PR Katz PT

Transcrição

PR Katz PT
Allison Katz
Rumours, Echoes
Boatos Gallery
SAO PAULO, BRAZIL – A Boatos Fine Arts tem o prazer de anunciar a abertura da
galeria com Rumours, Echoes, uma exposição de Allison Katz. Incluindo pinturas,
uma instalação de trabalhos em cerâmica e cartazes promocionais, a mostra é habitada por alguns dos motivos recorrentes na prática de Katz: peras negras, morangos, macacos e narizes. Ao longo dos anos, a artista vem continuamente reciclando
essas imagens, e portanto criando um léxico visual particular no qual elas funcionam
como signos específicos de uma linguagem inventada.
Assim, é muito apropriado que o título da exposição tenha originado de uma tradução equivocada. A artista me conta que, quando perguntou o significado do nome da
galeria em inglês, recebeu duas respostas: rumores e ecos. O primeiro é, com efeito,
o termo correspondente, mas o fato de que outra definição (incorreta) também foi
sugerida coincide com sua abordagem da linguagem visual e o modo com que explora os limites da pintura para criar associações que expandem, deformam e distorcem
o sentido.
Apesar do caráter supostamente obsoleto da pintura no contexto que hoje é denominado condição “pós-internet”, Katz abraça uma prática expandida da pintura como
um possível campo de experimentação. Essa atitude não-hierárquica e provisória talvez seja melhor ilustrada pela história por trás da imagem recorrente da pêra negra
que, como conta a artista, surgiu de um sentimento de nojo ao observar sua avó
comendo os pedaços escuros da fruta, apenas para ser informada que essas são as
melhores partes, pois é onde o açúcar está concentrado. De maneira análoga, podemos dizer que a pintura é justamente isso: um meio maduro demais, ao mesmo
tempo extremamente doce e repulsivo.
Outro aspecto importante de seu processo é o modo como seus trabalhos circulam
tanto como objetos discretos e como parte de um discurso construído na tensão entre original e cópia, citação, transparência, corporeidade e estratificação de elementos repetidos. Podem ser “lidos” em relação um ao outro, ou seja, não como imagens que representam alguma coisa, mas como meditações sobre a própria natureza
da representação impregnadas de humor, erotismo, dúvida de si mesmo e autoironia. Assim, não é surpresa descobrir que Katz tem uma apreciação de longa data
à escrita de Clarice Lispector.
Numa entrevista recentemente publicada, Gilda de Mello e Souza1 fala sobre sua
admiração “com restrições” ao trabalho de Lispector”:
“Ela tem algo que me pergunto se é realmente uma qualidade ou um defeito. Numa
língua em formação como a nossa, ela hesita muito sobre as palavras escolhidas,
substitui constantemente uma pela outra. Por exemplo, ela diz: ‘É um quadrado.
Não, não é bem um quadrado, antes seria um retângulo. Um retângulo preto, quer
dizer, podia ser preto se a luz...’ (...) Repare como ela hesita. É uma grande artista,
que transforma um defeito em qualidade.”
Como Katz corretamente suspeita, citar Lispector no Brasil é um pouco como citar
Joyce ou Borges ao escrever sobre arte: tornou-se uma espécie de clichê, embora às
vezes um clichê necessário. E a opinião de Mello e Souza, ainda que expresse suas
reservas à escrita de Lispector, serve para iluminar essa característica singular de
seu trabalho que parece ter eco com a prática de Katz: a construção de uma linguagem que é ao mesmo tempo hesitante e precisa. E isto é melhor colocado pela própria Lispector numa citação direta de Perto do coração selvagem enviada a mim pela
artista:
“A visão consistia em surpreender o símbolo das coisas nas próprias coisas.”
É precisamente esta ideia de reconectar uma coisa com seu símbolo – as palavras e
a realidade, no caso de Lispector – que move a sensibilidade questionadora de Katz:
uma linguagem articulada por meio de símbolos expressivos que geram seu próprio
sentido e mutação.
Kiki Mazzucchelli
1
Gilda de Mello e Souza (1919-2005) foi uma das primeiras mulheres no Brasil a seguir uma
carreira acadêmica, tendo fundado a disciplina de estética no departamento de filosofia da
Universidade de São Paulo. A entrevista foi publicada em A Palavra Afiada, uma seleção de
textos organizada por Walnice Nogueira Galvão. (Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014)

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