Edição Completa - Todos os artigos

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Edição Completa - Todos os artigos
11:32:59
ISSN 2175-5698
Revista de Saúde da
Criança e do Adolescente
Publicação oficial do HosPital infantil albert sabin
VOLUME 5
NÚMERO 2
JULHO A DEZEMBRO DE 2013
Compartilhar conhecimentos
Pediatria em destaque
Olhar do especialista
Desafio clínico
Diretrizes clínicas
Humanização pediátrica
Ensino in foco
Trajetória de um hospital
Retratos de vida
http://www.hias.ce.gov.br
2013/2
Revista de Saúde da
Criança e do adolescente
Volume 5
7
NÚMERO 2
JULHO A DEZEMBRO 2013
Palavra do editor
A IMPORTÂNCIA DA HUMANIZAÇÃO EM HOSPITAL DE CRIANÇA
The importance of humanization in children’s hospitals
João Amaral
9
Sumário
ISSN 2175-5698
Compartilhar conhecimentos
BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA
Bullying: a systematic review
Regina Lúcia Portela Diniz, Camilla Bezerra Bastos, Gabriela de Souza Gómez
16
DIETA CETOGÊNICA
UMA OPÇÃO PARA PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA
Ketogenic diet - an option for patients with refractory epilepsy
Débora Albuquerque da Silva, José Humberto da Silva Junior, Mariana Carvalho Rocha
22
Pediatria em Destaque
A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NA PEDIATRIA CONTEMPORÂNEA
The doctor-patient relationship in current Pediatrics
Jayme Murahovschi
24
FEBROFOBIA EM CRIANÇAS
Fever phobia in children
Almir de Castro Neves Filho
26
Olhar do Especialista
CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOPEDIATRIA
Palliative Care in Pediatrics Oncology
Washington A. Pinto Filho, Fernando Heládio Pimenta, Sabrina Melo, Selma Lessa
30
SEQUÊNCIA DE PIERRE ROBIN: UMA BREVE ATUALIZAÇÃO
The Pierre Robin syndrome: a brief update
Diego Thiers Oliveira Carneiro, José Ferreira da Cunha Filho, Raquel Nascimento da Silva
35
Desafio Clínico
INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DE PANCITOPENIA E
HEPATOESPLENOMEGALIA: QUANDO O RARO É IMPORTANTE
Diagnostic investigation of pancytopenia and hepatosplenomegaly: when rare means important
Erlane Marques Ribeiro
38
Diretrizes Clínicas
ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA
Cardiac arrhthymia in children: bradycardia
Henrique Gonçalves Campos
43
Humanização Pediátrica
HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS EFEITOS DA INTERNAÇÃO
Humanization in children’s hospitals: attenuating the effects of hospitalization
Isabel Cristina de Mendonça Torres Martins, Maria Jaqueline Braga Bezerra
48
Ensino in Foco
ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS
Pediatric education and medical care for children
Álvaro Jorge Madeiro Leite
54
Trajetória de um Hospital
HUMANIZAR É PRECISO... DE DENTRO PARA FORA E DE FORA PARA DENTRO,
A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS SONHOS!
The need for humanized care ... from inside out, and from outside in: the construction of the hospital of
our dreams
Anamaria Cavalcante e Silva
59
Retratos de vida
QUEM SOU EU?
Who Am I?
Francisca Maria Oliveira Andrade (Tati)
68
UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS
A little about each, a little about HIAS
Helga Rackel Sousa Santos
74
O ADEUS A UM GRANDE AMIGO
Good-bye to a great friend
Criança e do adolescente
Editor chefe
João Amaral
Pediatra e Psicoterapeuta Psicanalítico. Doutor
em Epidemiologia. Professor de Pediatria da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal
do Ceará.
Editores associados
Francisca Lúcia Medeiros do Carmo
Neonatologista. Mestre em Saúde da Criança e do
Adolescente. Coordenadora do Centro de Estudos
e Pesquisas do Hospital Infantil Albert Sabin.
Ronaldo Pinheiro Gonçalves
Epidemiologista. Doutor em Administração em
Saúde. Coordenador do Núcleo de Pesquisa
e Desenvolvimento do Centro de Estudos e
Pesquisas do Hospital Infantil Albert Sabin.
Conselho editorial
Aldaiza Marcos Ribeiro
Infectologista Pediátrica. Mestre em Patologia.
Coordenadora da Comissão de Controle de
Infecção Hospitalar do Hospital Infantil Albert
Sabin.
Anamaria Cavalcante e Silva
Pediatra. Doutora em Pediatria. Professora do
Centro Unversitário Christus (Unichristus). Exdiretora do Hospital Infantil Albert Sabin.
Ana Júlia Couto de Alencar
Neonatologista. Doutora em Pediatria. Professora
da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Ceará. Médica da CTI Neonatal do
Hospital Infantil Albert Sabin.
Expediente
Revista de Saúde da
Ana Valeska Siebra e Silva
Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Professora
da Universidade Estadual do Ceará. Enfermeira
do Hospital Infantil Albert Sabin.
Almir de Castro Neves Filho
Hebiatra. Doutor em Pediatria. Professor da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal
do Ceará.
Álvaro Jorge Madeiro Leite
Pneumologista Pediatra. Doutor em Pediatria.
Professor da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Ceará.
Anice Holanda Nunes Maia
Psicóloga Clínica e Hospitalar. Professora da
Faculdade Católica Rainha do Sertão, QuixadáCE. Coordenadora do Serviço de Psicologia do
Hospital Infantil Albert Sabin.
Denise Silva de Moura
Fisioterapeuta. Mestre em Saúde da Criança e
do Adolescente. Professora da Universidade
de Fortaleza e Fisioterapeuta do Serviço de
Fisioterapia do Hospital Infantil Albert Sabin.
Francisco Walter Frota de Paiva
Cirurgião Pediátrico. Ex-Diretor do Hospital
Infantil Albert Sabin.
Gilma Montenegro Padilha Holanda
Neuropediatra. Mestre em Psicologia. Professora da
Universidade de Fortaleza (Unifor). Coordenadora
do Serviço de Neurologia Pediátrica do Hospital
Infantil Albert Sabin.
João Cândido de Sousa Borges
Pediatra. Mestre em Administração em Saúde. Exdiretor Geral do Hospital Infantil Albert Sabin.
Lia Cavalcante de Albuquerque
Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do
Adolescente. Professora da Universidade Estadual
do Ceará. Médica do Hospital Infantil Albert Sabin.
Regina Lúcia Ribeiro Moreno
Terapeuta Ocupacional. Mestre em Saúde da
Criança e do Adolescente. Coordenadora do Comitê
de Ética em Pesquisa do Hospital Infantil Albert
Sabin
Luciana Brandão Paim
Reumatologista. Mestre em Clínica Médica.
Professora de Medicina da Universidade
de Fortaleza. Coordenadora do Serviço de
Reumatologia Pediátrica do Hospital Infantil Albert
Sabin.
Rejane Maria Carvalho de Oliveira
Enfermeira. Mestre em Saúde da Criança e do
Adolescente e Professora da Universidade de
Fortaleza. Enfermeira do Hospital Infantil Albert
Sabin
Maria Ceci do Vale Martins
Gastroenterologista Pediátrica. Doutora em
Medicina. Coordenadora do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Onco-Hematologia do Hospital
Pediátrico do Câncer.
Maria Conceição Alves Jucá
Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do
Adolescente. Coordenadora da Enfermaria do
Hospital Infantil Albert Sabin.
Maria Helena Lopes Cavalcante
Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do
Adolescente. Membro do Centro de Estudos e
Pesquisas do Hospital Infantil Albert Sabin.
Mércia Lima de Carvalho Lemos
Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do
Adolescente. Médica da Enfermaria e Ambulatório
do Hospital Infantil Albert Sabin.
Regina Lúcia Portela Diniz
Pediatra. Doutora em Pediatria. Professora do
Centro Unversitário Christus (Unichristus).
Coordenadora do Serviço de Desenvolvimento
Humano do Hospital Infantil Albert Sabin.
ascom.adesivo.centro de nutricao e dietetica.pdf
1
10/10/2013
13:25:21
Tânia Maria Sousa Araújo Santos
Neonatologista. Mestre em Saúde da Criança e do
Adolescente. Coordenadora da Residência Médica
do Hospital Infantil Albert Sabin.
Valéria Barroso de Albuquerque
Terapeuta Ocupacional. Mestre em Saúde da
Criança e do Adolescente. Membro do Serviço de
Terapia Ocupacional do Hospital Infantil Albert
Sabin.
Virna da Costa e Silva
Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do
Adolescente. Professora da Universidade de
Fortaleza. Médica da Enfermaria do Hospital
Infantil Albert Sabin.
Normalização
Selma Maria Pinheiro de Oliveira Souza
Bibliotecária.
Especialista
em
Organização
e Administração de Centro de Informação.
Coordenadora da Biblioteca do Hospital Infantil
Albert Sabin.
Secretaria
Maria das Graças Viana
Assistente Social. Membro do Centro de Estudos
e Pesquisas e do Comitê de Ética em Pesquisas do
Hospital Infantil Albert Sabin.
C
M
Y
CM
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CY
CMY
K
SECRETARIA DA SAÚDE DO CEARÁ
Centro de Estudos e Pesquisas do Hospital infantil Albert Sabin
Rua Tertuliano Sales, 544 - CEP: 60140-790 - Fortaleza/CE.
Fone; (85) 3101.4200 | Fax: (85) 3101.4196
E-mail: [email protected]
Web: www.hias.ce.gov.br
Informações gerais
A Revista de Saúde da Criança e do Adolescente é a publicação científica semestral do
Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), criada
em 2009, sob a responsabilidade do Centro de
Estudos e Pesquisas, instituição vinculada à
Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Visa
publicar artigos científicos, diretrizes, casos
clínicos, e relatos, com o objetivo de aprimorar e atualizar os conhecimentos na área de
saúde da criança e do adolescente, bem como
humanizar o atendimento e resgatar a história
do hospital.
Seções da revista
Publicaçao
Criança e do adolescente
Normas de
Revista de Saúde da
Pediatria em destaque: opinião do pediatra
sobre as ações básicas da saúde da criança e
adolescente e clínica pediátrica. O texto deve
ter entre 2 a 4 páginas. O número de referências não deve ultrapassar a 10.
Olhar do especialista: opinião do especialista sobre a sua prática clinica a partir de uma
pergunta sobre um tema de interesse. O texto
deve ter entre 2 a 4 páginas. O número de referências não deve ultrapassar a 10.
Desafio clínico: sedimentando o básico: apresentação de caso clínico, com perguntas-chave
sobre a sua condução. O texto deve ter 4 páginas. Recomenda-se não incluir mais de duas
ilustrações (fotos, figuras). O número máximo
de referências é 10.
A Revista de Saúde da Criança e do Adolescente aceita a submissão de artigos originais e
comunicações que devem ser enviados exclusivamente via e-mail, conforme as “Normas
de Publicação” da revista.
Diretrizes clínicas: comentário sobre uma
conduta clínica com um algoritmo ao final. O
número de páginas deve ter entre 3 e 4. O número de referências não deve ultrapassar 20.
Palavra do editor: opinião sobre um tema de
interesse em saúde da criança relacionado aos
artigos publicados. Recomenda-se não ultrapassar 2 páginas e conter no máximo 15 referências.
Humanização pediátrica: artigo sobre aspectos relacionados a humanização ou projetos
desenvolvidos no hospital. O texto deve ter
no máximo 4 páginas. Não são necessárias referências.
Compartilhar conhecimentos: apresentação
de um tema atual e relevante em Pediatria ou
áreas afins. Recomenda-se não exceder 4 páginas, incluindo referências que deverão ser
atuais e em número máximo de 20.
Ensino in foco: comentário ou artigo sobre
ensino e pesquisa sobre a saúde da criança e
adolescente. O número de páginas deve ser
entre 3 e 4. O número de referências não deve
ultrapassar 10.
Trajetória de um hospital: relato do passado e
presente do hospital com apresentação do perfil de atendimento nas várias áreas do Hospital. O texto deve ter no máximo 4 páginas. Não
são necessárias referências.
REFERÊNCIAS
Devem ser numeradas e ordenadas segundo a
ordem de aparecimento no texto, no qual devem ser identificadas por algarismos arábicos
As referências devem ser formatadas no estilo
Vancouver, segundo os modelos abaixo:
1. Artigo padrão
Amaral JJF; Victora CG. The effect of training in Integrated Management of Childhood Illness (IMCI) on the performance
and healthcare quality of pediatric healthcare workers: a systematic review. Rev.
Bras. Saude Mater. Infant. 2008; 8 (2): 151162.
2. Livro
Winnicott DW. Privação e delinquência.
São Paulo: Martins Fontes; 2005.
3. Capítulo de livro
Howard CR. Breastfeeding. In: Green M,
Haggerty RJ, Weitzman M, editors. Ambulatory Pediatrics. 5th ed. Philadelphia: WB
Saunders; 1999. p.109-13.
4. Teses e dissertações
Leite AJM. Promoção do Aleitamento Materno a Crianças de Peso Desfavorável ao
Retratos de vida: relatos de vivências ou experiências sobre o significado do hospital para
profissionais, mães e crianças, bem como relatos de pediatras renomados de outras instituições. O texto deve no máximo 10 páginas. Não
são necessárias referências.
Nascer no Município de Fortaleza: estudo
de intervenção randomizado [tese de doutorado]. São Paulo: Univ. Fed. São Paulo;
2000.
5. Trabalho apresentado em congresso
ou similar (publicado)
Blank D, Grassi PR, Schlindwein RS, Mello
JL, Eckert GE. The growing threat of injury
and violence against youths in southern
Brazil: A ten year analysis. Abstracts of the
Second World Conference on Injury Control; 1993 May 20-23; Atlanta, USA. Atlanta:
CDC,1993:137-38.
6. Artigo de revista eletrônica
Morse SS. Factors in the emergence of infectious diseases. Emerg Infect Dis [periódico
eletrônico] 1995 Jan-Mar [citado1996 Jun
5];1(1). Disponível: www.cdc.gov/ncidod/
EID/eid.htm. Acessado: 14 de dezembro de
2001.
7. Materiais da Internet
Food and Agriculture Organization of the
United Nations. Preparation and use of food
based dietary guidelines [site na Internet].
Disponível: www.fao.org/docrep/x0243e/
x0243e09.htm#P1489_136013. Acessado: 14
de dezembro de 2001.
Orientação completa de como elaborar referências bibliográficas, segundo o estilo
Vancounver, encontram-se disponíveis em www.bv.ufsc.br/ccsm/vancouver.html
Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores.
Antes de enviá-los, providenciar uma cuidadosa correção ortográfica
6
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 95-96
Palavra do editor
A Importância Da Humanização Em Hospital De Criança
The Importance Of Humanization In Children’s Hospitals
João Amaral
Pediatra e psicoterapeuta psicanalítico. Professor de Pediatria da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE.
Nesse número da Revista de Saúde da
Criança e do Adolescente são apresentados
os artigos HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR
INFANTIL: AMENIZANDO OS EFEITOS
DA INTERNAÇÃO de Isabel Cristina de
Mendonça Torres Martins, Maria Jaqueline
Braga Bezerra; e HUMANIZAR É PRECISO...
DE DENTRO PARA FORA E DE FORA PARA
DENTRO, A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL
DOS NOSSOS SONHOS! de Anamaria
Cavalcante e Silva. Esses artigos, certamente,
serão extremamente úteis para sensibilizar aos
pediatras da importância da humanização.1,2
Os médicos podem desempenhar um papel
importante na assistência à criança baseado
em um modelo humanizado, que atenda
todas as necessidades da criança do ponto de
vista físico e emocional.
VEJA ARTIGOS RELACIONADOS NAS PÁGINAS 43 e 54
O ponto forte do primeiro artigo foi mostrar
que a humanização é fundamental em nível
assistencial, sendo um suporte de real valor
que promove a saúde das crianças internadas,
conforme preconiza o Programa Nacional
de Humanização da Assistência Hospitalar
(PNHAH)3.
“A humanização infantil não pode se limitar
ao leito, devendo a unidade pediátrica fornecer
condições que atendam às necessidades físicas,
emocionais, culturais, sociais e educacionais para
essa criança enferma. Então há a necessidade de
criar um ambiente recreativo, contendo livros,
jogos e brinquedos seguros para estimular a autoexpressão da criança”.
Em minha opinião, isso é muito importante,
mas não o suficiente para promover uma
adequada humanização hospitalar. Antes de
tudo, é fundamental conscientizar e capacitar
os profissionais de saúde em temas voltados
ao desenvolvimento emocional e da criança e
adolescente e em habilidades de comunicação
na consulta pediátrica.
A contação de história e a música estimulam
o desenvolvimento da criança. As histórias
estimulam o gosto pela leitura e facilitam a
adaptação da criança ao meio ambiente. Além
disso, essas atividades estimulam a percepção
da criança, interação com as pessoas, a autoestima e a comunicação no momento difícil
que estão passando. Essas brincadeiras são,
portanto, um poderoso recurso de estimulação
do desenvolvimento da criança e, portanto
da saúde da criança. Além disso, o “brincar”
promove a criação de vínculo entre a mãe e
a criança, fundamental para um cuidado
suficientemente bom 4.
Conforme relata Anamaria Cavalcante Silva,
em 2000 foi tomada a decisão de “transformar
o HIAS em hospital de excelência, não mais apenas
sob o aspecto técnico, mas, sobretudo sob o aspecto
da humanização da atenção, de dentro para fora,
de fora para dentro, colorindo seus velhos azulejos
brancos e inovando com projetos especiais para as
crianças, suas mães, e os cuidadores, os servidores
do Hospital”.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 7-8
7
A IMPORTÂNCIA DA HUMANIZAÇÃO EM HOSPITAL DE CRIANÇA
Com isso, houve significativos avanços em
diversos programas de humanização: Projeto
Cirurgia Sem Medo, Projeto ABC + Saúde,
Biblioterapia e Biblioteca Viva, Primeiro
Sorisso, Cinema Paradiso, Projeto Professor
Visitante, Mão Amiga, Novo Futuro, Com
açúcar e com afeto, Projeto NAVI (Núcleo
de Apoio à Vida) e a Cidade da Criança. Em
dezembro de 2002, o Ministério da Saúde,
reconhecendo esse trabalho, conferiu e
entregou a placa “Humanização da assistência
à criança” ao hospital.
É muito importante que este trabalho seja
continuado e ampliado para outras áreas de
assistência, especialmente em nível de Terapia
Intensiva Pediátrica, que ainda não dispõe
REFERÊNCIAS
1.Martins ICMT, Bezerra MJB. A
humanização
hospitalar
infantil:
amenizando os efeitos da internação. Rev.
Saúde Criança Adoles. 2013, 5 (2): 43-47.
2. Silva AC. Humanizar é preciso... de
dentro para fora e de fora para dentro, a
edificação do hospital dos nossos sonhos!
Rev. Saúde Criança Adoles. 2013, 5 (2):
54-58.
3. Brasil Programa Nacional de Humanização
da Assistência Hospitalar. Brasília (DF):
Ministério da Saúde; 2001.
Conflito de Interesse: Não declarado
de um espaço adequado para acolhimento
das mães e comunicação de más-notícias,
não dispõe de uma equipe muldisciplinar
para reunião com as mães, não dispõe de
acompanhamento psicológico de apoio às
mães e aos profissionais que lidam diariamente
com sofrimento, não tem um profissional
de referência para suporte emocional, não
há divisão e privacidade adequada entre os
leitos de crianças e adolescentes. Todas essas
medidas já foram tomadas por outros hospitais
com a criação de um GAM - Grupo de Apoio
Multidisciplinar de Humanização à Criança e
Família, sendo, portanto, fundamental que a
nova gestão se sensibilize para esse problema
e modifique com urgência essa situação.
4.Winnicott DW. Porque as crianças
brincam? In: As crianças e o seu mundo.
Rio de Janeiro: LTC Editora; 1982. p. 161165.
5. Tobias L, Valentim L, Valentim RMA.
Humanizaçäo na UTI pediátrica em
Florianópolis. J Pediatr (Rio J) 1986; 60(4):
164-70.
6. Fronza D, Giovana E, Conte C, Melnik
AMB. Humanizaçäo na Unidade de
Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal do
Hospital Säo Vicente de Paulo Rev. med.
Hosp. São Vicente de Paulo; 1999;11(25): 7-9.
Endereço para correspondência
João Amaral
E-mail: [email protected]
8
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 7-8
Compartilhar conhecimentos
BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA
Bullying: a systematic review
Regina Lúcia Portela Diniz1, Camilla Bezerra Bastos2, Gabriela de Souza Gómez2
1. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professora do Centro Unversitário
Christus (Unichristus). Pediatra do Hospital Infantil Albert Sabin. Fortaleza-CE
2.Estudante do Centro Unversitário Christus (Unichristus). Fortaleza-CE
RESUMO
ABSTRACTS
Introdução: Bullying é uma forma de agressão
em que um ou mais indivíduos ameaçam
outros física, psicológica e/ou sexualmente de
maneira repetida por um período determinado
de tempo. Objetivos: Realizar uma revisão
sistemática sobre o bullying. Métodos: Estudo
descritivo, exploratório realizado através
de levantamento bibliográfico, utilizandose a base de dados: Scielo. Discussão: Nos
estudos de Olweus, 15% dos estudantes
suecos estavam envolvidos como vítimas ou
provocadores de bullying. Em 2002, estudo
com 5.875 estudantes do Rio de Janeiro,
revelou que 16,9% dos estudantes sofreram
bullying. Estes achados reforçam o caráter
universal do problema. O tipo mais comum
de agressão é a de natureza verbal na forma
de ridicularização ou apelidos. Os fatores
mais prevalentes nos casos de bullying são o
sexo masculino, a idade entre 10 e 14 anos e os
fatores familiares, como a superproteção dos
pais e o consumo de drogas de abuso, como
álcool e tabaco. Conclusão: O bullying é uma
prática que ocorre há décadas, apresentandose de forma crescente, exercendo maior
impacto na sociedade. Entretanto, a população
tem dificuldades de compreender as causas e
conseqüências de atos, que, até pouco tempo,
eram vistos como próprios da infância e
juventude.
Introduction: Bullying is an aggressive
behavior in which an individual or group
of individuals continually threaten others
physically, psychologically and/or sexually.
Objective: To systematically review the
literature on bullying. Methods: Descriptive,
explorative study based on a review of articles
in the Scielo database. Discussion: According
to Olweus, 15% of Swedish students are
involved in bullying, either as victims or
bullies. A 2002 study from Rio de Janeiro
found that 16.9% of 5,875 students were
victims of bullying. These findings confirm
the universal character of the problem. The
most common form of aggression is verbal
harassment (mocking or name calling).
Prevalent factors include male gender, age
between 10 and 14 years and family patterns
such as overprotectiveness and alcohol or
tobacco addiction. Conclusion: Observed
for decades, the practice of bullying is on the
rise and is causing a major impact on society.
Nevertheless, the causes and consequences
of acts which until recently were considered
inherent to childhood and youth have not yet
been clearly identified and understood.
Keywords:
Bullying.
Child,
Systematic
Review,
Palavras-chave: Criança, Revisão Sistemática,
Bullying.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 9-15
9
BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA
INTRODUÇÃO
O bullying é uma prática encontrada em todas
as culturas e acarreta sofrimento psíquico,
diminuição da autoestima, isolamento,
prejuízos no aprendizado e no desempenho
acadêmico1.
Constitui-se
em
uma
subcategoria bem delimitada de agressão ou
comportamento agressivo, caracterizado pela
repetitividade e assimetria de forças2. É um
comportamento agressivo e persistente com a
intenção de causar dano físico ou moral em
um ou mais estudantes que são mais fracos e
incapazes de se defenderem. Essa assimetria
de poder associada ao bullying pode ser
consequente da diferença de idade, tamanho,
desenvolvimento físico ou emocional, ou do
maior apoio dos demais estudantes 3.
Sabe-se que o bullying é um problema mundial,
e vem ocorrendo em todos os estatos sociais,
assumindo proporções na contemporaneidade
e expressando-se nas refrações e agudização
da questão social4. A preocupação dos
investigadores em relação ao bullying cresce
ao longo dos anos e em vista disso o número
de estudos realizados em diversos países
tem aumentado. Num estudo realizado na
Austrália, os resultados apontam para cerca
de 24% dos estudantes terem sido violentos
com os seus colegas, 13% terem sido vítimas
de violência e 22% simultaneamente vítimas
e agressores 5. Autores estudaram um grupo
de crianças alemãs, os resultados mostraram
que cerca de 16% das crianças foram vítimas
de bullying com regularidade, sendo que
cerca de 50% não contou aos professores o
que se está a passar 6. Em Portugal, estudos
realizados em 1998 sugerem que cerca de 1/5
dos adolescentes foram vítimas de violência e
cerca de 1/5 assume que foi agressivo. Cerca
de 1/4 referiram ser simultaneamente vítimas
e agressores7,8.
No Brasil um estudo realizado em 2002, com
5.875 estudantes de 5ª a 8ª séries de 11 escolas
localizadas no município do Rio de Janeiro,
revelou que 16,9% dos estudantes sofreram
bullying 1. Segundo dados do Inquérito Viva
– Vigilância de Violências e Acidentes –
10
Rev. Saúde Criança Adolesc. 22013; 5 (2): 9-15
realizado pelo Ministério da Saúde nos anos
de 2006 e 2007, a violência entre jovens é a
maior causa de morbimortalidade nesta faixa,
e os locais mais frequentes de ocorrência
apontados no ano de 2007 foram a via pública,
a residência e a escola 9. Além disso, no Brasil,
segundo resultados da Pesquisa Nacional
de Saúde do Escolar (PeNSE) em 2009, 5,4%
dos estudantes relataram ter sofrido bullying
quase sempre ou sempre nos últimos 30 dias,
25,4% foram raramente ou às vezes vítimas
de bullying e 69,2% não sentiram nenhuma
humilhação ou provocação 9.
Quatro
fatores
contribuem
para
o
desenvolvimento de um comportamento de
bullying: uma atitude negativa pelos pais ou
por quem cuida da criança ou adolescente,
uma atitude tolerante ou permissiva quanto
ao comportamento agressivo da criança ou
do adolescente, um estilo de paternidade que
utiliza o poder e a violência para controlar
a criança ou adolescente, e uma tendência
natural da criança ou do adolescente a ser
arrogante4.
O bullying pode ser precursor de transtornos
de personalidade anti-social e outros
comportamentos violentos na adolescência e
idade adulta, portanto, medidas de intervenção
interdisciplinar
firme
e
competente,
principalmente pelos profissionais das áreas
de educação e saúde, devem se implantadas
de forma precoce para que possam ter algum
papel na prevenção do comportamento antisocial, delinquente e criminoso.
Tipos de bullying
Considera-se que existem três tipos principais
de bullying: o físico ou direto, o psicológico e o
indireto. O primeiro abrange comportamentos
como bater, pontapear, empurrar, roubar,
ameaçar, brincar de uma forma rude e que
intimida e usar armas. O segundo refere-se a
chamar nomes, arreliar ou pegar com alguém,
ser sarcástico, insultuoso ou injurioso, fazer
caretas e ameaçar. Por fim, o terceiro e que é o
mais dissimulado uma vez que não é tão visível,
inclui excluir ou rejeitar alguém de um grupo 8.
DINIZ RLP, BASTOS CB, GÓMEZ GS
Uma nova forma de bullying, conhecida como
cyberbullying, tem sido observada com uma
freqüência crescente, tratando-se do uso da
tecnologia da informação e comunicação como
recurso para a adoção de comportamentos
deliberados, repetidos e hostis, de um
indivíduo ou grupo, que pretende causar
danos aos outros 3.
Fatores de riscos e características
Vários fatores podem estar envolvidos no
desenvolvimento do bullying: econômicos,
sociais e culturais, aspectos inatos de
temperamento e influências familiares, de
amigos, da escola e da comunidade.
Os agressores são mais fortes fisicamente,
dominadores, impulsivos, não seguem as
regras, têm baixa tolerância à frustração,
desafiam à autoridade, possuem auto-estima
elevada, tem atitude positiva em relação à
violência, criam conflitos onde não existem,
não simpatizam com a dor da vítima e
nem se arrepende de suas ações10. Fatores
individuais também influem na adoção de
comportamentos agressivos: hiperatividade,
impulsividade, distúrbios comportamentais,
dificuldades de atenção, baixa inteligência e
desempenho escolar deficiente3.
As vítimas de bullying são geralmente pessoas
oprimidas, mais fracas, tímidas, introvertidas,
cautelosas, sensíveis, quietas, com menor
auto-estima e com poucos amigos. As vítimas
passivas não provocam os seus colegas,
não gostam de violência, choram ou ficam
tristes com facilidade. As vítimas que são
constantemente abusadas caracterizam-se por
um comportamento social inibido, passivo ou
submisso. Estes adolescentes costumam sentir
vulnerabilidade, medo ou vergonha intensos,
aumentando a probabilidade de vitimização
continuada 11.
As vítimas de bullying possuem até três vezes
mais chances de sofrer com dores de cabeça
e com dores abdominais, até cinco vezes
mais chances de ter insônia e até duas vezes
e meia mais chances de experimentar enurese
noturna, quando comparadas às crianças que
não são vítimas.
O sexo masculino comete mais agressões
físicas e verbais, enquanto as meninas usam
a agressão relacional indiretamente, por
espalhar boatos ou exclusões sociais8.
Consequências
Como consequência dessas ocorrências
de maus-tratos entre colegas de escola, os
estudiosos ressaltam os prejuízos sobre o
processo de aprendizagem dos alunos e a
insegurança na escola. É importante ressaltar
que tanto vítimas quanto agressores perdem o
interesse pelo ensino, não se sentem motivados
a freqüentar as aulas e não se sentem seguros
na escola diante da ocorrência do bullying9.
Estudos12 têm revelado que as conseqüências
para os estudantes oprimidos são variadas
desde isolamento, sintomas físicos ou
psicossomáticos,
tristeza,
ansiedade,
depressão ou distanciamento quanto a
assuntos da escola, ideação de suicídio e
mesmo o próprio suicídio. As vítimas de
bullying apresentam mais sintomas de doença
psicológica (e.g., depressão e ansiedade) e
doença física (e.g., dores de cabeça, dores
abdominais) quando comparados com os
outros colegas9.
Prejuízos financeiros e sociais causados pelo
bullying atingem também as famílias, as
escolas e a sociedade em geral. As crianças
e adolescentes que sofrem e/ou praticam
bullying podem vir a necessitar de múltiplos
serviços, como saúde mental, justiça da
infância e adolescência, educação especial e
programas sociais 3.
OBJETIVOS
O estudo em questão tem como principal
objetivo informar a população acerca do bullying,
tema de grande relevância, e de conhecimento
deficiente na população em geral.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 9-15
11
BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA
MATERIAS E MÉTODOS
DISCUSSÃO
Estudo descritivo, exploratório, realizado
através de levantamento bibliográfico,
utilizando-se principalmente a base de dados
Scielo.
É bastante provável que o assédio, as ameaças
e o bullying entre crianças em idade escolar
é um fenômeno generalizado que sempre se
apresentou em todos os tipos de escolas 13,14.
Entretanto, o reconhecimento e a atenção
dada hoje se devem principalmente a um
maior desenvolvimento das ciências como
psiquiatria, psicologia e pedagogia, que têm
sido mais conscientes dos danos e, por vezes,
das consequências fatais, que este tipo de
comportamento, se frequente e duradouro,
exerce sobre a vida das vítimas 15. O bullying
é um fator que, além de impedir o sucesso
acadêmico dos estudantes, é a fonte de muitas
situações de absentismo e taxas de abandono
escolar, em geral, situações que prejudicam as
condições de vida das crianças e juventude 16,17.
Critérios de inclusão
• Tipo de Publicação: artigos publicados
em periódicos.
• Ano de Publicação: janeiro de 2001 a abril
de 2011.
• Nos idiomas português, inglês ou
espanhol, com ou sem resumo/abstract.
• De publicações oriundas de qualquer
nacionalidade.
Critérios de exclusão
• Artigos anteriores a janeiro de 2001.
• Artigos em outros idiomas que não
português, inglês ou espanhol.
• Artigos nos quais o bullying não foi o
assunto de destaque.
Os títulos e resumos (se disponível) de todos
os estudos identificados pela pesquisa foram
revisados pelos investigadores. O texto
integral de todos os artigos potencialmente
relevantes foi avaliado e as decisões sobre a
inclusão dos documentos foram discutidas
por todos os autores.
Foram encontrados 54 artigos na base
de dados do Scielo, sendo utilizadas 47
publicações. Procurou-se abordar o tema
bullying nos âmbitos: definição; histórico;
principais e prováveis agentes causais e/ou
desencadeadores; epidemiologia; principais
apresentações (verbal, física, sexual, por meio
eletrônico); impactos social e psicológico.
Além desses aspectos, procurou-se traçar
as principais características das vítimas
do bullying. Buscou-se, também, conhecer
metodologias de prevenção e formas de
enfrentamento da situação, principalmente
por pais e professores.
12
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 9-15
Nos estudos pioneiros em torno de 15%
dos estudantes suecos estavam envolvidos
como vítimas ou provocadores de bullying4.
Um estudo realizado em 2002, com 5.875
estudantes de 5ª a 8ª séries, de 11 escolas
localizadas no município do Rio de Janeiro,
revelou que 16,9% dos estudantes sofreram
bullying. Estes achados reforçam o caráter
universal do problema, porém uma limitação
desse tipo de comparação pode decorrer das
diferentes definições de bullying.
A maior prevalência de vítimas de bullying
entre os meninos é compatível com outras
investigações. Uma possível explicação pode
ser dada no sentido de que os meninos sofrem
bullying de uma forma física mais direta,
enquanto que as meninas, de forma verbal e
exclusão, o que é menos visível e percebido 18.
Reatiga afirma que de todas as características
que levaram à rejeição das vítimas, há dois
elementos principais que estão intimamente
ligados: a rejeição daqueles que parecem
fracos e de pouco êxito segundo os parâmetros
sociais de poder e status. O feio, gordo, pobre,
homossexual e os que não estão sujeitos às
regras do grupo, o especial e diferente, são os
principais alvos 19.
DINIZ RLP, BASTOS CB, GÓMEZ GS
De acordo com Garcia Continente, os fatores
mais prevalentes nos casos de bullying são o
sexo masculino, a idade entre 10 e 14 anos e
os fatores familiares, como a superproteção
dos pais e o consumo de drogas de abuso,
como álcool e tabaco 20. Nessa mesma linha,
o estudo de Veccia apontou que os contextos
sócio-culturais e familiares estão localizados
como os principais determinantes do
comportamento agressivo entre crianças 21.
Ao explorar as formas mais comuns de
agressão, percebe-se uma tendência observada
em estudos de vários países 16. Desde o ponto
de vista daqueles que os recebem como
daqueles que desempenham o papel de
agressor, verificou-se que o tipo mais comum
de agressão é a de natureza verbal na forma
de ridicularização ou apelidos.
Esta maneira comum e fácil de atacar é
provavelmente a razão pela qual isso acontece
na frente de outros colegas de escola e adultos
em sala de aula ou em locais bem visíveis da
escola, como playground ou corredores.
Isso sugere a existência de outros colegas
que apesar de não tomarem a iniciativa das
agressões, fazem parte delas e são aqueles
cujo, desde o início de suas pesquisas, Olweus
chamou de agressores passivos ou seguidores.
Possivelmente, esses fatores fazem com que
a vítima desenvolva uma maior percepção
de impotência e uma menor necessidade de
denunciar seu sofrimento 15.
O estudo de Conejo discutiu as implicações
do impacto psicológico e emocional que
produz o bullying anti-homossexual contra
jovens de orientação não-heterossexual. Nesse
sentido, entendeu-se ser necessário abordar as
consequências psico-emocional da homofobia
e também criar estratégias para prevenir o
assédio, medo, perseguição homofóbica 22.
Barragan Ledesma afirma que apesar do
bullying não ser uma realidade recente, ainda
são insuficientes os estudos sobre o assédio
moral na escola e não há quase nenhum
reconhecimento do problema pelo Ministério
da Educação. Assim, o desenvolvimento
institucional em termos de estratégias para
resolver este problema ainda é discreto 23.
Assim, Barragan Ledesma apostou na
proposta de trabalhar no desenvolvimento
de programas de prevenção baseados em
evidências científicas e que sejam adotados
pelos sistemas de ensino. Além disso, o estudo
do assédio moral entre iguais exige que o
sistema escolar se preocupe em encontrar
novas formas de olhar para o fenômeno e
para analisar o discurso dos protagonistas,
fornecendo evidências para sua melhor
compreensão 23.
O estudo de Oros teve o objetivo de avaliar a
eficácia de uma metodologia para a aplicação
de técnicas de relaxamento em crianças, sob
a suposição de que o treinamento realizado
poderia reduzir o número de respostas
agressivas e intensificar os esforços para
relaxar as crianças de situações de tensão.
Os resultados mostraram que o programa
desenvolvido teve um impacto positivo sobre
as crianças, chegando a reduzir em 40% o
comportamento agressivo das crianças 24.
CONCLUSÃO
O bullying é uma prática que ocorre há
décadas, crescente nos dias atuais e exercendo
maior impacto na sociedade. Apesar de não
ser recente, a população tem dificuldades de
compreender as causas e conseqüências de
atos, que, até pouco tempo atrás, eram vistos
como próprios da infância e juventude.
Além do bullying anti-homossexual, pesquisas
recentes identificaram novas formas de
assédio, incluindo o cyberbullying, definido
como repetidos danos causado por meio
eletrônico 13.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 9-15
13
BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA
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preliminares en una zona de riesgo
ambiental. Interdisciplinaria, Buenos
Aires, dic. 2008; 25 (2): 181-195 .
Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Regina Lúcia Portela Diniz
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2):9-15
15
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DIETA CETOGÊNICA
UMA OPÇÃO PARA PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA
Ketogenic diet - an option for patients with refractory epilepsy
Débora Albuquerque da Silva¹, José Humberto da Silva Junior²,
Mariana Carvalho Rocha³
1.Médica Residente em Pediatria do Hospital Universtário Walter CantídIo (HUWC), Fortaleza-CE.
2. Acadêmico da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza-CE.
3. Acadêmica da Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza-CE.
RESUMO
ABSTRACTS
As crises epilépticas são comuns na faixa etária
pediátrica e ocorrem em aproximadamente
10% das crianças. Destes pacientes 10 a 20%
apresentam crises persistentes e refratárias. A
epilepsia refratária a medicamentos é definida
pela falha terapêutica após a introdução de
três drogas antiepilépticas (DAE), tendo
como opções terapêuticas a cirurgia para
epilepsia, a estimulação do nervo vago e a
dieta cetogênica (DC). A DC é uma dieta
especial caracterizada por ser hipocalórica,
hiperlipídica, normoprotéica e hipoglicídica
e por produzir um estado de cetose crônica e
permanente que é capaz de reverter o cérebro a
formas primitivas de metabolismo, mostrando
um efeito antiepiléptico. Essa forma de
tratamento é tradicionalmente utilizada
em crianças a partir de dois anos de idade e
adolescentes, pois em crianças abaixo dessa
faixa etária é difícil manter a cetose e evitar a
hipoglicemia. Para o sucesso do tratamento,
é necessária uma equipe multiprofissional
(médico, nutricionista, assistente social e
psicóloga), mas também é fundamental a
participação da família. É importante ressaltar
que, similarmente, as drogas antiepilépticas
e a dieta cetogênica não representam cura,
mas meramente modalidades de tratamento.
Estudos mostram aumento progressivo
do controle das crises com o uso da DC,
chegando a resultados de 62,1% dos pacientes
apresentando uma redução de 75% das
crises, sendo a falta de conhecimento dessa
modalidade terapêutica o principal empecilho
ao seu uso na prática clínica.
Seizures are common in pediatric patients
and occur in approximately 10% of children.
In these patients 10 to 20% have persistent and
refractory seizures. The refractory epilepsy
drug is defined by the failure of treatment
after the introduction of three antiepileptic
drugs (AEDs) and has therapeutic options
as epilepsy surgery, vagus nerve stimulation
and the ketogenic diet (KD). KD is a special
diet characterized by reduced calorie,
hyperlipidemic, hypoglycemic and normal
protein, and for producing a state of chronic
and ongoing ketosis that is capable to revert
the brain to primitive forms of metabolism
showing an antiepileptic effect. This form of
treatment is traditionally used in children from
two years of age and adolescents, because in
children below this age is difficult to maintain
ketosis and avoid hypoglycemia. For successful
treatment is required a multidisciplinary
team (physician, dietician, social worker and
psychologist), but is also important family
participation.
Importantly,
antiepileptic
drugs and the ketogenic diet, similarly, do not
represent a cure, but treatment modalities.
Studies show a progressive increase in seizure
control with the use of KD, having results of
62.1% of patients showing a 75% reduction
of seizures, and the lack of knowledge of this
therapeutic modality is the main obstacle to
its use in clinical practice.
Palavras-chave: Dieta Cetogênica, Epilepsia
Refratária, Criança.
16
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21
Keywords: Ketogenic Diet, Epilepsy, Refractory.
SILVA DA, SILVA JUNIOR JH, ROCHA MC
INTRODUÇÃO
CONCEITO
As crises epilépticas são comuns na faixa etária
pediátrica e ocorrem em aproximadamente
10% das crianças1. Menos de um terço dessas
crises é causada por epilepsia, condição na
qual elas são desencadeadas recorrentemente
de dentro do cérebro. Para se definir a doença
epilepsia, é necessário que a criança tenha
pelo menos 2 crises não provocadas com um
intervalo maior que 24 horas1.
A dieta cetogênica é uma dieta especial que
induz o organismo humano a produzir uma
modificação química levando a um estado
de cetose crônica4. Essa cetose permanente
é capaz de reverter o cérebro a formas
primitivas de metabolismo, mostrando um
efeito antiepiléptico.
Para crianças com esse diagnóstico, o
prognóstico geralmente é bom, mas 10 a
20% desses pacientes apresentam crises
persistentes e refratárias1, sendo esse número
ainda maior quando não restringimos a
idade, chegando a 20 a 40%2. Essa condição
é conhecida como intratável, refratária a
medicamentos ou medicamento-resistente.
Tradicionalmente, a epilepsia refratária a
medicamentos é definida pela falha terapêutica
após a introdução de 3 drogas antiepilépticas
(DAE)3, tendo como opções terapêuticas a
cirurgia para epilepsia, a estimulação do
nervo vago e a dieta cetogênica (DC).
A dieta cetogênica, por seus resultados
promissores, pode ser considerada um boa
alternativa de tratamento, como é observada
em alguns estudos: um estudo multicêntrico
com resultados preliminares observou que
33% das crianças com epilepsia apresentaram
um controle completo das crises com o uso da
DC e outras 33% foram capazes de melhorar
o controle e diminuir seus medicamentos4.
Um estudo mais recente, realizado no
Instituto da Crianca na USP, que analisou a
eficácia, tolerabilidade e efeitos colaterais da
DC, analisou 54 crianças entre 13 meses e 12
anos de idade com avaliações programadas
e evidenciou um aumento progressivo do
controle das crises, chegando a resultados
de 62,1% dos pacientes apresentando uma
redução de 75% das crises5.
A falta de conhecimento dessa modalidade
terapêutica é o principal empecilho ao seu
uso na prática clínica, sendo necessário o
conhecimento da sua existência para sua
utilização nos casos indicados.
A dieta caracteriza-se por ser hipocalórica,
hiperlipídica, normoprotéica e hipoglicídica,
havendo a necessidade de suplementação
com polivitamínicos e cálcio.
MECANISMO DE AÇÃO
Desde 1920, a dieta cetogênica vem sendo
divulgada como um tratamento eficaz para
controle de crises convulsivas refratárias,
porém ainda não se sabe o mecanismo de ação
ao certo, acreditando-se ser multifatorial6.
Já durante o período de jejum, mudanças
no plasma são observadas em relação a
cetonas, insulina, glicose, glucagon e ácidos
graxos. Qual dessas alterações metabólicas é
responsável pela melhoria na frequência de
crises não é conhecido.
Porém, é sabido que, em vigência da cetose
sanguínea continua, há uma fase de adaptação
do metabolismo cerebral, estimada em até 20
dias , depois da qual os neurônios passam
a utilizar os corpos cetônicos em lugar de
glicose como principal gerador de energia,
e o efeito terapêutico é a elevação do limiar
convulsivante7.
INDICAÇÃO
Antes de oferecer a DC como opção terapêutica
a uma família com uma criança com epilepsia
supostamente intratável é preciso considerar
que o fracasso aos DAEs possa ter ocorrido
por outros fatores, como erro de diagnóstico,
dose insuficiente, inadequação nos horários
de administração, baixa adesão terapêutica,
dentre outras causas7.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21
17
DIETA CETOGÊNICA: UMA OPÇÃO PARA PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA
Quando bem indicada, a dieta cetogênica
é eficaz para pacientes com epilepsia
independente da idade ou do tipo de crise,
porém, em algumas condições específicas, por
sua particular sensibilidades a dieta, é razoável
considerar o tratamento mais cedo8. Dentre
essas condições temos espasmos infantis,
Síndrome de Doose, Síndrome de Rett,
esclerose tuberosa complexa, Síndrome de
Dravet, deficiência na proteína transportadora
da glicose (Doença de DeVivo) e Lenoox
Gastaut.
Essa forma de tratamento é tradicionalmente
utilizada em crianças a partir de 2 anos de
idade e adolescentes, pois em crianças abaixo
dessa faixa etária é difícil manter a cetose e
evitar a hipoglicemia.
DESCRIÇÃO DA DIETA
Para o sucesso do tratamento é necessário
uma equipe multiprofissional (médico,
nutricionista, assistente social e psicóloga),
mas também é fundamental a participação da
família.
A dieta clássica deve ser iniciada em ambiente
hospitalar, com jejum programado de 24 a 48
horas8. Durante esse período, o paciente deve
ser mantido com hidratação sem glicose em
2/3 da taxa hídrica plena para idade, sendo
a dieta iniciada quando for alcançado um
nível de cetose de 4+ detectado através da
cetonúria. Caso a criança apresente, durante
o jejum inicial, hipoglicemia até níveis de 3040mg/dl, porém permanecer assintomática,
a conduta é dosar novamente a glicemia em
2h. Se a criança apresentar sintomas ou sua
glicemia baixar de 30mg/dl, 15-30 ml de suco
de laranja devem ser oferecidos.
Durante o período de internação, que dura de
3 a 5 dias, devem ser feitos exames laboratoriais
iniciais
como
hemograma
completo,
gasometria arterial, eletrólitos, fosfatase
alcalina, enzimas hepáticas, bilirrubina total,
função renal, exame de urina e urinocultura,
proteínas séricas e lipidograma além da
18
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21
dosagem do nível sérico de drogas. Glicemia e
cetonúria devem ser avaliadas a cada 6 horas
durante a dieta. Peso e sinais vitais devem ser
monitorados.
Esse tempo de hospitalização permite alcançar
os ajustes metabólicos necessários, iniciar a
dieta e estabelecer a sua manutenção, além
de educar os encarregados da criança sobre a
dieta e suas formas de monitorização.
Na maioria das crianças, estabelece-se uma
relação de 4:1 (4 de gordura para 1 de proteína
+ carboidrato), sendo necessário manter uma
quantidade mínima de proteína (1-1,3g/kg de
peso) para adequação nutricional4.
A quantidade calórica indicada deve ser
dividida em quatro refeições diárias, porém,
depois de alcançada a cetose, a dieta é
introduzida em volumes progressivos, 1/3 no
primeiro dia, 2/3 no segundo e volume total
no terceiro. É necessária suplementar a dieta
com polivitamínicos e cálcio isentos de açúcar,
para manter a dieta adequada às necessidades
orgânicas.
Durante todo o tratamento, que dura cerca
de 2 a 3 anos, é necessário controlar o nível
dos corpos cetônicos urinários e da glicemia,
os quais devem ser realizados três vezes ao
dia. A cetonúria deve ser mantida em 4 + e a
glicemia acima de 70mg/dl.
Depois de iniciada a dieta, os resultados devem
ser esperados em até 3 meses, indicando-se
interrompê-la após esse período caso não
traga benefícios ao paciente.
Os medicamentos devem ser deixados
inalterados no primeiro mês com a dieta,
embora alterados para preparações sem
carboidratos9. Se o controle das crises é obtido
na dieta cetogênica, então os DAES devem
ser retirados gradualmente, reduzindo a
dose e, se possível, suspendendo-os10. Uma
piora transitória pode ocorrer principalmente
com o uso crônico de fenobarbital ou
benzodiazepínico.
SILVA DA, SILVA JUNIOR JH, ROCHA MC
Após a alta hospitalar, a criança deve ser
acompanhada a cada três meses durante o
primeiro ano de tratamento, com visitas mais
frequentes para lactentes e aquelas com maior
risco nutricional8. Ingestão de calorias, altura,
peso e controle das crises são avaliados em
cada visita. Os contatos da equipe devem
ser fornecidos para qualquer dúvida ou
intercorrência.
Algumas modificações à dieta cetogênica
clássica já estão em uso e com benefícios
semelhantes. Wilrrell et al. descreveram 14
crianças submetidas à DC sem jejum inicial,
com aumento gradual da taxa cetogênica da
dieta de 1:1 até 4:1 ao longo de três a quatro
dias. A cetose foi alcançada por 13 das 14
crianças com tempo médio para cetose plena
de 58 horas7.
Dentre outras modificações temos dietas
alternativas, como a dieta de triglicerídeos de
cadeia média, a dieta de Atkins modificada e a
dieta de baixo índice glicêmico.
Quando alcançado o tempo de tratamento ou
quando não se observou benefícios com três
meses de dieta, a suspensão deve ser feita
de forma lenta, semelhante ao desmame dos
DAEs, ao longo de dois a três meses, porém
sem nenhum protocolo bem definido.
CONTRA-INDICAÇÕES
Existem contraindicações absolutas ao uso
da dieta cetogênica. São elas deficiência de
carnitina primaria, deficiência de carnitina
translocase, porfiria, defeitos da oxidação
de ácidos graxos e deficiência de piruvato
carboxilase.
Isso ocorre, pois pacientes com esses erros
inatos do metabolismo, que afetam em
particular a oxidação e o transporte dos ácidos
graxos de cadeia longa, podem ter efeitos
catabólicos devastadores quando submetidos
ao jejum ou a aplicação da dieta cetogênica8.
EFEITOS COLATERAIS
Por se tratar de uma dieta, alguns poderiam
acreditar ser esta isenta de efeitos colaterais,
o que não é uma verdade. Dentre os efeitos
colaterais da DC o mais importante e temido
é a hipoglicemia. Por seus possíveis efeitos
catastróficos, nos obriga a monitorizar os
níveis glicêmicos de perto, sem contraindicar
a dieta11.
Durante o jejum inicial e no início da
dieta, o paciente também pode apresentar
náuseas, fraqueza, sudorese, vertigem,
letargia, desidratação, constipação ou
diarreia. A longo prazo, podem ocorrer
anorexia
com
desnutrição,
infecções
recorrentes, hiperuricemia, hipocalcemia,
acidose metabólica, hipercolesterolemia,
irritabilidade, letargia e litíase renal11.
Enquanto os parâmetros anormais de lipídios
são vistos com frequência, hipercolesterolemia
significativa e hipertrigliceridemia são menos
comuns12.
Osteopenia e osteoporose levando a fraturas
são algumas das preocupações para crianças
mantidas na DC assim como são para
as crianças em uso de DAEs crônicas13.
Suplementação com cálcio e vitamina D é
obrigatória para tentar evitar a perda óssea.
Pancreatite também foi citada em alguns
artigos como possível efeito colateral, porém,
na maioria dos casos, estava associado ao uso
concomitante da DC e do valproato14.
Tem sido sugerido também, um impacto na
função plaquetária que se apresenta na forma
de sangramentos e hematomas leves, sem
normalmente exigir qualquer intervenção
específica15.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21
19
DIETA CETOGÊNICA: UMA OPÇÃO PARA PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA
CONCLUSÃO
A dieta cetogênica é hoje uma importante
opção
terapêutica
para
crianças
e
adolescentes com epilepsia refratária em uso
mundialmente. Sua importância e efetividade
já está bem estabelecida em vários pequenos
estudos, nos quais é visto uma melhora das
crises, da qualidade de vida e até melhora do
desenvolvimento neuropsicomotor.
É importante ressaltar que, similarmente, as
drogas antiepilépticas e a dieta cetogênica
não representam cura, mas meramente
modalidades de tratamento usadas para
controle de crises convulsivas sendo a última
reservada para crises convulsivas refratárias.
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Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Débora Albuquerque da Silva
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21
21
Pediatria em Destaque
A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NA PEDIATRIA CONTEMPORÂNEA
The doctor-patient relationship in current Pediatrics
Jayme Murahovschi
Professor livre-docente em Pediatria Clínica. Membro titular da Academia Brasileira de Pediatria.
Há 30 ou 40 anos atrás a preocupação do
pediatra era a alta mortalidade infantil; hoje
a responsabilidade é lançar bases firmes para
uma vida longa e saudável.
Mas será que a influência do pediatra nos
primeiros meses e anos de vida tem todo esse
alcance a longo prazo?
Sem dúvida. De alguns anos para cá a
importância da genética foi realçado. Parece
que tudo que nos ocorre já estava escrito nos
genes. Mas não é bem assim. Pesquisas atuais
revelam a influência da epigenética que pode
alterar, para o bem ou para o mal, a expressão
dos genes.
A epigenética se refere à influência do
ambiente o que inclui a família. Através de
um fenômeno conhecido como “imprimming”,
o que acontece mesmo antes da criança nascer
e nos primeiros meses de vida se introjetam
no cérebro e em todo o organismo e assim
podem influenciar toda a vida da pessoa.
É aí que entra o pediatra, atuando sobre a
criança e influenciando a atitude familiar.
É oportuno lembrar que vivemos uma era
complicada pela figura do “pai ausente” e
da “mãe executiva”, do resgate dos avós, da
creche à escolinha, da importância crescente
das babás e do acesso à internet.
A Pediatria é anti-especialidade porque cuida
da criança como um ser humano integral
tendo como meta a criação de indivíduos
fisicamente sadios, psiquicamente equilibrados
e socialmente úteis. Seus limites correspondem
à fase de crescimento mas que hoje podem ser
ultrapassados para compreender até o adulto
jovem.
22
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 22-23
A atuação do pediatra se expressa na consulta
pediátrica, que expressa um ato de confiança.
A palavra-chave é escutar. Escutar não é
sinônimo de ouvir, a qual se refere a um
simples fenômeno acústico. Ao contrário,
escutar é compreender e introjetar o que leva
o pediatra à sua característica básica que é a
empatia. Empatia significa sintonia, isto é,
sentir o que o outro está sentindo, antecipar
as necessidades do outro. Assim o pediatra
fica num mesmo nível humano em relação
à família, mas sem perda de limites, isto é, o
pediatra deve se manter num patamar técnico
superior que lhe dá a força almejada pela
família.
A consulta começa já na sala de espera –
ambiente receptivo e descontraído; limpo,
confortável, decoração atraente com fotos e
brinquedos adequados. Recepcionistas gentis,
comunicativas e prestativas. Respeitar horário.
Já a consulta médica começa com o
acolhimento, o ritual de aproximação que
deve ser gentil, respeitoso e afetuoso. Levar em
conta se é o primeiro encontro (mais formal)
ou se é família conhecida (maior intimidade).
A consulta é de urgência? priorizar a queixa;
ou é de rotina – toda a atenção na educação
em saúde.
Procurar abranger a própria criança na
consulta mas lembrar que geralmente a
criança é um paciente singular que necessita
de um interprete adulto que reconhece, traduz
e relata seus problemas. Daí a necessidade
de conhecer as características básicas desse
intérprete que por seu envolvimento afetivo
pode ter uma percepção distorcida sobre a
saúde da criança.
MURAHOVSCHI J
Por outro lado a doença da criança traz,
na família e particularmente na mãe, uma
sensação de fracasso junto com um sentimento
de culpa – “onde é que eu errei”? Cabe ao
pediatra detectar e compreender a aflição da
família e a ansiedade dos pais, entender as
idéias da família sobre o que está acontecendo
e ajudar a família a distinguir entre ansiedade
e os problemas reais, ajudando-a também a
recuperar sua auto-estima.
A consulta moderna se baseia na anamnese
ampliada que não focaliza apenas os sintomas
mais evidentes nem nas queixas explícitas.
Priorizar as queixas principais mas ouvir todas
as queixas e incluir a família, suas condições
e estilo de vida, responsável por eventuais
riscos sociais e hereditários e a criança em
seus aspectos físicos e psico-emocionais e que
incluem desenvolvimento, comportamento,
educação e disciplina.
O diagnóstico deve ser objetivo, esclarecedor,
abrangente, sem jargões médicos nem termos
depreciados.
A prescrição deve ser realista e exeqüível,
uma elaboração conjunta, compartilhada com
a família e deve abordar necessidades, medos
e expectativas que as vezes se escondem atrás
de uma queixa aparentemente banal. Levar
em conta que a mãe em estado de angustia
tem comprometida sua capacitação de pensar
com clareza e de assimilar a orientação.
Daí a necessidade de explicar detalhada e
repetidamente e a necessidade de escrever e
utilizar impressos complementares.
Na urgência, a atitude do pediatra é
paternalista (como era antigamente em todas
as consultas) na qual o médico toma todas as
decisões.
Conflito de Interesse: Não declarado
Na consulta comum deve ocorrer a
cooperação entre o pediatra, o paciente e
sua família. No nível mais elevado que é a
educação em saúde, predomina a autonomia
em que o médico ajuda pais e criança a se
ajudarem a si mesmos.
A medicina baseada em evidências, hoje tão
em voga, é empregada nos casos de tratamento
específicos, mas para atingir a competência
em sua atuação holística é preciso incluir a
medicina baseada em:
• diligência = zelo, que inclui a anamnese
ampliada;
• benevolência = empatia ou sintonia com o
paciente e família;
• reverência = respeito às boas intenções
dos pais e depois corrigir delicadamente
seus conceitos errôneos;
• persistência = presença continuada após o
encerramento da consulta e que se traduz
em disponibilidade por telefone, retorno
ou e-mails;
• clarividência = voz da experiência desde
que esta seja continuamente revisada,
submetida á auto-crítica e comparada
com a literatura e à opinião de colegas
experientes em aulas, congressos, cursos,
revistas e livro;
• referência = encaminhamento criterioso
a especialistas, sem perder de vista que
o pediatra continua o responsável pela
orientação. Principalmente não contribuir,
e ao contrário combater, a atual (perigosa)
cultura do pronto socorro que reflete
a “tirania da urgência” da sociedade
contemporânea.
Finalmente a ebuliência = entusiasmo
fervoroso em exercer uma atividade que dá
ao pediatra a oportunidade de melhorar a
qualidade de vida da criança e de sua família,
no presente e no futuro.
Endereço para correspondência
Jayme Murahovschi
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 22-23
23
Pediatria em Destaque
FEBROFOBIA EM CRIANÇAS
Fever phobia in children
Almir de Castro Neves Filho
Hebiatra. Doutor em Pediatria. Professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE.
A febre é, atualmente, uma das causas mais
frequentes de atendimento médico em
emergências, ambulatórios e consultórios
pediátricos. É, também, um dos sintomas
mais frequentes de afecções na população
infantil, surgindo muitas vezes como única
manifestação clínica ou como pródomo
de alguma doença. Os pais lidam bastante
mal com esta situação, saindo às vezes de
madrugada de casa acreditando que não são
capazes de cuidar da criança ou achando que
no pronto-socorro estarão mais seguros em
caso de alguma complicação.
Analisando as origens deste medo,
encontramos que as pessoas mais velhas
ainda ligam a febre a algumas epidemias que
dizimaram populações em passado não muito
distante (ex. febre espanhola, febre amarela), e
as pessoas mais novas temem a ocorrência de
convulsões. Algumas considerações, portanto,
podem ajudar os pais e responsáveis a lidarem
melhor com tal situação.
Várias doenças infecto-contagiosas eram
ainda desconhecidas no passado, tendo a febre
como sintoma comum a quase todas. Muitas
delas são hoje conhecidas e têm tratamento
eficaz ou vacina disponível, deixando de
constituir causa de tanta apreensão. A
convulsão febril também é hoje uma entidade
bastante estudada e conhecida, e sabemos
que pode ocorrer em crianças predispostas
geneticamente (cerca de 3 a 5% da população
pediátrica).
24
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 24-25
Caracteristicamente, este tipo de crise
convulsiva acontece nas primeiras horas do
aparecimento da febre, parece não ter relação
com o nível da febre e sim com a rapidez de
sua elevação, incide na faixa etária de 6 meses
a 6 anos, principalmente entre 1 e 2 anos de
idade, na maioria das vezes é um episódio
único (60% dos casos), tem curta duração e
não apresenta sinais de crise complexa, não
deixando sequelas neurológicas.
Sendo assim, seria interessante que os pais
entendessem que compressas e a injeção
aplicada nos pronto-socorros não são capazes
de evitar a crise convulsiva desta natureza,
porque caracteristicamente a febre do primeiro
dia de doença é, em geral, alta e rebelde ao
tratamento. Febre é para ser tratada, se preciso,
em casa, com antitérmico oral ou sob forma
de supositório (em caso de vômitos), roupas
frescas, ambiente ventilado, oferta generosa
de líquidos e muita serenidade.
As crianças que são portadoras de
predisposição genética e já apresentaram
algum episódio devem estar corretamente
orientadas pelo pediatra para as medidas a
serem adotadas em vigência de febre.
NEVES FILHO AC
Por fim, é importante a noção de que a
convulsão febril é evento raro tendo em vista
a frequência dos episódios de febre, ocorre
numa minoria de crianças e não acarreta dano
neurológico. Munidos destas informações, os
pais e responsáveis podem diminuir a onda
de febrofobia reinante na cidade, advinda da
mentalidade alarmista e medicalizante que
infelizmente domina a maior parte da nossa
população.
Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Almir de Castro Neves Filho
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 24-25
25
Olhar do Especialista
CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOPEDIATRIA
Palliative Care in Pediatrics Oncology
Washington A. Pinto Filho1, Fernando Heládio Pimenta2, Sabrina Melo3, Selma Lessa4
1.Clínico de dor e paliativista. Centro Pediátrico do Câncer/Hospital Infantil Albert Sabin
(CPC/HIAS), Fortaleza-Ce.
2.Médico em especialização de Anestesiologia. Hospital Infantil Albert Sabin (CPC/HIAS),
Fortaleza-Ce.
3.Oncopediatra. Chefe de ambulatório e suporte. Centro Pediátrico do Câncer/Hospital Infantil
Albert Sabin (CPC/HIAS), Fortaleza-Ce.
4.Oncopediatra. Coordenadora médica do Centro Pediátrico do Câncer/Hospital Infantil Albert
Sabin (CPC/HIAS), Fortaleza-Ce.
RESUMO
ABSTRACTS
Introdução: O câncer pediátrico traz
repercussões negativas não só para o paciente,
mas a toda família. O objetivo do trabalho foi
reconhecer os principais sintomas do paciente
terminal e saber como abordá-los de uma
forma multiprofisional e interdisciplinar.
Introduction: Pediatrics cancer brings
negative repercussions not only to the patient,
but all family. The aim of this study was to
recognize the main symptoms of the terminal
patient and know how to approach them in a
multiprofessional and interdisciplinary way.
Método: Acompanhamento dos pacientes
pediátricos oncológicos internados no
Hospital Infantil Albert Sabin por médicos,
enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais,
psicólogos, fisioterapeutas, voluntários e
representantes religiosos.
Methods: Accompaniment of oncologic
pediatric patients hospitalized in Albert
Sabin Infant Hospital by doctors, nurses,
nutritionists, social assistants, psychologists,
physiotherapists, volunteers and religious
people.
Resultados e Conclusão: A abordagem
interdisciplinar dos pacientes pediátricos
oncológicos terminais e de seus familiares
quanto aos cuidados paliativos resultou em
melhor aceitação acerca da situação clínica
do paciente, além de reconhecimento e
tratamento específico dos principais sintomas
incapacitantes e que traziam desconforto a
essas crianças.
Results and conclusion: The interdisciplinary
approach of terminal oncologic pediatrics
patients and their relatives about palliative
care resulted in better acceptance of the
clinical situation of the patient, in addition to
recognition and specific treatment of the main
disabling symptoms and that used do bring
discomfort to these children.
Palavras-chave: Cura, Pediatria, Criança,
Câncer, Oncologia.
26
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 26-29
Keywords: Healing, Pediatrics, Child, Cancer,
Oncology.
PINTO FILHO WA, PIMENTA FH, MELO S, LESSA S
EPIDEMIOLOGIA DO CANCER PEDIÁTRICO:
As neoplasias na infância são uma entidade
rara. Estima-se que, para cada 150 casos novos
de câncer diagnosticados em indivíduos
acima de 18 anos, incida um caso na faixa
etária pediátrica. Apesar disso, as neoplasias
já assumem a principal causa de óbito
relacionado à doença em menores de 18 anos
em países desenvolvidos; somente as causas
externas superam os óbitos por neoplasia¹.
No Brasil, é a terceira principal causa de morte
em menores de 18 anos, sendo superados por
causas infecciosas e traumáticas. Segundo
o Instituto do Câncer (INCA), em 2007, foi
estimado que em 2008 ocorreriam 9890 casos
novos em menores de 14 anos de câncer
infantil². Os tipos de câncer mais comuns
variam dependendo da faixa etária. Para
menores de 14 anos é mais comum ocorrência
de leucemia, linfomas, tumor do sistema
nervoso central e neuroblastoma. Acima de
15 anos aumenta a incidência de linfoma,
tumor do sistema nervoso central e tumores
sólidos³. Nas últimas décadas houve avanço
no prognóstico do câncer pediátrico. Com
o tratamento oncológico na infância a taxa
global de cura supera 80% de sobrevida livre
de doença em cinco anos4.
RECIDIVA TUMORAL E FALHA DO
TRATAMENTO CURATIVO: INTERFASE
CURATIVO/PALIATIVO.
O avanço tecnológico da medicina,
principalmente nas últimas décadas, levou a
oncologia pediátrica ao patamar de cura. Esse
fato traz vários problemas para a medicina. O
paciente que foge ao padrão desejado pode
ser muitas vezes super-tratado ou mesmo
negligenciado pelo oncologista. A justificativa
é o fato de o médico ter passado poucas
vezes por esta experiência. Em um estudo
realizado entre oncologistas pediátricos 92%
referiram falta de cursos formais em cuidados
paliativos, baseando seu aprendizado sobre
cuidados terminais somente na prática diária
e necessitando, portanto, de profissionais
experientes nessa área5.
Dependendo da agressividade do câncer,
diagnóstico tardio, falha ou impossibilidade
do tratamento convencional, muitas crianças
terão necessidade de controles de sintomas
e morrerão decorrentes da agressividade do
tratamento ou progressão da doença. Existe
grande dificuldade de avaliação e controle dos
sintomas nesta população6. Uma das barreiras
encontradas ao se utilizar o tratamento
paliativo é a expectativa irreal de cura por
parte dos pais, seguida da negação da situação
terminal de seus filhos e de conflitos familiares,
o que acaba gerando um obstáculo para a
integração efetiva dos cuidados paliativos no
tratamento da criança com câncer7.
São observadas três condições básicas
para uma transição segura de tratamento
curativo para o paliativo: o diagnóstico
cuidadoso da progressão da doença, por
meio de comprovação com sinais e sintomas
relacionados;
o
reconhecimento
pelo
profissional de que a morte do paciente não
está distante; e assegurar que toda terapia
anti-neoplásica convencional esgotou-se8. O
encaminhamento tardio do paciente para a
assistência de um grupo de cuidados paliativos
dificulta à terapêutica, uma vez que podemos
estar diante de uma fase denominada terminal
nos cuidados9.
Quadro 1= modelo de transição progressiva alocação de recursos e cuidados para doentes
com câncer ou doença crônica.
Fonte: Adaptado, OMS. 1996.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 26-29
27
CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOPEDIATRIA
PRINCIPAIS
SINTOMAS
DOS
PACIENTES EM CUIDADOS PALIATIVOS
PEDIÁTRICOS E NIVEL DE ESTRESSE DE
PACIENTES E SEUS FAMILIARES COM O
CÂNCER TERMINAL
Os problemas mais comuns das crianças,
referidos pelos pais, incluíam: fadiga, dor,
dispneia e perda de apetite. Cerca de 89% das
crianças sofriam substancialmente de pelo
menos um sintoma e 51% sofriam de pelo
menos três sintomas. Esse estudo mostra que
de acordo com o relato dos pais, as tentativas
para controle dos sintomas quase sempre não
foram bem-sucedidas. Em relação às crianças
que foram tratadas para sintomas específicos,
foi obtido sucesso em 27% para tratamento da
dor e em 16% no tratamento da dispneia7.
É observado grande nível de estresse em
crianças e adolescentes no período de
diagnóstico e tratamento. Esse nível de estresse
pode ser demonstrado de diversas formas:
medo, acuamento, choro, raiva, depressão,
ansiedade, dentre outros10. Este estresse
também é observado em pais e familiares,
podendo piorar quando é repassado para a
criança11. Os adultos acreditam que devem
evitar que a criança entre em contato com
certos assuntos, como a morte. Os adultos
acham que estão protegendo do sofrimento,
da angústia e da desorganização que a morte
pode causar, por isso não conversam sobre
este tema e acabam mentindo ou distorcendo
sua compreensão. Porém, é fundamental
ressaltar que a criança é capaz de perceber
estas perdas desde muito pequena, mas de
maneira diferente do adulto12.
A criança com câncer experimenta uma
situação de contínuo enfrentamento com a
morte, principalmente durante a internação,
já que o tratamento é prolongado e marcado
por muitos procedimentos invasivos e
dolorosos. Ela convive com a proximidade
da morte em relação a si própria e aos colegas
de enfermaria, percebendo a deterioração do
seu estado geral e o falecimento das outras
crianças, mesmo quando esse fato não lhe é
revelado.
28
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 26-296
A autoestima da criança fica comprometida,
pois ela sente-se responsável pelo sofrimento
de sua família. Percebe que sua doença
interfere consideravelmente no ritmo familiar
e que já não representa mais uma fonte de
alegria para os pais, mas, ao contrário, de
descontentamento, inclusive por parte dos
irmãos que passam a ter menos atenção
materna13.
DEFINIÇÃO DE CUIDADOS PALIATIVOS
EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Cuidados paliativos são cuidados integrais
ao paciente que, independente do tempo
de vida que reste, necessite de melhora dos
seus sintomas provenientes da patologia
que restrinja sua vida. Esta ação contribui
para uma melhor qualidade de vida não só
ao paciente, mas também aos seus familiares
através de uma abordagem total às suas
necessidades físicas, emocionais, psicológicas,
sociais e espirituais; feita por uma equipe
multiprofissional e interdisciplinar de forma
ativa, contínua, dinâmica e antecipatória14.
Para realizar o atendimento multidisciplinar,
o serviço necessita de uma equipe composta
por médicos, enfermeiros, nutricionistas,
assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas,
voluntários e representantes religiosos.
Desta forma, o paciente é valorizado em sua
totalidade e não apenas de forma fragmentada,
como apenas um portador de câncer15.
Os cuidados paliativos em pediatria
encontram-se incipientes. Estima-se que mais
de 50% das crianças com doenças terminais
morram dentro de um hospital e, mais de 90%
destas, após uma semana de hospitalização
em UTIP16. O paciente pediátrico difere do
adulto por não ter capacidade de decidir
sobre as condutas que devem ser tomadas
no seu final de vida. Sendo assim, a família
possui papel fundamental, já que defende o
melhor interesse da criança. Após o consenso
médico sobre a irreversibilidade e necessidade
de cuidados paliativos, a família deve ser
comunicada e convidada a participar de todos
os passos que se seguem na definição dos
planos para melhora dos sintomas17.
PINTO FILHO WA, PIMENTA FH, MELO S, LESSA S
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Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Washington A. Pinto Filho
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 26-29
29
Olhar do Especialista
SEQUÊNCIA DE PIERRE ROBIN: UMA BREVE ATUALIZAÇÃO
The Pierre Robin syndrome: a brief update
Diego Thiers Oliveira Carneiro1, José Ferreira da Cunha Filho2, Raquel Nascimento da Silva3.
1. Cirurgião dentista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e integrante voluntário
da Associação Beija-Flor-Funface, Fortaleza-CE, Brasil.
2. Cirurgião dentista e Mestre em Cirurgia. Especialista em Cirurgia Bucomaxilofacial. CoFundador da Associação Beija-Flor-Funface e Staff do Núcleo de Assistência Integral ao
Fissurado do Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza-CE, Brasil.
3. Fonoaudióloga pela Universidade de Fortaleza. Mestre em Saúde Pública. Conselheira da
Associação Beija-Flor-Funface e Staff do Núcleo de Assistência Integral ao Fissurado do
Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza-CE, Brasil.
RESUMO
ABSTRACT
A Sequência de Pierre Robin (SPR) é definida
como uma tríade de anomalias caracterizada
por micrognatia e/ou retrognatia, glossoptose
e obstrução das vias aéreas superiores. A maioria
dos portadores apresentam fenda palatina.
Obstrução das vias aéreas e dificuldades
na alimentação são as manifestações mais
comuns e mais graves no período neonatal
na SPR. A prioridade no tratamento deve ser
a manutenção da permeabilidade das vias
aéreas. Neste trabalho serão apresentados:
etiologia, manifestações clínicas, diagnóstico
e modalidades de tratamento para esses
pacientes com o objetivo de esclarecer ainda
mais sobre este evento para que o correto
tratamento multidisciplinar seja adotado pela
equipe responsável.
The Pierre Robin Sequence (PRS) is defined
as a triad of anomalies characterized
by micrognathia and / or retrognathia,
glossoptosis and upper airway obstruction.
Most patients have cleft palate. Airway
obstruction and feeding difficulties are the
most common manifestations and more
severe in the neonatal period in the SPR. The
priority in treatment should be to maintain
airway patency. This work will be presented:
etiology, clinical manifestations, diagnosis and
treatment modalities for these patients in order
to further clarify on this event so that proper
treatment is adopted by a multidisciplinary
team responsible.
Palavras-chave: Síndrome de Pierre Robin,
Fenda Palatina, Síndromes Genéticas.
INTRODUÇÃO
Historicamente,
Fairbairn
em
1846,
Lannelongue e Menard em 1891, foram os
primeiros a descrever a Síndrome de Pierre
Robin em pacientes que apresentavam
micrognatia, fenda palatina e retroglossoptose.
Pierre Robin, estomatologista francês, em 1923,
30
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 30-34
Keywords: Pierre Robin Syndrome, Cleft
Palate, Genetic Syndromes.
apontou para a associação da glossoptose e
micrognatia. Citações de fendas palatinas em
seus escritos foram relatadas onze anos mais
tarde1,2,3. Em 1974 a tríade foi denominada de
Síndrome de Pierre Robin4.
Por definição, o termo síndrome é utilizado
quando há presença simultânea de várias
CARNEIRO DTO, CUNHA FILHO JF, SILVA RN
anormalidades originadas de uma única
etiologia. O termo sequência é utilizado
quando há várias anormalidades originadas
de uma cascata de eventos iniciada por uma
única malformação2,4. Logo, o termo Síndrome
de Pierre Robin passou a ser denominada de
Sequência de Pierre Robin (SPR).
estudo citogenético de portadores da SPR isoladas,
sugeriu que suas manifestações clínicas podem ser
causadas por mutações genéticas nos genes SOX9 e
KCNJ2.12 Há ainda os que afirmam que ocorre um
atraso na maturação neurológica dos portadores,
observado pelo retardo na condução no nervo
hipoglosso, resultando em déficit motor da língua e
pilares faríngeos13.
A SPR é definida como uma tríade de anomalias
caracterizada por micrognatia e/ou retrognatia,
glossoptose e obstrução das vias aéreas superiores 5.
Em 10% dos casos a fenda palatina não esta
presente,3,6 o que faz esse evidência clínica não
ser essencial para o diagnóstico7. Obstrução das
vias aéreas e dificuldades na alimentação são as
manifestações mais comuns e mais graves no
período neonatal. Há uma heterogeneidade nas
manifestações clínicas8 observando expressões
leves de dificuldades respiratórias e alimentares até
graves crises de asfixia, que podem levar ao óbito
se não houver uma rápida intervenção médica9,10.
Alterações craniofaciais sindrômicas podem vir
acompanhadas na SPR como a síndrome de Stickler,
síndrome de Treacher Collins e a síndrome de
Neger, por exemplo6. Estima-se uma prevalência
de 1:8500 nascidos vivos, com 80% associado com
alguma síndrome. A razão de distribuição por sexo
é de 1:1.
Os pacientes apresentam graus variados de
obstrução das vias aéreas superiores. Nos
casos mais severos são evidentes os episódios
de asfixia, apneia, cianose14 e dificuldades na
alimentação. O quadro é ainda mais grave no
período neonatal.2 A obstrução respiratória na SPR
nem sempre é causada pela glossoptose; outros
mecanismos podem estar envolvidos. Ribeiro et
al. em 1999, evidencia que em 1992 foi utilizado
um nasofaringoscópio, flexível de fibra ótica em
recém nascidos para averiguar a obstrução faríngea
superior em pacientes com SPR. Quatro diferentes
tipos de mecanismos de obstrução das vias aérea
superiores foram encontrados.
O tratamento da SPR pode ocorrer por intermédio
de uma terapia conservadora ou por meio de
intervenção cirúrgica. Inicialmente são realizadas
manobras conservadoras de tratamento. As
técnicas cirúrgicas são realizadas sempre com o
objetivo de desobstrução das vias aéreas superiores
caso a terapia conservadora não tenha o sucesso
esperado10.
ETIOPATOGENIA, MANIFESTAÇÕES
CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO
A etiologia da SPR tem sido discutida ao longo
do tempo por alguns pesquisadores.11,2,10 Citações
sobre posições intrauterinas anômalas do feto
durante a sua formação são relatadas.11 Existem
os que acreditam na participação de fatores
genéticos devido a relatos de histórico familiar.2,10
Outros, não colocam a hereditariedade como fator
determinante para o desenvolvimento da doença.
Entretanto, Jakobsen et al. em 2007, em seu
Tipo 1: movimento posterior do dorso da língua
para parede posterior da faringe.
Tipo 2: além do movimento posterior, a língua
comprime o palato mole ou restos do palato fendido
contra a parede posterior da faringe, ocorrendo uma
justaposição da língua, velum e parede posterior da
faringe, na posição superior da orofaringe.
Tipo 3: as paredes faríngeas laterais se movimentam
medialmente, opondo-se uma a outra.
Tipo 4: a faringe contrai de maneira circular ou
esfinctérica, em todas as direções15.
O recém-nascido portador da SPR pode apresentar
comprometimento em vários sistemas. O sistema
cardiovascular, em alguns casos, é afetado com
estenose pulmonar, forame oval persistente, defeito
no septo atrial e hipertensão pulmonar primária.
No sistema músculo-esquelético eventualmente
ocorrem
sindactilia,
falanges
displásicas,
polidactilia, clinodactilia, hipermobilidade articular
e oligodactilia em membros superiores. No sistema
nervoso central já foi relatado atraso de linguagem,
epilepsia, atraso no desenvolvimento psicomotor
e hidrocefalia. Defeitos geniturinários como a
criptoquidia e hidrocele podem ser observados. Nas
extremidades inferiores, mal formações femorais
no quadril, joelhos e tíbia4.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 30-34
31
SEQUÊNCIA DE PIERRE ROBIN: UMA BREVE ATUALIZAÇÃO
O exame ultra-sonográfico morfológico é de
fundamental importância para o diagnóstico
pré-natal da SPR com os sinais podendo
ser vistos na 13ª. semana de gestação No
entanto, a identificação das fendas palatinas é
possível apenas entre a 28ª. e 30ª. semanas de
gestação16. Com isso, as fendas, mal formações
craniofaciais mais prevalentes, podem ser
reconhecidas por este exame, o que implica
um aconselhamento pré-natal adequado as
gestantes17,4. A micrognatia é outra alteração
que é possível de ser visualizada durante o
exame. Embora esta condição esteja presente
em várias anomalias e o prognóstico fetal da
micrognatia ser pobre, ela já pode indicar
alguma alteração de desenvolvimento, como
evidenciado por Morokuma et al. em 201018.
TRATAMENTOS
O tratamento dos pacientes com SPR isolada
ou associada a alguma síndrome acontece
de forma multidisciplinar envolvendo
cirurgião
bucomaxilofacial,
cirurgião
plástico, neonatologista, médico pediatra,
fonoaudiólogo. O objetivo é verificar a relação
maxilo-mandibular, manutenção ou não da
anatomia oronasofaríngea e a localização da
obstrução das vias aéreas superiores além
das dificuldades de alimentação. A equipe
multidisciplinar é a ideal para diagnosticar e
elaborar o devido plano de tratamento14.
Embora algumas instituições10 tenham
elaborado seus próprios protocolos de
atendimentos, ainda não existe um consenso
absoluto em relação ao tratamento para
portadores da sequência de Robin.9 Os
diferentes tipos de obstrução respiratória
(classificação 1, 2, 3 e 4), direcionam o tipo de
tratamento e o prognóstico do paciente10,2.
O tratamento é basicamente abordado por
duas frentes; condutas não cirúrgicas e as
cirúrgicas, sendo esta última realizada com
o critério básico do insucesso da terapêutica
não cirúrgica.
32
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 30-34
► Conduta não cirúrgica
Os
tratamentos
conservadores
mais
realizados são: tratamento postural, também
conhecido como posição prona onde a criança
é manipulada em posição de decúbito ventral;
intubação nasofaríngea que consiste na
instalação de uma cânula de intubação com
diâmetro de 3 a 3,5mm, introduzida de 7 a
8cm pela narina até a faringe e cortada 1cm
para fora da narina10.
A posição prona é indicada quando a criança
apresenta uma leve dificuldade respiratória e
alimentar. A melhora do quadro não é atribuída
somente à posição em decúbito ventral, mas
principalmente pela extensão cervical. A
intubação nasofarígea tem a sua indicação
quando os padrões respiratórios apresentamse com grandes alterações, levando a um
quadro mais grave como nos eventos de
cianose, apneia, palidez, importante esforço
respiratório e queda de saturação de oxigênio
para valores menores ou iguais a 90%. Os
objetivos da intubação nasofaríngea são
manter um bom padrão respiratório, reduzir
o esforço respiratório, manter a saturação
maior que 90%, melhorar a aceitação oral dos
alimentos, consequentemente diminuindo o
tempo de uso da sonda alimentar e promover
o ganho de peso10.
As placas ortodônticas de palato com
dispositivos na região anterior fazem parte
do arsenal de medidas conservadoras para se
evitar o tratamento cirúrgico.
A terapia conservadora é realizada nos 15
primeiros dias depois do diagnóstico com a
monitoração da evolução clínica do paciente,
pois períodos maiores que esses induzem
problemas associados ao uso de sondas e o
aumento do tempo de internação.
Os procedimentos cirúrgicos como a
glossopexia, traqueostomia e a instalação de
distratores mandibulares estão indicados
quando não se tem o sucesso da terapia
conservadora10.
CARNEIRO DTO, CUNHA FILHO JF, SILVA RN
► Conduta cirúrgica
O padrão de obstrução do tipo 1, oriunda
da verdadeira ptose lingual, é a obstrução
respiratória mais comumente encontrada na
sequência de Pierre Robin, correspondendo
aproximadamente 80% dos casos e possui
um melhor prognóstico. A glossopexia,
para aliviar o desconforto respiratório,
está indicado somente nos casos tipo 1 de
obstrução que não melhoram com a intubação
nasofaríngea por um período máximo de 15
dias10.
Outro procedimento cirúrgico é a distração
óssea mandibular. É uma técnica recente
que vem sendo utilizada para tratamento da
complicação respiratória da SPR2. Consiste
no alongamento mandibular a partir de um
calo ósseo permitindo a acomodação correta
da língua no assoalho bucal com um distrator
ancorado no ângulo da mandíbula6.
Pacientes portadores de Sequência de Pierre
Robin admitidos no Hospital Infantil Albert
Sabin.
A glossopexia foi inicialmente descrita
por Douglas em 194615 e desde então vem
sofrendo adaptações para um melhor
exercício cirúrgico. O procedimento implica
na fixação da língua no lábio inferior e na
mandíbula por meios de fios de sutura. O fio
de sutura e retirado após a melhora do quadro
respiratório2.
A. Paciente com micrognatia característica
no pré-operatório ao procedimento de
glossopexia.
Pacientes acometidos pelas obstruções tipo
2, 3 e 4 normalmente estão associados a
síndromes genéticas, problemas neurológicos
e outras malformações.2 Marques et al.
em 2005, observaram que pacientes com
tipo 2 de obstrução necessitaram de
traqueostomia em 50% dos casos para aliviar
os desconfortos respiratórios. Nos casos 3 e
4, a traqueostomia com ou sem gastrostomia
foi o único tratamento que possibilitou o
alivio na obstrução respiratória e melhora na
alimentação10.
A Sequência de Pierre Robin possui uma
heterogeneidade em suas características
clínicas o que permite realizar o diagnostico
em quatro padrões clínicos diferentes,
dependendo
do
comprometimento
respiratório. É necessária uma atenção
multidisciplinar e interdisciplinar para a
realização do tratamento, uma vez que muitos
componentes do sistema estomatognático
estão envolvidos. O tratamento não cirúrgico é
a primeira escolha de tratamento. Entretanto,
o seu insucesso conduz a realização de
procedimentos cirúrgicos como a glossopexia,
traqueostomia ou distração óssea mandibular.
A
B. Um segundo paciente no pós-operatório ao
procedimento de glossopexia.
CONCLUSÃO
B
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Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Diego Thiers Oliveira Carneiro
E-mail: [email protected]
34
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 30-34
Desafio Clínico
INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DE PANCITOPENIA E
HEPATOESPLENOMEGALIA: QUANDO O RARO É IMPORTANTE
Diagnostic investigation of pancytopenia and hepatosplenomegaly:
when rare means important
Erlane Marques Ribeiro
Médica geneticista, doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Titular da Sociedade Brasileira de Pediatria e de Genética Médica. Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), Fortaleza-CE.
RESUMO
ABSTRACTS
O artigo mostra a investigação de um paciente com
pancitopenia e hepatoesplenomegalia. Apesar
da maior prevalência de doenças infecciosas, as
doenças raras podem ocorrer na prática clínica. O
reconhecimento dos sinais cardinais nesses casos
deve ser acompanhado por uma investigação
adequada. O diagnóstico de certeza é importante
para instituição do tratamento adequado e para o
aconselhamento genético.
The paper shows the investigation of a patient
with pancytopenia and hepatosplenomegaly.
Despite the higher prevalence of infectious
disease, rare disease can occur in clinical
practice. The recognition of the cardinal
signs in these cases should be followed by
an appropriate diagnostic investigation.
The definitive diagnosis is important for
appropriate treatment and genetic counseling.
Palavras-chave: Criança, Anemia,
Diagnóstico, Hepatoesplenomegalia
Keywords: Child, Anemia, Diagnostic,
Hepatosplenomegaly
Caso clínico
ABD: fígado 4 cm abaixo do rebordo costal
direito, baço na fossa ilíaca esquerda, sem
circulação colateral.
ID: menor de 9 anos, sexo feminino, procedente
de Tabuleiro do Norte, deu entrada no HIAS
em 13/2/2003.
QP: barriga grande.
HDA: Paciente com febre moderada há 4 dias.
Outras queixas eram: hepatoesplenomegalia,
palidez e adinamia.
História familiar: Mãe G3P2A1, pais
consanguíneos.
EF: Estado geral regular, afebril, hidratada,
acianótica,
anictérica,
palidez
3+/6+,
cooperativo, orientada no tempo e no espaço,
sem adenomegalias, peso e estatura abaixo do
percentil 3.
Extremidades:
alterações.
sem
edemas
ou
outras
Exames:
Hemograma com leucócitos= 4.500; Hb= 10,6;
Ht=31; plaquetas= 52.000.
US abdome: hepatoesplenomegalia.
Quais os pontos chave?
Observa-se criança de 9 anos com
- febre auto-limitada
- pancitopenia
- hepatoesplenomegalia
ACP: normal.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 35-37
35
INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DE PANCITOPENIA E HEPATOESPLENOMEGALIA
Quais os diagnósticos sindrômicos?
- síndrome febril
- síndrome de hepatoesplenomegalia
- síndrome de pancitopenia
Explorando os diagnósticos sindrômicos
Síndrome febril
A febre é o que geralmente traz a criança
ao hospital, podendo ser um achado que
acompanha a doença de base ou um quadro
agudo intercorrente. Esse achado sempre é
um sinal de alerta, que pode acompanhar
uma doença crônica, no caso de doenças
inflamatórias, mas na maioria das vezes
representa um processo infeccioso, podendo
ser grave para um indivíduo que tem
pancitopenia.
Síndrome de hepatoesplenomegalia
Como órgãos de defesa, sede do tecido
retículoendotelial, o fígado e o baço podem
se hipertrofiar em estados infecciosos agudos
ou crônicos como doenças hemolíticas, erros
inatos do metabolismo, infecções, doenças
mieloproliferativas;
Como órgão de depuração, o fígado pode se
hipertrofiar em quadros de intoxicação, mas
raramente teremos uma esplenomegalia mais
proeminente do que a hepatomegalia;
Devido a rede vascular, o fígado pode se
ingurgitar e aumentar suas dimensões em
distúrbios circulatórios como insuficiência
cardíaca, mas raramente teremos um baço
com aumento tão importante;
De posse dessas informações, a maior
possibilidade é de se tratar de uma alteração
do
tecido
reticuloendotelial,
devendo
ser investigadas as causas infiltrativas,
inflamatórias, infecciosas.
Exames complementares
Pelo quadro exposto devemos iniciar a
investigação com um hemograma completo
para confirmar as alterações encontradas
36
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 35-37
no primeiro exame. O estudo da função
hepática pode mostrar alterações sugestivas
de insuficiência hepática e coagulopatia. A
eletroforese de hemoglobina pode excluir
doenças hemolíticas. O US abdome pode
mostrar infiltração tumoral. O estudo para
Calazar pode determinar o quadro etiológico.
O mielograma pode esclarecer um processo
mieloproliferativo. A dosagem sérica da
atividade da quitotriosidase, esfingomielinase
e beta-glicosidase pode determinar as doenças
de depósito lisossomal como D. NiemannPick e doença de Gaucher.
Resultado dos exames
Solicitamos um novo hemograma que mostrou
as mesmas alterações do exame realizado
anteriormente, com anemia normocrômica e
normocítica. A função hepática e a eletroforese
de hemoglobina eram normais. O US de
abdome
revelou
hepatoesplenomegalia,
porém não foram realizadas as medidas
das visceromegalias. O estudo para Calazar
foi negativo. O mielograma revelou
diseritropoese discreta e presença de FOAM
CELLS. Quitotriosidase = 10.745 (8,8-132),
beta-glicosidase = 0,13 (10-45).
A presença de FOAM CELLS na biopsia de
fígado ou mielograma faz a suspeita de doença
de Gaucher, mas o diagnóstico etiológico só
é possível com o estudo da deficiência da
atividade da beta-glicosidase ou o estudo
molecular com a identificação da mutação
responsável pela doença de Gaucher.
Esse quadro afasta as hipóteses diagnósticas
em discussão anterior e revela a doença de
Gaucher tipo I, cujo aumento de quitotriosidase
e a atividade da beta glicosidase baixa impõem
o diagnóstico etiológico de D. Gaucher e a
necessidade do tratamento com reposição
enzimática endovenosa.
Discussão
O quadro clínico em questão é de doença
de Gauher tipo I, pois a criança não tem
comprometimento neurológico e a baixa
atividade enzimática foi comprovada por
exame laboratorial.
RIBEIRO EM
Apesar de ser uma doença rara, cuja
incidência é 1:40.000, a doença de Gaucher
tipo I deve ser suspeitada em todos os casos
de hepatoesplenomegalia a esclarecer, pois o
tratamento dessa doença tornou-se disponível
no Brasil pelo Ministério da Saúde desde 2005,
através do Sistema Único de Saúde.
É importante conhecermos também os
aspectos epidemiológicos em questão, pois
no município de Tabuleiro do Norte temos
uma grande incidência de doença de Gaucher,
sendo cerca de 1:4.000, com uma freqüência
semelhante a Israel, onde essa doença é
100 x mais frequente do que na população
geral. A consanguinidade entre os pais, que
é freqüente em Tabuleiro do Norte, também
chama atenção para a provável existência de
uma doença genética.
O diagnóstico de doença de Gaucher deve
ser precoce, já que pode ser considerada uma
negligência médica o retardo do início do
tratamento, principalmente se por falta de
conhecimento, o diagnóstico seja retardado e
o comprometimento ósseo se instale, fazendo
com que o paciente perca definitivamente
a condição de deambulação por uma
osteonecrose, tornando-se deficiente físico.
Por ser uma doença genética com risco de
recorrência de 25% para a prole do casal
que tem um filho afetado, o aconselhamento
genético é imperativo, sendo o único modo de
prevenção da doença, a partir da informação
dos fatos médicos. A família deve ser
informada sobre esse risco para que tenha
o direito a opção reprodutiva de forma não
diretiva.
O paciente deve ser acompanhado clinicamente
em um centro de referência, que no nosso
estado é o HIAS, para que receba tratamento
especializado. Qualquer profissional da área
de saúde pode ser capaz de realizar a suspeita
clínica da doença de Gaucher e encaminhar
o paciente para o centro de referência, que
poderá providenciar os exames necessários
para a realização do diagnóstico etiológico e o
acompanhamento clínico para que o paciente
se torne assintomático e possa exercer seu
papel na sociedade.
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normal individuals and from patients with
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Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Erlane Marques Ribeiro
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 35-37
37
Diretrizes Clínicas
ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA
Cardiac arrhthymia in children: Bradycardia
Henrique Gonçalves Campos
Cardiologista pediátrico. Mestre em Saúde da Criança e Adolescente. Médico do Serviço de
Cardiologia Pediátrica do Hospital Infantil Albert Sabin. Fortaleza-CE.
INTRODUÇÃO
CLASSIFICAÇÃO
Arritmias ou disritmias são alterações da
frequência e ritmo cardíaco que decorrem
de alterações na formação ou na condução
do estímulo elétrico através do sistema de
condução das estruturas do coração. Os
sintomas são determinados por seus efeitos
sobre o débito cardíaco, pela presença ou
ausência de doença cardíaca e pela idade do
paciente. Alguns sintomas podem ser súbitos
e não específicos, como anorexia, letargia,
náusea, precordialgia e tontura. Outros
sintomas podem ser mais específicos como
palpitações, insuficiência cardíaca, síncope ou
parada cardiorespiratória.
Diversos são os critérios utilizados para
classificar as arritmias cardíacas. Estas podem
ser divididas em dois grupos, sendo que neste
número serão abordadas as bradicardias
(Quadro 1):
• Bradicardia – quando há diminuição da
frequência cardíaca ou despolarização
tardia (escape).
• Taquiarritmias – quando há aumento da
frequência cardíaca ou batimento precoce.
Quadro 1. Tipos de bradiarritmias.
TIPO
CARACTERÍSTICAS
PRINCIPAIS CAUSAS
• Hipóxia
• Aumento do tônus vagal
• Hipo/hipercalemia
• Intoxicação (digitálica, betabloqueadores, bloqueadores do canal do Ca
• Hipertensão intracraniana
• Hipotermia
• Miocardite
Bradicardia
sinusal
38
ECG
• Frequência cardíaca menor que o normal para a faixa etária
• Ritmo regular
• Ondas P de aparência uniforme, positiva DI, DII, DIII, AVF, precedendo todos os complexos
QRS com intervalo PR
• Intervalo PR adequado para a idade
• Duração QRS normal para a idade
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42
CAMPOS HG
Continuação Quadro 1. Tipos de bradiarritmias.
PRINCIPAIS CAUSAS
• Antiadrenérgicos
• Bloqueadores de canais de cálcio
• Cardite reumática
• Cardiopatia congênita
• Pode ser um achado normal em atletas
BAV 1º. Grau
ECG
• Ritmo regular
• Ondas P normais em tamano e forma, positiva em
DI, DIII,AVF, precedendo cada complexo QRS
• Intervalo PR prolongado, mas constante
• Duração do QRS normal, a não ser que haja atraso na condução intraventricular.
PRINCIPAIS CAUSAS
• Distúrbio de condução no nódulo AV
• Distúrbio no sistema His-Purkinge
BAV 2º. Grau
ECG
• Tipo I – há um alongamento progressivo do intervalo PR até que haja uma onda P não
conduzida
• Tipo II – há uma interrupção súbita e isolada da condução AV, sem aumento do intervalo PR
PRINCIPAIS CAUSAS
• Lesão no sistema His-Purkinge
BAV 3º. Grau
ECG
•Ausência de concordância entre ondas P e complexo QRS (ondas P e QRS com intervalos
regulares entre si, porém independentes, a frequência atrial é maior que a venticular). A
frequência ventriculra depende do ritmo de escpae ventricular)
• Não há intervalo PR verdadeiro
• Complexo QRS estreito ou amplo
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42
39
ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA
TR ATAMENT O DOS RIT MOS DE
BR AD I C ARDIA
Consiste na aplicação imediata das seguintes
medidas.
1.Mantenha via aérea patente, e adequada
ventilação e oxigenação.
2.Providenciar
adequado.
um
acesso
vascular
3.ECG de 12 derivações obrigatório. Instalar
monitor cardíaco/desfibrilador.
4. Avalie as características da bradicardia.
5. Avaliar se a bradicardia está associada
à evidência de perfusão sistêmica
inadequada: hiopotensão arterial, má
perfusão de órgãos-alvo, dificuldade
respiratória e alterações da consciência.
6. Se a bradicardia não estiver associada
à evidência de perfusão sistêmica
inadequada, reavaliar perviabilidade
das vias aéreas, ventilação e circulação
adequadas. A seguir, investigar possíveis
causas (Quadro 2).
Quadro 2.
Fatores causais de bradicardia (6H5T).
- Hipovolemia
- Hipóxia
- Hidrogênio (acidose)
- Hipo/Hiperpotassemia
- Hipoglicemia
- Hipotermia
- Toxinas
- Tensão no tórax
(pneumotórax)
- Tamponamento
cardíaco
- Trauma
- Tromboembolismo
7. Se a bradicardia estiver associada a grave
comprometimento
cardiorespiratório,
apesar da efetiva oxigenação eventilação,
iniciar massagem cardíaca externa.
A hipoxemia é a prinicipal causa
das bradiarritmias. Prosseguir com
intubação traqueal e garantir ventilação e
oxigenação.
40
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42
8.Se houver persistência do ritmo
bradicárdico, iniciar infusão de drogas
para aumentar a frequência cardíaca e
melhorar a perfusão ou para diminuir
o tônus vagal. O uso de epinefrina está
indicado se a bradicardia é sintomática e
persiste apesar da ventilação e oxigenação
efetivas.
9. Administre epinefrina nas doses de 0,01
mg/Kg (0,1 ml/kg 1:10.000) via venosa
ou intra-óssea ou 0,1 mg/kg (0,1 ml/kg
1:1.000) via endotraqueal. Caso persista
a bradicardia iniciar infusão contínua
de epinefrina (0,1 a 0,3 mcg/Kg/min)
ou de dopamina (5 a 20 mcg/Kg/min),
ajustando a dose de acordo com a resposta
clínica.
10. Na suspeita de tônus vagal, toxicidade por
colinérgicos, ou bloqueio átrio-ventricular
primário, iniciar uso de atropina 0,02
mg/Kg, via intravenosa, endotraqueal
ou intra-óssea (dose mínima: 0,1 mg/
dose; dose máxima: 0,5 mg/dose para
crianças e 1 mg/dose para adolescentes).
Podendo repetir a dose em 3 a 5 minutos.
O sulfato de atropina é um fármaco
parassimpaticolítico que aumenta os
batimentos sinusais e atriais, e aumenta a
condução atrioventricular.
11.
Considere o uso de marca passo
transcutâneo de emergência nos casos
de bradicardia causada por bloqueio
atrioventricular completo ou função
anormal do nó sinusal.
12.Se parada cardiorespiratória, consulte o
algoritmo de parada cardíaca.
CAMPOS HG
ALGORITMO DO TRATAMENTO DA BRADICARDIA
AVALIAR FREQUÊNCIA CARDÍACA
 FC menor que o normal para a idade
 Sinais/sintomas de baixo débito sistêmico
MANTER VIA AÉREA PATENTE
OFERECER OXIGÊNIO
ESTABELECER UM ACESSO VENOSO
ECG 12 DERIVAÇÕES
MONITOR CARDÍACO/DESFIBRILADOR
Baixo débito sistêmico
Adequado
Observar/
Monitorizar
Investigar a causa
TRATAR FATORES CONTRIBUINTES
 Hipovolemia
 Hipóxia
 Hidrogênio (acidose)
 Hipo/hiperpotasemia
 Hipoglicemia
 Hipotermia
 Toxinas
 Tensão no tórax (pneumotórax)
 Tamponamento cardíaco
 Trauma
 Tromboembolismo
Inadequado
Epinefrina IV/IOT 0,01 mg/kg
(0,1ml/Kg 1; 10000)
ET; 0,01mg/Kg (0,1ml/Kg 1:1000)
Repetir a cada 3-5 min
Não melhorou
Atropina 0,02 a 0,04 mg/Kg
Repetir S/N respeitando a dose
máxima total
Não melhorou
Considerar marca-passo
transcutâneo
Avaliação por especialista
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42
41
ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA
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Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Henrique Gonçalves Campos
E-mail: [email protected]
42
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42
Humanização Pediátrica
HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL:
AMENIZANDO OS EFEITOS DA INTERNAÇÃO
Humanization in children’s hospitals: attenuating the effects of hospitalization
Isabel Cristina de Mendonça Torres Martins1, Maria Jaqueline Braga Bezerra2
1.Mestranda do curso de Ciências Fisiológicas, Laboratório de Fisiologia Cardiovascular e
renal – LAFCAR da Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza-CE.
2.Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente – UECE. Fortaleza-CE.
RESUMO
ABSTRACT
A assistência a saúde feminina continuava com
muitas questões mesmo após a introdução do
Programa de Assistência Integral de Saúde
da Mulher (PAISM) no final dos anos 90. As
políticas de assistência a mulher veio também
incrementar na assistência a criança, esta
agora sendo observada no âmbito hospitalar,
onde é retirada toda a liberdade infantil de
se brincar ao ar livre em troca de uma vida
presa a um leito cercada de adultos. A fim
de minimizar essa “prisão”, e promover um
ambiente o mais familiar possível para a
criança, é que hospitais vêem implantando
programas de enfrentamento da internação
hospitalar infantil. Esses programas trazem
para a criança de forma lúdica ensinamentos
e entretenimento a fim de minimizar os
efeitos da internação e facilitar o aprendizado.
Esse estudo caracterizado como de revisão
teve como base artigos em língua pátria e
estrangeira visualizados nas bases de dados
tais como: Scielo e Bireme. Conclusão: A
presença materna no hospital é benéfica para
ambos, tendo que ter cuidado com as infecções
cruzadas. A utilização de formas lúdicas
(brincadeiras, leitura, musica e arte) para
desenvolvimento infantil no âmbito hospitalar
é vista como satisfatória por alguns autores
apesar de os mesmos reconhecerem que ainda
precisa-se de mais estudos com esse tema.
The women’s health continued assistance with
many issues even after the introduction of the
Program for Integrated Health of Women
(PAISM) in the late 90s. Assistance policies
also increase a woman came in assisting the
child, now being observed in the hospital,
where withdrawal is complete freedom of
children playing outdoors in exchange for a
life tied to a bed surrounded by adults. In order
to minimize this “prison” and promote an
environment as familiar as possible to the child,
is that hospitals see implementing programs
to fight the childhood hospitalization. These
programs bring to teaching children through
play and entertainment to minimize the effects
of hospitalization and facilitate learning.
This study characterized as review articles
was based on mother tongue and foreign
visualized in databases such as Scielo and
Bireme. Conclusion: The maternal presence in
the hospital is beneficial for both, having to be
careful of cross infection. The use of playful
shapes (games, reading, music and art) for
child development in the hospital is seen as
satisfactory by some authors although they
recognize that still needs to be more studies
with this theme
Palavras-chave: Humanização, Criança,
Hospitalização.
Keywords: Humanization,
Hospitalization.
Child,
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 43-47
43
HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS EFEITOS DA INTERNAÇÃO
INTRODUÇÃO
O SUS (Sistema Único de Saúde) preconiza
como idéia de humanização “a valorização
dos diferentes sujeitos implicados no processo
de produção de Saúde”, põe-se ainda em
saliência, que o esforço de humanização é
percebido como um suporte de real valor,
sendo este disponível ao sujeito que promove
a saúde, entretanto no senso comum, não
é raro que designe o usuário externo como
principal alvo de humanização1,2.
As políticas de assistência a mulher veio
também incrementar na assistência a criança,
esta agora sendo observada no âmbito
hospitalar, onde é retirada toda a liberdade
infantil de se brincar ao ar livre em troca
de uma vida presa a um leito cercada de
adultos, a fim de minimizar essa “prisão”
hospitais vêem implantando programas de
enfrentamento da internação3.
Foi lançado em 2000 pelo Ministério da Saúde
o Programa Nacional de Humanização da
Assistência Hospitalar (PNHAH) que busca
melhorias na instituição e na formação de seus
profissionais tornando seus colaboradores
mais dinâmicos e solidários4,5.
A humanização infantil não pode se limitar ao
leito, devendo a unidade pediátrica fornecer
condições que atendam às necessidades
físicas, emocionais, culturais, sociais e
educacionais para essa criança enferma.
Então há a necessidade de criar um ambiente
recreativo, contendo livros, jogos e brinquedos
seguros para estimular a auto-expressão da
criança.4,5
A permanência da mãe, somada a visitas
ilimitadas às crianças pelos seus pais no
âmbito hospitalar, além de promover o
bem-estar psicológico e emocional maternoinfantil, ajuda no processo de cura, e em
consequência ocorre a diminuição do tempo
de internação acarretando no barateamento
dos custos6.
44
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 43-47
Em contrapartida o risco de infecções com
as permanentes entradas e saídas paternas e
maternas aumenta. Este risco é diminuído,
com a não ocupação do leito por 24 horas, e
restringindo a presença da mãe apenas para
realização de tarefas diárias tais como: banho,
troca de roupa e alimentação7.
A permanência da mãe no hospital faz com
que a equipe de profissionais seja preparada
para lidar com pessoas desconhecidas, leigas
e despreparadas. Essa convivência traz
benefícios se visualizada pelo lado psicológico
infantil, porém famílias desestruturadas
acabam por levar seus problemas para junto
da criança fragilizada8.
A hospitalização pode afetar o desenvolvimento
infantil, mexendo inclusive na sua qualidade
de vida. Para facilitar a situação da criança
internada a equipe busca atividades lúdicas
possíveis de executar no hospital, sendo essa
convivência uma forma benéfica trazendo
conforto9,10,11.
Uma forma de promover o aconchego à criança
é através da brincadeira. O ato de brincar é
uma das formas infantis de comunicação com
o mundo que a rodeia. A manipulação de
brinquedos além de divertir libera temores,
tensões, ansiedade e frustrações, promovendo
satisfação e espontaneidade10.
A criança mesmo no ambiente hospitalar
precisa
se
desenvolver
fisicamente,
psicologicamente e socialmente, isso já está
regulamentado na Lei nº 11.104, de março de
2005, a qual apresenta a obrigatoriedade de
instalações de brinquedotecas nas unidades de
saúde que ofereçam atendimento pediátrico
em regime de internação10,11. A brincadeira é
uma forma de humanização em que a criança
se reequilibra, recicla suas emoções e aguça a
necessidade de conhecer e reinventar tudo isso
desenvolvendo no meio hospitalar atenção,
concentração e outras habilidades que ela
utilizará após a alta12,13,14.
MARTINS ICMT, BEZERRA MJB
Em todas as idades, principalmente na
infância, o brincar é feito com muito prazer,
criando um ambiente alegre, propício a
aprendizagem e uma rápida melhora do
quadro patológico15,18.
Um estudo feito com pacientes internados
numa clínica médica comprovou ser útil
no processo de humanização a prática
biblioterapêutica, sendo fonte de lazer e
de informação, favorecendo o processo
de sociabilização além de proporcionar
momentos de descontração e alegria entre os
pacientes16.
A leitura aliviou tensões e ansiedades
proporcionando momentos de lazer e
entretenimento, ambos favoráveis a evolução
clinica da criança, em somatório com o
despertar a prática da leitura favorecendo o
hábito de ler após alta hospitalar17. Nos programas de humanização a arte é
um grande avanço para a promoção da cura
infantil. É através da pintura, fantoches,
fabricação de brinquedos recicláveis e da
música que a promoção do bem-estar é
assegurada19. É fácil tornar compreensível para as crianças
de forma lúdica as noções de higiene e
cuidados elementares para a saúde através
da arte. Houve também uma maior interação
mãe-filho, o que contribuiu de alguma forma
no sucesso dos tratamentos médicos20,21.
Materiais reciclados têm o potencial para
despertar ações de descobertas que estimulam
a exploração, a imaginação, a fantasia, a
realização permitindo a construção do
mundo interior e exterior, simultaneamente
favorecendo ao desenvolvimento infantojuvenil21,22.
A música desenvolve não só a parte auditiva
da criança como também algumas delas
promovem a melhora na coordenação
motora e o convívio com os “coleguinhas” de
enfermaria23.
O som (música) é utilizado com intervenção
complementar para alívio da dor, na melhora
da angústia espiritual, distúrbio do sono
e desesperança. A música atua no corpo
direta e indiretamente mobilizando emoções
e influenciando em numerosos processos
corporais que por conseguinte propiciam
relaxamento e bem-estar24,25.
A musicoterapia deve ser instalada não
somente em hospitais, mais também em
unidades de saúde, beneficiando o bem estar
social utilizando instrumentos musicais e
aparelhagem de som25.
Justifica-se então o conhecimento, por parte
dos profissionais de saúde, dos métodos
de humanização hospitalar para que a
permanência da criança no hospital seja o
menos traumática e prejudicial possível.
Esse estudo tem como objetivo esclarecer
as formas de humanizar o meio hospitalar
infantil e seus benefícios.
METODOLOGIA
Esse artigo é caracterizado como bibliográfico
de revisão, onde as pesquisas foram feitas
através e artigos científicos elaborados em
língua pátria e também estrangeira. Os artigos
foram retirados dos sites tais como Scielo,
Bireme e Pubmed.
CONCLUSÃO
A passagem prolongada da criança no
ambiente hospitalar irá desfavorecer seu
desenvolvimento físico, psicológico e social,
além de afastar do seu convívio diário, sua
progenitora e familiares.
Em busca de minimizar esses efeitos a equipe
de profissionais busca através da música, do
teatro, da leitura e da brincadeira promover
não só o bem-estar parcial, mas, também tentar
prolongar esse sentimento o quanto possível.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 43-47
45
HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS EFEITOS DA INTERNAÇÃO
A presença da mãe foi relatada por muitos
autores, alguns, porém enfatizando não só o
lado bom, mas, o ruim tais como infecções e
surgimento de problemas extra hospitalar.
É necessário que esses estudos continuem,
pois uma criança bem assistida e alicerçada
numa base familiar trará um retorno positivo
a sociedade quanto adulto.
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Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Isabel Cristina de Mendonça Torres Martins
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 43-47
47
Ensino in Foco
ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS
Pediatric education and medical care for children
Álvaro Jorge Madeiro Leite
Doutor em Pediatria. Professor Titular de Pediatria da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE.
1. CRIANÇA E MEDICINA PEDIÁTRICA:
encontros possíveis
A Pediatria é no dizer do Professor Pedro de
Alcântara “a Medicina da pessoa humana
em desenvolvimento”. Assim, a Pediatria se
ocupa da totalidade dos problemas de saúde
de uma fase da vida, analogamente ao que se
verifica com a Geriatria ao se debruçar sobre
os problemas de saúde da pessoa em idade
avançada. A conseqüência imediata é de que
a Pediatria não constitui uma especialidade
médica como tradicionalmente se costuma
classificar. Ela não se restringe a um órgão ou
conjunto de órgãos, como por exemplo, outros
campos: Otorrinolaringologia, Oftalmologia,
Cardiologia, Pneumologia. Tampouco se
restringe a um aparelho ou conjunto de aparelhos
(Urologia, Ortopedia, Ginecologia etc.).
De modo marcante, a Pediatria está
predestinada a oferecer um lugar especial às
mães, uma vez que é através delas (e da leitura
que elas são capazes de empreender) que
chegam ao médico assistente, a tradução dos
problemas de saúde de seus filhos. Crianças
sintetizam a fase da vida de mais intenso e
inadiável desenvolvimento, fase em que o
alicerce de toda uma vida se estrutura e se
consolida. Portanto, cuidar de crianças nos
impele a pensar em pessoas humanas dentro
de uma teia de relações que favorecem ou
desfavorecem esse desenvolvimento.
48
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53
Crianças são produtos de projetos familiares,
com destaque especial, aos projetos maternos,
que podem ser bem ou mal sucedidos; são
pessoas em fase de vulnerabilidade máxima
e limitada autonomia. Portanto, além de
cuidados físicos essenciais e de proteção,
as crianças precisam ser contempladas
em outras necessidades vitais para seu
desenvolvimento mental e emocional, em
particular, a necessidade de construir bons
relacionamentos afetivos.
Tais aspectos tornam a Medicina Pediátrica um
empreendimento humano e profissional de
longo alcance, onde se mescla responsabilidade
e prazer, uma disciplina médica intelectual
e afetivamente desafiadora. Complexa e ao
mesmo tempo, sedutora. Isto se reflete nas
múltiplas e diferentes habilidades que devem
possuir ou adquirir os médicos que cuidam
de crianças. Vamos exemplificar tomando
como análise os diferentes conhecimentos
e habilidades para atender uma criança de
quatro meses de idade e outra de quatro anos
de idade. Que diálogo é possível? Quais as
características desse diálogo? Que questões
preventivas e que questões psicossociais
devem ser abordadas? Que habilidades são
necessárias para realizar o exame clínico?
Como contemplar as demandas familiares
oriundas das mais diversas configurações
(renda, escolaridade, rede de apoio familiar,
ambiente comunitário)? Como contemplar,
em especial, as demandas maternas em cada
cenário? E a autonomia de cada uma dessas
crianças, como se manifesta na consulta?
LEITE ÁJM
Todos esses aspectos embelezam o desafio de
atender, integralmente, cada criança e suas
circunstâncias de vida singular, inscritas numa
dinâmica familiar e comunitária próprias.
Aqui uma ressalva: não é razoável exigir que
no início da formação clínica para atender
crianças o aluno ou residente seja capaz de
oferecer respostas adequadas à demandas
tão complexas e multifacetadas. Claro está,
que tais habilidades só são passíveis de
serem desenvolvidas ao longo do tempo e
do processo individual de amadurecimento
de cada aluno. O interesse e a dedicação por
parte do aluno aliados à disponibilidade
de estrutura de ensino adequada são os
elementos facilitadores da formação de um
clínico experiente e habilitado para cuidar de
crianças.
2. A CONSULTA NO AMBULATÓRIO
À CRIANÇA SAUDÁVEL: DIÁLOGO
MÉDICO-MÃE-CRIANÇA
O relacionamento do estudante ou residente
que vai atender crianças deve ser precedido de
alguns conhecimentos técnicos e de algumas
habilidades afetivas e comunicacionais (aqui
falaremos com mais ênfase da relação com as
mães como representantes mais constantes
nas consultas e devido às características do
relacionamento especial que mantém com
seus filhos):
1.O paciente (ou cliente) da Medicina
Pediátrica são as crianças. No entanto,
crianças, em particular, as de menor
idade, não têm autonomia, independência
nem linguagem verbal suficientes para
estabelecer um padrão de comunicação
que possibilite um adequado desenrolar
da entrevista clínica. Crianças precisam
de adultos que traduzam seus problemas;
essa contingência é mais um dos aspectos
que a diferenciam da Medicina de
Adultos. Como decorrência, habilidades
específicas são necessárias ao clínico
para captar e desvendar a natureza dos
problemas trazidos à consulta.
2. Atenção especial deve ser dada à fala das
mães, o que implica em disponibilidade
para escutar as preocupações e aflições
maternas. Freqüentemente, precisamos
estar atentos para identificar os reais
motivos da consulta clínica e, para
isso, precisamos aprender a acolher as
demandas e o discurso das mães, ou
seja, é a partir da percepção materna que
o estado de saúde da criança (queixas,
sinais, sintomas) nos será apresentado.
Em suma, é constituinte de uma boa
consulta saber distinguir o problema
clínico da criança e a eventual leitura
ansiosa ou distorcida que nos traz sua
mãe; ambas as demandas precisam ser
compreendidas e, consequentemente,
abordadas adequadamente. Aqui, não
significa destituir de validade à percepção
inadequada que pode ter a mãe sobre
a saúde de sua criança, e sim, ajudá-la a
entender a distinção entre suas ansiedades
e o problema da criança. Esse é um
aspecto indispensável para estabelecer
um relacionamento afetivo, de confiança
e caminhar na perspectiva de uma
consulta acolhedora de demandas onde a
abordagem de possibilidades terapêuticas
tenha sucesso.
3.O estudante deve ter uma compreensão
geral das necessidades específicas das
crianças e das características da interação
que devem estabelecer com elas, na
dependência da faixa de idade e da
condição de gravidade clínica do problema
de saúde em foco. Assim, atender a uma
criança de quatro meses de idade em
visita de puericultura ou com uma ferida
superficial na pele ou, uma criança de 15
meses com pneumonia exige abordagens
técnicas, afetivas e comunicacionais
bastante distintas. Justificativas: crianças
sadias ou doentes mobilizam distintos
graus de ansiedade nas mães e em quem as
atendem; são completamente diferentes as
estratégias de comunicação e habilidades
necessárias para realizar o exame clínico,
que devemos utilizar com crianças sadias
ou doentes ou com crianças de diversas
faixas de idade.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53
49
ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS
4. A característica das crianças de estarem
em permanente processo de interação
com outras pessoas, com trocas
intersubjetivas, em distintas fases de
crescimento físico, de desenvolvimento
mental e emocional trazem demandas
específicas para o atendimento. No
campo clínico, sobressaem-se a lógica
da PREVENÇÃO e da ORIENTAÇÃO
ANTECIPADA. Assim, além de respostas
aos problemas específicos de saúde física
(impetigo, amidalite, otite, diarreia, etc.),
tem lugar obrigatório na consulta uma
série de estratégias de prevenção e de
orientação antecipadas. Recomendar teste
do pezinho, recomendar uma vacina,
o início da escovação dentária, atenção
às situações cotidianas que favorecem
acidentes, aspectos psicoprofiláticos
(angústia de separação, autonomia,
birra) fazem parte desse elenco de
intervenções. Tais demandas parecem
exaustivas, principalmente as de ordem
psico-emocional. No entanto, podem ser
organizadas de maneira metódica (como
veremos mais adiante).
5.O atendimento de crianças com
demandas comportamentais ou psíquicas
(crianças
excessivamente
tímidas
ou muito birrentas, com problemas
disciplinares graves, alguns distúrbios
alimentares ou do sono, etc.) deve seguir
a mesma lógica clínica da identificação
de problemas de natureza mais grave ou
complexa que extrapolam a capacidade
resolutiva do clínico geral. Por exemplo,
crianças com convulsão afebril de
repetição, infecção urinária complicada
com grave refluxo vésico-ureteral,
adenopatia cervical sugerindo linfoma
devem ser corretamente identificadas e
encaminhadas para os profissionais com
habilidades específicas para resolver o
problema em questão. Nos dois exemplos
(problemas clínicos e problemas psicoemocionais), o clínico deve ser capaz de
identificá-los e não, de ignorá-los e de dar
uma destinação assistencial adequada.
A articulação entre a complexidade e
a gravidade do problema definirá os
limites do atendimento clínico geral e a
necessidade do especialista.
50
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53
3. A CONSULTA NO AMBULATÓRIO À
CRIANÇA SAUDÁVEL: CARACTERÍSTICAS
DO ATENDIMENTO.
A atenção à saúde da criança tem de ser
coerente com o atributo fundamental da
crianças: estar em intenso processo de
crescimento e desenvolvimento. Assim, a
assistência deve ocorrer ao longo do tempo de
maneira organizada através de um programa
de visitas pré-agendadas e com a abertura
para atendimento das intercorrências, seja no
âmbito clínico seja no âmbito mais amplo das
necessidades da família.
O projeto de atendimento às crianças deve
começar durante a gravidez através de uma
consulta realizada com a mulher grávida
durante o pré-natal. Nesta oportunidade,
inicia-se o relacionamento de confiança com
os pais, base indispensável para os encontros
clínicos que estão por vir.
Durante as consultas, o médico deve estar
atento aos fatores culturais, religiosos e
socio-econômicos que poderiam influenciar
a assistência direta à criança. Estes fatores
são determinantes no grau de aceitação dos
genitores em relação às futuras recomendações
e terapias relacionadas com a saúde da criança.
A avaliação adequada do significado desses
fatores não é fácil e requer do médico
sensibilidade para reconhecer as necessidades
individuais da criança. É importante que na 1ª
consulta, os pais reconheçam o desejo sincero
do médico em conhecer bem a criança, sua
família e seu ambiente. Tal aspecto propiciará
o desenvolvimento de um relacionamento
pediatra-criança-família como experiência
compensadora para todos.
Quando os pais levam uma criança sadia à
consulta, o médico deve examinar a criança
integralmente. Ao iniciar a consulta o aluno
ou residente deverá:
•
Receber com empatia os pais. Pedir-lhes
que fiquem a vontade ou sugerir que
sentem.
LEITE ÁJM
• Verificar ou perguntar os nomes dos pais
e da criança.
• Identificar se é a primeira consulta da
criança no ambulatório ou se é consulta de
retorno.
• Iniciar a consulta com uma pergunta
aberta. Exemplo: perguntar se a criança
tem algum problema; que motivos os
trazem à consulta.
É fundamental estabelecer um bom diálogo
com os pais e a criança, utilizando-se de
habilidades de comunicação verbal e nãoverbal. Essa boa comunicação ajudará, desde
o início na confiança e segurança da mãe de
uma boa parceria com o consultor e na sua
aderência às recomendações e tratamentos
propostos. Para isso o consultor deve:
• Escutar atentamente o que a mãe lhe diz.
• Usar palavras que a mãe possa entender.
• Dar tempo para que a mãe responda as
perguntas.
• Fazer perguntas adicionais, caso a mãe
não esteja segura das suas respostas.
• Usar técnicas de comunicação verbal e
não-verbal.
4. CONSULTA NO AMBULATÓRIO GERAL
Para uma criança saudável, a primeira consulta
no ambulatório deve ser realizada sete a dez
dias após a alta da maternidade. A tarefa aqui
é realizar uma história clínica abrangente; tal
estratégia necessita adequar-se à proposta do
serviço de saúde onde se está trabalhando.
4.1. HISTÓRIA PEDIÁTRICA
Limitações de tempo e excesso de pacientes são
fatores a considerar na definição do sistema de
registros a ser utilizado em um Ambulatório
Geral. Uma atenção abrangente a saúde das
crianças envolve:
-
Identificar os motivos da consulta, a
história do problema atual, relações entre
o problema atual e eventuais problemas
do passado.
-Estudo das condições familiares ou
ambientais, pregressas ou atuais, que
possam estar ou não interferindo no
problema atual.
- História pessoal (eventos durante a
gravidez, condições de nascimento,
eventos perinatais, desenvolvimento,
alimentação, vacinação, doenças).
-Abordagem integral: avaliação do
crescimento,
do
desenvolvimento
(neurológico
e
psico-afetivo),
da
alimentação, da imunização, do ambiente
físico, saúde oral, saúde sensorial (visão e
audição).
- Prescrição pediátrica: os itens da prescrição
devem corresponder aos problemas
identificados na abordagem integral.
Como conteúdo mínimo, deve-se abordar:
alimentação, imunização, orientações/
recomendações educacionais (promoção
de saúde, psicoprofilaxia) e medicamentos.
Podem-se
utilizar
prontuários
semiestruturados para facilitar o dinamismo da
entrevista clínica. Alguns dados podem,
inclusive, ser parcialmente preenchidos antes
da consulta, por pessoal treinado. Um bom
prontuário deve ter algumas características
básicas:
a)Organizar, de maneira fácil, informações
longitudinais sobre a história pessoal da
criança (obstétrica, neonatal, patológica
atual e pregressa), história familiar e
sua dinâmica (dados sócio-econômicos,
composição, dados da mãe e do pai, dados
sobre os irmãos, situações ou eventos
estressantes), condições de moradia e
saneamento, etc.
b)
Possibilitar
acompanhamento
de
problemas clínicos correlacionados entre
si. Exemplos: uma criança com risco
alérgico apresenta no 3º mês de vida,
quadro clínico de dermatite atópica,
configurando um risco aumentado de vir
a se tornar asmática.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53
51
ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS
c) Facilitar a identificação de situações de
vulnerabilidade ou de risco precocemente;
filhos de mães com baixa escolaridade,
ambiente familiar desagregado, falta de
acesso a água potável ou saneamento
inadequado, baixa renda, frequência
a creche, mães muito jovens, podem
configurar risco aumentado de ocorrência
de determinadas doenças.
d)Acesso rápido a informações clínicas
prévias e suas implicações para a
abordagem do problema atual; três
episódios de otite média supurativa em
seis meses, segundo episódio de infecção
urinária alta em menores de 6 anos.
e)Organizar dados evolutivos sobre os
diversos aspectos do atendimento
integral ao desenvolvimento da criança
(alimentação,
estado
nutricional,
crescimento, desenvolvimento, dinâmica
familiar, vacinação, saúde oral, visão,
audição, prevenção de acidentes).
Prontuários semi-estruturados podem tornar
a consulta mais harmônica e produtiva,
permitindo um diálogo acolhedor das
demandas maternas e uma perspectiva mais
objetiva dos problemas de saúde da criança.
Também pode proporcionar uma localização
mais rápida dos aspectos evolutivos mais
relevantes, e assim, destinar maior ênfase
para tais problemas ou passar rapidamente
em revista áreas que não parecem apontar
para maiores preocupações.
4.2. O EXAME FÍSICO
Quando os pais levam uma criança sadia
à consulta, é de bom alvitre examiná-la
integralmente; deter-se na queixa ou motivo
imediato e aparente da consulta pode ser um
equívoco, pode ser claramente insuficiente
para responder às necessidades globais de
uma criança.
Adquirir um método objetivo para examinar
integralmente qualquer criança que chegue
ao consultório possibilita ampliar a eficácia da
Medicina Pediátrica e acolher expectativas das
52
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53
mães não clarificadas no início da consulta.
Uma criança de 4 anos de idade com queixa de
feridas na perna esquerda, ao ser examinada
integralmente, pode-se avaliar sua acuidade
auditiva, a saúde bucal, etc.
Arte,
magia,
técnica,
sensibilidade.
SEDUÇÃO! Aqui se expressam e organizamse os múltiplos atributos que deve possuir
um médico que se prepara para atender
crianças.
5. ABORDAGEM DA CRIANÇA
Desde o início da entrevista clínica,
deve-se apresentar um comportamento de
aproximação com a criança levando-se em
conta a dimensão de sua individualidade;
idade da criança, grau de vitalidade, nível
de ansiedade, são itens fundamentais nesse
momento.
Deve-se adotar um comportamento que
facilite a comunicação com a criança,
inclusive, que transmita-lhe segurança, afeto
e disponibilidade para acolher suas angústias.
Isto implica em dispensar um tempo e uma
escuta adequada para sua efetivação. Devese obter o consentimento explícito da criança
para a realização do exame, marco ético
fundamental na assistência à criança.
No lado mais operacional pode-se tomar
como referência as diversas faixas de idade
da criança e a gravidade clínica inerente
ao problema para se ter uma orientação
geral acerca do exame físico das crianças.
Neste documento, tratar-se-á apenas da
comunicação com crianças presumivelmente
saudáveis.
6. PRESSUPOSIÇÕES
a) Crianças com idade inferior a 8-10 meses,
comunicam-se facilmente e podem ser
examinadas sem opor resistências.
b)O mesmo acontece com crianças com
idade igual ou superior a 2-3 anos.
Freqüentemente, se consegue transmitir
segurança para a criança e obter sua
disponibilidade para o exame físico.
LEITE ÁJM
c) Para a faixa intermediária (de 8 meses até
2 ou 3 anos de idade), o exame físico exige
maiores habilidades afetivas e técnicas de
quem a atende. O exame, geralmente pode
ser feito com tranqüilidade se desde o
início da consulta a criança é contemplada
através de contato empático, com troca de
objetos, sorrisos e toques delicados; aqui,
cresce em importância as habilidades da
comunicação não-verbal. Essas crianças
poderão ser examinadas no colo da mãe,
deixando o exame com instrumentos,
exame da cavidade oral, exame otológico
e
outras
práticas
potencialmente
atemorizantes para o final do exame. Às
vezes, pode-se inverter essa sequência
caso julgue-se que a criança está ansiosa
pela expectativa do momento do exame
com aparelhos.
d) Não é demasiado insistir e reforçar que
uma boa interação com a criança desde
o início até a conclusão do exame é
fundamental para uma boa propedêutica
e para obter a confiança de ambos, mães
e crianças. Aqui, o examinador hábil
exercita suas habilidades de comunicação
com gentileza, proporcionando um
ambiente afetuoso e amistoso para a
criança e sua família.
e) Até os dois anos de idade, a criança deverá
ser examinada totalmente despida; após
essa idade, isto se fará quando necessário,
de modo que a criança dispa-se por
parte, mantendo as peças íntimas, que
deverão ser descobertas de modo cortês e
respeitoso. Mesmo em crianças menores,
é importante que o examinador, ainda
que se valesse de brincadeiras, descreva
os passos do exame, antecipando para a
criança o procedimento a ser realizado
(agora, eu vou ver o ouvidinho com esta
luzinha aqui...).
Conflito de Interesse: Não declarado
O que fazer quando, apesar dos esforços de
sedução a criança não se deixa examinar?
Talvez fruto de experiência traumatizantes
no passado ou consequência da situação atual
(dor, febre, fome, sono etc.) essa situação
venha a ocorrer, o que não deixa de ser
frustrante para o examinador que sente certa
falha em seu trabalho. Para a mãe também o é,
que sente um misto de vergonha de não poder
controlar seu filho para o exame, decepção
e dúvida (será que não está se deixando de
ver algo importante?). De qualquer modo,
essa situação pode ser extremamente rica
em informações acerca do desenvolvimento
da criança e de seus padrões interativos na
família.
Se a situação requer urgência, é necessária
certa coerção, e por vezes, o uso de contenção
e atitudes firmes. Se se trata de um primeiro
encontro de acompanhamento, onde o exame
é até menos importante que o contato inicial e
a coleta de dados de anamnese, o examinador
pode acertar com os pais outro encontro
breve, onde a ambientação e a retomada da
interação com o médico devem ser suficientes
para vencer a resistência inicial. De qualquer
forma, deve-se, inclusive, recomendar aos
pais evitar reprimendas, ameaças e punições
(...Deixe só a gente chegar em casa, para
você ver... ou, hoje eu não compro mais
refrigerantes, como prometido...).
Em síntese, a abordagem da criança deve
ser marcada por um profundo respeito e
disponibilidade do médico para receber a
família e a criança, identificar o elemento de
atração à consulta (uma queixa, um problema
ou outra situação estressante), valorizar e
explorar esse elemento, mas extrapolar o
espaço da consulta para o desenvolvimento
de práticas de assistência integral à família no
geral, e à criança, em particular.
Endereço para correspondência
Álvaro Jorge Madeiro Leite
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53
53
Trajetória de um Hospital
HUMANIZAR É PRECISO... DE DENTRO PARA FORA E DE FORA PARA DENTRO,
A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS SONHOS!
The need for humanized care ... from inside out, and from outside in:
the construction of the hospital of our dreams
Anamaria Cavalcante e Silva
Doutora em Pediatria. Professora do Centro Universitário Unicristhus.
Ex-diretora do Hospital Infantil Albert Sabin. Fortaleza-CE.
Estávamos no ano 2000, iniciando um Novo
Milênio, o Hospital mais parecia um canteiro
de obras, mas não somente aquela dos
Operários em Construção da poesia feita em
prosa de Vinicius de Moraes. Porque, se por
um lado ampliava-se o Hospital com o apoio
inestimável dos arquitetos – arquitetas –
Ricardo Wherter, Aida Montenegro (SESA),
Wladia e Artemis (DERT) e os engenheiros da
SESA, com destaque para o Rosemberg Costa
Lima e do SINDUSCON, nos orientando a
derrubar e construir paredes. Três grandes
casas haviam sido adquiridas somente na
quadra da Tertuliano Sales (lembro bem
da difícil decisão de “fechar” uma piscina
com entulhos) e outras mais, na frente
do HIAS (para o Centro Murilo Martins)
e na parte posterior, para o Hospital-Dia
Peter Pan. Por outro lado, se praticava as
transformações funcionais. Afinal estávamos
vivendo em plena efervescência, um modelo
de fazejamento, estratégico ou não, mas
certamente com uma vontade inquebrantável
de mudar, de construir, de edificar em bases
sólidas o Hospital dos Nossos Sonhos! Foi este
o nome encontrado para apresentar com todos
os detalhes, incluindo os cenários dos projetos
ABC... Cirurgia sem medo... uma miniatura
do Albert Sabin para os Pediatras de todo o
Brasil, durante o Congresso Brasileiro do ano
2000 no Centro de Convenções do Ceará.
54
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58
É que a Equipe havia decidido transformar
o HIAS em hospital de excelência, não mais
apenas sob o aspecto técnico, mas, sobretudo
sob o aspecto da humanização da atenção, de
dentro para fora, de fora para dentro, colorindo
seus velhos azulejos brancos e inovando com
projetos especiais para as crianças, suas mães,
e os cuidadores, os servidores do Hospital.
O ESPAÇO IMAGINAR HIAS
Porque... “A Imaginação é maior que o
Conhecimento. O conhecimento é ... limitado
“ – Albert Einstein
Ao retornar de um curso de imersão da
AMANAKEY, estávamos no final da reforma/
adaptação da terceira casa adquirida (por
desapropriação a bem do serviço público) pelo
governo do Estado. Este curso nos propiciou
conhecer uma diversidade fantástica de
metodologias de ensino-aprendizagem, entre
elas a edição de filmes especiais, que passamos
a adotar e estimular até hoje, entre nossos
alunos de Medicina da UNICHRISTUS. No
final de um extenso dia de trabalho... arte e a
cultura para espairecer, formar e informar. No
segundo final de tarde, assistimos uma peça
de teatro, na realidade um monólogo com
EINSTEIN, quando eu passei a conhecer, o
personagem, grande cientista para muitos de
nós estigmatizado pela bomba de Hiroshima...
com muita arte o final da sua vida nos foi
relatado e nunca mais eu me esqueci de uma
SILVA AC
das suas máximas gravada no pórtico da casa.
E foi neste Espaço para dar asas à Imaginação,
que decidimos agregar todos os Programas
de Ensino, Pesquisa, na Graduação e Pós –
Graduação, a Fábrica de Projetos; a Biblio e a
CordelTeca...
O Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica
– com os Ex-Residentes João Amaral, Luis
Carlos Rey e Amália Porto implantando
a cultura de estabelecer protocolos a
partir de pesquisas em pneumologia,
gastroenterologia...
No Projeto de implantação, estava o sonho sem
utopia, de construir ali, naquele exato Espaço,
em um futuro próximo, a grande Escola de
Pediatria – o Centro de Ensino e Pesquisa da
Criança do Ceará, à imagem e semelhança da
ESP-CE, pelos gestores que nos sucederiam...
O Núcleo Hospitalar de Vigilância
Epidemiológica que sob a coordenação da
Enfermeira Sulene Barros, com o apoio do Setor
de Informática, capitaneado pelo Dr. Walter
Frota, compilava os principais indicadores
de internação hospitalar em verdadeiros
outdoors fixados entre os blocos de internação,
no corredor principal do Hospital, para dar
visibilidade e transparência aos números,
permitindo o devido monitoramento e
avaliação, provocando inclusive uma salutar
competição no corpo de servidores dos Blocos
A, B, C, D, E e Unidades de Terapia Intensiva
A ideia foi fortalecer o Centro de Estudos,
incentivando mais e mais os Residentes e o
Corpo Docente do HIAS na pesquisa e na
produção de Livros de Rotinas e de dezenas
de trabalhos para apresentação nos congressos
em todo o País, principalmente após o grande
estímulo com o pioneiro Primeiro Congresso
de Pediatria do Hospital Infantil Albert
Sabin realizado em 1999... sequenciado pelo 2º
Congresso ainda, na nossa gestão em 2001... até
o V Congresso que significou uma memorável
comemoração dos 60 anos do HIAS agora no
final de 2012, planejado e coordenado com
esmero pelas Ex-Residentes Francisca Lucia,
Joana Maciel e Marfisa Portela, na gestão do
Dr. Walter Frota.
A Nova Biblioteca com espaços para estudo
em grupo foi reestruturada pela competente
Bibliotecária Selma Pinheiro, organizando e
catalogando com a Cleiber Nunes, memória
viva do Hospital, o arquivo histórico para
viabilizar o embrião do futuro Memorial do
HIAS.
A sede da Coordenação de Residência Médica,
que pela primeira vez estava entregue a uma
ex-Residente - Dra. Helena Carvalho, com o
apoio técnico inestimável da sempre dedicada,
incansável e doce Gracinha Viana. Estão bem
gravadas nas minhas retinas, diariamente
antes de entrar na nossa sala, eu abria a porta
do auditório, só para conferir. As Sessões
Clínicas 7 horas da matina ”Todo o dia Tem” que a Helena conseguia mobilizar e estimular
não somente os Residentes, mas todo o Corpo
Clínico do Hospital.
A Sala/Fábrica de Projetos – porque a
cada mês surgia uma nova fumacinha
branca, anunciando um Novo Projeto de
Humanização, fruto da inventividade e
sensibilidade dos profissionais do HIAS.
E neste Espaço ImarginarHIAS, foi “gestado”
o 1º Mestrado em Saúde da Criança e do
Adolescente no Ceará, em parceria com a
UECE, favorecendo uma maior qualificação
da Equipe, propiciando a elaboração de teses
que apontam caminhos para a melhoria da
atenção às crianças.
A produção coletiva do livro “Pediatras de
Mãos Dadas com as Crianças”, destinado aos
colegas que batalham no front do interior do
Estado, aumentando as chances de vida para
crianças que adoecem em cidades longínquas e
reduzindo incapacidades pelo tratamento em
tempo oportuno. Este livro foi um “filho” do
Projeto Pediatra de mãos dadas com a Criança
da Sociedade Cearense de Pediatria, quando
no final dos anos 90, duplas de Pediatras e
Enfermeiras se deslocavam de Fortaleza para
os municípios sedes das Regionais de Saúde,
prestando consultorias e intercambiando
saberes com os profissionais de saúde que
assistiam as crianças no nosso Estado.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58
55
HUMANIZAR É PRECISO... A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS SONHOS!
A implantação do “SOS Pediatra” foi o
“segundo filho” um serviço revolucionário
e pioneiro de consultoria por telefone e fax,
funcionando em sistema de plantão, em uma
pequena sala contígua ao Setor de Vacinas,
com os Pediatras do HIAS de inegável saber
e experiências acumuladas, para dar suporte
aos colegas que trabalhavam em hospitais
secundários municipais, na perspectiva
da
resolutividade
nos
Hospitais-Pólo
Microrregionais do Ceará.
As Ex-Residentes de Pediatria retornam ao lar
paterno...para construir novos paradigmas na
atenção especializada e formação de outros
Residentes.
Foi extremamente gratificante acolher as
idéias e os Projetos das nossas Ex-Residentes
de Pediatria, que até hoje ainda as chamo
carinhosamente de ex-pupilas, retornando da
segunda pós-graduação, para estruturar os
Novos serviços do HIAS. Foi o que aconteceu
com a Graça Nascimento que na Escola
Paulista concluiu seu mestrado e formação
em Alergo-Pneumo e ao retornar ao Ceará
nos propôs, não apenas continuar no Viva
Criança com o João Amaral e a Verônica
Said (também ex-residentes) no Programa de
Atenção às Doenças Prevalentes na Infância
(AIDPI) da OPAS/MS, bem como implantar
o Serviço de Imuno-Alergologia e controle da
asma infantil no HIAS. Hoje a Gracinha, está
no Cariri, docente da FMJ, praticando outros
pioneirismos na direção da formação de novos
pediatras para o sul do Ceará.
A Silvana Pimentel que decidiu fazer a
subespecialização em otorrinopediatria em
Porto Alegre com o Prof. Moacir Saffer,
finalizando na USP com a Profa. Tânia Sih,
para implantar o pioneiro serviço de otorino
pediatria no Ceará e que desde então, com seu
carisma e vocação docente, passou a formar
outros jovens especialistas.
A Norma Selma que após concluir o
Doutorado na USP juntamente com a
Afonsina participaram do planejamento para
a reestruturação do Novo Serviço de Imagem.
56
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58
A instalação do primeiro tomógrafo no ano
2000 com mais um novo equipamento de
radiologia requereu uma extensa reforma,
incluindo a enfermaria de recuperação pós
anestésica e a sala do RX sem Medo, que
seguindo a nova “cultura” de humanização
do HIAS foi ambientada com bichinhos,
jogos e brinquedos para reduzir a ansiedade
das crianças e suas mães... No lado externo,
ao longo do corredor de frente para a Nova
Cantina, Renildo e Rogenildo pintaram nas
paredes (previamente baritadas) um longo
trenzinho (transporte da minha paixão), cujos
passageiros, as crianças com seus bichinhos
de estimação, simbolizam a passagem
dos pequenos pacientes no caminho do
diagnóstico para a cura. E, ainda hoje ao
passar por este corredor em direção ao Centro
de Estudos, eu entro neste trem e viajo no
tempo, recordando o complicado passo a
passo para chegar naquela Estação.
O Projeto Pise Firme com o Pé Direito,
foi uma idéia da Jacinta Prado a primeira
ortopedista infantil com formação pediátrica,
ex-Residente do HIAS. O projeto, que foi
inspirado no sucesso da Operação Sorriso,
beneficiou centenas de crianças com pé
torto congênito, que aguardavam na fila das
cirurgias eletivas e significou uma saudável
e consequente parceria entre ortopedistas da
equipe do HIAS, e a Sociedade Cearense de
Ortopedia e Traumatologia.
A continuação da saudável parceria públicoprivada – uma boa trilha para concretizar os
projetos em favor das crianças com câncer .
No ano de 2002, estávamos no final de um
ciclo de governo, os recursos estavam escassos
para reformas e ou construção. Ao assumir
a gestão do Estado com o Dr. Beni Veras, o
grande artífice das Mudanças sócio-políticas
no Estado do Ceará, a 1ª Dama Vanda Veras,
convidou a empresária Vice-Presidente da
Grandene, para conhecer o Albert Sabin
e o Hospital Dia Peter Pan. Elas ficaram
extremamente sensibilizadas com tudo
quanto observaram e presenciaram. O passo
SILVA AC
seguinte foi, com o apoio inestimável da D.
Vanda, intermediar a parceria com a Grandene
e os recursos necessários para viabilizar o
Projeto de Reforma do Bloco C, doado pelos
arquitetos do SINDUSCON (Sindicato da
Construção Civil). As enfermarias da Unidade
de Internação da Onco-hematologia foram
transformadas em espaços mais acolhedores
com apenas dois leitos e cadeiras semileitos
para as mães, com cores suaves em tons
do azul e pinturas da “família” Peter Pan,
dos artistas Renildo, Rogenildo e Fátima.
O Projeto ABC + Saúde ganhou um novo
espaço, aberto com mais conforto e ambiente
típico de uma sala de aula para as educadoras
Socorro Alencar e Selma Gomes ministrarem
com esmero, em respeito a dignidade das
crianças em internação prolongada. E tudo
foi propiciado exclusivamente com recursos
de empresas privadas cidadãs, que aceitaram
serem parceiras da direção do HIAS.
Naquele mesmo ano se deu a transformação
do nosso Serviço de Onco-hematologia
em referencia regional, com implantação
de laboratórios para o diagnóstico mais
acurado do câncer. Laboratórios de Biologia
Molecular, Imunofenotipagem e Citogenética,
capacitando profissionais em novas tecnologias
e meios diagnósticos precoces do câncer
infantil, aumentando significativamente as
chances de vida para as crianças - uma parceria
conquistada, com a Fundação Banco do Brasil
e o Ministério da Saúde. No planejamento e
construção do Centro, desde a ampla reforma
da casa adquirida por decisão do governo do
Ceará, nos mínimos e necessários detalhes,
contamos com a competência e dedicação
do Ex Residente de pediatria do HIAS e
hematologista Dr. Jesamar Correia e da
Bioquímica Fátima Guerreiro, ambos agiram
como guerreiros, diuturnamente para que em
fevereiro de 2003 pudéssemos, em uma das
mais justas homenagens que me foi dada a
oportunidade de concretizar, nomear Centro
de Referência Dr. Murilo Martins, o 1º Centro
em Onco-Hematologia Infantil do Norte e
Nordeste, hoje ainda na Tertuliano Sales em
frente ao HIAS.
A trajetória de oito anos legou ao HIAS
e à sua criativa e inovadora Equipe o
reconhecimento e a MARCA de Hospital
Humanizado por excelência
Em dezembro de 2002, o Ministério da
Saúde – área da Saúde da Criança, através
da sua Coordenadora Ana Goreth Kalume,
reconhecendo o trabalho em Equipe, entregou
e discerrou a placa “Humanização da
assistência à criança” por todos os projetos
desenvolvidos no Hospital entre 1995 e
2002: Projeto Cirurgia Sem Medo (um
pré anestésico sui generis); Projeto ABC +
Saúde (Escola para crianças com internação
prolongada); Biblioterapia e Biblioteca
Viva, com seus carrinhos carregados de
livros transitando pelas enfermarias e as
“Contadoras de Histórias”; Primeiro Sorriso
com a Operation Smile (para mudar o
paradigma de centenas de crianças); Cinema
Paradiso (uma boa “parada” com arte,
lazer, cultura e lanche “in Box” na hora do
almoço, para os servidores); Projeto Professor
Visitante (um processo de educação
permenente e intercâmbio de experiências,
atualizando e implantando protocolos de
atendimento); Mão Amiga (apoio às mães
das crianças em terapia intensiva); Novo
Futuro (viabilizando a conclusão do 1º e 2º
grau dos servidores – através do Telecurso
da Rede Futura); Com açúcar e com afeto
(café da manhã dos servidores com a direção,
para a necessária troca de experiências);
Projeto NAVI (Núcleo de Apoio à Vida – um
programa multidisciplinar para as crianças
egressas da terapia intensiva) e a Cidade da
Criança, um verdadeiro mundo mágico com
pequenas construções que incluiam o miniTeatro Dora Andrade, a Escolinha Monteiro
Lobato, o Espaço Cultural do Mino, o Salão
de Beleza Paulino, a Brinquedoteca Renato
Aragão, onde por alguns momentos as
crianças podem até esquecer os motivos que
as levaram à internação hospitalar.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58
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HUMANIZAR É PRECISO... A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS SONHOS!
Hoje tenho convicção plena que todos estes
Projetos que nasceram de mentes inquietas
de colegas Pediatras, Enfermeiras, Assistentes
Sociais,
Fonoaudiólogas,
Bibliotecária,
Terapeutas Ocupacionais, Fisioterapeutas
entre outros Profissionais dedicados, que nos
acompanharam nestes oito anos de trabalho
sem trégua, somente foi possível pela união
de toda a Direção do HIAS, a ampliação de
conhecimentos, da valorização e da autoestima de cada um dos servidores cidadãos
apaixonados pela arte de bem cuidar da nossa
infância e adolescência.
E, ao me despedir em fevereiro de 2002, para
participar do processo de seleção pública
para a superintendência da Escola de Saúde
Pública do Ceará, e prestar contas para toda
a Comunidade do HIAS, representantes da
SESA, do Governo do Estado, da Fundação
Banco do Brasil, do INCA, da Associação
Peter Pan, dos parceiros da Sociedade Civil e
da nossa Família, na pessoa do meu querido
e inesquecível Pai Zejulio, sempre presente
com seu estímulo e preciosas orientações,
agradecendo a todos e a cada um fizemos
uma rápida retrospectiva do que foi possível
construir em Equipe, tijolo sob tijolo naqueles
oito anos que se tornaram inesquecíveis ... e
foi com muita emoção que li esta história que
acabo de lhes contar... aqui ... porque como
sempre estou a lembrar ao Pediatra que é
Pediatra tem que saber contar e recontar
Histórias ...
Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Anamaria Cavalcante e Silva
E-mail: [email protected]
58
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58
Retratos de Vida
QUEM SOU EU?
Who Am I?
Francisca Maria Oliveira Andrade (Tati)
Doutoranda em Saúde Coletiva pela Associação Ampla UFC/UECE/UNIFOR. Mestre em Saúde
Pública pela Universidade Federal do Ceará. Professora licenciada da Faculdade de Medicina
Estácio de Juazeiro do Norte - FMJ. Especialista em programas do UNICEF. Fortaleza-CE.
Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós mas,
sei que nada do que vivemos tem sentido se não tocamos o coração das pessoas.
Cora Coralina
FILHA DO SERTÃO
MINHA DECISÃO DE SER MÉDICA
Nasci no dia 13 de setembro de 1959, na
cidade de Tauá, conhecida como Princesa
dos Inhamuns, região do semiárido cearense
que sempre enfrentou grandes dificuldades
devido a seca, e onde a maioria das crianças
não completava seu primeiro ano de vida.
Primogênita de quatro filhos, do casal
Bernardo e Maria Gomes, ele dentista e ela
professora primária.
Iniciei meus estudos no Ginásio Antonio
Araripe, ainda em Tauá, onde estudei até
completar 11 anos, quando minha família
mudou para Fortaleza. Na capital do Ceará,
estudei no Colégio Nossa Senhora de Lourdes
e, posteriormente, no Colégio Cearense do
Sagrado Coração. Quando criança, gostava de
ver meu pai trabalhando, pois o consultório
dele era na parte da frente da nossa casa. Na
infância dizia querer ser dentista, mas com
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67
59
QUEM SOU EU?
o passar do tempo, decidi fazer medicina.
Como sabia da grande concorrência para
entrar nesse curso, pois na época só havia
uma faculdade de medicina no estado, tive
que me dedicar muito aos estudos e tentava
ser uma boa aluna.
O CURSO DE MEDICINA
Durante o curso de medicina (1978 –1983) na
Universidade Federal do Ceará lembro do
grande esforço que eu e meus colegas fazíamos
para aprender naqueles livros volumosos,
nos laboratórios e nos vários estágios. Nunca
vou esquecer da minha aflição quando
monitora do Departamento de Fisiologia e
Farmacologia, em que precisava segurar um
sapo enorme para descerebrar, dissecar e
demonstrar os efeitos de vários medicamentos
no ritmo cardíaco. Lembro que no terceiro ano
da faculdade decidi que queria aprender a
fazer parto e consegui um estágio no Hospital
Batista Memorial que na época tinha uma das
melhores e mais movimentadas maternidades
de Fortaleza.
Sob a supervisão dos médicos plantonistas
e apoio das auxiliares de enfermagem
acompanhei muitos partos normais e auxiliei
várias cesáreas. Ajudava também em outras
cirurgias e até nos exames do setor de
neurologia. Além de aprender muito, fiz vários
amigos. Ainda como estudante de medicina
fiz um concurso para bolsista do Hospital
Geral e Maternidade César Cals - HGCC e
também atuei como estagiária do Instituto
José Frota (IJF) – unidade central. Esses dois
hospitais foram uma grande escola para a
minha formação. Dentre muitas recordações
desses locais, lembro do Dr. Galba de Araújo e
suas revolucionárias técnicas de humanização
do atendimento às gestantes e aos bebês no
HGCC. Em uma ocasião fui falar para ele,
como diretor do hospital, que não havia
máscara para eu entrar no berçário e ele me
falou que eu não precisava de máscara, que
eu poderia entrar como estava. Anos depois,
colaborei com o PROAIS, grande programa de
atenção à saúde na área rural e na periferia de
Fortaleza que o Dr. Galba havia implantado
no Ceará.
60
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67
Durante o internato passei pelo Hospital
Infantil Albert Sabin - HIAS e foi amor à
primeira vista. Se eu tinha alguma dúvida
de que queria ser pediatra, essa dúvida se
dissipou quando eu conheci a equipe do HIAS,
em especial a Dra. Anamaria Cavalcante e
Silva. A dedicação e o entusiasmo da Dra. Ana
(como é mais conhecida) eram contagiantes e
eu fui contaminada de forma irremediável.
A RESIDÊNCIA EM PEDIATRIA
Ao concluir o Curso de Medicina em 1983,
participei do concurso para a residência
médica em pediatria, tendo sido aprovada
nas provas da Fundação de Saúde do Estado
do Ceará (Hospital Infantil Albert Sabin HIAS) e da Faculdade de Medicina (Hospital
Universitário Walter Cantídio). Optei pelo
HIAS que eu já conhecia e com cuja equipe já
me identificava bastante.
Durante a Residência Médica (1984-1985)
tive mais chance de conhecer a dedicação
e seriedade da equipe do hospital que
assumia com tanta responsabilidade a missão
de cuidar das crianças. Foram dois anos
intensos, atendendo crianças no ambulatório
e nas enfermarias, durante o dia e em muitas
noites da semana, além de vários sábados e
domingos, sempre com a supervisão atenta do
staff do hospital.
Lembro que em quase todos os plantões
atestávamos óbitos de crianças por septicemia.
Por cada clínica que eu passava, era tanta a
identificação que eu pensava em me dedicar
àquela área. Uma das que mais me marcou foi a
onco-hematologia, não somente pelas pessoas
tão especiais com as quais convivi lá, mas
também pelas histórias de vida dos pacientes
que ajudei a cuidar. A cada criança que
tratávamos com uma leucemia, um linfoma,
uma anemia plástica, com hemofilia ou mesmo
quando “perdíamos uma”, eu admirava mais
aquela equipe porque elas tinham optado por
lidar com tanta dor e sofrimento e mantinham
com muito compromisso, a dedicação e a luta
por seus pacientes e familiares. Apesar de toda
admiração que tinha pela equipe da oncohematologia, decidi que não era essa a área
da pediatria com a qual eu queria trabalhar
diretamente.
ANDRADE FMO
Depois veio a paixão pela neonatologia,
pois conheci e acompanhei os melhores
neonatologistas do Ceará, tanto no HIAS, como
na Maternidade Escola Assis Chateubriand
- MEAC, no HGCC e no Hospital Geral de
Fortaleza - HGF. Fazer uma sala de parto,
pegar um bebê logo que ele nasce e entregálo a família são e salvo é uma sensação
indescritível, mas ainda não era aquilo que
eu queria fazer, a maior parte do tempo, pelo
resto da minha vida. Eu queria ser pediatra
geral.
Mais na frente descobri minha verdadeira
vocação, ser pediatra social. Além dos
pediatras, aprendi muito com os cirurgiões,
os anestesistas, ortopedistas, oftalmologistas,
os enfermeiros, os nutricionistas, os
farmacêuticos, as técnicas, auxiliares e
atendentes de enfermagem.
Todos eles, e mais o pessoal administrativo,
os técnicos, a equipe dos serviços gerais, da
manutenção e vigilantes do hospital eram
como minha família, pois afinal eu passava
mais tempo com eles do que na minha casa.
EXPERIÊNCIAS
DIFERENÇA
QUE
FIZERAM
A
Um serviço do HIAS que me marcou
profundamente foi a enfermaria onde eram
atendidas as crianças desnutridas. Eram
muitos leitos, todos com crianças cuja nutrição
estava seriamente comprometida. Duas Anas,
a Cavalcante, pediatra e a Norões, terapeuta
ocupacional tentavam fazer um trabalho
efetivo para melhorar a nutrição e evitar o
comprometimento definitivo do crescimento e
desenvolvimento daquelas crianças.
Dentre as várias dificuldades desse serviço,
havia uma mais desafiadora, as crianças
ficavam curadas das intercorrências (infecções,
séria depleção de nutrientes), mas tinham que
permanecer no hospital, correndo o risco de
uma nova infecção porque, devido a questões
sociais, não estavam em condições de voltar
para casa. As famílias dessas crianças eram
muito pobres e teriam dificuldades para cuidar
bem da sua nutrição. Suas mães precisavam
ser melhor preparadas sobre os cuidados que
deveriam ter em casa, daí surgiu a ideia de
uma casa, próxima ao HIAS para onde essas
crianças e mães poderiam ser levadas e onde
ficariam recebendo os cuidados necessários
até estarem prontas para voltar ao seu lar. A
partir dessa proposta, em 1986, foi criado o
IPREDE – Instituto de Prevenção à Desnutrição
e à Excepcionalidade. Lembro que no inicio
todos nós colaboradores do hospital fomos
mobilizados para conseguir doações e vender
rifas aos parentes e amigos para que os
primeiros fundos fossem arrecadados.
Ainda na residência médica, tive duas outras
experiências muito enriquecedoras. Uma
delas foi colaborar com a implantação do
serviço de Terapia de Reidratação Oral - TRO
do HIAS. Naquela década de 80, era grande
o número de crianças admitidas gravemente
desidratadas na emergência do HIAS. Muitas
já chegavam tão graves que pouco podíamos
fazer por elas.
Outras podiam ser tratadas, mas não havia
leitos suficientes e os custos eram elevados.
No serviço de TRO atendíamos os casos
que não eram tão graves e também aqueles
que melhoravam com uma fase rápida de
hidratação. A partir da experiência do HIAS,
colaboramos com a implantação de salas de
reidratação oral em unidades básicas de saúde
de Fortaleza e de outros municípios.
Outra experiência muito rica foi participar dos
preparativos do XXV Congresso Brasileiro
de Pediatria organizado pela Dra. Anamaria
em 1985. Eu nunca tinha participado da
organização de um evento tão importante. O
congresso foi um sucesso. Além de muitos
pediatras, vieram autoridades do Ministério
da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para
a Infância - UNICEF. Pela primeira vez um
evento de pediatras discutia em profundidade
as questões sociais que afetavam as crianças.
Foi também o meu primeiro contato pessoal
com a equipe do UNICEF.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67
61
QUEM SOU EU?
Talvez um dos fatos mais marcantes para
a definição da minha trajetória profissional
tenha sido o que aconteceu no início de
1986. Quando terminamos a residência, eu
e meus colegas ganhamos da Dra. Anamaria
um relatório do UNICEF chamado Situação
Mundial da Infância. Essa é uma publicação
anual do UNICEF que a cada ano traz um
tema importante relacionado à infância no
mundo. O tema daquele relatório que ganhei
era a sobrevivência infantil. Lembro que li
atentamente todas as páginas daquele livro
que trazia a proposta da revolução para
salvar as crianças utilizando ações básicas
de saúde conhecidas como GOBI (referente
a Growth monitoring, Oral rehydration
therapy, Breast-feeding and Immunization,
que correspondem respectivamente a
monitoramento do crescimento, terapia
de reidratação oral, aleitamento materno e
imunização) e posteriormente acrescidas pelo
FFF (female education, family spacing and
food supplementation, referente a educação
das mulheres, planejamento familiar e
suplementação alimentar). O documento
trazia experiências de países africanos,
asiáticos e latino-americanos que tinham
reduzido a mortalidade infantil com essas
ações simples, acessíveis e de baixo custo.
Nesse momento passou pela minha cabeça
que, se aqueles países tão pobres tinham
conseguido reduzir a mortalidade infantil,
nós do Brasil e inclusive do Ceará também
poderíamos. Foi paixão imediata pelo tema.
Naquele ano um grupo de pediatras já vinha
tentando fazer um trabalho fora dos muros
do HIAS, visando melhorar a atenção básica
de saúde das crianças e assim reduzir os casos
graves que recebíamos no Hospital Albert
Sabin. Apesar dos esforços das colegas, o
trabalho não teve os resultados esperados,
pois faltava decisão política.
62
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67
UM CHAMADO E UM COMPROMISSO
Em meados de 1986, quando eu trabalhava
no Centro de Reidratação Marieta Cals, no
Hospital Luís de França, na UTI do HIAS e
no Instituto de Previdência do Ceará – IPEC,
a Dra. Anamaria me convidou para participar
de uma reunião no Comitê do candidato a
governador, Tasso Jereissati. Confesso que, a
princípio, achei estranho aquele convite, pois,
apesar de ser de uma família que tem uma
forte tradição política em Tauá, eu nunca tinha
me envolvido em uma campanha política.
Alguns colegas médicos já tinham se
encontrado com o candidato e estavam
convencidos de que ele poderia fazer um
bom governo, principalmente no tocante às
políticas públicas para a infância. Fui para as
primeiras reuniões, mas só me engajei com
entusiasmo quando ouvi do próprio Tasso o
compromisso de que uma de suas prioridades
de governo seria a redução da mortalidade
infantil. Entrei de cabeça na campanha, assim
como vários outros profissionais da área da
saúde.
Haviam pessoas de diferentes partidos, e
muitas, como eu, sem nenhuma filiação
político-partidária. Íamos praticamente todos
os dias para o comitê da saúde, que reunia
profissionais de diferentes categorias. Nas
reuniões discutíamos como eleger o nosso
candidato e também as propostas de saúde
que queríamos ver implantadas no novo
governo. Foi nesse grupo que começou a ser
delineada a proposta dos agentes de saúde,
idéia trazida pelo amigo sanitarista Dr. Carlile
Lavor e sua companheira Miriam, assistente
social.
Para mim tudo fazia sentido, pois era algo
assim que o UNICEF vinha propondo no
mundo inteiro como eu tinha lido naquele
relatório.
ANDRADE FMO
O PROGRAMA VIVA CRIANÇA PELA
SOBREVIVÊNCIA INFANTIL
O nosso candidato foi eleito e alguns colegas
da equipe de saúde foram convidados para
participar da finalização do plano de governo.
Qual não foi a minha surpresa quando, em
março de 1987, a Dra. Anamaria me chama
e me comunica que ela havia sido convidada
para dirigir o HIAS e que havia me indicado
para coordenar, junto com ela, o programa de
redução da taxa de mortalidade infantil – TMI
que foi chamado de VIVA CRIANÇA.
A princípio eu relutei, pois me achava
pouco experiente para uma missão de tal
envergadura, porém o meu marido, Antonio
Barbosa, e a Dra. Anamaria me convenceram
de que eu poderia dar uma importante
contribuição. Ficou decidido que o programa
Viva Criança funcionaria no Hospital Albert
Sabin e não mais na sede da Secretaria de
Saúde onde estava antes a equipe responsável
pela saúde infantil.
Outra mudança importante era de que a
coordenação materno-infantil que existia
até aquela data seria dividida em duas: a da
saúde da mulher que seria coordenada pela
ginecologista e obstetra Vilalva Lopes e a de
saúde da criança a ser liderada pelas pediatras
do HIAS. A coordenação do Programa Viva
Criança passou a funcionar próximo ao setor
da residência médica e do centro de estudos
do HIAS e logo ganhou o apoio de vários
outros profissionais do hospital.
Nossa idéia era de que se a equipe estadual
responsável pela saúde da criança estivesse
dentro do principal hospital de referência
em pediatria do estado, nós poderíamos
envolver mais médicos no programa e
fazer do HIAS um verdadeiro hospital
sentinela para acompanhar a evolução das
internações infantis. Antes de assumirmos a
coordenação do programa Viva Criança, eu,
a Dra. Anamaria, a Dra. Emair Silva Borges e
outros colegas pediatras fomos para Alagoas
fazer um treinamento organizado pelo
Ministério da Saúde sobre as ações básicas
de saúde da criança. O curso era sobre as
mesmas estratégias propostas pelo UNICEF
e logo me veio à cabeça o que eu tinha lido
naquele relatório sobre a situação mundial da
infância. Entre 1987 e 1990 fizemos pesquisas,
realizamos capacitações e campanhas
educativas,
compramos
equipamentos,
medicamentos e outros insumos e nos
articulamos com outras organizações visando
à redução da mortalidade infantil e a melhoria
da saúde das crianças.
Participamos ativamente da estruturação
do programa de agentes de saúde, pois a
prioridade desses trabalhadores era a redução
das mortes dos menores de 01 ano. Vale a
pena destacar também o grande programa de
imunização liderado pelo pediatra Jocileide
Campos que resultou em uma melhoria
extraordinária nas coberturas vacinais do
Ceará que antes eram as piores do Brasil.
Foi muito trabalho, sempre com apoio
incondicional dos secretários estaduais
de saúde e um interesse especial do
Governador Tasso Jereissati que sempre que
nos encontrava perguntava como estava o
trabalho, demonstrando muito compromisso
e determinando prioridade para as ações
voltadas para as crianças. Lembro que as
primeiras compras que eram realizadas de
equipamentos e medicamentos na Secretaria
de Saúde eram para a atenção infantil. Depois
dessas aquisições definidas pela equipe da
criança, os recursos que sobravam eram
destinados às outras áreas.
No final de 1990 repetimos a grande pesquisa
que fizemos em 1987 (a Pesquisa Estadual
de Saúde Materno-Infantil - PESMIC) e foi
comprovada a redução da TMI em 32%. Essa
mesma pesquisa foi repetida outras 3 vezes
nos últimos anos. É importante destacar que
o Ceará é o único estado do Brasil e um dos
poucos lugares do mundo que hoje tem uma
seqüência de 05 pesquisas desse tipo, feitas
em um período de 20 anos para acompanhar
a saúde das mulheres e das crianças. Durante
esse período recebemos um grande apoio do
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67
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QUEM SOU EU?
UNICEF, em especial nas pessoas do professor
Antenor Naspolini, do médico Ennio Svitone
e do jornalista José Paulo Araújo que faziam
parte da equipe dessa organização no Ceará.
Foi muito grande a nossa alegria ao comprovar
o resultado do trabalho feito no Ceará, entre
1987 e 1990, para melhorar a saúde das
crianças e maior ainda quando o UNICEF
concedeu em 1992 o prêmio Maurice Pate ao
povo e ao governo do Ceará pela redução
da mortalidade infantil. Foi a primeira vez
que esse prêmio instituído pelo UNICEF foi
concedido a um governo. Grande também foi a
minha felicidade ao ver a experiência do Ceará
descrita no relatório da situação mundial da
infância de 1992, a mesma publicação que
tinha me feito optar pela saúde pública quando
ganhei um exemplar em 1986, 04 anos antes.
O relato do caso do Ceará foi distribuído para
mais de 180 países, em vários idiomas.
PASSAGEM PELA FEBEMCE
Em 1991, quando se iniciou o novo governo,
fui convidada para ser Presidente da
Fundação do Bem-Estar do Menor do Ceará
– FEBEMCE. Novamente eu disse não, pois
além de não ter interesse em funções de gestão
pública, eu queria voltar a dedicar mais tempo
à pediatria clínica. Naquela época, meu tempo
era dividido entre o Viva Criança, o meu
consultório onde atendia após as 18 horas e os
plantões no Hospital Frotinha da Parangaba
no final de semana. Após insistentes convites
de representantes do governo, resolvi aceitar.
Confesso que fiquei animada com a
possibilidade de fazer algo pelas crianças que
viviam nas ruas e por tantas outras vítimas
de várias formas de violência. Fiquei pouco
tempo na FEBEMCE, mas tive a oportunidade
de liderar um movimento para reduzir a
exploração sexual de crianças e adolescentes
(com uma grande investigação sobre os
estabelecimentos e pessoas que contribuíam
para essa exploração) e de apoiar o início
de projetos como o que deu a oportunidade
a vários adolescentes de baixa renda a um
estágio remunerado.
64
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67
Começaram também durante minha passagem
pela FEBEMCE, um grande programa de
creches comunitárias e de capacitação de
educadores infantis, além da implantação dos
Centros ABCs, do Circo Escola e do SOS Criança.
Apesar dos vários projetos de prevenção, o
grande desafio era com os adolescentes que
haviam cometido atos infracionais. Era difícil
visitar as unidades onde eles estavam privados
de liberdade, no meu caso, grávida de 9 meses
do meu segundo filho, e imaginar que aqueles
meninos tinham sido capazes de cometer tais
crimes. Nessa mesma época, começamos a
apoiar a bailarina Dora Andrade que realizava
um trabalho muito interessante na Escola de
dança EDISCA. Ao sair da FEBEMCE por
motivos pessoais, fui logo colaborar com o
amigo cardiologista Dr. Frederico Augusto na
Secretaria de Saúde de Caucaia. Poucos meses
depois ele saiu e me indicou para a função de
secretária municipal. Essa foi outra experiência
muito rica, pois me deu a oportunidade de
entender um sistema municipal de saúde com
toda sua complexidade e seus desafios.
COLABORANDO COM O PIAUÍ
Quando estava em Caucaia recebi um convite
desafiador do UNICEF. O Governador do
Piauí tinha procurado aquela organização
internacional para pedir apoio, pois queria
fazer o mesmo programa que havia sido
realizado no Ceará. Como tínhamos contado
com o grande apoio do UNICEF para a
redução da TMI no Ceará (inclusive para as
pesquisas e a implantação do programa de
agentes de saúde), eu não poderia recusar
aquele convite, mesmo que isso significasse
ficar a semana toda longe da minha família que
agora incluía além do Barbosa, a Carolina de 2
anos e o Bernardo de 1 ano. Apesar do meu
grande compromisso com a causa da saúde
infantil e com o UNICEF, hoje, depois de tudo
que aprendi sobre a importância da primeira
infância e do vínculo mãe–bebê, penso que
não faria isso novamente, ficar tanto tempo
longe dos meus filhos tão pequenos.
ANDRADE FMO
É importante destacar que não foi somente
o governo do Piauí que manifestou interesse
pela experiência do Ceará, vários outros
estados vieram conversar conosco, jornalistas
estrangeiros queriam saber o que tinha se
passado na nossa terra e o Ministério da Saúde
resolveu implantar o programa de agentes de
saúde em vários outros estados. Passei um ano
trabalhando no Piauí e acho que conseguimos
especialmente colaborar com a equipe técnica
nas estratégias de sobrevivência infantil. Nesse
mesmo período tive a oportunidade de fazer
um curso de 01 mês sobre saúde urbana nos
países em desenvolvimento, oferecido pela
Escola de Londres de Higiene e Saúde Pública.
DE VOLTA AO CEARÁ
Voltei para o Ceará em 1993 e, logo que cheguei,
fui fazer um curso sobre estratégias para a
redução da mortalidade infantil no Japão.
Foram dois meses incríveis entre aulas, visitas
a maternidades, centros de saúde e unidades
neonatais. Vi projetos muito interessantes,
alguns adaptáveis a nossa realidade e
outros ainda impossíveis de realizar no
Ceará. Logo que cheguei, enviei uma carta
de agradecimento à Agência Japonesa de
Cooperação Internacional – JICA que havia
custeado a minha viagem e o curso. Menos de
um mês depois da minha chegada do Japão,
eu recebi um telefonema da JICA informando
que viria uma missão de japoneses ao Ceará e
que eles gostariam que eu os acompanhasse,
pois era para avaliar a possibilidade de um
projeto de cooperação técnica na área da
saúde materno-infantil. Depois da vinda de
três missões, conseguimos aprovar um grande
projeto de humanização do parto e nascimento
que tive o privilégio de coordenar e que deu
uma contribuição importante à saúde materna
e neonatal do nosso país e que resultou, dentre
vários outros benefícios, na criação da Casa da
Gestante, ligada ao Hospital Geral Cesar Cals.
Entre 1993 e 2003, assumi algumas funções na
Secretaria de Saúde do Estado - SESA como
Ouvidora da Saúde, Diretora dos Serviços
de Saúde (tendo nesse período coordenado
as ações de prevenção, atenção e controle
da epidemia de Cólera e, em seguida, da
epidemia de Dengue que ocorreram em
Fortaleza, além de participar da implantação
pioneira do Programa de Saúde da Família
- PSF), Subsecretária de Saúde do Estado,
colaborando como o então secretário Dr.
Anastácio de Queiroz Sousa, Assessora
Especial para a saúde da mulher, da criança
e do adolescente e Gerente da saúde do
adolescente e do jovem. Gostei muito dessa
última função, pois tivemos a oportunidade de
começar várias ações inovadoras voltadas para
a promoção da saúde e redução de agravos
como as doenças sexualmente transmissíveis e
a AIDS, além do enfrentamento a situações de
gravidez na adolescência e abuso de drogas.
Nesse período também fiz o Mestrado de
Saúde Pública na Universidade Federal do
Ceará. Apesar de ter dedicado grande parte
da minha vida profissional à saúde maternoinfantil, decidi estudar, como tema da
minha dissertação de mestrado, o Programa
de Saúde da Família - PSF do Ceará, por
compreender que aquela era a estratégia de
maior relevância, naquele momento, para a
saúde do Estado. O meu estudo foi o primeiro
sobre o tema no Brasil e subsidiou a realização
de duas pesquisas nacionais: uma sobre as
condições gerais de funcionamento do PSF
no País e outra sobre o perfil dos médicos e
enfermeiros do Programa Saúde da Família
no Brasil (2000), realizada pelo Ministério da
Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz.
Em virtude dessa experiência fui convidada
para ser professora da disciplina de saúde da
família da Faculdade de Medicina Estácio de
Juazeiro do Norte - FMJ.
ARTICULAÇÃO
INTERSETORIAL
E
PARCERIA COM A SOCIEDADE CIVIL
Durante toda minha vida profissional,
busquei construir parcerias com outras áreas
e diferentes instituições e, acima de tudo, uma
interlocução com os setores organizados da
sociedade. Nesse sentido, durante o período
que coordenei as ações de saúde infantil no
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67
65
QUEM SOU EU?
Estado, criamos o Grupo Interinstitucional
de Saúde da Criança e contribuímos para a
Criação da Comissão Interinstitucional de
Ações Relacionadas à Criança e ao Adolescente
do Estado. Coordenamos e participamos
de várias outras comissões e grupos de
trabalho (por exemplo, a Comissão Estadual
Interinstitucional de Educação Infantil) que
reuniam organizações governamentais e
não governamentais. Como Subsecretária de
Saúde, participei das atividades do Conselho
Estadual de Saúde, da Comissão Intergestores
Bipartite e do Conselho Nacional de
Secretários Estaduais de Saúde. Além do
Conselho Estadual de Direitos da Criança
e do Adolescente, participei do Conselho
Estadual Antidrogas, de atividades do Fórum
de Enfrentamento da Violência Sexual contra
a Criança e o Adolescente e do Fórum de
Erradicação do Trabalho Infantil. Fui Membro
das Comissões Estaduais de Alimentação
e Nutrição, de Atenção Perinatal e da
Coordenação do Projeto de Fortalecimento
da Autoestima Infantil e Resiliência. No
ano Internacional do Voluntariado, 2000,
fui convidada para fazer parte do Conselho
Superior do Centro Ceará Voluntário. Em 1991,
recebi o prêmio Criança da Fundação Abrinq
pelos Direitos da Criança (com sede em São
Paulo), pelo trabalho desenvolvido na defesa
dos direitos da criança brasileira. No mesmo
ano recebi também o Prêmio Nacional - PNBE
de Cidadania, conferido pelo Pensamento
Nacional das Bases Empresariais, em São
Paulo. Esse prêmio era concedido anualmente
a personalidades que se dedicavam a luta
pela efetiva implementação da cidadania no
Brasil. Mais recentemente recebi o prêmio de
Benfeitora da Criança da Cidade, concedido
pela Prefeitura de Fortaleza.
TENTANDO COLABORAR
Desde a minha graduação, tenho participado
das atividades da Sociedade Cearense de
Pediatria, como Vice – Presidente durante
dois mandatos (1992-1997) e como Presidente
do Comitê de Saúde do Adolescente, entre
1999 e 2002. Durante o período de 1996 a
66
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67
2001 atuei como membro de Departamento
Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e
do Adolescente e como assessora do Núcleo
gerencial e Conselho Científico da Diretoria
da Sociedade Brasileira de Pediatria. Em
1993, ajudei a criar e durante alguns anos
dirigi a Organização Não Governamental –
Instituto de Saúde e Desenvolvimento Social
– ISDS, entidade que tem realizado estudos,
pesquisas e desenvolvido projetos inovadores
na área de saúde. Fui uma das sócias
fundadoras do Instituto de Saúde e Gestão
Hospitalar – ISGH, instituição que gerencia
os hospitais Waldemar de Alcântara, Regional
do Cariri e da região Norte, as Unidades de
Pronto Atendimento - UPAS e vários Centros
Especializados de Odontologia- CEOs.
Uma das áreas que tenho muito interesse é a
de avaliação de projetos. Nesse campo, atuei
como consultora da Fundação americana
W. K. Kellogg para a Iniciativa Adolescente
Saudável, desenvolvida juntamente com a
Organização Pan-Americana de Saúde- OPAS,
em vários países da América Latina.
MINHAS ATIVIDADES ATUAIS
Minha paixão pelo UNICEF começou naquele
ano de 1986 quando recebi um exemplar do
relatório mundial da infância. Desde 1988,
quando essa organização internacional abriu
seu escritório no Ceará, tenho atuado como
parceira e algumas vezes como consultora
dessa agencia das Nações Unidas. Em 2003 fui
selecionada como gerente de programas do
UNICEF para os estados do Ceará, Rio Grande
do Norte e Piauí, onde estou atuando até hoje.
O meu trabalho é, especialmente, apoiar as
políticas públicas de saúde e desenvolvimento
infantil por meio de pesquisas, capacitações,
produção de materiais pedagógicos e
realização de campanhas educativas. Em
2008, já como funcionária do UNICEF, tive a
oportunidade de colaborar com a elaboração
do Relatório da Situação Mundial da Infância,
edição na qual conseguimos incluir mais uma
vez a experiência do Ceará na redução da
mortalidade infantil.
ANDRADE FMO
Confesso que muitas vezes me sinto triste por
não fazer mais atendimento clínico por conta
da minha dedicação exclusiva ao UNICEF,
mas faço tudo para me manter em contato
com a área de saúde da criança por meio do
meu trabalho e mantendo minha vinculação
formal com a Sociedade Cearense (SOCEP) e
Brasileira de Pediatria (SBP).
Com relação ao HIAS, mesmo depois de quase
25 anos da minha saída de lá, quando entro
no hospital, me sinto em casa ao rever tantos
amigos queridos.
Há uma frase atribuída por muitas fontes ao
Mahatma Gandhi que diz “Seja a mudança que
você quer ver no mundo”. Essa frase tem servido
de inspiração em muitos momentos da minha
vida. De nada adianta ficar somente criticando
e cobrando dos governos e autoridades se
muitas vezes não fazemos nem o mínimo
que poderíamos e deveríamos para melhorar
a sociedade. Sei que ainda há muito para eu
fazer nos próximos 50 anos, mas já me sinto
pelo menos inspirada pelo que passei nesse
meio século e agradeço aos vários colegas,
Conflito de Interesse: Não declarado
amigos e familiares que foram também minha
fonte de inspiração e energia, em especial
minhas crianças: Carolina e Bernardo.
Termino esse texto com um poema de Gabriela
Mistral, poetisa, educadora, diplomata e
feminista chilena, mensagem essa que tem
me acompanhado nesses 25 anos de atuação e
que diz muito do que temos tentado fazer pela
saúde infantil no Ceará.
Seu nome é hoje
Somos culpados de muitos faltas e muitos erros,
porém o nosso maior crime é abandonar a criança,
desprezando a fonte da vida.
Muitas das coisas de que precisamos
podem esperar. A criança não pode.
É nesse momento que seus ossos estão se formando,
que seu sangue e seus sentidos
estão se produzidos.
Para ela não podemos dizer “amanhã”
Seu nome é hoje.
Gabriela Mistral
Endereço para correspondência
Francisca Maria Oliveira Andrade (Tati)
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67
67
Retratos de Vida
UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS
A little about each, a little about HIAS
Helga Rackel Sousa Santos
Jornalista pela FIC. Assessora de Comunicação Social do HIAS. Fortaleza, CE.
Três médicas com mais de uma década
dedicando-se a um sonho que virou realidade
há bastante tempo e que não perderam a
essência desse encantamento. Uma mãe que
acreditou e conquistou, permitindo-se viver a
esperança encontrada nos corredores de um
hospital. Você conhecerá cada uma dessas
personagens nesta edição do Retratos da
Vida. Apresentamos Marfisa Portela, Aldaiza
Ribeiro, Evelin Gondim, e Edinaiana Souza,
mulheres com histórias distintas, mas que
compartilham dos mesmos sentimentos de
amor e gratidão ao Hospital Infantil Albert
Sabin (HIAS).
Marfisa Portela, diretora geral, trabalha no
Albert Sabin há quase 20 anos e não esconde
sua felicidade e satisfação de exercer a profissão
de médica pediatra e, principalmente, de
fazer parte da história do Hospital. Para ela,
trabalhar na instituição “é uma relação de
amor” marcada pelo crescimento e dedicação
profissional.
Conflito de Interesse: Não declarado
Assim como a colega, a médica pediatra
Aldaiza Ribeiro é enfática quando se trata de
falar sobre a relação que tem com o HIAS. Dizer
que o hospital é a sua vida, não é um exagero
quando ela tenta expressar o sentimento de
amor que nasceu e permanece cada vez mais
vivo em seu coração. Esse vínculo forte com
a instituição também é marcante na trajetória
da fonoaudióloga Evelin Gondim, que ainda
está “criando coragem” para se aposentar.
Ela considera que cumpre uma missão, cuja
incumbência “vai além da profissão”.
Já para Edinaiana Souza, o acolhimento é um
das características relevantes dos profissionais
do Hospital Infantil Albert Sabin. Ela é mãe
da pequena Tainara, portadora de atrofia
muscular tipo II, e esteve com a filha durante
quatro anos no HIAS. Jovem, porém de uma
maturidade admirável, ela não esconde
sua gratidão à equipe médica do hospital.
“Encontrei pessoas maravilhosas”, diz.
São experiências, aprendizados e emoções
vividas, revelados em meio a lágrimas e
sorrisos de alegria. Um pouco de cada uma,
um pouco do HIAS. Boa leitura!
Endereço para correspondência
Helga Rackel Sousa Santos
E-mail: [email protected]
68
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73
SANTOS HRS
Marfisa Portela
Médica e gestora hospitalar, participante
ativa em seminários e congressos na área
de medicina, autora e co-autora de livros e
projetos na assistência pediátrica, Marfisa
Portela é uma profissional feliz e sente-se
realizada pelo o que faz. Atualmente, é diretora
geral do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS),
a primeira ex-residente a ocupar esse cargo
na instituição. São 19 anos de experiências
e momentos marcantes no exercício de sua
profissão no HIAS.
O desejo de ser médica não surgiu com muitas
pesquisas e afinidades adquiridas no período
da vida escolar ou à véspera de inscreverse no vestibular. Ser médica pediatra era
um sonho de infância. “Desde que eu era
criança, quando eu comecei a entender as
coisas e me perguntavam o que eu queria
ser, eu dizia que queria ser médica e cuidar
de criança”. O sonho tornou-se realidade em
1985, quando Marfisa se formou em medicina
pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
No 5º ano do curso, ela iniciou sua carreira no
Albert Sabin como estagiária. Em seguida, fez
o internato em Pediatria também no HIAS e,
como não poderia ser diferente, sua residência
foi no mesmo hospital. Apesar de morar a
um quarteirão do Hospital Geral de Fortaleza
(HGF), a escolha pelo Albert Sabin nunca
mudou. “A gente que trabalha aqui tem um
amor muito grande pelo hospital, se apega ao
hospital”, diz.
Há 23 anos Marfisa Portela atua no Consultório
de Pediatria Geral. Trabalhou no atendimento
ambulatorial da Fundação Dr. Antônio Dias
Macedo, do Posto de Saúde José Barros de
Oliveira e também foi médica assistente das
enfermarias pediátricas no Hospital Distrital
Gonzaga Mota, em Messejana. Em 1994, foi
aprovada no concurso público para o Hospital
Infantil Albert Sabin. Atuou como médica
assistente e orientadora de internos e residentes
nos setores de pronto atendimento, observação
e reanimação da Emergência, na Unidade
Neonatal de Médio Risco e Enfermarias. Foi
chefe de plantão; coordenadora do Plano de
Contingência da Emergência do HIAS, no
Instituto de Medicina Infantil; coordenadora
da Emergência, do Projeto Mãe Canguru e
mais tarde, em 2007, foi eleita diretora técnica
do Albert Sabin, deixando o cargo em janeiro
de 2013 para assumir um posto maior, o de
diretora geral.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73
69
UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS
Para ela, sua história no Albert Sabin é
marcada pelo crescimento profissional das
pessoas que trabalham no Hospital e com
freqüência acompanham a evolução do que
vem acontecendo na medicina. “Tem muita
gente hoje em dia no hospital com mestrado,
doutorado, e isso é uma característica do
hospital de ensino; que as pessoas estão
sempre se atualizando, adquirindo novos
conhecimentos para capacitar os internos, os
residentes, os pediatras que a gente forma
aqui dentro”, ressalta.
70
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73
Segundo a diretora geral, o Albert Sabin é um
complexo hospitalar respeitado em todo o
Estado e até no Brasil. De acordo com Marfisa,
esse diferencial deve-se à generosidade dos
profissionais que atuam na instituição, o
compromisso que todos têm e o prazer de
ensinarem o que sabem. “Agradeço a todos
os profissionais que contribuíram de alguma
forma para minha formação profissional, que
foram meus mestres”. E em meio a lágrimas e
sorrisos, ela resume sua relação com o HIAS a
uma só palavra: amor.
SANTOS HRS
Aldaiza Ribeiro
Ela é mais uma voz que se une ao coral de
alegria daqueles que trabalham no Hospital
Infantil Albert Sabin (HIAS). A determinação
e a paixão pela vida esmiúçam a doçura da
vocação e liberta uma voz mansa e suave em
cada testemunho compartilhado na conversa
sobre sua carreira médica, especialmente,
o exercício da profissão no Albert Sabin. E
então declara: “Não é um sentimento só meu,
é de todos que vivem aqui: nós nos sentimos
como participantes ativos da fundação deste
hospital, enquanto instituição de ensino”.
Aldaiza Ribeiro cursou faculdade de medicina
na Universidade Federal do Ceará (UFC) em
1973 e obteve seu diploma de graduação seis
anos depois. Quando universitária, estagiou
durante três anos no Hospital São José
(HSJ), onde começou sua jornada na área da
Infectologia. Em 1981, trabalhou no Hospital
Luís de França e mais tarde, mudou-se para
Aratuba, onde se dedicou à medicina popular
durante um ano.
A história de Aldaiza no Albert Sabin se
confunde com os primeiros passos do Hias
como instituição de ensino. Essa parceria
começou em 1979, quando ela fez parte da
terceira turma de residentes em pediatria.
Após conquistar a aprovação no concurso
público da Secretaria de Saúde do Ceará, em
1982, a jovem médica trabalhou nos setores
de Emergência e de Enfermaria no período de
um ano. Pouco tempo depois, ela e a colega
Vera Lúcia formaram a unidade de isolamento
para tratar os pacientes com infecção, a qual
hoje é conhecida como Unidade de Terapia
Intensiva Pediátrica. Em 2003, Aldaiza
Ribeiro assumiu a coordenação da Comissão
de Controle de Infecção Hospitalar do HIAS,
da qual está à frente até hoje. Especialista em
Pediatria e mestre em Patologia Tropical,
ela também integra a direção do Conselho
Regional de Medicina (Cremec) e do Sindicato
dos Médicos do Ceará.
Não são poucas as lutas, muito menos as
conquistas. Sua postura firme não emudece
seu carisma e muito menos turba a esperança
refletida em seus olhos. Nessa caminhada de
mãos dadas com o HIAS, Aldaíza considera
que apesar das dificuldades que existem
como em qualquer outra instituição pública
de saúde, os profissionais que trabalham
no Albert Sabin têm talento e competência
suficiente para instigar o desenvolvimento e
garantir muitas outras vitórias. E, em meio a
lágrimas, desabafa: “Este hospital é a minha
vida”.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73
71
UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS
Evelin Gondim
Sua primeira graduação foi em Ciências
Econômicas. Depois de dois anos trabalhando
com números, estatísticas e planilhas, ela
decidiu mudar de profissão. Abandonou as
ciências exatas e abraçou a área da saúde.
Uma mudança radical e que não lhe trouxe
arrependimento, somente orgulho. Foi assim
que tudo começou para a fonoaudióloga
Evelin Gondim. Enquanto fala de sua carreira
e do seu amor pelo Hospital, ela se emociona,
sorri e não esconde a alegria. Confessa sua
satisfação profissional e declara: “Eu sinto
que vim para cá com uma missão”.
Em 1985, Evelin ingressou na faculdade de
Fonoaudiologia na Unifor e conquistou a
nova formação acadêmica quatro anos depois.
Estagiou no Centro de Saúde de Aerolândia
César Cals e logo quando se formou, correu
para realizar seu grande desejo: trabalhar
no Albert Sabin, o que conseguiu em 1994.
No mesmo ano, assumiu a Coordenação da
Fonoaudiologia. Três anos mais tarde, fez
especialização em Fonoaudiologia Clínica,
começou a trabalhar no Navi – Núcleo de
Apoio à Vida e deu início ao projeto Primeiro
Sorriso, formando uma equipe especializada
em atendimento a pacientes fissurados –
um projeto inédito no HIAS. Nesse período,
conheceu a ONG Operação Sorriso e então,
nasceu a parceria que tem dado certo nesses
16 anos de mutirão em Fortaleza.
72
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73
Evelin admite que está “criando coragem” para
se aposentar, mas até agora não conseguiu.
Com olhos marejados, ela reconhece que
sua ligação de afetividade com o trabalho
realizado no Albert Sabin e o relacionamento
com as mães e os pacientes são os motivos de a
aposentadoria não ter acontecido. “O que mais
me prende ao HIAS é a gente poder amenizar
um pouco esse sofrimento de mães e crianças;
existe uma ligação muito forte que vai além da
profissão”, diz.
Atualmente, Evelin Gondim trabalha na
área de gestão, como chefe do Serviço de
Fonoaudiologia, coordenadora do Núcleo
de Atendimento Integrado ao Fissurado
(Naif) e também do Núcleo de Orientação e
Estimulação ao Lactente (Noel). Ela considera
que esses compromissos aumentaram sua
responsabilidade e mudaram seu caminho
no Albert Sabin, mas também confessa que
sente saudades do serviço de assistência, onde
vivenciou os melhores momentos do exercício
da profissão. “É quando, realmente, as nossas
ações impactam diretamente à mãe”. Quando
questionada sobre suas expectativas em
relação ao futuro do Hospital Infantil Albert
Sabin, Evelin demonstra esperança e sorrindo
responde: “Ele vai crescer cada vez mais,
porque aqui ele tem uma áurea muito forte”.
SANTOS HRS
Edinaiana Souza
São cinco anos convivendo e aprendendo
a lidar com as limitações da filha, lutando
para proporcionar uma vida normal e feliz
à ela. “Cada dia que acordo, olho para ela
e recebo um sorriso de uma ponta à outra e
isso dá mais força pra continuar lutando”, diz
emocionada a jovem Edinaiana Souza, de 23
anos. Ela é mãe da pequena Tainara, que foi
diagnosticada com atrofia muscular tipo II,
em 2008. Naquele ano, Edinaiana contava com
a companhia do pai da criança. Seis meses
depois do diagnóstico, a jovem mãe teve que
iniciar a jornada de criar a filha sozinha. Mas
ela não desanimou.
A história de Edinaiana e Tainara com o
Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) começou
quando a menina tinha poucos meses de vida.
A pequena veio de Crateús para Fortaleza
sob suspeita de pneumonia. Encaminhada
ao HIAS pelo médico que atendeu sua filha
naquele município, Edinaiana não imaginava
que um novo e difícil caminho, diferente do
qual ela tinha sonhado, estava surgindo.
Foram três anos e oito meses internada no Albert
Sabin. Em dezembro de 2012, a garotinha de
sorriso leve e olhar gentil voltou para casa com
a sua mãe, graças à existência do Programa de
Assistência Ventilatória Domiciliar (PAVD)
do HIAS e à ajuda do grupo de voluntários
Amigos da Alegria, que alugou, mobiliou e
equipou uma nova moradia, uma casa para
elas em Fortaleza, garantindo segurança
e conforto na continuação do tratamento.
Edinaiana ressalta que foi muito bem acolhida
pelos profissionais do Albert Sabin e que hoje
convive bem com a doença da filha graças
à equipe multiprofissional do Hospital.
“Só tenho a agradecer a todos da equipe do
PAVD. Encontrei pessoas maravilhosas, que
souberam me explicar como conviver com a
doença; aprendi bastante coisa”, desabafa.
Hoje, a mãe de Tainara não trabalha. Ela
dedica-se à menina em tempo integral e conta
com a companhia de sua irmã que também
ajuda na administração da dieta e medicação
da criança. Apesar de jovem e mãe de primeira
viagem, Edinaiana não se deixou abater pelas
intempéries da vida e considera seus dias
felizes ao lado da filha.“Ela fala, estuda, se
comunica; é uma criança estável. Eu acredito e
confio em Deus”, conclui.
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73
73
Retratos de vida
O ADEUS A UM GRANDE AMIGO
Good-bye to a great friend
Vladimir Távora Fontoura Cruz
Membro da Academia Cearense de Medicina. Fortaleza-CE.
Eduíno França Barreira
(In memoriam)
Ainda sob o impacto da dura realidade,
estamos atônitos sem saber o que dizer e o
que fazer. De repente, o dia se fez escuro e
a noite foi pintada com uma cor de infinita
tristeza. A cruel realidade se fez presente: não
temos mais em nosso meio o grande pediatra
e o amigo de todas as horas, sempre acessível
e pronto para ajudar.
O Eduíno sempre foi assim: curava as crianças,
acalmava os aflitos, consolava os adultos e
dentro de si vivenciava em silêncio a angústia
de sua saúde incerta. Assim, sempre se cuidou
muito bem e evitava os excessos. Talvez por
isso é que eu não aceite ou entenda sua morte
precoce, quando ele e a Lúcia ainda poderiam
74
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 74-75
usufruir de tantas viagens a Joatama, Quixadá
e Uruquê, ao Salão do Automóvel em São
Paulo, à Exposição Agropecuária do Crato,
as visitas à Lília e aos netos em Juazeiro do
Norte, ou pelo menos a tradicional mesa de
biriba com os primos, nas segundas feiras.
Com todo respeito aos desígnios de Deus,
temos a sensação de estar num fim de tarde de
domingo, na solidão dos pântanos, enquanto
um plangente sino distante de uma Capelinha
toca e chora, tangido por uma insuportável
saudade.
O Dr. Eduíno era um excepcional pediatra,
que conquistava a confiança e amizade
dos pais e, o que era extraordinário, dos
CRUZ VTF
seus pequenos pacientes. Ele tinha muitas
qualidades que chamavam a atenção de todos:
seus conhecimentos de farmacodinâmica
– era o doutor que tirava as dúvidas de um
número incrível de colegas sobre a maneira
de agir, a posologia, os similares e as contraindicações dos diversos fármacos. O homem
era um Vademecum ambulante; outro aspecto
que saltava à vista, era a sua prestimosidade.
Ele tinha prazer em ajudar, em esclarecer, em
servir, em estender a mão amiga. E Madre
Tereza de Calcutá dizia: “As mãos que servem
são mais santas que os lábios que oram”.
da pediatria. O fato é que o Eduíno dedicou-se
obstinadamente à pediatria e ao Hospital do
Pronto Socorro Infantil, tornando-se credor
de uma dívida que jamais aquele nosocômio
terá condições de saldar, e o Dr. Luiz
França sempre se mostrou profundamente
agradecido ao sobrinho tão querido, quase
um filho, por tudo que ele criou e desenvolveu
no Hospital, pelos fins de semana e feriados
dedicados ao nosocômio e aos pacientes
hospitalizados, pelas viagens a congressos ou
passeios procrastinados pelo bem do hospital.
O Dr. Luiz França, pessoa que teve uma grande
importância na vida profissional do Eduino,
era o tio tão amigo, que fazia as vezes a função
de pai. Foi o Dr. Luiz França que abrigou
profissionalmente o Eduíno e mostrou, no diaa-dia do Hospital do Pronto Socorro Infantil,
as patologias comuns e também os meandros
A Academia Cearense de Medicina teve, a
partir de maio de 2013, seu quadro de Membros
Honorários enriquecido pela admissão do
Dr. Eduíno França Barreira como Membro
Honorário in Memoriam, a maior homenagem
prestada pelo sodalício aos grandes médicos
de nossa terra.
Conflito de Interesse: Não declarado
Endereço para correspondência
Vladimir Távora Fontoura Cruz
E-mail: [email protected]
Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 74-75
75
ADMINISTRAÇÃO
Diretora Geral
Marfisa de Melo Portela
Hebiatria
Maria do Socorro Peres
Diretor Administrativo/Financeiro
Lauro Antônio Cabral de Barros
Imagenologia
Afonsina Pereira de Aquino Campos
Diretora Clínica
Patrícia Jereissati Sampaio
Nefrologia
Kathia Liliane Lustosa Zuntini
Diretor Técnico
João Cândido de Sousa Borges
Centro de Estudos e Pesquisas
Francisca Lúcia Medeiros do Carmo
Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
Aldaíza Marcos Ribeiro
Comissão de Ética em Pesquisa
Regina Lúcia Ribeiro Moreno
Internato
Viena Sales Ximenes Avila
Residência Médica
Tânia Maria Sousa Araújo Santos
SERVIÇOS MÉDICOS
Alergologia e Imunologia
Janaira Fernandes Severo Ferreira
Análises Clínicas
Vânia Feijó Cordeiro
Anestesiologia
Josias Teixeira Martins
Cardiologia
Ângela Maria Ferrer Carvalho
Cirurgia
Antonio Aldo de Melo Filho
Cirurgia Cardiovascular
Gotardo Duarte Dumaresq
Neonatologia
Tânia Maria Sousa Araújo Santos
Neuropediatria
Gilma Montenegro Padilha Holanda
Onco-Hematologia
Selma Lessa de Castro
Ortopedia-Traumatologia
Jacinta da Silva Prado
Pediatria Geral
Maria Conceição Alves Jucá
Pneumologia
Vivianne Calheiros Chaves Gomes
Terapia Intensiva Pediátrica
Euzenir Pires Moura
OUTROS SERVIÇOS
Enfermagem
Maria Daura Porto
Farmácia
Maria Zenaide Matos Albuquerque
Fisioterapia
Maria de Fátima Leite Simão
Fonoaudiologia
Leonardo da Rosa Giglio
Nutrição e Dietética
Mª Euzenir Gomes de Freitas
Odontologia
Maria Lúcia Bonfim Chagas
Cirurgia Plástica
Geraldo Sérgio P. Teixeira
Psicologia
Anice Holanda Nunes Maia
Emergência
Gualter B. de Aguiar Neto
Serviço Social
Maria Moema Carneiro Guilhon
Gastroenterologia
Amália Maria Porto Lustosa
Terapia Ocupacional
Elaine Pontes Araújo
76
Equipe HIAS
Hospital Infantil Albert Sabin
LOGO COLORIDA.pdf
1
11/10/2013
1
C
M
Revista de Saúde da
Y
Criança e do Adolescente
VoluMe 5
nÚMero 2
JulHo a deZeMbro de 2013
CM
MY
CY
CMY
K
Desafio Clínico
Palavra do editor
INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DE PANCITOPENIA E
CRIANÇA
HEPATOESPLENOMEGALIA: QUANDO O RARO É IMPORTANTE
João Amaral
Erlane Marques Ribeiro
compartilhar conhecimentos
Diretrizes Clínicas
BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA
ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA
Regina Lúcia Portela Diniz, Camilla Bezerra Bastos, Gabriela de
Henrique Gonçalves Campos
Souza Gómez
Humanização Pediátrica
HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS
DIETA CETOGÊNICA
UMA
OPÇÃO
PARA
PACIENTES
COM
EPILEPSIA
EFEITOS DA INTERNAÇÃO
REFRATÁRIA
Isabel Cristina de Mendonça Torres Martins, Maria Jaqueline Braga
Débora Albuquerque da Silva, José Humberto da Silva Junior,
Bezerra
Mariana Carvalho Rocha
ensino in foco
Pediatria em destaque
RELAÇÃO
MÉDICO-PACIENTE
ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS
NA
PEDIATRIA
CONTEMPORÂNEA
Jayme Murahovschi
Álvaro Jorge Madeiro Leite
trajetória de um Hospital
HUMANIZAR É PRECISO... DE DENTRO PARA FORA E DE FORA
FEBROFOBIA EM CRIANÇAS
PARA DENTRO, A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS
Almir de Castro Neves Filho
SONHOS!
olhar do especialista
Anamaria Cavalcante e Silva
CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOPEDIATRIA
retratos de vida
Washington A. Pinto Filho, Fernando Heládio Pimenta, Sabrina
QUEM SOU EU?
Melo, Selma Lessa
Francisca Maria Oliveira Andrade (Tati)
SEQUÊNCIA DE PIERRE ROBIN: UMA BREVE ATUALIZAÇÃO
UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS
Diego Thiers Oliveira Carneiro, José Ferreira da Cunha Filho,
Helga Rackel Sousa Santos
Vol. 5 N o2 Jul. / Dez. 2013
A
Revista de Saúde da Criança e do Adolescente
A IMPORTÂNCIA DA HUMANIZAÇÃO EM HOSPITAL DE
Raquel Nascimento da Silva
O ADEUS A UM GRANDE AMIGO
Vladimir Távora Fontoura Cruz
HIAS