overton - Editora Novo Conceito

Transcrição

overton - Editora Novo Conceito
A
janela de
OvertoN
Glenn Beck
Com contribuições de Kevin Balfe,
Emily Bestler e Jack Henderson
Tradução
Renato Marques de Oliveira
P r ó l ogo
E
li Churchill era um falastrão. Depois que ele começava a
falar, não tinha o hábito de parar e ouvir, mas agora um
som ao longe o tinha deixado preocupado.
—Espera um minuto —Eli murmurou.
Ele aninhou o bocal do telefone público no ombro, olhou
de relance para a estreita e sulcada estradinha de terra Mojave
que tinha percorrido para chegar até ali, depois ergueu os olhos
e encarou o longo e escuro caminho na outra direção.
Em um lugar silencioso como aquele os ouvidos podem
pregar peças na gente. Ele podia jurar que havia escutado um
som deslocado, como o estalido de um talo de grama seca sob os
pés de alguém, embora nenhum ser humano tivesse o que fazer
em um raio de 30 quilômetros de onde ele estava, mas Eli não
tinha como saber ao certo.
A lua brilhava alta e os seus olhos já estavam acostumados
à escuridão. Ele não via ninguém, mas, com o tipo de caras com
que Eli estava preocupado, nunca se sabe.
Quando recolocou o telefone de volta no ouvido, uma
mensagem automática avisou que a companhia telefônica queria
outro pagamento para só então permitir a continuação da ligação.
Ele pegou suas últimas seis moedas de 25 centavos de dentro de
um rolinho de papel amassado e enfiou na abertura do orelhão.
Restavam apenas três minutos. Em certo sentido, era
irônico. Depois de anos de planejamento, ele tinha recolhido e
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GLENN BECK
levado consigo todas as provas de que precisava para corroborar
sua história, mas não dispunha de dinheiro trocado suficiente
para contá-la por telefone.
— Ainda está aí, Beverly?
— Sim. — O sinal do telefone estava fraco e a mulher
do outro lado da linha parecia cansada e impaciente. — Com
todo o respeito, Sr. Churchill, preciso que o senhor vá direto ao
ponto.
— Eu vou, eu vou. Agora, onde é que eu estava... — Enquanto
ele folheava rapidamente a pilha de fotocópias, uma rajada de
vento acertou em cheio um par de folhas soltas, que saiu flutuando
noite afora.
— O senhor estava falando de dinheiro.
— Sim, certo, tudo bem: 2,3 trilhões de dólares, é disso que
estamos falando. Sabe quanto dinheiro é isso? É uma pilha de
cédulas de mil dólares que chegaria do nível do mar ao espaço
sideral e voltaria com 50 quilômetros de folga.
— É a quantia que Don Rumsfeld disse à nação que tinha
sumido, sem explicações nem justificativas, no verão de 2001.
Você não entende? São 2,3 trilhões de dólares, uma quantia três
vezes maior do que toda a moeda em circulação nos EUA. Ninguém
perde tanto dinheiro. Isso não é um erro de contabilidade, é
crime organizado.
— Sr. Churchill, o senhor afirmou em sua mensagem que
tinha algo a me dizer que eu nunca tinha ouvido antes.
— Eu sei onde eles gastaram esse dinheiro, ou pelo menos
parte dele.
Um breve ruído de estática invadiu a ligação.
— Continue.
— Eu vi o lugar, um dos lugares onde eles estão se preparando
para aprontar alguma coisa, uma coisa grande, planejando, sabe?
Arranjei um emprego na manutenção. Achavam que eu era só
um faxineiro, mas durante a noite eu examinava o lugar. Vi o que
eles estão planejando. Estão construindo uma estrutura.
Ele conferiu suas anotações para se certificar de que estava
dando as informações corretas.
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PRÓLOGO
— Não se trata de um prédio, mas de uma estrutura política
e social. Eles já vêm trabalhando nisso faz muito tempo. Décadas.
Quando puserem abaixo o sistema atual, só vai sobrar esse novo
que eles estão elaborando.
— Eu gostaria de me encontrar pessoalmente com o senhor.
Onde o senhor está agora?
— Não posso dizer por telefone.
— Repita, por favor. A ligação está péssima.
O vento seco do deserto vinha soprando constante e frio
desde que ele chegara ali, mas agora Eli percebeu que a brisa
tinha ficado bem mais fraca, quase imperceptível.
— Eles estão mexendo os pauzinhos para que daqui a uma
geração ninguém mais se lembre de como este país costumava
ser. Assim que estiverem prontos para dar a primeira pancada
nos alicerces do sistema, vão fazer a economia desmoronar feito
um castelo de cartas. A mídia controlada já está na mão deles,
prontinha para iniciar sua campanha de relações públicas. E
eles estão dando um jeito de deixar as pessoas tão endividadas,
alienadas e despreparadas que vão pedir socorro ao primeiro
que disser que tem as respostas.
— Onde posso encontrá-lo, Sr. Churchill?
— Não temos tempo; apenas me escute. Eles vão aprontar
alguma coisa, para começar o esquema todo. Assim como
desapareceram aqueles 2,3 trilhões de dólares, sumiram também
11 armas nucleares do arsenal dos EUA, e eu vi duas delas.
O lampejo de uma luz brilhante e vermelha na parede
da cabine telefônica chamou a atenção de Eli. Ele se virou e
deixou o telefone cair.
Eli Churchill só teve tempo para iniciar uma oração
silenciosa, mas não conseguiu terminá-la. Seu último apelo foi
interrompido por um tiro à queima-roupa de uma pistola com
silenciador, e a última coisa que passou por sua cabeça foi uma
bala dundum semiencamisada de ponta oca, 357.
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Parte
UM
UM
“É o poder que impõe as ordens, domina;
os meios materiais apenas obedecem. Os
homens são como barro nas mãos do líder
consumado.”
—Woodrow Wilson, em Leader of Men
(Líder de Homens)
Capítulo 1
A
maior parte das pessoas pensa na experiência em termos
de anos, mas, a bem da verdade, o que a define são
alguns momentos decisivos. Em geral nunca mudamos
e passamos boa parte da vida na mesma, até que, de repente,
crescemos de maneira súbita, em momentos decisivos.
Uma vez que sua vida era muito boa do jeito que estava,
Noah Gardner tinha empregado uma boa dose de esforço em seus
primeiros 20 e poucos anos para evitar, a todo custo, a chegada
desses momentos decisivos.
Não que ele tivesse simplesmente jogado fora todo o seu
tempo. Longe disso. Para começar, Noah tinha passado uma
década inteira construindo o que a maior parte dos homens
chamaria de uma impressionante reputação de sucesso com as
mulheres. Bonito, com um bom emprego, educação de primeira,
endiabradamente engraçado e até mesmo inteligente quando
queria, razoavelmente em boa forma para um típico rato de
escritório, Noah tinha todas as legítimas credenciais para criar
um perfil arrasador em sites de relacionamento. Desde seu
primeiro ano na Universidade de Nova York, raramente passava
sozinho as noites dos fins de semana; tudo o que tinha a fazer
era simplesmente deixar na posição médio-alto seu botão de
“disponibilidade para companhias femininas noturnas”.
Depois de chegar aos 27 anos e encarar a iminente
aproximação do terrível número 30, Noah tinha começado a
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GLENN BECK
perceber uma coisa sobre o botão médio-alto: para dançar um
tango tem de haver duas pessoas. Se ele tinha baixas expectativas
no que dizia respeito ao jogo do amor, as mulheres que ele vinha
conhecendo e com quem saía estavam fazendo a mesma coisa.
Agora, no seu aniversário de 28 anos, ainda não tinha certeza
daquilo que queria em uma mulher, mas já sabia o que não
queria: “uma namorada-troféu”, alguém só para exibir para os
amigos. Disso já estava de saco cheio. Talvez, e apenas talvez,
fosse hora de pensar em engatar um relacionamento sério.
No meio dessas divagações sobre a vida e o amor, ele viu
pela primeira vez a mulher de seus sonhos.
Não havia nada de remotamente romântico nas circunstâncias da situação. Ela estava em pé, na ponta dos dedos, esticando
o braço para pregar com tachinhas, no quadro de avisos de cortiça da empresa, um folheto vermelho, branco e azul. E ele estava
só olhando, na frente da máquina de salgadinhos, paralisado no
tempo entre o segundo e o terceiro botão do painel de seleção do
seu petisco da tarde.
Psicólogos renomados nos dizem na revista Maxim que as
primeiras impressões mais importantes são registradas nos dez
segundos iniciais. Pode não parecer muito tempo, mas é uma
eternidade quando se trata de um homem encarando um colega
de trabalho do sexo feminino. Depois de quatro segundos, Noah
já tinha feito três observações.
Em primeiro lugar, ela era linda, de uma beleza discreta,
que quase desafiava o observador a encontrá-la. Segundo, ela não
fazia parte do estafe permanente de funcionários, provavelmente
estava trabalhando como temporária na sala de expedição ou
em algum departamento de alta rotatividade. Terceiro, mesmo
naquele cargo modesto, ela não sobreviveria muito tempo na
Doyle & Merchant.
Dizem que devemos nos vestir para o trabalho que pretendemos
ter, e não para o trabalho que temos. Isso é especialmente
verdadeiro no ramo de relações públicas e de assessoria de imagem,
em que a aparência é a realidade. Aparentemente o trabalho que
aquela garota desejava ter era de recepcionista da Sociedade de
Preservação Cultural Grateful Dead. Mas não, não era exatamente
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A JANELA DE OVERTON
isso. Ela não parecia uma aspirante a hippie retrô. Era mais do que
as roupas, era outra coisa, era seu porte, seu jeito, a maneira com
que ela se movia, como um espírito genuinamente livre. Era óbvio
que ela exalava uma vibração atraente, mas não havia lugar para
aquele tipo de coisa — nem na roupa nem na atitude — naquele
mundinho conservador, empertigado e convencido, das relações
públicas de Nova York.
Depois de cinco segundos de observação, outro detalhe
chamou a atenção de Noah, o que o fez perder completamente a
noção do tempo.
O que o pegou de surpresa foi uma palavra, ou, mais
precisamente, o significado de uma palavra: linha. Mais poderosa
que qualquer outro elemento do design, a linha é a alma de uma
obra de arte. É a razão pela qual um simples logotipo ou logomarca
pode valer dezenas de milhões de dólares para uma corporação.
É o que faz com que se acredite que determinado carro, par de
óculos escuros ou jaqueta tem o poder de transformar pessoas
no que elas desejam ser.
A definição que ele tinha recebido de um amigo artista
não veio na forma de palavras, mas de um desenho. Apenas sete
pinceladas leves de uma caneta de feltro em uma página em
branco, diante de seus olhos, apareceu a mais pura essência de
uma mulher. Embora não tivesse nada de lascivo, era o desenho
mais sexy que Noah já tinha visto na vida.
E foi isso que o arrebatou. Ali estava, no quadro de avisos,
aquela mesma linha delicada e requintada, que se estendia
lindamente das sandálias dela até a ponta dos dedos. Por mais
improvável que pudesse parecer, naquele exato momento ele
soube que tinha se apaixonado.
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