A geometria na educação infantil: desafios da prática

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A geometria na educação infantil: desafios da prática
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE METODOLOGIA DE ENSINO
CURSO DE LICENCIATURA DE PEDAGOGIA
A GEOMETRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: DESAFIOS DA PRÁTICA
DOCENTE
Aluna: Juliana Cecilia de Oliveira RA: 261270
SÃO CARLOS
NOVEMBRO, 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE METODOLOGIA DE ENSINO
CURSO DE LICENCIATURA DE PEDAGOGIA
A GEOMETRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: DESAFIOS DA PRÁTICA
DOCENTE
Aluna: Juliana Cecilia de Oliveira RA: 261270
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
comissão julgadora da Universidade Federal de São
Carlos, sob a orientação da Profa. Dra. Cármen Lúcia
Brancaglion Passos e sob a co-orientação da Ms. Maiza
Lamonato.
SÃO CARLOS
NOVEMBRO, 2008
Dedico este trabalho a minha família e a todos os estudantes de Pedagogia.
AGRADECIMENTOS
À meu pai, minha mãe, meu irmão e a meus amigos que se colocaram à disposição e
compreenderam minha falta em alguns momentos dos quais eu precisei.
À UAC (Unidade de Atendimento a Criança) da Universidade Federal de São Carlos,
sua diretora e a todos os funcionários solícitos, principalmente a professora pesquisada
que se dispôs a participar da pesquisa.
À Profa. Dra. Cármen Lúcia Brancaglion Passos, que me aceitou como orientanda.
A minha Co- orientadora, Maiza que me auxiliou e orientou para a realização desse
trabalho.
Ao José que se dispôs a me ajudar quando preciso o fazendo quando necessário.
Resumo
A presente pesquisa investiga os desafios da prática docente de uma professora
de Educação Infantil relacionados ao ensino de geometria. A pesquisa tem seus
fundamentos teóricos nos autores que tratam da Educação Infantil e do ensino de
geometria. Os dados são obtidos a partir de entrevistas com uma professora que trabalha
com crianças de cinco anos em uma creche universitária de uma universidade pública
federal. A análise dos dados aponta que a geometria não tem lugar reservado no âmbito
da Educação Infantil, bem como no curso de formação de professores freqüentado pela
professora entrevistada. Essa constatação é um dos principais fatores que justifica a
dificuldade em se abordar a geometria, tanto nessa etapa do ensino (Educação Infantil)
quanto nas que se seguem, conforme evidenciado pelas declarações da professora.
Sumário
Introdução......................................................................................................6
Capítulo 1- Escolha da temática, justificativa, objetivos e questão de
pesquisa.........................................................................................................8
Capítulo 2- Histórico da Educação Infantil.................................................11
Capítulo 3- O Ensino de geometria.............................................................16
3.1- O currículo e a geometria.....................................................................16
3.2- A geometria na Educação Infantil........................................................19
Capítulo 4- Metodologia, Procedimentos Metodológicos e Cenário de
Pesquisa.......................................................................................................22
Capítulo 5- Reflexões sobre os dados.........................................................29
Considerações Finais.................................................................................36
Referências Bibliográficas..........................................................................38
Apêndice I
Apêndice II
6
Introdução
A pesquisa aqui apresentada versa sobre o ensino da geometria na Educação
Infantil e os desafios encontrados pelo docente para tratar esse conteúdo com crianças
nessa fase da escolarização.
Há no campo da Educação Matemática, muitas discussões e pesquisas
enfatizando o crescente abandono da geometria, fato esse que ocorre no Brasil e
também no exterior (Pavanelo, 1993; Nacarato e Passos 2003). No entanto, propostas
pedagógicas para o Ensino Fundamental e Médio, estão sendo elaboradas com o intuito
de resgatar esse conteúdo matemático. Porém, pouco se tem pesquisado sobre geometria
na Educação Infantil, pois a educação das crianças pequenas é um fato relativamente
novo, datando de 1975, quando da criação da Coordenação de Educação Pré-Escolar,
sob a supervisão do Ministério da Educação (MEC). Antes dessa data o atendimento
oferecido as crianças era tido como assistencialista, e era ligado a programas do
Ministério da Previdência e Assistência Social.
Tendo em vista esses fatos, esta pesquisa busca analisar os desafios encontrados
por uma professora ao buscar incluir geometria em sua prática pedagógica na Educação
Infantil.
O primeiro capítulo constitui-se da escolha da temática, bem como sua
justificativa, seu objetivo e as questões que nortearam a pesquisa.
O segundo capítulo versa sobre o histórico da Educação Infantil, no qual buscase analisar e compreender a trajetória desse nível de ensino partindo da concepção de
educação na Idade Média até os dias atuais, dando ênfase a Educação Infantil no nosso
país.
O terceiro capítulo trata do Ensino da Geometria inserida no currículo escolar da
Educação Infantil. Nele também é verificado como a geometria vem sendo abordada
nessa fase do ensino.
7
O quarto capítulo diz respeito à metodologia, aos procedimentos metodológicos
que nortearam a realização da pesquisa bem como o cenário da mesma.
O quinto capítulo trata da reflexão sobre os dados coletados tendo em vista
aportes teóricos para a realização da mesma.
Em seguida consta as considerações finais da pesquisa na qual a pesquisadora
analisa o seu próprio processo de aprendizagem frente às dúvidas emergentes a partir da
pesquisa realizada.
A importância dessa pesquisa é justificada pela falta de pesquisas que tratam da
questão da geometria na Educação Infantil e pela relevância que esse conteúdo tem na
formação do indivíduo, pois é através dele que desenvolvemos nossos modos de ver,
representar e compreendemos melhor o meio no qual estamos inseridos. Conforme
destaca Lamonato (2007, p.95) a partir de Brasil (1997), “a geometria é entendida como
um meio pelo qual o indivíduo desenvolve um tipo especial de pensamento que lhe
permite descrever, compreender e representar, organizadamente o mundo em que vive”
devendo iniciar seus primeiros contatos e aprendizagens desde a mais tenra idade.
8
Capítulo 1- Escolha da temática, Justificativa, Objetivos e
Questão de Pesquisa.
Meu interesse pela temática geometria surgiu através de discussões e reflexões
ocorridas durante as aulas da disciplina de Metodologia e Prática de Ensino de
Matemática do curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos.
Durante essas aulas pude refletir através de minha própria experiência discente
na Educação Infantil e posteriormente no Ensino Fundamental e Médio, como a minha
“base” tinha sido escassa de conteúdos quando se tratava de geometria.
Desse modo, no decorrer da disciplina foi me surgindo inquietações acerca do
porque não se enfatiza o ensino de geometria desde a Educação Infantil, pois ela
fazendo parte do ensino de matemática contribui para as noções de espaço orientando as
crianças para o meio em que vivem. Contudo, lembro-me que o meu ensino (de
geometria) nessa fase da escolarização era baseado na forma dos objetos, não
propiciando o saber funcional que eles têm na vida cotidiana.
Foi por isso, juntamente com as declarações de meus colegas de curso, que
diziam em sua maioria não ter estudado esse conteúdo na Educação Básica, que opto
por analisar a temática: “A geometria na Educação Infantil: desafios da prática
docente”.
Dessa forma é através desse estudo que pretendo compreender os desafios (e se
estes existem) encontrados pelo professor para introduzir a geometria no currículo da
Educação Infantil bem como as formas pelas quais ela ocorre ou não.
A importância desse trabalho está na possibilidade de nos atentarmos a esse
conteúdo na Educação Infantil que muitas vezes é negligenciado, mas que se faz tão
necessário pelo fato de o mesmo possibilitar ao ser a capacidade de desenvolver um
pensamento crítico e autônomo. Essa negligência muitas vezes é ocasionada pela falta
de conhecimentos do professor e até mesmo pelo fato do mesmo não saber abordar esse
conteúdo nessa fase da escolarização como têm sido evidenciado em diversas pesquisas.
Essa falta de conhecimentos de conteúdos de geometria (do professor), segundo
Nacarato e Passos (2003), pode ser decorrente de sua formação inicial, através dos
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cursos de Pedagogia ou do antigo Normal Superior. Muitas vezes o número de aulas
durante o curso é insuficiente para que sejam abordados todos os aspectos específicos
da matemática sendo estes de cunho teórico e metodológico, para uma prática
pedagógica docente de sucesso. Além disso, há que se considerar que o professor de
Educação Infantil e das Séries Iniciais do Ensino Fundamental também é responsável
pelo ensino dos outros componentes curriculares.
Esse déficit se agravou segundo Nacarato e Passos (2003) devido à extinção dos
cursos de magistério. A formação de professores ficou então sob a responsabilidade dos
cursos superiores, que nesse caso são os cursos de pedagogia, aos quais não adequaram
seus currículos para as novas exigências, comprometendo, em alguns casos, a
aprendizagem dos conteúdos específicos.
Pavanello (1993) e Lorenzato (1995) discorrem em seus textos sobre o abandono
da geometria no Brasil. A primeira sinaliza esse fato como sendo um fenômeno mundial
e o liga a questões de ordem educacional. O segundo, assim como a primeira, levanta a
questão da ausência no currículo dos professores o conteúdo geométrico.
Dessa forma os desafios encontrados para aplicar a geometria em sala de aula
para Lorenzato (2006)
não é apenas uma questão didático-pedagógica: é também socialepistemológica, envolvendo Universidades, Secretarias de Educação e
Editoras...e é , ainda, uma questão político-administrativa, pois, o
professor exerce uma função de vital importância nesse processo de
transformação... (p.5)
Dessa forma observamos que para acontecer uma mudança significativa no
ensino da geometria há de ocorrer uma transformação na sociedade nas esferas política,
educacional e administrativa para que a mesma queira cidadãos críticos e conscientes de
sua atuação na sociedade.
O objetivo da pesquisa, portanto, é o de investigar quais os desafios encontrados
por uma professora da Educação Infantil ao ensinar geometria para seus alunos e
decorrente dos resultados encontrados, delinear algumas reflexões que tragam
contribuições para a futura prática docente. Para isso foram elaboradas algumas
perguntas que nortearam a pesquisa, sendo elas:
10
- Quais são os desafios encontrados para introduzir a geometria no currículo da
matemática na Educação Infantil?
- Qual a importância dada pela docente a essa área da matemática?
- Como a docente da Educação Infantil busca explorar os conceitos geométricos
com crianças de cinco anos de idade?
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Capítulo 2- Histórico da Educação Infantil
Neste capítulo destacamos aspectos históricos da Educação Infantil apontando
suas principais características ao longo do tempo. Isso se faz importante para
compreendermos como a Educação Infantil é preconizada atualmente no Brasil.
Desse modo, para entendermos o histórico da Educação Infantil é necessário nos
remetermos a Idade Média, quando os pedagogos dessa época confundiram educação
com cultura, não dando valor às necessidades específicas de cada etapa sendo elas a
infância e a juventude. Para esclarecer esse fato, segue o seguinte trecho:
A escola medieval não era destinada à instrução dos clérigos, “jovens
ou velhos”, como dizia o Doctrinal de Michault. Ela acolhia da mesma
forma e indiferentemente as crianças, os jovens e os adultos, precoces
ou atrasados, ao pé das cátedras magisteriais. (ARIÈS, 1981, p.187)
Ou seja, notamos que a criança não era considerada com suas especificidades de
sua idade ou ainda com características que as diferenciavam de um adulto.
Na época do Brasil Colonial foi trazida para o país a Roda dos Expostos segundo
Abramowicz (2006). A Roda dos Expostos tinha como objetivo receber crianças órfãs
ou que por algum motivo não poderiam ser cuidadas pelos seus pais, dessa forma eles a
deixavam na instituição que era uma Santa Casa de Misericórdia para que seus filhos
fossem cuidados pelas freiras que ali habitavam. Essas crianças quando muito pequenas
eram alimentadas por amas-de-leite que eram mulheres muito pobres que recebiam
pelos serviços prestados. Essa Roda dos Expostos era acoplada a um eixo giratório que
era instalada no muro da santa Casa de Misericórdia. No entanto esse tipo de
atendimento só fez acelerar os índices de mortalidade infantil.
Esta mesma pesquisadora também aponta que baseado nesses fatos e a partir da
Lei do Ventre Livre, começam a surgir discussões a cerca da necessidade de criar
creches no Brasil, para atender aos filhos das ex-escravas, pois com o fim da escravidão
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elas teriam que continuar trabalhando e seus filhos não poderiam continuar na casa de
seus ex-senhores, pois não traria benefícios nenhum a seus patrões.
No Brasil no final do século XIX, dá-se início a discussão pela criação e
implementação de creches. Surge então no país, no ano de 1875 o primeiro Jardim de
Infância instalado junto ao colégio Menezes Vieira na cidade do Rio de Janeiro
(ABRAMOWICZ, 2006). No entanto, essa instituição atendia somente a crianças da
elite entre os três e seis anos de idade do sexo masculino. Depois de passados 24 anos é
fundada a primeira instituição mantida por uma indústria têxtil com a finalidade de
atender crianças menores, filhos de operários, também situada na cidade do Rio de
Janeiro. (KUHLMANN JR., 1991, p.19). Nos Anos de 1918 em São Paulo e de 1925
em Sorocaba, indústrias também seguiram o exemplo da cidade do Rio de Janeiro e
criaram suas creches.
O Estado brasileiro a partir da década de 1930 instituiu algumas ações no sentido
de garantir o direito de educação aos filhos das trabalhadoras. Um desses dispositivos
legais foi a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) de 1943. Esses dispositivos legais
impunham às empresas que as mesmas, tendo mais de 30 mulheres empregadas,
instituísse um local onde as mães operárias amamentassem seus filhos tendo elas o
direito há dois intervalos para a amamentação. (ABRAMOWICZ, 2006, p.21).
Porém percebemos que atualmente essas leis são cumpridas parcialmente da
forma na qual elas se apresentam. É comum assistirmos reportagens de jornais
televisivos nas quais mães trabalhadoras reclamam a falta de vagas em escolas de
Educação Infantil para deixarem seus filhos nos turnos em que precisam trabalhar.
A partir da década de 1970, no Brasil, há uma intensa luta pela valorização da
educação pré-escolar1, que segundo Abramowicz (2006):
As pré-escolas destinam-se a crianças com maiores possibilidades
econômicas e as creches para as crianças das classes populares. (p.22)
1
A expressão pré-escolar está sendo utilizada em consonância com o que a autora Abramowicz discorre
em seu texto. Dessa forma considero o termo como sinônimo de Educação Infantil.
13
A referida autora também descreve os dois tipos de denominações que
caracterizam a educação pré-escolar, dessa forma ela afirma que:
...creche-destinado a crianças pobres e filhas de empregadas
domésticas- estava pautado em um tipo de educação prioritariamente
assistencialista, com base no cuidar, alimentar, higienizar, colocar
para dormir. Essa ênfase divergia do modelo proposto para crianças
com idade próxima da escolar cujos pais podiam pagar por sua
educação. Para essas o modelo oferecido tinha um caráter
civilizatório, no sentido de desenvolver o indivíduo visando a
construção da nação brasileira e, para isso, a educação do povo e dos
pobres era essencial. (ABRAMOWICZ, 2006, p.22)
É nesse contexto que os movimentos populares lutaram pela ampliação das
creches e iniciaram diversas questões a cerca de sua função. Foi nessa década (1970)
que, segundo Lorenzato (2006), ocorreu o aumento de estudos e pesquisas nessa área
educacional que resultaram em congressos e encontros e a um maior investimento
governamental nessa fase da escolarização.
Dessa forma, a educação das crianças, reguladas, como sendo ações do
Ministério da Educação (MEC), é um fato novo, pois data do ano de 1975, quando se
deu a criação da Coordenação de Educação Pré-Escolar. Antes desta data o atendimento
oferecido era ligado muito mais a programas do Ministério da Previdência e Assistência
Social do que pelo MEC (ABRAMOWICZ, 2006).
Abramowicz (2006) também ressalta que em 1988, com a Constituição Federal,
a educação adquire mais força, pois ela aponta como dever do Estado o atendimento em
creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade. Dessa forma garante aos
pais e às crianças o direito do atendimento nas redes públicas de ensino.
Em 1990 há também com a criação do ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente), Lei Federal n.8.0692, a intensificação da idéia de que é dever do Estado
assegurar atendimento a crianças de zero a seis anos de idade em creches e pré-escolas.
Com essas mudanças ocorridas muda-se também a maneira de se conceber o
ensino da criança pequena passando da visão de assistencialista e recreativa, assumindo
2
Publicada no Diário Oficial da União dia 13 de julho de 1990.
14
assim um novo papel bem mais vasto e importante. Hoje a Educação Infantil é definida
como primeira etapa da Educação Básica e
...tem como finalidade o desenvolvimento integral das crianças até
seis anos de idade, em seu aspecto físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e da comunidade”,
conforme artigo 29 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)
de 1996 ( LORENZATO, 2006, p.7).
Nesse sentido, a função da Educação Infantil é de complementação e não de
substituição da família, o que por muitas vezes foi entendido. São dois os processos
básicos dessa modalidade de ensino, o cuidar e o educar, que são indissociáveis e
complementares.
Segundo o RCNEI (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil), o
cuidar no âmbito da Educação Infantil, demanda pela integração de vários campos de
conhecimentos, e exige, dessa forma, a ajuda de diversos profissionais. O cuidar
significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades (BRASIL, 1998, p.24). Esse
cuidado também engloba os aspectos afetivos e biológicos que vão desde o carinho até a
higiene e alimentação dando espaço a oportunidades de conhecimentos variados.
Educar, segundo o mesmo Referencial, significa propiciar a criança o
desenvolvimento de sua identidade através de aprendizagens diversificadas realizadas
em situações de interação, bem como proporcionar as crianças o acesso aos
conhecimentos da realidade social e cultural.
Outra finalidade da Educação Infantil é a de preparar a criança para a vida em
sociedade, dessa forma, ela tem papel fundamental na socialização dos sujeitos. As
brincadeiras são essenciais nessa fase da escolarização, pois são através delas que as
crianças aprendem a como lidar com o respeito mútuo, a respeitar as regras, a
compartilhar os brinquedos e a dividir tarefas, simbolizando por meio da brincadeira
tudo aquilo que se aplica na vida em sociedade.
Os blocos de conteúdos de matemática designados às crianças da Educação
Infantil e abordados no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI) da faixa etária de quatro a seis anos são: Números e Sistema de Numeração,
Grandezas e Medidas e Espaço e Forma. No conteúdo designado de Espaço e Forma a
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geometria é abordada de maneira a propiciar à criança, por meio de representações e
relações espaciais, o desenvolvimento de seu pensamento geométrico.
Mais adiante no capítulo 3, subitem 3.1, trataremos com mais detalhes o que se
espera do bloco de conteúdos Espaço e Forma.
Sendo assim, é notável, hoje, a importância dada a Educação Infantil, pois a
criança passa a ser vista como um sujeito ativo na sociedade, o que lhe garante direitos
no mundo que a rodeia. Esses direitos já vistos são garantidos pela Constituição Federal
de 1988 e posteriormente pela LDB de 1996.
Dessa forma, finalmente, podemos acrescentar que de acordo com os RCNEI a
criança deve ser respeitada e considerada de acordo com seu desenvolvimento e suas
especificidades.
16
Capítulo 3- O Ensino de geometria
Neste capítulo, no item 3.1 descreveremos a geometria inserida no currículo
escolar da Educação Infantil a partir dos Referenciais Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (RCNEI) e de diversos autores que têm dedicado publicações que
destacam a importância do ensino de geometria no início da escolaridade. Em seguida,
no item 3.2, analisaremos como a geometria vem sendo abordada nessa fase do ensino,
para tanto serão consideradas pesquisas que têm como foco de estudo essa temática.
3.1 – O currículo e a geometria
O ensino de geometria há tempos vem sendo deixado de lado. Pavanello (1993)
faz o alerta para esse “esquecimento” e afirma que o mesmo não acontece somente no
Brasil, sendo na verdade um fato mundial.
A referida autora em sua análise sobre o ensino de matemática faz uma
retrospectiva acerca de como a geometria foi sendo acertada nos currículos no decorrer
do século XX. No início do mesmo século a geometria se privava por ter um caráter
utilitarista pelo fato de que a grande parcela da população era analfabeta e o ensino
secundário era designado às elites, sendo este geralmente privado, que possibilitava aos
seus ingressantes o acesso ao ensino superior.
Segundo Pavanello (1993), na década de 1930, o governo federal provisório,
criou o Ministério da Educação e Saúde e como uma das ações desse ministério, houve
a formulação de um programa para o ensino de matemática nas escolas básicas. A
Matemática ensinada era então, divida em áreas, sendo elas: álgebra, aritmética e
geometria. No entanto, alerta a autora, esses conteúdos eram formalizados sem
integração nem vínculos uns com os outros, embora fossem ministrados por um
professor apenas. A geometria nessa década era iniciada pelas explorações intuitivas.
Vale destacar que até a criação das Universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, não
haviam professores de matemática formados na área específica. Aqueles que
ministravam a disciplina de matemática nas escolas eram formados em outras áreas do
conhecimento, geralmente em engenharia.
17
Na década de 1940, o ensino secundário passou por modificações pelo fato dele
ser visto como um passaporte para a ascensão social de algumas camadas da sociedade.
Essa etapa da escolarização, até então com dois anos de duração, passou para três e foi
dividida entre o ensino clássico e o científico. A geometria nessa fase do ensino foi
ensinada em todas as séries.
Na década de 1950 não houve, segundo Pavanello (1993), acontecimentos
significativos que marcassem o ensino de geometria no Brasil. Entretanto, foi no fim
dessa década que ocorreu a falta de professores devido à expansão da escola.
Sob a influência do Movimento da Matemática Moderna, na década de 60,
surgiram os primeiros livros didáticos de matemática elaborados de acordo com a nova
orientação, proposta pela Lei nº 4024/61 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Tal
Lei designava para a 4ª série do antigo curso ginasial (8ª série do ensino fundamental) o
início do ensino da geometria plana dedutiva que seria limitada à “demonstração dos
teoremas mais importantes e sempre com vistas às aplicações de ordem utilitária”
(PAVANELLO, 1993, p.12). Esses livros continham figuras geométricas, e noções de
intersecção das mesmas com conjunto de pontos no plano. Os conceitos eram
trabalhados de maneira “intuitiva”. Segundo a autora não existia “(...) qualquer
preocupação com a construção de uma sistematização a partir das noções primitivas e
empiricamente elaboradas” (p. 13).
Na década de 1970, a Lei 5692/71, causou modificações na área educacional.
Segundo Pavanello, ela possibilitou às escolas liberdade para decidirem os programas
das disciplinas, o que permitiu a muitos professores de matemática optarem por abordar
ou não a geometria em suas aulas.
No entanto foi nessa década que iniciou-se de fato a preocupação com o ensino
de geometria pelos educadores matemáticos. Essa preocupação resultou em um
significativo número de pesquisas realizadas no Brasil, na década de 1980, remetendose a esse ensino.
Em outubro de 1995, segundo Nacarato e Passos (2003), houve em Catânia
(Sicilia-Itália), uma Conferência intitulada “Perspectivas para o Ensino da Geometria no
Século XXI”, agenciada pela The Internetional Commission on Mathematics
Instruction. Nesse evento foram discutidas questões como os objetivos da geometria em
18
seus diferentes níveis de ensino, para isso levou-se em conta as diferentes tradições
existentes, bem como os diferentes ambientes onde se dariam esse ensino.
Algumas recomendações segundo as referidas pesquisadoras foram feitas na
conferência, sendo elas:
• O currículo de Matemática do ensino primário deve incluir geometria bi e
tridimensional para que os alunos sejam capazes de descrever, desenhar e
classificar figuras; de investigar e predizer o resultado de combinar, subdividir e
transformar figuras; de desenvolver a percepção espacial; de relacionar idéias
geométricas com idéias numéricas e de medição; de reconhecer e apreciar a
geometria dentro de seu mundo.
• Deve se evitar substituir o programa de geometria pelos tópicos sobre medidas.
• Merecem menos atenção atividades centradas na memorização de vocabulário,
fatos e relações.
• Nos seis primeiros anos de escolaridade o programa deve ser essencialmente
centrado em atividades e não em teoria sobre tópicos geométricos.
• Os alunos devem ter contato com atividades geométricas durante todo o ano
letivo e não somente em um determinado período de tempo no ano.
Essas recomendações, dentre outras, foram tão enfáticas no tocante do ensino de
geometria, que após três anos, não se sabe se foi por causa disso, houve no Brasil a
criação de um documento que aborda as metas para o ensino na Educação Infantil, no
qual há diretrizes que contemplam o ensino da geometria.
Portanto, é em 1998 que temos através do Ministério da Educação (MEC) o
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), que tem como meta
“...contribuir com as políticas e programas de Educação Infantil, socializando
informações, discussões e pesquisas...”(BRASIL, 1998, p.13). Dessa forma ele tem a
função de subsidiar o trabalho educativo de todos os profissionais da Educação Infantil
apoiando também os sistemas de ensino.
19
Esse documento é composto de três volumes, sendo o primeiro a Introdução, o
segundo, diz respeito à Formação Pessoal e Social e o terceiro é intitulado como
Conhecimento de Mundo. É neste último que se tem diretrizes para o ensino da
matemática na Educação Infantil. É na faixa etária que vai dos quatro aos seis anos que
aparece o ensino de geometria, ela está inserida no tópico “Espaço e Forma” (BRASIL,
1998, p.229) e tem como metas para seu ensino:
• Explicitação e/ou representação da posição de pessoas e objetos,
utilizando vocabulário pertinente nos jogos, nas brincadeiras e nas
diversas situações nas quais as crianças considerarem necessária essa
ação.
• Exploração e identificação de propriedades geométricas de objetos e
figuras,
como
formas
tipos
de
contornos,
bidimensionalidade,
tridimensionalidade, faces planas, lados retos etc.
• Representações bidimensionais e tridimensionais de objetos.
• Identificação de pontos de referência para situar-se e deslocar-se no
espaço.
• Descrição e representação de pequenos percursos e trajetos, observando
pontos de referência. (BRASIL, 1998, p.229)
Os objetivos propostos para o ensino de geometria na Educação Infantil incidem
ao desenvolvimento das relações especiais do indivíduo com o mundo que o cerca, pela
percepção de semelhanças e diferenças, pelas explorações bem como pela justificação e
argumentação de suas observações e hipóteses, como é destacado por Lamonato (2007).
Na seção seguinte, com mais detalhes, traremos discussões sobre a geometria na
Educação Infantil.
3.2 – A geometria na Educação Infantil
20
A geometria está presente em todas as fases de nossa vida. Desde o nascimento,
as crianças já se envolvem com as questões espaciais que as rodeiam. Ao se movimentar
e deslocar elas já estão trabalhando noções espaciais das quais iram se utilizar durante
toda a sua trajetória de vida.
Sendo assim, segundo (LORENZATO, 2006, p.132), “... é natural que a
Educação Infantil favoreça o desenvolvimento da percepção espacial da criança.” Isso
se faz necessário porque através desse desenvolvimento a criança adquire as
competências e habilidades que não são conquistadas por outras disciplinas.
Contudo, é difícil pensar o porquê é tão difícil se trabalhar com as questões que
envolvem a geometria na Educação Infantil e até mesmo na Fundamental. No entanto,
apesar de nos parecer simples, a geometria nessa fase do ensino, principalmente no
tocante às questões espaciais, necessita de conceitos diversos para ser abordada bem
como de uma metodologia que facilite o processo ensino e aprendizagem, tendo a
criança a possibilidade de explorações. Isso na prática pedagógica não se faz de modo
espontâneo, requer intencionalidade e conhecimento do professor.
Pesquisas demonstram que o professor não está, muitas vezes, preparado para
abordar tais conceitos em suas aulas. Isso se deve ao fato dos mesmos não terem os
conhecimentos geométricos necessários para tal abordagem ou até mesmo por lhes
faltarem esses conceitos por não o terem tido em sua formação escolar ou acadêmica.
Sendo assim a abordagem dos mesmos muitas vezes não acontece ou quando acontece é
apresentada de maneira desvinculada ao cotidiano. É o que acontece nas escolas
primárias do México. Gálvez (1996, p.249-250), ao investigar sobre geometria no
México, descobriu que ela é reduzida a uma “coleção de objetos” que estão ligados a
um “saber cultural” que priva somente por alguns aspectos, não remetendo os alunos ao
“saber funcional” o qual tem por finalidade proporcionar aos alunos a capacidade de
resolver problemas.
Segundo Lamonato (2007) o lugar designado à geometria na prática pedagógica
de professoras da Educação Infantil que participaram da sua pesquisa muitas vezes é
quase ausente. Esse fato foi verificado pela pesquisadora a partir dos depoimentos que
as professoras fizeram. A pesquisadora ao procurar os motivos pelos quais uma das
professoras não inseria esse conteúdo em suas aulas, percebeu que ela teve em sua
21
escolarização básica um ensino de geometria voltado para a aplicação de regras e
fórmulas e memorização da nomenclatura de figuras geométricas. Isso, certamente, não
lhe possibilitou ensinar geometria de forma condizente com o que os referenciais
curriculares e as pesquisas recomendavam.
Lamonato (2007) destaca alguns aspectos que reforçam a ausência de geometria
na Educação Infantil: a formação escolar e profissional do professor, a não percepção de
um uso social para o ensino de geometria, as preocupações com a alfabetização na
língua materna e os projetos da própria escola (p.227).
A autora conclui que uma forma de romper com essa característica seria os
professores participarem de cursos de formação continuada sobre essa temática, nos
quais os professores tenham condições de mobilizar e reconstruir conhecimentos
relacionados à sua prática docente. A autora reivindica “a necessidade de se
repensar/reavaliar as políticas públicas de formação contínua e a tradição da formação,
que muitas vezes é fundada na racionalidade técnica a qual visa instrumentalizar o
professor para um bom ensino. Em síntese, indica a formação contínua com a
participação, de fato, do professor, ouvindo e sendo ouvido (p.229).
22
Capítulo 4- Metodologia, Procedimentos Metodológicos e
Cenário da Pesquisa.
Este trabalho desenvolve-se a partir de pesquisas de diversos autores que
analisaram a história da Educação Infantil, bem como a geometria nessa fase da
escolarização.
Os dados empíricos provém das declarações de uma professora que leciona na
Educação Infantil. O trabalho de campo assim como Andrade (1998, p.107) afirma, tem
por objetivo conseguir informações acerca da questão de pesquisa, para qual se quer
uma resposta ou hipótese, não tendo para isso a interferência do pesquisador para seus
resultados. Dessa forma os dados obtidos através da pesquisa de campo serão analisados
juntamente com o aporte teórico já estudado na busca por respostas a respeito das
questões norteadoras da pesquisa.
A pesquisa foi realizada na UAC (Unidade de Atendimento a Criança) da
Universidade Federal de São Carlos, e contará com a participação de uma professora da
unidade escolar que leciona para crianças de cinco anos de idade.
Para tanto, foi elaborado um questionário, que segundo Barros e Lehfeld
(2007,p.106)
Não está restrito a uma quantidade de questões, porém aconselha-se
que não seja muito exaustivo, para que não desanime o pesquisado. É
entregue por escrito e também será respondido por escrito. (2007,
p.106)
O questionário foi feito com cinco questões e as mesmas foram respondidas por
escrito pela própria professora.
Posteriormente houve a elaboração de uma entrevista semi-estruturada, que teve
como objetivo esclarecer alguns aspectos que não puderam ser evidenciados no
questionário.
Classificamos a entrevista, como uma entrevista semi-estruturada, pois segundo
Barros e Lehfeld (2007, p.108) uma entrevista estruturada é aquela que possui “... as
questões previamente formuladas, isto é, o entrevistador estabelece um roteiro prévio de
perguntas e não há liberdade de alterar os tópicos ou fazer inclusão de questões diante
23
das situações.” Deste modo, na entrevista realizada com a professora da Unidade de
Atendimento a Criança houve a inserção de uma pergunta ao longo do processo, o que a
descaracteriza nesta classificação. O mesmo ocorre com a definição de entrevista não
estruturada que o mesmo autor afirma ser a entrevista na qual “... o pesquisador busca
conseguir, por meio da conversação, dados que possam ser utilizados em análise
qualitativa, ou seja, os aspectos considerados mais relevantes de um problema de
pesquisa”, como citado anteriormente houve a elaboração de um questionário prévio e
não este caráter conversacional da entrevista não estruturada. Por esses motivos
optamos pela classificação semi-estruturada, pois da mesma forma que houve um
roteiro de perguntas houve a inclusão de uma questão que no momento se fez pertinente
para o desenvolvimento do trabalho.
O questionário foi respondido por escrito pela própria professora na seqüência
das questões que lhe foram entregues e a entrevista foi audiogravada e transcrita por
mim.
Antes de partimos para o próximo capítulo (Reflexão sobre os dados coletados)
apresentaremos como foi a coleta dos dados na tentativa de elucidar os percalços
ocorridos para a realização deste trabalho e que compõe o caminho percorrido para se
chegar às respostas das questões de pesquisa.
O meu primeiro contato com a UAC foi por meio de uma conversa com a
diretora da Unidade. Ao me apresentar a ela expliquei o que buscava na instituição e ela
me falou os nomes das possíveis professoras que poderiam me ajudar na pesquisa. No
entanto, apenas uma se dispôs a ajudar, fato que dificultou a minha busca por respostas
no decorrer do estudo. Ao terminar essa primeira conversa a diretora me pediu que eu
levasse a ela um documento mostrando de fato o que eu buscava em minha pesquisa,
dessa forma combinamos um outro dia para que eu levasse o meu projeto.
No dia determinado fui até a UAC levar o projeto, a diretora o leu na minha
frente e disse que por ela estava tudo certo, que eu só teria que levar um documento
assinado por mim e pela minha orientadora para regularizar minha pesquisa na
instituição. Disse também que era para eu falar com a professora que tinha aceitado
participar da pesquisa para acertarmos os dias em que eu iria conversar com ela. A
diretora então pediu para uma funcionária chamar a professora e quando ela veio nos
apresentamos e ela me disse que tinha lido o projeto e que eu poderia ir à instituição
24
falar com ela às segundas-feiras pela manhã. Dessa forma perguntei a ela se na próxima
segunda-feira eu poderia levar um questionário, e ela me respondeu que sim.
A referida professora é formada em Pedagogia pela Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar), e fez pós-graduação, mestrado e doutorado, em Metodologia de
Ensino com enfoque na Educação Infantil pela mesma universidade. Devemos ressaltar
também que a mesma é docente na Educação Infantil há 17 anos.
Na segunda-feira seguinte cheguei à instituição às oito horas da manhã e a
professora já estava lá. Ao anunciarem a minha presença na instituição a professora veio
em minha direção e disse para eu deixar as questões lá porque ela não ia poder
responder verbalmente devido a reunião de pais a qual ela participava e me pediu para
pegar as questões na outra segunda-feira. Eu a agradeci, contudo não era o que estava
esperando, pois acreditava em poder dialogar com ela as respostas às perguntas. Porém
nesse segundo contato pude perceber como a carreira docente é uma profissão que
requer muito dinamismo no tocante a ter que resolver vários problemas muitas vezes em
um mesmo momento.
Chegada a segunda-feira fui até a UAC e ao conversar com a professora ela me
disse que havia respondido as perguntas só que não estava as achando em seu armário.
Então ela me disse para eu falar para ela às questões que ela ia responder ali na hora.
Eu, contudo disse que não poderia, pois não tinha as perguntas ali e não me lembrava
das mesmas de cabeça. Sendo assim, perguntei a ela se poderia levar para ela as
perguntas na outra segunda-feira, mas ela disse que seria melhor não pelo fato de que
ela iria começar os ensaios da festa junina com as crianças. Ela então me pediu para
voltar na primeira semana de agosto que ela iria estar mais tranqüila. Eu respondi que
sim, mas pude perceber nesse instante que seria difícil concluir minha pesquisa como
me propus inicialmente.
Não foi na primeira semana de agosto que consegui as respostas as minhas
perguntas, foi somente na terceira semana. Ao chegar à instituição a professora me
levou a sala dos professores e me perguntou quais eram as perguntas, eu as mostrei em
uma folha sulfite impressa e ela me perguntou se ela poderia ir escrevendo ali mesmo,
eu disse que sim, pois percebi sua pressa, pois havia um pai de uma criança esperando
para conversar com ela. Ao ler as perguntas em voz alta ela respondia as mesmas
25
também em voz alta, ia registrando por escrito e perguntava-me se estava bom. Ao
terminar de responder ela me disse que se eu precisasse de alguma coisa mais era para
eu voltar lá que ela responderia. Eu agradeci a atenção e ela saiu da sala para conversar
com o pai da criança.
Pude analisar nesses encontros com a professora que a sua atuação na instituição
é muito ativa, pois ela sempre esta participando das reuniões e mostra-se sempre
preocupada em resolver os problemas da mesma. No entanto, para, eu analisar sua
atuação docente foi difícil, pois não tive possibilidades para isso.
Ao analisar as questões, posteriormente com minha co-orientadora, percebemos
que as respostas dadas pela professora eram em tom genérico, não sendo possível a
partir das mesmas fazer interferências às questões investigadas. Assim, decidimos que
seria importante retomar a conversa com a professora, até para evitarmos interpretações
precipitadas a partir de suas primeiras respostas.
Dessa forma retornei a instituição com o intuito de coletar as respostas para as
minhas questões, mas não consegui contatar a professora por duas semanas seguidas.
Na terceira semana de tentativa, consegui falar com a professora, no entanto
inicialmente ela me disse que não poderia responder, haja visto que ela estava em aula,
pois estava atuando como substituta em uma sala no período da manhã. No entanto, eu
disse a ela que meu tempo para coletar dados estava escasso, e pedi gentilmente se ela
poderia me responder a mais algumas questões dentro daquela semana, ela pensou e
falou que poderia ser no dia seguinte por volta das 15h00.
Às 15h do dia seguinte eu estava na UAC e fui recebida pela professora. Ela
veio ao meu encontro e pediu para esperar um pouco, pois ela ia tirar as crianças do
parque, levá-los para lanchar, e que depois poderíamos conversar, no momento em que
eles veriam um filme. Depois de todas essas tarefas realizadas, a professora ao deixá-los
vendo o filme, me chamou até a sala da coordenação para que realizássemos a
entrevista.
Inicialmente perguntei a professora se teria problema para ela eu gravar a
entrevista, e ela disse que não. Dessa forma eu fui perguntando e ela foi me
respondendo, demonstrando disposição, apesar do pouco tempo que ela dispunha.
26
Sempre me perguntava se estava bom, se eu estava entendendo o que ela estava
dizendo.
Dessa forma, tanto o questionário quanto a entrevista tiveram como objetivo a
coleta de informações da professora em relação ao seu trabalho com geometria,
evidenciando como essa área da matemática está presente ou não na Educação Infantil.
Os mesmos também estavam focados na compreensão de como a professora vê sua
formação inicial e os desafios da prática docente para ensinar geometria.
O trabalho foi realizado na UAC (Unidade de Atendimento a Criança) da
Universidade Federal de São Carlos, e teve o início da sua história de implementação a
partir do ano de 1978, quando da primeira nomeação de uma comissão para se estudar a
solicitação de atendimento ao projeto creche. Projeto esse que surgiu a partir das
reivindicações da comunidade universitária por uma creche na Universidade sendo estes
funcionários técnicos - administrativos e docentes.
Foi em 1986 que se iniciou a construção do prédio, que no entanto, em relação
ao projeto inicial, foi quase que reduzido pela metade. Em 1987, o projeto do prédio foi
ampliado com o objetivo de atender crianças de três a cinco anos de idade, idades estas
que não eram previstas no projeto inicial.
Em 1991 o prédio estava quase pronto. Foi em 1992, no mês de outubro, após a
nomeação da chefe da creche pelo reitor, que se inicia o atendimento as crianças de
dois, três, quatro e cinco anos de idade, sendo designados, respectivamente, maternal II
e III e jardim I e II.
Em 1993 ocorre a inauguração de mais duas salas sendo estas: berçário e
maternal I (crianças de zero a dois anos de idade).
Somente no ano de 1995 cria-se mais uma sala, desta vez para crianças de seis
anos a completar sete, sala está designada de pré.
Após todas essas construções, atualmente, a UAC3 conta com: 14 banheiros, sete
salas de aula, um lactário, três salas que servem como depósito, um refeitório (um
saguão grande com muitas mesas), uma biblioteca (com vídeo e televisão), uma sala
para chefia, uma sala para secretaria, uma sala para Coordenação Pedagógica, uma sala
3
Informações obtidas na Instituição não havendo documentos do mesmo em anexo.
27
de reuniões, uma cozinha, uma copa, uma sala de costura, uma sala para se passar
roupa, um quintal, uma lavanderia e duas áreas externas (parque para crianças maiores e
um para crianças menores).
Com relação ao quadro de funcionários e função na instituição, estes estão
divididos em:
Corpo de funcionários
Função
Auxiliar Administrativo
Secretaria a chefia
Auxiliares de cozinha
Auxiliar de creche
Auxiliam na organização e preparação 2
dos alimentos
Atendimento à criança do berçário
3
Auxiliar de enfermagem
Auxilia a área da saúde
1
Auxiliar de lactário
Organização e preparação dos
alimentos do berçário (0-1 ano)
Auxilia na limpeza geral
1
Auxiliar de limpeza
(efetivo)
Auxiliares de limpeza
(terceirizados)
Bolsistas
Número total de
funcionários
1
1
Também auxiliam na limpeza geral da 3
escola
Auxiliam na docência e na biblioteca 12
Chefia administrativa
Gerenciamento geral
1
Cozinheira
Organização e preparação dos
alimentos
Docência
1
Docentes Efetivas
Docentes Substitutas
Enfermeira
Estagiárias
Docência
Coordena a área da saúde
Auxiliam as professoras em sala ou na
administração
Coordenação Pedagógica Coordena e auxilia a ação dos
professores
Serviços gerais
Serviços de jardinagem
7
14
1
5
1
1
A unidade escolar atende atualmente crianças na faixa etária entre três meses a
sete anos de idade, divididas em salas de aula da seguinte forma:
•
•
Berçário: 3 meses a 12 meses
Grupo I: 1 ano e um mês a 2 anos;
28
•
•
•
•
•
Grupo II: 2 anos e um mês a 3 anos;
Grupo III: 3 anos e um mês a 4 anos;
Grupo IV: 4 anos e um mês a 5 anos;
Grupo V: 5 anos e um mês a 6 anos e;
Pré: 6 anos e um mês a 7 anos.
29
Capítulo 5- Reflexão sobre os dados coletados
Neste capítulo analisaremos as respostas obtidas pela professora no questionário
e na entrevista, tendo como base para essas análises os vários autores estudados na
pesquisa.
Sendo assim ao analisarmos as respostas da professora sobre o questionário e a
entrevista pudemos refletir primeiramente como a formação dos professores é um tanto
quanto escassa em alguns conteúdos. Ao responder a questão: Como você vê a
formação (acadêmica) do pedagogo para explorar a geometria na Educação Infantil?
Ela é o bastante ou necessita, a seu ver, de complementações? A professora respondeu
da seguinte forma:
Quando cursei a Pedagogia não havia preocupação “central” com a
Educação Infantil. Ou seja, o que eu “sei” sobre Educação Infantil foi
“estudado” concomitantemente à prática docente em cursos de
formação continuada, congressos e curiosidade pessoal. (aspas
originais feitas pela professora ao responder o questionário).
Podemos notar que nessa fala nem é mencionada a questão da geometria na
Educação Infantil, o que indica que este campo da matemática pode ter sido ausente ou
não ter sido significativo no curso de formação de professores cursado pela professora.
Quanto a isso, Pavanello (1993) afirma que, principalmente após a promulgação da Lei
5692/7, ocorre o abandono do ensino da geometria. Com essa lei em vigência as escolas
tinham a liberdade de decidir os programas das disciplinas o que acarretou, no caso da
disciplina de matemática, em relação ao ensino de geometria, que este fosse em alguns
casos, não incluído na programação da disciplina.
A fala anteriormente destacada da professora - que tem a curiosidade pessoal
como fonte para seus saberes também vai ao encontro dos dados de Lamonato (2007),
quando uma das professoras participantes de sua pesquisa afirma que sua formação ao
longo da carreira foi ocorrendo esporadicamente, “uma coisinha aqui, outra lá”. (p.113)
Pavanello (1993) destaca que
30
... muitos professores de matemática, sentindo-se inseguros para
trabalhar com a geometria, deixam de incluí-la em sua programação.
Por outro lado, mesmo dentre aqueles que continuaram a ensiná-la,
muitos reservaram o final do ano letivo para a sua abordagem em sala
de aula – talvez numa tentativa ainda que inconsciente, de utilizar a
falta de tempo como desculpa pela não realização do trabalho
programado com o tópico em questão.
Essa afirmação de Pavanello, referente aos professores de matemática, destaca a
reserva do final do ano letivo para abordar a geometria, e a fala da professora
pesquisada, reafirma esse aspecto quando ela se refere a sua escolarização básica.
Marta4 em seu discurso afirma que “... a geometria era uma parte da matemática que
era colocada lá no final do ano, era assim, se sobrasse tempo ensinava-se
geometria...”.
Essa informação nos dá pistas de que o trabalho que a professora Marta realiza
com seus alunos pode estar relacionado à formação que ela teve enquanto aluna, aspecto
denotado por Lamonato (2007, p.64) e entendido por esta pesquisadora como tradição
pedagógica, a qual ela afirma que:
conforme Gauthier et al. (1998), o conhecimento do professor também
tem origem na tradição pedagógica: é o “saber dar aulas” (p.32) que
cada um tem a partir da representação que traz do ensino e da escola,
mesmo sem ter feito curso de formação de professores.
Nesse mesmo sentido Lamonato (2007, p.64) destaca o que Rocha e Fiorentini
(2005, p.3) afirmam ser o saber dar aulas, que são para os autores:
“saberes transmitidos de uma geração para outra e adquiridos
implicitamente na própria atividade profissional e internalizados pelas
práticas discursivas, as quais expressam um modo de conceber e
realizar o trabalho docente”. Esta fonte de conhecimento sobre o
ensino é oriunda da nossa experiência, e muito revela a forma com a
qual aprendemos, e que primeiramente, pode ser tomada como forma
primária de ensino.
A formação inicial ou continuada dos professores que ensinam matemática é,
para a pesquisadora Serrazina (2002), um fato extremamente relevante, visto que é
necessário que se tenha nesses cursos, para que eles se tornem importantes a
4
Marta: nome fictício da professora pesquisada.
31
possibilidade de desenvolvimento em seus participantes de suas habilidades e
competências. Nesse sentido busca-se não apenas o aprender por aprender matemática,
mas sim a capacidade de investigação e questionamento a cerca de sua utilização na
vida cotidiana.
O fato é que os professores da Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino
Fundamental têm a necessidade de ter conhecimentos relacionados a todas as
disciplinas, o que implica em um conhecimento bastante amplo que demanda tempo e
condições para que seu ensino seja satisfatório para a futura prática profissional. O que
ocorre, segundo Nacarato e Passos (2003, p.32), é que com a extinção dos cursos de
magistério, a formação de professores fica sob a responsabilidade dos cursos superiores
os quais não adequaram seus currículos para as novas exigências, o que compromete,
em diversos casos, a aprendizagem dos conteúdos específicos.
No entanto, esse descaso, em especial, com a geometria, não é visto somente nos
cursos de formação de professores. Ele tem início desde a formação básica conforme
evidenciado na entrevista com Marta.
Sendo assim, para o professor, conforme Lorenzato (2006, p.12):
“...considerando que o processo de formação é individual e
intransferível, cabe a cada um preencher as lacunas herdadas de sua
formação inicial (no curso superior), bem como providenciar a
continuada.”
Esse preenchimento observado na fala de Marta quando ela, no questionário
responde“...o que eu “sei” sobre Educação Infantil foi “estudado” concomitantemente
à prática docente em cursos de formação continuada, congressos e curiosidade
pessoal.” Diante dessa afirmação constatamos a veracidade da necessidade de que o
professor tem em se aprimorar sempre em seus conhecimentos, buscando novas
abordagens e metodologias para que sua formação e sua prática sejam enriquecidas a
cada dia, para que essas lacunas originadas em sua educação básica ou formação
acadêmica não interfiram na formação de seus alunos.
Marta quando respondeu a pergunta: Quais são os desafios encontrados para
introduzir a geometria no currículo da matemática na Educação Infantil? Afirmou que
32
não vê dificuldade particular para introduzir a geometria no currículo da Educação
Infantil. No entanto, ela ressaltou que “...o que eu percebo é que muitas vezes nós como
professores não somos preparados para isso; então quero dizer que a gente acaba não
sabendo direito geometria para ensinar as crianças.”
A partir dessa fala, reafirmamos a interpretação anterior quanto a ausência de
geometria na formação de Marta.
Passos (2000, p.53) afirma que nos cursos de aperfeiçoamento profissional para
professores das séries iniciais, a abordagem feita para o conteúdo de geometria é
realizado sobre a ênfase da nomenclatura das figuras geométricas, restringindo dessa
forma os conceitos mais amplos que essa temática engloba. Sendo assim o déficit já
existente em sua formação inicial e básica permanece, pois ao professor não se dá
condições para que o mesmo reflita sobre a importância da geometria e da matemática,
e nas formas pelas quais ela pode ser ensinada.
A afirmação de Marta reforça os dizeres de Lorenzato (2006) de que “ninguém
consegue ensinar o que não sabe” (LORENZATO, 2006a, p.3).
A professora Marta ao ser questionada sobre como ela busca explorar os
conceitos geométricos na Educação Infantil, enfatizou a relação da aprendizagem das
crianças a partir de seu próprio corpo, pois é a partir dele que, segundo ela, as crianças
vivenciam, experimentam e refletem sobre o meio na qual estão inseridas, dessa forma
ela propõe as crianças que andem “...sobre uma figura determinada, um triângulo, um
quadrado...”. As palavras de Marta vão ao encontro das recomendações de Lorenzato:
Inicialmente, a experimentação pode ser concebida como ação sobre
objetos (manipulação), com valorização da observação, comparação,
montagem, decomposição (separação), distribuição. Mas, a
importância da experimentação reside no poder que ela tem de
conseguir provocar o raciocínio, reflexão, construção de
conhecimento. (2006, p.72)
E ainda, segundo o mesmo pesquisador, a experimentação é a melhor maneira de
conseguir a aprendizagem com significado, pois ela realça o “porquê”, o que leva a
explicação que culmina na valorização da compreensão. Portanto a experimentação
33
também pode ser entendida como investigação, pois leva o aluno não somente a saber a
solução de tal problema mais sim permite a ele saber como encontrá-la.
Um exemplo de atividade que Marta usa como recurso educativo são os jogos
geométricos, como o tangram e o milimelô que são jogos formados por peças
geométricas. O primeiro é formado por sete peças geométricas e o segundo por cinco.
Neles são presenciadas figuras como o triângulo, o quadrado, o retângulo e os
paralelogramos.
A professora antes de apresentar esses jogos conta uma história sobre como
surgiu essas cinco ou sete peças geométricas. Quanto a isso penso que na tentativa de
despertar a curiosidade e o interesse das crianças. Segue assim a história e a forma pela
qual ela se utiliza dela para trabalhar as formas geométricas.
(...) eu adapto aquela história do tangram. De que um filho ia viajar e
ganhou do pai um espelho e ele tinha que trazer as imagens mais
bonitas que ele visse dos lugares que ele passaria para o pai dele, e aí
o espelho caiu no chão e se quebrou, e foi a forma que o menino
encontrou de mostrar as imagens, né. Então quer dizer, eu dou isso,
eles pintam recortam sobre as peças e formam figuras livremente.
Então o que foi que o menino viu na viagem? –Um gato, uma casa
enfim, cada um monta uma coisa para mostrar para o pai.
Depois ela oferece as formas desenhadas em um papel para que as crianças
pintem e recortem sobre as linhas das figuras. Dessa forma ela trabalha com as crianças
as várias formas de se usar o jogo, deixando para elas liberdade para a experimentação.
Nesse sentido a professora Marta busca trabalhar com as crianças os conteúdos de
geometria a partir de situações que englobam outros componentes curriculares, como
ela mesma, também destaca:
Agente produz histórias em cima disso, trabalha todas as áreas,
trabalha a motricidade, o raciocínio lógico matemático, trabalha a
linguagem, eventualmente trabalha até o conteúdo de ciências, por
exemplo, o gato, trabalha as raças dos gatos, enfim, dá para viajar a
partir disso.
Além disso, a partir do uso de tais materiais didáticos, Marta declara que:
34
Numa outra aula eu dou a figura montada e o joguinho cortado em
cartolina, ai eles traçam a figura usando o joguinho que eu dei como
molde e recortam e ai eles tem o desafio de montar a partir daqueles
recortes que eles fizeram em cima da figura que eu dei. Numa outra
aula eu trabalho assim...-Como é que a gente vai usar dois triângulos
para formar um quadrado? Como é que a gente pode usar um
quadrado e um triângulo para formar um paralelogramo? Ou como eu
vou formar um paralelogramo usando três triângulos? Numa outra
aula eu dou uma figura, mas só com as formas delas eu não dou os
recortes que tem dentro. E aí eles têm que descobrir como dispor essas
figuras de forma a formar a figura que eu dei o contorno.
Podemos observar que é por meio dos jogos, da atividade lúdica, que a
professora Marta busca introduzir os conceitos geométricos para as crianças de cinco
anos de idade. Pois em seu relato ela discorre da seguinte maneira“...a gente considera
que as crianças aprendem muito enquanto elas jogam...” Segundo (Grando, apud,
Alves 2001, p. 22) “...o elemento jogo se apresenta com formas específicas e
características próprias, propícias a dar compreensão para muitas das estruturas
matemáticas existentes e de difícil assimilação”.
No entanto esses jogos para promover a construção dos conceitos matemáticos
propostos devem ser abordados sempre com a supervisão dos professores para que os
mesmos possam demonstrar às crianças a relação existente entre o jogo e o conteúdo
matemático ensinado. Dessa forma, os jogos devem ser trabalhados com as crianças de
maneira que elas tomem consciência de que os mesmos estão sendo utilizados com a
finalidade de trabalhar os conteúdos geométricos aprendidos em sala, e não
disponibilizados somente com o intuito do jogo pelo jogo.
Cabe ressaltar que, no momento da entrevista, não percebemos que poderia ter
feito outras questões a professora com relação às formas planas abordadas em suas
aulas. Por isso, destacamos ao leitor a importância da manipulação e das intervenções
do professor quando a criança utiliza os materiais concretos, pois esses, por si só, não
garantem aprendizagens as crianças. De igual importância cabe dizer que, na Educação
Infantil, não se prioriza a nomeação das formas planas, mas suas explorações, a partir de
situações lúdicas. Como já afirmamos, segundo Nacarato e Passos (2003), em outubro
de 1995, a Conferência “Perspectivas para o Ensino da Geometria no século XXI”,
recomenda que, quanto ao ensino de geometria “merecem menos atenção atividades
centradas na memorização de vocabulário, fatos e relações.” (pág.28)
35
Posso perceber que Marta não destaca contribuições de seu curso de formação
que possibilitem seu trabalho com o educar na Educação Infantil, conforme destacado
no capítulo 3 - Histórico da Educação Infantil. O cuidar engloba o trabalho com
conteúdos de diversas áreas do conhecimento e não se objetiva cuidar da criança
enquanto ela desenvolve atividades livres, mas sim em se ter objetivos e metas a atingir.
Cabe acrescentar que é possível que ainda se tenha um amplo espaço de trabalho na
formação de professores para oportunizar ao professor aprendizagens quanto ao educar
na Educação Infantil.
Quando perguntado a professora Marta sobre o plano de ensino, ela afirma que,
na instituição eles não trabalham com planos de ensino e sim com projetos. No entanto
não tive acesso aos mesmos, só fui informada que os projetos são realizados anualmente
a partir de um coletivo de professoras que discutem as metas a serem atingidas em cada
etapa do ensino. Há também os chamados semanários, que são planejamentos de aulas
(dos quais não tive acesso também), sendo estes feitos semanalmente.
A partir dos dados obtidos com a professora Marta pudemos concluir que ela
tem consciência da importância da matemática e dos conceitos geométricos para sua
formação, tanto quanto para a formação de seus alunos. No entanto ela observa que em
sua formação há lacunas a cerca dos conceitos geométricos, desde o início de sua
escolaridade. Entretanto a professora tem a consciência de sua formação e por isso
busca por cursos de formação continuada e congressos.
36
Considerações Finais
O objetivo deste trabalho foi o de realizar um estudo que abordasse a temática
“A geometria na Educação Infantil: desafios da prática docente”.
A pesquisa para sua realização passou por várias etapas, a primeira delas foi
centrada no estudo teórico da história da Educação Infantil, com o intuito de analisar
como ocorreu sua trajetória até se tornar de fato, uma das etapas do ensino, sendo a
primeira da Educação Básica brasileira. A outra etapa se caracterizou pela análise do
ensino da geometria no currículo escolar da Educação Infantil tendo como base o
RCNEI e pesquisas que tratam desse tema. Essas análises foram bases para se analisar a
prática docente da professora pesquisada neste trabalho.
A importância deste trabalho se deve ao fato dos conteúdos geométricos serem
essenciais às relações dos sujeitos com o espaço no qual eles estão inseridos. Dessa
forma é a partir desses conteúdos que desenvolvemos segundo Lamonato (2007), um
tipo especial de pensamento capaz de possibilitar ao indivíduo a capacidade de
descrever, compreender e representar organizadamente o mundo em que vivemos. E
para que isso ocorra de maneira satisfatória é preciso que se dê os primeiros passos
desde a mais tenra idade, pois como citou Crescenti (2005, p.28) “...nós mesmos somos
“seres geométricos”, dotados de forma tridimensional”. Sendo assim, desde o nosso
nascimento já lidamos com relações geométricas. Diante disso, porque esse conteúdo
não é estudado desde a base da educação, ou seja, a partir da Educação Infantil e nas
etapas seguintes?
Atualmente, constata-se, a partir de pesquisas realizadas por outros autores e
pela fala da própria professora pesquisada que a geometria ainda não pode ser expressa
como um campo com lugar reservado na Educação Infantil. Isso decorre muitas vezes
pelo fato dos professores não estarem preparados para abordar conteúdos geométricos,
por não terem tido em sua formação escolar ou profissional o estudo desse conteúdo da
matemática. Para isso como forma de “remediar” essa defasagem os professores buscam
por cursos de formação continuada na tentativa de cobrir essas lacunas decorrentes de
sua formação, ou então, estudam e tentam aprender por conta própria, quando o tempo
permite.
37
Dessa forma constatamos a necessidade de se haver mudanças na sociedade nas
esferas educacional, política e administrativa para que ocorra uma transformação no
ensino da geometria em todas as etapas do ensino.
Este estudo se fez importante para se compreender, mediante análises de
estudos teóricos, a atuação docente na Educação Infantil a cerca do conteúdo
geométrico a partir da prática de uma professora que atua em uma sala de crianças de
cinco anos de idade. Com base nessas análises já mencionadas no capítulo anterior
pudemos observar a preocupação da professora no tocante ao ensino de conteúdos de
geometria.
Em síntese, posso dizer que a geometria se faz presente na prática da professora
entrevistada pelas formas geométricas planas, a qual ela destaca a importância de se
envolver o corpo da criança nas representações que faz de tais formas. Ela também
busca dar lugar à geometria em suas aulas a partir do uso de materiais didáticos.
Os desafios encontrados pela professora parecem ser diários, pois ela afirma que
sua formação não contemplou situações nas quais ela possa se fundamentar para sua
prática. Esses desafios podem contemplar inclusive um entendimento relacionado ao
que significa ensinar geometria na Educação Infantil, tanto em relação aos conteúdos
quanto às metodologias.
38
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Educação Infantil. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Federal de São
Carlos. São Carlos, SP.
LORENZATO, S. Educação Infantil e percepção matemática. Campinas, SP:
Autores Associados, 2006.
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LORENZATO, S. Para aprender matemática. Campinas, SP: Autores
Associados, 2006. (Coleção formação de professores).
NACARATO, A.M; PASSOS, C.L.B. A Geometria nas séries iniciais: uma
análise sob a perspectiva da prática pedagógica e da formação de professores. São
Carlos: EDUFSCar, 2003.
PASSOS, C.L.B. Representações, interpretações e prática pedagógica: a
geometria na sala de aula. Tese (Doutorado em Educação Matemática) faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2000.
PAVANELLO, R.M. O abandono do ensino da geometria no Brasil: causas e
conseqüências. Zetetiké, v.1, n.1, p.7-17, março 1993.
SERRAZINA,L. (Org), A formação para o ensino de matemática na educação
pré-escolar e no 1° ciclo do ensino básico. Porto: Porto Editora, 2002.
APÊNDICE I
Questionário respondido pela professora pesquisada
1)
Qual é sua formação?
R: Magistério, Pedagogia (UFSCar), Mestrado e Doutorado em Metodologia de
Ensino na UFSCar.
2)
Você fez ou faz pós graduação? Em que área?
R: Fiz. Metodologia de Ensino com enfoque em Educação Infantil.
3)
Há quanto tempo atua como docente na Educação Infantil?
R: 17 anos.
4)
Como você vê a formação (acadêmica) do pedagogo para explorar a
geometria na Educação Infantil? Ela é o bastante ou necessita, a seu ver, de
complementações?
R: Quando cursei a Pedagogia não havia preocupação “central” com a Educação
Infantil. Ou seja, o que eu “sei” sobre Educação Infantil foi “estudado”
concomitantemente à prática docente em cursos de formação continuada, congressos e
curiosidade pessoal.
5)
Como é para você lidar com a geometria com crianças de cinco anos?
Como as aulas são planejadas? Há dificuldades ao colocá-las em prática?
R: Penso que deva ser algo bem prático, chamando a atenção para aquilo que é
possível observar no meio. Trabalhamos de acordo com um projeto estabelecido e
vamos aproveitando seu desenvolvimento para despertar a atenção da criança para
aspectos da geometria.
APÊNDICE II
Entrevista realizada com a professora pesquisada (Audiogravada) e
posteriormente transcrita
1) Quais são os desafios encontrados para introduzir a geometria no currículo da
matemática na Educação Infantil?
R:
-Eu não vejo uma dificuldade particular para introduzir geometria no currículo
da Educação Infantil.
-O que eu percebo é que muitas vezes nós como professores não somos
preparados para isso então quero dizer a gente acaba não sabendo direito geometria para
ensinar as crianças. Eu acho que essa é uma questão que a gente precisa considerar
quando se fala geometria. Agora em relação as crianças tudo que você aprende elas
estão assim completamente abertas para aprender qualquer coisa que você proponha,
então nesse aspecto eu não vejo assim grandes dificuldades.
2) Essa dificuldade que você citou é devido aos cursos de formação?
R:
- Sim, porque, acontece o seguinte, quando eu pelo menos fiz o primeiro grau a
geometria era uma parte da matemática que era colocada lá no final do ano,era assim,
se sobrasse tempo ensinava-se geometria e com isso eu acho que agente acaba não tendo
uma formação sólida para lidar com geometria, né. Agente sabe o básico, mas se agente
soubesse mais, agente poderia despertar o conhecimento da criança, né, levar a criança a
investigar a ser curiosa sobre esse tema de uma forma muito mais...muito menos
superficial, muito mais aprofundada.
3) Qual a importância que você dá a essa área da matemática?
R:
-Quando eu estudei agente aprendia geometria mais era pra fazer desenho
mesmo, né. Mas hoje em dia eu percebo assim que nosso mundo, se é que eu posso
dizer assim, é o mundo geométrico, né, é um mundo da linguagem visual hoje e a
geometria faz parte disso, então eu penso que se agente despertar a curiosidade da
criança pra isso ela vai estar observando muito mais o mundo, né, as formas como as
coisas estão construídas e constituídas e trabalhar o raciocínio lógico delas mesmo, né.
4) Como você busca explorar os conceitos geométricos na sua sala de aula da
educação Infantil?
R:
- Então, na Educação Infantil agente pensa assim oh...que toda aprendizagem
passa pelo corpo da criança, né, toda aprendizagem passa por aquilo que elas
conseguem vivenciar, observar, experimentar, refletir sobre. Então é, a primeira coisa
que agente faz é despertar a curiosidade da criança para o meio onde ela está, né, então,
- Qual é o formato que tem a porta? – Qual é o formato que tem sua carteira?Qual é o
formato que tem a caixinha de papel que você trouxe para a professora? Qual o formato
que tem...enfim...o baldinho que você usa lá no parque. E explorar mesmo essa
experimentação dela, né, corporal. Andar sobre uma figura determinada um triangulo,
um quadrado, enfim, aí depois disso agente dá assim muita figura para elas recortarem,
né, que nem, eu trouxe o Tangran e o Melimelô que são jogos formados por quebracabeças formados por peças geométricas, né. Então a partir dessas peças eles recortam,
montam outras figuras, observam a posição dessas figuras dentro de um espaço
delimitado que você dá. Você trabalha ângulo, vértices, lados com as crianças por aí a
fora.
5) O que é Milimelô?
R:
- É um jogo como o tangran só que o tangran tem sete peças e o milimelô tem
cinco peças. Então antes de trabalhar o tangran eu trabalho com o milimelô que ele tem
triângulos, quadrados,paralelogramos. Então eu trabalho assim, por exemplo, eu adapto
aquela história do tangran. De que um filho ia viajar e ganhou do pai um espelho e ele
tinha que trazer as imagens mais bonitas que ele visse dos lugares que ele passaria para
o pai dele, e aí o espelho caiu no chão e se quebrou, e foi a forma que o menino
encontrou de mostrar as imagens, né. Então quer dizer, eu dou isso, eles pintam
recortam sobre as peças e formam figuras livremente. Então o que foi que o menino viu
na viagem? –Um gato, uma casa enfim, cada um monta uma coisa para mostrar para o
pai. Agente produz histórias em cima disso, trabalha todas as áreas, trabalha a
motricidade, o raciocínio lógico matemático, trabalha a linguagem, eventualmente
trabalha até o conteúdo de ciências, por exemplo, o gato, trabalha as raças dos gatos,
enfim, dá para viajar a partir disso. Numa outra aula eu dou a figura montada e o
joguinho cortado em cartolina, ai eles traçam a figura usando o joguinho que eu dei
como molde e recortam e ai eles tem o desafio de montar a partir daqueles recortes que
eles fizeram em cima da figura que eu dei. Numa outra aula eu trabalho assim...-Como é
que a gente vai usar dois triângulos para formar um quadrado? Como é que a gente pode
usar um quadrado e um triângulo para formar um paralelogramo? Ou como eu vou
formar um paralelogramo usando três triângulos? Numa outra aula eu dou uma figura,
mas só com as formas delas eu não dou os recortes que tem dentro. E aí eles têm que
descobrir como dispor essas figuras de forma a formar a figura que eu dei o contorno.
6) Qual a importância do Milimelô para introduzir os conceitos geométricos?
Então, eu acho assim primeiro, é um jogo que trabalha determinadas figuras
geométricas e na Educação Infantil agente considera que as crianças aprendem muito
enquanto elas jogam, né, então, agente usa esse jogo pra propor desafios para as
crianças e levá-las a perceber mesmo o formato das figuras, quantas pontas, quantos
lados, e por aí afora. Na verdade é como se fosse um tangran, mas como eles são
menores, né, então eu acabo dando primeiro menos peças para depois introduzir o
tangran.

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