A íntegra da revista Financeiro está disponível em arquivo pdf, cuja

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A íntegra da revista Financeiro está disponível em arquivo pdf, cuja
financeiro
financeiro
arevistadocrédito
edição
68
abr
mai
NO COMANDO DA
FEBRABAN, MURILO
PORTUGAL FALA SOBRE
O MERCADO DE CRÉDITO
E OS PLANOS PARA
A FEDERAÇÃO
abril/maio 2011 edição 68
Novo líder
MERCADO IMOBILIÁRIO: INVESTIR NO BRASIL OU NOS ESTADOS UNIDOS?
conteúdofinanceiro
36
50
44
20
8
12
20
28
Capa – Entrevista do Mês
44
Cadastro Positivo
Murilo Portugal, novo presidente da Federação
Expectativas e desafios com o novo banco
Brasileira de Bancos
de dados
Especial Tecnologia
40
Educação Financeira
Portais de compras coletivas, a revolução do
Losango, financeira do HSBC, treina lojistas
micropagamento
a educarem o consumidor
Classes Emergentes
58
Liderança
O perfil dos novos consumidores e os desafios para
Mulheres em cargos contam como
as instituições financeiras
administram vida pessoal e trabalho
Mercado Imobiliário
Brasil versus Estados Unidos
36
50
Vida Pessoal
artigos
25 Kátia Madeira Blaha Análise de Crédito
39 Marcel Domingos Solimeo Varejo Estratégico
Lembranças da infância e juventude transfomam-se
43 Diego Torres Martins Tecnologia
em livro nas mãos do sócio-diretor da KPMG
56 Tereza Maria Mercado Automobilístico
Fraude Mercantil
Um retrato da fraude no País
62 Florencia Ferrer Gestão Pública
64 Alberto Borges Matias Análise e Perspectivas
66 Fábio Mores Última Palavra
abril/maio 2011 FINANCEIRO 3
expediente
financeiro
ISSN 1809-8843
Rua Líbero Badaró, 425 – 28o andar – São Paulo – SP
Tel: (11) 3107–7177 Fax: (11) 3106–6082 – www.acrefi.org.br
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4 FINANCEIRO abril/maio 2011
editorial
A
As medidas adotadas pelo governo, que têm por objetivo restringir a oferta de crédito e controlar a inflação, aumentam o risco de uma maior concentração do setor financeiro. Com isso, são
diferentes os impactos nas instituições. Os mais atingidos foram os menores, por terem menos
capacidade de alavancagem. Também devemos lembrar que as instituições de grande porte e as
pequenas têm condições diferenciadas de acesso a capital.
As mudanças acontecem em um cenário marcado pelo novo índice de Basileia, mais restritivo,
pelas alterações nas normas contábeis e pela retirada dos estímulos de liquidez, dados durante a
crise de 2008 e 2009 e previstos para acabar em junho. Além disso, o setor vivenciou recentemente uma breve crise de confiança, dados os reflexos dos eventos que envolveram o PanAmericano.
O cenário para as instituições menores seria mais promissor, caso não houvesse uma maior
exigência de capital para os bancos que operam com linhas de mais longo prazo (consignado e
financiamento de veículos), o que reduz sua competitividade. Os menores têm mais dificuldades,
pois contam com menos capital e não têm condições de ampliar as garantias para não se desenquadrarem do índice de Basileia, agora de acordo com os critérios dos novos fatores de pondera-
Desafios da consolidação
ção de risco estabelecidos em dezembro. Para completar, as mudanças contábeis previstas para
o início de 2012 vão apertar ainda mais o patrimônio dos bancos que vivem de conceder crédito
consignado e contabilizar os ganhos na hora da venda de sua carteira.
Ao mesmo tempo, a retirada dos estímulos à captação dos bancos menores colocados na época da crise de 2008 aumenta a preocupação com o caixa dessas instituições financeiras no curto
prazo, acelerando o processo de consolidação.
As medidas de restrição ao crédito com o objetivo de conter a inflação e consumo são macroprudênciais e importantes para a economia. Entretanto é preciso ter cautela quanto ao alcance
desse objetivo, pois, sem uma política fiscal mais austera, será difícil conseguirmos atingir a meta
para o IPCA. A inflação é mais uma questão estrutural do que conjuntural. Com isso, olhar somente para a restrição de crédito ao consumidor como uma maneira de desacelerar a alta de preços
tende a ser insuficiente para conter a escalada dos preços.
Érico Sodré Quirino Ferreira
Presidente da Acrefi
6 FINANCEIRO abril/maio 2011
capaentrevistadomês
Por Ana Borges
Quebra de
Murilo Portugal, novo
presidente da Febraban, fala
sobre os principais desafios
do setor financeiro e o
mercado de crédito brasileiro
Em momento de aumento da renda, da oferta de crédito e da bancarização, Murilo Portugal assume a presidência
da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Essa é a primeira vez na história que a instituição tem à
frente um executivo não ligado a um dos grandes bancos
que fazem parte da federação. A quebra de paradigma teve
como objetivo profissionalizar a gestão, diante de todas
as mudanças macroeconômicas que o Brasil passa com
o crescimento do setor financeiro. Em entrevista à revista
Financeiro, Murilo Portugal fala sobre o mercado de crédito e os planos para a federação e autorregulação.
Conhecido pela sua carreira no setor público, em
que atuou como secretário-executivo do Ministério da
Fazenda, assessor na Casa Civil e chefe da Assessoria
Econômica da Secretaria Geral da Presidência da República, Portugal também foi diretor-executivo do Banco
Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em dezembro de 2006, foi indicado para o cargo de
vice-diretor-geral do FMI, no qual liderou trabalhos em
importantes áreas como códigos e padrões internacionais, programa de avaliação do setor financeiro, assistência técnica, treinamento, estatísticas e gestão de dados,
recursos humanos e orçamento, além de ser responsável
por um portfólio de 81 países membros.
8 FINANCEIRO abril/maio 2011
paradigma
Revista Financeiro Como o senhor vê a gestão do
atual governo, que tem lançado mão de outras medidas, além do aumento da taxa de juros, para conter a
inflação? Tal mudança da política monetária é salutar
para o mercado?
Murilo Portugal As medidas macroprudenciais têm
sido adotadas em vários outros países, inclusive na Nova
Zelândia e Austrália, que foram as pioneiras no regime
de metas para inflação. Os controles macroprudenciais
visam primariamente evitar assunção de riscos financeiros e limitar níveis de risco; não foram desenhados para
controlar a inflação. No entanto, acabam tendo algum
efeito sobre a demanda agregada. Como é tudo muito
novo, ainda não há muita clareza de qual será seu impacto. A expectativa é que os resultados apareçam em médio prazo. Mas o uso de medidas macroprudenciais não
deve ser visto como uma mudança na política monetária. O principal instrumento para combater a inflação é
a taxa de juros e acho que essa é também a opinião do
Banco Central. Outra política importante que, embora
não tenha como primeiro objetivo combater a inflação,
mas que ajuda muito, é a consolidação fiscal, também
usada no Brasil.
Financeiro Mesmo diante das medidas macroprudenciais, é possível esperar a continuidade do crescimento da demanda e oferta de crédito? Quais são as
estimativas para este ano?
Portugal Sem dúvida. A intenção é controlar os níveis de risco, e não interromper a expansão do crédito.
O próprio Banco Central já manifestou que espera um
crescimento de até 15% este ano. Ele quer apenas diminuir a taxa de crescimento do crédito. As medidas
abril/maio 2011 FINANCEIRO 9
capaentrevistadomês
macroprudenciais e o aumento da taxa básica tendem
a fazer a expansão do crédito desacelerar. Isso é bom,
pois vai ajudar no combate à inflação e é melhor crescer menos por mais tempo do que ter de interromper a
expansão de forma abrupta por causa de uma inflação
mais forte. Já estamos observando essa tendência de desaceleração. A última pesquisa de projeções da Febraban
aponta uma expectativa de crescimento do crédito total
de 17% neste ano, continuando a desacelerar no próximo ano.
Financeiro Quais são as diretrizes que o senhor pretende adotar na sua gestão diante da Febraban? Quais
as principais bandeiras que a federação irá defender?
Portugal A continuidade do trabalho desenvolvido
pelo Fabio Barbosa. O papel da Febraban é identificar,
investigar, estudar quais as condições necessárias para
os bancos poderem prestar os serviços que a sociedade
espera deles e a partir daí dialogar com os públicos estratégicos, como os poderes públicos, em todos os níveis e
instâncias. Não se trata de “defender os bancos”, mas de
criar as condições que permitam aos bancos fazerem o
que se espera deles: guardar e fazer crescer a poupança
dos cidadãos, financiar o consumo e o investimento, e
viabilizar pagamentos e recebimentos.
Financeiro No comunicado enviado à imprensa, a
Febraban destaca que “vem pautando suas atividades
na busca de um diálogo transparente com órgãos regu10 FINANCEIRO abril/maio 2011
ladores e entidades de defesa do consumidor”. Essa é a
tendência diante do aumento do acesso ao crédito? As
conversas junto aos reguladores serão intensificadas?
Portugal Sem dúvida, intensificar o diálogo não só
com os reguladores bancários, mas com os diversos
agentes, públicos e civis, que se preocupam com a atividade bancária, como os Procons, as associações de
defesa do consumidor, as várias instâncias do Judiciário, o Congresso. Muito embora o Banco Central e o
Ministério da Fazenda estejam na linha de frente quando
se trata do crédito, o interesse pela intermediação financeira extrapola o governo.
Financeiro Muito tem se falado de autorregulação
no mercado financeiro como um todo. Como o senhor
avalia esse comportamento no Brasil? Estamos à frente
de outros países em termos de autorregulação?
Portugal As experiências de autorregulação, ao redor
do mundo, apresentam diversas peculiaridades, o que dificulta sua comparação. Cada país acaba desenvolvendo
um modelo que melhor se adapte ao contexto em que
se insere. A Febraban pretende ampliar as estruturas do
sistema de autorregulação bancária, criado há dois anos,
constituindo uma entidade autônoma, a exemplo do
Fotos: Douglas Luccena
Financeiro Quais as linhas de crédito que mais devem
crescer?
Portugal O crédito a pessoa física continua sendo o
carro-chefe, com destaque para o crédito habitacional.
A pesquisa da Febraban mostrou expectativa de maior
expansão dos empréstimos com recursos direcionados
que o próprio governo estimula, de 18,9% em 2011,
com importante desaceleração para16,5% em 2012. As
operações de crédito pessoal, incluído o consignado,
também apresentaram uma expectativa de expansão
acima da média neste ano e em 2012. Já a aquisição de
veículo terá o menor crescimento.
que fez a BM&FBovespa, que criou a BM&FBovespa
Supervisão de Mercado. Essa instituição terá orçamento próprio, quadros próprios de auditores, advogados,
técnicos e um conselho independente formado por
profissionais de fora do setor bancário. Outro aspecto
a considerar, de grande potencial para o sistema, é o da
regulação de relacionamentos com pessoas jurídicas,
já que hoje o foco da autorregulação está centrado no
relacionamento dos bancos com pessoas físicas. Nesse
c ampo, ações como as do controle de exposição a derivativos e das cessões de crédito, já em curso, poderão
alcançar avanços significativos.
Financeiro E em termos de legislação para o sistema
financeiro? Depois da crise, muito tem se comentado
sobre a solidez dos nossos bancos e instituições, ainda
existem gargalos? O que pode ser aprimorado?
Portugal Por conta da capitalização do setor, pouca
alavancagem e regulação forte, o sistema financeiro
nacional passou bem pela crise internacional. Somos
exemplo para o mundo, mas sempre há o que melhorar.
Estamos engajados no esforço internacional e o Brasil
deve ser um dos primeiros a adotar internamente as
recomendações internacionais. Essas alterações trarão
importantes mudanças e impactos distintos entre diferentes segmentos de bancos, e também individualmente, dadas as particularidades de cada instituição.
Financeiro Pode falar um pouco da sua experiência
no Brasil e no exterior?
Portugal Bem, a minha experiência sempre foi no setor público aqui no Brasil e depois internacionalmente.
No governo trabalhei em vários órgãos, o Ministério da
Fazenda no qual fui secretário-executivo e secretário do
Tesouro, no Ministério do Planejamento, no Itamaraty,
duas vezes na Presidência da República. No exterior, trabalhei no Banco Mundial e 11 anos no FMI. Na minha
última função no FMI eu era responsável por gerir as relações do fundo com 81 países nos cinco continentes, tanto
países desenvolvidos como países em desenvolvimento,
inclusive alguns casos difíceis de países europeus, como
a Islândia, a Grécia e Portugal. Foi um período difícil, mas
interessante, durante o qual a minha experiência de crises
aqui no Brasil na década de 1990 ajudou. Espero poder
continuar contribuindo para o progresso do Brasil, agora
no setor privado, que afinal é quem faz o desenvolvimento
do país acontecer. Acho que a minha experiência no setor
público pode ser útil nessa nova função.
abril/maio 2011 FINANCEIRO 11
tecnologiaportaisdecompras
Por Karin Fuchs
Como os sites
de compras
coletivas
e as redes
sociais podem
transformar
o mercado
financeiro
Ar evolução
do micropagamento
Há quem não entenda a importância das redes sociais como ferramenta de comunicação, informação e de mercado. E
como convencer então essas pessoas de que os sites de
compras coletivas, aliados às redes sociais, podem fazer
uma reforma brutal no mercado financeiro? Pois, podem
acreditar, está na hora de a sua empresa começar a buscar
soluções e desenvolvimento na área de tecnologia para
acompanhar esse movimento, praticamente uma revolução digital, curiosamente movida, em sua maioria, pelos
jovens da chamada geração Z.
Prova disso é que não apenas os sites de compras coletivas, tecnicamente um negócio b2c normal, ainda que
extremamente bem-sucedidos quanto aos seus derivados
(já existem portais que funcionam como “guias de com12 FINANCEIRO abril/maio 2011
pras coletivas” e até um site semelhante, mas no modelo
b2b, voltado a pequenas e médias empresas), foram desenvolvidos por profissionais na faixa dos 25 anos aos 30 anos.
Ou seja, pessoas para quem a tecnologia, principalmente
na internet, sempre fez parte do seu dia a dia.
Os sites de compras coletivas surgiram há três anos
nos Estados Unidos. O princípio básico é o da lei de oferta e procura. Quanto mais pessoas interessadas em um
produto ou serviço, mais barato é o preço que elas têm de
pagar. Aparentemente simples, o sistema segue algumas
regras. A principal delas é que a oferta pelo valor reduzido
(os descontos variam de 50 até 80%, às vezes até mais) só
é válida após um número preestabelecido comprar o voucher. Uma vez atingida a meta mínima (que, muitas vezes,
não tem um limite máximo de cupons) a oferta torna-se
válida e, a partir daí, o comprador tem um prazo para poder desfrutá-la. Por exemplo: um restaurante chinês oferece
um jantar com entrada, prato principal, uma bebida e uma
sobremesa por valor 80% mais baixo do que a soma desses
itens possui em seu cardápio. Mas esse desconto só será válido depois que 50 pessoas comprarem o cupom. Atingido
ou superado esse número, o débito do valor é feito pelo
meio de pagamento escolhido, e todos os que compraram
podem ter até seis meses para, de posse do voucher de confirmação da compra, ir ao restaurante consumir o jantar
da promoção. Outra regra importante desse modelo de
negócio é o prazo de validade da oferta no site de compra
coletiva: via de regra, cada oferta dura, no máximo, 24 horas. Nesse prazo, a meta mínima de interessados pode ou
não ser atingida e a oferta sai do ar.
O pioneiro mundial nesse segmento – considerado
um fenômeno – foi o Groupon. É a empresa que mais
cresceu no mundo em 2010 e está presente em 45 países. O modelo de negócio praticado em todo o mundo
é o mesmo, o que muda é o tipo de oferta. “Analisamos
os hábitos de consumo regionais e procuramos sugerir oportunidades de acordo com esse perfil”, explica
Florian Otto, CEO do Groupon. A empresa chegou ao
Brasil em junho de 2010 e já possui cerca de 9,5 milhões
de pessoas cadastradas, 15 mil parceiros comerciais,
quase R$ 300 milhões de economia para os usuários
brasileiros, mais de 16 mil ofertas publicadas e mais de
2.7 milhões de vouchers vendidos. O Groupon está
presente em 42 cidades, com escritórios em São Paulo
e no Rio de Janeiro.
Genuinamente brasileiro, o primeiro site de compras
coletivas em atividade no País foi o Peixe Urbano, que entrou no ar para cadastro em janeiro de 2010, e teve a sua
primeira oferta lançada pouco depois, no dia 31 de março.
Segundo Julio Vasconcellos, “a ideia foi desenvolver um
modelo de negócios que alavancasse o poder de mobilização da internet para trazer benefícios à sociedade: um
modelo ganha-ganha que coloca em contato os melhores
prestadores de serviços de cada cidade e um número gran-
de de consumidores interessados em conhecer novos estabelecimentos perto de suas casas”.
Com mais de cinco mil parceiros distribuídos em 56
cidades (incluindo Buenos Aires, lançado no último dia
16 de março, como primeiro passo de um processo de
internacionalização), o Peixe Urbano conta com mais de
oito milhões de usuários cadastrados. “Além disso, temos
a maior página de uma empresa brasileira no Facebook,
Florian Otto,
do Groupon
“Analisamos
os hábitos
de consumo
regionais e
procuramos
sugerir
oportunidades
de acordo com
esse perfil”
abril/maio 2011 FINANCEIRO 13
tecnologiaportaisdecompras
com mais de 400 mil fãs e outros 150 mil seguidores no
Twitter”, comemora Vasconcellos.
O “GPS” das compras coletivas
Essas redes sociais, aliás, estão ao lado do e-mail utilizado no momento do cadastro, como as principais ferramentas de divulgação tanto do Peixe Urbano quanto do
Groupon e dos demais sites de compras coletivas. Outro
ponto em comum da maioria desses sites é em relação aos
principais tipos ofertas. Os principais são nas áreas de gastronomia, beleza, hotelaria e turismo, muito embora todo o
tipo de produtos e serviços poderia estar lá. O que faz com
esses segmentos sejam os maiores geradores de negócios é
o custo acessível. Os descontos são tão vantajosos que os
clientes não hesitam em pagar. Às vezes se empolgam tanto que até se arrependem da compra. “É muito comum as
pessoas comprarem os cupons e se arrependerem depois.
Por exemplo, a pessoa adquire a oferta sem perceber que
ela só é válida em uma quinta-feira à tarde”, adverte Mateus
Moraes que, ao lado de Vinicius Mello, é sócio do portal
Nosso Desconto, um navegador de ofertas que entrou em
operação em agosto de 2010.
O Nosso Desconto é uma ferramenta para os sites de
compras coletivas, na verdade um portal que centraliza as
ofertas dos principais e melhores sites disponíveis em todo
o País. A ideia de criá-lo, segundo Moraes, surgiu de uma
necessidade pessoal dos sócios. “Ficávamos um pouco perdidos porque começaram a surgir mais sites e aí tínhamos
de visitar dez portais em um dia só. E pensamos: ‘por que a
gente não centraliza tudo isso em um lugar só?’”, revela.
A ideia deu tão certo que, se no começo ele precisava
ir atrás dos sites, hoje já é procurado por eles. “No começo corríamos atrás desse pessoal que fazia as promoções.
Mas de forma natural o processo se inverteu. Hoje, temos
muitos sites cadastrados que vieram atrás da gente. Começamos com dez parceiros e, atualmente, temos 350.
E olha que no Brasil há mais de 1.300 sites de compras
coletivas”, informa Moraes.
O Nosso Desconto já tem mais de 40 mil visitas diárias e a tendência é que esse número cresça cada vez mais,
14 FINANCEIRO abril/maio 2011
Danilo Jacob
e Luana
Grandino,
do Negócios
Urbanos
“Procuramos
possibilitar
vantagens
e poder de
barganha aos
empresários”
acompanhando o aumento das compras coletivas. No
Brasil, estima-se que seis milhões de usuários já tenham
feito, no mínimo, uma compra coletiva. Com a inclusão
das classes C e D na internet e também com o aumento da
concessão de cartões de crédito, acredita-se é que o número
de visitas só aumente.
Moraes afirma que entrar nesse modelo de negócio
exige planejamento. “Para o consumidor, o que interessa é o
desconto. Por exemplo, em vez de pagar R$ 300 em um serviço de salão de beleza, ele pode pagar R$ 59, o que é uma
ótima oportunidade que aparece de vez em quando e, por
isso, vale a pena comprar naquelas 24 horas em que a oferta
está disponível. Já para o estabelecimento é preciso haver
planejamento. Por exemplo, considerando que muitos sites
cobram uma comissão de 50% do estabelecimento por
cada cupom, nesse caso dos R$ 59, ele já está com menos
de R$ 30 no bolso”, alerta, complementando que, do lado
do comerciante/lojista/prestador de serviços é preciso
ter cuidado para não oferecer o que não se pode entregar.
“Imagine se um hotel vende cinco mil cupons, mas ele só
tem dez apartamentos: como ele iria atender esse pessoal
todo?”, questiona.
Visionários, todos esses jovens concordam em
um ótimo argumento dos sites de compras coletivas:
ainda que eventualmente a experiência possa até não
ser boa financeiramente para quem faz a oferta, no
mínimo funciona como uma excelente estratégia de
marketing – quase sem custo nesse sentido – para
aparecer e atrair novos clientes.
Para pequenas
e médias empresas
Se o surgimento do Nosso Desconto aconteceu de
uma necessidade pessoal, o mesmo pode-se dizer do
Negócios Urbanos. Certo dia, um de seus sócios resolveu oferecer uma parceria em sites de compras coletivas
para uma grande empresa e teve uma resposta negativa.
O que poderia ser uma dificuldade virou oportunidade
e, a partir de então, iniciou-se a idealização do Negócios
Urbanos. Segundo Danilo Jacob, que ao lado de Luana
Grandino (ambos formados pelo Insper – Instituto
de Ensino e Pesquisa –, antigo Ibmec) e de um parceiro investidor são os sócios do Negócios Urbanos,
enquanto já se tem mais de 1.300 sites de compras
coletivas b2c no mercado brasileiro, quase não se
houve falar de concorrentes diretos, especializados
em b2b. “Procuramos possibilitar vantagens e poder de barganha aos empreendedores, pequenos e médios
empresários, que não precisam
despender parte do seu tempo
fazendo cotações e se dirigindo fisicamente para compras
de produtos, principalmente
Mateus
Moraes e
Vinícius Mello,
do Nosso
Desconto
Mais de 40 mil
visitas diárias e
expectativa de
crescimento
daqueles que não são core do seu empreendimento. Eles
podem realizar compras com mais economia, o que resulta em mais capital para investir no que realmente lhes
trazem retorno financeiro”, orienta Jacob.
Já tendo na carteira de clientes nomes como Walmart,
o Negócios Urbanos é focado não apenas em produtos
diversos, como materiais para escritório e eletrônicos (impressoras, HD externos, pendrives, mouses, teclados etc.),
quanto também em serviços para funcionários (cursos
técnicos e de formação, brindes, uniformes, palestras) e
serviços gerais (consultoria, treinamentos, serviço de dedetização). Essas compras de serviços não são tão diferentes
da compra de produtos. No caso, por exemplo, de uma
consultoria estratégica, o cupom da compra vale para x horas de consultoria que serão focadas nas demandas da empresa que são apresentadas pelo comprador ou até mesmo
identificadas em uma análise prévia que é feita entre o consultor e o comprador. “O cupom pode ser exercido pelo
comprador no prazo determinado na oferta e, quando há
um mínimo, ele só será válido se o mínimo de compras for
atingido”, conclui Jacob.
b
i
1 NA
IR 1
tecnologiaportaisdecompras
entrevista Stefanini It Solutions
Compras coletivas:
“apenas a ponta do iceberg”
Dois especialistas em tecnologia para meios de
pagamento preveem uma nova onda no mercado financeiro resultante da evolução tecnológica e do crescimento das redes sociais. Confira a seguir a entrevista
com os executivos da Stefanini IT Solutions, Nelson
Carlos Athayde Jr., gerente de negócios para bancos, e
Cristiano Almeida, gerente de negócios para telecom.
Revista Financeiro Como os senhores avaliam essa
moda dos sites de compras coletivas?
Cristiano Em nossa opinião, os sites de compras coletivas são um fenômeno que tendem a modificar outras
redes também da internet, que é o que a gente chama
de micropagamento. Micropagamentos são transações
financeiras de baixo valor, porém o montante desse baixo valor oscila muito, dependendo de qual plataforma
está-se processando esse micropagamento, em que
existe um player que vai processar essas informações de
uma forma diferente daquela conhecida hoje no mercado financeiro. Você tem um banco de um lado, você
tem o adquirente no meio e você tem o estabelecimento comercial na outra ponta. Então, em termos de tecnologia, o que os sites de compras coletivas trazem hoje
de diferente nesse cenário é que eles são “atores novos”
em um novo ambiente financeiro que ainda está por vir.
Nelson Esses sites são apenas a ponta do iceberg! O
mercado está mudando, cada vez mais, para interagir
com os clientes e buscá-los onde eles estão. E onde os
clientes estão hoje? Eles estão na rede, na internet. Isso
é uma tendência.
Financeiro Quais são os modelos de pagamentos
de compras coletivas?
16 FINANCEIRO abril/maio 2011
Cristiano Hoje, o mais forte, com certeza, é o cartão
de crédito.
Nelson No caso de boletos de pagamento, o sistema
é viável quando o banco entra como parceiro. No caso,
para um banco entrar em um site desses de relacionamento, tem de haver uma contrapartida do site com o
banco. O que já não ocorre com o cartão de crédito. O
cartão de crédito, embora já possua uma contrapartida,
ela já é existente quando se faz uma operação com cartão. Depois você tem modelos de sites que facilitam as
compras coletivas, que é onde atua o PayPal, o Braspag,
o PagSeguro, entre outros. Nesse caso, esses sites “substituem” o banco. Garante o pagamento, faz o pagamento depois de um tempo e fica com esse dinheiro entre a
transação final com o cliente que fez a venda.
Financeiro No momento do pagamento, para onde
vai o dinheiro?
Cristiano Normalmente, quando é feita a compra
em um site de compras coletivas, o comprador enxerga o site que está apresentando a oferta – por exemplo,
o Peixe Urbano – e não o estabelecimento comercial.
Além disso, o pagamento não é feito imediatamente.
A compra, primeiro fica em pré-aprovação. Os sites
de compras coletivas têm um acordo com os estabelecimentos comerciais e apenas no momento em que a
oferta atinge um número predeterminado de compradores a operadora de cartão de crédito autoriza o débito na conta de quem fez a conta e o estabelecimento
comercial recebe o pagamento. Agora, se o pagamento
vai vir do site de compras coletivas, ou da operadora de
cartão de crédito, isso vai depender do modelo de negócio que eles fecharam. Varia de portal para portal.
Financeiro Em termos de confiabilidade, como vocês enxergam essa tendência no mercado de sites de
compras coletivas?
Nelson Aí há um braço de ferro entre operadoras, as
acquires (empresas especializadas no gerenciamentos
de compras), os bancos, os estabelecimentos comerciais.
Todo mundo quer ficar com uma parte da transação.
Então, no caso de pagamentos de baixo valor, o estabelecimento comercial que vende o produto precisa ver se
isso realmente vale a pena para ele. Se for ficar uma parte
com a acquire, uma parte com o banco, e trata-se de um
pagamento de um cafezinho, por exemplo, o comerciante precisa ver se isso vale a pena para ele.
Cristiano Hoje há uma grande transformação nos
meios físicos e nos meios lógicos. O NFC (Near Field
Communication) ou comunicação de curta distância
– trata-se de uma tecnologia desenvolvida pela Philips
e pela Sony, tipo peer to peer, que trabalha na frequên-
cia de 13,56 MHz), que na verdade é um chip RFID
(Radio Frequency Identification) como os usados no
Bilhete Único, por exemplo, transforma os aparelhos
de celulares em “carteiras eletrônicas” pelos quais você
passa a executar transações financeiras e isso é uma
modificação natural do meio físico de dispositivos de
pagamento. O que está havendo nos dias de hoje com
os sites de compras coletivas é uma mudança nos meios
lógicos de pagamento. Em vez de você usar a base de
internet banking para executar transações, ou apenas
o seu cartão de crédito físico para realizar uma compra
pela internet, a gente vai assistir a uma transformação
pela qual você acessa a internet no seu próprio celular,
que tem um chip identificador (um NFC, por exemplo), garantindo que você é você mesmo, não existe
mais cartão de crédito, e a empresa que está garantindo
a transação talvez não seja uma empresa “tradicional”,
como uma acquire ou banco. Então são atores novos
Carlos Athayde
e Cristiano
Almeida, da
Stefanini
“O mercado
está mudando
para atingir
os clientes e
buscá-los
onde estiverem”
abril/maio 2011 FINANCEIRO 17
tecnologiaportaisdecompras
novos que começam a surgir no mercado financeiro.
E essa onda de sites de compras coletivas é importante para isso, porque eles estão incitando nas pessoas a
vontade de adquirir bens de baixo valor. E aí que você
entra no conceito de micropagamento. Então, todo
esse cenário novo, lógico e físico, seria para viabilizar
que, futuramente, os sites de compras coletivas poderão oferecer produtos de R$ 5, de R$ 10. Por
que não?
Financeiro Com todas essas modificações, onde se encaixam os bancos e as
acquires na negociação?
Cristiano Eles necessitam atualizar os
seus sistemas para receber esses novos
“O usuário pensa:
para que eu preciso
fazer a coisa toda de forma
tradicional, se tudo o que eu
estou usando hoje não é?”
usuários. Não existe uma eliminação de membros
dessa cadeia existente hoje, mas uma necessidade
de transformação deles para que estejam preparados
para os novos usuários e, também, os novos players.
Assim como as operadoras de telefonia, que já estão
aí desenvolvendo soluções para estarem conectadas
com os bancos em canais novos de pagamento, tanto
com os adquirentes atuais e como os novos que estão por vir, como PayPal, por exemplo, e todo mundo
deve atualizar a sua plataforma tecnológica para que,
no futuro, com tudo ancorado no dispositivo móvel,
ele possa efetuar transações diferentes.
Financeiro E como vocês veem o papel dessas redes sociais nesse cenário mercadológico?
18 FINANCEIRO abril/maio 2011
Nelson O grande final dessa história é que a integração de tudo isso ocorre nas redes sociais. Não apenas
para vender produtos, mas também para entender
o que os clientes querem e até para que os bancos
possam conhecer melhor seus clientes e praticar um
offering diferenciado.
Cristiano Imagine um grande show internacional
no Brasil. Aí, como muita gente já acessa o Facebook
pelo celular, um grupo de amigos combina ali que
quer ir junto ao show. Imagine também que há um site
de compras coletivas que seja parceiro da empresa que
comercializa ingressos para esse show, dentro do Facebook. O grupo se junta e, no mesmo padrão de compras coletivas, processa a compra dos ingressos para
todos os amigos pelo próprio celular, fecha o lote de
ingressos e recebe ali mesmo a confirmação. Ou seja,
é uma operação transparente. O usuário pensa: “para
que eu preciso fazer a coisa toda de forma tradicional,
se tudo o que eu estou usando hoje não é tradicional?”.
Redes sociais não são tradicionais, sites de compras
coletivas não são tradicionais, celulares e smartphones
não são como os computadores, que não são como
carteiras de dinheiro ou cartões de crédito.
Financeiro Mas tudo isso é seguro?
Nelson Ainda hoje, o grande problema disso tudo, e
complicado, é a questão da segurança das transações.
Mas, no futuro, você tendo certificação digital embutida no celular, por exemplo, e isso poderá ser um
facilitador para as transações nas redes sociais e nos
sites de compras coletivas. O que a geração Z já busca
é facilidade. É você abrir uma foto de um amigo no seu
celular e poder ali transferir uma soma em dinheiro,
ou mesmo, para um lojista para pagar uma conta.
Cristiano O interessante é que a tecnologia para garantir essa segurança toda já existe e está disponível.
Mas as empresas que fazem parte dessa cadeia precisam buscar essas tecnologias e colocá-las para funcionar em conjunto. Esse é o grande desafio.
classemédia
Por Juliana Jadon
Casamento
econômico
Em 2010, 19 milhões de brasileiros
emergiram para a classe C. Agora,
empresas e instituições financeiras
olham para essa população como um
grande público potencial. Mas
ainda há muito para aprender
com essa fatia de mercado...
Um pedido de casamento foi marcado por uma proposta diferenciada: economizar.
Aline Rodrigues da Silva, de 26 anos, e Aparecido José Alves, de 28, decidiram se casar em maio de 2010, ao se sentirem financeiramente seguros.
Ele havia passado em um concurso público para ser professor de educação física em escolas estaduais e municipais e ela entrou em um
emprego registrado na área de comunicação de uma grande empresa. Cada um depositava a economia mensalmente em sua poupança
na Caixa Econômica Federal. Em 2010, chegaram a aplicar parte da
quantia em previdência privada. Juntos, do ano passado para este, eles
já pouparam cerca de R$ 30 mil.
Os noivos são o perfil da nova classe média brasileira que empresas, bancos e financeiras querem como clientes. A melhor condição em consumir, poupar e, até mesmo, investir no futuro, foi
verificada em uma boa parcela da população nos últimos
anos. Entre 2005 e 2009, 26 milhões de brasileiros deixaram as classes D e E, alcançando a C, e outros quatro
milhões emergiram para as classes A e B. Em 2010,
esse movimento foi mais expressivo: 19 milhões
de pessoas emergiram para a classe C e outros
20 FINANCEIRO abril/maio 2011
Consciência
financeira
Aline e
Aparecido já
pouparam,
juntos, mais de
R$ 30 mil para
o casamento
011
classemédia
12 milhões atingiram as classes A e B. Isso fez com que a
famosa pirâmide social deixasse de existir, tornando-se um
losango (conforme imagem ao lado). Os dados são da pesquisa “O observador Brasil 2010”, efetuada pelo Instituto
Ipsos e encomendada pelo banco Cetelem BGN.
O estudo mostra ainda que, assim como o casal, no
último mês de dezembro 7% da classe C entrevistada
poupou. Essa fatia de mercado guardou, em média,
R$ 584. E ainda, no último mês do ano passado, sobrou
uma média de R$ 171 no bolso dessa população, disponíveis para o gasto. “A pessoa com renda menor é, muitas
vezes, mais organizada e preocupada com poupança do
que a que tem maior ganho mensal. O ideal é guardar,
no mínimo, 10% do rendimento do mês”, explica Fábio
Moraes, diretor de Educação Financeira da Federação
Brasileira de Bancos (Febraban) e um dos idealizadores
do portal Meu Bolso em Dia.
Poupança e crédito são elementos complementares. Como
Pirâmide 2005
exemplo, Moraes cita a compra
de um carro financiado, em que o
cliente dá uma quantia de entrada
Classes A e B
26,421 milhões
e financia o restante. Apesar de ter
dinheiro guardado, Aline parcelou
Classe C
62,702 milhões
o vestido de noiva em seis vezes e
em quatro a viagem de lua de mel,
Classes D e E
planejada para cinco noites em
92,936 milhões
Natal (RN), a Cidade do Sol.
Atento a esse movimento, o
Losango 2010
Banco do Brasil (BB) tem atuado
com estratégias específicas para
atender essa população. O desaClasses A e B
42,195 milhões
fio é oferecer produtos e serviços
de acordo com os novos hábiClasse C
tos dessas pessoas e orientá-las a
101,651 milhões
aproveitar de forma consciente
o crédito e a renda. O banco está
contratando novos funcionários
Classes D e E
47,948 milhões
para a rede de agências (6.070 foram empossados até dezembro de
Fonte: Pesquisa Cetelem-Ipsos 2010
2010 e a previsão é de mais 4.100
22 FINANCEIRO abril/maio 2011
Fábio Moraes,
da Febraban
“A pessoa com
renda menor é,
muitas vezes,
mais organizada
e preocupada
com poupança
do que a
que tem maior
ganho mensal”
em 2011) e investindo em tecnologia, com aumento na
capacidade e velocidade de transmissão de dados para a
rede de agências e a modernização dos parques tecnológicos dos caixas eletrônicos e da rede de correspondentes.
A abertura da conta corrente no BB é simples. Só é preciso de CPF, identidade, comprovante de residência e renda. Caso o cliente não tenha como comprovar o rendimento, ele pode fazer uma declaração em até R$ 1,5 mil. Desde
que não haja restrições impeditivas, o limite de crédito é
calculado e disponibilizado imediatamente para a pessoa.
Educação necessária
Aline ganha cerca de R$ 2 mil. Ela ajuda em casa com
R$ 600 mensais e guarda, em média, R$ 500. Outros R$ 70
vão para as parcelas do cartão de loja que possui, R$ 200
para a assistência médica e o destino do restante fica a seu
critério. Já o noivo ganha cerca de R$ 3 mil e guarda R$ 2
mil mensais. Tudo isso, com certa consciência financeira,
Aline desmembra em uma planilha de gastos. O papel lhe
serve de referência e a guia financeiramente ao longo do
mês. “O planejamento financeiro deve existir não para ser
um bloqueio ao consumo, mas para que a pessoa continue a gastar no dia de amanhã”, ensina Moraes.
Nem todos os consumidores são como Aline e
Aparecido. Em pesquisa efetuada em 2010, a Febraban
identificou dois perfis de consumidores na nova classe
média. São eles: os conservadores (como o casal citado),
que organizam os gastos de acordo com a renda mensal,
fazem planilhas de orçamento, não gostam de ter muitas
contas parceladas e poupam, e os impulsivos, que comprometem o mês seguinte e não conseguem poupar. “A
educação financeira é mais do que passar conhecimento
sobre o que são juros compostos, por exemplo, ela deve
incentivar a preocupação com o futuro”, coloca Moraes.
Para o especialista da Febraban, o segundo grupo ainda precisa de educação financeira.“Para falar sobre atendimento e oferta de produtos para as classes C e D, temos de
pensar nos mecanismos de seleção dessas classes: o que valorizam e o que temem. Essa enorme população que chega
pela primeira vez aos diferentes mercados não tem educação financeira. Sua experiência em assumir compromissos
e fazer um orçamento é limitada ou inexistente”, coloca
Carlos Ximenes de Melo, diretor do Itaú Unibanco.
Final feliz
Aline fez questão de escolher o bufê e a igreja para a
comemoração. A casa onde irão morar é presente de um
membro da família. Além disso, há outras facilidades. O
local já possui alguns móveis em bom estado, segundo
Comunicação adequada
Textos pequenos, linguagem direta, otimista e amigável, cores
atraentes e alegres, referências tangíveis e representativas do dia
a dia é o que atrai esse público. Assim, o Banco do Brasil teve
aumento na utilização de seus produtos financeiros, no período de
junho a dezembro de 2010, conforme as tabelas:
Equivalente à classe C
Produto
% de incremento na
quantidade de clientes
Crédito direto ao consumidor
14,8
Consórcio de automóveis
28,5
Cartão de crédito
11,2
Poupança
13,8
Conta corrente
10,9
Seguro de pessoas
10,8
Equivalente às classes D e E
Produto
Crédito direto ao consumidor
% de aumento
no número de clientes
29,8
Financiamentos
Cartão de crédito
24
11,2
Consórcio de automóveis
9,8
Primeiros passos no mercado de capitais
Ações, volatilidade, rendimento, desvalorização
e investimento são palavras que não fazem mais
parte somente do vocabulário de empresários e
investidores das classes A e B. Uma quantia tímida
de pessoas da classe C, além de poupar, já investe
em papéis listados na Bolsa de Valores brasileira,
a BM&FBovespa, ou em CDBs (Certificados de
Depósitos Bancários) oferecidos pelos bancos.
Como exemplo disso, uma pesquisa feita pela
consultoria Plano CDE, a pedido da BM&FBovespa,
revelou que 20% dos investidores pessoa física,
algo próximo de 120 mil, têm renda familiar mensal
entre R$ 2,5 mil e R$ 4,5 mil. “Para que o número
de investidores cresça é importante que exista mais
educação financeira, especialmente voltada aos
emergentes”, ressalta Moraes, da Febraban.
A Bolsa conta hoje com aproximadamente 600
mil investidores individuais. Com um completo e
intenso projeto de popularização do mercado de
ações, lançado em 2002 para criar a cultura desse
investimento no Brasil, a Bolsa pretende elevar a cada
ano o número de investidores pessoas físicas - eram
apenas 85 mil investidores em 2002 - e alcançar,
até 2015, um total de cinco milhões de contas de
brasileiros em corretoras espalhadas por todo o País.
Patrícia Quadros, gerente do programa
de população da BM&FBovespa, lembra que,
principalmente se iniciante, o investidor deve
ter sempre em mente que o mercado de ações
é arriscado. Logo, uma pessoa pode ganhar
(aumentando seu patrimônio) ou perder a quantia
que investir, total ou parcialmente. Além disso, esse
tipo de investimento é encomendado para o longo
prazo – no mínimo cinco anos. “As estatísticas
mostram que o investimento de longo prazo em uma
carteira selecionada de ações é rentável. Portanto,
não é preciso se preocupar com o dia a dia da Bolsa:
subiu, caiu, ficou estável etc.”, indica.
abril/maio 2011 FINANCEIRO 23
classemédia
ela, e os dois receberam a notícia de alguns padrinhos e
convidados de que serão presenteados com os itens principais – como geladeira, fogão e outros de valor elevado
– que faltam na residência.
Para economizar, eles deixaram de desfrutar de festas
e comodidade. Antes de ir ao cinema, por exemplo, procuram almoçar em casa para não gastar com restaurante.
“O que contribui na economia é o nosso estilo de vida.
Somos caseiros e, às vezes, optamos por passar um final
de semana vendo filmes, comendo pipoca e jogando videogame”, exemplifica Aline.
Até a data do casamento, Aline e o noivo terão poupado ainda mais recursos. Eles já pensam até em guardar
dinheiro para adquirir um carro depois do casório. Como
ela, entre os entrevistados da classe média pela pesquisa
do Cetelem, 82% pretendem aumentar as economias nos
próximos 12 meses e 45% programam elevar os gastos.
Nas classes D e E, o resultado também foi positivo: 71%
querem poupar mais em 2011 e 51% irão consumir mais.
Como a classe C lida com o
dinheiro?
Costumo pagar minhas contas em dia, 58%
Costumo ter controle das despesas fixas do mês, 49%
Costumo ter reserva de dinheiro para gastos emergenciais
e/ou ocasiões especiais, 24%
Costumo ter algum dinheiro sobrando no fim do mês, 19%
Costumo fazer seguro dos meus bens de maior valor, como casa
e carro, 5%
Fonte: Celetem-Ipsos 2010
André Torretta,
da A Ponte
Estratégia
“A renda do
brasileiro
cresce mais
rapidamente
que o senso de
oportunidade”
E, ainda, questionados sobre a situação financeira em
geral, 59% dos apurados na classe C disseram que vai melhorar e 50% nas classes D e E. “Classe C não é nicho nem
mercado potencial. A classe C é o consumidor de hoje. A
renda do brasileiro cresce mais rapidamente que o senso
de oportunidade”, alerta André Torretta, sócio-diretor da
consultoria especializada em classes emergentes, A Ponte
Estratégia. Na hora de fidelizar os clientes, a aliança utilizada por bancos será a estratégia. f
Share de usuários por classes e serviços financeiros
POUPANÇA
DeE
29,2%
AeB
13%
C
57,8%
CONTA
CORRENTE
DeE
25,3%
AeB
14,5%
C
60,2%
CARTÃO
DE CRÉDITO
AeB
D e E 15,8%
23,2%
C
61%
PLANO
DE SAÚDE
AeB
D e E 17,6%
18,8%
C
63,6%
SEGURO
DeE
14,4%
AeB
23,7%
C
61,9%
Fonte: Febraban
24 FINANCEIRO abril/maio 2011
artigoanálisedecrédito
Era uma vez...
A evolução regulatória das
Resoluções CMN 3954/11 e 3959/11
Desde a primeira norma do Conselho Monetário
Nacional – CMN de 1979 (Resolução 562) sobre a
contratação de empresas prestadoras de serviços, não
integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN),
para prestarem serviços de encaminhamento de pedidos de empréstimos e financiamentos, a autoridade
reguladora bancária posicionou-se pela possibilidade
Por Kátia Madeira Blaha de prestarem às instituições financeiras contratantes o serviço de análise de crédito.
De tal modo que todas as resoluções do CMN,
que sucederam a Resolução 562, previram o serviço
de análise de crédito, associado ao serviço de encaminhamento de pedidos de empréstimos e financiamentos. Embora o CMN permitisse que as instituições
financeiras contratassem empresa fora do SFN para
analisar o risco de crédito, na prática nenhuma exerceu
a faculdade. Para que a instituição financeira desenvolva suas atividades continuamente, deve analisar os riscos inerentes à concessão de empréstimos, com o fim
de minimizar o prejuízo proveniente dessas operações,
sob pena de perder a viabilidade do negócio.
As técnicas utilizadas para essa análise, tais como o
credit score e a árvore de decisões, são priorizadas face
aos métodos subjetivos. Com a evolução dos sistemas,
a análise de crédito/risco passou a ser parametrizada
em sistemas. Os dados cadastrais tomador do empréstimo preenchidos pelos correspondentes são enviados,
via sistema, à instituição financeira para que ela analise
o risco. Nesse circuito destaco dois mundos distintos:
o bancário, em que os funcionários e sistemas efetuam
a análise de risco/crédito, e o dos correspondentes,
fora do SFN, em que funcionários preenchem dados
cadastrais e conferem documentos.
Paralelamente, o mercado dos correspondentes
adotou, para identificar funcionários e atividades, expressões como “analista de crédito”, “mesa de crédito”. O
efeito negativo da prática foi a equiparação a bancário/
financiário dos funcionários das não financeiras pela
Justiça do Trabalho, uma vez que a atividade de analista
de crédito é típica de bancário. Se a própria empresa
anota equivocadamente na CTPS que o cargo é “analista de crédito”, como vai falar que tal ex-funcionário
não fazia análise de crédito? Expressei outras vezes a
necessidade de se mitigar o risco de equiparação a bancário dos funcionários dos correspondentes na oferta
de crédito (vide entrevista à TV Acrefi em 29/12/10).
Nessa seara, congratulo o Conselho Monetário
Nacional e o Banco Central do Brasil pela nova redação dada aos serviços dos correspondentes, trazida
pela Resolução 3954/11, na sua forma alterada pela
Resolução 3959/11, que altera e consolida as normas
que dispõem sobre a contratação de correspondentes.
Na listagem de serviços dos correspondentes, pela
primeira vez desde a Resolução 562/79, a análise de
crédito não está incluída. O serviço da empresa correspondente é o de encaminhar propostas referentes
à operação de crédito e de arrendamento mercantil
(artigo 8º, V). O que o funcionário do correspondente
faz, de fato, é a coleta de informações cadastrais. Isso é
justamente o que está previsto no artigo 8º da Resolução 3954/11, a segunda novidade regulatória.
Embora as legislações trabalhista e bancária não
precisem andar a par e passo, a eliminação da análise
de crédito dos correspondentes, além de corroborar a
prática adotada pelo mercado, tem efeitos salutares no
de correspondentes, que devem deixar de usar a expressão “análise de crédito”. Caso os correspondentes
adotem tal postura, será o fim (desejável) dessa era no
âmbito dos correspondentes. Distorção corrigida! f
Kátia Madeira Blaha
é advogada da MKA –
Madeira Kliauga Advogados
abril/maio 2011 FINANCEIRO 25
mercadoimobiliário
A praia do
investidor
28 FINANCEIRO abril/maio 2011
um prédio novo ‘na areia’ como, por exemplo, o Trump
Tower (Miami), está sendo vendido a um preço que não
se conseguiria reconstruí-lo. E, aliado a esses fatores, os
imóveis estão supervalorizados no Brasil.”
Para exemplificar melhor em números, Fonseca conta
que exatamente no Trump Tower o metro quadrado está
custando cerca de US$ 3,5 mil (cerca de R$ 5,9 mil). “Um
preço bem convidativo, se compararmos com o valor do
metro quadrado não só da região dos Jardins, em São Paulo,
como também do Balneário de Camboriú (SC), Brasília
(DF) e Belo Horizonte (MG), entre outros”. E ele tem razão. De acordo com o índice Fipe, da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas, publicado em fevereiro deste ano, o
metro quadrado no Jardim América, bairro nobre de São
Paulo, foi estimado em R$ 8.412. E, desde 2008, em todo
o País houve um aumento de 80% nos preços dos imóveis,
sendo que o Rio de Janeiro extrapolou esse porcentual, com
uma valorização de 95%, nos preços e São Paulo ficou bastante próximo com uma alta de 79%.
Foto: iStockphoto/Douglas Luccena e Divulgação
Ao falar de mercado imobiliário, Brasil e Estados Unidos vivem
fenômenos opostos. Por aqui, a expansão do crédito,
o aumento da renda, a demanda oprimida e a lei da oferta e procura resultaram em uma valorização dos imóveis
que, em algumas regiões, gerou até uma supervalorização.
Enquanto isso, no mercado imobiliário norte-americano,
como já era previsto, os preços despencaram após a crise
financeira, conhecida também como crise imobiliária. O
resultado é que a região da Flórida foi invadida por brasileiros em busca de oportunidades.
Segundo Marco Fonseca, presidente de relações da
National Association of Realtors (NAR) para o Brasil,
são exatamente os brasileiros que mais estão comprando
imóveis na região, seguidos pelos russos. E não é exagero,
nas palavras do executivo, dizer que isso se tornou um
“tsunami”. “O momento é o melhor possível. Nunca houve, no passado, uma combinação de dólar desvalorizado
em relação ao real e preços de imóveis, por aqui, abaixo
do valor de construção. Para se ter uma ideia, o valor de
Por Karin Fuchs
Preços convidativos e desvalorização do dólar.
A fórmula perfeita para o mercado de imóveis
norte-americano conquistar investidores e para quem
busca uma casa de veraneio. Brasileiros são os
principais compradores de imóveis na região da Flórida,
mas há também ótimas oportunidades por aqui...
brasileiro
Nas previsões de Fonseca, a tendência de brasileiros
comprarem imóveis nos Estados Unidos está só começando. “A agenda de todos os corretores que eu conheço,
atuantes na área de vendas voltada para brasileiros, está
cheia. Em 2010, houve um aumento considerável de negócios e, tomando como base este começo de ano que, como
dizem, só começou depois do Carnaval, já tem muita gente
vindo para cá em busca de imóveis.”
A tentação
Sem estar nos seus planos, Rodrigo Bicalho, sócio do
escritório Bicalho e Mollica Advogados, quase não resistiu à tentação de comprar um imóvel na Flórida, em suas
recentes férias com a família. “Eu mesmo quase fui ver um
imóvel. Na região dos parques da Disney, em Orlando,
uma boa casa em condomínio fechado, com toda a infraestrutura, e uma metragem de 150 a 160 metros quadrados está custando US$ 60 mil. Claro que esse preço não
se manterá; no mínimo irá duplicar, mas provavelmente
o preço não chegará aos mesmos patamares de antes
da crise, quando um imóvel nesse perfil custava cerca
de US$ 260 mil. Antes, diziam que isso aconteceria em
um prazo de três anos. Agora já falam de oito a dez anos.”
O que já vem acontecendo, timidamente, em algumas
regiões. “Os preços dos imóveis na Flórida chegaram ao
fundo do poço e já têm sido observados alguns aumentos em determinados complexos e áreas. A maioria dos
prédios novos em Miami, que o incorporador original
perdeu no topo da crise, os investidores que a adquiriram já estão fazendo pequenos reajustes de US$ 25 mil
ou US$ 30 mil. A tendência é os preços continuarem estáveis para subir. Por outro lado, ainda há muitos imóveis
tomados por bancos que virão para o mercado”, avalia.
Essa pequena valorização, analisa Bicalho, nada tem a
ver com a economia americana, mas, sim, com a demanda. “Nas melhores regiões em Miami houve um aumento
de 10 e 15% nos preços dos imóveis, baseado no grande
movimento de compra por estrangeiros, principalmente
abril/maio 2011 FINANCEIRO 29
mercadoimobiliário
“O momento é o melhor possível.
Nunca houve, no passado,
uma combinação de dólar
desvalorizado em relação ao real
e preços de imóveis, por aqui,
abaixo do valor de construção”
Marco Fonseca, presidente de relações da National
Association of Realtors (NAR) para o Brasil
de brasileiros e de outros centros da América Latina. Mas,
mesmo assim, os preços em valores absolutos continuam
extremamente baixos.”
Para entender um pouco esse fenômeno que está
ocorrendo no mercado norte-americano, Bicalho relembra que, antes de estourar a bolha imobiliária – os
famosos subprimes –, até 2007 os imóveis nos Estados
Unidos sofreram uma valorização imobiliária muito
grande, até superficial, fruto de uma demanda criada
de financiamentos, e voltada para pessoas que tinham
poucas condições de arcar com eles. O resultado todos
já sabem: os imóveis foram tomados pelos bancos e começaram a ser leiloados, o que gerou um efeito cascata
na queda dos preços dos imóveis.
“Além disso, como quase todos os imóveis nos Estados
Unidos são financiados em hipotecas de 30 anos, quem entrou em um financiamento de US$ 300 mil, antes da crise,
e tem de pagar ainda US$ 270 mil (em mais de 20 anos),
vendo que o seu vizinho está vendendo uma casa similar
Brasileiros em Miami
• O consulado brasileiro em Miami estima que há entre 250 mil
e 300 mil brasileiros vivendo na Flórida. A maior concentração
está nos condados de Broward, Miami-Dade e Orlando
• Segundo a operadora de turismo U.S. Travel, 1,1 milhão de
brasileiros foram para os Estados Unidos no ano passado
• Cerca de 500 mil brasileiros visitaram a região no sul da Flórida
em 2010, liderando as compras feitas por turistas estrangeiros,
um total de US$ 1 bilhão
30 FINANCEIRO abril/maio 2011
por US$ 150 mil ou vai parar de pagar, ou vai negociar com
o banco. Isso fez com que muitos compradores, mesmos os
que não tinham grandes dificuldades financeiras, fizessem
as contas e parassem de pagar as hipotecas. O mercado
imobiliário americano literalmente ficou paralisado”, avalia.
Ainda de acordo com Bicalho, o preço de um bom
imóvel localizado na Flórida é praticamente o mesmo do
programa Minha Casa, Minha Vida. “E essa não é uma
comparação exagerada. Além disso, nós pensamos na
Flórida, por ser culturalmente ou territorialmente mais
próxima ao Brasil. Porém nas regiões que não têm apelo
turístico nos Estados Unidos a situação ainda é mais dramática para os americanos.”
Enquanto isso, no Brasil...
Na contramão do mercado norte-americano, os preços dos imóveis no Brasil dispararam. A valorização ou
supervalorização de algumas regiões, explica João Crestana, presidente do Sindicato da Habitação do Estado de
São Paulo (Secovi–SP), nada mais foi do que a retomada do equilíbrio dos preços. “Nós estávamos vivendo
uma situação semelhante à atual da Flórida. Nos anos
de 1990, uma década perdida para os imóveis, a inflação
corroeu a nossa moeda e os imóveis ficaram baratíssimos (abaixo do preço de reposição), o que acabava não
compensando construir para vender. O Brasil voltou a
ter um preço equilibrado com a estabilidade econômica,
a disponibilidade de crédito imobiliário, o aumento da
renda das famílias e a ascensão de 30 milhões de pessoas
para a classe média que puderam comprar seus imóveis.”
É bem verdade que, antigamente, financiar um imóvel
no Brasil não era tão simples. Rodrigo Bicalho lembra que
para isso o interessado tinha de ter entre 60 e 70% do valor
em cash para financiar o restante. “Poucos conseguiam
acesso a financiamento em longo prazo e os juros eram
altíssimos. É verdade que os imóveis estavam muito baratos no Brasil, mas não havia essa percepção, exatamente
pela falta de acesso ao crédito. Concordo, em parte, que
hoje houve uma recuperação dos preços, mas acho que
invertemos um pouco a situação. Se compararmos os preços dos imóveis dos grandes centros do Brasil, como, por
exemplo, em São Paulo, veremos que os imóveis são um
dos mais caros do mundo, com raras exceções.”
Crestana alerta que deve haver preponderância
para não haver distorções. “Se analisarmos a evolução
dos últimos dez anos do Índice Nacional de Custo de
Construção (INCC) e do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), o preço dos imóveis subiu
de um a dois pontos porcentuais a mais que o índice de
inflação ao ano, um aumento médio de 15 ou 20% no
período. Já no ano de 2008, em função da crise financeira mundial, muita gente vendeu imóveis a um preço
baixo, imaginando que fosse o fim do mundo, o que não
aconteceu. Os preços tiveram uma recuperação a partir
de agosto de 2008 a 2010, podendo, sim, ter havido pico
de alta de preços de 20 a 25% e até de 30%”, explica.
É preciso tomar cuidado com as especulações. “Às
vezes, é até alguém que vai fazer um lançamento em
uma região e fala ‘os imóveis vão subir 50%’. Isso não
é consistente. Imóvel não se deve comprar com intuito
especulativo, mas, sim, para moradia, para instalar uma
empresa”, comenta Crestana.
Sobre as oportunidades no mercado imobiliário
norte-americano, o presidente do Secovi–SP analisa
que a junção de dólar barato e imóveis a preços bastante
convidativos nos Estados Unidos são bem interessantes
para o investidor brasileiro. “E esse é um fenômeno que
estamos vivendo. Quando o investidor faz a comparação, se ele pretende aplicar, pensará na Flórida. Acredito
que os preços não diminuirão mais, mas que também
a recuperação não será tão rápida, porque depende do
aumento dos empregos, o que está acontecendo a uma
taxa bastante lenta. As oportunidades continuarão.”
Rodrigo
Bicalho, sócio
do escritório
Bicalho
e Mollica
Advogados
“Os preços
dos imóveis na
Flórida caíram
enquanto que
no Brasil são
observados
aumentos”
Investir, morar
ou residência de férias
Considerando que a valorização dos imóveis nos Estados Unidos levará um tempo – alguns estimam em três
ou quatro anos e outros em até dez –, é preciso colocar na
ponta do lápis as vantagens e desvantagens, principalmente
considerando qual é a finalidade do imóvel.
Marco Fonseca, presidente de relações da National
Association of Realtors (NAR) para o Brasil, antecipa que
no primeiro momento o pensamento é de investir. Mas,
na prática, o que ele vem acompanhando é o interesse
dos brasileiros em ter um imóvel para lazer. “O perfil do
comprador é de ter um lugar para passar as férias, poder
abril/maio 2011 FINANCEIRO 31
mercadoimobiliário
emprestar o imóvel para parentes e amigos, e a grande
maioria não se simpatiza em alugar por temporada. Além
disso, para chegar à Flórida está mais fácil, com voos diretos de Brasília e Belo Horizonte, por exemplo, o que permite também, para quem vem do interior, chegar a uma
área de praia mais rapidamente do que dentro do Brasil.”
Para Rodrigo Bicalho, a decisão requer um amplo planejamento. “Quem pensa em comprar para uso é um ótimo
momento, desde que usufrua do imóvel. Pois da mesma
maneira que a oferta está grande, também não haverá facilidade para se desfazer da aquisição em curto prazo. Há
toda uma questão de logística que deve ser levada em conta,
incluindo a infraestrutura aeroportuária do Brasil.”
Como investimento, pontua Bicalho, as considerações
devem ser quanto à aposta na recuperação da economia
“Vivemos uma situação
semelhante à atual da Flórida. Nos
anos de 1990, uma década perdida
para os imóveis, a inflação corroeu a
nossa moeda e os imóveis
ficaram baratíssimos”
João Crestana, presidente do Sindicato da Habitação
do Estado de São Paulo, Secovi–SP
americana, o prazo que ela se dará, e o quanto esse prazo
implicará custos de carregamento desse investimento nos
Estados Unidos, com impostos, condomínio e manutenção. “É preciso calcular todos os custos com uma previsão
de prazo futuro de venda e uma opção para abatê-los é alugar o imóvel, para que esses custos se paguem enquanto se
aguarda a valorização. O que também deve ser estudado
já que com a superoferta os aluguéis estão em um preço
baixo. Porém, dependendo do local, pode-se alugar para
brasileiros que dão preferência a ficar em hotéis.”
Também como investimento, como também acontece
no Brasil, o advogado ressalta que não apenas o preço atrativo
deve ser preponderante. Mas também o local onde o imóvel
está situado. “A dica é procurar entender onde o imóvel está
localizado em termos de tendência da região, se ela irá valorizar, se está mudando de um padrão médio para alto padrão
32 FINANCEIRO abril/maio 2011
ou, ao contrário, se é decadente. No Brasil, nós temos mais
facilidades em obter essas informações. Lá, para quem não
conhece, não basta conversar com o corretor que, afinal de
contas, quer vender o imóvel, mas é preciso falar com alguém
que tenha conhecimento do bairro”, indica.
Mais dinheiro no bolso
E como nos Estados Unidos dificilmente os americanos compram imóveis à vista, estrangeiros também contam
com facilidades. Em geral, a exigência é de uma entrada de
40% e os demais 60% são financiados, com juros anuais de
5 e 5,5% prefixados em três, cinco ou sete anos, e a dívida
pode ser amortizada em 30 anos, conforme dados da corretora Luciana Barreto e da Elite International Realty.
Um bom negócio, sugere Bicalho, é investir o dinheiro
que seria pago no imóvel ao invés de comprar à vista. “Considerando que um imóvel custe US$ 300 mil e esse dinheiro
é investido no mercado financeiro, hipoteticamente com
um rendimento de 1% ao mês, o que não é pretensioso,
mas, sim, um bom retorno, esse rendimento paga a parcela
mensal e ainda sobra. No final, o imóvel saíra por US$ 200
mil. E estamos falando de um imóvel nobre.”
As boas oportunidades no Brasil
Mesmo com a alta dos preços dos imóveis, há
também muitas boas oportunidades no Brasil. Quem
comprou em 2008 tem ativos valendo muito mais do
que quem não investiu em imóveis. E, regiões cujo metro quadrado valia entre R$ 2.800 e R$ 3.500 hoje está
valendo R$ 6 mil ou R$ 7 mil. E mesmo quem comprou
em 2010 e no começo de 2011 presenciou uma valorização. “Os imóveis subiram mais em 2010 e na virada
para 2011. Acredito que agora não há mais espaço para
valorização, exceto para alguns tipos específicos de imóveis, como os residenciais pequenos de alto padrão em
áreas de centros econômicos e financeiros de São Paulo,
devido à localização”, afirma Rodrigo Bicalho.
Para quem busca oportunidades, ele sugere exatamente investir em imóveis residenciais pequenos, que têm
boas perspectivas de retorno, e em logística. “Os galpões
e centros de distribuição no Brasil estão muito precários,
muitos deles ainda estão localizados dentro das cidades,
onde o IPTU é caro e ainda há a questão da restrição do
tráfego de caminhões. Com o crescimento da economia,
cada vez mais os comerciantes precisam de espaço para
estoque. Muitos empreendedores estão desenvolvendo
galpões individuais e condomínios de galpões, captando
investimentos. E, para isso, não é preciso ser um investidor
imobiliário e nem dispor de grande quantidade de capital.
Uma opção são os fundos imobiliários.”
Sócio da consultoria Fundo Imobiliário, Sérgio Belleza
Filho explica que o grande benefício dos fundos imobiliários é a acessibilidade. Com pouco dinheiro é possível ter
um imóvel alugado para a Petrobras, Banco do Brasil ou
shopping center, por exemplo, cujo investidor participa
com cotas. “Outra grande vantagem é a liquidez. Por melhor
que seja o imóvel, não se consegue vendê-lo de uma hora
para outra, há sempre um prazo para achar comprador, negociar e preparar a documentação. Já uma cota imobiliária,
se for negociada em Bolsa e tiver comprador, em três dias
o dinheiro está na conta”, compara.
Nas palavras de Belleza, o fundo imobiliário é a convergência de dois modelos de sucesso: o mercado imobiliário e
o mercado de capitais. “E essa convergência só tem histórias
de sucesso. Claro que para isso o perfil dos imóveis tem um
grande peso já que o fundo imobiliário é uma roupagem
que traz os negócios imobiliários para dentro dele”. Além
disso, ao invés do investidor ficar “amarrado” em um único imóvel e ter o aluguel para reinvestir, no caso do fundo
imobiliário ele pode investir em novas cotas.
Outra vantagem é que toda burocracia de venda de
imóvel está suprimida quando se vende uma cota em
Bolsa e, ainda, há a questão fiscal: o investidor pessoa
física é isento de imposto de renda se tiver menos de
10% das cotas de um fundo que tenha mais de 50 investidores. “No ganho de capital, por exemplo, não há
essa isenção. Na compra e venda de cotas com lucro a
tributação é de 20%”, compara.
Por todos os lados, diz Belleza, “o fundo imobiliário é
melhor do que ter o próprio imóvel”. Para Rodrigo Bicalho,
“ele é o futuro dos investimentos em imóveis no Brasil. O investidor se torna dono de um grande empreendimento sem
ter dor de cabeça, sem precisar entender nada do mercado
imobiliário e com a vantagem de não pagar imposto de
renda do aluguel. Grande parte do shopping Higienópolis
é um fundo de investimento imobiliário”, cita.
E os números comprovam. O ano de 2010 foi o melhor da história para os fundos imobiliários. O volume de
emissões aprovadas pela Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) cresceu 185%, em comparação a 2009, totalizando
mais de R$ 9,8 bilhões, em um total de 39 ofertas. Além
desse volume, foram captados cerca de R$ 3,3 bilhões
ao longo de 2010, de acordo com o consultor Marcelo
D’Agosto, sendo que deste total cerca de R$ 2,2 bilhões
foram colocados junto a 15 mil investidores pessoa física.
E de um total de 25 fundos, comenta Belleza, a rentabilidade em 2010 foi de 26,87%. “Essa é uma média
dos ganhos para comprou e vendeu, respectivamente
no primeiro e no último dia útil do ano, na somatória do
desempenho de cada cota (lucro ou prejuízo) e mais os
rendimentos pagos todos os meses. Teve fundo que chegou a render 60%”, conclui. Todas as informações sobre
rendimentos dos fundos de imóveis estão disponíveis no
portal www.fundoimobiliário.com.br.
Sérgio Belleza
Filho, sócio
da consultoria
Fundo
Imobiliário
“O fundo
imobiliário é
melhor do que
ter o próprio
imóvel”
abril/maio 2011 FINANCEIRO 33
mercadoimobiliário
Por Karin Fucks
Crédito
imobiliário
em alta
O risco é haver escassez
dos recursos da caderneta
de poupança
A expansão
do crédito habitacional
Oferta
(milhões)
Participação
no PIB
Fev/2011
R$ 146.369
3,9%
2010
R$ 138.778
3,8%
2009
R$ 91.862
2,9%
2008
R$ 63.268
2,1%
2007
R$ 45.852
1,7%
2006
R$ 35.689
1,5%
Ano
Fonte: Banco Central
34 FINANCEIRO abril/maio 2011
No ritmo crescente de expansão do crédito imobiliário, o
risco é haver uma escassez dos recursos da caderneta de poupança, conforme explica Luiz Antonio França, presidente da
Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e
Poupança (Abecip), nesta entrevista exclusiva à Financeiro.
Revista Financeiro Como vem se comportando o
crescimento do crédito imobiliário?
Luiz Antonio França O crédito imobiliário vem crescendo absurdamente (veja box) e os principais gatilhos são
a estabilidade econômica, o baixo nível de desemprego no
Brasil e o aumento da renda dos trabalhadores, percebidos
claramente pela migração de pessoas entre as classes sociais.
O resultado é um potencial de imóveis a ser financiado...
Financeiro ...além de haver uma melhor segurança
jurídica, não?
França Sem dúvida! Esse é outro ingrediente importante
que não tínhamos no passado. O que havia era um sistema de
hipoteca em que se levavam anos para a retomada do imóvel,
com pouca segurança jurídica em relação às operações de
crédito imobiliário. Hoje, com a alienação fiduciária ,você
consegue a retomada do bem muito rapidamente, o que é
um grande avanço para a indústria, pois, para ter uma opera-
Foto: Douglas Luccena
O ano de 2010 foi o melhor da história do crédito imobiliário no País.
De acordo com o Banco Central, o saldo chegou a
R$ 138,7 milhões, uma alta de 51% em comparação a 2009, e mais do que o dobro de 2008, quando
totalizou R$ 63,3 milhões.
imposto de renda, o que faz com que o dinheiro chegue à
linha final a uma taxa bastante interessante – a uma média de
mercado de TR + 10,5% ou 10,70%. Considerando uma taxa
de TR de 1%, o porcentual final fica entre 11 e 12% ao ano. É
mais barata que muitas taxas interbancárias.
Financeiro É verdade que há um receio de escassez
desse recurso?
França Existe uma expectativa de que o crédito imobiliário cresça de 40 a 50% ao ano, enquanto a caderneta de
poupança, que vinha crescendo a um ritmo anual de 20%,
deverá crescer em um ritmo menor, de 17%. Como a principal fonte de recurso do crédito imobiliário é a caderneta de
poupança, haverá um momento que ele será insuficiente para
financiar todas as operações de crédito imobiliário. Vamos
precisar de outra fonte.
ção em longo prazo, com spread baixo em relação a outras
operações, é preciso ter uma boa garantia. Sendo assim, temos
tudo o que é importante, com exceção de uma coisa: em todos os países vemos uma taxa de dois dígitos, que é o grande
gatilho do crédito imobiliário no mundo todo.
Financeiro Os juros altos se devem ao fato de que o
principal recurso é da caderneta de poupança?
França O problema de juros no Brasil não é o que o banco
cobra, mas, sim, a taxa básica de juro que é alta. Os spreads
nas operações de crédito imobiliário estão em níveis bem
razoáveis. Existia um mito, no passado, de trabalhar com
spreads baixíssimos e nós vimos o que aconteceu em
vários países do mundo: spread quase zero e financiamentos de quase 100% do imóvel, resultando em crise
imobiliária. Aprendemos no Brasil com os outros países
e não queremos passar pelo mesmo caminho.
Financeiro Então, podemos afirmar que os recursos da
caderneta de poupança são baratos?
França Exatamente. No cenário brasileiro, com a formação
de preço para o tomador final, a caderneta de poupança representa uma fonte de recurso muito barata. Ela paga para
o poupador o valor da TR + 6,17% ao ano, com isenção de
Financeiro Não seria positivo buscar novos recursos?
França Se mudarmos para outro sistema é preciso ter um
cuidado muito grande, porque a prestação poderá subir e esse
aumento pode provocar uma descontinuidade da demanda.
Quando houver a escassez do recurso da caderneta de poupança, precisaremos definir qual medida será adotada para
que a prestação não mude muito de patamar. É um problema sistêmico e não de um único banco. Estamos discutindo
muito essa questão com o governo. No entanto, temos uma
coisa muito interessante ao nosso favor.
Financeiro E qual seria esse ponto a favor?
França O crédito imobiliário é concedido por 30 anos e o
prazo médio de pagamento das prestações é em torno de oito
anos. Isso significa que o tomador poderia permanecer com
prestações a prazos mais longos, mesmo que eles aumentassem e com uma dívida que continuaria cabendo no seu bolso.
Financeiro Além disso, a possibilidade de financiar
80% do imóvel também foi um facilitador?
França Sem dúvida! Isso não existia antes e hoje há também muita rapidez na concessão de crédito. Se formos ver,
dois terços dos imóveis financiados são usados. Portanto o
financiamento bancário também fez com que a indústria de
imóveis usados tivesse um grande crescimento.
abril/maio 2011 FINANCEIRO 35
vidapessoal
Por Karin Fuchs
Uma vida,
Do interior de
Pernambuco,
na pequena
Sanharó,
Elder Aquino,
executivo da
KPMG, leva
para o mundo
as histórias da
juventude em
seu primeiro
livro publicado
uma obra
36 FINANCEIRO abril/maio 2011
Foto: Douglas Luccena
Para muitos de nós, as brincadeiras e a inocência da infância podem ser apenas lembranças de um passado que
vira e mexe nos trazem recordações e saudades de um
tempo que ficou para trás. Mas para Elder Aquino, sócio-diretor da KPMG no Brasil na área de FRM (Financial
Risk Management), as recordações ficaram mais vivas do
que nunca. Elas estão em seu primeiro livro publicado,
“Miolo de Pote – Sanharó em Versos & Prosas”, publicado
pela editora All Print. E esse é só o começo…
Natural da pequena cidade de Sanharó, no interior de
Pernambuco, distante 210 quilômetros da capital, Aquino
explica que “miolo de pote” é uma expressão regional que
significa conversa-fiada, assuntos aleatórios, papo furado,
entre outras traduções similares. Mas de conversa mole o
livro não tem nada. É um retrato explícito do dia a dia do
povo sanharoense, do seu cotidiano, as festas, os bares e o futebol, contados em narrativa recheada de poesias e letras de
músicas. Afinal, Aquino é também um artista que compõe e
cria melodias desde os 15 anos de idade, quando aprendeu
e ensinou os seus quatro irmãos a tocarem violão que, assim
como ele, também capricham em versos e prosas.
Apesar de ter deixado a cidade, na época com cerca de
dez mil habitantes, com 14 anos de idade para se dedicar aos
estudos – passou três anos em um colégio agrícola, em sistema de internato, na cidade vizinha Belo Jardim e, posteriormente, foi para Recife –, Aquino nunca deixou Sanharó para
trás. “Nunca me esqueci do meu pedaço de chão e sempre
voltei com bastante frequência, pois é lá que construí grandes
amizades que perduram para a vida toda”, diz. E não só amigos, os seus irmãos continuaram na cidade ou em Recife. “Eu
fui o único aventureiro”, brinca Aquino, que encontrou seu
primeiro emprego em Recife, no Banco Banorte, e, depois,
em 1994, mudou-se com a esposa para São Paulo.
E nessas idas e vindas de Sanharó, ele sempre participou dos movimentos culturais da cidade, o que inclui
na bagagem dois festivais em Recife para disseminar a
cultura sanharoense, com a participação de mais de duas
mil pessoas. Foi em uma dessas ocasiões que surgiu a ideia
de reunir todos os versos e prosas, e as histórias da cidade
em um único documento. Nascia assim o rascunho de
seu primeiro livro. “Eu tinha bastante material que guardei
desde a década de 1970, de músicas e poesias que fizemos (eu e meus irmãos), muitas delas em homenagem a
Sanharó. A ideia se propagou e eu fiquei com a incumbência de reunir tudo em um livro. Mas demorou um pouco
para sair do papel”, confessa.
Ideia propagada e cobrada, muito por parte do amigo
Paulinho Muniz, do blog Oabelhudo, que já publicava na
rede social as histórias, as poesias e os causos do povo sanharoense, incluindo as dos irmãos Aquino, Elder não teve escapatória. Deu-se início, então, à sua primeira obra literária.
Do rascunho à concretização
Administrando trabalho e família, em madrugadas à
frente do computador, foram oito meses até “Miolo de
Pote, Sanharó em Versos & Prosas” ficar pronto, com muitas recordações que vieram à tona da memória. “As que
dão mais saudades são as da juventude, de uma época em
que as crianças da minha cidade só queriam brincar. Não
tínhamos muitos recursos, o que era o mais gostoso, pois
aflorava a criatividade e a rua era um parque de diversão
para todos nós”, recorda.
Entre tantos materiais escritos à mão e também na antiga máquina de escrever Olivetti, muitos dos quais seus irmãos nem se lembravam mais, Aquino conseguiu envolver
a família nesse projeto pessoal. “Minha esposa e meu filho
liam as páginas prontas, faziam comentários, revisavam e
opinavam como leitores. Esse processo foi muito interessante, pois tive um contraponto de qual seria a reação as
pessoas ao lerem o livro.”
Leitores que Elder Aquino nem imaginava. O lançamento do livro, no final do ano passado, claro, em Sanharó,
reuniu mais de 400 pessoas, entre autoridades locais, representantes das academias de letras das cidades vizinhas de
Pesqueira e Belo Jardim, e os moradores de Sanharó. Desde
então, a repercussão foi e continua grande. “O livro era muito importante para mim e para a minha família no resgate
da história. Eu não tinha a percepção do quanto ele seria
importante para as pessoas da cidade. Elas se identificaram
com o livro e, até hoje, falam muito dele, inclusive recebo vários e-mails”. E não só e-mails, Aquino já recebeu o convite
para integrar a Academia Belojardinense de Letras e Artes.
abril/maio 2011 FINANCEIRO 37
vidapessoal
O resgate da própria história
Em meio às histórias resgatadas para a produção da obra,
a própria vida de Elder Aquino por si só já é um sucesso. Menino pobre do interior de Pernambuco, ele construiu uma
carreira de sucesso, com muita dedicação e iniciativa própria.
Foi dele, por exemplo, a iniciativa de criar uma área específica de gestão de risco de mercado no Banorte, em 1993,
uma novidade para a época, em um momento em que os
primeiros produtos derivativos ainda estavam chegando
ao Brasil. “Naquela época, ninguém tinha muita noção de gestão de risco. Eu estava fazendo um trabalho
de auditoria em São Paulo pelo Banorte, recomendei a criação da área e levei a ideia ao Recife. Eles concordaram e me
transferiram para São Paulo para implantá-la”. Com menos
de dois anos de casado, ele se mudou para a capital paulista
e começou uma vida nova que, hoje, já totaliza mais de 30
anos em conglomerados financeiros, entre eles os bancos
Banorte, Bandeirantes, Unibanco, Itaú Unibanco e, mais
recentemente, a KPMG, onde está há pouco menos de um
ano. Ele também foi diretor setorial da Federação Brasileira
de Bancos (Febraban).
E como bem disse Euclides da Cunha em sua obra “Os
Sertões”, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, frase que se
enquadra perfeitamente para Elder Aquino. “Vivenciei muitas mudanças em minha vida. Não foi fácil sair do interior
de Pernambuco, onde o centro mais evoluído era Recife.
Fui para a capital sem muitos recursos, vivendo em casa de
estudantes, onde cada dia era um dia de sobrevivência e
não sabia como seria o próximo. Assim como também foi
difícil vir para São Paulo, uma mudança muito repentina.
Mas eu sempre gostei de desafios e de fazer acontecer coisas
diferentes”. Tanto é que idealizou, desenhou e implantou,
juntamente com a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeira, a Fipecafi, o MBA em auditoria
interna, no qual também é professor.
Mudanças que, no fim das contas, valeram muito a pena.
“Construí uma carreira interessante, diversificada de conhecimento e, inclusive, de uma evolução muito rápida, com
uma formação acadêmica diferenciada. Hoje, estou realizado
e muito feliz na vida pessoal e na profissional”. E esse é só o
começo… Aquino já prepara o seu segundo livro.
38 FINANCEIRO abril/maio 2011
Casos e causos
Intitulado “Miolo de Pote, Sanharó em Casos e Causos”, Aquino abordará histórias pitorescas que ele mesmo
está resgatando juntos aos amigos e familiares de sua cidade
natal e, assim como o primeiro livro, o objetivo é finalizá-lo
em oito meses. A produção já começou, mas, antes disso, o
seu irmão caçula lançará ainda neste semestre o seu primeiro romance. Como dito anteriormente, a família Aquino
tem sangue artístico. E Sanharó agradece.
Da experiência de escritor para a vida profissional,
Elder Aquino compara que em ambas o que se destaca é
a importância das pessoas na vida da gente. “Os relacionamentos precisam ser criados para não durarem apenas um
período de tempo, mas para que sejam cultivados permanentemente. É dos relacionamentos que saem os negócios
e as amizades. É fundamental considerar as pessoas como
parte de nossas próprias vidas”, ensina.
Pessoas que ele jamais esqueceu estão presentes no
seu dia a dia e, em cada capítulo, nos versos e prosas, e
nas fotos que ilustram seu primeiro livro. Para muitos,
relembrar a infância e a juventude é saudosismo. Para
Elder é reviver a própria história. E que venham ainda
muitas histórias para ele nos contar!
Em palavras
Pessoas que
ele jamais
esqueceu estão
presentes em
cada capítulo
e nas fotos
que ilustram
seu livro
artigovarejoestratégico
Tendência
de desaceleração das vendas
As vendas do varejo apresentaram desempenho
bastante positivo no primeiro trimestre do ano, mas
a tendência para os próximos meses deve ser de desaceleração do movimento, embora ainda devam
continuar crescendo nos próximos
Por Marcel Domingos Solimeo
meses. As consultas ao SCPC/BVS,
que servem de indicador do movimento do varejo,
apresentaram aumento de 7,3% no acumulado dos
primeiros três meses de 2011, comparados com
igual período do ano anterior, porcentual que pode
ser considerado elevado tendo em vista que a base
de comparação é bastante forte.
Revela, no entanto, desaceleração em relação
ao resultado de 2010, com expressivo crescimento acima da casa dos 10%, alavancado pelo crédito
ainda fácil e pelo aumento significativo de emprego
e da renda. Também a queda de preços de produtos importados, especialmente eletro e eletrônicos,
contribui para esse desempenho.
O impacto das medidas adotadas pelo Banco
Central, como a elevação do compulsório, o encarecimento dos financiamentos de prazos mais longos
e os aumentos da taxa Selic, têm se feito sentir gradativamente, mas deve se intensificar com nova alta
dos juros e com a obrigatoriedade de pagamento
de 15% da fatura do cartão de crédito. Não se pode
descartar que novas restrições sejam impostas aos
financiamentos, pois o presidente do BC afirmou
que a expansão do crédito deve se limitar a 15% neste ano, o que implicaria a necessidade de medidas
adicionais por parte das autoridades monetárias.
A inadimplência observada no trimestre, de
7%, se situou acima da observada em igual período
de 2010, 6,4%, mas abaixo da registrada em 2009,
8,2%, estando em patamar que exige cautela, mas
que ainda se mantém sob controle.
Pode-se esperar para o restante do ano alguma desaceleração do ritmo de vendas do varejo, bem como
da economia como um todo, mas com taxa de crescimento na casa dos 6% para o comércio, e da ordem
de 4% para o PIB. Espera-se, também, que o emprego
e a renda continuem a crescer, mesmo que de forma
mais lenta do que em 2010, o que permitiria manter a
inadimplência relativamente estabilizada.
Marcel Domingos Solimeo
é superintendente institucional
e economista-chefe da Associação
Comercial de São Paulo (ACSP)
abril/maio 2011 FINANCEIRO 39
educaçãofinanceira
Crédito
sustentável
Com 21% do
mercado de
crédito direto
ao consumidor,
a Losango,
financeira do
Grupo HSBC
Brasil, treina
lojistas para
ensinarem os
clientes a
comprar
de maneira
consciente. A
meta é atingir 20
mil vendedores até
o final do ano
Foto: Divulgação / iStockphoto
Por Juliana Jadon
O cliente adentrou a loja disposto a adquirir um fogão de seis
bocas, com válvula corta-gás (sistema que bloqueia a
liberação do conteúdo quando não há panela ao fogo), e
outras diversas funcionalidades. Seria um presente para
a esposa, pago no carnê, em 12 vezes. Mas o vendedor
o convenceu a adquirir um mais barato, com duas bocas
a menos, que também atenderia às suas necessidades.
O instrumento financeiro escolhido para o pagamento
foi o mesmo (carnê). Porém ele irá quitar a aquisição
em oito vezes, com parcelas que cabem com folga no
bolso e não comprometem mais do que 15% do seu
orçamento mensal.
Esse vendedor fez o curso on-line de treinamento
para lojistas criado pela Losango, promotora de vendas
do Grupo HSBC Brasil, e colocou em prática o que nele
aprendeu. Ele ouviu o cliente e o conheceu a fundo antes
de lhe vender algo. Não importa vender o mais caro, mas,
sim, o mais adequado. Cerca de 7,5 mil funcionários da
cadeia de lojistas parceiros da instituição já foram treinados pelo programa de e-learning. Até o final do primeiro
trimestre do ano serão dez mil capacitados e a meta para
2011 é atingir cerca de 20 mil vendedores.
A iniciativa faz parte do “Programa de crédito sustentável”, criado pela Losango em 2009, com o objetivo
de treinar os funcionários dos lojistas parceiros de todo
Brasil. Mais de 2,5 mil colaboradores dos varejistas participaram do ensino presencial que, em 2010, passou para
o ambiente virtual. O objetivo com esse módulo é o de
aumentar o público mais rapidamente.
Hilgo Gonçalves, presidente da Losango, conta que a
inspiração para o projeto surgiu ao ver um Brasil que cresce
com a mobilização social das classes emergentes, o aumento
da oferta de crédito e da confiança do consumidor e mais
uma enxurrada de boas notícias, mesmo após o período de
turbulência econômica internacional em 2008. “O País estimula o aumento de confiança do consumidor e o crédito
farto. Nesse ambiente, em que há toda essa euforia, é preciso
educar o consumidor”, considera o gestor.
Com duração de 30 minutos, o curso busca, como
no exemplo citado no início desta matéria, auxiliar o
vendedor a analisar se o valor parcelado é adequado
para os ganhos mensais do cliente, bem como as formas de pagamento mais apropriadas. O vendedor passa
também a “investigar” se o produto que o cliente almeja
realmente é o que mais se encaixa no perfil. Questões-chave como “qual o melhor dia para o vencimento da
prestação?”, “quanto da sua renda mensal está comprometida?” ou “quantas pessoas fazem parte da sua família?” ajudam nessa avaliação.
De acordo com a Losango, a compra de um bem,
mesmo que considerado essencial, não pode comprometer mais do que 30% da renda de uma pessoa. Isso
geralmente evita atrasos nas faturas. Gonçalves lembra
Dica
“Tenho o maior prazer em mostrar o nosso
projeto voltado ao crédito sustentável. Nele, o
fator mais importante é alertar o consumidor
para a compra consciente. Estimular cada vez
mais os parceiros e lojistas a conhecer e ouvir
o seu cliente. Treinar as pessoas que lidam
com o consumidor é muito simples. Isso é bom
para a Losango e para os concorrentes. Se o
cliente está motivado e querendo consumir, é
importante que levemos uma cultura de compra
saudável. Quando se compra de maneira
consciente não há endividamento. O vendedor
não deve pensar no cliente só na hora em que
faz a aquisição. Deve pensar que a cada
R$ 10 que ele economizar, serão R$ 10 a mais
no bolso para gastar”, ensina Hilgo Gonçalves.
abril/maio 2011 FINANCEIRO 41
educaçãofinanceira
Bolso saudável
Lojistas aprendem
a educar o cliente
em 30 minutos
que o juro mais caro é o de mora, cobrado quando o
pagamento não é efetuado no mesmo mês da cobrança.
“A ideia é que esse treinamento proporcione benefícios
para toda a cadeia envolvida, pois as vendas serão feitas
com mais qualidade. Isso pode contribuir para a redução do índice de inadimplência, por exemplo, e gerar a
continuidade dos negócios”, avalia Hilgo.
A Losango atua em 2,6 mil municípios e
possui mais de 23 mil lojistas credenciados, que englobam um universo de 40
mil vendedores.
Hilgo
Gonçalves,
da Losango
“O País
estimula o
aumento de
confiança do
consumidor
e o crédito
farto. Nesse
ambiente, em
que há toda
essa euforia, é
preciso educar
o consumidor”
Propagação
A ferramenta de ensino é divulgada pelos consultores da empresa, que
visitam diariamente os lojistas para
tirar dúvidas e acompanhar o andamento dos negócios da companhia e,
para que a ação dê certo, todos devem
colaborar. A primeira pessoa a aceitar
deve ser o comerciante. O passo seguinte é falar com o vendedor.
42 FINANCEIRO abril/maio 2011
O e-learning também é promovido por meio do sistema on-line Credinet. É nele que, em dez segundos, os lojistas
obtêm a resposta do crédito, seja ela positiva ou negativa. “No
varejo é preciso construir coisas simples. O cliente se sente,
assim, mais seguro ao fazer a compra”, avalia Gonçalves.
Este ano, a Losango completa 40 anos. Em 2011, a
expectativa é crescer em 20% na origem
dos negócios da companhia. Já o
programa de educação financeira deve atingir cerca de
35 mil vendedores até o
final de 2012. Eles vão disseminar o consumo “saudável” para o bolso, entre
clientes, outros lojistas,
familiares e quem estiver disposto a escutar.
“Nós queremos ser uma
das melhores empresas
para o cliente optar. O nível
de inadimplência sempre esteve controlado. Mas sabemos
que podemos melhorar e, por
isso, investimos nesse trabalho com
os lojistas. Esse é um ciclo
virtuoso para toda
a cadeia envolvida”, finaliza o
executivo. f
artigotecnologia
Digitalização no segmento financeiro:
crédito ágil e seguro
Nos mais variados ambientes, a tecnologia está
presente no dia a dia. Pela internet, compramos, investimos, pagamos contas, contratamos variados serviços,
nos relacionamos, acessamos informações etc. Quando entramos no ambiente corporativo e no segmento
financeiro, o peso da tecnologia torna-se ainda mais
essencial. Cada vez mais os documentos eletrônicos
ganham espaço, não só pela agilidade que traz para
todo o sistema, como também por benefícios
Por Diego Torres Martins
adicionais, como combate e inibição às fraudes.
Entre todos os processos e atividades das instituições financeiras, as operações de crédito estão entre as
principais relacionadas ao core business dessas entidades. Avaliar o perfil do cliente, receber e analisar documentos, formalizar o processo e liberar os recursos
estão no cerne das preocupações dos bancos.
Em 2010, segundo dados do Banco Central, as
operações de crédito para pessoa física e jurídica somaram R$ 880,080 bilhões. Somente para pessoa física
foram R$ 417,347 bilhões. Entre as principais modalidades para pessoa física, destacam-se as operações de
crédito pessoal. Sozinhas, essas transações responderam por R$ 204,890 bilhões em volume de crédito.
Em segundo lugar, fica o financiamento de veículos,
com R$ 140,339 bilhões. O cartão de crédito está na
terceira posição, com R$ 29,170 bilhões, seguido pelo
cheque especial (R$ 16,262 bilhões), aquisição de outros bens (R$ 10,354 bilhões) e financiamento imobiliário (R$ 7,358 bilhões).
Nos processos de concessão, para confirmar a veracidade das informações, as instituições solicitam uma
série de documentos. Ter acesso a todos esses dados é
necessário, porém demanda tempo e investimentos.
As análises de crédito, na maioria das instituições, são
realizadas por uma central e assim o processo se torna
caro e demorado. De modo geral, ressalto os gastos
com cópias, transporte, pessoal e arquivo.
Como questões como segurança e agilidade
sempre estiveram entre as principais preocupações
das instituições financeiras, buscar formas de agilizar
esse processo e reduzir custos, sem abrir mão da segurança necessária, estão entre os grandes desafios das
instituições. Com o crescimento econômico brasileiro, aumento do poder de aquisição da classe média
e crescimento das classes C e D, o acesso ao crédito é
gradualmente facilitado, o que demanda mais equipe e
investimentos para tornar o processo eficiente.
Nesse contexto, os investimentos em tecnologia
chegam para solucionar dilemas como morosidade,
custos com transporte, além do grande volume de arquivos. A digitalização de documentos aparece como
uma das alternativas promissoras e eficientes para tornar o processo de análise e concessão de crédito mais
rápido e seguro, contribuindo também às questões de
sustentabilidade e preservação do meio ambiente.
A digitalização de documentos pode reduzir desde os gastos com as cópias físicas, como com o transporte e o armazenamento físico dos documentos. Ou
seja, poupa-se tempo e dinheiro (e muito dinheiro).
Sem dúvida, a digitalização de documentos chegou
para redefinir as operações financeiras, resultando em
benefícios às instituições e aos clientes, com o aumento
de segurança, agilidade e facilitações operacionais.
Como toda mudança de cultura, adotar a digitalização em um dos processos que está diretamente relacionado ao core business das instituições financeiras é
um processo lento. Porém os paradigmas já começaram a ser quebrados. Algumas instituições já saíram na
frente. Agora, é acompanhar a evolução e os próximos
capítulos dessa trajetória. f
Diego Torres Martins é presidente
da Acesso Digital, empresa que visa
à popularização da digitalização de
documentos no Brasil
abril/maio 2011 FINANCEIRO 43
fraudemercantil
Por Juliana Jadon
Acrefi e Serasa Experian
debatem fraude mercantil
Como
Da mesma maneira que em uma mágica bem elaborada um lenço
pode ser transformado em um ovo – mesmo
diante dos mais céticos –, a fraude mercantil também
passa despercebida aos olhos de muitos profissionais
experientes do mercado financeiro. O desafio de bancos e financeiras, assim como na mágica, é descobrir o
Economia japonesa
O Japão sofreu recentemente um forte terremoto seguido de
tsunami. Agora, a terceira maior economia mundial parece cheia
de incertezas. No final do encontro, o economista-chefe da Acrefi,
Nicola Tingas, fez uma breve análise sobre a economia japonesa
respondendo aos questionamentos dos participantes. No Japão,
12% do nível de importação/exportação é vinculado à Ásia. Para
Tingas, sob o ponto de vista do mercado de capitais, a catástrofe
ambiental só afetará o próprio país. Os japoneses investem, em
geral, em títulos do governo americano e em fundos europeus.
Fora isso, os japoneses terão recursos do próprio Tesouro
japonês e de outras fontes de recursos baratas para financiar
a reconstrução do país. Para ele, a dinâmica da confederação
mundial não se define pelo Oriente Médio
44 FINANCEIRO abril/maio 2011
que está por trás do truque. Somente no ano passado,
o prejuízo causado por empresas fraudadoras no Brasil
ao setor financeiro somou R$ 233 milhões, segundo a
Serasa Experian.
Para debater o assunto e alertar o setor, a Acrefi
(Associação das Empresas de Crédito, Financiamento
e Investimento), em parceria com a Serasa Experian,
realizou o “Fórum sobre fraude mercantil” e colocou o
mágico Ricardo Malerbi para fazer uma apresentação lúdica sobre o tema. Nas falas do artista, “a mágica e a fraude possuem naturezas semelhantes. Trata-se de coisas
ocultas, que desviam a lógica, em que uma informação
possui mais do que se pode ver”, diz ele. “Os fraudadores
estão sempre um passo à frente. Todo o esforço é pouco.
A ação individual é praticamente inútil”, continua.
Malerbi revelou a mágica da transformação citada
no início desta matéria. O ovo, feito de gesso por ele
mesmo, possuía um buraco no meio, onde foi inserido
o lenço sem que a plateia notasse. O objeto estava du-
Foto: iStockphoto Douglas Luccena
mágica
rante todo o tempo escondido em uma de suas mãos.
“O mais interessante é o mecanismo que foi utilizado.
Agora que vocês já sabem, não parece mais surpreendente”, comenta ele. Para tornar a apresentação mais
instigante, continuou o truque sem contar mais segredos, brincando que seria preciso de uma atualização
antifraude para desvendá-lo.
Ricardo Loureiro, presidente da Serasa Experian
e da Experian América Latina, falou sobre boas perspectivas para o setor de crédito no País. Segundo ele, o
montante do crédito em relação ao PIB – hoje estimado
em 46,5% pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) –, deverá seguir em ritmo de crescimento ao longo do ano. Para falar do tema
do encontro, Loureiro coloca que o Cadastro Positivo
(mais sobre o tema em matéria nesta edição) irá ajudar
muito no combate à fraude, gerando a possibilidade de
o sistema financeiro melhorar o direcionamento dos
recursos destinados a esse embate. “Se por um lado há
crédito farto, por outro há a ameaça da fraude. Na experiência global da Experian, a Inglaterra é o país que
trabalha melhor essa questão”, aponta o executivo.
45% do total das fraudes
provocadas ao setor financeiro
ocorreu no Sudeste
Loureiro citou o trabalho da Acrefi, que em uma
parceria com a Serasa Experian, fornece as informações
da sua “Base de inconsistência” de pessoa física. “Quanto
mais estreitarmos os laços de relacionamento em todos
os níveis, melhor será para todo mundo. Devemos buscar o famoso ‘ganha-ganha’. Há o risco imponderável
da fraude”, avalia o presidente da Acrefi, Érico Sodré
Quirino Ferreira.
Na ocasião, Ferreira lembrou da fraude monstruosa
descoberta no banco Panamericano, com um rombo financeiro de cerca R$ 4 bilhões. A instituição, aponta ele,
possuía R$ 1,5 bilhão em patrimônio líquido, e chegou
a ser fraudada em quase três vezes esse valor. “É quase
inacreditável que possa ocorrer uma fraude desse tamanho. Um acontecimento como esse afeta a credibilidade
de todo o sistema financeiro e de todo o banqueiro. Se
um fez e conseguiu enganar durante tanto tempo por
quê o outro não pode fazer também? Estamos aqui para
Ricardo
Loureiro,
presidente
da Serasa
Experian e
da Experian
América
Latina, aponta
que o crédito
no Brasil
continuará
a crescer
fraudemercantil
identificar esse grande enigma. É no detalhe que está o
sucesso de evitarmos a fraude”, alerta.
O futuro do investidor é agora
Para um trader, o futuro é amanhã. Para um assalariado ou locador de imóveis, é daqui a um mês. Para
um investidor de Certificado de Depósito Bancário
(CDB) é dentro de seis meses ou um ano. Já um emÉrico Sodré
Quirino
Ferreira,
presidente
da Acrefi
“Quanto mais
estreitarmos
os laços de
relacionamento
em todos os
níveis, melhor
será para todo
mundo”
presário deve esperar 12 meses para saber se investimentos feitos hoje na empresa gerarão bons resultados.
Nesse contexto, como pensar em não ter fraude? “Estamos entrando numa fase em que tudo é economia
de escala. O futuro está presente hoje e devemos prepará-lo para não sermos reféns desse processo”, ressalta
Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi, que efetuou a palestra “Investindo para o futuro – transparência e eficiência na agenda de investimentos”.
Atualmente, o PIB potencial (taxa de crescimento
do PIB sem que problemas afetem o seu resultado)
está entre 4 e 4,5% no Brasil. Tingas ressalta que para
o PIB potencial aumentar será preciso elevar também
os bens de capital e a atual capacidade produtiva da
economia. “É preciso investir em produtividade, tecnologia e inovação. Esses são, em resumo, os fatores que
alavancam o investimento. Investir numa economia de
qualidade é combater a fraude ao longo do tempo. Se
adotarmos medidas contra fraudes, temos de ensinar
desde o cliente até a cadeia de fornecedores o que essas
medidas combatem.”
Essa reação em cadeia exigirá, cada vez mais, profissionais qualificados para atuar nas indústrias. Um
dos importantes instrumentos para ajudar a economia do País a engordar de maneira saudável é a educação financeira. E, segundo Tingas, o conceito deve
ser inserido no sentido de ensinar a população a fazer
um planejamento familiar. Este é um momento em
que o mundo olha para o País e quer nele investir. “É
preciso destinar o capital abundante que há no Brasil
à educação. Estamos incorporando uma parcela da
sociedade que possui baixa escolaridade. A chave de
tudo basicamente é o ensino de qualidade. Só assim
podemos pensar em crescer 7 ou 8% de maneira sustentável”, considera.
R$ 233 milhões foi o prejuízo
causado por empresas
fraudadoras no Brasil, em 2010
Ricardo
Malerbi,
mágico “Os
fraudadores
estão sempre
um passo à
frente. Com
eles, todo o
esforço
é pouco”
Para Tingas, o Brasil deve seguir o exemplo de economias como a chinesa, que hoje alavanca o povo e cria
oportunidades, e a indiana, que investiu em educação e
criou um polo tecnológico.
Fraude globalizada
Lavagem de dinheiro, clonagem de cartões de crédito, transferência para contas desconhecidas ou ainda
golpe de empresas laranjas. O esquema fraudulento não é
algo que faz parte somente das histórias que se passam e
ameaçam bancos e financeiras no Brasil. Nos Estados
Unidos, por exemplo, mais de 40% das reclamações nos
órgãos de defesa do consumidor referem-se às fraudes com
roubo de identidade. O país perde entre US$ 300 milhões
e US$ 400 milhões anuais com os golpes. “Não se trata de
uma questão de povo ou cultura. A fraude é um fenômeno
econômico como qualquer outro”, analisa o consultor e
especialista em combate à fraude, Lorenzo Parodi.
O alarmante é que no Brasil é fácil falsificar um documento. O caso mais comum é o da simples troca da
foto. E ainda, cerca de 70% das fraudes com documentos
são feitas com documentos roubados, sem ser preciso
falsificá-los. O roubo de identidade, explica Parodi, está
presente em quase todas as fraudes.
Para piorar a situação, portais na internet vendem
documentos falsos vindos de diversos países e perfis de
pessoas. Um kit com carteira de habilitação, CPF e RG
falsificados varia entre R$ 200 e R$ 400. Com dados
coletados na própria web, via o preenchimento de cadastros por internautas leigos, que facilmente fornecem
informações pessoais, os documentos são criados. “Todas
as informações necessárias para se criar um RG falso estão
na internet”, valida.
No conto do vigário eletrônico, os fraudadores criam
armadilhas. As mais comuns de se encontrar, conta Parodi,
são promoções que inexistem e solicitam diversas informações ou ainda a criação de falsos portais de bancos. “No
mercado de crédito, mais de 90% das fraudes têm como
base um documento falso. Existem quadrilhas organizadas
para aplicar esse tipo de golpe”, aponta o especialista.
Um passo importante do governo no combate à
fraude é a criação do novo RG. O projeto piloto começou
Classificação
da fraude mercantil
Fraude mercantil é a perda provocada ao sistema financeiro
por empresas que desaparecem sem deixar rastros. O esquema
consiste em criar ou adquirir uma empresa, – às vezes inativa –
comprar produtos a prazo e depois vendê-los
Arara Empresa criada com o intuito de aplicar uma fraude
Arara nova Empresa que opera desde o início com documentos
falsos. Trabalham por meses fazendo tudo certo, operando
normalmente, pagando contas e ganhando boa reputação no
mercado até que, em determinado momento, quando conquistam
credibilidade, obtêm todo o crédito que podem e desaparecem
Arara antiga Uso de instituição que possui um histórico exemplar
para comprar tudo o que se pode a prazo e, em seguida, sumir.
Muitas vezes é um sócio que entra recentemente na companhia
quem aplica o golpe
abril/maio 2011 FINANCEIRO 47
fraudemercantil
Como se precaver?
• Verificar o histórico de atuação de todo o quadro societário e não
só o da empresa
• Trocar informações com o mercado
• Nunca vender sem informações cadastrais completas
• Prestar atenção em qualquer tipo de alteração contratual
(mudança de endereço, por exemplo)
• Verificar quais são as referências e se são confiáveis
• Suspeitar do aumento repentino e sistemático no volume
de negócios
• Comunicar suspeitas aos órgãos de proteção ao crédito
a ser implantado este ano e deverá substituir o utilizado atualmente até 2019. O novo RG vai unir em um
mesmo cartão os números do RG, CPF e o do título
do eleitor, além de um chip com diversas informações
do portador do documento. Sua segurança deverá ser
semelhante a de um cartão de crédito chipado, impossível de ser clonado.
O problema afeta também os cartões de crédito. O
mercado de cartões é visto pelos bandidos como uma
grande oportunidade. Somente em 2011, o setor deverá movimentar R$ 642 bilhões, sendo o Brasil o único
mercado de plásticos que cresce cerca de 20% ao ano.
A clonagem desses produtos pode ocorrer desde antes
da entrega até quando é passado em uma leitora em um
posto de gasolina para o pagamento do combustível,
por exemplo. Uma leitora falsificada copia seus principais dados. Como no caso dos documentos, cartões
clonados também são ofertados por meio da web.
Em alta
Lorenzo Parodi aponta ainda que há sinais fortes
do aumento da atuação do crime em fraudes no setor
financeiro. A Serasa Experian possui 17 mil empresas
como alerta em seu banco de dados. Em 2010, 4.953
empresas foram detectadas pela companhia com alto
risco de causar algum tipo de fraude.
Um dos fatores agravantes é que estelionato e falsidade ideológica são considerados crimes de baixa periculosidade e, por isso, normalmente os fraudadores não
passam mais de um ano na cadeia. Quando são soltos,
alerta Parodi, normalmente retornam a praticar o mesmo tipo de golpe.
De janeiro a dezembro de 2010, a companhia de
análise de risco suspeitou que 14.641 empresas tinham
Nicola Tingas,
economista-chefe
da Acrefi “Estamos
entrando em uma
fase em que tudo
é economia de
escala. O futuro
está presente hoje e
devemos prepará-lo
para não ser refém
desse processo”
Laércio de Oliveira
Pinto, presidente
das unidades
de negócios
da Serasa
Experian “Para
combatermos a
fraude, precisamos
nos unir e o
compartilhamento
de informações é
muito importante.
A perda de fraude
é um prejuízo
direto que não há
como recuperar”
perfil de fraude. Dessas, 34% eram, de fato, fraudadoras.
O valor médio da fraude causada por cada uma delas é
de R$ 47 mil. Cerca de 45% do total das fraudes provocadas ao setor financeiro ocorrem no Sudeste. Em
segundo lugar está a região Sul, com 21%.
Um fenômeno em forte crescimento, revela o consultor, é o “aluguel de empresas”. O golpista entra como
sócio de uma companhia com credibilidade e anos de
mercado. Às vezes, esse mesmo membro possui uma
rede de outras empresas. “O mercado normalmente
monitora uma empresa que não estava ativa, passou a
operar e teve um crescimento expressivo, mas esquece
de olhar as movimentações societárias. O comportamento corporativo deles, normalmente, é compatível
com o histórico comprovado”, alerta.
Se fosse feita uma avaliação do comportamento de todo quadro societário,
cerca de 30% das perdas provocadas
por fraude poderiam ter sido evitadas,
estima a Serasa. “Uma vez que um CPF
é sujo, para ser limpo novamente
precisa pagar todas as dívidas
pendentes”, coloca Adriana
Gondim, gerente de produto
soluções antifraude para pessoa jurídica da Serasa Experian,
ao apresentar os resultados de
pesquisa recente.
O levantamento revela que a adoção de soluções
antifraude conseguiria aumentar em até 65% a detecção
de tentativas de golpes envolvendo consumidores no
segmento de financiamento de veículos no Brasil, por
exemplo. Isso reduziria as perdas em R$ 290 milhões
por ano, valor esse que pode chegar a R$ 380 milhões
se as informações forem compartilhadas entre as instituições do segmento.
R$ 47 mil é o valor médio da
fraude gerada por empresas,
segundo a Serasa Experian
Em geral, os modelos de fraude são descobertos em um
curto prazo (de três a seis meses). “Descobrimos com
pesquisas que as empresas que não possuem informações na Serasa aumentam em 12% o risco
de fraude”, aponta Karina Angélica da Silveira,
analista de modelos antifraude e projetos da
Serasa Experian. “Para combatermos a fraude, precisamos nos unir e o compartilhamento de informações é muito
importante. A perda de fraude é
um prejuízo direto que não há
como recuperar”, finaliza o presidente das unidades de negócios
da Serasa Experian, Laércio de
Oliveira Pinto. f
abril/maio 2011 FINANCEIRO 49
cadastropositivo
Por Juliana Jadon
Informações necessárias
Mercado ainda deve trabalhar para que
o banco de dados com informações
positivas sobre os “bons pagadores”
funcione em sua plenitude
50 FINANCEIRO abril/maio 2011
Fotos: iStockphoto/Douglas Luccena
Queda de inadimplência e do spread bancário (diferença entre a Cadastro Positivo esse será o tempo mínimo. “O Cadastro
taxa de captação de recursos e a de aplicação das Positivo ajudará o mercado financeiro a saber quais riscos
instituições financeiras), inserção da população in- valem a pena assumir. O voo nos processos financeiros ainformal no sistema financeiro, menor taxa de juros aos que da é muito cego”, assinala Loureiro.
pagam suas contas em dia, maior acesso ao crédito, entre
outros fatores, é o que o mercado espera como efeitos do Em vigor
Cadastro Positivo – banco de dados com informações
O projeto de lei (PLS 263/04), que cria o Cadastro
dos “bons pagadores” – na economia brasileira.
Positivo apresentado pelo senador Rodolfo Tourinho
Mas para que todo esse enxame de positividade nos sistemas de proteção ao crédito, foi vetado integralocorra, bancos, financeiras e empresas de proteção ao mente por Luiz Inácio Lula da Silva, em 31 de dezembro,
crédito precisam alimentar esse banco de dados com as num dos seus últimos atos como presidente da Repúbliinformações da população. A inserção deve ser aprovada, ca. A matéria, aprovada pelas duas casas do Congresso
mediante assinatura, pelo próprio consumidor. “Essa não Nacional, passou a ser regulada por uma Medida Proé uma tarefa pequena. É um projeto de fôlego que deve visória (MP 518/10).
levar em conta os cuidados com o consumidor. Quando
A MP também prevê que os prestadores de serviesse trabalho começar, surtirá um efeito dominó”, expõe o ços continuados de água, esgoto, eletricidade, gás e tepresidente da Serasa Experian, Ricardo Loureiro.
lecomunicações poderão fornecer ao banco de dados
Denísio Liberato, professor da faculdade de economia
da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), aponta
que todo o setor precisa cooperar no sentido de enviar
as informações para o banco de dados. “Cada instituição
financeira possui o seu próprio birô de informações, mas
o sistema financeiro inteiro não sabe se esse cliente paga
o cartão de crédito em dia no banco concorrente, por
exemplo. Nesse sentido, é preciso criar mecanismos que
reduzam a assimetria de informações”, coloca.
Renato Pasqualin, consultor da Federação Brasileira
de Bancos (Febraban), acha que os bancos e órgãos de
proteção ao crédito vão criar estratégias para que isso seja
feito rapidamente. “As assinaturas serão colhidas nas novas
operações realizadas, como na abertura de conta corrente
e concessão de crédito”, exemplifica. “É muito importante
que haja uma mobilização das financeiras e há um forte
engajamento do presidente da Acrefi, Érico Ferreira, nesse
sentido”, complementa Loureiro.
Assim, o primeiro impacto favorável na etapa inicial será
a redução da assimetria de informações. O setor financeiro vai deixar de ver os clientes, principalmente Para Renato Pasqualin,
da Febraban, bancos
os informais, de olhos vendados. Para Liberato, essa e órgãos de proteção
atualização levará, no máximo, seis meses para ocor- ao crédito criarão
estratégias
rer. Já Loureiro acredita que para o sistema financei- para coletar rapidamente
ro poder usufruir da melhor maneira possível do as informações
abril/maio 2011 FINANCEIRO 51
cadastropositivo
informações sobre o cumprimento das obrigações
financeiras do cadastrado, desde que autorizados pelo
consumidor. O registro sobre o serviço de telefonia móvel, no entanto, é vedado pela MP.
Renato Pasqualin julga a Medida Provisória um
bom caminho, embora ainda falte uma regulamentação
sobre como o Banco Central vai autorizar a transferência de informações para o mercado financeiro. Para ele,
algo que ainda não ficou muito claro é a responsabilidade para quem fornece os dados. No entanto, a Medida Provisória será novamente discutida no Congresso
Nacional. “O perigo é que essa Medida Provisória, ao
se transformar em lei, perca as suas principais funções
e características”, alerta o executivo da Febraban.
Perspectivas
Boas expectativas não faltam com o Cadastro Positivo. O nível de inadimplência caiu em todas as economias em que um projeto semelhante a esse foi implantado. Os bancos podem, com ele, gerar relatórios e criar
um scoring de crédito, classificando os riscos que cada
perfil de cliente representa. Assim, será mais fácil para
o sistema financeiro precificar de maneira diferenciada
cada produto ou serviço financeiro sem que os encargos gerados pelos inadimplentes recaiam sobre os bons
pagadores. “Quem sairá melhor nessa história é o bom
pagador, com taxas diversificadas. É ele quem deve ter
o interesse de ter o nome nesse cadastro. Além disso,
Antes
Apenas 40% dos consumidores tinham acesso ao
financiamento
Depois
EUA
2/3 dos empréstimos eram feitos a homens
CHILE
A baixa renda com pouco acesso ao crédito
MÉXICO
Crédito pouco difundido
ALEMANHA
Exigências de garantias maiores, para créditos caros,
restringindo, assim, o crescimento da economia
o volume de crédito na economia irá crescer”, prevê
Liberato. “Com o Cadastro Positivo, o que muda é que o
próximo contratante não pagará pela irresponsabilidade
de terceiros”, complementa Loureiro.
Na concessão de crédito sempre há o risco de
inadimplência. A ideia é que as empresas de crédito utilizem, com o banco de informações positivas, as melhores
medidas para diminuir esse risco. De acordo com o Banco Mundial, o índice de endividamento no Brasil pode
cair em até 45% devido ao banco de dados. O peso da
inadimplência na formação do spread bancário também
apresentaria redução no mesmo nível. Com a geração
de relatórios de scoring, o mercado poderá fazer análises
específicas. “Já existem ferramentas disponíveis para isso,
mas com o Cadastro Positivo elas serão mais eficazes”,
coloca o presidente da Serasa Experian.
Ainda de acordo com a Serasa Experian, 19,7% da
população desbancarizada será incluída no sistema financeiro. O montante equivale a 26 milhões de consumidores informais que não possuem comprovante de
renda e, até mesmo, de moradia, mas que são potenciais
clientes de conta corrente, cartão de crédito e débito,
poupança, empréstimos e outros.
A Serasa Experian, com dados do Banco Central,
desenvolveu um modelo para estimar os impactos do
projeto no Brasil. A participação da inadimplência da
pessoa física no spread bancário deve cair 9,5 pontos
porcentuais. Já o estoque de crédito para pessoa física
CHINA
80% dos consumidores passam a ter acesso ao
financiamento
Aumentou o acesso das mulheres ao crédito até
quase a igualdade
Crescimento na concessão de crédito, principalmente
para a baixa renda
Crédito chega a ser três vezes superior à média
internacional
Expressivo crescimento econômico. Crédito atinge
mais de 150% do PIB
Fonte: Banco Mundial
52 FINANCEIRO abril/maio 2011
(recursos livres), que hoje é da ordem de R$ 418,6
bilhões, teria redução de R$ 17,9 bilhões em cerca de
18 meses – prazo médio das operações de crédito ao
consumidor. Esse recurso, decorrente da melhor qualidade dos empréstimos e financiamentos, pode, ainda,
retornar às carteiras de crédito para novos empréstimos.
Loureiro aponta que o Brasil possui uma situação financeira privilegiada. Os saldos em atraso acima de 90 dias
que haveria capacidade de pagar e também para a fatia
subprime. “Por aqui, o Cadastro Positivo deverá funcionar melhor, pois o sistema financeiro brasileiro é mais
organizado e regulado”, pondera.
Loureiro luta pela aprovação do Cadastro Positivo
desde 1998, na época em que entrou na Serasa para
desenvolver o projeto. Hoje, ele se encontra com empresários para levar o conceito da sustentabilidade eco-
Denísio Liberato,
da Faap
“É preciso criar
mecanismos
que reduzam a
assimetria de
informações”
De acordo com a Serasa Experian, 19,7% da população
desbancarizada será incluída no sistema financeiro.
O montante equivale a 26 milhões de consumidores
informais, sem renda comprovada
estão em torno de 6% – considerada uma taxa baixa. “Isso
é muito bom para o mercado brasileiro e sinaliza que as
pessoas estão consumindo de maneira adequada”, diz ele.
Segundo dados do Banco Mundial, os países que
adotaram o Cadastro Positivo reduziram seus índices
de inadimplência em até 43% e aumentaram em cerca
de 90% a concessão de crédito (mais no quadro). Para
o professor da Faap, Brasil e Estados Unidos são países
semelhantes em termos de consumo. Ambas as populações são consumistas e adoram financiamentos, apesar
de o volume de crédito em relação ao PIB no mercado
norte-americano ser muito superior. Lá, diz ele, os bancos começaram a emprestar dinheiro porque achavam
nômica que o Cadastro Positivo pode gerar. “A principal
vantagem da Medida Provisória é que finaliza um processo que não acabava nunca. Claro que ainda há alguns
pontos a serem alterados. Mas essa é uma oportunidade
que não devemos perder. O mercado deverá tirar o máximo de proveito desse insumo de informações”, analisa.
O Cadastro Positivo parece estar nos últimos degraus
de uma extensa escada. “O importante é que já temos um
Cadastro Positivo vigente. Agora, cabe a nós dar a ele um
formato voltado ao nosso mercado e adequado às nossas
condições, fazendo com que efetivamente permita que o
mercado brasileiro atinja um nível de sustentabilidade de
crédito”, encerra o executivo.
abril/maio 2011 FINANCEIRO 53
desafioscerticrefi
Pelo menos 50 mil agentes
financeiros de concessionárias
e lojas de veículos serão
certificados em todo o País.
Quem ganha é a sociedade
Mercado se prepara para a
CertiCre fi
Por Karin Fuchs
Correspondendo à Resolução n° 3.954 do Banco Central, que
formaliza a profissão do correspondente de
crédito de instituições financeiras, a Acrefi foi
a primeira certificadora da força de vendas das operações de crédito no País, com a implementação do
CertiCrefi (Certificação de Empregados de Correspondentes de Crédito de Instituições Financeiras) em
parceria com o Inepad (Instituto de Ensino e Pesquisa
em Administração).
Estima-se que, em todo o País, cem mil pessoas
trabalhem direta ou indiretamente como correspondente bancário, “pastinha”, vendedor ou intermediário
do crédito. “Essas pessoas desconhecem o funcionamento do mercado financeiro e essa foi a preocupação
do Banco Central em determinar que seja feita a certificação, para que elas estejam preparadas tecnicamente
para desenvolver essa atividade”, afirma Érico Sodré
Quirino Ferreira, presidente da Acrefi.
Consultor especializado no setor da distribuição
de veículos, Valdner Papa comenta que os agentes que
trabalham no sistema financeiro, na Bolsa de Valores, ou
54 FINANCEIRO abril/maio 2011
como autônomos em investimentos, sempre tiveram de
ser credenciados pela necessidade de conhecimento técnico no tratamento do cliente em relação aos produtos
oferecidos. “O que o Banco Central fez foi disciplinar a
atividade dos agentes promotores de financiamento no
segmento automotivo, transformando o concessionário
em um correspondente.”
Para Papa, “a certificação é importante, pois no varejo está sendo oferecida ao consumidor uma série de
produtos financeiros que requerem conhecimento técnico – até então, os bancos treinavam seus promotores.
Porém, quando essa atividade passa para o concessionário, ele precisa ter uma pessoa com conhecimento
adequado para atender.”
Capacitação
Papa destaca ainda que, pela primeira vez, o credenciamento dos correspondentes de crédito terá um
conteúdo direcionado ao mercado automobilístico. “A
Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) está criando um curso de preparação
que estará disponível pela TV Fenabrave, via satélite,
com todo o conteúdo necessário para a certificação.”
O procedimento é o mesmo criado pela Federação
Nacional dos Revendedores de Veículos Automotores
(Fenauto) que, por meio da Sales 7 Consultoria, desenvolveu o programa de treinamento 7 Trainee, seguindo
as orientações do Banco Central. Dividido em etapas
chamadas de esteiras, a capacitação contempla as informações necessárias aos correspondentes, desde a
entrada do cliente na loja, seus questionamentos sobre
preço e modalidades de crédito, até a decisão da compra.
“Além de uma capacitação mais profissional que valoriza a profissão do agente, estamos fazendo um favor à
sociedade, ajudando todos a tomar melhores decisões”,
diz Enilson Espinola Sales, CEO da Sales 7 Consultoria.
Preparação das provas
Todo o suporte para a realização das provas está a cargo
do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad), que conta com toda a expertise no conteúdo do mercado financeiro e tem em seu currículo a organização da
primeira prova de certificação interna do Banco do Brasil.
namentos que serão oferecidos pelos capacitadores.
“Mesmo que o profissional esteja há 20 anos no mercado, isso não significa que ele faz o seu trabalho tão bem
como deveria, ou tão responsavelmente quanto poderia
fazer. No treinamento serão revistos conceitos, o que
dará mais segurança para a realização da prova”, ressalta.
Meta: número de certificados
De acordo com Valdner Papa, em todo o País são
pouco mais de 6,7 mil concessionárias e em cada uma
delas tem de haver no mínimo um profissional certificado. “Pressupondo que, na média, teremos de ter pelo
menos uma vez e meia ou duas vezes profissionais certificados em cada concessionária, serão mais de dez mil
pessoas certificadas, em um prazo de três anos de acordo
com a resolução.”
Já nas revendedoras de veículos o número será bem
maior. “Existem no Brasil mais de 42 mil lojas de veículos
usados. A expectativa é que em torno de 20 mil lojas sejam
certificadas em curto e médio prazo. Ao final do prazo
de três anos todas as lojas deverão estar certificadas para
poder fazer o financiamento”, diz Ilídio Gonçalves dos
“Essas pessoas desconhecem totalmente o funcionamento do
mercado financeiro e essa foi a preocupação do Banco Central
em determinar que seja feita a certificação”
Érico Sodré Quirino Ferreira, presidente da Acrefi
Da experiência dessa primeira prova, realizada em
200 cidades brasileiras com 26 mil participantes, David
Forli Inocente, gerente de ensino do Inepad, conta que
para a CertiCrefi será feita uma migração digital do exame. “Além do impacto ambiental, uma prova impressa
requer uma logística de distribuição. Para essa versão
digital da prova teremos parceiros no País inteiro para a
sua aplicação e, em poucos dias, saberemos o resultado.
A nossa contribuição é organizar esses parceiros, desenhar a prova e divulgar os aprovados.”
Apesar de o edital do exame ser bem detalhado,
Inocente destaca a importância em participar dos trei-
Santos, presidente da Federação Nacional dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto).
Em nome da Acrefi, Érico Sodré Quirino Ferreira
antecipa que a expectativa com a certificação é positiva.
“O conhecimento que será adquirido pelos correspondentes lhes trará uma visão maior do funcionamento do
mercado financeiro. Depois que as pessoas estiverem
certificadas, melhoraremos o nível de atendimento e
deixaremos os clientes mais satisfeitos. Faremos, assim, a
parte social da nossa obrigação que não é apenas vender o
financiamento, mas também buscar a completa satisfação
do cliente. Esse é o ponto mágico dessa história.”
abril/maio 2011 FINANCEIRO 55
artigomercadoautomotivo
o mercado
automotivo e o crédito
No início de dezembro, o governo brasileiro
adotou algumas medidas macroprudenciais que
visavam desacelerar a taxa de expansão do crédito
no País. A preocupação estava também no receio
de que a inadimplência, em especial para prazos superiores a 24 meses, pudesse se elevar de maPor Tereza Maria
neira importante. Entre as medidas tomadas
podemos citar: a elevação do compulsório, elevação
do custo do financiamento e limitação para a negociação, por parte dos bancos, das carteiras de crédito.
As medidas visavam reduzir a liquidez do mercado,
buscando diminuir o risco de bolhas nessa área. A
obrigatoriedade de um pagamento inicial, a título de
“entrada”, em prazos de financiamentos superiores a
Evolução de vendas
de automóveis e comerciais leves
gráfico i
3500
3329
3000
2500
2000
1500
1000
1345
20
10
20
09
20
08
20
07
20
06
20
05
0
20
04
500
Fonte: Fenabrave. Elaboração MB Associados
56 FINANCEIRO abril/maio 2011
24 meses, comprova a preocupação com aumento
de possibilidade de calote e especial no mercado
automotivo. Naquele momento o Banco Central
apontava para uma inadimplência superior a 10%
para financiamentos com prazos entre cinco a dez
anos, enquanto nos financiamentos com prazos de
até dois anos não passava de 1,5%. Essas medidas implicaram elevação da taxa de juros nos financiamentos que não contemplavam uma entrada no momento da compra, que no mercado de carros novos
representava em novembro do ano passado 60% das
vendas. Mesmo induzindo a um menor crescimento no mercado de automóveis e comerciais leves, o
setor segue apresentando um bom desempenho até
o mês de março e na nossa expectativa deve crescer
próximo a 6% em 2011.
Na verdade, os mercados de autos e comerciais leves vêm apresentando excelente desempenho nos últimos anos. Entre 2003 e 2010,
o crescimento acumulado foi de quase 150%
(Gráfico I). Esse crescimento do mercado nacional fez com que o País galgasse o quarto lugar
no mercado mundial, ficando atrás apenas da
China, dos EUA e do Japão. Na América Latina
somos, disparados, o maior mercado consumidor, com uma comercialização anual cinco
vezes maior que o segundo mercado que é o
argentino e maior que a somatória dos demais
países do continente. Não é sem motivo que
novas montadoras estão de olho no País, em es-
pecial as chinesas, e as que aqui já se encontram
seguem com investimentos elevados.
Mas, voltando ao mercado, queremos chamar
atenção para os dados do início do ano. Quando
as vendas do mês de janeiro foram anunciadas, alguns agentes do setor alardearam o resultado de
uma queda de 36% em relação ao mês de dezembro, esquecendo-se de dizer que o crescimento em
relação ao mês de janeiro de 2010 tinha sido de
14% e esquecendo totalmente do chamado “efeito
rapel” (Gráfico II), como é conhecido no mercado
automobilístico o artifício usado pelas montadoras,
principalmente na virada do ano, quando tentam
ampliar suar participação no mercado. A estimativa
da Fenabrave é de que algo entre 35 a 45 mil automóveis negociados no mês de dezembro foram
resultantes de emplacamentos “fantasmas”, ou seja,
foram emplacados pelas próprias concessionárias
em nome de terceiros, sem que os carros tenham
sido efetivamente vendidos. Ressaltamos que esse
processo é absolutamente legal, uma vez que o do-
cumento de transferência do veículo garante que o
consumidor tenha conhecimento que o produto já
havia sido previamente registrado em outro nome e
os impostos foram pagos. Não há como eliminar, no
entanto, o efeito estatístico que levou a uma queda
importante no mês de janeiro. Outra distorção que
teremos neste ano em relação a 2010 são os feriados
móveis. Carnaval e Semana Santa caíram em meses
diferentes o que também distorce a estatística, pois
as vendas são efetivadas nos dias úteis. Isso significa
que temos de olhar até abril os dados acumulados no
ano, para somente a partir daí observarmos o mês a
mês. Outra maneira de fazer a comparação é analisar
os dados diários.
Independentemente dessa briga de final de ano
e das expectativas de um ano que deverá crescer menos, a MB Associados segue com números positivos
para 2011, lembrando que é insustentável crescer a
dois dígitos por anos seguidos. f
Tereza Maria
é sócia-diretora da MB Associados
Vendas de automóveis – média diária
GRÁFICO II
AUTOMÓVEIS + COMERCIAIS LEVES
16.000
15.500
ANTECIPAÇÃO FIM
DA ISENÇÃO DO IPI
15.704
EFEITO RAPEL
15.571
15.000
14.669
14.500
14.380
14.000
13.878
13.500
13.482
13.095
13.000
12.965
13.211
12.500
12.000
11.786
11.743
11.500
11.000
10.500
10.718
Média ano 2010
dezembro -10
novembro -10
outubro -10
setembro -10
agosto -10
julho -10
junho -10
maio -10
abril -10
março -10
janeiro -10
fevereiro -10
10.087
10.000
Fonte: Fenabrave
abril/maio 2011 FINANCEIRO 57
desafiosliderança
Para cada 100 executivos
homens, existem 11
mulheres em cargos de
gestão. Mesmo de salto alto
elas conseguem, e muito
bem, gerir importantes
áreas das empresas
Por Juliana Jadon
Elas são líderes nas empresas e no lar. Governam a casa, cuidam dos filhos e ainda gerem com sucesso
suas respectivas áreas empresariais. Apesar da
dupla jornada, muitas mulheres sabem aproveitar as 24
horas do dia e dividir o tempo de dedicação que passam entre a família e o escritório. De acordo com um
estudo feito pela agência Leo Burnett, 80% delas são
responsáveis pelas decisões de compra em casa e uma
em cada quatro já ganha mais que seu companheiro.
Mas essas líderes ainda são minoria no mercado de
trabalho. Um levantamento do Instituto Ethos aponta
que há 11 mulheres em cargos de gestão para cada cem
executivos homens.
A vida de Taíse Christine da Cruz, diretora de produtos do banco Mercantil do Brasil (MB) e integrante
do conselho de autorregulação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) – setor que visa melhorar
e resolver os problemas do consumidor bancário –,
58 FINANCEIRO abril/maio 2011
ilustra bem essa jornada. Pela manhã, antes de sair de
casa, brinca e cuida do filho de três anos e orienta as
“funcionárias do lar” a realizarem os serviços domésticos. No caminho para o banco, em Belo Horizonte
(MG), ouve noticiários pelo rádio e se informa de
temas relevantes que poderão lhe orientar durante o
dia. Toda manhã participa junto ao vice-presidente e
outros oito diretores da reunião do comitê executivo
do banco Mercantil do Brasil.
Ao meio-dia, Taíse almoça em casa – normalmente
não há trânsito e ela chega em 15 minutos – e na volta ao
trabalho ainda deixa o pequenino na escolinha às 13 horas. Há 11 anos no banco e dois na diretoria de produtos,
ela coordena as equipes por meio de conversas diárias
com os gerentes de quatro diferentes áreas (produtos,
serviços, conta de cadastro e operações de ativos). Ao
todo, possui sob sua gestão 120 profissionais.
Em dias normais – em que não há nada para resolver além do esperado – ela retorna para casa às 19
horas, quando convive com mais tranquilidade com
a família. Quando o filho dorme, aproveita para ler
um pouco e, se necessário, faz algum trabalho extra
que levou para casa. De acordo com o instituto Sophia Mind, 60% das executivas, assim como Taíse, não
deixariam de ter momentos de lazer para ficar mais
horas no escritório. “Com certa disciplina, organização
e praticidade consigo, mesmo com o dia a dia intenso,
me dedicar ao trabalho sem prejudicar o convívio com
a minha família”, diz a executiva.
O Mercantil do Brasil vivencia um aumento expressivo da base de clientes, fruto da conquista de cinco lotes
do Leilão da Folha de Pagamentos de beneficiários do
Foto: Douglas Luccena
Quando elas
comandam
INSS. Com isso, foi preciso reestruturar toda organização. O número de pessoas que recebe o benefício por
via do banco dobrou no ano passado, saltando de cerca
de 180 mil para 360 mil. Parte desse público, conta Taíse,
são pessoas que não eram bancarizadas e, por isso, o
atendimento foi revisto para uma oferta adequada dos
produtos e serviços. “Gestão de pessoas é sempre um desafio. Por isso temos uma rotina de reuniões. Foi preciso
integrar as equipes e conseguir que todo mundo tenha
o mesmo foco”, considera.
A diretoria de produtos, comandada por Taíse, se focou exatamente na otimização de diversos processos para
garantir a pessoalidade no atendimento a esse público. Assim, o Mercantil iniciou a abertura de novas agências com
atendimento exclusivo aos beneficiários do INSS. “Além
“Com certa disciplina,
organização e praticidade
consigo me dedicar ao
trabalho sem prejudicar
o convívio com a minha
família, mesmo com o
dia a dia intenso”
Taíse Christine da Cruz,
do Mercantil do Brasil
disso, estamos concluindo um projeto que disponibilizará
a esse beneficiário o acesso a todos os canais de atendimento, com oferta de crédito e serviços já no primeiro
contato com o banco”, conta a diretora.
No Estado de São Paulo, desde setembro de 2010
até agora, o banco inaugurou oito unidades: Bauru,
Presidente Prudente, Taubaté, São Bernardo do Campo, Diadema, Santo André, São José do Rio Preto e
Sorocaba. Trezentos novos postos de trabalho já foram
criados com o projeto de ampliação, sendo que 110 profissionais ocupam o cargo de gerente especializado e exclusivo no atendimento aos aposentados e pensionistas.
Outros 120 empregos serão abertos até o final de 2011.
desafiosliderança
Integração de pessoas
Vice-presidente de RH do Grupo Santander Brasil,
Lílian Guimarães conta com uma equipe de 300 pessoas
e muitos desafios, já que o Santander possui 53 mil funcionários sob seu guarda-chuva. A área de Lílian cuida das
atividades clássicas de recursos humanos como contratação, remuneração, benefícios, treinamento e desenvolvimento dos funcionários da instituição.
Na gestão de Lílian, o projeto de integração do Santander com o banco Real, em 2008, foi a maior prova
que passou. Toda a equipe teve o trabalho intensificado – atuando mais de 12 horas por dia –, estudando as
melhores estratégias e táticas para a integração dos dois
bancos, que possuíam culturas distintas e ao mesmo tem-
Mercado de trabalho
A participação da mulher no mercado de trabalho aumentou
em 200 milhões na última década, segundo a Organização
Mundial do Trabalho.Há 1,2 bilhão de mulheres no mercado e
1,8 bilhão de homens. No Brasil, em 1935, 33% das mulheres
disputavam mercado com os homens. Hoje, esse porcentual é
de 50%. Em 1991, 18% das mulheres chefiavam seus lares,
em 2007, 33% delas já faziam isso. Já nos Estados Unidos elas
representam metade da força de trabalho.
po complementares. O RH foi responsável, na época,
por fazer com que o melhor dos colaboradores de ambas as empresas fosse aproveitado na união sem abalar o
desempenho deles. Para impactar o menor número de
pessoas negativamente, ela contratou uma empresa de
recolocação, em que mais de 70% dos dispensados ganharam novos empregos. “Procurei aproveitar tudo que
fosse relacionamento com clientes”, revela.
O Santander também desenvolveu treinamentos
(presenciais e on-line), reuniões de integração e rodadas
de engajamento para sensibilizar sobre as mudanças. Segundo ela, assegurar que o fator humano seja efetivamente levado em conta é a sua principal atribuição no cargo.
Atualmente Lílian trabalha, em média, dez horas por
dia. A agenda é corrida: comitês e uma série de compromissos predefinidos. Mesmo assim, não deixa de dedicar
parte do dia a conversas com os funcionários sobre vida
60 FINANCEIRO abril/maio 2011
pessoal, carreira, aconselhamento e “n” outros temas. Há
dois anos, sua filha de 25 foi morar sozinha. Em casa, assim como Taíse, ela conta com a ajuda de ‘funcionários
do lar’. No final de semana costuma viajar e praticar atividades as quais considera relaxantes para um retorno tranquilo à rotina. Mensalmente janta com amigas e participa
à noite de grupos de estudos.
No Santander, um projeto chamado internamente de
“Visão de futuro” resume a história de colocar o indivíduo
no centro dos negócios. Após participarem de diversos
workshops, os profissionais do RH, por exemplo, escolheram em que função gostariam de atuar. 87% deles foram
alocados nos postos que colocaram em primeiro lugar.
Os treinamentos começam logo que um novo funcionário chega. Ele é convidado a participar de um exercício
geral antes de iniciar suas atividades. Ali recebe informações
práticas, como direitos, benefícios e procedimentos internos. Posteriormente recebe tarefas on-line sobre características específicas do mercado financeiro. Ao longo da adaptação ao banco, outras capacitações são oferecidas para que
entenda o modelo e a estratégia de negócios da instituição.
Lílian coloca que há no mercado o problema do
“apagão de talentos”, de falta de mão de obra qualificada. Segundo ela, o vínculo do jovem com a empresa
é muito pequeno e há muitas oportunidades de emprego no Brasil. Para resolver, a rede social “Santander
caminhos de escolhas” ajuda os jovens na escolha da
carreira. “Queremos fazer do RH uma área diferente da
tradicional, que seja mais próxima das pessoas e valorize
os indivíduos”, ressalta.
Resultados
Uma pesquisa realizada pela empresa Vox Populi
em Minas Gerais e São Paulo demonstra que Taíse e a
equipe do banco Mercantil do Brasil estão atingindo a
meta. Um dos pontos analisados que demonstram isso
é o indicador “defensores da marca”, que representa o
índice de clientes que, além de estarem satisfeitos com
a instituição, a defendem no mercado. O resultado alcançado nesse índice foi de 85,5%.
O levantamento foi feito com clientes exclusivos e compartilhados – aqueles que possuem também contas em
“Queremos fazer do RH uma área diferente da
tradicional, que seja mais próxima das pessoas e que
valorize os indivíduos”
Lílian Guimarães, do Santander
outros bancos. Mesmo os que têm referência de atendimento de outras instituições financeiras, aprovam o
Mercantil do Brasil. A força da marca, índice que traduz a
satisfação dos clientes com o desempenho geral do banco,
atingiu 85,9%, sendo esse resultado ainda maior para as
áreas ligadas ao atendimento humano, com 92%.
A pesquisa é realizada a cada dois anos, desde 1999. Em
2010, o banco obteve os maiores saldos de desempenho na
avaliação de cada uma das áreas. A instituição financeira já
gastou cerca de R$ 550 mil com as pesquisas de imagem.
No Santander, a meta número um de Lílian é aumentar o nível de engajamento dos funcionários com o
banco, tornando-o melhor ambiente para se trabalhar. É
preciso, assim, garantir que haja contratação de pessoas
na base e pessoas aptas a serem promovidas.
Ela assume que é exigente, justa e dura, quando preciso. Faz planos e define o que vai ser feito por cada um
quando delega tarefas. “As mulheres são mais sensíveis,
possuem uma visão mais abrangente. O homem é menos profundo e mais direto. Cada um tem seu ponto
favorável. Hoje, a minha equipe é mista e também vejo
homens com uma sensibilidade incrível”, considera. Taíse
e Lílian ainda têm muito que fazer...a jornada dupla continua e elas tiram de letra!
abril/maio 2011 FINANCEIRO 61
artigogestãopública
Faltam ou sobram
recursos no orçamento do governo?
Mais um governo se inicia e enfrentamos as mesmas
discussões. Há um equívoco na batalha pelos cortes no
orçamento: a discussão é como se reduz investimentos,
porém não se fala dos bilhões de reais que poderiam ser
economizados, melhorando o funcionamento da máquina pública. Essa economia é um fato possível
Por Florencia Ferrer
sobre algo já feito. Cortar investimentos acaba sendo uma saída absurda e fizemos uma conta com projeção
nacional. Concluímos que cerca de R$ 67 bilhões podem
ser poupados com a simples adoção, em todo País, de nove
ou dez programas básicos de gestão.
Janeiro é considerado um mês de cortes de projetos
e dezembro é um mês em que nem 30% do orçamento
foi executado. Trabalhando há mais de oito anos com a
modernização da máquina pública, com inovação de
processos, desburocratização e implementação de TI
constatei mais de um caso onde conseguimos resultados.
Tomando como exemplo o Estado de São Paulo, realizei cálculos que indicam que a economia feita entre 1995
e 2008, a partir de nove programas de inovação chega a R$
32 bilhões. Essa economia vem, por exemplo, da criação
do Boletim de Ocorrência Eletrônico, do IPVA eletrônico,
na redução de papel e pessoal no Diário da Justiça digital
ou Tribunal de Justiça, de atividades no Metrô e Sabesp,
do leilão eletrônico, entre outros exemplos. Inovações
semelhantes já ocorrem em outros Estados, como Minas
Gerais, Acre, Espírito Santo etc. Existem outros caminhos
para ajustar as contas públicas, nenhum deles é fácil, mas
todos possíveis. Por isso reforço que o olhar deve ser outro
quando se fala sobre cortes no orçamento.
Em nossos trabalhos junto a Gestão Pública já identificamos várias possibilidades de redução de despesas, em
itens que simplesmente são mal gastos. Os contratos de
energia elétrica, por exemplo, dificilmente são revisados e,
muitas vezes, o órgão público cresce, não muda as bases
contratuais e os excedentes de consumo são pagos com
tarifas muito acima da usual. Uma alteração contratual,
62 FINANCEIRO abril/maio 2011
para se adequar ao novo patamar de consumo, provoca
uma economia de cerca de R$ 1 milhão ao ano num único estado, no qual estamos desenvolvendo consultoria de
gestão. Considerando que o estado é pequeno, com 48
mil funcionários públicos, em todos os demais estados e
União, que juntos totalizam 8,7 milhões de postos de trabalhos na administração pública, a economia seria de R$
1 bilhão em quatro anos..
Poucos governos têm um controle efetivo do consumo. O foco para redução de custos somente é colocado
na redução do preço final pago. Não há, na maioria dos
governos, um controle da demanda real de combustível.
Isso facilita desvios. Verificamos veículos com consumo
por quilômetro de até 400% acima do especificado pelo
fabricante. Estimando uma frota de 160 mil veículos de
governos estaduais, o uso adequado de combustível nas
frotas dos Estados, eliminando os erros e ineficiências, provocaria uma economia estimada de no mínimo R$ 300
milhões por ano. Isso sem considerar que seria necessário
redimensionar a frota, podendo triplicar a economia, já que
diminuiríamos as despesas com veículos ociosos. Vários
são os exemplos e sabemos que anualmente se encerram
com uma parte dos orçamentos. Todos esses casos os gastos podem ser interrompidos por um governante.
A modernização da “máquina pública” não é uma
opção , é uma condição. Parece exagero essa afirmação,
porque um Estado só quebra no longo prazo, mas precisamos lembrar que o serviço público quebrou na Argentina,
a Previdência quebrou no Chile, e esses governos tiveram
de fazer reformas nas quais os chamados direitos adquiridos derreteram na falta de caixa. Concluímos várias saídas
possíveis. A única que não pode ser adotada é uma nova
punição à sociedade brasileira, aumentando a sua já insuportável carga tributária.
Florencia Ferrer
é diretora-presidente da
Consultoria FF/e-Strategia Pública
infoacrefi
TalenTos
Bolsa de Empregos, a nova
ferramenta para os associados
O associado da Acrefi conta
com mais um novidade: a Bolsa
de Empregos, que até o final do
primeiro semestre estará operando
a todo vapor. Trata-se de mais
uma ferramenta que a associação
colocará à disposição de seus
associados, num momento em que
o mercado de trabalho apresenta
forte ritmo de expansão. Na fase
inicial, a entidade fez testes para
ajustar o hotsite e na segunda
etapa alguns associados já
puderam colocar vagas de trabalho
disponíveis na Bolsa de Empregos.
As pessoas interessadas poderão
enviar currículos para a Bolsa
da Acrefi, depois de sua
implantação definitiva.
“A Acrefi terá o controle do
movimento tanto de empregadores
quanto dos candidatos”, afirma
Ernesto Alves, sócio da EBF Design
Gráfico, empresa responsável pelo
projeto. “A Bolsa de Empregos da
Acrefi será uma maneira prática
de empresas e pessoas em busca
de emprego terem acesso on-line
a um canal que lhes permitirá
atender às suas necessidades.”
educação Financeira
Acrefi cria blog para o tema
Em linha com a era da web 2.0, a Acrefi lançou o blog
Finanças na balança, de educação financeira. Com a nova
ferramenta, a associação cria mais um canal de comunicação
com o público, já que o blog permite a interatividade com os
usuários.
A educação financeira ganha cada vez mais espaço no
Brasil, e já foi incluída em currículos de importantes escolas
do País. Além disso, várias empresas, instituições financeiras e
principalmente associações de classe estão bastante atuantes
no segmento
de prestação de serviços sociais. O tema tem
crescente interesse do público, que demanda
cada vez mais informações sobre o assunto em busca
de opções para organizar seu orçamento e para fazer
investimentos. A Acrefi, consciente dessa realidade, oferece
agora esse tipo de informação aos interessados também pelo
novo blog, que pode ser acessado por todos.
abril/maio 2011 FINANCEIRO 63
artigoanáliseeperspectivas
O mercado
de crédito brasileiro
em 2010
O crescimento da economia está estreitamente ligado à expansão do volume de crédito
concedido e, no ano de 2010, verificou-se um aumento no PIB brasileiro, conforme demonstrado
no Gráfico I. O objetivo deste artigo é analisar o
comportamento da
Por prof. dr. Alberto Borges Matias concessão de crédito
com colaboração de Patricia Balachi
no ano passado, analisando as principais linhas de crédito.
Em dezembro de 2010, obteve-se o recorde de
concessão total de crédito dos últimos dez anos. O
volume total de crédito, nesse mês, apresentou um
aumento de 14,7% em relação a dezembro de 2009,
e um aumento acumulado de 203,18% quando
comparado a dezembro de 2000, período inicial
desta análise.
Em média nos últimos dez anos a taxa de crescimento anual da concessão de crédito total foi
de 12,1%. Em 2010 o crescimento ficou acima da
média, alcançando o valor de 14,7%. O volume de
crédito para pessoa física também apresenta uma
ascensão nos últimos anos e obteve, em 2010, um
aumento de 20,6% em relação a 2009. Em relação
a 2000 o aumento foi de 282,95%.
A concessão de crédito também cresceu para
pessoa jurídica. No entanto esse aumento foi menor do que a concessão total e de pessoas físicas.
O crescimento do volume de crédito para pesso-
Taxa de crescimento das linhas de crédito para
pessoas jurídicas
Período/linha de crédito
Hot money
Desconto de duplicatas
64 FINANCEIRO abril/maio 2011
2010/2009
2010/2000
0,29%
-26,62%
1,54%
234,87%
Capital de giro
19,15%
715,91%
Conta garantida
16,96%
202,75%
Financiamento imobiliário
38,06%
1984,69%
PIB X concessão de crédito
R$ MILHÕES
GRÁFICO 1
400.000,00
350.000,00
300.000,00
250.000,00
200.000,00
150.000,00
100.000,00
50.000,00
ju
n/
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ou 9
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10
0
PIB mensal em valores correntes (R$ milhões)
Total de operações de créd to (R$ milhões)
Fonte: Inaped & BC
Concessão de crédito total – PF
R$ MILHARES
GRÁFICO 2
80.000.000
70.000.000
60.000.000
50.000.000
40.000.000
30.000.000
20.000.000
10.000.000
20
10
20
09
20
08
20
07
20
06
20
05
20
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20
03
20
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20
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0
20
00
as jurídicas foi de 11,2% em relação a 2009 e de
168,74% em relação a 2000.
Dentro da concessão de crédito para pessoas físicas no ano de 2010, algumas linhas se destacaram:
aquisição de veículos, com um aumento de 53,19%
em relação a 2009 e principalmente o financiamento imobiliário, com um crescimento de 120,48%,
em relação a 2009. O aumento dessas linhas em relação ao ano de 2000 foi, respectivamente, 464,42%
e 3955,48%.
Desde o ano de 2006, o crédito de financiamento imobiliário vem obtendo aumentos, sendo
que em dezembro de 2010 bateu-se o recorde de
volume de crédito para essa modalidade nos últimos dez anos. Essa linha de crédito foi destaque
tanto em concessão de crédito para pessoas físicas
como jurídicas.
Dentro das linhas de crédito destinadas às pessoas jurídicas, além do destaque em 2010 para a
linha de financiamento imobiliário, que teve um
aumento de 38,06% em relação a 2009 e 1984,69%
em relação a 2000, a concessão de crédito para
capital de giro das empresas também apresentou
um crescimento de destaque em relação às outras
linhas de crédito. Em 2010, essa modalidade de
crédito aumentou 19,15% em relação a 2009.
Já em relação ao ano de 2000 o aumento foi de
468,08%. Os demais crescimentos das linhas de
crédito concedido à pessoa jurídica podem ser
vistos na tabela.
Conclui-se que o aumento do volume geral de
concessão de crédito deve ser visto positivamente
pela economia, pois exerce um impacto positivo
sobre o crescimento econômico do País.
As marcações de cada ano são referentes aos meses de março, junho, setembro e dezembro
Fonte: Inaped & BC
Total PJ – concessão
GRÁFICO 3
140
120
100
80
60
40
20
20
10
20
09
20
08
20
07
20
06
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05
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03
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02
20
01
0
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00
Prof. dr. Alberto Borges Matias
Professor Titular do Departamento
de Administração da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade
da Universidade de São Paulo no campus
de Ribeirão Preto, e diretor do Inepad
As marcações de cada ano são referentes aos meses de junho e dezembro
Fonte: Inaped & BC
abril/maio 2011 FINANCEIRO 65
artigoúltimapalavra
Por que é difícil educar
as pessoas para a poupança?
Quando falamos em poupança, a primeira questão
que surge é: ela é inimiga do consumo? Poupar significa passar privações? Sacrifícios?
Para os países que viveram grandes conflitos, guerras ou catástrofes, a poupança é algo muito natural e faz
parte do seu padrão de vida. Vejam as autoridaFábio Moraes
des japonesas preocupadas com o volume alto de
poupança da sua população e incentivando as pessoas
ao consumo.
O Brasil passou por décadas de instabilidade econômica. Os preços mudavam diariamente e as pessoas
corriam às compras assim que recebiam seus salários.
A estabilidade econômica trazida pelo Plano Real fez
com que o País finalmente tivesse uma moeda no sentido da palavra e o receio que a inflação voltasse fez com
que o consumo fosse prioridade. O aumento do crédito expandiu a capacidade de compra da população
e o endividamento tornou-se uma alternativa viável.
O contexto macroeconômico, aliado a uma
cultura que nunca privilegiou a poupança, fez com
que o nível de reservas das famílias fosse sempre
pequeno e criou a sensação de que poupar significa privação. Quem pode pensar em restrição ao
consumo num momento de prosperidade nunca
antes experimentado pelas pessoas, principalmente
pela nova classe média?
A educação financeira precisa ter como principal
meta desmistificar o papel da poupança e mostrar
que ela precisa se tornar um hábito para o brasileiro,
igualmente ao cafezinho pela manhã ou ao futebol aos
domingos. A poupança traz liberdade para as pessoas.
Quando um indivíduo possui reservas, torna-se mais
cidadão. Pode tomar decisões com maior autonomia,
como, por exemplo, mudar de emprego, abrir um negócio ou comprar um bem.
A pessoa descapitalizada fica à mercê dos acontecimentos, do acaso, que normalmente não se mostra
66 FINANCEIRO abril/maio 2011
um bom aliado. Isso ajuda a explicar o real motivo da
inadimplência das pessoas. Não é o desemprego ou o
infortúnio que leva a maioria da população a deixar
de pagar suas contas e, sim, a falta de reservas financeiras, ou seja, de poupança. Pensar de forma diferente
é deixar para a providência divina o papel de gestora
financeira das famílias.
A população somente verá sentido em poupar
quando receber informações corretas e coerentes dos
agentes financeiros sobre os diversos produtos de poupança e quando perceber que guardar para o futuro
significa consumir hoje e sempre. Comprar é tão bom
que deve ocorrer durante toda a linha da vida das pessoas. O brasileiro convive há um bom tempo com a
estabilidade econômica. Isso mostra que ela veio para
ficar. O setor financeiro e o governo precisam tomar
para si a responsabilidade de educar a população em
relação à poupança.
Educação também é assim, um processo que
começa penoso e torna-se natural e automático
quando é bem conduzido e quando apresenta resultados concretos para seu público-alvo. O Brasil
precisa crescer e se modernizar. A população precisa
se endividar com critérios e na dose certa. Para essas
duas metas, a poupança é imprescindível. Para as
famílias, traz bem-estar e segurança e, para o País,
permite que o crédito continue se expandindo, principalmente aquele que irá financiar os investimentos
tão necessários ao nosso desenvolvimento.
Não precisamos mais dos cofrinhos. Necessitamos
de uma mentalidade de longo prazo, produtos financeiros
adequados e uma lógica de prosperidade que coloque a
poupança como amiga e aliada do consumo.
Fábio Moraes
é economista e diretor de
educação corporativa da Federação
Brasileira de Bancos (Febraban)