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XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012
Uma abordagem analítica dos procedimentos composicionais dos “sons de
bebê”, em Speakings, de Jonathan Harvey.
Nome do Autor: Ivan Eiji Yamauchi Simurra
Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora – NICS/UNICAMP
Grupo Mus3/UFPB – [email protected]
Resumo: Este artigo apresenta alguns procedimentos composicionais elaborados pelo compositor
Jonathan Harvey para a recriação timbrística e instrumental de “sons de bebê”, presentes em sua obra
orquestral Speakings. Para tanto, foram realizadas abordagens analíticas a partir da utilização de um
suporte computacional, em OpenMusic, para ressaltar determinadas medidas estatísticas, especialmente
de conteúdo espectral e harmônico.
Palavras-chave: Análise Musical; Composição e Análise Assistida por Computador; Composição;
Speakings; Recriação Timbrística.
An Analytical Approach to the ‘Baby Sounds’ Compositional Procedures in Jonathan Harvey’s Speakings
Abstract: This article presents some compositional procedures elaborated by Jonathan Harvey in his
orchestral piece Speakings especially about ‘baby sounds’ timbral re-creations. This methodological
approach was elaborated in OpenMusic virtual environment to highlights some statistical dimensions,
mainly spectral and harmonic contents.
Keywords: Music Analysis; Computer-Aided-Composition and Analysis; Composition; Speakings;
timbral re-creation.
1. Introdução
O trabalho colaborativo realizado pelos ambientes computacionais para a análise e
a composição musical, denominado como Composição Assistida por Computador (CAC1),
projetou as características estruturantes a um patamar tão importante quanto a análises
realizadas a partir da partitura musical. Dessa forma, as informações discretas e quantitativas,
adquiridas por essas ferramentas, possibilitam um maior refinamento das reflexões
qualitativas e analíticas acerca de determinado objeto de análise. Por poder se relacionar
também com as características do fenômeno sonoro, seja por intermédio de amostras de áudio
ou mesmo a partir de síntese sonora, essa metodologia pode, concomitante ao trabalho
realizado a partir das informações presentes na partitura, proporcionar reflexões mais
substanciais e refinadas. Portanto, fica clara e manifesta que essas duas abordagens analíticas
não são, necessariamente, excludentes entre si mas, ao contrário, colaborativas e
complementares. Contudo, para esse presente trabalho analítico sobre alguns aspectos
composicionais em Speakings (2008), para orquestra e eletrônica, do compositor Jonathan
Harvey, as principais informações quantitativas foram adquiridas a partir da própria partitura
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da obra, mesmo com o uso das ferramentas computacionais de assistência a análise e
composição musical.
2. Metodologia de Análise
A metodologia de análise aplicada neste trabalho se fundamentou, principalmente,
nas potencialidades das informações proporcionadas pela partitura e como elas podem revelar,
ou ao menos, propor alternativas reflexões dos objetos propostos. Esse procedimento foi
elaborado em OpenMusic2, um ambiente virtual para manipulação de dados MIDI, que se
utiliza de diversas bibliotecas de funções. Para o âmbito desse trabalho, foi utilizada a
biblioteca SOAL (Sonic Object Analysis Library), desenvolvida pelo grupo Mus3, da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob a coordenação do prof. Dr. Didier Guigue. Um
dos principais objetivos da SOAL é analisar, sequencialmente, dados quantitativos de arquivos
MIDI, a partir de diversas dimensões musicais estatísticas. Dentro do escopo deste trabalho,
foram utilizadas as seguintes dimensões estatísticas: “ocupação espacial absoluta” dos
arquivos de entrada, que fornece o intervalo em midicents, i.e., os valores MIDI para semitons
adequados num intervalo de 100 (por exemplo, um semitom é equivalente a 100, uma
Segunda Maior tem valor de 200 midicents, etc.); “densidades relativas”, ou seja, que calcula
o número de notas dentro de uma região determinada pelos dados extremos. Dessa forma, a
ocupação de todas as notas presentes dentro do âmbito preestabelecido por seus extremos,
resultaria em 100% de ocupação ou por convenções de SOAL, igual a 1; “densidades
absolutas”, que calcula a quantidade absoluta do número de notas para cada grupo definido;
“fundamentais virtuais”, que estabelece uma possível organização de componentes espectrais
a partir das duas notas mais graves de cada arquivo de entrada e; “desvios de harmonicidade”,
que calcula os desvios dos dados de entrada a partir de uma referência adquirida pelo cálculo
de fundamentais virtuais, sendo o valor 1, o maior desvio de harmonicidade.
3. Descrições gerais de Speakings
Os trabalhos conceituais e composicionais de Speakings, desenvolvidos e
realizados pelo britânico Jonathan Harvey com a colaboração de alguns pesquisadores
associados ao IRCAM, especialmente Grégoire Carpentier, Arshia Cont e Gilbert Nuono,
tangem, principalmente, o desejo do compositor em relacionar “estruturas musicais” com as
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“estruturas da fala”, concomitantes a uma escrita orquestral e a manipulações eletrônicas em
tempo real3.
O ritmo e o conteúdo emocional da fala não são elaborados apenas por sua
semântica, mas e, provavelmente, ainda mais, pelo comportamento de seu conteúdo dinâmico
espectral. Portanto, “fazer a orquestra falar” não significa atingir os valores semânticos da fala
por intermédio de processos computacionais mas enfatizar as estruturas “não verbais” da fala
e realizá-las através da escritura instrumental/orquestral. A “trajetória metafórica de
Speakings”, se inicia com “gritos”, “murmúrios” e “balbucios” de bebês, uma evolução da
inconsciência da fala através de vibrações turbulentas até a serenidade do canto de um
“mantra” (HARVEY, 2009: 01). Um dos primeiros procedimentos desse estágio de
“elaborações a partir das assistências e processos computacionais”, como supracitado, foi o
reconhecimento e catalogação das estruturas melódicas e harmônicas das amostras dos
exemplos do comportamento dos “sons de bebês” e do “mantra”. Logo depois de realizada
essa operação, foram incorporadas as estruturas “não harmônicas” dessas amostras. Toda essa
metodologia proporcionou um amplo banco de informações sobre as características sonoras
desses modelos timbrísticos, fornecendo os subsídios fundamentais para a elaboração da
escritura instrumental e orquestral, realizada por Harvey, em Speakings.
Após a apresentação de um tema introdutório no violino solo, o naipe
instrumental dos violinos 1 e violinos 2, em divisi, elabora ciclos de adensamentos texturais a
partir de uma sonoridade de referência. Estes ciclos compartilham o mesmo comportamento
dinâmico de ampliação no âmbito intervalar de altura musical (nota musical ou pitch) no
decorrer de seus desenvolvimentos. Em determinados momentos, esses ciclos se desenvolvem
em direção a regiões mais agudas do espectro que parte, por exemplo, da nota “Dó7” e,
gradativamente, ocupa uma maior densidade espectral, atingindo o intervalo de trítono
composto. Em outros momentos, o movimento é invertido, em direção a regiões mais graves,
que se inicia na nota “Mi3”, culminando numa região cromática entre “Fá#5” até “Dó#6”,
ampliando a sua distância intervalar a cada articulação em colcheia.
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Figura 1: Primeiro movimento de textura. pg. 02
Figura 2: Análise das alturas musicais agregadas da figura anterior, principalmente dos blocos em
destaque, realizada em OpenMusic
Figura 3: Movimentos de textura. Marcação de ensaio "B".
Definidos como “movimentos de texturas” neste presente trabalho, estes excertos
podem, ainda, ser interpretados como “proto-modelos” da recriação timbrística dos “sons de
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bebês”. Apesar de possuírem um maior comportamento dinâmico-articulado nas inflexões
rítmicas, os “sons de bebês” se relacionam com estes “movimentos de texturas”,
principalmente pelo seu efetivo instrumental (apenas naipe de cordas, principalmente violinos
1 e 2); pelas suas articulações internas, sempre executadas em trêmolos; e por esse caráter de
“ampliação da sua gama espectral” durante o desenvolvimento de cada modelo ou excerto.
Para esse primeiro movimento, há 6 modelos de recriação timbristica dos sons do “bebê
gritando” (baby scream); 3 recriações do “bebê chorando” (baby crying); 4 recriações do bebê
dizendo “jacke” (baby jacke) e; mais 8 recriações para o “murmúrio do bebê” (baby babble).
Ademais, essas “recriações timbrísticas” instrumentais, possuem uma sincronização com sons
eletrônicos de “sons de bebê” gravados. Os principais instrumentos que realizam essa
sincronização são, principalmente, a flauta contralto e o oboé. Ainda, a definição de cada uma
das 21 recriações dos “sons de bebê” foi realizada a partir das próprias indicações, presentes
na partitura.
4. Resultados e Discussão.
A seguir, são apresentados os resultados das dimensões estatísticas de cada “som
de bebê”:
densidades
relativas
densidades
absolutas
fundamentais
virtuais
desvio de
harmonicidade
ocupação absoluta
sincronização
baby
scream
0.63, 0.50,
0.52, 0.40,
0.21, 0.22
93, 98, 96,
79, 119, 124
"Lá#2", "Lá2",
"Sol#2",
"Sol2", "Fá2"
0.38, 0.32,
0.37, 0.32,
0.41, 0.33
2800 (3ºM), 2900
(4ºJ), 3000 (T),
3100 (5ºJ), 3700
(2ºm) 3900 (3ºm)
eletrônica, flauta,
oboé, eletrônica,
flauta contralto, oboé
baby
cry
0.20, 0.37,
0.17
71, 87, 125
“Lá2”, “Ré2”,
“Dó#2”
0.45, 0.40,
0.41
3100 (5ºJ), 3800
(2ºM), 3900 (3ºm)
flauta contralto, flauta
contralto, flauta
contralto
baby
jacke
0.48, 0.58,
0.51, 0.25
38, 37, 22,
19
“Sol#2”,
“Sol2”,
“Sol#2”, “Lá2”
0.50, 0.36,
0.50, 0.40
2700 (3ºm), 2800
(3ºM), 2400 (8ºJ),
2800 (3ºM)
oboé, oboé, oboé,
oboé
baby
babbles
0.33, 0.14,
0.28, 0.28,
0.23, 0.33,
0.39, 0.20
50, 48, 67,
62, 112, 13,
66, 74
“Sol2”, “Si1”,
“Mi2”, “Dó2”,
“Ré2”, “Ré2”,
“Fá2”, “Dó#2”
0.43, 0.38,
0.40, 0.43,
0.38, 0.50,
0.42, 0.43
2700 (3ºm), 4100
(4ºJ), 3600 (8ºJ),
3600 (8ºJ), 3800
(2ºM), 2100 (6ºM),
3500 (7ºM), 3900
(3ºm)
oboé, flauta contralto,
oboé, flauta contralto,
violoncelo, flauta
contralto, oboé, flauta
contralto
Tabela 1: Medidas estatísticas de cada “som de bebê”, em Speakings.
Com relação às sincronizações entre as amostras gravadas dos “sons de bebê” e as
recriações timbrísticas dos “sons de bebê” instrumentais, é possível apontar que, quando há
um relacionamento das recriações das cordas com a eletrônica sincronizada pela flauta
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contralto, os valores de suas “densidades relativas” são, em média, os menores dentre todas as
apresentadas. Essa relação entre “densidades relativas” e “instrumentos de sincronização”
pode ser melhor visualizado a partir do recorte entre “baby cry”, apenas com a flauta
contralto, e “baby jacke”, apenas com o oboé:
Tabela 2: densidades relativas (eixo y) com relação aos instrumentos de sincronização.
De todos os “sons de bebês”, “baby jacke” é aquele que apresenta os maiores
desvios em harmonicidade, com referência a fundamentais virtuais, onde “baby jacke”, mais
uma vez, possui a particularidade de apresentar o menor intervalo (Segunda Maior) entre suas
fundamentais. Em contrapartida, “baby cry” e “baby babbles” são aquelas que possuem os
maiores intervalos (Sexta Menor):
Tabela 3: Relação entre a média dos “desvios de harmonicidade” com o intervalo musical das
“fundamentais virtuais”.
O comportamento das “fundamentais virtuais”, de cada “sons de bebê”, pode
sugerir a “ocupação espacial absoluta”, i.e., o intervalo musical em midicents de cada
recriação instrumental. Em “baby scream”, o movimento descendente de suas fundamentais
(Lá#2 – Fá2, 4º Justa) aumenta o intervalo musical das “recriações” (2800 – 3900, i.e., 3º M
composta e 3º m composta, respectivamente. Já o intervalo musical entre os “baby screams”
extremos é de 7º Maior). Em “baby cry” a relação entre movimento das fundamentais e a sua
ocupação espacial é proporcional (Lá2 – Dó#2 e 3100 – 3900, 6º menor, respectivamente),
seguindo o mesmo procedimento de ampliação intervalar de “baby scream” (agora com 5º
Justa composta, 3100, e 3º menor composta, 3900). “Baby jacke”, por sua vez, apresenta
intervalo de 2º Maior em suas fundamentais virtuais (Lá2 – Sol2) e o intervalo de uma 3º
Maior (2400 – 2800) na ocupação espacial das suas recriações instrumentais. Em “baby
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babbles”, a proporção realizada em “baby cry” é retomada: fundamentais virtuais dentro de
um intervalo de 6º menor (Sol2 – Si1) e ocupação espacial dentro de um intervalo de 6º menor
composta (2100 – 4100). Já a sua ampliação intervalar é a de maior ordem: 6º Maior
composta, 2100, e 4º Justa composta, 4100. Dessa forma, foi possível estabelecer que há uma
relação entre as abordagens mais graves de suas fundamentais com a expansão do intervalo
de cada recriação.
Tabela 4: Relação entre os intervalos musicais, em midicents (eixo y), com as fundamentais
virtuais de cada "som de bebê" (eixo x)
No primeiro movimento, as construções texturais (realizadas, principalmente,
pelas cordas) são gradualmente transformadas em “recriações timbrísticas” dos “sons de
bebê”. Dessa forma, substituindo o termo “inferência de valores” por “construções texturais”
e “sons de bebê”, foi possível estabelecer que há processos de interpolação no
desenvolvimento das recriações timbrísticas, no primeiro movimento de Speakings. Apesar de
cada desenvolvimento ter uma abordagem distinta e peculiar, há, de fato, um direcionamento
a uma maior complexidade espectral, partindo do primeiro “baby scream” até “baby babble”,
com seu clímax geralmente em “baby jackes”, principalmente com relação aos desvios de
harmonicidade. Podemos dizer também que este aumento na “complexidade espectral” (com
valores médios em 0.35, 0.41, 0.45 e 0.425) é inversamente proporcional à densidade do
número de notas musicais que preenchem o espaço sonoro delimitado pelo compositor em
cada recriação (com valores médios em 101, 94, 29 e 61). Isso pode identificar que há,
também, uma aproximação a modelos de filtragem de conteúdo espectral cada vez mais
complexo (i.e., que, de fato, não possuem relação proporcional em números inteiros)
ressaltando a presença de componentes espectrais mais inharmônicos.
Portanto, as mudanças graduais e lineares se apresentam, principalmente, nas três
recriações iniciais. Contudo, é possível estabelecer um direcionamento a comportamentos
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mais “heterogêneos”, particularmente em “baby babbles”. Ainda, os futuros trabalhos acerca
do procedimentos composicionais, em Speakings, proporão novas abordagens analíticas tanto
a partir da gravação sonora, a partir de outras medidas estatísticas focadas diretamente pelo
fenômeno sonoro e timbrtístico resultante, quanto a partir dos possíveis relacionamentos entre
as abordagens analíticas a partir da partitura e da própria gravação.
5. Agradecimentos
Este trabalho foi um recorte da pesquisa de Mestrado financiada pela CAPES, nos
anos de 2010 – 2011e pela FAPESP, nos anos de 2011– 2012. Ainda, o autor gostaria de
agradecer o grupo de Pesquisa Mus3/UFPB, o Prof. Dr. Jônatas Manzolli, Prof. Dr. Didier
Guigue e o Prof. Dr. Silvio Ferraz.
Referências:
BUXTON, William A. S. A composer’s Introduction to Computer Music. Interface, Vol. 6,
pgs. 57 – 72, 1977
CARPENTIER, Grégoire. Approche Computationelle de l’orchestration musicale.
Optimization multicritère sous contraintes des combinaison instrumentales dans de grandes
banques de sons. 2008. Tese de Doutorado. Universidade Paris VI. pgs. 247
GUIGUE,
D.
SOAL
documentation.
2010.
Disponível
em
<
http://www.cchla.ufpb.br/mus3/index.php?option=com_content&view=article&id=7&Itemid
=5>. Data de acesso: 07/04/2012.
HARVEY, J.; NUONO, G.; CONT, A.; CARPENTIER, G. Making an Orchestra Speak.
SMC 2009, July, 23-25, Porto, Portugal.
HARVEY, J. Speakings. Music Score. Faber Music. 2008.
1
BUXTON, W. – A composer’s Introduction to Computer Music – Interface, Vol. 6, pgs. 57 – 72, 1977
Para mais detalhes, ver: < http://repmus.ircam.fr/openmusic/home>. Data de acesso: 07/04/2012.
3
HARVEY, J.; NUONO, G.; CONT, A.; CARPENTIER, G. Making an Orchestra Speak. SMC 2009, July,
23-25, Porto, Portugal. pg. 01
2