O Tratado de Methuen, a Teoria das Vantagens

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O Tratado de Methuen, a Teoria das Vantagens
ARTIGO
ALEXANDRE NAVARRO GARCIA
Administrador de Empresas (UnB). É pós-graduado em Gestão Pública (Enap) e Direto
Legislativo (UFMS). É Secretário-Executivo do Ministério da Integração Nacional e
presidente do Conselho de Administração da Companhia de Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba e do Conselho Fiscal da Nuclebrás Equipamentos
Pesados AS. Foi secretário de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social
O Tratado de Methuen, a Teoria das
Vantagens Comparativas e o Plano
Diretor de Desenvolvimento Regional
E
m 1703, El-Rei de Portugal prometeu comprar da
Inglaterra, com taxas amigas, para sempre, todo o
tecido que a ilha pudesse vender-lhe. Em contrapartida, Sua Majestade britânica autorizou a importação
de vinhos portugueses, taxando-os em apenas 2/3 dos
impostos que eram cobrados do produto francês. Estava
consagrado o Tratado dos Panos e Vinhos, elaborado
pelo diplomata inglês John Methuen, que deu nome ao
acordo, inclusive. Com a substituição acelerada da manufatura pelo maquinário movido a vapor, no ambiente dos
primeiros anos da Revolução Industrial, nada mais vantajoso para a Inglaterra. Resolveu vários problemas numa
canetada só.
Tornou superavitária a balança comercial em relação
a Portugal, desenvolveu rapidamente seus mecanismos
de produção têxtil, diminuiu a dependência do vinho
francês, país em dialética histórica com a Inglaterra, e
encontrou uma forma direta para amealhar as reservas
de ouro oriundas da colônia brasileira, que nem paravam
no porto lusitano, para o financiamento das novidades
laborais implantadas pela industrialização.
Para a economia portuguesa, uma tragédia. Endividou-se, a despeito de receber das minas brasileiras,
a cada ano, cerca de cinco toneladas de ouro, e viu sua
fraca indústria e principalmente a fabril, desaparecer,
tomada de arrastão pelo crescimento exponencial da
cultura vinícola, único mercado economicamente viável
à época. Portugal, defasado tecnologicamente, mas profícuo na produção de vinhos, tornou-se completamente
dependente dos produtos britânicos mais elaborados.
Tudo que era consumido em Portugal tinha o carimbo
inglês, principalmente roupas e tecidos, respaldados estes
Dom João VI
por Methuen. Uma fórmula com um só perdedor. Mesmo
os países mais adeptos do receituário de Baco nunca conseguirão consumir mais vinho que roupas, inobstante os
dois fazerem frente, igualmente, ao frio europeu.
O Brasil, é claro, entrou na conta, após a chegada de
dom João VI e da família real em 1808. Para comprar as
facilidades e luxos produzidos pela Revolução Industrial,
Portugal obrigou, em 1810, por meio da assinatura com
os mesmos parceiros do Tratado de Comércio e Navegação, que aos produtos oriundos da Inglaterra fosse
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ARTIGO
O TRATADO DE METHUEN, A TEORIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS E O PLANO DIRETOR DE
DESENVOLVIMENTO REGIONAL
aplicado um imposto de importação de 15% ad valorem,
Passados 300 anos, o Brasil está no limiar para
incidência menor, inclusive, que aquelas atribuídas às responder aos concidadãos de suas macrorregiões, vermercadorias portuguesas (16%) e de outros países (24%). dadeiros países em número de pessoas e extensão, quais
Se, em 1808, dom João havia revogado alvará de 1785, as condições socioeconômicas, qual a amplitude de
editado por sua mãe, dona Maria I, que impedia a pro- oportunidades lhes entregará neste século XXI e, princidução de manufaturados em solo brasileiro, decisão esta palmente, qual tratado e teoria adotará para resolver estas
festejada pelos artesãos brasileiros, neste ato coibiu, de questões.
vez, qualquer possibilidade de desenvolvimento fabril da
Uma reprodução de Methuen, consolidando a concolônia. A Inglaterra, à exceção dos vinhos, que já tinha centração da expertise produtiva e laboral nas regiões
Portugal como “colônia econômica”, passou a contar com Sul e Sudeste, como no século passado, deixando para
o Brasil também.
as demais a entrega, na forma das Vantagens ComparaRevogado em 1842, o tratado encontrou no eco- tivas, de produtos, quando não primários, de pouco valor
nomista inglês David Ricardo, respostas que até hoje agregado, de manufaturados sem nenhuma inteligência
encontram defensores e constitui teoria de comércio embutida, ou assinará um contrato no qual fiquem eviinternacional. Considerado por Marx o maior dos eco- denciadas, de um lado, garantias de investimento público
nomistas clássicos, introduziu, no seu principal livro, com critérios diferenciados, conquanto idiossincrasias e
Princípios da Economia Política e Tributação (1817), a descompasso humano e estrutural de cada região e, de
ideia de que cada país deve limitaroutro, instrumentos legais e espaço
-se à produção daquilo que for mais
para instalação de instrumentos
PASSADOS
competitivo (Teoria das Vantagens
físicos que estimulem o aporte
300
ANOS,
O
BRASIL
Comparativas).
privado?
Por esta postulação, compensaria
ESTÁ NO LIMIAR PARA
importar determinados produtos,
PNDR
RESPONDER AOS
mesmo que se conseguisse produziO Ministério da Integração
-los por um valor menor e pudesse
Nacional,
por iniciativa do ministro
CONCIDADÃOS DE
entregar ao mercado, comparatiFernando Bezerra Coelho, consaSUAS MACRORREGIÕES,
vamente, outro bem com maior
grando orientação da presidenta
QUAL A AMPLITUDE DE
competitividade dos fatores de proDilma Rousseff, está construindo
dução. Na forma de Methuen, seria
uma resposta através da elaboração
OPORTUNIDADES LHES
mais vantajoso a Portugal importar
da segunda Política Nacional de
ENTREGARÁ NESTE
os tecidos e vender vinhos, mesmo
Desenvolvimento Regional (PNDR).
sendo mais produtivo que a InglaA PNDR foi entabulada na I ConfeSÉCULO XXI
terra nos dois casos, dado que,
rência Nacional de Desenvolvimento
comparativamente, o país lusitano é
Regional, realizada em Brasília, em
bem mais capaz produzindo a bebida do que os tecidos.
março, a partir de teses apresentadas para o planejamento
Pela equação de Ricardo, o excedente econômico regional brasileiro nos próximos anos. A conferência
gerado pela produção de vinho financiaria a compra de discutiu quatro temas centrais: governança, diálogo
panos ingleses. O ministro da Educação do Brasil, Aloízio federativo e participação social; financiamento do desenMercadante, apresentou, recentemente, uma conta que volvimento regional; desigualdades regionais e critérios
traduz, ao mesmo tempo, Methuen e Ricardo, e traz vários de elegibilidade; e vetores de desenvolvimento regional
significados para o país: “para se importar uma tonelada sustentável.
de chips, paga-se US$ 350 mil. Precisa-se de 21 mil toneApós percorrer 27 estados e realizar cinco encontros
ladas de minério de ferro ou 1,7 mil toneladas de soja macrorregionais, a conferência apresentou aos 443
para pagar uma tonelada de chips”. Se a razão resultar de delegados indicados uma coletânea de 800 sugestões
áreas tecnologicamente mais complexas, como a espacial, oriundas de diversos segmentos da sociedade: institutos
precisaria vender muito mais: 258 mil toneladas de ferro de pesquisa, academia, órgãos públicos e sociedade civil.
e 149 mil de soja para pagar o aluguel de um foguete lan- Dessa rodada será produzida a minuta da PNDR, texto
çador de satélites.
este que será transcrito para projeto de lei a ser discutido
“
”
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Gestão Pública & Desenvolvimento - Março de 2013
no Congresso Nacional ainda este
Que se dê preferência à aplicação dos recursos
ano. Deverá apresentar as conem projetos de infraestrutura, principaldições e os meios materiais para
mente no interior destes estados,
o enfrentamento das desigualposto que, hoje, estão fundadades regionais produzindo,
mentalmente
concentrados
para além das alternativas da
nas capitais e grandes cidades.
política social, opções duradoras
Que se amplie os valores emprede oportunidades e equalização
gados em ciência, tecnologia e
social.
inovação, montante a maior que os
Tornar equilibrados percentuais e prioridades
já obrigatórios trinta por cento. Que
de investimento, ideia posta no artigo 35 das Discresçam as despesas com assistência
posições Transitórias da Constituição brasileira
técnica, qualificação de mão de obra,
em 1988, obrigando leis orçamentárias dos dez anos
governança e fortalecimento institucional,
seguintes a equivaler volumes financeiros a percennotadamente em pequenos municípios, intetuais da população das regiões brasileiras, embora
riorizando, por decorrência, capital humano de alto
tenha se mostrado inócua foi, ao lado
nível. Que se redobrem as condições
da organização de planos plurianuais, a
O MINISTÉRIO e esforços para a desconcentração dos
primeira tentativa de regionalizar a aplidesembolsos em investimento proDA INTEGRAÇÃO
cação de políticas públicas.
dutivo. Hoje, os créditos públicos
O caso mais aparente desta inexedestinam-se mais ao barateamento
NACIONAL ESTÁ
cução talvez seja a Região Nordeste
e equalização do capital privado e
CONSTRUINDO UMA
que, com 28% da população brasileira,
menos à construção de estruturas que
RESPOSTA ATRAVÉS
produz apenas 13,5% das riquezas do
tornem estados e municípios compepaís. O mesmo percentual do início
titivos e dinâmicos.
DA ELABORAÇÃO DA
da segunda metade do século passado,
Quiçá seja tão exitosa quanto à
SEGUNDA POLÍTICA
inobstante estados como Ceará, Perpolítica social, de equalização de
NACIONAL DE
nambuco e Bahia terem crescido com
renda, implantada nos últimos anos
índices bem maiores que o Brasil nesta
e que, rapidamente, em apenas dez
DESENVOLVIMENTO
década última. Agregado a isto, detém
anos, conseguiu, oportunizada após
REGIONAL
72,15% dos analfabetos do país com 15
o fim do imposto inflacionário na
anos ou mais de idade.
década de 90 do século passado,
(PNDR)
Que a II PNDR, por meio da implanretirar da pobreza extrema, inicialtação do Fundo de Desenvolvimento
mente, 16 milhões de pessoas, nada
Regional - FNDR, já almejado nas reiteradas tentativas menos que a população do Chile. Com mais 22 milhões
de reforma tributária ou mesmo na primeira PNDR, que saíram da situação nos dois últimos anos, chega-se
faça o papel de delimitador de ações e possa priorizar próximo a uma Argentina.
gastos a partir do recorte regional, não consolidando as
É através da junção desta a uma exequível PNDR
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste como Portugal que, no tempo, em duas gerações no máximo, estarão
em Methuen, exportando produção defasada em valor consolidados os instrumentos para que a distribuição
agregado e comprando bens mais elaborados na ótica das de benefícios de prestação continuada deixe de ser funvantagens de Ricardo.
damental e se torne apenas um acessório pecuniário,
Para isso, o FNDR, talvez acompanhado de um Fundo irrelevante, frente a outras alternativas - educação,
de Coesão e outro Social, como na União Europeia, possa ciência, tecnologia e inovação no centro - mais duraavançar, inclusive, para além das regiões Norte, Nordeste doras e equilibradas para conferir oportunidades a
e Centro-Oeste, sobre áreas como o Vale do Ribeira pau- todos os brasileiros, de todas as regiões. Até para portulista, o sudoeste gaúcho, e o lado oeste de Santa Catarina gueses e ingleses, residentes ou não. Mas sem nenhuma,
e do Paraná, territórios que se assemelham e requerem ou muito pouca, inspiração no Tratado de Methuen ou
muito das demandas dos demais.
na Teoria de Ricardo.
“
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