Consensus

Transcrição

Consensus
ano III, número 9
outubro, novembro e dezembro de 2013
www.conass.org.br
especial
Constituição CIDADÃ
25 anos DO
SUS
consensus
Revista do Conselho Nacional de Secretários de Saúde
Ano III | Número 9 | Outubro, Novembro e Dezembro de 2013
FOTOGRAFIA: CÂMARA DOS DEPUTADOS
consensus entrevista
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Confira a entrevista com o médico sanitarista,
José Carlos Seixas
matéria de capa
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25 Anos da Constituição Federal do Brasil e do SUS
– A trajetória e a consolidação do maior período
democrático e do maior sistema de inclusão social da
história do país
20 Orçamento do Ministério da Saúde para 2014
precisa de, no mínimo, R$ 18 bilhões a mais, aponta estudo do
CONASS
24 saúde em foco
A saúde pública no Brasil no ano de 2013
Juízes, procuradores de Estado e assessores das SES
30 Programa Mais Médicos é sancionado por lei
32 institucional
debatem a judicialização na Saúde em encontro promovido pelo
CONASS
36 38 CONASS Debate: Caminhos da Saúde no Brasil
Oficina sobre Sistemas de Informação e Análise de Situação
de Saúde, com ênfase nas Doenças Crônicas não Transmissíveis
42 relações internacionais
CONASS participa de missão internacional no Canadá
44 opinião
Necessidades em Saúde: uma abordagem operacional para o
nível dos serviços de saúde
54 curtas
editorial
C
om muita satisfação apresentamos esta
edição da Revista Consensus, que vem
selar a importância da consolidação da trajetória de 25 anos do Sistema Único de Saúde
(SUS), cheia de conquistas e desafios! Comemoramos os 25 anos da Constituição Federal
Brasileira com a certeza de que a democracia
está consolidada em nosso país, mas que ainda é preciso caminhar muito – subtrair desigualdades e somar esforços para que a população tenha uma saúde cada vez melhor.
As histórias do Movimento da Reforma
Sanitária e da Constituinte se entrelaçam nas
páginas de um texto histórico, escrito em um
contexto de esperança, reação e recomeço,
após um longo e duro período de ditadura e
repressão. A elaboração da Constituição Federal é repleta de histórias – narrativas que nos
remetem àquele período em que a interface
entre a sociedade e os políticos era intensa e
estratégica e que a articulação entre os parlamentares estava calcada na necessidade gritante de uma país por liberdade e democracia.
Um pouco da grande história do SUS e
dos seus próximos podem ser acompanhados
também na entrevista desta edição – com o
médico, sanitarista e professor paulista José
Carlos Seixas, que se demonstra um visionário e que carrega a maturidade e experiência
de seus 76 anos de idade, muitos deles dedicados ao Sistema Único de Saúde.
E para avaliar o ano de 2013, conversamos com os gestores das três esferas de gestão do SUS. O ministro da Saúde, Alexandre
Padilha e os presidentes do CONASS e do Co-
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nasems, Wilson Duarte Alecrim e Antonio
Carlos Nardi falaram dos avanços da saúde
neste ano.
O financiamento do SUS, como não podia deixar de ser, é tema recorrente das matérias desta edição da Revista Consensus. Em
uma delas, o CONASS aponta a necessidade
de R$18 bilhões a mais para o orçamento do
Ministério da Saúde em 2014.
Veremos também a sanção do Progama
Mais Médicos, pela presidente da República,
Dilma Rousseff. E que a judicializacao da saúde vem sendo amplamente discutida em encontros e debates promovidos pelo CONASS
a fim de aproximar os gestores de membros
do judiciário na busca por soluções que amenizem esse problema que ameaça o sistema.
Na seção institucional, a cobertura do seminário CONASS Debate: Caminhos da Saúde no Brasil; da oficina sobre Sistemas de Informação e Análise de Situação de Saùde com
ênfase nas Doenças Crônicas não Transmissíveis; e da cobertura da missão internacional
do CONASS no Canadá.
Por fim, apresentamos o artigo científico Necessidades em Saúde: uma abordagem
operacional para o nível dos serviços de saúde –
escrito pelo médico sanitarista e pesquisador
do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva
(Nescon) da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Francisco Carlos Cardoso de
Campos.
Boa leitura. consensus entrevista
Entrevista
José Carlos Seixas
D
esde a infância, José Carlos Seixas sempre acompanhou
o trabalho de seu pai, médico, no atendimento à população àquela época classificada como indigente. Era um trabalho árduo, difícil e que sacrificou muito o tempo com a
família, mas que trouxe ao mesmo tempo alento em ajudar
quem mais precisava. Seixas cresceu com a sensibilidade de
seu pai e de uma maneira quase natural seguiu os seus passos e formou-se médico em 1973 pela Universidade de São
Paulo (USP).
Enveredou pelo movimento da Reforma Sanitária e atuou
ativamente na construção e na consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Com a experiência de quem testemunhou
a conquista da democracia e a realização do sonho de um sistema universal de saúde, Carlos Seixas foi secretário adjunto
da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e professor de
Administração e Políticas de Saúde, na Faculdade de Saúde
Pública da USP. Foi também secretário executivo e secretário-geral do Ministério da Saúde, além de ministro interino
da Saúde no período de novembro a dezembro de 1996.
Seus 76 anos, no entanto, não lhe tiraram a crença de que
é preciso discutir temas atuais como a tecnologia e a informação, que, segundo ele mesmo afirmou, têm de acompanhar a
evolução do SUS nestes 25 anos de história.
Em uma tarde ensolarada na capital paulista, Seixas conversou com a equipe da Revista Consensus e falou abertamente sobre realidades com as quais conviveu diretamente, como
a luta pela democracia, a idealização do SUS, a sua efetivação
como sistema universal e os embates políticos e sociais que
ele enfrenta até hoje.
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consensus | quarto trimestre 2013
FOTO: CONASS
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consensus entrevista
Consensus Quais eram as expectativas do
Movimento da Reforma Sanitária para concretizar um sistema público de saúde tão
abrangente?
Seixas O ideário foi construído pela feliz coincidência, para nós sanitaristas, de que junto à luta
por um sistema público de saúde o país também discutia a sua redemocratização. Nós, que
éramos sanitaristas, estudantes e professores e
que havíamos trabalhado nas instâncias de governo, tínhamos muitas ideias, e o desenho do
sistema que foi posto saiu de uma construção
coletiva. Cheguei a participar de reuniões com
constituintes para saber se o que deveria existir
era a expansão do Inamps ou não. E quase apanhei porque disse não! E eu disse porque vivi o
problema de um Ministério da Saúde que tinha
toda a responsabilidade de medidas de alcance
coletivo, como controle de endemias, organização legal, vigilância epidemiológica, vigilância
sanitária etc., e depois o sistema previdenciário do lado, em outro ministério. Era possível
ver que não dava para ter duas cabeças. Tinha
de juntar e isso foi sendo discutido e debatido
na constituinte, com uma coisa fantástica que
de fato era a participação das bases populares
em larga escala no Brasil. Portanto, foi uma
construção coletiva com muita participação
construtiva. Diferentemente do que está acontecendo hoje – participação popular – mas com
muita violência associada (refiro-me às manifestações populares ocorridas neste ano). O nosso objetivo era universal, ainda que houvesse
democracia com partido único – o que acabou
gerando o nome do sistema único de saúde:
chama-se único por conta das fixações ideológicas de grupos que sonhavam com uma coisa no
estilo comunista.
Consensus Analisando o SUS sob a ótica de
tudo aquilo que foi idealizado e construído
e o que temos hoje, 25 anos depois da promulgação da Constituição Federal Brasileira, qual é a sua avaliação do sistema?
Seixas Com todas as dificuldades de operação
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que o SUS enfrenta hoje, ainda assim acho que
avançamos muito, porque o número de pessoas
que passou a ser assistido em condição razoável,
e diria que muitas vezes até excelente, cresceu
muito. Isso é inegável. Havia uma população
que estava totalmente à margem da ciência
médica e da assistência. Com o SUS foi possível
sanar um pouco isso. Mas ao mesmo tempo em
que crescia a nossa satisfação em ver essas pessoas atendidas, crescia também uma angústia,
porque, paralelamente ao crescimento desses
atendimentos, cresceu também a demanda por
mais serviços. E aí vem a pergunta: como dar
condições de expansão adequada a esses serviços e a todo mundo? De repente todo mundo
passou a ter direito à saúde. E essa luta é fantástica e belíssima só que então não percebemos
que precisávamos mudar também os mecanismos de funcionamento.
Consensus Que mudanças seriam essas?
Seixas Veja bem, atender a pouca gente de maneira tranquila é uma coisa. Outra coisa é fazer
um atendimento de massa decente. Há certo
tempo estou dizendo que há deficiência no
sistema. Vou citar o exemplo dos bancos. As
agências bancárias sofreram uma mudança parecida e expandiram os seus serviços para todo
mundo. Só que eles investiram em informatização e tecnologia. Eu gostaria muito de poder
dizer: “Procure o SUS e tenha um atendimento
personalizado” (fala isso fazendo uma alusão à
propaganda de um banco de renome no Brasil).
Mas com o SUS essa informatização não aconteceu da maneira como deveria ter acontecido. O
atendimento foi expandido, a saúde passou a ter
outra dimensão na vida das pessoas, tornando-se realmente um valor fruto da evolução cultural desse país, mas a informatização continuou
sendo uma das grandes carências do sistema.
Para prestar contas sobre o dinheiro que recebemos, há informatização. Agora, como o médico
atende às pessoas no SUS? Estamos anos-luz
muito atrasados! Nós não temos infraestrutura,
e se houver informatização, para onde se man-
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da o paciente? Para onde não tem atendimento?
Não foi o SUS que determinou isso, mas
dois fenômenos: a urbanização explosiva e a
consciência política que se desenvolveu fortalecendo a ideia da saúde como um direito
de todos. Faltava a infraestrutura. Eu acredito que a informatização deve ser trabalhada
com uma questão estruturante para o atendimento da população. Só que a informatização
tem dificuldades e resistência e, além disso,
o hospital não é uma peça isolada e depende
dos demais serviços do sistema de saúde, mas
nós continuamos à moda antiga: o médico
prescreve e diz para o paciente procurar uma
unidade. E o cidadão sai com um papelzinho
nosso quando deveria ser uma coisa informatizada e ordenada.
Consensus O SUS tem de ordenar todo esse
atendimento?
Seixas O sistema tem de assumir o usuário.
Vou dar um exemplo. Há certo tempo, acompanhei uma consulta cardiológica com um
médico residente. Disse a ele que queria ver
o uso e a importância da informatização no
atendimento. O residente chamou o paciente
e conferiu no computador o seu histórico e a
evolução do caso. Em seguida, chamou a supervisora para rever a situação do caso e imediatamente entraram em interação. Ao fim,
percebi que aquele residente tinha dado uma
consulta perfeita, humanista e completa: ele
conseguiu ler tudo com facilidade e complementou o relatório da consulta. Em seguida,
questionei por que depois de tudo ser feito digitalmente a prescrição foi feita manualmente? Sabe o que ele me respondeu? “Doutor
Seixas, o senhor acredita que essa parafernália não chegou até a farmácia que nos atende,
que é a mesma de outro hospital, porém não
tem o sistema integrado ao nosso?”
Ou seja, dessa maneira, nunca saberemos se o
medicamento está disponível ou se há algum
similar que possa ser prescrito, como saber
rapidamente se é necessário prescrever um
similar, ou seja, coisas que seriam facilmente
resolvidas com a informatização. Não é necessário fazer curso de sociologia para humanizar o atendimento. Esse é um setor do SUS
que para mim é central. O cartão SUS deu a
falsa sensação de que tudo ficaria resolvido.
Não ficou! Tem de ter o cartão, mas além dele
é preciso informatizar tudo – são 25 anos! Se
não vamos ficar fazendo estudos e dizendo
que não há satisfação com o sistema e com o
atendimento. Quem usa o SUS o avalia bem,
então dizer que ele não melhorou não é verdade. Melhorou muito e podia ter melhorado
muito mais. Com a informatização, com uma
base financeira tranquila.
Consensus Chegamos à questão do financiamento. Estados e municípios têm aumentado seus investimentos em saúde. No
entanto, a União ainda não tem definida
a sua participação. O senhor acha que é a
área econômica que não permite que o governo avance no incremento dos recursos
para o SUS?
Seixas Não é a área econômica do governo.
É a elite econômica que tem poderes acima
dos desejados na ação do governo que impede
que isso aconteça. As elites econômicas que
sustentam a base econômica do governo não
permitem. E aí espalhou-se uma ideia que é
predominante no país de que o problema da
saúde não é falta de dinheiro, mas de administração. Isto é uma propaganda enganosa,
alienante. O sistema sem base financeira é
alienado. O SUS tem um problema sério de
falta de base financeira.
Consensus O senhor acha que o SUS está
ameaçado?
Seixas Acho que ele corre o risco de ir se desmoralizando pouco a pouco e com uma tragédia
maior, porque simultaneamente a assistência
médica privada também está crescendo. E está
com sérios problemas e não faz nenhuma força
a mais para sair dessa situação, embora o aporte
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consensus entrevista
financeiro que eles têm seja expressivamente
maior que o aporte financeiro do SUS. E não
adianta dizer que está todo mundo roubando,
não é nada disso! Temos contextos socioeconômicos, históricos e operativos que comprovam
que precisa ter um pouco mais de melhorias
para dar apoio ao sistema. Cientificamente, foi
comprovado que é possível ter recursos e um
bom sistema sem levar o país à inflação e à paralisia. Pergunta quanto o PAC ganhou com a
eliminação da CPMF...
Consensus : A CPMF seria então a solução?
A fonte de recursos para o SUS?
Seixas Uma premissa é essa. O Brasil tem capacidade de ter um bom sistema de saúde. Mas
isso não é muito caro para um país ainda em
desenvolvimento? Não! E a prova disso é que
quando se implantou a CPMF e ela passou a
ser cobrada ninguém ficou chorando pela rua e
nem os empresários saíram dizendo que teriam
de fechar as fábricas. Isso não aconteceu. À época da sua criação, o Dr. Adib Jatene fez questão
de se certificar se a cobrança era inflacionária.
Vocês viram algum festejo nas praças públicas
quando terminou a cobrança da CPMF? Não
houve. A desculpa é que há muito imposto e o
que der pra tirar eu tiro, mesmo que seja da saúde. A motivação quando se implantou o sistema da CPMF era que ela fosse na sua totalidade
vinculada à saúde. Se isso tivesse acontecido,
poderíamos ter avançado com o sistema. Aquele dinheiro dava e sobrava e, de repente, por
condutas políticas que começaram no governo
FHC e continuou no governo atual, a CPMF foi
extinta.
Eu acredito que a informatização
deve ser trabalhada como uma
questão estruturante para o
atendimento da população.
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Consensus Será que a população está disposta a pagar mais para ter um sistema melhor? Com o advento do sistema privado,
podemos concluir que sim, pelo fato de já
pagarmos pelos planos privados de saúde?
Seixas Esse é o problema. Isso em uma democracia significa criar uma mentalidade que
torne isso culturalmente desejado. E votar
para saber se quer ou se não quer é falácia.
Veja, é claro que para derrubar a CPMF a imprensa jogou pesado para fazer que ela não
fosse mantida.
Consensus Naquele senso comum que ninguém quer pagar mais imposto...
Seixas E o que a televisão e os artigos de jornais fizeram questão de apresentar? Que o
sistema público de saúde não vale nada. Que
há roubo. Mas é o roubo que está estragando o sistema? Não é o roubo. O roubo ajuda
a desmoralizar o sistema, mas a perda desse
dinheiro é que está levando o SUS para a condição em que ele está. A gente ficava sempre
angustiado de defender o sistema que foi
aprovado. E é uma mentira, o país não é rico,
mas é rico o suficiente para sustentar um sistema público de saúde nos termos constitucionais. A ociosidade é pior que o roubo no
sistema atual, na minha cabeça.
Consensus Sobre a carreira no SUS qual é a
sua opinião?
Seixas Tem de fazer carreira de administração
pública da saúde e isso precisa ser feito no Brasil inteiro. Eu não posso continuar com um
sistema que quando troca o governo, eu possa trocar de uma ponta a outra qualquer uma
das direções. A carreira no serviço público de
um sistema dessa magnitude é fundamental.
Mas quem tem coragem de fazer isso? É preciso levar essa discussão ao Congresso, porque
ele foi o responsável pela Constituição que
criou o SUS. Outra questão importante diz
respeito a uma carreira nacional. Isso para
mim é burrice, porque as diferenças regionais
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são muito grandes. O Ministério da Saúde
tem de ter uma carreira para ele, no papel específico dele dentro do sistema. E cada estado
e município deve ter a própria carreira. Se a
visão é sistêmica, e eu imagino que seja, todas
as peças são igualmente importantes.
Consensus Em relação à normatização que
envolveu o SUS, com a criação das Normas
Operacionais Básicas (Nobs), por exemplo,
como se deu esse processo de construção
das normatizações?
Seixas Isso não é fácil em um sistema com essa
complexidade de poderes diferentes e autônomos. Esta complexidade faz que as normatizações sejam sempre fruto de um consenso e não
de decisão técnico-científica de escritório e muito menos de partidos. Isso dá trabalho. É preciso
estar sempre normatizando para buscar o consenso e dar andamento e efetividade às ações. À
época da criação das Nobs, o que a gente pensou
em fazer era deixar claro que o sistema não é
cada um fazer o que bem entende. É preciso haver normas básicas e nós temos de sentar para
debatê-las. Isso foi bacana porque independe de
leis. E aí foram criados os Conselhos (CONASS,
Conasems, Cosems, CNS) e tivemos a chance de
sentar lado a lado para definir essas normativas.
As Nobs foram feitas com grupos de trabalho
que levaram muito tempo. Eu não sei se o restante da normatização saiu sempre na mesma
dinâmica, porque não acompanhei toda a implantação.
Consensus Essa relação interfederativa seria um avanço?
Seixas Acho que a consolidação dessa relação
é importante. Não deixar esse negócio esbarrar por uma coisa partidária. O SUS ainda é
apartidário, mas eu acho que a gente com
muita frequência escorrega por causa do partidarismo, porque nós estamos avançando na
democracia, mas nossa democracia perdeu
um pouco em comportamento político. Antes, os políticos tinham como corresponsa-
O roubo ajuda a
desmoralizar o sistema,
mas a perda desse
dinheiro é que está
levando o SUS para a
condição em que ele está.
bilidade a promoção do bem comum como
uma coisa importante. Hoje, a maioria está
muito preocupada em como conquistar o poder e como se manter nele. Acho que faz parte
da evolução cultural de um país que não era
historicamente democrático. Esse é o período
mais longo de democracia que nós vivemos.
Nós não podemos dizer que temos aí uma cultura consolidada de vida democrática durável. Não é verdade. E isso no sistema vira um
caos. Sozinho ninguém vai a lugar nenhum.
Consensus Ficou nítido na nossa conversa que o financiamento continua sendo o
principal problema do SUS. Qual é o maior
avanço do SUS na sua opinião?
Seixas Conseguimos montar um sistema
com três polos de poder distintos e com marquises político-partidárias também distintas
e, apesar disso, a gente está sobrevivendo e
conseguindo avançar. Isso é inegável. Basta
ver o volume de serviços prestados. Mas nós
precisamos de uma carreira de saúde pública
capaz de abordar a saúde coletiva a exercer a
tecnologia. Eu diria que falta uma coisa: informações e informatização, para mim, no limite da informação adequada e regulamentada.
Falta um negócio que é informação social. É
saber me comunicar com a população como
um todo do que está se fazendo. É informação
que gere debate e a construção de um pensamento comum.
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especial
25 anos da
Constituição
Federal
Brasileira
e DO SUS
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consensus | quarto trimestre 2013
A trajetória e a consolidação do maior período
democrático e do maior sistema de inclusão
social da história do país
ADRIANE CRUZ
A
instituição do Sistema Único de Saúde
(SUS) deu-se em 1988, com a promulgação da Constituição Federal Brasileira. Passados 25 anos desde que o jovem SUS deu seus
primeiros passos, carregando uma bagagem
com muitas conquistas e inúmeros desafiosO
mote de seu nascimento e sua principal prerrogativa: ser de todos e para todos.
O Movimento Sanitário, antes mesmo da
Constituinte, começou a escrever a história
do SUS, a partir da premissa da universalidade, ideário que se alastrou entre estudiosos,
gestores, políticos, acadêmicos e cidadãos em
geral, engajados na defesa da garantia do acesso aos serviços públicos de saúde, sem exceção, a todos os cidadãos.
O Movimento da Reforma Sanitária tão
logo deu as mãos à elaboração da Constituição Federal. Entrelaçada a ambos, estava a
principal motivação dos brasileiros naquele
momento – o exercício da liberdade e a conquista de amplos direitos sociais. Assim, as
histórias de ambos se entranharam nas linhas
históricas que fizeram de um texto a legitimação da democracia no Brasil.
A Constituição Cidadã e o SUS
O contexto da democracia em nosso país
é conhecido por todos: a ânsia pela liberdade
por muito tempo cerceada em todos os seus
aspectos e expressões e a luta pelo fim do ‘cale-se’, que nada tinha a ver com a vivacidade e
a criatividade do povo brasileiro, além de não
se fazer resolutivo frente aos problemas e às
Foto: Alexssandro Loyola
O artigo quinto da Constituição
Federal é completo em termos
de garantias individuais. É como
se o constituinte quisesse dizer:
‘Não podemos deixar que torturas,
cerceamento da liberdade de
expressão e de imprensa, prisões
arbitrárias, censuras e fechamento
institucional aconteçam nunca mais’.
É bom mencionar que estamos no
período mais longo de democracia
plena e interrupta no Brasil.
Mozart Vianna
13
especial
agruras e de uma população extremamente
diversificada, dividida em, pelo menos, cinco
Brasis dentro de um país gigante e desigual.
“As sugestões populares integraram o
processo legislativo de elaboração da Constituinte, cujo regimento interno, relatado pelo
então senador Fernando Henrique Cardoso,
permitia que estas fossem recebidas e numeradas tal como emendas parlamentares”, relembra o secretário-geral da Mesa Diretora da
Câmara dos Deputados, Mozart Vianna.
Assim, fez-se expressiva a participação da
sociedade na elaboração do texto da Constituição Federal de 88, intitulada por Ulysses Guimarães como “Constituição Cidadã”, tendo em
vista os aspectos sociais incorporados ao texto.
Da mesma maneira, aconteceu com as linhas
que escreveram o SUS, antes mesmo da Constituinte, rabiscadas no mesmo contexto de luta
política, mobilização e participação de vários
setores da sociedade e da academia.
Ávidos por mudanças, dois importantes
grupos iniciaram uma verdadeira revolução,
planejando e sistematizando aquela que seria
a mudança fundamental não apenas no poder
político, mas em toda a sociedade brasileira: os
representantes do Movimento da Reforma Sanitária, liderados por Sérgio Arouca, e os Constituintes, liderados por Ulysses Guimarães.
“Caminhamos a passos largos na busca
de um texto que traduzisse aquele momento.
Foram muitas discussões em reuniões exaustivas, que duravam o dia inteiro. E depois, em
um grupo menor, enxugávamos as informação e colocávamos no papel o que era mais
relevante”, conta o relator do capítulo da Seguridade Social e Saúde, na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, Carlos Mosconi.
A Constituinte foi um período de intensa
interação não apenas entre os parlamentares
e os sanitaristas, mas entre as diversas representações sociais que se fizeram presentes no
Congresso Nacional durante aquele período.
“Foi um momento histórico muito especial e
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Caminhamos a passos largos
na busca de um texto que
traduzisse aquele momento.
Foram muitas discussões
em reuniões exaustivas, que
duravam o dia inteiro. E
depois, em um grupo menor,
enxugávamos as informação e
colocávamos no papel o que
era mais relevante.
Carlos Mosconi
importante para o país”, relata Mozart Vianna,
que trabalhou ativamente no processo de elaboração e operacionalização da Constituição
Federal de 88. Vianna defende que o texto, cujo
detalhismo é alvo de duras críticas, foi resultado de um trabalho minuciosamente elaborado
com vistas à proteção social e à consolidação do
regime democrático.
“O artigo quinto (Capítulo I – dos Direitos e
Foto: Assessoria de Comunicação Social do Deputado Carlos Mosconi
www.conass.org.br
Deveres Individuais e Coletivos) é completo em
termos de garantias individuais. É como se o
constituinte quisesse dizer: ‘Não podemos deixar que isso aconteça nunca mais’, no que se
refere a torturas, cerceamento da liberdade de
expressão e de imprensa, prisões arbitrárias,
censuras e fechamento institucional. Sem falar
do que acontecia nos porões e que não sabíamos”, argumenta Vianna, e completa: “É bom
mencionar que estamos no período mais longo
de democracia plena e interrupta no Brasil”.
Centrão
Permeada pelo anseio de um regime democrático, a Constituinte foi palco de embates políticos e ambiente de convencimento
em relação a temas diversos. Naquele final
de 1987, relata Mozart Vianna, a estratégia do
chamado Centrão passou a integrar o processo da Constituinte, reagindo a determinadas
questões, incitando o diálogo e equilibrando
a predominância que ainda havia das forças
de centro esquerda.
“Era um momento em que começaram
a surgir ideias que não tinham maioria para
serem aprovadas, porém, tinham força, como
por exemplo a reforma agrária. O Centrão,
organizado por parlamentares de vários partidos, tinha peso nas votações. Percebendo
que seria difícil votar um texto constitucional com aquele número de deputados contra,
o Dr. Ulysses, sabiamente, retardou os trabalhos”, relembra Vianna.
De fato, no final de 87, os trabalhos foram
paralisados e uma nova resolução alterava o
regimento da Constituinte, permitindo a inclusão das chamadas emendas de bancada.
Com isso, permitiu-se a construção de um
novo texto, com estas novas emendas, além
das populares que podiam ser inseridas diretamente na Comissão de Sistematização.
“O certo é que, depois do Centrão, o texto Constitucional foi praticamente refeito.
Tanto é que o sistema parlamentarista virou
A grande força da democracia
é confessar-se falível de
imperfeição e impureza, o
que não acontece com os
sistemas totalitários, que se
autopromovem em perfeitos
e oniscientes para que sejam
irresponsáveis e onipotentes.
Ulysses Guimarães, 1988
presidencialista e foi a plenário. O que foi
bom porque equilibrou o texto e o fez mais
representativo da sociedade brasileira”, explica Vianna.
“Essa mudança que zerou o jogo fez com
que a democracia ficasse mais consolidada
dentro da Constituição Federal. Foi um novo
texto feito com ampla democracia, no qual o
próprio constituinte permitiu alterar o regimento para dar equilíbrio às forças presentes.
Naquele dia eu senti o Dr. Ulysses receoso,
mas ele soube trabalhar bem, tanto que no
final, quando ele levanta a Constituição na
mão, diz: Chegamos! Conseguimos! Porque
havia o medo de que isso não acontecesse, que
não saísse um bom texto. Mas saiu um texto
tão bom que estamos há mais de 25 anos em
plena democracia, total liberdade e não há o
menor vestígio e sensação de que isso irá mudar”, elogia o secretário.
Carlos Mosconi lembra que, em relação à
saúde pública, sabia-se que a mudança era imprescindível, já que inexistia uma política de
saúde e que era inaceitável que o maior contingente da população continuasse excluído.
“Não existia saúde preventiva e nenhuma lei
que amparasse a população. Na votação final,
em plenário, o SUS foi aprovado praticamente por unanimidade, tivemos 2 ou 3 votos
15
especial
contrários. Foi uma vitória magistral, espetacular”, descreve.
Os próximos 25 anos
Está em curso uma reforma
democrática não anunciada
ou alardeada na área da
saúde. A Reforma Sanitária
brasileira nasceu na luta contra
a ditadura, com o tema Saúde
e Democracia, e estruturouse nas universidades, no
movimento sindical, em
experiências regionais de
organização de serviços. Esse
movimento social consolidouse na 8ª Conferência Nacional
de Saúde, em 1986, na qual,
pela primeira vez, mais de 5
mil representantes de todos
os seguimentos da sociedade
civil discutiram novo modelo
de saúde para o Brasil. O
resultado foi garantir na
Constituição, por meio de
emenda popular, que a saúde
é um direito do cidadão e um
dever do Estado.
Sergio Arouca, 1998
16
A participação da sociedade, expressa no
Movimento Sanitário e no processo da Constituinte, não alcançou a população como um
todo, segundo a presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza.
Para ela, o movimento foi determinante para
a concepção do SUS – mobilizando intelectuais, pesquisadores, estudantes e profissionais
de saúde que, além de aturarem dentro da
saúde pública, puderam fazer uma crítica política, conceber e apresentar outra proposta.
“Porém, embora articulado com outros movimentos sociais, não ganhou uma dimensão
de massa”, ressalta.
Socorro destaca que foi a instituição da
participação comunitária e social, começando
pela saúde e se estendendo para outras políticas
públicas, por meio dos conselhos de saúde, que
trouxe os movimentos populares e sociais para
dentro das discussões em relação ao SUS. “A
democratização preconizada pela Constituinte
não foi suficiente para romper com a cultura
política que, no Brasil, a gente chama de híbrida, porque é democrática, mas também muito
conservadora nas suas bases. Ou seja, a sociedade se democratizou, mas o Estado não”.
O Conselho Nacional de Saúde, explica
Socorro, vem atuando de maneira a estender
a democratização da sociedade para a esfera
do controle social da saúde, garantindo, ampliando e fortalecendo a participação dos
movimentos sociais, de entidades e de organizações diversas, como Movimento Negro;
Entidades de Trabalhadores; Comunidade
Científica; Populações de Rua; População Negra; LGBT; Campo e da Floresta; Aposentados;
Idosos; Indígenas e etc. “Nosso papel é sermos
a expressão da democratização da sociedade,
que tem estes novos movimentos dentro da
sua concepção. Estamos também insistindo
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na democratização do Estado por meio de
uma parceria com o Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), que é uma maneira de enfrentar os problemas do SUS. Também estamos atuando ativamente dentro do
Congresso Nacional para que a saúde tenha
uma pauta mais positiva e propositiva num
ambiente onde ainda existe um correlação de
forças muito desfavorável ao SUS”, completa.
Socorro finaliza elencando os principais
pontos da agenda política do CNS: a busca
por um financiamento adequado para o setor,
apoiando e atuando junto ao Movimento Saúde + 10; a consolidação de uma política de Recursos Humanos para o SUS, que contemple
não apenas os médicos, mas todos os profissionais de saúde, sobretudo a equipe multiprofissional da Atenção Primária à Saúde (APS); e a
saúde como direito humano. “Buscamos uma
maneira de trazer o campo popular um pouco
mais para dentro dos conselhos, combatendo as
injustiças e os preconceitos e enfrentando as desigualdades, principalmente nas regiões norte
e nordeste, mais desassistidas”. O CNS também
vem buscando ampliar o diálogo e as articulações entre os demais conselhos, buscando incidir nas decisões finais da gestão do SUS em seus
três níveis. “Todas essas estratégias fazem parte
da Campanha Nacional de Defesa do SUS e Fortalecimento do Controle Social — O povo de
mãos dadas por um SUS de qualidade para todos – desenvolvida pelo Conselho Nacional de
Saúde e conselhos estaduais e municipais até a
15ª Conferência Nacional de Saúde”.
Outras avaliações a respeito do futuro do
SUS foram apresentadas durante o Simpósio
Política, Planejamento, Gestão e Avaliação da
Saúde, promovido pela Abrasco no mês de
outubro, na ocasião do 2ª Congresso Brasileiro de Política e Planejamento em Saúde. O
professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Gastão Wagner, ressaltou que é preciso trabalhar uma nova institucionalidade do
modelo de gestão do SUS, que inclua o planeFoto: Rondon Vellozo - Ascom/MS
jamento participativo. Wagner também destacou a necessidade de avançar na discussão
do subfinaciamento e repensar a gestão de
pessoal e a criação de carreiras.
O professor da Universidade Federal da
Bahia (UFBA) Jairnilson Paim, destacou que
a política de saúde é acima de tudo uma prática social. “Temos uma particularidade muito grande no Brasil: estamos sempre abertos
para novas propostas. Nosso desafio é dialogar com o que se produz nas ciências humanas e sociais para produzir um novo pensar.
No âmbito da produção de conhecimento,
temos de pensar na construção de sujeitos
inovadores. Antes de perguntarmos qual é o
Estado que queremos, devemos nos perguntar que sociedade queremos construir para
nossos descendentes”, disse.
Oswaldo Tanaka, professor da Universidade de São Paulo (USP), em sua participação
no mesmo evento, disse que é preciso definir
novos parâmetros para a avaliação das políticas de saúde. Tanaka falou também da necessidade de aprimoramento do processo de
implementação da universalidade, integralidade e equidade do SUS que garanta, de fato,
o direito à saúde a todos os brasileiros. “O que
está sendo realizado não tem sido suficiente
Maria do
Socorro
de Souza,
presidente
do Conselho
Nacional de
Saúde
17
especial
para identificar alternativas ou mudanças
de rumo que permitam uma atenção à saúde
mais efetiva e mais abrangente”, concluiu.
Já o pesquisador do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola
Nacional de Saúde Pública (Ensp), Adolfo Chorny, defendeu que, para dar ênfase às questões de
planejamento é preciso dialogar menos com o
passado e mais com o futuro, além de romper
as fronteiras intersetoriais. Chorny também
questionou a relevância da política econômica
no Brasil. “Qual é a importância de sermos a 6ª,
7ª economia mundial, se temos mais de 10 milhões de miseráveis no país?”.
Em entrevista recentemente concedida ao
Estudos Avançados, Eugênio Vilaça Mendes, coordenador técnico do CONASS Debate (leia mais a
respeito deste projeto nas páginas 36 e 37), destaca
que o SUS rompeu a iniquidade que existia nos
tempos do Inamps, encorpando mais de cinquenta milhões de brasileiros e fazendo desaparecer
a figura do indigente sanitário. “O SUS é a única
forma de acesso à assistência à saúde para 75%
dos brasileiros”, argumenta Vilaça, reforçando a
dimensão universal do sistema público de saúde que cobre todos os cidadãos com serviços de
vigilância sanitária, epidemiológica, de sangue,
de transplantes de órgãos, entre outros. “Na assistência à saúde, o SUS é o responsável exclusivo
por 140 milhões de pessoas, uma vez que 48 milhões de brasileiros recorrem ao sistema de saúde
suplementar, muitos deles acessando também o
SUS quando o sistema privado apresenta limites
de cobertura. O SUS constitui a maior política de
inclusão social da história de nosso país”, defende.
O sistema público de saúde brasileiro apresenta números expressivos: quase seis mil hospitais e mais de sessenta mil ambulatórios con-
Fatos que marcaram a saúde no Brasil
8a Conferência
Nacional da Saúde
Suas propostas foram
contempladas tanto no texto
da Constituição Federal, como
nas Leis Orgânicas da Saúde,
n. 8.080/90 e n. 8.142/90.
Criação do CONASS
Promoção, articulação e
representação política da
gestão estadual do SUS.
1978
1982
1984
1986
1988
Alma-Ata
Formulada por ocasião da
Conferência Internacional
sobre Cuidados Primários
de Saúde, no Cazaquistão,
entre 6 e 12 de setembro
de 1978, dirigindo-se a
todos os governos, na
busca da promoção de
saúde a todos os povos
do mundo.
18
Diretas Já
Movimento civil
de reivindicação
por eleições
presidenciais diretas
no Brasil.
Criação do Conasems
Promover e consolidar um novo
modelo de gestão pública de
saúde alicerçado em conceitos
como descentralização e
municipalização.
www.conass.org.br
tratados; mais de dois bilhões de procedimentos
ambulatoriais por ano; mais de onze milhões de
internações hospitalares por ano; aproximadamente dez milhões de procedimentos de quimioterapia e radioterapia por ano; mais de duzentas
mil cirurgias cardíacas por ano; e mais de 150 mil
vacinas por ano. Programas como o Sistema Nacional de Imunizações, o Programa de Controle de
HIV/Aids e o Sistema Nacional de Transplantes de
Órgãos são referência internacional. Além disso, a
Atenção Primária à Saúde brasileira tem sido considerada, por sua extensão e cobertura, um exemplo a ser seguido por outros países.
Vilaça explica que o SUS encontra-se em
uma situação de saúde que combina transição
epidemiológica, demográfica e nutricional aceleradas e tripla carga de doença, com forte predomínio de condições crônicas. “O problema é
que a resposta social está estruturada num siste-
ma de atenção à saúde que é fragmentado, que
opera de forma episódica e reativa e que se volta, principalmente, para a atenção às condições
agudas e às agudizações das condições crônicas.
O sistema de saúde fragmentado que praticamos não é capaz de responder socialmente, com
efetividade, eficiência e qualidade, à situação de
saúde vigente”, pondera.
Para Eugênio Vilaça, a resposta a esse desafio está em restabelecer a coerência entre a
situação de saúde e a forma de organização do
sistema, promovendo mudanças com o objetivo de que o sistema seja integrado, que opere de
forma contínua e proativa e que seja capaz de
responder com eficiência, efetividade e qualidade e de modo equilibrado às condições agudas e
crônicas. “Ou seja, o SUS deverá ser estruturado
em redes de atenção à saúde, coordenadas pela
Atenção Primária à Saúde”, aponta.
Promulgação da
Constituição da
República Federativa
do Brasil
1988
Lei n. 141/12
Regulamentou a EC n. 29,
definindo ações e serviços
de saúde e percentuais
a serem aplicados
anualmente pelas três
esferas de gestão do SUS.
2007
Extinção da CPMF
A saúde perde cerca de
R$ 40 bilhões por ano.
Imagens: Internet
2012
Mais Médicos
Programa instituído pelo
governo federal com objetivo
de levar médicos para regiões
onde há escassez e ausência de
profissionais.
2013
Saúde + 10
Movimento popular que exige
a destinação de 10% da Receita
Corrente Bruta para a Saúde.
Foram coletadas e entregues ao
Congresso Nacional, cerca de
2 milhões de assinaturas.
19
especial
Financiamento – o maior de todos os
desafios
Este grande desafio que se coloca historicamente e para os anos futuros, não será
fácil de ser superado, segundo Vilaça, porque a fragmentação do sistema tem profundas raízes econômicas, políticas e culturais
que a sustenta. No entanto, ele afirma que
alguns passos têm sido dados no caminho
da construção de redes de atenção à saúde
no SUS.
“A saúde como direito de todos e dever
do Estado não foi sustentada, na Constituição Federal, por uma base material que
garantisse um financiamento público compatível com a universalidade”, ressalta Eugênio Vilaça Mendes.
Dentro do processo da Constituinte,
Carlos Mosconi concorda que o financiamento da saúde não foi contemplado. “Não
orçamento DO
MINISTÉRIO DA
SAÚDE PARA 2014
PRECISA DE, NO
MÍNIMO, R$ 18
BILHÕES a mais,
APONTA ESTUDO
DO CONASS
O estudo mostra a necessidade
de ampliação dos recursos
com ênfase nas ações de
Média e Alta Complexidade
Ambulatorial e Hospitalar,
Atenção Primária à Saúde e
aquisição de medicamentos
básicos e de especialidade e
Vigilância Sanitária
Tatiana Rosa
conseguimos avançar nesta questão porque
na constituinte haviam muitos economistas e eles eram contrários à vinculação de
receitas. Quem conseguiu quebrar isso foi
o senador João Calmon, que era um grande
defensor da educação e conseguiu vincular
para o setor, o que foi bom ou então teríamos sérios problemas na educação hoje.
Mas, por isso, estamos nessa briga até hoje,
– 25 anos depois”, constata.
20
O Conselho Nacional de Secretários
de Saúde (CONASS), analisou o Projeto
de Lei Orçamentária Anual/2014 (PLOA
2014) enviado pelo Governo Federal ao
Congresso Nacional focando os recursos
destinados ao Ministério da Saúde. A
constatação é de que, apesar do ministério da Saúde ter sido contemplado com
a segunda maior dotação orçamentária
para o próximo ano, em comparação aos
demais ministérios, os recursos ainda
são insuficientes.
www.conass.org.br
Comparados os valores programados no PLOA/2014 com o orçamento de 2013, houve um
incremento nominal de 1,04% no orçamento global do Ministério, muito abaixo da inflação
prevista para 2013 (5,7%) e do crescimento do PIB projetado para 2013 (3,0%).
O estudo do CONASS constatou ainda que, se acrescido à Lei, os créditos orçamentários
concedidos nesse exercício, até setembro ao MS, o valor alocado no PLOA/2014, é o mesmo
que em 2013.
A análise (tabela abaixo) aponta para a necessidade de um acréscimo de R$ 17,8 bilhões
nos recursos orçamentários de 2014, para o Ministério da Saúde, principalmente no que diz
respeito às ações de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar, Atenção Primária à Saúde e aquisição de medicamentos básicos e de especialidade e Vigilância Sanitária.
O CONASS alerta que os recursos apontados no estudo não são relativos à necessidade
total do ministério da Saúde, e não contemplam, investimentos, mas sim apenas o atendimento mínimo das ações descritas.
Além disso, é de conhecimento público e está comprovada a necessidade de mais recursos para
a área da saúde. Se a União aportasse o equivalente a 10% de sua Receita Corrente Bruta, o orçamento
do Ministério da Saúde em Ações e Serviços Público de Saúde para 2014 seria acrescido de aproximadamente R$ 46,138 bilhões – pleito contemplado no Projeto de Lei de Iniciativa Popular (Saúde+10)
entregue à Câmara dos Deputados com 2,2 milhões de assinaturas, em 05 de agosto de 2013.
Confira o estudo detalhado (Nota Técnica n. 53/13) no portal do CONASS.
Acesse: www.conass.org.br
Proposta do CONASS para incremento de recursos no PLOA 2014 do Ministério da Saúde
Ações
PLOA 2014
Necessidade Total
Proposta de
Acréscimo
Atenção à Saúde da População
para procedimentos de Média e
Alta Complexidade (8585)
36.300.000.000
52.142.139.312
15.842.139.312
Piso de Atenção Básica Fixo - PAB
FIXO (8577)
5.287.000.000
6.031.883.670
744.883.670
Apoio Financeiro para Aquisição
e Distribuição de Medicamentos
do Componente Especializado da
Assistência Farmacêutica (4705)
4.900.000.000
5.784.837.185
884.837.185
Promoção da Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos
na Atenção Básica em Saúde
(20AE)
1.300.000.000
1.506.696.133
206.696.133
Incentivo Financeiro aos Estados
, Distrito Federal e Municípios
para Execução de Ações de Vigilância Sanitária (20AB)
185.000.000
361.913.020
176.913.020
47.972.000.000
65.827.469.320
17.855.469.320
Total
Em R$ 1,00
21
@
@
saúde em foco
A saúde pública no
Brasil no ano de 2013
Tatiana Rosa
2013
representou para o Brasil
um marco na sua história. No ano em que se comemoraram
os 25 anos da Constituição Federal e,
simultaneamente, do Sistema Único de Saúde (SUS), o povo brasileiro
mais uma vez demonstrou a força da
democracia conquistada com a Constituinte de 1988.
Em inúmeras manifestações populares nas ruas do país, a sociedade
demonstrou a sua insatisfação com
os rumos de diversas políticas públicas sociais, entre as quais a saúde
pública ocupou maior destaque na
pauta de reivindicações.
Para saber quais foram os principais avanços ocorridos no SUS
neste ano e o que foi e tem sido feito para atender ao clamor das ruas,
ouvimos os representantes das três
esferas de gestão do SUS: Ministério da Saúde, Conselho Nacional
24
de Secretários de Saúde (CONASS)
e Conselho Nacional de Secretarias
Municipais de Saúde (Conasems).
Nas linhas a seguir, o ministro
da Saúde, Alexandre Padilha, o presidente do CONASS, Wilson Duarte Alecrim, e o presidente do Conasems, Antonio Carlos Figueiredo
Nardi, fazem um balanço dos pontos positivos e negativos da Saúde
neste ano em que comemoramos o
25º aniversário de um sistema que
representa não só o sonho realizado
da conquista da democracia do país,
como também um patrimônio do
povo brasileiro.
Confira os principais pontos de vista dessas autoridades em
relação a pontos cruciais para o
funcionamento do Sistema Único
de Saúde, como financiamento,
gestão, participação popular e o
Programa Mais Médicos.
consensus | quarto trimestre 2013
Financiamento
“O financiamento tem sido uma luta contínua por parte dos municípios, dos estados e até
mesmo do Ministério da Saúde. Neste ano pode
ser considerado vitorioso o Movimento Saúde + 10
no que diz respeito ao papel das entidades e das organizações que ousaram trabalhar para recolher
as assinaturas dos eleitores brasileiros, mas eu já
não posso dizer o mesmo do Legislativo. Em agosto de 2013, as entidades, entre elas o CONASS e o
Conasems, deram entrada, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei de Iniciativa Popular que
prevê a destinação dos 10% da Receita Corrente
Bruta da União para a saúde. Nós chegamos ao
fim do ano com poucos avanços, ou seja, a primeira parte que foi a organização do movimento, o
trabalho das entidades e das organizações pode
ser considerada vitoriosa, pois nós conseguimos
quase o dobro do número de assinaturas necessárias. Já da segunda parte que depende fundamentalmente do Legislativo, infelizmente, eu não posso
dizer o mesmo.” – Wilson Duarte Alecrim.
“O Brasil vive, nesse início de século, uma
situação de saúde que combina uma transição
demográfica acelerada e uma transição epidemiológica singular, caracterizadas, respectivamente,
pelo aumento da expectativa de vida e pela convivência de doenças agudas, crônicas e ainda o aumento dos casos de violências e traumas. Assim,
temos a necessidade de serviços de qualidade que
exigem orçamento cada vez mais crescente para a
saúde pública no país. O governo federal saiu de
R$ 28 bilhões em 2002 para R$ 91,7 bilhões em
2012, em um crescimento quase três vezes maior.
Em 2013, teremos o maior aumento nominal no
Ministério da Saúde por decisão da presidenta
Dilma. Ao mesmo tempo, temos de continuar combatendo qualquer tipo de desperdício de recursos
na saúde.” – Alexandre Padilha.
(...) Este ano pode ser
considerado vitorioso o
Movimento Saúde + 10 no
que diz respeito ao papel
das entidades e organizações
que ousaram trabalhar para
recolher as assinaturas dos
eleitores brasileiros, mas eu já
não posso dizer o mesmo
do Legislativo.
Wilson Alecrim, presidente do CONASS
“Eu acho que a manifestação popular de
mais de 2 milhões de assinaturas do Movimento
Saúde + 10 foi o auge de todos os nossos pontos de
FOTO: CONASS
25
saúde em foco
luta. Essa é a nossa principal bandeira, não abrimos mão dos 10% da Receita Corrente Bruta da
União. O mais importante é reafirmarmos esse
princípio de um SUS igualitário, universal, com
equidade e totalmente gratuito, mas para isso
tudo ser concretizado não podemos abrir mão de
financiamento solidário entre as três esferas de
governo, fazendo que a União destine os 10% de
sua receita. Quem está pedindo é a população.” –
Antonio Carlos Figueiredo Nardi.
Gestão do SUS
Acho que o marco que nós
tivemos no mês de maio e
junho com as manifestações
populares clamando por
transporte, por educação,
por lisura, por transparência e
por saúde de mais qualidade,
mostrou que a população está
acordada aos seus direitos (...)
Antonio Carlos Figueiredo Nardi,
presidente do Conasems
26
“No que diz respeito à gestão do SUS é muito
importante destacar o papel das Comissões Intergestores Regionais (CIR), das Comissões Intergestores Bipartite (CIB) e da Comissão Intergestores
Tripartite (CIT). Essas comissões têm amadurecido bastante principalmente no que diz respeito
ao debate, à discussão e à implantação das Redes
de Atenção à Saúde e isso tem proporcionado um
novo papel dessas Comissões dentro do sistema.” –
Wilson Duarte Alecrim.
“Essa sintonia entre o CONASS, o Conasems e o Ministério da Saúde tem avançado muito. Quero destacar ainda a relação com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), que representa
o controle social do SUS e veio corroborar e fortalecer harmonicamente esse pacto interfederativo entre gestão e controle social.” – Antonio
Carlos Figueiredo Nardi
“Buscamos melhorar a qualidade do atendimento, e essa qualidade começa na formação
dos nossos profissionais. Apoiamos os estados e
os municípios na qualificação do pessoal em atuação no SUS, em especial na distribuição espacial
e nas condições de trabalho dos profissionais de
saúde. Atuamos também na educação profissional técnica de nível médio, articulada aos serviços
de saúde. Dessa forma, colaboramos para o aperfeiçoamento da gestão de pessoas, desafio para os
gestores do SUS de todos os Entes da federação.”
– Alexandre Padilha
FOTO: Arquivo Conasems
www.conass.org.br
“Outro ponto positivo para o SUS neste ano
de 2013 foi o incentivo, por parte do Ministério da
Saúde, à Atenção Primária em Saúde, por meio
da Portaria n. 2.924, que habilita propostas a receberem recursos referentes ao Programa de Requalificação de Unidades Básicas de Saúde (UBS)
para os componentes Construção, Ampliação e
Reforma; incentivo para construção dos Polos da
Academia da Saúde e Aquisição de Equipamento
e Material Permanente para estabelecimentos de
saúde.” – Wilson Duarte Alecrim
“Certamente os Programas de Requalificação
das UBS, de melhoria no co-financiamento da Atenção Básica, das unidades fluviais principalmente no
Norte do país como um todo, foram grandiosos.” –
Antonio Carlos Figueiredo Nardi
“A nova forma de contratualização com as
entidades filantrópicas e o SUS, sendo que, nesta
última, apenas aqueles estados em que a filantropia tem participação importante na Rede de Atenção terão benefícios consideráveis. Hoje, existem
estados que têm pouquíssima participação filantrópica e que certamente não utilizarão da mesma oportunidade que os demais. Essas medidas
representam não só o equilíbrio financeiro desses
estabelecimentos, como também o aumento da
oferta de procedimentos oferecidos à população.”
– Wilson Duarte Alecrim
“Nesses 25 anos de SUS, o país foi o que mais
reduziu a mortalidade infantil no mundo – 40%
nos últimos 10 anos e 9% no período 2010-2012 –,
atingindo assim o objetivo 4 do milênio. Da mesma forma, o Brasil atingiu as metas do objetivo 6
do milênio estabelecidas para 2015, de redução da
carga da tuberculose, e possui uma das maiores
taxas de detecção entre os 22 países com maior número de casos.” – Alexandre Padilha
“Outro ponto importante para destacar em
relação à gestão diz respeito à não consolidação de
modelos alternativos de gestão, principalmente na
área de hospitais e grandes hospitais. Isso avan-
çou muito pouco. Muitos estados estão caminhando com parcerias público-privadas, outros com
modelos similares às fundações estatais, mas sem
conseguirmos ainda ter um espectro que aponte
qual o caminho alternativo para o modelo de gestão que nós temos no SUS.” – Wilson Duarte
Alecrim
“Nós tivemos também a grande portaria do
apoio às Santas Casas e aos serviços filantrópicos
que são braços indispensáveis de acesso do cidadão
aos serviços de saúde e que necessitavam dessas
medidas para sua sobrevivência e para continuar a assistir a população brasileira.” – Antonio
Carlos Figueiredo Nardi
Manifestações populares x SUS
“A população foi às ruas e reivindicou. Acho
que o marco que nós tivemos no mês de maio e junho com as manifestações populares clamando por
transporte, por educação, por lisura, por transparência e por saúde de mais qualidade, mostrou
que a população está acordada aos seus direitos e
isso é um avanço que nós conseguimos alcançar.”
– Antonio Carlos Figueiredo Nardi
“É importante a leitura desses movimentos sociais quando nós temos atores que se encarregam do
acompanhamento continuado do que se passa em
relação à sociedade com a leitura principalmente da
parte social e coletiva. O povo indo às ruas em junho
levou os responsáveis pelas políticas públicas de saúde a uma análise de como a sociedade está avaliando
e qualificando essas políticas. E dentro dessas políticas públicas de saúde que foram bastante levadas
para as ruas a saúde mereceu destaque fundamental. Com cobranças de oferta de serviços, cobrança de
mais qualidade e de ampla cobertura no país inteiro
e não apenas em algumas áreas ou regiões do país.
A presidente da República colocou a saúde como um
dos pontos prioritários na chamada pactuação com
a sociedade brasileira e fez alguns movimentos no
sentido do financiamento da saúde como a inclusão
da saúde na divisão dos lucros nos royalties do pré27
saúde em foco
-sal, mas continua a incerteza em relação à definição
de qual é a participação da União na saúde, por meio
de indicadores que assegurem a manutenção dos recursos e o crescimento deles em razão da demanda e
das necessidades da população.” – Wilson Duarte
Alecrim
Mais Médicos
“A meta do governo federal de espalhar 13
mil profissionais em postos de saúde de todo o país
no ano que vem fará o Programa Mais Médicos
‘superar’ o alcance do Bolsa Família em 14 estados. Segundo a projeção do governo, esse exército
de médicos será responsável pelo atendimento de
quase 46 milhões de pessoas no primeiro semestre
de 2014 – média de 3.500 pacientes por médico.
Já o Bolsa Família, programa criado em 2003,
alcança cerca de 49,1 milhões de pessoas (ou 13,6
milhões de famílias).” – Alexandre Padilha
O grande desafio é colocar
qualidade, ampliar o acesso
aos serviços de saúde.
Interiorizar o atendimento de
média e alta complexidade,
expandir o acesso a serviços
importantes para a população
que cada vez mais terá um
grande contingente de idosos.
Alexandre Padilha, ministro da saúde
28
“O Programa Mais Médicos é um dos pontos
mais positivos para o SUS neste ano, pois agora
temos condições de criar cada vez mais oportunidades para que os brasileiros tenham acesso à
saúde. Esse programa é a busca acertada para a
solução do grave problema que é a falta de médicos no Brasil.” – Wilson Duarte Alecrim
“O Programa Mais Médicos é um divisor de
águas. É uma resposta que o governo dá a um clamor dos prefeitos e secretários municipais do Movimento Saúde em resposta à população que afirmou que o maior problema da saúde é a falta de
médicos.” – Antonio Carlos Figueiredo Nardi
“O conjunto da população brasileira percebe
que o Programa Mais Médicos começou muito bem.
Já temos, até o momento, mais de 3,6 mil médicos
atuando em 1,1 mil municípios e 19 distritos indígenas de todo o país. Em quatro meses, o programa chegou a mais de 12,6 milhões de brasileiros. Em dezembro, quando mais um grupo de profissionais começar
a atuar, todos os municípios prioritários – ou seja,
aqueles localizados nas regiões mais carentes e aqueles sem atendimento médico – terão pelo menos um
profissional do programa.” – Alexandre Padilha
FOTO: Karina Zambrana - ASCOM/MS
www.conass.org.br
Desafios
“A saúde pública deve, pode e precisa melhorar, e estamos assumindo a responsabilidade de liderar o processo com a qualidade no atendimento como obsessão para o SUS. O grande desafio é colocar
qualidade, ampliar o acesso aos serviços de saúde. Interiorizar o atendimento de média e alta complexidade, expandir o acesso a serviços importantes para a população que cada vez mais terá um grande
contingente de idosos.” – Alexandre Padilha
“Existem vários desafios para o SUS, e o primeiro é a conquista de financiamento estável. Temos
também de pensar que o Programa Mais Médicos não é apenas de fixação de profissional médico para o
SUS. O nosso desafio é consolidar as diretrizes do programa no sentido de fixar profissionais nos 5.568
municípios do país, não só na Atenção Básica, mas também nos serviços hospitalares, nas unidades de
pronto atendimento, nas clínicas de consultas especializadas, na execução de 100% em todos os estados do país das cirurgias eletivas de acesso com a diminuição das filas de espera que é uma realidade
independente do estado em que se vive o cidadão brasileiro, porque falta acesso, faltam leitos e faltam
profissionais.” – Antonio Carlos Figueiredo Nardi
“O financiamento da saúde pública é o grande
desafio para o SUS. A insuficiência de recursos
é grande ameaça ao SUS, que para ser de fato
universal, precisa de estabilidade orçamentária.
Mas é importante ressaltar também que esse
desafio do financiamento precisa ser enfrentado
olhando-se outro aspecto importante que é a
qualidade do gasto. É preciso aumentar o gasto
em Saúde, mas, ao mesmo tempo, melhorar a
maneira como esses recursos são aplicados.”
Wilson Alecrim, presidente do CONASS
29
saúde em foco
Programa Mais Médicos
é sancionado por lei
Tatiana Rosa
“A
A presidenta
da República,
Dilma Rousseff,
no momento da
sanção da Lei
do Programa
Mais Médicos
30
desigualdade no acesso à saúde é resis- Inconstitucionalidade (ADIs) n. 5.035 e 5.037,
tente e está entranhada na sociedade ajuizadas pela Associação Médica Brasileira
brasileira, por isso o Programa Mais Médicos é (AMB) e pela Confederação Nacional dos Tratão importante para transpor essa distância e balhadores Liberais Universitários Regulamenessa diferença que existem hoje no nosso país”, tados (CNTU). Nelas, são contestados os dispoafirmou a presidente da República Dilma Rous- sitivos da Medida Provisória n. 621/2013, que
seff, ao sancionar, no dia 22 de outubro, a Lei n. instituiu o programa, os quais alteram o funcio12.871/13 que institui o Programa Mais Médicos. namento dos cursos de graduação em Medicina, a formação dos profissionais e a viaAinda assim, um mês após a sanção, o programa ainda tem a sua
legalidade questionada. Nos dias
Mais de 320
25 e 26 de novembro, o ministro do mil consultas já
bilidade de contratação de médicos
realizadas
Supremo Tribunal Federal, Marco
estrangeiros para atuarem junto ao
Aurélio Mello, realizou Audiência
Sistema
Único de Saúde (SUS), espePública para debater o programa do gocialmente no âmbito do atendimento familiar.
verno federal com representantes de 23 enti“É importantíssima a junção desses dois
dades ligadas a médicos, trabalhadores, pespredicados, o técnico-constitucional e o huquisadores, sociedade civil e poder público.
manístico, uma vez que a ordem jurídica
O ministro é o relator das Ações Diretas de
existe para beneficiar os cidadãos em geral”,
afirmou o ministro durante o debate.
Marco Aurélio explicou que a Audiência
Pública servirá como base para instruí-lo no
julgamento das ADIs e esclareceu que levará
em consideração a vinda dos médicos ao Brasil, ou seja, “a abertura maior das fronteiras
brasileiras” no setor da saúde.
O julgamento das ações está previsto para
acontecer só em 2014. Segundo o ministro do
STF, o Procurador-Geral da República ainda
precisa se manifestar em relação às ações.
Foto: Karina Zambrana - Ascom/MS
consensus | quarto trimestre 2013
- 3.663 médicos;
- 819 médicos brasileiros;
- 2.844 médicos estrangeiros;
- 1.099 municípios atendidos;
- 19 Distritos Especiais
Defesa do Programa
Durante a solenidade de sanção da lei,
a presidente falou que as medidas estabelecidas com o Programa respondem às demandas
dos movimentos sociais ocorridos no Brasil no
mês de junho e destacou que elas convergem
com as questões que o governo também considera importantes para o desenvolvimento do país. “Após os movimentos populares
apresentei os cinco pactos estabelecidos
pelo Governo Federal na tentativa de promover
mudanças importantes para o país. Entre eles,
está o pacto pela melhoria do atendimento aos
usuários do SUS. O Mais Médicos é um dos programas mais importantes da minha gestão. Por
meio dele, vamos continuar a combater a exclusão social que segrega grande parte da população brasileira, privando-a do acesso aos serviços
públicos essenciais, como a saúde”, disse.
Alexandre Padilha, ministro da Saúde, ressaltou o caráter social do Programa
e criticou aqueles que dizem que ele é eleitoreiro. “É estranho dizer que o Mais Médicos é eleitoreiro quando a solicitação por
mais profissionais partiu de todos os prefeitos de todos os partidos deste país”, disse.
Indígenas (DSEIs).
Padilha também destacou dados do Programa e
observou que, desde a chegada dos médicos às áreas remotas, 320 mil consultas a mais
já foram realizadas.
Para o presidente do CONASS, secretário de Estado da Saúde do Amazonas, Wilson
Alecrim, a sanção da lei legitima o Programa e
fortalece o debate com a sociedade brasileira,
com as entidades médicas e com a sociedade
civil organizada. “Hoje é um dia fundamental
para o SUS. Agora podemos fazer uma leitura da lei e, dentro daquilo que ela possibilita,
continuar o nosso trabalho de maneira legítima, criando cada vez mais oportunidades
para que os brasileiros tenham acesso à saúde”, observou.
Alecrim enfatizou ainda o trabalho
do ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
“Precisamos reconhecer o papel do ministro Alexandre Padilha na sua liderança,
percorrendo os estados brasileiros, fazendo a divulgação e colocando o Programa
em discussão. Esse trabalho foi fundamental para que o Programa se tornasse lei.”
31
institucional
Juízes, procuradores de Estado
e assessores das SES debatem
a judicialização na Saúde em
encontro promovido pelo CONASS
Tatiana Rosa
E
ntre os dias 21 e 22 de outubro, o CONASS reuniu secretários de saúde, assessores técnicos e jurídicos das Secretarias Estaduais de Saúde
(SES), procuradores de Estado e juízes e debateu a fundo o tema da judicialização da saúde e as suas implicações no SUS. Tudo com o objetivo
fomentar a cooperação técnica entre as SES e promover o debate sobre a
judicialização entre os técnicos dos estados e o Judiciário.
32
consensus | quarto trimestre 2013
P
ara o secretário de Estado da Saúde de
Rondônia, Williames Pimentel, a discussão fortaleceu os gestores que, muitas
vezes, com as decisões judiciais, são colocados em risco na sua integridade física e patrimonial. “A judicialização aflige todos os
secretários de saúde, quer seja no nível municipal ou no nível estadual com demanda
crescente de alguns pedidos que estão, até
mesmo, em desarmonia com a equidade
que move o SUS”, ressaltou.
Para o coordenador do Comitê Executivo
Nacional do Fórum da Saúde e juiz auxiliar
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Clênio Jair Schulze, a parceria do CONASS é extremamente importante, porque permite que
o CNJ tenha capilaridade nos estados, além de
proporcionar conhecimento das realidades
dessas regiões.
Schulze participou do encontro e apresentou a importância do CNJ para gestores e
técnicos das secretarias de saúde. De acordo
com ele, o Conselho Nacional de Justiça pretende ampliar o diálogo entre o sistema de
justiça e o sistema de saúde, principalmente
por meio do CONASS, a fim de facilitar a disFOTO: CONASS
cussão da judicialização e melhorar a análise
das demandas específicas à saúde. “O nosso
papel é exatamente fazer essa aproximação
entre todos os agentes do sistema de saúde e
todos os agentes do sistema de justiça, com
a finalidade de ampliar e aprimorar o debate
entre esses dois setores, facilitando a compreensão e a redução desses processos judiciais
em saúde. O propósito de todos nós é um propósito comum: a melhoria do sistema de saúde”, observou.
O juiz falou ainda sobre o recente ingresso do CONASS no Comitê Executivo Nacional do Fórum da Saúde. “Esse foi um passo
importante, porque, por meio do CONASS,
teremos a possibilidade de ampliar e facilitar
o diálogo do CNJ com os secretários estaduais
de saúde”.
Em continuidade ao debate, o juiz da 3ª
Vara da Fazenda Pública do Rio Grande do Sul
e membro do Comitê Executivo Nacional do
Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde,
Martin Schulze, apresentou as experiências
do Comitê Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. “Basicamente o que nós fazemos
é congregar as instituições, tanto do sistema
Ao todo, 21
Secretarias Estaduais
de Saúde enviaram
representantes
para participar do
encontro
33
institucional
de justiça, quanto do sistema de saúde, dialogando e detectando os principais fatores que
levam à judicialização”.
Segundo ele, verificou-se que boa parcela
das demandas são decorrentes de problemas
de gestão e que, por isso, para dar efetividade
às atividades do Comitê, o foco de ações é a
gestão. “Tanto o gestor estadual como o municipal enfrentam dificuldades em fazer chegar ao cidadão em tempo hábil determinados
medicamentos. Hoje, nas demandas de saúde,
procuramos primeiro uma solução que chamamos de mediação, em que o cidadão procura a Defensoria Pública e esta, por sua vez,
entra em contato com os gestores para que se
chegue a uma solução administrativa. Só no
caso de isso não ser possível é que é feito o
ajuizamento”, explicou.
Para o procurador do Estado do Rio de
Janeiro e subsecretário jurídico da SES/RJ, Pedro Henrique Di Masi Palheiro, quando o assunto é judicialização, o profissional do sistema de saúde pensa no usuário como um todo,
enquanto o juiz pensa em um caso específico,
daí a importância da aproximação entre o sistema de saúde e o sistema de justiça.
Masi apresentou, junto com a equipe da
SES/RJ, o software da secretaria que controla
as ordens judiciais e a dispensação de medicamentos e outros insumos para a saúde e informou que estão disponíveis às secretarias que
se interessarem em também utilizá-los. Ele
explicou que o sistema funciona em três áreas: a primeira, ligada à Central de Atendimento às Demandas Judiciais (CADJ); a segunda,
ligada à Área de Assessoria Técnica (Nast); e
a terceira área, que é a Câmara de Resolução
de Saúde (CRS), que funciona em uma fase
pré-processual. “A ideia é que essas três abas
do sistema sejam interligadas, para que todo
o caminho feito pelo paciente seja verificado
por todos os entes de maneira que eles possam se comunicar”, observou.
34
Mediação em Saúde
A proposta de uma solução alternativa
de conflitos que não seja restrita ao plano do
judiciário – a Mediação em Saúde – também
foi tema do debate durante o encontro. A professora e coordenadora em exercício do Programa de Direito Sanitário (Prodisa/Fiocruz),
Sandra Mara Alves, apresentou o projeto desenvolvido pelo Prodisa junto à Universidade
Internacional Menéndez Pelayo Santander,
na Espanha, cujo objetivo é fazer com que o
processo de mediação seja extrajudicial e protagonizado pelos próprios gestores do SUS, a
fim de se evitarem a desorganização dos serviços, o descumprimento dos pactos que são
estabelecidos e a observância das políticas
públicas que são feitas todas de forma coadunadas. “A mediação sanitária tem a proposta
de ser feita dentro do SUS, para o SUS e pelo
SUS”, disse.
Sandra Mara destacou que a Fiocruz, junto com o Núcleo de Estudos de Saúde Pública
da Universidade de Brasília (Nesp/UnB), está
desenvolvendo projeto financiado pelo Ministério da Saúde, que irá fazer um estudo do
estado da arte da judicialização na saúde no
país, para então propor a capacitação em mediação sanitária para gestores do SUS. “Essa
capacitação tem o objetivo de sensibilizar os
gestores para a ferramenta da mediação sanitária, de maneira que, quando eles identificarem os conflitos sanitários, instalem núcleos
de mediação sanitária a partir das suas próprias realidades e de acordo com as ferramentas que são disponibilizadas pelo curso.”
Estrutura e Experiências das SES
No primeiro dia do encontro, os participantes forneceram informações acerca da
estrutura e da experiência das secretarias na
pauta da judicialização. Eles responderam a
perguntas relativas à informação e informática, medidas preventivas e saneadoras, relação
www.conass.org.br
das SES com os operadores de Direito, comprometimento orçamentário e financeiro etc. Os
dados foram compilados e apresentados aos secretários estaduais de Saúde na Assembleia do
CONASS na em outubro.
“Com a compilação dos dados gerais, os participantes sentiram a necessidade de aprofundar o assunto e mostraram-se disponíveis para isso. O debate com o CNJ permitiu que sejam
levadas para apreciação da Assembleia demandas das SES. Além disso, a partir de agora, as
secretarias sabem que o CNJ tem as portas abertas para ouvir o gestor estadual”, avaliou a assessora técnica do CONASS e coordenadora do encontro, Alethele dos Santos.
Rosália Bardaro, assistente técnica do núcleo jurídico da SES/SP, classificou o encontro como fonte importante de conhecimento e troca de experiências. “Essa proximidade com a magistratura faz-se necessária e importante, da mesma forma que se faz
necessária também a aproximação com o Ministério Público e com a Defensoria Pública, para que esses órgãos entendam exatamente o que é o SUS e como esse sistema funciona. A gente percebe que as ações de judicialização são crescentes e que, se não forem enfrentadas de maneira mais coerente, vão prejudicar a saúde pública brasileira.”
Resultados da Oficina são apresentados na Assembleia
do CONASS
Os resultados obtidos na Oficina e as
demandas dela decorrentes foram apresentados aos secretários estaduais de saúde, durante a Assembleia do CONASS
de outubro.
Os secretários foram informados sobre a existência de softwares destinados
ao controle dos processos judiciais nas
SES e sua possibilidade de cooperação
técnica com outras secretarias interessadas e sobre a “nacionalização” do
software da SES/RJ, após customização
do Datasus, como obtenção de resultado
do previsto na Resolução Tripartite n.
01/2013.
A assessora técnica do CONASS,
Alethele dos Santos, também expôs as
maiores dificuldades apontadas pelos
participantes durante a oficina e que
dizem respeito aos processos judiciali-
zados, às medidas preventivas e saneadoras executadas pelas SES em face da judicialização, a relação das secretarias com
os operadores de direito, os itens mais
judicializados e o comprometimento orçamentário e financeiro ocasionado pela
Judicialização.
Após as exposições, algumas propostas foram apresentadas aos secretários,
como a formação de uma Câmara Técnica
de Direito Sanitário e a sua inclusão no Estatuto do CONASS, a fim de dar regularidade às discussões sobre direito sanitário
(judicialização) e também para subsidiar
com informações coletivas as posições do
CONASS.
Além disso, também foi proposto que os
secretários manifestem seu apoio aos Comitês Estaduais da Saúde e a outras estratégias
preventivas e saneadoras da judicialização.
35
institucional
CONASS Debate
Caminhos da Saúde no Brasil
Tatiana Rosa
É
possível que o sonho do SUS universal se
concretize nos próximos anos? O SUS está
fadado a ser um sistema público destinado para
os setores mais pobres da população? Estas e outras questões foram abordadas no dia 25 de setembro pelo Conselho Nacional de Secretários
de Saúde, no seminário CONASS Debate – Caminhos da Saúde no Brasil, que reuniu aproximadamente 300 pessoas, entre gestores, economistas, sociólogos, jornalistas e sanitaristas.
Na abertura do evento, Michele Caputo
Neto, secretário de Estado da Saúde do Paraná e vice-presidente do CONASS na Região
Sul, destacou os avanços obtidos pelo Sistema Único de Saúde ao longo dos seus 25
anos, como os programas de Imunização, de
Transplantes de Órgãos e Tecidos e de DST e
Aids, mas observou que o sistema ainda não
conseguiu se constituir como fora planejado.
“O SUS é a maior política de inclusão social
do país e foi concebido constitucionalmente
para ser um sistema público universal, financiado por impostos gerais. No entanto, isso
ainda não aconteceu por várias razões, sendo a principal delas o subfinanciamento que
hoje configura-se como seu problema central
e do qual os demais são derivados”, afirmou.
Exposições
O diretor-executivo do Instituto Sul-Americano de Governos em Saúde (Isags), José Gomes
Temporão, foi o primeiro expositor a apresentar-se. Com o enfoque voltado para a questão: para
onde vai o SUS? O ex-ministro da Saúde ponderou que o sistema de saúde brasileiro deve cuidar bem de todos os cidadãos e não apenas dos
mais pobres. Segundo avaliou, nesses 25 anos, o
Brasil não conseguiu estruturar o seu sistema da
maneira como ele foi pensado. “Isso é um grande desafio para nós sanitaristas do ponto de vista
político e ideológico. As elites veem o SUS como
um sistema para atender aos mais pobres, mas
não é isso que nós queremos”, reiterou.
Para o diretor de Assuntos Institucionais da
Amil, Antonio Jorge Kropf, é importante pon-
O SUS e o sistema de Saúde suplementar carregam cada um a sua cruz. E estão
pesadas. O modelo atual que é alvo de muitas críticas da população, apesar de
algumas conquistas, foi dissecado na quarta-feira 25/09, num debate promovido
pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde, em Brasília. Houve concordância
sobre a necessidade imediata e corajosa de reforma constitucional que integre os
dois complexos sistemas e dê ao SUS recursos que lhe permitam assegurar boa
saúde aos brasileiros. O CONASS vai liderar essa luta no país.
Revista Isto É, COLUNA RICARDO BOECHAT, COM Ronaldo Herdy – 2 DE outubro DE 2013
36
consensus | quarto trimestre 2013
Debatedores e expositores juntos ao final
do evento. Da esquerda para a direita:
Antonio Kropf, Win Van Lerberghe,
Renato Tasca, José Gomes Temporão,
Renilson Rehem (gerente do projeto) e
Gonzalo Vecina
André Medici
também participou
como expositor
derar que o cenário brasileiro epidemiológico e
demográfico evoluiu de maneira muito rápida
e diferente daquela prevista. Segundo ele, é preciso que haja modelos assistenciais integrados.
“As áreas pública e privada precisam trabalhar
de maneira sinérgica. Vamos aprender com
os exemplos que estão dando certo. Criar uma
agenda positiva e acabar com esse espírito de
competição que existe entre os setores.”
André Medici, economista aposentado pelo
Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), ressaltou que é preciso considerar a singularidade de cada modelo de saúde. “No caso do
Brasil, a realidade do sistema público é de que ele
não é único. Temos de pensar como integrar esses
sistemas de maneira que eles caminhem juntos.
O SUS precisa de fato de uma nova via? Acredito
que o que precisa ser mudado é a sua estratégia de
implementação”, afirmou.
No período da tarde, foi feita a problematização das exposições com os debatedores
Renato Tasca (Opas/Washigton), Gonzalo Vecina (Sírio-Libanês/SP) e Win Van Lerberghe
(Instituto de Medicina Tropical de Lisboa).
Os vídeos com a íntegra do debate estão
disponíveis no canal do CONASS no YouTube (www.youtube.com/conassoficial).
FOTOS: CONASS
A presidente do Conselho Nacional de
Saúde, Maria do Socorro de Souza; o presidente do Conselho Nacional de Secretarias
Municipais de Saúde, Antonio Nardi; o representante da Opas no Brasil, Joaquim Molina;
e o secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Luiz Odorico
Monteiro também participaram da abertura
do seminário.
CONASS Debate
O projeto CONASS Debate é
uma nova linha de atuação do
Conselho e busca fomentar a
discussão de temas importantes
para o setor saúde, tendo
como mote dos debates a
sustentabilidade do SUS. Teve
início em abril deste ano, com
o seminário CONASS Debate
– Saúde: para onde vai a nova
classe média. O livro deste
evento, já está disponível
para computadores, tablets e
smartphones. Para baixá-lo e
saber mais informações sobre
este projeto, acesse a página
oficial: www.conass.org.br/
conassdebate
37
institucional
CONASS promove
oficina sobre Sistemas
de Informação e
Análise de Situação
de Saúde, com ênfase
nas Doenças Crônicas
não Transmissíveis
Atividade faz parte da Câmara Técnica de Atenção
Primária em Saúde do CONASS
Tatiana Rosa
N
os dias 13 e 14 de novembro, profissionais das áreas de atenção e vigilância
em saúde das Secretarias Estaduais de Saúde
e técnicos do ministério da Saúde e da Organização Pan-americana em Saúde (Opas),
participaram em Aracaju, da Oficina Sistemas de Informação e Análise de Situação de
Saúde, com ênfase nas Doenças Crônicas não
Transmissíveis, promovida pelo CONASS. O
objetivo foi apresentar os sistemas de informação em saúde e promover a reflexão sobre
38
a importância da utilização das informações e
também da análise de situação de saúde para
planejamento, programação e tomada de decisão, monitoramento e avaliação.
O encontro fez parte das atividades da Câmara Técnica de Atenção Primária à Saúde do
CONASS, coordenada pela assessora técnica
do Conselho, Maria José Evangelista. Ela explicou que a oficina já é resultado da mudança de
caráter das reuniões do grupo. “Nós decidimos
que esse ano iríamos aproveitar esses encon-
consensus | quarto trimestre 2013
Participantes da oficina reunidos
com o secretário executivo do
CONASS, Jurandi Frutuoso
tros para realizar cursos e oficinas com o objetivo de capacitar os assessores técnicos para
o exercício desse papel tão importante que
eles têm nas secretarias estaduais de Saúde”
A secretária de Estado da Saúde de Sergipe, Joélia Silva, participou da abertura
do evento e destacou a importância do debate conjunto. “Essa oficina é uma oportunidade única que a nossa coordenação
estadual e municipal de Atenção Básica e
de Vigilância em Saúde tem de poder discutir com as representações de todos os estados brasileiros aqui representados”, disse.
Durante os dois dias da oficina, os técnicos trabalharam em grupos, temáticas específicas como o conceito e a importância da
incorporação na gestão e na prática cotidiana
dos serviços, da Saúde Coletiva Baseada em
Evidências, dos Sistemas de Informação em
Saúde da Análise de Situação de Saúde; o processo de implantação do Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (Sisab).
Os participantes também debateram a
importância de coleta de dados e da alimentação dos diversos sistemas de informação e
realizaram a análise de algumas informações
geradas pelos principais sistemas de informação, a partir do cálculo de alguns indicadores.
Zélia Lins, assessora técnica do CONASS
e uma das coordenadoras da oficina, explica
que ela configura-se como um desdobramento do Curso do Manejo em Condições CrôniFOTO: CONASS
cas realizado em julho deste ano em Alagoas.
Segundo ela, após a avaliação do curso em Maceió, concluiu-se que era necessário instruir
os técnicos das SES em termos de capacitação
sobre como eles fariam o planejamento local
do Plano de Ação de Melhoria de Qualidade
que foi um dos encaminhamentos do curso.
“Surgiu então a ideia de fazer a oficina sobre
os sistemas de informação. Como o CONASS
já tem um livro da Planificação da APS no qual
uma das oficinas é sobre Sistemas de Informação e Análise da Situação então nós a customizamos direcionando a sua aplicabilidade para
as Condições Doenças Crônicas”, esclarece.
O secretário executivo do CONASS,
Jurandi Frutuoso, também participou do
encontro e parabenizou os técnicos dos estados. “Aqui nós percebemos que o SUS dá
certo porque existem pessoas envolvidas
com a saúde pública e que mesmo na adversidade conseguem se aliar aos outros
para encontrar soluções para os problemas
desse sistema. Isso nos dá animo para continuar buscando o aperfeiçoamento do SUS.
Frutuoso ressaltou ainda o papel importante das Câmaras Técnicas do CONASS.
“Esses espaços de debate que mantemos
com vocês, são importantes porque nos
permitem trabalhar com todo os estados,
tendo como base o pensamento do Brasil
para conduzirmos o processo de pactuação
das políticas públicas para o País”, disse.
39
relações internacionais
CONASS participa
de missão
internacional
no Canadá
tatiana rosa
E
ntre os dias 13 e 20 de outubro, uma equipe do CONASS formada pelo
seu secretário executivo, Jurandi Frutuoso, pelos assessores técnicos
Nereu Mansano, Eliana Dourado e pelo assessor para Relações Internacionais do Conselho, Fernando Cupertino, participou no Canadá, de inúmeras atividades com profissionais do Ministério da Saúde e dos Serviços
Sociais do Quebéc (MSSS) e ainda da Primeira Semana Lusofrancófona da
Saúde, em Montreal.
42
consensus | quarto trimestre 2013
O encontro entre as organizações faz parte de um Acordo de Cooperação celebrado
entre o MSSS e o CONASS, objetivando troca
de experiências em assuntos de interesse comum de nossos sistemas de saúde. Também
participaram os representantes da Associação
Nacional das Unidades de Saúde Familiar de
Portugal, André Biscaia e Henrique Botelho.
A equipe do CONASS participou de oficinas de trabalho com dirigentes e profissionais do Ministério da Saúde e Serviços
Sociais do Québec. Os temas abordados foram a política de prevenção e promoção; o
enfrentamento das dependências e os modos
de remuneração dos profissionais de saúde,
que haviam sido estabelecidos em comum
acordo, quando da visita ao CONASS do Subministro da Saúde do Québec, Luc Castonguay, em julho passado.
Em seguida, os representantes do CONASS participaram das atividades da Primeira Semana Lusofrancófona da Saúde,
promovida pela Colufras -Conferência Lusofrancófona da Saúde, na Escola Nacional
de Administração Pública do Québec, em
Montreal. Do mesmo evento participaram o
Núcleo de Estudos de Saúde Pública da UnB
e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), além de outras instituições internacionais e de representantes de diferentes países de língua portuguesa e francesa.
Para o assessor para Relações Internacionais do CONASS, Fernando Cupertino, a
relação de cooperação mútua entre CONASS
e o MSSS permite a união de esforços e de estratégias que permitam defender de todas as
frequentes ameaças a que estão permanentemente submetidos, os sistemas públicos de
saúde de ambos os países. “ Essa cooperação
existe desde 2004. Ao ser renovada recentemente, ambos decidiram debruçar-se sobre
alguns temas prioritários, de modo a trocar
experiências e reflexões que permitam o contínuo aprimoramento de nossos sistemas de
saúde, especialmente na organização dos serviços que o compõem.
Equipe do CONASS
reunida com integrantes
do Ministério da Saúde
e dos Serviços Sociais do
Québec, durante missão
internacional.
FOTO: CONASS
43
Opinião
Necessidades em saúde:
uma abordagem
operacional para o nível
dos serviços de saúde
Francisco Carlos Cardoso de Campos*
“Chico Poté”
I. Introdução
* Médico Sanitarista. Pesquisador
do Núcleo de
Educação em
Saúde Coletiva
(Nescon) da Universidade Federal
de Minas Gerais
(UFMG).
44
A maioria das pessoas tenderia a concordar, exceto aqueles movidos por motivações conscientemente deletérias ao interesse
público, que os serviços de saúde devam ser
organizados para atender às necessidades de
saúde da população. Se, por um lado, há uma
concordância geral em torno desse desiderato, grau menor de consenso existe sobre o
que essa expressão possa vir a significar. Seu
caráter polissêmico é evidente, servindo aos
mais diversos discursos, justificando as mais
diversas estratégias.
Cada vez mais a expressão frequenta o discurso dos dirigentes do setor saúde e mesmo os
conteúdos da legislação sanitária. Nesse sentido, o
recente Decreto Nº 7508, de 28/06/2011, que regulamenta a Lei 8080, em seu artigo 36 º, prescreve
que o Contrato Organizativo da Ação Pública de
Saúde (COAP), instrumento formal que estabelece
os compromissos entre os gestores, conterá, entre
suas disposições essenciais, a “identificação das
necessidades de saúde locais e regionais”. Dispõe
também que o “Mapa da Saúde será utilizado na
identificação das necessidades de saúde e orientará o planejamento integrado dos entes federativos,
contribuindo para o estabelecimento de metas de
saúde” (BRASIL, 2011).
Mais recentemente, a Lei Complementar
nº 141, de 13 de janeiro de 2012, considera as
“necessidades de saúde” como um dos critérios
para o rateio dos recursos federais para os estados e municípios, bem como para a distribuição
dos recursos estaduais para os municípios. O
parágrafo primeiro do seu artigo 36 define que
os processos de planejamento e orçamento das
regiões de saúde deverão se orientar pelas “necessidades de saúde” da população, dando uma
pista de que essas deverão tomar como base o
“perfil epidemiológico, demográfico e socioeconômico”. Em nenhum momento, no entanto,
nossos textos legais definem o que entendem
por necessidade de saúde.
Muitas vezes, ao defender que o sistema de
saúde e seu planejamento devam ser orientados
pelas necessidades de saúde, os atores intencionam apenas expressar seu posicionamento político de ele não deva ser organizado pela lógica
do mercado e, sim, dirigido pela intervenção
racional do Estado. O contrário da necessidade
seria a orientação do sistema para o lucro e para
a acumulação capitalista. O enunciado assume,
assim, o caráter de uma senha subliminar, que
classifica imediatamente quem a profere como
um defensor da intervenção estatal no setor
saúde, sem obrigatoriamente querer sugerir
que as ditas necessidades devam ser, ou possam
ser, de alguma maneira, quantificadas.
A polissemia e a complexidade desse
conceito nos obriga, portanto, a procurar de-
consensus | quarto trimestre 2013
fini-lo minimamente e propor aproximações
operacionais que permitam utilizá-lo na prática do planejamento e da programação dos
serviços de saúde.
o campo da intervenção se restringe a planos
muito mais desagregados da realidade social
e, mais ainda, no espaço bem mais restrito de
intervenção das organizações do setor saúde.
II. As necessidades em saúde numa
perspectiva ampliada
III. Necessidades em saúde e
necessidades de serviços de saúde
A saúde, se reconhecida numa perspectiva ampla, é a resultante de múltiplos determinantes. Esses se confundem com as condições
necessárias, não apenas para a vida humana
em geral, mas para expressar uma “boa vida”,
no sentido de uma existência que permita o
exercício pleno das potencialidades corporais
e sociais do ser humano. Resulta, no cálculo
das condições que são necessárias à sua produção e reprodução, num conjunto extremamente abrangente de condições econômicas
e sociais que abarcam a maioria das necessidades humanas em geral. Concordando com
John Wright, importante autor no campo da
estimativa de necessidades em saúde,
Para que se possa utilizar a noção de necessidade em saúde no planejamento e na programação das ações e serviços de saúde há que se
retirá-la desse plano genérico das necessidades
humanas em geral para um contexto mais próximo ao funcionamento real das organizações
que compõem o setor saúde. Deve-se reconhecer
também que muitas políticas e as ações decorrentes necessárias para interferir na complexa
cadeia de determinantes sociais e econômicos
que definem os níveis de saúde de uma coletividade (e talvez as mais importantes) estão sob a
responsabilidade de outros setores. Da complexidade do objeto saúde-doença (e do bem-estar
em geral) e da multiplicidade das intervenções
e atores envolvidos no enfrentamento de seus
determinantes decorre a exigência de uma bem
articulada ( e diga-se de passagem, muito difícil
de ocorrer na prática das instituições) ação intersetorial para se conseguir mudanças significativas em seu status.
Uma abordagem operacional do tema
das necessidades em saúde obriga, portanto,
uma redução de seu escopo, delimitando-se
do conjunto amplo e difuso das necessidades
humanas, aquelas que podem ser modificadas por cuidados de saúde (promoção da saúde, prevenção de doenças, processos diagnósticos e terapêuticos, reabilitação, cuidados
paliativos etc.) e realizadas por serviços de
saúde (WRIGHT, J. et all., 1998, p.1311).
Passa-se, então, a tratar aqui, exclusivamente de necessidades de serviços de saúde.
Mesmo esse escopo mais limitado engloba
um amplo conjunto de questões e os profissionais de saúde, gestores e planejadores
costumam delimitá-lo de forma diferente do
as necessidades de saúde incorporam amplos
determinantes de saúde sociais e ambientais,
como privações, moradia, alimentação, educação, emprego. Essa definição ampliada permite-nos olhar além dos confins do modelo médico
baseado em serviços de saúde, para amplas influências na saúde. As necessidades de saúde de
uma população estarão constantemente cambiando e muitas não poderão ser amenizadas
por intervenções médicas (WRIGHT, J. et all.,
1998, p. 1311).
Se, por um lado, compartilhamos totalmente essa concepção da determinação social
do processo saúde doença e a múltipla e complexa interação entre os diversos determinantes, cada vez mais referendada por evidências
de cunho empírico (Marmot et al., 2003), por
outro temos que constatar que as mudanças
necessárias à sua mudança extrapolam em
muito o setor saúde. Tal enfoque pode apoiar
o convencimento pelas grandes mudanças estruturais necessárias para se alcançar um mundo mais saudável, mas informa pouco quando
45
Opinião
que seriam as expectativas das pessoas que recorrem a esses serviços buscando apoio para
resolver uma extensa gama de problemas. Poder-se-ia delimitar, grosseiramente, dois grandes conjuntos de necessidades de serviços de
saúde, segundo os atores que os formulem:
– necessidades de serviços de saúde definidos pelos usuários (por indivíduos, grupos
sociais, ou recortes sociais mais amplos);
– necessidades de serviços de saúde definidos tecnicamente com base no saber de especialistas da área de saúde e em evidências
científicas com graus variados de consistência e robustez (epidemiólogos, planejadores,
profissionais de saúde etc.).
Esses dois conjuntos não coincidem necessariamente, podendo haver necessidades dos usuários que não encontram respaldo em evidências
científicas, ou mesmo o contrário: necessidades
percebidas pelos especialistas, que não correspondem às percepções subjetivas individuais ou coletivas dos usuários. Para superar essa dicotomia,
muitas iniciativas buscam envolver a pluralidade
dos atores interessados nas questões, estruturando-se espaços públicos democráticos para a busca de
consensos técnicos e políticos em torno do quê e de
quanto o serviço de saúde deva produzir. Roteiros
e manuais com esse tipo de enfoque tem sido utilizados pelo Sistema Nacional de Saúde da Inglaterra
-NHS (CAVANAGH, 2005).
Um complicador na definição das necessidades de serviços é que o nível de certeza estatística exigido como evidência suficiente para
legitimar cientificamente a efetividade das intervenções costuma ser fixado em patamares
muito elevados, rejeitando assim muitas ações
que poderiam potencialmente beneficiar algumas, ou mesmo, muitas pessoas. Para complicar
ainda mais o cenário lembre-se dos poderosos
interesses econômicos envolvidos na introdução de novas tecnologias no campo da saúde e
de suas tentativas, nem sempre respaldadas em
princípios éticos amplamente aceitos, de buscar a legitimação científica de seus argumentos.
46
O desafio para os formuladores de políticas
e dos gestores deveria ser conhecer com maior
profundidades esses dois conjuntos e envidar
esforços comunicacionais e de negociação para
aproximar e ampliar a margem de coincidência
de ambos. A fixação dos perfis de oferta de serviços necessários, não somente do ponto de vista
quantitativo global, mas adequados à extrema
variabilidade das condições de saúde de cada
indivíduo, oferta essa que deve ser oportuna do
ponto de vista do acesso geográfico, temporal,
econômico - custos de deslocamento, pagamento por serviços etc. - bem como da suficiência
quantitativa e qualitativa das ações, representa
um grande desafio colocados para todos os sistemas de saúde universais. Outra crescente preocupação tem sido dada ao superdiagnóstico
(overdiagnosis) e ao supertratamento (overtreatment) de diversas condições patológicas, com
consequências geralmente danosas para a saúde das pessoas, quando os nebulosos patamares
das necessidades são extrapolados.
IV. A dimensão tecnológica das
necessidades
As necessidade de serviços de saúde
pressupõe a existência de uma determinada
tecnologia ou conjunto de tecnologias que
historicamente se mostraram efetivas para
resolver certos problemas de saúde a um custo socialmente tolerável.
À incorporação de novas tecnologias, correspondem novas necessidades de serviços,
implicando em custos variáveis aos governos,
empresas ou famílias, sobrecarregando seus orçamentos. Isso obriga que devam ser avaliadas
criteriosamente para aquilatar os seus potenciais benefícios em comparação com as tecnologias usuais, já disponíveis nos serviços de saúde.
Além disso, os benefícios produzidos devem ser
compatíveis com o seu custo, isto é, procura-se
medir seu custo-benefício.
Além da introdução de novas tecnologias, a mudança de concepções sociais sobre
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a saúde e o uso social do corpo induz a emergência de novas necessidades. Por exemplo, a
adoção de anestesia peridural no momento do
parto tornou-se corriqueira, à medida em que
as mulheres passaram a rejeitar a dor durante
o procedimento como uma fatalidade e uma
exigência de mortificação de cunho religioso
(“parirás com dor”, diz um texto sagrado).
V. Necessidades, demanda e oferta em
saúde: o difícil encontro dos desejos
dos indivíduos e das recomendações
dos especialistas com a capacidade de
provimento pelos sistemas de saúde
O esquema gráfico apresentado abaixo,
elaborado por Andrew Stevens e colaboradores,
pretende mostrar as interações entre necessidades, demanda e oferta de serviços de saúde.
Nesse esquema, constata-se que apenas
uma parcela das necessidades se expressaria na
forma de demanda, isto é, na procura objetiva
por serviços de saúde. Entre a percepção de um
problema de saúde por parte de uma pessoa e
a efetiva procura por um serviço se antepõem
vários obstáculos ou “barreiras ao acesso”. Essas
podem ser de diversas naturezas: econômicas
(custo de deslocamento, preços a serem pagos
pelos serviços, informações limitadas quanto
aos recursos existentes e formas de alcança-los);
culturais (procura de especialistas de cura tradicionais e respectivos itinerários terapêuticos;
percepções corporais culturalmente determinadas, interdições religiosas, tabus etc.); e mesmo
naturais (barreiras geográficas, por exemplo).
Os recursos de saúde, por serem escassos
por definição, estão localizados em determinados pontos do território que obrigam a
deslocamentos muitas vezes longos e demorados, que implicam em custos significativos
para a maioria das pessoas, resultando em
cálculos complexos entre a adoção das escolhas possíveis.
“A demanda é aquela os pacientes procuram,
são as necessidades que a maioria dos médicos
encontram. Os clínicos gerais têm um papel
fundamental como gatekeepers (porteiros) no
controle dessa demanda, e as listas de espera
tornam-se um marcador e uma influência sobre
essa demanda. A demanda dos pacientes para
um serviço pode depender das características
do paciente ou em interesses da mídia no serviço. A procura também pode ser induzida pela
oferta: a variação geográfica nas taxas de internações hospitalares é explicada mais pela oferta
de leitos hospitalares do que pelos indicadores
de mortalidade, as taxas de clínicos gerais de
referência deve mais às características dos médicos do que para a saúde de suas populações
(WRIGHT, J. et all., p. 1311).”
Apenas uma parte da demanda encontraria uma oferta de serviços que a atenda a
contento, tanto do ponto de vista da percepção dos pacientes, quanto dos profissionais
de saúde ou dos gestores do sistema. Essa de-
Atual agenda de
pesquisas
Determinantes
culturais e éticos
Necessidade
Influência dos
médicos
Influência social
e educacional
Pressão política e
pública
Demanda
Meios de comunicação
Oferta
Padrões históricos,
inércia, tendências
Fonte: Stevens
A. Referty J. eds.
Health care needs
assessment – the
epidemiologically
based needs assessment reviews.
Oxford: Radcliffe
Medical Press,
1994.
47
Opinião
manda não atendida é chamada, usualmente,
de demanda reprimida.
Uma característica da oferta de serviços
de saúde é a chamada Lei de Roemer, nomeada em homenagem a Milton Roemer, professor da Universidade da Califórnia em Los
Angeles, pioneiro nos estudos de economia
da saúde, para quem “um novo serviço de
saúde tem a capacidade de gerar sua própria
demanda, mesmo em mercados saturados”(
DEL NERO, C. R., 2002, p.11).
Essa propriedade dos serviços de saúde
de suscitar sua própria demanda esbarra, no
entanto, e felizmente, em limitações diversas
de recursos e de preferências das pessoas, que
optam por fazer outra coisa do que peregrinar
por serviços de saúde superlotados, que seria
o quadro esperado em um sistema com retroalimentação positiva.
Características inerentes aos serviços de
saúde também limitam sua busca e oferta
desenfreadas. Um conceito importante para
entender essas restrições é o de elasticidade.
Teríamos serviços com alta elasticidade de demanda se essa demanda pudesse oscilar largamente em resposta a um estímulo: por exemplo, a procura por um determinado exame ou
terapia como resposta a uma matéria jornalística inserida num programa de TV de alta
audiência ou a procura por cirurgias plásticas
estéticas estimuladas pelo merchandising inserido em uma novela. Ao contrário, no caso
das cirurgias para apendicite aguda, observa-se grande estabilidade estatística, oscilando
apenas nos limites da variação probabilística,
não respondendo a estímulos de preço ou de
uma oferta disseminada no território.
Pelo lado da oferta, teríamos alta elasticidade quando modificações na disponibilidade de serviços podem ser feitas em curtos
períodos de tempo, como é o caso de um bloqueio vacinal que pode ser desencadeado rapidamente para conter um surto de sarampo.
O comportamento da oferta de leitos de UTI,
por outro lado, apresenta baixa elasticidade
48
de oferta pois seu crescimento exige altos investimentos em infraestrutura , relativamente lentas obras físicas, tempos prolongados de
aquisição de equipamentos e insumos, capacitação de profissionais especialistas etc.
Cada tipo de serviço, portanto, apresenta
padrões de oferta e demanda muito especiais,
que tem que ser conhecidos em detalhe para
o seu planejamento, introduzindo graus de
complexidade muito elevados em comparação com outros tipos de serviços.
VI. Necessidades em saúde e critérios de
justiça
O cálculo estimativo das necessidades
em saúde remete, inevitavelmente, a questões de âmbito filosófico, tratadas pelos diversos enfoques da filosofia moral, nos quais se
intenta basear os argumentos subjacentes às
escolhas distributivas em critérios de justiça.
Embora essas diversas abordagens filosóficas estejam longe de fundamentar escolhas
num nível tão desagregado como o que se trabalha no campo das estimativas de saúde, os
grandes delineamentos teóricos podem orientar de alguma forma os processos da construção das suas proposições operacionais.
Johh Rawls, um dos teóricos da filosofia
moral e política contemporâneos, é uma das
referências obrigatórias nesse campo. Em sua
teoria da justiça, construída em bases exclusivamente racionais e de inspiração assumidamente contratualista, conclui que as sociedades liberais democráticas deveriam garantir
um patamar igualitário de bens primários,
um conjunto de bens e serviços nos quais estariam incluídos os serviços de saúde. A esse
princípio da igualdade, agrega um outro principio, o da desigualdade, segundo o qual um
indivíduo somente poderia auferir uma maior
quantidade de bens ou serviços se esses fossem
destinados a suprir uma desvantagem ou uma
posição desfavorável em relação aos demais.
Esse último princípio frequentemente
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alicerça o conceito de equidade, tão utilizado na proposição das políticas de saúde, que
busca justificar as diferenças de alocação com
base em critério de justiça distributiva.
Amartya Sen vai argumentar pela insuficiência no foco de Rawls nos bens primários,
fundando sua teoria no que chama de capacidades básicas e funcionamentos. Os indivíduos teriam diferentes condições de aproveitar
os bens ou serviços a eles alocados, segundo
suas capacidades para transformar esses recursos em realizações concretas que os beneficiariam efetivamente.
“É possível argumentar que a igualdade na
realização de certas ‘capacidades básicas’ proporciona um enfoque especialmente plausível
para o igualitarismo na presença das privações
elementares. O termo ‘capacidades básicas’ usado por Sen (1980) teria a finalidade de separar a
habilidade para satisfazer certos funcionamentos crucialmente importantes até certos níveis
adequadamente mínimos.” (SEN, 1998, 67)
Para que alguém se beneficie de uma
bicicleta para melhorar suas capacidades de
escolha geradas pelo transporte mais rápido,
seria, obviamente, necessário saber andar de
bicicleta. Do contrário, o meio de transporte
lhe seria de muito pouca valia.
O enfoque procedimental de Norman
Daniels se dirige especialmente para as questões suscitadas pelos serviços de saúde. Concordando com o conceito de bens primários e
com o princípio da igualdade de oportunidades de Rawls, esse autor procura enfrentar os
problemas de racionamento dos serviços de
saúde, quando pessoas razoáveis podem discordar sobre a resolução alocativa de demandas conflitantes em saúde, situação muito
frequente nas polêmicas sobre critérios distributivos entre áreas assistenciais ou alternativas de investimento no sistema de saúde:
“Chamado de controle pela razoabilidade, essa
estrutura teórica faz uso do processo justo para
preencher as lacunas deixadas pelo princípio de
justiça devido à realidade que pessoas razoáveis
discordarão sobre o relativo peso de demandas
conflitantes em saúde. Controle por razoabilidade parece ser a resposta usada por Daniels
para enfrentar a quarta questão não resolvida
de racionamento — o problema da democracia,
o qual questiona “quanto peso deve ser dado a
julgamentos baseados teoricamente ou na intuição em oposição a preferências expressas”. O
processo deliberativo de controle por razoabilidade oferece uma solução parcial ao problema
ao invocar condições de publicidade, relevância, instâncias de revisão e recurso, e regulação,
para tomada de decisão que seja convincente ao
desafio do desacordo razoável entre pessoas imparciais” (BENEDICT, 2010, p.311)
Esses procedimentos para o controle da
razoabilidade indicam uma via de construção de arenas democráticas para a criação de
consensos sobre as necessidades de saúde. Em
pleno acordo com esse ditame processual,
reconhece-se que o estabelecimento de estimativas de necessidades em saúde em uma
sociedade democrática será obrigatoriamente um processo político envolvendo os atores
interessados em amplos processos de criação
de consenso sobre os patamares de oferta requeridos e as circunstâncias de sua flexibilização e adaptação aos contextos geográficos e
sócio-sanitários específicos.
VII. Estudos de utilização de serviços de
saúde
Como foi dito anteriormente, as necessidades de serviços de saúde devem ser diferenciadas das expectativas ou desejos individuais
de utilização de serviços de saúde. O estudo
de utilização de serviços de saúde denominado de ecologia do cuidado em saúde promovido por Kerr L. White e colaboradores em 1961,
nos Estados Unidos, e os que se seguiram aplicando o mesmo enfoque em outros contextos, mostram um quadro instigante. Apesar
de pequenas diferenças nas questões formuladas e da diversidade geográfica dos países, a
quantidade de pessoas que reportaram algum
tipo de sintoma no período de um mês e que
consideraram a possibilidade de procurar um
49
Opinião
serviço de saúde e aquelas que, efetivamente,
o procuraram, apresenta um padrão estruturalmente muito semelhante.
Assim, entre 56,7 e 90,1% dos entrevistados reportaram sintomas ou enfermidades
no mês, mas menos da metade consideraram
a possibilidade de procurar cuidados médicos
(EUA, 2001). Aproximadamente entre 1/4 a 1/3
das pessoas chegaram a procurar um médico
ou serviço de cuidados primários. Um pouco
menos de 1/10 procurou cuidados especializados (isso em apenas mês!). Em termos percentuais e projetando os dados para o período
de um ano, entre 9,6 a 16,8 por cento foram
internados em algum hospital, com grandes
variações entre as situações, e entre 12,0 a 19,2
por cento das pessoas foram admitidos em
Pronto Socorros.
Apenas para efeito de comparação, o parâmetro para estimativa de necessidade de consultas médicas de urgência proposto pela Portaria 1101 é de 15% das consultas médicas. Isso
resultaria, aplicando-o às consultas médicas
esperadas (2 a 3 consultas médicas/ano), que entre 30 a 45% das pessoas procurariam consultas
de urgência, mais do dobro do observado nos
países pesquisados. Isso talvez reflita o modelo
centrado nos atendimentos de urgência ainda
marcante no sistema de saúde brasileiro.
A utilização de serviços hospitalares se
Utilização de serviços em um mês, em 1000 hab.
Hong Kong
(2005)
EUA
(1961)
EUA
(2001)
Japão
(2005)
Noruega
(2012)
reportaram sintomas
567
750
800
862
901
consideraram possibilidade de procurar cuidado médico
512
procuraram cuidados primários
372
307
214
327
250
visitaram um consultório médico
217
procuraram cuidados especializados
68
visitaram um médico medicina chinesa
54
visitaram um serviço de urgência
16
foram hospitalizados num hospital comunitário
7
9
232
88
91
65
49
55
13
10
8
7
14
3
14
5
foram hospitalizados em centro médico terciário
1
1
1
6
visitaram um fisioterapeuta
141
visitaram um dentista
115
Taxas
50
Internação hospitalar (por ano, por 100 hab.)
9,6
Admissão em Pronto Socorro (por ano, por 100 hab.)
19,2
Procuraram cuidados primários (por ano, por 100 hab.)
44,6
12,0
30,0
10,8
8,4
15,6
12,0
26,0
36,8
16,8
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mostrou bem mais elevada que o observado
no SUS, que apresenta uma concentração per
capita média próxima a 6% ao ano.
Na tabela ao lado, procurou-se resumir
os achados desses estudos de “ecologia do cuidado”. As cores foram usadas para vincular
as questões formuladas nos estudos aos respectivos resultados e a construção das duas
colunas contendo descrições de “utilização
de serviços em um mês, em 1000 hab.” tentou
abranger, com uma tradução livre dos termos
utilizados nas pesquisas, as nuances contida
nas questões formuladas.
Apesar dos inúmeros vieses que se possa
atribuir aos estudos de utilização, são um imUtilização de serviços em um mês, em 1000 hab.
adultos reportaram um ou mais enfermidades ou agravos por
mês
consultaram médico uma ou mais vezes no mês
consultaram médico de cuidados primários
visitaram um ambulatório em hospital
visitaram complementar ou provedor de cuidado alternativo
visitaram um departamento de emergência (pronto-socorro)
adulto admitido em um hospital por mês
receberam cuidado domiciliar
adulto referenciado para outro médico por mês
adulto referenciado para um centro médico universitário po mês
visitaram um ambulatório de um hospital universitário
portante referencial para o estudo de necessidades em saúde. Isso porque, apesar de toda a
complexidade dos fenômenos envolvidos, são
expressão dessas necessidades, manifestando-se
de forma diversa segundo os padrões culturais,
econômicos e de oferta de serviços existentes.
São também importantes meios de aferir as desigualdades, e mesmo as iniquidades, no acesso
aos serviços entre os grupos sociais.
VIII. Estimativas de necessidade: uma
proposição sintética
Aproximações às necessidades de serviços
de saúde podem ser realizadas a partir de vários
enfoques. Propõe-se aqui uma metodologia que
foi desenvolvida e encontra-se em constante
revisão e adaptação no processo de revisão dos
parâmetros da Portaria MS 1101/2002 (Brasil,
2002), coordenado pelo este autor.
Em nosso país, a tradição observada na
programação, isto é, nos processos de definição de quantitativos de serviços a serem realizados e a consequente alocação de recursos
para seu custeio, é centrada em meros ajustes
das séries históricas de procedimentos realizados pelos prestadores de serviços, públicos
ou privados. Essa tradição remonta ao modelo de remuneração exercido pelo antigo
INAMPS (Instituto de Assistência Médica da
Previdência Social), cuja modalidade de remuneração dos serviços predominante era o
chamado fee-for-service (pagamento por procedimento). Apesar do modelo da Programação Pactuada e Integrada - PPI, de 2006, já introduzir o cálculo de necessidades para um amplo
leque de ações de atenção primária e das ações
de atenção especializada delas decorrentes, um
grande número de serviços ainda continua sendo programado com base nos critérios contidos
na Portaria 1101, muito influenciada pela lógica
de oferta e de ajustes sobre a série histórica da
época em que foi elaborada.
A mudança na lógica de programação, buscando-se aproximações às necessidades de saúde,
além do mandato legal, encontra ressonância no
51
Opinião
contexto mais recente de desenvolvimento econômico que permite o abandono dos enfoques
restritivos e puramente racionalizadores de recursos que marcaram o período anterior.
Para a proposição de estimativas de necessidade de serviços, incorporadas em referências
quantitativas para o seu cálculo (usualmente
denominadas de “parâmetros de programação”
no jargão dos planejadores), propõe-se o seguinte percurso metodológico:
1. Definição das populações alvo para
cada tipo de serviço:
Estabelecer com clareza o grupo populacional cujas necessidades serão estimadas;
2. Identificação de subcategorias dessas populações com necessidades diferenciadas
Na população alvo, identificar subpopulações que potencialmente se beneficiam de determinadas intervenções realizadas pelos serviços (por exemplo, classificação dos estágios das
doenças crônicas: pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, nos estágios Leve,
Moderada, Severa, e Muito Severa);
Além das meras taxas de prevalência e incidência anual, para algumas doenças já foram desenvolvidos modelos bastante complexos que
as classificam em diversos estágios,segundo sua
história natural, com taxas de prevalência conhecidas para cada um deles, além das probabilidades de transição de um estágio a outro num
determinado período de tempo (em geral de um
ano de duração), bem como as taxas de mortalidade para cada estágio. Esses modelos, com alto
grau de elaboração, utilizam abordagens matemáticas, como as Cadeias de Markov e outras, e
permitem estimativas mais refinadas da quantidade de intervenções para cada estágio;
3. Propor a organização das intervenções
nos vários níveis de atenção.
Os modelos de atenção são fundamentais
para a estimativa de necessidades de serviços de
saúde. Muitas vezes não se pode prever a quantidade de intervenções necessárias independente do modelo de atenção, isto é, num contexto
de desorganização e fragmentação dos serviços
e da inexistência de uma Rede Integrada de Ser52
viços de Saúde estruturada, as possibilidades de
planejamento se reduz enormemente e o cálculo estimativo das ações necessárias perde toda a
consistência;
4. Levantamento de evidências que embasem as intervenções
Recorre-se a revisões sistemáticas de pesquisas clínicas; estudos de utilização de serviços
de saúde; estudos de efetividade e custo-efetividade etc. em busca de fundamentação científica
para justificar a oportunidade das intervenções
e os quantitativos ótimos a serem ofertados. Há
que se reconhecer que a produção científica
nesse campo ainda é bastante incipiente, adotando-se frequentemente recomendações com
nível de evidência muito baixo, como a opinião
de especialistas;
5. Levantamento de critérios de planejamento e proposições quantitativas de sistemas de saúde centrados na atenção primária
(benchmarking)
A prática de outros sistemas centrados na
atenção primária orientados para a organização
de redes integradas de serviços são utilizados
como padrões de comparação para auxiliar na
definição de recomendações de parâmetros nacionais, na medida em que são experimentos
sociais já consolidados e que podem representar estágios desejados de organização sistêmica. Apesar de serem referências importantes,
as enormes diferenças econômicas e culturais,
bem como as especificidades de organização
dos modelos de atenção devem ser consideradas na análise. Muitas vezes o benchmarking
é a única alternativa para estimar necessidades
de determinadas estruturas ou equipamentos
sanitários que atendem uma ampla gama de
condições de saúde (por exemplo, equipamentos de exame de imagem como tomógrafos, ressonância magnética nuclear ou ecógrafos, que
permitem diagnósticos de um sem número de
doenças e condições clínicas).
6. Proposição de recomendações de critérios de planejamento e parâmetros para estimativa de necessidades
Ao final, fixa-se um valor de referência,
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sempre fruto de um juízo crítico sobre as evidências disponíveis e a prática dos especialistas,
na medida em muito poucas pesquisas alcançam o grau de detalhamento e precisão desejados para a definição dos quantitativos das intervenções no nível de populações.
Os parâmetros assim propostos sempre assumem caráter estimativo e provisório, com um
caráter de “melhor estimativa possível a partir das
informações disponíveis”, a ser obrigatoriamente
adaptado aos contextos reais e aos perfis demográficos, epidemiológicos, de demanda e de oferta loco regionais. A legitimação das proposições
deve passar por processos de criação de consenso
por especialistas e pela abertura para a discussão e
crítica pelos atores envolvidos, assumindo-se plenamente seu caráter de dispositivo dialógico que
contribui na construção de consensos democraticamente produzidos.
IX. Conclusão
O conceito de necessidades em saúde, para
poder ser aplicado no nível dos serviços de saúde, pela sua elevada complexidade e por extrapolar o âmbito setorial, exige uma redução de
seu escopo a uma de suas dimensões, a das necessidades de serviços de saúde. O conhecimento das características da demanda, oferta, e dos
padrões históricos de utilização são importantes aspectos para a estimativa das necessidades
de serviços de saúde. Os modelos de atenção
são pressupostos importantes na definição de
necessidades, na medida em que a organização
dos serviços nos padrões de redes integradas de
serviços de saúde tem demonstrado respostas
mais eficazes na melhoria dos níveis de saúde.
A aplicação do enfoque de necessidades
à fixação de referências quantitativas nos processos de programação da atenção à saúde permite aproximações à demanda esperada, e em
coerência com o desenho do modelo de atenção
centrado na atenção primária, contribui para a
superação da lógica dominante da programação baseada em ajustes de série histórica.
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53
curtas
No dia 6 de novembro, o Conselho Nacional
de Saúde lançou a Campanha Nacional em Defesa
do SUS e Fortalecimento do Controle Social. Coordenada pelo CNS, mas assumida também pelas
três esferas do controle social, a campanha tem
o objetivo de aproveitar os 25 anos do SUS como
oportunidade de comunicação para valorizar a
atuação e a participação do CNS e dos Conselhos
Estaduais e Municipais na construção do SUS e,
por consequência, da saúde pública brasileira.
Participe da campanha nas redes sociais e ajude a
fortalecer o Sistema Único de Saúde. Todos #JuntosPeloSUS
O Governo Federal criou, no mês de outubro,
por meio da Lei n. 12.873, o Programa de Fortalecimento das Entidades Privadas Filantrópicas e das
Sem Fins Lucrativos (PROSUS) que possibilitará,
a partir de janeiro de 2014, o parcelamento da dívida dos serviços com a União. Além disso, o Ministério da Saúde anunciou também um pacote
de medidas para fortalecer a atuação dos hospitais
filantrópicos e das Santas Casas na assistência a pacientes atendidos no SUS. Uma delas é o aumento
do incentivo pago às Santas Casas e a instituições
filantrópicas para garantir o atendimento, o que irá
gerar impacto financeiro de R$ 1,7 bilhão em 2014 e
permitirá aumentar em 236 mil o número de cirurgias realizadas por essas instituições anualmente
no SUS. Saiba mais sobre essas medidas no portal
do Ministério da Saúde (www.saude.gov.br).
Assim como acontece todos os anos com
a promoção do Outubro Rosa para lembrar
as mulheres da importância da prevenção do
câncer de mama, o movimento Novembro
Azul – Um Toque, um Drible –, lançado pela
Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), em
parceria com Instituto Lado a Lado pela Vida,
iluminou, durante todo o mês, pontos turísticos em várias cidades e distribuiu panfletos
explicativos para conscientizar os homens
sobre a necessidade de se submeterem a exames preventivos contra o câncer de próstata.
Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca)
mostram que, no ano passado, foram identificados mais de 60 mil novos casos da doença.
O Brasil foi sede, entre os dias 10 e 13 de
novembro, do III Fórum Global de Recursos Humanos. Promovido pelo Ministério
da Saúde, pela Organização Pan-Americana
da Saúde/Organização Mundial da Saúde
(Opas/OMS) e pela Aliança Global para a
Força de Trabalho em Saúde (GHWA), o
encontro debateu a crise mundial de falta
de profissionais em saúde para atender à
demanda populacional e as soluções para o
enfrentamento do problema. Ministros de
estado e autoridades de 35 países, acompanhados de delegações de 85 nações, e cerca
de 1.500 convidados participaram do encontro. Essa foi a primeira vez que um país das
Américas sediou o evento.
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Revista do Conselho Nacional de Secretários de Saúde
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Região Centro Oeste: a eleger; Região Nordeste: a eleger; Região
Norte: Vanda Maria Paiva (TO); Região Sudeste: Antônio Jorge de
Souza Marques (MG); Região Sul: Michele Caputo Neto (PR)
Comisão Fiscal
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Antônio Carlos dos Santos Figueira (PE); Hélio Franco de Macedo
Júnior (PA)
Representantes do CONASS
na Hemobrás: Antônio Carlos dos Santos Figueira (PE); na ANS:René
José Moreira dos Santos (PR); na Anvisa: Ciro Carlos Emerim Simoni
(Titular, RS), Viviane Rocha de Luiz (Suplente, assessora técnica do
CONASS)
Secretários de Estado da Saúde
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(PE); Antonio Faleiros (GO); Antônio Jorge de S. Marques (MG);
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Neto (PR); Olinda Consuelo Lima Araújo (AP); Rafael de Aguiar
Barbosa (DF); Ricardo Murad (MA); Sérgio Luiz Côrtes (RJ); Suely de
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