Edição Completa - Todos os artigos
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11:32:59 ISSN 2175-5698 Revista de Saúde da Criança e do Adolescente Publicação oficial do HosPital infantil albert sabin VOLUME 5 NÚMERO 2 JULHO A DEZEMBRO DE 2013 Compartilhar conhecimentos Pediatria em destaque Olhar do especialista Desafio clínico Diretrizes clínicas Humanização pediátrica Ensino in foco Trajetória de um hospital Retratos de vida http://www.hias.ce.gov.br 2013/2 Revista de Saúde da Criança e do adolescente Volume 5 7 NÚMERO 2 JULHO A DEZEMBRO 2013 Palavra do editor A IMPORTÂNCIA DA HUMANIZAÇÃO EM HOSPITAL DE CRIANÇA The importance of humanization in children’s hospitals João Amaral 9 Sumário ISSN 2175-5698 Compartilhar conhecimentos BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA Bullying: a systematic review Regina Lúcia Portela Diniz, Camilla Bezerra Bastos, Gabriela de Souza Gómez 16 DIETA CETOGÊNICA UMA OPÇÃO PARA PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA Ketogenic diet - an option for patients with refractory epilepsy Débora Albuquerque da Silva, José Humberto da Silva Junior, Mariana Carvalho Rocha 22 Pediatria em Destaque A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NA PEDIATRIA CONTEMPORÂNEA The doctor-patient relationship in current Pediatrics Jayme Murahovschi 24 FEBROFOBIA EM CRIANÇAS Fever phobia in children Almir de Castro Neves Filho 26 Olhar do Especialista CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOPEDIATRIA Palliative Care in Pediatrics Oncology Washington A. Pinto Filho, Fernando Heládio Pimenta, Sabrina Melo, Selma Lessa 30 SEQUÊNCIA DE PIERRE ROBIN: UMA BREVE ATUALIZAÇÃO The Pierre Robin syndrome: a brief update Diego Thiers Oliveira Carneiro, José Ferreira da Cunha Filho, Raquel Nascimento da Silva 35 Desafio Clínico INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DE PANCITOPENIA E HEPATOESPLENOMEGALIA: QUANDO O RARO É IMPORTANTE Diagnostic investigation of pancytopenia and hepatosplenomegaly: when rare means important Erlane Marques Ribeiro 38 Diretrizes Clínicas ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA Cardiac arrhthymia in children: bradycardia Henrique Gonçalves Campos 43 Humanização Pediátrica HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS EFEITOS DA INTERNAÇÃO Humanization in children’s hospitals: attenuating the effects of hospitalization Isabel Cristina de Mendonça Torres Martins, Maria Jaqueline Braga Bezerra 48 Ensino in Foco ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS Pediatric education and medical care for children Álvaro Jorge Madeiro Leite 54 Trajetória de um Hospital HUMANIZAR É PRECISO... DE DENTRO PARA FORA E DE FORA PARA DENTRO, A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS SONHOS! The need for humanized care ... from inside out, and from outside in: the construction of the hospital of our dreams Anamaria Cavalcante e Silva 59 Retratos de vida QUEM SOU EU? Who Am I? Francisca Maria Oliveira Andrade (Tati) 68 UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS A little about each, a little about HIAS Helga Rackel Sousa Santos 74 O ADEUS A UM GRANDE AMIGO Good-bye to a great friend Criança e do adolescente Editor chefe João Amaral Pediatra e Psicoterapeuta Psicanalítico. Doutor em Epidemiologia. Professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Editores associados Francisca Lúcia Medeiros do Carmo Neonatologista. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas do Hospital Infantil Albert Sabin. Ronaldo Pinheiro Gonçalves Epidemiologista. Doutor em Administração em Saúde. Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro de Estudos e Pesquisas do Hospital Infantil Albert Sabin. Conselho editorial Aldaiza Marcos Ribeiro Infectologista Pediátrica. Mestre em Patologia. Coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Infantil Albert Sabin. Anamaria Cavalcante e Silva Pediatra. Doutora em Pediatria. Professora do Centro Unversitário Christus (Unichristus). Exdiretora do Hospital Infantil Albert Sabin. Ana Júlia Couto de Alencar Neonatologista. Doutora em Pediatria. Professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Médica da CTI Neonatal do Hospital Infantil Albert Sabin. Expediente Revista de Saúde da Ana Valeska Siebra e Silva Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Professora da Universidade Estadual do Ceará. Enfermeira do Hospital Infantil Albert Sabin. Almir de Castro Neves Filho Hebiatra. Doutor em Pediatria. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Álvaro Jorge Madeiro Leite Pneumologista Pediatra. Doutor em Pediatria. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Anice Holanda Nunes Maia Psicóloga Clínica e Hospitalar. Professora da Faculdade Católica Rainha do Sertão, QuixadáCE. Coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospital Infantil Albert Sabin. Denise Silva de Moura Fisioterapeuta. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Professora da Universidade de Fortaleza e Fisioterapeuta do Serviço de Fisioterapia do Hospital Infantil Albert Sabin. Francisco Walter Frota de Paiva Cirurgião Pediátrico. Ex-Diretor do Hospital Infantil Albert Sabin. Gilma Montenegro Padilha Holanda Neuropediatra. Mestre em Psicologia. Professora da Universidade de Fortaleza (Unifor). Coordenadora do Serviço de Neurologia Pediátrica do Hospital Infantil Albert Sabin. João Cândido de Sousa Borges Pediatra. Mestre em Administração em Saúde. Exdiretor Geral do Hospital Infantil Albert Sabin. Lia Cavalcante de Albuquerque Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Professora da Universidade Estadual do Ceará. Médica do Hospital Infantil Albert Sabin. Regina Lúcia Ribeiro Moreno Terapeuta Ocupacional. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Infantil Albert Sabin Luciana Brandão Paim Reumatologista. Mestre em Clínica Médica. Professora de Medicina da Universidade de Fortaleza. Coordenadora do Serviço de Reumatologia Pediátrica do Hospital Infantil Albert Sabin. Rejane Maria Carvalho de Oliveira Enfermeira. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente e Professora da Universidade de Fortaleza. Enfermeira do Hospital Infantil Albert Sabin Maria Ceci do Vale Martins Gastroenterologista Pediátrica. Doutora em Medicina. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Onco-Hematologia do Hospital Pediátrico do Câncer. Maria Conceição Alves Jucá Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Coordenadora da Enfermaria do Hospital Infantil Albert Sabin. Maria Helena Lopes Cavalcante Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Membro do Centro de Estudos e Pesquisas do Hospital Infantil Albert Sabin. Mércia Lima de Carvalho Lemos Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Médica da Enfermaria e Ambulatório do Hospital Infantil Albert Sabin. Regina Lúcia Portela Diniz Pediatra. Doutora em Pediatria. Professora do Centro Unversitário Christus (Unichristus). Coordenadora do Serviço de Desenvolvimento Humano do Hospital Infantil Albert Sabin. ascom.adesivo.centro de nutricao e dietetica.pdf 1 10/10/2013 13:25:21 Tânia Maria Sousa Araújo Santos Neonatologista. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Coordenadora da Residência Médica do Hospital Infantil Albert Sabin. Valéria Barroso de Albuquerque Terapeuta Ocupacional. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Membro do Serviço de Terapia Ocupacional do Hospital Infantil Albert Sabin. Virna da Costa e Silva Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Professora da Universidade de Fortaleza. Médica da Enfermaria do Hospital Infantil Albert Sabin. Normalização Selma Maria Pinheiro de Oliveira Souza Bibliotecária. Especialista em Organização e Administração de Centro de Informação. Coordenadora da Biblioteca do Hospital Infantil Albert Sabin. Secretaria Maria das Graças Viana Assistente Social. Membro do Centro de Estudos e Pesquisas e do Comitê de Ética em Pesquisas do Hospital Infantil Albert Sabin. C M Y CM MY CY CMY K SECRETARIA DA SAÚDE DO CEARÁ Centro de Estudos e Pesquisas do Hospital infantil Albert Sabin Rua Tertuliano Sales, 544 - CEP: 60140-790 - Fortaleza/CE. Fone; (85) 3101.4200 | Fax: (85) 3101.4196 E-mail: [email protected] Web: www.hias.ce.gov.br Informações gerais A Revista de Saúde da Criança e do Adolescente é a publicação científica semestral do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), criada em 2009, sob a responsabilidade do Centro de Estudos e Pesquisas, instituição vinculada à Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Visa publicar artigos científicos, diretrizes, casos clínicos, e relatos, com o objetivo de aprimorar e atualizar os conhecimentos na área de saúde da criança e do adolescente, bem como humanizar o atendimento e resgatar a história do hospital. Seções da revista Publicaçao Criança e do adolescente Normas de Revista de Saúde da Pediatria em destaque: opinião do pediatra sobre as ações básicas da saúde da criança e adolescente e clínica pediátrica. O texto deve ter entre 2 a 4 páginas. O número de referências não deve ultrapassar a 10. Olhar do especialista: opinião do especialista sobre a sua prática clinica a partir de uma pergunta sobre um tema de interesse. O texto deve ter entre 2 a 4 páginas. O número de referências não deve ultrapassar a 10. Desafio clínico: sedimentando o básico: apresentação de caso clínico, com perguntas-chave sobre a sua condução. O texto deve ter 4 páginas. Recomenda-se não incluir mais de duas ilustrações (fotos, figuras). O número máximo de referências é 10. A Revista de Saúde da Criança e do Adolescente aceita a submissão de artigos originais e comunicações que devem ser enviados exclusivamente via e-mail, conforme as “Normas de Publicação” da revista. Diretrizes clínicas: comentário sobre uma conduta clínica com um algoritmo ao final. O número de páginas deve ter entre 3 e 4. O número de referências não deve ultrapassar 20. Palavra do editor: opinião sobre um tema de interesse em saúde da criança relacionado aos artigos publicados. Recomenda-se não ultrapassar 2 páginas e conter no máximo 15 referências. Humanização pediátrica: artigo sobre aspectos relacionados a humanização ou projetos desenvolvidos no hospital. O texto deve ter no máximo 4 páginas. Não são necessárias referências. Compartilhar conhecimentos: apresentação de um tema atual e relevante em Pediatria ou áreas afins. Recomenda-se não exceder 4 páginas, incluindo referências que deverão ser atuais e em número máximo de 20. Ensino in foco: comentário ou artigo sobre ensino e pesquisa sobre a saúde da criança e adolescente. O número de páginas deve ser entre 3 e 4. O número de referências não deve ultrapassar 10. Trajetória de um hospital: relato do passado e presente do hospital com apresentação do perfil de atendimento nas várias áreas do Hospital. O texto deve ter no máximo 4 páginas. Não são necessárias referências. REFERÊNCIAS Devem ser numeradas e ordenadas segundo a ordem de aparecimento no texto, no qual devem ser identificadas por algarismos arábicos As referências devem ser formatadas no estilo Vancouver, segundo os modelos abaixo: 1. Artigo padrão Amaral JJF; Victora CG. The effect of training in Integrated Management of Childhood Illness (IMCI) on the performance and healthcare quality of pediatric healthcare workers: a systematic review. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2008; 8 (2): 151162. 2. Livro Winnicott DW. Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes; 2005. 3. Capítulo de livro Howard CR. Breastfeeding. In: Green M, Haggerty RJ, Weitzman M, editors. Ambulatory Pediatrics. 5th ed. Philadelphia: WB Saunders; 1999. p.109-13. 4. Teses e dissertações Leite AJM. Promoção do Aleitamento Materno a Crianças de Peso Desfavorável ao Retratos de vida: relatos de vivências ou experiências sobre o significado do hospital para profissionais, mães e crianças, bem como relatos de pediatras renomados de outras instituições. O texto deve no máximo 10 páginas. Não são necessárias referências. Nascer no Município de Fortaleza: estudo de intervenção randomizado [tese de doutorado]. São Paulo: Univ. Fed. São Paulo; 2000. 5. Trabalho apresentado em congresso ou similar (publicado) Blank D, Grassi PR, Schlindwein RS, Mello JL, Eckert GE. The growing threat of injury and violence against youths in southern Brazil: A ten year analysis. Abstracts of the Second World Conference on Injury Control; 1993 May 20-23; Atlanta, USA. Atlanta: CDC,1993:137-38. 6. Artigo de revista eletrônica Morse SS. Factors in the emergence of infectious diseases. Emerg Infect Dis [periódico eletrônico] 1995 Jan-Mar [citado1996 Jun 5];1(1). Disponível: www.cdc.gov/ncidod/ EID/eid.htm. Acessado: 14 de dezembro de 2001. 7. Materiais da Internet Food and Agriculture Organization of the United Nations. Preparation and use of food based dietary guidelines [site na Internet]. Disponível: www.fao.org/docrep/x0243e/ x0243e09.htm#P1489_136013. Acessado: 14 de dezembro de 2001. Orientação completa de como elaborar referências bibliográficas, segundo o estilo Vancounver, encontram-se disponíveis em www.bv.ufsc.br/ccsm/vancouver.html Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores. Antes de enviá-los, providenciar uma cuidadosa correção ortográfica 6 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 95-96 Palavra do editor A Importância Da Humanização Em Hospital De Criança The Importance Of Humanization In Children’s Hospitals João Amaral Pediatra e psicoterapeuta psicanalítico. Professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE. Nesse número da Revista de Saúde da Criança e do Adolescente são apresentados os artigos HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS EFEITOS DA INTERNAÇÃO de Isabel Cristina de Mendonça Torres Martins, Maria Jaqueline Braga Bezerra; e HUMANIZAR É PRECISO... DE DENTRO PARA FORA E DE FORA PARA DENTRO, A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS SONHOS! de Anamaria Cavalcante e Silva. Esses artigos, certamente, serão extremamente úteis para sensibilizar aos pediatras da importância da humanização.1,2 Os médicos podem desempenhar um papel importante na assistência à criança baseado em um modelo humanizado, que atenda todas as necessidades da criança do ponto de vista físico e emocional. VEJA ARTIGOS RELACIONADOS NAS PÁGINAS 43 e 54 O ponto forte do primeiro artigo foi mostrar que a humanização é fundamental em nível assistencial, sendo um suporte de real valor que promove a saúde das crianças internadas, conforme preconiza o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH)3. “A humanização infantil não pode se limitar ao leito, devendo a unidade pediátrica fornecer condições que atendam às necessidades físicas, emocionais, culturais, sociais e educacionais para essa criança enferma. Então há a necessidade de criar um ambiente recreativo, contendo livros, jogos e brinquedos seguros para estimular a autoexpressão da criança”. Em minha opinião, isso é muito importante, mas não o suficiente para promover uma adequada humanização hospitalar. Antes de tudo, é fundamental conscientizar e capacitar os profissionais de saúde em temas voltados ao desenvolvimento emocional e da criança e adolescente e em habilidades de comunicação na consulta pediátrica. A contação de história e a música estimulam o desenvolvimento da criança. As histórias estimulam o gosto pela leitura e facilitam a adaptação da criança ao meio ambiente. Além disso, essas atividades estimulam a percepção da criança, interação com as pessoas, a autoestima e a comunicação no momento difícil que estão passando. Essas brincadeiras são, portanto, um poderoso recurso de estimulação do desenvolvimento da criança e, portanto da saúde da criança. Além disso, o “brincar” promove a criação de vínculo entre a mãe e a criança, fundamental para um cuidado suficientemente bom 4. Conforme relata Anamaria Cavalcante Silva, em 2000 foi tomada a decisão de “transformar o HIAS em hospital de excelência, não mais apenas sob o aspecto técnico, mas, sobretudo sob o aspecto da humanização da atenção, de dentro para fora, de fora para dentro, colorindo seus velhos azulejos brancos e inovando com projetos especiais para as crianças, suas mães, e os cuidadores, os servidores do Hospital”. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 7-8 7 A IMPORTÂNCIA DA HUMANIZAÇÃO EM HOSPITAL DE CRIANÇA Com isso, houve significativos avanços em diversos programas de humanização: Projeto Cirurgia Sem Medo, Projeto ABC + Saúde, Biblioterapia e Biblioteca Viva, Primeiro Sorisso, Cinema Paradiso, Projeto Professor Visitante, Mão Amiga, Novo Futuro, Com açúcar e com afeto, Projeto NAVI (Núcleo de Apoio à Vida) e a Cidade da Criança. Em dezembro de 2002, o Ministério da Saúde, reconhecendo esse trabalho, conferiu e entregou a placa “Humanização da assistência à criança” ao hospital. É muito importante que este trabalho seja continuado e ampliado para outras áreas de assistência, especialmente em nível de Terapia Intensiva Pediátrica, que ainda não dispõe REFERÊNCIAS 1.Martins ICMT, Bezerra MJB. A humanização hospitalar infantil: amenizando os efeitos da internação. Rev. Saúde Criança Adoles. 2013, 5 (2): 43-47. 2. Silva AC. Humanizar é preciso... de dentro para fora e de fora para dentro, a edificação do hospital dos nossos sonhos! Rev. Saúde Criança Adoles. 2013, 5 (2): 54-58. 3. Brasil Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001. Conflito de Interesse: Não declarado de um espaço adequado para acolhimento das mães e comunicação de más-notícias, não dispõe de uma equipe muldisciplinar para reunião com as mães, não dispõe de acompanhamento psicológico de apoio às mães e aos profissionais que lidam diariamente com sofrimento, não tem um profissional de referência para suporte emocional, não há divisão e privacidade adequada entre os leitos de crianças e adolescentes. Todas essas medidas já foram tomadas por outros hospitais com a criação de um GAM - Grupo de Apoio Multidisciplinar de Humanização à Criança e Família, sendo, portanto, fundamental que a nova gestão se sensibilize para esse problema e modifique com urgência essa situação. 4.Winnicott DW. Porque as crianças brincam? In: As crianças e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC Editora; 1982. p. 161165. 5. Tobias L, Valentim L, Valentim RMA. Humanizaçäo na UTI pediátrica em Florianópolis. J Pediatr (Rio J) 1986; 60(4): 164-70. 6. Fronza D, Giovana E, Conte C, Melnik AMB. Humanizaçäo na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal do Hospital Säo Vicente de Paulo Rev. med. Hosp. São Vicente de Paulo; 1999;11(25): 7-9. Endereço para correspondência João Amaral E-mail: [email protected] 8 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 7-8 Compartilhar conhecimentos BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA Bullying: a systematic review Regina Lúcia Portela Diniz1, Camilla Bezerra Bastos2, Gabriela de Souza Gómez2 1. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professora do Centro Unversitário Christus (Unichristus). Pediatra do Hospital Infantil Albert Sabin. Fortaleza-CE 2.Estudante do Centro Unversitário Christus (Unichristus). Fortaleza-CE RESUMO ABSTRACTS Introdução: Bullying é uma forma de agressão em que um ou mais indivíduos ameaçam outros física, psicológica e/ou sexualmente de maneira repetida por um período determinado de tempo. Objetivos: Realizar uma revisão sistemática sobre o bullying. Métodos: Estudo descritivo, exploratório realizado através de levantamento bibliográfico, utilizandose a base de dados: Scielo. Discussão: Nos estudos de Olweus, 15% dos estudantes suecos estavam envolvidos como vítimas ou provocadores de bullying. Em 2002, estudo com 5.875 estudantes do Rio de Janeiro, revelou que 16,9% dos estudantes sofreram bullying. Estes achados reforçam o caráter universal do problema. O tipo mais comum de agressão é a de natureza verbal na forma de ridicularização ou apelidos. Os fatores mais prevalentes nos casos de bullying são o sexo masculino, a idade entre 10 e 14 anos e os fatores familiares, como a superproteção dos pais e o consumo de drogas de abuso, como álcool e tabaco. Conclusão: O bullying é uma prática que ocorre há décadas, apresentandose de forma crescente, exercendo maior impacto na sociedade. Entretanto, a população tem dificuldades de compreender as causas e conseqüências de atos, que, até pouco tempo, eram vistos como próprios da infância e juventude. Introduction: Bullying is an aggressive behavior in which an individual or group of individuals continually threaten others physically, psychologically and/or sexually. Objective: To systematically review the literature on bullying. Methods: Descriptive, explorative study based on a review of articles in the Scielo database. Discussion: According to Olweus, 15% of Swedish students are involved in bullying, either as victims or bullies. A 2002 study from Rio de Janeiro found that 16.9% of 5,875 students were victims of bullying. These findings confirm the universal character of the problem. The most common form of aggression is verbal harassment (mocking or name calling). Prevalent factors include male gender, age between 10 and 14 years and family patterns such as overprotectiveness and alcohol or tobacco addiction. Conclusion: Observed for decades, the practice of bullying is on the rise and is causing a major impact on society. Nevertheless, the causes and consequences of acts which until recently were considered inherent to childhood and youth have not yet been clearly identified and understood. Keywords: Bullying. Child, Systematic Review, Palavras-chave: Criança, Revisão Sistemática, Bullying. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 9-15 9 BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA INTRODUÇÃO O bullying é uma prática encontrada em todas as culturas e acarreta sofrimento psíquico, diminuição da autoestima, isolamento, prejuízos no aprendizado e no desempenho acadêmico1. Constitui-se em uma subcategoria bem delimitada de agressão ou comportamento agressivo, caracterizado pela repetitividade e assimetria de forças2. É um comportamento agressivo e persistente com a intenção de causar dano físico ou moral em um ou mais estudantes que são mais fracos e incapazes de se defenderem. Essa assimetria de poder associada ao bullying pode ser consequente da diferença de idade, tamanho, desenvolvimento físico ou emocional, ou do maior apoio dos demais estudantes 3. Sabe-se que o bullying é um problema mundial, e vem ocorrendo em todos os estatos sociais, assumindo proporções na contemporaneidade e expressando-se nas refrações e agudização da questão social4. A preocupação dos investigadores em relação ao bullying cresce ao longo dos anos e em vista disso o número de estudos realizados em diversos países tem aumentado. Num estudo realizado na Austrália, os resultados apontam para cerca de 24% dos estudantes terem sido violentos com os seus colegas, 13% terem sido vítimas de violência e 22% simultaneamente vítimas e agressores 5. Autores estudaram um grupo de crianças alemãs, os resultados mostraram que cerca de 16% das crianças foram vítimas de bullying com regularidade, sendo que cerca de 50% não contou aos professores o que se está a passar 6. Em Portugal, estudos realizados em 1998 sugerem que cerca de 1/5 dos adolescentes foram vítimas de violência e cerca de 1/5 assume que foi agressivo. Cerca de 1/4 referiram ser simultaneamente vítimas e agressores7,8. No Brasil um estudo realizado em 2002, com 5.875 estudantes de 5ª a 8ª séries de 11 escolas localizadas no município do Rio de Janeiro, revelou que 16,9% dos estudantes sofreram bullying 1. Segundo dados do Inquérito Viva – Vigilância de Violências e Acidentes – 10 Rev. Saúde Criança Adolesc. 22013; 5 (2): 9-15 realizado pelo Ministério da Saúde nos anos de 2006 e 2007, a violência entre jovens é a maior causa de morbimortalidade nesta faixa, e os locais mais frequentes de ocorrência apontados no ano de 2007 foram a via pública, a residência e a escola 9. Além disso, no Brasil, segundo resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) em 2009, 5,4% dos estudantes relataram ter sofrido bullying quase sempre ou sempre nos últimos 30 dias, 25,4% foram raramente ou às vezes vítimas de bullying e 69,2% não sentiram nenhuma humilhação ou provocação 9. Quatro fatores contribuem para o desenvolvimento de um comportamento de bullying: uma atitude negativa pelos pais ou por quem cuida da criança ou adolescente, uma atitude tolerante ou permissiva quanto ao comportamento agressivo da criança ou do adolescente, um estilo de paternidade que utiliza o poder e a violência para controlar a criança ou adolescente, e uma tendência natural da criança ou do adolescente a ser arrogante4. O bullying pode ser precursor de transtornos de personalidade anti-social e outros comportamentos violentos na adolescência e idade adulta, portanto, medidas de intervenção interdisciplinar firme e competente, principalmente pelos profissionais das áreas de educação e saúde, devem se implantadas de forma precoce para que possam ter algum papel na prevenção do comportamento antisocial, delinquente e criminoso. Tipos de bullying Considera-se que existem três tipos principais de bullying: o físico ou direto, o psicológico e o indireto. O primeiro abrange comportamentos como bater, pontapear, empurrar, roubar, ameaçar, brincar de uma forma rude e que intimida e usar armas. O segundo refere-se a chamar nomes, arreliar ou pegar com alguém, ser sarcástico, insultuoso ou injurioso, fazer caretas e ameaçar. Por fim, o terceiro e que é o mais dissimulado uma vez que não é tão visível, inclui excluir ou rejeitar alguém de um grupo 8. DINIZ RLP, BASTOS CB, GÓMEZ GS Uma nova forma de bullying, conhecida como cyberbullying, tem sido observada com uma freqüência crescente, tratando-se do uso da tecnologia da informação e comunicação como recurso para a adoção de comportamentos deliberados, repetidos e hostis, de um indivíduo ou grupo, que pretende causar danos aos outros 3. Fatores de riscos e características Vários fatores podem estar envolvidos no desenvolvimento do bullying: econômicos, sociais e culturais, aspectos inatos de temperamento e influências familiares, de amigos, da escola e da comunidade. Os agressores são mais fortes fisicamente, dominadores, impulsivos, não seguem as regras, têm baixa tolerância à frustração, desafiam à autoridade, possuem auto-estima elevada, tem atitude positiva em relação à violência, criam conflitos onde não existem, não simpatizam com a dor da vítima e nem se arrepende de suas ações10. Fatores individuais também influem na adoção de comportamentos agressivos: hiperatividade, impulsividade, distúrbios comportamentais, dificuldades de atenção, baixa inteligência e desempenho escolar deficiente3. As vítimas de bullying são geralmente pessoas oprimidas, mais fracas, tímidas, introvertidas, cautelosas, sensíveis, quietas, com menor auto-estima e com poucos amigos. As vítimas passivas não provocam os seus colegas, não gostam de violência, choram ou ficam tristes com facilidade. As vítimas que são constantemente abusadas caracterizam-se por um comportamento social inibido, passivo ou submisso. Estes adolescentes costumam sentir vulnerabilidade, medo ou vergonha intensos, aumentando a probabilidade de vitimização continuada 11. As vítimas de bullying possuem até três vezes mais chances de sofrer com dores de cabeça e com dores abdominais, até cinco vezes mais chances de ter insônia e até duas vezes e meia mais chances de experimentar enurese noturna, quando comparadas às crianças que não são vítimas. O sexo masculino comete mais agressões físicas e verbais, enquanto as meninas usam a agressão relacional indiretamente, por espalhar boatos ou exclusões sociais8. Consequências Como consequência dessas ocorrências de maus-tratos entre colegas de escola, os estudiosos ressaltam os prejuízos sobre o processo de aprendizagem dos alunos e a insegurança na escola. É importante ressaltar que tanto vítimas quanto agressores perdem o interesse pelo ensino, não se sentem motivados a freqüentar as aulas e não se sentem seguros na escola diante da ocorrência do bullying9. Estudos12 têm revelado que as conseqüências para os estudantes oprimidos são variadas desde isolamento, sintomas físicos ou psicossomáticos, tristeza, ansiedade, depressão ou distanciamento quanto a assuntos da escola, ideação de suicídio e mesmo o próprio suicídio. As vítimas de bullying apresentam mais sintomas de doença psicológica (e.g., depressão e ansiedade) e doença física (e.g., dores de cabeça, dores abdominais) quando comparados com os outros colegas9. Prejuízos financeiros e sociais causados pelo bullying atingem também as famílias, as escolas e a sociedade em geral. As crianças e adolescentes que sofrem e/ou praticam bullying podem vir a necessitar de múltiplos serviços, como saúde mental, justiça da infância e adolescência, educação especial e programas sociais 3. OBJETIVOS O estudo em questão tem como principal objetivo informar a população acerca do bullying, tema de grande relevância, e de conhecimento deficiente na população em geral. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 9-15 11 BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA MATERIAS E MÉTODOS DISCUSSÃO Estudo descritivo, exploratório, realizado através de levantamento bibliográfico, utilizando-se principalmente a base de dados Scielo. É bastante provável que o assédio, as ameaças e o bullying entre crianças em idade escolar é um fenômeno generalizado que sempre se apresentou em todos os tipos de escolas 13,14. Entretanto, o reconhecimento e a atenção dada hoje se devem principalmente a um maior desenvolvimento das ciências como psiquiatria, psicologia e pedagogia, que têm sido mais conscientes dos danos e, por vezes, das consequências fatais, que este tipo de comportamento, se frequente e duradouro, exerce sobre a vida das vítimas 15. O bullying é um fator que, além de impedir o sucesso acadêmico dos estudantes, é a fonte de muitas situações de absentismo e taxas de abandono escolar, em geral, situações que prejudicam as condições de vida das crianças e juventude 16,17. Critérios de inclusão • Tipo de Publicação: artigos publicados em periódicos. • Ano de Publicação: janeiro de 2001 a abril de 2011. • Nos idiomas português, inglês ou espanhol, com ou sem resumo/abstract. • De publicações oriundas de qualquer nacionalidade. Critérios de exclusão • Artigos anteriores a janeiro de 2001. • Artigos em outros idiomas que não português, inglês ou espanhol. • Artigos nos quais o bullying não foi o assunto de destaque. Os títulos e resumos (se disponível) de todos os estudos identificados pela pesquisa foram revisados pelos investigadores. O texto integral de todos os artigos potencialmente relevantes foi avaliado e as decisões sobre a inclusão dos documentos foram discutidas por todos os autores. Foram encontrados 54 artigos na base de dados do Scielo, sendo utilizadas 47 publicações. Procurou-se abordar o tema bullying nos âmbitos: definição; histórico; principais e prováveis agentes causais e/ou desencadeadores; epidemiologia; principais apresentações (verbal, física, sexual, por meio eletrônico); impactos social e psicológico. Além desses aspectos, procurou-se traçar as principais características das vítimas do bullying. Buscou-se, também, conhecer metodologias de prevenção e formas de enfrentamento da situação, principalmente por pais e professores. 12 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 9-15 Nos estudos pioneiros em torno de 15% dos estudantes suecos estavam envolvidos como vítimas ou provocadores de bullying4. Um estudo realizado em 2002, com 5.875 estudantes de 5ª a 8ª séries, de 11 escolas localizadas no município do Rio de Janeiro, revelou que 16,9% dos estudantes sofreram bullying. Estes achados reforçam o caráter universal do problema, porém uma limitação desse tipo de comparação pode decorrer das diferentes definições de bullying. A maior prevalência de vítimas de bullying entre os meninos é compatível com outras investigações. Uma possível explicação pode ser dada no sentido de que os meninos sofrem bullying de uma forma física mais direta, enquanto que as meninas, de forma verbal e exclusão, o que é menos visível e percebido 18. Reatiga afirma que de todas as características que levaram à rejeição das vítimas, há dois elementos principais que estão intimamente ligados: a rejeição daqueles que parecem fracos e de pouco êxito segundo os parâmetros sociais de poder e status. O feio, gordo, pobre, homossexual e os que não estão sujeitos às regras do grupo, o especial e diferente, são os principais alvos 19. DINIZ RLP, BASTOS CB, GÓMEZ GS De acordo com Garcia Continente, os fatores mais prevalentes nos casos de bullying são o sexo masculino, a idade entre 10 e 14 anos e os fatores familiares, como a superproteção dos pais e o consumo de drogas de abuso, como álcool e tabaco 20. Nessa mesma linha, o estudo de Veccia apontou que os contextos sócio-culturais e familiares estão localizados como os principais determinantes do comportamento agressivo entre crianças 21. Ao explorar as formas mais comuns de agressão, percebe-se uma tendência observada em estudos de vários países 16. Desde o ponto de vista daqueles que os recebem como daqueles que desempenham o papel de agressor, verificou-se que o tipo mais comum de agressão é a de natureza verbal na forma de ridicularização ou apelidos. Esta maneira comum e fácil de atacar é provavelmente a razão pela qual isso acontece na frente de outros colegas de escola e adultos em sala de aula ou em locais bem visíveis da escola, como playground ou corredores. Isso sugere a existência de outros colegas que apesar de não tomarem a iniciativa das agressões, fazem parte delas e são aqueles cujo, desde o início de suas pesquisas, Olweus chamou de agressores passivos ou seguidores. Possivelmente, esses fatores fazem com que a vítima desenvolva uma maior percepção de impotência e uma menor necessidade de denunciar seu sofrimento 15. O estudo de Conejo discutiu as implicações do impacto psicológico e emocional que produz o bullying anti-homossexual contra jovens de orientação não-heterossexual. Nesse sentido, entendeu-se ser necessário abordar as consequências psico-emocional da homofobia e também criar estratégias para prevenir o assédio, medo, perseguição homofóbica 22. Barragan Ledesma afirma que apesar do bullying não ser uma realidade recente, ainda são insuficientes os estudos sobre o assédio moral na escola e não há quase nenhum reconhecimento do problema pelo Ministério da Educação. Assim, o desenvolvimento institucional em termos de estratégias para resolver este problema ainda é discreto 23. Assim, Barragan Ledesma apostou na proposta de trabalhar no desenvolvimento de programas de prevenção baseados em evidências científicas e que sejam adotados pelos sistemas de ensino. Além disso, o estudo do assédio moral entre iguais exige que o sistema escolar se preocupe em encontrar novas formas de olhar para o fenômeno e para analisar o discurso dos protagonistas, fornecendo evidências para sua melhor compreensão 23. O estudo de Oros teve o objetivo de avaliar a eficácia de uma metodologia para a aplicação de técnicas de relaxamento em crianças, sob a suposição de que o treinamento realizado poderia reduzir o número de respostas agressivas e intensificar os esforços para relaxar as crianças de situações de tensão. Os resultados mostraram que o programa desenvolvido teve um impacto positivo sobre as crianças, chegando a reduzir em 40% o comportamento agressivo das crianças 24. CONCLUSÃO O bullying é uma prática que ocorre há décadas, crescente nos dias atuais e exercendo maior impacto na sociedade. Apesar de não ser recente, a população tem dificuldades de compreender as causas e conseqüências de atos, que, até pouco tempo atrás, eram vistos como próprios da infância e juventude. Além do bullying anti-homossexual, pesquisas recentes identificaram novas formas de assédio, incluindo o cyberbullying, definido como repetidos danos causado por meio eletrônico 13. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 9-15 13 BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA REFERÊNCIAS 1.Moura DR, Cruz ACN, Quevedo LA. Prevalência e características de escolares vítimas de bullying. J Pediatr. (Rio J.) Porto Alegre. 2011;87(1):19-23. 2.Olweus, D. (1993). Bullying at school: What we know and what we can do. Malden, MA: Blackwell Publishing, 140 p. 3.Lopes Neto AA. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. J Pediatr (Rio J). 2005;81(5 Supl.):S164-72. 4. Grossi PK, Santos AM. 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Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2):9-15 15 Compartilhar conhecimentos DIETA CETOGÊNICA UMA OPÇÃO PARA PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA Ketogenic diet - an option for patients with refractory epilepsy Débora Albuquerque da Silva¹, José Humberto da Silva Junior², Mariana Carvalho Rocha³ 1.Médica Residente em Pediatria do Hospital Universtário Walter CantídIo (HUWC), Fortaleza-CE. 2. Acadêmico da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza-CE. 3. Acadêmica da Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza-CE. RESUMO ABSTRACTS As crises epilépticas são comuns na faixa etária pediátrica e ocorrem em aproximadamente 10% das crianças. Destes pacientes 10 a 20% apresentam crises persistentes e refratárias. A epilepsia refratária a medicamentos é definida pela falha terapêutica após a introdução de três drogas antiepilépticas (DAE), tendo como opções terapêuticas a cirurgia para epilepsia, a estimulação do nervo vago e a dieta cetogênica (DC). A DC é uma dieta especial caracterizada por ser hipocalórica, hiperlipídica, normoprotéica e hipoglicídica e por produzir um estado de cetose crônica e permanente que é capaz de reverter o cérebro a formas primitivas de metabolismo, mostrando um efeito antiepiléptico. Essa forma de tratamento é tradicionalmente utilizada em crianças a partir de dois anos de idade e adolescentes, pois em crianças abaixo dessa faixa etária é difícil manter a cetose e evitar a hipoglicemia. Para o sucesso do tratamento, é necessária uma equipe multiprofissional (médico, nutricionista, assistente social e psicóloga), mas também é fundamental a participação da família. É importante ressaltar que, similarmente, as drogas antiepilépticas e a dieta cetogênica não representam cura, mas meramente modalidades de tratamento. Estudos mostram aumento progressivo do controle das crises com o uso da DC, chegando a resultados de 62,1% dos pacientes apresentando uma redução de 75% das crises, sendo a falta de conhecimento dessa modalidade terapêutica o principal empecilho ao seu uso na prática clínica. Seizures are common in pediatric patients and occur in approximately 10% of children. In these patients 10 to 20% have persistent and refractory seizures. The refractory epilepsy drug is defined by the failure of treatment after the introduction of three antiepileptic drugs (AEDs) and has therapeutic options as epilepsy surgery, vagus nerve stimulation and the ketogenic diet (KD). KD is a special diet characterized by reduced calorie, hyperlipidemic, hypoglycemic and normal protein, and for producing a state of chronic and ongoing ketosis that is capable to revert the brain to primitive forms of metabolism showing an antiepileptic effect. This form of treatment is traditionally used in children from two years of age and adolescents, because in children below this age is difficult to maintain ketosis and avoid hypoglycemia. For successful treatment is required a multidisciplinary team (physician, dietician, social worker and psychologist), but is also important family participation. Importantly, antiepileptic drugs and the ketogenic diet, similarly, do not represent a cure, but treatment modalities. Studies show a progressive increase in seizure control with the use of KD, having results of 62.1% of patients showing a 75% reduction of seizures, and the lack of knowledge of this therapeutic modality is the main obstacle to its use in clinical practice. Palavras-chave: Dieta Cetogênica, Epilepsia Refratária, Criança. 16 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21 Keywords: Ketogenic Diet, Epilepsy, Refractory. SILVA DA, SILVA JUNIOR JH, ROCHA MC INTRODUÇÃO CONCEITO As crises epilépticas são comuns na faixa etária pediátrica e ocorrem em aproximadamente 10% das crianças1. Menos de um terço dessas crises é causada por epilepsia, condição na qual elas são desencadeadas recorrentemente de dentro do cérebro. Para se definir a doença epilepsia, é necessário que a criança tenha pelo menos 2 crises não provocadas com um intervalo maior que 24 horas1. A dieta cetogênica é uma dieta especial que induz o organismo humano a produzir uma modificação química levando a um estado de cetose crônica4. Essa cetose permanente é capaz de reverter o cérebro a formas primitivas de metabolismo, mostrando um efeito antiepiléptico. Para crianças com esse diagnóstico, o prognóstico geralmente é bom, mas 10 a 20% desses pacientes apresentam crises persistentes e refratárias1, sendo esse número ainda maior quando não restringimos a idade, chegando a 20 a 40%2. Essa condição é conhecida como intratável, refratária a medicamentos ou medicamento-resistente. Tradicionalmente, a epilepsia refratária a medicamentos é definida pela falha terapêutica após a introdução de 3 drogas antiepilépticas (DAE)3, tendo como opções terapêuticas a cirurgia para epilepsia, a estimulação do nervo vago e a dieta cetogênica (DC). A dieta cetogênica, por seus resultados promissores, pode ser considerada um boa alternativa de tratamento, como é observada em alguns estudos: um estudo multicêntrico com resultados preliminares observou que 33% das crianças com epilepsia apresentaram um controle completo das crises com o uso da DC e outras 33% foram capazes de melhorar o controle e diminuir seus medicamentos4. Um estudo mais recente, realizado no Instituto da Crianca na USP, que analisou a eficácia, tolerabilidade e efeitos colaterais da DC, analisou 54 crianças entre 13 meses e 12 anos de idade com avaliações programadas e evidenciou um aumento progressivo do controle das crises, chegando a resultados de 62,1% dos pacientes apresentando uma redução de 75% das crises5. A falta de conhecimento dessa modalidade terapêutica é o principal empecilho ao seu uso na prática clínica, sendo necessário o conhecimento da sua existência para sua utilização nos casos indicados. A dieta caracteriza-se por ser hipocalórica, hiperlipídica, normoprotéica e hipoglicídica, havendo a necessidade de suplementação com polivitamínicos e cálcio. MECANISMO DE AÇÃO Desde 1920, a dieta cetogênica vem sendo divulgada como um tratamento eficaz para controle de crises convulsivas refratárias, porém ainda não se sabe o mecanismo de ação ao certo, acreditando-se ser multifatorial6. Já durante o período de jejum, mudanças no plasma são observadas em relação a cetonas, insulina, glicose, glucagon e ácidos graxos. Qual dessas alterações metabólicas é responsável pela melhoria na frequência de crises não é conhecido. Porém, é sabido que, em vigência da cetose sanguínea continua, há uma fase de adaptação do metabolismo cerebral, estimada em até 20 dias , depois da qual os neurônios passam a utilizar os corpos cetônicos em lugar de glicose como principal gerador de energia, e o efeito terapêutico é a elevação do limiar convulsivante7. INDICAÇÃO Antes de oferecer a DC como opção terapêutica a uma família com uma criança com epilepsia supostamente intratável é preciso considerar que o fracasso aos DAEs possa ter ocorrido por outros fatores, como erro de diagnóstico, dose insuficiente, inadequação nos horários de administração, baixa adesão terapêutica, dentre outras causas7. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21 17 DIETA CETOGÊNICA: UMA OPÇÃO PARA PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA Quando bem indicada, a dieta cetogênica é eficaz para pacientes com epilepsia independente da idade ou do tipo de crise, porém, em algumas condições específicas, por sua particular sensibilidades a dieta, é razoável considerar o tratamento mais cedo8. Dentre essas condições temos espasmos infantis, Síndrome de Doose, Síndrome de Rett, esclerose tuberosa complexa, Síndrome de Dravet, deficiência na proteína transportadora da glicose (Doença de DeVivo) e Lenoox Gastaut. Essa forma de tratamento é tradicionalmente utilizada em crianças a partir de 2 anos de idade e adolescentes, pois em crianças abaixo dessa faixa etária é difícil manter a cetose e evitar a hipoglicemia. DESCRIÇÃO DA DIETA Para o sucesso do tratamento é necessário uma equipe multiprofissional (médico, nutricionista, assistente social e psicóloga), mas também é fundamental a participação da família. A dieta clássica deve ser iniciada em ambiente hospitalar, com jejum programado de 24 a 48 horas8. Durante esse período, o paciente deve ser mantido com hidratação sem glicose em 2/3 da taxa hídrica plena para idade, sendo a dieta iniciada quando for alcançado um nível de cetose de 4+ detectado através da cetonúria. Caso a criança apresente, durante o jejum inicial, hipoglicemia até níveis de 3040mg/dl, porém permanecer assintomática, a conduta é dosar novamente a glicemia em 2h. Se a criança apresentar sintomas ou sua glicemia baixar de 30mg/dl, 15-30 ml de suco de laranja devem ser oferecidos. Durante o período de internação, que dura de 3 a 5 dias, devem ser feitos exames laboratoriais iniciais como hemograma completo, gasometria arterial, eletrólitos, fosfatase alcalina, enzimas hepáticas, bilirrubina total, função renal, exame de urina e urinocultura, proteínas séricas e lipidograma além da 18 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21 dosagem do nível sérico de drogas. Glicemia e cetonúria devem ser avaliadas a cada 6 horas durante a dieta. Peso e sinais vitais devem ser monitorados. Esse tempo de hospitalização permite alcançar os ajustes metabólicos necessários, iniciar a dieta e estabelecer a sua manutenção, além de educar os encarregados da criança sobre a dieta e suas formas de monitorização. Na maioria das crianças, estabelece-se uma relação de 4:1 (4 de gordura para 1 de proteína + carboidrato), sendo necessário manter uma quantidade mínima de proteína (1-1,3g/kg de peso) para adequação nutricional4. A quantidade calórica indicada deve ser dividida em quatro refeições diárias, porém, depois de alcançada a cetose, a dieta é introduzida em volumes progressivos, 1/3 no primeiro dia, 2/3 no segundo e volume total no terceiro. É necessária suplementar a dieta com polivitamínicos e cálcio isentos de açúcar, para manter a dieta adequada às necessidades orgânicas. Durante todo o tratamento, que dura cerca de 2 a 3 anos, é necessário controlar o nível dos corpos cetônicos urinários e da glicemia, os quais devem ser realizados três vezes ao dia. A cetonúria deve ser mantida em 4 + e a glicemia acima de 70mg/dl. Depois de iniciada a dieta, os resultados devem ser esperados em até 3 meses, indicando-se interrompê-la após esse período caso não traga benefícios ao paciente. Os medicamentos devem ser deixados inalterados no primeiro mês com a dieta, embora alterados para preparações sem carboidratos9. Se o controle das crises é obtido na dieta cetogênica, então os DAES devem ser retirados gradualmente, reduzindo a dose e, se possível, suspendendo-os10. Uma piora transitória pode ocorrer principalmente com o uso crônico de fenobarbital ou benzodiazepínico. SILVA DA, SILVA JUNIOR JH, ROCHA MC Após a alta hospitalar, a criança deve ser acompanhada a cada três meses durante o primeiro ano de tratamento, com visitas mais frequentes para lactentes e aquelas com maior risco nutricional8. Ingestão de calorias, altura, peso e controle das crises são avaliados em cada visita. Os contatos da equipe devem ser fornecidos para qualquer dúvida ou intercorrência. Algumas modificações à dieta cetogênica clássica já estão em uso e com benefícios semelhantes. Wilrrell et al. descreveram 14 crianças submetidas à DC sem jejum inicial, com aumento gradual da taxa cetogênica da dieta de 1:1 até 4:1 ao longo de três a quatro dias. A cetose foi alcançada por 13 das 14 crianças com tempo médio para cetose plena de 58 horas7. Dentre outras modificações temos dietas alternativas, como a dieta de triglicerídeos de cadeia média, a dieta de Atkins modificada e a dieta de baixo índice glicêmico. Quando alcançado o tempo de tratamento ou quando não se observou benefícios com três meses de dieta, a suspensão deve ser feita de forma lenta, semelhante ao desmame dos DAEs, ao longo de dois a três meses, porém sem nenhum protocolo bem definido. CONTRA-INDICAÇÕES Existem contraindicações absolutas ao uso da dieta cetogênica. São elas deficiência de carnitina primaria, deficiência de carnitina translocase, porfiria, defeitos da oxidação de ácidos graxos e deficiência de piruvato carboxilase. Isso ocorre, pois pacientes com esses erros inatos do metabolismo, que afetam em particular a oxidação e o transporte dos ácidos graxos de cadeia longa, podem ter efeitos catabólicos devastadores quando submetidos ao jejum ou a aplicação da dieta cetogênica8. EFEITOS COLATERAIS Por se tratar de uma dieta, alguns poderiam acreditar ser esta isenta de efeitos colaterais, o que não é uma verdade. Dentre os efeitos colaterais da DC o mais importante e temido é a hipoglicemia. Por seus possíveis efeitos catastróficos, nos obriga a monitorizar os níveis glicêmicos de perto, sem contraindicar a dieta11. Durante o jejum inicial e no início da dieta, o paciente também pode apresentar náuseas, fraqueza, sudorese, vertigem, letargia, desidratação, constipação ou diarreia. A longo prazo, podem ocorrer anorexia com desnutrição, infecções recorrentes, hiperuricemia, hipocalcemia, acidose metabólica, hipercolesterolemia, irritabilidade, letargia e litíase renal11. Enquanto os parâmetros anormais de lipídios são vistos com frequência, hipercolesterolemia significativa e hipertrigliceridemia são menos comuns12. Osteopenia e osteoporose levando a fraturas são algumas das preocupações para crianças mantidas na DC assim como são para as crianças em uso de DAEs crônicas13. Suplementação com cálcio e vitamina D é obrigatória para tentar evitar a perda óssea. Pancreatite também foi citada em alguns artigos como possível efeito colateral, porém, na maioria dos casos, estava associado ao uso concomitante da DC e do valproato14. Tem sido sugerido também, um impacto na função plaquetária que se apresenta na forma de sangramentos e hematomas leves, sem normalmente exigir qualquer intervenção específica15. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21 19 DIETA CETOGÊNICA: UMA OPÇÃO PARA PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA CONCLUSÃO A dieta cetogênica é hoje uma importante opção terapêutica para crianças e adolescentes com epilepsia refratária em uso mundialmente. Sua importância e efetividade já está bem estabelecida em vários pequenos estudos, nos quais é visto uma melhora das crises, da qualidade de vida e até melhora do desenvolvimento neuropsicomotor. É importante ressaltar que, similarmente, as drogas antiepilépticas e a dieta cetogênica não representam cura, mas meramente modalidades de tratamento usadas para controle de crises convulsivas sendo a última reservada para crises convulsivas refratárias. REFERÊNCIAS 1. Johnston MV. Crises epiléticas em crianças. In: Kliegman RM, Behrman RE, Jenson HB, Stanton BF. Nelson, Tratado de Pediatria. 18.ed.. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. p. 2463-2481. 2. Kwan P, Brodie MJ. Drug treatment of epilepsy: when does it fail and how to optimize its use? CNS Spectr 2004 Fev; 9(2):110-119. 3. Berg AT, Kelly MM. Defining intractability: comparisons among published definitions. Epilepsia. 2006 Fev; 47(2):431-436. 4. Ramos AMF. Eficácia da dieta cetogênica no tratamento da epilepsia refratária em crianças e em adolescentes. Rev. Neurociências, 2001; 9 (3): 127-131. 5. Freitas A. et al. Ketogenic Diet for the Treatment of Refractory Epilepsy. Arq. Neuropsiquiatri. 2007; 79(2): 381-384. 6. 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Ann Neurol. 2001 Conflito de Interesse: Não declarado Endereço para correspondência Débora Albuquerque da Silva E-mail: [email protected] Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 16-21 21 Pediatria em Destaque A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NA PEDIATRIA CONTEMPORÂNEA The doctor-patient relationship in current Pediatrics Jayme Murahovschi Professor livre-docente em Pediatria Clínica. Membro titular da Academia Brasileira de Pediatria. Há 30 ou 40 anos atrás a preocupação do pediatra era a alta mortalidade infantil; hoje a responsabilidade é lançar bases firmes para uma vida longa e saudável. Mas será que a influência do pediatra nos primeiros meses e anos de vida tem todo esse alcance a longo prazo? Sem dúvida. De alguns anos para cá a importância da genética foi realçado. Parece que tudo que nos ocorre já estava escrito nos genes. Mas não é bem assim. Pesquisas atuais revelam a influência da epigenética que pode alterar, para o bem ou para o mal, a expressão dos genes. A epigenética se refere à influência do ambiente o que inclui a família. Através de um fenômeno conhecido como “imprimming”, o que acontece mesmo antes da criança nascer e nos primeiros meses de vida se introjetam no cérebro e em todo o organismo e assim podem influenciar toda a vida da pessoa. É aí que entra o pediatra, atuando sobre a criança e influenciando a atitude familiar. É oportuno lembrar que vivemos uma era complicada pela figura do “pai ausente” e da “mãe executiva”, do resgate dos avós, da creche à escolinha, da importância crescente das babás e do acesso à internet. A Pediatria é anti-especialidade porque cuida da criança como um ser humano integral tendo como meta a criação de indivíduos fisicamente sadios, psiquicamente equilibrados e socialmente úteis. Seus limites correspondem à fase de crescimento mas que hoje podem ser ultrapassados para compreender até o adulto jovem. 22 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 22-23 A atuação do pediatra se expressa na consulta pediátrica, que expressa um ato de confiança. A palavra-chave é escutar. Escutar não é sinônimo de ouvir, a qual se refere a um simples fenômeno acústico. Ao contrário, escutar é compreender e introjetar o que leva o pediatra à sua característica básica que é a empatia. Empatia significa sintonia, isto é, sentir o que o outro está sentindo, antecipar as necessidades do outro. Assim o pediatra fica num mesmo nível humano em relação à família, mas sem perda de limites, isto é, o pediatra deve se manter num patamar técnico superior que lhe dá a força almejada pela família. A consulta começa já na sala de espera – ambiente receptivo e descontraído; limpo, confortável, decoração atraente com fotos e brinquedos adequados. Recepcionistas gentis, comunicativas e prestativas. Respeitar horário. Já a consulta médica começa com o acolhimento, o ritual de aproximação que deve ser gentil, respeitoso e afetuoso. Levar em conta se é o primeiro encontro (mais formal) ou se é família conhecida (maior intimidade). A consulta é de urgência? priorizar a queixa; ou é de rotina – toda a atenção na educação em saúde. Procurar abranger a própria criança na consulta mas lembrar que geralmente a criança é um paciente singular que necessita de um interprete adulto que reconhece, traduz e relata seus problemas. Daí a necessidade de conhecer as características básicas desse intérprete que por seu envolvimento afetivo pode ter uma percepção distorcida sobre a saúde da criança. MURAHOVSCHI J Por outro lado a doença da criança traz, na família e particularmente na mãe, uma sensação de fracasso junto com um sentimento de culpa – “onde é que eu errei”? Cabe ao pediatra detectar e compreender a aflição da família e a ansiedade dos pais, entender as idéias da família sobre o que está acontecendo e ajudar a família a distinguir entre ansiedade e os problemas reais, ajudando-a também a recuperar sua auto-estima. A consulta moderna se baseia na anamnese ampliada que não focaliza apenas os sintomas mais evidentes nem nas queixas explícitas. Priorizar as queixas principais mas ouvir todas as queixas e incluir a família, suas condições e estilo de vida, responsável por eventuais riscos sociais e hereditários e a criança em seus aspectos físicos e psico-emocionais e que incluem desenvolvimento, comportamento, educação e disciplina. O diagnóstico deve ser objetivo, esclarecedor, abrangente, sem jargões médicos nem termos depreciados. A prescrição deve ser realista e exeqüível, uma elaboração conjunta, compartilhada com a família e deve abordar necessidades, medos e expectativas que as vezes se escondem atrás de uma queixa aparentemente banal. Levar em conta que a mãe em estado de angustia tem comprometida sua capacitação de pensar com clareza e de assimilar a orientação. Daí a necessidade de explicar detalhada e repetidamente e a necessidade de escrever e utilizar impressos complementares. Na urgência, a atitude do pediatra é paternalista (como era antigamente em todas as consultas) na qual o médico toma todas as decisões. Conflito de Interesse: Não declarado Na consulta comum deve ocorrer a cooperação entre o pediatra, o paciente e sua família. No nível mais elevado que é a educação em saúde, predomina a autonomia em que o médico ajuda pais e criança a se ajudarem a si mesmos. A medicina baseada em evidências, hoje tão em voga, é empregada nos casos de tratamento específicos, mas para atingir a competência em sua atuação holística é preciso incluir a medicina baseada em: • diligência = zelo, que inclui a anamnese ampliada; • benevolência = empatia ou sintonia com o paciente e família; • reverência = respeito às boas intenções dos pais e depois corrigir delicadamente seus conceitos errôneos; • persistência = presença continuada após o encerramento da consulta e que se traduz em disponibilidade por telefone, retorno ou e-mails; • clarividência = voz da experiência desde que esta seja continuamente revisada, submetida á auto-crítica e comparada com a literatura e à opinião de colegas experientes em aulas, congressos, cursos, revistas e livro; • referência = encaminhamento criterioso a especialistas, sem perder de vista que o pediatra continua o responsável pela orientação. Principalmente não contribuir, e ao contrário combater, a atual (perigosa) cultura do pronto socorro que reflete a “tirania da urgência” da sociedade contemporânea. Finalmente a ebuliência = entusiasmo fervoroso em exercer uma atividade que dá ao pediatra a oportunidade de melhorar a qualidade de vida da criança e de sua família, no presente e no futuro. Endereço para correspondência Jayme Murahovschi E-mail: [email protected] Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 22-23 23 Pediatria em Destaque FEBROFOBIA EM CRIANÇAS Fever phobia in children Almir de Castro Neves Filho Hebiatra. Doutor em Pediatria. Professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. A febre é, atualmente, uma das causas mais frequentes de atendimento médico em emergências, ambulatórios e consultórios pediátricos. É, também, um dos sintomas mais frequentes de afecções na população infantil, surgindo muitas vezes como única manifestação clínica ou como pródomo de alguma doença. Os pais lidam bastante mal com esta situação, saindo às vezes de madrugada de casa acreditando que não são capazes de cuidar da criança ou achando que no pronto-socorro estarão mais seguros em caso de alguma complicação. Analisando as origens deste medo, encontramos que as pessoas mais velhas ainda ligam a febre a algumas epidemias que dizimaram populações em passado não muito distante (ex. febre espanhola, febre amarela), e as pessoas mais novas temem a ocorrência de convulsões. Algumas considerações, portanto, podem ajudar os pais e responsáveis a lidarem melhor com tal situação. Várias doenças infecto-contagiosas eram ainda desconhecidas no passado, tendo a febre como sintoma comum a quase todas. Muitas delas são hoje conhecidas e têm tratamento eficaz ou vacina disponível, deixando de constituir causa de tanta apreensão. A convulsão febril também é hoje uma entidade bastante estudada e conhecida, e sabemos que pode ocorrer em crianças predispostas geneticamente (cerca de 3 a 5% da população pediátrica). 24 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 24-25 Caracteristicamente, este tipo de crise convulsiva acontece nas primeiras horas do aparecimento da febre, parece não ter relação com o nível da febre e sim com a rapidez de sua elevação, incide na faixa etária de 6 meses a 6 anos, principalmente entre 1 e 2 anos de idade, na maioria das vezes é um episódio único (60% dos casos), tem curta duração e não apresenta sinais de crise complexa, não deixando sequelas neurológicas. Sendo assim, seria interessante que os pais entendessem que compressas e a injeção aplicada nos pronto-socorros não são capazes de evitar a crise convulsiva desta natureza, porque caracteristicamente a febre do primeiro dia de doença é, em geral, alta e rebelde ao tratamento. Febre é para ser tratada, se preciso, em casa, com antitérmico oral ou sob forma de supositório (em caso de vômitos), roupas frescas, ambiente ventilado, oferta generosa de líquidos e muita serenidade. As crianças que são portadoras de predisposição genética e já apresentaram algum episódio devem estar corretamente orientadas pelo pediatra para as medidas a serem adotadas em vigência de febre. NEVES FILHO AC Por fim, é importante a noção de que a convulsão febril é evento raro tendo em vista a frequência dos episódios de febre, ocorre numa minoria de crianças e não acarreta dano neurológico. Munidos destas informações, os pais e responsáveis podem diminuir a onda de febrofobia reinante na cidade, advinda da mentalidade alarmista e medicalizante que infelizmente domina a maior parte da nossa população. Conflito de Interesse: Não declarado Endereço para correspondência Almir de Castro Neves Filho E-mail: [email protected] Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 24-25 25 Olhar do Especialista CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOPEDIATRIA Palliative Care in Pediatrics Oncology Washington A. Pinto Filho1, Fernando Heládio Pimenta2, Sabrina Melo3, Selma Lessa4 1.Clínico de dor e paliativista. Centro Pediátrico do Câncer/Hospital Infantil Albert Sabin (CPC/HIAS), Fortaleza-Ce. 2.Médico em especialização de Anestesiologia. Hospital Infantil Albert Sabin (CPC/HIAS), Fortaleza-Ce. 3.Oncopediatra. Chefe de ambulatório e suporte. Centro Pediátrico do Câncer/Hospital Infantil Albert Sabin (CPC/HIAS), Fortaleza-Ce. 4.Oncopediatra. Coordenadora médica do Centro Pediátrico do Câncer/Hospital Infantil Albert Sabin (CPC/HIAS), Fortaleza-Ce. RESUMO ABSTRACTS Introdução: O câncer pediátrico traz repercussões negativas não só para o paciente, mas a toda família. O objetivo do trabalho foi reconhecer os principais sintomas do paciente terminal e saber como abordá-los de uma forma multiprofisional e interdisciplinar. Introduction: Pediatrics cancer brings negative repercussions not only to the patient, but all family. The aim of this study was to recognize the main symptoms of the terminal patient and know how to approach them in a multiprofessional and interdisciplinary way. Método: Acompanhamento dos pacientes pediátricos oncológicos internados no Hospital Infantil Albert Sabin por médicos, enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, voluntários e representantes religiosos. Methods: Accompaniment of oncologic pediatric patients hospitalized in Albert Sabin Infant Hospital by doctors, nurses, nutritionists, social assistants, psychologists, physiotherapists, volunteers and religious people. Resultados e Conclusão: A abordagem interdisciplinar dos pacientes pediátricos oncológicos terminais e de seus familiares quanto aos cuidados paliativos resultou em melhor aceitação acerca da situação clínica do paciente, além de reconhecimento e tratamento específico dos principais sintomas incapacitantes e que traziam desconforto a essas crianças. Results and conclusion: The interdisciplinary approach of terminal oncologic pediatrics patients and their relatives about palliative care resulted in better acceptance of the clinical situation of the patient, in addition to recognition and specific treatment of the main disabling symptoms and that used do bring discomfort to these children. Palavras-chave: Cura, Pediatria, Criança, Câncer, Oncologia. 26 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 26-29 Keywords: Healing, Pediatrics, Child, Cancer, Oncology. PINTO FILHO WA, PIMENTA FH, MELO S, LESSA S EPIDEMIOLOGIA DO CANCER PEDIÁTRICO: As neoplasias na infância são uma entidade rara. Estima-se que, para cada 150 casos novos de câncer diagnosticados em indivíduos acima de 18 anos, incida um caso na faixa etária pediátrica. Apesar disso, as neoplasias já assumem a principal causa de óbito relacionado à doença em menores de 18 anos em países desenvolvidos; somente as causas externas superam os óbitos por neoplasia¹. No Brasil, é a terceira principal causa de morte em menores de 18 anos, sendo superados por causas infecciosas e traumáticas. Segundo o Instituto do Câncer (INCA), em 2007, foi estimado que em 2008 ocorreriam 9890 casos novos em menores de 14 anos de câncer infantil². Os tipos de câncer mais comuns variam dependendo da faixa etária. Para menores de 14 anos é mais comum ocorrência de leucemia, linfomas, tumor do sistema nervoso central e neuroblastoma. Acima de 15 anos aumenta a incidência de linfoma, tumor do sistema nervoso central e tumores sólidos³. Nas últimas décadas houve avanço no prognóstico do câncer pediátrico. Com o tratamento oncológico na infância a taxa global de cura supera 80% de sobrevida livre de doença em cinco anos4. RECIDIVA TUMORAL E FALHA DO TRATAMENTO CURATIVO: INTERFASE CURATIVO/PALIATIVO. O avanço tecnológico da medicina, principalmente nas últimas décadas, levou a oncologia pediátrica ao patamar de cura. Esse fato traz vários problemas para a medicina. O paciente que foge ao padrão desejado pode ser muitas vezes super-tratado ou mesmo negligenciado pelo oncologista. A justificativa é o fato de o médico ter passado poucas vezes por esta experiência. Em um estudo realizado entre oncologistas pediátricos 92% referiram falta de cursos formais em cuidados paliativos, baseando seu aprendizado sobre cuidados terminais somente na prática diária e necessitando, portanto, de profissionais experientes nessa área5. Dependendo da agressividade do câncer, diagnóstico tardio, falha ou impossibilidade do tratamento convencional, muitas crianças terão necessidade de controles de sintomas e morrerão decorrentes da agressividade do tratamento ou progressão da doença. Existe grande dificuldade de avaliação e controle dos sintomas nesta população6. Uma das barreiras encontradas ao se utilizar o tratamento paliativo é a expectativa irreal de cura por parte dos pais, seguida da negação da situação terminal de seus filhos e de conflitos familiares, o que acaba gerando um obstáculo para a integração efetiva dos cuidados paliativos no tratamento da criança com câncer7. São observadas três condições básicas para uma transição segura de tratamento curativo para o paliativo: o diagnóstico cuidadoso da progressão da doença, por meio de comprovação com sinais e sintomas relacionados; o reconhecimento pelo profissional de que a morte do paciente não está distante; e assegurar que toda terapia anti-neoplásica convencional esgotou-se8. O encaminhamento tardio do paciente para a assistência de um grupo de cuidados paliativos dificulta à terapêutica, uma vez que podemos estar diante de uma fase denominada terminal nos cuidados9. Quadro 1= modelo de transição progressiva alocação de recursos e cuidados para doentes com câncer ou doença crônica. Fonte: Adaptado, OMS. 1996. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 26-29 27 CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOPEDIATRIA PRINCIPAIS SINTOMAS DOS PACIENTES EM CUIDADOS PALIATIVOS PEDIÁTRICOS E NIVEL DE ESTRESSE DE PACIENTES E SEUS FAMILIARES COM O CÂNCER TERMINAL Os problemas mais comuns das crianças, referidos pelos pais, incluíam: fadiga, dor, dispneia e perda de apetite. Cerca de 89% das crianças sofriam substancialmente de pelo menos um sintoma e 51% sofriam de pelo menos três sintomas. Esse estudo mostra que de acordo com o relato dos pais, as tentativas para controle dos sintomas quase sempre não foram bem-sucedidas. Em relação às crianças que foram tratadas para sintomas específicos, foi obtido sucesso em 27% para tratamento da dor e em 16% no tratamento da dispneia7. É observado grande nível de estresse em crianças e adolescentes no período de diagnóstico e tratamento. Esse nível de estresse pode ser demonstrado de diversas formas: medo, acuamento, choro, raiva, depressão, ansiedade, dentre outros10. Este estresse também é observado em pais e familiares, podendo piorar quando é repassado para a criança11. Os adultos acreditam que devem evitar que a criança entre em contato com certos assuntos, como a morte. Os adultos acham que estão protegendo do sofrimento, da angústia e da desorganização que a morte pode causar, por isso não conversam sobre este tema e acabam mentindo ou distorcendo sua compreensão. Porém, é fundamental ressaltar que a criança é capaz de perceber estas perdas desde muito pequena, mas de maneira diferente do adulto12. A criança com câncer experimenta uma situação de contínuo enfrentamento com a morte, principalmente durante a internação, já que o tratamento é prolongado e marcado por muitos procedimentos invasivos e dolorosos. Ela convive com a proximidade da morte em relação a si própria e aos colegas de enfermaria, percebendo a deterioração do seu estado geral e o falecimento das outras crianças, mesmo quando esse fato não lhe é revelado. 28 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 26-296 A autoestima da criança fica comprometida, pois ela sente-se responsável pelo sofrimento de sua família. Percebe que sua doença interfere consideravelmente no ritmo familiar e que já não representa mais uma fonte de alegria para os pais, mas, ao contrário, de descontentamento, inclusive por parte dos irmãos que passam a ter menos atenção materna13. DEFINIÇÃO DE CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA Cuidados paliativos são cuidados integrais ao paciente que, independente do tempo de vida que reste, necessite de melhora dos seus sintomas provenientes da patologia que restrinja sua vida. Esta ação contribui para uma melhor qualidade de vida não só ao paciente, mas também aos seus familiares através de uma abordagem total às suas necessidades físicas, emocionais, psicológicas, sociais e espirituais; feita por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar de forma ativa, contínua, dinâmica e antecipatória14. Para realizar o atendimento multidisciplinar, o serviço necessita de uma equipe composta por médicos, enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, voluntários e representantes religiosos. Desta forma, o paciente é valorizado em sua totalidade e não apenas de forma fragmentada, como apenas um portador de câncer15. Os cuidados paliativos em pediatria encontram-se incipientes. Estima-se que mais de 50% das crianças com doenças terminais morram dentro de um hospital e, mais de 90% destas, após uma semana de hospitalização em UTIP16. O paciente pediátrico difere do adulto por não ter capacidade de decidir sobre as condutas que devem ser tomadas no seu final de vida. Sendo assim, a família possui papel fundamental, já que defende o melhor interesse da criança. Após o consenso médico sobre a irreversibilidade e necessidade de cuidados paliativos, a família deve ser comunicada e convidada a participar de todos os passos que se seguem na definição dos planos para melhora dos sintomas17. PINTO FILHO WA, PIMENTA FH, MELO S, LESSA S REFERÊNCIAS 1. Gurney JG, Bondy ML. Epidemiology of Childhood Cancer. In: Pizzo PA and Poplack DG (eds), Principles and Practice of Pediatric Oncology (5a. ed.). Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins. 2005. pg 1-13. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Estimativa 2008: Incidência de Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2007. 3. Camargo B, Yamaguchi A. Cuidados Paliativos em Oncologia Pediatrica: o cuidar além do curar. São Paulo: Lemar; 2007. 4.Moraes, Carlos Aurtur. Diagnóstico precoce do câncer infantil. Rev. Saúde Criança Adolesc., 1(1): 18 - 24, jul./dez., 2009. 5. Hilden JM, Emanuel EJ, Fairclough DL, et al. Attitudes and practices among pediatric oncologists regarding end-of-life care: results of the 1998 American Society of Clinical Oncology survey. J Clin Oncol 2001; 19:205-12. 6.Morgan ER, Murphy SB. Care of children who are dying of cancer. N Engl J Med 2000; 342:347-8. 7. Wolfe J, Klar N, Grier HE, et al. Understanding of prognosis among parents of children who died of cancer: impact on treatment goals and integration of palliative care. JAMA 2000; 284:246975. 8.McCusker J. The terminal period of cancer: definition and descriptive epidemiology. J Chronic Dis 1984; 37:377-85. 9. Adam J. ABC of palliative care: the last 48 hours. BMJ 1997; 315:1600-3. 10.Guaranti AA, Marcolino JA. Estudo Transversal de Ansiedade Pré-Operatória em Crianças: Utilização da Escala de Yale Modificada. Rev Bras Anestesiol, 2006; 56 (6): 591-601. 11.Moro E, Modolo NS. Ansiedade, a Criança e os Pais. Rev Bras Anestesiol, 2004; 54 (5): 728-738. 12.Mattos, J.M. Falando de morte com crianças. Revista Gestalt, 14: 63-71, 2005. 13.Perina, E.M. (1994). O câncer infantil: a difícil trajetória. In: M. M. M. J. Carvalho (Coord.), Introdução a psico-oncologia. São Paulo: Editorial Psy. 14.Maciel, MG. Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil / documento elaborado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos; Rio de Janeiro: Diagraphic, 2006. 15. Reddy S, Shanti BF. Cancer pain: assessment and management a multidisciplinary approach offers the best solution to the complex phenomenon of cancer pain. Primary Care & Cancer 2000; 20 (7):44-52. 16. Feudtner C, Christakis DA, Zimmerman F et al. Characteristics of death occurring in children’s hospitals: implications for supportive care services. Pediatrics, 2002;109:887-893. 17. Hinds PS, Schum L, Baker JN et al. Key factors affecting dying children and their families. J Palliat Med, 2005; 8: (Suppl1):S70-S78. Conflito de Interesse: Não declarado Endereço para correspondência Washington A. Pinto Filho E-mail: [email protected] Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 26-29 29 Olhar do Especialista SEQUÊNCIA DE PIERRE ROBIN: UMA BREVE ATUALIZAÇÃO The Pierre Robin syndrome: a brief update Diego Thiers Oliveira Carneiro1, José Ferreira da Cunha Filho2, Raquel Nascimento da Silva3. 1. Cirurgião dentista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e integrante voluntário da Associação Beija-Flor-Funface, Fortaleza-CE, Brasil. 2. Cirurgião dentista e Mestre em Cirurgia. Especialista em Cirurgia Bucomaxilofacial. CoFundador da Associação Beija-Flor-Funface e Staff do Núcleo de Assistência Integral ao Fissurado do Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza-CE, Brasil. 3. Fonoaudióloga pela Universidade de Fortaleza. Mestre em Saúde Pública. Conselheira da Associação Beija-Flor-Funface e Staff do Núcleo de Assistência Integral ao Fissurado do Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza-CE, Brasil. RESUMO ABSTRACT A Sequência de Pierre Robin (SPR) é definida como uma tríade de anomalias caracterizada por micrognatia e/ou retrognatia, glossoptose e obstrução das vias aéreas superiores. A maioria dos portadores apresentam fenda palatina. Obstrução das vias aéreas e dificuldades na alimentação são as manifestações mais comuns e mais graves no período neonatal na SPR. A prioridade no tratamento deve ser a manutenção da permeabilidade das vias aéreas. Neste trabalho serão apresentados: etiologia, manifestações clínicas, diagnóstico e modalidades de tratamento para esses pacientes com o objetivo de esclarecer ainda mais sobre este evento para que o correto tratamento multidisciplinar seja adotado pela equipe responsável. The Pierre Robin Sequence (PRS) is defined as a triad of anomalies characterized by micrognathia and / or retrognathia, glossoptosis and upper airway obstruction. Most patients have cleft palate. Airway obstruction and feeding difficulties are the most common manifestations and more severe in the neonatal period in the SPR. The priority in treatment should be to maintain airway patency. This work will be presented: etiology, clinical manifestations, diagnosis and treatment modalities for these patients in order to further clarify on this event so that proper treatment is adopted by a multidisciplinary team responsible. Palavras-chave: Síndrome de Pierre Robin, Fenda Palatina, Síndromes Genéticas. INTRODUÇÃO Historicamente, Fairbairn em 1846, Lannelongue e Menard em 1891, foram os primeiros a descrever a Síndrome de Pierre Robin em pacientes que apresentavam micrognatia, fenda palatina e retroglossoptose. Pierre Robin, estomatologista francês, em 1923, 30 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 30-34 Keywords: Pierre Robin Syndrome, Cleft Palate, Genetic Syndromes. apontou para a associação da glossoptose e micrognatia. Citações de fendas palatinas em seus escritos foram relatadas onze anos mais tarde1,2,3. Em 1974 a tríade foi denominada de Síndrome de Pierre Robin4. Por definição, o termo síndrome é utilizado quando há presença simultânea de várias CARNEIRO DTO, CUNHA FILHO JF, SILVA RN anormalidades originadas de uma única etiologia. O termo sequência é utilizado quando há várias anormalidades originadas de uma cascata de eventos iniciada por uma única malformação2,4. Logo, o termo Síndrome de Pierre Robin passou a ser denominada de Sequência de Pierre Robin (SPR). estudo citogenético de portadores da SPR isoladas, sugeriu que suas manifestações clínicas podem ser causadas por mutações genéticas nos genes SOX9 e KCNJ2.12 Há ainda os que afirmam que ocorre um atraso na maturação neurológica dos portadores, observado pelo retardo na condução no nervo hipoglosso, resultando em déficit motor da língua e pilares faríngeos13. A SPR é definida como uma tríade de anomalias caracterizada por micrognatia e/ou retrognatia, glossoptose e obstrução das vias aéreas superiores 5. Em 10% dos casos a fenda palatina não esta presente,3,6 o que faz esse evidência clínica não ser essencial para o diagnóstico7. Obstrução das vias aéreas e dificuldades na alimentação são as manifestações mais comuns e mais graves no período neonatal. Há uma heterogeneidade nas manifestações clínicas8 observando expressões leves de dificuldades respiratórias e alimentares até graves crises de asfixia, que podem levar ao óbito se não houver uma rápida intervenção médica9,10. Alterações craniofaciais sindrômicas podem vir acompanhadas na SPR como a síndrome de Stickler, síndrome de Treacher Collins e a síndrome de Neger, por exemplo6. Estima-se uma prevalência de 1:8500 nascidos vivos, com 80% associado com alguma síndrome. A razão de distribuição por sexo é de 1:1. Os pacientes apresentam graus variados de obstrução das vias aéreas superiores. Nos casos mais severos são evidentes os episódios de asfixia, apneia, cianose14 e dificuldades na alimentação. O quadro é ainda mais grave no período neonatal.2 A obstrução respiratória na SPR nem sempre é causada pela glossoptose; outros mecanismos podem estar envolvidos. Ribeiro et al. em 1999, evidencia que em 1992 foi utilizado um nasofaringoscópio, flexível de fibra ótica em recém nascidos para averiguar a obstrução faríngea superior em pacientes com SPR. Quatro diferentes tipos de mecanismos de obstrução das vias aérea superiores foram encontrados. O tratamento da SPR pode ocorrer por intermédio de uma terapia conservadora ou por meio de intervenção cirúrgica. Inicialmente são realizadas manobras conservadoras de tratamento. As técnicas cirúrgicas são realizadas sempre com o objetivo de desobstrução das vias aéreas superiores caso a terapia conservadora não tenha o sucesso esperado10. ETIOPATOGENIA, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO A etiologia da SPR tem sido discutida ao longo do tempo por alguns pesquisadores.11,2,10 Citações sobre posições intrauterinas anômalas do feto durante a sua formação são relatadas.11 Existem os que acreditam na participação de fatores genéticos devido a relatos de histórico familiar.2,10 Outros, não colocam a hereditariedade como fator determinante para o desenvolvimento da doença. Entretanto, Jakobsen et al. em 2007, em seu Tipo 1: movimento posterior do dorso da língua para parede posterior da faringe. Tipo 2: além do movimento posterior, a língua comprime o palato mole ou restos do palato fendido contra a parede posterior da faringe, ocorrendo uma justaposição da língua, velum e parede posterior da faringe, na posição superior da orofaringe. Tipo 3: as paredes faríngeas laterais se movimentam medialmente, opondo-se uma a outra. Tipo 4: a faringe contrai de maneira circular ou esfinctérica, em todas as direções15. O recém-nascido portador da SPR pode apresentar comprometimento em vários sistemas. O sistema cardiovascular, em alguns casos, é afetado com estenose pulmonar, forame oval persistente, defeito no septo atrial e hipertensão pulmonar primária. No sistema músculo-esquelético eventualmente ocorrem sindactilia, falanges displásicas, polidactilia, clinodactilia, hipermobilidade articular e oligodactilia em membros superiores. No sistema nervoso central já foi relatado atraso de linguagem, epilepsia, atraso no desenvolvimento psicomotor e hidrocefalia. Defeitos geniturinários como a criptoquidia e hidrocele podem ser observados. Nas extremidades inferiores, mal formações femorais no quadril, joelhos e tíbia4. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 30-34 31 SEQUÊNCIA DE PIERRE ROBIN: UMA BREVE ATUALIZAÇÃO O exame ultra-sonográfico morfológico é de fundamental importância para o diagnóstico pré-natal da SPR com os sinais podendo ser vistos na 13ª. semana de gestação No entanto, a identificação das fendas palatinas é possível apenas entre a 28ª. e 30ª. semanas de gestação16. Com isso, as fendas, mal formações craniofaciais mais prevalentes, podem ser reconhecidas por este exame, o que implica um aconselhamento pré-natal adequado as gestantes17,4. A micrognatia é outra alteração que é possível de ser visualizada durante o exame. Embora esta condição esteja presente em várias anomalias e o prognóstico fetal da micrognatia ser pobre, ela já pode indicar alguma alteração de desenvolvimento, como evidenciado por Morokuma et al. em 201018. TRATAMENTOS O tratamento dos pacientes com SPR isolada ou associada a alguma síndrome acontece de forma multidisciplinar envolvendo cirurgião bucomaxilofacial, cirurgião plástico, neonatologista, médico pediatra, fonoaudiólogo. O objetivo é verificar a relação maxilo-mandibular, manutenção ou não da anatomia oronasofaríngea e a localização da obstrução das vias aéreas superiores além das dificuldades de alimentação. A equipe multidisciplinar é a ideal para diagnosticar e elaborar o devido plano de tratamento14. Embora algumas instituições10 tenham elaborado seus próprios protocolos de atendimentos, ainda não existe um consenso absoluto em relação ao tratamento para portadores da sequência de Robin.9 Os diferentes tipos de obstrução respiratória (classificação 1, 2, 3 e 4), direcionam o tipo de tratamento e o prognóstico do paciente10,2. O tratamento é basicamente abordado por duas frentes; condutas não cirúrgicas e as cirúrgicas, sendo esta última realizada com o critério básico do insucesso da terapêutica não cirúrgica. 32 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 30-34 ► Conduta não cirúrgica Os tratamentos conservadores mais realizados são: tratamento postural, também conhecido como posição prona onde a criança é manipulada em posição de decúbito ventral; intubação nasofaríngea que consiste na instalação de uma cânula de intubação com diâmetro de 3 a 3,5mm, introduzida de 7 a 8cm pela narina até a faringe e cortada 1cm para fora da narina10. A posição prona é indicada quando a criança apresenta uma leve dificuldade respiratória e alimentar. A melhora do quadro não é atribuída somente à posição em decúbito ventral, mas principalmente pela extensão cervical. A intubação nasofarígea tem a sua indicação quando os padrões respiratórios apresentamse com grandes alterações, levando a um quadro mais grave como nos eventos de cianose, apneia, palidez, importante esforço respiratório e queda de saturação de oxigênio para valores menores ou iguais a 90%. Os objetivos da intubação nasofaríngea são manter um bom padrão respiratório, reduzir o esforço respiratório, manter a saturação maior que 90%, melhorar a aceitação oral dos alimentos, consequentemente diminuindo o tempo de uso da sonda alimentar e promover o ganho de peso10. As placas ortodônticas de palato com dispositivos na região anterior fazem parte do arsenal de medidas conservadoras para se evitar o tratamento cirúrgico. A terapia conservadora é realizada nos 15 primeiros dias depois do diagnóstico com a monitoração da evolução clínica do paciente, pois períodos maiores que esses induzem problemas associados ao uso de sondas e o aumento do tempo de internação. Os procedimentos cirúrgicos como a glossopexia, traqueostomia e a instalação de distratores mandibulares estão indicados quando não se tem o sucesso da terapia conservadora10. CARNEIRO DTO, CUNHA FILHO JF, SILVA RN ► Conduta cirúrgica O padrão de obstrução do tipo 1, oriunda da verdadeira ptose lingual, é a obstrução respiratória mais comumente encontrada na sequência de Pierre Robin, correspondendo aproximadamente 80% dos casos e possui um melhor prognóstico. A glossopexia, para aliviar o desconforto respiratório, está indicado somente nos casos tipo 1 de obstrução que não melhoram com a intubação nasofaríngea por um período máximo de 15 dias10. Outro procedimento cirúrgico é a distração óssea mandibular. É uma técnica recente que vem sendo utilizada para tratamento da complicação respiratória da SPR2. Consiste no alongamento mandibular a partir de um calo ósseo permitindo a acomodação correta da língua no assoalho bucal com um distrator ancorado no ângulo da mandíbula6. Pacientes portadores de Sequência de Pierre Robin admitidos no Hospital Infantil Albert Sabin. A glossopexia foi inicialmente descrita por Douglas em 194615 e desde então vem sofrendo adaptações para um melhor exercício cirúrgico. O procedimento implica na fixação da língua no lábio inferior e na mandíbula por meios de fios de sutura. O fio de sutura e retirado após a melhora do quadro respiratório2. A. Paciente com micrognatia característica no pré-operatório ao procedimento de glossopexia. Pacientes acometidos pelas obstruções tipo 2, 3 e 4 normalmente estão associados a síndromes genéticas, problemas neurológicos e outras malformações.2 Marques et al. em 2005, observaram que pacientes com tipo 2 de obstrução necessitaram de traqueostomia em 50% dos casos para aliviar os desconfortos respiratórios. Nos casos 3 e 4, a traqueostomia com ou sem gastrostomia foi o único tratamento que possibilitou o alivio na obstrução respiratória e melhora na alimentação10. A Sequência de Pierre Robin possui uma heterogeneidade em suas características clínicas o que permite realizar o diagnostico em quatro padrões clínicos diferentes, dependendo do comprometimento respiratório. É necessária uma atenção multidisciplinar e interdisciplinar para a realização do tratamento, uma vez que muitos componentes do sistema estomatognático estão envolvidos. O tratamento não cirúrgico é a primeira escolha de tratamento. Entretanto, o seu insucesso conduz a realização de procedimentos cirúrgicos como a glossopexia, traqueostomia ou distração óssea mandibular. A B. Um segundo paciente no pós-operatório ao procedimento de glossopexia. CONCLUSÃO B REFERÊNCIAS 1. Büton KW, Hoogendijk CF, Zwahler RA. Pierre Robin sequence: appearances and 25 years of experience with an innovative treatment protocol. Journal Pediatric Surgery. 2009; 44: 2112-118. 2. Sato RFL, Setten KC, Sverzut AT, Moraes M, Moreira RWF. Sequência de Pierre Robin – Etiopatogenia, características clínicas e formas de tratamento. Rev Port Estomatol Cir Maxilofac. 2007; 48: 161-66. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 30-34 33 SEQUÊNCIA DE PIERRE ROBIN: UMA BREVE ATUALIZAÇÃO 3. Neto CDP, Alonso N, Sennes LU, Goldenberg DC, Santoro PP. Polysomnografhy evaluation and swallowing endoscopy of patients with Pierre Robin Sequence. Braz J Otorhinolaryngol. 2009, 75(6): 852-56. 4. Arancibia JC. Secuência de Pierre Robin. Neumol Pediatr. 2006; 1(1): 34-6. 5. Silva SO, Miyahara GI, Rhoden RM, Rhoden V. Síndrome de Pierre Robin: Relato de caso e sequência terapêutica. Rev Assoc Paul Cir Dent. 2009; 63(3) mai/ jun: 230-34. 6. Hong PA. clinical narrative review of mandibular distraction osteogêneses in neonates with Pierre Robin sequence. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011; 75: 98591. 7. Cheg ATL, Corke M, Fowids AL, Birman C, Hayward P, Waters KA. Distraction osteogenesis and glossopexy for Robin sequence with airway obstruction. ANZ J Surg. 2010; 81: 320-25. 8.Elzen APM, Semmekrot BA, BOngers EMHF, Huygen PLM, Marres HAM. Diagnosis and treatment of the Pierre Robin sequence: results of a retrospective clinical study and review of the literature. Eur J Pediatr. 2001; 160: 47-53. 9. Glynn F, Filzgerald D, Earley MJ, Rowley H. Pierre Robin sequence: An institutional experience in the multidisciplinary management of airway, feeding and serous otitis media challenges. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011; 75: 1152155. 10.Marques IL, Sousa TV, Carneiro AF, Peres SPBA, Barbieri MA, Bettiol H. Robin Sequence: a single treatment protocol. J Pediatr . 2005; 81: 14-22. 11.Fuzza RF, Abuabara A. Sequence of Pierre Robin in the newborn: case report. Pediatria. 2010; 32(3): 231-35. 12.Jakobesen LP, Ullmann R, Christensen SB, Jensen KE, Molsted K, Henriksen F, Hansen C, Knudsen MA, Larsen LA, Tommerup N, Tümer Z. Pierre Robin sequence may be caused by dysregulation of SOX9 and KCNJ2. J Med Genet. 2007; 44: 381-86. 13.Barrientos ES, Fajerstein DAL, Arrazóla HS. Pierre Robin Syndrome. Gaceta Médica Bolibiana. 2010; 33(1): 38-43. 14.Mackay DR. Controversies in the diagnosis and management of the Robin Sequence. J Craniofac Surg. 2011; 22: 415-20. 15.Ribeiro LF. Pierre Robin Sequence: pediatric previous cares. Pediatria. 1999; 21(2): 117-22. 16. Vaccari-Mazzetti, MP, Kobata CT, Brock RS. Antenatal ultrasonography diagnosis of claft lip and palate. Arquivo Catarinense de Medicina. 2009; 38(1): 130-32. 17.Bunduki V, Ruano R, Sapienza AD, Hanaoka BY, Zugaib M. Prenatal diagnosis of lip and palate cleft: experience of 40 cases. RBGO. 2001; 23(9): 561-66. 18.Morokuma S, Anami A, Tsukimori K, Fukushima K, Wake N. Abnormal fetal movements, micrognathia and pulmonary hypoplasia: a case report. Abnormal fetal movements. BMC Pregnancy and Childbirth. 2010; 10: 46-48. Conflito de Interesse: Não declarado Endereço para correspondência Diego Thiers Oliveira Carneiro E-mail: [email protected] 34 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 30-34 Desafio Clínico INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DE PANCITOPENIA E HEPATOESPLENOMEGALIA: QUANDO O RARO É IMPORTANTE Diagnostic investigation of pancytopenia and hepatosplenomegaly: when rare means important Erlane Marques Ribeiro Médica geneticista, doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Titular da Sociedade Brasileira de Pediatria e de Genética Médica. Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), Fortaleza-CE. RESUMO ABSTRACTS O artigo mostra a investigação de um paciente com pancitopenia e hepatoesplenomegalia. Apesar da maior prevalência de doenças infecciosas, as doenças raras podem ocorrer na prática clínica. O reconhecimento dos sinais cardinais nesses casos deve ser acompanhado por uma investigação adequada. O diagnóstico de certeza é importante para instituição do tratamento adequado e para o aconselhamento genético. The paper shows the investigation of a patient with pancytopenia and hepatosplenomegaly. Despite the higher prevalence of infectious disease, rare disease can occur in clinical practice. The recognition of the cardinal signs in these cases should be followed by an appropriate diagnostic investigation. The definitive diagnosis is important for appropriate treatment and genetic counseling. Palavras-chave: Criança, Anemia, Diagnóstico, Hepatoesplenomegalia Keywords: Child, Anemia, Diagnostic, Hepatosplenomegaly Caso clínico ABD: fígado 4 cm abaixo do rebordo costal direito, baço na fossa ilíaca esquerda, sem circulação colateral. ID: menor de 9 anos, sexo feminino, procedente de Tabuleiro do Norte, deu entrada no HIAS em 13/2/2003. QP: barriga grande. HDA: Paciente com febre moderada há 4 dias. Outras queixas eram: hepatoesplenomegalia, palidez e adinamia. História familiar: Mãe G3P2A1, pais consanguíneos. EF: Estado geral regular, afebril, hidratada, acianótica, anictérica, palidez 3+/6+, cooperativo, orientada no tempo e no espaço, sem adenomegalias, peso e estatura abaixo do percentil 3. Extremidades: alterações. sem edemas ou outras Exames: Hemograma com leucócitos= 4.500; Hb= 10,6; Ht=31; plaquetas= 52.000. US abdome: hepatoesplenomegalia. Quais os pontos chave? Observa-se criança de 9 anos com - febre auto-limitada - pancitopenia - hepatoesplenomegalia ACP: normal. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 35-37 35 INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DE PANCITOPENIA E HEPATOESPLENOMEGALIA Quais os diagnósticos sindrômicos? - síndrome febril - síndrome de hepatoesplenomegalia - síndrome de pancitopenia Explorando os diagnósticos sindrômicos Síndrome febril A febre é o que geralmente traz a criança ao hospital, podendo ser um achado que acompanha a doença de base ou um quadro agudo intercorrente. Esse achado sempre é um sinal de alerta, que pode acompanhar uma doença crônica, no caso de doenças inflamatórias, mas na maioria das vezes representa um processo infeccioso, podendo ser grave para um indivíduo que tem pancitopenia. Síndrome de hepatoesplenomegalia Como órgãos de defesa, sede do tecido retículoendotelial, o fígado e o baço podem se hipertrofiar em estados infecciosos agudos ou crônicos como doenças hemolíticas, erros inatos do metabolismo, infecções, doenças mieloproliferativas; Como órgão de depuração, o fígado pode se hipertrofiar em quadros de intoxicação, mas raramente teremos uma esplenomegalia mais proeminente do que a hepatomegalia; Devido a rede vascular, o fígado pode se ingurgitar e aumentar suas dimensões em distúrbios circulatórios como insuficiência cardíaca, mas raramente teremos um baço com aumento tão importante; De posse dessas informações, a maior possibilidade é de se tratar de uma alteração do tecido reticuloendotelial, devendo ser investigadas as causas infiltrativas, inflamatórias, infecciosas. Exames complementares Pelo quadro exposto devemos iniciar a investigação com um hemograma completo para confirmar as alterações encontradas 36 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 35-37 no primeiro exame. O estudo da função hepática pode mostrar alterações sugestivas de insuficiência hepática e coagulopatia. A eletroforese de hemoglobina pode excluir doenças hemolíticas. O US abdome pode mostrar infiltração tumoral. O estudo para Calazar pode determinar o quadro etiológico. O mielograma pode esclarecer um processo mieloproliferativo. A dosagem sérica da atividade da quitotriosidase, esfingomielinase e beta-glicosidase pode determinar as doenças de depósito lisossomal como D. NiemannPick e doença de Gaucher. Resultado dos exames Solicitamos um novo hemograma que mostrou as mesmas alterações do exame realizado anteriormente, com anemia normocrômica e normocítica. A função hepática e a eletroforese de hemoglobina eram normais. O US de abdome revelou hepatoesplenomegalia, porém não foram realizadas as medidas das visceromegalias. O estudo para Calazar foi negativo. O mielograma revelou diseritropoese discreta e presença de FOAM CELLS. Quitotriosidase = 10.745 (8,8-132), beta-glicosidase = 0,13 (10-45). A presença de FOAM CELLS na biopsia de fígado ou mielograma faz a suspeita de doença de Gaucher, mas o diagnóstico etiológico só é possível com o estudo da deficiência da atividade da beta-glicosidase ou o estudo molecular com a identificação da mutação responsável pela doença de Gaucher. Esse quadro afasta as hipóteses diagnósticas em discussão anterior e revela a doença de Gaucher tipo I, cujo aumento de quitotriosidase e a atividade da beta glicosidase baixa impõem o diagnóstico etiológico de D. Gaucher e a necessidade do tratamento com reposição enzimática endovenosa. Discussão O quadro clínico em questão é de doença de Gauher tipo I, pois a criança não tem comprometimento neurológico e a baixa atividade enzimática foi comprovada por exame laboratorial. RIBEIRO EM Apesar de ser uma doença rara, cuja incidência é 1:40.000, a doença de Gaucher tipo I deve ser suspeitada em todos os casos de hepatoesplenomegalia a esclarecer, pois o tratamento dessa doença tornou-se disponível no Brasil pelo Ministério da Saúde desde 2005, através do Sistema Único de Saúde. É importante conhecermos também os aspectos epidemiológicos em questão, pois no município de Tabuleiro do Norte temos uma grande incidência de doença de Gaucher, sendo cerca de 1:4.000, com uma freqüência semelhante a Israel, onde essa doença é 100 x mais frequente do que na população geral. A consanguinidade entre os pais, que é freqüente em Tabuleiro do Norte, também chama atenção para a provável existência de uma doença genética. O diagnóstico de doença de Gaucher deve ser precoce, já que pode ser considerada uma negligência médica o retardo do início do tratamento, principalmente se por falta de conhecimento, o diagnóstico seja retardado e o comprometimento ósseo se instale, fazendo com que o paciente perca definitivamente a condição de deambulação por uma osteonecrose, tornando-se deficiente físico. Por ser uma doença genética com risco de recorrência de 25% para a prole do casal que tem um filho afetado, o aconselhamento genético é imperativo, sendo o único modo de prevenção da doença, a partir da informação dos fatos médicos. A família deve ser informada sobre esse risco para que tenha o direito a opção reprodutiva de forma não diretiva. O paciente deve ser acompanhado clinicamente em um centro de referência, que no nosso estado é o HIAS, para que receba tratamento especializado. Qualquer profissional da área de saúde pode ser capaz de realizar a suspeita clínica da doença de Gaucher e encaminhar o paciente para o centro de referência, que poderá providenciar os exames necessários para a realização do diagnóstico etiológico e o acompanhamento clínico para que o paciente se torne assintomático e possa exercer seu papel na sociedade. REFERÊNCIAS 1. Ferreira CS, da Silva LR, Araújo MBJ, Tannús RK, Aoqui WL. Doença de Gaucher – uma desordem subdiagnosticada. Rev Paul Pediatr 2011; 29(1): 122-5. 2. Piran S, Amato D. Gaucher disease: a systematic review and meta-analysis of bone complications and their response to treatment. J Inherit Metab Dis 2010; 33:271–279. 3.Mistry PK, Sadan S, Yang R, Yee J, Yang M. Consequences of diagnostic delays in type 1 Gaucher disease: The need for greater awareness among Hematologists– Oncologists and an opportunity for early diagnosis and intervention. Am. J. Hematol. 2007; 82: 697–701. 4.Gutiérrez-Solana LG. Avances en el tratamiento de las enfermedades lisosomales en la infância. Rev. Neurol. 2006; 43 (Supl 1): S137-44. 5. Wajner A, Michelin K, G. Burin G, Pires RF, Pereira MLP, Giugliani R, Coelho J. Comparison between the biochemical properties of plasma chitotriosidase from normal individuals and from patients with Gaucher disease, GM1-gangliosidosis, Krabbe disease and heterozygotes for Gaucher disease. Clinical Biochemistry 2007; 40: 365–369. Conflito de Interesse: Não declarado Endereço para correspondência Erlane Marques Ribeiro E-mail: [email protected] Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 35-37 37 Diretrizes Clínicas ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA Cardiac arrhthymia in children: Bradycardia Henrique Gonçalves Campos Cardiologista pediátrico. Mestre em Saúde da Criança e Adolescente. Médico do Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital Infantil Albert Sabin. Fortaleza-CE. INTRODUÇÃO CLASSIFICAÇÃO Arritmias ou disritmias são alterações da frequência e ritmo cardíaco que decorrem de alterações na formação ou na condução do estímulo elétrico através do sistema de condução das estruturas do coração. Os sintomas são determinados por seus efeitos sobre o débito cardíaco, pela presença ou ausência de doença cardíaca e pela idade do paciente. Alguns sintomas podem ser súbitos e não específicos, como anorexia, letargia, náusea, precordialgia e tontura. Outros sintomas podem ser mais específicos como palpitações, insuficiência cardíaca, síncope ou parada cardiorespiratória. Diversos são os critérios utilizados para classificar as arritmias cardíacas. Estas podem ser divididas em dois grupos, sendo que neste número serão abordadas as bradicardias (Quadro 1): • Bradicardia – quando há diminuição da frequência cardíaca ou despolarização tardia (escape). • Taquiarritmias – quando há aumento da frequência cardíaca ou batimento precoce. Quadro 1. Tipos de bradiarritmias. TIPO CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS CAUSAS • Hipóxia • Aumento do tônus vagal • Hipo/hipercalemia • Intoxicação (digitálica, betabloqueadores, bloqueadores do canal do Ca • Hipertensão intracraniana • Hipotermia • Miocardite Bradicardia sinusal 38 ECG • Frequência cardíaca menor que o normal para a faixa etária • Ritmo regular • Ondas P de aparência uniforme, positiva DI, DII, DIII, AVF, precedendo todos os complexos QRS com intervalo PR • Intervalo PR adequado para a idade • Duração QRS normal para a idade Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42 CAMPOS HG Continuação Quadro 1. Tipos de bradiarritmias. PRINCIPAIS CAUSAS • Antiadrenérgicos • Bloqueadores de canais de cálcio • Cardite reumática • Cardiopatia congênita • Pode ser um achado normal em atletas BAV 1º. Grau ECG • Ritmo regular • Ondas P normais em tamano e forma, positiva em DI, DIII,AVF, precedendo cada complexo QRS • Intervalo PR prolongado, mas constante • Duração do QRS normal, a não ser que haja atraso na condução intraventricular. PRINCIPAIS CAUSAS • Distúrbio de condução no nódulo AV • Distúrbio no sistema His-Purkinge BAV 2º. Grau ECG • Tipo I – há um alongamento progressivo do intervalo PR até que haja uma onda P não conduzida • Tipo II – há uma interrupção súbita e isolada da condução AV, sem aumento do intervalo PR PRINCIPAIS CAUSAS • Lesão no sistema His-Purkinge BAV 3º. Grau ECG •Ausência de concordância entre ondas P e complexo QRS (ondas P e QRS com intervalos regulares entre si, porém independentes, a frequência atrial é maior que a venticular). A frequência ventriculra depende do ritmo de escpae ventricular) • Não há intervalo PR verdadeiro • Complexo QRS estreito ou amplo Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42 39 ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA TR ATAMENT O DOS RIT MOS DE BR AD I C ARDIA Consiste na aplicação imediata das seguintes medidas. 1.Mantenha via aérea patente, e adequada ventilação e oxigenação. 2.Providenciar adequado. um acesso vascular 3.ECG de 12 derivações obrigatório. Instalar monitor cardíaco/desfibrilador. 4. Avalie as características da bradicardia. 5. Avaliar se a bradicardia está associada à evidência de perfusão sistêmica inadequada: hiopotensão arterial, má perfusão de órgãos-alvo, dificuldade respiratória e alterações da consciência. 6. Se a bradicardia não estiver associada à evidência de perfusão sistêmica inadequada, reavaliar perviabilidade das vias aéreas, ventilação e circulação adequadas. A seguir, investigar possíveis causas (Quadro 2). Quadro 2. Fatores causais de bradicardia (6H5T). - Hipovolemia - Hipóxia - Hidrogênio (acidose) - Hipo/Hiperpotassemia - Hipoglicemia - Hipotermia - Toxinas - Tensão no tórax (pneumotórax) - Tamponamento cardíaco - Trauma - Tromboembolismo 7. Se a bradicardia estiver associada a grave comprometimento cardiorespiratório, apesar da efetiva oxigenação eventilação, iniciar massagem cardíaca externa. A hipoxemia é a prinicipal causa das bradiarritmias. Prosseguir com intubação traqueal e garantir ventilação e oxigenação. 40 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42 8.Se houver persistência do ritmo bradicárdico, iniciar infusão de drogas para aumentar a frequência cardíaca e melhorar a perfusão ou para diminuir o tônus vagal. O uso de epinefrina está indicado se a bradicardia é sintomática e persiste apesar da ventilação e oxigenação efetivas. 9. Administre epinefrina nas doses de 0,01 mg/Kg (0,1 ml/kg 1:10.000) via venosa ou intra-óssea ou 0,1 mg/kg (0,1 ml/kg 1:1.000) via endotraqueal. Caso persista a bradicardia iniciar infusão contínua de epinefrina (0,1 a 0,3 mcg/Kg/min) ou de dopamina (5 a 20 mcg/Kg/min), ajustando a dose de acordo com a resposta clínica. 10. Na suspeita de tônus vagal, toxicidade por colinérgicos, ou bloqueio átrio-ventricular primário, iniciar uso de atropina 0,02 mg/Kg, via intravenosa, endotraqueal ou intra-óssea (dose mínima: 0,1 mg/ dose; dose máxima: 0,5 mg/dose para crianças e 1 mg/dose para adolescentes). Podendo repetir a dose em 3 a 5 minutos. O sulfato de atropina é um fármaco parassimpaticolítico que aumenta os batimentos sinusais e atriais, e aumenta a condução atrioventricular. 11. Considere o uso de marca passo transcutâneo de emergência nos casos de bradicardia causada por bloqueio atrioventricular completo ou função anormal do nó sinusal. 12.Se parada cardiorespiratória, consulte o algoritmo de parada cardíaca. CAMPOS HG ALGORITMO DO TRATAMENTO DA BRADICARDIA AVALIAR FREQUÊNCIA CARDÍACA FC menor que o normal para a idade Sinais/sintomas de baixo débito sistêmico MANTER VIA AÉREA PATENTE OFERECER OXIGÊNIO ESTABELECER UM ACESSO VENOSO ECG 12 DERIVAÇÕES MONITOR CARDÍACO/DESFIBRILADOR Baixo débito sistêmico Adequado Observar/ Monitorizar Investigar a causa TRATAR FATORES CONTRIBUINTES Hipovolemia Hipóxia Hidrogênio (acidose) Hipo/hiperpotasemia Hipoglicemia Hipotermia Toxinas Tensão no tórax (pneumotórax) Tamponamento cardíaco Trauma Tromboembolismo Inadequado Epinefrina IV/IOT 0,01 mg/kg (0,1ml/Kg 1; 10000) ET; 0,01mg/Kg (0,1ml/Kg 1:1000) Repetir a cada 3-5 min Não melhorou Atropina 0,02 a 0,04 mg/Kg Repetir S/N respeitando a dose máxima total Não melhorou Considerar marca-passo transcutâneo Avaliação por especialista Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42 41 ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA REFERÊNCIAS 1. 1. Kleinman ME et al. Special Report Pediatric Advanced Life Support: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Ressuscitation and Emergency Cardiovacular Care. Pediatrics 2010; 126 (5): 1361-1399. 2. Aragão F. Arritmias cardíacas In: Duarte MCMB et al. Terapia Intensiva em Pediatria, Rio de Janeiro: Medbook, 2008, p. 13-24. 3. Costa R et al. Incidência de choques e qualidade de vida em jovens com cardioversor-desfibrilador implantável. Arq. Bras. Cardiol., 2007; 88 (30):258-264. Conflito de Interesse: Não declarado Endereço para correspondência Henrique Gonçalves Campos E-mail: [email protected] 42 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 38-42 Humanização Pediátrica HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS EFEITOS DA INTERNAÇÃO Humanization in children’s hospitals: attenuating the effects of hospitalization Isabel Cristina de Mendonça Torres Martins1, Maria Jaqueline Braga Bezerra2 1.Mestranda do curso de Ciências Fisiológicas, Laboratório de Fisiologia Cardiovascular e renal – LAFCAR da Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza-CE. 2.Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente – UECE. Fortaleza-CE. RESUMO ABSTRACT A assistência a saúde feminina continuava com muitas questões mesmo após a introdução do Programa de Assistência Integral de Saúde da Mulher (PAISM) no final dos anos 90. As políticas de assistência a mulher veio também incrementar na assistência a criança, esta agora sendo observada no âmbito hospitalar, onde é retirada toda a liberdade infantil de se brincar ao ar livre em troca de uma vida presa a um leito cercada de adultos. A fim de minimizar essa “prisão”, e promover um ambiente o mais familiar possível para a criança, é que hospitais vêem implantando programas de enfrentamento da internação hospitalar infantil. Esses programas trazem para a criança de forma lúdica ensinamentos e entretenimento a fim de minimizar os efeitos da internação e facilitar o aprendizado. Esse estudo caracterizado como de revisão teve como base artigos em língua pátria e estrangeira visualizados nas bases de dados tais como: Scielo e Bireme. Conclusão: A presença materna no hospital é benéfica para ambos, tendo que ter cuidado com as infecções cruzadas. A utilização de formas lúdicas (brincadeiras, leitura, musica e arte) para desenvolvimento infantil no âmbito hospitalar é vista como satisfatória por alguns autores apesar de os mesmos reconhecerem que ainda precisa-se de mais estudos com esse tema. The women’s health continued assistance with many issues even after the introduction of the Program for Integrated Health of Women (PAISM) in the late 90s. Assistance policies also increase a woman came in assisting the child, now being observed in the hospital, where withdrawal is complete freedom of children playing outdoors in exchange for a life tied to a bed surrounded by adults. In order to minimize this “prison” and promote an environment as familiar as possible to the child, is that hospitals see implementing programs to fight the childhood hospitalization. These programs bring to teaching children through play and entertainment to minimize the effects of hospitalization and facilitate learning. This study characterized as review articles was based on mother tongue and foreign visualized in databases such as Scielo and Bireme. Conclusion: The maternal presence in the hospital is beneficial for both, having to be careful of cross infection. The use of playful shapes (games, reading, music and art) for child development in the hospital is seen as satisfactory by some authors although they recognize that still needs to be more studies with this theme Palavras-chave: Humanização, Criança, Hospitalização. Keywords: Humanization, Hospitalization. Child, Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 43-47 43 HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS EFEITOS DA INTERNAÇÃO INTRODUÇÃO O SUS (Sistema Único de Saúde) preconiza como idéia de humanização “a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de Saúde”, põe-se ainda em saliência, que o esforço de humanização é percebido como um suporte de real valor, sendo este disponível ao sujeito que promove a saúde, entretanto no senso comum, não é raro que designe o usuário externo como principal alvo de humanização1,2. As políticas de assistência a mulher veio também incrementar na assistência a criança, esta agora sendo observada no âmbito hospitalar, onde é retirada toda a liberdade infantil de se brincar ao ar livre em troca de uma vida presa a um leito cercada de adultos, a fim de minimizar essa “prisão” hospitais vêem implantando programas de enfrentamento da internação3. Foi lançado em 2000 pelo Ministério da Saúde o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) que busca melhorias na instituição e na formação de seus profissionais tornando seus colaboradores mais dinâmicos e solidários4,5. A humanização infantil não pode se limitar ao leito, devendo a unidade pediátrica fornecer condições que atendam às necessidades físicas, emocionais, culturais, sociais e educacionais para essa criança enferma. Então há a necessidade de criar um ambiente recreativo, contendo livros, jogos e brinquedos seguros para estimular a auto-expressão da criança.4,5 A permanência da mãe, somada a visitas ilimitadas às crianças pelos seus pais no âmbito hospitalar, além de promover o bem-estar psicológico e emocional maternoinfantil, ajuda no processo de cura, e em consequência ocorre a diminuição do tempo de internação acarretando no barateamento dos custos6. 44 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 43-47 Em contrapartida o risco de infecções com as permanentes entradas e saídas paternas e maternas aumenta. Este risco é diminuído, com a não ocupação do leito por 24 horas, e restringindo a presença da mãe apenas para realização de tarefas diárias tais como: banho, troca de roupa e alimentação7. A permanência da mãe no hospital faz com que a equipe de profissionais seja preparada para lidar com pessoas desconhecidas, leigas e despreparadas. Essa convivência traz benefícios se visualizada pelo lado psicológico infantil, porém famílias desestruturadas acabam por levar seus problemas para junto da criança fragilizada8. A hospitalização pode afetar o desenvolvimento infantil, mexendo inclusive na sua qualidade de vida. Para facilitar a situação da criança internada a equipe busca atividades lúdicas possíveis de executar no hospital, sendo essa convivência uma forma benéfica trazendo conforto9,10,11. Uma forma de promover o aconchego à criança é através da brincadeira. O ato de brincar é uma das formas infantis de comunicação com o mundo que a rodeia. A manipulação de brinquedos além de divertir libera temores, tensões, ansiedade e frustrações, promovendo satisfação e espontaneidade10. A criança mesmo no ambiente hospitalar precisa se desenvolver fisicamente, psicologicamente e socialmente, isso já está regulamentado na Lei nº 11.104, de março de 2005, a qual apresenta a obrigatoriedade de instalações de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação10,11. A brincadeira é uma forma de humanização em que a criança se reequilibra, recicla suas emoções e aguça a necessidade de conhecer e reinventar tudo isso desenvolvendo no meio hospitalar atenção, concentração e outras habilidades que ela utilizará após a alta12,13,14. MARTINS ICMT, BEZERRA MJB Em todas as idades, principalmente na infância, o brincar é feito com muito prazer, criando um ambiente alegre, propício a aprendizagem e uma rápida melhora do quadro patológico15,18. Um estudo feito com pacientes internados numa clínica médica comprovou ser útil no processo de humanização a prática biblioterapêutica, sendo fonte de lazer e de informação, favorecendo o processo de sociabilização além de proporcionar momentos de descontração e alegria entre os pacientes16. A leitura aliviou tensões e ansiedades proporcionando momentos de lazer e entretenimento, ambos favoráveis a evolução clinica da criança, em somatório com o despertar a prática da leitura favorecendo o hábito de ler após alta hospitalar17. Nos programas de humanização a arte é um grande avanço para a promoção da cura infantil. É através da pintura, fantoches, fabricação de brinquedos recicláveis e da música que a promoção do bem-estar é assegurada19. É fácil tornar compreensível para as crianças de forma lúdica as noções de higiene e cuidados elementares para a saúde através da arte. Houve também uma maior interação mãe-filho, o que contribuiu de alguma forma no sucesso dos tratamentos médicos20,21. Materiais reciclados têm o potencial para despertar ações de descobertas que estimulam a exploração, a imaginação, a fantasia, a realização permitindo a construção do mundo interior e exterior, simultaneamente favorecendo ao desenvolvimento infantojuvenil21,22. A música desenvolve não só a parte auditiva da criança como também algumas delas promovem a melhora na coordenação motora e o convívio com os “coleguinhas” de enfermaria23. O som (música) é utilizado com intervenção complementar para alívio da dor, na melhora da angústia espiritual, distúrbio do sono e desesperança. A música atua no corpo direta e indiretamente mobilizando emoções e influenciando em numerosos processos corporais que por conseguinte propiciam relaxamento e bem-estar24,25. A musicoterapia deve ser instalada não somente em hospitais, mais também em unidades de saúde, beneficiando o bem estar social utilizando instrumentos musicais e aparelhagem de som25. Justifica-se então o conhecimento, por parte dos profissionais de saúde, dos métodos de humanização hospitalar para que a permanência da criança no hospital seja o menos traumática e prejudicial possível. Esse estudo tem como objetivo esclarecer as formas de humanizar o meio hospitalar infantil e seus benefícios. METODOLOGIA Esse artigo é caracterizado como bibliográfico de revisão, onde as pesquisas foram feitas através e artigos científicos elaborados em língua pátria e também estrangeira. Os artigos foram retirados dos sites tais como Scielo, Bireme e Pubmed. CONCLUSÃO A passagem prolongada da criança no ambiente hospitalar irá desfavorecer seu desenvolvimento físico, psicológico e social, além de afastar do seu convívio diário, sua progenitora e familiares. Em busca de minimizar esses efeitos a equipe de profissionais busca através da música, do teatro, da leitura e da brincadeira promover não só o bem-estar parcial, mas, também tentar prolongar esse sentimento o quanto possível. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 43-47 45 HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS EFEITOS DA INTERNAÇÃO A presença da mãe foi relatada por muitos autores, alguns, porém enfatizando não só o lado bom, mas, o ruim tais como infecções e surgimento de problemas extra hospitalar. É necessário que esses estudos continuem, pois uma criança bem assistida e alicerçada numa base familiar trará um retorno positivo a sociedade quanto adulto. REFERÊNCIAS 10.Motta AB, Emuno SRF. Brincar no hospital: estratégia de enfrentamento da hospitalização infantil. Psicol Estud. 2004; 9 (1):19-28. 11.Freitas APCB, Silva MCF, Carvalho TC, Pedigone MAM, Martins CHG. Brinquedos em uma brinquedoteca: um perigo real?. Rev. Bras. Aná. Clí. 2007;39 (4): 291-294. 12.Motta, AB, Enumo, SRF. Brincar no hospital: estratégia de enfrentamento da hospitalização infantil. Psicologia em Estudo. 2004; 9(1): 19-28. 13.Melo, LL, Valle, ERM. Brincando no Hospital: possibilidade ou realidade? Pediatria Moderna. 2002; 7: 328- 330. 14. Junqueira, MFPS. A mãe, seu filho hospitalizado e o brincar: um relato de experiência. Estudos de Psicologia. 2003; 8(1): 163-197 15.Sampaio, EA, Novaes, LHVS. Brincar é também aprender? Pediatria moderna. 2001; 37(4): 38-144. 16.Moreno RLR, Diniz RLP, Magalhães EQ, Souza SMPO, Silva MAS. Contar histórias para crianças hospitalizadas: relato de uma estratégia de humanização. Rev. Ped. 2003; 25 (1):164-169. 17. Seitz, EM. Biblioterapia:uma experiência com pacientes internados em clínica médica. EDT. 2005; 7 (1): 87-102. 18.Mitre RMA, Gomes R. A promoção do brincar no contexto da hospitalização infantil como ação de saúde. Ciên. & Saúde. 2004; 9 (1): 147-154. 19. Valladares ACA. Arteterapia com crianças hospitalizadas [Tese Mestrado]. Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto.2003. 20. Carvalho AMP, Valladares ACA. Transformação da sucada hospitalar em sessões de arteterapia na internação pediátrica. Rev. Baiana de Enferm. 2006; 20 (2): 19-29. 1. Serruya SJ, Lago TDG, Cecatti J G. O panorama da atenção pré-natal no Brasil e o Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. Recife. 2004; 4 (1): 269 – 279. 2. Reis AOA, Marazina IV, Gallo PR. A humanização na saúde como instância libertadora.Rev. Saúde e Soc. 2004, 13 (1): 36- 43. 3.Lima RAG, Rocha SMM, Scochi CGS. Assistência à criança hospitalizada: reflexões acerca da participação dos pais. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 1999; 7 (1):33-39. 4. Brasil Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001. 5.Lima FEC, Jorge MSB, Moreira TMM. Humanização hospitalar: satisfação dos profissionais de um hospital pediátrico. Rev. Bras. Enferm. 2006; 59 (3): 291-296. 6. Imori MC, Rocha SMM, Sousa HGBL, Lima RAG. Participação dos pais na Assistencia à criança hospitalizada: revisão crítica da literatura. Acta Paul. 1997; 10 (1): 37-43. 7.Bousso RS. Aplicabilidade de um instrumento que avalia o impacto da internação da criança em UTI Pediátrica sobre a família. [Tese de Mestrado]. São Paulo,1992. 8.Oliveira I, Angelo M. Vivenciando com o filho uma passagem difícil e reveladora: a experiência da mãe acompanhante. Rev. esc. enferm. 2000; 34 (1): 202-208. 9. Pedro IC da S, Nascimento LC, Poleti LC, Lima RAG de, Mello DF de, Luiz FMR. Playing in the waiting room of an infant outpatient clinic from the perspective of children and their companions. Rev. Latino-Am Enfermagem. 2007; 15 (1): 290297. 46 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 43-47 MARTINS ICMT, BEZERRA MJB 21.Rode DC. A interface da arteterapia e a programação da vida infantil. Rev. Imagens e transformação. 1996; 3 (3): 25-38. 22. Francisquetti AA. Arte-reabilitaçãorepresentação gráfica da dor. Rev. Arteterapia. 2005;5 (1): 30-40. 23.Picado SBR, El-khouri RN, Streapco PT. Humanização hospitalar infantil: intervenções musicoterapêuticas no Centro Clínico Electra Bonini. Rev. Ped. 2007;29 (2):99-108. 24.Leão ER, Bassotti EA, Aquino CR, Canesia AC, Britto RF. Uma canção no cuidar: a experiência de intervir com música no hospital. Nursing. 2005; 82 (8): 129-134. 25. Backs DS, Dine SC, Oliveira CL, Backes MTS. Música: Terapia complementar no processo de humanização de uma CLT. Nursing. 2003; 66 (6): 37-42. 26. Gonçalez DFC, Nogueira ATO, Puggina ACG. O uso da múscia na assistência de enfermagem no Brasil: uma revisão bibliográfica. Cogitare. 2008;13 (4): 591596. Conflito de Interesse: Não declarado Endereço para correspondência Isabel Cristina de Mendonça Torres Martins E-mail: [email protected] Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 43-47 47 Ensino in Foco ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS Pediatric education and medical care for children Álvaro Jorge Madeiro Leite Doutor em Pediatria. Professor Titular de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. 1. CRIANÇA E MEDICINA PEDIÁTRICA: encontros possíveis A Pediatria é no dizer do Professor Pedro de Alcântara “a Medicina da pessoa humana em desenvolvimento”. Assim, a Pediatria se ocupa da totalidade dos problemas de saúde de uma fase da vida, analogamente ao que se verifica com a Geriatria ao se debruçar sobre os problemas de saúde da pessoa em idade avançada. A conseqüência imediata é de que a Pediatria não constitui uma especialidade médica como tradicionalmente se costuma classificar. Ela não se restringe a um órgão ou conjunto de órgãos, como por exemplo, outros campos: Otorrinolaringologia, Oftalmologia, Cardiologia, Pneumologia. Tampouco se restringe a um aparelho ou conjunto de aparelhos (Urologia, Ortopedia, Ginecologia etc.). De modo marcante, a Pediatria está predestinada a oferecer um lugar especial às mães, uma vez que é através delas (e da leitura que elas são capazes de empreender) que chegam ao médico assistente, a tradução dos problemas de saúde de seus filhos. Crianças sintetizam a fase da vida de mais intenso e inadiável desenvolvimento, fase em que o alicerce de toda uma vida se estrutura e se consolida. Portanto, cuidar de crianças nos impele a pensar em pessoas humanas dentro de uma teia de relações que favorecem ou desfavorecem esse desenvolvimento. 48 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53 Crianças são produtos de projetos familiares, com destaque especial, aos projetos maternos, que podem ser bem ou mal sucedidos; são pessoas em fase de vulnerabilidade máxima e limitada autonomia. Portanto, além de cuidados físicos essenciais e de proteção, as crianças precisam ser contempladas em outras necessidades vitais para seu desenvolvimento mental e emocional, em particular, a necessidade de construir bons relacionamentos afetivos. Tais aspectos tornam a Medicina Pediátrica um empreendimento humano e profissional de longo alcance, onde se mescla responsabilidade e prazer, uma disciplina médica intelectual e afetivamente desafiadora. Complexa e ao mesmo tempo, sedutora. Isto se reflete nas múltiplas e diferentes habilidades que devem possuir ou adquirir os médicos que cuidam de crianças. Vamos exemplificar tomando como análise os diferentes conhecimentos e habilidades para atender uma criança de quatro meses de idade e outra de quatro anos de idade. Que diálogo é possível? Quais as características desse diálogo? Que questões preventivas e que questões psicossociais devem ser abordadas? Que habilidades são necessárias para realizar o exame clínico? Como contemplar as demandas familiares oriundas das mais diversas configurações (renda, escolaridade, rede de apoio familiar, ambiente comunitário)? Como contemplar, em especial, as demandas maternas em cada cenário? E a autonomia de cada uma dessas crianças, como se manifesta na consulta? LEITE ÁJM Todos esses aspectos embelezam o desafio de atender, integralmente, cada criança e suas circunstâncias de vida singular, inscritas numa dinâmica familiar e comunitária próprias. Aqui uma ressalva: não é razoável exigir que no início da formação clínica para atender crianças o aluno ou residente seja capaz de oferecer respostas adequadas à demandas tão complexas e multifacetadas. Claro está, que tais habilidades só são passíveis de serem desenvolvidas ao longo do tempo e do processo individual de amadurecimento de cada aluno. O interesse e a dedicação por parte do aluno aliados à disponibilidade de estrutura de ensino adequada são os elementos facilitadores da formação de um clínico experiente e habilitado para cuidar de crianças. 2. A CONSULTA NO AMBULATÓRIO À CRIANÇA SAUDÁVEL: DIÁLOGO MÉDICO-MÃE-CRIANÇA O relacionamento do estudante ou residente que vai atender crianças deve ser precedido de alguns conhecimentos técnicos e de algumas habilidades afetivas e comunicacionais (aqui falaremos com mais ênfase da relação com as mães como representantes mais constantes nas consultas e devido às características do relacionamento especial que mantém com seus filhos): 1.O paciente (ou cliente) da Medicina Pediátrica são as crianças. No entanto, crianças, em particular, as de menor idade, não têm autonomia, independência nem linguagem verbal suficientes para estabelecer um padrão de comunicação que possibilite um adequado desenrolar da entrevista clínica. Crianças precisam de adultos que traduzam seus problemas; essa contingência é mais um dos aspectos que a diferenciam da Medicina de Adultos. Como decorrência, habilidades específicas são necessárias ao clínico para captar e desvendar a natureza dos problemas trazidos à consulta. 2. Atenção especial deve ser dada à fala das mães, o que implica em disponibilidade para escutar as preocupações e aflições maternas. Freqüentemente, precisamos estar atentos para identificar os reais motivos da consulta clínica e, para isso, precisamos aprender a acolher as demandas e o discurso das mães, ou seja, é a partir da percepção materna que o estado de saúde da criança (queixas, sinais, sintomas) nos será apresentado. Em suma, é constituinte de uma boa consulta saber distinguir o problema clínico da criança e a eventual leitura ansiosa ou distorcida que nos traz sua mãe; ambas as demandas precisam ser compreendidas e, consequentemente, abordadas adequadamente. Aqui, não significa destituir de validade à percepção inadequada que pode ter a mãe sobre a saúde de sua criança, e sim, ajudá-la a entender a distinção entre suas ansiedades e o problema da criança. Esse é um aspecto indispensável para estabelecer um relacionamento afetivo, de confiança e caminhar na perspectiva de uma consulta acolhedora de demandas onde a abordagem de possibilidades terapêuticas tenha sucesso. 3.O estudante deve ter uma compreensão geral das necessidades específicas das crianças e das características da interação que devem estabelecer com elas, na dependência da faixa de idade e da condição de gravidade clínica do problema de saúde em foco. Assim, atender a uma criança de quatro meses de idade em visita de puericultura ou com uma ferida superficial na pele ou, uma criança de 15 meses com pneumonia exige abordagens técnicas, afetivas e comunicacionais bastante distintas. Justificativas: crianças sadias ou doentes mobilizam distintos graus de ansiedade nas mães e em quem as atendem; são completamente diferentes as estratégias de comunicação e habilidades necessárias para realizar o exame clínico, que devemos utilizar com crianças sadias ou doentes ou com crianças de diversas faixas de idade. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53 49 ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS 4. A característica das crianças de estarem em permanente processo de interação com outras pessoas, com trocas intersubjetivas, em distintas fases de crescimento físico, de desenvolvimento mental e emocional trazem demandas específicas para o atendimento. No campo clínico, sobressaem-se a lógica da PREVENÇÃO e da ORIENTAÇÃO ANTECIPADA. Assim, além de respostas aos problemas específicos de saúde física (impetigo, amidalite, otite, diarreia, etc.), tem lugar obrigatório na consulta uma série de estratégias de prevenção e de orientação antecipadas. Recomendar teste do pezinho, recomendar uma vacina, o início da escovação dentária, atenção às situações cotidianas que favorecem acidentes, aspectos psicoprofiláticos (angústia de separação, autonomia, birra) fazem parte desse elenco de intervenções. Tais demandas parecem exaustivas, principalmente as de ordem psico-emocional. No entanto, podem ser organizadas de maneira metódica (como veremos mais adiante). 5.O atendimento de crianças com demandas comportamentais ou psíquicas (crianças excessivamente tímidas ou muito birrentas, com problemas disciplinares graves, alguns distúrbios alimentares ou do sono, etc.) deve seguir a mesma lógica clínica da identificação de problemas de natureza mais grave ou complexa que extrapolam a capacidade resolutiva do clínico geral. Por exemplo, crianças com convulsão afebril de repetição, infecção urinária complicada com grave refluxo vésico-ureteral, adenopatia cervical sugerindo linfoma devem ser corretamente identificadas e encaminhadas para os profissionais com habilidades específicas para resolver o problema em questão. Nos dois exemplos (problemas clínicos e problemas psicoemocionais), o clínico deve ser capaz de identificá-los e não, de ignorá-los e de dar uma destinação assistencial adequada. A articulação entre a complexidade e a gravidade do problema definirá os limites do atendimento clínico geral e a necessidade do especialista. 50 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53 3. A CONSULTA NO AMBULATÓRIO À CRIANÇA SAUDÁVEL: CARACTERÍSTICAS DO ATENDIMENTO. A atenção à saúde da criança tem de ser coerente com o atributo fundamental da crianças: estar em intenso processo de crescimento e desenvolvimento. Assim, a assistência deve ocorrer ao longo do tempo de maneira organizada através de um programa de visitas pré-agendadas e com a abertura para atendimento das intercorrências, seja no âmbito clínico seja no âmbito mais amplo das necessidades da família. O projeto de atendimento às crianças deve começar durante a gravidez através de uma consulta realizada com a mulher grávida durante o pré-natal. Nesta oportunidade, inicia-se o relacionamento de confiança com os pais, base indispensável para os encontros clínicos que estão por vir. Durante as consultas, o médico deve estar atento aos fatores culturais, religiosos e socio-econômicos que poderiam influenciar a assistência direta à criança. Estes fatores são determinantes no grau de aceitação dos genitores em relação às futuras recomendações e terapias relacionadas com a saúde da criança. A avaliação adequada do significado desses fatores não é fácil e requer do médico sensibilidade para reconhecer as necessidades individuais da criança. É importante que na 1ª consulta, os pais reconheçam o desejo sincero do médico em conhecer bem a criança, sua família e seu ambiente. Tal aspecto propiciará o desenvolvimento de um relacionamento pediatra-criança-família como experiência compensadora para todos. Quando os pais levam uma criança sadia à consulta, o médico deve examinar a criança integralmente. Ao iniciar a consulta o aluno ou residente deverá: • Receber com empatia os pais. Pedir-lhes que fiquem a vontade ou sugerir que sentem. LEITE ÁJM • Verificar ou perguntar os nomes dos pais e da criança. • Identificar se é a primeira consulta da criança no ambulatório ou se é consulta de retorno. • Iniciar a consulta com uma pergunta aberta. Exemplo: perguntar se a criança tem algum problema; que motivos os trazem à consulta. É fundamental estabelecer um bom diálogo com os pais e a criança, utilizando-se de habilidades de comunicação verbal e nãoverbal. Essa boa comunicação ajudará, desde o início na confiança e segurança da mãe de uma boa parceria com o consultor e na sua aderência às recomendações e tratamentos propostos. Para isso o consultor deve: • Escutar atentamente o que a mãe lhe diz. • Usar palavras que a mãe possa entender. • Dar tempo para que a mãe responda as perguntas. • Fazer perguntas adicionais, caso a mãe não esteja segura das suas respostas. • Usar técnicas de comunicação verbal e não-verbal. 4. CONSULTA NO AMBULATÓRIO GERAL Para uma criança saudável, a primeira consulta no ambulatório deve ser realizada sete a dez dias após a alta da maternidade. A tarefa aqui é realizar uma história clínica abrangente; tal estratégia necessita adequar-se à proposta do serviço de saúde onde se está trabalhando. 4.1. HISTÓRIA PEDIÁTRICA Limitações de tempo e excesso de pacientes são fatores a considerar na definição do sistema de registros a ser utilizado em um Ambulatório Geral. Uma atenção abrangente a saúde das crianças envolve: - Identificar os motivos da consulta, a história do problema atual, relações entre o problema atual e eventuais problemas do passado. -Estudo das condições familiares ou ambientais, pregressas ou atuais, que possam estar ou não interferindo no problema atual. - História pessoal (eventos durante a gravidez, condições de nascimento, eventos perinatais, desenvolvimento, alimentação, vacinação, doenças). -Abordagem integral: avaliação do crescimento, do desenvolvimento (neurológico e psico-afetivo), da alimentação, da imunização, do ambiente físico, saúde oral, saúde sensorial (visão e audição). - Prescrição pediátrica: os itens da prescrição devem corresponder aos problemas identificados na abordagem integral. Como conteúdo mínimo, deve-se abordar: alimentação, imunização, orientações/ recomendações educacionais (promoção de saúde, psicoprofilaxia) e medicamentos. Podem-se utilizar prontuários semiestruturados para facilitar o dinamismo da entrevista clínica. Alguns dados podem, inclusive, ser parcialmente preenchidos antes da consulta, por pessoal treinado. Um bom prontuário deve ter algumas características básicas: a)Organizar, de maneira fácil, informações longitudinais sobre a história pessoal da criança (obstétrica, neonatal, patológica atual e pregressa), história familiar e sua dinâmica (dados sócio-econômicos, composição, dados da mãe e do pai, dados sobre os irmãos, situações ou eventos estressantes), condições de moradia e saneamento, etc. b) Possibilitar acompanhamento de problemas clínicos correlacionados entre si. Exemplos: uma criança com risco alérgico apresenta no 3º mês de vida, quadro clínico de dermatite atópica, configurando um risco aumentado de vir a se tornar asmática. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53 51 ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS c) Facilitar a identificação de situações de vulnerabilidade ou de risco precocemente; filhos de mães com baixa escolaridade, ambiente familiar desagregado, falta de acesso a água potável ou saneamento inadequado, baixa renda, frequência a creche, mães muito jovens, podem configurar risco aumentado de ocorrência de determinadas doenças. d)Acesso rápido a informações clínicas prévias e suas implicações para a abordagem do problema atual; três episódios de otite média supurativa em seis meses, segundo episódio de infecção urinária alta em menores de 6 anos. e)Organizar dados evolutivos sobre os diversos aspectos do atendimento integral ao desenvolvimento da criança (alimentação, estado nutricional, crescimento, desenvolvimento, dinâmica familiar, vacinação, saúde oral, visão, audição, prevenção de acidentes). Prontuários semi-estruturados podem tornar a consulta mais harmônica e produtiva, permitindo um diálogo acolhedor das demandas maternas e uma perspectiva mais objetiva dos problemas de saúde da criança. Também pode proporcionar uma localização mais rápida dos aspectos evolutivos mais relevantes, e assim, destinar maior ênfase para tais problemas ou passar rapidamente em revista áreas que não parecem apontar para maiores preocupações. 4.2. O EXAME FÍSICO Quando os pais levam uma criança sadia à consulta, é de bom alvitre examiná-la integralmente; deter-se na queixa ou motivo imediato e aparente da consulta pode ser um equívoco, pode ser claramente insuficiente para responder às necessidades globais de uma criança. Adquirir um método objetivo para examinar integralmente qualquer criança que chegue ao consultório possibilita ampliar a eficácia da Medicina Pediátrica e acolher expectativas das 52 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53 mães não clarificadas no início da consulta. Uma criança de 4 anos de idade com queixa de feridas na perna esquerda, ao ser examinada integralmente, pode-se avaliar sua acuidade auditiva, a saúde bucal, etc. Arte, magia, técnica, sensibilidade. SEDUÇÃO! Aqui se expressam e organizamse os múltiplos atributos que deve possuir um médico que se prepara para atender crianças. 5. ABORDAGEM DA CRIANÇA Desde o início da entrevista clínica, deve-se apresentar um comportamento de aproximação com a criança levando-se em conta a dimensão de sua individualidade; idade da criança, grau de vitalidade, nível de ansiedade, são itens fundamentais nesse momento. Deve-se adotar um comportamento que facilite a comunicação com a criança, inclusive, que transmita-lhe segurança, afeto e disponibilidade para acolher suas angústias. Isto implica em dispensar um tempo e uma escuta adequada para sua efetivação. Devese obter o consentimento explícito da criança para a realização do exame, marco ético fundamental na assistência à criança. No lado mais operacional pode-se tomar como referência as diversas faixas de idade da criança e a gravidade clínica inerente ao problema para se ter uma orientação geral acerca do exame físico das crianças. Neste documento, tratar-se-á apenas da comunicação com crianças presumivelmente saudáveis. 6. PRESSUPOSIÇÕES a) Crianças com idade inferior a 8-10 meses, comunicam-se facilmente e podem ser examinadas sem opor resistências. b)O mesmo acontece com crianças com idade igual ou superior a 2-3 anos. Freqüentemente, se consegue transmitir segurança para a criança e obter sua disponibilidade para o exame físico. LEITE ÁJM c) Para a faixa intermediária (de 8 meses até 2 ou 3 anos de idade), o exame físico exige maiores habilidades afetivas e técnicas de quem a atende. O exame, geralmente pode ser feito com tranqüilidade se desde o início da consulta a criança é contemplada através de contato empático, com troca de objetos, sorrisos e toques delicados; aqui, cresce em importância as habilidades da comunicação não-verbal. Essas crianças poderão ser examinadas no colo da mãe, deixando o exame com instrumentos, exame da cavidade oral, exame otológico e outras práticas potencialmente atemorizantes para o final do exame. Às vezes, pode-se inverter essa sequência caso julgue-se que a criança está ansiosa pela expectativa do momento do exame com aparelhos. d) Não é demasiado insistir e reforçar que uma boa interação com a criança desde o início até a conclusão do exame é fundamental para uma boa propedêutica e para obter a confiança de ambos, mães e crianças. Aqui, o examinador hábil exercita suas habilidades de comunicação com gentileza, proporcionando um ambiente afetuoso e amistoso para a criança e sua família. e) Até os dois anos de idade, a criança deverá ser examinada totalmente despida; após essa idade, isto se fará quando necessário, de modo que a criança dispa-se por parte, mantendo as peças íntimas, que deverão ser descobertas de modo cortês e respeitoso. Mesmo em crianças menores, é importante que o examinador, ainda que se valesse de brincadeiras, descreva os passos do exame, antecipando para a criança o procedimento a ser realizado (agora, eu vou ver o ouvidinho com esta luzinha aqui...). Conflito de Interesse: Não declarado O que fazer quando, apesar dos esforços de sedução a criança não se deixa examinar? Talvez fruto de experiência traumatizantes no passado ou consequência da situação atual (dor, febre, fome, sono etc.) essa situação venha a ocorrer, o que não deixa de ser frustrante para o examinador que sente certa falha em seu trabalho. Para a mãe também o é, que sente um misto de vergonha de não poder controlar seu filho para o exame, decepção e dúvida (será que não está se deixando de ver algo importante?). De qualquer modo, essa situação pode ser extremamente rica em informações acerca do desenvolvimento da criança e de seus padrões interativos na família. Se a situação requer urgência, é necessária certa coerção, e por vezes, o uso de contenção e atitudes firmes. Se se trata de um primeiro encontro de acompanhamento, onde o exame é até menos importante que o contato inicial e a coleta de dados de anamnese, o examinador pode acertar com os pais outro encontro breve, onde a ambientação e a retomada da interação com o médico devem ser suficientes para vencer a resistência inicial. De qualquer forma, deve-se, inclusive, recomendar aos pais evitar reprimendas, ameaças e punições (...Deixe só a gente chegar em casa, para você ver... ou, hoje eu não compro mais refrigerantes, como prometido...). Em síntese, a abordagem da criança deve ser marcada por um profundo respeito e disponibilidade do médico para receber a família e a criança, identificar o elemento de atração à consulta (uma queixa, um problema ou outra situação estressante), valorizar e explorar esse elemento, mas extrapolar o espaço da consulta para o desenvolvimento de práticas de assistência integral à família no geral, e à criança, em particular. Endereço para correspondência Álvaro Jorge Madeiro Leite E-mail: [email protected] Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 48-53 53 Trajetória de um Hospital HUMANIZAR É PRECISO... DE DENTRO PARA FORA E DE FORA PARA DENTRO, A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS SONHOS! The need for humanized care ... from inside out, and from outside in: the construction of the hospital of our dreams Anamaria Cavalcante e Silva Doutora em Pediatria. Professora do Centro Universitário Unicristhus. Ex-diretora do Hospital Infantil Albert Sabin. Fortaleza-CE. Estávamos no ano 2000, iniciando um Novo Milênio, o Hospital mais parecia um canteiro de obras, mas não somente aquela dos Operários em Construção da poesia feita em prosa de Vinicius de Moraes. Porque, se por um lado ampliava-se o Hospital com o apoio inestimável dos arquitetos – arquitetas – Ricardo Wherter, Aida Montenegro (SESA), Wladia e Artemis (DERT) e os engenheiros da SESA, com destaque para o Rosemberg Costa Lima e do SINDUSCON, nos orientando a derrubar e construir paredes. Três grandes casas haviam sido adquiridas somente na quadra da Tertuliano Sales (lembro bem da difícil decisão de “fechar” uma piscina com entulhos) e outras mais, na frente do HIAS (para o Centro Murilo Martins) e na parte posterior, para o Hospital-Dia Peter Pan. Por outro lado, se praticava as transformações funcionais. Afinal estávamos vivendo em plena efervescência, um modelo de fazejamento, estratégico ou não, mas certamente com uma vontade inquebrantável de mudar, de construir, de edificar em bases sólidas o Hospital dos Nossos Sonhos! Foi este o nome encontrado para apresentar com todos os detalhes, incluindo os cenários dos projetos ABC... Cirurgia sem medo... uma miniatura do Albert Sabin para os Pediatras de todo o Brasil, durante o Congresso Brasileiro do ano 2000 no Centro de Convenções do Ceará. 54 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58 É que a Equipe havia decidido transformar o HIAS em hospital de excelência, não mais apenas sob o aspecto técnico, mas, sobretudo sob o aspecto da humanização da atenção, de dentro para fora, de fora para dentro, colorindo seus velhos azulejos brancos e inovando com projetos especiais para as crianças, suas mães, e os cuidadores, os servidores do Hospital. O ESPAÇO IMAGINAR HIAS Porque... “A Imaginação é maior que o Conhecimento. O conhecimento é ... limitado “ – Albert Einstein Ao retornar de um curso de imersão da AMANAKEY, estávamos no final da reforma/ adaptação da terceira casa adquirida (por desapropriação a bem do serviço público) pelo governo do Estado. Este curso nos propiciou conhecer uma diversidade fantástica de metodologias de ensino-aprendizagem, entre elas a edição de filmes especiais, que passamos a adotar e estimular até hoje, entre nossos alunos de Medicina da UNICHRISTUS. No final de um extenso dia de trabalho... arte e a cultura para espairecer, formar e informar. No segundo final de tarde, assistimos uma peça de teatro, na realidade um monólogo com EINSTEIN, quando eu passei a conhecer, o personagem, grande cientista para muitos de nós estigmatizado pela bomba de Hiroshima... com muita arte o final da sua vida nos foi relatado e nunca mais eu me esqueci de uma SILVA AC das suas máximas gravada no pórtico da casa. E foi neste Espaço para dar asas à Imaginação, que decidimos agregar todos os Programas de Ensino, Pesquisa, na Graduação e Pós – Graduação, a Fábrica de Projetos; a Biblio e a CordelTeca... O Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica – com os Ex-Residentes João Amaral, Luis Carlos Rey e Amália Porto implantando a cultura de estabelecer protocolos a partir de pesquisas em pneumologia, gastroenterologia... No Projeto de implantação, estava o sonho sem utopia, de construir ali, naquele exato Espaço, em um futuro próximo, a grande Escola de Pediatria – o Centro de Ensino e Pesquisa da Criança do Ceará, à imagem e semelhança da ESP-CE, pelos gestores que nos sucederiam... O Núcleo Hospitalar de Vigilância Epidemiológica que sob a coordenação da Enfermeira Sulene Barros, com o apoio do Setor de Informática, capitaneado pelo Dr. Walter Frota, compilava os principais indicadores de internação hospitalar em verdadeiros outdoors fixados entre os blocos de internação, no corredor principal do Hospital, para dar visibilidade e transparência aos números, permitindo o devido monitoramento e avaliação, provocando inclusive uma salutar competição no corpo de servidores dos Blocos A, B, C, D, E e Unidades de Terapia Intensiva A ideia foi fortalecer o Centro de Estudos, incentivando mais e mais os Residentes e o Corpo Docente do HIAS na pesquisa e na produção de Livros de Rotinas e de dezenas de trabalhos para apresentação nos congressos em todo o País, principalmente após o grande estímulo com o pioneiro Primeiro Congresso de Pediatria do Hospital Infantil Albert Sabin realizado em 1999... sequenciado pelo 2º Congresso ainda, na nossa gestão em 2001... até o V Congresso que significou uma memorável comemoração dos 60 anos do HIAS agora no final de 2012, planejado e coordenado com esmero pelas Ex-Residentes Francisca Lucia, Joana Maciel e Marfisa Portela, na gestão do Dr. Walter Frota. A Nova Biblioteca com espaços para estudo em grupo foi reestruturada pela competente Bibliotecária Selma Pinheiro, organizando e catalogando com a Cleiber Nunes, memória viva do Hospital, o arquivo histórico para viabilizar o embrião do futuro Memorial do HIAS. A sede da Coordenação de Residência Médica, que pela primeira vez estava entregue a uma ex-Residente - Dra. Helena Carvalho, com o apoio técnico inestimável da sempre dedicada, incansável e doce Gracinha Viana. Estão bem gravadas nas minhas retinas, diariamente antes de entrar na nossa sala, eu abria a porta do auditório, só para conferir. As Sessões Clínicas 7 horas da matina ”Todo o dia Tem” que a Helena conseguia mobilizar e estimular não somente os Residentes, mas todo o Corpo Clínico do Hospital. A Sala/Fábrica de Projetos – porque a cada mês surgia uma nova fumacinha branca, anunciando um Novo Projeto de Humanização, fruto da inventividade e sensibilidade dos profissionais do HIAS. E neste Espaço ImarginarHIAS, foi “gestado” o 1º Mestrado em Saúde da Criança e do Adolescente no Ceará, em parceria com a UECE, favorecendo uma maior qualificação da Equipe, propiciando a elaboração de teses que apontam caminhos para a melhoria da atenção às crianças. A produção coletiva do livro “Pediatras de Mãos Dadas com as Crianças”, destinado aos colegas que batalham no front do interior do Estado, aumentando as chances de vida para crianças que adoecem em cidades longínquas e reduzindo incapacidades pelo tratamento em tempo oportuno. Este livro foi um “filho” do Projeto Pediatra de mãos dadas com a Criança da Sociedade Cearense de Pediatria, quando no final dos anos 90, duplas de Pediatras e Enfermeiras se deslocavam de Fortaleza para os municípios sedes das Regionais de Saúde, prestando consultorias e intercambiando saberes com os profissionais de saúde que assistiam as crianças no nosso Estado. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58 55 HUMANIZAR É PRECISO... A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS SONHOS! A implantação do “SOS Pediatra” foi o “segundo filho” um serviço revolucionário e pioneiro de consultoria por telefone e fax, funcionando em sistema de plantão, em uma pequena sala contígua ao Setor de Vacinas, com os Pediatras do HIAS de inegável saber e experiências acumuladas, para dar suporte aos colegas que trabalhavam em hospitais secundários municipais, na perspectiva da resolutividade nos Hospitais-Pólo Microrregionais do Ceará. As Ex-Residentes de Pediatria retornam ao lar paterno...para construir novos paradigmas na atenção especializada e formação de outros Residentes. Foi extremamente gratificante acolher as idéias e os Projetos das nossas Ex-Residentes de Pediatria, que até hoje ainda as chamo carinhosamente de ex-pupilas, retornando da segunda pós-graduação, para estruturar os Novos serviços do HIAS. Foi o que aconteceu com a Graça Nascimento que na Escola Paulista concluiu seu mestrado e formação em Alergo-Pneumo e ao retornar ao Ceará nos propôs, não apenas continuar no Viva Criança com o João Amaral e a Verônica Said (também ex-residentes) no Programa de Atenção às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) da OPAS/MS, bem como implantar o Serviço de Imuno-Alergologia e controle da asma infantil no HIAS. Hoje a Gracinha, está no Cariri, docente da FMJ, praticando outros pioneirismos na direção da formação de novos pediatras para o sul do Ceará. A Silvana Pimentel que decidiu fazer a subespecialização em otorrinopediatria em Porto Alegre com o Prof. Moacir Saffer, finalizando na USP com a Profa. Tânia Sih, para implantar o pioneiro serviço de otorino pediatria no Ceará e que desde então, com seu carisma e vocação docente, passou a formar outros jovens especialistas. A Norma Selma que após concluir o Doutorado na USP juntamente com a Afonsina participaram do planejamento para a reestruturação do Novo Serviço de Imagem. 56 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58 A instalação do primeiro tomógrafo no ano 2000 com mais um novo equipamento de radiologia requereu uma extensa reforma, incluindo a enfermaria de recuperação pós anestésica e a sala do RX sem Medo, que seguindo a nova “cultura” de humanização do HIAS foi ambientada com bichinhos, jogos e brinquedos para reduzir a ansiedade das crianças e suas mães... No lado externo, ao longo do corredor de frente para a Nova Cantina, Renildo e Rogenildo pintaram nas paredes (previamente baritadas) um longo trenzinho (transporte da minha paixão), cujos passageiros, as crianças com seus bichinhos de estimação, simbolizam a passagem dos pequenos pacientes no caminho do diagnóstico para a cura. E, ainda hoje ao passar por este corredor em direção ao Centro de Estudos, eu entro neste trem e viajo no tempo, recordando o complicado passo a passo para chegar naquela Estação. O Projeto Pise Firme com o Pé Direito, foi uma idéia da Jacinta Prado a primeira ortopedista infantil com formação pediátrica, ex-Residente do HIAS. O projeto, que foi inspirado no sucesso da Operação Sorriso, beneficiou centenas de crianças com pé torto congênito, que aguardavam na fila das cirurgias eletivas e significou uma saudável e consequente parceria entre ortopedistas da equipe do HIAS, e a Sociedade Cearense de Ortopedia e Traumatologia. A continuação da saudável parceria públicoprivada – uma boa trilha para concretizar os projetos em favor das crianças com câncer . No ano de 2002, estávamos no final de um ciclo de governo, os recursos estavam escassos para reformas e ou construção. Ao assumir a gestão do Estado com o Dr. Beni Veras, o grande artífice das Mudanças sócio-políticas no Estado do Ceará, a 1ª Dama Vanda Veras, convidou a empresária Vice-Presidente da Grandene, para conhecer o Albert Sabin e o Hospital Dia Peter Pan. Elas ficaram extremamente sensibilizadas com tudo quanto observaram e presenciaram. O passo SILVA AC seguinte foi, com o apoio inestimável da D. Vanda, intermediar a parceria com a Grandene e os recursos necessários para viabilizar o Projeto de Reforma do Bloco C, doado pelos arquitetos do SINDUSCON (Sindicato da Construção Civil). As enfermarias da Unidade de Internação da Onco-hematologia foram transformadas em espaços mais acolhedores com apenas dois leitos e cadeiras semileitos para as mães, com cores suaves em tons do azul e pinturas da “família” Peter Pan, dos artistas Renildo, Rogenildo e Fátima. O Projeto ABC + Saúde ganhou um novo espaço, aberto com mais conforto e ambiente típico de uma sala de aula para as educadoras Socorro Alencar e Selma Gomes ministrarem com esmero, em respeito a dignidade das crianças em internação prolongada. E tudo foi propiciado exclusivamente com recursos de empresas privadas cidadãs, que aceitaram serem parceiras da direção do HIAS. Naquele mesmo ano se deu a transformação do nosso Serviço de Onco-hematologia em referencia regional, com implantação de laboratórios para o diagnóstico mais acurado do câncer. Laboratórios de Biologia Molecular, Imunofenotipagem e Citogenética, capacitando profissionais em novas tecnologias e meios diagnósticos precoces do câncer infantil, aumentando significativamente as chances de vida para as crianças - uma parceria conquistada, com a Fundação Banco do Brasil e o Ministério da Saúde. No planejamento e construção do Centro, desde a ampla reforma da casa adquirida por decisão do governo do Ceará, nos mínimos e necessários detalhes, contamos com a competência e dedicação do Ex Residente de pediatria do HIAS e hematologista Dr. Jesamar Correia e da Bioquímica Fátima Guerreiro, ambos agiram como guerreiros, diuturnamente para que em fevereiro de 2003 pudéssemos, em uma das mais justas homenagens que me foi dada a oportunidade de concretizar, nomear Centro de Referência Dr. Murilo Martins, o 1º Centro em Onco-Hematologia Infantil do Norte e Nordeste, hoje ainda na Tertuliano Sales em frente ao HIAS. A trajetória de oito anos legou ao HIAS e à sua criativa e inovadora Equipe o reconhecimento e a MARCA de Hospital Humanizado por excelência Em dezembro de 2002, o Ministério da Saúde – área da Saúde da Criança, através da sua Coordenadora Ana Goreth Kalume, reconhecendo o trabalho em Equipe, entregou e discerrou a placa “Humanização da assistência à criança” por todos os projetos desenvolvidos no Hospital entre 1995 e 2002: Projeto Cirurgia Sem Medo (um pré anestésico sui generis); Projeto ABC + Saúde (Escola para crianças com internação prolongada); Biblioterapia e Biblioteca Viva, com seus carrinhos carregados de livros transitando pelas enfermarias e as “Contadoras de Histórias”; Primeiro Sorriso com a Operation Smile (para mudar o paradigma de centenas de crianças); Cinema Paradiso (uma boa “parada” com arte, lazer, cultura e lanche “in Box” na hora do almoço, para os servidores); Projeto Professor Visitante (um processo de educação permenente e intercâmbio de experiências, atualizando e implantando protocolos de atendimento); Mão Amiga (apoio às mães das crianças em terapia intensiva); Novo Futuro (viabilizando a conclusão do 1º e 2º grau dos servidores – através do Telecurso da Rede Futura); Com açúcar e com afeto (café da manhã dos servidores com a direção, para a necessária troca de experiências); Projeto NAVI (Núcleo de Apoio à Vida – um programa multidisciplinar para as crianças egressas da terapia intensiva) e a Cidade da Criança, um verdadeiro mundo mágico com pequenas construções que incluiam o miniTeatro Dora Andrade, a Escolinha Monteiro Lobato, o Espaço Cultural do Mino, o Salão de Beleza Paulino, a Brinquedoteca Renato Aragão, onde por alguns momentos as crianças podem até esquecer os motivos que as levaram à internação hospitalar. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58 57 HUMANIZAR É PRECISO... A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS SONHOS! Hoje tenho convicção plena que todos estes Projetos que nasceram de mentes inquietas de colegas Pediatras, Enfermeiras, Assistentes Sociais, Fonoaudiólogas, Bibliotecária, Terapeutas Ocupacionais, Fisioterapeutas entre outros Profissionais dedicados, que nos acompanharam nestes oito anos de trabalho sem trégua, somente foi possível pela união de toda a Direção do HIAS, a ampliação de conhecimentos, da valorização e da autoestima de cada um dos servidores cidadãos apaixonados pela arte de bem cuidar da nossa infância e adolescência. E, ao me despedir em fevereiro de 2002, para participar do processo de seleção pública para a superintendência da Escola de Saúde Pública do Ceará, e prestar contas para toda a Comunidade do HIAS, representantes da SESA, do Governo do Estado, da Fundação Banco do Brasil, do INCA, da Associação Peter Pan, dos parceiros da Sociedade Civil e da nossa Família, na pessoa do meu querido e inesquecível Pai Zejulio, sempre presente com seu estímulo e preciosas orientações, agradecendo a todos e a cada um fizemos uma rápida retrospectiva do que foi possível construir em Equipe, tijolo sob tijolo naqueles oito anos que se tornaram inesquecíveis ... e foi com muita emoção que li esta história que acabo de lhes contar... aqui ... porque como sempre estou a lembrar ao Pediatra que é Pediatra tem que saber contar e recontar Histórias ... Conflito de Interesse: Não declarado Endereço para correspondência Anamaria Cavalcante e Silva E-mail: [email protected] 58 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 54-58 Retratos de Vida QUEM SOU EU? Who Am I? Francisca Maria Oliveira Andrade (Tati) Doutoranda em Saúde Coletiva pela Associação Ampla UFC/UECE/UNIFOR. Mestre em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará. Professora licenciada da Faculdade de Medicina Estácio de Juazeiro do Norte - FMJ. Especialista em programas do UNICEF. Fortaleza-CE. Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós mas, sei que nada do que vivemos tem sentido se não tocamos o coração das pessoas. Cora Coralina FILHA DO SERTÃO MINHA DECISÃO DE SER MÉDICA Nasci no dia 13 de setembro de 1959, na cidade de Tauá, conhecida como Princesa dos Inhamuns, região do semiárido cearense que sempre enfrentou grandes dificuldades devido a seca, e onde a maioria das crianças não completava seu primeiro ano de vida. Primogênita de quatro filhos, do casal Bernardo e Maria Gomes, ele dentista e ela professora primária. Iniciei meus estudos no Ginásio Antonio Araripe, ainda em Tauá, onde estudei até completar 11 anos, quando minha família mudou para Fortaleza. Na capital do Ceará, estudei no Colégio Nossa Senhora de Lourdes e, posteriormente, no Colégio Cearense do Sagrado Coração. Quando criança, gostava de ver meu pai trabalhando, pois o consultório dele era na parte da frente da nossa casa. Na infância dizia querer ser dentista, mas com Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67 59 QUEM SOU EU? o passar do tempo, decidi fazer medicina. Como sabia da grande concorrência para entrar nesse curso, pois na época só havia uma faculdade de medicina no estado, tive que me dedicar muito aos estudos e tentava ser uma boa aluna. O CURSO DE MEDICINA Durante o curso de medicina (1978 –1983) na Universidade Federal do Ceará lembro do grande esforço que eu e meus colegas fazíamos para aprender naqueles livros volumosos, nos laboratórios e nos vários estágios. Nunca vou esquecer da minha aflição quando monitora do Departamento de Fisiologia e Farmacologia, em que precisava segurar um sapo enorme para descerebrar, dissecar e demonstrar os efeitos de vários medicamentos no ritmo cardíaco. Lembro que no terceiro ano da faculdade decidi que queria aprender a fazer parto e consegui um estágio no Hospital Batista Memorial que na época tinha uma das melhores e mais movimentadas maternidades de Fortaleza. Sob a supervisão dos médicos plantonistas e apoio das auxiliares de enfermagem acompanhei muitos partos normais e auxiliei várias cesáreas. Ajudava também em outras cirurgias e até nos exames do setor de neurologia. Além de aprender muito, fiz vários amigos. Ainda como estudante de medicina fiz um concurso para bolsista do Hospital Geral e Maternidade César Cals - HGCC e também atuei como estagiária do Instituto José Frota (IJF) – unidade central. Esses dois hospitais foram uma grande escola para a minha formação. Dentre muitas recordações desses locais, lembro do Dr. Galba de Araújo e suas revolucionárias técnicas de humanização do atendimento às gestantes e aos bebês no HGCC. Em uma ocasião fui falar para ele, como diretor do hospital, que não havia máscara para eu entrar no berçário e ele me falou que eu não precisava de máscara, que eu poderia entrar como estava. Anos depois, colaborei com o PROAIS, grande programa de atenção à saúde na área rural e na periferia de Fortaleza que o Dr. Galba havia implantado no Ceará. 60 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67 Durante o internato passei pelo Hospital Infantil Albert Sabin - HIAS e foi amor à primeira vista. Se eu tinha alguma dúvida de que queria ser pediatra, essa dúvida se dissipou quando eu conheci a equipe do HIAS, em especial a Dra. Anamaria Cavalcante e Silva. A dedicação e o entusiasmo da Dra. Ana (como é mais conhecida) eram contagiantes e eu fui contaminada de forma irremediável. A RESIDÊNCIA EM PEDIATRIA Ao concluir o Curso de Medicina em 1983, participei do concurso para a residência médica em pediatria, tendo sido aprovada nas provas da Fundação de Saúde do Estado do Ceará (Hospital Infantil Albert Sabin HIAS) e da Faculdade de Medicina (Hospital Universitário Walter Cantídio). Optei pelo HIAS que eu já conhecia e com cuja equipe já me identificava bastante. Durante a Residência Médica (1984-1985) tive mais chance de conhecer a dedicação e seriedade da equipe do hospital que assumia com tanta responsabilidade a missão de cuidar das crianças. Foram dois anos intensos, atendendo crianças no ambulatório e nas enfermarias, durante o dia e em muitas noites da semana, além de vários sábados e domingos, sempre com a supervisão atenta do staff do hospital. Lembro que em quase todos os plantões atestávamos óbitos de crianças por septicemia. Por cada clínica que eu passava, era tanta a identificação que eu pensava em me dedicar àquela área. Uma das que mais me marcou foi a onco-hematologia, não somente pelas pessoas tão especiais com as quais convivi lá, mas também pelas histórias de vida dos pacientes que ajudei a cuidar. A cada criança que tratávamos com uma leucemia, um linfoma, uma anemia plástica, com hemofilia ou mesmo quando “perdíamos uma”, eu admirava mais aquela equipe porque elas tinham optado por lidar com tanta dor e sofrimento e mantinham com muito compromisso, a dedicação e a luta por seus pacientes e familiares. Apesar de toda admiração que tinha pela equipe da oncohematologia, decidi que não era essa a área da pediatria com a qual eu queria trabalhar diretamente. ANDRADE FMO Depois veio a paixão pela neonatologia, pois conheci e acompanhei os melhores neonatologistas do Ceará, tanto no HIAS, como na Maternidade Escola Assis Chateubriand - MEAC, no HGCC e no Hospital Geral de Fortaleza - HGF. Fazer uma sala de parto, pegar um bebê logo que ele nasce e entregálo a família são e salvo é uma sensação indescritível, mas ainda não era aquilo que eu queria fazer, a maior parte do tempo, pelo resto da minha vida. Eu queria ser pediatra geral. Mais na frente descobri minha verdadeira vocação, ser pediatra social. Além dos pediatras, aprendi muito com os cirurgiões, os anestesistas, ortopedistas, oftalmologistas, os enfermeiros, os nutricionistas, os farmacêuticos, as técnicas, auxiliares e atendentes de enfermagem. Todos eles, e mais o pessoal administrativo, os técnicos, a equipe dos serviços gerais, da manutenção e vigilantes do hospital eram como minha família, pois afinal eu passava mais tempo com eles do que na minha casa. EXPERIÊNCIAS DIFERENÇA QUE FIZERAM A Um serviço do HIAS que me marcou profundamente foi a enfermaria onde eram atendidas as crianças desnutridas. Eram muitos leitos, todos com crianças cuja nutrição estava seriamente comprometida. Duas Anas, a Cavalcante, pediatra e a Norões, terapeuta ocupacional tentavam fazer um trabalho efetivo para melhorar a nutrição e evitar o comprometimento definitivo do crescimento e desenvolvimento daquelas crianças. Dentre as várias dificuldades desse serviço, havia uma mais desafiadora, as crianças ficavam curadas das intercorrências (infecções, séria depleção de nutrientes), mas tinham que permanecer no hospital, correndo o risco de uma nova infecção porque, devido a questões sociais, não estavam em condições de voltar para casa. As famílias dessas crianças eram muito pobres e teriam dificuldades para cuidar bem da sua nutrição. Suas mães precisavam ser melhor preparadas sobre os cuidados que deveriam ter em casa, daí surgiu a ideia de uma casa, próxima ao HIAS para onde essas crianças e mães poderiam ser levadas e onde ficariam recebendo os cuidados necessários até estarem prontas para voltar ao seu lar. A partir dessa proposta, em 1986, foi criado o IPREDE – Instituto de Prevenção à Desnutrição e à Excepcionalidade. Lembro que no inicio todos nós colaboradores do hospital fomos mobilizados para conseguir doações e vender rifas aos parentes e amigos para que os primeiros fundos fossem arrecadados. Ainda na residência médica, tive duas outras experiências muito enriquecedoras. Uma delas foi colaborar com a implantação do serviço de Terapia de Reidratação Oral - TRO do HIAS. Naquela década de 80, era grande o número de crianças admitidas gravemente desidratadas na emergência do HIAS. Muitas já chegavam tão graves que pouco podíamos fazer por elas. Outras podiam ser tratadas, mas não havia leitos suficientes e os custos eram elevados. No serviço de TRO atendíamos os casos que não eram tão graves e também aqueles que melhoravam com uma fase rápida de hidratação. A partir da experiência do HIAS, colaboramos com a implantação de salas de reidratação oral em unidades básicas de saúde de Fortaleza e de outros municípios. Outra experiência muito rica foi participar dos preparativos do XXV Congresso Brasileiro de Pediatria organizado pela Dra. Anamaria em 1985. Eu nunca tinha participado da organização de um evento tão importante. O congresso foi um sucesso. Além de muitos pediatras, vieram autoridades do Ministério da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF. Pela primeira vez um evento de pediatras discutia em profundidade as questões sociais que afetavam as crianças. Foi também o meu primeiro contato pessoal com a equipe do UNICEF. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67 61 QUEM SOU EU? Talvez um dos fatos mais marcantes para a definição da minha trajetória profissional tenha sido o que aconteceu no início de 1986. Quando terminamos a residência, eu e meus colegas ganhamos da Dra. Anamaria um relatório do UNICEF chamado Situação Mundial da Infância. Essa é uma publicação anual do UNICEF que a cada ano traz um tema importante relacionado à infância no mundo. O tema daquele relatório que ganhei era a sobrevivência infantil. Lembro que li atentamente todas as páginas daquele livro que trazia a proposta da revolução para salvar as crianças utilizando ações básicas de saúde conhecidas como GOBI (referente a Growth monitoring, Oral rehydration therapy, Breast-feeding and Immunization, que correspondem respectivamente a monitoramento do crescimento, terapia de reidratação oral, aleitamento materno e imunização) e posteriormente acrescidas pelo FFF (female education, family spacing and food supplementation, referente a educação das mulheres, planejamento familiar e suplementação alimentar). O documento trazia experiências de países africanos, asiáticos e latino-americanos que tinham reduzido a mortalidade infantil com essas ações simples, acessíveis e de baixo custo. Nesse momento passou pela minha cabeça que, se aqueles países tão pobres tinham conseguido reduzir a mortalidade infantil, nós do Brasil e inclusive do Ceará também poderíamos. Foi paixão imediata pelo tema. Naquele ano um grupo de pediatras já vinha tentando fazer um trabalho fora dos muros do HIAS, visando melhorar a atenção básica de saúde das crianças e assim reduzir os casos graves que recebíamos no Hospital Albert Sabin. Apesar dos esforços das colegas, o trabalho não teve os resultados esperados, pois faltava decisão política. 62 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67 UM CHAMADO E UM COMPROMISSO Em meados de 1986, quando eu trabalhava no Centro de Reidratação Marieta Cals, no Hospital Luís de França, na UTI do HIAS e no Instituto de Previdência do Ceará – IPEC, a Dra. Anamaria me convidou para participar de uma reunião no Comitê do candidato a governador, Tasso Jereissati. Confesso que, a princípio, achei estranho aquele convite, pois, apesar de ser de uma família que tem uma forte tradição política em Tauá, eu nunca tinha me envolvido em uma campanha política. Alguns colegas médicos já tinham se encontrado com o candidato e estavam convencidos de que ele poderia fazer um bom governo, principalmente no tocante às políticas públicas para a infância. Fui para as primeiras reuniões, mas só me engajei com entusiasmo quando ouvi do próprio Tasso o compromisso de que uma de suas prioridades de governo seria a redução da mortalidade infantil. Entrei de cabeça na campanha, assim como vários outros profissionais da área da saúde. Haviam pessoas de diferentes partidos, e muitas, como eu, sem nenhuma filiação político-partidária. Íamos praticamente todos os dias para o comitê da saúde, que reunia profissionais de diferentes categorias. Nas reuniões discutíamos como eleger o nosso candidato e também as propostas de saúde que queríamos ver implantadas no novo governo. Foi nesse grupo que começou a ser delineada a proposta dos agentes de saúde, idéia trazida pelo amigo sanitarista Dr. Carlile Lavor e sua companheira Miriam, assistente social. Para mim tudo fazia sentido, pois era algo assim que o UNICEF vinha propondo no mundo inteiro como eu tinha lido naquele relatório. ANDRADE FMO O PROGRAMA VIVA CRIANÇA PELA SOBREVIVÊNCIA INFANTIL O nosso candidato foi eleito e alguns colegas da equipe de saúde foram convidados para participar da finalização do plano de governo. Qual não foi a minha surpresa quando, em março de 1987, a Dra. Anamaria me chama e me comunica que ela havia sido convidada para dirigir o HIAS e que havia me indicado para coordenar, junto com ela, o programa de redução da taxa de mortalidade infantil – TMI que foi chamado de VIVA CRIANÇA. A princípio eu relutei, pois me achava pouco experiente para uma missão de tal envergadura, porém o meu marido, Antonio Barbosa, e a Dra. Anamaria me convenceram de que eu poderia dar uma importante contribuição. Ficou decidido que o programa Viva Criança funcionaria no Hospital Albert Sabin e não mais na sede da Secretaria de Saúde onde estava antes a equipe responsável pela saúde infantil. Outra mudança importante era de que a coordenação materno-infantil que existia até aquela data seria dividida em duas: a da saúde da mulher que seria coordenada pela ginecologista e obstetra Vilalva Lopes e a de saúde da criança a ser liderada pelas pediatras do HIAS. A coordenação do Programa Viva Criança passou a funcionar próximo ao setor da residência médica e do centro de estudos do HIAS e logo ganhou o apoio de vários outros profissionais do hospital. Nossa idéia era de que se a equipe estadual responsável pela saúde da criança estivesse dentro do principal hospital de referência em pediatria do estado, nós poderíamos envolver mais médicos no programa e fazer do HIAS um verdadeiro hospital sentinela para acompanhar a evolução das internações infantis. Antes de assumirmos a coordenação do programa Viva Criança, eu, a Dra. Anamaria, a Dra. Emair Silva Borges e outros colegas pediatras fomos para Alagoas fazer um treinamento organizado pelo Ministério da Saúde sobre as ações básicas de saúde da criança. O curso era sobre as mesmas estratégias propostas pelo UNICEF e logo me veio à cabeça o que eu tinha lido naquele relatório sobre a situação mundial da infância. Entre 1987 e 1990 fizemos pesquisas, realizamos capacitações e campanhas educativas, compramos equipamentos, medicamentos e outros insumos e nos articulamos com outras organizações visando à redução da mortalidade infantil e a melhoria da saúde das crianças. Participamos ativamente da estruturação do programa de agentes de saúde, pois a prioridade desses trabalhadores era a redução das mortes dos menores de 01 ano. Vale a pena destacar também o grande programa de imunização liderado pelo pediatra Jocileide Campos que resultou em uma melhoria extraordinária nas coberturas vacinais do Ceará que antes eram as piores do Brasil. Foi muito trabalho, sempre com apoio incondicional dos secretários estaduais de saúde e um interesse especial do Governador Tasso Jereissati que sempre que nos encontrava perguntava como estava o trabalho, demonstrando muito compromisso e determinando prioridade para as ações voltadas para as crianças. Lembro que as primeiras compras que eram realizadas de equipamentos e medicamentos na Secretaria de Saúde eram para a atenção infantil. Depois dessas aquisições definidas pela equipe da criança, os recursos que sobravam eram destinados às outras áreas. No final de 1990 repetimos a grande pesquisa que fizemos em 1987 (a Pesquisa Estadual de Saúde Materno-Infantil - PESMIC) e foi comprovada a redução da TMI em 32%. Essa mesma pesquisa foi repetida outras 3 vezes nos últimos anos. É importante destacar que o Ceará é o único estado do Brasil e um dos poucos lugares do mundo que hoje tem uma seqüência de 05 pesquisas desse tipo, feitas em um período de 20 anos para acompanhar a saúde das mulheres e das crianças. Durante esse período recebemos um grande apoio do Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67 63 QUEM SOU EU? UNICEF, em especial nas pessoas do professor Antenor Naspolini, do médico Ennio Svitone e do jornalista José Paulo Araújo que faziam parte da equipe dessa organização no Ceará. Foi muito grande a nossa alegria ao comprovar o resultado do trabalho feito no Ceará, entre 1987 e 1990, para melhorar a saúde das crianças e maior ainda quando o UNICEF concedeu em 1992 o prêmio Maurice Pate ao povo e ao governo do Ceará pela redução da mortalidade infantil. Foi a primeira vez que esse prêmio instituído pelo UNICEF foi concedido a um governo. Grande também foi a minha felicidade ao ver a experiência do Ceará descrita no relatório da situação mundial da infância de 1992, a mesma publicação que tinha me feito optar pela saúde pública quando ganhei um exemplar em 1986, 04 anos antes. O relato do caso do Ceará foi distribuído para mais de 180 países, em vários idiomas. PASSAGEM PELA FEBEMCE Em 1991, quando se iniciou o novo governo, fui convidada para ser Presidente da Fundação do Bem-Estar do Menor do Ceará – FEBEMCE. Novamente eu disse não, pois além de não ter interesse em funções de gestão pública, eu queria voltar a dedicar mais tempo à pediatria clínica. Naquela época, meu tempo era dividido entre o Viva Criança, o meu consultório onde atendia após as 18 horas e os plantões no Hospital Frotinha da Parangaba no final de semana. Após insistentes convites de representantes do governo, resolvi aceitar. Confesso que fiquei animada com a possibilidade de fazer algo pelas crianças que viviam nas ruas e por tantas outras vítimas de várias formas de violência. Fiquei pouco tempo na FEBEMCE, mas tive a oportunidade de liderar um movimento para reduzir a exploração sexual de crianças e adolescentes (com uma grande investigação sobre os estabelecimentos e pessoas que contribuíam para essa exploração) e de apoiar o início de projetos como o que deu a oportunidade a vários adolescentes de baixa renda a um estágio remunerado. 64 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67 Começaram também durante minha passagem pela FEBEMCE, um grande programa de creches comunitárias e de capacitação de educadores infantis, além da implantação dos Centros ABCs, do Circo Escola e do SOS Criança. Apesar dos vários projetos de prevenção, o grande desafio era com os adolescentes que haviam cometido atos infracionais. Era difícil visitar as unidades onde eles estavam privados de liberdade, no meu caso, grávida de 9 meses do meu segundo filho, e imaginar que aqueles meninos tinham sido capazes de cometer tais crimes. Nessa mesma época, começamos a apoiar a bailarina Dora Andrade que realizava um trabalho muito interessante na Escola de dança EDISCA. Ao sair da FEBEMCE por motivos pessoais, fui logo colaborar com o amigo cardiologista Dr. Frederico Augusto na Secretaria de Saúde de Caucaia. Poucos meses depois ele saiu e me indicou para a função de secretária municipal. Essa foi outra experiência muito rica, pois me deu a oportunidade de entender um sistema municipal de saúde com toda sua complexidade e seus desafios. COLABORANDO COM O PIAUÍ Quando estava em Caucaia recebi um convite desafiador do UNICEF. O Governador do Piauí tinha procurado aquela organização internacional para pedir apoio, pois queria fazer o mesmo programa que havia sido realizado no Ceará. Como tínhamos contado com o grande apoio do UNICEF para a redução da TMI no Ceará (inclusive para as pesquisas e a implantação do programa de agentes de saúde), eu não poderia recusar aquele convite, mesmo que isso significasse ficar a semana toda longe da minha família que agora incluía além do Barbosa, a Carolina de 2 anos e o Bernardo de 1 ano. Apesar do meu grande compromisso com a causa da saúde infantil e com o UNICEF, hoje, depois de tudo que aprendi sobre a importância da primeira infância e do vínculo mãe–bebê, penso que não faria isso novamente, ficar tanto tempo longe dos meus filhos tão pequenos. ANDRADE FMO É importante destacar que não foi somente o governo do Piauí que manifestou interesse pela experiência do Ceará, vários outros estados vieram conversar conosco, jornalistas estrangeiros queriam saber o que tinha se passado na nossa terra e o Ministério da Saúde resolveu implantar o programa de agentes de saúde em vários outros estados. Passei um ano trabalhando no Piauí e acho que conseguimos especialmente colaborar com a equipe técnica nas estratégias de sobrevivência infantil. Nesse mesmo período tive a oportunidade de fazer um curso de 01 mês sobre saúde urbana nos países em desenvolvimento, oferecido pela Escola de Londres de Higiene e Saúde Pública. DE VOLTA AO CEARÁ Voltei para o Ceará em 1993 e, logo que cheguei, fui fazer um curso sobre estratégias para a redução da mortalidade infantil no Japão. Foram dois meses incríveis entre aulas, visitas a maternidades, centros de saúde e unidades neonatais. Vi projetos muito interessantes, alguns adaptáveis a nossa realidade e outros ainda impossíveis de realizar no Ceará. Logo que cheguei, enviei uma carta de agradecimento à Agência Japonesa de Cooperação Internacional – JICA que havia custeado a minha viagem e o curso. Menos de um mês depois da minha chegada do Japão, eu recebi um telefonema da JICA informando que viria uma missão de japoneses ao Ceará e que eles gostariam que eu os acompanhasse, pois era para avaliar a possibilidade de um projeto de cooperação técnica na área da saúde materno-infantil. Depois da vinda de três missões, conseguimos aprovar um grande projeto de humanização do parto e nascimento que tive o privilégio de coordenar e que deu uma contribuição importante à saúde materna e neonatal do nosso país e que resultou, dentre vários outros benefícios, na criação da Casa da Gestante, ligada ao Hospital Geral Cesar Cals. Entre 1993 e 2003, assumi algumas funções na Secretaria de Saúde do Estado - SESA como Ouvidora da Saúde, Diretora dos Serviços de Saúde (tendo nesse período coordenado as ações de prevenção, atenção e controle da epidemia de Cólera e, em seguida, da epidemia de Dengue que ocorreram em Fortaleza, além de participar da implantação pioneira do Programa de Saúde da Família - PSF), Subsecretária de Saúde do Estado, colaborando como o então secretário Dr. Anastácio de Queiroz Sousa, Assessora Especial para a saúde da mulher, da criança e do adolescente e Gerente da saúde do adolescente e do jovem. Gostei muito dessa última função, pois tivemos a oportunidade de começar várias ações inovadoras voltadas para a promoção da saúde e redução de agravos como as doenças sexualmente transmissíveis e a AIDS, além do enfrentamento a situações de gravidez na adolescência e abuso de drogas. Nesse período também fiz o Mestrado de Saúde Pública na Universidade Federal do Ceará. Apesar de ter dedicado grande parte da minha vida profissional à saúde maternoinfantil, decidi estudar, como tema da minha dissertação de mestrado, o Programa de Saúde da Família - PSF do Ceará, por compreender que aquela era a estratégia de maior relevância, naquele momento, para a saúde do Estado. O meu estudo foi o primeiro sobre o tema no Brasil e subsidiou a realização de duas pesquisas nacionais: uma sobre as condições gerais de funcionamento do PSF no País e outra sobre o perfil dos médicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família no Brasil (2000), realizada pelo Ministério da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz. Em virtude dessa experiência fui convidada para ser professora da disciplina de saúde da família da Faculdade de Medicina Estácio de Juazeiro do Norte - FMJ. ARTICULAÇÃO INTERSETORIAL E PARCERIA COM A SOCIEDADE CIVIL Durante toda minha vida profissional, busquei construir parcerias com outras áreas e diferentes instituições e, acima de tudo, uma interlocução com os setores organizados da sociedade. Nesse sentido, durante o período que coordenei as ações de saúde infantil no Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67 65 QUEM SOU EU? Estado, criamos o Grupo Interinstitucional de Saúde da Criança e contribuímos para a Criação da Comissão Interinstitucional de Ações Relacionadas à Criança e ao Adolescente do Estado. Coordenamos e participamos de várias outras comissões e grupos de trabalho (por exemplo, a Comissão Estadual Interinstitucional de Educação Infantil) que reuniam organizações governamentais e não governamentais. Como Subsecretária de Saúde, participei das atividades do Conselho Estadual de Saúde, da Comissão Intergestores Bipartite e do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde. Além do Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente, participei do Conselho Estadual Antidrogas, de atividades do Fórum de Enfrentamento da Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente e do Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil. Fui Membro das Comissões Estaduais de Alimentação e Nutrição, de Atenção Perinatal e da Coordenação do Projeto de Fortalecimento da Autoestima Infantil e Resiliência. No ano Internacional do Voluntariado, 2000, fui convidada para fazer parte do Conselho Superior do Centro Ceará Voluntário. Em 1991, recebi o prêmio Criança da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (com sede em São Paulo), pelo trabalho desenvolvido na defesa dos direitos da criança brasileira. No mesmo ano recebi também o Prêmio Nacional - PNBE de Cidadania, conferido pelo Pensamento Nacional das Bases Empresariais, em São Paulo. Esse prêmio era concedido anualmente a personalidades que se dedicavam a luta pela efetiva implementação da cidadania no Brasil. Mais recentemente recebi o prêmio de Benfeitora da Criança da Cidade, concedido pela Prefeitura de Fortaleza. TENTANDO COLABORAR Desde a minha graduação, tenho participado das atividades da Sociedade Cearense de Pediatria, como Vice – Presidente durante dois mandatos (1992-1997) e como Presidente do Comitê de Saúde do Adolescente, entre 1999 e 2002. Durante o período de 1996 a 66 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67 2001 atuei como membro de Departamento Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e como assessora do Núcleo gerencial e Conselho Científico da Diretoria da Sociedade Brasileira de Pediatria. Em 1993, ajudei a criar e durante alguns anos dirigi a Organização Não Governamental – Instituto de Saúde e Desenvolvimento Social – ISDS, entidade que tem realizado estudos, pesquisas e desenvolvido projetos inovadores na área de saúde. Fui uma das sócias fundadoras do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar – ISGH, instituição que gerencia os hospitais Waldemar de Alcântara, Regional do Cariri e da região Norte, as Unidades de Pronto Atendimento - UPAS e vários Centros Especializados de Odontologia- CEOs. Uma das áreas que tenho muito interesse é a de avaliação de projetos. Nesse campo, atuei como consultora da Fundação americana W. K. Kellogg para a Iniciativa Adolescente Saudável, desenvolvida juntamente com a Organização Pan-Americana de Saúde- OPAS, em vários países da América Latina. MINHAS ATIVIDADES ATUAIS Minha paixão pelo UNICEF começou naquele ano de 1986 quando recebi um exemplar do relatório mundial da infância. Desde 1988, quando essa organização internacional abriu seu escritório no Ceará, tenho atuado como parceira e algumas vezes como consultora dessa agencia das Nações Unidas. Em 2003 fui selecionada como gerente de programas do UNICEF para os estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, onde estou atuando até hoje. O meu trabalho é, especialmente, apoiar as políticas públicas de saúde e desenvolvimento infantil por meio de pesquisas, capacitações, produção de materiais pedagógicos e realização de campanhas educativas. Em 2008, já como funcionária do UNICEF, tive a oportunidade de colaborar com a elaboração do Relatório da Situação Mundial da Infância, edição na qual conseguimos incluir mais uma vez a experiência do Ceará na redução da mortalidade infantil. ANDRADE FMO Confesso que muitas vezes me sinto triste por não fazer mais atendimento clínico por conta da minha dedicação exclusiva ao UNICEF, mas faço tudo para me manter em contato com a área de saúde da criança por meio do meu trabalho e mantendo minha vinculação formal com a Sociedade Cearense (SOCEP) e Brasileira de Pediatria (SBP). Com relação ao HIAS, mesmo depois de quase 25 anos da minha saída de lá, quando entro no hospital, me sinto em casa ao rever tantos amigos queridos. Há uma frase atribuída por muitas fontes ao Mahatma Gandhi que diz “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Essa frase tem servido de inspiração em muitos momentos da minha vida. De nada adianta ficar somente criticando e cobrando dos governos e autoridades se muitas vezes não fazemos nem o mínimo que poderíamos e deveríamos para melhorar a sociedade. Sei que ainda há muito para eu fazer nos próximos 50 anos, mas já me sinto pelo menos inspirada pelo que passei nesse meio século e agradeço aos vários colegas, Conflito de Interesse: Não declarado amigos e familiares que foram também minha fonte de inspiração e energia, em especial minhas crianças: Carolina e Bernardo. Termino esse texto com um poema de Gabriela Mistral, poetisa, educadora, diplomata e feminista chilena, mensagem essa que tem me acompanhado nesses 25 anos de atuação e que diz muito do que temos tentado fazer pela saúde infantil no Ceará. Seu nome é hoje Somos culpados de muitos faltas e muitos erros, porém o nosso maior crime é abandonar a criança, desprezando a fonte da vida. Muitas das coisas de que precisamos podem esperar. A criança não pode. É nesse momento que seus ossos estão se formando, que seu sangue e seus sentidos estão se produzidos. Para ela não podemos dizer “amanhã” Seu nome é hoje. Gabriela Mistral Endereço para correspondência Francisca Maria Oliveira Andrade (Tati) E-mail: [email protected] Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 59-67 67 Retratos de Vida UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS A little about each, a little about HIAS Helga Rackel Sousa Santos Jornalista pela FIC. Assessora de Comunicação Social do HIAS. Fortaleza, CE. Três médicas com mais de uma década dedicando-se a um sonho que virou realidade há bastante tempo e que não perderam a essência desse encantamento. Uma mãe que acreditou e conquistou, permitindo-se viver a esperança encontrada nos corredores de um hospital. Você conhecerá cada uma dessas personagens nesta edição do Retratos da Vida. Apresentamos Marfisa Portela, Aldaiza Ribeiro, Evelin Gondim, e Edinaiana Souza, mulheres com histórias distintas, mas que compartilham dos mesmos sentimentos de amor e gratidão ao Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS). Marfisa Portela, diretora geral, trabalha no Albert Sabin há quase 20 anos e não esconde sua felicidade e satisfação de exercer a profissão de médica pediatra e, principalmente, de fazer parte da história do Hospital. Para ela, trabalhar na instituição “é uma relação de amor” marcada pelo crescimento e dedicação profissional. Conflito de Interesse: Não declarado Assim como a colega, a médica pediatra Aldaiza Ribeiro é enfática quando se trata de falar sobre a relação que tem com o HIAS. Dizer que o hospital é a sua vida, não é um exagero quando ela tenta expressar o sentimento de amor que nasceu e permanece cada vez mais vivo em seu coração. Esse vínculo forte com a instituição também é marcante na trajetória da fonoaudióloga Evelin Gondim, que ainda está “criando coragem” para se aposentar. Ela considera que cumpre uma missão, cuja incumbência “vai além da profissão”. Já para Edinaiana Souza, o acolhimento é um das características relevantes dos profissionais do Hospital Infantil Albert Sabin. Ela é mãe da pequena Tainara, portadora de atrofia muscular tipo II, e esteve com a filha durante quatro anos no HIAS. Jovem, porém de uma maturidade admirável, ela não esconde sua gratidão à equipe médica do hospital. “Encontrei pessoas maravilhosas”, diz. São experiências, aprendizados e emoções vividas, revelados em meio a lágrimas e sorrisos de alegria. Um pouco de cada uma, um pouco do HIAS. Boa leitura! Endereço para correspondência Helga Rackel Sousa Santos E-mail: [email protected] 68 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73 SANTOS HRS Marfisa Portela Médica e gestora hospitalar, participante ativa em seminários e congressos na área de medicina, autora e co-autora de livros e projetos na assistência pediátrica, Marfisa Portela é uma profissional feliz e sente-se realizada pelo o que faz. Atualmente, é diretora geral do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), a primeira ex-residente a ocupar esse cargo na instituição. São 19 anos de experiências e momentos marcantes no exercício de sua profissão no HIAS. O desejo de ser médica não surgiu com muitas pesquisas e afinidades adquiridas no período da vida escolar ou à véspera de inscreverse no vestibular. Ser médica pediatra era um sonho de infância. “Desde que eu era criança, quando eu comecei a entender as coisas e me perguntavam o que eu queria ser, eu dizia que queria ser médica e cuidar de criança”. O sonho tornou-se realidade em 1985, quando Marfisa se formou em medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC). No 5º ano do curso, ela iniciou sua carreira no Albert Sabin como estagiária. Em seguida, fez o internato em Pediatria também no HIAS e, como não poderia ser diferente, sua residência foi no mesmo hospital. Apesar de morar a um quarteirão do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), a escolha pelo Albert Sabin nunca mudou. “A gente que trabalha aqui tem um amor muito grande pelo hospital, se apega ao hospital”, diz. Há 23 anos Marfisa Portela atua no Consultório de Pediatria Geral. Trabalhou no atendimento ambulatorial da Fundação Dr. Antônio Dias Macedo, do Posto de Saúde José Barros de Oliveira e também foi médica assistente das enfermarias pediátricas no Hospital Distrital Gonzaga Mota, em Messejana. Em 1994, foi aprovada no concurso público para o Hospital Infantil Albert Sabin. Atuou como médica assistente e orientadora de internos e residentes nos setores de pronto atendimento, observação e reanimação da Emergência, na Unidade Neonatal de Médio Risco e Enfermarias. Foi chefe de plantão; coordenadora do Plano de Contingência da Emergência do HIAS, no Instituto de Medicina Infantil; coordenadora da Emergência, do Projeto Mãe Canguru e mais tarde, em 2007, foi eleita diretora técnica do Albert Sabin, deixando o cargo em janeiro de 2013 para assumir um posto maior, o de diretora geral. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73 69 UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS Para ela, sua história no Albert Sabin é marcada pelo crescimento profissional das pessoas que trabalham no Hospital e com freqüência acompanham a evolução do que vem acontecendo na medicina. “Tem muita gente hoje em dia no hospital com mestrado, doutorado, e isso é uma característica do hospital de ensino; que as pessoas estão sempre se atualizando, adquirindo novos conhecimentos para capacitar os internos, os residentes, os pediatras que a gente forma aqui dentro”, ressalta. 70 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73 Segundo a diretora geral, o Albert Sabin é um complexo hospitalar respeitado em todo o Estado e até no Brasil. De acordo com Marfisa, esse diferencial deve-se à generosidade dos profissionais que atuam na instituição, o compromisso que todos têm e o prazer de ensinarem o que sabem. “Agradeço a todos os profissionais que contribuíram de alguma forma para minha formação profissional, que foram meus mestres”. E em meio a lágrimas e sorrisos, ela resume sua relação com o HIAS a uma só palavra: amor. SANTOS HRS Aldaiza Ribeiro Ela é mais uma voz que se une ao coral de alegria daqueles que trabalham no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS). A determinação e a paixão pela vida esmiúçam a doçura da vocação e liberta uma voz mansa e suave em cada testemunho compartilhado na conversa sobre sua carreira médica, especialmente, o exercício da profissão no Albert Sabin. E então declara: “Não é um sentimento só meu, é de todos que vivem aqui: nós nos sentimos como participantes ativos da fundação deste hospital, enquanto instituição de ensino”. Aldaiza Ribeiro cursou faculdade de medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC) em 1973 e obteve seu diploma de graduação seis anos depois. Quando universitária, estagiou durante três anos no Hospital São José (HSJ), onde começou sua jornada na área da Infectologia. Em 1981, trabalhou no Hospital Luís de França e mais tarde, mudou-se para Aratuba, onde se dedicou à medicina popular durante um ano. A história de Aldaiza no Albert Sabin se confunde com os primeiros passos do Hias como instituição de ensino. Essa parceria começou em 1979, quando ela fez parte da terceira turma de residentes em pediatria. Após conquistar a aprovação no concurso público da Secretaria de Saúde do Ceará, em 1982, a jovem médica trabalhou nos setores de Emergência e de Enfermaria no período de um ano. Pouco tempo depois, ela e a colega Vera Lúcia formaram a unidade de isolamento para tratar os pacientes com infecção, a qual hoje é conhecida como Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. Em 2003, Aldaiza Ribeiro assumiu a coordenação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HIAS, da qual está à frente até hoje. Especialista em Pediatria e mestre em Patologia Tropical, ela também integra a direção do Conselho Regional de Medicina (Cremec) e do Sindicato dos Médicos do Ceará. Não são poucas as lutas, muito menos as conquistas. Sua postura firme não emudece seu carisma e muito menos turba a esperança refletida em seus olhos. Nessa caminhada de mãos dadas com o HIAS, Aldaíza considera que apesar das dificuldades que existem como em qualquer outra instituição pública de saúde, os profissionais que trabalham no Albert Sabin têm talento e competência suficiente para instigar o desenvolvimento e garantir muitas outras vitórias. E, em meio a lágrimas, desabafa: “Este hospital é a minha vida”. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73 71 UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS Evelin Gondim Sua primeira graduação foi em Ciências Econômicas. Depois de dois anos trabalhando com números, estatísticas e planilhas, ela decidiu mudar de profissão. Abandonou as ciências exatas e abraçou a área da saúde. Uma mudança radical e que não lhe trouxe arrependimento, somente orgulho. Foi assim que tudo começou para a fonoaudióloga Evelin Gondim. Enquanto fala de sua carreira e do seu amor pelo Hospital, ela se emociona, sorri e não esconde a alegria. Confessa sua satisfação profissional e declara: “Eu sinto que vim para cá com uma missão”. Em 1985, Evelin ingressou na faculdade de Fonoaudiologia na Unifor e conquistou a nova formação acadêmica quatro anos depois. Estagiou no Centro de Saúde de Aerolândia César Cals e logo quando se formou, correu para realizar seu grande desejo: trabalhar no Albert Sabin, o que conseguiu em 1994. No mesmo ano, assumiu a Coordenação da Fonoaudiologia. Três anos mais tarde, fez especialização em Fonoaudiologia Clínica, começou a trabalhar no Navi – Núcleo de Apoio à Vida e deu início ao projeto Primeiro Sorriso, formando uma equipe especializada em atendimento a pacientes fissurados – um projeto inédito no HIAS. Nesse período, conheceu a ONG Operação Sorriso e então, nasceu a parceria que tem dado certo nesses 16 anos de mutirão em Fortaleza. 72 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73 Evelin admite que está “criando coragem” para se aposentar, mas até agora não conseguiu. Com olhos marejados, ela reconhece que sua ligação de afetividade com o trabalho realizado no Albert Sabin e o relacionamento com as mães e os pacientes são os motivos de a aposentadoria não ter acontecido. “O que mais me prende ao HIAS é a gente poder amenizar um pouco esse sofrimento de mães e crianças; existe uma ligação muito forte que vai além da profissão”, diz. Atualmente, Evelin Gondim trabalha na área de gestão, como chefe do Serviço de Fonoaudiologia, coordenadora do Núcleo de Atendimento Integrado ao Fissurado (Naif) e também do Núcleo de Orientação e Estimulação ao Lactente (Noel). Ela considera que esses compromissos aumentaram sua responsabilidade e mudaram seu caminho no Albert Sabin, mas também confessa que sente saudades do serviço de assistência, onde vivenciou os melhores momentos do exercício da profissão. “É quando, realmente, as nossas ações impactam diretamente à mãe”. Quando questionada sobre suas expectativas em relação ao futuro do Hospital Infantil Albert Sabin, Evelin demonstra esperança e sorrindo responde: “Ele vai crescer cada vez mais, porque aqui ele tem uma áurea muito forte”. SANTOS HRS Edinaiana Souza São cinco anos convivendo e aprendendo a lidar com as limitações da filha, lutando para proporcionar uma vida normal e feliz à ela. “Cada dia que acordo, olho para ela e recebo um sorriso de uma ponta à outra e isso dá mais força pra continuar lutando”, diz emocionada a jovem Edinaiana Souza, de 23 anos. Ela é mãe da pequena Tainara, que foi diagnosticada com atrofia muscular tipo II, em 2008. Naquele ano, Edinaiana contava com a companhia do pai da criança. Seis meses depois do diagnóstico, a jovem mãe teve que iniciar a jornada de criar a filha sozinha. Mas ela não desanimou. A história de Edinaiana e Tainara com o Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) começou quando a menina tinha poucos meses de vida. A pequena veio de Crateús para Fortaleza sob suspeita de pneumonia. Encaminhada ao HIAS pelo médico que atendeu sua filha naquele município, Edinaiana não imaginava que um novo e difícil caminho, diferente do qual ela tinha sonhado, estava surgindo. Foram três anos e oito meses internada no Albert Sabin. Em dezembro de 2012, a garotinha de sorriso leve e olhar gentil voltou para casa com a sua mãe, graças à existência do Programa de Assistência Ventilatória Domiciliar (PAVD) do HIAS e à ajuda do grupo de voluntários Amigos da Alegria, que alugou, mobiliou e equipou uma nova moradia, uma casa para elas em Fortaleza, garantindo segurança e conforto na continuação do tratamento. Edinaiana ressalta que foi muito bem acolhida pelos profissionais do Albert Sabin e que hoje convive bem com a doença da filha graças à equipe multiprofissional do Hospital. “Só tenho a agradecer a todos da equipe do PAVD. Encontrei pessoas maravilhosas, que souberam me explicar como conviver com a doença; aprendi bastante coisa”, desabafa. Hoje, a mãe de Tainara não trabalha. Ela dedica-se à menina em tempo integral e conta com a companhia de sua irmã que também ajuda na administração da dieta e medicação da criança. Apesar de jovem e mãe de primeira viagem, Edinaiana não se deixou abater pelas intempéries da vida e considera seus dias felizes ao lado da filha.“Ela fala, estuda, se comunica; é uma criança estável. Eu acredito e confio em Deus”, conclui. Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 68-73 73 Retratos de vida O ADEUS A UM GRANDE AMIGO Good-bye to a great friend Vladimir Távora Fontoura Cruz Membro da Academia Cearense de Medicina. Fortaleza-CE. Eduíno França Barreira (In memoriam) Ainda sob o impacto da dura realidade, estamos atônitos sem saber o que dizer e o que fazer. De repente, o dia se fez escuro e a noite foi pintada com uma cor de infinita tristeza. A cruel realidade se fez presente: não temos mais em nosso meio o grande pediatra e o amigo de todas as horas, sempre acessível e pronto para ajudar. O Eduíno sempre foi assim: curava as crianças, acalmava os aflitos, consolava os adultos e dentro de si vivenciava em silêncio a angústia de sua saúde incerta. Assim, sempre se cuidou muito bem e evitava os excessos. Talvez por isso é que eu não aceite ou entenda sua morte precoce, quando ele e a Lúcia ainda poderiam 74 Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 74-75 usufruir de tantas viagens a Joatama, Quixadá e Uruquê, ao Salão do Automóvel em São Paulo, à Exposição Agropecuária do Crato, as visitas à Lília e aos netos em Juazeiro do Norte, ou pelo menos a tradicional mesa de biriba com os primos, nas segundas feiras. Com todo respeito aos desígnios de Deus, temos a sensação de estar num fim de tarde de domingo, na solidão dos pântanos, enquanto um plangente sino distante de uma Capelinha toca e chora, tangido por uma insuportável saudade. O Dr. Eduíno era um excepcional pediatra, que conquistava a confiança e amizade dos pais e, o que era extraordinário, dos CRUZ VTF seus pequenos pacientes. Ele tinha muitas qualidades que chamavam a atenção de todos: seus conhecimentos de farmacodinâmica – era o doutor que tirava as dúvidas de um número incrível de colegas sobre a maneira de agir, a posologia, os similares e as contraindicações dos diversos fármacos. O homem era um Vademecum ambulante; outro aspecto que saltava à vista, era a sua prestimosidade. Ele tinha prazer em ajudar, em esclarecer, em servir, em estender a mão amiga. E Madre Tereza de Calcutá dizia: “As mãos que servem são mais santas que os lábios que oram”. da pediatria. O fato é que o Eduíno dedicou-se obstinadamente à pediatria e ao Hospital do Pronto Socorro Infantil, tornando-se credor de uma dívida que jamais aquele nosocômio terá condições de saldar, e o Dr. Luiz França sempre se mostrou profundamente agradecido ao sobrinho tão querido, quase um filho, por tudo que ele criou e desenvolveu no Hospital, pelos fins de semana e feriados dedicados ao nosocômio e aos pacientes hospitalizados, pelas viagens a congressos ou passeios procrastinados pelo bem do hospital. O Dr. Luiz França, pessoa que teve uma grande importância na vida profissional do Eduino, era o tio tão amigo, que fazia as vezes a função de pai. Foi o Dr. Luiz França que abrigou profissionalmente o Eduíno e mostrou, no diaa-dia do Hospital do Pronto Socorro Infantil, as patologias comuns e também os meandros A Academia Cearense de Medicina teve, a partir de maio de 2013, seu quadro de Membros Honorários enriquecido pela admissão do Dr. Eduíno França Barreira como Membro Honorário in Memoriam, a maior homenagem prestada pelo sodalício aos grandes médicos de nossa terra. Conflito de Interesse: Não declarado Endereço para correspondência Vladimir Távora Fontoura Cruz E-mail: [email protected] Rev. Saúde Criança Adolesc. 2013; 5 (2): 74-75 75 ADMINISTRAÇÃO Diretora Geral Marfisa de Melo Portela Hebiatria Maria do Socorro Peres Diretor Administrativo/Financeiro Lauro Antônio Cabral de Barros Imagenologia Afonsina Pereira de Aquino Campos Diretora Clínica Patrícia Jereissati Sampaio Nefrologia Kathia Liliane Lustosa Zuntini Diretor Técnico João Cândido de Sousa Borges Centro de Estudos e Pesquisas Francisca Lúcia Medeiros do Carmo Comissão de Controle de Infecção Hospitalar Aldaíza Marcos Ribeiro Comissão de Ética em Pesquisa Regina Lúcia Ribeiro Moreno Internato Viena Sales Ximenes Avila Residência Médica Tânia Maria Sousa Araújo Santos SERVIÇOS MÉDICOS Alergologia e Imunologia Janaira Fernandes Severo Ferreira Análises Clínicas Vânia Feijó Cordeiro Anestesiologia Josias Teixeira Martins Cardiologia Ângela Maria Ferrer Carvalho Cirurgia Antonio Aldo de Melo Filho Cirurgia Cardiovascular Gotardo Duarte Dumaresq Neonatologia Tânia Maria Sousa Araújo Santos Neuropediatria Gilma Montenegro Padilha Holanda Onco-Hematologia Selma Lessa de Castro Ortopedia-Traumatologia Jacinta da Silva Prado Pediatria Geral Maria Conceição Alves Jucá Pneumologia Vivianne Calheiros Chaves Gomes Terapia Intensiva Pediátrica Euzenir Pires Moura OUTROS SERVIÇOS Enfermagem Maria Daura Porto Farmácia Maria Zenaide Matos Albuquerque Fisioterapia Maria de Fátima Leite Simão Fonoaudiologia Leonardo da Rosa Giglio Nutrição e Dietética Mª Euzenir Gomes de Freitas Odontologia Maria Lúcia Bonfim Chagas Cirurgia Plástica Geraldo Sérgio P. Teixeira Psicologia Anice Holanda Nunes Maia Emergência Gualter B. de Aguiar Neto Serviço Social Maria Moema Carneiro Guilhon Gastroenterologia Amália Maria Porto Lustosa Terapia Ocupacional Elaine Pontes Araújo 76 Equipe HIAS Hospital Infantil Albert Sabin LOGO COLORIDA.pdf 1 11/10/2013 1 C M Revista de Saúde da Y Criança e do Adolescente VoluMe 5 nÚMero 2 JulHo a deZeMbro de 2013 CM MY CY CMY K Desafio Clínico Palavra do editor INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DE PANCITOPENIA E CRIANÇA HEPATOESPLENOMEGALIA: QUANDO O RARO É IMPORTANTE João Amaral Erlane Marques Ribeiro compartilhar conhecimentos Diretrizes Clínicas BULLYING: REVISÃO SISTEMÁTICA ARRITMIAS CARDÍACAS EM CRIANÇAS: BRADICARDIA Regina Lúcia Portela Diniz, Camilla Bezerra Bastos, Gabriela de Henrique Gonçalves Campos Souza Gómez Humanização Pediátrica HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR INFANTIL: AMENIZANDO OS DIETA CETOGÊNICA UMA OPÇÃO PARA PACIENTES COM EPILEPSIA EFEITOS DA INTERNAÇÃO REFRATÁRIA Isabel Cristina de Mendonça Torres Martins, Maria Jaqueline Braga Débora Albuquerque da Silva, José Humberto da Silva Junior, Bezerra Mariana Carvalho Rocha ensino in foco Pediatria em destaque RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE ENSINO DE PEDIATRIA E ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS NA PEDIATRIA CONTEMPORÂNEA Jayme Murahovschi Álvaro Jorge Madeiro Leite trajetória de um Hospital HUMANIZAR É PRECISO... DE DENTRO PARA FORA E DE FORA FEBROFOBIA EM CRIANÇAS PARA DENTRO, A EDIFICAÇÃO DO HOSPITAL DOS NOSSOS Almir de Castro Neves Filho SONHOS! olhar do especialista Anamaria Cavalcante e Silva CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOPEDIATRIA retratos de vida Washington A. Pinto Filho, Fernando Heládio Pimenta, Sabrina QUEM SOU EU? Melo, Selma Lessa Francisca Maria Oliveira Andrade (Tati) SEQUÊNCIA DE PIERRE ROBIN: UMA BREVE ATUALIZAÇÃO UM POUCO DE CADA UMA, UM POUCO DO HIAS Diego Thiers Oliveira Carneiro, José Ferreira da Cunha Filho, Helga Rackel Sousa Santos Vol. 5 N o2 Jul. / Dez. 2013 A Revista de Saúde da Criança e do Adolescente A IMPORTÂNCIA DA HUMANIZAÇÃO EM HOSPITAL DE Raquel Nascimento da Silva O ADEUS A UM GRANDE AMIGO Vladimir Távora Fontoura Cruz HIAS