Didácticas Específicas, ISSN: 1989
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Didácticas Específicas, ISSN: 1989
O QUE ACONTECE NO BRASIL??? Jaeme Luiz Callai Revista de Didácticas Específicas, nº14, PP. 176-180 O QUE ACONTECE NO BRASIL??? Nós brasileiros, mais que todos, estamos acompanhando perplexos o que ocorre na política brasileira. A discussão a respeito do Impeachment da Presidente Dilma Roussef (reeleita em 2015) se aproxima de seu final com forte perspectiva de ser aprovada a deposição da mesma. A perplexidade decorre antes de tudo pela rapidez do tramite legislativo, pela superficialidade da discussão a respeito do tema e acima de tudo pelo ataque ao estado democrático de direito patrocinado pela Câmara de Deputados. Acusada por um crime (dito “de responsabilidade”) que não está claramente comprovado será condenada por razões políticas. A oposição derrotada na eleição de 2014 não aceitou o resultado das urnas; setores conservadores não aceitam (desde sempre) os avanços sociais e econômicos dos setores populares que constituem os resultados mais positivos das administrações petistas (Lula e Dilma). A intensidade e a eficácia da campanha anti PT e anti Dilma resultam de duas ordens de fatores. Por um lado, os equívocos e as dificuldades da própria administração petista. O PT errou no atacado e no varejo, errou no curto e no longo prazo. Aproveitandose dessa conjuntura desfavorável ao governo tem-se o outro lado da moeda, trata-se do oportunismo dos setores conservadores da sociedade brasileira que o atacam de modo avassalador. Os defensores do Governo Dilma acusam a grande mídia, quase monopolista, de golpista. É verdade, mas é verdade também que ela sempre operou na oposição ao PT (qualquer semelhança com o embate El Clarin X Kirchner na Argentina não é mero acaso!!). Mas agora a campanha da mídia encontra eco junto a amplas camadas da população! Por sua vez a direita (por definição conservadora e não poderia ser diferente) se rearticulou numa frente que vai do agro-business, ao fundamentalismo religioso, às manifestações homo fóbicas e racistas, e, claro, antipetista (são contrários ao Programa Bolsa Família, à política de cotas raciais na universidade). Essa estratégia de enfrentamento ficou reforçada pela crise econômica cujo resultado é recessão econômica, desemprego e insatisfação popular, e na repercussão do grande escândalo de corrupção que envolve a Petrobras, os grandes empreiteiros, políticos do PT e de outros partidos. Seletivamente a imprensa dá maior destaque ao petistas objetivando deslegitimá-los perante a opinião pública. Um outro fator que ajuda a entender a forte instabilidade política é o sistema político-eleitoral em vigor no país. Os partidos possuem muito pouca densidade ideológica e programática, são, antes de qualquer coisa, um arranjo de interesses personalistas. Muito embora para ser candidato a qualquer cargo político – executivo ou legislativo – é necessário ser filiado a um partido, mas, e aqui reside o perigo, o mandato pertence ao eleito e não ao partido. Mais, a troca de um partido para outro, no correr do mandato é permitido, e largamente utilizado. Só neste ano de 2016, 20% dos deputados federais (são 513), trocaram de partido. Alguns trocaram já pela segunda ou mesmo Didácticas Específicas, ISSN: 1989-5240 www.didacticasespecificas.com 176 O QUE ACONTECE NO BRASIL??? Jaeme Luiz Callai Revista de Didácticas Específicas, nº14, PP. 176-180 terceira vez! Acrescente-se que estão registrado e em funcionamento 35 partidos. Desde um partido trotskista (Partido da Causa Operária) até o Partido da Mulher Brasileira. Este conta com um único deputado federal, um homem! Ou dos Aposentados (jubilados). Com essa multiplicidade de partidos e a extrema mobilidade dos eleitos que transitam de um partido para outro é muito difícil que qualquer governante tenha maioria parlamentar, sólida e fiel. O que se vê uma permanente negociação de cargos e de favores entre o Executivo e os Deputados. Temos no Brasil o que se convenciona chamar um Presidencialismo de coalizão, com todos os inconvenientes que isso possa representar. O Brasil é, de fato um país muito sui generis, por aqui tudo pode acontecer! É uma sociedade/país, fantásticos, aqui a realidade supera em muito a imaginação de Vargas Llosa, Garcia Marques, Cortázar ou Jorge Luiz Borges. Onde senão aqui é possível estar na eminência de um Golpe de Estado com data marcada, a ocorrer neste próximo domingo!! Realiza-se inclusive, na Câmara de Deputados, um concurso de apostas para ver quem acerta o escore da votação. Um Golpe de Estado transformado simbolicamente num mero jogo probabilístico. É uma tarefa difícil tentar explicar, mas mesmo correndo o risco de simplificações e de algum equívoco, vou procurar alinhar algumas considerações que podem ajudar a entender o que acontece. Nesse esforço apoio-me na análise de outros tantos – jornalistas, acadêmicos, militantes, políticos - aproveitando um pouco daqui, um pouco dali.... E, por certo, no meu modo de ver a política nacional. O ideário político, os interesses sociais e econômicos da grande mídia, do grande capital são comuns no mundo todo, sabidos e reconhecidos por todos nós (lembro-me de um livro fartamente distribuído nas universidades, pela embaixada dos EUA, nos primeiros anos da Ditadura Militar, cujo título era ¨Você pode confiar nos comunistas, (eles são comunistas mesmo!)”). Nós sabemos (ou já deveríamos ter aprendido!!) o que é a direita e como ela age; sempre na defesa de seus interesses, ora pelas vias democráticas, ora nem tanto! Não podemos nos surpreender! A novidade no caso brasileiro, por uma espécie de movimento pendular, é que ela consegue agregar setores médios e mesmo populares em torno de um ideário com nuances nazifascistas – “defesa da moralidade” pública e privada; intolerância enquanto atitude, violência como estratégia de intimidação. Fazendo uma retrospectiva pode-se entender minimamente esse enredo com final tão funesto: 1. O Partido dos Trabalhadores (PT), criado em 1980, apresentava se como partido da ética na política e na gestão da coisa pública, capaz de fazer as reformas estruturais na sociedade brasileira. O PT empolgava especialmente a juventude, lembremos do Fórum Social Mundial e de sua mais representativa consigna – “um outro mundo é possível!”. 2. A maior liderança do PT é sem dúvida Lula. Uma liderança carismática, com um traço do caudilhismo (pode-se dizer caciquismo) tão presente na política latinoamericana. Ao final de seus dois mandatos Presidenciais (2003-2010) estava Didácticas Específicas, ISSN: 1989-5240 www.didacticasespecificas.com 177 O QUE ACONTECE NO BRASIL??? Jaeme Luiz Callai Revista de Didácticas Específicas, nº14, PP. 176-180 3. 4. 5. 6. 7. 8. evidente o fato de que a estatura política de Lula era maior do que a do PT. Falavase então em Lulismo diferenciando-o do Petismo. A escolha de Dilma Roussef como candidata à Presidência da República e de Fernando Haddad como candidato a Prefeito de São Paulo, dois personagens adventícios na trajetória histórica do PT, foi uma imposição de Lula e a prova maior de ele estava para além das estruturas partidárias. Desde o primeiro mandato Lula, e o PT, no intuito de garantir apoio parlamentar, estabeleceu um amplo leque de alianças políticas que desconsiderava a dimensão ideológica ou programática. Tratava-se de alianças pragmáticas, isto é, a garantia de apoio parlamentar em troca de ministérios, cargos na administração pública e outros favores (ou, corrupção pura e simples). Como fruto dessas alianças espúrias o PT no governo foi progressivamente afastando-se de suas bases sociais, de seus compromissos de justiça social. Alguns indicadores desse desvio: a) nos governos do PT a reforma agrária perdeu ímpeto quando comparado com os governos anteriores (inclusive o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso). E, em contrapartida a agricultura empresarial foi incentivada e o uso de transgênicos liberado, com o que o Brasil torna-se um dos maiores exportadores mundiais de grãos e carne; b) a melhoria das condições de acesso ao ensino superior gratuito se fez predominantemente com o uso de um sistema de bolsas e de financiamento que permitiu um espantoso crescimento de escolas privadas (inclusive com capital externo, e ações na Bolsa de Valores). A educação se transformou num negócio; Por outro lado os resultados mais expressivos, no campo social, que resultaram na redução da pobreza absoluta; em ganhos salariais e de renda para os trabalhadores; num amplo programa habitacional para população de baixa renda; na universalização do acesso ao ensino básico público e gratuito ou ainda o acesso ao ensino superior são inegáveis. Mas por um estranho mecanismo político estes avanços sociais, são percebidos pelos beneficiários como uma dádiva mais do que como uma conquista. No dizer um intelectual historicamente ligado ao PT tal política ampliou o número de consumidores, mas não de cidadãos. Referi-me anteriormente ao fato do PT, no governo, ter-se afastado dos movimentos sociais e sindicatos. Talvez seja mais adequado dizer que o governo cooptou-os, trazendo para o interior do governo suas lideranças. Os interesses políticos do partido, e especialmente as demandas políticas ou econômicas dos movimentos sociais e dos sindicatos foram progressivamente sendo submetidos à lógica do governo, ao projeto de poder de uma espécie de nomenklatura (com o perdão da palavra!). No âmbito interno do PT e do Governo do PT, para finalizar, considere-se o fato de que Dilma não é Lula! A Presidente não tem o carisma, não tem a liderança, nem a habilidade política que caracterizam (Lula) seu criador. Didácticas Específicas, ISSN: 1989-5240 www.didacticasespecificas.com 178 O QUE ACONTECE NO BRASIL??? Jaeme Luiz Callai Revista de Didácticas Específicas, nº14, PP. 176-180 Tratemos agora de outra ordem de fatores, dentre eles ressalta como da maior importância a conjuntura econômica internacional. O Brasil experimentou forte crescimento econômico nos dois mandatos do presidente Lula por conta de um alinhamento muito favorável das comodities (Soja, carnes, minérios) – vendas em expansão, preços em alta, balança comercial favorável. Com a crise internacional de 2008 o quadro começa a mudar. Mas um mercado interno grande e em expansão (reflexo das políticas sociais em vigor) induz o governo ao erro de considerar a economia brasileira imune e a salvo de tal crise. Em 2008 o Presidente Lula foi taxativo a respeito dos efeitos da crise financeira mundial, ¨Lá, nos EUA, a crise é um tsunami, aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha...”(para os não brasileiros, explico, ¨marolinha¨é uma pequena onda¨). Os indicativos da crise econômica são cada vez mais evidentes mas não na ótica do governo (agora já Dilma). Em 2014, ao longo da campanha eleitoral, a candidata à reeleição (Dilma) insistia que a situação econômica estava sob controle e que não havia razões nem para temores, nem para mudanças na política econômica. Infelizmente estas declarações revelaram-se uma jogada de marketing eleitoral. A candidata, contra todas as evidências “vendia” otimismo e tranquilidade. Ao assumir o novo mandato a Presidente Dilma adota outra política econômica, trazendo para o Ministério da Fazenda um banqueiro que havia atuado no FMI e no BCE. Essa mudança de rumo frustra seus eleitores que se sentem traídos. E, ao mesmo tempo as divergências entre Levy e Dilma não tranquilizam os setores financeiro e empresariais. A corrosão das bases de apoio popular e mesmo de deputados e militantes do PT é imediata! A oposição dos partidos e setores que haviam perdido a eleição era previsível e poderia ser administrada, mas o que causa um efeito devastador e até então impensável é o “fogo amigo” dentro das hostes do PT. No dizer de um militante, “a política econômica de governo, é a da Dilma (isto é, do Levy) ou é a do PT¨ . Quero chamar a atenção para o fato de que fatores externos (crise internacional), aliado aos equívocos de avaliação desta mesma crise e as diretrizes de política econômica equivocadas resultaram em estagnação econômica, redução do emprego e da renda. Diante desse quadro de crise econômica, da falta de apoio partidário e de suas bases sociais é que o governo Dilma se fragiliza e a oposição se fortalece. Para finalizar, é revelador a dimensão profética das manifestações de um intelectual respeitado dentro e fora do PT. Trata-se de Frei Beto, preso e torturado pelo regime militar na ditadura, milita no PT desde os primeiros anos, ligado a pastoral das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, idealizador do Programa Fome Zero, foi conselheiro pessoal do Presidente Lula no primeiro mandato. Em entrevista de maio de 2015, dizia…¨O PT trocou um projeto de País por um projeto de poder. Cometeu o grave erro de não apoiar sua governabilidade em seu principal reduto eleitoral, os movimentos sociais. Preferiu apoiá-la no mercado e no Congresso. Resultado ficou refém dessas alianças espúrias.... O PT se equivocou ao não promover a inclusão política, Ao contrário, despolitizou a nação, dando a impressão de que ser consumista é mais importante do que ser cidadão. Didácticas Específicas, ISSN: 1989-5240 www.didacticasespecificas.com 179 O QUE ACONTECE NO BRASIL??? Jaeme Luiz Callai Revista de Didácticas Específicas, nº14, PP. 176-180 O PT ao surgir, tinha como capital político três grandes bandeiras: ser o partido dos pobres; ser o partido da ética; ser o partido que lutava por um socialismo à brasileira. Perdeu as três, infelizmente.” E, o que é ainda pior, produziu um enorme desencanto com as possibilidades de mudança no país. Fica a sensação de “ que outro mundo (não) é possível”. O que se vislumbra para o futuro são perdas econômicas, sociais e políticas para os setores populares e o recrudescimento da luta social. Talvez em outras bases políticas os trabalhadores, os pequenos agricultores, as camadas mais pobres e marginalizadas, estão desafiadas a retomarem à luta. Mais que nunca vale a consigna do período de luta contra a ditadura militar, “ a luta continua”!! Amigos, preferiria não estar escrevendo isso tudo! O Brasil não merece esta vergonha. Tantos anos de luta na construção democrática, este triste epílogo! Teremos novamente que cantar com Chico Buarque.” .... Hoje você é quem manda, falou, tá falado...Hoje minha gente anda falando de lado olhando para o chão... (mas) apesar de você, amanhã há de ser outro dia.... “ Ijuí, 15 de abril de 2016 Jaeme Luiz Callai La misma noticia comentada, se puede leer en español en: https://dedona.wordpress.com/2016/04/19/pero-que-esta-pasando-en-brasil-jaeme-luizcallai/ Didácticas Específicas, ISSN: 1989-5240 www.didacticasespecificas.com 180