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Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial
Ficha de Inventário (Anexo I)
I. IDENTIFICAÇÃO
II. DOCUMENTAÇÃO
III. DIREITOS ASSOCIADOS
IV. PATRIMÓNIO ASSOCIADO
I. IDENTIFICAÇÃO
1. Domínio: Práticas sociais, rituais e eventos festivos – alínea c) do n.º 2 do artigo 1.º
do Decreto-Lei n.º 139/2009, de 15 de junho
2. Categoria: Festividades cíclicas
3. Denominação: Festa das Chouriças em honra de São Luís (de Anjou)
4. Outras denominações: Festa das Chouriças
5. Contexto tipológico: A Festa das Chouriças em honra de São Luís é uma
manifestação religiosa (missa e procissão) e festiva, que celebra e agracia São Luís, o
Santo protetor dos animais. É uma festa específica da aldeia de Querença, no concelho
de Loulé.
6. Contexto de produção
6.1. Contexto social
6.1.1. Comunidade (s):
A comunidade detentora desta manifestação é constituída por residentes, mas
também por familiares não residentes mas com fortes ligações à aldeia e à tradição de
honrar o Santo protector dos animais.
Há alguns anos, outras aldeias (Salir e Tôr) também do concelho de Loulé, começaram
a realizar a «Festa das Chouriças», com carácter cultural e social, organizadas por
colectividades, com o apoio das Juntas de Freguesia, onde a venda da chouriça para
consumo em «arraial» tem contribuído para a dinamização e promoção destas aldeias
do barrocal algarvio.
6.1.2. Grupo (s):
A realização da missa e procissão é uma organização conjunta da Comissão de Festas
da Paróquia e do Pároco. A Comissão de Festas prepara a igreja, os andores e define,
em colaboração com o pároco, os tempos e o percurso da procissão, pois nos últimos
anos houve uma adaptação do percurso à renovação urbana da aldeia.
A organização da Festa das Chouriças está também a cargo da Comissão de Festas da
Paróquia, composta. Actualmente esta Comissão é composta por 4 indivíduos (Sr.
Paulino, D. Rosa Caliço, D. Aldina e D. Isaura Figueiredo), naturais da freguesia ou nela
residentes, que se voluntariam. A Freguesia de Querença, sede da União das
Freguesias da Tôr, Querença e Benafim, colabora na preparação do evento, pois os (as)
trabalhadores da Junta são indivíduos «da terra». A Câmara Municipal de Loulé
concede apoio financeiro, logístico e ações de divulgação e promoção da Festa.
Nos finais do século XX o evento «associou» a componente económica. A Casa do
Povo, o café e os restaurantes participam na festa e na animação, com a venda de
chouriça assada, pão, vinho e doces regionais de amêndoa, figo, alfarroba.
6.1.3. Indivíduo (s):
Há vários indivíduos que integram a «produção» da Festa das Chouriças, com
competências diversas.
Em tempos «antigos» todos os indivíduos da freguesia participavam na Festa das
Chouriças, pois o hábito de criar (engordar) o porco para o matar e sustentar a família
ao longo do ano, retirando da «vara do fumeiro» uma ou mais chouriças que oferecia à
igreja, para São Luís, era comum e corrente. Uma parte das chouriças oferecidas pelos
paroquianos era para o pároco, e as restantes (pois a quantidade era sempre avultada)
eram leiloadas, revertendo o dinheiro para a igreja.
Actualmente as ofertas das chouriças são todas para leilão e o dinheiro apurado na
venda é para a igreja.
O padre cumpria, e cumpre, o seu papel, realizando a missa e orientando a procissão
com os dois andores, o de São Luís, que é o principal, e o de Nossa Senhora do Sagrado
Coração de Maria.
Os homens dos andores, que os carregam, nesta procissão sempre foram voluntários.
Actualmente, por falta de «rapazes bons e fortes», o andor mais pequeno, o de Nossa
Senhora, é carregado por senhoras.
Os músicos, da Banda Filarmónica, que normalmente é uma das bandas do concelho,
precedem os andores, com o tom musical que acompanha a solenidade do evento.
O leiloeiro, homem que além da venda das chouriças ainda tem que «puxar» pela
bondade dos compradores conseguindo fazer render ao máximo os lotes das
chouriças. Desde há alguns anos que o leiloeiro é um indivíduo de uma aldeia próxima.
6.2. Contexto territorial
6.2.1. Local: Querença
6.2.2. Freguesia: Querença, que actualmente integra a União das
Freguesias da Tôr, Querença e Benafim.
6.2.3. Município: Loulé
6.2.4. Distrito: Faro
6.2.5. País: Portugal
6.2.6. Nuts II: Algarve
6.2.7. Nuts III: Algarve
6.3. Contexto temporal
6.3.1. Periodicidade: A Festa das Chouriças em Horar São Luís realiza-se
com uma periocidade anual.
6.3.2. Data (s): realizava-se sempre no dia 22 de Janeiro mas nas
últimas décadas do século XX, passou a realizar-se no terceiro domingo do mês de
Janeiro, data que se mantém.
7. Caracterização
7.1. Caracterização síntese:
Festa tradicional em louvor a São Luís, Santo protector dos animais é uma festa
específica da aldeia de Querença. Tem uma componente religiosa, a missa seguida da
procissão, e outra festiva associada à gastronomia, aos odores e sabores e ao
artesanato.
As celebrações são organizadas e preparadas pela Comissão de Festas da Paróquia,
pela Junta de Freguesia, com o apoio da Câmara Municipal de Loulé. A esta
organização associa-se a Casa do Povo de Querença, os restaurantes (2) e o único café
da aldeia.
A Festa, embora logo pela manhã já comecem a chegar os participantes que vão
«petiscando» nas várias «bancas» de venda de chouriça assada, pão e vinho, tem início
à tarde com uma missa na igreja de Nossa Senhora da Assunção, seguindo-se a
procissão solene que percorre a rua entre esta igreja e a ermida do Pé da Cruz,
voltando, de novo, para a igreja de onde saíram os dois andores. Os andores são o de
São Luís e do de Nossa Senhora do Sagrado Coração de Maria. Noutros tempos, os
homens das famílias que maiores ofertas faziam a São Luís tinham a honra de carregar
o andor.
O ponto alto da festa tem lugar no adro da igreja, onde está a mesa com chouriças e
tem início leilão das ofertas e o convívio entre famílias e amigos, merendando pão,
chouriça e vinho.
7.2. Caracterização desenvolvida:
Se puder venha com esperança
De norte a sul do país
Venha visitar Querença
À Festa de São Luís.
Verso da Sra. Filipa Faísca sobre a Festa das Chouriças
A Festa das Chouriças chegou à atualidade, bem enraizada nesta localidade, mantendo
ainda a componente religiosa (missa e procissão) e festiva, associada à comida.
Assim, no terceiro domingo do mês de janeiro (data mais próxima do inicial dia 22 de
janeiro), a aldeia de Querença celebra a Festa das Chouriças, como popularmente é
denominada.
As celebrações, preparadas pela Comissão de Festas, com a colaboração da União das
Freguesias e da Casa do Povo de Querença, com o apoio da Câmara Municipal de
Loulé, nos últimos anos têm vindo a antecipar as festividades, realizando no sábado à
noite com um evento cultural no salão de Festas da Casa do Povo, onde um artista
regional, de música popular, «abrilhanta» a noite. Na Festa de 2014 a noite foi
dedicada ao fado.
No dia seguinte, já com o largo da igreja preparado para receber a comunidade e os
visitantes, logo pela manhã vão começando a chegar as famílias que se entretêm a
«por a conversa em dia», a ver a exposição de artesanato, produtos regionais – mel,
bolos de alfarroba e de amêndoa, carriços e outras doçarias da terra – que estão
dispostas em mesas, para venda. Já nesta altura o cheiro da chouriça assada,
preparada em grandes grelhadores de carvão, vai tomando conta dos sentidos e
despertando o apetite.
As mesas espalhadas pelo largo vão-se enchendo de familiares, amigos, vizinhos ou
simplesmente visitantes, muitos deles repetentes, ano após ano. O petisco durará de
manhã até ao final do dia, já noite.
A Comissão de Festas, por volta da hora do almoço dá início à quermesse, uma
tradição também muito antiga, de todas as festas que se realizam na aldeia e que
«ajuda» financeiramente a paróquia. As rifas de quadrados de papel enrolados e
dobrados ao meio despertam a vontade de «ganhar», fazendo com que a concha da
mão, por vezes seja pequena para tantas rifas.
Ao início da tarde é tempo de celebrar o São Luís com a missa na igreja de Nossa
Senhora da Assunção, seguindo-se a procissão solene, com os andores de São Luís e de
Nossa Senhora do Sagrado Coração de Maria, que percorre a rua entre esta igreja e a
ermida do Pé da Cruz, voltando, de novo, para a igreja de onde saíram os dois andores.
Também neste último ano de 2014 a procissão teve uma alteração por decisão do
senhor padre e da Comissão da Paróquia, pois só o andor de São Luís saiu e a volta do
andor foi só em redor da igreja. A justificação do Senhor padre para a alteração do
percurso foi a de que as pessoas mais idosas «iam ficando pelo caminho». Sobre a
saída de um só andor, disse-nos a Sra. Filipa Faísca que não havia voluntários para
carregar o andor, sendo já nos últimos anos carregado por senhoras.
A procissão é acompanhada por uma banda filarmónica, normalmente a Banda
Filarmónica Artistas de Minerva, de Loulé.
Após a celebração a São Luís, é altura do leilão das chouriças e ofertas, ponto alto da
festa, que o leiloeiro se encarrega de animar com a sua retórica de «bom vendedor». A
mesa das ofertas de chouriças deixou de estar junto à entrada da igreja. Agora é uma
mesa grande que colocam na frente da sede da Junta de Freguesia, também situada no
Largo, onde toda a gente, em animação, participa nesta celebração, convivendo entre
famílias e amigos, merendando pão, chouriça e vinho.
A festa termina com foguetes, momento que antigamente era muito aguardado pelas
crianças que se entretinham, literalmente em «ir apanhar as canas», fazendo apostas
para ver quem apanhava mais.
7.3. Manifestações associadas:
A matança do porco (Dezembro) perto da altura do Natal
Festa de família, vizinhos e amigos
(Resultante de entrevistas a dois habitantes de Querença)
Alguns dos homens vão apanhar o porco, na pocilga. Uns agarram-lhe as orelhas e
outros agarram-lhe as patas e o rabo. O que agarra o rabo do porco coloca-o «para
cima», o que faz com que o porco fique sem força. Apanhado o animal é colocado em
cima da banca, onde fica quieto e o Senhor José Alves, um dos matadores da zona que
nos descreve os preceitos desta «profissão de ocasião», espeta a faca direita ao
coração do porco. Se a «coisa» for com preceito, o animal morre em poucos minutos,
sem muito alarido.
O sangue que «esguicha» do golpe fatal vai escorrendo para um tacho.
Depois de morto, é tempo de musgar o porco ou, como ele nos diz, «fazer a barba ao
porco». Antigamente pegavam em um molho de tojos a arder e com uma forquilha
iam espalhando pelos pêlos do porco até arderem todos. Depois era bem raspado e
lavado. Para raspar usavam um bocado de telha ou um bocado de cortiça. Hoje, para
musgar usam maçaricos de gás e para raspar usam facas.
Estando o porco bem limpo e sem pelos, é hora de o abrir, desde a goela até ao rabo.
O rabo do porco é «metido para dentro» e puxa-se tudo, o bucho e as tripas. No bucho
dá-se um nó para não sair a «porqueira». Depois retira-se, tudo junto, a cachola (o
fígado), o coração, o bofe (pulmões) e a língua.
As outras iguarias
Estes órgãos são lavados e cortados aos «pedacinhos» para fazer a fritada, um dos
petiscos da festa da matança.
O sangue que entretanto foi recolhido para o tacho terá várias maneiras de cozinhar.
Para não coalhar, junta-se vinagre. Vai ao lume a ferver e come-se numa tigela com
sopas de pão. Este cozinhado é a moleja.
As mãos/pés do porco comem-se com feijão ou com batatas. Das tripas grossas tira-se
o rissol, que vai ao lume num tacho de cobre até sair toda a gordura e ficarem os
torresmos. As tripas grossas, depois de bem lavadas e escaldadas, são assadas ou
fritas.
As banhas, «arrancadas» à mão com a ajuda de facas, são colocadas sobre panos
limpos. Se as banhas tiverem sangue, terão que ser colocadas num alguidar, de barro e
serem bem lavadas, até não haver vestígios dele. Depois de bem limpas são postas
num tacho (antigamente era de cobre) e vão para o fogo, mexendo até derreterem.
Pode colocar-se umas pedrinhas de sal. Depois da banha derretida e frita, escorre-se
para dentro duma tigela, para coalhar (arrefecer).
As pernas do porco são muito bem «esfregadas» com sal e são colocadas em arcas
salgadeiras, cobertas de sal. Fecham-se as salgadeiras de dezembro até à primeira
sexta-feira do mês de março. Tiram-se os presuntos do sal, limpam-se e untam-se com
uma calda de pimento, vinagre e alho. Depois são pendurados em local arejado (na
adega, por exemplo) e tapados com um pano ou papel. Mais uns dias e estão prontos
para os petiscos.
A festa da matança pode durar 24 horas, sempre a comer e a beber, preparando as
várias carnes a conservar.
O Senhor José Alves estima que em Querença haja umas 10 famílias a criar porcos para
consumo próprio. O porco está pronto para o seu «destino» com 8 a 9 meses e pesa,
normalmente, umas 8 arrobas (120 quilos).
Um barrasco ou porco cobrideiro é «emprestado» aos vizinhos que têm as porcas para
engravidar. O tempo de gestação é de três meses e vinte dias.
No concelho, Loulé, é nas zonas de Salir e Ameixial onde se matam mais porcos para
consumo das famílias.
A narrativa seguinte é resultado da entrevista com à Senhora Filipa Faísca de 82 anos,
que nasceu e sempre viveu em Querença, no sítio do Borno.
O porquinho era comprado na feira de Salir (freguesia também de Loulé), no dia 14 de
setembro. Engordado com bolotas e farelos, por altura do Natal, reuniam a família, ou
mesmo os vizinhos e amigos e o dia da «matança do porco» era dia de festa! Vinha um
homem que sabia matar o animal e preparavam tudo para a ocasião. Era dia de festa!
Depois do animal morto já estava uma fogueira acesa para queimar os molhos de tojos
e «musgar» o porco, ou seja, queimar os pelos do animal. Era depois bem raspado e
lavado, para ficar bem branquinho. Em cima de uma mesa, era depois aberto e
cortado.
As mulheres dividiam-se em dois grupos, sendo que um grupo ia fazer o petisco e
outro grupo ia tratar do «migado».
As tripas, finas e grossas, eram postas num alguidar, onde as mulheres iam
desmanchá-las para depois as irem lavar à ribeira:
- As tripas finas, delgadas, eram viradas «do avesso», com um pedaço de pau (vareta
para virar tripas), feito à medida. Eram cheias de vento, processo que requeria uma
caninha para soprar o ar para dentro da tripa, depois eram raspadas. Na ribeira eram
lavadas «até ficarem limpinhas».
- As tripas grossas eram cortadas, despejadas, viradas do avesso e depois muito bem
lavadas. Já num alguidar de barro, punham-se estas tripas com um punhado de sal,
pedaços de laranja e de limão e esfregava-se bem as tripas. Este processo era realizado
várias vezes até as tripas ficarem limpinhas e perfumadas a citrinos. Havia também
mulheres que as lavavam com farinha. As tripas eram depois colocadas uns 3 ou 4 dias
em sal.
O «migado», para os enchidos, era feito com as carnes magras, picadinhas para um
alguidar grande, de barro. Juntava-se o sal, os alhos pisados, o pimentão (pó que tinha
resultado do pimento torrado e moído na mó, a mesma que moíam a farinha de milho)
e a calda do pimentão, também preparada em casa. Tudo muito bem amassado, como
quem amassa pão. Este preparado era conservado assim por 3 ou 4 dias, sendo
sempre amassado uma vez por dia. No final desses dias, enchiam-se as tripas com esta
massa e atavam-se bem com fio. O fio era, normalmente, umas linhas das sacas de
linho grosseiro que usavam para levar o trigo ao moinho. As chouriças eram
penduradas no fumeiro, normalmente na chaminé que existia na cozinha, em varas de
cana e aí ficavam pelo menos um mês.
8. Contexto de transmissão
8.1. Estado:
A tradição da Festa das Chouriças continua activa na aldeia de Querença.
8.2. Descrição:
A Festa das Chouriças em honra de são Luís está activa na aldeia de Querença e faz
parte do ciclo anual das festas da desta freguesia. A matança do porco assistiu a uma
quebra de tradição motivada pela proibição legal (Decreto-lei n.º142/2006, de 27 de
julho), no entanto parece estar, timidamente, a regressar à tradição das famílias das
zonas do barrocal e serra, do Algarve, pois com o Despacho n.º 14535-A/2013, de 11
de novembro, voltou a ser possível retomar esse evento que, em festa de família,
preparam as carnes para a salga e para os enchidos. É uma festa que faz parte do ciclo
festivo dos habitantes da aldeia e povoações vizinhas e, também, de muitos imigrantes
que nesta data têm por hábito estar de férias na terra e participar activamente no
leilão, afirmando a melhoria da sua posição económica.
A oferta das chouriças a São Luís, na Festa actual, é simbólica, pois é a Comissão
Organizadora que «angaria» as chouriças para o leilão, embora a receita apurada
continue a reverter para a Paróquia.
Na Festa das Chouriças em Honra a São Luís, assistem a sua realização não só naturais
da terra como também pessoas das aldeias vizinhas, emigrantes e curiosos. É tradição
enraizada na terra que se realizou todos os anos com excepção de 2013 em que a
procissão não se realizou por impossibilidade do Padre, mas a festa continuou, e nos
anos seguintes seguiu o programa.
8.3. Modo (s):
A transmissão de todas as componentes da Festa das Chouriças em honra de São Luís é
essencialmente por via oral.
8.4. Agente (s):
Todos os habitantes da aldeia de Querença são potenciais agentes transmissores desta
tradição. No seio das famílias, as conversas informais das gerações mais velhas
revivem saberes e preceitos que encantam os mais novos com histórias passadas,
«convidando-os» a viverem, também eles, a alegria festiva que no mês de janeiro
enche o largo da igreja de Querença com cor, cheiros e sabores – a Festa das Chouriças
em honra de São Luís.
Os saberes associados à Festa das Chouriças envolvem outra festa, esta no seio da
família e dos amigos, a matança do porco, e toda a atividade associada como a
preparação das carnes, os enchidos, a cura, o fumeiro, e a salga.
A transmissão associada à preparação da Festa é essencialmente oral e
intergeracional, quer entre os naturais e residentes de Querença quer das aldeias
próximas, abrangendo parte do território do barrocal/serra, do concelho de Loulé e
ainda pelos familiares que residem noutros locais mas que mantém a ligação «à terra»
e continuam a participar nas festividades da aldeia.
Os imigrantes que vêm passar o Natal a Querença continuam a promover a
transmissão da manifestação no seio da família, despertando e motivando os mais
jovens para a Festa das Chouriças.
8.5: Idioma: Português
9. Origem/historial:
Querença – a história
Querença era uma pequena localidade da freguesia de São Clemente de Loulé. Nas
Visitações da Ordem de Santiago era assim descrita “A Ermida de Nossa Senhora de
Querença, a qual é uma casa só e tem uma capela pequena (…) Apegado com a dita
ermida estão umas casas em que se recolhe o ermitão: silicet, casa dianteira e câmara.
E mais tem um cerco com oliveiras e figueiras e outras árvores junto com a dita ermida
e tem seu adro ao redor dela(…) Achámos por informação, que disso, tomámos que a
dita ermida foi feita e edificada pelos moradores ao redor dela” in: suplemento da
revista Al-ulyã n.º5 (p.89 e 90).
Em meados do século XV foi elevada a freguesia, aparecendo em 1554 designada como
freguesia de Querença tinha 699 habitantes e 210 fogos (J. Lopes 1841 – Mappa n.3).
Foi nessa época que a igreja teve uma intervenção grande, ao nível da ornamentação
artística do seu interior com a colocação de cinco altares, elaborados por artistas
conceituados, da época, demonstrando bem o fervor religioso (e alguma
disponibilidade financeira) da população em torno do templo consagrado a Nossa
Senhora da Assunção.
Actualmente Querença tem uma população de cerca de 1000 habitantes numa
extensão geográfica de 2850 hectares, pois no final do século XX viu reduzida a sua
área com a criação da freguesia da Tôr. Com a união de freguesias ao abrigo da Lei nº.
22/2012, de 30 de maio, Querença volta a ficar anexada à Tôr e também a Benafim.
A Festa das Chouriças em honra a São Luís, é uma tradição de origem indeterminável,
apenas com recurso a tradição oral e à memória colectiva das comunidades de
Querença que sempre se recordam desta prática e não existe memória de não ter sido
praticada. Da pesquisa bibliográfica que se realizou é referido na monografia do
conselho de Loulé de A. Oliveira (1905 p.153) o seguinte sobre as festas que se
realizava naquela freguesia, “As festas principaes desta freguesia, alem da semana
Santa, em alguns anos, são: a da Nossa Senhora da Assunpção, sua padroeira, em 15
de agosto, e a da Senhora da Graça, também vulgarmente conhecida pela festa dos
folares, na segunda-feira, depois da Pascoa. Ambas são muito concorridas pelos
moradores da freguesia e pelos extranhos”. Perante esta descrição somos levados a
crer que a Festa em Honra São Luís poderia ainda não existir no início do século XX ou
certamente, não seria uma das “festas principaes desta freguesia…”.
Por outro lado é referido na Corografia ou Memória económica, estatística e
topográfica do reino do Algarve (1841 p.315) de J. Lopes, que havia também, “Muita
fructa, principalmente ameixas reinões com as quaes sustentão os porcos”. Sabemos
que o porco era um dos animais domésticos mais criados no barrocal algarvio, fazendo
parte da dieta cultural da população. A alimentação do porco nesta zona do Algarve,
era feita de bolotas e farelos ambos produtos que Querença possuía. Mais adiante J.
Lopes refere que o cultivo do linho era abundantes, “ pelo que ficavam águas
estagnadas, e cousão sezões,…” . As doenças que corriam no início do século XX, no
Algarve e em particular no conselho de Loulé, são referidas por A. Oliveira (1905 p.23)
“Na 2ª zona, na região do barrocal, nota-se principalmente, na quadra outomnal, e na
passagem para a quadra da primavera, as febres infecciosas, mais ou menos
características (…) nas aldeias encostadas as ribeiras, onde existem águas
estagnadas(…)”. Estas febres infecciosas e febres tifóides estariam ligadas à falta de
higiene e à estagnação das águas. É possível que perante este cenário de doenças que,
na época afectavam não só as pessoas como os animais, tenha nascido a crença em
torno do Santo protector dos animais, São Luís, para que este oferece-se protecção ao
porco garantindo assim o alimento r sustento da família. O certo é que, apesar de não
ser possível precisar uma data para, a festa já existe há muitos anos, tantos que as
pessoas de mais idade, de Querença, referem que é festa «para mais de duzentos ou
trezentos anos».
Querença, mês de Janeiro: a Festa das Chouriças em Honra a São Luís
Diz a crença que em Janeiro é tempo de glorificar o Santo que ajudou a criação dos
animais. Assim, no terceiro domingo de cada mês de Janeiro a aldeia de Querença
celebra a Festa das Chouriças, como popularmente é denominada.
As raízes deste evento remontam a uma época em que, no interior algarvio, as famílias
tinham o hábito de criar o seu porco para sustento ao longo do ano. Era igualmente
tradição pedir a São Luis, patrono dos animais, que conservasse o porco em boas
condições para garantir a boa carne, o toucinho os enchidos e o presunto, alimento
fundamental para o inverno familiar.
Assim, quando compravam o animal tinham por tradição citar «São Luís o dê por
esmola», ou seja, pediam ao Santo que o porco não morresse, fosse bem desenvolvido
e, por gratidão, as famílias ofereciam, e continuam a oferecer, ao Santo Protetor, as
melhores chouriças caseiras que serão leiloadas, revertendo o dinheiro para a
paróquia.
Tanto Santo, tanto andor
Tanta gente ajoelhada
Tantas chouriças na mesa
Para quem não come nada.
Verso de António Aleixo, a S. Luís, numa Festa das Chouriças em Querença
Na sua origem no dia 22 de Janeiro realizava-se, na aldeia de Querença, a Festa em
honra se São Luís. Independentemente do dia da semana a festa calha-se, nesse dia
não se trabalhava, era dia de festa! Todas as Famílias tivessem matado o porco
levavam uma ou mais chouriças, dependendo da abundância, e colocavam-nas numa
mesa, preparada para o efeito, à porta da igreja, dirigindo-se depois para o seu interior
onde assistiam à missa, seguida da procissão.
As chouriças eram divididas em duas partes, uma parte destinava-se ao pároco e
noutra parte era para leiloar. O dinheiro apurado com a venda revertia para obras na
igreja.
II. DOCUMENTAÇÃO
10. Bibliografia:
LOPES, João Baptista da Silva, 1841, Corografia ou Memória Económica, Estatística e
Topográfica do Reino do Algarve , texto facsimilado, reedição Algarve em Foco Editora,
1988 (volume 1.º e 2.º)
OLIVEIRA, Francisco Xavier D´Ataíde de, 1898, As Mouras Encantadas e os Encantos No
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OLIVEIRA, Francisco Xavier D´Ataíde de, 1905, Monografia do Concelho de Loulé, texto
facsimilado, reedição Algarve em Foco Editora, 1998 (4.ª edição)
ROSADO, Fátima, 1993, Tradição Oral Algarvia – Poesia recolhida na freguesia de
Querença, edição SEC, Delegação Regional do Algarve e Universidade do Algarve
SOUSA, Filipa Faísca de, Povo, povo, eu te pertenço/ Filipa Faísca de Sousa ; selec. org.,
recolha e transcrição de Idália Farinho Custódio ; pref., classif. e notas Maria Aliete
Farinho Galhoz ; classificação Isabel Cardigos, edição da Câmara Municipal de Loulé,
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VEIGA, Sebastião Philipes Martins Estácio da, 1886,1887,1889,1891 Antiguidades
Monumentais do Algarve, texto facsimilado, reedição Universidade do Algarve, 2005
(volumes I, II, III e IV)
Visitação de Igrejas Algarvias da Ordem de Santiago de 1554, Ed. ADEIPA, Faro,1988
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Sites consultados
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Acedido a 27.04.2014 em http://algarvepressdiario.wordpress.com/2012/01/09/festadas-chouricas-2012-querenca-revive-tradicao/
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Concelho
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Confraria-mor (2013). “Chouriça” é a rainha na Festa de Querença. Acedido a
27.04.2014 em http://confrariamor.wordpress.com/tag/santo-protetor-dos-animais/
Dias, J.M. (2014). QUERENÇA | Festa das Chouriças promove gastronomia da região |
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Acedido
a
27.04.2014
em
http://planetalgarve.com/2014/01/10/querenca-festa-das-chouricas-promovegastronomia-da-regiao-18-e-19-de-janeiro/
Gonçalves,
F.
(n.d.).
Querença.
Acedido
a
http://viajar.clix.pt/tesouro.php?id=418&lg=pt&w=querenca
27.04.2014
em
Nosso Algarve (2013). Terra do nosso Algarve – Querença. Acedido a 27.04.2014 em
http://nossoalgarve.blogspot.pt/2013/05/terras-do-nosso-algarve-querenca.html
Sul Informação (2014). Chouriça Caseira volta a ser rainha da festa em Querença.
Acedido a 27.04.2014 em http://www.sulinformacao.pt/2014/01/chourica-caseiravolta-a-ser-a-rainha-da-festa-em-querenca/
Tertúlia Algarvia (2013). À descoberta de Querença. Acedido a 27.04.2014 em
http://www.youtube.com/watch?v=leuz5lQGuZETurismo Diocesano do Algarve (2014).
S. Luís é festejado em Querença, durante a Festa das Chouriças. Acedido a 27.04.2014
em http://turismo.diocese-algarve.pt/noticias/21-blog/573-2014-01-13-18-10-31
11. Fontes escritas:
Ver anexo II/ 4 Fontes escritas e outros
Ver anexo II/5 Bibliografia
12. Fontes orais:
Foram realizadas «conversas informais com alguns habitantes da aldeia, que contaram
curiosidades e falaram sobre a Festa das Chouriças «do antigamente», dos saberes
sobre a criação e utilização do porco, do espaço do largo da igreja e como antigamente
se organizava a Festa, do encontro das famílias, da missa e da procissão.
José Alves, de 69 anos, o matador (amador) do porco, nasceu em Castro Verde, casou
com uma algarvia, de Querença, onde mora há mais de quarenta anos.
Filipa Faísca de Sousa, senhora de 82 anos, nascida e criada na freguesia de Querença,
tem particular afectividade pelas tradições algarvias. Dela é a obra Povo, Povo, eu te
pertenço, edição da Câmara Municipal de Loulé, 2000. Como refere Isabel Cardigos
«Filipa Faísca de Sousa, guardiã de tradição oral de Querença, poeta popular, artesã,
transmissora de romances, contos, cantigas, de saberes e de sabores…»
José Maria, senhor reformado da guarda-fiscal, um habitante da aldeia, que gosta de
recordar histórias que seu avô lhe contava sobre esta aldeia, sobre a Festa das
Chouriças e também sobre as outras festas comemorativas, algumas delas que ali
ainda acontecem.
13. Fotografia:
Ver Anexo II /1 Documentação fotográfica
14. Filme:
Ver Anexo II/ 2
Documentário DRC Algarve 2015
Documentário RTP regiões 1998
15. Som:
Ver Anexo II/ 3
Testemunho Sr. Viegas (Habitante da Aldeia de Querença)
16. Fontes escritas e Outra documentação:
Ver Anexo II/ 4
III. DIREITOS ASSOCIADOS
17. Tipo:
Os direitos colectivos associados à Festa das Chouriças em honra de São Luís, que se
realiza na aldeia de Querença no penúltimo domingo do mês de Janeiro, são do tipo
consuetudinário.
18. Detentor:
São detentores dos direitos coletivos da Festa das Chouriças em honra de São Luís a
comunidade da freguesia de Querença e todos os familiares que, mesmo não residindo
aí, se sentem afectivamente ligados a esta manifestação e que nela participam todos
os anos.
IV. PATRIMÓNIO ASSOCIADO
19. Património Cultural
19.1. Móvel:
Embora sem classificação atribuída, nos termos da Lei 107/2001, de 8 de setembro,
pois nunca foi pedida qualquer abertura de processo, as imagens que integram a
procissão, São Luís e Nossa Senhora do Sagrado coração de Maria, são bens do
património que representam um valor cultural integrante desta manifestação.
19.2. Imóvel:
A igreja matriz, Igreja de Nossa Senhora da Assunção, e Ermida do Pé da Cruz, ambas
também sem proteção legal.
O largo onde a Festa das Chouriças em honra de São Luís se realiza é denominado
«Largo da Igreja».
Há uns anos sofreu obras de requalificação, que o transformaram completamente,
quebrando a harmonia que existia entre o «adro» da igreja, zona de transição entre o
religioso e o pagão, e o «terreiro» que se constituía como o largo onde acontecia a
Festa. É também no Largo que está o Cruzeiro que se presume ser da mesma época da
primitiva ermida que se ergueu antes da igreja matriz, marco importante de encontro
e de paragem para conversas. Também ele muito adulterado com a nova imagem que
as obras de requalificação lhe deram: a sua base constituída por uma grande pedra
calcária da região foi partida, pois foi intenção do projetista retirar dali o Cruzeiro. A
população não deixou e o Cruzeiro acabou por ficar, agora com a base partida e
recolocado no centro de um «espelho de água».
É no Largo da Igreja que a mesa das ofertas se vai compondo, junto ao edifício da Junta
de Freguesia, onde, após a procissão, se iniciará o leilão. Também aqui no largo estão
os assadores de chouriças, as mesas e cadeiras que irão dar assento às famílias e
forasteiros.
19.3.Imaterial:
O património imaterial associado à Festa das Chouriças é a criação do porco, a
matança o «saber fazer» da confeção das chouriças.
20. Património Natural:
Fonte Benémola (Querença e Tôr), classificados como Sítios Classificados através do
Decreto–Lei n.º 392/91, de 10 de Outubro.
Pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, foi criada a Paisagem Protegida Local da
Rocha da Pena e a Paisagem Protegida Local da Fonte Benémola. Ambas estão
inseridas em área de Rede Natura 2000.

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