forma de Apresentação de Doença de Behçet. S188 Tuberculose - Tumor de Wilms e Tuberculose: Diagnósticos Diferenciais num Caso de Apresentação Simultânea. 37 Tumor de Wilms - Tumor de Wilms e Tuberculose: Diagnósticos Diferenciais num Caso de Apresentação Simultânea. 37 Segurança dos Doentes - Sistemas de Saúde e a Segurança dos Doentes. S163 - Risco Clínico e Segurança do Doente. S168 Vacinação - Avaliação do Estado Vacinal em Crianças Internadas. 125 Ulcera Traumática - Caso Endoscópico. 97 - Caso Endoscópico. 247 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2006, vol XV, n.º 4 AGRADECIMENTOS A Revista Nascer e Crescer agradece aos colaboradores, que fizeram a revisão dos manuscritos submetidos para publicação no ano de 2006. Esta intervenção é essencial para a qualidade científica dos artigos e representa horas de trabalho, experiência e esforço dedicados a esta actividade. Sentimo-nos honrados com a sua colaboração e disponibilidade. Ana Cristina Teixeira - Porto Artur Alegria – Porto Calçada Bastos - Porto Carlos Duarte - Porto Carmen Carvalho – Porto Céu Barbieri - Porto Cidade Rodrigues - Porto Clara Barbot – Porto Conceição Rosário – Porto Dora Simões – Porto Esmeralda Martins – Porto Fernando Pereira - Porto Francisco Cunha - Porto Inês Carrilho - Porto Inês Lopes – Porto José Banquart Leitão – Porto Laura Marques – Porto Maria Amélia José - Porto Margarida Guedes – Porto Miguel Coutinho - Porto Miguel Taveira – Porto Natália Teles – Porto A Revista Nascer e Crescer agradece o apoio publicitário concedido ao longo do ano 2006, pelas instituições abaixo indicadas: Associação do Hospital de Crianças Maria Pia Bayer Dermoteca Janssen-Cilag Laboratórios Bial Merck Sharp & Dohme Reckitt Benckiser Healthcare Schering-Plough Serono agradecimentos 271