A nova androginia desafia o olhar – é homem? É mulher? – e
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A nova androginia desafia o olhar – é homem? É mulher? – e
A nova androginia desafia o olhar – é homem? É mulher? – e esquenta o mercado de moda ao propor um visual unissex cujo resultado é supercontemporâneo. Andrej Pejic, o modelo que nasceu homem, mas também posa como mulher, é porta-voz da tendência Fotos: Divulgação Por Silvana Holzmeister Fotos Robert Schwenck 136 Vogue Brasil BODY, R$ 4.250, REINALDO LOURENÇO; LEGGING, R$ 680, LINO VILLAVENTURA. CHAPÉU, R$ 105, JUISI BY LICQUOR; PULSEIRA, R$ 390, NK STORE; BOTA, R$ 1.500, ELLUS STYLING: FELIPE VELLOSO uando Greta Garbo morreu, em 1990, Andrej Pejic,19 anos, sequer havia nascido, mas os dois têm muito em comum. Os traços fortes e a voz rouca da atriz sueca e as feições delicadas do modelo sérvio abriram para ambos as portas da fama.Cada um a seu modo e a seu tempo virou ícone de androginia. Mas se Garbo (cuja suposta bissexualidade, nunca assumida, rendeu muito diz que diz que na Hollywood dos anos 30) era desencorajada pelos grandes estúdios a viver papéis masculinos, Pejic (que já declarou que se sente mais à vontade vestido como mulher) sabe tirar proveito da liberdade dos tempos modernos: trabalha em dobro,para grifes de moda feminina e masculina. “Não se trata mais de uma mulher usando roupa de homem ou o contrário.O que há de novo é a ideia de ausência de gêneros”, esclarece Katie Sturch, editora sênior do birô de tendências WGSN. Ela conta que começou a rastrear a nova androginia nas campanhas do verão passado de Marc by Marc Jacobs e Givenchy – essa última com a transexual brasileira Lea T.“O que vemos agora é o fortalecimento desta macrotendência,que batizamos de Radical Neutrality”,explica.Fortalecimento que Katie comprovou quando esteve no Brasil,há dois meses,para acompanhar os desfiles do Fashion Rio e do São Paulo Fashion Week. “Fiquei surpresa,porque da moda brasileira espera-se sen- andróginos célebres 2 David Bowie Figurinos unissex sempre marcaram o estilo do pai do glam rock 3 Tilda Swinton Musa do cool way of dressing, a gélida atriz inglesa usa os cabelos curtos e adora ternos 4 Oscar Wilde 420 Vogue Brasil 2 3 4 “Só os tolos não julgam pela aparência”, disse o excêntrico dândi irlandês Fotos: marcio madeira, everett collection, getty images e Corbis 1 Charlotte Rampling A ex-modelo e atriz inglesa encarna uma sadomasoquista em O Porteiro da Noite (1974) 1 “Não se trata de uma mulher usando roupa de homem ou o contrário. O que há de novo é a ausência de gêneros”, esclarece Katie Sturch, do WGSN sualidade e feminilidade extremas. Quando vi o unissex adotado por marcas nacionais tanto nas roupas quanto no make e no cabelo, percebi que estava diante de uma estética forte e onipresente.” Andrej Pejic e Lea T. nos castings só ajudaram a reforçar sua tese. Apesar de focar suas pesquisas nas coleções de moda, Katie enfatiza que o raio de atuação da tendência é bem mais amplo. Nas roupas, na sexualidade e até na espiritualidade,escolher o caminho do meio parece mais atraente (mais inteligente,maduro,seguro; menos comprometedor) que optar pelos extremos.“Pode reparar que as maquiagens estão mais leves que nunca; e os cabelos,superclean,aproximando o visual das meninas ao dos meninos”, explica ela, sobre os makes “nada” e os cabelos lisos chapados que dominaram as passarelas nacionais. Foi exatamente o caso da grife carioca Ausländer: a cargo de Max Weber, a beleza do desfile era limpa, com um toque de cor apenas na sombra geométrica, idêntica para eles e para elas. Andrej, claro, desfilou looks masculinos e femininos. “Fiquei com a sensação de que ele ‘vendeu’ melhor o blazer e a pantalona com estampa liberty da coleção feminina”, revela Ricardo Bräutigam, dono da marca, que convidou o modelo para estrelar o catálogo,ao lado de Rick Genest, o Zombie Boy. “A figura do Andrej contribui para fortalecer o conceito da grife,voltada para a geração Y. Meus clientes são jovens nascidos na era da internet,muito focados nas ideias de liberdade”,explica Ricardo Bräutigam, o Cadinho.“No futuro,quem sabe não crio uma grade especial de peças que se ajustem às medidas de ombro,busto e cintura dos dois sexos?” Andrej,que desfilou como homem para Alexandre Herchcovitch e como mulher para Maria Bonita, André Lima e Lino Villaventura, gostou tanto da coleção da Ausländer que levou na bagagem a sandália plataforma número 43 que calçou na apresentação.“Fizemos um par sob medida para ele desfilar.Andrej ficou feliz com o presente,disse que não é fácil encontrar sapatos femininos desse tamanho”, conta Cadinho. Com maquiagem e cabelo na mesma sintonia minimal e exercícios de modelagem sobre clássicos da alfaia- taria,a British Colony,do estilista Maxime Perelmuter, chegou a uma imagem andrógina sofisticada e moderna.“Não tive o propósito de abordar essa nova androginia,e sim de criar uma moda fresh, democrática e globalizada”, afirma Maxime. O resultado – a coleção foi das mais elogiadas desta temporada – só prova o fôlego do unissex: mesmo quando ele não é intencional, termina aparecendolce & gabbana do como sinônimo de elegância contemporânea. Nas passarelas internacionais, foi Karl Lagerfeld, que vez ou outra transforma suas mulheres em dândis, quem tomou para si a responsabilidade de incensar a tendência. Dona de traços fortes, Freja Beha Erichsen abriu o desfile da grife usando calça pregueada de barra italiana, oxford shoes e jaqueta de tweed transformada em blazer. Mademoiselle Chanel, pioneiríssima na arte de importar roupas masculinas para o guarda-roupa feminino, certamente se orgulharia de seu sucessor. Coco adorava a funcionalidade e o conforto do vestuário masculino, mas a verdade é que uma das mais importantes marcas registradas de seu estilo surgiu por necessidade. Sem dinheiro para comprar roupas luxuosas, ela via-se obrigada a adaptar as peças – casacos, suéteres, calças e roupas de baixo – de seus amantes. O estilo terminou encontrando eco numa sociedade desejosa de simplicidade e praticidade. As mulheres, ávidas por se livrar do espartilho e mergulhar no mercado de trabalho, logo aderiram ao visual, chegando inclusive a usar faixas achatadoras de seios e quadris, para eliminar as curvas.A moda caiu de amores paul smith Unissex 360o: look completo com make “nada” e penteados que servem tanto para eles quanto para elas lino villaventura pela androginia.“O cabelo curtinho e geométrico como o art déco, inspirado pelo romance La Garçonne [do francês Victor Margueritte,publicado em 1922],ajudou a reforçar a silhueta andrógina que virou febre na época”, explica o historiador de moda João Braga. Com o passar dos anos, a apropriação de peças do guarda-roupa do sexo oposto ganhou força – o que não quer dizer aceitação irrestrita. Em 1931, por exemplo, Marlene Dietrich chegou a ser expulsa de Paris por vestir calça masculina em público. Foi a partir dos Swinging Sixties, no entanto, que o universo masculino foi se tornando mais palatável. Twiggy, com seu corpo sem curvas e cabelo curtinho, virou padrão de beleza interplanetário. Logo depois, os hippies disseminam seu uniforme unissex – jeans, camisas floridas e coletes – pelos quatro cantos do mundo. Em 1966, Yves Saint Laurent lançou o smoking feminino, eternizado na famosa foto de Helmut Newton, de 1975, e a androginia finalmente ganhou glamour e sex appeal. De olho no movimento, David Bowie injetou glitter ao figurino do personagem Ziggy Stardust: nascia a estética glam rock, que leva o masculino-feminino a transcender o guarda-roupa. A mensagem era clara: os bissexuais tinham mais escolhas, inclusive na moda. E Londres rapidamente foi invadida por vários clones de Ziggy. Nos anos 80, o visual femichanel nino superdecorativo de Boy George e Prince, as saias masculinas de Jean Paul Gaultier e o visual dress for success adotado pelas mulheres de Wall Street prepararam o terreno para a abordagem ultra-andrógina da década de 90. Kate Moss deu o start no movimento de meninos e meninas magérrimos, com zero maquiagem, que tomaram de assalto passarelas e páginas de revistas, na ruptura mais substancial de tendências de toda a história da moda. No Brasil, João Braga lembra bem, tivemos o artista modernista Flávio de Carvalho circulando de saia no centro de São Paulo, em 1956; Roberta Close desfilando até para Thierry Mugler nos 80; e,mais recentemente,Johnny Luxo vestido de mulher para Alexandre Herchcovitch e Gisele Bündchen de homem para Ricardo Almeida,ambos no São Paulo Fashion Week. Nossa cronologia termina com a transex brasileira Lea T., musa de Riccardo Tisci na Givenchy, que é a estrela da campanha de verão da Blue Man – o que pode ser mais geração Y que isso? Talvez Andrej Pejic andando pelas ruas de Nova York,onde mora atualmente,de vestido-quimono André Lima (que ele desfilou, ganhou e amou) e salto alto Ausländer. Pois é, Greta Garbo, o mundo mudou um bocado. Vogue Brasil 421 “A moda feminina impõe menos limites, então eu normalmente me sinto mais à vontade usando roupas de mulher que de homem”, diz Andrej Pejic, que trabalha como modelo feminino e masculino CAMISA, R$ 189, AUSLÄNDER; ROBE, R$ 1.589, ALEXANDRE HERCHCOVITCH; CALÇA, R$ 389, E BOTA, R$ 1.500, AMBAS ELLUS. BONÉ, R$ 110, COCA-COLA CLOTHING; CINTO VINTAGE, R$ 80, JUISI BY LICQUOR 136 Vogue Brasil Fotos: Divulgação REGATA, R$ 298, AGILITÀ; CAMISA, R$ 398, PAT PAT; CAPA, R$ 4.500, PATRÍCIA VIERA; SAIA, R$ 623, GLORIA COELHO PARA VIA FLORES. CINTO, R$ 725, NK STORE; BOTA, PREÇO SOB CONSULTA, ELLUS PRODUÇÃO DE MODA: MARINA BRUM BELEZA: RAFAEL SENNA ASSISTENTE DE FOTOGRAFIA: JEFF TANK AGRADECIMENTOS: ANDERSON RODRIGUES E BRENO VOTO Vogue Brasil 136