A atividade física pode funcionar como um sonífero. Só que também

Transcrição

A atividade física pode funcionar como um sonífero. Só que também
EXERCÍCIOS PARA
CAIR NO SONO
A atividade física pode funcionar como um sonífero. Só que também é capaz
de deixar você ligado a noite toda. Agora uma pesquisa demarca quais
modalidades ajudam a dormir bem — e o que sabota um pleno descanso
por THEO RUPRECHT | design MARIANA LOURO e LETÍCIA RAPOSO | fotos ALEX SILVA
A
pesar de a cama ser um dos grandes símbolos da preguiça, deixar o
corpo em estado de inércia permanente só piora nossa relação com
o sono. Essa constatação, já bastante aceita
pelos especialistas, foi consolidada por um
trabalho da Universidade da Pensilvânia,
nos Estados Unidos. Os cientistas identificaram as práticas esportivas mais comuns entre 429 110 adultos e as relacionaram com
o tempo de repouso de cada um. Os achados dão pouca margem para dúvida: caminhada, jogging, corrida, ciclismo, ginástica
aeróbica, musculação, golfe, ioga e natação
estavam todos, em comparação com o sedentarismo, mais associados a um descanso
de sete ou oito horas por noite, índice considerado ideal para a maioria da população.
Até a jardinagem, quem diria, trouxe
efeitos positivos! “De maneira geral, a atividade física diminui o estresse e faz liberar
substâncias que promovem bem-estar, dois
fatores essenciais para dormirmos bem”,
justifica o endocrinologista Bruno Halpern, especialista em sono e coordenador
do Centro de Controle de Peso do Hospital
9 de Julho, na capital paulista.
Mas essa não foi a grande novidade do
levantamento. Ao confrontarem o potencial
de cada modalidade, os pesquisadores observaram diferenças significativas. “Embora a
atividade física via de regra esteja atrelada a
uma maior chance de dormir adequadamente, o tipo de exercício também importa”,
conta o psicólogo Michael Grandner, um dos
autores do estudo. Ciclismo, corrida, musculação, ginástica aeróbica e ioga foram os que
apresentaram melhores resultados.
Mas por que elas se destacaram? “Todas
possuem um componente de foco mental e
sentimento de propósito que pode ser benéfico. Contudo, isso é uma hipótese”, arrisca
Grandner. Soa até estranho ouvir que levantar peso ou sair correndo por aí, por exemplo, exige concentração. Mas repare: manter
o ritmo na academia ou a toada nos passos
demanda, sim, resiliência. E essa ginástica
mental, por sua vez, turbinaria nossa capacidade de apagar profundamente mais tarde.
Já Marco Tulio de Mello, educador físico
da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) que estuda há anos as interações entre sono e exercício físico, aposta em outra
explicação: “Cargas altas, desde que não exageradas, estimulam ainda mais a produção
daquelas substâncias relaxantes”. E não dá
pra negar que os esportes mais louvados no
levantamento americano costumam deixar
a gente bem ofegante — até mesmo a ioga,
dependendo do estilo e das posições, faz seus
adeptos suarem pra valer.
Isso não quer dizer que só vai dormir bem
quem lançar mão dessas atividades. Baseados
na pesquisa e em entrevistas com profissionais, desvendamos que, seja qual for o treino,
algumas medidas devem ser contempladas
para suas pálpebras ficarem mais pesadas à
noite — dê uma olhada no quadro abaixo.
DESCANSAR
FAZ PARTE
DO TREINO
Durante o sono,
o organismo libera
um monte de
testosterona e GH,
dois hormônios
essenciais para a
manutenção dos
músculos. Dito
de outro jeito,
madrugadas
em claro abalam
significativamente
os ganhos obtidos à
base de muito suor.
Aliás, isso é tão
importante que o
educador físico Marco
Tulio de Mello, da
UFMG, está firmando
uma parceria com o
Comitê Olímpico do
Brasil para aprimorar
o merecido repouso
dos nossos atletas.
“Temos inclusive
que adaptar o
momento de dormir
dos esportistas de
acordo com o início
das provas”, diz.
CORRA ATRÁS... DA CAMA
Quatro estratégias que, incluídas no seu dia a dia de exercícios, ajudam a embalar no sono
ESTABELEÇA
UMA ROTINA
O corpo gosta de
seguir uma agenda.
Dentro do possível,
exercite-se em
horários semelhantes
ao longo da semana.
5 0 • S A Ú D E É V I TA L • AG O STO 2 0 1 5
APERTE UM
POUCO O PASSO
É engano pensar que
só atividades leves
nos tranquilizam.
Elevar a intensidade
junto a um expert
melhora o sono.
CONCENTRE-SE
NO ESPORTE
Esqueça o trabalho
e as preocupações
por um momento.
Foque na prática,
no ambiente e nos
colegas de treino.
ALONGUE-SE
APÓS A AGITAÇÃO
Nada de esticar
muito, não. A
tática serve mais
para relaxar a
musculatura
e os tendões.
S A Ú D E É V I TA L • AG O STO 2 0 1 5 • 5 1
tomar banho, comer um lanche e finalmente relaxar, o ponteiro do relógio com certeza
estará bem avançado.
Mas, que fique claro, os exercícios feitos
no começo da noite não necessariamente
deixam a pessoa elétrica até o raiar do sol —
apesar de o senso comum dizer o contrário.
Em um experimento clássico, Marco Tulio
de Mello colocou um grupo de voluntários
para treinar de manhã, outro à tarde e um
último já com a lua à mostra. Resultado: todos adormeceram em horários semelhantes.
“Desde que não seja pesado demais e não
envolva um grau alto de competitividade,
o esforço físico não é contraindicado depois
das 18 horas”, crava Mello.
Em resumo, a malhação só adia o início dos sonhos quando é mal executada
(veja as principais armadilhas a serem evitadas no quadro abaixo) ou se divide espaço
na agenda com o período supostamente
reservado para dormir — e isso vale inclusive para a turma que abrevia o tempo
sob as cobertas para sair correndo junto
com os primeiros raios de sol. “A questão
é que, hoje em dia, o sono está lá embaixo na lista de prioridades da população”,
lamenta o neurologista Luciano Ribeiro,
diretor da Associação Brasileira de Sono.
Valorizar esse momento sagrado é garantia de mais bem-estar. E uma ótima forma
de mostrar seu apreço por ele é vencer a
preguiça, desligar a TV e, com os devidos
cuidados, botar o corpo pra se mexer.
SANGUE, SUOR... E INSÔNIA
Veja os fatores que dificultam o pregar dos olhos
INGERIR CÁPSULAS
ESTIMULANTES
Esses suplementos,
muito utilizados para
turbinar os exercícios,
contêm substâncias
que nos deixam
elétricos por horas.
5 2 • S A Ú D E É V I TA L • AG O STO 2 0 1 5
EXTRAPOLAR OS
PRÓPRIOS LIMITES
O exagero nos enche
de adrenalina, que
afasta o sono. De
quebra, traz dores que
fazem qualquer um
ficar rolando na cama.
LEVAR O ESPORTE
MUITO A SÉRIO
O estresse
proveniente da
cobrança por
vitórias e eventuais
discussões deixam o
cérebro a mil por hora.
SER UM ATLETA DE
FIM DE SEMANA
É necessário ter
regularidade. Além
de sessões isoladas
quase não oferecerem
vantagens, elas elevam
o risco de lesões.
MODALIDADES QUE INCENTIVAM O SONO
Tendo como base a caminhada, o estudo americano avaliou o efeito sonífero das atividades abaixo. Veja no que deu
GOLFE
MENOR RISCO
DE DORMIR
POUQUÍSSIMO
(MENOS DE
4 HORAS)
MUSCULAÇÃO
PILATES
E IOGA
MENOR
RISCO DE
DORMIR
POUCO
(5 A 6
HORAS)
GINÁSTICA
AERÓBICA
PRODUÇÃO: ANDRÉA SILVA / FOTOS: ALEX SILVA (BOLA DE GOLF), LUCIANA CRISTHOVAM (HALTERE), DARCIO TUTAK
(BOLA PILATES), J. CRAVALHO (CORDA), DIVULGAÇÃO (TÊNIS, CAPACETE E FERRO DE PASSAR) E GETTY IMAGES (REGADOR)
Deixamos para este momento uma revelação negativa, mas igualmente importante,
do artigo da Universidade da Pensilvânia.
Em meio a todas as práticas analisadas, houve uma que, mesmo quando comparada ao
sedentarismo, foi ligada a piores noites sob
os lençóis. Estamos falando dos... cuidados
domésticos ou com as crianças, que não
deixam de demandar certo esforço físico.
“Nesse caso, acredito que o problema não
seja da atividade em si, e sim do que a cerca”, pondera Grandner. Em primeiro lugar,
varrer a sala, limpar o banheiro e arrumar a
cozinha, principalmente em um cotidiano
atribulado, não costuma ser fonte de prazer.
Pelo contrário. “E o estresse e a irritação são
inimigos do sono”, sentencia Mello.
Além disso, em dias úteis, várias pessoas
só têm tempo para dar um trato na casa e
brincar com os filhos à noite. Com isso, acabam empurrando o momento de encostar a
cabeça no travesseiro para a madrugada. Aliás, os moradores dos centros urbanos estão
cada vez mais notívagos — e isso não exclui
a rotina de exercícios físicos. Em um levantamento recente da Associação Brasileira de
Academias (Acad Brasil), nota-se uma nítida
tendência nos últimos cinco anos de estender o horário de funcionamento desses estabelecimentos. “Nas metrópoles, boa parte
das academias fecha as portas só às 23 horas. É um pedido dos clientes”, relata Marcelo Ferreira, diretor técnico da Acad Brasil. Aí
não tem jeito: até o sujeito voltar pra casa,
CORRIDA
CICLISMO
MENOR
RISCO DE
DORMIR
DEMAIS
(ACIMA DE
9 HORAS)
JARDINAGEM
ATIVIDADES
DOMÉSTICAS E
COM CRIANÇAS
Elas foram as únicas
práticas relacionadas a
menos horas na cama.

Documentos relacionados