sugestões de ações
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sugestões de ações
In memoriam... In memoriam... Henry Ardila Ardila Luis Gauthier Urzúa Dois grandes batalhadores que abriram os caminhos de advocacy em relação a HIV/Aids em gays e outros HSH, em prol do exercício de nossos direitos no marco da construção permanente de uma cidadania integral, plena, nossa... Créditos Gostaríamos de expressar nossos agradecimentos àqueles que colaboram com esta publicação: Produção : ASICAL e o Projeto POLÍTICAS - Elaboração de documentos e sistematização: Juan Antonio Izazola (SIDALAC)Capítulo I, Considerações epidemiológicas Edição geral : Sandra Aliaga Bruch Jennypher Calderón e Jeffrey Stanton - Panorama regional sobre a situação do HIV/ Aids na América Latina e no Caribe Rafael Freda - Sistematização de documentos da UNAIDS e outros - Sistematização de experiências de advocacy: Rafael Freda e Javier Durán (Argentina) Toni Reis e David Harrad (Brasil) Condução de grupos focais de validação: ”ADESPROC-Libertad” de Bolívia ”Amigos siempre amigos” de República Dominicana Fundación “Equidad” de Equador ”Grupo Dignidade” de Brasil ”Liga Colombiana de Lucha contra el SIDA” de Colômbia ”MUMS” de Chile ”OASIS” de Guatemala ”SIGLA” de Argentina Assessoria: Rubén Mayorga, Orlando Montoya e Omar Pérez Design, concepção gráfica e diagramação: Daniela Viscarra & Moira Machicado (La Paz - Bolivia) Versão original em espanhol Tradução e revisão da versão em portugûes: David Harrad Nosso profundo agradecimento a todas as pessoas que participaram dos grupos focais por suas valiosas contribuições. Nosso reconhecimento aos grupos brasileiros membros da ASICAL: Grupo Arco-Íris, Grupo Dignidade e Grupo Gay da Bahia, e à Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis e seus grupos filiados, assim como aos Coordenadores e Assistentes do Projeto Somos, por sua colaboração com a ASICAL na luta constante por nossos direitos. Também agradecemos ao Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde do Brasil pela parceria no desenvolvimento do Projeto Somos. Esta é uma produção da ASICAL e do Projeto POLíTICAS, por nós seráç uma satisfação que a utilizem, reproduzam, copiem... porém, não esqueçam de citar a fonte. Esta publicação está protegida por direitos autorais. Indice Introdução - Rubén Mayorga................................................................ i IV • • • • • • • • Considerações iniciais................................................................................. iii CAPÍTULOS I Considerações epidemiológicass - Juan Antonio Izazola............................ • • • • • • • • II • • • • • III 1 Transmissão do HIV e classificação dos casos de Aids............... Pontes epidemiológicas............................................................. Informações válidas e confiáveis............................................... Prevalência de infecção por HIV............................................... Contas nacionais de HIV/Aids................................................... Nem se interiorizou, nem se feminilizou, nem se conteve................. Nem médicos, nem sacerdotes.................................................. Conclusão................................................................................. 2 6 7 9 10 13 15 16 Como surge advocacy?............................................................................. 19 Pelo respeito à diversidade sexual............................................. Penetrando a estrutura do poder................................................ Aproximações conceituais......................................................... Entre ações e estratégias............................................................ Lições aprendidas..................................................................... 21 22 22 24 25 Desenvolvimento de uma estratégia de advocacy..................................... 27 • • • • • Definição de termos.................................................................. Preparando o terreno................................................................ Por onde começar?................................................................... Precisamos de um “nós” forte................................................... Desarticulando uma lei chilena homofóbica............................. 28 29 30 31 32 Do problema à solução ........................................................................... V Definir o problema: uma tarefa fundamental.............................. Coleta de informação................................................................. É imperativo saber usar a informação........................................ Discussão de alternativas de soluções........................................ Construindo ambientes e climas................................................. Ferramentas para se pensar ....................................................... No meio do mundo, aí está o Equador........................................ Como Equidad define um dos problemas que enfrenta?............. 35 36 38 39 40 41 41 44 44 Incidir sobre quem toma a decisão............................................................ 45 • Como sempre, os mapas ajudam a situar.................................... 46 • A vida continua.......................................................................... 49 • As estruturas de poder: a magia de conhecê-las......................... 50 VI De alianças e guerras.................................................................................. 51 • • • • • • Nunca subestime os opositores..................,............................... A dignidade se forja .................................................................. Transformar de dentro................................................................ Uma aposta coletiva.................................................................. Mapas de poder.......................................................................... Alianças e alianças..................................................................... 52 53 54 54 55 56 VII A “comunicação”: nossa protagonista........................................................ 59 • • • • • O efeito “quebra-cabeças”......................................................... Do individual para o coletivo.................................................... De mensagens, materiais, meios e processos............................. Em que momento e em que lugar? ............................................ E sempre se pergunta: “e os meios de comunicação social?” ....................................... 60 62 63 65 65 VIII Refletir para seguir adiante........................................................................ 69 • • • • • • • IX Monitoramento, avaliação e seguimento................................... Quantas coisas se conseguiram nos últimos anos!.................... Para tomar decisões.................................................................. Intrinsecamente relacionados.................................................... Que tipo de dados servem para nós?......................................... Acendeu a faísca, e agora?........................................................ Passo a passinho... a América Latina avança............................ 70 70 70 70 71 72 73 Tudo tem um custo........................................................................................ 75 • O que precisamos?.................................................................... 76 • Captando fundos...................................................................... 77 • Ser sustentável. Que maravilha!................................................ 78 X O caminho se faz andando........................................................................ 81 • • • • Plano de trabalho...................................................................... De poder para poder................................................................. Levantamento de ações............................................................. Preparando o terreno: formação de uma consciência coletiva...................................... Preparando o terreno: estabelecendo bases concretas............... Aproveitando oportunidades..................................................... Construindo a artilharia conceitual: processo............................ Construindo a artilharia conceitual: elementos.......................... Fortalecendo o mobilização...................................................... Criando o vínculo com o público primário................................ Articulando e mantendo alianças.............................................. Criando materiais de comunicação........................................... 84 85 86 87 88 89 90 91 92 Considerações finais.......................................................................................... Manifesto pela saúde sexual dos gays e outros HSH..................................... .... Lista de participantes.......................................................................................... Bibliografía......................................................................................................... Glossário de abreviaturas.................................................................................. 93 95 98 101 104 • • • • • • • • 82 83 83 Introdução Mulheres, travestis e homens profissionais do sexo, gays e outros homens que fazem sexo com homens, usuários e usuárias de drogas injetáveis... são as pessoas mais afetadas na América Latina pela epidemia do HIV/Aids, grupos populacionais marginalizados e discriminados que até o presente momento representam mais de 50% dos casos de HIV e a maioria das mortes associadas à Aids na região. O HIV/Aids chegou à América Latina e ao Caribe em 1983. Vivia-se uma transição política de regimes militares ditatoriais em meio a processos incipientes de democratização. A epidemia, como em outras regiões do mundo, afetou inicialmente grupos de homens homossexuais. Muitos deles estavam em pleno processo de organização, começando a reivindicar seus direitos, especialmente os direitos sexuais. A “peste gay” dificilmente consegue ser um fator de apoio a este esforço, e as sociedades conservadoras e homofóbicas têm dificuldades em enfrentar uma epidemia com estas características, “culpando” os homossexuais pela transmissão do HIV. Os efeitos da epidemia foram devastadores nas comunidades gays da região. Ficou confirmado que o HIV se transmite através de relações sexuais e pelo uso de produtos sanguíneos infectados ou pelo compartilhamento de material de injeção. Enfrentou-se a epidemia com negação, negociação, rejeição e, em alguns poucos casos, com aceitação. Um sistema que prioriza a saúde materna e infantil não estava preparado para assumir o i grande desafio da Aids. As populações de mães e filhos haviam se tornado o centro das preocupações da saúde pública durante as décadas anteriores, com o apoio da Organização Pan-americana da Saúde, os governos nacionais, as agências de cooperação internacional e, em particular, o impulso dos grupos organizados de mulheres urbanas e rurais de todas as etnias, crenças, etc. Assim, conseguiram reduzir as altas taxas de mortalidade materno-infantil. Este mesmo sistema não sabia como abordar a Aids, entendida como um fenômeno alienígena à saúde e sexualidade masculina que, além disso, afetava cidadãos com pouco poder de mobilização social e política. Diante da negação reinante e a mortalidade prematura de milhares de gays e outros homens que fazem sexo com homens na América Latina, a comunidade começou a responder com atividades de apoio integral às pessoas que vivem com HIV/Aids e atividades de prevenção voltadas para eles mesmos e para “o resto da população”. Pela natureza homofóbica de nossas estruturas sociais, o trabalho de prevenção de HIV/Aids especificamente com gays reforça o “estigma” em relação à comunidade, e gera a necessidade de “deshomossexualizar” as epidemias de HIV na região. O que significa isso 20 anos depois do início das epidemias latino-americanas? Os recursos utilizados para a prevenção nestes grupos continuam muito abaixo da magnitude das epidemias de HIV e não tem sido possível conseguir generalizar um tratamento ético e humano por parte dos profissionais de saúde em relação a gays e outros homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo e usuários/ as de drogas injetáveis, que continuam representando a maioria dos casos de HIV/Aids na região. Os estudos de contas nacionais em HIV/Aids coordenados por SIDALAC, entre outros, demonstram esta situação. Frente a este panorama, dez organizações latinoamericanas de gays do México, Guatemala, Colômbia, Equador, Chile, Argentina e Brasil uniram seus esforços para desenvolver estratégias de advocacy a fim de obter novos apoios técnicos e econômicos para realizar atividades de prevenção, atenção e apoio em HIV/Aids para gays e outros homens que fazem sexo com homens. Assim nasceu ASICAL. Durante a Conferência Pan-americana de Aids em Lima, Peru, em dezembro de 1997, fundou-se a Associação para a Saúde Integral e Cidadania na América Latina. A essas alturas da epidemia, as organizações fundadoras já haviam obtido resultados altamente significativos para a comunidade. Por exemplo: a revogação de artigos que tipificam a homossexualidade como delito nos códigos penais de Chile e Equador; a conquista de garantias constitucionais equatorianas em defesa dos direitos da diversidade sexual; a priorização de fundos para a prevenção com gays e outros homens que fazem sexo com homens através de um empréstimo do Banco Mundial para reduzir o impacto da Aids no México. Também conseguiu-se que o governo do Distrito Federal do México dedicasse US$500,000 à prevenção do HIV com gays e outros HSH. Na conservadora Guatemala, estudos de contextos de vulnerabilidade e de soroprevalência em gays resultaram no Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids dedicar a totalidade dos fundos de aceleração de programas (PAF) em 2003 para a elaboração de estratégias de advocacy com o objetivo de colocar os temas de homossexualidade masculina e do trabalho sexual na agenda da Aids do país e conseguir fundos para a prevenção, atenção e apoio em HIV/Aids nestas populações marginalizadas. Na Argentina, conseguiu-se o apoio dos governos dos estados que fazem fronteira com o Brasil e a cooperação brasileira para impulsionar o projeto CREFOR, modelado no Projeto Somos do Brasil. O Projeto Somos, modelo para muitos outros países e esforços, surge como produto dos esforços de advocacy das organizações gays brasileiras de luta contra a Aids, várias das quais pertencem à ASICAL. O projeto capacita organizações gays brasileiras no desenvolvimento de projetos próprios de prevenção do HIV com a população de gays e outros HSH. Os companheiros brasileiros conseguiram que a Coordenação Nacional de DST/Aids do Brasil participasse deste esforço nacional, em parceria com universidades, outras agências das Nações Unidas e outras instâncias. Através de seus esforços de advocacy, o “Somos” impulsionou o aumento de cobertura de 160,929 HSH em 1999 para 1,635,824 em 2002. Enquanto isso, sob a liderança de Luis Gauthier, Henry Ardila e Jeffrey Stanton, as organizações ii membros de ASICAL produziram em 1998 o guia “Estratégias e orientações para ações em HIV/ Aids com HSH”. Com o apoio da UNAIDS e o patrocínio da Liga Colombiana de Luta contra a Aids e ASICAL, este guia faz um apanhado de várias das melhores práticas relacionadas a conceitos e orientações gerais do trabalho e as estratégias integrais de intervenção em HIV/Aids com HSH. De 1999 a 2000, com o apoio da UNAIDS, foi promovido o desenvolvimento de planos estratégicos em quinze países da região para a prevenção, atenção e apoio em HIV/Aids com gays e outros homens que fazem sexo com homens. Participaram as organizações membros da ASICAL junto com os Programas Nacionais de Aids (reunidos sob o guarda-chuva do Grupo de Cooperação Técnica Horizontal, GCTH), organizações de pessoas que vivem com HIV/ Aids, organizações que trabalham com Aids, a Rede Latino-americana de Planejamento Estratégica e outros atores de 15 países latinoamericanos e caribenhos. Pelo fato de que apenas uma pequena parte destes planos tem sido executada de maneira significativa, faz-se indispensável uma estratégia de advocacy que busque pressionar os tomadores de decisão para que implementem satisfatoriamente estes planos estratégicos. Finalmente, com o apoio de USAID e o Projeto POLÍTICAS, produzimos o presente guia. Nele faz-se um apanhado dos princípios de advocacy e algumas das experiências das organizações da ASICAL desenvolvidas neste campo. Os bons exemplos do movimento de mulheres na luta pela defesa de políticas públicas em saúde sexual e reprodutiva, nos apontam caminhos possíveis relativos à conquista das condições necessárias para garantir a saúde sexual dos homens e, em particular, dos gays e outros homens que fazem sexo com homens. Portanto, gostaríamos de agradecer à Agência Estadunidense de Desenvolvimento Internacional (USAID) e ao Projeto POLÍTICAS por seu apoio técnico e financeiro no desenvolvimento deste guia e por acreditar na necessidade de uma série de esforços a longo prazo, os quais contribuirão para melhorar a saúde de milhões de gays e outros homens que fazem sexo com homens na América Latina e no Caribe. Em especial gostaríamos de agradecer a Clifton Cortez, Sandra Aliaga, Lane Porter, Mary Kincaid, Kevin Osborne, Omar Pérez e Pablo Magaz, por seu extraordinário interesse, empenho e energia em dar início a este grande projeto. Dr. Rubén Mayorga Sagastume Coordenador Geral, Associação para a Saúde Integral e Cidadania na América Latina (ASICAL) Considerações iniciais... O HIV/Aids é um problema que afeta mais de 40 milhões de pessoas ao redor do mundo sem distinção de raça, credo, gênero, idade, orientação sexual ou nível sócio-econômico. Os gays e outros homens que fazem sexo com homens são os mais afetados na América Latina e nos Estados Unidos. No âmbito da saúde pública, o estigma e a discriminação têm contribuído para negar sua existência, provocando assim a ausência de ações governamentais que garantam seu acesso aos programas de prevenção e tratamento do HIV. Com isso, só conseguiram agravar a expansão da epidemia. Por isso, é necessário enfrentar a estigmatização de cara. Este é um assunto político que precisa ser encarado abertamente para poder contribuir para programas eficientes de prevenção e tratamento do HIV/Aids. Negar a realidade não nos traz nada positivo, pelo contrário permite que a sociedade não reconheça a existência de práticas sexuais entre homens, de natureza diversa e em circunstâncias distintas. O termo “homens que fazem sexo com homens” (HSH) abrange gays, bissexuais, transgêneros, profissionais do sexo masculino e inúmeros homens que por distintas razões e situações se relacionam, experimentam e/ou mantêm praticas sexuais homossexuais. Também podem ser adolescentes, homens confinados, militares ou homens que sofrem outras situações de isolamento... HSH é uma categoria epidemiológica para determinar a transmissão iii do HIV com relação a práticas sexuais específicas, independente da orientação e/ou identidade sexual dos indivíduos. A ausência de atenção à saúde masculina em geral por razões de distorções de gênero, o enfoque tradicional e punitivo da prevenção da Aids, o modelo heterossexual dos serviços para pessoas que vivem com HIV... são fenômenos que afetam a qualidade dos serviços e capacidade social para combater a epidemia. Ao não aceitar a existência de práticas sexuais entre homens, tampouco se reconhece a necessidade de pesquisar, formular políticas e normas nesta área, e nem o direito dos gays e outros HSH terem acesso a serviços especializados de saúde e aconselhamento ofertados pelos programas de prevenção e tratamento das DST/HIV/Aids. A intenção da Associação para a Saúde Integral e a Cidadania na América Latina (ASICAL) e o Projeto POLÍTICAS ao aliar-se para apresentar o Manual de Advocacy, é contribuir para o fortalecimento da capacidade local de gays e outros homens que fazem sexo com homens no desenvolvimento de estratégias de advocacy neste âmbito de ação, partindo das ricas experiências protagonizadas na América Latina por organizações como: • Grupo Dignidade (Curitiba-PR, Brasil), • Organización de Apoyo a una Sexualidad Integral frente al SIDA (OASIS - Guatemala), • Sociedad de Integración Gay Lésbica Argentina (SIGLA - Argentina), • Movimiento Unificado de Minorías Sexuales (MUMS - Chile), • Fundación Ecuatoriana Equidad (Ecuador), • Liga Colombiana de Lucha contra el SIDA (Colombia) Nosso objetivo central é proporcionar a gays e outros homens que fazem sexo com homens as linhas básicas de ação sobre como incidir politicamente (ou seja, fazer advocacy) nos programas de prevenção e tratamento de DST/ HIV/Aids em homens que fazem sexo com homens. Para exercer a cidadania, nada melhor que aprender a participar efetivamente nos processos governamentais de tomada de decisões que afetam nossas vidas. Por um lado, existe material abundante sobre DST/HIV/Aids e, por outro, manuais sobre como fazer advocacy. A idéia não é duplicar estes esforços, e sim complementá-los. Trabalhos como “Estratégias e linhas de ação em DST/HIV/ Aids com HSH” da Liga Colombiana de Luta contra a Aids; “Formando redes para a mudança de políticas: manual de capacitação em defesa e promoção” do Projeto POLÍTICAS, “Uma introdução à promoção de saúde sexual para homens que fazem sexo com homens e gays” da Fundação Naz, ou os inumeráveis documentos produzidos pela UNAIDS, são apenas alguns textos que constam na bibliografia, cuja consulta seria imprescindível para se aprofundar nos temas propostos ou para ampliar conceitos, enfoques ou metodologias. O presente manual começa com uma revisão, elaborada por José Antonio Izazola, do panorama da epidemiologia do HIV/Aids na América Latina e Caribe. A partir daí, pretende traçar o surgimento de advocacy como uma estratégia válida para a conquista de nossos direitos e, capítulo por capítulo, analisar as características de cada um dos elementos que a compõem, tomando em conta experiências desenvolvidas por diversas organizações na América Latina. Desta maneira, ASICAL e o Projeto POLÍTICAS cumprem seu compromisso, na esperança de proporcionar ferramentas que sejam de utilidade para guiar e fortalecer a participação cidadã na melhoria dos programas de prevenção e tratamento do HIV/Aids em HSH. iv Considerações epidemiológicas• capítulo 1 1 Considerações epidemiológicas “Informação para a ação”. Assim poderíamos definir “epidemiologia”. Nesse sentido, a informação epidemiológica sobre o HIV/Aids deve ser utilizada, por um lado, para fazer prevenção ou controle eficiente na tentativa de eliminar a doença e, por outra, para chamar a atenção de forma adequada para as populações afetadas. Em outras palavras, a epidemiologia deve guiar a utilização de recursos de prevenção e assistência. As tendências epidemiológicas tentam descrever as características de tempo, lugar e pessoas; ou seja, quem, onde e quando. No caso do HIV e a Aids, existem diversas formas de se medir estas epidemias. Para a Aids, contabilizam-se os casos diagnosticados, enquanto para o HIV, estimamse as prevalências1 em populações ou grupos populacionais afetados ou de interesse. Desde o início, as atividades mundiais no enfrentamento da epidemia do HIV/Aids outorgaram um papel fundamental às populações mais afetadas. Estas não são consideradas parte exclusivamente da problemática e sim essencialmente parte da solução. Frente ao aparecimento da Síndrome da Imuno-Deficiência Adquirida (SIDA/Aids), a construção do primeiro programa dedicado a seu controle epidemiológico, o Programa Especial de Aids da Organização Mundial da Saúde em 1988, constitui um exemplo de enfoque multidisciplinar que transcende seu conteúdo meramente biomédico. Os mecanismos de transmissão do HIV que envolvem o comportamento sexual e o uso social de drogas, tanto injetáveis como de outro tipo, não podem ser abordados de maneira adequada apenas pela disciplina médica. A implantação de medidas preventivas, mais ainda que intervenções – que por definição vêm de fora das populações afetadas – é composta por processos. Entre eles, os processos sustentáveis e de maior eficácia demonstraram-se ser aqueles desenvolvidos pelas próprias populações afetadas, apesar de serem promovidos (e financiados) por outras instâncias, como governos nacionais ou locais. O que hoje conhecemos como a epidemia do HIV/Aids é composta por múltiplas e variadas epidemias nacionais, regionais ou locais. Estas epidemias ou sub-epidemias, por sua vez, podem estar entrelaçadas e depender umas das outras. De fato, em algumas regiões, o HIV/Aids pode ter deixado de ser uma epidemia, para se transformar em uma endemia2. Com freqüência, existe inicialmente preocupação diante do surgimento inesperado de casos de uma doença, logo se transformando em indiferença quando de seu aparecimento crônico em algumas áreas ou populações. Transmissão do HIV e classificação dos casos de Aids É complexo tentar caracterizar a epidemia do HIV/Aids, seja a partir das tendênciasi que apresenta, seja segundo o grau com que grupos específicos são afetados. No início, a epidemia foi classificada a partir de três tendências, de acordo com seu aparecimento nas diversas regiões do mundoii : - Tendência I: Populações inicialmente afetadas na Europa Ocidental, América do Norte e na Ásia: gays e bissexuais masculinos e usuários de drogas injetáveis. - Tendência II: A região sub-saariana na África: homens e mulheres heterossexuais por igual, seguido de uma epidemia perinatal. - Tendência I/II: Uma combinação destas, por exemplo no Caribe. Posteriormente, reconheceu-se uma maior variabilidade ao descrever as áreas de afinidadeiii, nas quais se definiu com maior detalhe as epidemias mais específicas por regiões menores. Uma análise recente publicada pelo Banco Mundial, UNAIDS e a Comissão Européiaiv classifica as epidemias de HIV de acordo com • Documento elaborado por José A. Izazola-Licea 1 prevalência pode ser definida como o número de pessoas vivendo com HIV que, recentemente ou já há algum tempo, contraíram HIV; normalmente se manifesta no número de casos por base populacional, de acordo com sua freqüência pode ser uma percentagem; ou expressada em termos de cada cem mil ou milhão de habitantes. 2 Uma epidemia se define como a freqüência “inesperada” (no sentido estatístico) de uma doença; uma endemia se define como a freqüência esperada de uma doença; existem zonas hipo-endêmicas ou hiper-endêmicas de algumas doenças. No caso do HIV/Aids, os primeiros casos demonstravam claramente uma endemia; também existia um aumento nos casos quando se esperava que se estabilizassem. O HIV/Aids é uma pandemia que existe em todo o mundo. 2 QUADRO 1. Taxas de Aids por milhão de habitantes, por sexo, ano de ocorrência, sub-região e país na América Latina* . sua maturidade e ampliação segundo o grau em que atinge grupos específicos; classificando-as como incipientes, concentradas e generalizadas: - Concentrada: inferior a 5% em qualquer grupo específico. HOMENS SUBREGIÃO Incipiente: superior a 5% em um ou vários grupos populacionais específicos. Generalizada: superior a 1% em mulheres atendidas em maternidades. Esta última classificação ajuda a entender melhor a dinâmica do HIV e sua expressão final em casos de Aids por populações diferenciadas nas regiões do mundo. O relatório bianual da Organização Panamericana da Saúde de setembro de 2002 informa a respeito das notificações de casos de Aids até junho de 2002. O número cumulativo de casos notificados de Aids para a América Latina e o Caribe (excluindo o Caribe NãoLatino), sem corrigir por atraso na notificação, é de 371,312 casos: - Região Andina: 32,273 - Cone Sul: 26,986 - Brasil: 215,810 - América Central: 28,614 - México: 51,017 - Caribe Latino: 16,612 1995 1996 1997 1998 1999 AMÉRICA LATINA 110 118 112 109 95,2 66 17,2 ÁREA ANDINA 34,9 34,2 29,1 28,3 25,9 19,2 4,1 Bolívia Colômbia Equador Peru Venezuela 3,5 17,3 10,6 37 9,3 0,9 19,2 9,9 47 2,3 1,4 16,1 19,7 50,1 0,2 3,9 17,6 25,5 41,2 … … 8,2 39,5 38 … 3,5 2,1 40 28,4 … CONE SUL 78,6 93,3 86,4 70,1 66,3 Argentina Chile Paraguai Uruguai 50,4 22 8,9 29,8 59,5 25,8 13,1 39 51,3 32,3 13,8 37,6 41,8 26,4 2,5 43,2 BRASIL 196 211 205 AMÉRICA CENTRAL 104 135 126 Belice Costa Rica El Salvador Guatemala Honduras Nicarágua Panamá A distribuição destes casos por sexo, ano de ocorrência, sub-região e país no período de 1995 a 2002v consta no Quadro 1 como uma taxa por 3 2000* 2001* 1995 1996 1997 1998 1999 2000* 2001* 34,1 41,1 43,9 46,4 41,5 30,2 6,3 7,1 5,1 7 7 6,2 0,9 6 … 39,6 17,3 … 0,3 0,1 1,9 2,6 1,8 1,4 9,4 11,9 1 0,3 0,6 1,9 1,7 10,8 0,1 1,4 1,2 3,1 1,2 4,6 12,7 12,7 11,18 … … 1,7 0,4 9,7 10 … 0,6 … 9,7 6,8 … 48,3 9,9 18,4 24,5 25,4 23,1 19,5 15,3 3,5 36,9 29,4 6,3 43,3 31 10,7 … 43,1 5,5 … … 29,3 13,1 17,7 2,6 3,4 1,4 2,6 10 9,7 17,4 3,8 5,1 16,1 16,3 3,6 2,7 12,3 12,5 5,1 2,4 15 10,8 1 … 18 1,9 … … 12,2 202 164 118 11,7 67,1 82,7 91,6 96,4 81,4 60,2 6,2 119 118 42,3 21 44,6 49,6 57,6 66,7 63,5 22,8 3,3 88,6 127,9 … 95,7 245,8 54 55,7 59,9 66,6 52,4 51,2 52,8 52 39,3 48,3 10,6 65,7 46,6 25,9 44,5 134,6 117,8 123,6 128,2 96,9 4,4 5,4 3,7 5,4 6,3 101,5 106,8 123,1 156,1 136,9 78,5 43,4 … 28,8 30,5 9,2 … 33,1 25,8 … 18,2 … 12,4 … 32,7 8,5 16,4 3,5 81,4 0,7 29,3 45,7 5,7 19,3 15,8 68,9 1,2 35,1 … 65,2 135,6 10,3 13,2 8,6 17,9 18,8 20,4 15,1 10,8 21,4 87,3 114,5 83 0,9 1,3 1,5 47 47,3 53 111,6 9,7 … 13,7 26,4 3,2 … 37,2 3,7 … 1,7 … 3,4 … 5,5 7,2 6,6 6,8 6,1 4 1,4 16,7 15,2 13,9 15,6 17,7 16,2 14 2,5 2,8 3,6 3,7 5,1 4,3 24,4 21,6 19 20,7 24 19,4 17,1 MÉXICO 41,3 40,2 37,8 37,3 34,1 21,2 7 CARIBE LATINO 31,1 26,4 27,8 26,2 31,3 33,5 31,5 8,2 6,4 8,9 9,9 12,2 17,1 23,2 40,1 34,8 33,7 29,6 34,9 31,8 20,5 Cuba República Dominicana * MULHERES 6,3 2,4 Fonte: Tabela 3 do relatório da OPAS Annual incidence rates of AIDS (per million population), by sex, by country and by year, 1995-2001, as of June 2002. Considerações epidemiológicas milhão de habitantes, ou seja, ajustando pelo tamanho populacional de cada país e permitindo assim ter uma medida relativa e, portanto, comparável entre populações. QUADRO 2. Risco Relativo de Homens comparado a Mulheres, casos de Aids, por ano, país e sub-região na América Latina e o Caribe† Em geral, a incidência de casos de Aids tem sido pelo menos duas vezes maior entre homens do que entre mulheres na América Latina. Em algumas regiões tem sido o triplo ou mais para o primeiro grupo do que para o segundo. Isso ocorreu na Região Andina e no Cone Sul. No México, os casos em mulheres representam aproximadamente 15% do total, e a incidência de casos de Aids em mulheres representa menos de um quinto dos notificados em homens. SUBREGIÃO Este panorama fica claro no Quadro 2, no qual também são indicados os riscos relativos de notificação como caso de Aids em homens, comparados com mulheres3. Tal medida indica, em termos epidemiológicos, que a probabilidade de que um homem seja notificado como um caso de Aids é 2.7 vezes maior que em mulheres durante o período em questão. As probabilidades de contrair o HIV, desenvolver Aids e ser notificado é três vezes maior em homens que em mulheres. Em conclusão, pode-se dizer que a epidemia da Aids na América Latina é fundamentalmente masculina, se bem que haja um aumento entre a população feminina. O risco relativo (RR) é uma medida epidemiológica que compara a probabilidade de um grupo de pessoas terem a característica de interesse em comparação com outro grupo de pessoas. Neste caso, compara-se a probabilidade de ter Aids se for de sexo masculino comparado com o sexo feminino. O cálculo aritmético desta medida se obtém ao dividir a taxa masculina pela taxa feminina. 3 4 1995 1996 1997 1998 1999 2000‡ 2001‡ AMÉRICA LATINA 3,2317 2,8686 2,5558 2,3427 2,2940 2,1854 2,7302 ÁREA ANDINA 5,5397 4,8169 5,7059 4,0429 3,7000 3,0968 4,5556 Bolívia Colômbia Equador Peru Venezuela 11,6667 9,1053 5,8889 3,9362 9,3000 9,0000 7,3846 7,0714 3,9496 7,6667 2,3333 8,4737 11,5882 4,6389 2,0000 2,7857 5,6774 5,5435 3,2441 ND ND 6,8333 3,1102 3,3989 ND 2,0588 10,0000 5,2500 ND 4,1237 4,0825 2,8400 2,5441 ND ND CONE SUL 4,2717 3,8082 3,4016 3,0346 3,4000 3,1569 2,8286 Argentina Chile Paraguai Uruguai 3,8473 8,4615 6,3571 2,9800 3,3616 7,5882 5,0385 4,0206 2,9483 8,5000 2,7059 2,3354 2,5644 7,3333 0,9259 3,5122 2,9520 5,7647 2,6250 2,8867 2,8704 10,7000 ND 2,3944 2,8947 ND ND 2,4016 BRASIL 2,9180 2,5538 2,2380 2,0954 2,0123 1,9518 1,8871 AMÉRICA CENTRAL 2,3229 2,7177 2,1858 1,7766 1,8614 1,8553 6,3636 Belize Costa Rica El Salvador Guatemala Honduras Nicarágua Panamá 2,7095 6,3529 3,1220 3,0286 1,6536 6,2857 3,4642 2,7987 9,7719 2,7358 4,1582 1,7097 4,5000 3,0427 ND 5,8155 2,9050 3,0861 1,4158 4,1111 2,6191 1,4678 5,0455 2,0904 2,3981 1,1197 4,1538 3,3002 1,8127 6,0930 2,3676 2,0794 1,1675 4,2000 2,5830 0,7034 0,8898 4,4742 6,9730 ND ND 2,1022 10,7059 1,1553 ND 2,8750 3,6471 ND ND MÉXICO 7,5091 5,5833 5,7273 5,4853 5,5902 5,3000 5,0000 CARIBE LATINO 1,8623 1,7368 2,0000 1,6795 1,7684 2,0679 2,2500 Cuba República Dominicana 3,4167 2,5600 3,1786 2,7500 3,2973 3,3529 5,3953 1,6434 1,6111 1,7737 1,4300 1,4542 1,6392 1,1988 † O risco relativo (RR) é uma medida epidemiológica que compara a probabilidade de um grupo de pessoas terem a característica de interesse em comparação com outro grupo de pessoas. Neste caso, compara-se a probabilidade de ter Aids se for de sexo masculino comparado com o sexo feminino. O cálculo aritmético desta medida se obtém ao dividir a taxa masculina pela taxa feminina. ‡ As informações para 2001 e 2002 são incompletas devido ao atraso na notificação de casos. Esse aumento chegou a ser denominada incorretamente como a “feminilização” da Aids. Uma epidemia se feminiliza quando o número de casos de mulheres excede a proporção que lhe corresponderia de acordo a sua representação populacional. Quer dizer, se na população existe aproximadamente o mesmo número de habitantes adultos do sexo masculino e feminino, a epidemia da Aids teria se “feminilizado” se os casos em mulheres excedessem a 50% do total. Total de casos em Mulheres por transmissão Sexual Total de casos em Homens por transmissão Sexual Sub-total de casos de Homens homo e bissexuais (homens que fazem sexo com outros homens: HSH) 39.420 130.631 82.251 (63% dos casos em homens por via sexual são HSH) TOTAL DE CASOS QUE CONTRAÍRAM HIV POR VIA SEXUAL 170.051 Um subconjunto de 229,241 casos notificados à Organização Pan-americana da Saúde incluindo as categorias de transmissão se apresenta no Quadro 3. O quadro demonstra que do total de casos na América Latina (incluindo o Caribe Latino), existem 130,631 casos em homens nos quais supõe-se ter sido conseqüência da transmissão sexual, enquanto existem somente 39,420 casos em mulheres por esta mesma via, dando uma proporção de 3,3 casos masculinos por cada caso feminino. Expressado de forma diferente, enquanto a população adulta feminina na América Latina e no Caribe constitui 50% dos adultos, os casos de Aids em mulheres representam 23% do total de casos Aids em adultos que contraíram o HIV por transmissão sexual. Percentagem do total de casos de Aids que contraíram HIV por via sexual 74,9 % Total de casos em Homens por transmissão Sanguínea 3.613 Total de casos em Mulheres por transmissão Sanguínea 1.560 A partir desses dados, pode-se concluir que a epidemia da Aids é na sua maioria masculina, apesar de existir um aumento recente no número de casos em mulheres, e a existência de outras epidemias relacionadas. Percentagem do total de casos de Aids que contraíram HIV por via sanguínea por uso de drogas injetáveis 5 TOTAL DE CASOS QUE CONTRAÍRAM HIV POR VIA SANGUINEA (Excluindo uso de drogas injetáveis) Percentagem do total de casos de Aids que contraíram HIV por via sanguínea-transfusional 5.173 2,3 % Total de casos em Homens que contraíram por uso de drogas injetáveis (UDI) 36.470 Total de casos em Mulheres que contraíram HIV por uso de drogas injetáveis (UDI) 8.306 TOTAL DE CASOS QUE CONTRAÍRAM HIV POR VIA SANGUINEA POR USO DE DROGAS INJETÁVEIS 44.776 19,7 % Total de casos por transmissão Perinatal 6.948 Percentagem do total de casos de Aids que contraíram HIV perinatalmente 3,1 % QUADRO 3. Categorias de transmissão do HIV em um subconjunto de casos de Aids notificados à Organização Pan-americana de Saúde para a América Latina, 1994-2002. Relação dos casos de Aids em homens, por casos de Aids em mulheres: transmissão sexual por ano de notificação para casos nos países da América Latina 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Nº Total de casos Percentagem de casos de Mulheres (%) 95.3% 95.9% 96.0% 96.5% 93.6% 91.3% 89.4% 87.6% 86.2% 82.8% 79.1% 79.9% 77.2% 74.8% 72.5% 68.6% 68.7% 67.7% 76.8% Proporção de Casos Homem: Mulher (%) 20.50 23.33 24.23 27.32 14.55 10.49 8.44 7.09 6.26 4.81 3.78 3.97 3.39 2.97 2.63 2.18 2.19 2.10 3.31 Considerações epidemiológicas Pontes epidemiológicas Em vez de ter uma epidemia constituída somente por homens, agora temos pelo menos três subepidemias: - a original em homens homossexuais e bissexuais (definidos por práticas e não por identidades), - a de homens e mulheres heterossexuais - a de usuários de drogas injetáveis. A epidemia de casos perinatais está apenas começando, como resultado das epidemias em heterossexuais e usuários de drogas injetáveis (e seus parceiros). O aumento no número de casos em mulheres, e portanto as novas infecções por HIV, se explicam desta forma por uma nova epidemia que se acrescenta à epidemia entre homens, sem porém substitui-la. As pontes epidemiológicas unem estas epidemias. Por exemplo, existem importantes epidemias em mulheres e crianças naquelas áreas geográficas em que o uso de drogas injetáveis é freqüente e está se iniciando uma epidemia de HIV nestes grupos. Este é o caso em algumas regiões na Argentina (por exemplo, ao redor da Cidade de Buenos Aires), ou na região sudeste do Brasil (por exemplo, em São Paulo, Rio do Janeiro e outras cidades). As epidemias que ocorrem em usuários de drogas injetáveis têm várias características que exemplificam as ligações epidemiológicas entre populações, mas de maneira alguma a epidemia do HIV/Aids se restringe a estas pontes. 6 Apenas com a finalidade de ilustrar a complexidade dos componentes das epidemias de HIV/Aids, vamos supor o seguinte: transmissão. Nos diversos grupos se criariam novas epidemias. Em uma região geográfica exista um grupo de usuários de drogas injetáveis (fundamentalmente por via intravenosa) formado principalmente por homens jovens e que a princípio não sejam profissionais do sexo. Este grupo pode compartilhar agulhas e seringas por um período indeterminado sem que o HIV se transmita. Entretanto, com freqüência a atividade sexual aumenta em alguns usuários de certas drogas e, sob o efeito delas, provavelmente sem utilizar o preservativo. Os parceiros sexuais dos membros do grupo poderiam também estariam expostos à infecção pelo HIV. Por exemplo, os homens com infecção recente pelo HIV teriam grandes probabilidades de transmiti-lo a seus parceiros usuais ou estáveis, até sem saber, sobretudo se seus parceiros tampouco soubessem que usam drogas. No exemplo apresentado, poderia ser que os usuários masculinos transmitissem o HIV no período de alta viremia devido a recente infecção, a suas parceiras, e eventualmente a seus filhos. No caso de um membro deste grupo passar a ter HIV, dentro de pouco tempo, no caso de compartilharem agulhas e seringas sem esterilizar, a prevalência de HIV (e outros patógenos) poderia aumentar a níveis superiores a 80%. Esta circunstância tem sido documentada amplamente em múltiplos contextos e se deve fundamentalmente à grande eficácia da transmissão do HIV, sendo equivalente a uma micro-transfusão de todos os usuários anteriores dos instrumentos de injeção intravenosa. Se um ou mais membros deste grupo tivessem um número grande de parceiros sexuais, então potencialmente em cada um dos grupos em que estão inseridos seus parceiros sexuais poderia iniciar-se/continuar-se uma epidemia de HIV, por exemplo, entre trabalhadores e trabalhadoras do sexo, contatos homossexuais ou heterossexuais. Por outro lado, este mecanismo no sentido contrário poderia ter iniciado a epidemia original apresentada no exemplo, ou tê-la impulsionada uma vez iniciada. A cadeia de transmissão do HIV entre todos os usuários, sejam homens ou mulheres, que compartilham instrumentos de injeção, entretanto, não se deteria apenas aos membros deste grupo, mas sim se iniciaria um ciclo de aumento de riscos (entendido como a probabilidade de contrair/transmitir o HIV) populacionais com múltiplas portas de entrada. Por exemplo, as relações sexuais sem proteção entre homens e mulheres dentro e fora do grupo resultariam em altas probabilidades de A complexidade não é menor no que diz respeito a HIV/Aids em homens que têm práticas sexuais homossexuais e bissexuais. Existem diversas epidemias ligadas entre si, para cada subgrupo de homens que em geral somente têm em comum a característica de fazer sexo com outros homens. A probabilidade de se contrair HIV entre homens homossexuais varia de acordo com a idade, região geográfica de residência habitual, lugares onde encontra seus parceiros sexuais, número de parceiros diferentes por unidade de tempo, uso do preservativo, antecedentes de doenças sexualmente transmissíveis, práticas e técnicas sexuais, entre outras. O termo Homens que fazem Sexo com Homens (HSH) inclui todo este conjunto diverso de populações, cada uma das quais tem características próprias. Cada sub-grupo imaginável entre os homens que fazem sexo com outros homens pode ter características epidemiológicas diferentes, e portanto merece ações preventivas diferentes também. Por exemplo, as diferenças entre os seguintes grupos são bem conhecidas: - homens com identidade “gay” e práticas homossexuais exclusivas; - homens sem identidade “gay” e pratica sexuais com homens e mulheres; e, ainda neste grupo, profissionais do sexo; - - homens que fazem sexo com homens ocasionalmente e principalmente com mulheres, inclusive dependendo do número de parceiros de cada sexo; os homens profissionais do sexo, travestis ou não. Todos fazem parte da categoria de homens que fazem sexo com outros homens e numericamente são significativos, qualquer seja a forma de estimar este número, muito embora merecem ações preventivas diferentes para poder garantir eficiência na intervenção. A utilização do termo “homens que fazem sexo com homens” é uma forma abreviada para se 7 referir a diversas comunidades e populações que estão sob alto risco, entendido como alta probabilidade de contrair e transmitir o HIV. Diferentes dos homens com identidade sexual “gay” que normalmente se envolvem em atividades de prevenção e de acesso a antiretrovais, os outros homens que fazem sexo com homens, freqüentemente têm comportamentos que contribuem para o crescimento da epidemia do HIV/Aids porém, provavelmente por falta de identidade sexual e política, são poucas as vezes que são atores eficientes para implementar ações preventivas. Os profissionais do sexo masculino, travestis ou não, em determinados momentos têm realizado trabalhos de natureza comunitária e preventiva com relação às DST e Aids, entretanto, ainda permanece o desafio de que a maioria deles se envolva neste trabalho. Informações válidas e confiáveis A distorção mais significativa que ocorre na notificação dos casos de HIV/Aids tem a ver com estigma e discriminação. A tradição cultural antiga machista e fundamentalista religiosa ocidental resulta em padrões duplos na vida das pessoas que têm múltiplos parceiros e parceiros do mesmo sexo. Existem na clandestinidade e não são reconhecidas publicamente, já que estas práticas e o trabalho sexual têm implicações negativas na América Latina e no Caribe, bem como em outras regiões do mundo. As distorções de notificação na classificação da categoria de transmissão dos casos de Aids diminuem a sua validade interna, ou seja, as diferentes variáveis fazem com que a classificação não tenha uma precisão de 100%. Um dos problemas fundamentais é que a classificação dos casos se faz a partir da melhor identificação possível da via de transmissão do HIV. Entretanto, sabe-se que na ausência dos antiretrovirais – conforme a história natural do HIV/ Aids - 50% das pessoas que se infectam pelo HIV desenvolvem Aids nos primeiros 10 anos e a outra metade 10 anos após a infecção. (Referindo-se ao tempo médio de progressão de HIV para Aids, e não ao tempo médio em si). Com estes dados, é necessário chegar a uma conclusão a respeito das práticas que de fato resultaram na infecção pelo HIV, tomando em conta que existe a possibilidade de classificar erroneamente uma pessoa que tem várias práticas sexuais, ou de outro tipo, e que levam à probabilidade de contrair o HIV, apenas por causa de distorção dos dados. Realizar diagnósticos de Aids nas instituições de saúde se defronta com vários problemas. Para começar, os profissionais de saúde geralmente não contam com a habilidade necessária para obter informação sobre o comportamento sexual dos pacientes. É preciso entender que quem se submete a um diagnóstico de Aids se encontra simultaneamente sob um processo patológico de alto impacto pessoal e familiar e, freqüentemente, não assumem publicamente suas práticas sexuais. Além disso, informar os serviços de saúde (dos quais depende a atenção imediata para uma situação que põe sua vida em risco) das práticas sexuais negativamente sancionadas socialmente, corre-se o risco de ser discriminado ao ser atendido. Considerações epidemiológicas O medo da discriminação torna compreensível o fato de que uma alta percentagem de pacientes com diagnóstico recente de Aids não notifique suas práticas sexuais. Por último, uma vez que os pacientes são diagnosticados, preenchem-se fichas epidemiológicas, que não são validados posteriormente, ou seja, se não forem preenchidas corretamente no início do processo, é improvável que possam ser verificadas as informações em relação à categoria de transmissão. Existem diversos estudos que tentaram descrever e quantificar estas distorçõesvi . Por exemplo, no Estado do Chiapas no México, na fronteira com a Guatemala, realizou-se um estudo (referência) no qual se comparou o perfil epidemiológico das notificações em fichas epidemiológicas sistematizadas nas instâncias nacionais com informações obtidas diretamente através de entrevistas aprofundadas durante diagnósticos recentes de infecção pelo HIV/Aids. Os resultados indicam que embora o perfil obtido através de relatórios epidemiológicos sugira a transmissão heterossexual na maioria dos casos masculinos, o estudo aprofundado trouxe informações de que, na realidade, a maioria dos homens diagnosticados com HIV ou Aids no Chiapas poderia ter contraído o HIV por meio de relações sexuais com outros homens. Além disso, há um outro tipo de informações que poderia validar estes achados, por exemplo, embora tenha uma prevalência extremamente baixa de HIV em mulheres, incluindo as profissionais do sexo, existe um excesso no número de casos em homens classificados como heterossexuais, o que leva a questionar, portanto, o meio heterossexual de transmissão do HIV. Por 8 outro lado, chama a atenção o número muito pequeno de casos perinatais naqueles países onde não existe uma alta freqüência de HIV em usuários de drogas injetáveis. (Ver o Quadro 4). Em resumo, é possível concluir que os casos de Aids conforme os dados da vigilância epidemiológica trazem informações que caracterizam a epidemia do HIV/Aids como sendo “concentrada” na maioria dos países da América Latina e o Caribe, com exceção do Haiti e Guiana. Este diagnóstico é claro, mesmo sem corrigir por fatores de distorção a partir da classificação incorreta dos casos, classificando como heterossexuais exclusivos homens que QUADRO 4. Características da epidemiologia em casos de Aids selecionados em países de América Latina ‡ PAÍS Razão H:M Casos acumu- somente casos de Prof. Sexo lados Argentina Bolívia Brasil Chile 15506 78 151852 3411 Colômbia Costa Rica Cuba República Dominicana Equador El Salvador Guatemala Honduras México Nicarágua Panamá Paraguai Peru Uruguai Venezuela TOTAL 3.71 2.70 3.16 4.54 Casos de Casos de Casos de Casos em Prof. Sexo Prof. Sexo Prof. Sexo HSH sobre casos de (HSH) (Fem.) (Masc.) Prof. Sexo (Masc.) 6066 54 80212 2863 1637 20 25385 630 4376 34 61711 1937 72.1% 63.0% 76.9% 67.7% 5.44 4.46 1.17 3383 1556 732 2846 0 286 164 2427 2187 1133 671 1676 64.6% 72.8% 91.7% 58.9% 877 2803 3588 10626 13417 272 2689 418 9003 1186 2239 6.86 1.23 1.28 1.00 2.77 1.98 1.77 2.07 2.18 3.82 5.43 803 1954 2667 5347 11144 200 1868 273 6181 653 1842 117 1583 2077 5347 4018 101 1053 132 2841 171 339 442 846 1257 3722 8382 110 1151 164 3309 431 1224 229241 2.70 130644 48328 94763 3386 1867 1056 4967 No há mulheres por transmissão sexual notificados Razão de Casos Perinatais por casos Femininos Razón de Casos Perinatales por casos Femeninos Casos Perinatais acumulados Total de casos em Mulheres 1105 2 9087 46 2673 24 58149 784 0.41 0.08 0.16 0.06 0.41 0.08 0.16 0.06 Não há mulheres por transmissão Perinatal notificados Não há mulheres por transmissão Perinatal notificados 0.05 0.01 0.04 0.05 0.01 0.04 0 17 2 115 0 362 228 2735 55.0% 43.3% 47.1% 69.6% 75.2% 55.0% 61.6% 60.1% 53.5% 66.0% 66.4% 0.01 0.05 0.02 0.05 0.03 0.03 0.07 0.08 0.03 0.22 0.05 0.01 0.05 0.02 0.05 0.03 0.03 0.07 0.08 0.03 0.22 0.05 1 79 42 320 134 4 84 15 126 97 27 124 1631 2077 6211 4483 121 1163 179 3851 434 541 72.5% 0.13 0.13 11303 85770 ‡ Fonte: Estimativas próprias a partir da Tabela do relatório da OPAS Annual incidence rates of AIDS (per million population), by sex, by country and by year, 19952001, as of June 2002. fazem (exclusivamente ou não) sexo com homens. Nos poucos estudos a respeito, as informações mostram que há uma maior concentração em HSH, tanto casos de infecção pelo HIV quanto diagnóstico de Aids. Por último, nos países em que existe um número crescente de casos em mulheres, conta-se com informações que indicam que novas epidemias estão surgindo que não substituem a epidemia em HSH, mas que mesmo assim estão relacionadas. Prevalência de infecção por HIV Uma outra medida utilizada para quantificar o grau de enfermidade que o HIV/Aids impõe às diferentes populações é a quantificação das pessoas que recentemente, ou já há algum tempo, se infectaram com o HIV e que vivem com o HIV/Aids em um momento determinado: ou seja, levar em consideração a prevalência do HIV. Outra medida que poderia ser de utilidade é a medição da incidência, entretanto, existem múltiplos dificuldades para sua medição e por isso se dá preferência à medição da prevalência. Estes estudos foram realizados desde o aparecimento no mercado de formas de testagem para detecção de anticorpos contra o HIV através de determinação ELISA a partir de 1985. No mesmo ano foi realizado em várias cidades do México alguns dos primeiros exemplos em que houve diagnóstico de infecção ao HIV por categoria sexual e estudos de comportamento práticas de risco-, além de aconselhamento. Das primeiras populações estudadas vale a pena destacar homens gays e bissexuais na Cidade do 9 México, Tijuana e Guadalajara. Por exemplo, na Cidade do México em 1985 foi encontrada uma prevalência de 5%, 25% em 1986 e 39% em 1987 entre homens que informavam ter parceiros sexuais masculinos, normalmente identificados como “gays” e que procuravam serviços de saúde para obter este diagnóstico. Posteriormente, em um estudo em 6 cidades onde este tipo de estudo e diagnóstico se realizou em lugares de freqüência homossexual, foi demonstrada uma grande variabilidade nas prevalências de acordo com a cidade sob estudo. Assim, em 1988, demonstraram-se prevalências que variavam no mesmo ano de 2% a 25% dependendo da cidade, sendo que ficou demonstrado que os riscos sociológicos são de maior impacto na prevalência do HIV em HSHvii . Outro estudo realizado na Cidade do México em 1992-93 utilizando uma amostra probabilística estrita demonstrou uma prevalência de 4% em homens que faziam sexo com outros homens, enquanto a prevalência em homens exclusivamente heterossexuais foi de 0,09% viii. Estes estudos, com todas suas imperfeições, fornecem informações de maior qualidade sobre o comportamento sexual dos entrevistados que as notificações de casos em nível nacional ou local, sendo que as informações trazem maior validez interna, e dependendo da amostragem, validez externa que o registro de casos. Continua-se realizando este tipo utilizando vários esquemas, por exemplo, estudos transversais em pesquisas sorológicas, incluindo ou não pesquisas de comportamento, ou, sob o esquema de pesquisa sentinela. Esta prática, entretanto, não tem sido realizada em todos os países da América Latina e o Caribe, nem em todas as localidades de importância na epidemia do HIV/ Aids. Alguns dos estudos transversais mais recentes, e outros comparativos, provêm de estudos realizados pelo PASCA - Projeto Ação Aids em América Central - em um estudo multicêntrico. Do mesmo modo, estes estudos foram realizados em outras populações: mulheres profissionais do sexo e mulheres sendo acompanhadas no prénatal. Os resultados preliminares dos estudos constam no Quadro 5 e no Gráfico 1. Indicam claramente que a prevalência de infecção pelo HIV é maior nos grupos de HSH em estudo do que nas profissionais do sexo e nas mulheres acompanhadas em clínicas de pré-natal em todos os países em que se há informações sobre estes três grupos. Inclusive, pode-se observar que Honduras, sendo um país que se caracterizou por ter uma epidemia “heterossexual” de Aids que está no processo de ser “generalizada”, as mulheres profissionais do sexo nesse país têm uma probabilidade 4,8 vezes maior de estar vivendo com HIV que as mulheres atendidas em algumas clínicas de pré-natal, e os homens que fazem sexo com outros homens têm 5,6 vezes mais probabilidade de estar vivendo com HIV que as mulheres atendidas em clínicas de pré-natal. Em outros países observa-se uma concentração maior da possibilidade de estar vivendo com HIV – e de estar altamente vulnerável - nos homens que fazem sexo com homens. Por exemplo, na Guatemala os HSH têm uma probabilidade 23 vezes maior de estar vivendo com o HIV que as mulheres sob estudo; no Panamá têm 35 vezes mais probabilidade (risco) que as mulheres. Considerações epidemiológicas Evidentemente, estas cifras apontam para a existência de várias epidemias co-existentes em cada país. Mesmo assim, em todos os países em que há informações sobre estas três populações, o grupo mais afetado é o dos HSH. Provavelmente, estas sub-epidemias em cada país e região da América Latina estejam conectadas entre si. Tudo isso indica que a insuficiência de recursos dedicados à prevenção da infecção pelo HIV nos grupos de maior risco e de maior vulnerabilidade a esta epidemia, não só resultou em um aumento no número de pessoas afetadas dentro destes grupos, como também no aumento da epidemia em outros grupos populacionais. QUADRO 5. Prevalência de HIV em mulheres que freqüentam clínicas pré-natais, em mulheres profissionais do sexo e homens que fazem sexo com outros homens em países da América Central. Mulheres que atendem Clínicas pré-natais %, (RR*) GUATEMALA EL SALVADOR HONDURAS NICARÁGUA COSTA RICA PANAMÁ BELIZE Mulheres profissionais do sexo % (RR*) 0.5 (1.0) 0.5 (1.0) 2.5 (1.0) 0.3 (1.0) 0.3 (1.0) 0.5 (1.0) 2 Homens que fazem sexo com outros homens (HSH) % (RR*) 5.0 (10.0) 3.8 (7.6) 12 (4.8) 1.5 (5.0) 1.0 (3.3) 2.1 (4.2) --- 11.5 (23.0) 17.8 (35.6) 14.0 ( 5.6) 2.0 ( 6.7) --11.3 (22.6) --- FONTE: Estimativas próprias baseadas em “Resultados preliminares resumo do estudo multi-cêntrico sobre HIV/Aids e determinantes comportamentais HSH e profissionais do sexo femininos na América Central”. *O risco relativo bivariável - não ajustado - (RR) - foi obtido a través da comparação das taxas de prevalência com base na prevalência menor (casos em mulheres que freqüentaram clínicas pré-natais), cujo RR=1. 10 20 Clínicas pré-natais 18 16 Prof.Sexo 14 12 HSH 10 8 6 4 2 Belize Panamá Costa Rica Nicarágua 0 Honduras Conta-se com informações provenientes destes exercícios nacionais em 16 países da América Latina e do Caribe. Entre outras finalidades, estas informações nos permitem observar o nível de financiamento em prevenção comparado com assistência, bem como a variabilidade entre países devido ao tamanho de suas economias, população e epidemias. Gráfico 1. Compara ção da Prevalência de HIV por grupos afetados Comparação El Salvador A partir de 1997 a Iniciativa Regional sobre Aids para a América Latina e o Caribe desenvolveu o projeto denominado “Contas Nacionais de HIV/ Aids”. Seu objetivo é descrever, para cada país, o nível dos fluxos de financiamento e gastos em relação ao HIV/Aids, incluindo qualquer fonte de financiamento: pública, privada e externa, tanto em atenção médica, prevenção e outros gastos fora do âmbito direto da saúde, como também em capacitação, fortalecimento institucional, advocacy, articulação política, etc. Guatemala Contas nacionais de HIV/Aids É interessante apreciar a quantidade de recursos dedicados à prevenção e, mais especificamente, à prevenção nas populações nas quais se encontram focalizadas ou concentradas as epidemias do HIV/Aids nos países da América Latina. No Gráfico 2 consta o gasto total per capita em relação ao HIV/Aids de todas as fontes e em todas as funções em alguns países selecionados da América Latina que apuraram as contas nacionais em HIV/Aids para o ano 2000 (em dólares americanos). O Gráfico 3 mostra a composição percentual destes gastos de acordo com a sua função: serviços pessoais - fundamentalmente atenção médica - e em saúde pública e prevenção. O Quadro 6 mostra o gasto total destinado a três das populações de maior risco para infecção pelo HIV/Aids e de maior vulnerabilidade na América Latina, onde se encontra concentrada a grande maioria da epidemia de HIV e de Aids em nossa região. Cabe mencionar que, os dados constantes desse Quadro apresentam várias limitações que devem ser consideradas. Os gastos com populações de alta vulnerabilidade para a infecção pelo HIV/ Aids, retirados da Matriz 4 dos “Relatórios de Contas Nacionais em DST/Aids” - para o Brasil, bem como para outros países relacionados – são imprecisos, visto que refletem apenas parte dos gastos com essas populações. No caso brasileiro, considerou-se apenas o gasto federal direcionados a essas populações. Os gastos de estados e municípios - que possuem importante participação no financiamento das ações de DST e Aids -, assim como os gastos GRAFICO 2. Gasto total per capita em HIV/Aids de todas as fontes e para todas as áreas. Países selecionados da América Latina Latina,, no ano 2000. Valores em Dólares Americanos (US$) Uruguai Perú Paraguai Panamá Nicaragua México Honduras Guatemala El Salvador Rep. Dominicana* Costa Rica* Chile Brasil Bolívia Argentina 0.00 1.00 QUADRO 6. Gastos com prevenção dedicados à prevenção específica em grupos em situação de alto risco para infecção pelo HIV/Aids e de alta vulnerabilidade em países selecionados da América Latina, no ano 2000. Valores em Dólares Americanos (US$). 2.00 3.00 4.00 Argentina Bolívia Brasil* Chile Costa Rica El Salvador Guatemala México Panamá Paraguai Perú República Dominicana Uruguai 5.00 6.00 Mulheres profissionais do sexo Gays e outros Homens que fazem Sexo com Homens Usuários de drogas Injetáveis 84,828 220,944 935,228 350,814 162,133 243,320 732,916 3,379,801 241,359 203,281 215,288 509,932 14,000 36,068 82,065 900,793 105,959 1,725 178,750 32,059 1,991,622 0 42,081 53,254 146,175 1,000 65,535 0 2,599,617 818 0 30,000 0 0 0 55,270 0 0 0 *Valores referentes apenas à parcela do gasto público federal brasileiro - direcionado às populações constantes do Quadro - que puderam ser identificados e isolados. 11 Considerações epidemiológicas Por outro lado, embora em todos os países haja gastos dirigidos especificamente a mulheres profissionais do sexo, em alguns países este gasto específico é mínimo. Por exemplo, de um gasto total com HIV/Aids no ano de 2000 de mais de U$ 170 milhões, em Argentina foram gastos U$ 84.828. 12 80% 60% 40% Serviços de Assistência em Saúde No caso de recursos dirigidos especificamente a gays e outros homens que fazem sexo com homens, o nível de gastos também é baixo. Inclusive, o Panamá não reportou gasto algum. Neste item se incluiu o gasto especificamente dirigido e focalizado nestas populações, incluindo atividades específicas de informação, educação e comunicação; distribuição de preservativos ou atividades de marketing social; testagem, diagnóstica e aconselhamento que incluíram em seus objetivos ações de prevenção; diagnóstico e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis (DST); etc. Uruguai Peru Paraguai Panamá Nicaragua México Honduras Guatemala El Salvador República Dominicana Chile 0% Brasil 20% Costa Rica Vale a pena mencionar que no caso de usuários de drogas injetáveis, em vários países não consta gasto nenhum (Bolívia, Costa Rica, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai). Uma possível explicação disso seria a mínima representação que a epidemia do HIV/Aids tem nesta categoria de transmissão nestes países. 100% Bolívia Por tanto, estudos dessa natureza e, conseqüentemente, comparações entre países devem ser analisadas com cautela, visto que podem não refletir a realidade dos gastos com as populações e alto risco para a infecção pelo HIV/Aids. Este fator deve ser levado em consideração caso tais dados sejam utilizados na tomada de decisão em políticas públicas e/ ou ações das organizações não governamentais direcionadas ao enfrentamento da epidemia do HIV/Aids. GRAFICO 3. Composição percentual do gasto por área de prevenção ou de assistência em países selecionados da América Latina, ano 2000. Argentina privados, não foram apropriados. Além disso, a forma pela qual essa pequena parcela dos gastos, registrada no Quadro 6, é contabilizada pelo Programa Brasileiro de DST/Aids, muitas vezes, impede que os gastos específicos com um determinado segmento da população sejam identificados, de forma isolada, à medida que os gastos não são apropriados originalmente por população. Saúde Pública e Prevenção Embora no Uruguai houve um gasto enorme com prevenção, tanto público como fundamentalmente individual na compra de preservativos, mesmo assim este gasto não pode ser considerado como sendo de prevenção específica em nenhuma das populações acima mencionadas visto que não foi um gasto focalizado, destinado a uma população específica, nem de HSH e nem de profissionais do sexo. No Uruguai o gasto destinado especificamente a profissionais do sexo foi de US$ 14.000. 60.0 50.0 40.0 30.0 20.0 10.0 % Gastos de prevenção com HSH Nem se interiorizou, nem se feminilizou, nem se conteve É possível vencer a luta contra a Aids, porém não é fácil enfrentá-la. À medida que avança a história desta pandemia, é necessário fazer uma reavaliação do que se aprendeu desde o início dos anos 80 para poder planejar da melhor forma possível os próximos passos. A prestação de assistência médica adequada às pessoas vivendo HIV e Aids é apenas uma parte 13 Uruguai Peru Paraguai Panama México Guatemala El Salvador República Dominicana Chile Brasil 0.0 Costa Rica Por outro lado, existe uma discussão sobre se os gastos com prevenção são suficientes e adequadamente distribuídos. Em alguns países é possível que ocorra que o valor total gasto com prevenção seja baixo, de modo que a percentagem de gastos com HSH seja parecida com os casos entre HSH. Isto acontece na maioria dos países, salvo notáveis exceções. Pelo contrário, naqueles poucos países em que o total de gastos com prevenção é de um nível adequado, é possível que os gastos direcionados a HSH podem representar uma percentagem baixa, mas ainda ser adequados em termos do valor per capita. 70.0 Bolívia Existe um grande debate acerca da definição do tamanho das populações sob maior risco para infecção pelo HIV e de maior vulnerabilidade. Entretanto, e conforme demonstrado no Gráfico 4, ao comparar as percentagens de gasto em prevenção específica com gays e outros homens que fazem sexo com homens e a representação proporcional que este mesmo grupo tem nos casos cumulativos de Aids, existe um grande diferencial, um menor gasto percentual (sobre o total dos gastos com prevenção) que a proporção que estes representam em termos do total de casos. GRÁFICO 4. Comparação das percentagens de gasto com prevenção com HSH sobre o total do gasto com prevenção e representação proporcional dos casos de Aids em HSH sobre o total de casos acumulados. Argentina Obs.: Todos os gastos mencionados acima em relação ao Quadro 6 se referem tão somente aos gastos registrados pelo estudo de Contas Nacionais em DST/Aids e, portanto, não refletem o total de gastos com populações de alta vulnerabilidade. % Casos HSH da luta contra a discriminação e o preconceito, parte de uma estratégia integral que não pode se basear em atender mal aquilo que poderia ter sido prevenido. A prevenção pode ocorrer por meio de diversas estratégias. É o que afirmam peritos das áreas que têm a ver com a mudança de comportamento necessária para a prevenção do HIV/Aids. As intervenções requerem uma seleção adequada de populações “alvo” e um suporte teórico/técnico correspondente. Considerações epidemiológicas A transmissão do HIV por via sexual e pelo uso de instrumentos não esterilizados no caso de drogas injetáveis são as duas áreas que representam o maior grau de dificuldade no que diz respeito à prevenção. A epidemia por via sexual na América Latina tem sido tipificada como concentrada: principalmente em homens que têm relações sexuais com outros homens e que têm de 25 a 34 anos de idade. As taxas instantâneas de crescimento de grande magnitude nos novos casos em mulheres e homens heterossexuais, podem ser devidas ao número reduzido de casos. Por exemplo, a taxa de crescimento fica maior ao passar de 200 a 300 casos (taxa de crescimento de 50%) do que quando se passa de 1.200 a 1.400 casos novos (taxa de crescimento de 15%). É o que acontece em algumas categorias de casos de Aids em um dos países da região com os casos de mulheres e de homens que fazem sexo com outros homens, respectivamente. Apesar desta situação, a idéia de promover ações dirigidas de prevenção não agrada a muitos militantes e ativistas. Inclusive alguns pesquisadores que, em vez de responder à descrição da epidemia aplicável a cada realidade, insistem em se basear nos achados de outros continentes, onde as circunstâncias são muito diferentes, ou em temas de interesse pessoais ou de grupo. Erramos em acreditar que a epidemia se interiorizou, se feminilizou ou se conteve. As informações disponíveis não sustentam estas hipóteses. Conforme os dados existentes, está confirmado que a epidemia de HIV/Aids na América Latina ainda é 14 eminentemente urbana, masculina e crescente, e que a única forma de detê-la tempestivamente é evitar que pessoas com maior probabilidade de se infectarem adquiram a doença. Os dados epidemiológicos que permitem conhecer e analisar a epidemia do HIV/Aids são um bem público obtido utilizando recursos públicos. Obtê-los e processá-los é uma função inegável do Estado. De maneira alguma podese justificar a restrição do acesso aos mesmo sob o pretexto de que a população em geral ou por outros atores não os entendem. Operadores governamentais e não governamentais devem ter acesso pleno a estes dados. Não é nossa intenção negar a existência de uma epidemia crescente de HIV em mulheres, em relação à qual devem ser tomadas providências para que não se transforme em uma epidemia de grandes proporções. Contudo, a partir da premissa de que os dados epidemiológicos são a base sobre a qual se deveria desenvolver e executar as melhores estratégias de prevenção do HIV, como justificamos então a inexistência de intervenções eficazes e suficientes dirigidas aos gays e outros homens que fazem sexo com homens? Uma das explicações é que a homofobia paralisa e orienta incorretamente muitos tomadores de decisão dentro e fora do setor de saúde; levanta questões de natureza moral tendo em vista que o maior número de infecções ocorre por via sexual, em particular em relações homossexuais. “A epidemia do HIV/Aids na América Latina já não afeta homens com práticas homossexuais.” “A verdadeira epidemia do HIV ocorre em mulheres... no interior.” São afirmações que surgiram há muitos anos em fóruns nacionais e internacionais. Se tais afirmações são corretas: Por que não se refletem nos casos de Aids? Por que, se a população for metade homens e metade mulheres, o total de casos em mulheres somente é de 15% em alguns países e em nenhum país passa da metade? Por que, ao considerar somente os casos de transmissão sexual, há cerca de 10 casos masculinos por cada caso feminino no México, Colômbia, Chile e vários outros países? Há quem argumenta que os recursos públicos devem ser dedicados à proteção das donas-de- casa, que normalmente se infectam devido às práticas de risco de seus parceiros, sem que tenham o mínimo controle para poder diminuir o risco, ainda mais porque nem sabem que estão correndo um risco. É verdade. É preciso evitar que estas mulheres se infectem. Não é isso que está em pauta. O que está em pauta é definir qual é a melhor estratégia para enfrentar a epidemia que nos preocupa. Criar condições para garantir que as mulheres tenham igualdade de oportunidades, através de seu empoderamento e intervenção na tomada de decisões contribuiria com soluções de fundo, porém implica em um longo e complexo processo de transformações sociais. Os programas de prevenção dirigidos a donas-decasa são paliativos e não têm a cobertura e a eficácia desejadas e, além disso, não há possibilidades objetivas de identificar as que precisam destas intervenções com maior urgência. Enquanto não se consiga ter relações igualitárias de gênero, é preciso pensar em outras formas de evitar que as mulheres se infectem pelo HIV. Neste sentido, para evitar que uma dona-de-casa se infecte devido às práticas de seu parceiro, há duas possibilidades: • Que as mulheres utilizem o preservativo em todas as relações sexuais com seus parceiros, o que é difícil de garantir devido à desigualdade de poder de gênero e outras razões, ou • Que se tente evitar que seus parceiros se infectem (prevenção primária). 15 Ambas servem e não são excludentes uma da outra; a primeira é de longo prazo, enquanto a segunda pode permitir resultados mais rápidos. Desta forma, segundo enfoques com eficácia comprovada há várias décadas, obtêm-se melhores resultados ao dirigir intervenções às pessoas que têm práticas de risco para infecção por doenças sexualmente transmissíveis. Neste caso, haveria um retorno maior se houvesse uma cobertura adequada de intervenções dirigidas aos gays e outros homens que fazem sexo com homens, Cabe salientar que os benefícios desta estratégia não se restringem somente a estes grupos, e sim se estendem à sociedade como um todo. Ao evitar a transmissão do HIV entre gays e outros homens que fazem sexo com outros homens, se evita que aqueles que também têm relações sexuais com mulheres as infectem. O mesmo acontece com os clientes de profissionais do sexo masculino e feminino. Nem médicos, nem sacerdotes... A estratégia de prevenção dirigida a gays e outros homens que fazem sexo com outros homens deve partir da estrutura social que os coloca em situação de vulnerabilidade. Os epidemiologistas e os antropólogos falam de “grupos vulneráveis” para referir-se aos HSH. A vulnerabilidade (em grande parte) tem a ver com a conjuntura social. A sociedade não aceita e nem favorece relações amorosas entre dois homens, e menos ainda relacionamentos duradouros. Isto contribui para uma constante troca de parceiros sexuais. A condição de marginalidade faz com que o sexo entre homens seja anônimo ou clandestino. Nestas circunstâncias, o cerne da sexualidade é o relacionamento sexual múltiplo, o mais rápido e escondido possível. O cuidado, a responsabilidade... tudo o que envolve uma relação íntima em outras circunstâncias, não ocorrem. Desta maneira, se juntam diversos fatores que fazem com que o conjunto de gays e outros homens que têm relações sexuais com homens, tenham maior probabilidade de contrair uma doença sexualmente transmissível, incluindo o HIV. Mais da metade das infecções por via sexual em homens com menos de 19 anos ocorre através de relações com outros homens. As campanhas enfocadas em pais e mães de filhos adolescentes que não tomam em conta esta realidade são uma falácia. Estes adolescentes são os mais vulneráveis porque estão muito isolados por uma cultura que não permite que se expressem livremente, que faz de tudo para fazer com que pensem como heterossexuais, quando na verdade sentem atração por pessoas do mesmo sexo. Estes adolescentes não podem falar com seus pais sobre sua orientação sexual, nem do uso da camisinha, nem de qualquer coisa relacionada à sua sexualidade enquanto existirem estigma e discriminação. Ao eliminar a discriminação por orientação sexual, se contribui entre outras coisas, para a eliminação dos guetos em que vivem estes homens que não sentem a necessidade de procurar a união heterossexual para fugir da mesma. Desta forma, se poderia evitar em grande medida milhares de casos evitáveis de morbimortalidade. Considerações epidemiológicas Por outro lado, a experiência internacional neste assunto demonstra que a função pública de prevenção da transmissão sexual do HIV é mais eficiente quando realizada através de intervenções comunitárias. Neste sentido, seria importante os programas governamentais de prevenção de HIV/Aids financiarem a capacitação dos grupos de base comunitária – por meio de concorrência pública – e as ações de prevenção em suas comunidades, dando preferência aos grupos mais afetados de acordo com os dados epidemiológicos existentes. A falta de coesão comunitária entre os gays e outros homens que fazem sexo com outros homens dificulta em muito o trabalho de prevenção entre eles, entre outros fatores. As mudanças de atitudes e valores contribuem para uma real mudança de comportamento. Não são os médicos com seus jalecos brancos, nem os sacerdotes com suas batinas pretas, nem outros agentes externos à comunidade que são os protagonistas de uma mudança sustentável, e sim os próprios membros dessa comunidade, como indicou uma vez um entrevistado: “Eu ensino meus amigos por que é preciso se proteger, e meus amigos acreditam em mim, porque sabem que somos parecidos. Há afeto e confiança entre nós” 16 Desta maneira se cria um valor e esse valor se transmite, então pode haver uma real mudança de comportamento. Mais além das campanhas informativas desenvolvidas em vários países, faltou influir na mudança de comportamentos. Informar que o preservativo serve é útil, porém insuficiente. É preciso educar, mas como educar quando não existe uma base comunitária? Ao procurar respostas para esta pergunta, podemos compreender em toda sua dimensão o conceito de vulnerabilidade. Se não há uma comunidade organizada e receptiva às ações de prevenção, como podemos pensar que é possível contribuir para a modificação da essência de alguns comportamentos? Enquanto se constrói a estrutura comunitária necessária, não se deve perder de vista que há pequenos grupos comunitários muito coesos. Se bem que o fato de serem dispersados complica um tanto os programas de prevenção, a importância de seu trabalho é inegável. Realizam tarefas comunitárias enfocadas na prevenção do HIV/Aids como um tema de desenvolvimento humano e de qualidade de vida a partir da própria perspectiva das comunidades. Também existem estratégias de marketing que se pode utilizar para facilitar esse trabalho. Conclusão 1) Com base no número de casos notificados, é tecnicamente incorreto e eticamente inaceitável a afirmação de que a epidemia homossexual do HIV/AIDS está controlada ou até diminuindo. A homofobia faz com que não se enxerguem os dados existentes. Se bem que houve um aumento na transmissão heterossexual, por diversas razões este aumento foi exagerado enquanto a transmissão homossexual foi minimizado ou escondido. É com este argumento que se pretende justificar o corte dos escassos recursos técnicos e financeiros dos já insuficientes programas voltados para gays e outros HSH, para desviá-los para outras populações. 2) As práticas anais penetrativas e receptivas sem proteção são eficazes na transmissão do HIV por razões biológicas, da mesma forma, embora em escala maior, que o coito vaginal para as mulheres. 3) Quando o preservativo é utilizado em todas as relações sexuais tem um alto efeito de proteção, no entanto, a freqüência de seu uso é excessivamente baixa na América Latina. 4) Sendo a epidemiologia “informação para a ação”, é imprescindível aumentar e consolidar os programas eficazes de prevenção para evitar a transmissão do HIV entre homossexuais. As campanhas oficiais de prevenção não estão dirigidas a quem realmente está se infectando. É preciso ter um diagnóstico preciso; determinar exatamente quem está se infectando e o porquê, para prevenir ali, onde é prioritário. 5) É indispensável elaborar programas específicos de prevenção para cada realidade concreta, levando em conta as diferenças sociais e geográficas no número de casos, prevalência de infecção, práticas sexuais e uso do preservativo, entre outros fatores. 6) Os estados deveriam fazer esforços correspondentes para eliminar as condições legais, políticas e sociais que reforçam a marginalidade e a vulnerabilidade dos gays e outros HSH na sociedade. Por exemplo, aprovar leis que proíbam a discriminação por orientação sexual, respeitar os centros culturais de entretenimento e de encontro de gays, entre outros. 7) Corresponde aos governos financiar e supervisionar o trabalho preventivo, bem como avaliar seu impacto, rigorosamente coordenado em conjunto com grupos de base comunitária e com formação profissional. Na América Latina, e ainda em cada país, coexiste uma variedade de epidemias. Não se trata de uma só, cada sub-epidemia deve ser atendida plenamente. Neste contexto, é de vital importância reconhecer que a epidemia em gays e outros homens que fazem sexo com homens é a mais antiga e a mais carente em termos de políticas públicas e financiamento. Se conseguimos atendê-la agora, ainda há tempo de evitar que milhares deles passem a viver com HIV. 17 1 Mann Jonathan, Chin J, Piot P, Quinn T. The international epidemiology of AIDS. Scientific American. Oct 1988. PP51-62. Mann Jonathan, Chin J, Piot P, Quinn T. The international epidemiology of AIDS. Scientific American. Oct 1988. PP51-62. Mann, Jonathan. AIDS in the World; The Global AIDS Policy Coalition.—Cambridge: Harvard University Press, 1992 4 The World Bank. Ainsworth M, Mead O. Confronting AIDS. Public Priorities in a global epidemic. A world Bank Policy Research Report. Oxford University Press: New York: 1997. 5 Pan American Health Organization / World Health Organization. AIDS Surveillance in the Americas. Biannual Report. September 2002. Mimeo. 6 Magis C, García ML, González G, González F, Candelas E, Valdespino JL et al. Under report of homosexuality affects epidemiological patterns of AIDS/HIV in Latin american country. En: Abstract book No. 2. VIII International Conference on AIDS/III STD World Congress; 1992; Amsterdam, Holanda; abstract No. PoC 4768:C371. 7 Izazola-Licea JA, Valdespino-Gomez JL, Gortmaker SL, Townsend J, Becker J, Palacios M, Mueller NE, Sepulveda J. HIV-1 seropositivity and behavioral and sociological risks among homosexual and bisexual men in sex Mexican cities. JAIDS 4 (6);614-622, 1991. 8 Izazola-Licea JA. Gortmaker SL. Tolbert K. De Gruttola V. Mann J. Prevalence of same-gender sexual behavior and HIV in a probability household survey in Mexican men. The Journal of Sex Research Volume 37, No. 1. 2 3 Considerações epidemiológicas 18 Como surge advocacy? capítulo 2 19 Como surge advocacy? Se antes o papel principal assumido pela sociedade civil foi de lutar pelo retorno da democracia nos países latino-americanos, atualmente é fortalecer esta democracia através da participação cidadã ativa nos processos de tomada de decisão acerca do desenvolvimento econômico, político, social e cultural das nações. limitaram nossa visão e tempo no sentido de chegar a entender que o povo não é um tudo homogêneo. Correspondia então à democracia dar respostas eqüitativas aos diferentes setores da sociedade. A liberdade conquistada paulatinamente abre o cenário para essa diversidade negada. A partir dos anos 80, as ditaduras caíram e os novos ventos começaram a soprar a favor de uma interação contínua e permanente entre o Estado e a Sociedade Civil. No novo contexto, a sociedade civil teve que aprender a marcar sua presença nos processos de tomada de decisão no âmbito público, procurando sistematicamente fortalecer sua ação cidadã fundamentada em responsabilidades e direitos. As coletividades humanas começaram a tornar visíveis características, necessidades e aspirações díspares de acordo com o sexo, etnia, geração, classe, orientação sexual... As demandas se diversificaram. Foi então que começamos a entender os mecanismos pelos quais uma sociedade discriminadora e desrespeitosa transformava as diferenças em desigualdades. Surgiram múltiplas vozes de protesto, começouse a romper o silêncio, os silêncios. Iniciou-se um processo longo, lento; porém sem retorno. Emergiram novos atores sociais: movimentos de mulheres, de povos indígenas, de ambientalistas, de jovens, de diversidade sexual ... As formas tradicionais de representação da sociedade civil -movimentos sindicais e partidos políticos - frente ao processo de democratização e a aplicação de um novo modelo econômico nos países da América Latina, não tiveram a capacidade de articular as demandas sociais, econômicas, políticas e culturais; e perderam legitimidade e poder de convocação perante suas bases. A fragmentação destas organizações tradicionais em Estados com uma capacidade de gestão social muito fraco exigiu à sociedade civil um papel mais proativo na luta por obter padrões aceitáveis de desenvolvimento humano. (Pooley, B; 1998) As mudanças não ocorreram em uma só direção. As sociedades conservadoras e as ditaduras nos impediram de entender a imensa diversidade dos povos. A estreiteza do conservadorismo e a intensidade da luta social em prol da democracia 20 É neste contexto que a partir da década de 80 surgem as comunidades de gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais (GLTB) como atores sociais de uma América Latina distinta. Como cidadãos plenos, temos que assumir a responsabilidade por contribuir para o desenvolvimento integral de nosso próprio entorno e aprender a exigir as condições necessárias para exercer nossos direitos constitucionais e, dentro destes, nossos direitos sexuais e reprodutivos. Isso significa participar ativamente na tomada de decisões que afetam nossos interesses e vida cotidiana. É imprescindível reconhecer não somente nossos direitos como também as responsabilidades que temos para influenciar as políticas locais, regionais, nacionais e internacionais para contribuir com a eliminação das causas estruturais da discriminação e do estigma, particularmente a relacionada à orientação sexual e ao HIV/Aids. Com relação à epidemia da Aids e a transmissão por via sexual do HIV “em um número demasiado de países porém a existência de sexo entre homens continua sendo negada, simplesmente porque não se ajusta aos estereótipos e pautas ocidentais... Em relação à sexualidade e ao comportamento sexual, precisa-se de investigação contínua para melhor entender as identidades, crenças e culturas sexuais. A forma como as pessoas se vêem sexualmente tem implicações profundas nas suas vidas e nas medidas que tomam para se proteger e proteger outros contra a infecção. Sabemos muito pouco sobre as formas como o poder de gênero, a homofobia e os medos acerca do sexo de modo geral fazem impacto sobre a maneira como nos entendemos sexualmente e sobre as expectativas e crenças que temos a respeito de outros. Fazem-se necessárias a defesa e a promoção (advocacy) contínuas para surtir um respeito maior para a diversidade sexual...” Assim afirmava Peter Piot em 1997 e até hoje, embora se avançou muito, ainda há muito por fazer. 21 Pelo respeito à diversidade sexual Precisamos desenvolver estratégias eficientes, dirigidas de maneira específica a gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), para prevenir a transmissão por via sexual do HIV. Precisamos de intervenções preventivas efetivas e respostas certas às necessidades que exige o tratamento do HIV/Aids no marco dos direitos humanos e o respeito às diferenças. Dezenas de iniciativas tomadas por organizações GLTB durante os anos 90 na América Latina plantaram as sementes da mudança. Alguns exemplos bem-sucedidos são: • as ações desenvolvidas pelo MUMS no Chile que conseguiu fazer com que Estado modificasse o Artigo 365 do Código Penal que penalizava as relações sexuais consentidas entre homens adultos; • a inclusão de HSH nos programas e planos do Programa Nacional de Aids/DST do Ministério de Saúde Pública do Equador como resultado dos esforços liderados pela Fundación Ecuatoriana Equidad; • a eleição do Grupo Dignidade, sempre apoiado por diversos aliados, como membro titular dos Conselhos Municipal e Estadual de Saúde e do Conselho Permanente de Direitos Humanos dos Estado do Paraná; • a inclusão de anti-retrovirais na lista de medicamentos essenciais da Colômbia pelas ações realizadas pela Liga Colombiana de Lucha contra el SIDA; • o reconhecimento por vários Programas Estaduais de HIV/Aids da Argentina da necessidade de atuar no campo HSH e a criação de um clima favorável para este tipo de intervenções em outros estados e jurisdições por pressão liderada por SIGLA; • a proposta da Guatemala ao Fundo Global de Luta contra a Aids, a tuberculose e a malária concentrada em populações vulneráveis incluindo HSH, profissionais do sexo e pessoas vivendo com HIV/Aids e a priorização do tema HIV/Aids em HSH e profissionais do sexo na utilização dos fundos de aceleração de programas solicitados à UNAIDS para 2002 e 2003, por negociações impulsionadas por OASIS. Todos estes processos incluem em si mesmos o fortalecimento das organizações envolvidas; a sensibilização de grandes setores sociais para o tema; a rompimento de uma infinidade de silêncios e mentiras; e o desenvolvimento de habilidades técnicas em diversas áreas como planejamento estratégico, comunicação, negociação... Os movimentos, grupos, parcerias e organizações não governamentais conseguiram penetrar a estrutura do poder e influir em suas decisões. Através da formação e fortalecimento de lideranças, deram visibilidade à população homossexual, potencializaram o auto-estima Como surge advocacy? coletiva e apoiaram significativamente a organização de comunidades de gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais em defesa de seu direito à saúde e à vida sem discriminação de qualquer natureza. econômico, social e cultural do Estado. Neste sentido, questiona o autoritarismo e centralismo das autoridades, buscando elaborar políticas em negociação e acordo com a população diretamente afetada e envolvida. Penetrando a estrutura do poder Se nosso objetivo é ampliar nossa capacidade de intervenção, como sociedade civil, nas decisões que dizem respeito à vida coletiva, é imprescindível nos organizarmos em defesa de nossos interesses comuns para conseguir a criação ou mudança de políticas, posições ou programas de qualquer tipo, para poder propor, defender e recomendar idéias que permitam a quem toma as decisões conduzir suas ações visando soluções mais apropriadas do nosso ponto de vista. Este manual pretende compartilhar com você essas experiências à luz das considerações epidemiológicas realizadas. Trata-se de desenvolver um mecanismo de negociação, buscando conquistar reivindicações próprias das comunidades GLTB. Não parte de uma lógica de confrontação, nem de ações diretas de massa. Propõe, sim, estratégias sustentadas, que procuram objetivos concretos e realistas para conseguir, passo a passo, dos tomadores de decisão soluções para os mais diversos problemas que enfrentamos na vida cotidiana. Referimo-nos a “incidência política”, “promoção e pressão política”, “promoção e defesa”, “defesa e gestão pública” ou para quem queira utilizar o termo em inglês, “advocacy”. Advocacy é um instrumento de participação cidadã no poder. Permite-nos atuar nos distintos níveis de decisão institucional, municipal, estadual, regional, internacional do sistema político formal e não formal. Ao contribuir para o fortalecimento do exercício pleno de nossa cidadania, contribui para a revitalização da democracia. Trata-se de uma aproximação entre o Estado e a Sociedade Civil - neste caso as comunidades GLTB - que garante opções de participação nas decisões de ordem política, 22 O fato de penetrar a estrutura do poder, compreender suas dinâmicas visíveis e invisíveis, identificar e analisar nossos problemas e ser capazes de definir e contribuir para suas soluções, são sinais de que as relações de poder estão mudando. Precisamos orientar , de maneira coordenada com o Estado e os organismos internacionais, os esforços de prevenção do alastramento do HIV/Aids, reconhecendo os gays e outros HSH como sendo uma população prioritária. Temos que derrotar o estigma e a discriminação. Para todo isso, precisamos fazer advocacy, ou seja, desenvolver estratégias integrais de incidência sistemática em questões políticas relevantes, construindo relações democráticas de poder entre o Estado e as comunidades GLTB. Em um processo de acumulação. Aproximações conceituais Existem várias definições do tema de advocacy, ou aproximações conceituais ao mesmo. Por exemplo, em relação à problemática do HIV/ Aids, membros do ASICAL e outras organizações que trabalham com HIV/Aids, reunidos em 8 de junho do 2001, construíram coletivamente a seguinte definição*: *É uma estratégia que nos aponta caminhos e metodologias para, a partir da sociedade civil,- incidir nas decisões dos tomadores de decisões em diferentes níveis, visando obter mudanças e/ou o cumprimento das conquistas alcançadas e das políticas e programas existentes que contribuem para o bem-estar coletivo. Trata-se de um processo de incidir sistematicamente, que utiliza diferentes ferramentas para promover, defender, administrar, modificar, negociar, fazer lobby, agendar e influir em assuntos de nosso interesse; sem excluir a possibilidade de recorrer à mobilização social quando assim for necessário ou conveniente. Advocacy envolve: Através de um conjunto de ações planejadas, devemos abrir canais de interlocução com as instâncias de poder. Isso exige que fortaleçamos nossas próprias organizações, procuremos acordos e construamos alianças em torno de objetivos claros e causas sociais dentro da missão que almejamos, fundamentada nos avanços obtidos no âmbito dos direitos humanos e na necessidade de articular esforços para diminuir o impacto negativo causado pelo HIV. Ao longo deste módulo, pretendemos explicar em detalhe esta definição, a fim de pôr esta poderosa ferramenta a serviço de nossos interesses. 23 - identificar um problema e as alternativas para sua solução; - conhecer em profundidade o problema e o processo de tomada de decisões em torno do mesmo; - compreender o conjunto de atores envolvidos no processo de tomada de decisões e as relações entre os mesmos; - realizar ações de defesa e promoção visando influenciar no processo de tomada de decisões, exercendo uma liderança reconhecida em torno de uma causa; - elaborar estratégias de comunicação que conquistem os tomadores de decisão em relação à nossa causa e nos permitam nos relacionar com nossos aliados, enfraquecer nossos adversários e influir na opinião pública em geral; - gerar apoios e alianças; - contestar as ações e o discurso articulado pela oposição; - mobilizar recursos e forças necessárias para apoiar determinada causa. Advocacy serve para: - apoiar uma causa a fim de produzir uma mudança desejada; - influir nos tomadores de decisões para obter um resultado esperado; - aprender a dar forma a nossos pontos de vista e expô-los de modo que possam ser claramente compreendidos; - fortalecer nossa auto-estima, - fazer com que sejamos ouvidos e atrair a atenção para uma causa, encaminhando para solução a quem toma decisões; - obter mudanças favoráveis a nossa causa nas atitudes e opiniões das pessoas; - aumentar o poder das pessoas e dos grupos, lhes proporcionando as ferramentas necessárias para que pressionem as instituições para que respondam às necessidades humanas coletivas; - construir consenso sobre determinado tema e formar alianças; - enfraquecer o discurso de oposição em relação à nossa causa; - exercer a cidadania e, portanto, fortalecer a democracia como sistema; - contribuir para a melhoria da qualidade de vida. Como surge advocacy? Entre ações e estratégias É preciso diferenciar entre o que são ações de advocacy e o que são estratégias. As ações são atividades que realizamos no decorrer dos fatos em que estamos envolvidos, em resposta às oportunidades que nos oferece a própria conjuntura histórica, social, política, econômica ou cultural. Para cada pergunta, uma resposta. Não é sensato perder uma oportunidade. As estratégias, por outro lado, remetem-se ao planejamento cuidadoso de atividades que procuram a consecução de objetivos concretos, realistas e viáveis, que são como passos graduais de curto prazo visando alcançar progressivamente uma mudança essencial no longo prazo. O desenvolvimento de uma estratégia exige que atuemos seguindo uma seqüência lógica e com um alto grau de maturidade quanto à sistematicidade de nossas intervenções e ao seguimento do processo escolhido. Requer tempo, dedicação, conhecimento e representatividade; precisa de continuidade, seguimento e alguma ou muita paixão para obter nossos objetivos imediatos no caminho de soluções de amplo alcance. Ao pensar uma estratégia de advocacy, devemos tomar em conta os seguintes fatores: 24 • Se partirmos do reconhecimento de que para exercer nossos direitos também há obrigações a cumprir, é importante, como um ato de cidadania, participar dos processos de tomada de decisões que afetam nossas vidas. Isso amplia nossas opções para encontrar as ações que precisamos desenvolver no que diz respeito à luta contra o HIV/Aids, uma vez que aumenta nossa aptidão para definir problemas e soluções, e participar ativamente nos âmbitos político e social. • Na negociação se dá e se recebe. É necessário saber de antemão o que se pode e o que não se pode ceder depois de uma análise dos vários cenários. Conhecendo os limites do “não negociável”, às vezes deve-se avaliar a possibilidade de reduzir a demanda antes de correr o risco de perder todas as oportunidades de obter uma vantagem política. • O consenso é uma das peças fundamentais da advocacy. • As outras pessoas com as quais temos que lidar neste tipo de processo não são “inimigos” por definição, são pessoas que estão em outro lugar, que atuam a partir de uma posição diferente. • Advocacy é o desenvolvimento de uma vontade política que procura pautar os temas que nos interessam, bem como levar os formuladores e operadores políticos a se preocuparem com eles. Visto que a abertura democrática permite à sociedade civil operar no terreno político, trata-se (quando as circunstâncias sejam favoráveis) de modificar a posição de protesto e confrontação tradicional por uma postura que nos permita nos relacionarmos com o Estado para a discussão dos nossos problemas. • Negociar implica em sermos reconhecidos pela outra parte como interlocutores válidos. Implica em visibilidade, solidez e poder. Os grupos sem poder não podem relacionar-se diretamente com a elite política. A fonte de poder resta na quantidade de pessoas envolvidas no processo, a capacidade de mobilização para a ação, a quantidade e qualidade de documentação sobre o tema e a capacidade de fazer bom uso dessa informação, a quantidade de dinheiro e recursos e a possibilidade de manter-se ao longo do tempo, de persistir, de ser. Nesses termos, estamos construindo a possibilidade de um diálogo real, com uma lógica de diálogo pautada na autonomia. Lições aprendidas Por último, é importante ressaltar uma série de lições que as organizações membros da ASICAL aprenderam no decorrer da última década. “As respostas mais criativas e enérgicas em relação ao HIV vêm diretamente das comunidades mais afetadas” sustentava Piot em novembro do 2000. É bom tomar em conta a voz da experiência. Cada sucesso e cada fracasso têm um valor cada vez maior na medida que nos permitem afinar nossos instrumentos teórico-conceituais e práticos para seguir adiante fortalecidos. - A união faz a força e o trabalho conjunto é possível. Vários atores juntos buscando um objetivo comum têm maiores possibilidades de sucesso. - O manejo de conflitos é uma arte que devemos aperfeiçoar. - Sem capacidade técnica no encaminhamento das propostas, perdemos liderança, credibilidade e possibilidade de interlocução. - A investigação qualitativa é muito importante, porém deve ser sempre complementada com dados quantitativos para que tenha maior impacto. - Não se deve fazer generalizações quanto aos atores. Por exemplo, em relação aos gays e outros HSH na luta contra o HIV/Aids, a Igreja não é uma instância monolítica de oposição. É preciso aprender a olhar dentro das estruturas e capitalizar qualquer fresta de abertura que possa significar um apoio. - É preciso procurar atores-chave favoráveis a nossa causa dentro dos sistemas formais onde se tomam as decisões. Podem abrir caminhos para nossas iniciativas. - Devemos aprender a ser flexíveis, encontrar soluções aceitáveis para todos os envolvidos. - Contar com o apoio social da população com a qual se está trabalhando é a única maneira de legitimar nossas demandas. - A paciência é uma qualidade que temos que cultivar. As negociações com as autoridades, de modo geral, são lentas. 25 Como surge advocacy? - Pode-se chamar a atenção dos Programas Nacionais de DST/Aids e das autoridades com poder de decisão dos Ministérios de Saúde sobre a situação dos gays e outros homens que fazem sexo com homens no que diz respeito ao HIV/Aids, através de ações sustentadas, não de confronto e sim de negociação e de alianças. - O trabalho com o Estado é inevitável e possível, sem perder a capacidade crítica e a autonomia. Através dele, pode-se obter muito mais do que sem ele no desenvolvimento de políticas e programas favoráveis para o trabalho em Aids. - A sociedade civil organizada e dentro dela, as organizações de gays, homossexuais, transgêneros e bissexuais, é capaz de gerar mudanças fundamentais. Uma última reflexão é trazida pelo Grupo Dignidade: “para fazer prevenção com populações vulneráveis, não basta falar só de prevenção. É necessário trabalhar a auto-estima e promover a cidadania dos gays e os outros HSH. Estas ações não podem dissociar-se da prevenção”. 26 Desenvolvimento de uma estratégia de advocacy capítulo 3 27 Desenvolvimento de uma Do problema à solução Estratégia de Advocacy Olhando rápida e parcialmente para os fatores do contexto sexual que influem na epidemia do HIV/Aids no âmbito dos gays e outros homens que fazem sexo como homens (HSH), observase um mosaico muito complexo de situações que exigem intervenções múltiplas de toda natureza. Sem perder de vista a conjuntura, devemos ser capazes de enfocar questões nas quais podemos atuar para efetuar mudanças em benefício dos gays e outros HSH frente ao HIV/Aids. Um enfoque coerente e compreensivo na área da prevenção pode alcançar uma redução significativa da transmissão do HIV. Estamos nos referindo a programas de informação, educação e comunicação; acesso a aconselhamento e testagem anônimo, confidencial e voluntário; sangue seguro; o acesso e o uso de preservativos e lubrificantes; tratamento de DST em homens e mulheres jovens, assim como nos profissionais do sexo masculinos e femininos; articulação de serviços e programas específicos que permitam o acesso de gays e outros HSH, e dos usuários de drogas injetáveis, meninos e meninas de rua e jovens de ambos os sexos explorados sexualmente, ou que estejam atuando voluntariamente como profissionais do sexo... Definição de termos Há muitas ações que dependem de nós, porém há muitas outras que dependem de autoridades municipais, estaduais, regionais, nacionais e/ou internacionais. Portanto, a decisão não está em nossas mãos. Quando queremos garantir que 28 as instâncias oficiais tomem a decisão que mais convém a nossos interesses, ou quando queremos que modifiquem uma lei ou um programa que já existe, ou quando mecanismos operacionais para que funcione adequadamente uma lei ou um programa, então podemos recorrer a estratégias ou ações de advocacy para influir em uma destas áreas. comuns como as estratégias de IEC (informação, educação e comunicação), relações públicas, mobilização comunitária, marketing social, etc. É importante entender as diferenças para poder atuar com a maior precisão possível, a fim de obter o sucesso desejado. No quadro a seguir, podemos observar as diferenças básicas com relação aos objetivos de cada estratégia, e com relação a quem está sendo pressionado. Freqüentemente se confunde “advocacy” com outros conceitos que compartilham elementos Advocacy e conceitos relacionados Enfoque Atores/as Organizações Públicos-alvo •Informação •Educação •Comunicação (IEC) •Prestadores de serviços •Organizações governamentais e não governamentais •Redes •Indivíduos •Segmentos populacionais (mulheres, homossexuais, gays, HSH, jovens, etc.) •Relações públicas •Instituições públicas e privadas •Mobilização comunitária •Advocacy Objetivo Estratégias Medição do sucesso •Conscientizar •Informar •Educar •Buscar uma mudança de comportamento •Classificar por público •Campanhas de comunicação de massa •Maior alcance comunitário •Meios de comunicação tradicionais •Mudança de conhecimento ou de habilidades •Mudança de comportamento •Indicadores de processo •Grupos focais •Públicos internos e externos das instituições •Projetar imagem •Posicionar a instituição •Publicidade de grande escala em meios de comunicação social •Eventos públicos •Divulgar a “qualidade” •Marketing social •Sistema de comunicação interna •Percepção pública •Nível de comunicação interna •Organizações e membros comunitários •Comunidade •Criar capacidade em uma comunidade para priorizar necessidades e realizar ações •Visitas domiciliares •Ações comunitárias •Ações diretas de massa •Campanhas •Eventos •Indicadores de processo e resultado de uma questão específica •Qualidade de participação •Número, qualidade e sucessos de ações realizadas •ONG •Redes •Grupos de interesses especiais •Associações de classe •Formuladores de políticas públicas •Tomadores de decisão •Criação e mudança de políticas, programas, destinação de recursos •Garantir sua implementação •Estratégias de Advocacy •Política/programa criado ou modificado •Funcionamento adequado da política/programa Segundo o Ministro da Saúde da Tailândia (2002) - país onde a tendência da epidemia do HIV/ Aids se inverteu - embora não haja uma vacina que nos proteja do HIV, temos uma “vacina social” que consiste em “aumentar a consciência e promover a tolerância e a solidariedade para com as pessoas vivendo com HIV/Aids, promover a segurança quando se trata de sexo, utilizando o preservativo em todas as atividades sexuais de risco, proporcionar educação sexual e treinamento em habilidades que são essenciais para os jovens...”. Preparando o terreno A problemática do HIV/Aids em gays e outros HSH apresenta uma infinidade de aspectos, impossível de resolver como um todo de maneira imediata. No que precisamos pensar ao desenvolver uma estratégia de advocacy ? • O ponto de partida é a detecção de um problema que pode se transformar em um caso de advocacy. • A coleta de informação em torno do mesmo é de vital importância para conhecê-lo a fundo e compreender todas suas dimensões. 29 Somente assim poderemos analisar alternativas de soluções e finalmente optar por uma meta de advocacy cuja consecução signifique um passo rumo à solução do problema. • É necessário investigar a estrutura da instância que toma decisões e seu funcionamento: hierarquias, protocolos, planos, mecanismos, procedimentos, regras do jogo, cronogramas... Este conhecimento nos permitirá identificar com precisão aonde pressionar na estrutura institucional, como intervir no processo de tomada de decisões, que tipo de pressão serve para que tipo de personagem em determinado momento. • Precisamos construir credibilidade. Isto significa que outras pessoas, tanto os gestores de políticas como a comunidade afetada pela demanda em questão, confiem e valorizam realização de avaliações e seguimento elaboração de um plano de trabalho busca de financiamento elaboração de estratégias de comunicação o que temos a dizer. Para isso, é imprescindível fortalecer a organização e a legitimidade do grupo de pressão. • É altamente recomendável a construção de alianças e a identificação de opositores. • As mensagens devem ser construídas em tempos e espaços adequados, com formatos e conteúdos específicos, para destinatários precisos em cada caso, como parte de uma estratégia de comunicação cuidadosamente planejada em função da estratégia de advocacy. A participação da comunidade nas respostas, incluindo as pessoas vivendo com HIV, é um princípio a ser tomado em conta a fim de que a estratégia seja bem sucedida. Ao responder à pergunta acima, encontramos os elementos essenciais de uma estratégia de advocacy: identificação do problema coleta de informação Estratégia de advocacy identificação formação de alianças e de alianças opositores discussão de alternativas de solução definição de objetivos identificação de públicos-alvo Desenvolvimento de uma estratégia de advocacy Por onde começar? A seqüência da realização destas atividades dependerá em grande parte das lógicas que os próprios problemas nos apontam com relação aos pressupostos referentes ao desenvolvimento de qualquer tipo de planejamento. Aqui não há receitas prontas, o trabalho se faz a partir de estruturas que variam de lugar para lugar e que por sua vez, e com o passar do tempo, são dinâmicas. Por isso, as propostas de trabalho devem ajustar-se às condições existentes na estrutura ao nosso redor, nesse momento, nessa conjuntura política, nesse lugar. Antes de iniciar uma estratégia de advocacy, convém perguntar-se em temos gerais: por que consideramos que se trata de uma estratégia de advocacy? O que queremos obter, quais resultados desejamos obter? Com que legitimidade contamos em relação ao tema e à área em questão? Como garantimos nossa legitimidade? Como faremos uma prestação de contas sustentada e transparente de nossas ações? Quais ações propomos para influir politicamente? Estamos cientes das atividades nas quais implicam estas ações? De onde partimos em termos de discurso? Como percebemos o alcance de nossa postura? Contamos com formas de transmissão eficaz de nosso discurso? Se estamos falando de “nós”, convém entender que embora uma estratégia de advocacy possa ser desenvolvida por uma pessoa, normalmente é assumida por um grupo de pessoas ou por redes ou parcerias que lhe dão major força e mais presença frente a seus interlocutores no poder. As organizações membros da ASICAL e outras afins assumiram a liderança na obtenção de conquistas no terreno dos 30 direitos humanos e da prevenção e tratamento do HIV em gays e outros HSH. Cada uma o fez em sua própria conjuntura política, social e cultural. ASICAL e outras redes cumprem estas funções em níveis regionais ou continentais. As características do estigma e da discriminação contra o sexo entre homens variam conforme o lugar. Entretanto, fica universalmente claro que os programas eficientes de HIV/Aids dirigidos a gays e outros HSH são de vital importância em qualquer lugar, apesar de serem gravemente negligenciados com freqüência. O “nós” que enfrenta este desafio deve construir-se solidamente com vistas à sustentabilidade pelo tempo necessário para sua tarefa cidadã em defesa dos direitos, da saúde, da vida. É por isso, que as equipes humanas de advocacy nesta matéria devem definir claramente sua organização e seu funcionamento como equipe dentro de uma perspectiva harmônica e integral. Trata-se da soma de talentos e habilidades onde os valores hierárquicos perdem sentido, visto que cada pessoa - de acordo com sua própria especificidade - é necessária no conjunto, sendo peças sem as quais a engrenagem não avança. Precisamos de um “nós” forte Sobretudo, especialmente em um processo de grande envergadura, é indispensável compreender que todos os participantes, além de suas contribuições particulares para as estratégias, requerem capacitação e processos de qualificação de suas ações. Nesse sentido, a formação pessoal, a leitura e discussão coletiva sobre os temas de que tratamos e nos quais queremos influir, bem como a capacitação sistemática, devem se transformar se em práticas cotidianas de quem está na luta. Uma estratégia de advocacy requer habilidades em diversas técnicas como: - pesquisa e planejamento estratégico; - coleta, análise e uso apropriado de dados; - análise e definição de causas, problemas e objetivos; - negociação, lobby e advocacia; - facilitação e dinâmica de grupos; - formação de redes de apoio; e - o desenho de estratégias de comunicação • uso do discurso em diferentes cenários • uso efetivo dos meios de comunicação. Por outro lado, devemos entender que não se trata de um planejamento onde os objetivos, atividades e avaliação se apresentam como um modelo fácil e lógico. Quando reivindicamos visibilidade e esclarecimento sobre a epidemia do HIV como uma maneira de reduzir o estigma e a vergonha, ou quando procuramos concentrar esforços especificamente naqueles que são mais vulneráveis à infecção, ou quando exigimos ações tanto de prevenção como de tratamento; estamos lidando com valores e visões da conjuntura social muito diferentes dos convencionais. São por definição controversas. Isso implica em saber atuar de maneira muito flexível, fazendo um seguimento sigiloso das atividades programadas e uma avaliação de processo que sugira permanentemente os ajustes necessários. • estruturação de mensagens Por exemplo, entre os passos essenciais que devem ser tomados para lidar efetivamente com a transmissão do HIV entre pessoas nascidas homens, é que os líderes políticos e atores-chave aceitem que o sexo entre homens existe e que é relevante para o trabalho de prevenção, apoio e atenção em Aids. Sabemos que na teoria é fácil dizer isso, mas também sabemos o quão difícil é consegui-lo na prática. Portanto, preparar o terreno é essencial para lançar propostas nesta direção. • desenvolvimento de materiais de comunicação Sem dúvida, este tipo de atividade toma tempo e esforço. Para nós ativistas custa parar no • construção sólida de argumentos 31 caminho para discutir uma visão de conjunto em torno de uma estratégia de advocacy, fazer análise de contexto, ordenar nossas idéias e ações de advocacy, de sensibilização, de promoção e defesa. Evidentemente nos custa, mas fazê-lo nos fortalece, nos permite enxergar com ordem e coerência as causas pelas quais lutamos e portanto, nos consolida como grupo de referência social nos temas que abrangemos. São investimentos que valem a pena. O planejamento de uma estratégia de advocacy deve reconhecer agendas ocultas, informações imperfeitas, valores, ideologias e conflitos que trazem inúmeras dificuldades para o processo. Desenvolvimento de uma estratégia de advocacy Um exemplo: Desarticulando uma lei chilena homofóbica Um outro ponto é que não é necessário confundir a instituição em si com a forma de nos organizarmos para fazer advocacy, a não ser que sejamos uma instituição que tenha esse fim exclusivo. Por exemplo, o Movimento Unificado de Minorias Sexuais (MUMS) define-se desde sua origem em 1991 como uma organização que “se propôs a gerar uma visão distinta da sexualidade no Chile, passando pela revisão de mitos, tabus e desconhecimentos sobre sexualidade presente neste país”. Fixou seus objetivos na reivindicação e exercício dos direitos civis das pessoas homo e bissexuais, a promoção de um conceito amplo e integrativo da sexualidade humana e a criação de espaços de apoio e integração para quem se sinta vivendo com uma orientação sexual diferente da heterossexual. A partir dessa perspectiva, assumiu como uma de suas tarefas principais exigir do Estado a modificação do artigo 365 do Código Penal que castigava com prisão as relações sexuais consentidas entre homens adultos. Este é claramente um problema de advocacy porque a única instância que pode decidir sobre a modificação de uma lei é o parlamento. A decisão escapava das mãos do MUMS. Por isso, liderou um movimento destinado a incidir politicamente no parlamento chileno a fim de que se modificasse o referido artigo. Era indispensável acabar com a perseguição e penalização da homossexualidade para poder desenvolver respostas efetivas frente à epidemia do HIV/Aids, que afeta de maneira especial os gays e outros homens que fazem sexo com homens. Com este compromisso específico, o MUMS desenvolveu uma estratégia de advocacy. O Movimento se organizou inteiramente em torno da estratégia pela descriminalização, formando equipes técnicas de comunicação, estudos, direitos humanos, prevenção e outros, as quais atuam no desenvolvimento de linhas de ação, de sensibilização social, de mobilização, de denúncia e de solidariedade internacional. Foi bem-sucedido, conseguiu obter dos parlamentares a modificação da lei, não se penalizam mais as relações sexuais consentidas entre homens maiores de idade. Além disso, no caminho, conseguiu muitas outras coisas. Rompeu os esquemas de um sistema judicial profundamente tradicional e conservador de um país que apenas seguiu rumo à democracia depois de viver um dos infernos ditatoriais mais inescrupulosos do continente; permitiu a que a população GLTB se saísse publicamente como atora social e política; os homossexuais tomaram o cenário público com voz e reivindicações próprias e as incluíram na agenda das políticas públicas. Agora sim, as condições estavam dadas para exigir do Estado o direito a serviços de prevenção e atenção adequados e dirigidos à população de gays e outros homens que fazem sexo com homens, eliminando os elementos homofóbicos e discriminatórios que os caracterizavam. “Enquanto os cães ladram, a caravana passa.” 32 Roda de Planejamento e Ações de Advocacy Fonte: Baseado em Millen 2000 Visão de uma Sociedade sem o Problema Avaliação e Ajustes Análise Geral do Contexto Definição e Análise do Problema Levantamento do Problema Implementação a ni da da De problemas a temas Advocacy Organização Desenvolvimento de Estratégias de Comunicação Análise de nossa força interna 33 Ci Revisão de Objetivos e Estratégias i se l á An ca ír t i C Análise do Poder de Atores e Públicos Análise do Sistema Legal e Político e Objetivos Mapeamento de Possíveis Estratégias Desenvolvimento de uma estratégia de advocacy 34 Do problema à solução capítulo 4 35 Do problema à solução O impacto do HIV/Aids em gays, transgêneros e outros HSH gerou inúmeros problemas que precisam de atenção, mas nem todos são merecedores de intervenção política, só aqueles que requerem decisões que não estão em nossas mãos É necessário definir os problemas em termos administráveis. Ou seja, se nos referirmos à discriminação por orientação sexual presente nos âmbitos público e privado da América Latina, seria impossível expor uma só ação que pudesse resolver o problema, como também seria impossível identificar um só responsável pela situação problema. Este é um tema geral de política, uma área programática na qual se poderia enfocar uma estratégia de intervenção política a partir da definição de um assunto específico, a solução do qual possa contribuir para a solução global. A somatória das pequenas conquistas está construindo nos mais diversos cenários mudanças transcendentais em relação à inversão da escala de valores patriarcais e conservadores. Não esqueçamos que estas ações - por mais locais e pontuais que sejam - têm efeitos sinérgicos. É assim que se está produzindo a mudança, é a única maneira desta mudança ser real. A sociedade requer tempo para desfazer seus rumos, desaprender conceitos e valores que internalizou durante séculos, desconstruir os códigos de comportamento resultantes dessa visão do universo. Isso requer tempo, profunda reflexão; não é só readequar esquemas mentais como também ajustálos à sua forma de viver e se relacionar com os outros cotidianamente. Por exemplo, se ao revisar o anteprojeto de Lei da Administração Pública da Bolívia, detectamos um espírito discriminatório em termos de orientação sexual, podemos montar uma estratégia de intervenção política para mudar o anteprojeto e fazer passar no Congresso uma lei que respeite a igualdade de direitos de cidadania de todos os homens e mulheres no âmbito da administração pública, seja qual for sua orientação sexual. Conseguir isso não soluciona o problema, mas contribui – por menor que seja a contribuição - para diminuir este tipo de discriminação na América Latina. Quem quer arrumar tudo de uma vez, corre o risco de não mudar nada no final. 36 “Na região inteira, os HSH continuam sendo um grupo muito afetado pelo HIV. Contudo, existe uma grande desproporção entre a forma como estes homens são afetados pela epidemia e a extraordinária falta de programas para esta população.” Peter Piot, Querétaro, 28 de outubro de 1998 Definir o problema: uma tarefa fundamental Como negar que a alta soroprevalência e incidência de HIV entre os homens que fazem sexo com homens na América Latina é um problema? É obvio que é. Há partes da América Latina onde o sexo entre homens é a via principal de transmissão do HIV, sendo responsável por em torno de 70% dos casos. Não podemos tapar o sol com a peneira, ainda mais sabendo que certamente o tamanho provável do fenômeno do sexo entre homens sempre foi subestimado pela obscurantismo de inúmeros governos, organismos não governamentais e setores privados que se negam a aceitar sua existência e tomá-la plenamente em conta na tarefa de prevenir a Aids. A atitude prevalecente de insistir que “estas coisas não existem ou quase não existem” em nossa sociedade é errônea e até perigosa, porque pode nos levar a não cuidar de uma parte significativa, embora seja relativamente pequena (em nível mundial), da epidemia total. (Melhores Práticas. Pontos de Vista. UNAIDS, 1998) Os companheiros da Sociedad de Integración Gay Lésbica Argentina (SIGLA) conseguiram abordar esta perspectiva do problema atuando em relação às políticas argentinas de HIV/Aids. Pela primeira vez nesse país, o Ministério de Saúde abordou esta problemática de modo integral no Plano Estratégico de HIV/Aids e DST para 2000-2003. Entretanto, não mencionou explicitamente o componente HSH, salvo uma referência aos “grupos de risco e populações vulneráveis”. Então, voltando para a necessidade de definir os problemas em termos administráveis, o desafio está em transformar este problema em uma causa de intervenção política. Definido da forma como está, não nos permite definir o que fazer, como atacálo. estendeu desde o começo da epidemia até o início de 2002, quando se redigiu o Projeto País para o Fundo Global de Aids, Tuberculose e Malária”. Procurou então alterar a política pública de HIV que ignorava a população HSH nos fatos e documentos. Em primeiro lugar, concentrou-se no Projeto País até conseguir que a responsável por Aids do governo Duhalde se comprometesse a incluilo no documento. Do mesmo modo, identificou a necessidade de conseguir políticas de prevenção comuns explicitando o componente HSH entre os dois Buenos Aires onde se registram 20.000 casos de Aids e as 23 províncias restantes onde há mais 6.000. Estes são dados SIGLA analisou esta lacuna como “a continuidade e culminação de um silêncio oficial sobre este componente que se 37 precisos que permitem avançar passo a passo rumo à solução do problema. Uma vez definido o problema, deve-se identificar as barreiras políticas e as oportunidades existentes para abordá-lo de acordo com nossos interesses de solução. Por exemplo, os interesses de SIGLA estão expressados em sua visão que busca “a normalização da homossexualidade” e sua missão que busca “obter a dignificação e o melhoramento das histórias de vida das pessoas homossexuais no sentido amplo... a ampliação da cidadania para incluir aqueles que hoje são excluídos”. SIGLA teve que enfrentar como barreira o estigma e o preconceito antihomossexual “muito mais forte no interior do país, para poder trabalhar intensamente a prevenção com HSH”. Mas também existiam oportunidades: desde 1993, por lei nacional, o Ministério de Saúde Nacional ficou obrigado a fornecer medicamentos a todas as províncias e o que hoje é a Cidade Autônoma de Buenos Aires. Além disso, foi possível recorrer ao Projeto ACAT para que apoiasse a realização de uma reunião com autoridades das províncias com o objetivo de efetuar um diagnóstico de situação e respostas que ao mesmo tempo consolidasse uma frente única diante do problema da prevenção na população HSH. Do problema à solução Coleta de informação Não se pode esquecer que o que estamos fazendo é promover mudanças dentro de um sistema. Isso exige conhecimento das bases do sistema que é precisa mudar, bem como as interações entre esse sistema e outras forças da conjuntura política. Quanto melhor compreendamos a conjuntura política em que estamos inseridos, quanto mais fácil será avaliar o risco de incidir politicamente em relação a essa causa nesse momento, e quanto mais subsídios teremos para não cometer erros que poderiam prejudicar nossa causa ou o grupo de pressão e pessoas envolvidas. Existem diversas maneiras de compilar a informação necessária para uma estratégia de intervenção política. No caso da intervenção política de redes estáveis em torno de determinadas temáticas, trata-se de um processo de acumulação importante que deve ser adequadamente registrado. Como (a luta) resposta pela prevenção e o tratamento do HIV/ Aids é uma ação de grande envergadura, é importante conhecer e aprender das experiências tidas até o momento e dar continuidade às linhas de êxito. Quando falamos de acumulação, referimo-nos à necessidade de atualizar sistematicamente nossa base de dados e nossa rede de contatos e pontos de coordenação. É preciso articular cada nova ação com os passos já tomados, não só em termos de seus resultados. A pesquisa e o mapeamento político são ferramentas que progressivamente fornecem dados para o movimento. A observação; o registro de bate-papos, discursos, documentos escritos por pessoas-chave; reuniões e monitoramento sistemático da imprensa escrita, oral e televisiva são elementos vitais para a coleta de informação. Entrevistas com informanteschave, estudos de opinião e grupos focais também são recursos úteis para conhecer melhor o tema com que trabalhamos e o que a coletividade pensa a respeito. A informação é o resultado da organização, processamento e interpretação dos dados de tal maneira que são postos dentro de um contexto, tendências ou áreas problemáticas são identificadas e assim os dados são transformados em conhecimentos que possam ser úteis para as pessoas responsáveis por tomar decisões. Os dados são números sem processamento ou outros achados que por si só têm apenas um valor limitado para quem toma decisões. 38 Na realidade, é uma questão de não ficar reinventando a roda cada vez que enfrentamos uma situação pontual ou lutar por uma nova conquista neste terreno. Ao desenvolver uma estratégia de advocacy, devemos procurar registrar os fatos na forma de dados, converter estes em informação e assim conseguir aumentar nosso conhecimento sobre o tema ou assunto do qual estamos tratando. Este conhecimento será a base para a formulação de um plano que conduza as ações e nos permita incidir – com respaldo – na modificação dos fatos. Devemos entender com muita clareza que não se trata só de ter a capacidade de conseguir a informação, de contar com os dados. Este é apenas o primeiro passo. É imperativo saber usar a informação. A informação tem que ser útil para nossos fins. Deve guiar nossos planos de ação, orientar a oportunidade e a sensatez de nossas colocações e oferecer o conteúdo básico de nossas mensagens e os elementos de seu desenho. Ou seja, a informação obtida nos proverá o fio condutor da estratégia de comunicação que necessitamos para levar adiante nosso compromisso. A permanente atualização dos dados é uma condição sine qua non para o desenvolvimento sólido de uma estratégia de intervenção política. Os resultados das investigações são essenciais para tomar decisões informadas a respeito do ambiente político em que trabalhamos. Na análise de forças internas e externas da conjuntura, é útil sempre começar “olhando para dentro”, ou seja, fazer uma auto-avaliação de nossa própria organização, para logo “olhar para fora” em uma análise de contexto que procure descrever a situação em nível político, econômico, social e cultural. Só uma organização forte que conta com um reconhecimento visível pode ser interlocutora válida diante de representantes do poder oficial. À luz dos dois tipos de análise, deveremos estudar nossa possibilidade de participar das diferentes fases do processo de formulação das políticas: Também é necessário refletir sobre as seguintes perguntas: Fase 1 definição da agenda - Quais aspectos controversos possui o tema que abordamos e quem representa qual corrente? Fase 2 priorização dos problemas - Quais assuntos ou pessoas geraram violência política ou conflito? Fase 3 formulação da política - Quais assuntos ou pessoas tiveram êxito em ultrapassar limites de gênero, orientação sexual, étnicos, sociais ou políticos, e gerar consensos? Fase 4 implementação da política - Como se exerce o poder dentro do sistema político? Fase 5 seguimento e avaliação - Quais grupos são respeitados e quais não? Quais são temidos? 39 A informação tem que ser útil para nossos fins. Deve guiar nossos planos de ação, orientar a oportunidade e a sensatez de nossas colocações e oferecer o conteúdo básico de nossas mensagens e os elementos de seu desenho. Para influir e modificar aspectos do processo político com causa e conhecimento, é indispensável contar com a informação apropriada no momento apropriado. Do problema à solução - Quais são as formas aceitas de diálogo político e os protocolos adequados para aproximar-se e dialogar com os gestores de políticas? Discussão de alternativas de soluções Características de um objetivo de advocacy: Devemos analisar alternativas de soluções para o problema com o qual estamos trabalhando. Trata-se de ver o problema como tal solucionado, a situação ideal, uma visão de futuro. É importante definir esta visão de longo prazo para que o impacto de nossos ganhos não se reduza a obter respostas puramente paliativas que de maneira isolada não estariam contribuindo para uma mudança substancial. É justamente dentro desta visão que é preciso formular o(s) objetivo(s) de uma estratégia de intervenção política com uma orientação clara para a solução de fundo. O alcance destes objetivos depende de quem toma as decisões nas estruturas formais de poder. Como já dissemos, se estivesse em nossas mãos, montaríamos outro tipo de projeto para resolvê-lo. Que se deseja mudar? O que se quer obter? O alcance dos objetivos que vamos definir depende de quem toma as decisões nas estruturas formais de poder. Estes tomadores de decisões devem ser identificados, inclusive com o nome, sobrenome e cargo, deixando claro quais ações se espera que tomem. - claro, específico, realista, acessível, mensurável, com definição de tempo voltado para a ação. Para escolher o objetivo de advocacy, é imprescindível tomar em consideração: - o ambiente e clima políticos, - a possibilidade de êxito, - a pesquisa realizada, - os recursos existentes e nossa capacidade organizativa como grupo impulsor. Quem fará a mudança? O objetivo Em quanto a situação mudará? Quando ocorrerá a mudança? 40 Os objetivos de advocacy são passos gradativos e realistas rumo à solução do problema. Construindo ambientes e climas O ambiente político O clima político É um conjunto de elementos que cercam a ação de formular as políticas públicas, é o cenário geral no qual se movem os atores do octógono das políticas públicas. É um conjunto de códigos -explícitos e implícitos - que determinam as percepções que os "atores" têm de si mesmos e de suas ações ou omissões. identifica-se através de elementos externos como: A interação entre atores pode ser entendida: • Apoio político • Formulação de políticas • Organização de programas • Recursos • Pesquisa • Marco jurídico • Componentes de um programa • Melhoria do processo de formulação de políticas O caminho mais direto para a frustração é fixar objetivos que não poderemos alcançar. Não devemos esquecer que atingir o objetivo proporciona entusiasmo à equipe de pressão, rede ou parceria. Isso constitui uma importante experiência de êxito que se traduz em credibilidade dentro do grupo e frente à sociedade e, conseqüentemente, fortalece a organização e a auto-estima coletiva. 41 tanto pelos sinais de caráter político como pela maneira como se percebem esses sinais através de declarações, cumprimento de acordos, expressões, e níveis de diálogo e coordenação entre outros. Como podemos contribuir para a melhoria do ambiente político visando à consecução de nossos objetivos e penetrar na estrutura de poder que aparentemente impenetrável? •aumentando o apoio político para nossa causa •otimizando a organização dos programas •garantindo que o orçamento atribuído seja suficiente •adequando o marco jurídico •obtendo a informação necessária para o tratamento adequado de cada tema específico Quais esforços devemos fazer para construir climas políticos os mais favoráveis possíveis a nossas reivindicações? Contribuir para uma interação direta e transparente nas relações humanas e no diálogo, com base na ética, o respeito mútuo e a consistência dos espaços previstos de coordenação. É necessário tentar garantir que declarações estejam apoiadas em fatos, em expressões objetivas e que os acordos firmados sejam cumpridos por todas as partes envolvidas. No caso de temas tão controversos como os com os quais lidamos, devemos preparar o terreno para que nossas estratégias enfrentem o menor número de obstáculos possível. Ferramentas para se pensar Há inumeráveis instrumentos para nos ajudar a verificar se nossas estratégias estão bem encaminhadas. No uso de qualquer um deles, precisamos ser o mais analítico, crítico, abrangente e flexível possível em relação ao nosso objetivo. É uma questão de pensar sobre Do problema à solução Uma última consideração os diversos cenários e a forma como impactam sobre nossa possibilidade de atingir o objetivo que temos proposto, a partir da missão e visão de nossa organização. A estratégia de advocacy não acaba quando se alcança o objetivo. Precisamos desenvolver mecanismos de seguimento a fim de garantir que todo que conquistamos se cumpra, se mantenha e funcione eficientemente de acordo com as normas e/ ou acordos estabelecidos. Uma das ferramentas metodológicas mais utilizadas neste tipo de tarefa é o FODA que permite explicitar as fortalezas (F) e deficiências (D) que encontramos dentro de nossa organização. Serve para ordenar esse “olhar para dentro” ao qual fazíamos referência; para logo “olhar para fora” para o entorno que nos cerca e onde devemos identificar as oportunidades (O) e ameaças (A) que existem em relação a nossos propósitos. Dependendo do tipo de cruzamento que fazemos com estas quatro variáveis, estaríamos fazendo uma análise FODA ou DOFA. Embora a troca de letras aparentemente não muda nada, a diferença da comparação de fatores no resultado da análise é significativa e nos pode sugerir intervenções de natureza muito distinta. F ortalezas Oportunidades D eficiências A meaças 42 O FODA nos convida a pensar nas fortalezas da organização à luz das oportunidades oferecidas pela conjuntura. Desta maneira, nos leva a pensar como potencializar nossas fortalezas o máximo possível, aproveitando as oportunidades. Contudo, deixa os pontos negativos (deficiências internas e ameaças externas) praticamente de lado. Analisa os pólos extremos enquanto nossa possibilidade de sucesso: mostra de um lado um cenário altamente positivo, do outro um cenário extremamente desalentador. O DOFA compara as oportunidades externas com nossas deficiências internas, incentivando-nos a analisar como podemos aproveitar as oportunidades que a conjuntura nos oferece a fim de amenizar o impacto negativo que nossas deficiências podem nos ocasionar. Por outro lado, nos leva a pensar como utilizar nossas fortalezas organizacionais para neutralizar o impacto das ameaças externas que podem comprometer o sucesso de nossas ações. D eficiências O portunidades F ortalezas A meaças O PEST é outro instrumento que nos pode ajudar a fiscalizar as principais tendências do ambiente político em um dado lugar, apontando para oportunidades e limitações a fim de poder escolher um objetivo. A seleção do objetivo deve estar apoiada em uma avaliação cuidadosa de como a informação pode modificar o ambiente ou clima político em apóio à nossa causa. Ainda com uma boa definição inicial dos objetivos específicos e sua aprimoração com instrumentos como o DOFA ou o PEST, é imprescindível tomar em conta, no processo de execução, que se pode encontrar circunstâncias que obriguem a introdução de mudanças e a adaptação dos objetivos a novas realidades. Além disso, sendo o manejo dos temas políticos que abordamos freqüentemente complexo e difícil para os operadores de políticas devido à sua natureza dinâmica e inacabada, a flexibilidade é sempre aconselhável. TENDÊNCIAS Político-legais - Qual é o nível de apoio?, - por parte de quem?, - existem políticas? - Existem mecanismos necessários para implementar políticas? - Há barreiras legais ou regulamentares? Econômicas - Existem recursos adequados para pesquisar?, - Existem programas? - Existem mecanismos para atribuir recursos para programas para atender a nossa demanda?, - Existe orçamento... doações? Sociais Opinião da população. - Está mudando? - Quem apóia, quem se opõe? - Quais eventos recentes apóiam ou geram rejeição em relação à nossa demanda? - Existe algum grupo em especial afetado por nossa demanda? Técnicas ou tecnológicas - Novas tecnologias, estudos, investigações, técnicas, tratamentos... 43 LIMITAÇÕES OPORTUNIDADES Do problema à solução imediata. Equidad está começando a romper o cerco do silêncio, pondo na mesa de discussão a problemática da transmissão sexual do HIV nas relações entre homens. No meio do mundo, aí está o Equador No Equador, a Fundación Ecuatoriana Equidad lidera processos importantes na prevenção e tratamento do HIV/Aids entre homens que fazem sexo com homens. Sua missão é trabalhar pela reinserção da problemática da homossexualidade e o HIV/Aids nas prioridades políticas, intervenções e iniciativas de prevenção, assistência e educação nos níveis público, privado e comunitário do país, no contexto da saúde e dos direitos humanos. De imediato, propôs a inclusão na agenda do Programa Nacional de Aids/ DST do Ministério da Saúde e do setor não governamental da situação dos gays e outros HSH com relação ao HIV/Aids, promovendo mudanças nas prioridades políticas e no desenho dos planos e programas de HIV/Aids para que tomem em conta uma das populações mais vulneráveis frente à epidemia. Para conhecer a fundo a situação, - Como Equidad define um dos problemas que enfrenta? - realizou uma Análise de Situação e Resposta sobre HIV/Aids e HSH, mobilizou recursos para obter o apoio do Grupo Temático da UNAIDS para desenvolver atividades de diagnóstico, elaborou um mapeamento político para poder localizar os poderes a favor e contra sua causa, entrevistou informantes-chave institucionais, fez inventários de intervenções específicas sobre HIV/Aids e HSH, revisou a bibliografia e os documentos locais e internacionais sobre o tema, pesquisou as dimensões possíveis, analisou a legislação vigente no Equador e na América Latina, questionou as interpretações epidemiológicas que tendem a distorcer o estado real da epidemia... Analisa como as mudanças no discurso oficial sobre a epidemia acabaram por eliminar os poucos programas de prevenção e apoio dirigidos a gays, bissexuais, transgêneros e outros HSH. As iniciativas oficiais e não governamentais no Equador mudaram suas prioridades para o tratamento da transmissão heterossexual do HIV em razão da progressão do número de casos na população heterossexual e a preocupação sobre a transmissão mãe-filho. - O novo discurso oficial partia da falsa percepção de que a problemática do HIV/Aids tinha sido superada pelas populações HSH, sem se dar conta - ou sem lhes importar - que ao deixá-las completamente desprotegidas frente à transmissão do HIV, sua vulnerabilidade frente à epidemia aumentava. Só conhecendo com precisão a realidade é que podemos atuar sobre ela. Assim entendeu Equidad e seus aliados e é com este arsenal conceitual, factual e documentário que conseguiram definir com precisão seus objetivos de intervenção política e desenvolver estratégias que lhes permitiu obter resultados significativos para sua luta. A orientação para uma solução de fundo para evitar este tipo de situação passa sem dúvida pela transformação das bases sociais e culturais que sustentam a persistente homofobia de formuladores de políticas que apresentam resistências no reconhecimento público das minorias sexuais. Dessa maneira, só beneficiam os GBT e outros HSH com serviços de atenção em DST e HIV/Aids de maneira indireta, sem reconhecer sua especificidade populacional, nem elaborar políticas claras que a respeitem nem a atendam como tal. O problema é complexo e não pode ser solucionado de forma 44 - Incidir sobre quem toma a decisão capítulo 5 45 Incidir sobre quem toma a decisão É preciso identificar os atores que estão relacionados com nosso objetivo de advocacy e que têm impacto sobre o mesmo. Uma vez selecionados o tema e os objetivos da estratégia de advocacy, os esforços devem ser concentrados nas pessoas cuja participação é crítica para o êxito do objetivo em curso. É importante relembrar que quem toma decisões sobre políticas são sempre seres humanos com nome e sobrenome, e não instituições. A partir desta premissa, interessa-nos trabalhar estratégias de advocacy voltadas para exercer pressão sobre estas pessoas a fim de atingir nossos objetivos. O público primário é definitivamente o protagonista de nossa estratégia. Estas são as pessoas que precisamos convencer, é preciso negociar com elas, delas depende a decisão. As pessoas que compõem o público secundário são peças fundamentais no jogo devido à influência que exercem sobre os tomadores de decisão. Se conseguirmos convencê-las de que nossas colocações são justas, podem se tornar aliadas de primeiríssima importância. Por outro lado, se exercem uma influência opositora, poderiam ser obstáculos determinantes para nosso sucesso. Os públicos podem estar compostos por homens e mulheres que são líderes políticos, funcionários públicos municipais, estaduais ou federais, prestadores de serviços de saúde dos setores público e privado, chefias de meios de comunicação, líderes religiosos, diretores de ONG.... Trata-se de qualquer pessoa que tenha poder de decisão em relação ao objetivo que 46 definimos na área de prevenção e atenção de HIV/Aids, especificamente aqueles programas dirigidos a gays e outros homens que fazem sexo com homens. Como sempre, os mapas ajudam a situar No caso de uma estratégia de advocacy, é fundamental saber se relacionar e se comunicar com aqueles personagens, freqüentemente difíceis, que ostentam algum tipo de poder. Uma boa parte da pressão exercida será de maneira direta, inclusive pessoal. Por isso, precisamos estar preparados para argumentar nossa proposta da maneira mais sólida, mais bem informada e fundamentada possível. Cada contato que estabelecermos deve estar cuidadosa e detalhadamente preparado, para não perder nenhuma oportunidade que possa se apresentar. Nesse sentido, devemos conhecer todos os detalhes sobre nossos públicos. Isto nos permite direcionar nossas atividades de advocacy com maior precisão, desenvolver mensagens eficazes e utilizar os canais de comunicação mais apropriados para cada uma destas pessoas. O mapeamento político é um instrumento que nos ajuda a ordenar e registrar as informações que obtemos de nossos públicos. Disponibiliza rapidamente informações sobre as relações de poder econômico e social entre os distintos atores e nossa causa, facilitando o processo ao nos apontar a viabilidade política de nossas Protagonistas de nossa estratégia O público primário é constituído pelos atores políticos chaves, encarregados de tomar a decisão que nos interessa, que convém - do nosso ponto de vista - à sociedade. Trata-se de uma ou várias pessoas cujas visões e decisões afetam a disponibilidade e atribuição de recursos para atender a nossa demanda. O público secundário é composto por aquelas pessoas que por diferentes motivos influem diretamente na percepção do público primário em relação ao tema em questão e, por conseguinte, em sua decisão. ações e os elementos para reconhecer os parâmetros dentro dos quais devemos desenvolver nosso trabalho dentro do sistema em que atuamos. É aconselhável coletar dados como: nomes; instituições; pessoas chaves; contatos existentes; interesses políticos, econômicos e sociais; posições frente a nossa posição; poder de influência e impacto; alianças possíveis; etc. PÚBLICOS Para abordar uma autoridade, ganhamos muito tempo e confiança se estamos informados sobre o quanto e o que ela conhece sobre o tema específico do qual querermos tratar. Se sabemos que nosso público conhece bem a problemática e a natureza das alternativas de soluções que pretendemos apresentar-lhe, não é preciso iniciar a conversa com preâmbulos explicativos detalhados. Inclusive deve-se variar a linguagem, quem conhece bem o tema, também utiliza bem Nível de conhecimiento sobre o tema PÚBLICO PRIMÁRIO (nome e cargo) (nome e cargo) PÚBLICO SECUNDÁRIO (nome e cargo) (nome e cargo) 47 Nível de apoio prévio demonstrado Nível de oposição prévia demonstrada Incidir sobre quem toma a decisão a linguagem. Nestes casos, pode-se expor diretamente a proposta e aproveitar melhor o tempo do contato para se aprofundar nos benefícios que a mesma oferece para a população afetada. Por outro lado, se sabemos que vamos lidar com alguém que conhece apenas superficialmente o tema específico, seja por falta de tempo, formação, capacidade ou interesse, temos que analisar a melhor maneira de chegar utilizando termos claros, amplos, abundando em antecedentes e contexto. Como dissemos anteriormente, conhecer e entender a atitude da pessoa em relação ao tema também é vital para definir a forma como vamos tratar a nossa relação com ela e a abordagem que faremos do assunto. Pode ajudar esboçar uma argumentação voltada para a visão da pessoa, que busque reforçar suas apreciações positivas, do nosso ponto de vista, e sutilmente amenizar seus enfoques negativos. Para isso, devemos estudar cuidadosamente o nível de apoio ou oposição previamente demonstrado por estes personagens a respeito de gays e outros homens que fazem sexo com homens, bem como sua necessidade de programas específicos de prevenção e atenção em HIV/Aids. Será útil também estudar os benefícios potenciais para o público em questão que surgiriam ao dar atenção para esta problemática, em nível do êxito de sua gestão, do cumprimento de seus objetivos institucionais, de sua contribuição para a contenção da epidemia. Inclusive pode-se usar como argumento o reconhecimento social que o alcance destes objetivos poderia significar para este público. Também devemos responder às seguintes perguntas: Também é possível encontrar no caminho pessoas indecisas, que não têm uma posição definida sobre nossa reivindicação. A forma de trabalhar com elas deve ser pontual e especificamente analisada. É uma questão de aproveitar todas as aberturas possíveis para ganhar espaço, usando questões argumentativas, valorativas, teóricas, ideológicas, procedimentais, éticas... A força não está em nossas mãos, e sim em nossas mentes, na capacidade que temos de ajustar nossa fundamentação, nossa lógica ao entendimento de quem deve tomar a decisão e à estrutura de poder que dirige. - Foram planejadas ou estão sendo realizadas revisões de algumas políticas? Que papel nosso grupo de pressão poderia desempenhar neste processo? A informação sobre o nível de conhecimentos, atitudes e práticas que os públicos têm acerca de nosso objetivo pode ser obtida: • através de pessoas familiarizadas com estes personagens • lendo seus discursos • levantando as declarações que fazem à imprensa • consultando a documentação relativa ao tema • revisando os resultados das sondagens de opinião e pesquisa • estando presente em reuniões públicas, debates, painéis nos quais participam... 48 - Há algum plano de mudança de pessoal que poderia afetar quem está encarregado do tema que nos interessa? - A quem recorrem os gestores de políticas para obter conselhos? Em que fontes de informação confiam mais? - Carecem de informação para tomar boas decisões? De que maneira podemos ajudá-los? A vida continua As opções e possibilidades são múltiplas e variadas. Cada realidade é distinta, cada caso merece análise específica, cada burocracia tem seus pontos fortes e pontos fracos, cada esquema de poder responde à sua própria construção, cada tema exige um tratamento especial... Quando a Liga Colombiana de Lucha contra el SIDA enfrentou a necessidade de garantir o acesso ao tratamento anti-retroviral (ARV) para as pessoas vivendo com VIH no início dos anos 90, fez de uma maneira totalmente diferente de outras organizações situadas em outras realidades. “A vida continua” foi o lema que impulsionou a organização a lutar pela melhoria da qualidade e quantidade de vida das pessoas vivendo com HIV/Aids no marco da defesa de seus direitos humanos. Foi criada com o objetivo de procurar o acesso ao tratamento ARV para as pessoas vivendo com HIV/ Aids, que em sua maioria eram gays. A Colômbia, apesar de contar com uma reforma do sistema de saúde em 1991, sob os princípios de eqüidade e universalidade, não disponibilizava o acesso a medicamentos ARV e/ou tratamento integral para as pessoas vivendo com HIV/Aids. A Liga decidiu iniciar um programa de acesso através de doações de medicamentos em nível local, numa parceria envolvendo usuários, gestores e organizações internacionais. Esbarrou diante de limitações e, em muitos casos, não conseguiu garantir a continuidade do tratamento. É importante notar que até este momento os esforços realizados correspondem a programas institucionais e à busca de respostas, determinados por decisão própria e realizados com recursos próprios. Diante do constante aparecimento de novos casos de HIV - os esforços das ONG cobriam apenas 10% dos casos - ficou cada vez mais difícil atender a demanda de usuários antigos e novos. Frente a esta situação, a Liga analisou a conveniência de solicitar às entidades oficiais de saúde a cobertura de anti-retrovirais, sabendo que estes não faziam parte da relação de 49 medicamentos essenciais e que por isso, até então não tinha sido possível conseguir seu fornecimento. Salienta-se que a articulação desta solicitação não dependia só da Liga e por isso teve que elaborar uma estratégia de advocacy para conseguir ser ouvido. A legislação sobre Aids existente naquele momento, o Decreto Lei 559/91, era limitado quanto à cobertura de atenção às pessoas vivendo com HIV na Colômbia. Então, a Liga definiu seu objetivo de advocacy como sendo “conseguir a inclusão dos medicamentos ARV aprovados até o presente momento na relação de medicamentos essenciais do país”. Com isso, garantiria a obrigatoriedade das entidades oficiais de saúde fornecerem os medicamentos adequados para os pacientes. A decisão dependia do Conselho Nacional de Saúde presidido pelo Ministério de Saúde. Este era seu público primário: o Ministro da Saúde, na condição de Presidente do Conselho Nacional de Saúde. No planejamento, a Liga entendeu que o Gabinete da Primeira Dama podia exercer influência sobre o Ministro e que além disso teria que aproveitar a oportunidade da abertura que esta demonstrou para tratar desta temática. Na análise, também entrou o Gabinete do Senhor Presidente da República. Estas eram parte de seu público secundário. Incidir sobre quem toma a decisão As estruturas de poder: a magia de conhecê-las Por exemplo, esta compreensão nos facilita aproveitar oportunidades singulares como a que se deu no caso colombiano. Ocorre que enquanto a Liga Colombiana de Lucha Por último, não devemos esquecer que as pessoas não são entidades isoladas, elas circulam dentro de determinados contextos. Por isso, é crucial conhecer a estrutura de poder na qual atua nosso público primário. Para poder atuar sem errar, pressionando as teclas certas no momento certo, é preciso conhecer e entender o funcionamento das normas internas, as regras informais, os códigos de conduta e outros. Todo isso permite que nós nos aproximemos destas pessoas e instituições com domínio adequado das regras do jogo, eliminando o risco de partir para procedimentos inapropriados; além de contar com o conhecimento necessário e uma preparação prévia para estabelecer uma relação a mais fluida possível. É impressionante como pode ajudar quando entendemos as bases nas quais se sustentam estas estruturas, como são os processos de construção de suas próprias lógicas, e o que pode afetá-las. contra el SIDA desenvolvia sua estratégia de advocacy com o objetivo já indicado, surgiu em 1993 a primeira ação tutelar contra uma organização da área da saúde por se negar a atender e garantir o acesso a medicamentos de uma pessoa vivendo com HIV/ Aids na cidade do Villavicencio. A ação tutelar é um mecanismo legal que permite exigir o amparo de direitos fundamentais consagrados na Constituição Política do Estado e que deve ser julgada imediatamente. O interessante foi que depois da primeira ação tutelar, veio a segunda, a terceira e assim sucessivamente. Todas elas exigindo dos serviços de saúde a disponibilização de medicamentos ARV para determinadas pessoas. As Entidades Promotoras de Saúde (EPS), neste caso, passaram também a constituir uma parte do público secundário já que suas ações puderam influir de alguma forma na decisão final. Embora este dispositivo legal seja de foro individual, teve um impacto de benefício coletivo porque estabeleceu um precedente legal sobre a importância e o dever dos serviços de saúde de proteger a população de usuários vivendo com HIV/Aids. Isso, sem dúvida, contribuiu para fortalecer os argumentos para que de uma vez por todas se incluíssem os anti-retrovirais na relação de medicamentos essenciais. 50 Del problema a la solución De alianças e guerras capítulo 6 51 De alianças e guerras É importante estar ciente de que assim como vamos encontrar pessoas que podem respaldar nossa demanda e se tornar nossas aliadas, existem pessoas que podem se opor fortemente ao alcance de nosso objetivo. Da mesma forma, haverá um grupo de pessoas indecisas sobre o lidar com os gays e outros homens que fazem sexo com homens na problemática da prevenção e assistência em HIV/Aids. Dependendo do peso específico de cada um destes grupos no jogo do poder, devemos tomá-los em conta, ou não, para convencê-los de nossas certezas. Esta constatação merece que nos sentemos para pensar, pesquisar e analisar quem nos apóia e quem se opõe a nós, a fim de definir como encaminhar nossa estratégia de advocacy. É preciso analisar as pessoas aliadas em termos de como elas podem nos apoiar, com que tipo de ações, intervenções ou respaldo, a fim de saber com o que contamos. É preciso pensar também como e quando estabelecer contato com elas, e como mantê-las informadas do processo. para qualquer eventualidade. Também é importante saber quem apóia a oposição, que recursos tem, que histórico de êxito apresenta, que meios de comunicação utiliza e a forma como utiliza, a quem dirige suas mensagens e que materiais publica. É um erro imperdoável subestimar o impacto que os opositores podem ter sobre nossa estratégia. Por isso, desde o início é preciso trabalhar esta linha de ação, preparando detalhadamente as intervenções a serem realizadas neste campo. Às vezes, não cuidamos o suficiente no sentido de procurar saber quem pensa de que maneira sobre o que em particular, e rotulamos as pessoas de acordo com: • certos padrões tradicionais (eles sempre pensaram assim); Nunca subestime os opositores É crucial identificar as forças opositoras. É preciso medir sua força para poder elaborar estratégias visando derrotá-las, ou pelo menos neutralizá-las. É necessário não só conhecer seus argumentos para poder derrubá-los um por um com dados, informações amplas e fundamentações precisas, como também sua maneira de comportamento no debate. Não podemos permitir que nos tomem de surpresa publicamente com um estilo sensacionalista ou com imposturas. Devem nos encontrar preparados • a instituição à qual pertence (sabendo que nem a Igreja Católica é uma instituição monolítica); • o partido no qual militam (essa é a linha do partido). As coisas mudam, as pessoas mudam; além disso, analisar a homossexualidade como um fenômeno isolado não é a igual a analisá-la dentro do contexto da luta pelos direitos humanos, dos movimentos de cidadania, do respeito às cláusulas de universalidade e eqüidade contidas nas constituições dos estados. Vivemos em um mundo de transformações, dinâmico, onde é preciso se livrar de seus próprios preconceitos, apreciações mecânicas e extrapolações supérfluas. Precisamos nos perguntar: Qual é a situação das pessoas que nos interessam estritamente em relação ao objetivo específico que buscamos atingir através da nossa estratégia de advocacy? Quais circunstâncias fazem com que as pessoas assumam uma determinada posição? Qual é a situação da composição das estruturas que têm poder de decisão sobre os problemas que nos afetam? Busquemos todas as possibilidades de somar... De desagregar que se encarreguem os outros. 52 A dignidade se forja A experiência do Grupo Dignidade em sua luta pela mudança da conjuntura política visando à inclusão social dos gays e outros HSH no Brasil é reveladora neste sentido. Dentro de sua missão, teve e continua tendo que enfrentar inúmeras causas de advocacy com objetivos tão específicos que vão desde a eliminação de todo tipo de preconceito até a inclusão do tema orientação sexual na política de educação sexual das escolas do Estado de Paraná. Em meados dos anos 90, realizou uma análise de forças opositoras utilizando uma escala de +10 a -10 em torno de 4 considerações básicas sobre a proposta em questão: • • • • expectativas do opositor participação e influência ativa efeito positivo ou negativo sobre o projeto complementariedade/competitividade. As igrejas foram identificadas como forças opositoras aos objetivos almejados pelo Grupo Dignidade quanto à prevenção da Aids, tanto do ponto de vista dos direitos humanos como da saúde: condenavam o uso do preservativo, não aceitavam a existência de homossexuais... Apesar disso, diante de uma atitude de amplitude de ambas as partes, “Dignidade” fez uma aliança muito importante com a Ordem das Irmãs Oblatas, já que esta ordem católica realizava um trabalho muito parecido ao seu em relação a profissionais do sexo. A diferença estava na ênfase que as Irmãs davam ao trabalho espiritual. Desta maneira, a Ordem das Irmãs Oblatas foi a principal impulsora da criação de uma casa de apoio para as pessoas doentes de Aids que estavam socialmente desamparadas. Estreitaram-se fortes laços entre “Dignidade” e as Oblatas e foram elas que em 1996 - depois de um incidente de confrontação aberta entre o Arcebispo de Curitiba e o Grupo Dignidade - 53 facilitaram uma reunião entre ambas as organizações que resultou em um consenso de respeito mútuo. O que ocorreu foi que através do jornal de maior circulação do Estado de Paraná, o Arcebispo fez declarações contrárias ao uso do preservativo e às candidaturas de homossexuais a cargos legislativos. Isso provocou uma manifestação organizada por “Dignidade” na frente da Catedral de Curitiba (capital do Paraná) com faixas que diziam “O Senhor é meu pastor e sabe que sou gay”. A mediação das Irmãs Oblatas foi tão efetiva que até hoje o Grupo Dignidade não se posiciona contrário à Igreja Católica e o Arcebispo não se pronuncia sobre o Aids nem sobre a homossexualidade. Não se deve perder uma só oportunidade para somar. O Grupo Dignidade também relata como as Secretarias Estaduais da Segurança Pública e da Justiça - identificadas inicialmente como forças opositoras em sua análise - transformaram-se em forças aliadas. Aconteceu que “porventura” como dizem os companheiros brasileiros, um homem que era deputado federal em 1987, havendo-se pronunciado já nessa época a favor da proibição da discriminação por orientação sexual na Constituição Federal, ocupou os dois cargos. A partir da atuação deste Secretário, foi possível um diálogo aberto que facilitou a criação do Conselho Permanente dos Direitos Humanos e a diminuição da violência policial contra gays e outros HSH. A reflexão neste caso deve ficar clara para nós. Não investigar o que uma mudança pode significar, não averiguar as características da pessoa que assumiu o cargo de Secretário Estadual da Segurança Pública e da Justiça nessas circunstâncias - inclusive depois de uma análise de forças opositoras - poderia ter nos levado a cometer equívocos, a afastar personagens importantes para nossa causa, a prejudicar relações, a não capitalizar as oportunidades. É uma questão de atitude e maturidade. De alianças e guerras Transformar de dentro A interação entre agentes de mudança que operam fora do sistema (que somos nós), com agentes que acreditam na necessidade da mudança dentro do sistema, são processos que podem garantir transformações perduráveis. Nesse sentido, o desafio mais sério que enfrentamos se encontra em nossa capacidade de transformar paulatinamente o sistema, de dentro. Aqui não valem as posições fundamentalistas anti-estado ou anti-autoridade. É possível que as ditaduras, os regimes autoritários, as pesadas burocracias ou a injustiça, discriminação e desigualdade institucionalizadas tenham criado fortes resistências contra trabalhar com o Estado, ou com qualquer instância da ordem estabelecida, sejam parlamentos, ministérios, prefeituras... Não podemos permitir que esta atitude nos paralise. Se fizermos, por maior ou menor que seja a mudança desejada, será uma utopia de fato inalcançável. Se a frustração nos impede de ver saídas negociadas ou encontrar respostas a nossas demandas fora do âmbito da confrontação, estamos negando nossa responsabilidade no novo cenário social, econômico, político, cultural, sexual. Onde estão os novos atores sociais? Estamos esperando que algum governo nos dê a luz verde para exercer plenamente nossos direitos como cidadãos e cidadãs? Já dizia Norbert Wiener com toda razão: “me machucam as ações dos maus, mas o que mais me machuca é o silêncio dos bons”. 54 Como defensores do direito à livre orientação sexual no marco dos direitos sexuais e reprodutivos junto com milhares de ativistas em todo o mundo, devemos arrancar decisões das autoridades de nossas cidades, estados, países ou regiões para garantir programas eficientes de prevenção e atenção em HIV/Aids entre gays e outros homens que fazem sexo com homens. Não se trata só de exercer nossos direitos, tratase também de cumprir nossa responsabilidade social. Ou intervimos na construção do mundo, ou deixamos que os outros o construam como querem, sem poder nos queixar depois. Uma aposta coletiva A criação de redes de apoio ou coalizões que respaldem uma causa representa uma possibilidade certa de aumentar nossa força, nosso poder de exercer pressão. Uma rede ou coalizão é um grupo de indivíduos e/ou organizações que se juntam propositalmente com um objetivo comum para se apoiar e colaborar mutuamente. É importante criá-las, mas é primordial também pensar sobre como mantê-las durante o tempo que for necessário. Deve-se estabelecer claramente o propósito da rede ou coalizão, o que se espera de cada membro e os benefícios de pertencer à mesma. Deve haver pleno consenso em torno dos objetivos de cada estratégia de advocacy. O estabelecimento de formas regulares de comunicação para informar sistematicamente sobre o desenvolvimento das ações de advocacy e seus resultados é de inestimável valor para manter um contato permanente e consolidar a rede como uma instância conjunta. Antes de formar uma rede ou coalizão para atuar neste âmbito, é preciso analisar cuidadosamente as vantagens e desvantagens. Não se pode esquecer que a criação ou desaparecimento de uma rede não só tem implicações na organização coletiva e estrutura como tal, como também no posicionamento da causa levantada. Mapas de poder A criação de redes ou coalizões é sempre uma possibilidade interessante no desenvolvimento de estratégias de advocacy, contudo não necessariamente é imprescindível. O que é primordial, sim, é identificar os níveis de apoio e oposição que existem acerca (neste caso) da problemática do HIV/Aids em gays e outros HSH. Por muitas razões (religiosas, culturais, históricas e históricas) com freqüência este tema levanta polêmica em nossas sociedades. Tanto quem apóia como quem opõe, defendem suas posições. Ventagens e desvantagens de formar redes ou coalizões VANTAGENS DESVANTAGENS Amplia a base de apoio Pode-se obter em conjunto o que individualmente não é possível obter. O conjunto traz proteção Há maiores possibilidades de conseguir mais recursos financeiros, humanos e programáticos. Obtém-se maior credibilidade e por conseguinte, obtém-se major influência. Amplia o alcance do trabalho 55 Cada decisão leva mais tempo e esforço. Pode comprometer sua posição em relação a certos aspectos da questão. Se o poder não for distribuído de maneira igualitária, pode significar ceder para organizações mais poderosas. Não há reconhecimento individual. Se a rede ou coalizão se interrompe, se divide o se enfraquece com a saída de um ou mais de seus membros, isto repercute negativamente sobre a estratégia de advocacy. Para aumentar as oportunidades de sucesso em nossas estratégias de advocacy, devemos estudar os atores que podem apoiar nosso objetivo específico, assim como aqueles que podem se opor à sua realização. Trata-se de ampliar o máximo possível a base de apoio a partir de uma perspectiva multisetorial, plural e democrática. Esta base se constrói através de diversas ações que por último devem convergir na formação de uma consciência pública. A opinião pública pode exercer uma poderosa pressão sobre quem toma as decisões. O mapa de poder é uma ferramenta de planejamento que nos permite determinar as posições dos atores de acordo com seu poder e influência em relação ao nosso objetivo de advocacy. Desta forma, contribui para a definição com maior precisão de atividades e mensagens de advocacy. Devemos fazer uma lista a mais completa possível de atores envolvidos diretamente no tema específico com o qual estamos trabalhando, incluindo os públicos primários e secundários de nossa estratégia de advocacy. Esta exposição objetiva dos elementos no mapa nos ajuda a analisar a partir de uma visão de conjuntura, quais são nossos aliados e opositores, as interrelações ou conexões entre eles e onde reside a maior parte do poder e influência. De alianças e guerras Só um rigoroso levantamento dos fatores, elementos e atores envolvidos em nossa estratégia de advocacy nos permitirá construir um mapa de poder que reflita a situação real e que, por conseguinte, possa ser útil para nossos fins. Com base nesta análise, poderemos definir como construir o apoio, como neutralizar a oposição e se vale a pena converter os indecisos. Como podemos construir nosso mapa do poder? 1. Dividir uma folha de papel em duas partes, as quais representam os que apóiam e a oposição. Alianças e alianças 2. Fazer uma lista de nomes, de acordo com as posições (pró e contra). Existem diversas formas de construir alianças, de recorrer a elas e conservá-las. 3. A linha no meio da folha representa a neutralidade, aqui colocamos os indecisos ou neutros. 4. O tamanho do espaço ocupado pelo atores selecionados corresponde ao tamanho de poder ou influência que exercem sobre o tema e sobre os públicos primário e secundário. 5. Quanto mais definidas sejam suas posições a favor ou contra, mais distantes estarão da linha do meio. - Há alianças com as quais, dependendo do tema específico de advocacy e/ou da natureza dos atores envolvidos, é preciso ter contato desde o início do processo. - Há outras que se integram pontualmente conforme as necessidades do processo. - Há outras que não se comprometem com o processo de advocacy, mas sim com a causa que defende, permitindo simplesmente que se utilize sua imagem para demonstrar seu apoio... Enfim, também não há receitas prontas para tratar deste aspecto do processo, entretanto a intuição, os questionamentos e a análise dos mapas de poder esclarecem como proceder. 6. Aqueles atores que estejam estreitamente vinculados entre si, devem ser colocados uns ao lado dos outros a fim de refletir esta relação mútua. É preciso entender os fundamentos que facilitam ou impedem o apoio de determinadas organizações, movimentos ou pessoas para analisar friamente como aproveitar ao máximo sua aproximação a nossos interesses, seja a partir 56 do anonimato, da neutralidade, do apoio silencioso ou, simplesmente, da não confrontação. É preciso analisar cada caso, sem atuar visceralmente nem exigir atos fundamentalistas de ninguém. Em muitos casos, uma atitude ponderada e de compreensão pode nos levar a não perder possíveis futuros aliados, a não enfraquecer ambientes facilitadores que são solidários com nossa causa, a ganhar terreno, aos poucos, rumo à mudança esperada. A luta contra a discriminação de todo tipo e a defesa dos direitos humanos facilitou também a criação de alianças em vários países, abriu o espectro dos “excluídos”, rompendo o isolamento dos grupos existentes. Este discurso de cidadania mudou a forma como gays e outros homens que fazem sexo com homens são considerados. Os GLTB, enquanto populações afetadas pela marginalização e injustiça social, uniram-se com outros segmentos na luta contra a discriminação por razões de classe, sexo, idade, raça, orientação sexual e outros. Em nenhum momento pode-se subestimar o valor das alianças com os movimentos de mulheres, povos indígenas, negros, jovens, etc. rumo à consolidação de um mundo que respeite as diferenças e combata as desigualdades. Uma última consideração: as organizações filiadas à ASICAL relevaram a importância de contar com a mobilização internacional como uma aliada estratégica no decorrer de todas suas estratégias de advocacy. As declarações e o posicionamento de agências internacionais como a UNAIDS e as redes regionais que trabalham com HIV/Aids da América Latina e o Caribe são apoios de inestimável valor que, além de prover recursos financeiros e assessoria técnica, facilitam informação, resultados de pesquisa, atualização de dados e estudos que permitem fundamentar e nortear concretamente nossas ações. O MUMS do Chile se arrepende por exemplo de “não ter desenvolvido uma aliança de forma orgânica, ou seja, só se solicitou o apoio político de determinadas organizações e instâncias, entretanto, elas não foram envolvidas diretamente no trabalho cotidiano da campanha. Portanto, existia uma aliança implícita que apoiava as iniciativas que o Movimento empreendia pela revogação do Artigo, mas não existia nenhum vínculo Neste sentido, os companheiros guatemaltecos observam que no caso particular do ASI, apesar de que tem um projeto para minorias que tem como população-alvo profissionais do sexo, sua estratégia de crescimento e sustentabilidade se choca com o apoio a causas que não são populares ou que podem ser prejudiciais a tais esforços. O que mais convém nestes casos? Do nosso ponto de vista, convém estudar a possibilidade de como capitalizar cada experiência, quando sua essência for afim. permanente que permitisse coordenar ações ou dar maior relevância às ações realizadas”. Para poder atingir seus objetivos, a Liga Colombiana de Lucha contra el SIDA estabeleceu vários tipos de alianças. “A primeira foi entre as ONG e grupos de apoio participantes. Embora é certo que nunca se tratou de uma aliança formal, sempre houve uma unidade conceitual nos diferentes discursos, todos os participantes utilizavam todas as oportunidades para mencionar o tema nos meios de comunicação e sempre houve um apoio na redação, assinatura e envio de comunicados”. 57 De alianças e guerras Cada aliança é valorizada a partir do que se espera dela. Para o Grupo Dignidade do Brasil “sempre que houve algum problema em relação aos serviços públicos de saúde, em relação à atenção e prevenção em Aids, “O fundamento principal que reuniu as alianças no caso das ONG” segundo a Fundação Equidad, do Equador, “foi a crescente onda de discriminação contra os gays e transgêneros com relação ao HIV/Aids, particularmente quanto ao acesso a serviços de atenção prestados pelo sistema público de saúde e alguns programas do setor não governamental”. Também ocorrem alianças de natureza profissional, ou que surgiram devido à amizade entre pessoas de áreas parecidas... ou pelo entendimento da vivência pessoal de membros de uma população altamente afetada pelo HIV. o Grupo se aliava com as demais ONG/Aids de Curitiba, formando um grupo de pressão conjunta para levar o problema até o Secretário de Saúde responsável. Neste processo, nunca nos negou uma audiência. Assim aprendemos que é preferível negociar com o governo antes de fazer denúncias... Este processo de alianças nos conduziu à criação em 1995 do Fórum Paranaense de ONG/Aids, uma instância mais representativa e mais forte de articulação política”. Explicam que estas alianças se deram basicamente em torno de problemas que afetavam a todas as pessoas envolvidas na questão Aids, independentemente de sua orientação sexual. Também se aliou com o Departamento de Educação da Universidade Federal de Paraná, para desenvolver ações de capacitação em prevenção de Aids e, em nível nacional, construiu alianças com outros grupos de gays e outros HSH com ideologias afins, integrantes do Comitê Assessor HSH do Programa Nacional de Aids. 58 Os companheiros de OÁSIS da Guatemala não encontraram quase nenhum apóio entre as organizações membros da Asociación Coordinadora de Sectores de Lucha contra el SIDA. Consideram que existe “certa hostilidade à abordagem do tema da homossexualidade na maioria delas”, entretanto explicam a situação à luz do ambiente conservador e penalizador deste tipo de abertura. “Em muitas organizações, embora o pessoal tenha vontade de apoiar a questão, os diretores não permitem. Por exemplo, no caso do APAESSolidariedad, o fato de ter tomado o caminho da prevenção com jovens em escolas do país inteiro, veda-lhes as oportunidades de fazer atividades reivindicativas ao redor da homossexualidade”. Afinal, estamos falando de um país que até 1996 viveu uma guerra civil que durou 36 anos, com uma política de segurança nacional sob a qual toda expressão de diversidade humana era reprimida. A “comunicação”: nossa protagonista capítulo 7 59 A “comunicação”: nossa protagonista - Significa a experiência e habilidade de saber escutar, a arte de estabelecer empatias, a disposição de aprender dos outros. via satélite grupal escrita não verbal... verbal icônica auditiva visual É algo com o qual convivemos. Está aí. Precisamos dela, utilizamos dela. É obvio que ela está aí. 60 ... de massa ca • Significa destreza no manejo da linguagem e na possibilidade de adequá-la a cada interlocutor, a cada circunstância, a cada contexto, com inteligência. interpessoal éti Significa a capacidade de transmitir idéias, valores e agendas visando convencer quem toma decisões de que estamos certos. Todos os dias utilizamos formas, meios, ferramentas, formatos, estilos... de comunicação. Somos protagonistas cotidianos da comunicação: ern - O efeito “quebra-cabeças” cib O sucesso de uma estratégia de advocacy dependerá em grande parte de uma estratégia de comunicação específica. A comunicação é uma habilidade crucial nestas questões. simbólica ambiental... Talvez seja por isso que não nos damos conta da necessidade de refletir sobre como otimizar seu uso, como pensar estrategicamente a seu respeito, do que fazer para obter o efeito “quebracabeças” no sentido de que todas as atividades de comunicação que desenvolvemos são peças que, por suas características formais e de conteúdo, encaixam harmonicamente no quadro final, na visão de conjunto. Desta maneira, cada peça cumpre, por um lado, o objetivo específico de sua própria atividade dentro de si; e por outro, cumpre o objetivo de contribuir para o todo. No tudo, trata-se de: - reforçar o conjunto; - dar continuidade e fluidez às relações envolvidas; - complementar os sentidos e significados; - apelar a todas as pessoas por igual e também a cada um particularmente, de acordo com suas próprias especificidades de manejo de linguagem e códigos, situação, exercício do poder, conhecimento e atitude frente ao tema; - entender e adequar-se ao democrático, ao plural, ao diverso, ao diferente; - ajustar tempos, intensidades, formas e conteúdos de acordo com o objetivo maior Uma estratégia de comunicação a serviço de uma estratégia de advocacy expõe um conjunto de ações de comunicação voltadas para o alcance dos objetivos almejados pela estratégia de advocacy. 61 Estratégia de Comunicação O que deve ser definido? O que deve ser garantido? • os sujeitos intervenientes e envolvidos no processo, identificando com precisão os públicos internos e externos da estratégia de advocacy; • objetivos claros para cada peça informativa ou espaço de comunicação; • o conteúdo, linguagem, gênero e formato das mensagens e materiais de comunicação; • a seqüência, horários e circunstâncias da transmissão ou difusão das mensagens e materiais; • os meios a serem utilizados; • os recursos que serão necessários. • fluxos dinâmicos e permanentes de comunicação que possam contribuir para - a articulação e o fortalecimento interno do grupo de pressão, rede ou coalizão - o efetivo relacionamento com públicos, equipes de trabalho, aliados, opositores, meios de comunicação e público em geral. A “comunicação”: nossa protagonista Vista desta forma, a comunicação transcende um papel meramente operacional, pois dentro da proposta global tem seu próprio espaço de realização; a partir do qual tem a possibilidade de contribuir com ações de motivação, de acompanhamento, de informação contextualizada, de educação, de intercomunicação, de diagnóstico e testemunho de situações de vida, de reflexão, discussão e análise documentada. Nesses termos, é preciso pensá-la mais além do tecnicismo dos meios e ainda trabalhá-la como uma instância própria de negociação na constituição das identidades culturais e sociais. (Contreras e Ávila, 1992) Do individual para o coletivo A comunicação interpessoal é a estrela das estratégias de advocacy na maioria dos casos. É assim que entenderam as organizações membros da ASICAL no desenvolvimento de suas estratégias. Uma boa parte da estratégia de comunicação deve estar centrada nos públicos primário e secundário através de entrevistas, exposições de motivos, reuniões de negociação, bate-papos informais... além disso, facilita muito preparar materiais de apoio visual como vídeos ou apresentações em power point que facilitam a explicação do tema abordado. Do mesmo modo, entregar-lhes materiais de referência como folhas contendo dados, pastas informativas ou tabelas estatísticas garante seu acesso à informação desejada sem distorções e sem esquecer nada. Todo isso influi em nossa possibilidade de negociar melhor nossos objetivos de advocacy. Como já dissemos, é essencial conhecer muito bem os públicos para poder elaborar mensagens concisas e consistentes que se adeqüem a suas características. As mensagens de advocacy devem precisar com a maior clareza o que se espera do público com amplas explicações em torno dos benefícios da mudança proposta. A informação é essencial para obter a compreensão clara do tema, a situação e a mudança de política desejada. A intenção é levar o público a atuar em apoio de nosso objetivo. É preciso preparar as mensagens levando em consideração que, de modo geral, formuladores de política de alto escalão contam com tempo limitado. Pelo fato da natureza dos temas com os quais trabalhamos ser controversa em sua essência, nossa estratégia de comunicação, embora se concentre no público primário, não pode apontar toda sua artilharia exclusivamente para ele e para o público secundário que influi diretamente nele. É preciso desenhar um sistema de comunicação que além disso garanta um relacionamento efetivo entre os membros do grupo impulsor da estratégia de advocacy, com e entre seus aliados, e com todos aqueles setores envolvidos no tema específico com o qual trabalhamos. Da mesma forma, é necessário desenvolver mecanismos de comunicação para neutralizar o possível impacto das mensagens da oposição, conseguindo um grau de presença de tal forma e com tal conteúdo que possa desmontar os argumentos que sustentam seu discurso. Para “Equidad” do Equador “a comunicação desempenhou um papel fun- iniciativa e contar com predisposição o suficiente para o feedback quanto damental tanto para o processo como na obtenção dos resultados. No ao processo a ser seguido, serviu como um eixo facilitador de comunicação trabalho comunitário e da coordenação interinstitucional existe uma e interlocução...dando como resultado em primeiro lugar, a elucidação de desconfiança natural entre os diversos atores que de certa maneira se conflitos entre os potenciais aliados e a correspondente administração dos transforma em um obstáculo na hora de formular propostas visando obter mesmos, essencialmente em uma dinâmica sem confrontos um trabalho coordenado e/ou associar interesses comuns e nem de imposição de lideranças ou relações de responsabilidades. Consultar com os diversos atores sobre o propósito da competência...”. 62 De mensagens, materiais, meios e processos A elaboração de materiais específicos e processos de comunicação dirigidos a cada um dos públicos identificados pela estratégia de comunicação deve responder às necessidades detectadas para cada caso e em todos os “momentos” que assim exija o processo de advocacy. Não há receitas prontas, apenas guias flexíveis sobre que características e elementos as mensagens devem conter para serem efetivas. A simplicidade e concisão são grandes aliadas em uma comunicação fluída. “Equidad” elaborou uma série de recursos documentais sobre a problemática dos gays, transgêneros e outros homens que fazem sexo com homens, contendo os resultados obtidos do diagnóstico e das discussões e oficinas temáticas que desenvolveu. 63 O conteúdo da mensagem se refere à idéia central da mensagem. É preciso destacar o ponto principal que queremos comunicar em uma linguagem apropriada para nosso interlocutor. Quando falamos de linguagem apropriada, referimos não apenas a uma seqüência de palavras corretamente estruturada, mas também a: - a escolha de termos compreensíveis e aceitáveis para quem vai receber nossa mensagem; - o tom utilizado; - os exemplos ou referências aludidas; - os critérios argumentados; - a lógica utilizada; - os símbolos expressados; - as figuras retóricas utilizadas; - a forma de alinhavar nosso discurso; - a contextualização dos fatos e dados. Esta continua sendo uma fórmula que nos ajuda a analisar as considerações que devemos fazer ao elaborar e difundir uma mensagem. O primeiro “quem” é a fonte da mensagem, referese à pessoa ou às pessoas que entregam a mensagem. É indispensável que a fonte inspire confiança e respeito no público-alvo, ou que produza empatia. As estratégias de advocacy freqüentemente selecionam porta-vozes oriundas da população afetada por HIV/Aids. Outra tática que pode dar visibilidade a nossas causas é conseguir alguma celebridade ou pessoa de alto escalão para pronunciar-se publicamente a nosso favor. Quem diz o que a quem com que propósito através de que meio em que momento em que lugar? A “comunicação”: nossa protagonista A lógica que fundamenta estes casos é que uma mesma mensagem pode adquirir maior significado e/ou força dependendo de quem a transmite. Assim entendeu a Liga Colombiana de Lucha contra el SIDA, que conseguiu que o II Simpósio Nacional de Direitos Humanos e HIV/Aids (1996) enviasse um “Direito de Petição” ao Ministro da Saúde solicitando a modificação da legislação existente sobre Aids para incluir a atenção integral às pessoas vivendo com HIV/Aids e sua participação ativa no Conselho Nacional de Aids. O “Direito de Petição” é um dispositivo legal utilizado para solicitar informação ou explicações a um organismo do Estado que exige uma resposta imediata quando alude a um direito fundamental. Seguem exemplos de alguns meios que podem ser úteis: “Atividades de lobby e cartas enviadas ao gabinete da Primeira Dama com o fim de envolvê-la no desenvolvimento de atividades de trabalho em HIV/Aids contribuíram para o lançamento em setembro de 1996 do Fundo Nacional de Medicamentos para Doenças de Alto Impacto Social como uma estratégia conjunta do gabinete da Primeira Dama e do Ministério de Saúde. Adicionalmente, como mecanismo de pressão política e para ganhar simpatizantes - entre 1996 e 1997 - fez-se uma campanha por meios de comunicação de massa para que se incluíssem os inibidores de retrotranscriptase e de protease no acordo 53 da Lei 100, a qual se refere aos medicamentos essenciais.” O decreto foi aprovado em 13 de fevereiro de 1997. Silvio Rodríguez dedicou uma música a favor da campanha liderada pelo MUMS do Chile durante um concerto que contou com a presença de 50.000 pessoas. 64 reuniões individuais ou públicas resumos executivos informativos diálogo e discussão fóruns políticos encontros internacionais simpósios cartas propostas escritas lobby cartazes fliers petições debates releases para a imprensa conferências concursos festivais bate-papos e-mail sites na Internet... A escolha do meio é importante também. É preciso identificar o canal de comunicação mais apropriado para transmitir essa mensagem específica. Dependendo do público, um canal pode ser mais eficaz que outro. Em que momento e em que lugar? Depende do objetivo da mensagem. Lançar uma proposta de legislação contra a discriminação nos serviços de saúde referente a gays e outros HSH vivendo com HIV em uma plenária do Congresso Nacional no dia 1º de dezembro não é igual a explicar a proposta em uma reunião do Comitê Diretor da Assembléia Permanente dos Direitos humanos. Há inúmeros meios, o importante é saber escolhê-los para cada público e para cada ocasião. É recomendável utilizar estratégias ‘multimídia’ que mantêm a coerência com nossas mensagens e lhes dêem sentido de unidade justamente através da multiplicidade das potencialidades de cada um no momento preciso. E sempre se pergunta: “e os meios de comunicação social?” O trabalho com os meios de comunicação social pode ser parte, ou não, de uma estratégia de comunicação para advocacy. Nem sempre é indispensável. 65 Facilita sempre se perguntar: - Qual é a idéia central da mensagem? Está claramente formulada? - O conteúdo é apropriado para o público-alvo da mensagem? - Quais informações devem ser incluídas? Quais devem ser omitidas? - Estamos usando os dados de forma efetiva? - A ação desejada está articulada claramente? - A escolha do formato, porta-voz, tempo e lugar é apropriada? Nem sempre é possível também, como no caso argentino, quando os meios de comunicação social ignoraram o convite de SIGLA para dar cobertura às negociações realizadas com as autoridades de saúde para elaborar estratégias de prevenção de HIV/Aids no subgrupo HSH. Isso não foi impedimento para a difusão das informações, “através do telefone, fax e e-mail, manteve-se uma constante via de comunicação que permitiu dar resposta aos interessados”. A “comunicação”: nossa protagonista Em todo caso, quando se decide recorrer aos meios de comunicação, e quando isto for de fato possível, esta ação deve estar amplamente justificada e deve formar parte explícita da estratégia de comunicação, correspondendo à lógica da mesma. Desta forma, deve-se elaborar um plano de meios de comunicação que define quando e como utilizar quais meios e com que finalidade. OÁSIS, da Guatemala, reconheceu que a ausência de uma estratégia de comunicação contribuiu para a pouca cobertura dos resultados de sua pesquisa por parte dos meios de comunicação presentes no evento de apresentação do relatório final. “Do mesmo modo, a falta de socialização do relatório com outras organizações da América Central limitaram seu impacto sobre a mudança de políticas públicas relacionadas à prevenção de HIV com HSH ou profissionais do sexo”. A utilização dos meios de comunicação nestas estratégias de advocacy ajuda muito para recrutar apoio para nossa causa, informar o público sobre os resultados obtidos em relação à nossa proposta, contribuir para mudar atitudes ou influir nas políticas e outros. Para obter maior eficiência, deve-se estabelecer um sistema de 66 monitoramento de imprensa com o objetivo de fazer um seguimento pontual de tudo o que for divulgado em relação ao tema em questão. - O monitoramento aponta concretamente para a intensidade e qualidade da cobertura dada a nossas mensagens e ações. - Nos alerta imediatamente sobre possíveis distorções que sofrem no processo. - Permite-nos atuar oportunamente para corrigir as incorreções na informação divulgada e trabalhar com os jornalistas aqueles temas que não foram tratados da forma desejada. Algo que não podemos esquecer é que os jornalistas escrevem a partir de sua visão de mundo. Se, ao longo de sua vida, um jornalista adquiriu uma postura homofóbica, a cobertura que fizer das notícias relacionadas direta ou indiretamente à homossexualidade muito possivelmente terá um tratamento jornalístico homofóbico de sua parte. Isso vai além de suas boas ou más intenções como pessoa ou de seu profissionalismo como jornalista. Isso pertence ao mundo dos valores, à ideologia, à forma de ver e entender a sociedade. Assim, é preciso desenvolver um plano de trabalho específico para dar conta deste assunto. Não basta apenas informar estes jornalistas a respeito de nossa proposta de vida, é preciso convencê-los de que é uma proposta válida, recorrendo a toda a artilharia conceitual e teórica que faz parte de nossa estratégia. Se for interessante para nós, devemos dedicar tempo, esforço e recursos para formar e manter um relacionamento fluido com os profissionais da imprensa responsáveis pela cobertura dos assuntos com os quais trabalhamos. Não é só procurá-los no momento crucial quando estamos “precisando deles”, fazendo uso instrumental do meio, mas sim procurar envolver a longo prazo o meio de comunicação e os jornalistas na profunda transformação social que propomos. Desta forma, a interpretação e cobertura de qualquer assunto serão aceitáveis porque teremos conseguido sintonizar linguagens e visões comuns. Procurar os meios de comunicação na expectativa de se ter uma cobertura perfeita, sem preparar o terreno previamente de forma sistemática e cuidadosa nos traz decepção em sociedades conservadoras e patriarcais como as nossas. Ofender-se diante do evidente só reforça atitudes superficiais que não condizem com a firmeza e solidez que devem guiar nossos atos em defesa de nossos direitos. A Liga Colombiana de Lucha contra el SIDA conclui que “o papel dos meios de comunicação foi fundamental para o exercício da pressão política desejada e conseguiu, mediante um bombardeio constante de notícias e comunicados”, a sensibilização de personagens influentes e de jornalistas, “embora tradicionalmente os meios de comunicação, de modo geral, promoveram uma visão desfavorável em relação às pessoas vivendo com HIV”. Assim começaram um trabalho conjunto para mudar o uso de vocabulário e imagens a favor da causa. No caso do Grupo Dignidade do Brasil, a persistência e continuidade do processo em andamento conseguiu finalmente, depois de 3 anos, que a rede principal de televisão “TV Globo” lhes desse cobertura. Souberam mais tarde através de um dos ex-editores da rede que existia uma ordem expressa na “TV Globo” de jogar no lixo qualquer informação relacionada à homossexualidade. “Foi a persistência e a cobertura séria dada por outros meios de comunicação que finalmente conseguiu interessá-la no tema”. 67 Por sua parte, um dos eixos fundamentais da política de comunicação do MUMS é um programa de rádio difundido há anos por uma rádio ligada ao movimento feminista. Através dele, realizou entrevistas com inúmeras personalidades do mundo da cultura e formadores de opinião, dos quais solicitou a adesão à sua campanha pela revogação do Artigo 365 do Código Penal chileno que penalizava as relações sexuais entre homens, através da assinatura de um livro de registro. É preciso conhecer a estrutura dos meios de comunicação em nossos países tanto em nível local como nacional, estudar as formas de conseguir espaço neles, entender sua lógica de funcionamento. Devemos analisar sua programação e os públicos que atingem para poder definir em que espaços nos interessa estar atuando e como podemos acessar os mesmos. O Grupo Dignidade observa que outra forma de comunicação valiosa no processo de desmistificação da homossexualidade foi participar dos debates promovidos pelos meios de comunicação. Refletir para seguir adiante 68 Refletir para seguir adiante capítulo 8 69 Refletir para seguir adiante Monitoramento, avaliação e seguimento É possível que o ponto alto da avaliação de uma estratégia de advocacy seja quando podemos celebrar o alcance de nosso objetivo. É uma conquista e, dentro de um processo cumulativo como é a luta pela prevenção e tratamento de HIV/AIDS em gays e outros homens que fazem sexo com homens, cada conquista significa um passo a mais para a solução do problema. Porém, mesmo tendo chegado a este ponto, o esforço da avaliação não terminou, e o seguimento está apenas começando. Quantas coisas se conseguiram nos últimos anos! e que junto com todas as pessoas com as quais estamos compartilhando este manual para levar adiante nossas atividades e propósitos temos contribuído de alguma forma para que tudo isto esteja acontecendo. disso, com freqüência encaramos estas atividades como requisitos impostos por executivos, doadores ou auditores, que na realidade nos tiram tempo, sem capitalizar o benefício que representam para nós. Estaríamos perdendo tanta riqueza se não formos capazes de manter e aprofundar as mudanças alcançadas. O seguimento e avaliação são instrumentos que apóiam este compromisso. Intrinsecamente relacionados Para tomar decisões... Somente se encontrarmos o sentido real do que significa monitoramento e avaliação, faremos o esforço de realizar estas atividades. De vez em quando, dá a impressão de que as estratégias de advocacy são “cinzentas” porque são componentes pouco valorizados apesar de sua importância e utilidade. Sem sermos otimistas convencidos, há de se convir que houve mudanças importantes: • que a abertura e o reconhecimento de que a dimensão verdadeira das práticas sexuais homossexuais entre homens vai além dos gays e que a existência de outros homens que fazem sexo com homens é uma realidade na América Latina; • que o estigma e a discriminação operam entre avanços e retrocessos mas já consta na agenda pública da discussão política • que se conseguiu incluir o componente da transmissão sexual do HIV entre HSH em muitos programas oficiais de prevenção e tratamento de HIV/AIDS... 70 A primeira certeza que devemos ter é de que monitoramento e avaliação significam em termos claros e diretos “recolher e usar informação”. Nenhum dos dois componentes é um fim por si só, mas sim ferramentas que podem fortalecer nossos projetos, potencializar nossas habilidades e melhorar nossas ações futuras. Talvez uma dos pontos fracos seja que não se valorize a importância da informação obtida através de monitoramento e avaliação. Além O monitoramento consiste no processo de recolher informações rotineiramente sobre todos os aspectos envolvidos em uma estratégia de advocacy, e usá-las na administração e tomada de decisões do grupo impulsor ou da rede. Faz-se monitoramento desde a implementação das atividades. Um plano de monitoramento fornece as informações necessárias para o desenho, implementação, administração e avaliação das atividades de advocacy. Portanto, inclui sistemas para a coleta de dados e informações que são considerados relevantes em relação a atividades chaves. Há indicadores de todas as cores, tamanhos e potencialidades. A questão é saber construir os indicadores que sirvam especificamente para o tema com o qual trabalhamos, que as informações obtidas sirvam para alimentar o sistema de monitoramento responsável por sintetizá-las, analisá-las e usá-las para tomar decisões e iniciar ações. A avaliação envolve uma análise objetiva e sistemática do desempenho do grupo impulsor da estratégia de advocacy, de sua eficiência e impacto com relação aos objetivos propostos. Tanto o monitoramento como a avaliação devem estar fundamentados em dados objetivos e confiáveis. Se faz parte de nossos planos fazer comparações ou observar mudanças nos indicadores, é preciso partir de um levantamento da situação inicial. Não vale falar que algum indicador “aumentou” ou “diminuiu” se não termos os dados concretos da realidade inicial. Uma avaliação séria nos permite aprender das experiências para melhorar a qualidade de futuras atividades, melhorar o desenho das estratégias a seguir, entender nossas fortalezas e deficiências e, a partir dessa base, medir o impacto de nossas intervenções, nos potencializar como movimento. Permite-nos olhar nossos sucessos assim como nossos erros e fracassos em um processo de valorização crítica. Existem diversas maneiras de fazer avaliação. A mais comum envolve a realização de uma avaliação final, medindo a obtenção do resultado desejado utilizando as características acima mencionadas. Há quem também prefere fazer uma avaliação inicial que tem como objetivo apreciar o desenho da estratégia antes de implementá-la para analisar sua coerência e viabilidade. 71 Para avaliar se fizemos uma boa seleção ao escolher um determinado tema de advocacy, podemos compará-lo com os seguintes critérios: Existem informações suficientes a respeito? Que tipo de dados servem para nós? Desperta interesse amplo, coletivo, de vários setores? Conta com apoio das populações vulneráveis em relação ao HIV/AIDS? Estará respaldado por dados de impacto? Existe disposição em setores governamentais e não governamentais envolvidos de entender e trabalhar o tema? O clima e ambiente políticos favorecem a implementação? Resultará em uma melhora real da vida de muita gente? Será factível trabalhá-lo? Haverá interesse de outros grupos em formar alianças? Está delimitado por prazos claros de tempo? Criará lideranças populares? Será consistente com a missão e valores do grupo impulsor? Responderá às necessidades expressas pela comunidade? • (Lista de critérios adaptada da Midwest Academy. 1996. Organizing for Social Change: A Manual for Activities in the 1990s. Santa Ana, CA: Seven Locks Press) o número de reuniões realizadas com o público primário; • o resultado das reuniões; • compromissos ou acordos assinados com os diferentes atores; • envolvimento de diversos setores da sociedade; • o número de atividades; • a quantidade de pessoas envolvidas; • a descrição dos principais aliados; • o número de releases enviados à imprensa versus o número de releases publicados; • a natureza e o montante de recursos captados... Refletir para seguir adiante No caso da educação sexual nas escolas, em meados dos anos 90 no Brasil, conseguiu-se que o próprio Ministério de Educação estabelecesse uma abordagem mais ampla da matéria. Entretanto, uma avaliação inicial identificou a falta de preparação dos professores para tratar deste tema e que preferiram continua se limitando a questões meramente biológicas. Foi preciso reconhecer que um objetivo desta natureza significa uma mudança social Também se pode fazer uma avaliação de processo, sendo um esforço sistemático que acompanha o seguimento. Ao mesmo tempo em que se recolhem as informações rotineiramente, também vai-se atribuindo um valor a cada atividade, a cada resultado intermédio da estratégia, para poder adequar imediatamente as questões-chave e ajustar sistematicamente o plano às novas condições que surgem no contexto. No caso de estratégias de grande envergadura, também ocorre freqüentemente a realização de avaliações de meio termo. Na metade do plano, faz-se uma parada no caminho para avaliar como o processo está andando. Outros preferem fazer avaliações periódicas, a cada mês, trimestre, semestre... A decisão sobre como e quando fazer monitoramento e avaliação dependerá das características e circunstâncias da estratégia, e o estilo de cada organização. O importante é tomar em consideração que em qualquer plano 72 profunda para a qual as condições não estavam dadas ainda. Optou-se por não insistir nesta ação e sim continuar preparando o terreno para sua realização no futuro. De acordo com essa lógica, o Grupo Dignidade formou parcerias com as Secretarias Municipal e Estadual da Educação para desenvolver cursos de sensibilização de profissionais de educação em torno da homossexualidade. estas são atividades que requerem tempo, recursos e esforço adicional. Por isso, devem estar devidamente planejadas e dotadas de todos os insumos que requerem para poder ser úteis para o alcance dos objetivos. Acendeu a faísca, e agora? Quanto ao seguimento, devemos prever nossa capacidade de garantir que as conquistas alcançadas possam perdurar e que atendam os objetivos propostos inicialmente. • Para que nos serve conseguir a inclusão oficial do componente de gays e HSH nos programas de prevenção e atenção em HIV/AIDS, se não garantimos que haverá recursos humanos, técnicos e financeiros para levar adiante esta iniciativa? • De que vale conseguir a modificação de legislação que discrimina pessoas por sua orientação sexual, se não estarmos preparados para fazer com que se cumpra? • De que mudança podemos falar, se a portaria ministerial obtida para garantir a disponibilidade de preservativos de alta qualidade e lubrificantes à base de água não se cumpre? Teremos que embutir nos planos de ação de nossas estratégias de advocacy, ações concretas que nos permitam fazer um seguimento sistemático dos êxitos obtidos. Aquelas leis, políticas ou programas que se criarem ou forem modificados como resultado de nossos esforços, têm que funcionar adequadamente, caso contrário de pouco terá valido o esforço. Somente com o tempo, e com o aprofundamento de suas próprias ações, com a sinergia que forem capazes de produzir, é que se dará a mudança lenta e sustentada. Assim se constroem os novos cenários que por sua vez nos impõem novas provocações e desafios para seguir adiante. A Liga Colombiana de Lucha contra el SIDA, logo depois de conseguir a inclusão dos medicamentos ARV na relação de medicamentos essenciais do país, reconheceu a importância do seguimento ao observar “a necessidade de atualizar a relação e incluir exames de acompanhamento como elemento fundamental para garantir um verdadeiro acesso a tratamentos efetivos”. Se não fizermos um seguimento rigoroso e eficaz e, portanto, não garantirmos o funcionamento e a realização do que somos capazes de promover, corremos o risco de voltar praticamente para a estaca zero. Este tipo de retrocesso abala nossa auto-estima coletiva e nos tira energias e vontades para novos empreendimentos. 73 Passo a passinho... a América Latina avança Esta é a avaliação das organizações membros da ASICAL de alguns dos êxitos conquistados nos últimos anos, especialmente através de estratégias ou ações de advocacy: Argentina: SIGLA • Conseguimos consolidar o conceito de HSH. • Os Programas Estaduais de Santa Fé, Chaco e Corrientes, e o Programa Municipal de Rosário passaram a incluir o componente HSH em suas ações. • Criou-se um clima favorável para este tipo de intervenção em outras províncias e jurisdições. Brasil: Grupo Dignidade Guatemala: OÁSIS • Diminuiu o número de denúncias de violência contra gays e outros HSH por parte da polícia. • Diminuiu o número de denúncias de discriminação contra gays e outros HSH por parte de profissionais de educação e saúde. • Diminuiu o número de declarações homofóbicas feitas por religiosos nos meios de comunicação. • Estabilizou-se o número de casos de Aids entre HSH. • Elaboram-se projetos para a prevenção de DST/HIV/Aids em gays e outros HSH e profissionais do sexo para a América Central como seguimento ao levantamento realizado. • Publicou-se um documento sobre exclusão social por motivo de orientação sexual, como parte do Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD para o ano 2001 Refletir para seguir adiante Chile: MUMS Colômbia: Liga Colombiana de Luta contra o SIDA • Demonstrou-se que a sociedade civil organizada é capaz de gerar mudanças políticas. • Aprendeu-se a importância de trabalhar pela visibilidade através dos meios de comunicação, sempre transformandoos em aliados. • Evidenciou-se a importância de trabalhar com o Estado (embora sem que sempre se esteja de acordo com seu trabalho), sem perder a capacidade crítica de avaliar o trabalho desenvolvido pelo mesmo e sem deixar de reconhecer que em alguns casos o trabalho conjunto é quase impossível • A modificação do artigo criou condições claras para a realização do trabalho em HIV/Aids: º possibilitou que as organizações homossexuais pudessem se legalizar; º abriu o processo de incorporação das minorias sexuais como um ator importante no trabalho de prevenção de HIV/Aids. • Demonstrou-se que os homossexuais no Chile são sujeitos de direito. • Houve mudanças na situação que os afeta. • Observou-se um estado de ânimo diferente no Chile: os homossexuais já não são mais “delinqüentes” e podem se assumir publicamente. A marcha do orgulho gay realizada em setembro de 1999 foi um ato público de massa. Equador: Equidad • Conseguiu-se deter a realização obrigatória da testagem de diagnóstico do HIV. • Incorporou-se a problemática de HIV/HSH em alguns planos e programas como o Plano Estratégico do Ministério da Saúde com relação à Aids, a proposta do Fundo Global e outras iniciativas privadas. • Articulou-se o compromisso político estabelecido pelo Ministério de Saúde no Programa Nacional de Aids/DST com relação ao rompimento das “políticas de silêncio” que existiam antes da campanha de advocacy. 74 Tudo tem um custo capítulo 9 75 Tudo tem um custo Paixão, dedicação, convicção... são ingredientes essenciais para o sucesso das estratégias de advocacy. Está comprovado: podemos a exercer cidadania e a participar dos processos de tomada de decisões que afetam nossas vidas, cada um a partir de seu universo, para sua conjuntura específica. Assim, voltamos ao famoso refrão “só vendo para acreditar”. “Acreditar para ver” é nosso negócio. A partir desta base, devemos pensar nos recursos necessários para levar adiante o plano. No planejamento de uma estratégia de advocacy, desde o início devemos pensar nos recursos que vamos precisar para levar nossas ações adiante. Contar com os recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros que precisamos para desenvolver nossa estratégia de advocacy, nos amplia as opções e permite um desempenho mais eficiente para o grupo de pressão ou da rede. Recursos Humanos Materiais Técnicos Financeiros 76 Tudo tem um custo. Embora seja possível lançar uma estratégia bem-sucedida exclusivamente com os recursos e a energia dos membros do grupo ou rede, é muito complicado sustentar o esforço que significa impulsioná-la, exclusivamente com o trabalho voluntário e a militância. Temos que desenvolver habilidades para gerar recursos, para captar fundos. É essencial evitar dependências econômicas que possam tirar a autonomia do movimento que lideramos. O que precisamos? - Precisamos de um plano de financiamento que nos garanta - - Um orçamento é um mapa estratégico financeiro que tem como objetivo ajudar uma organização na identificação de suas necessidades e na busca de captação de fundos correspondentes. a viabilidade e continuidade da estratégia desencadeada regras claras para a gestão institucional de fundos sistemas de documentação de receitas e despesas Precisamos de um orçamento. O desenvolvimento de um orçamento realista é um instrumento que nos permite entender quanto dinheiro precisamos para levar adiante nosso plano de trabalho, especificando valores para cada uma das atividades. Conhecer este dado é de primordial importância para prever as necessidades oportunamente e assim evitar interrupções que normalmente são prejudiciais - uma vez iniciado o processo. Reflete os gastos previstos Orçamento e as receitas que se espera receber em um determinado período de tempo. A capacidade de gerenciar de maneira eficiente e transparente de financiamentos e recursos obtidos é um compromisso inevitável com a coletividade envolvida. Por ser um elemento sensível para o bom funcionamento do grupo de pressão, deve-se elaborar relatórios periódicos prestando contas claramente de todas as movimentações realizadas. - Precisamos de um plano de captação de fundos. Ao fazer o plano, precisamos nos lembrar de identificar concretamente as pessoas responsáveis por executá-lo, a quem as ações se dirigem, mecanismos de contato e seguimento, e prazos. Captando fundos Para aproximar-se das agências de cooperação é preciso conhecer suas agendas, interesses, como operam, que tipo de condições e prazos estabelecem, quais são suas exigências. Vale a pena fazer esforços para contar com uma base diversa de financiamento para evitar assim a dependência e o condicionamento dos recursos. Definitivamente, precisamos ter a capacidade de elaborar um plano coerente e viável de trabalho para poder conseguir doações de pessoas, instituições ou organizações comprometidas ou dispostas a facilitar os recursos necessários. Um plano de trabalho de uma estratégia de advocacy reflete nitidamente o que propomos fazer em um tempo e espaço determinado para cumprir os objetivos que estabelecemos. 77 As contribuições aos esforços de advocacy não têm que ser exclusivamente em dinheiro. Também se pode obter doações na forma de trabalho, equipes, espaço para uma sede, suprimentos, serviços de gráfica, especialização técnica, apoio administrativo e espaço para reuniões e eventos... Tudo vale. Ao elaborar uma estratégia de captação de recursos, deve-se pensar individualmente em cada uma das fontes das quais se pretende aproximar-se, fazendo as seguintes perguntas: • Por que esta fonte estaria interessada em apoiar o objetivo de advocacy proposto? O custo de uma estratégia não deve ser pensado somente em termos de dinheiro, como também em termos de - horas de trabalho; - apoio técnico e administrativo; - infra-estrutura para reuniões e eventos; - insumos de diversos tipos; • Qual enfoque seria apropriado e eficaz para obter o apoio da fonte? - equipes e outros. • Que tipo de informação precisamos saber sobre a fonte para nos aproximar dela (agendas programáticas, ideológicas, relatórios sobre atividades, disponibilidade)? O valor em dinheiro de cada um destes • Como opera a fonte na atribuição de suas doações (valores, duração, formatos, temas)? A apresentação às fontes de apoio financeiro sobre nossa organização e sobre a estratégia de advocacy que pretendemos realizar deve • Demonstrar que representamos uma organização sólida, administrada eficazmente, com experiência e exemplos de esforços bem-sucedidos. itens deve ser incluído no orçamento. Tudo tem um custo • Convencê-los da importância e necessidade de atingir o objetivo de advocacy, além da possibilidade certa de êxito em nosso empenho. • Conter, de maneira transparente, informações relacionadas ao controle financeiro e orçamentário da estratégia. É apropriado designar responsáveis qualificados para encabeçar os esforços de captação de recursos. Não se pode esquecer de questões legais. As leis que regulam a concessão e o recebimento de doações variam de país para país. É necessário conhecê-las e ajustar-se a elas para evitar problemas. Devemos saber se existem restrições relacionadas ao uso das doações, se existem limites nos valores que indivíduos ou organizações podem contribuir para advocacy. Da mesma forma, é importante conhecer as exigências para a declaração dos valores doados, regras específicas para a contabilidade e declaração de impostos, se é que existem para este item. Além da busca de captação de recursos por via de doações, devemos pensar em atividades que podemos realizar para gerar recursos: • realizar eventos (jantares, concertos, festivais...); • investir em atividades que dêem retorno rápido; • vender consultorias, capacitação; 78 • vender artigos, serviços, fazer negócios; • promover campanhas de arrecadação, rifas ou leilões; • vender espaços publicitários e outros. Ser sustentável. Que maravilha! Ter sucesso contribui para respaldar o compromisso das pessoas envolvidas em uma estratégia de advocacy. Isso é muito importante porque normalmente estas pessoas investem muito tempo e energia em impulsionar tais estratégias. O entusiasmo pelos êxitos obtidos mantém vigente o espírito de colaboração, porém é prudente planejar formas de não atrelar o cumprimento dos planos unicamente ao tempo e recursos doados voluntariamente pelos integrantes do grupo impulsor. As organizações gays ainda têm um longo caminho a percorrer para cumprir sua missão como agentes de mudança e isso implica em identificar muitas estratégias de advocacy, várias delas de grande envergadura. Neste sentido, como uma rede de advocacy, convém fazer planos para garantir seu futuro. Toda organização próspera deve concentrar esforços no desenvolvimento de mecanismos, sistemas e estruturas para assegurar a sustentabilidade do grupo, instituição ou rede e a continuidade de suas ações. Olhar para o futuro implica em revisar periodicamente seus Uma vez aprovado o plano de trabalho, é preciso pensar em todas as fontes de apoio financeiro em potencial: • Manutenção de doadores individuais importantes. • Doações corporativas. • Doações de agências bilaterais (USAID, governos europeus, etc.) • Doações de agências multilaterais (UNAIDS, UNFPA, PNUD, etc) • Convênios com o governo. • Empresas do setor privado. • Cotas ou contribuições em espécie de pessoas ou organizações aliadas ou pertencentes ao grupo impulsor. objetivos e missão, e reconsiderar suas relações com a comunidade, organizações membros da rede, doadoras e outras redes e coalizões para adaptar-se às mudanças. Isso implica na tomada de decisões em torno de como operar em termos institucionais, programáticos e financeiros. A sustentabilidade de um grupo ou rede de advocacy compreende três elementos importantes: - - - Sustentabilidade institucional - O nível de eficácia e eficiência dos sistemas internos, estruturas e cultura de trabalho da rede. Refere-se também a como a rede de apoio se posiciona em relação a seus membros, o setor público e a comunidade de doadores. Sustentabilidade programática - A capacidade da rede de desenhar e pôr em prática estratégias de advocacy de alta qualidade, segundo sua missão, objetivos e suas diversas necessidades programáticas e em apóio às necessidades expressas pela comunidade e a população beneficiária. Sustentabilidade financeira - a eficácia dos sistemas e estratégias da rede para gerar e administrar os 79 recursos financeiros necessários para manter os esforços de advocacy da rede. Não se pode descuidar de nenhum destes elementos já que para perdurar no tempo é preciso ser forte institucionalmente, ter programas claros de ação e contar com recursos para executá-los. Se enfraquecemos em qualquer um destes aspectos, colocamos em perigo nossa sustentabilidade. Por exemplo, com dinheiro mas sem um programa eficientemente elaborado ou sem a capacidade humana técnica para desenvolvêlo, estamos destinados ao fracasso. Poderíamos dizer, “mas com dinheiro podemos contratar uma consultoria para que se re-elabore o programa ou podemos contratar os recursos humanos necessários para executá-lo.” Mas então teríamos que nos perguntar “O dinheiro que temos será suficiente para cobrir estas questões que não estavam contemplados no orçamento inicial? Será que era somente para a parte operacional?” Vale a pena fazer um esforço para alcançar a sustentabilidade integral de nossas organizações, nas suas três formas. Na tabela a seguir, constam as características de sustentabilidade de redes ou grupos. Se nos conseguimos cumpri-las, teremos maior probabilidade de garantir nossa permanência como organização e, desta forma, Os promotores de estratégias de advocacy precisam de informações confiáveis e atualizadas para: - - - elaborar a bagagem conceitual da estratégia que possa respaldar suas mensagens e gerar credibilidade entre os tomadores de decisões, produzir documentos e materiais de comunicação, desenvolver e manter contatos e reuniões para negociar e pressionar diretamente seus públicos primários e secundários, criar e fortalecer as alianças, organizar eventos, etc. Tudo tem um custo Características da Sustentabilidade de Redes Institucional a continuidade de nossos esforços na luta por melhores programas de prevenção e atenção em HIV/Aids dirigidos a gays e outros homens que fazem sexo com homens no marco do exercício pleno dos direitos humanos. Programática Financeira Reuniões periódicas Os membros possuem habilidade em políticas, resumo e análise de informação, meios de comunicação, capacitação, etc. Estratégias escritas para a captação de fundos Compromisso da organização para com a rede Áreas do programa que precisam de advocacy estão bem definidas Objetivos anuais definidos Missão e visão claras Entre os membros existem grupos trabalhando em saúde materna, HIV/Aids, gênero, direitos humanos e jovens Sistemas e métodos para a captação de fundos Estrutura organizacional Sistema para o monitoramento do ambiente político Transparência financeira Banco de dados /mala direta dos membros Inventário das habilidades e recursos com os quais os membros contam Sistemas de administração: projeções, orçamentos, contabilidade e elaboração de relatórios Metas e objetivos claros Utilizam-se informações para desenhar e desenvolver atividades de advocacy Processo de desenvolvimento de propostas e orçamentos Estrutura de tomada de decisões Planos escritos para nortear as estratégias de advocacy Atividades de geração de renda Relações externas Sistemas para o resumo e a manutenção de informação em áreas/assuntos chaves Custo rateado com outras redes/coalizões Funções e responsabilidades definidas Os relatórios financeiros são utilizados na tomada de decisões Planos para o recrutamento e a capacitação de membros Financiamento externo sustenta atividades da Rede Participação eqüitativa dos membros Banco de dados de doadores Sistema de comunicação Plano estratégico 80 O caminho se faz andando... capítulo 10 81 O caminho se faz andando... Uma vez definidos o problema, as alternativas de solução, os objetivos específicos de advocacy, os públicos primários e secundários, os mapas de apoiadores e opositores, a estratégia de comunicação, os estilos e formas de monitoramento, avaliação e seguimento, a estratégia de captação de recursos; estamos com condições de pensar, analisar e ajustar as ações concretas que devemos realizar para conquistar nosso objetivo. Primeiro uma chuva de idéias: O que podemos fazer? Em seguida, vamos colocar numa seqüência lógica todas as ações que nos ocorrem: Por onde começamos?, o que fazemos depois?... Plano de trabalho • quem se encarregará da preparação e execução destas atividades; • como estarão distribuídas as responsabilidades; • que recursos humanos, materiais, técnicos e econômicos são necessários para cada atividade; • quando e onde acontecerão as atividades; • a quem estarão dirigidas as atividades; O plano de trabalho deve conter de maneira ordenada e detalhadamente planejada as atividades a serem desenvolvidas em busca do cumprimento do objetivo da estratégia de advocacy, em consonância com a missão da organização. Deve definir: • como daremos seguimento a elas, e • o orçamento necessário para cada atividade - quem administrará os recursos e - de onde serão conseguidos. 82 O plano de trabalho faz com que a estratégia se traduza em ação. Permite-nos tomar ciência da quantidade de trabalho, energia e recursos que precisamos para obter uma vitória política. Por último, não se pode esquecer que nenhum esforço importante de trabalho está completo sem uma referência para o monitoramento da execução das atividades e sem estabelecer referências para reconhecer se, quando e até que ponto estamos alcançando os resultados desejados. O monitoramento e avaliação são essenciais para o êxito de qualquer esforço maior. É preciso estar ciente de que o planejamento para desenvolver estratégias de advocacy em HIV/Aids com gays e outros HSH deve reconhecer as agendas ocultas, as informações imperfeitas, os valores, ideologia e conflitos que permeiam o tema. Não se trata de um planejamento onde os objetivos, atividades e avaliação se apresentem dentro de um modelo fácil e lógico. De poder para poder Para sermos interlocutores válidos e sentarmos à mesa de negociações com igualdade de condições com instâncias do poder oficial é indispensável sermos portadores de um poder social ou comunitário legitimado na sociedade civil. Uma ação preliminar à implementação de uma estratégia de advocacy é fortalecer a organização e estrutura do grupo ou rede impulsora. 83 A equipe base de trabalho deve potencializar suas habilidades em: - Pesquisa. Coleta, análise e uso apropriado de dados. - Avaliação do conjuntura político. - Planejamento estratégico. - Negociação e administração de conflitos. - Comunicação interpessoal. - Uso efetivo de meios de comunicação. - Desenvolvimento de materiais de comunicação. - Lobby e advocacy. - Facilitação e técnicas de dinâmica de grupos. - Formação de redes de apoio. - Liderança. Da mesma forma, deve desenvolver um conhecimento profundo das áreas nas quais é preciso atuar para contribuir para a diminuição dos efeitos do HIV/Aids através de prevenção holística e atenção integral a pessoas que vivem com HIV. Entre elas, destacamos as áreas de educação, prevenção, saúde pública, orçamentos e atribuição de recursos, direitos humanos... Levantamento de ações Estratégias de advocacy realizadas por várias organizações membros da ASICAL na última década nos dão uma série de idéias sobre que tipo de ações podem ser realizadas para impulsionar estes processos, desde como preparar o terreno até como aproveitar as oportunidades que se apresentam no caminho. Esta não pretende ser uma lista exaustiva, a realidade é tão dinâmica e nos oferece tantas possibilidades, a criatividade é tão infinita que qualquer lista seria sempre uma amostra da utopia. Também não pretende ser, a partir de nenhum ponto de vista, um livro de receitas que nos diz o que tem que fazer. Simplesmente é uma lista de coisas que foram feitas, que funcionaram, que são úteis. A idéia aqui e socializá-las. SUGESTÕES DE AÇÕES O caminho se faz andando... Preparando o terreno: formação de uma consciência coletiva - Organizar fóruns, debates, simpósios, encontros, conferências, congressos locais, nacionais e internacionais para discutir o tema em questão tanto com pessoas vivendo com HIV/Aids como com múltiplos setores interessados na questão. - Presença contínua do tema na agenda pública e setorial, ressaltando como prioridade o assunto específico de advocacy. - Implementação de uma linha de apoio temático disponível para pessoas e instituições interessadas em se aprofundar na realidade do HIV/Aids com gays e outros HSH. - Distribuição de materiais e informação fornecidos por Redes da América Latina e Caribe (LAC), organizações da LAC com trabalho 84 - em HIV, gays e outros HSH, o Programa Conjunto das Nações Unidas e outras conferências e congressos sobre HIV/Aids. Socialização de estudos e resultados de investigações sobre soroprevalência e informação sobre a epidemiologia do HIV/ Aids em gays e outros HSH na LAC. - Promover a consciência pública sobre a opressão e discriminação vividas por gays e outros HSH para gerar condições políticas para impulsionar as mudanças desejadas. - Persuadir a população de que a discriminação é causa da vulnerabilidade de mulheres, jovens, crianças, lésbicas, gays e outros HSH. - Promover a aceitação da diversidade sexual e de gênero. - Solicitar a inclusão de HIV/Aids em gays e outros HSH na agenda de fóruns e atividades relacionadas com HIV/Aids. SUGESTÕES DE AÇÕES Preparando o terreno: estabelecendo bases concretas - Realizar pronunciamentos e declarações em torno de nosso objetivo específico em encontros e fóruns. - Impulsionar o compromisso da coletividade representada para a execução de ações concretas de solicitação e de pressão para favorecer nossa causa, como parte dos encaminhamentos de tais encontros. - Organizar processos participativos com representantes dos diversos setores envolvidos para desenvolver ações conjuntas acerca do objetivo de advocacy. - Formar alianças com organizações e movimentos como o Ministério Público, a Comissão de Direitos Humanos e outras afins visando obter pronunciamentos públicos em torno de casos específicos e situações relacionadas. - - Estabelecer alianças com diversos setores, em particular simpatizantes e solidários frente à problemática do HIV/Aids, os direitos humanos e da causa das minorias sexuais. Mobilização simultânea de ações e atores em distintas cidades do país. 85 - Implementar estratégias de contato com diversas organizações da sociedade para informá-las da problemática, solicitar seu apoio e entregar-lhes informação e documentação que lhes permita identificar os aspectos homofóbicos da legislação que impedem o exercício pleno dos direitos civis das pessoas homossexuais. - Elaborar uma agenda com os diversos atores sociais, políticos, culturais, religiosos no decorrer dos anos para expor, conversar, discutir o tema em diversas instâncias como colégios profissionais, organizações ligadas à saúde, centros acadêmicos das universidades, organizações de mulheres, organizações de direitos humanos, igrejas... - Realização de oficinas de elaboração de propostas de lei e outros. - Entender a lógica do funcionamento do país, envolver todo o país na iniciativa, não só a capital. - Utilizar o diálogo político entre autoridades de diferentes setores e estados do país para debater o tema. - Liderar pesquisas e estudos sobre o tema em geral e os assuntos específicos de interesse para a estratégia. SUGESTÕES DE AÇÕES O caminho se faz andando... Aproveitando oportunidades - Aproveitar qualquer possibilidade que surja na conjuntura. - Aproveitar os processos de descentralização administrativa, municipalização da saúde, fortalecimento do poder local para permear estas instâncias, sobretudo aquelas às quais que temos mais acesso. - - Manter a mobilização proativa, com amplos protestos públicos organizados contra os “crimes de ódio por homofobia” (como os assassinatos), maus tratos e todo tipo de injustiça por motivo da homossexualidade; para conscientizar a população sobre o flagrante atentado aos direitos humanos que estes representam. Não necessariamente esperar mudanças na legislação; provocá-las através de ações 86 individuais frente aos tribunais judiciais para obter jurisprudência procurando a garantia de direitos individuais. A jurisprudência é um mecanismo que está obrigando mudanças na legislação. - Aproveitar iniciativas oficiais como o processo de modernização do sistema judicial, de reformas à Constituição, de atualização de normas legais relacionadas; para ampliar o debate e apresentar propostas próprias. - Aproveitar qualquer oportunidade ou abertura política para tratar do tema. - Conhecer, saber interpretar e usar os instrumentos legais em favor dos interesses do componente HSH em relação ao HIV/Aids. SUGESTÕES DE AÇÕES Construindo a artilharia conceitual: processo - Fazer contato com profissionais e peritos de diversas áreas, buscando contar com assessoramento técnico especializado de acordo com as necessidades da ação a ser realizada. - Realizar visitas periódicas e intercâmbio de informação com informantes-chave, tanto das instâncias do setor público como do setor não governamental. - Conhecer o que pensam os diversos atores, expor a artilharia conceitual rigorosamente preparada para desmentir os elementos apresentados pela oposição. - Demonstrar que o adversário não é dono da verdade e que a parte essencial de seu discurso se sustenta em preconceitos, não apresenta fundamentos válidos para sua posição. - Documentar as violações mais freqüentes dos Direitos humanos nas populações-alvo. - Facilitar a análise da situação atual da prevenção, atenção e apoio em DST/HIV/Aids em gays e outros HSH, propondo mudanças relevantes nas políticas institucionais e governamentais, segundo os resultados do estudo. - Pôr as relações sexuais entre homens no centro da abordagem da questão HIV/Aids. - Utilizar o termo “populações nucleares” ao falar da transmissão das doenças sexualmente transmissíveis, e 87 o termo “pontes epidemiológicas” para poder obter o apoio de pessoas interessadas na questão da transmissão do HIV para a “população em geral” através de gays, outros HSH e profissionais do sexo masculinos ou femeninos. - Utilizar argumentos do Banco Mundial que indicam que, na prevenção do HIV/Aids, os programas governamentais devem enfocar os grupos que têm maior probabilidade de contrair e transmitir o vírus. Esta análise se apóia em fatores de custo/efetividade e custo/benefício que estabelecem que a prevenção da infecção em uma pessoa com comportamento de risco evita muitas infecções secundárias entre os indivíduos com quem ela se relacione sexualmente. - Elaborar propostas de projetos de lei, portarias ministeriais, propostas técnicas, programas e políticas. - Realizar permanente análise do discurso da oposição. Definir ações e intervenções para neutralizar seus argumentos e sua influência. - Desenvolver um enfoque multisetorial e multidisciplinar na estratégia. - Realizar análise de situação e resposta sobre HIV/Aids em gays e outros HSH. - Conhecer e reinterpretar os estudos epidemiológicos sobre HIV/Aids. - Analisar e processar a informação obtida a fim de elaborar uma bagagem conceitual sólida, documentada e contextualizada. SUGESTÕES DE AÇÕES O caminho se faz andando... Construindo a artilharia conceitual: elementos • Utilizar a informação técnica epidemiológica sobre HIV/Aids em HSH que demonstra o impacto da epidemia nestas populações e as potenciais pontes de transmissão para outras populações. • Utilizar preceitos da Constituição como fundamentação para nossas propostas: - A saúde é um direito de todos e dever estado - Todas as pessoas gozam de garantias individuais básicas. - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. - O Estado tem o dever de assegurar o direito das pessoas a participarem com igualdade de oportunidades na vida nacional. • Utilizar os fundamentos conceituais dos documentos da 88 OMS para a saúde sexual, os programas ou plataformas de ação das conferências internacionais de Cairo (População e Desenvolvimento), Beijing (Mulher), Vienna (Direitos Humanos). • Aperfeiçoar sociologicamente uma análise sexológica da epidemia. • Demonstrar como as intervenções preventivas em gays e outros HSH favorecem a redução da expansão da epidemia. • Caracterizar os comportamentos de alto risco para a infecção por DST/ HIV/Aids. • Elaborar uma aproximação das concepções de vida, valores pessoais e comunitários, normas sociais, códigos de conduta e outros temas relevantes que incidem na transmissão de DST/HIV/Aids, nas populações de gays e outros HSH. • Estabelecer a relação da situação legal e de direitos humanos das populações em questão e a prevenção, atenção e apoio em DST/ HIV/Aids das mesmas. • Tomar em conta a manifestação das identidades sexuais na América Latina, fortemente predeterminada por expressões do “machismo”, como condicionantes do caráter cultural e que definem os papéis de homem e mulher. Isto explica em parte a transgressão sentida por estas culturas acerca de qualquer manifestação de sexualidade diferente, com respeito a gênero. • Demonstrar o efeito da conjuntura na vulnerabilidade ao HIV/Aids das populações-alvo, destacando a diferença com estudos e conceitos que atribuem a transmissão do HIV ao comportamento individual muito mais do que às concepções de vida, valores pessoais e comunitários, normas sociais, códigos de conduta. • Demonstrar a relação entre a precariedade da situação legal e de direitos humanos dos homossexuais e a falta de formulação e implementação de políticas de prevenção acessíveis e eficazes. SUGESTÕES DE AÇÕES Fortalecendo a mobilização • • • • • • Coordenar tarefas e fluxo de informações tanto para as organizações e pessoas apoiando o plano, como para os tomadores de decisão dos níveis inferiores até os hierarquicamente superiores. Capitalizar a mobilização internacional, declarações e posicionamento tanto de agências internacionais como a UNAIDS e redes regionais que trabalham com HIV/ Aids na América Latina e no Caribe em torno do tema HIV/Aids em gays e outros HSH; como parte de nosso movimento. Participação de líderes gays em comissões, conselhos e outras instâncias de poder. Conseguir que gays, transgêneros e outras minorias sexuais tenham voz de representação pública. Mostrar ao governo que - com o apoio das organizações GLTB - este pode ter benefícios ao atender populações vulneráveis às quais não chegava tradicionalmente. Posicionar a organização frente à problemática do HIV/ Aids em gays e outros HSH como sua principal área de ação. 89 • Mostrar o movimento GLTB como algo político e sério; que não está isolado, que conta com apoio de amplos setores da sociedade. • Prever os efeitos das mudanças de governo e anteciparse aos fatos trabalhando nas campanhas eleitorais. • Reduzir a vulnerabilidade de gays e outros HSH, aumentando sua auto-estima mediante a promoção de seus direitos civis. • Reduzir a incidência do HIV nessa população mediante a promoção de práticas de sexo seguro e uso de preservativos. • Conhecer procedimentos legislativos e jurídicos para a modificação e criação de leis. • Conhecer a estrutura do poder público e do processo de tomada de decisões. • Desenvolver e atualizar permanentemente os mapas de poder. • Desenvolver um banco de dados sobre o tema no país e em nível internacional, e atualizá-lo sistematicamente. SUGESTÕES DE AÇÕES O caminho se faz andando... Criando o vínculo com o público primário • • Ganhar respeito e credibilidade nas instâncias do poder formal. • Abrir espaços para a influência política das organizações gays nas repartições públicas. Criar e fortalecer lideranças GLTB em espaços de tomada de decisões. • Colaboração com organismos do Estado que favoreçam a superação das condições de vulnerabilidade em relação ao HIV/Aids e à violação dos direitos humanos. • Aproveitar os compromissos políticos e/ou relações pessoais com personagens da estrutura do poder oficial. • Dirigir campanhas a parlamentares e partidos políticos. • Sensibilizar a classe política, entregando-lhes material informativo e documentos cuidadosamente selecionados e sintetizados. • Cooperar com o Ministério da Saúde em todas as ações possíveis, envolvê-lo em nossas ações, criar climas favoráveis. • Promover reuniões entre autoridades e representantes de organismos gays para compartilhar visões e • Apresentar candidatas e candidatos GLTB assumidos para cargos públicos. • Identificar canais de comunicação específicos para influir nos tomadores-chave de decisão e de influência no tratamento da problemática do HIV/Aids. • • relevância positiva para HIV/Aids e direitos humanos de gays e outros HSH. Participar de processos como o da UNGASS que apresenta oportunidades para discutir propostas de governo sobre o HIV/Aids diante das Nações Unidas, trazendo possibilidades para a inclusão do tema de HIV/Aids em gays e outros HSH. Valorizar, através de reconhecimentos públicos, pessoas e instituições que tenham contribuído para o enfrentamento da epidemia e a promoção dos direitos humanos, entre elas, ações governamentais de 90 SUGESTÕES DE AÇÕES estratégias e coordenar ações e estratégias de prevenção do HIV em gays e outros HSH. • Articular listas de envio de informação sistemática e convites para participação em fóruns e debates temáticos para atores indecisos. Relacionar-se com autoridades sensibilizadas em setores vinculados ao tema. • Desenvolver consultas permanentes com os diferentes atores envolvidos no tema. Organizar reuniões, telefonemas, envio de correspondência e bate-papos com públicos primários e secundários. Solicitar que façam declarações sobre o tema. • Fomentar a participação das minorias sexuais em diferentes espaços sociais e políticos. • Envolver o movimento de mulheres e organismos vinculados à defesa dos direitos humanos e de ONG que trabalham na construção da cidadania. • Construir alianças sociais sólidas com o mundo acadêmico para que nos proporcionem respaldo teórico em relação a nossas demandas. • Compartilhar os resultados de estudos e análise de políticas de prevenção, atenção e apoio nas populaçõesalvo com organizações que trabalham com Aids, de direitos humanos, organismos de cooperação, financiadores e outras. • Estar presente em massa no congresso durante a discussão das propostas do movimento. • • • • Articulando e mantendo alianças Promover a participação de tomadores de decisão, tanto do setor governamental como do setor não governamental, em atividades de capacitação e sensibilização sobre HIV/Aids em gays e outros HSH. Facilitar espaços de fortalecimento conceitual e intercâmbio de informação sobre temas relacionados às sub-populações de HSH com a equipe diretor dos Programas Nacionais de Aids/DST dos Ministérios da Saúde e outras agências de cooperação técnica e financeira. 91 SUGESTÕES DE AÇÕES O caminho se faz andando... Criando materiais de comunicação • Tornar visível a população homossexual através de marchas e outros tipos de eventos públicos, informação. • Desenvolvimento de todo tipo de campanhas públicas para obter o maior apoio possível. • Projetar uma imagem positiva de gays e outros HSH como sujeitos atuantes promotores de uma mudança social importante, contra a imagem pejorativa e estereotipada tradicional. • Obter uma cobertura ampla e adequada dos meios de comunicação sobre as ações desenvolvidas. • Manter coerência discursiva. • Divulgar o tema por diversos meios de comunicação, desde fliers até folhetos informativos. • Desenvolver um processo contínuo de sensibilização nos meios de comunicação. Plano de meios de comunicação, relacionamento permanente com jornalistas que fazem cobertura do setor. • Preparar dossiês temáticos. • Elaborar recursos documentários sobre a problemática dos gays e outros homens que fazem sexo com homens. • Elaborar apresentações em power point, com distribuição em reuniões e espaços de discussão e sessões de feedback temático. • Conseguir visibilidade gay e de outros HSH e da problemática da Aids em telenovelas, guias cinematográficos, literatura, etc. • Realizar campanhas dirigidas a personalidades do mundo da cultura e formadores de opinião para conseguir apoio para a causa. • Desenvolver espaços de comunicação social estáveis e regulares. 92 • Promover debates públicos sobre o tema com autoridades, opositores, personalidades. • Fazer campanhas de assinaturas de notáveis, e da população em geral. • Solicitar o apoio para a cidadania mediante o envio de cartas ao público primário. • Garantir a presença periódica do tema, e dos atores em diferentes espaços programáticos dos meios de comunicação. • Solicitar cartas de apoio a diferentes organismos internacionais que desejem promover o respeito aos direitos de gays e outros HSH. • Socializar informação específica sobre HIV/Aids em gays e outros HSH através de e-mail a contatos chaves de instituições e organizações. Considerações finais... Advocacy se move entre a ciência e a arte (Mostajo; 2001), entre a razão e a paixão: razão para saber onde queremos chegar, como e por quê paixão para chegar lá. A experiência demonstra que uma estratégia de advocacy é mais efetiva quando é planejada de forma sistemática. Da perspectiva científica, não existe uma fórmula universal para incidir politicamente de maneira eficaz. É uma arte. As pessoas que levam adiante este tipo de processo, que fazem pressão, que promovem seus interesses; utilizam sua criatividade para articular um tema de maneira que motive outras a atuarem. São pessoas que possuem um senso agudo do tempo, sabem o que fazer à medida que ocorrem as mudanças, têm faro político. São negociadoras hábeis e, na busca do consenso, aproveitam as oportunidades para obter os benefícios possíveis que, embora muitas vezes modestos, abrem caminho para o alcance futuro de ganhos maiores. Definitivamente, são pessoas que não perdem a paixão que significa conquistar mudanças à procura da melhoria da qualidade de vida. Desta maneira, ao longo das últimas décadas, as organizações GLTB, de mãos dadas com todos seus aliados, foram escrevendo a história da transformação da sociedade latino-americana, contribuindo para eliminar o estigma e a discriminação das pessoas por motivo de sua orientação sexual e lutando para conseguir melhores condições para o enfrentamento da epidemia do HIV/Aids. Utilizaram numerosas estratégias de advocacy, mexendo com diversas áreas das estruturas de poder, com demandas das mais diversas. É uma história escrita com sucessos e fracassos, mas é sem dúvida uma história que avança. Os resultados acumulados são positivos, as lições são de vida; e no caminho, o fortalecimento das organizações concretizado em suas próprias conquistas é a garantia mais fiel de que vamos adiante. Concluímos esta reflexão sobre advocacy com o depoimento de organizações membros da ASICAL que seguiram esta estratégia de negociação, assumindo sua responsabilidade como sociedade civil, exercendo a cidadania, lutando por seus direitos. Cada organização respondeu sucintamente sobre o que significou para ela atuar nas questões de advocacy: 93 “Aprendemos a ter um relacionamento mais interativo com os outros atores envolvidos. Já não nos tratamos como ‘inimigos’. Já não é necessário fazer manifestações de protesto. É possível resolver os problemas através do diálogo com os órgãos competentes.” Grupo Dignidade - Brasil “Dois anos depois deste processo, já existe uma proposta da Guatemala para o Fundo Global de Luta contra a Aids, Tuberculose e Malária que se concentra em ‘populações vulneráveis’ incluindo HSH, profissionais do sexo e pessoas vivendo com HIV/ Aids. A totalidade dos recursos de aceleração de programas solicitados à UNAIDS para 2002 e 2003 se dedicará exclusivamente ao financiamento de atividades de intervenção para priorizar o tema de HIV/Aids em HSH e profissionais do sexo. Finalmente, a USAID realiza esforços por priorizar suas atividades de prevenção de HIV/Aids entre HSH na América Central.” OÁSIS - Guatemala Considerações finais... “Essencialmente, tem sido uma aprendizagem. Fomos tomando consciência da importância de se acumular conhecimentos e definir um discurso coerente e bem fundamentado em relação à epidemia de HIV em gays e outros HSH. Conseguimos definir um objetivo claro: criar e fortalecer organizações gays no interior do país. Defendemos propostas concretas junto aos órgãos competentes. Muitas vezes não conseguimos os apoios solicitados, mas continuamos tentando. Tivemos paciência e estivamos atentos para aproveitar as oportunidades apresentadas pela conjuntura. O componente HSH ficou incluído no Projeto do governo argentino aprovado pelo Fundo Mundial”. “O trâmite legislativo foi bastante demorado... de tal maneira que ao final do processo as forças do movimento estavam muito desgastadas e ressentidas. Foi necessário desenvolver um plano para enfrentar o novo período que consistia na ocupação e a ampliação dos espaços conquistados, e a consolidação de um sujeito social lésbicotransgênero-homossexual que abrisse caminho para as novas campanhas pelos direitos da população GLBT.” MUMS - Chile “O impacto fundamental foi o fortalecimento e posicionamento da organização frente ao tema como sua principal área de ação; fortalecimento de sua capacidade técnica para o trabalho com gays e outros HSH, reconhecimento de sua liderança, reconhecimento de sua capacidade de interlocução e negociação com pares, maiores habilidades para a coordenação e trabalho em Rede e de negociação com instâncias institucionais públicas e privadas.” Equidad - Equador SIGLA - Argentina 94 “Como organização participante, conseguimos consolidar o trabalho da então Comissão de Direitos Humanos, estreitar nossas relações com o Ministério da Saúde e o Ministério Público, capacitar novos voluntários no desenvolvimento de atividades legais. Também conseguimos um maior reconhecimento de nosso trabalho, estabelecer alianças com o Fundo de Medicamentos que nos permitiu conseguir medicamentos subsidiados para alguns usuários, e ganhamos a oportunidade de participar ativamente na reforma da legislação sobre Aids.” Liga Colombiana de Lucha contra el SIDA - Colômbia Manifesto pela saúde sexual dos gays e outros HSH 95 Manifesto pela saúde sexual dos gays e outros HSH Ser gay ou um homem que faz sexo com outros homens não é crime, pecado e nem motivo de vergonha; é uma condição humana e uma prática sexual absolutamente normal que não significa que sejamos inferiores às demais. Contudo, pela rejeição e discriminação aos quais ainda estamos sujeitos, precisamos aprender a viver nossa sexualidade da maneira responsável, livre e saudável. Hoje mais do que nunca contamos com as ferramentas para conseguir isso. Para tanto, é preciso assumir com orgulho e dignidade nossa orientação sexual, sem permitir que ninguém nos prejudique física, psicológica ou emocionalmente devido a essa orientação. Nós homens latino-americanos que fazemos sexo com outros homens estamos vivendo uma crise de saúde provocada pelo HIV/Aids. Somos a população mais afetada, embora não a única. E, apesar das enormes e dolorosas perdas de vidas humanas que temos sofrido, estamos aprendendo a responder e nos conhecermos melhor. A Aids tem nos obrigado a ter maior consciência de nosso corpo, de nossa saúde e, sobretudo, de nossa sexualidade. A busca pelo prazer sexual traz riscos para nossa saúde que precisamos saber como evitar. Não é uma questão de renunciar a uma vida sexual plena e satisfatória, e sim de saber nos proteger e nos cuidar. Devemos conhecer as infecções e doenças às quais podemos nos expor durante nossas relações sexuais, os meios de transmissão, as formas de se proteger delas e todo que tem a ver com a saúde sexual. A saúde sexual não é uma questão de aparência, e nem consiste apenas na ausência de doenças. É sobretudo o estado de bem-estar sexual, físico e emocional, satisfatório, livre de culpa e de pressão. Todos temos o direito de viver esse estado de bem-estar e todos nós devemos aspirar atingi-lo. O direito da saúde, independentemente da orientação sexual, forma parte do exercício de nossos direitos como cidadãos. Ter acesso à prevenção da transmissão do HIV e ao tratamento integral da Aids faz parte do direito à saúde, à vida, à educação, ao trabalho, à moradia, à intimidade, à vida em parceria e à formação de uma família. Exercer a cidadania é participar de questões que dizem respeito a: nossa saúde, nossa educação, a eleição de nossos governantes, o controle social do trabalho dos funcionários públicos, o controle social dos compromissos assumidos por nossos governos em relação ao HIV/Aids. Ser cidadão é ter uma vida sexual o mais saudável possível, ser uma pessoa completa. Manifesto pela saúde sexual dos gays e outros HSH Lista de participantes Oficina de advocacy sobre HIV/Aids, saúde sexual e homens que fazem sexo com homens na América Latina Quito, 27 a 31 de janeiro de 2003 LETRA S* Representante: Arturo Díaz Canarias No. 45 Col. San Simón Ticumac C.P. 03660, México, D.F. MÉXICO Telefone: (5255) 5532 2751 (5255) 56727096 [email protected] [email protected] ARCO IRIS* Representante: Luiz Carlos Freitas Rua Do Russel 496/1110, Río De Janeiro RJ 22210-010 BRASIL Telefone: +55(21) 2552-5995 55 21 9174-6620 Caixa Postal 2084 Río de Janeiro RJ CEP 20001-970 [email protected] [email protected] OASIS* Representante: Rubén Mayorga 6 Avenida 1-63 Zona 1 Ciudad Guatemala, 01001 GUATEMALA Telefone: (502) 220-1332 253-3453 [email protected] GRUPO GAY DA BAHIA* Representante: Marcelo Cerqueira Rua Frei Vicente, 24 -Pelourinho Caixa Postal 2552 - 40022-260 Salvador Bahia,BRASIL Telefone: + (71) 321-1848 / 322-2552 [email protected] SIGLA* Representante: Rafael Freda Humberto I 613 PBC Ciudad Autóma de Buenos Aires ARGENTINA Telefone: (54 11) 4362 8261 [email protected] Grupo DIGNIDADE* Representante: Toni Reis Caixa Postal 1095 Curitiba - Pr CEP 80001-70 * Organização membro da ASICAL 98 BRASIL Telefone: +55 41 222-3999 [email protected] LCLCS* Representante: Felipe Vallejo Av. 32 No. 14-43 Santafé de Bogotá, COLOMBIA Telefone: + 57 245-4757 [email protected] MUMS* Representante: Marco Ruíz Alberto Reyes 063 Providencia Santiago, CHILE Telefone: +56-2 737-0829 Fax: +56-2 732-0863 [email protected] EQUIDAD* Representante: Orlando Montoya H. Rábida N26-32 y Santa María Quito, ECUADOR Telefone: +593-9 973-6959 +593-2 252-9008 [email protected] [email protected] KIMIRINA Representante: Margarita Quevedo Ramírez Dávalos 258 y Paez Quito, ECUADOR Telefone: +593-2 25432466 +593-2 568767 [email protected] SOC. WILL WILDE AMIGOS SIEMPRE AMIGOS Representante: Sergio Guzmán Av. Andrés Bello, C.C. Alto Chama Piso 1 Local 226 Apartado Postal 324 Mérida 5101-A, VENEZUELA Telefax (+58. 274) 2710220 Telefone (+58 274) 2710438 Celular (+58 416) 6740956 [email protected] Representante: Leonardo Sánchez Yolanda Guzmán No. 183-3 Piso 2 Villa María. Santo Domingo REPUBLICA DOMINICANA Telefone: + 809 536-8118 Fax: + 809 536-8172 [email protected] DIGNIDAD GAY Representante: Willmer Mendoza Antezana 415 Cochabamba, BOLIVIA Telefone: +591-4 4501935 [email protected] ACCSI / LACCASO Representante: Edgar Carrasco Av. Rómulo Gallegos Edf. Maracay. Apto. 21, piso 11. El Marqués Caracas 1071, VENEZUELA Telefone: 58 212 232 7938 Fax: 58 212 235 9215 [email protected] ADESPROC-LIBERTAD Representante: Alberto Moscoso Calle Estados Unidos No. 772 y Esq. Puerto Rico. Zona Miraflores La Paz, BOLIVIA Telfax: + 591-2 222-6210 [email protected] Instituto Internacional de Derechos Humanos en Salud (IIDEHSA) Representante: Norma García de Paredes Residencial La Pradera, No. 18, Panamá, PANAMÁ (507)675-8818 [email protected] [email protected] LAMBDA VENEZUELA Representante: Jesús Medina Av. Urdaneta. Edificio Karam Piso 5. Oficina 514 Caracas. Distrito Capital VENEZUELA Telefone: + 0212 561-5359 + 0414 324-9773 [email protected] 99 CENTRO PARA LA EDUCACIÓN Y PREVENCION DEL SIDA -CEPRESI Representante: Norman Gutierrez Morgan Bosques de Altamira Farmacia Sagrada Familia 1/2 cuadra arriba Casa B#69 Managua, NICARAGUA Telefone: 505-270-0652 [email protected] PROGRAMA DE SEXUALIDAD HUMANA. UNIVERSIDAD DE MINESOTA Representante: Jeffrey Stanton Minesota, EEUU Telefone: +1 612 624.8821 [email protected] COLECTIVO VIOLETA Representante: Marco Antonio Alonzo López Barrio la concordia calle Morelos, casa #1726 Tegucigalpa , HONDURAS Telefone: 504- 237-6398 [email protected] COMUNIDAD GAY SANPEDRANA Representante: Ramón Antonio Valladares López Bo. Concepción 2 Calle, 8 y 9 Av. S.E. Casa No. 67 , San Pedro Sula HONDURAS Apdo. Postal 2824 Telefax: 504 553-43-63 [email protected] Lista de participantes PROGRAMAS NACIONAIS DE AIDS/DST PROGRAMA NACIONAL ITS/SIDA Ministerio de Salud y Bienestar Social Avenida 20 de Octubre 1687 Edificio Wuirakocha 4º A La Paz, BOLIVIA Telfax: 591-2 244-1479 / 71506034 COORDENAÇÃO NACIONAL DE DST/AIDS CENTRO NACIONAL SIDA/ITS Secretaría de Salud Ministério da Saúde, W3 Norte SEPN 511, Bloco C 70750-920 Brasília - DF Brasil Telefone: + 5561 448-8004 www.aids.gov.br CALZADA DE TLALPAN 4585, 2º. PISO, COLONIA TORIELLO GUERRA, DELEGACIÓN TLALPAN, C.P. 14050 Ciudad de México D.F. MÉXICO Telefone:525 55284848, 55284856 Ext. 260 y 261 PROGRAMA NACIONAL SIDA/ITS. Ministerio de Salud Buenos Aires, ARGENTINA Telefone: + 5411 4379-9017 DIRECCIÓN GENERAL DE CONTROL ITS/SIDA Plaza Metropolitana, Local 305. 3ª.planta. Av. John F. Kennedy y Ortega y Gasset Distrito Nacional Santo Domingo REPUBLICA DOMINICANA Telefone: (809)472-7580, 227-9218, FAX; (809)472-8355 [email protected] PROGRAMA NACIONAL SIDA/ITS. Ministerio de Salud Pública COMISIÓN NACIONAL SIDA Ministerio de Salud Pública MAC IVER 541, OFICINA 68 Santiago, CHILE Telefone: + 562 630-0681 [email protected] PROGRAMA NACIONAL SIDA/ITS Ministerio de Salud Pública 7 Av. 3-67 Residenciales Valle de la Mariposa, Amatitlán, Guatemala, GUATEMALA Telefone: + 502 251-6054 Fax: + 502 251-6055 [email protected] Juan Larrea 483 y Río Frío Edif. Pazmiño Acuña. Piso 3 Quito, ECUADOR Telefax: +593-2 250-2222 [email protected] PROGRAMA NACIONAL SIDA/ITS Ministerio de Salud Pública Col Primero de Mayo, Complejo Nacional De Salud, Concepción Palacios Managua, NICARAGUA Telefone: 505-2894402 [email protected] 100 PROGRAMA NACIONAL SIDA/ITS Caracas,VENEZUELA Telefone: + 582 481-4984 [email protected] COORDINACIÓN DE PREVENCIÓN Y CONTROL DE ENFERMEDADES Ministerio de Salud Pública Cra. 13 No. 32-76. Piso 12. Santafé de Bogotá COLOMBIA Telefone: +(57-1) 336-50-66 Ext.1200 PROGRAMA SIDA/ITS Ministerio de Salud Pública Trabajo: Ancón, Avenida Gorgas, Edificio 261 Casa: Urb. Lomas del Golf, calle Córdoba, casa 154 Panamá, PANAMÁ Telefone: (507) 212 - 9321 Telefax; (507) 212 - 9473 [email protected] Bibliografia Bibliografia sobre Advocacy ASICAL (2000) Matriz de advocacy (cabildeo) en prevención, atención y apoyo en VIH/SIDA con HSH. Rio de Janeiro, Brasil. ASICAL (2000) Matriz de desarrollo de organizaciones de HSH. Rio de Janeiro, Brasil. 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Bogotá, Colombia; 6-7. 103 Glossário de abreviaturas ACAT Advocacy, Capacitação e Apoio Técnico Aids Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ARV Anti-retrovirais ASICAL Associação para a Saúde Integral e Cidadania na América Latina LACCASO Consejo Latinoamericano y del Caribe de ONGs con servicio en VIH/SIDA UNAIDS Programa Conjunto das Nações Unidades sobre HIV/Aids MUMS Movimiento Unificado de Minorías Sexuales UNFPA Fundo das Populações das Nações Unidas OASIS Organización de apoyo a una Sexualidad Integral frente al SIDA USAID Agência Estadunidense de Desenvolvimento Internacional OMS Organização Mundial da Saúde DST Doenças Sexualmente Transmissíveis GBLTT Gays, bissexuais, lésbicas, transgêneros e transexuais HIV Vírus de Imunodeficiência Humana ONG Organização Não Governamental OPAS Organização Pan-americana da Saúde SIGLA Sociedad de Integración Gay Lésbica Argentina HSH Homens que fazem sexo com homens (categoria epidemiológica) 104 UDI Usuários de Drogas Injetáveis