Numa altura em que um em cada dois matrimónios termina em
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Numa altura em que um em cada dois matrimónios termina em
RENOVAR CASAMENTO Para sempre, outra vez Numa altura em que um em cada dois matrimónios termina em divórcio, ainda há quem renove votos de casamento. Histórias de outros tempos — ou do nosso? TEXTO DE KATYA DELIMBEUF FOTOGRAFIAS DE RUI DUARTE SILVA hegar aos 25 anos de casados dá tanto trabalho como uma profissão. É preciso humildade e cedências, saber discutir as coisas, dialogar. Haver tolerância e perdão. É uma vitória, tantos anos com uma pessoa...” As palavras são de Adélia Abrantes, auxiliar de acção educativa, 50 anos, casada há 26 com José, empresário têxtil. Palavras sábias, de experiência feita. No dia em que comemoraram um quarto de século juntos, quiseram registá-lo de forma simbólica — e renovar votos. Para o casal, o mais importante não era que a cerimónia se realizasse na igreja. Claro, queriam missa, C 74 REVISTA ÚNICA · 20/03/2010 mas não “um evento muito formal, com os amigos todos de fato”. “Fizemos uma espécie de arraial de São João no nosso quintal, em Junho. Convidei o padre que nos casou, que abençoou as alianças, pusemos archotes, balões e música e festejámos até às 2 horas da manhã”, conta Adélia. “Foram emoções fortes”, continua ele. “Emocionei-me com o discurso do padre sobre a importância dos valores...” “E com os versos que uma amiga fez sobre nós”, completa ela. No fim, ofereceram um manjerico a cada convidado, com um verso escrito por eles. Para as duas filhas, ver os pais renovarem a intenção de permanecer juntos, após 25 anos, teve muito “significado”. Não é qualquer um, especialmente nos tempos que correm, que atinge estas marcas. Mas ADÉLIA E JOSÉ ABRANTES COMEMORARAM OS SEUS 25 ANOS DE CASAMENTO COM UM ARRAIAL NO QUINTAL CLEMENTINA E FERNANDO FESTEJARAM AS BODAS DE OURO EM MANGUALDE. O MAIS IMPORTANTE FOI JUNTAR OS SETE NETOS, DAR O EXEMPLO em Mangualde, onde vive o casal Abrantes, ainda é comum renovar-se votos. E celebrar-se as bodas de prata (25 anos) e ouro (50). Como o casamento não é sempre um mar de rosas, é importante marcar aquela meta, consideram. O casal recorda as dificuldades da relação, desde o início. “Foi sempre um amor proibido”, conta Adélia. “Os pais dele queriam-no casar com uma rapariga rica. Não vieram ao nosso casamento nem quiseram conhecer a neta quando ela nasceu. Ele fez uma trouxa, que enfiou num saco de plástico, e saiu de casa.” Na celebração dos 25 anos, foram esses mesmos pais a comprar as alianças. “Não sinto que tenham passado estes anos todos”, garante José. “Dou conta disso pelos filhos crescidos ou pela falta de cabelo, mas as paixões continuam no mesmo sítio. E estou convencido que, se não faltar a saúde, chegamos aos 50 anos de casados.” “É como ir buscar gasolina para pôr no depósito.” Ao contrário do casal Abrantes, para Clementina e Fernando Coelho dos Santos não fazia sentido renovar votos sem ser na igreja. Assinalaram primeiro os 25 anos de casados e no passado dia 27 de Dezembro os 50. “Ainda estamos em núpcias”, brinca Clementina, uma senhora de 71 anos e olhos azuis, a propósito de terem mudado de casa recentemente. Na primeira cerimónia, a dos 25 anos, juntaram 100 pessoas, entre família e amigos, e renovaram votos na igreja matriz de Mangualde, onde tinham casado — e os pais antes deles. Nesta, a dos 50, ficaram-se pela família. Houve uma missa, a que se seguiu um convívio, tarde fora, num hotel, onde os esperava uma projecção-surpresa, feita por uma das filhas, com fotografias antigas do casal. O neto mais novo, de 11 anos, foi o menino das alianças. “Levou o anel original, com o fio de prata das bodas de prata e o de ouro das bodas de ouro.” “Emocionei-me muito”, conta Clementina, para quem “o mais importante foi juntar os sete netos”. Como sustentáculos da família, gostam de dar o exemplo, “de transmitir os valores do casamento e da união familiar”, até porque não são alheios aos tempos que correm. “A juventude está muito longe de tudo, dos valores cristãos”, desabafam. Gostavam muito de ver os netos seguir o mesmo caminho deles, mas têm dúvidas se chegarão a celebrar 25 anos de casa- ODETE E FERNANDO AZEVEDO, DE OEIRAS, SENTIRAM A SUA RENOVAÇÃO DE VOTOS COMO UM SEGUNDO CASAMENTO mento. É a fé que os move. Para eles, a cerimónia da renovação de votos é “um reforço” do relacionamento, é “como ir buscar gasolina para meter no depósito”. E sentirem-se abençoados aos olhos de Deus. Do interior do país para a capital, o ritual repete-se. “A nossa renovação de votos foi como um segundo casamento”, conta Odete Azevedo, 78 anos, sentada no sofá da sua casa, em Oeiras, com o marido, Fernando, 77, atrás. “Convidámos os filhos, as noras, os netos, eu comprei um vestido novo, cor de pérola, com um tailleur, ele foi de fato. A minha filha mais nova levou as alianças — a original e a dos 50 anos, entrelaçadas uma na outra. O padre veio mesmo ao pé de nós e fez as mesmas perguntas que nos tinha colocado no casamento...” Odete tem tudo muito presente. “Foi uma cerimónia bonita, uma missa grande. Lemos parte das leituras e comungámos no altar, as “Chegar aos 25 anos de casamento dá tanto trabalho como uma profissão” 77 CASAMENTO MARIA ISABEL E JOÃO MARTINS COMERAM BOLO DE NOIVA E REPETIRAM A VALSA NA FESTA DAS SUAS BODAS DE OURO “É uma maneira de encher os pneus, de meter ar na luta que é a vida” duas espécies — a hóstia e o vinho. No fim, bateram-se palmas. Foi excepcional.” Casados há 55 anos, sentiram, ao bater do meio século, que tinham de fazer “algo mais solene”. Na tarde que seguiu a cerimónia, foram para casa do filho mais velho. O convívio só terminou à noite. “A renovação de votos é uma consolidação, uma confirmação”, explicam. “Apesar de não alterar nada na vida a dois, é uma coisa que nos enche, nos liga. É como uma chave numa fechadura. Vai limpar-se a ferrugem, ver se a fechadura está bem segura e verificar que sim, está”, solta Odete, com um sorriso. “Se chegarmos aos 75 de casamento, pretendemos renovar outra vez”, partilham. “Na verdade, estamos a pensar fazê-lo já aos 60... Sabe, em 55 anos de casamento, nunca nos zangámos. Não sabemos andar um sem o outro.” Tudo sobre rodas. Nuno Westwood é padre há 14 anos na paróquia de São Julião da Barra, nos arredores de Lisboa. Ao longo da sua vida ao serviço de Deus, já celebrou cerca de 200 cerimónias de renovação de votos, “20 a 30 por ano”. Para ele, “a celebração das bodas matrimoniais depende muito da vontade e consciência do que se quer realizar”. “Se for uma celebração meramente exterior, só pela festa e pela tradição, sem renovação de vida e sem testemunho de compromisso feliz, seria vazia, sem sentido — puro espectácu- 78 REVISTA ÚNICA · 20/03/2010 lo. Mas, daquilo que tive o privilégio de testemunhar, a comemoração das bodas é uma oportunidade de celebrar o triunfo das conquistas, nem sempre fáceis, de uma vida, de um amor e de uma família construídas a dois”, considera. Foi o caso de Maria Isabel Parente e João Martins. O casal também recorda a sua renovação de votos aos 50 anos de casados como uma segunda boda. João, ex-chefe de serviço das Finanças, de 82 anos, e Maria, professora, de 79 anos, celebraram as bodas de prata e de ouro. Pelos 50, quiseram algo “um bocadinho mais formal”. Missa na igreja, com coro, jantar no Convento de São Bernardo, com 60 convidados, bolo de noiva e até dança, valsa incluída. A festa, organizada pelos netos, tinha cartões nas mesas com os nomes dos locais mais importantes na vida do casal. Isabel fez uns breves discursos explicativos. “Se nos emocionámos? Pois se até agora me estou a emocionar...” Um dos filhos de Isabel e João já cumpriu 25 anos de casado — e também renovou votos. O casal considera que esta cerimónia está essencialmente relacionada com a Fé e acredita que a geração dos netos chegará ao quarto de século de matrimónio. Para ela, renovar votos “é uma maneira de encher os pneus, de meter ar na luta que é a vida”. Uma metáfora interessante quando se sabe que nem sempre tudo anda sobre rodas. n