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CAPA REVISTA CIENTIFICA – REDE UNIRB 2014 Editora-chefe Prof.ª Adriana Assis Santos Org. Prof.ª Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto Coordenadora do Curso Revisão Profª Itastimara Valverde Medeiros Normas da ABNT Prof. Carlos Alberto Bahia Prof.ª Maria do Socorro Rocha Marina Rodrigues (Bibliotecária) Prof.ª Norma Sueli Mendes Editoração Marluce Souza Santos Impressão Gráfica – SENASP Biblioteca da Faculdade Regional da Bahia – UNIRB Revista Cientifica do Curso de Serviço Social/Faculdade Regional da Bahia Vol. 05 – Salvador 2014 Interdisciplinar: Questão Social, Assistência Social, Proteção Social, Seguridade Social, pessoa com deficiência. FACULDADE REGIONAL DA BAHIA – UNIRB EDITORIAL A Revista Científica Rede UNIRB, em seu quinto volume, apresenta uma fundamental contribuição para estudiosos, à comunidade interna e externa interessados na produção de conteúdos acadêmicos acerca das abordagens propostas nos 10 artigos contidos neste exemplar. O ineditismo dos estudos desta edição traz à tona a multidisciplinaridade e a diversidade de enfoques produzidos pelos autores dos textos. De tal forma, é o que certamente instiga o leitor em suas páginas. Vale ressaltar que, mesmo tratando de temas diferenciados, cada artigo traz o compromisso e a inquietação de seu articulista, no que tange ao aprofundamento, ampliação e questionamentos, aflorados por estes do que se conhece das temáticas abordadas, a fim de contribuir para o aumento de saberes e para a disseminação de novos estudos. Presente nos estados da Bahia, Alagoas, Sergipe e Piauí, a Rede UNIRB reafirma que a publicação desta Revista Científica é de extrema importância, não só pela forma como os diferentes autores enfocam suas pesquisas, mas também pelo levantamento de questões e conclusões, além do aporte intelectual e de conhecimentos concebidos a partir de sua leitura. Por isso, temos a enorme satisfação de compartilhar com você mais esta edição. Carlos Joel Pereira Diretor-presidente da Rede UNIRB SUMÁRIO A dimensão técnico-operativa do Serviço Social na Saúde Hospitalar................................................................................................................... Adriana Assis Santos Trabalho da(o) Assistente Social e os desafios teóricos, operativos e políticos representados pelas atuais configurações da questão social e suas implicações conservadoras no campo das políticas sociais....................................................................................................................... Ana Maria de Oliveira Silva Por uma razão não instrumental: Reflexões propedêuticas acerca do pensamento de JURGEN HABERMAS – Filosofo e Sociólogo Contemporâneo.......................................................................................................... Norma Sueli Mendes As condições de Trabalho do Assistente Social nos Centros de Referência da Assistência Social em Salvador: Uma análise sobre a consolidação do sistema único da Assistência Social........................................................................................ Neila Tiara Santos Soledade Transfusão de Sangue: O dilema entre autonomia do paciente, violação de direitos e Serviço Social........................................................................................................... Rosemeire Moreira Pereira Bitencur e Ana Maria de Oliveira Silva 5 15 23 34 44 A importância do Fortalecimento das famílias no processo de Desenvolvimento da pessoa 56 com deficiência intelectual em Salvador – Bahia........................................... Adriana Assis Santos, Sandra Moreira Costa de Carvalho e Tatiane Pereira dos Santos A proposta do Estado frente a Centralidade das famílias na política Nacional de Assistência Social – PNAS: Uma análise histórico-critíca.......................................... Grasiela Santana Santos e Jocelina Alves de Souza Coelho A política previdenciária do auxilio-doença e as transformações societárias contemporâneas do mundo do trabalho...................................................................... Jocelina Alves de Souza Coelho, Amanda Silva de Matos e Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto Proteção social e população em situação de rua no Brasil:Uma trajetória de invisibilidade............................................................................................................... Camila Santana Oliveira, Sandra Moreira Costa de Carvalho 72 81 93 107 Trabalho e situação de Rua no Brasil: Mecanismos e formas de precarização................................................................................................................ Sandra Moreira Costa de Carvalho A DIMENSÃO TÉCNICOOPERATIVA DO SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE HOSPITALAR Adriana Assis Santos1 Resumo O presente artigo visa apresentar o processo de trabalho numa rede hospitalar da Capital baiana, especificamente com base nas três dimensões da profissão, ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa da profissão. Buscou-se com esse estudo obter uma aproximação acerca do reconhecimento da realidade social pelas profissionais atuantes nesse espaço socioocupacional a partir da utilização dos instrumentais disponíveis na categoria, armadilhas encontradas na práxis, bem como a interface com a produção científica e pesquisas em serviço social. A metodologia utilizada nesse estudo foi qualitativa, numa perspectiva dialética, primando pela compreensão dos instrumentais utilizados pelas assistentes sociais pesquisadas. O campo da pesquisa foi uma Rede de Saúde Hospitalar do Estado da Bahia, Salvador – BA (Unidade Sede), espaço socioocupacional composto por 18 (dezoito) assistentes sociais, das quais apenas oito desejaram participar do estudo de forma voluntária, representando 03 (três) das 06 (seis) Instituições desta Rede Hospitalar. A aplicação dos questionários e assinatura do TCLE ocorreu via e-mail personalizado e individualizado a cada convidada, entre os dias 26 de junho a 30 de julho do ano em vigor. Objetivando manter a identidade das pesquisadas em sigilo, estas serão apresentadas codificadas como AS1, AS2, AS3, AS4, AS5, AS6, AS7 e AS8, sendo todas do sexo feminino. Como resultados parciais, percebemos que a dimensão técnico-operativa do serviço social na saúde hospitalar reconhecem o acervo instrumental disponível à execução da sua prática, conseguem fazer a correlação teórica entre o uso dos instrumentos e demandas apresentadas nesse campo de atuação, utilizando-se da base teórica do serviço social, contudo existem implicantes na sua condição enquanto classe trabalhadora assalariada, se levado em consideração a sua vinculação e demandas impostas pela classe empregadora. Palavras-chave: dimensão técnico-operativa. serviço social. saúde hospitalar. 1 Introdução O presente trabalho propõe tecer uma análise acerca da dimensão técnico-operativa do serviço social na saúde hospitalar, através do processo de trabalho numa rede de saúde na Bahia, a partir da análise dos instrumentais disponíveis para a categoria no seu exercício profissional, reconhecimento da realidade social, percepção ou não das armadilhas encontradas na práxis, e a interface com as demais competências/dimensões profissionais – ético-política, e teórico-metodológica. Nesse estudo, apresentei como problema central a necessidade de identificar se “as assistentes sociais de uma Unidade hospitalar em Salvador utilizam os instrumentais adequados com o seu fazer profissional nesse espaço socioocupacional?”. Para responder a esse questionamento, propus como 1 Assistente Social (Ucsal), Mestre em Políticas Sociais e Cidadania (Ucsal) e Docente do Curso de Serviço Social da Unirb. E-mail: [email protected] objetivo geral de pesquisa “conhecer se os assistentes sociais dessa unidade hospitalar utilizam coerentemente os seus instrumentais (acervo hábitos e cultura na profissão, emerge justamente no documental), de forma a fortalecer a proposta do momento em que os setores dominantes (capitalistas) Projeto ético-político da profissão”. da sociedade, buscavam meios de “apaziguar” as O Estudo será apresentado em 04 tópicos, onde mazelas da questão social (era industrial)2, a qual se iniciarei com a discussão acerca da dimensão mantém até os dias atuais, vistas através das suas técnico-operativa no serviço social, perpassando a múltiplas expressões. Essa afirmativa pode ser melhor história e os avanços a partir da década de 1980. Em compreendida quando Sousa (2008, p.120) explicita: seguida falarei das competências profissionais, O Movimento de Reconceituação do Serviço Social, com toda a diversidade que lhe foi próprio, criticou duramente essa divisão, e proporcionou um aprofundamento teóricometodológico (principalmente a partir do diálogo com a tradição marxista e, sobretudo, com a obra marxiana) que possibilitou à profissão romper com esse caráter meramente executivo e conquistar novas funções e atribuições no mercado de trabalho, sobretudo do ponto de vista do planejamento e administração das políticas sociais. compreendendo sua fundamentação para a prática profissional do assistente social. Foi necessário adentrar a discussão onde se evidencia a utilização do acervo instrumental pelo serviço social na saúde. Ao final farei uma analise acerca da demanda e instrumentais utilizados pelo serviço social na saúde na rede de saúde hospitalar estudada. Na história da profissão, o assistente social 2 A dimensão técnico-operativa no Serviço em sua atuação profissional, trabalhava sob uma ótica Social: História e Avanços a Partir da conservadora e ativista, como bem menciona Buriolla Década de 80 (2006). A partir do movimento de reconceituação da profissão, esta visão profissional passa a ser Os avanços contidos na profissão do serviço rediscutida nos movimentos de luta internos na social, após o movimento de reconceituação da categoria, buscando, conforme Sousa (2008, p.122) profissão, mais precisamente a partir da década de explicita acima, ser necessário buscar “superar essa 80, onde fora percebida a necessidade de ser visão unilateral. No universo das diversas correntes consolidado um novo conceito de profissão, momento que atuaram nesse movimento, a principal motivação em que, em meio à luta da própria categoria, negava- era dar ao Serviço Social um estatuto científico”. se o perfil de “mero executor de tarefas” imbuído no 2 exercício profissional de alguns assistentes sociais. É válido ressaltar que esse processo de mudança de Para melhor compreensão do tema, fez-se necessário consultar autores que estudam e discutem a Questão Social e o Serviço Social: Iamamoto, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade. (2006); Castell R. A metamorfose da Questão Social. (2008); Ainda buscando corroborar com esta análise, Netto competência ético-política, a competência teórico- (2004 apud SOUSA, 2008, p.121), expõe os motivos metodológica e a competência técnico-operativa. que levaram a profissão a tecer uma repaginagem na sua ação profissional, em especial que Iamamoto (2005, p.19) ao tratar da competência ético-política da profissão, sendo que se debruçasse sobre a produção de um conhecimento crítico da realidade social, para que o próprio Serviço Social pudesse construir os objetivos e (re)construir objetos de sua intervenção, bem como responder às demandas sociais colocadas pelo mercado de trabalho e pela realidade. Assim, pôde o Serviço Social aprofundar o diálogo crítico e construtivo com diversos ramos das chamadas Ciências Humanas e Sociais (Economia, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Psicologia). esta competência além de envolver a não neutralidade do profissional, aborda que Sua prática se realiza no marco das relações de poder e de forças sociais da sociedade capitalista – relações essas que são contraditórias. Assim, é fundamental que o profissional tenha um posicionamento político frente às questões que aparecem na realidade social, para que possa ter clareza de qual é a direção social da sua prática. Isso implica em assumir valores ético-morais que sustentam a sua prática – valores esses que estão expressos no Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais (Resolução CFAS nº 273/93)5, e que assumem claramente uma postura profissional de articular sua intervenção aos interesses dos setores majoritários da sociedade; No período da graduação profissional da autora, em meio às teorias e ciências necessárias na formação profissional, algumas das ciências mencionadas por Netto (2004 apud SOUSA 2008), questionava-me não entendendo ao certo os motivos Do ponto de vista observado na citação acima, e necessidades destas para a formação de um cabe ressalvar que a postura profissional do assistente social. assistente social na contemporaneidade, vinculado a um projeto ético-político societário deve quando nada 2.1 Competências profissionais: compreendendo sua fundamentação para tornar-se reflexivo3. Buscando compreender um pouco a prática profissional do assistente social mais sobre as outras competências profissionais, conceituaremos agora a competência teórico- Compreender a importância das competências do assistente social no seu fazer profissional, metodológica da profissão, também elucidada por Sousa (2008, p.123), que esclarece: Iamamoto (2005, p.27), nos traz a reflexão acerca das competências profissionais na contemporaneidade, mencionando as “3 dimensões que devem ser do domínio do Assistente Social”, sendo elas: a 3 Entendemos por prática reflexiva aquela desenvolvida por um trabalhador social que, considerando a questão social – e sua vivencia pelas classes populares – enraizada na dinâmica histórico-conjuntural das relações entre as classes sociais e desta com o Estado, objetiva com sua prática profissional, contribuir na construção de uma sociedade democrática, tendo como base a luta pela igualdade econômico-política que amplie e consolide a cidadania (VASCONCELOS, 1994). o profissional deve ser qualificado para conhecer a realidade social, política, econômica e cultural com a qual trabalha. Para isso, faz-se necessário um intenso rigor teórico e metodológico, que lhe permita enxergar a dinâmica da sociedade para além dos fenômenos aparentes, buscando apreender sua essência, seu movimento e as possibilidades de construção de novas possibilidades profissionais [...]. Muito embora possa ser banalizado por alguns profissionais, a necessidade da manutenção dos estudos teóricos e metodológicos da profissão tornase imprescindível ao profissional na contemporaneidade, pois atuar frente às múltiplas expressões da questão social4, embora pareça algo “corriqueiro” não pode ser diminuído ou depreciado pelo profissional do serviço social. Outro ponto, considerado preponderante à essa “qualificação permanente do profissional” volta-se à capacidade que o profissional deverá ter para compreender as mudanças societárias, lembrando inclusive da sua especificidade em cada ação profissional, e isso só ocorrerá através da busca constante por conhecimento. profissional no seu contexto de trabalho. Buscando melhor compreensão acerca desta última competência, Sousa (2008, p.122) nos afirma que o profissional deve conhecer, se apropriar, e sobretudo, criar um conjunto de habilidades técnicas que permitam ao mesmo desenvolver as ações profissionais junto à população usuária e às instituições contratantes (Estado, empresas, Organizações Não-governamentais, fundações, autarquias etc.), garantindo assim uma inserção qualificada no mercado de trabalho, que responda às demandas colocadas tanto pelos empregadores, quanto pelos objetivos estabelecidos pelos profissionais e pela dinâmica da realidade social. É válido ressaltar que, em matéria da competência técnico-operativa, mesmo imbuída de habilidades ou experiências profissionais para o exercício da profissão, o assistente social no seu fazer profissional deverá realizar uma análise crítica contrapondo o campo de atuação, demandas dos usuários, bem como aplicabilidade da competência técnico-operativa, sempre vinculando-se aos objetivos da categoria nesta instituição. Sousa (2008, p.125) ressalta que Como última competência profissional, apresenta-se a técnico-operativa, a qual se volta ao fazer profissional, à assistência prestada cotidianamente, ao uso dos instrumentais cabíveis ao “[...] o conjunto das expressões das desigualdades sociais como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade” (IAMAMOTO, 2006, p.27). 4 essas três dimensões de competências nunca podem ser desenvolvidas separadamente – caso contrário, cairemos nas armadilhas da fragmentação e da despolitização, tão presentes no passado histórico do Serviço Social. Contudo, articular essas três dimensões coloca um desafio fundamental, e que vem sendo um tema de grande debate entre profissionais e estudantes de Serviço Social: a necessidade da articulação entre teoria e prática. Investigação e intervenção, pesquisa e ação, ciência e técnica não devem ser encaradas como dimensões separadas – pois isso pode gerar uma inserção desqualificada do Assistente Social no mercado de trabalho, bem como ferir os princípios éticos fundamentais que norteiam a ação profissional. 2.2 Uso dos instrumentais do serviço social na saúde: o olhar científico dessa prática profissional A prática profissional do assistente social em O profissional deveria atuar no seu campo de trabalho, somente se tivesse domínio pleno das três competências profissionais, além de ter a clareza da inseparabilidade entre elas, visto que a utilização segregada destas três além de fragilizar a prática profissional, consolida uma visão cultural da sociedade para com a profissão, onde qualquer um pode ser um assistente social, visto a atuação vinculada ao senso comum conduzida por profissionais da categoria. A realidade social, autores como Baptista e Batinni (2009), e o próprio Sousa (2008) consideram que estudar a realidade social nunca foi tarefa fácil. Dessa forma, o assistente social deverá estar qualificado e habilitado para melhor desempenhar o qualquer área de atuação profissional traz como subsídios legais a Lei nº 8.662/935, o Código de ética profissional de 1993, e, na saúde em especial, temos a partir de 2009 “os parâmetros de atuação do assistente social na saúde6”, documentos legais, dentre outros, que contribuem para nortear a prática profissional, primando pela consistência e vinculação ao Projeto ético-político profissional, o qual é um projeto societário. A apresentação da base legal da profissão fortalece o posicionamento ético-político que a profissão do serviço social constituiu ao longo da sua história na sociedade, bem como possibilita compreender a importância da profissão e pensá-la a partir do fato de seu fazer profissional, pois “[...] o cotidiano cria armadilhas às quais o Assistente Social deve estar atento. [...]. Mas nem tudo que aparece é o que realmente é” (SOUSA, 2008, p.123). Para tanto, os profissionais devem atentar-se à singularidade e particularidade em cada demanda trazida pelos usuários do serviço social, levando-se em consideração que nem sempre a realidade é o que parece ser. abordar o serviço social como uma profissão socialmente determinada na história da sociedade brasileira. Em outros termos, analisar como o Serviço Social se formou e desenvolveu no marco das forças societárias, como uma especialização do trabalho na sociedade. Mas pensar a profissão é também pensá-la como fruto dos sujeitos que a constroem e a vivencia [...] (IAMAMOTO, 2006, p. 57-58). O Serviço Social expressa na sociedade, a 5 Lei de Regulamentação da Profissão. Documento construído com o objetivo de “fortalecer o trabalho dos assistentes sociais na saúde, na direção dos Projetos de Reforma Sanitária e Ético-Político Profissional, imprimindo maior qualidade ao atendimento prestado à população usuária dos serviços de saúde em todo o Brasil” (CFESS, 2009). 6 partir dos seus profissionais, a contínua construção de social7, sobretudo pelas bases teóricas que alicerçam ações eficazes, transformadoras e contribuintes, para o fazer profissional, o qual deve estar distanciado do uma sociedade que traz historicamente a negação “fazer comum”, ou seja, do “senso comum”, do dos seus direitos de cidadania. Contudo, a fragilidade achismo, do achômetro, como já mencionava Buriolla – vista muitas vezes no ativismo profissional - em (2006, p.15). exercer a profissão, não cabe mais ao profissional na A prática profissional possibilita ao assistente contemporaneidade, tendo em vista todo o processo social, através dos dados obtidos no uso dos seus de luta angariado pela categoria, reformulações instrumentais8 diretos9 e indiretos10, a elaboração e curriculares ao longo desses anos, implantação do publicação de estudos dos perfis das populações PEP, dentre outras atos significativos para o contexto trabalhadas, estudos de casos sociais para profissional. discussões com as equipes multiprofissionais, espaços identificação dos indicadores sociais da área de socioocupacionais em que atua, prima pela atuação, comparativos das demandas ano a ano – materialização dos direitos sociais dos seus usuários, objetivando revisão dos projetos e/ou programas ora cidadãos de direitos e deveres. A luta pelos direitos desenvolvidos pelos profissionais da área, tendo em dos cidadãos, dever de todos, é na profissão de vista a certeza de que a realidade social é mutável e serviço social uma das bandeiras de luta mais não estática (BAPTISTA; BATTINI, 2009), dentre acirradas categoria, outras possíveis pesquisas, estudos, levantamentos, independentemente se este atue diretamente na área propostas de intervenções, frutos da utilização dos da saúde ou não, para tanto, faz-se necessário seus instrumentais. O Assistente pelos Social profissionais nos da A necessidade de crescimento e estímulo [...] analisar a profissão supõe abordar, simultaneamente, os modos de atuar de pensar que foram por seus agentes incorporados, atribuindo visibilidade às bases teóricas assumidas pelo Serviço Social na leitura da sociedade e na construção de acerca da produção científica em Serviço Social, em respostas à questão social (IAMAMOTO, 2005, p.58). Corroborando com o dito por Iamamoto (2005), ao contrário do que se pense na sociedade, nem “todo mundo faz serviço social”, logo, ser assistente 7 O Serviço Social é uma profissão de nível superior e pode ser exercida somente por profissionais diplomados em instituições de ensino reconhecidas pelo Ministério da Educação (MEC) e devidamente registrados no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS). A pessoa que se forma no curso de Serviço Social é denominada de assistente social. (http://www.assistentesocial.com.br/perguntas.php ). 8 São entendidas como instrumentos ou meios dos quais o assistente social se vale para atingir os fins pré-determinados. (www.ssrevista.uel.br/cv9n2_sandra.htm) 9 Ou instrumentos utilizados “face-a-face”, sendo eles: observação participante, entrevista individual ou grupal, reunião, dinâmica de grupo, mobilização de comunidade, visita institucional, visita domiciliar (SOUSA, 20010 Ou instrumentos utilizados por escrito: atas de reuniões, livros de registros, parecer social, relatório social, diário de campo (SOUSA, 2008). especial ao Estado da Bahia, sobretudo pela social, muito provavelmente posteriormente utilizada. importância e embasamento teórico-prático ofertado Outro dado a ser levado em consideração aos profissionais da categoria, fará parte de um entre os achados no estudo é o fato de que 06 (seis) contributo ainda mais para uma prática profissional das pesquisadas mencionarem o uso constante do crítica, propositiva, investigativa, contemporânea. instrumental “parecer social” nas suas práticas profissionais. Esse indicativo, conduziu a pesquisadora à analisar a interface existente entre os e diversos instrumentais do Serviço Social, seja por sua instrumentais utilizados pelo serviço continuidade e sistemática necessária, seja pela social na saúde na rede de saúde importância do posicionamento profissional frente aos hospitalar estudada casos acompanhados pela categoria, ou seja, por 2.3 Analise acerca da demanda entender que cada instrumento utilizado pela A título de esclarecimento, Sousa (2008) esclarece que o serviço social possui seus profissão, existe por detrás deste um objetivo e a justificativa de sua aplicabilidade. instrumentos diretos (ou face-a-face, que necessita Uma entrevista social realizada pelo assistente uma abordagem corpo-a-corpo com o usuário do social junto ao seu usuário deve ser acompanhada e serviço social) - entrevista individual e grupal, precedida da observação participante – devido aos observação participante, dinâmica de grupos, dados mobilização de comunidade, reunião, visita domiciliar, Conseqüentemente, far-se-á após a aplicação dos visita institucional -, e indiretos (por escrito, dois instrumentos ora mencionados, através da documentando as ações realizadas e dados obtidos reflexão da prática profissional, os devidos na aplicação de outros instrumentais) – atas de encaminhamentos sociais, com a emissão do parecer reuniões, parecer social, relatório social, livros de social – entendido devido à possibilidade de registros e diário de campo. posicionamento do profissional frente à realidade subjetivos ofertados por esta. A observação participante utilizada por cinco social estudada, quer como norte e definição frente a das oito participantes demonstra para a pesquisadora, um caso assistido através da emissão de um parecer, o equívoco da utilização desse instrumental na prática quer para consubstanciar seus encaminhamentos a profissional, pois, este corrobora de forma significativa serem realizados a posteriori. para angariar informações, impressões e detalhes Quando questionadas sobre os motivos que as subjetivos para consubstanciar a própria entrevista levavam a utilizarem os instrumentais apontados no estudo, daremos destaque a uma seguinte resposta por uma das profissionais pesquisadas, sendo: apresentadas no espaço profissional. Outro ponto a ser considerado, analisando o conjunto das respostas dadas pelas pesquisadas na Procuro utilizar tais instrumentos em função da necessidade de buscar, através do conhecimento crítico da realidade social, poder elaborar objetivos e (re)elaborar objetos de intervenção, bem como responder às demandas sociais apresentadas no espaço profissional (AS1, 2010.). última citação conjugado ao gráfico 01 é o fato de transparecer nas entrelinhas o possível não conhecimento de 100% das pesquisadas aos 100% dos instrumentais mencionados (ofertados como respostas), pelo fato de entender a sua inter-relação e A partir dessa fala, observa-se uma compreensão e entendimento justificáveis ao uso dos instrumentais na prática profissional, ou seja, o cuidado desta com o embasamento e completude entre muitos deles. O profissional do serviço social, independente de qual frente de trabalho atue, deve compreender que no seu contexto de trabalho e aprofundamento acerca da realidade social, meios de melhor direcionamento aos casos ora acompanhados, ponderações nos usos dos instrumentais disponíveis, outros. É notória a centralidade emitida no discurso de AS1 (2010), onde esta procura os instrumentais, para obtenção da visão crítica acerca da realidade social trazida por seus usuários-clientes, sobretudo pela possibilidade de reelaboração da sua proposta de trabalho, a qual, mesmo já considerado-a sistematizada, pode reajustá-la e readequá-la para novos projetos e propostas de trabalho. Essa necessidade de buscar, através do conhecimento crítico da realidade social, novas propostas de intervenções, seja através da elaboração de objetivos e/ou da (re)elaboração do objeto de intervenção profissional, o uso dos instrumentais na visão de AS1 (2010) promove-a ao encontro de respostas às demandas sociais [...] na sua prática profissional se deparam com uma população desinformada a respeito dos seus direitos sociais, do conhecimento que os técnicos têm acumulado sobre ela, dos recursos que pode utilizar, do seu movimento, das informações que os técnicos produzem e detêm sobre o movimento das instituições (rotinas, recursos, contradições, correlação de forças). Essa desinformação contribui para que os usuários sejam utilizados pelas instituições e não as utilizem enquanto um direito social, impedidos que estão de ampliar, consolidar e exercitar sua cidadania (VASCONCELOS, 1994, p.4). A análise tecida por Vasconcelos, reforça a certeza da importância de detalhes angariados através da prática profissional, em especial na instrumentalidade do serviço social, vista em seu sentido macro-conceitual, sendo esta ação promotora da acessibilidade dos usuários do serviço social, aos bens e serviços os quais têm direito. Diante desta perspectiva, a pesquisadora ofertou às pesquisadas a possibilidade de refletir sobre este momento de “reflexão da prática”, com o competências profissionais (ético-política, teórico- “este questionário metodológico e técnico-operativo), possibilita um fazer contribuiu com algum processo reflexivo acerca da profissional politizador, ou seja, não alienador, sendo, sua prática profissional neste momento. Se sim, pode portanto promotor da emancipação do sujeito, comentar?”, momento em que responderam: conforme preconiza do Projeto Ético-político da seguinte questionamento: Sim. Todo trabalho cientifico relacionado a nossa prática profissional é de grande valia pois é necessário que os profissionais produzam trabalhos nos quais sirvam de base para que possamos aprimorar os nossos conhecimentos a cada dia. O profissional de Serviço Social deve estar aberto a novas experiências e em contrapartida saber de fato o que é a sua atribuição sempre respaldado no projeto ético-político da profissão. (AS2, 2010) Sim. O questionário proporcionou uma análise crítica acerca da atuação quanto assistente social, bem como me fez refletir sobre o atual campo de trabalho. Identifiquei necessidades de atualização quanto a utilização e objetivo dos instrumentos citados. (AS3, 2010). profissão. A pesquisa in loco, felicitou a pesquisadora, no sentido de confirmar a existência de uma prática nãoconservadora ou assistencialista, embora alguns discursos tenham permanecido superficiais, se comparados à teoria e ciência apreendida na formação profissional, esta que deve ser mantida ao longo do seu exercício, independente do espaço sócio-ocupacional em que o assistente social esteja inserido. É válido ressaltar que, ao contrário do que se pensa quando criticados os profissionais Essas afirmativas demonstram através dos conservadores da categoria de assistentes sociais, discursos das pesquisadas, quão é válido refletir considerando-os distantes da atualidade, o que difere acerca da prática profissional, das ações realizadas a categoria de conservador ou não, são as ações que ou não realizadas, dos instrumentos utilizados ou não estes desenvolvem ou não no seu exercício realizados, do conhecimento realizado da realidade profissional, ou seja, a lucidez ou não na qual conduz social ou meramente deixado em segundo plano a sua prática profissional, estando ou não vinculando favorável a outrem que não o usuário. suas ações às bases legais da profissão e ao projeto ético-político coletivamente instituído, além de promover estudos e momentos de auto-reflexões 3 Considerações Finais como ocorreu com este estudo. Concomitante a isso, entende-se e reforça-se a A prática profissional do assistente social, embasada por suas bases legais já mencionadas nesse estudo, bem como consubstanciada por suas imprescindibilidade do profissional do serviço social atentar-se diariamente à importância de exercer sua prática profissional de forma auto-reflexiva, reavaliando no cotidiano seus objetivos enquanto BURIOLA, M. O estágio supervisionado. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2001. profissional na sua área de atuação, questionando as imposições feitas pelo sistema capitalista GORZ, A. Misérias del presente, riqueza de lo posible. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1998. (empregador), reafirmando as bases legais do nosso código de ética profissional e Lei nº 8.662/93, esta . O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume, 2005. que regulamenta a profissão, tendo em mente e de forma clara, que um dos objetivos centrais da profissão é a intervenção e enfrentamento das múltiplas expressões da questão social, na garantia e efetivação de direitos das classes trabalhadoras, o nosso usuário. IAMAMOTO, M.V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 9.ed. São Paulo: Cortez, 2005. LEWGOY, A.M.B.; SILVEIRA, E.C. A entrevista nos processos de trabalho do assistente social. Revista Virtual Textos & Contextos, v.6, n.8, p.233-251, 2007. Referências MARTINELLI, M.L. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo: Cortez, 2006. BAPTISTA, M.V.; BATTINI, O. A prática profissional do Assistente social: teoria, ação, construção do conhecimento. São Paulo: Veras, 2009. SOUSA, C.T. A prática do assistente social: conhecimento, instrumentalidade e intervenção profissional. Revista Emancipação, v. 8, n.1, p.119132, 2008. BRASIL. Constituição (1988). 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Disponível em: <http://www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude/te xto2-5.pdf>. políticas e sociais do país e podem ser vistas tanto TRABALHO DA/O ASSISTENTE SOCIAL E OS DESAFIOS TEÓRICOS, OPERATIVOS E POLÍTICOS REPRESENTADOS PELAS ATUAIS CONFIGURAÇÕES DA QUESTÃO SOCIAL E SUAS IMPLICAÇÕES CONSERVADORAS NO CAMPO DAS POLÍTICAS SOCIAIS. Ana Maria de Oliveira Silva1 como mecanismos para manutenção da força de trabalho, como conquistas da classe trabalhadora, como benesse da burguesia, como também instrumento para aumento da riqueza ou dos direitos do cidadão a depender do momento histórico analisado. As mudanças que afetam o mundo do Resumo trabalho provocam a necessidade de alterações no O presente texto tem como proposta apresentar algumas reflexões sobre o Serviço Social brasileiro na atualidade a partir da afirmativa: o trabalho da/o Assistente Social, enquanto atividade que tem como base de sua profissionalização a questão social e a ação fundamentada na crítica marxista e defesa dos interesses da classe trabalhadora têm desafios teóricos, operativos e políticos representados pelas atuais configurações da questão social e suas implicações conservadoras no campo das políticas sociais. Palavras – chave: Serviço Social. Desafios. Questão Social. Políticas Sociais Estado e nas políticas sociais, e colocam diferentes demandas e possibilidades ao trabalho do assistente social no âmbito das políticas sociais. Analisar os espaços sócio-ocupacionais nos quais se insere o assistente social significa refletir sobre o movimento histórico da sociedade e seus processos sociopolíticos, que indicam o modo como a profissão se inscreve na sociedade capitalista, como uma especialização na divisão sociotécnica do trabalho, articulado aos processos de produção e reprodução das relações sociais. Da mesma forma, 1 Introdução para além da instrumentalidade, é necessário verificar também, como o profissional compreende o Conforme Faleiros (1991 apud PIANA 2009), analisar políticas sociais significa percorrer caminhos vinculados ao desenvolvimento do capitalismo e as lutas profissionais e sociais, que no Brasil, se relacionam às condições econômicas, significado do seu trabalho, que olhar tem sobre a profissão, o objetivo e a intencionalidade de sua ação e de que forma a justifica, orientando a direção social do seu exercício profissional. Assim, é importante assinalar que refletir sobre o trabalho profissional da/o Assistente Social, 1 Assistente Social, Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador, Docente da Faculdade Regional da Bahia. baseado na questão social e a sua ação fundada na crítica marxista e defesa dos interesses da classe trabalhadora apresenta desafios teóricos, operativos e formação profissional), que direcionam o projeto ético- políticos postos pela questão social e suas político profissional. implicações conservadoras no campo das políticas Esse projeto indica a necessidade de sociais. Implica considerar que existem âmbitos organização da categoria e é resultante da conjuntura controversos do fazer profissional, nos quais se sociopolíticas que define a vinculação entre os confrontam diferentes concepções, valores e espaços de trabalho e as manifestações da questão propostas, articulados em torno de projetos que social, considerada a expressão das desigualdades disputam o espaço institucional onde se implementam sociais produzidas e reproduzidas na dinâmica das políticas públicas. relações sociais, e, a partir das configurações assumidas pelo trabalho e pelo Estado, no atual 2 O contexto de trabalho da profissão Entendemos que apreender o modo como se dá o exercício profissional significa perceber a lógica estágio mundializado e financeirizado do capitalismo contemporâneo, conforme Netto (1992) e Iamamoto (2007). de retração ou intensificação de demandas em As políticas sociais representam a luta dos determinadas áreas, bem como as respostas quer movimentos sociais e expressam as conquistas das sejam individuais ou coletivas dos assistentes sociais classes trabalhadoras, enquanto respostas a suas à essas exigências e compreender o caráter necessidades mesmo que as vezes insuficientes. contraditório do Serviço Social enquanto prática O Estado responde a questão social através polarizada pelos interesses das classes sociais, que da fragmentação e setorização das necessidades participa dos mecanismos de manutenção e de sociais, recortando-as em problemas sociais mudança, respondendo a interesses do capital e do “particulares” como o desemprego, a falta de trabalho, participando dos processos de dominação, mobilidade urbana, a falta de moradia, a doença e resistência e ruptura da ordem social, conforme outras, inviabilizando a clareza quanto a raiz única. A Iamamoto (2009). implementação das políticas sociais, enquanto direitos O trabalho da/o assistente social expressa a sociais, torna-se um jogo complexo, que envolve articulação de conhecimento e luta por espaço no diferentes atores, interesses, projetos e estratégias, mercado de trabalho associado às competências e requisitando a presença e a intervenção de diversas atribuições privativas legalmente reconhecidas nas categorias profissionais que disputam espaços de suas normativas (lei de regulamentação da profissão, reconhecimento e poder. código de ética profissional e diretrizes curriculares da Rojas (2006) afirma que pode-se compreender como os direitos sociais são tidos como significa efetivação e a ruptura com a cultura da tutela não ocorreu. concessões da elite política e econômica à uma Schons (1999), que investigou a importante parcela marginalizada da população. universalidade de acesso da Política de Assistência Assim, o processo de construção do sistema de Social, recuperou o histórico da assistência desde a proteção social no Brasil entre os anos de 1985 a Proclamação de República no final do século XIX até 1999, se estabelece num cenário político em que o último quarto do século XX, quando a Assistência contexto apresentava uma base sustentada na Social alcançou status de política pública. Entretanto, desigualdade social, elevação da concentração de o alcance da condição de direito encontra limites que renda, desemprego, perda dos direitos trabalhistas e requerem superação. privatizações. Embora o discurso oficial apresentasse O processo constituinte se fez marco no propostas democráticas e rompimento com a cultura campo da democracia, em que a classe trabalhadora, da tutela e do favor, no entanto, a ótica liberal através dos movimentos sociais organizados, continuava prevalecendo os interesses privados sobre consegue por em pauta suas reivindicações, abrindo os públicos. Por isso o sistema de seguridade social canal de participação. A chamada Constituição sofre Cidadã trazia em seu bojo a esperança de resolução desenvolvimento neoliberal assumido neste período e das desigualdades existentes através do Tripé da o Estado assume a posição de estado mínimo Seguridade Social: Saúde – universal não transferindo a sua responsabilidade para a Sociedade contributiva; Previdência Social – contributiva e Civil, através do estímulo a filantropia. desmonte através do projeto de Assistência Social – a quem dela precisar – não Nos anos 1990, houve um processo de contributiva e foi elaborada em meio aos conflitos regressão no âmbito do Estado e da universalização entre o paradoxo econômico e social. dos direitos, desencadeando elementos contrários ao A Constituição de 1988, traz para a processo de democratização política, econômica e sociedade brasileira o direito a universalidade nos social no país, no contexto de crise e reorganização direitos do capitalismo em escala internacional. Isto trabalhistas; de controle sobre a governabilidade e o direito ao voto para os desencadeia analfabetos e a flexibilidade da formação dos partidos determinadas por alterações no âmbito do trabalho, políticos. No entanto, assegurar no campo legal não pela reforma do Estado ou contrarreforma conforme transformações societárias, Behring (2003 apud RAICHELIS 2010), pela redefinição dos sistemas de proteção social e da para com a população brasileira, a partir da inclusão política social e pelas novas formas de enfrentamento do texto constitucional que derivou, anos depois a da questão social, com mudanças e rebatimentos nas efetivação do direito a saúde para todos os brasileiros relações público-privado. /as através da Lei 8080/90, que instituiu o Sistema Observa-se o processo de perda de direitos Único de saúde – SUS, mas os ataques à desencadeada pela reforma do Estado e da implementação do sistema continuam no contexto de economia, provocando o sucateamento dos serviços terceirizações, privatizações e precarização dos públicos e de ataque aos direitos consagrados na serviços que comprometem a efetivação dos Constituição de 1988, gerados pela mobilização social princípios doutrinários e organizativos do sistema, em torno da pela democratização da sociedade e do atingindo diretamente a população usuária e as/os Estado no Brasil, como também, o esvaziamento da trabalhadores. noção de direitos vinculada a uma ideia de que tudo o que é público e estatal é desnecessário. Encolhe-se a O agravamento da questão social fruto do legitimidade dos direitos, o que o transforma em processo de reestruturação produtiva e da adoção do privilégio em nome do avanço e da modernização da programa neoliberal repercute na profissão, tanto nos economia, referenciada pelo mercado e suas sujeitos com os quais o assistente social trabalha demandas. quanto no mercado de trabalho que, como para os As ações de assistência social incluíram a demais trabalhadores, sofre o impacto das população vulnerabilizada, mas não mudaram a sua metamorfoses do trabalho assalariado na condição de subalternizado, através da provisão dos contemporaneidade, submetendo a atividade mínimos sociais definidos pela Lei Orgânica da profissional aos dilemas da alienação (IAMAMOTO, Assistência Social /93. Rojas (2006) enfatiza o 2007 e 2009). período de Governo de Fernando Henrique Cardoso Esta dinâmica atinge diferentes profissões que feriu o princípio da justiça social e gerou aumento que tem as políticas sociais como campo de da pobreza. Portanto, no campo legal a assistência intervenção. Nota-se que, a reestruturação produtiva social, enquanto integrante da seguridade social, é atinge o trabalho do assistente social, diretamente na direito do cidadão e dever do Estado, no campo da mudança e/ou redefinição de postos de trabalho, efetividade continua o conceito da tutela. como também na ampliação e diversificação, como é No que se refere a saúde, a Constituição o caso das políticas de seguridade social, significou o reconhecimento de dívidas do governo principalmente nos municípios, considerando as requisições decorrentes da descentralização e direitos, ampliação do trabalho voluntário e diversas municipalização e necessidade de profissionalização novas formas de gestão do trabalho a exemplo do da implementação das políticas, diante das pressões cooperativismo e do empreendedorismo, que ocultam diretas das populações atingidas pelo desemprego, novos modos de gestão e (auto) exploração do pobreza, violência, insegurança do trabalho e da trabalho. Verifica-se também aumento do desemprego moradia. estrutural, que atinge os trabalhadores, sejam homens Com justificativas sustentadas na insuficiência e mulheres, estáveis ou precarizados, formais ou de recursos financeiros, físicos, humanos e materiais informais, e a queda da qualidade do trabalho, dos cria-se um mito de que estes poderiam garantir a salários e das condições em que ele é exercido. universalidade. Assim são desconsiderados os limites inerentes à própria condição do As condições do capitalismo contemporâneo tardio com a globalização financeirizada dos capitais e desenvolvimento econômico e social que caracteriza sistemas de produção apoiados no desenvolvimento a realidade brasileira e desvincula-se da visão de que tecnológico promovem mudanças nos processos de esta lógica é resultante da formação sócio-histórica do organização, gestão e nas relações e vínculos Brasil, onde esta a raiz da desigualdade. laborais resultando em nova forma do trabalho, com Tem-se claro que existe uma zona de trabalhadores flexibilizados, informalizados, desproteção social, formada por pessoas (os precarizados, pauperizados, desprotegidos de direitos “desassistidos”) que permanecem alijadas da e desprovidos de organização coletiva. Isso atinge o Previdência Social e, também, da Assistência Social. trabalho assalariado, sua realização e materialidade, A segurança de rendimentos não é alcançada por levando a novas definições dos sistemas de proteção alguns pela impossibilidade de contribuição com a social e das formas de organização e gestão dos Previdência processos de trabalho. Social (desempregados e subempregados) e, para outros, por não fazerem O tripé da seguridade social aponta o parte de critérios de acesso aos benefícios não caráter de política de proteção social articulada a contributivos da Assistência Social. outras políticas voltadas à garantia de direitos e de Nesse contexto marcado pela retração do condições dignas de vida, iniciando seu trânsito para trabalho contratado e regulamentado, típico do o campo dos direitos, da universalização dos acessos período taylorista e fordista, aumenta o trabalho e da responsabilidade estatal. Porém, não tem sido precário, parcial, temporário, bem como as fácil essa passagem, seja pela herança conservadora modalidades de flexibilização de vínculos e de que impregnou a explicitação de direitos no Brasil, seja pela desestruturação determinada pelo projeto ações públicas. A terceirização dos serviços sociais neoliberal que construiu um perfil desarticulado públicos faz a separação entre serviço e direito, evidenciando um caráter seletivo e fragmentador para retirando-se a responsabilidade do Estado, as políticas e suas intervenções com medidas comprimindo ainda mais as possibilidades das ações assistenciais compensatórias, em face dos efeitos dos públicas serem inseridas no campo do direito. ajustes estruturais da economia. A partir dos anos 1990, as políticas públicas Essa dinâmica atinge o trabalho do e a luta por direitos ficaram mais complexas, assistente social, afetado pela insegurança do especialmente diante do fato que apesar dos emprego, contratação, desmontes que têm atingido a esfera estatal, o Estado intensificação do trabalho, baixa remuneração, continua sendo a forma mais efetiva de operar a pressão pela produtividade e resultados a curto prazo, universalização dos direitos, mesmo em sociedades ausência de horizonte de progressão e ascensão capitalistas periféricas e financeirizadas como a profissional e de políticas de qualificação e brasileira. modo precário de capacitação profissional.. A reforma neoliberal do Estado brasileiro No âmbito do Serviço Social, aumenta a iniciada no governo de Fernando Henrique Cardoso subcontratação dos assistentes sociais para a trouxe em paralelo uma campanha ideológica de prestação de serviços a organizações governamentais desconstrução do Estado e do que é estatal, e não governamentais, acenando para o exercício acompanhada da supervalorização do mercado e do profissional temporário, por projeto, em função das que é privado nos âmbitos federal, estadual e novas formas de gestão das políticas sociais. municipal, atingindo as condições e relações de As consequências desse processo para o trabalho nos espaços governamentais. trabalho social nas políticas públicas são profundas, Desse modo, a análise das condições de pois a terceirização altera o significado e o alcance do trabalho e suas possibilidades de ampliação e trabalho realizado, altera as relações com a qualificação no âmbito das políticas sociais não pode população, suas representações e a gestão, pela se afastar da dinâmica macrossocietária, nem ser intermediação de empresas e organizações tratada como algo específico do trabalhador. contratadas. Também as ações passam a ter É importante para o profissional exercitar a subordinação a prazos e aos recursos financeiros capacidade de leitura crítica da realidade, sem podendo significar descontinuidade, rompimento de naturalizações e criminalizações da pobreza, das vínculos e descrédito da população para com as formas de violência e de violação de direitos de adolescentes, mulheres, idosos, pessoas em situação cotidianamente, um confronto com a hegemonia de rua, por exemplo, mas procurando compreender burguesa e construção de uma contra hegemonia. criticamente os processos sociais de sua produção e reprodução na sociedade brasileira. As/Os assistentes sociais, tendo em vista prerrogativas legais, éticas e técnicas, são É preciso criticar e resistir ao produtivismo e desafiadas/os a construir estratégias profissionais ter claro o sentido e a direção social ético-política do que, prioritariamente, atendam as abordagens trabalho coletivo. A luta pela qualificação e coletivas e a participação dos usuários, no sentido de capacitação continuada, faz parte da luta pela reverter relações que subalternizam a população. melhoria das condições de trabalho e da qualidade dos serviços prestados à população. É relevante ressaltar que as políticas sociais são mediações da profissionalização do Serviço Também é importante discutir e estabelecer Social, mas não se confundem com elas: serviço estratégias de organização coletiva frente a social é profissão e política pública é responsabilidade precarização do trabalho, no contexto do conjunto dos do Estado e dos governos. trabalhadores das políticas sociais. Embora a O direito social é resultante de processo perspectiva neoliberal se utilize de instrumentos para histórico de luta da classe trabalhadora e para que as dividir os trabalhadores e suas entidades, é por meio políticas se efetivem a sociedade civil deve se da ação coletiva que se criam condições para a apropriar dos canais de participação e controle social, melhoria das condições de trabalho. preconizados pela legislação, tornando evidente a necessidade de trabalhar na lógica da promoção da 3 Considerações finais participação da Sociedade Civil nos espaços públicos de controle das ações do Estado para fazer valer seus Os avanços do Serviço Social brasileiro e a direitos. direção ético-política da profissão repudiam O diálogo com a história do Serviço Social abordagens conservadoras e autoritárias, que passa pela história da sociedade e do pensamento individualizam a questão social, culpabilizando ou social na modernidade. Exige um profissional criminalizando as famílias e indivíduos pela sua politicamente atento ao seu tempo; com competência condição. Um desafio que se apresenta é pensar técnico-política para apresentar os rumos e como o projeto ético político profissional pode estratégias de ação a partir analise da realidade, valorizar o profissional diante do capital. Isto exige, decifrando as manifestações sobre a ação profissional. Essa perspectiva recusa o messianismo utópico e a visão ingênua das possibilidades do Referências exercício profissional. Temos que nos apropriar dos fundamentos da profissão e dominar a teoria que esta na base do projeto ético político da profissão expressa nas produções e nas entidades. Esta é a forma de fazer a leitura da realidade e identificar possibilidades do cotidiano. O projeto ético político inscreve os valores que a profissão abraça e reconhece, dá a direção política à profissão e instiga a reflexão. Exige capacidade critica que permita compreender o significado social do trabalho profissional. Portanto, embora a Seguridade Social, no seu aspecto legal, tenha alcançado o status de Política ainda reside em algo a ser superado, para BEHRING, Elaine R. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do estado capitalista: as funções da previdência e da assistência social. São Paulo: Cortez, 1991. IAMAMOTO, Marilda. Serviço Social em tempo de capital fetiche. São Paulo: Cortez, 2007. . O Serviço Social na cena contemporânea. In: CFESS/ABEPSS (Orgs.). Direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/Abepss, 2009. NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético e político do Serviço Social. In: MOTA, A. E.; Et al. Serviço Social e saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006. que o status de público e universal seja uma realidade e se vincule a consolidação da cidadania. A transformação das políticas públicas em atendimento fragmentado e seletivo a demandas que não contribuem para a superação da pobreza nem dignificam os homens e mulheres que dela fazem uso, as transformas numa falsa política que contribui com o estabelecimento e a manutenção de práticas conservadoras, manipuladoras e de adequação ao neoliberalismo. PIANA, Maria Cristina. A construção do perfil do assistente social no cenário educacional. São Paulo: UNESP, 2009. RAICHELIS, Raquel. Intervenção profissional do assistente social e as condições de trabalho no Suas. Serviço Social & Sociedade [online]. 2010, n. 104, p. 750 - 772. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/sssoc/n104/10.pdf>. Acesso em: 01 ago 2013. ROJAS COUTO, Berenice. O direito social, a Constituição de 1988 e a seguridade social: do texto constitucional à garantia da assistência social. 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Numa leitura crítica do pensamento e construções teóricopráticas em Habermas (1993, 2002, 2003, 2004), vale considerar também, a abertura crítico-reflexiva da sua bibliografia. Nesse sentido pudemos evidenciar que a análise de temas éticos e morais ocupam lugares centrais no seu pensamento, que vem exercendo expressiva influência entre teóricos e profissionais das Ciências Humanas. Daí reside o nosso interesse por essa temática estudando em caráter propedêutico questões relacionadas ao estilo dialógico do 1 Educadora Pesquisadora do NIAC - Núcleo de Investigações Avançadas da Consciência do CEPPEV/FVC junto às áreas de Filosofia. Ética. Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social. Coordenadora do curso de especialização pós flex em Metodologia do Ensino de filosofia e Sociologia. Vídeo-Conferencista na modalidade EAD, bem como, atuando na modalidade presencial no ensino superior em cursos de graduações, pós-graduações e educação profissional, bem como formação continuada de educadores (as) e pessoas da Melhor Idade..Especialista em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação pela UNEB. Especializanda em Filosofia Contemporânea pela Faculdade São Bento. Mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social pelo CEPPEV – FVC. E-mail para contato: [email protected] . pensamento desenvolvido por Habermas, sobretudo aquele que denomina, em sua reflexão, sobre o discurso de Ética do Discurso. Valendo considerar que esta ética do discurso não dá nenhuma orientação conteudística, mas sim, indicativos de um procedimento rico de pressupostos, que deve garantir a imparcialidade na formação do juízo moral (HABERMAS, 2003). O caminho metodológico percorrido partiu da observação da carência de paz existente nas relações sociais, bem como a ênfase que se tem dado na crença da razão meramente instrumental, ou seja, na lógica da lucratividade proporcionada pela demanda mercadológica, racionalidade esta que se configura na ostentação do ter em detrimento do ser. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, utilizando como aporte teórico as obras de sua autoria, e, também, dos autores: Aragão (2002), Habermas (1973, 1993, 2002, 2003, 2004, 2009, 2010,), Passos (2004), Silva (2010), numa abordagem qualitativa, considerando tais fatores pesquisados. Como resultados, vimos o quanto é necessário um trabalho teórico que busque realizar análises que possam auxiliar no desenvolvimento humano diante de uma reflexão acerca da consciência moral, teoria da ação comunicativa, teoria crítica, dentre outras dimensões trabalhadas por Habermas. Logo, compreender quão rica, bela e significativa contribuição tem prestado para a sociedade contemporânea, na medida em que os sujeitos sejam capazes de atuar, quer seja no campo profissional ou no campo social, em prol do desenvolvimento humano e responsabilidade social considerando-se os desafios presentes, dos atuais dirigentes e cidadãos da polis no âmbito do século XXI. Palavras-Chave: Teoria Crítica Social. Interesses: Técnicos, Comunicativos e Emancipatórios. Ação Comunicativa. Abstract The present article has as its purpose to reflect upon some of the theoretical category of the contemporary thinker Jürgen Habermas regarding his critical and reflective modernity theory. From a critical point of view of Habermas (1993, 2002, 2003, 2004) thought and theoretical-practical construction, it is also worthwhile to consider the critical-reflective opening of his bibliography. In this regard, we could show that the analysis of moral and ethic themes is in the center of his thought, which has been exercising an expressive influence amongst thinkers and professionals of Social Sciences. There lies our interest for this theme studying in a propaedeutic way questions related to the dialogical thinking approach developed by Habermas, specially the one he denominates, in his reflection, about the discourse of Discourse Ethics. Considering that this discourse ethics does not rely on the excess of content, but an indicative of a procedure full of assumptions that must ensure the impartiality in shaping the moral judgment (HABERMAS, 2003). The methodology approach came from observing the lack of peace in social relationships, as well as the emphasis that it has been given to the belief in merely instrumental reason, that is to say, in profitability logic provided by the market demand, in a rationality that is distinguished by the ostentation of having instead of being. For this purpose, a bibliographical research was conducted using his body of work, as well as, the following authors: Aragão (2002), Habermas (1973, 1993, 2002, 2003, 2004, 2009, 2010,), Passos (2004), Silva (2010), based on a qualitative approach, considering such researched factors. In the final results, we observed how essential it is the theoretical work that seeks to perform analysis that may assist in the human development, against a reflection on moral consciousness, critical theory, amongst others dimensions studied by Hamermas. Thus, understanding how valuable, graceful and significant contribution has been provided to contemporary society, in the way its individuals may act, whether at professional field or social field, in favor of the human development and social responsibility considering the existing challenges of the current administration and citizen of the polis in the scope of the 21th century. Key-words: Critical Social Theory. Interests: Technical, Communicative and Emancipatory. Communicative Action. 1 Introdução No âmbito da teoria crítica proposta por Habermas, enquanto construto teórico acerca do mundo da vida e do mundo do trabalho, bem como, enquanto uma interação dialógica, comunicativa das suas análises, vale considerar que a análise de temas éticos e morais ocupam um lugar essencial no seu pensamento, que vem exercendo significativo alcance entre teóricos e profissionais das diversas áreas do conhecimento, principalmente das ciências humanas. Assim, nos sinaliza Habermas: No processo histórico-universal do conhecimento, a espécie humana distanciouse cada vez mais das origens e, no entanto, não se livrou da compulsão mítica para a repetição. O mundo moderno, o mundo completamente racionalizado é desencantado apenas na aparência; sobre ele paira a coisificação demoníaca e do isolamento mortal [...]. A pressão para dominar racionalmente as forças naturais que ameaçam do exterior pôs os sujeitos na via de um processo de formação que intensifica até a desmesura as forças produtivas por mor da pura autoconservação, mas deixa definhar as forças da reconciliação que transcendem a mera autoconservação. A dominação sobre uma natureza exterior objetivada e uma natureza interior reprimida é o signo permanente do esclarecimento. (HABERMAS, 2002, p.158) 1954 doutorou-se em filosofia na universidade de Bona. Ainda, de acordo com Aragão (2002), Habermas estudou com o filósofo Adorno e foi Daí residir o nosso interesse por esse teórico pesquisando numa perspectiva propedêutica algumas das questões fundamentais da sua concepção filosófica as quais terminam se constituindo do seu arcabouço teórico enquanto exercício éticoepistemológico face aos desafios presentes nas sociedades de um modo geral. No que diz respeito a algumas tessituras, como já evidenciado de forma propedêutica da nossa investigação, no que concernem as questões habermasianas, podemos desde já evidenciar, através levantamentos biográficos e bibliográficos que o pensamento de Jürgen Habermas suplanta inúmeras fronteiras, o que para esse trabalho se constitui em vasto campo de reflexão de sentido de busca interessada das suas teorizações. Conforme Aragão (2002), Habermas foi durante os anos 60 um dos principais teórico e depois crítico do movimento estudantil. Considerado como um dos últimos representantes da escola de Frankfurt. Também, considerado, pela comunidade acadêmica e por pesquisadores, como um dos mais importantes pensadores alemães contemporâneos, nasceu em Düsseldorf, em 18 de Junho de 1929. Estudou filosofia, sociologia, história e literatura, interessou-se pela psicologia e economia nas Universidades de Gotingen - com Nicolai Harttman-, de Zurique e de Bona. Em assistente no Instituto de Investigação Social de Frankfurt de 1956 a 1959. Em 1961 obteve licença para ensinar na Universidade de Marburg e, em seguida, foi nomeado professor extraordinário de filosofia da Universidade de Heidelberg de 1961 a 1964. Foi nomeado depois professor titular de filosofia e sociologia da Universidade de Frankfurt de 1964 a 1971. Desde 1971 é co-diretor do Instituto Max Plank para a Investigação das Condições de Vida do Mundo Técnico-Científico, em Starnberg. Diante da complexidade filosófica do pensamento de Habermas, nos instiga averiguar acerca das suas concepções teóricas, no que diz respeito a sua crítica social, onde assume uma defesa da modernidade procurando criar uma teoria da razão cujas dimensões abranjam teoria e prática, justificativa e explicativa e que deem suporte intersubjetivo as questões que emergem da modernidade e terminam se estabelecendo no âmbito da constituição do cenário contemporâneo, haja vista, o modo de ser, agir e interagir da sociedade ante os pressupostos que a fundamenta. Assim, verifiquemos o que Habermas (1993, p. 105) nos faz refletir, quando entrevistado por Haller, para responder a seguinte questão: Haller – [...] Seria errado pensar que na sociedade delineada conforme o seu modelo os sujeitos não se comportariam mais como pessoas, mas como máquinas de pensar totalmente racionalizadas? Habermas responde: - Em primeiro lugar, eu não afirmo que as pessoas gostariam de agir comunicativamente, mas que elas são obrigadas a agir assim. Quando os pais querem educar os seus filhos, quando as gerações que vivem hoje querem se apropriar do saber transmitido pelas gerações passadas, quando os indivíduos e os grupos querem cooperar entre si, isto é, viver pacificamente com o mínimo de emprego de força, são obrigados a agir comunicativamente. Evidencia-nos o pensador Habermas que a dialogicidade intersubjetiva se encontra necessáriamente presente no âmbito das inter-relações sociais e nas diversas dimensões e construções humanas, enquanto agir comunicativamente, no que concerne ao processo desse desenvolvimento humano. 2 Das Concepções de Valores Humanísticos presentes no Pensamento de Habermas. Um importante aspecto a ser observado na concepção filosófica e social de Habermas é que a noção de interesse é nuclear no seu pensamento. O que equivale a dizer que todo conhecimento é dirigido por interesses. Contudo contrariamente a Karl Marx (1818-1883), Habermas não direciona o conhecimento pondera que os interesses surgem de problemas que a humanidade enfrenta e a que tem que dar resposta. Desta forma, os interesses são estruturados por processos de aprendizagem e compreensão mútua. Nesse sentido, verificamos o sentido da alteridade como, também, uma das preocupações centrais do seu pensamento intersubjetivo. Habermas afirma o princípio da racionalidade dos interesses, distinguindo assim neste contexto três grandes tipos de interesses, a saber: Os interesses técnicos surgem do desejo de domínio e controlo da natureza. Trata-se de interesses técnicos na medida em que a tecnologia se apoia ou está ligada à ciência. Todo o conhecimento científico enquadra-se nesta esfera de interesses. Os interesses comunicativos levam os membros duma sociedade a entenderem-se (e às vezes a não entenderem-se) com outros membros da mesma comunidade, o que origina entendimentos e desentendimentos entre as várias comunidades. Nesta esfera de interesses estão as chamadas ciências do espírito (ciências humanísticas, culturais, etc). Os interesses emancipatórios ou libertadores estão ligados à auto-reflexão que permite estabelecer modos de comunicação entre os homens tornando razoáveis as suas interpretações. Estes interesses estão ligados à reflexão, às ciências críticas (teorias sociais), e pelo menos em parte, ao pensamento filosófico. Esta auto-reflexão pode converter-se numa ciência, como ocorre com a psicanálise e a crítica das ideologias, mas uma ciência que é capaz transformar as outras ciências. O interesse emancipatório resulta de ser um interesse justificador, explicativo enquanto justificador. (FONTES, 2011, p. 1) propriamente na esfera da produção, numa dimensão ideológica desse teor, nem tão pouco reduz os interesses na esfera das lutas de classes. Trabalha a categoria de interesses de maneira ampla, donde Desta maneira, podemos articular que o pensamento de Habermas aponta, assim, para uma auto-reflexão da espécie humana, dos níveis de racionalidade que a mesma atinge quer seja no âmbito moral – interesses cuja esfera é as das ciências do políticas ou econômicas”. Vale considerar, ainda, a espírito, humanísticas. Vale mencionar que conforme seguinte dimensão: Habermas (2007, p. 135): "No plano filosófico, ao contrário, a consciência secular, segundo a qual viveu em uma sociedade pós-secular, sedimenta-se, assumindo a forma de um pensamento metafísico." Ou seja, continuamos a buscar apoio junto à tradição que A partir da reflexão e da busca de compreensão da teoria habermasiana, é perceptível que ocorra grifos meus, uma maior integração por parte dos sujeitos que se encontram comprometidos com um processo educativo democrático e cidadão, de fato, em um sistema social, no qual cada uma das ações repercute necessariamente sobre outros indivíduos. (SILVA 2010, p. 80) possa respaldar o nosso viver na sociedade contemporânea. Com relação ao aspecto de reflexões acerca Igualmente, ainda com relação ao seu da cidadania, Habermas (2004, p 35) acredita que: “a pensamento no âmbito filosófico social, considera a cidadania é uma posição definida pelos direitos civis. auto-reflexão enquanto ciência capaz de transformar Mas temos de considerar também que os cidadãos são as outras ciências; e no âmbito dos interesses técnico- pessoas que desenvolveram sua identidade pessoal no científico na medida em que a comunidade científica contexto de certas tradições”. anseia pelo domínio e controle da natureza. Assim, Considerando, ainda, a relevância do indaga Habermas (2004, p. 33): - O que significa pensamento de Habermas, donde vale salientar que a moralização da natureza humana? Responde que: sua teoria crítica da modernidade, trata-se de uma Os avanços espetaculares da genética molecular conduzem aquilo que somos “por natureza” cada vez mais ao campo das intervenções biotécnicas (...) sob a perspectiva do mundo da vida, certamente nossa atitude muda tão logo a tecnicização ultrapassa o limite entre a natureza “externa” e a “interna”. Na Alemanha, o legislador proibiu não apenas o DGPI e o uso de embriões exclusivamente para pesquisas, mas também as questões relativas à clonagem terapêutica, à “barriga de aluguel” e à “eutanásia”. (HABERMAS, 2004, p. 33-34) teoria crítica da sociedade que é proposta por ele de modo que a ação comunicativa entre os interlocutores sociais seja analisada segundo suas relações intersubjetivas donde essa teoria funcionaria como um balizamento às ações orientadas para um entendimento mútuo – um conjunto de regras morais para a vida, que afirmam a infraestrutura da linguagem humana, do conhecer, do agir, da cultura e do ser. Deste modo, significa apreender que a emancipação humana se faz na totalidade das 3 Das Concepções Teóricas presentes na Filosofia e Sociologia de Habermas relações sociais onde a vida é produzida. Nesse aspecto vale mencionar Passos (2004, p. 21) quando Habermas tem como formação acadêmica a exprime que: “Há exigência de valores morais em filosofia e a sociologia. É considerado como o principal todas as instâncias sociais, sejam elas científicas, herdeiro da Escola de Frankfurt, a qual se constituiu como uma das principais correntes do Marxismo Cultural - vertente do marxismo que procura aplicar a Teoria Crítica, desenvolvida por essa Escola, à análise das sociedades. Procurou superar o pessimismo dos fundadores dessa Escola, quanto às possibilidades de homens são seres que se encontram e se interagem em um mundo constituído tanto pela ação quanto pela argumentação permeada de racionalidade, que se atualiza historicamente por meio de suas dimensões que se reproduzem as formas de vida culturais e os sistemas de saberes [...] A filosofia reflete sobre esse mundo e sobre suas partes. realização do projeto moderno, tal como formulado Vale salientar que Habermas é um teórico pelos iluministas. Seus estudos direcionam-se para o conhecimento e a ética. Sua tese para explicar a produção de saber humano recorre ao evolucionismo, pois a racionalidade comunicativa é considerada uma racionalidade aprendiz. Vale mencionar aqui que os pensadores frankfurtianos, fortemente marcados pela calamidade crítico do cientificismo positivista por considerá-lo redutor da razão. Sendo assim é que concebe a razão comunicativa e a ação comunicativa, ou seja, a comunicação livre, racional e crítica - como alternativa à razão instrumental e superação da razão iluminista – concebida pela lógica ou razão instrumental, que esconde a dominação, acreditando que: que representou a Segunda Guerra Mundial - Adorno e [...] somente ao agir comunicativo é aplicável Horkheimer consideravam que houvesse um vínculo o princípio segundo o qual as limitações estruturais de uma linguagem compartilhada intersubjetivamente levam os atores - no sentido de uma necessidade transcendental tênue – a abandonar o egocentrismo de uma orientação pautada pelo fim racional de seu próprio sucesso e a se submeter aos critérios públicos da racionalidade do entendimento. Podemos, pois, tomar as estruturas suprasubjetivas da linguagem na perspectiva da teoria da ação e tentar encontrar a partir delas uma resposta à questão clássica: como em possível a ordem social? (HABERMAS, 2002, p. 82-83) primordial entre conhecimento racional e dominação, o que teria determinado a falência dos ideais modernos de emancipação social. Contudo, Habermas se ocupa do ideal emancipatório da razão, adotando o modelo comunicacional como modelo paradigmático, tendo como ponto de partida a ética comunicativa de Karl Otto Apel (DUSSELDORF, 1922), filósofo alemão e professor contemporâneo emérito da Johann Wolfgang Ao pretender a recuperação do conteúdo Goethe-Universität de Frankfurt em Main. Afirmando o emancipatório do projeto moderno, no fundo, pensamento de Habermas, Lourenço e Zancanaro ( Habermas está preocupado com o restabelecimento 2007, p.124) refletem que: dos vínculos entre socialismo e democracia. Nessa Desde os gregos a tarefa fundamental da filosofia é refletir a condição humana e apontar alternativas para a superação das crises que marcam a existência dos seres humanos. Os perspectiva, reflitamos sobre o que considera Habermas (2010, p. 201), enquanto questões de caráter eminentemente ético-políticas: “a identidade de Vale considerar, também, com relação à um grupo refere-se às situações nas quais os membros formação acadêmica de Habermas e do seu construto podem dizer enfaticamente “nós”; ela não constitui uma teórico que os mesmos se desenvolvem no âmbito das identidade-eu em tamanho grande, e sim, o seu suas experiências nas diversas áreas do conhecimento complemento”. filosófico, como por exemplo: a epistemologia, filosofia Igualmente, enfatiza, também, com relação a moral e política, teoria social, dentre outras. Como já nossa racionalidade, saber, que: “[...] a posse reflexiva foi dito anteriormente, Habermas, defende e propõe a de juízos verdadeiros não seria possível se não mudança de paradigma, já que para ele: pudéssemos representar nosso saber em proposições, Os projetos das ideias modernas não se e se não pudéssemos corrigi-lo e ampliá-lo” Habermas concretizaram ainda em face da necessidade em (2004, p. 105). desenvolvermos novos fundamentos acerca da nossa Ainda de acordo com o seu pensamento, duas compreensão de razão, ser humano e da sociedade. esferas coexistem na sociedade: o sistema e o mundo Propõe, também, que atrelemos [...] o pensamento a da vida. Este último enquanto esfera de reprodução uma lógica de descentralização em relação ao ego simbólica, da linguagem, das redes de significados que HABERMAS (2004, p. VIII). compõem determinada visão de mundo, sejam eles É bastante conhecida a análise habermasiana referentes aos fatos objetivos, às normas sociais ou da colonização do mundo da vida pelo sistema e a aos conteúdos subjetivos. Assim, Habermas sinaliza crescente instrumentalização desencadeada pela acerca das suas reflexões nas dimensões da esfera modernidade, sobretudo com o surgimento do direito pública, que “O universal que o público se ocupava positivo, que reserva o debate normativo aos técnicos criticamente, continuou a ser monopólio de e especialistas. Contudo, desde a década de interpretação de autoridades eclesiásticas e Os componentes de visões do mundo, que governamentais” (2003, p. 52). asseguram identidade e são eficazes para a O sistema enquanto produção material, que é integração social, isto é, sistemas de moral e suas correlatas interpretações, seguem com regido pela lucratividade, pela lógica mercadológica, crescente complexidade um padrão que tem denominada de lógica instrumental, donde ocorre a um paralelo ao nível ortogenético na lógica do adequação de meios a fins, incorporada nas relações desenvolvimento da consciência moral. hierárquicas (poder político) e de intercâmbio (HABERMAS, 2002 p. 24) (economia). Sobre sua teoria discursiva, aplicada também à filosofia jurídica, pode ser considerada em prol da diversos campos de pesquisa. [Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Deutsche_Forschu ngsgemeinschaft> Acesso em: 29 mar 2011]. integração social e, como consequência, da democracia e da cidadania. Tal teoria coloca a possibilidade de resolução dos conflitos vigentes na sociedade não com uma simples solução, mas a melhor solução - aquela que resulta do consenso de todos os concernidos. Esclarece que: O princípio da ética do Discurso refere-se a um procedimento, a saber, o resgate discursivo de pretensões de validez normativas; nessa medida, a ética do Discurso pode ser corretamente caracterizada como formal. Ela não indica orientações conteudísticas, mas um processo: o Discurso prático. HABERMAS (2003, p. 126) Propondo uma participação mais ativa e igualitária de todos os cidadãos nos litígios que os envolvem e, concomitantemente, obter a tão almejada justiça. Essa forma defendida por Habermas é o agir comunicativo que se ramifica no discurso. Quanto ao reconhecimento acerca da sua trajetória profissional, Habermas foi laureado no ano de 1986, com a seguinte premiação: Prêmio Gottfried Wilhelm Leibniz, em alemão: Förderpreis für Deutsche Wissenschaftler im Gottfried Wilhelm Leibniz-Programm der Deutschen Forschun O Prêmio Gottfried Wilhelm Leibniz, em alemão: Förderpreis für Deutsche Wissenschaftler im Gottfried Wilhelm Leibniz-Programm der Deutschen Forschungsgemeinschaft, gsgemeinschaft, abreviado como Prêmio Leibniz, é denominado em memória de Gottfried Wilhelm Leibniz (1646–1716). Desde 1986 é concedido anualmente pela Deutsche Forschungsgemeinschaft a pesquisa-dores que trabalham na Alemanha, contemplando O referido prêmio é dotado com 2,5 milhões de Euros (até 1996 sua cifra monetária foi 1,55 milhões de Euros). É a condecoração internacional dotada com o maior valor financeiro. Seu valor monetário deve ser integralmente aplicado em projetos de duração máxima de sete anos (até 2006 o tempo era limitado a cinco anos). Habermas também foi premiado em 2004 com o Prêmio Kyoto: Concedido anualmente pela Fundação Inamori, desde 1984. O prêmio é o equivalente japonês ao Prêmio Nobel, reconhecendo trabalhos inovadores nos campos da filosofia, arte, ciência e tecnologia. O prêmio é dado não apenas àqueles que representam seu próprio campo, mas também a quem contribui para a humanidade com seu trabalho. Essa premiação é distribuída em quatro áreas, a saber: Tecnologia Avançada; Ciência Básica, Arte e Filosofia. Em cada uma dessas categorias existem subcategorias que são variáveis. Por exemplo, o prêmio de tecnologia abrange eletrônica, biotecnologia, ciência material e engenharia, e ciência da informação. O prêmio é dotado com 50 milhões de yens e por ações da Kyocera, está sendo crescentemente prestigiado, enquanto cobrindo campos geralmente não contemplados pelo Prêmio Nobel. [Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Ky oto> Acesso em 20 abr 2011]. Posteriormente, em 2009 ganha prêmio na Alemanha: O Prêmio da Paz do Comércio Livreiro, Alemão, de 2009 foi concedido ao filósofo e sociólogo Jürgen Habermas. Ele é o 52º titular da mais importante condecoração do setor cultural da Alemanha. Os leitores em todo o mundo o apreciam como "o filósofo alemão mais significativo da época", como afirma o júri literalmente em sua justificativa. (SCHROFF, 2009, p. 1) quer seja no campo pessoal, profissional ou no campo societal, em prol do desenvolvimento humano e responsabilidade social considerando-se os desafios atuais os quais se inserem dirigentes governamentais, não governamentais, os diversos seguimentos No que diz respeito às questões da intersubjetividade humana, bem como as dimensões dos interesses, vale aqui enfatizar, que esse trabalho nos proporcionou ampliar as nossas compreensões quer sejam epistemológicas – construto teórico e/ou axiológicas – teoria dos valores, no que tange algumas das categorias do âmbito, político, social e moral profissionais, institucionais, enfim todo e quaisquer cidadãos que se encontram inseridos nas esferas contemporâneas e que atuam nos âmbitos econômicos, políticos, ideológicos, ambientais, sociais, dentre outros conforme os desafios presentes, dos atuais dirigentes e cidadãos da polis no âmbito do século XXI. contemporâneos face aos altos índices de caos sociais presentes nas intersubjetividades dos sujeitos que fazem parte dessas questões que se encontram subjacentes ao pensamento de Habermas em prol de uma razão Não-Instrumental, que possa realizar os Referências ARAGÃO, Lúcia. Habermas: filósofo e sociólogo do nosso tempo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. FONTES, Carlos. FREITAG. B. ROUANET. S.P. Habermas. Editora Ática: São Paulo, 1980. anseios daqueles que primam pelo belo, rico e significativo conviver social. 4 Considerações finais Vimos o quanto é necessário realizar pesquisas que possam auxiliar no desenvolvimento humano diante de uma reflexão acerca da consciência moral, teoria da ação comunicativa, teoria crítica, dentre outras dimensões trabalhadas por Habermas. Logo, compreender quão rica, bela e significativa contribuição o pensador social Habermas tem prestado para a sociedade contemporânea, na medida em que os sujeitos sejam capazes de atuar, HABERMAS. Jurgen. Prêmio Gottfried Wilhelm Leibniz da Deutsche Forschungsgemeinschaft de 1986. Disponível em: <http://translate.google.com.br/translate?hl=ptBR&lang pair=en%7Cpt&u=http://www.s9.com/Biography/Haber mas-Jurgen> Acesso em: 29 mar 2011 HABERMAS, Jürgen. Passado como futuro. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler; entrevistador Michael Haller. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. (Coleção Biblioteca Tempo Universitário, 94. Série Estudos alemãs). . O discurso filosófico da modernidade – Doze lições. Tradução de Luiz Sérgio Repa Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2002. – (Coleção Tópicos). . A Crise de legitimação no capitalismo tardio. 2ª. ed. Tradução de Vamireh Chacon. – Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 2002. (Biblioteca Tempo Universitário, 90 Série Estudos Alemães). . Pensamento Pós-Metafísico – Estudos Filosóficos. 2ª. ed. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. – Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 2002. (Biblioteca Tempo Universitário, 60 Série Estudos Alemães). . Mudança Estrutural da Esfera Pública – Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. 2ª. ed. Tradução de Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. – (Coleção Biblioteca Tempo Universitário, 76. Série Estudos Alemães). . Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. – (Coleção Biblioteca Tempo Universitário, 84. Série Estudos Alemães). . DIREITO E DEMOCRACIA – entre facticidade e validade, Volume II. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. – (Coleção Biblioteca Tempo Universitário, 102. Série Estudos Alemães). . A Ética da Discussão e a Questão da Verdade. (Organização e introdução de Patrick Savidan). Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2004. – (Coleção Tópicos). . O Futuro da Natureza Humana – A caminho de uma eugenia liberal? Tradução de Karina Jannini. Revisão de tradução de Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2004. – ( Coleção Tópicos). . VERDADE E JUSTIFICAÇÃO – ensaios filosóficos, Volume I. 2ª. ed. Tradução de Milton Camargo Mota. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 2004, 2ª. edição em junho de 2009. – (Coleção Humanística, 8). . DIREITO E DEMOCRACIA – entre a facticidade e validade, Volume I. 2. ed. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2010. – (Coleção Biblioteca Tempo Universitário, 101. Série Estudos Alemães). . Entre naturalismo e religião: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 135. HABERMAS... /pagina1.html - Acesso em 28 mar de 2010. HABERMAS. Jürgen. Disponível em: <http://www.swotti.com/people/op inions_jurgen-habermas_17662.htm>. Acesso em 22 mar 2011 HABERMAS. Jürgen. Disponível em: <http://frases.netsaber.com.br/fra se_1798/frase_de_jurgen_habermas>. Acesso em 28 mar 2011. INAMORI FOUNDATION WEB SITE – The Kyoto Prize - Prêmio Nobel de Quioto desde 1985 - O Prémio Quioto 2004. Disponível em: <http://translate.googleusercontent.com/translate_c?hl= ptBR&langpair=en%7Cpt&u=http://www.inamorif.or.jp/e _kp_lau_yea.html&rurl=translate.google.com.br&usg=A LkJrhir6G5YepPIPGKa6TI0LXrFo7dhLw> Acesso em 28 mar 2011 MARQUES. Edi Carlos A. ZANCANARO. Lourenço. A ÉTICA DO DISCURSO E A EDUCAÇÃO EM CRISE: UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL. In.: Revista de Estudos Universitários – Ética, v. 33 n. UNISO, 2. Sorocaba, SP: UNISO, 2007. P.123-141. MELCHIORETTO. Albio Fabian. HABERMAS: ANÁLISE DE FRASES publicado em 25/08/2009 por Albio Fabian Melchioretto Disponível em: <http://www.webartigos.com>. Acesso em 28.03.2011. PASSOS, Elizete. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2004. SCHROFF. Maike. Jürgen Habermas recebe o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro, 2009. In: < http://www.dw-world.de/dw/article/0,302354,00.html> Acesso em 28.03.2011 SILVA. Norma Sueli Mendes da. Capítulo VII. Consciência Moral Habermasiana: Contribuições Para o Desenvolvimento Humano e a Responsabilidade Social na Formação Profissional In.: ROCHA. Nívea Maria Fraga e BARRETO. Maribel Oliveira (Organizadoras). Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social: fazendo recortes na Multidisciplinaridade, volume 9. Salvador: Fast Design, 2010. p. 69-81. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NOS CENTROS DE REFERÊNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL EM SALVADOR: UMA ANÁLISE SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL inseridos nos Centros de Referência da Assistência Social de Salvador, evidenciando os principais entraves para a consolidação do Sistema Único da Assistência Social. Palavras-chave: Estado. Neoliberalismo. Política Nacional de Assistência Social. Precarização. Trabalho. Serviço Social. Abstract Neila Tiara Santos Soledade1 Resumo O presente estudo tem como objetivo abordar o tema: “As condições de trabalho do Assistente Social nos Centros de Referência da Assistência Social em Salvador: Uma análise sobre a consolidação do Sistema Único da Assistência Social”, na perspectiva de discutir a possibilidade de consolidação do Sistema Único da Assistência Social. No percorrer de um caminho crítico foi trazido por meio dos teóricos o debate sobre a reestruturação produtiva na elucidação da ocorrência desse fenômeno com dimensões global e inerente ao desenvolvimento do sistema capitalista, bem como a posicionamento do Estado Neoliberal nesse contexto. Discutiu-se ainda um breve histórico da Política Pública de Assistência Social no Brasil. Para tanto, foram analisados dados do Censo SUAS – CRAS 2012 e os Relatórios de Monitoramento Integrado da SEDES. Os resultados desse estudo culminam com a construção de um panorama das condições de trabalho dos Assistentes Sociais Bacharel em Serviço Social pela Faculdade Regional da Bahia – UNIRB. E-mail: [email protected] The present study aims to address the theme: "The working conditions of the social worker in the Reference Centres for Social Assistance in Salvador: An analysis of the consolidation of the Unified Social Assistance", in view of discussing the possibility of consolidation Unified Social Assistance. Go on a critical path were brought through the theoretical debate about the restructuring process in the elucidation of this phenomenon with global dimensions, and inherent in the development of the capitalist system, as well as the positioning of the liberal State in this context. It also discussed a brief history of the Public Policy Social Welfare in Brazil. Therefore, we analyzed data from the Census ITS - CRAS and 2012 Monitoring Reports Integrated SEATS. The results of this study culminate with the construction of an overview of the working conditions of social workers entered the Centers for Social Assistance Reference Salvador, highlighting the main obstacles to the consolidation of the Unified Social Assistance. Keywords: State. Neoliberalism. National Policy for Social Assistance. Precariousness. Work. Social Service. 1 1 Introdução Assistência Social no Brasil, a partir de 2004, ampliou-se com a constituição do Sistema Único da benefícios, programas e projetos da Proteção Social Básica. Assistência Social (SUAS). Diante da implantação Sendo assim, este trabalho teve como objetivo desse novo modelo de gestão, houve um aumento geral analisar as condições de trabalho do Assistente significativo na contratação de profissionais para Social nos Centros de Referência da Assistência desenvolvimento do trabalho social, sendo requerido Social, buscando evidenciar possíveis limites para entre esses os Assistentes Sociais. consolidação do Sistema Único da Assistência Social. O presente pela Como objetivos específicos, buscou-se: relacionar os necessidade de aprofundamento teórico e análise fatores históricos, socioeconômicos que permearam a crítica acerca das condições de trabalho precarizada construção da Política Nacional de Assistência Social dos na no Brasil; apresentar as condições de trabalho do contemporaneidade, trazendo à reflexão os processos Assistente Social no CRAS, assim como discutir como históricos que contribuíram com as mudanças no as implicações causadas pelo processo de mundo do trabalho e como essas mudanças afetam os precarização do trabalho do Assistente Social nos profissionais do Serviço Social, enquanto trabalhadores CRAS refletem na consolidação do Sistema Único da assalariados. Assistência Social. Assistentes estudo Sociais justifica-se nos CRAS Neste estudo busca-se responder o seguinte Para desenvolvimento do presente estudo, problema de pesquisa: a precarização no processo de utilizou-se, segundo a natureza dos dados, de trabalho do Assistente Social nos CRAS em Salvador pesquisa qualitativa. A pesquisa bibliográfica foi pode ser considerada como um limite para a desenvolvida a partir de material já elaborado, consolidação do Sistema Único da Assistência Social? constituído por meio de revisão de artigos científicos e No desenvolvimento da pesquisa partiu–se da livros, além da pesquisa documental que teve como hipótese de que a precarização no processo de fonte o Censo SUAS – CRAS/2012 do Ministério do trabalho do profissional do Serviço Social nos CRAS de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Salvador consiste em um limite para a consolidação do os relatórios de Monitoramento Integrado da Secretaria Sistema Único da Assistência Social, uma vez que a de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza falta de condições dignas de trabalho impossibilita a (SEDES) de 2012. Quanto aos métodos de efetivação da política pública de Assistência Social, investigação mais gerais trata-se de uma pesquisa comprometendo a operacionalização dos serviços, exploratória e descritiva. O artigo está estruturado em três sessões: Na Essas determinações não contribuíram para a primeira delineamos um breve histórico da política de superação do paradigma da Assistência Social como assistência social no Brasil; na segunda apresentamos favor aos pobres e não direitos dos cidadãos os impactos da reestruturação produtiva, abordando brasileiros e de responsabilidade estatal, permitindo a também o fenômeno no setor público; e na terceira expansão da participação privada na execução dos sessão abordamos a precarização do trabalho do serviços socioassistenciais. Assistente Social e a consolidação do Sistema Único da Assistência Social. Esta maneira de execução da Assistência Social permanece inalterada até a década de 1980. Analisando esse período, Raichelis (2000), destaca o 2 Política de Assistência Social no Brasil: o estado e o neoliberalismo A política social pública é um campo que se modifica de acordo com os contextos históricos, momento histórico de aprofundamento das desigualdades sociais, acirramento da luta pela democratização do país e de reivindicações de políticas sociais efetivas. sociais, políticos e econômicos de cada época, sendo A ampliação das desigualdades sociais em um campo de tensão entre os interesses e conjunto com a luta para democratização do país foram necessidades da classe trabalhadora e do capital. fatores que contribuíram para a participação da Tal constatação afirma-se quando em 1929 o sociedade civil na construção de um texto Estado enquanto instituição legalmente instituída para constitucional que contemplasse os direitos dos manter a sociedade de classe, segundo Marx, buscou cidadãos brasileiros. a superação da crise do sistema capitalista via implantação do Estado de bem-estar social. Em referência ao momento histórico da elaboração da Constituição da República Federativa do Portanto, pode-se afirmar que as políticas sociais Brasil de 1988, Behring (2003) afirma que a públicas nesse contexto não devem ser compreendidas participação da sociedade civil sofreu a investida da apenas como uma ação estatal frente às demandas classe dominante, uma vez que essa participação não sociais, podendo ser entendidas também como se deu de forma ampla e irrestrita. medidas de enfrentamento às crises do sistema Mesmo diante da ofensiva da classe dominante capitalista, gerando conflitos entre os interesses e que barrou a participação popular de forma mais necessidades da classe trabalhadora e do capital, contundente a Constituição aprovada em 1988 pode assim contribuindo para a reprodução do capitalismo. ser considerada um avanço na história do país, principalmente no que se refere à concepção da seguridade social que define a Saúde, Previdência e Segundo Brasil (2005, p.15) o SUAS é um Assistência Social como direito dos cidadãos sistema público, que não requer de seus usuários brasileiros, conforme designa o Artigo 194. contribuição direta, sendo implantado de forma Posteriormente foi aprovada a Lei nº descentralizada agregando responsabilidades a todos 8.742/1993, a Lei Orgânica da Assistência Social os entes federados e a participação popular em sua (LOAS). Em estudos realizados por Yazbek (2008, gestão. p.99) pode-se destacar dois elementos no contexto da Mesmo diante do avanço que esse sistema formulação e aprovação da lei, o primeiro é o traz para todos os cidadãos brasileiros, torna-se entendimento que nesse momento histórico a LOAS indispensável discutir as recentes mudanças no mundo não previu a definição de um sistema organizado de do trabalho, advindas do processo de reestruturação gestão da Assistência Social e o segundo é que produtiva, analisando os impactos para os durante o processo de tramitação das legislações que trabalhadores sociais, tendo destaque nessa discussão regulamentavam as políticas de cunho social foi o assistente social, sendo essa categoria profissional instituído o ajuste neoliberal, resultando na supressão historicamente ligada à Assistência Social. dos direitos sociais. A indefinição das ações de operacionalização dos serviços socioassistenciais e a precarização desses serviços foram fatores que contribuíram para participação da sociedade civil nos debates e nas conferências que etapas que antecederam a implantação de uma nova forma de gestão da Política de Assistência Social no Brasil. Em 2004 ocorreu a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que representou um avanço, pois instituiu a primazia do Estado como responsável pela gestão da política de Assistência Social, trazendo diretrizes para gestão e operacionalização dos serviços socioassistenciais, consolidando a afirmação da Assistência Social como direito social. 3 Reestruturação Produtiva e as Mudanças no Mundo do Trabalho: reflexos para o Serviço Social Brasileiro O sistema capitalista organiza-se na tendência de atender as suas necessidades de reprodução, visando a perpetuação da sua existência, tendo historicamente o Estado como aliado nessa conjuntura. Respaldando-se em estudos de Mota (2006) evidencia-se que o processo de reestruturação produtiva demandou do Estado direcionar-se em favor do capital, principalmente nos países latinos americanos que se apropriam dos ideais neoliberais. Nessa perspectiva o Estado deixa de cumprir o seu papel de defesa dos cidadãos tornando-se mínimo e não interferindo na economia, e as relações trabalhistas passam a não ter uma intervenção estatal na sua regulação e a legislação flexibiliza-se em favor neoliberalismo, tornando as condições de vida dos do capital. trabalhadores ainda mais perversa. De acordo com Antunes (2011), nesse A inserção de elementos constitutivos do contexto inicia-se o desenvolvimento do modelo processo de reestruturação produtiva no âmbito do toyotista com a nova forma de produção: a setor público iniciou-se a partir de uma reforma terceirização das etapas de produção nas indústrias administrativa instituída em moldes neoliberais. como uma estratégia para enfrentamento a crise do Segundo Alves (2009, p.190): petróleo de 1970, com vistas à redução dos custos de produção; redução dos níveis hierárquicos nas indústrias, onde o modelo organizacional permitiu aos trabalhadores avaliar o processo de trabalho de forma Para o mundo do trabalho, tornou-se bastante adverso o cenário social e político devido à política autocrática do governo Collor visando destruir o sindicalismo, principalmente de categorias organizadas que resistiam a qualidade dos produtos; a nova sociabilidade do capital direitos do trabalho (no caso de empresas estatais e setor público). que no ponto de vista subjetivo incutiu nos Com a Emenda Constitucional no 19/1998 a trabalhadores a suavização da forma de exploração administração pública passa por uma intensa mediante a criação de um ambiente de trabalho metamorfose, essa reforma foi implementada a partir favorável à ampliação da produtividade. de uma orientação neoliberal, pautado em um discurso a contribuir com o aumento da produção e da Tais modificações contribuíram com o avanço do desemprego estrutural, por conta da supressão dos postos de trabalho advindo da reorganização das medidas drásticas que atingiam que ressalta a necessidade de “enxugamento” da máquina pública. Assim, a redução nos postos de trabalho no setor público pautado na justificativa da necessidade equipes de trabalho. Como consequência da flexibilização das de redução dos gastos traz intrinsecamente o relações de trabalho deste novo modelo de produção, posicionamento neoliberal de minimização da ocorreu a desregulamentação dos direitos trabalhistas, intervenção estatal também no que tange a prestação inerente às novas formas de contratação no contexto de serviços públicos aos cidadãos. da reestruturação produtiva, sendo a acumulação de desqualificam o setor público abrindo espaço para lucros a principal meta do sistema capitalista. Na realidade brasileira a reestruturação produtiva alastrou-se em conjunto Um ponto relevante é a difusão de ideais que com o terceirização de serviços e a privatização de empresas em benefício de grupos internacionais, ocasionando a degradação do patrimônio estatal brasileiro. Segundo trabalho que consiste no atendimento das demandas Mota e Amaral (1998, p.13): sociais com subsídios das políticas sociais. Nessa conjuntura, as mudanças nas relações entre Estado, sociedade e mercado materializam-se num conjunto de medidas de ajuste econômico e de reformas institucionais, cujos destaques são: os mecanismos de privatização, as pressões do empresariado e da burocracia estatal para suprimir direitos sociais e trabalhistas e a “naturalização” da superexploração do trabalho. A reestruturação produtiva Com a precarização do trabalho no serviço público os Assistentes Sociais inseridos nas instituições estatais passam a vivenciar os reflexos das mudanças do trabalho não só nas relações com os usuários dos serviços socioassistenciais, como também na sua própria relação de trabalho. Para Raicheles (2011, p. 422): ocasionou Essa dinâmica de flexibilização/precarização atinge também o trabalho do assistente social, nos diferentes espaços institucionais em que se realiza, pela insegurança do emprego, precárias formas de contratação, intensificação do trabalho, aviltamento dos salários, pressão pelo aumento da produtividade e de resultados imediatos, ausência de horizontes profissionais de mais longo prazo, falta de perspectivas de progressão e ascensão na carreira, ausência de políticas de capacitação profissional, entre modificações no mundo do trabalho que afetam as condições de trabalho de todos os trabalhadores, inclusive dos Assistentes Sociais. Em suma, o profissional do Serviço Social está submetido às consequências de todas as metamorfoses ocorridas no mercado de trabalho e esse fenômeno pode ser observado na atualidade a partir de uma leitura critica outros. da realidade social. Respaldando-se em Montaño (1997) o Cabe salientar que a ampliação do desenvolvimento do capitalismo e a consequente desemprego, a instabilidade, a flexibilização dos ampliação das expressões da questão social direitos trabalhistas, subsidiados pelas diversas formas demandaram ao Estado respostas, na medida em que de contratação são incidências reais para os esse contexto desenha a eminência de um conflito Assistentes Sociais, mesmo para os inseridos na social e deslegitima o mesmo perante a sociedade, esfera estatal. atendendo também as necessidades de reprodução da força de trabalho. Esse processo acompanha o movimento de redução da ação do Estado e a ampliação da ação do Nessa conjuntura, o Assistente Social inseriu- setor privado no campo das políticas sociais, sendo a se no âmbito estatal, na função inicial de executor terceirização uma modalidade cada vez mais utilizada. dessas políticas sociais, contribuindo para legitimação Dentre a terceirização que envolve as políticas públicas do Estado através da operacionalização do seu podemos apontar as contratações de recursos Social, sendo recomendado pelo MDS a ampliação humanos para prestar serviços em unidades públicas. para 62 unidades, de acordo com dados da SEDES. Ao passo que a descentralização político A principal unidade de execução das ações da administrativa contribuiu para a expansão da oferta de Proteção Social Básica é o Centro de Referência de serviços em nível municipal, ocasionou também a Assistência Social, que, segundo Brasil (2005, p. 95- ampliação da precarização do trabalho. 96) é uma unidade pública estatal localizada em áreas de vulnerabilidade social com base na territorialidade. 4 Precarização do Trabalho do Assistente Social frente a Consolidação do Sistema Único da Assistência Social: a realidade em Salvador Diante das considerações apresentadas, partese para a realidade mais específica do município de Salvador, onde pontua-se a ausência de investimentos significativos por parte da gestão municipal, que, de De acordo com a classificação estabelecida pelo MDS, o município de Salvador constitui-se como metrópole devido o percentual de habitantes e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, a população de Salvador estava constituída por 2.675.656 habitantes, e em 2013, de acordo com dados do IBGE são 3.884.435 habitantes. Outra realidade no município refere-se aos níveis de extrema pobreza, que segundo o Censo Demográfico de 2010 indicava o quantitativo de 147.864 pessoas na extrema pobreza. Diante dessa realidade o contingente populacional que necessita acessar os serviços, benefícios, programas e projetos do Sistema Único da Assistência Social é crescente, sendo essencial que as ações tenham qualidade para efetivação dos direitos desses cidadãos. A metrópole dispõe apenas com uma rede composta por 21 Centros de Referência da Assistência acordo com dados do MDS investe apenas 1,14% do orçamento total na execução da Política Social de Assistência Social, sendo esse percentual um valor inferior à média de todos os municípios do estado que é de 2,94%. Respaldando – se em dados do Censo SUAS – CRAS preenchido em agosto de 2012, dos 23 profissionais de Serviço Social inseridos nos CRAS, 22 eram terceirizados e 100% cumpriam carga horária de 40 horas semanais. Analisando os dados percebe-se o descumprimento da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único da Assistência Social (NOB-RH/SUAS), uma vez que essa legislação preconiza que o ingresso desses profissionais deve ser efetivado via concurso público. Sobre os equipamentos e materiais disponíveis, em perfeito funcionamento, para o desenvolvimento dos serviços constatou-se que 11 possuem telefone e 10 não possuíam, apenas 12 idosos, apenas 05 CRAS tem desenvolvido e as outras CRAS estão com acesso à internet, outros 04 unidades 16 unidades não realizaram, ficando evidente a não possuem acesso à internet e 05 informaram não ausência de mobilização em algumas localidades. ter computador. A ausência de computadores com Referente ao público das atividades de PAIF acesso à internet impossibilita a produção de dados e ou SCFV, apenas 4 CRAS informaram ter pessoas com troca de informações sobre o território. deficiência participando das atividades, e os outros 17 No que se referem ao diagnóstico não contam com a participação desse público. socioterritorial os dados apontaram que apenas 01 Portanto, considera-se que a gestão do CRAS não possuía esse documento. Entretanto, cabe território, a frequência na oferta dos serviços, evidenciar que dos 20 que construíram esse benefícios, programas e projetos, e a qualidade documento apenas 06 unidades têm dados completos desses, e a gestão do trabalho são fatores que que evidenciam as vulnerabilidades do território de contribuem para consolidação da Política Social abrangência. Pública de Assistência Social e como consequência De acordo com esses dados evidencia-se que os CRAS do município não dispõem de uma vigilância efetivam os direitos sociais dos cidadãos a proteção social. socioassistencial efetiva, o que implica na fragilização da gestão territorial e consequentemente do desenvolvimento das atividades. 5 Considerações Finais A compreensão do estágio atual da política Quanto questionados sobre as ações CRAS no social pública de Assistência Social no Brasil requer Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família uma análise histórica e a reflexão crítica, considerando (PAIF) tendo como mês de referência agosto de 2012, atrelamento desta aos interesses da classe dominante evidenciou-se os dados abaixo: na tentativa de minimizar os conflitos provenientes das Considerando esse mesmo período, apenas 3 desigualdades sociais. CRAS acompanharam as famílias com crianças e Outra tendência revelada é o provimento dos adolescentes inseridos no Programa de Erradicação do mínimos sociais, por meio da transferência de renda Trabalho Infantil (PETI), e as outras 18 unidades que atende parte significativa da população nas suas afirmaram não ter realizado o acompanhamento nesse necessidades mais emergenciais e ao mesmo tempo período. nota-se o enfraquecimento do trabalho social, por No que se refere às atividades do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo (SCFV) com conta da não promoção de recursos para sua efetivação ou da disponibilização de estrutura precária momento a mobilização da categoria frente às para sua execução. condições vivenciadas. Tal enfrentamento configura-se A fragilização da consolidação do Sistema não apenas como defesa dos direitos dos Único de Assistência Social com a precarização das trabalhadores da própria categoria, como também condições de trabalho do Assistente Social e dos defesa dos usuários do Serviço Social que necessitam outros trabalhadores do SUAS inseridos nos Centros da Política Pública da Assistência Social por questão de Referência da Assistência Social, retratam a de manutenção da sobrevivência. precarização das políticas sociais públicas. Assim, cabe aos profissionais do Serviço No decorrer do processo de construção desse Social fomentarem uma articulação juntos às estudo confirmou-se a hipótese de que a precarização representações dos demais trabalhadores do SUAS, no processo de trabalho do profissional do Serviço com a sociedade civil, conselhos municipais de Social nos CRAS de Salvador consiste em um limite Assistência Social, na perspectiva de lutar pela para a consolidação do Sistema Único da Assistência desprecarização dos vínculos empregatícios e por Social, uma vez que a falta de condições dignas de condições dignas de trabalho que possibilitem trabalho impossibilita a efetivação da política pública de intervenções profissionais que efetivem os direitos dos Assistência Social, comprometendo a operacionali- usuários e contribuam para sua emancipação enquanto zação dos serviços, benefícios, programas e projetos sujeito de direitos. da proteção social básica. Verificou-se, ainda, que os profissionais do Serviço Social dos CRAS de Salvador têm realizado suas intervenções de forma improvisada, por conta da ausência de meios para efetivação das atividades, o que vem se refletindo na pouca adesão dos usuários aos serviços e programas ofertados pelas unidades de Proteção Social Básica. Sendo assim, a precarização na gestão e execução de políticas sociais anuncia o retrocesso dos direitos sociais, exigindo, portanto, outras competências do Serviço Social. Diante do exposto, o processo de precarização do trabalho dos Assistentes Sociais requer nesse Referências ALVES, Giovanni. Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil neoliberal: precarização do trabalho e redundância salarial. Rev. katálysis [online]. 2009, vol.12, n.2, p. 188-197. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S1414-49802009000200008. > Acesso em: 10/02/2012. . Constituição Federal de 1998. Brasília. 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A recusa a tratamento de doenças com o uso Este artigo propõe contribuir com a discussão acerca do direito do paciente recusar transfusão sanguínea. Apresenta princípios amparados pelo Texto Constitucional, aponta para o direito de escolha do paciente a partir dos instrumentos jurídicos, garantidos pela Constituição Federal, que conferem autonomia de escolha, como também discute a atuação do Serviço Social na área da saúde, na relação com os direitos sociais do paciente, a orientação e o incentivo ao respeito a diversidade. Palavras-chave: Autonomia. Dignidade da pessoa humana. Direitos. Serviço Social. Transfusão de sangue. de sangue remete aos direitos fundamentais assegurados em documentos internacionais tais como: o Código de Ética da Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue, adotado em 2000, pela OMS (Organização Mundial de Saúde); a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 e na Constituição Federal Brasileira de 1988, a qual possui como um de seus fundamentos o princípio da Dignidade da Pessoa Humana no art.1º, inciso III. Sendo o Serviço Social uma profissão interventiva na qual o profissional goza de relativa autonomia para, inclusive, atuar na mediação de 1 Introdução conflitos e orientar a busca de mecanismos e recursos que contribuam para a prevalência de direitos, como deverá atuar de modo favorável à autonomia e à *Bacharel em Serviço Social da Faculdade Regional da Bahia – UNIRB **Assistente Social, Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador, Docente no Curso de Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Regional da Bahia – UNIRB. liberdade do indivíduo enquanto membro de uma equipe multiprofissional, na qual a autonomia de profissionais pode se sobrepor a do indivíduo? Pelos meandros do direito legal, com o administrar o uso do sangue poder ser tomada respaldo da Carta Magna que se construiu este estudo independente da sua vontade, quando há convicção diante da necessidade de afirmar o indivíduo como ser que os benefícios são maiores que os riscos e também de direitos cuja dignidade deve ser considerada, visto em situação de perigo de morte. (Resolução CFM n° que ela não existe quando seu direito é violado faz se o 1931/2009). questionamento: transfusão de sangue sem Segundo Nunes (2010, p.22), “a Organização autorização do paciente se constitui violação ao Mundial de Saúde, o Ministério da Saúde e a literatura princípio da dignidade da pessoa humana? médica reconhecem os riscos inerentes ao A Constituição Federal de 1988, nos seus procedimento”. Por isso, a decisão do profissional fundamentos, tem a dignidade da pessoa humana e constitui um momento crítico, pois, mesmo com assegura como direitos invioláveis a liberdade de critérios e técnicas adequadas e condições clinicas consciência e de crença. Mas, ao mesmo passo em favoráveis outros aspectos devem ser considerados, que se reconhece o direito do paciente decidir de forma incluindo-se aí questões sociais e psicológicas, sob livre sobre si e sobre sua qualidade de vida, o pena de o profissional responder em juízo. profissional de saúde pode restringir esse direito, decidindo, sobre o tratamento a ser instituído. 2 Transfusão de Sangue e Direito do Paciente A transfusão de sangue é uma ferramenta utilizada em situações de perda sanguínea e de algumas patologias hematológicas. É um procedimento terapêutico no qual o sangue é retirado do corpo de um indivíduo e infundido após analises, em outro. É O Código Civil Brasileiro prevê que os danos decorrentes de atividades de riscos sejam reparados por meio da responsabilidade objetiva, entretanto, também dispõe que os profissionais liberais que causem prejuízos a terceiros respondam subjetivamente pelo ato danoso. Esse mesmo entendimento está disposto no Código de Defesa do Consumidor, que também se enquadra em algumas situações ligadas à transfusão de sangue. O conhecimento do procedi-mento transfusional e dos regula-mentos pertinentes à atividade permite o adequado enquadramento do fato à norma, bem como, a consequente justa individualização de responsabilidades do processo. (NUNES, 2010 p.22). utilizado mediante moderna tecnologia com a finalidade de melhorar a saúde do paciente. É preciso reconhecer o direito a recusa de Porém, as transfusões de sangue não são uma tratamentos de saúde considerando-se que, em face prática livre de danos. Há polêmica concernente ao seu às normas constitucionais que tutelam a liberdade de uso, já que um grupo específico de pessoas recusa crença e de consciência, o direito à intimidade e à esta forma de tratamento, não obstante, a decisão em privacidade, os princípios da legalidade e da dignidade da pessoa humana, é autêntica a negativa que envolva a violação da sua autonomia. Na contemporaneidade, a tecnologia das transfusões avançou e é utilizada como um tratamento 2.1 Surgimento e evolução histórica. Segundo Garrafa (2004, p.72), o uso do sangue até meados do século XVI não correspondia a opcional. 2.2 Direitos da Pessoa Humana que Recusa Transfusão Sanguínea verdadeiras transfusões – mas sim a ingestões e aplicações externas, já que os processos relacionados à circulação corpórea eram desconhecidos. A primeira transfusão com sangue humano é atribuída ao obstetra inglês James Blundell, em 1818. Até os meados de 1900, a hemotransfusão era um exercício empírico. Logo depois, os procedimentos envolvendo diagnóstico e tratamentos hemoterápicos conquistaram espaço como uma prática cientifica. No século XIX desenvolveram-se Segundo o Código de Ética Médica revisado, no seu Capítulo I - Dos Princípios Fundamentais, a autonomia do paciente é objeto de evidência. O inciso XXI, a esse respeito, alude da seguinte maneira: XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas. (CFM, Resolução n° 1931/2009). equipamentos destinados a realizações de transfusões, bem como técnicas cirúrgicas e foi possível usá-las durante a primeira e Segunda Guerra Mundial. França, Baptista e Brito afirmam sobre o histórico dos serviços de hemotransfusão no Brasil: Porém ainda prevalece à consciência profissional, visto que, se a decisão do mesmo não for atestada como legítima, é a do profissional que terá validade. Trata-se, portanto, de uma autonomia relativa, não garantindo o respeito ao direito de recusa. No Brasil, os primeiros serviços organizados de hemotransfusão surgiram em 1920, sendo a prática transfusional de cunho científico iniciada por cirurgiões no Rio de Janeiro. Em 1950, o I Congresso Paulista de Hemoterapia instituiu as bases para a Fundação da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH). Em 1965, o Ministério da Saúde (MS) criou a Comissão Nacional de Hemoterapia que se encarregou de criar os hemocentros. Na década 80 do século passado, o MS instituiu a Política Nacional do Sangue. (FRANÇA, BAPTISTA e BRITO, 2008, p.500). O direito de escolha do tratamento se baseia em duas diretrizes: uma pautada no direito a receber informações para tomada de decisão consciente sobre o tratamento recomendado. A esse respeito dizem os artigos 22 e 24 do Código de Ética Médica, em seu capítulo IV. É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. (CFM, Resolução 1931/2009). degradante” e o art. 57 e 59 do Código de Ética Médica que veda ao médico: Art. 57 - Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente Art. 59 - Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal. Outra diretriz indica que a/o paciente pode decidir aprovar ou renunciar a orientação médica pelo conceito ético da autonomia do indivíduo, a partir do qual, as decisões sobre o destino da pessoa devem ser tomadas pela própria pessoa envolvida. Deste modo, entende-se que ninguém tem o O minidicionário da Língua Portuguesa define direito de ignorar os direitos fundamentais do indivíduo o termo como: “Independência, governo de si próprio; e é indispensável uma reflexão sobre o comportamento faculdade de se governar por si mesmo”. ético em atividades de saúde sob a perspectiva da (TERSARIOL, p 58). Como proposto por Beauchamp & responsabilidade social e da ampliação dos direitos da Childress (1985 apud FORTES 1994, p.1): "A pessoa cidadania. Isto implica considerar a autonomia e a autônoma é aquela que não somente delibera e dignidade como características intrínsecas ao ser escolhe seus planos, mas que é capaz de agir com humano que nos produz a responsabilidade de base nessas deliberações”. respeitá-lo. A partir dessas definições, ao se analisar o O Código Civil, estabelece no Art. 15° que Código de Ética Médica se percebe contradição entre o ninguém pode ser constrangido ou submetido sob inciso VII do capitulo I e o artigo 24 do capitulo IV, pressão a tratamentos médicos ou cirúrgicos, ninguém entre a autonomia do médico e do paciente, visto que deve ser coagido a aceitar algo que não tem desejo, esta só prevalece se não for contrária “aos ditames da tendo em análise os riscos envolvidos. Esta é uma consciência do profissional”. decisão inteiramente pessoal. Na equipe de saúde, cada profissional tem O Código de Defesa do Consumidor, o Art. 6°, responsabilidades específicas e cabe a todos inciso III, garante ao consumidor ou paciente que está assegurar informação sobre possíveis terapias em serviço médico “ter toda informação de forma clara alternativas, garantindo a observância do art.5°, inciso e adequada”, Fioravante (2010, p.31). Vale ressaltar os III, da Constituição Federal que reza: “ninguém será incisos VI e VII, que falam sobre a reparação daqueles submetido à tortura nem a tratamento desumano ou que tiveram seus direitos recusados e o Art. 9° que reza: O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto. (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 2009). Outra lei que reafirma a autonomia dos pacientes é a 10.741/2003, o Estatuto do Idoso que em seu Artigo 17 exprime: "Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável”. Assim, a práxis dos profissionais de saúde deve estar infundida da noção do respeito ao princípio da autonomia individual, pois em razão do conhecimento especializado e habilidades técnicas que possuem, podem inviabilizar a expressão do desejo da pessoa atendida. Julga-se essencial que as políticas de saúde e educacionais guiadas à formação dos profissionais de saúde estejam direcionadas à redução das violações contra os princípios éticos e ao comprometimento de uma prática mais humanista. 3 Transfusão Sanguínea sem Autorização: Violação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana? Na Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu primeiro artigo, inciso III, encontra-se um dos fundamentais e importantes princípios: a dignidade da pessoa humana, que deve ser balizadora da liberdade de escolha a tratamento médico sem sangue. Sustentando que toda pessoa tem direitos, nasceram declarações sobre direitos humanos. Os direitos civis, sociais, econômicos, políticos e culturais estão correlacionados e uma geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage. Apenas com o desempenho de todos eles existe a pessoa humana, o ideal de autonomia. Considerando a Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, o Ministro de Estado da Saúde assinou a Portaria n° 1.820/2009, que apresenta a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde - que tem como base princípios básicos de cidadania e se tornou um instrumento para o cidadão conhecer seus direitos. (BRASIL, 2011). Sobre os direitos do paciente, no âmbito do serviço público e privado, o Art. 4° refere: Toda pessoa tem direito ao atendimento humanizado e acolhedor, realizado por profissionais qualificados, em ambiente limpo, confortável e acessível a todos. Parágrafo único. É direito da pessoa, na rede de serviços de saúde, ter atendimento humanizado, acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em virtude de idade, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, de anomalia, patologia ou deficiência, garantindo-lhe: [...] III – nas consultas, nos procedimentos diagnósticos, preventivos, cirúrgicos, terapêuticos e internações, o seguinte: a) à integridade física; b) à privacidade e ao conforto; c) à individualidade; d) aos seus valores éticos, culturais e religiosos; e) à confidencialidade de toda e qualquer informação pessoal; f ) à segurança do procedimento; g) ao bem-estar psíquico e emocional. [...] IX – a informação a respeito de diferentes possibilidades terapêuti-cas, de acordo com sua condição clínica, baseado nas evidências científicas, e a relação custo-benefício das alternativas de tratamento, com direito à recusa, atestado na presença de testemunha; [...] XI – o direito à escolha de alternativa de tratamento, quando houver, e à consideração da recusa de tratamento proposto; (BRASIL, 2011, p.11-12. Grifo nosso). O minidicionário de Língua Portuguesa faz a seguinte referência ao termo dignidade: “consciência do próprio valor; honra; modo de proceder que inspira respeito; distinção; amor próprio.” (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 248). Em palavras simples, a dignidade é um atributo ético que inspira respeito. A Constituição e as leis em geral são pródigas em demonstrações deste fundamento, como por exemplo, os direitos dos deficientes e dos idosos. Os direitos e garantias fundamentais, dentre eles os Fica claro, portanto, que para um direito ser positivados como Direitos Sociais decorrem da identificado, precisa ser assegurado. Essas garantias dignidade humana. Ora, os direitos à educação, à fundamentais acham-se definidas por meio de saúde, ao trabalho, à moradia, à previdência, à princípios, entre eles, os princípios da legalidade, da assistência social, dentre outros, são essenciais para liberdade, da privacidade, da liberdade de crença e de se ter uma vida digna. consciência e o da dignidade da pessoa humana. A pessoa é, portanto, o valor máximo da democracia, sendo tal princípio uma decorrência do 4 Dignidade da Pessoa Humana Estado Democrático. Não sem razão, doutrinadores o consideram como um super princípio. Para Silva (1995, p. 106), "a dignidade da pessoa humana é um valor Entende-se dignidade como uma peculiaridade humana que está subordinada ao senso ou racionalidade. Somente as pessoas têm a competência, a partir do exercício da liberdade individual de aperfeiçoar a sua vida, incorporando a dignidade com autonomia em conduzir a si mesmo. Esta afirmação é reforçada por Sarlet (2011, p. 35) ao dizer que o conceito de dignidade está “intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada indivíduo - o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino”. supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”. O respeito à autonomia envolve não apenas a ausência de sua violação, por meio de uma atitude respeitosa – como reconhecer o direito da pessoa de ter suas opiniões, escolhas e agir com base em valores e crenças pessoais. Envolve também uma ação respeitosa, que compreende cuidar dos pacientes de forma a diminuir seus temores frente ao tratamento por passar as informações necessárias, proporcionando segurança, capacitando o paciente atuar e decidir de forma autônoma. (BEAUCHAMP e CHILDRESS, apud SOARES, 2009, p. 33-34). Os cidadãos que recusam transfusão de sangue, querem exercitar o direito de escolha, preservando sua dignidade. Sob essa perspectiva, é importante lembrar que a Constituição Federal em seu art° 1, inciso II, garante proteção à vida e esta abrange aspectos espirituais e materiais, Bioética é de forma literal a ética da vida. Envolve tudo o que ocorre no “princípio, preservação e fim da vida humana”. Ela é interdisciplinar, ou seja, estabelece uma interlocução com várias categorias profissionais, a fim de alcançar um consenso a respeito do que é viável quanto à conduta do ser humano. (LIGIERA, apud FIORAVANTE, 2010, p. 37). subsídios imprescindíveis para uma vida com dignidade. Ademais, sobre o tema, expõe Sarlet (2006, A bioética pondera o individuo como um todo, levando em conta suas especificidades e todas as áreas da sua vida. Segundo Soares (2010, p.35), a p.122): Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde a intimidade e a identidade do individuo forem objeto de ingerências indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for garantidas, bem como onde não houver limitação do poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças. Assim, qualquer intervenção para transfundir sangue, sem consentimento, deverá ser analisado com cautela, sob pena de violação a dignidade da pessoa humana. 4.1 Princípio da Beneficência Durante a graduação acadêmica debate-se sobre a ética profissional e isso perdura durante a atuação profissional. A compreensão do significado da bioética, seus princípios e características, a ética é basilar a bioética. Abaixo, o que trazem os autores Ligiera (2009, apud FIORAVANTE, 2010, p.37) sobre o que representa a bioética: beneficência de uma forma ampliada, instaura a ideia de fazer o bem. É este princípio que conduz o profissional de saúde a intervir de maneira benéfica com o paciente em harmonia com a autonomia. O novo Código de Ética Médica brasileiro revisado, traz itens de relevância que garantem a efetivação do bem e o direito de escolha do paciente. Na sua introdução afirma: A partir de 13 de abril de 2010, entra em vigor o sexto Código de Ética Médica reconhecido no Brasil. Revisado após mais 20 anos de vigência do Código anterior, ele traz novidades como a previsão de cuidados paliativos, o reforço à autonomia do paciente [...] Também prevê a extensão de seu alcance aos médicos em cargos de gestão, pesquisa e ensino. [...] O objetivo comum foi construir um atento aos avanços tecnológicos e científicos, à autonomia e ao esclarecimento do paciente, além de reconhecer claramente o processo de terminalidade da vida humana.[...] Ao final, produziu-se um documento amplo e atento ao exercício da Medicina brasileira no século 21. [...]. A autonomia tem sido um dos itens de maior destaque. Já no preâmbulo o documento diz que o médico deverá aceitar as escolhas de seus pacientes, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas. O inciso XXI determina que, no processo de tomada de decisões profissionais, “o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos”. (Resolução CFM nº 1931/2009. Grifo nosso). promoção á saúde e redução dos riscos de violação Sobre o princípio da beneficência, é de bom Assim, considerando-se o processo histórico alvitre salientar que residi-se em um contexto histórico do surgimento do Serviço Social, cujas raízes no qual, cada vez mais, os direitos do paciente, remontam à luta de classes, pelo reconhecimento e ganham consideração. Conforme Marine (2005 apud manutenção por parte do Estado, dos seus direitos, e LEIRIA, 2009, p.11), “o médico não é mais encarado observando ainda a legislação que rege o Serviço como uma autoridade (de caráter quase que mítica) Social, bem como o seu Projeto Ético-Político, “que inquestionável e autoritária”, antes, arroga-se que ele está vinculado a um projeto de transformação da perpetre o que favoreça ao paciente, de acordo com a sociedade” (CRESS, 2005, p.394) é seguro afirmar visão do mesmo. que, para além da defesa dos direitos dos indivíduos, dos direitos sociais. (CFESS, 2010, p.33-38). Do ponto de vista da bioética o maior valor que as ações do cotidiano profissional dos assistentes deveria prevalecer e ser respeitado é justamente o que sociais devem ter como fim o desenvolvimento humano não viola o corpo, as crenças e a consciência do nos vários aspectos da vida. Para corroborar com o individuo, mas estabelece sua autonomia. que até aqui se tem dito leia-se: 5 Serviço Social na Defesa da Cidadania A promulgação da Constituição Federal de O Assistente Social deve efetivar os interesses dos usuários nos serviços prestados por ele, fazendo valer a justiça social. Esse profissional se diferencia dos outros, principalmente pela defesa dos Direitos Humanos, enquanto médicos cuidam da saúde e advogados da lei. (FIORAVANTE, 2010, p.48). 1988, traz consigo uma nova perspectiva de garantia de direitos sociais, antes negada pela sociedade. O art. 1º afirma que a saúde é dever do Estado e direito de todo cidadão, compondo o tripé da seguridade social, junto com a assistência social e a previdência social. A proteção social de que trata a seguridade social é produto da luta histórica dos cidadãos, mediante movimentos sociais que, exercendo pressão sobre as autoridades públicas, culminaram na criação de políticas cujo escopo é a garantia do desenvolvimento humano mediante ações de A atuação do Assistente Social pauta-se na compreensão dos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais que interferem no processo saúdedoença, contribuindo para garantir um processo de intervenção social capaz de assegurar os direitos dos usuários dos seus serviços. (CFESS, 2010, p.30). Coloca-se a intervenção do Serviço Social na perspectiva da singularidade e valores da pessoa, desenvolvendo potencialidades e contribuindo para a sua transformação em cidadãos ativos e agentes de mudança da sua qualidade de vida. A esse respeito Profissional do Assistente Social traz em seus Vasconcelos traz a seguinte afirmação: princípios fundamentais: I- Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; II- Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; III- Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; [...] VI- Empenho na eliminação de todas as formas de preconceitos, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; [...] X- Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; [...]. (CEFESS, 2012, p. 23-24). Na saúde, se cabe ao médico, ao enfermeiro, primordialmente, a manutenção, recuperação e promoção da saúde, aos assistentes sociais – que tem como objeto a “questão social” – cabem principalmente, organizar, aprofundar, ampliar, desenvolver, facilitar os conhecimentos e informações necessários sobre todos os aspectos [...] relativos à saúde e seus determinantes. (VASCONCELOS, 2011 p.435) O profissional de Serviço Social atua no enfrentamento das expressões da questão social, resultantes das desigualdades proporcionadas pelo sistema capitalista neoliberal. Assim, é desafiado na sua prática cotidiana a responder as demandas postas, através do embasamento das três competências profissionais (teórico-metodológica, ético-político e técnico-operativo) que permeiam o fazer profissional além de estar regulamentado pela Lei 8.662/1993, que dispõe em seu Art. 4° o que compete ao Assistente Social: Depreende-se que a intervenção profissional do Assistente Social deve possibilitar a compreensão dos fatos como parte de “um complexo social que sofre influências sociais, econômicas, políticas, ideológicas, culturais, dentre outras”. A mediação feita é analisada [...] III – Encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e a população; [...] V – Orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos. através da tríade: “singularidade, universalidade e particularidade”, como aponta Cavalli (2012, p.7). O profissional de Serviço Social por atuar com e nas mediações, é um articulador e potencializador, atrelado às refrações da questão social constitutivas Considerando a necessidade de criação de das demandas postas á profissão. Deve olhar para novos valores éticos, fundamentados no compromisso além da questão sobre transfusão sanguínea e atuar com os usuários, com base na liberdade, democracia, como instrumento de informação, promovendo e cidadania, justiça e igualdade social, o Código de Ética apoiando a articulação junto às multidisciplinares e outros recursos sociais. equipes É sob a perspectiva da “emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais” (NETTO, 2011, p.15) profissão. Ao que se alude, registra Barroco (2010, p. 55): A reflexão ética supõe a suspensão da cotidianidade; não tem por objetivo responder ás suas necessidades imediatas, mas sistematizar a critica da vida cotidiana [...], ampliando as possibilidades de os indivíduos se realizarem como individualidades livres e conscientes. que o Assistente Social deve pensar seu plano de ação nas instituições de saúde, com vistas à contribuir com a qualidade de vida das/os pacientes que recusam transfusão de sangue, de forma a desmistificar visão preconceituosa, pautada nos princípios éticos norteadores da profissão, entre eles, os constantes no projeto Ético-Político da categoria. Na atualidade, as situações apresentadas pelos diversos setores societários tem sido um desafio para o profissional intervir nas particularidades das [...] Tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolha entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais [...] (NETTO, 2011, p.15). demandas postas. Para Iamamoto (2009, p.19-20): sua formação é regada a reflexão ético-filosófica e que Pensar o Serviço Social na contemporaneidade requer os olhos abertos para o mundo contemporâneo para decifrá-lo e participar da sua recreação. [...] É nessa perspectiva que se inquire a realidade buscando, pelo seu deciframento, o desenvolvimento de um trabalho pautado no zelo pela qualidade dos serviços prestados, na defesa da universalidade dos serviços públicos, na atualização dos compromissos ético-políticos com o interesse coletivo da população usuária. “valores e princípios pessoais devem ser mantidos em A ação do profissional de Serviço Social tem patamares distintos”, Melo (2009 apud FIORAVANTE, uma relação histórica com as mudanças no contexto 2010, p. 48). social, político, econômico, culturais e ambientais das Quando confrontado com pacientes que recusam transfusão de sangue, é pertinente refletir que A atividade em rede e multidisciplinar é classes sociais envolvidas, cabendo deter-se sobre a estratégia de organização do trabalho e de intervenção singularidade do sujeito em seus aspectos de valores, do Serviço Social, que atua numa realidade complexa costumes, e se articula com outras categorias profissionais para contribuições éticas e morais. crenças, religiosidade, além das alcançar uma visão mais integral das questões. Vale A união dos aparatos, técnicas, métodos ressaltar, que as intervenções podem afetar de modo compõem o referencial para atuar junto aos pacientes, significativo à vida dos indivíduos, por isso é importante inclusive, os que recusam a transfusão sanguínea. O a reflexão quanto aos interesses individuais e/ou trabalho realizado deve buscar a garantia de sua e a coletivos, demonstrando comprometimento com a busca de meios que favoreçam o acesso aos seus Referências: direitos sociais. 6 Considerações Finais Fica evidente que os direitos dos pacientes BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2010. BRASIL. Código civil brasileiro. 61. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. estão presentes nas leis e códigos do País, em se tratando daqueles capazes de decidir sobre seu corpo, BRASIL. Código de defesa do consumidor. Presidência da Republica. [S.l.]: Casa Civil, 1990. decidir sobre si. A estas o texto constitucional brasileiro, confere o direito de tomar decisões. O paciente tem autonomia e direito legal de recusar tratamento médico com sangue, devido aos seus valores pessoais e convicções, baseado nos princípios da autonomia, beneficência e a própria BRASIL. Código de ética do/a assistente social. Lei 8.862/93 de regulamentação da profissão. 10. ed. rev. atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Casa Civil, 1988; Ministério da Saúde, 2011. dignidade da pessoa humana. Além da Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Ética Médica, o Código de Defesa do Consumidor, a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde e o Código de Ética Profissional dos assistentes sociais contemplam aspectos referentes ao direito dos pacientes. O Serviço Social surge com a intenção de produzir mudanças e contribuir com a melhoria da sociedade. O Assistente Social enquanto mediador, trabalha pelo acesso igualitário aos direitos sociais, cabendo, portanto, atuação na eliminação das formas de preconceito, defendendo os interesses de seus usuários, incentivando o respeito pela diversidade pautada na ética. BRASIL. Ministério da Saúde. Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde/Ministério da Saúde. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC no. 343, de 13/12/2002. Anexo 1Regulamento Técnico dos Serviços de Hemoterapia. Brasília, DF: [s. n.], 2002. CASIMIRO, Eric Diniz. Direito do paciente a tratamento médico alternativo, referente à transfusão de sangue. Brasília, 2008. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br>. Acesso em: 07 abril 2013. CAVALLI, Michelle. A categoria mediação e o processo de trabalho no Serviço Social: uma relação possível? Disponível em: <http://www.cedeps.com.br>. Acesso em: 18 set. 2012. Conselho Federal de Medicina - CFM. 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TERSARIOL, Alpheu. Minidicionário da Língua Portuguesa: autonomia. [S.l.]: [s. n.], p. 58. VASCONCELOS, Ana Maria de. A prática do Serviço Social: Cotidiano, formação e alternativas na área da saúde. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2011. A IMPORTÂNCIA DO FORTALECIMENTO DAS FAMÍLIAS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL EM SALVADOR - BAHIA 1 Introdução A discussão quanto ao papel da família vem tendo repercussões em todo espaço social, por considerá-la a primeira instituição com responsabilidade em proporcionar um crescimento Adriana Assis Santos1 Sandra Moreira Costa de Carvalho2 Tatiane Pereira dos Santos3 saudável e harmonioso ao indivíduo. A escolha deste tema é de grande relevância para estudo por se tratar de um grupo social que tem um papel fundamental no desenvolvimento intelectual e social Resumo da pessoa com deficiência, favorecendo a inclusão nos demais grupos sociais. Esta pesquisa, fruto do trabalho de conclusão de curso em serviço social de uma das autoras, trata da importância da família no processo de desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual. A presente pesquisa objetivou conhecer as manifestações da questão social que permeiam o ambiente familiar com a presença da pessoa com deficiência intelectual. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, com pesquisa de campo in lócus em instituição que realiza atendimento a pessoa com deficiência intelectual, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) Salvador, sendo realizado entrevista semi estruturada junto aos responsáveis que acompanham os educandos da referida instituição, buscando atingir o objetivo proposto no estudo. Palavras chave: Família. Pessoas com deficiência. Serviço social. Interdisciplinaridade. 1 Assistente Social (Ucsal), Mestre em Políticas Sociais e Cidadania (Ucsal) e Docente em Serviço Social da Unirb; 2 Assistente Social (Ucsal), Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania (Ucsal) e Docente em Serviço Social da Unirb; 3 Assistente Social e Egressa da Unirb. O assistente social é um dos profissionais que pode contribuir no fortalecimento das famílias para que alcancem maior autonomia frente à superação das manifestações da questão social que interferem no desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual. Sendo assim, o assistente social tem como possibilidade de atuação junto aos usuários a ação interdisciplinar, pois o diálogo entre diferentes saberes contribui para um olhar amplo da realidade social. A motivação pessoal para escolha do tema foi pelo fato da aproximação da pesquisadora enquanto funcionária do campo empírico da pesquisa Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Salvador (APAE) teve a oportunidade de observar a relação entre as famílias e o filho com deficiência intelectual e a inquietação de como os seus conflitos poderiam interferir no desenvolvimento do mesmo. Sendo as desenvolvimento intelectual e social da pessoa com impressões fortalecidas no período do estágio deficiência, dando ênfase às manifestações da extracurricular que foi realizado na mesma questão social que interferem na família da pessoa instituição, porém considerando que neste momento com a vivência já tinha um olhar acadêmico, pois a desenvolvimento intelectual e social, bem como, no pesquisadora estava em formação profissional. 3º tópico, destaca-se a importância do trabalho deficiência intelectual e no seu A pesquisa tem como o motivo pelo qual as interdisciplinar, por conseguinte, a contribuição do famílias da pessoa com deficiência intelectual serviço social no atendimento a família. No quarto devem ser alvo de intervenção do serviço social. tópico apresentaremos os resultados e análise dos Para esse estudo, apresentamos como objetivo dados com um recorte sobre a atuação do geral analisar a importância da atuação do Serviço assistente social em uma instituição de atenção a Social no fortalecimento das famílias e nos fatores pessoa com deficiência intelectual; que interferem o desenvolvimento intelectual e Cabe ainda destacar que, a metodologia social da pessoa com deficiência e como objetivos utilizada nesse estudo foi qualitativa, sendo utilizado específicos a necessidade de conhecer quais a pesquisa de campo realizada in lócus, com manifestações da questão social interferem na aplicação do roteiro de entrevista junto às famílias família da pessoa com deficiência e no seu que são acompanhadas pela APAE – Salvador, no desenvolvimento intelectual e social, bem como ano de 2013. Para nortear o estudo, foi realizado a discutir a atuação do serviço social junto às famílias pesquisa bibliográfica, desenvolvendo a técnica de da pessoa com deficiência intelectual e refletir sobre revisão literária a partir da busca de artigos, teses, a importância da interdisciplinaridade na abordagem internet, monografias e livros, sites, dentre outros. junto às famílias da pessoa com deficiência intelectual. Utilizaremos a apresentação do aporte teórico desse estudo 04 tópicos, sendo que o 1º 2 Desenvolvimento 2.1. Contextualizando a deficiência intelectual: aspectos históricos e teóricos tópico realizaremos a contextualização da deficiência intelectual, por seus aspectos sócio histórico dando ênfase às políticas voltadas para Analisar a respeito do processo de esse público a partir de 1980. No 2º tópico desenvolvimento da pessoa com deficiência percorreremos a importância da família no intelectual requer primeiro o estudo da deficiência no contexto sócio histórico brasileiro e os caminhos percorridos a partir da década de 1980. leva a compreender que a deficiência deixa de ser o A partir da década de 1980 foi necessário utilizar a Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDD) que afirma a deficiência como sendo qualquer perda ou anomalia (temporária ou permanente) das estruturas e funções psicológica, fisiológica ou anatômica e se constitui como desvio da norma biomédica, fundada em base estatística, possível de ser observada e mensurada. (OMS, 1989 apud MÂNGIA; MURAMOTO; LANCMAN, 2008, p. 6). Diante do exposto, verifica-se que esse modelo de classificação não era satisfatório, nesse sentido foi elaborado e implantado outra classificação que melhor refletia a deficiência e suas características, trata-se da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), como descrevem: é a funcionalidade, que cobre os componentes de funções e estruturas do corpo, atividade e participação social. Segundo a CIF a incapacidade é resultante da interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (seja orgânica e/ou da estrutura do corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na participação social, e dos fatores ambientais que podem atuar como facilitadores ou barreiras para o desempenho dessas atividades e da participação. (FARIAS e BUCHALLA, 2005, p.3). Mensurar a incapacidade a partir da CIF foco e fator determinante para a limitação da pessoa, mas engloba o contexto ambiental e social que podem interferir no desempenho das atividades e na participação social. Compreender a deficiência requer a utilização desses instrumentos, a CIF e a CID-10, que a descreve como resultado da interação entre as limitações das atividades e os obstáculos impostos pelo ambiente social e físico restringindo a participação social. Destaca-se ainda que, nas mudanças políticas que contemplam a pessoa com deficiência identifica-se a utilização da CIF no momento da avaliação do Benefício de Prestação Continuada. Assim, o avanço no que tange os direitos da pessoa com deficiência a participação plena na sociedade foi constituído historicamente a partir de mudanças políticas. A partir da década de 1980 surgiram leis, pesquisas, debates que permitiram a sociedade ter outra visão sobre a temática, principalmente quanto ao seu papel em relação à construção de uma sociedade inclusiva a diversidade humana. Neste ano, como Ano Internacional da Pessoa Deficiente, trata de um movimento voltado à desconstrução de uma imagem preconceituosa e excludente sobre a pessoa com deficiência. Nesse aspecto, a “sociedade inclusiva” tem como característica se preparar para dar condições aos seres humanos, inclusive às pessoas com deficiência, a ter acesso a todos os espaços sociais, que no ponto de vista de Sassaki (1997, p. 41), afirma que a inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (BRASIL, 2010, p.22). Por este Artigo da CF de 1988, emerge a Lei nº 8.742/1993, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), trata do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a qual estabelece alguns critérios de É necessário que o Estado garanta efetivamente os direitos das pessoas com deficiência, e a sociedade assuma o seu papel como instituição que tem responsabilidade no que concessão aos seus beneficiários, como por exemplo ter renda per capita inferior ¼ de salário mínimo e atestar limitação para realização dos atos da vida diária. tange a inclusão, para que todos tenham condições de exercer sua cidadania com oportunidade de 2.2. igualdade, como deve ocorrer no campo desenvolvimento intelectual e social da pessoa educacional, local em que já se observa alguns com deficiência A importância da família no avanços confirmados na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, a qual tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais. (BRASIL, 2007, p.8). Um outro avanço no que tange a dignidade e igualdade de oportunidade para as pessoas com deficiência pobres, que são as que vivem em maior situação de vulnerabilidade social, consta no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, onde estabelece a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência Historicamente, a deficiência era um tema discutido apenas no ambiente familiar, no entanto, na contemporaneidade, ocorreu à entrada da sociedade e do poder público sobre a complexa temática. Impossível tratar do tema deficiência sem contextualizar com o universo familiar e as manifestações da questão social presente neste cenário, assim, destaca-se a contribuição do profissional do serviço social nesse contexto, ressaltando a importância do trabalho interdisciplinar diante da complexidade das demandas. Reconhecendo que a família tem uma importância no desenvolvimento intelectual e social da pessoa com deficiência, cabe refletir sobre o seu significado que na concepção de Nogueira (2007, forma que a notícia for abordada poderá trazer p.1), onde a família é uma sociedade natural dificuldades no relacionamento da mãe com seu formada por indivíduos, unidos por laço de sangue bebê. (FALKENBACH, DREXSLER e WERLER, ou de afinidade. 2007, p. 07). Embora autores tragam a compreensão da No que tange ao tratamento, a família que família nuclear, esta, na contemporaneidade vem tem o direito e o dever de solicitar orientações sofrendo modificações na sua base estrutural, não referentes ao diagnóstico, ao tratamento, aos sendo possível identificá-la com um padrão único, benefícios sociais, enfim, tudo que envolve o mas sim com diversos arranjos, assim, pode-se desenvolvimento intelectual e social da criança, e caracterizá-la como família extensa com a presença quando os pais encontram profissionais que dos avôs, tios e outros parentes ou ainda pode ser realizam um atendimento humanizado transmitindo com estrutura monoparental formada por um dos confiança, conforto e promove um diálogo com genitores e seus descendentes. escuta de questionamentos, compartilhamento de A família é o primeiro elo da criança dúvidas e informações pertinentes acerca da (independente se com ou sem deficiência) e tem deficiência, tudo isso irá gerar subsídios para a responsabilidade direta no crescimento e no seu família melhor exercer o seu papel no que tange o processo de evolução proporcionando o encontro desenvolvimento do membro com deficiência. com os demais ambientes sociais o que favorecerá A falta de operacionalização das políticas a autonomia para ser um sujeito atuante na públicas agrava o contexto sociofamiliar quando sociedade. Nesse contexto, torna-se de suma vinculada a outros determinantes sociais, a saber: o importância o momento do diagnóstico para a desemprego, a pobreza, a baixa renda, a estrutura família e para o filho com deficiência, pois é a partir monoparental, a discriminação, o acesso a serviços dali que iniciará a construção dos vínculos afetivos, de apoio assistencial. e quando as informações são dadas com relatos carregados de preconceitos, falta de sensibilidade e desconhecimentos da deficiência podem gerar na família fragilidades emocionais que poderão 2.3. A contribuição do Serviço Social no atendimento a Família e a Importância do Trabalho Interdisciplinar. interferir no desenvolvimento intelectual e social da O Serviço Social passou após seu criança. O momento da notícia pode ser crucial na movimento de reconceituação, por processos de vida do bebê e de sua mãe, pois dependendo da mudanças na sua identidade profissional, configurada pela renovação do serviço social, a político, a Lei que Regulamenta a Profissão e o teoria marxista e a construção do projeto ético Código de Ética do Serviço Social. político, possibilitando a intervenção do profissional Como alternativa técnico-operativa, diante das demandas dos usuários a partir de uma salienta-se as possibilidades de intervenção do consciência crítica. assistente social por suas ações socioeducativas Embasado no novo projeto, o assistente que são desenvolvidas a partir de três eixos: do social deve realizar atuação junto à pessoa com trabalho em torno da orientação e informação sobre deficiência na viabilização da garantia dos direitos as questões que envolvem o reconhecimento e a humanos, no fortalecimento da cidadania e da viabilização de direitos sociais; do trabalho em torno autonomia, que possibilite uma participação ativa na de aspectos da organização e dinâmica familiar o sociedade de forma igualitária. que envolve as questões familiares e de “suporte Para o assistente social desenvolver a sua emocional”; e do trabalho em torno da organização prática profissional pautada no projeto ético político social e participação política cuja preocupação é de requer do profissional conhecer as demandas com fortalecer o usuário e a família para uma ação mais uma consciência crítica da realidade social, coletiva e voltada à mobilização social. (JESUS, articulando com as competências profissionais. 2005, p. 144). Nesse contexto, Iamamoto (2011, p. 62) nos Nesse sentido, compreende-se que o apresenta as competências que fundamentam os trabalho socioeducativo tem como perspectiva o meios de trabalho, tais como: as competências indivíduo e o coletivo tendo como características, as técnico-operativo, teórico- informações e orientações que possibilitem o metodológica, esta última, permite ao profissional acesso aos direitos sociais, vale ressaltar a conhecer a dinâmica da realidade além da importância do trabalho socioeducativo, na dinâmica aparência, a partir de uma reflexão crítica, familiar, com os conflitos que as permeiam e o buscando estratégias de intervenções favoráveis. fortalecimento dos usuários pensando no coletivo e ético-político e Assim, na prática profissional do assistente na organização social. social junto às famílias e pessoa com deficiência é Diante das manifestações da questão social relevante a articulação das dimensões, teórico- vivenciadas pelas famílias da pessoa com metodológica, técnico-operativa e ético-política, o deficiência, embasamento legal tais como: o projeto ético socioeducativo de maneira contínua e permanente, cabe desenvolver o trabalho no qual os usuários dos serviços constroem uma consciência crítica sobre si mesmo e sobre a necessitam desses serviços em sua grande maioria realidade para nela atuar de forma transformadora. vêm com uma ansiedade em ver seus filhos andar e E ainda, um espaço onde ocorra a troca, a falar, daí a necessidade da equipe interdisciplinar socialização e a democratização das informações, trabalhar com a criança e seus familiares”. São baseado, não num mero repasse, mas num diversas as dificuldades das famílias ao lidar com a processo reflexivo. (JESUS, 2005, p. 146). Assim, pessoa com deficiência, nesse sentido, ao realizar uma intervenção emergencial junto às contemplar o trabalho com famílias a partir da demandas das famílias da pessoa com deficiência, proposta de ação interdisciplinar, na qual os visando um atendimento com resultado imediato, profissionais dialogam os saberes específicos, torna-se inviável, pois cabe um acompanhamento buscam encontrar a melhor forma de intervenção. constante com perspectiva do trabalho centrado na família e no alcance do seu fortalecimento e empoderamento. Atuar nesse espaço sócio-ocupacional, requer do assistente social habilidades na 2.4. Um recorte sobre a atuação do Assistente Social em uma Instituição de atenção a pessoa com deficiência intelectual perspectiva interdisciplinar. Demo (1997, p. 88 apud 2.4.1 O percurso metodológico e os resultados da CARRIJO, PORTO e BERTANI, 2003, p. 10), define pesquisa a interdisciplinaridade como “a arte do aprofundamento com sentido de abrangência, para dar conta, ao mesmo tempo, da particularidade e da complexidade do real [...]”. Sendo assim, a interdisciplinaridade é uma iniciativa de trabalho que envolve uma ação voltada para o diálogo de saberes nos quais, profissionais de áreas diferentes atuam contribuindo com o seu conhecimento, considerando a totalidade e a particularidade do sujeito. O campo empírico desse estudo foi a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) em Salvador. Essa instituição oferta suporte técnico e interdisciplinar aos seus usuários nas áreas de: professores, auxiliares de classe, dentista, assistentes sociais, fonoaudiólogo, neurologista, terapeutas ocupacionais, psicólogo, psicomotricista, psicopedagogos e coordenadores pedagógicos e gerente técnica. A metodologia utilizada foi a abordagem Nesse contexto familiar, reflete-se à contribuição da equipe interdisciplinar a as autoras Rocha e Gimenez (2010, p. 2), “as famílias que qualitativa, com pesquisa in lócus realizada no mês de maio de 2013, com base na Resolução MG 196/96 e determinações institucionais. Com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e membro trabalha e ajuda com as despesas da Esclarecido (TCLE), todos os sujeitos foram família. Salienta-se o pai de um usuário-educando, esclarecidos sobre os objetivos acadêmicos do o qual fora o único responsável do sexo masculino a trabalho, bem como sobre seus direitos e deveres frequentar o Espaço de Convivência das Famílias como participante do estudo. Embora a Instituição da Instituição no turno vespertino. No universo das assista atualmente cerca de 231 (duzentos e trinta e 08 (oito) mulheres entrevistadas todas são chefes um) usuários/educandos, o quantitativo de sujeitos de família, ou seja, com estrutura monoparental; das pesquisas foram 09 (nove) responsáveis todas desempregadas, tendo como sustento familiar desses educandos que participavam do Projeto o Benefício de Prestação Continuada (BPC) como Fazer e Acontecer desenvolvido pelo Serviço Social única fonte de renda. do núcleo do CEDUC- Centro de Atendimento Educacional Especializado. Nessa pesquisa pensando no sigilo, os entrevistados serão representados por nomes de Após alguns critérios de elegibilidade para participarem da pesquisa, dentre eles, abdicarem cores tais como: Amarela, Verde, Azul, Rosa, Lilás, Laranja, Vermelha, Branca, e Marrom. das atividades laborais em detrimento da A partir de agora, apresentaremos alguns assistência ao usuário-educando, recorrendo ao dados obtidos com o estudo. Em se tratando da BPC, foi aplicado entrevista semi estruturada aos 09 notícia sobre o diagnóstico da deficiência, momento (nove) participantes, com o objetivo de identificar as que marca profundamente a família, pois manifestações da questão social que interferem nas experimentam sentimentos contraditórios, o familiar famílias que possuem pessoa com deficiência Verde, afirmou que ao saber do diagnóstico “Fiquei intelectual. decepcionada no início, chorei, mas depois me Como forma de tecer essa análise a partir acostumei”. Nesse contexto, os sentimentos que dos dados obtidos, tornou-se necessário construir são mais comuns no momento do diagnóstico da um perfil mínimo dos sujeitos da pesquisa. Dessa deficiência, oscilam entre polaridades muitos fortes: forma, o estudo foi composto por oito mulheres e amor e ódio, alegria e sofrimento; uma vez que as um homem, com idade variando entre 28 a 54 anos, reações concomitantes oscilam entre aceitação e membros de famílias compostas pelo educando, a rejeição, euforia e depressão – para citar o que mãe e em alguns casos outros filhos tendo a ocorre com frequência. (AMARAL, 1995 apud GLAT presença de filhos menores e adultos em sua 1996, p. 4). maioria; com núcleo familiar onde apenas um Um outro elemento apresentado na fala do necessário buscar atendimentos na capital para familiar Rosa, afirma que “Me senti triste, fiquei com entender sobre a deficiência, o que revela o medo dele ficar cego.”, expressando portanto o desconhecimento de alguns profissionais sobre a desconhecimento da deficiência e seus efeitos no deficiência, limitando as orientações aos familiares. sujeito, a falta de informação gera angústia e medo Em se tratando do cotidiano das famílias do futuro. Sobre as possíveis orientações recebidas com o filho com deficiência, são diversas as não emergiram do momento do diagnóstico, mas limitações e dificuldades, a saber: sim, do seu primeiro contato com a Instituição especializada, vejam: “Não recebi nenhuma orientação, só deu apenas o diagnóstico, a orientação recebi da APAE aos 3 a 4 meses”. (Amarela) Percebe-se que, as orientações e apoio necessários aos pais quando recebe a notícia que seu filho tem deficiência podem influenciar positivamente na autoconfiança do filho para o desenvolvimento de suas capacidades. Assim sendo, o apoio dado à família minimiza as ansiedades frente ao filho portador de necessidades especiais, e promove a busca de novas alternativas para a organização da vida dessa criança, possibilitando um enfrentamento dos problemas com Dificuldades em brincar com meu filho, no início, em alimentar, dificuldade no falar. (Rosa) Dificuldade no acesso ao acompanhamento, no interior não tinha geneticista, tinha que ir para outra cidade. A minha dificuldade é fazer que ela preste atenção no que eu estou falando é ter pulso firme com ela. Às vezes eu coloco ela de castigo quando volto ela não esta mais, resistente demais. (Branca) Dialogando sobre as dificuldades em lidar com a deficiência, Buscaglia (1993, p.26) aponta que “os pais de crianças deficientes necessitam de orientação em relação à disciplina dessas crianças. Freqüentemente relutam em repreendê-las, treiná- cotidianos. (GLAT, 2004, p. 4). Esclarecimentos Ele é desobediente, às vezes perco a paciência, dificuldade em fazer com que ele aceite as coisas da maneira certa..(Amarela) informações pertinentes a respeito da deficiência são las, ensinar-lhes limites reais, assim como fazem com os outros filhos. [...]” indispensáveis, porém ainda se encontra famílias A partir dos relatos observa-se que as que não recebem as orientações essenciais para famílias têm dificuldades em impor limites às compreender a deficiência e saber como lidar com a crianças com deficiência, assim a busca por nova situação. E quando a família é oriunda do caminhos para entender como lidar com a pessoa interior são escassas as informações sendo com deficiência é manifestada nos relatos, e como as orientações para superação das dificuldades e o economicamente ativa e laboral para cuidar fortalecimento das famílias são indispensáveis para exclusivamente do seu ente com deficiência. Parei de trabalhar, depois que ele nasceu abandonei o trabalho, porque tinha que cuidar dele e não tinha quem cuidasse. (Amarela). conviver com as questões internas e externas que experimentam. Quando questionadas se eles preparam a Pessoa com deficiência para algumas situações Eu trabalhava, tinha minha vida estabilizada, quando minha filha nasceu, me vi sozinha, meu outro filho também dependia de mim. (Azul). cotidianas, algumas famílias afirmam que: Preparo, recebe orientação para estimular a minha filha a ser uma pessoa independente para não estar fazendo as coisas para ela.( Lilás) Preparo, mostro tudo a eles. Recebe orientação da professora de AVAS da APAE, da psicóloga na reunião psicossocial que fazia a gente entender as necessidades dos nossos filhos. Recebe muito apoio quando cheguei na APAE.( Laranja) Sobre o papel dos pais no desenvolvimento Nesse cenário de mudanças na dinâmica familiar, especialmente no aspecto financeiro, Almeida, (2011, p. 21) afirma que mediante necessidades de deslocamento e acompanhamento preciso dos seus filhos, alguns muitos pais precisam optar ou pelo trabalho ou pelo tratamento deste, optando geralmente pelo último, muito intelectual e social do filho com deficiência, uma boa provavelmente por acreditarem que apenas eles relação entre pais e filhos que desenvolva vínculos podem e devem cuidar dos seus filhos com afetivos pode propiciar comportamentos mais deficiência. Esse cenário é expresso por Sposati competentes, gerando mais autonomia e (2004, p.172), a qual apresenta-nos que para quase possibilidades de inclusão social. (CARDOZO e “[...] 50% das famílias a única renda regular que SOARES, 2011, p.5). possuem, formando-se, com isto, fundamental para As famílias informam as possíveis o sustento delas.[...]” mudanças ocorridas nos aspectos relacionados ao Nesse contexto socioeconômico e familiar, trabalho, lazer, relação conjugal e demais filhos com o lazer torna um momento raro na vida familiar, ou a presença da pessoa com deficiência no ambiente quando acontece tem a presença da pessoa com familiar. deficiência, afirmado nas falas de alguns familiares: No âmbito do trabalho, as respostas frequentes afirmaram um dado já apresentado no perfil dos pesquisados, os quais pararam suas vidas Eu saía para passear passava os dias fora em outra cidade, agora não saiu mais quando eu saiu, eu tenho que levar ela. (Branca). Saiu com eles para os lugares. (Verde) Outro ponto a ser considerado além da ausência do lazer nessas famílias, é apresentado nas falas abaixo, as quais expressam outra problemática envolvida, a relação conjugal. Alguns anos me separei do pai dele, porque ele não se esforçava para me acompanhar para sair com ele no médico, na escola, não me ajudava. (Amarela). O pai discriminava o filho e ele bebia muito, brigávamos muito por causa da bebida e do filho. (Rosa). O pai se neutralizou, vive muito bem, acha que os filhos não tem nada, acho que é uma defesa dele. (Laranja). indispensável o acesso a orientações e apoio para compreender a deficiência. Nesse contexto, Famílias com estrutura monoparental, geralmente com chefia feminina, devem buscar a solidariedade de parentes e vizinhos para cumprir as diversas atividades na rotina diária. Entretanto, quando os parentes não moram próximos ou vivem em outra cidade como é o caso da Família Branca, se vêm sozinhas para resolver tudo que se aplica ao ambiente doméstico. As famílias relatam as outras atividades que passaram a ter com a presença da pessoa com A importância de uma rede de apoio junto deficiência favorecendo a sobrecarga tais como: a às famílias é essencial para o enfretamento das atenção maior nos cuidados, o atendimento manifestações da questão social presente na educacional especializado, a escola regular, o dinâmica familiar com a presença da pessoa com acompanhamento médico, a dificuldade em lidar deficiência. Considerando a divisão de papéis na com o filho(a) com deficiência e a administração dos relação conjugal, Souza e Boemer (2003, p. 16) conflitos familiares. afirmam: O acumulo de tarefas sendo dispensado O papel do pai nessa relação pode ser entendido como relevante, com aspectos significativos para ele, a mãe e o filho, sinalizando para o cuidado não mais exclusivo da mulher, mas trazendo uma participação cada vez maior e reflexão a respeito das necessidades de todos os envolvidos. exclusivamente a um membro, gera a sobrecarga, estresse físico e emocional, comprometendo a saúde do responsável pelo cumprimento das atividades da rotina diária. Orientações e informações que contribuam para a superação das Nos relatos, as famílias, maioria das dificuldades presentes no ambiente familiar são entrevistadas mulheres, revela a ausência do pai na essenciais para a busca de mudanças desta divisão de papéis, no apoio, na ida aos realidade. atendimentos médicos, lidam com a deficiência de A discriminação e estigma social maneira diferenciada da mãe, necessitando de um enfrentados pela família e pessoa com deficiência tempo em diversas circunstâncias ainda se faz presente maior para aceitação, portanto é em locais como: ônibus, família, comunidade e vivenciada no cotidiano, como através de denúncias escola, conforme marca a fala de Verde: das Escolas que não aceitam a pessoa com Já briguei no ônibus com o motorista e o passageiro. Tem motorista que não parava no ponto quando solicitado, quando via que era deficiente, já denunciei a discriminação. (Verde) deficiência. O Estado deve assumir a sua responsabilidade em garantir o acesso à educação para todos de forma igualitária. De acordo com Furlan, Araújo e Peralta O Assistente Social atua numa equipe (2010, p. 1) “o preconceito social é o que mais interdisciplinar, no projeto Portas Aberta, onde amedronta a mãe, pois sabe que as pessoas farão pessoas que tentam ingressar na Instituição comentários e olharão de forma diferente para seu passam pela equipe interdisciplinar formada por filho”. Observa-se que ainda a sociedade assistente desconhece sobre a deficiência, e a sua fonoaudióloga, e psicopedagogo, na qual juntos irão responsabilidade no contexto da inclusão social. apontar quais os serviços demandados pela criança Outro ponto que não pode deixar de ser mencionado nesse estudo são as dificuldades com a inclusão escolar da pessoa com deficiência intelectual, conforme expressa Laranja: Na reunião de pais teve a entrega das provas dos filhos e não entregaram as minhas, fui me informar, elas disseram que segunda – feira, me entregaram as tarefas muito bem executadas [...] (Laranja) social, neurologista, psicólogo, e pela família e a partir daí quais poderão ser ofertados pela instituição. A partir da relação da equipe interdisciplinar e a família da pessoa com deficiência, Cortez e Regen (1996, p.07) afirmam: É importante que se estabeleça uma relação de confiança mútua e de parceria entre pais e profissionais, pois aqueles, embora leigos, convivem por muito mais tempo com a criança e podem trazer dados importantes para o bom desenvolvimento do trabalho técnico. Muitas famílias ainda não aceitam a inclusão escolar, tem medo do preconceito social manifestado pelos profissionais da área da educação, dos alunos e das famílias dos mesmos. Quando a família se sente valorizada, Sensibilizar a sociedade quanto ao direito da participante do processo de aprendizado do filho pessoa com deficiência no acesso a todos os com deficiência, favorece a relação entre os espaços sociais de maneira igualitária, é profissionais e família. Contar com a equipe fundamental para romper com a discriminação, e as profissional, famílias ter uma consciência crítica quanto ao seu compartilhamento de dúvidas é indispensável para direito para realizar mudanças dessa realidade o desenvolvimento intelectual e social da pessoa com deficiência. para orientações, para A equipe interdisciplinar é fundamental Social na efetivação do trabalho são: observação diante das manifestações da questão social participante, acolhimento, acompanhamento, experimentadas junto as famílias e a pessoa com orientação, atendimento individual e grupal, visitas deficiência, pois promove o fortalecimento, o acesso domiciliares e institucionais, entrevistas individuais, as informações para lidar com a deficiência, enfim, dinâmica de grupo, reunião técnica, palestras, um atendimento visando mudanças da realidade anamneses, avaliações sociais e socioeconômico, social enfrentadas no cotidiano. diário de campo, prontuários, formulários para Nessa Instituição, o serviço social tem como monitorar e organizar o trabalho, planejamento para finalidade facilitar a relação interpessoal de seus exercício dos projetos, relatório social e membros, sua integração na comunidade e encaminhamentos. consequentemente a inclusão social. Oportunizar à No que diz respeito às ações sua clientela o acesso aos serviços oferecidos pela socioeducativas realizadas pelos assistentes sociais instituição, bem como o conhecimento de outros Mioto (2010, p. 2) diz, “postula-se a orientação e o serviços que possam facilitar à aquisição e acompanhamento como ações de natureza ampliação de direitos. O público alvo do serviço socioeducativa que, como os próprios nomes Social são as famílias e os responsáveis dos indicam, interferem diretamente na vida dos educandos que são atendidos, além do atendimento indivíduos, dos grupos e das famílias”. a comunidade acolhendo a demanda espontânea As famílias relatam sobre as orientações que busca os serviços da instituição realizando uma dadas pelo profissional do Serviço Social, triagem e orientando as famílias. As principais considerando importantes diante das dificuldades demandas em lidar com a deficiência e as situações presentes dos usuários são: acesso a escolarização, a profissionais da área de saúde especializada (neurologista, psicólogo, no cotidiano da dinâmica familiar. As técnicas utilizadas para o psicopedagogo, dentista, etc.), informações sobre desenvolvimento do trabalho socioeducativo é garantias dos benefícios como BPC (Beneficio de explanada por Mioto (2010, p.12), “esses Prestação Continuada) e Passe Livre. incorporam técnicas de dinâmica de grupo, recursos Nesse espaço sócio ocupacional, os projetos desenvolvidos pelo Serviço Social são de audiovisuais, técnicas de reconhecimento do território, entre muitas outras”. acompanhamento e assistência às famílias. Os As respostas manifestam que a oferta de Instrumentos técnicos utilizados pela Assistente atividades voltadas para a geração de renda é importante para as famílias, na medida em que decisivamente na família da pessoa com deficiência contribui para aumentar a renda, já que os sujeitos e assim no seu desenvolvimento intelectual e social. entrevistados, na sua maioria, tem o BPC como Certificou-se a fragilidade de políticas única fonte de renda. Também são ressaltadas as públicas em prol das famílias de pessoas com atividades deficiência, atuando diante das manifestações da artesanais e culinárias com demonstração de prazer e relaxamento, já que devido à sobrecarga da rotina diária, muitas não têm tempo para momentos de distração. Dentre os temas discutidos nas dinâmicas, questão social, assim, a mobilização das organizações sociais, da própria pessoa com deficiência e da família são fundamentais na luta pela garantia dos seus direitos. palestras e oficinas os mais citados são os que Para tratar da família e a sua importância abordam a direitos, a saúde e a questões referentes no desenvolvimento intelectual e social da pessoa à deficiência, ao cotidiano das famílias e da com sociedade. Assim, as ações socioeducativas tem o manifestações da questão social que interferem na objetivo de viabilizar o empoderamento das famílias dinâmica familiar, o que revelou que começa no através da orientação, da socialização de momento do diagnóstico da deficiência e que a falta informações e do processo reflexivo, promovendo de orientação e apoio de profissionais junto às mudanças na sua realidade social com consciência famílias compromete a relação entre os pais e a crítica para participar ativamente da transformação criança com deficiência. social. deficiência buscou-se conhecer as A pesquisa revelou a contribuição do serviço social centrada no trabalho com as famílias 3 Considerações Finais desses sujeitos através do desenvolvimento da sua competência nas ações de orientações e apoio junto às famílias tendo a articulação com a equipe Este trabalho analisou a importância da interdisciplinar, a partir da complexidade das atuação do Serviço Social no fortalecimento das demandas experimentadas pelas mesmas, pois famílias e nos fatores que interferem para o percebe-se que o diálogo entre diferentes saberes desenvolvimento intelectual e social da pessoa com favorece a intervenção profissional. deficiência. Percebe-se que as famílias devem ser A pesquisa empírica permitiu conhecer que alvo de intervenção do serviço social, pois as neste universo, as manifestações da questão social manifestações da questão social interferem experimentadas pela família, tais como: a falta de orientação no momento do diagnóstico, e para saber lidar com a deficiência; a pobreza em virtude da necessidade de abandonar o emprego para cuidar do(a) filho(a) com deficiência tendo como principal fonte de renda o Benefício de Prestação Continuada (BPC); a discriminação; a sobrecarga pelo ato de cuidar; o fato da família em geral ser ALMEIDA, Washington L. Sieleman. A Representação coletiva das Pessoas com deficiência intelectual e o processo de inclusão escolar. Disponível em: <uniapae.apaebrasil.org.br/arquivo.phtml?a=18915. > Acesso em: 20 de fevereiro de 2013. A ASSOCIAÇÃO DE PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS (APAE) Salvador. Disponível em: http://www.apaesalvador.org.br/. Acesso em: 15 de maio de 2013. monoparental. Portanto pode-se afirmar que o problema que norteou este trabalho, a saber, o por que as famílias da pessoa com deficiência intelectual devem ser alvo de intervenção do serviço social? BRASIL, República Federativa do. Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social.Brasília, Reimpressão 2010. Foi respondido, sendo confirmada a hipótese: a intervenção do serviço social proporciona o fortalecimento das famílias frente às manifestações da questão social que interferem no desenvolvimento intelectual e social da pessoa com deficiência, considerando a importante contribuição da equipe interdisciplinar nesse processo. Afirma-se que o Serviço Social, neste contexto, realiza ações socioeducativas, possibilitando o fortalecimento e empoderamento das famílias na busca por mudanças da sua realidade social, na medida em que viabiliza o acesso às informações com reflexão, gerando uma BRASIL, República Federativa do.Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Disponível em: http:// portal.mec.gov .br/seesp / arquivos/pdf/politica.pdf.Acesso em: 25 de out. de 2012. BUSCAGLIA, Leo F.Os deficientes e seus pais.5 ed.Rio de Janeiro. Editora Record. CARDOZO, Alcides; SOARES, Adriana Benevides.Habilidades Sociais e o Envolvimento entre Pais e Filhos com Deficiência Intelectual. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pcp/V31n1/V3 1n1a10.pdf> Acesso em: 15 de setembro de 2012. consciência crítica da realidade, assim, fomentando a participação ativa na transformação social. Referências CARRIJO, Danila. PORTO, Érika Lisboa. 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Neoliberalismo. 1 Introdução Grasiela Santana Santos1 Objetiva-se com o texto trazer reflexões Jocelina Alves de Souza Coelho2 históricas da inoperância das políticas sociais no Brasil, frente à lógica excludente da sociedade capitalista e da Resumo cooptação da ideologia neoliberal, somado a idéia de O presente artigo tem por finalidade abordar o tema: “A proposta do Estado frente à centralidade das famílias na Política Nacional de Assistência Social - PNAS: uma análise histórico-crítica”, com o objetivo de refletir sobre a implantação e a implementação do Sistema Único de Assistência Social - SUAS como política pública universal garantidora de direitos. Além de trazer sérias discussões a respeito de: como a família passou a ser merecedora de atenção e vista como alvo central das políticas sociais, nomeada pelo Estado como responsabilizável pela proteção, recuperação e sustentação dos seus membros. Bem como, na exigência de que a mesma deva ser solidária as demais instâncias sociais caso seja necessário. Isto se traduz numa sobrecarga que a família pode não conseguir suportar, tendo em vista a sua condição de vulnerabilidade socioeconômica, política e cultura. Logo, percebe-se que o Estado com tal “privilégio” passa a culpabilizar e/ou psicologizar as famílias por seu sucesso ou insucesso. reduzir o tamanho do Estado, que resulta no aumento das altas taxas de extrema pobreza no país e sobretudo no agravamento da crise social. Assim, o Estado na tentativa de amortizar os problemas utilizase de políticas focalizadas, e fragmentadas dando a entender que os impactos sociais estão sendo reduzidos. Baseando-se nesse contexto a família ressurge na década de 1970 com nova significância, diante do declínio da sociedade salarial e da crise do welfare state, ou seja, o Estado busca responsabilizá-la pela proteção, recuperação e sustentação dos seus membros, bem como, passa a exigi-lhe postura de solidariedade às demais instâncias sociais caso fosse necessário. 1 Assistente Social do CRAS Água Fria e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família do mesmo município, desde julho de 2013, graduada pela UNIRB, turma – 2013.1. E-mail: [email protected] 2 Assistente Social do INSS e Professora Orientadora da Disciplina de TCC I e II da Faculdade UNIRB, Mestre em Serviço Social e Política Social. E-mail: [email protected]. Diante do exposto, o artigo ora em abordagem tem por finalidade responder ao seguinte problema: qual a intencionalidade da política de Estado em promover a família na perspectiva neoliberal como alvo central da Política Nacional de Assistência Social? Para disseminação do estudo, utilizaram-se como pontos chaves as categorias: Estado, desenvolvidos da Europa e o porquê dele nunca ter se efetivado no Brasil. Neoliberalismo, Política Social Pública de Assistência Social, Famílias e Serviço Social. O plano beveridgiano inglês de proteção social, instituído em 1942, durante a Segunda Guerra 2 Os fatores Históricos e Socioeconômicos que Contribuíram para a Construção do Modelo de Proteção Social Atual Mundial, serviu como condicionante determinador para regulamentar os padrões nas relações sociais e materiais entre a classe capitalista e o proletariado, submersos ao padrão keynesiano-fordista3. A proposta A presente seção visa refletir como se deu a intervenção do Estado na proteção social das famílias beveridgiana objetivava a luta pela redução da pobreza, e das multifacetadas expressões da questão social. brasileiras, e quais fatores evidenciaram a alocação desse público como alvo central da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, frente à perspectiva neoliberal de atuação do Estado. Assim, para descrever a organização do Estado lançou-se a abordagem inicial, através de uma breve análise teórica sobre sua categoria. Assim, as políticas da Assistência Social e da Saúde no Brasil foram orientadas através desse princípio, enquanto que na Previdência Social há predominância do modelo compõe a Seguridade Social Brasileira, desde a implantação da Constituição Federal de 1988. proposta elucidar o que Marx define como Estado, visto como uma instituição legalmente instituída por manter a sociedade de classes. Marx traduz o que na atualidade seria a instituição social provedora e/ou interventora das relações sociais e materiais que permeiam a vida da classe trabalhadora do Brasil. Refletir sobre o funcionamento da dimensão intervencionista do Estado, atuando na perspectiva de conter as crises instaladas pela produção e reprodução É preciso também frisar o contexto histórico excludente vivenciado pela população que saiu do modelo escravista, sem que lhes fossem dados condições mínimas de absolvição no mercado de trabalho e na sociedade, por meios de garantias de subsistência. Historicamente vê-se que as políticas públicas foram criadas ao longo dos tempos na tentativa de conter os conflitos entre a classe trabalhadora e a das relações sociais, requer a compreensão inicial do modelo de proteção do Estado de bem estar social que de contribuição, formando assim os três pilares que A linha de pesquisa escolhida tem como (Welfare State) bismarquiano funcionou nos países 3 - Ler Antunes (1999) e Havey (1992). dominante, com intenção de regulação permeando-se desenvolvimento é consequente das desigualdades entre os espaços contraditórios da sociedade. sociais. É histórica a realidade desigual que marca o Estas têm suas origens na perspectiva de Brasil, por não deter de recursos financeiros suficientes suprir as necessidades mínimas daqueles que já não para cobrir tais necessidades, como ainda hoje, sofre- têm condições de prover o próprio sustento, ou ser se com a estimativa de não dispor de um fundo próprio, provido pela família. Dando garantias de segurança que assegure aos mais vulneráveis a proteção social afiançada aos cidadãos que dela necessitarem. Diante do Estado. disso, houve intensas discussões na perspectiva de Para tanto, perceber que capitalismo e Estado propor e formular uma nova política pública de de bem-social são vistos com uma via de mão dupla, Assistência Social, através da inclusão de direitos conforme sinaliza Demo (2002, p.07) “igualar sociais e, mais especificamente, do direito à capitalismo e Estado de Bem-Estar só pode ser feito seguridade social. por um centro alienado”, ou seja, ambos têm ideários contraditórios, o primeiro visa à acumulação de 3 O Estado enquanto Agente de Proteção Social atendendo a Proposta Neoliberal riquezas através da exploração do homem pelo homem, baseando-se na negação de diretos sociais, já o segundo, busca garantir os direitos sociais básicos aos que não o detém, seja ele trabalhador ativo ou Esta seção objetiva discutir o papel do Estado como agente da proteção social frente às garantias dos mínimos sociais, atendendo a proposta ideopolítica neoliberal, na perspectiva de apontar os limites do esgarçamento da política de seguridade social, o que de certa forma não foi consolidada, conforme preceitua a Carta Magna de 1988. Considera-se de fato que a lógica capitalista sobrepõe a pobreza, a exploração da mais-valia, enfim, estratifica a produção e reprodução das relações sociais e materiais. Adotar um modelo de proteção social vindo de países europeus desenvolvidos só tende a fadar no fracasso, inclusive por razões óbvias de que o aumento crescente da população pobre nos países em inativo. Diante desse contexto, reafirma-se o sair da rota do direito, com ações de enfrentamento da questão social de cunho paliativo, impopular, focalizado e impreciso, ainda adotando uma visão funcionalista, perpassando pela corrente positivista que visualiza o sujeito como culpado pela sua situação de vulnerável. No entanto, vale destacar a importância de desmistificar a Assistência Social como fetiche na solução das mazelas sociais. Conforme frisa Demo (2002, p.15) não é acaso que se vê no Brasil “leis que não funcionam, mercado sequer condiz com o capitalismo competitivo, a elite espolia tudo e a histórica do Estado por não ser uma política de cunho concentração de renda, terra e poder é um horror”. universal e transformadora das reais necessidades Assim, com o Estado de Bem-Estar Social a básicas, principalmente educação. Com o SUAS família se torna alvo de atuação no conjunto das ações priorizando a família como alvo central de suas ações, do Estado. Este identifica a importância da família no o BPC segundo Marques e Mendes (2005, apud processo de reprodução social, no qual se caracteriza TRISTÃO, 2011, p.122) “foi responsável por 67% da como unidade econômica, compartilhadora de redução da população situada abaixo da linha de responsabilidades sociais. pobreza, entre o período de 1988 a 1999”. Na contemporaneidade nota-se com isso, que De acordo com dados publicados por Santos a sociedade contemporânea revela que os Benefícios, (2011, p.01) da mais recente Pesquisa de Amostra Serviços e Programas de Transferência de Renda da Domiciliar (PNAD), a nova classe C é “majoritariamente Política de Assistência Social - PAS gerou poder de urbana (89%) e, em sua maioria, está em três regiões consumo a uma nova classe social, denominada de brasileiras: Sul (61%), Sudeste (59%) e Centro-Oeste classe C, também conhecida como a classe do (56%)”. consumo. Frente a todos esses fatos, faz-se necessário A nova classe C procede de um momento compreender de que forma a PNAS tem contribuído oportuno na economia, advinda da enorme oferta de para melhoria da qualidade de vida da população crédito facilitado com baixos juros no mercado, usuária, num contexto em que há 09 (nove) anos serviços e benefícios, a exemplo do Benefício de reafirma-se a política neoliberal. Prestação Continuada – BPC (concessão de um salário mínimo para pessoas com deficiência de qualquer idade e idosos a partir de 65 anos, cuja renda 4 Os Impactos produzidos através do Trabalho com Famílias na PNAS familiar per capta seja inferior a ¼ do salário mínimo) e a expansão dos Programas de Transferência de Renda Para sistematizar os impactos produzidos na da PNAS, condição traçada pelo governo como forma vida das famílias cadastradas nos Centros de de reduzir a crise em 2009, ampliando o acesso ao Referência da Assistência Social - CRAS utilizou como consumo, com juros baixos. pressuposto uma pesquisa realizada com famílias e Com fácil acesso aos programas de governo, indivíduos beneficiários dos programas de esse público vem ganhando poder de consumo, no transferências de renda, serviços ou benefícios da entanto, tal perspectiva confessa a inoperância PNAS, através de visita domiciliar realizada entre março a maio de 2013, no município de Água Fria, onde foram entrevistadas 10 famílias, utilizando-se de Assistência Social tem contribuído para melhorar a questionário semi-estruturado para coleta e compilação qualidade de vida da população usuária, ou seja, dos dados. pouco se tem investido na implementação de políticas O município de Água Fria – BA tem área sociais que visem à superação das desigualdades territorial correspondente a 643 km², estando numa sociais. Isso só reafirma do cenário da política distância de 148 km da capital baiana. Sendo definido neoliberal. como território de identidade: Portal do Sertão. Com a compilação dos dados da pesquisa Encontra-se em nível de habilitação do SUAS como realizada, ficaram comprovados os entraves da Política Gestão Básica, classificado como Pequeno Porte - PP de Assistência Social, frente à municipalização, I. Tendo uma população corresponde a 15.726 delegando ao município a prestar a oferta de serviços, habitantes, sendo que desse total, 7.903 são homens e benefícios, programas e projetos. A análise da 7.823 mulheres, 5.777 residem na zona urbana, amostragem confirmou que na ponta da Política de enquanto que 9.949 vivem na rural. Assistência Social, exercida no município, ainda, se Foram cadastrados no CadÚnico até janeiro de tem muitos caminhos a trilhar, mesmo diante das 2013, um total de 3.507 famílias, o Programa Bolsa especificidades do caso em estudo, imprimiu-se que Família (PBF) beneficiou em abril de 2013, 2.610 falta muito para que haja consolidação do papel da famílias, representando uma cobertura estimada em PNAS, cabendo ressaltar que é preciso: 98,9% das famílias pobres do município, contabilizando Implantar o Programa de Erradicação do um total de recursos financeiros pagos em benefício as Trabalho Infantil (PETI) no município, famílias do município, no valor de R$ 413.348,00. No necessitando de uma equipe mínima da que tange o quantitativo de idosos beneficiários do proteção especial, entre eles: assistentes BPC são num total de 104, contabilizando o repasse no sociais e psicólogos, para prestar atendimento valor de R$ 277.302,00 (idosos), e pessoa com as crianças e adolescentes retiradas da deficiência - PcD’s representa um quantitativo de 108 situação de Trabalho Infantil - TI; beneficiários, com repasse anual de R$ 314.592,00. Incluir no Serviço Convivência e O município tem um único CRAS, conforme Fortalecimento dos Vínculos (SCFV) as porte e quantitativo de famílias referenciadas (2.500), o crianças e adolescentes retiradas da situação qual tem a responsabilidade de ofertar proteção social de TI; a todo o território municipal. Frente a todos esses fatos, foi possível compreender de que forma a Política de Promover a acessibilidade no equipamento do CRAS, com rampas e barras de acesso de acordo com as normas da ABNT NBR atribuições do CRAS na vida das famílias 9050:2004, para inserção de idosos e Pessoas referenciadas; com Deficiência no espaço de convivência; Realizar busca ativa; Contração de equipe técnica mínima, Convidar as famílias a participarem da construção do plano de ação do município; consistente e nutrida com conhecimento da realidade do município, principalmente para embasar e fortalecer a dinâmica do trabalho na equipe técnica do CRAS e a equipe técnica da prestação dos serviços, benefícios, programas Secretaria Municipal Assistência Social - e projetos no município; SMAS (PBF); Contratação de equipe técnica adicional para benefícios, programas e projetos no município, e BPC, prioritariamente as que estão em abrangência do CRAS; descumprimento das condicionalidades; Construir mapa de atendimento do território de Construir Diagnóstico Socioterritorial na que se encontram em situação de questão social municipal; Combater todas as formas de TI, propondo parceria com a rede de proteção, defesa e prioritário; responsabilização dos direitos de crianças e Promover ações de cunho sócio educativo, adolescentes; E, sobretudo, construir um plano com autonomia das famílias; indicadores de avaliação dos impactos da Acompanhar as famílias beneficiárias do Política de Assistência Social na vida das Programa Bolsa Família - PBF e BPC, visando famílias. promover proteção e vigilância social; Propor novas estratégias de enfrentamento a vulnerabilidade e risco social e seu público propondo desenvolver o protagonismo e Promover projetos sociais voltados à realidade municipal, por meio de parcerias; perspectiva de prever as famílias e indivíduos Acompanhar as famílias beneficiárias do PBF como base na dinâmica e território de abrangência do CRAS; Mapear e fortalecer as parcerias com a rede socioassistencial do município; melhor oferta a prestação dos serviços, Desenvolver articulação/parcerias entre a Considera-se, contudo que as ações ora Divulgar os serviços, benefícios, programas e apresentadas são uma constante frente à realidade projetos ofertados no CRAS do município, municipal, cabendo ao gestor viabilizar condições imprimindo a importância das competências e favoráveis de trabalho aos profissionais do SUAS, imprimindo assim qualidade no acesso aos serviços implicam no dispêndio de energia seja física e ofertados à população. psíquica, inclusive quando se é exercida em condições impróprias. Esse processo de reestruturação produtiva vem trazendo impactos no mundo do trabalho do 5 A consolidação do Papel do Serviço Social na implantação e implementação da PNAS no Brasil Assistente Social, no âmbito estatal, conforme sinaliza A proposta dessa seção situa-se no contexto Os processos de re-estruturação produtiva atingem também o mercado de trabalho do assistente social, com a redução de postos governamentais, principalmente nos níveis federal e estadual, e a sua transferência para os municípios em virtude dos processos de descentralização e municipalização dos serviços públicos. Raichelis (2010, p.07): de origem e evolução da profissão de Serviço Social configurada ao longo dos anos, diante das perspectivas, tendências e limites que permeiam as lutas incessantes do Assistente Social por uma sociedade mais justa e igualitária, bem como, os contrastes evidenciados pela sociedade capitalista, além de trazer as interfaces do objeto de estudo da profissão e sua nuances ao longo do tempo histórico no contexto da política da assistência social. Diante disso, é preciso compreender a dinâmica do capital, suas relações e nuances, diante do Estado neoliberal, que prioriza a acumulação, exploração, e os desmontes da fragmentação social. Para tanto, se faz necessário compreender as Debruçando-se nos estudos da autora citada acima, pode-se constatar que diante desse processo, as mudanças têm transformado o mundo do trabalho do Assistente Social, imprimindo profundas reconfigurações na conquista do profissional de Serviço Social, frente à consolidação na esfera da divisão social e técnica do trabalho, como trabalhador liberal. possibilidades, tendência e limites da nova configuração do processo de trabalho do Assistente Social. 6 Considerações Finais Apesar do trabalho exercido pelo Assistente Social ser um “trabalho morto”, nos termos de Netto e Braz (2009), corporificado pelos insumos, gerando a mercadoria (abstração), é um trabalho não visto. Vale aqui ressaltar que todas as formas de trabalho A partir dos fatos apresentados ao longo do estudo foi possível perceber que diante de uma sociedade capitalista neoliberal que prega a acumulação do capital, globalização de mercado, na perspectiva de planejar e construir juntos um plano flexibilização e reestruturação no processo de trabalho, de ação para o enfrentamento das problemáticas o ser social passa a ser coisificado e o capital citadas. personificado. A de se concordar que nada na Portanto, os limites e as possibilidades são sociedade capitalista neoliberal, extremamente muitos na contemporaneidade e é preciso estar atenta exacerbada, pode ser concebida sem que haja às condições que perpassam a PNAS e o SUAS no intencionalidade de acumulação de lucros, sendo Brasil desafiando-nos a ultrapassar condicionantes comprovado ao longo dessa pesquisa. históricos para sua consolidação, a exemplo de: A lógica capitalista estratifica o sujeito social, relações patrimoniais e clientelistas; ausência de por meio da divisão da sociedade em classes sociais, distinção entre o público x privado x estatal; a ponta da exploração, da alienação, do fetichismo da (execução) da pública ocupada por oligarquias; bem mercadoria, frutos de uma sociedade primada na como o sistema de proteção marcado pela meritocracia acumulação do capital, do lucro e da mais-valia. e pelo desconhecimento do direito; subordinação do A Política de Assistência Social, primada na social ou econômico. lógica da não contribuição, para aqueles que estão em situação de vulnerabilidade e risco social ou comunitário, tem como saída recorrer a Política Nacional da Assistência Social para prover proteção social às famílias brasileiras. Essa tem atendido a lógica dos Programas de Transferências de Renda, através dos Benefícios socioassistenciais, encabeçando influências para o consumo de bens e serviços, produzindo forte influência para girar a economia do país. Contudo, é preciso ir mais além do que transcende as aparências, para tanto, é preciso ter uma equipe forte, consistente e articuladora, conhecedora da realidade social em que atua, para melhor administrar a mazelas provenientes da questão social. Bem como, propor parcerias com a comunidade Referências ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006. BEHRING, Elaine Rossettti. Política social no capitalismo tardio. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011. DEMO, Pedro. Charme da Exclusão Social: polêmicas do nosso tempo. 2. ed. São Paulo : Editora Autores Associados, 2002. IAMAMOTO, Maria Villela. Serviço Social e contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 19. ed. 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A Opção neoliberal do primeiro mandato do governo Lula*/ The neoliberal option of Lula’s first term. In: Ser Social. – Brasília, v. 13, n. 28, p.104-128, jan/jun. 2011. POLÍTICA PREVIDENCIÁRIA DO AUXÍLIO-DOENÇA E AS TRANSFORMAÇÕES do mundo do trabalho, pois além do desemprego estrutural, do aumento do mercado informal e da precarização do trabalho refletiram, também, de forma negativa na saúde do trabalhador, trazendo-lhe SOCIETÁRIAS doenças vinculadas ao ambiente de trabalho e ao CONTEMPORÂNEAS DO MUNDO desenvolvimento das atividades profissionais. Contudo, DO TRABALHO apesar de alguns avanços legais conquistados pelos trabalhadores e do grande papel social que a Jocelina Alves de Souza Coelho1 Previdência Social tem nas esferas sócio-econômica e Amanda Silva de Matos2 política do país, o que tem prevalecido é a lógica do Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto3 modelo neoliberal e do seguro privado. Palavras-chave: Previdência Social. Auxílios-Doença. Transformações Contemporâneas. Resumo Neste estudo analisam-se os nexos entre o 1 Introdução atendimento da política previdenciária do Regime Geral da Previdência Social - RGPS/INSS aos trabalhadores Os sistemas previdenciários podem se que requereram auxílios-doença e as transformações diferenciar de uma sociedade para outra, pois societárias contemporâneas, ocorridas na esfera da fatores de ordem política, econômica, social e organização e produção do trabalho. Constatou-se que cultural interferem na história da sua formação e os trabalhadores reagiram, mesmo que de forma desenvolvimento. Mas possuem uma função pontual, as seqüelas trazidas com as transformações comum: servem para substituir a renda do segurado/contribuinte quando da perda de sua capacidade laborativa, oferecendo-lhe um plano de 1 Mestre Serviço Social. Especialista em Política Social e Serviço Social, Assistente Social do INSS e professora de graduação da UNIRB/BA. E-mail: [email protected] 2 Especialista em Direito e Política Previdenciária pela UNIME, graduada em Direito pela UFAL – Universidade Federal de Alagoas, advogada e professora de graduação.Email:[email protected] 3 Mestra em Administração Estratégia e pós-graduada em Psicologia Organizacional pela UNIFACS, em Metodologia do Serviço Social pela UCSAL e em Recursos Humanos no Colégio Anchieta e no Curso de Serviço Social da UNIRB. E-mail: [email protected] benefícios que o protege contra a perda de renda, temporária ou permanente, em decorrência das situações de risco social: morte, invalidez parcial ou total, velhice (idade avançada), doença, acidente, maternidade e reclusão. A Previdência Social brasileiro formou-se benefícios requeridos 10.337.470 (dez milhões ao longo do século XX, num primeiro momento trezentos e trinta e sete mil e quatrocentos e apareceu como contrato de seguro social firmado setenta), ou seja, 60% eram auxílios solicitados por com contribuições de patrões e empregados perda da capacidade laborativa ou habitual, causada urbanos, evoluindo para uma concepção de por doenças comuns, ocupacionais e/ou acidente do proteção social universal com a Constituição trabalho. Tratam-se, portanto, de benefícios que Federal de 1988. reclamam por um estudo minucioso, pois estão Desse modo, passou a se caracterizar como um mecanismo de proteção ao trabalho e ligados diretamente ao direito à saúde, à vida e à dignidade de milhões de trabalhadores. Os auxílios-doença previdenciários e os como direito social, devendo ser garantida a todos aqueles que ingressam no mercado de trabalho, acidentários formal ou informal, quando da perda da sua fundamentais, tanto em relação à natureza da capacidade laborativa e para os atos de sua vida doença que lhes permitem a concessão, quanto à habitual. Mas se concretiza sob a lógica do direito garantia de direitos trabalhistas. Desse modo, o regulado na forma contributiva, valendo-se de primeiro é caracterizado através das doenças carências e controles burocráticos rígidos para o comuns ou conjuntas da população e familiares e acesso aos benefícios, especificamente as não origina nenhuma garantia trabalhista. O demandas que buscam o amparo legal dos segundo é caracterizado através das doenças benefícios previdenciários por incapacidade, entre ocupacionais ou de acidentes do trabalho e gera eles: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença garantias trabalhistas, tais como: estabilidade de um acidentário, previdenciário, ano na empresa, contado a partir do retorno ao benefícios de prestação continuada (concedidos trabalho, e a contribuição de 08 salários depositados para idosos e deficientes com uma renda per capita no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – inferior a ¼ do salário mínimo). FGTS. auxílio-doença apresentam duas diferenças Entre os benefícios da Previdência Social Tais benéficos, pelo grande impacto que destaca-se que os mais requeridos são os auxílios- causam na sociedade em termos sócio-econômico e doença previdenciários e os acidentários. Segundo políticos passam a serem, também, alvos de dados do MPS/Dataprev, entre os anos 2006, 2007 inúmeras medidas governamentais que buscam e maio de 2008, dos 17.232.802 (dezessete milhões burocratizar e limitar a sua concessão, por exemplo: duzentos e trinta e dois mil oitocentos e dois) só na Bahia estão sendo convocados de cerca de 1,6 mil baianos, desde fevereiro de 2008, que estão era promover o aumento da produtividade na em gozo de auxílio-doença há mais de dois anos indústria, por meio de uma melhoria no nível para uma nova perícia. operacional. Nesse processo, a ênfase recai nas O objetivo desse estudo, portanto, foi tarefas, e também, visa eliminar os desperdícios de analisar os nexos entre o atendimento da política tempo e matéria-prima, através da adoção de previdenciária do Regime Geral da Previdência métodos e técnicas da engenharia industrial. Social - RGPS/INSS ao trabalhador que requereram o auxílio-doença, durante o período de janeiro de 2006 a maio de 2008, e as transformações societárias contemporâneas ocorridas na esfera da organização e produção do trabalho, na tentativa de compreender duas questões: por que os auxíliosdoença previdenciários e acidentários têm um grande volume de requerimento e indeferimento? Por que o previdenciário tem predomínio sobre o acidentário? Apesar da revolução ocasionada pelo modelo fordista na esfera produtiva e organizacional do trabalho, a consolidação desse modelo encontrou resistência dos trabalhadores devido aos danos físicos e mentais provenientes desse processo. Ora, se por um lado o fordismo potencializa a produção, por outro degrada o trabalhador à medida que a habilidade dos trabalhadores é substituída e/ou eliminada pelo parcelamento das tarefas, pois a execução do trabalho 2 As transformações Societárias Contemporâneas torna-se fragmentada, gerando inquietações na classe operária. Nesse cenário de mudanças, abre-se espaço para a consolidação de um novo modelo de acumulação, assentado em bases flexíveis, o Sabe-se que as transformações societárias chamado toyotismo. Neste, a produção é flexível e contemporâneas foram iniciadas na década 1970 diversificada e tem a qualidade como fator com a falência do padrão de acumulação primordial, além do predomínio tecnológico. fordista/taylorista. Este em linhas gerais é um Tal processo que surge como uma modelo de gerenciamento que visa à organização alternativa de superação da crise do capital da produção e do trabalho, iniciado quando Ford demarca o que se pode denominar de introduz na esfera produtiva da indústria reestruturação do processo produtivo, em automobilística americana a Teoria Geral da decorrência dos avanços tecnológicos, da Administração, formulada por Taylor, cuja finalidade automação, da robótica e da globalização dos mercados. Contudo, o mesmo traz, também, graves advindos de um estudo crítico dessa realidade conseqüências à classe trabalhadora, entre elas: a brasileira. expansão do desemprego estrutural, o aumento do Nesse estudo, definem-se como trabalho precário, o impacto físico e psicossocial “trabalhadores” tanto aqueles que estão diretamente com a introdução de inúmeras inovações no mundo da produção, isto é, os inseridos no tecnológicas processo de produção material, como também que exigem modificações e qualificações profissionais. As inovações aqueles que, não possuindo os meios de produção, tecnológicas e estão ou não incorporados ao mercado de trabalho, organizacionais passam a alastrar-se na economia ou seja, os que atuam no mercado informal, terceiro brasileira somente a partir dos anos 1990. setor e os desempregados. Estes podem está Doravante passa a ser difundida na indústria e mantendo ou não a qualidade de segurado, ou seja, serviços públicos os programas de cunho flexível, contribuíram por um determinado período que lhes como forma de reduzir custos e aumentar a garante, mesmo sem pagar, o requerimento dos produtividade. Conseqüentemente, a adesão às benéficos previdenciários. inovações tecnológicas organizacionais e gerenciais começa a atingir um número maior de trabalhadores. 2.1 As Transformações Estruturais no âmbito da Produção, do Trabalho e da Sociedade Para a Previdência Social é imposta à O mundo desde a década de 1970 está obrigatoriedade de manter o equilíbrio financeiro e vivendo um processo de profundas transformações atuarial do sistema, à base de provimento de uma estruturais no âmbito da produção, do trabalho e da única fonte de financiamento e do controle dos seus sociedade, que trazem em seu bojo o aumento das benefícios. Isto requer a manutenção de estratégias desigualdades econômicas, políticas e sociais, para a notoriedade da falência do sistema e o principalmente entre os países subdesenvolvidos. projeto da reforma da Previdência ganha espaço no Nesse cenário, segundo Antunes (1998, p.16), meio político, econômico e social do país. A discussão contribui para a análise da política nacional de atenção a saúde do trabalhador no que se refere à democratização do acesso aos direitos previdenciários, a partir de subsídios Novos processos de trabalho emergem onde o cronômetro e a produção em série e de massa padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado. São ‘substituídos’ pela flexibilização da produção, pela ‘especialização flexível’, por novos. No âmbito da produção, ocorreu a trabalho contribuiu também para a modificação do perfil de saúde, adoecimento e sofrimento dos trabalhadores. reorganização dos setores de ponta da indústria 3 (informática, Previdenciário, Auxílio-doença acidentário e química, biotecnologia, telecomunicações e outros) e a modernização de Compreendendo o Auxílio-doença Auxílio-acidente. setores dinâmicos (automobilismo, petroquímico, equipamento e máquina); deu-se ainda o declínio de setores tradicionais (siderurgia e têxtil). A busca pelos benefícios previdenciários se respalda na Lei nº 8.213/91, que assegura aos Em relação ao trabalho, houve a trabalhadores contribuintes do INSS ou introdução de novas tecnologias de base desempregados em manutenção da qualidade de microeletrônica (automação informatizada) e de segurado, auxílios em caso de doenças e acidentes, novos padrões de gestão baseada no toyotismo denominados: auxílio-doença previdenciário, auxílio- (modelo doença acidentário e auxílio-acidente. japonês), o recrudescimento do desemprego estrutural, o aumento do mercado informal e a precarização do trabalho. a) Auxílio-doença previdenciário - é devido ao trabalhador que ficar incapacitado para o seu Relativamente às transformações sociais, trabalho ou para a sua atividade habitual por mais pode-se apontar o processo de individualização das de 15 dias consecutivos. Nos primeiros 15 dias do relações socialmente estabelecidas, a minimização afastamento, cabe à empresa o pagamento do do Estado como gestor majoritário das políticas salário. No caso dos autônomos ou empregados sociais públicas e acentuação da desigualdade domésticos, o benefício é pago diretamente pela social. Percebe-se que a reestruturação produtiva e Previdência desde o primeiro dia do afastamento, social, ao se posicionar a favor dos interesses do no valor de 91% do salário de benefício. Para ter capital, induzir à ruptura dos vínculos sociais entre direito ao auxílio-doença, é necessário cumprir a trabalho, saúde e previdência, criando um nível de carência de, no mínimo, 12 contribuições estranhamento entre essas categorias. previdenciárias. Esse prazo não será exigido em Isso reflete no registro de uma grande caso de acidentes de qualquer natureza. Para procura dos trabalhadores por serviços médicos e concessão de auxílio-doença, é necessária a benefícios previdenciários, pois a adoção de novas comprovação da incapacidade em exame realizado tecnologias e métodos gerenciais nos processos de pela perícia médica da Previdência Social. b) Auxílio-doença acidentário - é o benefício redução da capacidade para o trabalho que impeça, concedido ao segurado incapacitado para o trabalho por si só, o desempenho da atividade que exercia em decorrência de acidente de trabalho ou de na época do acidente, porém não de outra, de nível doença profissional. Considera-se acidente de inferior de complexidade, após a reabilitação trabalho aquele ocorrido no exercício de atividades profissional. profissionais, a serviço da empresa ou no trajeto Na relação trabalho e saúde, registram-se casa-trabalho-casa. Para solicitá-lo, é preciso a acentuação tanto das doenças psíquicas, como as preenchimento do formulário de Comunicação de neuroses, as depressões, a ansiedade, as Acidente de Trabalho (CAT), que deve ser perturbações do comportamento ou da alimentação, encaminhado ao INSS juntamente com o atestado o alcoolismo entre outros, quanto das doenças médico de afastamento do trabalho, para que seja físicas, como as Lesões por Esforços Repetitivos - realizada uma perícia médica. Também neste caso, LER. cabe à empresa o pagamento do salário do Esta realidade levou os trabalhadores a trabalhador nos primeiros 15 dias do afastamento e, exigir indenização acidentária pelos distúrbios posteriormente, à Previdência Social. Enquanto psíquicos ocasionados pelas suas condições de recebe auxílio-doença por acidente de trabalho ou trabalho e reivindicar que as enfermidades físicas ou doença ocupacional, o trabalhador é considerado mentais fossem classificadas como doenças do licenciado e tem estabilidade por 12 meses após o trabalho, se desenvolvidas em função das atividades retorno às atividades. realizadas pelos trabalhadores. Dessa forma, de c) Auxílio-acidente - é concedido, como indenização, ao trabalhador vítima de seqüelas decorrentes de acidente, que impliquem: redução da capacidade para o trabalho que exija maior esforço ou necessidade de adaptação para exercer a mesma atividade, independentemente de reabilitação profissional; redução da capacidade para o trabalho que impeça, por si só, o desempenho da atividade que exercia na época do acidente, porém não de outra, do mesmo nível de complexidade após a reabilitação profissional; e acordo com Verthein e Gomez (2000, p.102) em 1980 foi criada a denominação “doenças relacionadas ao trabalho”. O registro dessas reivindicações dos trabalhadores expressa a perspectiva marxista, pois conforme Pastorini (1997, p.87), nesta as políticas sociais são compreendidas como fruto da luta de classes que se trava entre o trabalhador e a burguesia. Ou seja, inserem-se definitivamente no núcleo das disputas das classes antagônicas por meio da relação orgânica das suas funções econômicas e políticas. Ratificamos que as políticas sociais, entre elas a política previdenciária, capitalistas não são exclusivamente os resultados de um processo de atenção à pobreza ou à desigualdade social, adotadas e formuladas pelo Estado para serem aplicadas à sociedade. Inversamente, apresentamse como resultado complexidades das históricas contradições das e sociedades capitalistas, transformando-se num importante espaço de luta de classes. Trata-se da defesa de condições dignas de existência, face às intensas investidas da classe dominante no corte de recursos públicos para a reprodução da força de trabalho. A Tabela 01 apresenta que em meados da década de 1980 começou a existe uma tendência no aumento da ocorrência de doenças relacionadas ao trabalho, acelerando-se no início de 1990. Fonte: MPS, Dataprev Em 06 de agosto de 1987, o Ministério da Previdência Social, através da Portaria nº. 4.062, Tabela 01 - Acidentes e doenças ocupacionais reconhece as Lesões por Esforços Repetitivos (LER) registradas Brasil, no período de 1985 a 2002. como uma doença relacionada com as condições de trabalho. Inicialmente, a mesma, conforme Sato (1993) foi reconhecida com “doença dos digitadores”, pois os primeiros diagnósticos dessa afecção foram identificados em trabalhadores que exerciam essa atividade profissional. Contudo, dada a magnitude assumida pela LER, a mesma foi “diagnosticada em trabalhadores das mais diversas categorias profissionais que têm em comum o fato de realizarem tarefas que demandem movimentos repetitivos e/ou esforços físicos” (SATO, 1993, p.51). Organização Mundial de Saúde – OMS, na América Em 1997, o termo LER, de acordo com Latina, apenas 1% a 4% das doenças do trabalho Verthein e Minayo (2000, p.102) foi mudado pelo são notificadas. No Brasil, entre os muitos fatores INSS Osteomusculares que corroboram para as subnotificações estão: a Relacionados ao Trabalho - DORT, como uma forma informalidade das relações de trabalho; a falta de de atender as reivindicações da classe médica, dos informações sobre a diferença entre: auxílio-doença trabalhadores e dos pesquisadores do tema que previdenciário e acidentário e doenças comuns e apontava o adoecimento numa dimensão mais ocupacionais; a notificarem apenas dos acidentes ampla, atingindo desse modo as esferas da mais graves, psicossociologia, da epidemiologia e da ergonomia. conseqüências em termos de benefícios e Porém, o termo DORT que parecia atender a essa assistência à saúde; e o medo de perder o expectativa, ao ser reapropriado pelo INSS reverteu emprego. para Distúrbios ou seja, dos que geram à idéia original, enfatizando com o conceito de No final da década de 1990, o Ministério distúrbio a noção de uma doença adquirida por da Previdência Social começou um estudo, por predisposição do sujeito. intermédio da Secretaria de Previdência Social, Esse novo entendimento afastaria do sobre a criação de uma metodologia que servisse ambiente profissional os males que as condições do para os seguintes propósitos: flexibilizar as ambiente físico de trabalho podem provocar nos alíquotas trabalhadores como as doenças profissionais ou do financiamento do benefício de aposentadoria trabalho, além dos acidentes propriamente ditos. especial e daqueles concedidos em razão do grau Isso porque a saúde do trabalhador está de incidência de incapacidade laborativa condicionada a fatores sociais, econômicos, decorrente dos riscos ambientais do trabalho; tecnológicos e organizacionais relacionados ao perfil conferir estímulo ao desenvolvimento econômico de produção e consumo, além de fatores de riscos via redução de custos e fomento ao trabalho de natureza física, química, biológica, mecânica e saudável; ergonômica presentes nos processos de trabalho afastassem trabalhadores, muitas vezes até o particularmente. despedindo, logo após a concessão do benefício; de contribuição evitar que destinadas algumas ao empresas Apesar dos números da Tabela 01 se conferir aos empregadores previdentes em matéria mostrar elevados, os mesmos não refletem a de segurança e saúde do trabalho um incentivo realidade brasileira, pois segundo estimativa da tributário como vantagem competitiva, ganho de imagem mercadologia e retorno econômico devido Para dimensionar a gravidade e o custo à gestão dos riscos ocupacionais dentro da política dos benefícios: auxílios-doença previdenciários de responsabilidade social da empresa. (B31), aposentadoria por invalidez previdenciária Dessa forma, foi editada a Medida (B32), auxílios-doença acidentários (B91) e Provisória nº. 83, de 12 de dezembro de 2002, aposentadoria por invalidez por acidente do posteriormente convertida na Lei nº 10.666, de 08 trabalho (B92), foi criado um componente de maio de 2003, que em seu art. 10, prescreve frequencista do FAP, denominado Nexo Técnico que as empresas que investirem em prevenção de Epidemiológico Previdenciário – NTEP. Este acidentes de trabalho poderá receber até 50% de consiste no vínculo da classificação internacional redução das alíquotas, previstas na Lei nº de doenças (CID), obtida a partir da Perícia 8.212/91, ou em dimensão oposta se onerarem em Médica/INSS, com a atividade desempenhada pelo até 100%. Essas alíquotas se referem: a) 1% (um segurado, reconhecendo-se o benefício como por cento) para as empresas em cuja atividade acidentário mesmo sem a Comunicação de preponderante o risco de acidentes do trabalho Acidente de Trabalho - CAT. seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para De acordo com o contido no anexo à as empresas em cuja atividade preponderante esse Resolução nº 1.269, de 15 de fevereiro de 2006, a risco seja considerado médio; c) 3% (três por sonegação da CAT é um tema complexo e cento) para as empresas em cuja atividade demarcado por questões políticas, econômicas e preponderante esse risco seja considerado grave. sociais, pois o acidente/doença ocupacional é Isso induziu a instituição de um fator, ora considerado socialmente o lado negativo da relação denominado Fator Acidentário Previdenciário – trabalho e saúde. Dessa forma, evita-se que os FAP, conforme estabelecido na Resolução nº seus dados apareçam nas estatísticas oficiais com 1.236/04, do Conselho Nacional da Previdência o seguinte propósito: a) impedir o reconhecimento Social, que determina a redução de até 50% ou a da estabilidade de um ano de duração na empresa, ampliação de até 100% das alíquotas de 1%, 2% a partir do retorno do trabalhador que estava de ou 3%, conforme o grau de risco previdenciário, auxílio-doença acidentário; b) ter a liberdade de pagas por cada uma das empresas ativas no Brasil. poder demitir o trabalhador a qualquer tempo; c) Isso em conformidade com os resultados obtidos a não ter a obrigação de depositar a contribuição partir dos índices de freqüência, gravidade e custo. devida de 8 salários, em conta do FGTS, correspondente ao período de afastamento; d) não reconhecer a presença de agente nocivo causador 1990, e disciplinar a aplicação, o acompanhamento da doença do trabalho ou profissional; d) não e a avaliação do Fator Acidentário de Prevenção - recolher a contribuição específica correspondente FAP e do Nexo Técnico Epidemiológico ao custeio da aposentadoria especial para os Previdenciário - NTEP. Dessa forma, no seu Art. trabalhadores expostos aos agentes nocivos. Tais 13, consta que a empresa informará mensalmente, evidências descredenciaram a CAT como único por meio da Guia de Recolhimento do Fundo de elemento Garantia do Tempo de Serviço e informações à primário epidemiológico para caracterização das doenças crônicas. Previdência Social - GFIP a alíquota O FAP foi amplamente defendido, correspondente ao seu grau de risco, a respectiva principalmente, por vários especialistas brasileiros atividade preponderante e a atividade do em Saúde do Trabalhador, entre eles: professores, estabelecimento. pesquisadores e técnicos. Assim, em 11 de março Isto representou um avanço significativo de 2005, um grupo de estudiosos do tema reunido para a política de incentivo das notificações das em Florianópolis, após debate e análise da sua doenças ocupacionais e acidentes do trabalho. viabilidade pontuaram as seguintes questões: a Porém, tal mudança conforme o anexo à atual realidade dos ambientes e condições de Resolução nº 1.269, está fundamentada trabalho no Brasil não tem contribuído para diminuir principalmente, nos autos custos que a ausência os acidentes, as doenças e as mortes relacionadas de segurança no ambiente do trabalho gera para o ao trabalho; a lógica atual para a caracterização e governo, impactando com isso nos sistema de notificação dos agravos ligados ao trabalho é proteção social e no modo como afetam pontual, individual, injusta e imprópria, e por isso negativamente a produtividade econômica. Sem vem contribuindo para diagnósticos inadequados e levar em consideração a sua contribuição para o sub-registros; o modelo de custeio previdenciário déficit da Previdência Social. vigente é ineficaz para cobrar de forma justa as Nesse sentido, as políticas sociais empresas que geram um maior número de agravos capitalistas não são exclusivamente os resultados à saúde dos trabalhadores. de um processo de atenção à pobreza ou à Com a publicação do Decreto nº 6.042, de desigualdade social, adotadas e formuladas pelo 12 de fevereiro de 2007, o presidente Lula pode Estado para serem aplicadas à sociedade. alterar o Regulamento da Previdência Social, Inversamente, apresentam-se como resultado das aprovado pelo Decreto nº 3.048 , de 6 de maio de contradições e complexidades históricas das sociedades capitalistas, transformando-se num importante espaço de luta de classes. Contraditoriamente, viu-se que os trabalhadores reagiram, mesmo que de forma Analisar a política previdenciária dos pontual, as seqüelas trazidas com as auxílios-doença sob o ponto de vista da transformações do mundo do trabalho, pois além perspectiva da totalidade implica, de acordo com do desemprego estrutural, do aumento do mercado Pastorini (1997), levar em consideração os informal e da precarização do trabalho refletiram, indissociáveis entrelaçamentos existentes entre também, de forma negativa na saúde do economia e política. Dessa forma, só poderemos trabalhador, trazendo-lhe doenças vinculadas ao capturar a complexidade de um fenômeno social se ambiente de trabalho e ao desenvolvimento das apreender os seus vínculos com a economia e a atividades profissionais. política. Contudo, apesar de alguns avanços legais conquistados pelos trabalhadores e do grande papel social que a Previdência Social tem nas esferas sócio-econômica e política do país, o que tem prevalecido é a lógica do modelo neoliberal e 4 Considerações Finais do seguro privado. No qual o trabalhador, O estudo demonstra que a política previdenciária dos rebatimento direto auxílios-doença tem das o transformações contemporâneas, no que se referem às contribuinte, é visto como cidadão consumidor e a perspectiva visualizada para a política previdenciária é a Previdência Social básica nos rumos da não descartada privatização. modificações estruturais do mundo de trabalho. Isto O benefício auxílio-doença previdenciário se porque o novo modelo de ajuste fiscal, somado a destaque em relação ao auxílio-doença acidentário crescente precarização das relações de trabalho e tanto pelo volume dos requerimentos quanto pelo ao desemprego estrutural, além das exigências de número de concessões e indeferimentos, porque redução dos gastos públicos com vistas à produção esse último implica o reconhecimento de direitos, de superávit, constitui um bloco de demandas que tais como: a garantia da estabilidade por um ano e refletem de forma negativa nas reais possibilidades a obrigação do recolhimento do FGTS. Isso em de filiação dos trabalhadores ao sistema tese vai de encontro com a lógica do lucro do previdenciário e, consequentemente, no acesso aos capitalismo e dos empregadores. direitos previdenciários. Conclui-se que as políticas sociais, entre elas a previdenciária dos auxílios-doenças, surgiram como garantia dos interesses do capital, na medida em que se sustenta na desigualdade e na exploração da classe trabalhadora. Contudo, entende-se que a viabilização das mesmas só foi possível através da luta das classes trabalhadoras, por melhores condições de produção e reprodução social. Nesse sentido, é preciso compreender a importância da mobilização, da luta, da resistência diante do projeto hegemônico, movimentos atualmente tão debilitados, fragmentados e imersos em uma cultura de crise que aponta como solução a via da solidariedade social e/ou do voluntarismo, próprios da sociedade civil. Isso implica em ação coletiva e organizada que envolve aspectos econômicos, culturais e relativos ao poder (Estado, governo, instituições, grupos, etc.). Referências ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. – 5. ed. – São Paulo: Cortez, Campinas, Unicamp, 1998. BRASIL. Ministério da Previdência Social (MPS). Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. BRASIL. Ministério da Previdência Social (MPS). Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. BRASIL. Ministério da Previdência Social (MPS). Portaria nº. 4.062, de 06 de agosto de 1987. BRASIL. Ministério da Previdência Social (MPS). Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999. BRASIL. Ministério da Previdência Social (MPS). Medida Provisória nº. 83, de 12 de dezembro de 2002. BRASIL. Ministério da Previdência Social (MPS). Lei nº 10.666, de 08 de maio de 2003. BRASIL. Ministério da Previdência Social (MPS). Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 2007. BRASIL. Ministério da Previdência Social (MPS). Resolução nº 1.269, de 15 de fevereiro de 2006. COELHO, Jocelina Alves Souza. A contribuição Marxista para o Serviço Social Previdenciário que atua no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. Revista SASEAL nº 6. Maceió-AL. V. Único, 6. Ed, 2005. FALEIROS, Vicente de Paula. Previdência social e neoliberalismo. In: Revista Universidade e Sociedade, ano IV, Brasília, fev., 1994. PASTORINI, A. Quem mexe os fios das políticas sociais? Avanços e limites da categoria “concessão–conquista”. In: Revista Serviço Social e Sociedade n. 53. São Paulo: Cortez, 1997. VERTHEIN, Marilene Affonso Romualdo e GOMEZ, Carlos Minayo. O território da doença relacionada ao trabalho: o corpo e a medicina nas LER. In: Revista Saúde Coletiva, Rio de janeiro, p. 101-127, 2000. PROTEÇÃO SOCIAL E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL: Uma trajetória de invisibilidade colaboram para a falta de proteção social a essa população. Palavras-Chave: População em Situação de Rua. Proteção Social. Capitalismo. Invisibilidade. Camila Santana Oliveira1 [email protected] 1 Introdução Sandra Moreira Costa de Carvalho2 [email protected] No modo de produção capitalista, a pauperização relativa ou absoluta cresceu para a maioria esmagadora da população e apenas uma Resumo minoria manipula a produção e o fluxo de riqueza no mundo. Frente a uma questão social maximizada, O sistema de proteção social brasileiro, implantado a partir de 1988, efetiva direitos e dá visibilidade a população em situação de rua? Este artigo é fruto de um estudo teórico a partir do método histórico crítico. Apresenta uma breve contextualização histórica acerca da população em situação de rua e evidencia que esse fenômeno está relacionado às próprias condições estruturais da sociedade capitalista. O presente artigo foi dividido em dois capítulos e a temática trabalhada nesta pesquisa envolveu duas categorias teóricas: Proteção Social e Capitalismo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e a técnica adotada foi a pesquisa bibliográfica. Este trabalho tem como objetivo refletir acerca da população em situação de rua e sua trajetória de invisibilidade no sistema de proteção social brasileiro pós 1988. Demonstra que a relação desse segmento populacional com as políticas sociais é de ínfima cobertura. No Brasil não existem políticas públicas capazes de alcançar plenamente essa população e que possam interferir na redução desse fenômeno. Assim, ressalta-se a ineficácia de políticas que contribuam para a efetivação dos direitos a esse grupo societário, apresentando fatores que quadro em que se deterioram cada vez mais as condições de vida da população, em decorrência das desigualdades sociais resultantes das relações sociais do sistema capitalista, a maioria da população fica submetida ao aumento gradativo da pobreza, com isso, cada vez mais pessoas têm ganhado a rua de grandes capitais. A população em situação de rua constitui um grupo populacional heterogêneo, mas que têm em comum três aspectos: a pobreza extrema, os vínculos familiares fragilizados ou interrompidos e um grande diferencial que é a inexistência de moradia convencional de forma regular, o que faz com que essas pessoas procurem as ruas, os logradouros públicos como espaço de moradia e sobrevivência. Discriminados e desrespeitados em seus 1 Graduada em Serviço Social pela Faculdade Regional da Bahia (UNIRB). 2 Mestranda em Política Social e Cidadania e Professora da UNIRB direitos fundamentais e sociais, a população em situação de rua enfrenta uma degradação de vida cada vez maior, em face da pobreza extrema e da ausência passa por uma adequação das políticas sociais às de proteção social. É um segmento populacional que demandas postas por esse grupo societário. precisa de suporte diferenciado do Poder Público para que possam ter acesso às Políticas Públicas. 2 Desenvolvimento Vivemos em um momento histórico em que os direitos sociais estão sendo cerceados pela ampliação 2.1 A relação: situação de rua e capitalismo e reprodução do capital mundial. Em todos os espaços excludente de dominação capitalista há uma profunda restrição de direitos. E as pessoas em situação de rua estão A população em situação de rua no contexto sujeitas a privação dos direitos básicos de cidadania. mundial caracteriza-se como um fenômeno inserido na Diante do exposto, coloca-se como problema deste lógica do sistema capitalista, sua origem vincula-se ao trabalho: O sistema de proteção social brasileiro, processo de acumulação do capital, ao pauperismo implantado a partir de 1988 efetiva direitos e dá que se generalizou na Europa nos séculos XVI e XVIII, visibilidade a população em situação de rua? Essa com o surgimento das sociedades pré-industriais, no indagação serviu de ponto de partida para a contexto do que Marx (1985) descreveu como construção desta pesquisa. “acumulação primitiva” que, segundo ele, foi o ponto de Organizado em dois capítulos, o estudo busca demonstrar a invisibilidade da população em situação partida para a formação do capitalismo, ou seja, a préhistória do capital e do modo de produção capitalista. de rua no sistema de proteção social brasileiro pós Marx (1985), ao analisar o processo de 1988. Assim, o objetivo principal deste trabalho é acumulação de riqueza que atende pelo nome de estudar a situação dessa população a luz da acumulação primitiva, demonstrou que ocorreu uma implementação de políticas sociais públicas no expropriação do produtor rural e dos camponeses de contexto da proteção social brasileira, considerando sua base fundiária através de métodos violentos, ou que no contexto de 1988 se formatam como universais. seja, um êxodo forçado dos trabalhadores, que ficaram É um tema importante levando-se em conta privados de suas terras e de suas condições de que estatisticamente se tem observado o aumento trabalho. Assim, para o autor: dessa demanda nas ruas do país e verificado uma ausência do Estado em relação à garantia de políticas públicas efetivas para essa população, entendendo que a questão do problema social de estar na rua [...] a expropriação da grande massa da população de seus meios de subsistência e instrumentos de trabalho [...] compreende uma série de métodos violentos, dos quais passamos em revista apenas aqueles que fizeram época como métodos de acumulação primitiva do capital. (MARX, 1985, p. 380). A acumulação primitiva, uma acumulação por desapropriação, foi um processo violento e original de separação dos trabalhadores dos meios de produção com que se deu a acumulação de capital e a concentração de riquezas nas mãos de uns poucos privilegiados, chamados burgueses. população em situação de rua no contexto Europeu. Em suas palavras: Pode-se dizer que essas são as condições histórico-estruturais que deram origem ao fenômeno do pauperismo, no qual se insere, o que se denomina população em situação de rua. Têm como base a expropriação dos produtores rurais e camponeses e a sua transformação em assalariados, no contexto da chamada acumulação primitiva e da indústria nascente. Sabe-se que historicamente, a classe trabalhadora foi formada primeiro por camponeses que, Sabe-se, porém, que a situação de expulsos de suas terras, acabaram por ser utilizados pauperismo não se relaciona diretamente na “situação como mão-de-obra nas indústrias, então em processo de rua”, mas certamente a influencia fortemente. de formação. Porém, muitos deles não foram A população em situação de rua, dentro do absorvidos pela indústria nascente. Os camponeses modo de produção capitalista, faz parte do chamado seriam expulsos de suas terras e os artesãos aos lumpen proletariado, a camada que vive em piores poucos passariam a trabalhar para os comerciantes, condições, num mundo dos desvalidos, (parte da até perderem os seus meios de produção. Marx (1985) classe trabalhadora que se encontra no pauperismo, é afirma que a partir do século XVI, os camponeses e apta ao trabalho, mas não é absorvida pelo mercado). artesãos foram pouco a pouco substituídos, Tais indivíduos vivem a margem da sociedade, essa respectivamente, pelo trabalhador livre assalariado e camada, abaixo do proletariado, Marx (1985) a pela indústria. Estudos mais recentes, como os de descreve como: “a escória social, aquela massa Silva (2009), desenvolvem que a era capitalista passivamente putrescente, expulsa pelas camadas propriamente dita surge no século XVI e a mais baixas da sociedade antiga”. expropriação dos camponeses e produtor rural que Silva (2009, p. 101) aborda que as condições ficaram privados de suas terras constitui a base da histórico-estruturais que deram origem e que história da acumulação primitiva que deu origem à reproduzem o fenômeno população em situação de rua produção capitalista. nas sociedades capitalistas são exatamente as Silva (2009, p. 96) considera que esse mesmas que deram origem ao capital e que garantem processo histórico foi o propulsor do aumento da sua acumulação. A autora refere-se ao processo de expropriação dos camponeses de suas terras e a sua Tais efeitos produziram um expressivo exército transformação em assalariados no contexto do que se industrial de reserva que fez aumentar as denominou como acumulação primitiva. desigualdades sociais e os níveis de pobreza da classe Com o advento de um modo de produção trabalhadora. Nesse contexto, torna-se cada vez maior capitalista há o processo de exclusão social e pobreza. a presença de pessoas em situação de rua nas Marx (1985, p. 325) afirma que as desigualdades grandes metrópoles. sociais são consequência de uma enorme quantidade O capitalismo monopolista tem causado graves de riquezas que se concentra nas mãos de poucos consequências. Verifica-se a existência de um indivíduos. O capitalismo acirrou e aumentou a miséria, contingente significativo de força de trabalho, que se através de sua apropriação privada de lucros. A caracteriza por uma inserção irregular no mercado. Os contradição social está intimamente ligada a essa efeitos disto atingiram diretamente a vida de milhões ordem societária dominante, relacionado ao de trabalhadores, do mercado formal e também do crescimento da miséria, que não é proporcional ao mercado informal como, por exemplo, o aumento de crescimento da riqueza, e reflete na existência da atividades de reciclagem para as pessoas em situação população em situação de rua, pois esta é uma de rua, conforme Silva (2009) ressalta no seu estudo, expressão das desigualdades sociais e resultantes das além de arrocho nos setores sociais, redução dos relações sociais do modo capitalista de produção. postos de trabalho, aviltamento dos salários, A fase monopolista do capital, onde este desemprego em massa e a acentuação da fome e detém o controle sobre todas as atividades econômicas miséria. Estes são desdobramentos mais visíveis e detém um valor excedente cada vez maior, produzido desse processo. Esse desenvolvimento recente pelo trabalho em todo o mundo, convertendo esse ampliou as contradições imanentes entre a valor em renda monopolista, constitui a base do socialização da produção e a apropriação privada, crescimento desproporcionado da desigualdade. Este entre o desenvolvimento das forças produtivas e das momento do capital repercute como piora das relações sociais de produção. Assim, Netto enfatiza: condições de vida das classes trabalhadoras. As transformações societárias postas por esse novo estágio de desenvolvimento do capital, provocou mudanças no mundo do trabalho, agravando o desemprego, a precarização das condições de trabalho e o processo de empobrecimento dos trabalhadores. O capitalismo monopolista conduz ao ápice a contradição elementar entre a socialização da produção e a apropriação privada: internacionalizada a produção, grupos de monopólios controlamna por cima de povos e Estados. E no âmbito emoldurado pelo monopólio, a dialética forças produtivas/relações de produção é tensionada adicionalmente pelos condicionantes específicos que a organização monopólica impõe. (NETTO, 2007, p. 24) contradição Capital/Trabalho, causada no sistema O atual período da etapa imperialista do Segundo Silva (2009), no modo de produção capitalismo, seu atual padrão de acumulação e capitalista existe a relação de exploração da burguesia dominação é conhecido como sistema de capitalismo sobre os trabalhadores e a apropriação privada dos globalizado, à meios de produção, o que resulta em uma pobreza monopolização, assim como ao desenvolvimento extrema e no reduzido acesso à riqueza produzida desigual. O capitalismo monopolista agrava a questão socialmente. A autora aponta que essa é uma das social, traz consigo uma dramática concentração das condições que caracterizam a população em situação desigualdades econômicas e sociais, e seu impacto é de rua. Esse segmento populacional expressa uma mais visível para quem menos se beneficiam dele. situação de pobreza extrema e é expressão das com tendências econômicas capitalista de produção, onde há a apropriação privada de uma riqueza produzida socialmente. consequências objetivas do modelo de 2.2 A situação de rua enquanto expressão da desenvolvimento injusto que reduz dramaticamente o questão social campo de possibilidades nas quais podem usufruir das riquezas produzidas. A partir do século XIX, com o processo O sistema capitalista de produção criou um industrial, ocorreram grandes transformações sociais, conjunto de trabalhadores desatendidos em seus econômicas e políticas na Europa, com isso, a questão direitos sociais e mínimos e provocou uma enorme social ficou estabelecida. Na medida em que a desigualdade social, agravando a questão social. A industrialização se consolidava, a concentração de conjuntura atual acentua o estado de precariedade de renda nas mãos de poucos tornava-se maior, vida dos trabalhadores, que ficam sujeitos à falta de ampliando as desigualdades sociais e as contradições emprego e às condições precárias do mercado informal nas relações de trabalho. Alargasse, portanto, a de trabalho. Diante do desemprego crescente e distância entre ricos e pobres radicalizando a chamada aprofundamento das desigualdades sociais, do questão social que se retrata no cotidiano de crescimento de uma superpopulação relativa, contingentes majoritários das classes subalternas. excedente a capacidade média do capital, surge cada A questão social é construída pela profunda vez mais pessoas em situação de profunda espoliação desigualdade inerente ao desenvolvimento capitalista, da vida e das condições humanas de sobrevivência. A surge da generalização do trabalho livre, dentro da situação de rua tornou-se mais complexa ante o agravamento da Questão Social. de Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo e Recife. As pesquisas consideraram oito variáveis no perfil da 2.3 Características históricas da situação de rua no população em situação de rua: sexo, idade, Brasil: um pouco de quem é, por que existe e como escolaridade, tempo na rua, origem ou procedência vive dessas pessoas, relação com a família, relação com o trabalho antes da situação de rua e relação com o A Política Nacional para Inclusão Social da trabalho na situação de rua. População em Situação de Rua, instituída em 2009 Faz-se importante aqui demonstrar alguns pelo decreto presidencial 7.053, como forma de contrastes em relação às pesquisas mencionadas e os orientar a construção e execução de políticas públicas dados nacionais. Em relação ao sexo as pesquisas voltadas para esse grupo societário, aponta que apontaram que 78% são do sexo masculino, essa durante o ano de 2007 o Ministério do condição foi confirmada na pesquisa do MDS que Desenvolvimento Social e Combate à Fome promoveu apontou 82% do sexo masculino. Em relação a idade, uma pesquisa nacional censitária em 71 municípios essa população encontra-se em idade ativa, a faixa com o objetivo de conhecer melhor o perfil da etária predominante dos entrevistados varia de 25 a 55 população em situação de rua. Essa pesquisa localizou anos, na pesquisa do MDS essa confirmação também 31.922 pessoas em situação de rua. Se considerado os ocorreu. No que diz respeito a escolaridade, a números das pesquisas semelhantes realizadas pelas capacidade de ler ou não, os números refletem que capitais Belo Horizonte-MG, São Paulo-SP, Recife-PE 70% sabem ler e escrever. Com relação a procedência e Porto Alegre-RS, estima-se que esse número dessas pessoas, observou-se que nos primeiros anos chegará perto de 45.000, então a referência que se havia uma grande quantidade de pessoas que estavam tem aproximada pois não dá para fazer uma projeção vindo de outros municípios ou de outros estados, estatística devido as pesquisas terem sido realizadas entretanto, ficou evidenciado nas pesquisas realizadas em épocas diferentes, estima-se um número em torno depois do ano 2000 um grande aumento do número de de 50 mil pessoas vivendo em situação de rua, pessoas provenientes da própria cidade ou de cidades considerando nos grandes municípios brasileiros com vizinhas, essa indicação também foi confirmada na mais de 300 mil habitantes. pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Os estudos de Silva (2009) mostraram a Social e Combate à Fome em 71 municípios. existência de pesquisas realizadas por governos No que se refere ao tempo de permanência na municipais, no período entre 1995 e 2005, nas cidades rua, as pesquisas realizadas no período entre 1995- 2000 mostraram que pessoas com até 1 ano vivendo experiência de trabalho anterior e que ainda na nas ruas foi a grande predominância. As pesquisas condição de rua realizam alguma atividade. realizadas posteriormente, sobretudo no período 2003- Considerados um problema social, apenas 2005 apontaram que em relação ao tempo de mais um elemento no cenário urbano, a população em permanência, cresceu o número de pessoas para até situação de rua sobrevive na e da rua. É uma cinco anos vivendo nas ruas. No que diz respeito a população muito específica, heterogênea, que tem uma relação com a família, as pesquisas demonstraram que característica de mobilidade. A população em situação apenas 10% dos entrevistados, em São Paulo, Belo de rua vive em condições subumanas, tem uma ínfima Horizonte, Recife ou Porto Alegre, estavam cobertura das políticas públicas, sofre constantes acompanhados de alguma pessoa da família definida perseguições e violações de direitos humanos e sociais pelos laços de consanguinidade, na pesquisa realizada e está sem proteção do Estado. pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate As pessoas que moram nas ruas, são cidadãos à Fome isso também foi confirmado baixando o invisíveis à rotina da população. A sociedade naturaliza percentual para 7%. essa população, isso acaba agravando a formação do No aspecto da relação dessas pessoas com o preconceito e radicaliza ainda mais o processo na trabalho antes da situação de rua as pesquisas relação com o diferente, porque o diferente denota em mostraram que 72% afirmaram ter exercido algum tipo nós algo que incomoda. de trabalho antes da situação de rua. No último item, O Ministério do Desenvolvimento Social e que se refere a relação dessa população na condição Combate à Fome (2009, p.08) define a população em de rua com o trabalho as pesquisas apontaram que situação de rua como “grupo populacional heterogêneo 43% sobreviviam da catação de materiais reciclados. que está em uma condição de pobreza extrema, os Em relação a essa situação, a pesquisa do MDS vínculos familiares são interrompidos ou fragilizados e mostrou que 70% realizam algum trabalho na condição não possuem moradia convencional regular.” Ainda de rua. segundo o MDS, essa população é composta por As pesquisas demonstram, portanto, que a pessoas que buscam habitar logradouros públicos e, população em situação de rua é fundamentalmente do ocasionalmente, utilizam abrigos e albergues para sexo masculino, com idade produtiva, que sabem ler e passar a noite. escrever, são da própria cidade ou de uma cidade de Tomando como referência a Política Nacional origem, possuem família, porém mantém pouca para Inclusão Social da População em Situação de relação com ela, são pessoas que mantiveram uma Rua (2009), as pessoas que estão nas ruas possuem uma variedade de características: são desempregados, ausência de moradia, fobia social, problemas de saúde imigrantes, egressos do sistema penitenciário e tanto física como mental, vulnerabilidade sóciofamiliar, psiquiátrico, entre outros, que constituem uma perda dos vínculos sociais e afetivos, violência, quantidade considerável da população. Segundo Flora pessoas que estiveram em prisões, foram libertos, mas (1987), essa população, invisíveis a rotina da não têm para onde ir, entre outros. Os conflitos sociedade, vive em situação de vulnerabilidade social e familiares também influenciam na determinação da extrema pobreza. São homens, mulheres, crianças, situação de rua, nesses casos a rua foi a alternativa jovens, idosos privados de direitos básicos, que diante para essas pessoas cujo ambiente familiar tornou da inexistência de moradia convencional regular, inevitável a convivência. Os caminhos que os levam procuram viadutos, parques, calçadas, praças, para as ruas são muitos e normalmente mais de um rodovias, túneis, jardins, canteiros, marquises, galpões, motivo de uma vez, ou seja, as causas que giram em prédios abandonados e lixões para utilizarem como torno da ida a rua podem ser concomitantes. Existe abrigo. uma série de questões que fazem com que essa Segundo Silva (2009, p. 105), são diversos os população procure na rua um ambiente acolhedor. fatores que conduzem essa população a situação de Muitas pessoas que vivem nessa situação sentem-se rua. A autora observa que: acolhidas nas ruas, que é um lugar onde vão estar mais vulneráveis, isso é um paradoxo, essa pessoa vai [...] Fala-se em fatores estruturais (ausência de moradia, inexistência de trabalho e renda, mudanças econômicas e institucionais de forte impacto social etc.), fatores biográficos, ligados à história de vida de cada indivíduo (rupturas dos vínculos familiares, doenças mentais, consumo frequente de álcool e outras drogas, infortúnios pessoais - morte de todos os componentes da família, roubos de todos os bens, fuga do país de origem etc.) e, ainda, em fatos da natureza ou desastres de massas (terremotos, inundações etc.). encontrar acolhimento num lugar em que se torna invisível tanto para as políticas públicas quanto para as pessoas que colocam um estigma sobre elas. As mudanças operadas no mundo do trabalho também contribuem significativamente para o agravamento da situação dos que moram nas ruas. A precarização crescente do trabalho e o aprofundamento do desemprego, foram determinantes, tiveram um peso significativo na reprodução desse fenômeno no nosso país. No contexto contemporâneo, A literatura corrente sobre o tema, a exemplo o fator econômico, expresso principalmente pela de Silva (2009), traz que entre as maiores causas que ausência de trabalho e renda, é preponderante para levam as pessoas a morarem nas ruas estão: desemprego, consumo frequente de álcool, drogas, que uma série de pessoas, diante da inviabilidade do O estabelecimento dessa nova concepção, seguridade social, rompeu com o modelo de seguro que até então modelara o sistema de proteção social de forma segmentária e discrimi-natória, visando reordená-lo sob o conceito de cidadania uni-versal. (SPOSATI, 2012, p.129) emprego, passe a morar nas ruas. 2.4 A proteção social brasileira pós 1988 e a invisibilidade da população em situação de rua no desenho das políticas sociais Abordar a Seguridade Social no contexto da Segundo a Constituição de 1988, que traz em Constituição Federal de 1988 significa um conjunto de seu núcleo essencial a Seguridade Social, o Estado proteção que envolve três direitos fundamentais: o deve trabalhar em prol da concretização e garantia de direito à saúde, à previdência e a assistência social. A direitos sociais. Porém, a tentativa de implantação do esse conjunto de direitos a Constituição chamou de Welfare State no Brasil é tardia, ocorre em pleno Seguridade Social, cujo objetivo é proteger todos em neoliberalismo onde há uma maior ênfase na política todas as situações de necessidade. econômica e vê a política social como um problema A década de 1980 foi marcada por conquistas para seus fins lucrativos. Como afirma Pereira: democráticas e houve um grande acolhimento das políticas sociais com a Constituição Federal de 1988, Brasil, possibilitando o desenvolvimento das condições O Welfare State vem sendo contraditado pela avassaladora tendência capitalista global de romper com a proteção social gerida pelo Estado, de privatizar o patrimônio coletivo, de atender as necessidades do capital em detrimento da satisfação de necessidades sociais e de desmontar direitos sociais conquistados pelos movimentos democráticos. (PEREIRA, 2011, p. 57) necessárias ao seguro social coletivo, assegurando a A partir de 1990 até hoje, a atuação do Estado ampliação dos direitos da população através da tem sido de contrarreforma, ou seja, o Estado vem proteção social não contributiva, além do acesso aos restringindo os direitos conquistados na Constituição serviços de políticas sociais a todos os cidadãos, uma de 1988, reduzindo custos com as políticas sociais com vez que a assistência social possui caráter universal. objetivo de adaptação a lógica do capital. De acordo que trouxe em seu núcleo a Seguridade Social. Tal Constituição foi criada tendo como objetivo que o Estado passasse a assumir um compromisso com os direitos sociais na garantia de um patamar mínimo de dignidade ao cidadão brasileiro. Com a Constituição de 1988 iniciou-se um novo sistema de proteção social no Assim, para Sposati: com Silva: Não existe no Brasil um sistema coeso e consistente de seguridade social implementado. O processo de desconstrução da noção de seguridade social expressa na Constituição Federal de 1988 tem sido intenso e permanente. São exemplos dessa desconstrução as frequentes ameaças de abandono dos princípios gerais da seguridade social. (SILVA, 2009, p. 245) fragilizada. O Estado reduz o gasto com as políticas sociais públicas para aumentar o repasse de recurso público para o setor privado. A efetivação das políticas está cada vez mais complicada por conta da redução de recursos e do “Estado Mínimo” que vivenciamos hoje. Estamos diante de um momento em que há uma proposta política neoliberal que se pauta pela Verdadeiramente o Brasil não viveu o Estado de Bem-Estar, vivenciado pelos países europeus e americanos. A reforma política de 1988 não se transformou em reforma fiscal. Receitas macroeconômicas neoliberais implicaram sempre restrição de direitos democráticos. O processo de reforma do Estado tende a suprimir direitos, afetando a legitimidade democrática da própria Constituição. Enfim, o Estado sob ideologia neoliberal dá maior ênfase no capital e vem rompendo com os direitos das políticas sociais conquistados na Constituição Federal, buscando cada vez mais distanciar-se e repassar suas responsabilidades para a sociedade civil. O modelo de Estado conhecido como “Estado Mínimo” buscava não interferir na sociedade, deixandoa se autogerir. A concepção neoliberal defende o “Estado Mínimo” extremamente forte, no sentido de ser mínimo nas suas dimensões democráticas e máximo nas suas dimensões de favorecimento ao capital. Ou seja, o Estado é mínimo para os trabalhadores e máximo para o grande capital. Com o Estado minimizado, consequentemente, a proteção social fica supressão e restrição de direitos sociais, pela eliminação desses direitos estabelecidos na Constituição. O Estado “neoliberalizante” tem um papel com um viés muito mais econômico e menos focado na dignidade da pessoa humana, muitas vezes privilegiando a questão econômica em detrimento da proteção social. A Constituição de 1988 se constitui em um marco histórico para a assistência social. A partir dela, a assistência não passa somente a ser de caráter público, mas também se constitui como um direito do cidadão, com um caráter não contributivo, trazendo ainda a questão da descentralização e participação. Posterior a Constituição de 1988, será criada em 1993 a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), pois somente o artigo 203 e 204 que trata da assistência social como política pública não foi suficiente para que essa política pudesse acontecer na prática. Com a Lei Orgânica da Assistência Social ocorre a regulamentação da política de assistência, onde serão definidos não só os princípios e diretrizes, mas o início da operacionalização dessa política. O direito da assistência social foi introduzido muita dificuldade. Ainda são poucas as ações de na Constituição de 1988, explicitado pela Lei Orgânica proteção social do Estado para essa população. As da Assistência Social e institucionalmente consolidado iniciativas existentes limitam-se à área de assistência pela Política Nacional de Assistência Social e pela social. regulação do SUAS. A Constituição brasileira de 1988 foi orientada Cabe destacar que: A regulamentação da Assistência Social como Política Pública constituinte da Seguridade Social, bem como o seu redesenho mediante a criação do SUAS sinaliza, sem dúvida, um avanço de relevância histórica na trajetória de uma Política que tem sua gênese estruturada sobre as bases da matriz caritativa e filantrópica, destituída de visibilidade na sua natureza política e institucional. (COUTO, 2012, p.130). a partir da perspectiva de universalidade das políticas sociais o que supõe a dimensão da cidadania e o acesso aos direitos sociais básicos. Porém, a incorporação do direito para a população em situação de rua como direito social é um processo muito recente. A população em situação de rua padece de um processo histórico de invisibilidade e negação da sua cidadania. Um possível mapeamento para eventual desenho de política pública direcionada a essa população só foi possível no ano de 2007, A inclusão da população em situação de rua anteriormente, para os órgãos oficiais de contagem no sistema de proteção social brasileiro aconteceu populacional, tratava-se de população sem visibilidade. mediante a assinatura, em 2009, do Decreto A partir do ano de 1988 até 2005 existia uma Presidencial 7.053, pelo presidente Lula, que institui a invisibilidade da população em situação de rua na Política Nacional para a Inclusão Social da População proteção social brasileira, esse grupo populacional era em Situação de Rua, criando um grupo interministerial excluído da proteção social, para o qual nenhum para que fossem pensadas em conjunto quais seriam sistema de proteção foi pensado. Até 2004, no âmbito as saídas, no campo das políticas públicas que do governo federal, inexistia qualquer iniciativa de fizessem a inclusão social da população em situação políticas dirigidas a esse grupo populacional. Tal de rua. população só será visível na Seguridade Social dita Apesar da implantação da Política Nacional universal a partir de 2005 e apenas será inserida na voltada para essa população, conforme apresentado política de assistência social. Porém, somente no ano acima, a proteção social para esse grupo populacional de 2010 é criada a Política Nacional para a Inclusão tem sido pensada ainda de forma muito recente e com Social da População em Situação de Rua, principal ganho para esse grupo populacional ao longo de federal, que alcancem esse segmento populacional. E muitos anos, em termos de proteção social a essa os limites de cobertura estabelecidos pela seletividade população no Brasil. Apesar da implantação desta das políticas sociais conforme mencionado acima se política, não se visualizam políticas públicas constituem no principal fator do não alcance à consistentes e de atendimento eficazes que contribuam população em situação de rua. O legado histórico de para a efetivação dos direitos dessa população. práticas assistencialistas e segregacionistas da política A população em situação de rua é um de assistência social e o preconceito e estigma social segmento populacional que não alcançou a contagem que alcançam a população em situação de rua, o dos censos oficiais nacionais, embora exista próprio limite das políticas públicas como um todo, que efetivamente. Por não habitarem um domicílio fixo, a vem atuando de forma cada vez mais reduzida, com inclusão da população em situação de rua nos serviços pouco financiamento, as metodologias que são usadas, de assistência social torna-se um desafio. Silva critério de acesso adotado que limita os direitos, são expressa isso claramente: outros fatores importantes que contribuem para essa As chamadas “exigências formais” para poder falta de proteção social. participar dos programas que dão corpo às políticas A consolidação da Política Nacional para a sociais geralmente constituem limites de acesso a eles população em situação de rua torna-se um desafio, pelas pessoas em situação de rua. Uma das visto que este grupo social não se encaixa ao perfil dos “exigências formais” é a apresentação de documentos assistidos pela maioria das políticas públicas. Não há de identificação pessoal. No entanto, são poucas as políticas sociais universalizantes com perspectiva de pessoas em situação de rua que os tem. Outra ampliar a cidadania e garantir cobertura à este “exigência formal” é o endereço domiciliar. (SILVA, segmento populacional. 2009, p. 176) Essas exigências formais das políticas sociais torna visível a seletividade que caracteriza tais 3 Considerações finais políticas. Dessa forma, a população em situação de rua A população em situação de rua é um tem sido excluída do acesso aos serviços oferecidos fenômeno complexo e expõe as contradições básicas pelas políticas sociais. Consoante ao entendimento de do modo capitalista de produção. Em comum, esse Silva (2009), a cobertura das políticas públicas para segmento populacional carrega o estigma do desprezo esse grupo populacional é ínfima, quase inexistente. e da marginalização. Essa população é parte da Não existem políticas sociais no país, em âmbito sociedade que clama por reconhecimento e visibilidade. população profundamente invisível, sendo Com o avanço do neoliberalismo no Brasil, as indispensáveis políticas sociais específicas e eficientes políticas sociais tornaram-se seletivas e residuais, para esse segmento populacional, que não sejam apresentando limites de cobertura. Nesse contexto, a políticas segregadoras. O Poder Público deve realizar relação da população em situação de rua com as as políticas públicas faltantes para implementação de políticas sociais é de ínfima cobertura. Essa parcela da direitos sociais. população está fora de censos, estatísticas, e, Sendo assim, é necessário ter um olhar principalmente, é inelegível para os programas sociais específico para essa parcela da população que não só existentes no país. é a mais vulnerável e carente como, ao contrário do O presente estudo possibilitou verificar que as que deveria acontecer, é a mais excluída do conjunto exigências formais das políticas sociais, os limites de das ações do setor público. É necessário elaborar cobertura estabelecidos pela seletividade dessas propostas para a criação de projetos de lei que políticas são fatores que contribuem para a falta de melhorem a condição de vida dessas pessoas. Faltam proteção social a população em situação de rua. O a essa população políticas públicas eficazes que de preconceito como uma marca de dignidade e valor fato confiram dignidade e o respeito que é de direito. atribuído pela sociedade é mais um dos fatores que Existe a necessidade de obter serviços públicos que pesam para o não acesso dessa população às políticas ajudem essas pessoas a fazer a travessia da rua para públicas. Existe uma tendência da sociedade e do a cidadania, para o resgate de uma cidadania. Estado à naturalização do fenômeno e isso justifica a insuficiência ou a ausência de políticas públicas, bem como a pouca produção de estudos e pesquisas sobre Referências essa temática. Conforme os resultados deste trabalho ficou evidente que há uma ausência do Estado em relação à garantia de políticas públicas efetivas para a população em situação de rua. Diante do que foi exposto, de um quadro tão negativo de proteção social à população em situação de rua, torna-se de grande importância ressaltar a necessidade de trazer para a agenda pública essa BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional para Inclusão Social da População em situação de rua. Brasília: MDS, mai.2009. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS. Secretaria Nacional de Assistência Social. SUAS e População em Situação de Rua. Brasília, 2011. COUTO, Berenice; et al. O sistema único de assistência social no Brasil: uma realidade em movimento. 3.ed. São Paulo : Cortez, 2012. DI FLORA, Marilene Cabello. Mendigos: por que surgem, por onde circulam, como são tratados. Petrópolis: Vozes, 1987. ESCOREL, Sarah. Vidas ao Léu – Trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. MARX, Karl. O Capital. Livro I, vol. 2. 10.ed. 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Está dividido em três capítulos: o primeiro discorre sobre a pobreza extrema e a categoria trabalho no contexto de desproteção social, apresenta um olhar sobre as pesquisas realizadas com estes sujeitos no período de 1990 à 2005 e os caracteriza como parte do exército industrial de reserva . No segundo capítulo apresenta o lócus da pesquisa: o processo de precarização do trabalho das pessoas em situação de rua ,mecanismos e formas no contexto brasileiro. O terceiro capítulo traz um contexto mais contemporâneo e discorre sobre os censos realizados no Brasil e em Salvador e as características atuais destes sujeitos, no que se relaciona ao trabalho. O objeto do artigo é a relação trabalho precarizado e situação de rua em seus determinantes históricos, sociais econômicos e políticos . É fruto de um estudo teórico, a partir de revisão bibliográfica. Utilizou-se também dados de pesquisa quantitativa realizada em 2007 no Brasil e em 2009 em Salvador . Palavras Chaves: Trabalho. Precarização. Situação de rua. The article presents a discussion of job insecurity of adults on the streets in Brazil and Salvador, and the lack of effective protective rebate policies on poverty and loss of rights. It is divided into three chapters : the first discusses the extreme poverty and class work in the context of social protection - des , presents a look at the research conducted with these subjects from 1990 to 2005 and characterized as part of the industrial army reservation. The second chapter presents the research locus: the process of job insecurity of the people on the streets , mechanisms and forms in the Brazilian context . The third chapter brings a more contemporary context and discusses the census conducted in Brazil and the characteristics of these subjects . The object is the relationship precarious work and the homeless and the economic and political determinants that underlie the issue . The article is the result of a theoretical study , based on literature review . We also used data from quantitative research conducted in 2007 in Brazil and 2009 in Salvador . Key Words : Work . Precariousness . Homeless 1 Introdução Nos últimos anos o crescimento da população em situação de rua tem despertado a necessidade de medir as suas proporções, os censos no Brasil têm como referência básica o domicilio, desconsiderando portanto as pessoas que não possuem residência. Vários estudos e pesquisas na década de 90 sobre esses sujeitos possibilitaram avançar sobre a realidade e o que a rua realmente 1 Assistente Social da Secretaria Municipal de Saúde, Professora do curso de Serviço Social da UNIRB, Mestranda em Política Social e Cidadania. E-mail: [email protected] representava na atualidade. Quanto as estratégias de subsistência entendida em seus determinantes históricos, sociais utilizadas por estas pessoas, os estudos revelam que e econômicos, considerando a má distribuição da é nos grandes centros urbanos que estes sujeitos riqueza social, advinda da produção e reprodução do procuram permanecer, buscando lugares que sistema capitalista. favoreçam sua sobrevivência, sendo os lugares mais utilizados para isso : abrigos, albergues, ruas, praças, avenidas, viadutos, canteiros, jardins, etc. Esses lugares têm que atender às necessidades de higiene, limpeza e alimentação, como abrigo ou acomodação, esse modo de viver só é possível nos grandes centros e ajudam a explicar porque esse fenômeno é essencialmente urbano e por que as Este artigo busca apresentar a condição de extrema pobreza destes sujeitos e como a categoria trabalho se expressa na estrutura da sociedade capitalista. 2 O trabalho no Contexto de des-proteção Social Brasileiro: um olhar sobre as pessoas em situação de rua no período de 1990 à 2005 cidades de pequeno porte não oferecem estrutura e alternativas de abrigo e sustento das grandes cidades. A caracterização deste fenômeno assume diferenças em relação à caracterização geral das pessoas que o vivenciam, quanto as suas principais características, alguns autores descrevem as pessoas em situação de rua como pessoas de origem, interesses, vinculações sociais e perfis socioeconômicos diversificados, e por isso um grupo populacional heterogêneo. Embora as pessoas em situação de rua possuam motivos e/ou características diversas para usarem o espaço público como meio de sobrevivência, existem condições e características que possibilitam identificá-los como um grupo populacional distintos dos demais, e como principal motivo a pobreza extrema, que somente pode ser Antes de desenvolver sobre o trabalho precarizado, vale destacar o conceito de pessoas em situação de rua adotado neste artigo: Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo, que tem em comum a pobreza absoluta, os vínculos familiares fragilizados ou interrompidos, a inexistência de moradia convencional regular para uso privado e faz da rua espaço de moradia e sustento por contingência temporária ou de forma permanente, podendo utilizar albergues para pernoitar e abrigos, repúblicas, casas de acolhida temporária ou moradias provisórias, no processo de construção de saída das ruas. (MDS, 2008) . O conceito apresentado acima, destaca três característica fundamentais da situação de rua na atualidade: os vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a pobreza extrema e a existência na A proteção social no Brasil, encontra-se rua. Precisa-se , no entanto, entender como este aquém das condições necessárias para efetivação fenômeno se reproduz no contexto brasileiro e qual dos princípios norteadores preconizados na sua vinculação com o contexto político e econômico. Constituição Federal de 1988 e já implantado nos As mudanças políticas sociais e econômicas ocorridas no Brasil a partir de 1990 apresentaram como principal efeito o aumento do desemprego, precarização do trabalho, devido a terceirização e queda de renda dos trabalhadores. A pobreza e a desigualdade social fazendo parte mais marcante do cenário brasileiro, derivadas especialmente da falta de proteção social. No contexto brasileiro, percebese que a seguridade social se deu pelo viés focalizado, priorizando a proteção social nas políticas de previdência e assistência social, criando um contexto de des-proteção social e não de universalização de direitos. Os critérios para inaptidão ao trabalho prevaleceram nas políticas supracitadas, mesmo com a inclusão do Estado Social, quando analisa-se os benefícios destas políticas , percebe-se que o países europeus e americanos. O Estado brasileiro está voltado para redução de gastos sociais, privatizações e focalização exigidas pelo ideário neoliberal na condução da política de seguridade social, criando assim um sistema voltado para uma “ universalização excludente”. O capital se organiza e reorganiza para manter esta exclusão no fenômeno da reestruturação produtiva2, por exemplo, que constituiu um elemento importante para a reorganização política e econômica, pois ele reformulou as forças produtivas na reprodução do capital. Segundo Silva (2009), essas características políticas, econômicas e sociais acompanham essa fase, pois estiveram presentes no Brasil desde 1980 , contexto que ficou mais nítido em 1995, devido as medidas neoliberais de Fernando Henrique Cardoso e que interessa para discussão que iremos iniciar: aumento do índice de desemprego , as relações Aprofundamento do desemprego, e do trabalho precarizado; queda da renda média real; elevação da produtividade das empresas pelo uso intensivo da capacidade intelectual dos trabalhadores em favor do informais de trabalho, baixas contribuições , salários defasados e baixos, não permitem a efetivação de uma proteção social efetiva no contexto brasileiro, seu desenho, constituiu-se centrado na focalização, privatização, o que gera uma massa de trabalhadores que não se beneficiam da seguridade social prometida em 1988. 2 Silva (2009) chama de reestruturação produtiva a financerização do capital e a nova condução no papel do Estado. Caminhos adotados para favorecer a acumulação do capital e fundaram o novo padrão de acumulação. capital, associado a novos métodos e processos de trabalho; a crescente cooptação do movimento sindical [...] uma gigantesca superpopulação relativa ou exército industrial de reserva no agravamento da pobreza e das desigualdades sociais. (SILVA, 2009, p. 259). trazer um aprofundamento histórico deste fenômeno, nem se aprofundar em pesquisas sobre o tema, mas vale ressaltar que a origem desse segmento remonta ao surgimento das sociedades pré-industriais da Europa, no contexto da chamada acumulação primitiva, em que os camponeses foram As características citadas acima, prefiguram expressões da questão social3, que surgiram como conseqüência do desenho político adotado nesta época e que se relaciona á extrema pobreza. Dentre as várias expressões da questão social esse artigo se propôs analisar á população em situação de rua, devido ser um fenômeno específico das sociedades capitalistas, e especificamente na década de 90 ter ganhado mais visibilidade no Brasil . Esse segmento social também demonstra, através da sua própria existência, a ineficácia do sistema de proteção social brasileiro e o previlegiamento da política de assistência social em detrimento de outras também importantes, enquanto resposta para esta questão. Apesar da sua multifatorialidade, no que se refere às causas da situação de rua, um componente inerente á sua existência é a pobreza nas sociedades capitalistas. É um fenômeno antigo e o seu dimensionamento ao longo da história, em qualquer forma social demonstra ser uma atividade complexa para análise. Esse artigo não pretende desapropriados e expulsos de suas terras sem que todos fossem absorvidos pela indústria nascente. Esse descompasso entre a expulsão e não absorção desta mão de obra, fez com que parte desses camponeses vivenciasse a experiência de perambular pelas ruas expostos à violência. Assim, arrisca-se aqui afirmar que a origem desse fenômeno vincula-se à criação das condições necessárias à produção capitalista, que forjou o pauperismo que se generalizou na Europa Ocidental, no final do século XVIII. Nota-se que para o enfrentamento dessa questão, faz-se necessário a efetivação de políticas de longa duração que articulem um conjunto amplo de ações intersetoriais. Países como o Brasil, que teve a implantação do capitalismo tardiamente e o crescimento da industrialização de maneira diferenciada dos países europeus e americanos, registra uma atenção aos pobres historicamente centrada na caridade, no assistencialismo e na filantropia, sabe-se também que o desenvolvimento 3 Entende-se questão social como amplo aspecto de problemas sociais que decorrem da instauração e da expansão da industrialização capitalista. É a expressão concreta das contradições entre o capital e o trabalho no interior do processo de industrialização capitalista (CERQUEIRA FILHO, 1982). político neoliberal do país incidiu diretamente no aumento e tratamento desta questão. Ivo (2004), ao analisar o agravamento da pobreza no Brasil, informa que na formas de serviços sociais na assistência as suas demandas. contemporaneidade esse processo se deu com o O desemprego é consequencia da expansão advento do neoliberalismo, mais especificamente a da superpopulação relativa ou exercito industrial de partir 1990, e menciona um aumento do que Mota reserva, elevação dos níveis de pobreza e rebate no 4 (2009) denomina de superpopulação flutuante , Porém, na atualidade, essa superpopulação é permanentemente crescimento da população em situação de rua. O estudo de Silva (2009) faz-se importante refuncionalizada, nesta afirmação, a autora desenvolve que existe uma transformando‐se em peça chave da acumulação por estreita relação entre exercito industrial de reserva espoliação. determinada ou superpopulação relativa , aumento de pobreza e individualização da pobreza, assegurando sua o tempo de permanência na rua, ao considerar o solução indevidamente centrada na vontade pessoal período no intervalo de 1995 até 2000, verificou dos sujeitos. neste intervalo houve um aumento do número de Reflete-se sobre Para Motta ( 2009), na atualidade existem os pessoas nesta condição. Para comprovação desta “pobres” e os “mais pobres dos pobres”, ou seja, afirmação esse artigo apresentará a posteriori, graduações da pobreza. recortes de pesquisas feitas com este público neste Pode-se que período, Porto Alegre ( 1995), Belo Horizonte ( 1998) independentemente das denominações dadas aos e São Paulo (2000) nestas cidades os estudos sujeitos que vivenciam esta situação, sejam pobres, demostraram que o tempo de permanência nas ruas mendigos ou pessoas em situação de rua, o concentrou-se de um ano até cinco anos, 63,00% crescimento o dos entrevistados, pesquisas realizadas em 2001 e desenvolvimento do sistema capitalista de produção 2005 indicaram uma redução de pessoas que e a exclusão de alguns trabalhadores do processo de estavam na rua a menos de cinco anos e um produção que reconfigura novas formas de trabalho aumento dos que já estavam ha mais de cinco anos. para a sua subsistência e a necessidade de novas Esses dados sugerem que este fenômeno ganha da afirmar, no pobreza entanto acompanha ampla dimensão da década de 1990, coecidindo com as mudanças sociais, econômicas e políticas , 4 Super população flutuante: tem a função econômica de empurrar os salários dos trabalhadores ativos para baixo. Nessa dinâmica, os países periféricos têm se transformado em imensos reservatórios de força de trabalho barata e precária para as megacorporações transnacionais (MOTA, 2009) que transformaram o mundo do trabalho, associado a aumento da taxa de desemprego estrutural, a mais alta do país . Percebe-se que a relação que este grupo populacional estabelece com as políticas sociais e que compõem a seguridade social, é tensionada, 3 Processo de Precarização do Trabalho das Pessoas em situação de rua no Brasil: mecanismos e formas pois esta última não se concretiza para alcançar seus beneficiários, ao contrário reforça a existência Antes de discorrer sobre os mecanismos e de uma parcela que não acessa os direitos sociais . formas do processo de precarização do trabalho de Os limites são colocados, pela natureza seletiva e pessoas em situação de rua, vale discorrer sobre a focalista das políticas sociais , os preconceitos e categoria trabalho. Mas afinal, o que é trabalho? estigmas que acompanham esta população, bem todas as formas de vida apoderam-se de produtos como suas marcas históricas registradas na restrição naturais para o seu proveito, mas isso não é de atenção na política de assistência social e para os trabalho. Trabalho “ [...] altera o estado natural contribuintes da previdência ou seja para aqueles. desses materiais para melhorar sua utilidade” ( No entanto, é na política de assistência social que esta popaulação encontra parte de seus direitos concentrados, sobre programas de acolhida, moradias provisórias, com alguns alargamentos destes direitos, fruto de sua manifestação organizativa frágil recente, tais como Movimento Nacional de Pessoas em situação de Rua, Movimento Nacional de Catadores de Reciclável, alcançando, como resultado de sua luta, uma contagem nacional desta população em 71 municípios e a implantação em 2010 de uma política nacional de atrenção a população em situação de rua, que não será aprofundada neste estudo, porém serão trazidos alguns dados que ajudarão à compreenção da inserção desta parcela da população no mundo do trabalho e a sua cotidiana precarização . BRAVERMAN, 1987, p. 49). O mesmo autor ainda informa que o trabalho que ele refere é o trabalho humano: “Não estamos tratando agora daquelas primitivas formas instintivas de trabalho que nos lembram o mero animal , pressupomos trabalho de um modo que o assinala como exclusivamente humano. Antes o trabalho idealizado na imaginação dos trabalhadores. O trabalhador transforma o material que opera e imprime a ele o que tinha conscientemente. Aristóteles, chamou o trabalho de ação inteligente. A cultura humano segundo o autor “ é o resultado dessa capacidade de pensamento conceptual” (Ibidem, p. 51). O autor ainda cita que vários elementos contribuem para este processo, o qual ele denomina de símbolos, tais como a linguagem que pode transmitir através do grupo as gerações seguintes essa atividade, essa continuidade se dá no aspecto subjetivo e não por imitação como no caso do ou transformar a natureza, assim o valor do trabalho macaco. È o símbolo sob a forma de palavra que está em que todo indivíduo é proprietário de uma proporciona esses elementos de continuidade da porção da força de trabalho total da comunidade, que experiência instrumental do homem e isso que os economistas burgueses desprezam. possibilitou à acumulação do progresso , cultura e Segundo Engels, 1979 material. Desta forma, o autor demonstra que o social, pois o homem transforma a natureza e ao As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens transformam o seu modo de produção e, ao transformá-lo, alterando a maneira de ganhar sua vida, eles transformam todas as relações sociais. O moinho movido pelo braço humano nos dá a sociedade com o suserano; o moinho a vapor dá-nos a sociedade com o capitalista industrial. (p. 125) mesmo tempo modifica a sua própria natureza e é O mesmo autor ainda discorre que é na neste processo que difere o trabalho humano do relação capital trabalho que existe a compra e venda trabalho animal, a teleologia ou intencionalidade que da força de trabalho e para isso são necessários três imprime ao trabalho. Em todas as demais espécies a componentes destacados neste artigo: a) disposição força diretriz e a atividade resultante instinto e da força de trabalho, ou seja, separar os execução são indivisíveis, a aranha tece de acordo trabalhadores dos meios de produção que só podem com a incitação biológica e não delega esta função a ter acesso á eles vendendo a sua força de trabalho; outra aranha, já o homem a unidade de concepção e b) o princípio da liberdade onde os trabalhadores execução pode ser dissolvida, a idéia pode ser deverão estar livres de servidão ou escravidão para concebida por um e executada por outro, essa dispor desta força de trabalho; c) a expropriação da unidade pode ser rompida. mais valia, onde uma unidade de capital pertencerá trabalho humano não é só atividade em si, mas também os instrumentos que o sustentam e o reproduzem como categoria central na história da humanidade. Os teóricos marxistas endossam que o trabalho tem relação ontológica e dialética com o ser A capacidade humana de executar o ao empregador e não voltará ao trabalhador. O trabalho que Marx (1975) chamou de “força de processo de trabalho começa com um contrato que trabalho" não deve se confundir com o poder do estabelece as condições de venda da força de animal, para que o trabalho do homem seja exercido trabalho. ou armazenado em produtos, maquinarias, serão Na esteira desta discussão, vale aqui necessários recursos da humanidade para enfrentar analisar como se dá o trabalho das pessoas em situação de rua no contexto de produção capitalista. sociedades pré industriais, na impossibilidade de Silva ( 2009) , citada no capítulo anterior, busca venda da sua força de trabalho e de moradia , trazer essa análise para o Brasil a partir da década habitaram as ruas como espaço de sustento e de 90, para entender este ponto a autora realizou moradia. uma pesquisa com recorte a partir de 1995 á 2005 e Marx (1975) ao analisar o pauperismo da demonstrou que neste período houveram mudanças Inglaterra do século XIX menciona como “ aquela significativas no mundo do trabalho , já apresentadas parcela da classe trabalhadora que perdeu a neste texto e também na produção de informações condição de sua existência, a venda da força de em torno das pessoas em situação de rua. trabalho, e vegeta na base da caridade pública” (p. Analisa-se que, o surgimento das pessoas 759). Silva (2009) ao desenvolver sobre este em situação de rua está relacionado ao processo de contexto no Brasil, apresenta que o crescimento do industrialização e refere-se aqueles que em capitalismo foi expandindo esta situação de rua e de determinado período histórico foram expulsos da parcela de trabalhadores e foi formando cada vez terra e não foram absorvidos neste processo mais a superpopulação relativa ou exercito industrial remanescente na mesma proporção que foram de reserva. A autora cita Tiene (2004) e apresenta expulsos, tornando-se sobrantes. Esse fenômeno se que “ a mulher e o homem são levados a morar na generalizou e muitos se transformaram em rua por uma condição imposta pela sociedade de mendigos, ladrões vagabundos, alguns por vontade, classes, organizada a defender a mercadoria e o mas grande parte pelas condições estruturais. mercado, e não a pessoa e a vida” ( Tiene, 2004, Castel (1988), identifica parcela desta p.19 apud Silva , 2009, p. 97). Outro autor citado população como o “ vagabundo” , o autor resgata o pela autora que explica a população em situação de histórico da civilição europeia pré industrial que na rua e seu lugar enquanto surperpopulação flutuante sua obra ele denomina como “ estrangeiro”, esses é Luiz Eduardo Wanderley, pesquisador social que seriam os imigrantes, que procuraram sobrevivência participou enquanto assessor do I Seminário fora de suas terras. (p. 130). Citando Georges Duby Nacional sobre população em Situação de Rua em o autor desenvolve que “ o vagabundo pertence a São Paulo em 1992, para ele a população em massa dos pobres, que só pode viver do trabalho de situação de rua faz parte do chamado seus braços “ [...]está submetido á dupla coerção de lupemproletariado5 (1995, p.180). ter que trabalhar e não poder fazer” ( DUBY, 1987 apud CASTEL, 1998, p. 56) Esses trabalhadores nas 5 Lupemproletariado: termo, que pode ser traduzido, ao pé da letra, como "homem trapo", foi introduzido por Karl Marx e Friedrich Engels em A Segundo Marx (1975, p 746) essa população benefícios assistenciais e transferência de renda está sempre com “um pé no pântano e outro no mínima. pauperismo”. 4 Dados Nacionais e a Situação de Rua em Salvador: entendendo o Trabalho Precarizado no período de 2007- 2009 No Brasil, no período de industrialização entre 1930 e 1970 com ênfase na agro exportação, a população rural contribuiu muito com o exercito Em abril de 2008 o Ministério de industrial de reserva especialmente no eixo sul e Desenvolvimento social e Combate a Fome, realizou sudeste. Avalia-se que no ano de 1980 esse a primeira Pesquisa Nacional sobre a População em processo foi desencadeado e intensificado em 1990, Situação de Rua, realizada pelo Meta Instituto de com a reestruturação produtiva , redução da mão de Pesquisa de Opinião da Secretaria de Avaliação e obra industrial e ociosidade da mão de obra rural ora Gestão da Informação, como um primeiro censo absorvida, mostrando declínio desse segmento rural nacional voltado para contagem destes sujeitos no na população economicamente ativa (IPEA, 1980). Brasil. A forma estagnada de trabalhadores A pesquisa Nacional contemplou 71 representava a massa que fazia ocupações municípios brasileiros acima de 300 mil habitantes e irregulares, No Brasil no período de 1990 á 2005 as teve como sujeitos, adultos acima de 18 anos de pessoas em situação de rua estavam ocupando idade. O total pesquisado ficou em torno de 31. 922 funções como vigia, lavador de carro, engraxate, pessoas em situação de rua . Este artigo resgatará catador de recicláveis. alguns aspectos identificados na pesquisa e O pauperismo é a parte da superpopulação relativa de trabalhadores aptos para o trabalho mas relacionados ao objeto proposto , a saber trabalho e renda das pessoas em situação de rua. que não são absorvidos, aqui também são No período apresentado acima, no que se compostos por pessoas com deficiência, idosos, refere a trabalho, a população em situação de rua enfermos, etc. O sustento desta parcela da era composta, em grande parte, por trabalhadores: população é arcada pelo Estado, através de 70,9% exerciam alguma atividade remunerada, dessas atividades destacam-se: catador de materiais recicláveis (27,5%), flanelinha Ideologia Alemã (1845). O lumpemproletariado seria constituído por trabalhadores em situação de miséria extrema ou por indivíduos (14,1%), construção civil (6,3%), limpeza (4,2%) e desvinculados da produção social, dedicados a atividades marginais, carregador/estivador (3,1%). Apenas 15,7% das como os ladrões e as prostitutas pessoas pediam dinheiro como principal meio para a sobrevivência. Esses dados são importantes para situação de rua, mas é o principal meio de acesso à desmistificar o fato de que a população em situação renda para os entrevistados pelo Censo. de rua é composta por “mendigos” e “pedintes”. Evidenciando a configuração de um novo perfil de Aqueles que pediam dinheiro para sobreviver morador de rua a partir de 1990, bastante diferente constituíram minoria. Desse modo, a maioria tem da imagem vigente a poucas décadas, de mendigos, profissão: 58,6% dos entrevistados afirmaram ter velhos e doentes, nada menos que 80% dos alguma profissão. Entre as profissões mais citadas indivíduos em situação de rua de Salvador destacam-se aquelas ligadas à construção civil declararam na pesquisa ,ter no trabalho, a principal, (27,2%), ao comércio (4,4%), ao trabalho doméstico embora não exclusiva, atividade geradora de renda. (4,4%) e à mecânica (4,1%). Contudo, a maior parte A população em situação de rua da cidade é dos trabalhos realizados situa-se na chamada formada, sobretudo, por trabalhadores submetidos a economia informal: apenas 1,9% dos entrevistados níveis extremos de precarização, uma parte afirmaram estar trabalhando atualmente com carteira (minoritária) dos quais também busca a mendicância assinada. Essa não é uma situação ocasional. 47,7% e a prostituição como formas de acesso à renda. dos entrevistados nunca trabalharam com carteira Este perfil da população em situação de rua foi assinada, entre aqueles que afirmaram já ter encontrado também pelo Censo Nacional, mas, nele, trabalhado alguma vez na vida com carteira o percentual dos que trabalham (70,9%) é inferior ao assinada, a maior parte respondeu que isso ocorreu encontrado em Salvador, que pode ser verificado na há muito tempo (50% há mais de cinco anos; 22,9% tabela a seguir. de dois a cinco anos). Outro contexto que este artigo apresenta é o de Salvador no ano de 2010, nesta cidade, a realidade das pessoas em situação de rua não difere dos demais grandes centros. O relatório da pesquisa sobre a população em situação de rua neste município no ano de 2010, emitido pela Prefeitura Municipal de Salvador e realizado pelo Programa Salvador Cidadania da Secretaria de Assistência Social, identificou que quanto ao trabalho destes sujeitos, este não aparece como causa principal da Tabela 01- Principais atividades geradoras de renda da população em situação de rua de Salvador, Outubro de 2009 Atividades Trabalho Profissionais do sexo Desempregado Pedinte Transferências Outras % 80,4 3,4 4,4 34,8 2,2 12,3 Fonte: Pesquisa realizada pela Secretaria de Assistência social de Salvador, no ano de 2010. * Múltipla escolha As atividades de catação de materiais recicláveis e a prestação/oferta de serviços aos proprietários de automóveis respondem por 73,7% das atividades remuneradas da população em situação de Rua de Salvador. Também aqui, não difere do observado em outras metrópoles brasileiras a partir da década de 1990, quando a coleta de lixo reciclável – uma atividade que viabiliza uma cadeia produtiva que vem se estruturando e modernizando e que se expandiu nesta década com base no trabalho precarizado, perigoso, pesado, sujo e mal contratava pessoal para fazer a seleção dos papeis, passa a contar com mão-de-obra a um custo bem menor. O que à primeira vista parece ser uma “caridade” (comprar o papel dos moradores de rua), na verdade se traduz numa superexploração do trabalho (OLIVEIRA, 2003: 183-184). “A atividade de “catar material reciclável” apresenta-se como uma das principais estratégias de sobrevivência das pessoas em situação de rua também em 2009, verifique tabela abaixo”. Tabela 02 - Principais atividades geradoras de renda, declaradas pelos que trabalham, Salvador, outubro/2009 remunerado, milhares de trabalhadores dentre os quais os que vivem em situação de rua. A importância da utilização dessa mão de obra para assegurar a competitividade do setor é reconhecida pelos próprios representantes do setor: “A mão de obra barata faz com que a logística reversa, realizada no Brasil, esteja em vários setores entre as mais baratas do mundo”. ( ABIRP, 2008 p.11) Neste sentido, analisando dos trabalhadores em situação de rua de Brasília, Oliveira (2003) contribui Atividades Catador de material reciclado Guardador de carro Lavador de carro Flanelinha Construção civil/pedreiro Vendas Limpeza Carregador/Estivador Profissional da indústria/Comércio Bico/biscate Pintor Artista Mecânico Total % 46,6 15,3 11,9 5,6 1,9 2,8 2,4 1,1 0,4 8,8 1,3 1,7 0,2 100,0 Fonte: Pesquisa realizada pela Secretaria de Assistência social de Salvador, no ano de 2010. * Questão de múltipla escolha com esta discussão e também observa que: “Ainda que as empresas possam recolher os conteineres de lixo nas repartições públicas (e existem muitos especificamente para papeis), para elas é muito mais rentável comprar do catador de papeis, não tendo que assumir a responsabilidade de fazer todo o processo de seleção do material. Fazer esse trabalho implicaria a contratação de mão-de-obra e consequente pagamento de encargos trabalhistas. O resultado é que a empresa, que antes No exercício dessas atividades apenas 1% dos entrevistados declarou ter emprego com carteira assinada. A maioria não respondeu qual o tipo de vínculo, mas outras informações levantadas na pesquisa mostraram que a inserção destes trabalhadores no mercado de trabalho de Salvador ocorre sob a forma de trabalho autônomo. Ou seja, muitos se misturam, competem e até podem ser confundidos com a parcela mais pauperizada do podem ser removidos de onde estão não têm onde “informal” de rua que, ao contrário dos entrevistados, guardar seus pertences, correndo cotidianamente o tem domicílio fixo. Quanto ao tempo de vínculo risco de perdê-los. Os rendimentos auferidos nestas com/na ocupação atual, cerca de 50% declarou mais atividades são extremamente baixos, situando-se no de um ano e quase 30% mais de quatro anos, patamar inferior de renda dos ocupados da Região indicando que as estratégias de sobrevivência de Metropolitana de Salvador. Quase todos os que uma parcela dos trabalhadores em situação de rua responderam a questão informaram uma renda permitem que eles conquistem uma estabilidade na mensal inferior ao salário mínimo e quase metade precariedade. Mais uma vez aqui é possível declararam ganhar menos de ½ salário mínimo, encontrar enquanto semelhanças com os demais entre os ocupados da Região trabalhadores do chamado setor informal que têm a Metropolitana de Salvador o percentual com este rua como espaço de trabalho. Com o passar do patamar de rendimento mensal era de 12,1% em tempo, os mais bem sucedidos vão construindo as 2008. Os baixos níveis de renda auferidos nas suas redes e os pactos necessários com a cidade atividades extremamente precárias que realizam, os formal e os seus integrantes, passando a controlar inserem no público alvo dos programas de determinados espaços da cidade e, também, a subir transferência de renda. na hierarquia da rua, que também possui os seus líderes geralmente os que têm mais tempo de vivência na rua . Os trabalhadores da reciclagem em situação de rua são deste modo, úteis e necessários para o processo de acumulação e, apesar de excluídos do mundo oficial e não reconhecidos ou valorizados como trabalhadores, mantêm relações regulares com atores da economia formal. Mas, embora regular, esta atividade não lhes abre oportunidade para planejar o futuro, pois a população em situação de rua tem uma vida marcada pela insegurança, pela instabilidade que a leva a gastar imediatamente o que ganha, pois 5 Considerações finais A situação de rua é um retrato da pobreza, especialmente por estar concentrada nos grandes centros urbanos, como ocorre no Brasil e em Salvador, conforme demonstrado neste estudo através dos recortes das pesquisas realizadas recentemente no Brasil e em Salvador. Nota-se que para o enfrentamento desta questão, faz-se necessário a efetivação de políticas de longa duração que articulem um conjunto amplo de ações intersetoriais. Neste contexto, verifica-se que para que este segmento tenha acesso a direitos sociais, podendo desenvolver sua cidadania, é preciso que s seguintes princípios que fundamentam a Política Nacional para a População de Rua sejam efetivados de forma ampla: o princípio da igualdade, reconhecimento da pessoa em situação de rua, com os mesmos direitos da pessoa humana expressos na Constituição Federal de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos; o princípio da equidade compreende como reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, do segmento da população adulta de rua e suas características, cujos direitos não têm sidos reconhecidos ou garantidos. Assim sendo, deve-se garantir mudanças nas outras políticas que deveriam atender estas pessoas e suas famílias em seus vários ciclos de vida tais, como a educação, emprego e renda. Verificou-se aqui, através dos recortes das pesquisas realizadas com este público, seja em âmbito nacional como no município de Salvador que diferentemente de outras décadas, no que se refere a trabalho as pessoas em situação de rua na atualidade efetivamente trabalham, tendo como principal atividade o catação de material reciclável, contribuindo sim com a riqueza social e com acumulação do capital, que neste cenário acumula por espoliação, pois precarizam este trabalho por não reconhecê-lo e mantê-lo na informalidade e assim estes apesar de gerar riqueza social esses trabalhadores não se beneficiam dos beneficiam de seu direitos sociais básicos. Referências BOSCHETTI, Ivanete. A política de Seguridade no Brasil. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. – Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 1987. P.: 49-60 e 70-81. BRASIL. 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