ensino médio integrado à educação profissional: limites e

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ensino médio integrado à educação profissional: limites e
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL: LIMITES E POSSIBILIDADES NA
CONCRETIZAÇÃO DO CURRÍCULO INTEGRADO
NAS ESCOLAS PIONEIRAS DO ESTADO DA
PARAÍBA
Benedita Ferreira Arnaud
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo
Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba
ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: LIMITES E
POSSIBILIDADES NA CONCRETIZAÇÃO DO CURRÍCULO INTEGRADO
NAS ESCOLAS PIONEIRAS DO ESTADO DA PARAÍBA
Profª Ms. Benedita Ferreira Arnaud
UEPB/CAMPUS IV
[email protected]
RESUMO: O referido estudo é parte integrante de um projeto de extensão em
andamento no Campus IV da UEPB, com a participação de alunos da 3ª série do Ensino
Médio Integrado de uma das Escolas pioneiras, nesta modalidade de ensino, a Escola
Agrotécnica do Cajueiro. Para discutirmos as possibilidades e limites da formação
unitária no âmbito do ensino médio integrado, utilizamos os princípios básicos da
proposta de Escola unitária de Gramsci, bem como a contemporaneidade de suas ideias
num contexto de reformas do ensino profissionalizante. Num primeiro momento,
procuramos analisar a real efetividade desta experiência no cenário educacional,
especificamente no estado da Paraíba em duas escolas pioneiras nesta modalidade de
Ensino, visto que este discurso e prática se constituem como a nova ordem
institucionalizada no Ensino profissionalizante. Num segundo momento, analisamos os
limites e possibilidades da integração curricular nas escolas pioneiras, o que nos levou a
concluir que a integração curricular passa a ser um desafio político-pedagógico e requer
por parte da escola compreensão dos seus fundamentos teóricos.
PALAVRAS-CHAVE: Educação profissional – Ensino Médio Integrado - Currículo
integrado.
SECONDARY EDUCATION INTEGRATED IN THE PROFESSIONAL
EDUCATION: LIMITS AND POSSIBILITIES IN THE IMPLEMENTATION OF
THE INTEGRATED CURRICULUM IN THE PIONEER SCHOOLS OF
PARAÍBA
ABSTRACT: This study is part of an extension project ongoing in the campus of
UEPB IV, with the participation of students from the high school 3rd grade of one of
the pioneer Integrated Schools leading this type of education, the Agrotecnic School of
Cajueiro. In order to discuss the possibilities and limits of the unitary education within
the integrated high school, we used the basic principles of the unitary school proposed
by Gramsci, and the contemporaneity of his ideas in a context of reforms of vocational
education. At first, we examine the real effectiveness of this experience in the
educational setting, specifically in the state of Paraiba in two pioneer schools in this
mode of education, since this discourse and practice are considered to be the new order
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institutionalized in vocational education. Second, we analyze the limits and possibilities
of curriculum integration in the pioneer schools, which led us to conclude that the
curriculum integration becomes a major political and pedagogical challenge and
requires from the school stuff, a better understanding of its theoretical foundations.
KEYWORDS: Professional education - Integrated High School - Integrated
curriculum.
INTRODUÇÃO
Para discorrer sobre o tema em foco, apresentaremos num primeiro momento os
princípios básicos da proposta de Escola unitária de Gramsci, bem como a
contemporaneidade
de
suas
ideias
num
contexto
de
reformas do
ensino
profissionalizante. Analisaremos estas reformas articuladas às mudanças no mundo
social e produtivo, visto que o sistema capitalista que o autor sempre combateu persiste,
com novas configurações. Antes, com base nas exigências do trabalho imposto pela
industrialização, hoje, baseado em princípios científicos e tecnológicos, ambos com o
mesmo propósito histórico, desenvolver ao máximo a produtividade em atendimento à
lógica de mercado. Num segundo momento abordaremos a integração entre o ensino
médio e a educação profissional destacando as experiências em curso na Paraíba,
enfatizando os limites e possibilidades na concretização do Currículo Integrado nas
Escolas pioneiras.
1. PRINCÍPIOS E PRESSUPOSTOS DA INTEGRAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO
GERAL E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL: O TRABALHO COMO PRINCÍPIO
EDUCATIVO NA PROPOSTA GRAMSCIANA DE ESCOLA UNITÁRIA.
O trabalho como princípio educativo foi um dos temas mais recorrentes no
Brasil, nos anos 80 e início dos 90. Neste período, passa a se constituir como
fundamento de proposta da educação que se pretendem inovadoras e progressistas,
notadamente desenvolvidas por alguns movimentos sociais (TUMULO, 2005, p. 240).
Gramsci ao afirmar que o princípio unitário deve ser a referência de uma nova
pedagogia, formula a noção de “escola unitária” quanto à sua organização e ao seu
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princípio formativo. Sua proposta segundo Soares (2001, p. 419), estabelece confronto
com quatro concepções pedagógicas de sua época: “escola tradicional”, de base
humanista, a “escola nova”; a “escola única do trabalho (politécnica); as escolas
profissionalizantes”. 1
Para Gramsci (1978, p. 421) o trabalho constitui uma forma através da qual o
homem participa, ativamente, na vida da natureza, com o objetivo de transformação e
socialização, ou seja, é um processo que permite modificar reciprocamente o mundo
natural e o mundo social. Com isto, procura resgatar a análise do conceito de trabalho
como categoria histórica, como trabalho criador.
Preocupava-se com a dicotomização entre ensino humanista e profissional e
defendia a abolição das fronteiras entre trabalho manual e intelectual. Para ele, o que
marcava, socialmente, a escola era a existência de um tipo de escola diferente para cada
grupo social. Combatia à profissionalização do ensino, justificando que a multiplicação
de escolas profissionais agravava o problema do dualismo escolar, responsável por
“eternizar as diferenças tradicionais” (GRAMSCI, 1978, p. 137). Conforme o autor, este
quadro só seria revertido, se a escola preparasse cada “cidadão” para se tornar
“governante”.
No sentido de preparar o homem para esta participação, Gramsci (1978, p. 118)
formula a sua proposta de “escola inicial única de cultura geral, humanística, formativa,
que equilibre equanimente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente
(tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho
intelectual”.
Quanto ao tipo de Escola preparatória com os propósitos enunciados por
Gramsci, esta é a Escola unitária, escola do trabalho, não no sentido estrito do ensino
profissionalizante, meramente técnico e ideologicamente imediatista, mas objetivamente
interessada à coletividade, e de saber “desinteressado2” ao capital, ou seja, ao mundo da
produção. (NOSELLA, 1995, p. 17-18).
1
Sobre as concepções pedagógicas das escolas mencionadas, ver Soares 2000, p. 419 a 423 e 439 a 440.
2
Gramsci utiliza frequentemente essa expressão “desinteressado(a)” (cultura desinteressada, escola
desinteressada). Segundo Nosella este termo não nasceu do debate sobre a neutralidade da ideologia, da
ciência e da técnica, “desinteressado(a)” para ele se contrapõe a: “interesseiro, mesquinho, individualista,
de curta visão, imediatista e até oportunista (característica da burguesia)”. Conota horizonte amplo, de
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Gramsci aponta como deve ser operacionalizado este tipo de Escola para que se
alcance o objetivo desejado. A fixação da idade escolar “depende do Estado assumir
certos encargos que estão a cargo da família”, referendando o caráter público da escola
unitária, que deve ser extensiva a todos os indivíduos sem distinção de grupos ou classe.
Requer mudanças na organização escolar no que se refere aos “prédios, material
científico e corpo docente”. Com relação ao corpo docente, este deveria ser aumentado,
“pois, a eficiência da escola é muito maior e intensa quando a relação entre professor e
aluno é menor” (GRAMSCI, 1978, p. 121).
Com este propósito, Gramsci defende na escola unitária a criação de condições
para que os indivíduos tenham acesso a um repertório de informações que facilitem o
processo de ensino-aprendizagem, assim como uma rede de auxílios à infância, que
atuem paralelamente à escola unitária, tendo como objetivo desenvolver nas crianças
noções e aptidões pré-escolares, assim como “certa disciplina coletiva” (GRAMSCI,
1978, p. 122-123)
Verificamos que o autor se antecipa a alguns educadores contemporâneos
quando estes defendem um tratamento diferenciado (atenção especial) aos alunos que
apresentam dificuldades de aprendizagem.
1.1. A contemporaneidade das ideias de Gramsci num contexto de reformas do Ensino
Profissionalizante.
As concepções de Gramsci sobre a Escola unitária, decisivamente constituem-se
como um importante referencial teórico no sentido da análise e crítica das propostas
educacionais atuais, esclarecendo possíveis equívocos teóricos e políticos.
Neste sentido, Kuenzer (1988), com base na leitura em Gramsci, descreve como
poderá se constituir uma proposta de Ensino de 2º grau (atualmente Ensino médio),
comprometida com os interesses da classe trabalhadora. Aponta como proposta
pedagógica “tomar o trabalho como princípio educativo, enquanto expressão do estágio
do desenvolvimento das relações sociais contemporâneas em que a ciência se faz
longe alcance, isto é, que interessa objetivamente não apenas a indivíduos ou pequenos grupos, mas à
coletividade, e até a humanidade inteira. (NOSELLA, p.17-18).
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operativa e a técnica se faz complexa, reunificando cultura e produção”. Segundo a
autora para que este novo princípio educativo se efetive é preciso considerar “a escola
única como estrutura; a politecnia como conteúdo; a dialética como método; a gestão
democrática e as condições físicas das Instituições como necessárias à transformação
pretendida”. (KUENZER, 1988, p. 130-131).
A autora explora os três primeiros aspectos. Para que a estrutura seja única,
“não será admitido mais a dualidade estrutural, antidemocrática na raiz, que separa a
escola da cultura da escola do trabalho”. Do ponto de vista até das necessidades do
capitalismo, a autora adverte que “esta proposta não mais se sustenta, na medida em que
o novo dirigente é síntese de competência técnica e competência política” (KUENZER,
1988, p. 130-131).
O que se constata até agora é que os modelos até então propostos, segundo a
autora:
- não superaram a dualidade estrutural; não alteram o princípio
educativo, no que diz respeito ao conteúdo, e esta transformação é
fundamental; - não alteraram as condições de funcionamento da escola
e as condições de qualificação do professor; - não alteraram a cisão
entre teoria e prática; - não alteraram a forma de gestão das escolas,
que ainda não conseguem organizar-se tendo em vista um projeto
coletivo. (grifo nosso) (KUENZER,1988, p. 137).
Isto pode ser verificado no contexto de reformas da Educação Brasileira,
empreendidas nestas últimas décadas. Como exemplo, podemos citar a Lei 5.692/71 e o
Decreto 2.208/97. A Lei 5.692/71, com a proposta da unificação do ensino do antigo 2º
grau ao ensino profissionalizante, proposta esta, que “não correspondeu a politecnia
enquanto proposta de conteúdo, a integração teoria/prática enquanto metodologia e
tampouco a revisão das condições físicas das escolas”. (KUENZER, 1988, p. 134). O
Decreto 2.208/97, que contrariando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
separou o ensino médio e o ensino técnico de nível médio, consolidando a separação,
agora com fundamentação legal, estabelecendo ao Ensino Técnico Profissionalizante
organização curricular própria e independente do ensino médio.
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Cabe neste sentido nos reportarmos a Reforma Gentili, esta se assemelhava
claramente aos propósitos do Decreto 2.208/97, e que contrapõe-se a “escola unitária”
de Gramsci cujo propósito era justamente de superar a dualidade da escola, dividida em
escola de formação humanista e de formação profissional articulando trabalho, cultura,
ciência e tecnologia.
A justificativa oficial quando da emissão do Decreto, era de que com esta
medida adotava-se o princípio democrático, uma vez que muitos alunos não se
interessavam por uma profissionalização, utilizando-se das instituições de ensino
profissional como meio de ingresso na universidade. Com a separação, o ensino técnico
seria direcionado aos que realmente necessitam de uma formação profissional e seria
oportunizada qualificação aos que se encontravam na “empregabilidade”.
Na prática, após a emissão do Decreto se formalizou um sistema paralelo de
ensino, um direcionado para a classe dominante e outro para a classe trabalhadora.
Resquícios da tradicional herança do Brasil colônia e império que atendiam as
necessidades da divisão social do trabalho ao dividir o trabalho manual e trabalho
intelectual.
Quanto a politecnia3 como conteúdo, Kuenzer (1988, p. 130) esclarece que, isto
só vem a ser efetivado “enquanto propiciar o resgate da relação entre conhecimento,
produção e relações sociais, através da apropriação do saber científico-tecnológico
através de uma perspectiva histórico-crítica, que permita a participação na vida social,
política e produtiva, enquanto cidadão e trabalhador”. A autora acrescenta:
Já não se sustentam propostas pedagógicas voltadas para uma
especialização estreita; pelo contrário, o que exige o homem moderno
é uma formação que lhe permita captar, compreender e atuar na
dinamicidade do real, enquanto sujeito político e produtivo, que,
potencialmente dirigente, deve ter consciência dos seus direitos e
deveres para transformar a sociedade civil e conhecimento científico
para dominar a natureza. (KUENZER, 1988, p. 138).
3
Politecnia, derivado de politécnico, que abrange numerosas artes ou ciências. (FERREIRA, 2002).
Não significa interdisciplinaridade, devendo ir mais além, significa uma nova forma de recorte e de
estruturação dos conteúdos, a partir dos processos de trabalho que desempenham funções sociais
relevantes para a constituição da sociedade brasileira contemporânea. Neste sentido, a politecnia
ultrapassa tanto a preparação para ocupações definidas do mercado de trabalho quanto a educação geral
baseada nas áreas do conhecimento que se explicam em si mesma, através de suas próprias estruturas
lógicas e supostamente dotadas de autonomia. (KUENZER, 1998, p. 139)
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Sobre a dialética como método, conforme a autora, deverá ser teórico/prático,
reunificando saber e processo, ciência e produção, cultura e técnica, atividade
intelectual e atividade manual, tomando o trabalho, enquanto forma de ação
transformadora da natureza e de constituição da vida social como ponto de partida.
(KUENZER, 1988, p. 130).
É nesta busca pela unidade da Escola, que nos últimos anos têm-se desenvolvido
um processo de discussão coletiva entre vários educadores, no qual se explicitaram
distintas concepções e propostas dos diversos segmentos da sociedade com o propósito
de romper com esta dualidade estrutural de “especialização estreita”.
Neste sentido surge o Decreto 5.154 emitido em 23 de julho de 2004. A
avaliação que os educadores fazem a respeito da emissão do referido Decreto é no
sentido de que, se, por um lado, revoga o Decreto 2.208/97 e restitui a possibilidade de
articulação plena do Ensino Médio com a educação profissional, mediante a oferta do
Ensino Médio integrado ao ensino técnico, por outro lado, mantêm as alternativas
anteriores que haviam sido fortalecidas e ampliadas com o Decreto 2.208/97 e nos
programas apoiados por aquele Decreto, que expressam a histórica dualidade estrutural
da educação brasileira.
Mesmo reconhecendo que os atos normativos não são suficientes para mudar a
realidade da educação, os preconizadores desta ideia, consideram este Decreto como
uma sinalização positiva para as novas perspectiva na educação técnicoprofissionalizante. Percebem contradições e recuos, típicos de uma sociedade de classes,
mas também verificam alguns avanços significativos. Dentre eles, a possibilidade de
integrar formação geral e formação técnica no ensino médio, visando como diria
Frigotto; Ciavatta e Ramos (2005, p. 43) “a formação integral do ser humano [...],
condição necessária para a travessia em direção ao ensino médio politécnico e à
superação da dualidade educacional pela superação da dualidade de classes”.
Gramsci também, ao propor a escola unitária, partiu de elementos da escola ativa
como forma de modificar a escola existente.
Ciavatta (2005, p. 17) adverte que “a adesão ao Decreto 5.154/2004 ou a
permanência do Decreto 2.208/97 depende do envolvimento dos atores sociais
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(gestores, professores e alunos), de avançar para a ruptura com todas as formas duais
que permeiam a sociedade brasileira”.
Os autores ainda acrescentam: “Ou interpretamos o decreto como um ganho
político e, também, como sinalização de mudanças pelos que não querem se identificar
com o status quo, ou será apropriado pelo conservadorismo, pelos interesses definidos
pelo mercado”. (FRIGOTTO; CIAVATTA E RAMOS, 2005, p. 27).
Neste sentido, consideramos pertinentes os questionamentos de Kuenzer sobre a
viabilidade da proposta de escola única politécnica mesmo “considerando que o
trabalho como princípio educativo corresponda à necessidade do capital de formar seus
intelectuais segundo as exigências da modernidade” e, portanto do mercado.
Até que ponto é possível viabilizar uma proposta de escola única
politécnica de 2º grau em uma sociedade perpassada pela divisão
social e técnica de trabalho enquanto fundamento da hegemonia do
capital sobre o trabalho? Como resolver esta questão em um nível do
sistema de ensino? (KUENZER, 1988, p. 148)
A autora, em resposta a seus questionamentos, considera que mesmo neste
cenário de contradição esse projeto pode tornar-se viável, considerando que por
essência a escola politécnica é uma exigência da classe trabalhadora e neste sentido
passa a satisfazer em parte as necessidades de transformação da sociedade. E
adverte que “pelo menos, estimula que se invista nele, senão enquanto projeto
imediato, pelo menos enquanto utopia, a dirigir o esforço de criação das condições
necessárias à sua viabilização”.
2.
A
INTEGRAÇÃO
ENTRE
O
ENSINO
MÉDIO
E
A
EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL: AS EXPERIÊNCIAS EM CURSO NA PARAÍBA.
Segundo informações da Coordenação do Ensino Médio da Secretaria de
Educação do Estado da Paraíba, o projeto estadual de Educação Profissional teve início
em 1997, com a elaboração do Plano Estadual de Educação Profissional oficializado em
2000, com a criação da Coordenadoria de Educação nesta modalidade de Ensino,
vinculada à Secretaria de Educação e Cultura. No entanto, só a partir de 2007 as
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experiências de integração entre o ensino médio e a educação profissional de nível
técnico em âmbito estadual iniciaram-se no estado da Paraíba.
No ano de 2009, 15 escolas efetuaram matrículas em 19 cursos de Educação
Profissional. Para 2010, estão previstas mais 06 escolas. O Estado optou, seguindo
orientações do MEC, por implantar somente a modalidade de Ensino Médio Integrado,
não matriculando na modalidade subsequente nem concomitante (SEEC-PB).
As Escolas pioneiras nesta modalidade de Ensino no Estado da Paraíba, foram:
Escola Agrotécnica do Cajueiro em Catolé do Rocha com o curso Técnico em
Agropecuária; Presidente Médici em João Pessoa, com os cursos Manutenção e
Suporte em Informática e hospedagem; o Colégio Elpídio de Almeida (Prata) em
Campina Grande incluindo o PROEJA, com os cursos: comércio; secretariado e
contabilidade.
Posteriormente, (2008) foram contempladas as Escolas: Severino Dias de
Oliveira - Mestre Sivuca – com o curso de informática e Oswaldo Pessoa em João
Pessoa, com os cursos Manutenção e suporte em informática; Hortênsio Ribeiro em
Campina Grande com o curso de informática; Nobel Vital em Coremas com o curso de
Aqüicultura. A Escola Assis Chateubriand em Lagoa Seca (assim como a Escola
Agrotécnica, já ofereciam o curso técnico nas modalidades concomitante e subsequente
há alguns anos, antes de 2007).
A expansão desta modalidade de Ensino em 2009 contemplou as Escolas: Enéas
de Carvalho em Santa Rita com o Curso de informática; Escola Maria do Carmo
Miranda em João Pessoa, com o curso de secretariado; Escola Durval Guedes em
Acaú/Pitimbu, com o curso de hospedagem; Escola Monsenhor Vicente Freitas em
Pombal e Escola José Paiva Gadelha em Sousa e Escola Francelino Alencar em
Itaporanga com o Curso Manutenção e Suporte em Informática e a Escola Pe. Emídio
Viana em Campina Grande com o curso Eventos. 4
Apara a implantação desta modalidade de Ensino foram realizados na Paraíba
alguns seminários nos quais participaram representantes da sociedade civil e de órgãos
governamentais, com o objetivo de debater mudanças na Política do Ensino Médio e da
Educação Profissional, bem como buscar sugestões para a minuta do decreto que
revogaria o Decreto nº. 2.208/1997.
4
Informações da coordenação do Ensino Médio da Secretaria Estadual de Educação e Cultura da Paraíba.
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O evento, realizado em março de 2007, contou com a participação da consultora
do Ministério da Educação e Cultura, especialista em Educação Profissional e Ensino
Médio Integrado em João Pessoa. Seminários regionais foram realizados nas cidades
pólo, Cajazeiras e Sousa.
De acordo com Frigotto e Ciavatta (2004), ao longo de 2003 foram realizados
dois seminários, o primeiro, em maio foi denominado Seminário Nacional sobre o
Ensino Médio e Educação Tecnológica, que teve como objetivo o debate das
concepções da Educação Média e Tecnológica e sua relação com a Educação
Profissional, tendo como base o aprofundamento de temas como: conhecimento,
trabalho e cultura; o segundo foi realizado em junho, denominado Seminário Nacional
de Educação Profissional-Concepções, Experiências, Problemas e Propostas, cuja
estratégia era a produção de um documento-base sobre a temática. A partir dos debates,
foi elaborado um documento intitulado Propostas de Políticas Públicas para a Educação
Profissional e Tecnológica.
No campus IV da UEPB, encontra-se em andamento um projeto de extensão
com a participação de alunos da 3ª série do Ensino Médio Integrado de uma das Escolas
pioneiras, (Escola Agrotécnica do Cajueiro), com o propósito de analisar a real
efetividade desta experiência no cenário educacional, e especificamente no estado da
Paraíba, visto que este discurso e prática se constituem como a nova ordem
institucionalizada no Ensino profissionalizante.
Num primeiro momento assumimos um processo investigativo sobre as escolas
pioneiras nesta modalidade de Ensino com alguns resultados preliminares e que nos
oportunizou uma primeira avaliação sobre a experiência na Instituição e em uma das
Escolas mencionadas (Colégio Estadual Elpídio de Almeida – Campina Grande).
5
No
segundo momento, com base nas informações obtidas, nos propusemos a promover a
articulação entre as escolas referidas no sentido de se efetivar a troca de
experiências/intercâmbio entre os alunos, com base nas constatações (possibilidades e
limites).
Os resultados e as ações propostas pretendem sinalizar caminhos para o
enfrentamento de novos desafios, desejando mudanças significativas na educação da
classe que vive do trabalho, visto que, é papel fundamental da escola a construção e a
5
Em uma das Escolas pioneiras (Presidente Médici em João Pessoa não foi possível realizarmos o
intercâmbio).
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busca constante da possível integração do mundo da cultura com o mundo do trabalho
por meio da articulação plena entre formação geral e profissional, com orientações que
levem o aluno-trabalhador à compreensão da sociedade, possibilitando-o buscar seus
direitos e cada vez mais uma educação menos desigual. Conforme Ciavatta (2005, p.
102) “a escola é uma instituição necessária, incapaz de mudar a sociedade desigual, mas
é um recurso relevante para a compreensão dos fundamentos dessa desigualdade e para
geração de uma nova institucionalidade”.
2.2. Limites e possibilidades na concretização do Currículo Integrado nas Escolas
pioneiras pesquisadas
Tomamos como referência a experiência das Escolas, Agrotécnica do Cajueiro
(idealizadora do projeto) Campus IV da UEPB e Colégio Estadual Elpídio de Almeida –
Campina Grande.
A Escola Agrotécnica atende a modalidade de ensino médio integrado com o
curso Técnico em Agropecuária, ministrado em tempo integral e organizado em três
séries anuais, os alunos têm aulas da Base Nacional Comum e das disciplinas técnicas
específicas. O curso tem a duração de 3 anos, com uma carga horária de 3.200 horas,
das quais serão acrescidas mais 400 horas para o estágio obrigatório, funciona em dois
turnos. No final do curso, será concedido o diploma com a Habilitação de Nível Médio
em Agropecuária, “com as competências e habilidades previstas no perfil do aluno”
(E.A.C., 2007), a serem desenvolvidas no decorrer de todo o processo de formação
integrada nos níveis da Educação Básica e da Educação Profissional.
A maioria dos alunos das Escolas mencionadas é do sexo masculino e apresenta
idade entre 16 e 19 anos, residem nas cidade de funcionamento dos Cursos (Catolé do
Rocha–Escola Agrotécnica; Campina Grande-Elpídio de Almeida). Em Catolé do
Rocha, a maioria são oriundos da zona rural.
Os motivos apontados pelos alunos com relação a opção pelo Ensino Médio
Integrado foram: 52% declararam que a intenção de ingressar no curso era de prepararse para ingressar no mercado de trabalho na área específica da agropecuária; 30% pela
oferta do Ensino profissionalizante. Outros declararam outros motivos tais como, a
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oferta de melhor ensino em relação às outras escolas (12%); preparar-se para o
vestibular e em atendimento ao apelo da mãe (3%) respectivamente.
Os benefícios do Curso apontados pelos alunos foram: “Bom para o ingresso no
mercado de trabalho; significa concluir o ensino médio e concluir também um ensino
técnico; o curso nos garante uma profissão; contribui para o melhoramento dos
conhecimentos nesta área; ampliação sobre as áreas que nos interessam”.
A tentativa de uma integração entre formação geral e a profissional segundo
Frigotto, Ciavatta, Ramos, (2005, p. 44):
[...] é aquela possível e necessário em uma realidade
conjunturalmente desfavorável - em que os filhos dos trabalhadores
precisam obter uma profissão ainda no nível médio, não podendo
adiar este projeto para o nível superior de ensino- mas que
potencialize mudanças para, superando-se essa conjuntura, constituirse em uma educação que contenha elementos de uma sociedade justa.
Quanto às condições estruturais do curso os alunos das duas escolas foram
unânimes em afirmar que a estrutura física necessita de melhoras. Não há investimentos
pelo estado, e locais adequados para a realização das aulas práticas.
Em termos legais o Decreto 5.154/2004 permitiu a abertura e o estímulo à
formação integrada, na prática, essa integração requer escolas bem equipadas, com boa
estrutura, laboratórios, bibliotecas, bem como professores e demais profissionais
preparados e em constante formação e, sobretudo, garantia de financiamento, pois a
falta de recursos dificulta o funcionamento dos cursos em dois turnos.
Quanto à articulação prevista no § 1º do Decreto 5.154/2004, poderá acontecer
de três formas: integrada, concomitante e subseqüente. Destaca-se, como ponto
relevante do Decreto, a forma integrada. Esse é o aspecto a ser levado em consideração
na construção dos currículos, visando a uma formação sólida de conhecimentos
científicos, integrados e inter-relacionados a conhecimentos tecnológicos.
Sobre o que os alunos sabem a respeito do Ensino Médio integrado a Educação
Profissional, ou o que significa para eles a integração curricular, estes, emitiram as
seguintes respostas: “Significa a junção/associação entre as matérias; é o ensino que
integra as matérias uma com as outras.” Outros posicionamentos que não atendem ao
questionamento formulado foram emitidos.
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Quanto a concretização do currículo Integrado nas escolas pesquisadas, a
maioria (22%), dos alunos declararam encontrar dificuldade, justificando o número de
disciplinas e a exigência de “muitas provas”. Apontaram as dificuldades enfrentadas no
curso, tais como: adaptação de horários, manhã e tarde e tempo disponível para estudar.
Quanto a Integração curricular segundo os alunos: “é boa, pois os professores não ficam
repetindo o mesmo assunto; há melhor rendimento entre as matérias”.
O ensino médio integrado ao profissional não se limita ao acréscimo de
disciplinas técnicas à grade do ensino médio, prevê uma compreensão global do
conhecimento e a promoção da interdisciplinaridade.
Para Santomé (1998) “a interdisciplinaridade é fundamentalmente um processo e
uma filosofia de trabalho que entra em ação na hora de enfrentar os problemas e
questões que preocupam em cada sociedade”. Para o autor “não existe apenas um
processo, nem uma linha rígida de ações a seguir, existe alguns passos que costumam
estar presentes em qualquer intervenção interdisciplinar.”.
Embora os professores não tenham sido contemplados neste estudo, mas como
parte integrante deste cenário6 é evidente a preocupação dos professores em “vencer os
conteúdos”, necessários para o vestibular. De maneira geral, dizem que não há um
trabalho integrado entre as disciplinas técnicas e a base nacional comum, no entanto,
reconhecem a necessidade da integração entre as várias áreas do conhecimento e da
realização de um trabalho interdisciplinar.
Embora a proposta de integração curricular objetive a implantação de uma
concepção de currículo e ensino que permita a formação profissional em nível médio e
que o aluno possa fazê-la de forma integrada ao Ensino Médio, em um mesmo
currículo, garantindo uma formação omnilateral, estão subjacentes as noções de
competência e empregabilidade com vistas à adequação do trabalhador às demandas da
chamada produção flexível, pois o currículo por competências proposto, embora
apresente uma idéia de integração, enfatiza a mobilização de saberes - competências necessárias para a resolução eficaz dos problemas surgidos no processo produtivo e para
o exercício de atividades profissionais.
Percebe-se que a implantação do ensino médio integrado visa atender ao
disposto no Decreto nº. 5.154/2004, sem uma perspectiva de confrontamento com a
6
A pesquisadora é professora da Instituição e leciona nesta modalidade de Ensino desde o início de sua
implantação.
Benedita Ferreira Arnaud
1646
Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo
Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba
pedagogia das competências e de enfretamento das forças empresariais que definem a
política da educação profissional brasileira. Essa proposta, segundo Meszáros (2005) cai
na tentação dos reparos institucionais formais, aprisionando-se no círculo vicioso
institucionalmente articulado à lógica do capital.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Diante do exposto convém ressaltar que a integração entre o ensino médio e o
ensino técnico deve pautar-se na perspectiva da escola unitária apontada por Gramsci, o
que requer uma educação geral que se torne parte inseparável da educação profissional,
e que o trabalho seja o princípio educativo na perspectiva de incorporar a dimensão
intelectual ao trabalho produtivo, para formar, na expressão de Gramsci, homens que
possam atuar como dirigentes e não apenas como dirigidos.
O estabelecimento de um processo de mudança de práticas organizacionais,
pedagógicas e, principalmente, de concepção de currículo e ensino, que, por sua vez,
demandam recursos financeiros. O mais importante, porém, é o fortalecimento dos
fundamentos teóricos e metodológicos que defendem a articulação entre a formação
geral e a formação técnica e que proporcione aos jovens a possibilidade de lutar pelos
espaços no mundo do trabalho.
A integração curricular passa a ser um desafio político-pedagógico, deve ser um
exercício diário e requer por parte da escola compreensão dos seus fundamentos
teóricos. É preciso acima de tudo superar a visão fragmentada e pensar cada disciplina
na relação com as outras. Nas Escolas tidas como referência a integração curricular
entre as diversas disciplinas é pequena, os professores têm consciência de que as
disciplinas devem se complementar, porém são apegados ao seu conteúdo, sentem-se
comprometidos com o vestibular e com a empregabilidade e muitas vezes isolam suas
disciplinas para não perder tempo.
Ainda não há elementos que possam permitir uma análise aprofundada sobre as
experiências apresentadas, no entanto, acreditamos que o que foi apresentado servirá
como subsídios aos órgãos oficiais, quais sejam: Secretaria de Educação do Estado,
UEPB, e instâncias formadoras de políticas educacionais nesta modalidade de Ensino,
no sentido de possibilitar a melhoria do Curso modalidade Ensino Médio Integrado no
sentido de sanar dificuldades e fortalecer pontos fortes.
Benedita Ferreira Arnaud
1647
Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo
Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba
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art. 39 a 41 da Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e
dá outras providências. In.: _____ Educação Profissional e Tecnológica: Legislação
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SOARES, Rosemary Dore. Gramsci, o Estado e a escola. Ijuí: Unijuí, 2001.
Benedita Ferreira Arnaud
1648
Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo
Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba
TUMULO, Sérgio Paulo. O trabalho na forma social do capital e o trabalho como
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239-265, jan./abr. 2005. Disponível em http://.cedes.unicamp.br. Acesso em: 18/02/07.
Benedita Ferreira Arnaud
1649
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
EDUCAÇÃO E MÍDIA:
ESPAÇOS HEGEMÔNICOS, ESPAÇOS DE
SABER E COMPLEMENTARIEDADE
Betânia Moreira dos Santos
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
EDUCAÇÃO E MÍDIA:
ESPAÇOS HEGEMÔNICOS, ESPAÇOS DE SABER E
COMPLEMENTARIDADE
Betânia Moreira dos Santos1
RESUMO: Este artigo objetiva discutir o conceito gramsciano de hegemonia, na
perspectiva cultural, ante a dualidade: domínio/emancipação dos meios de comunicação
de massa, com foco na mídia televisiva. Aponta caminhos para a superação dessa
dicotomia e vislumbra uma dimensão educativa, enquanto assinala alguns problemas
que a educação deve superar, no sentido da desmistificação do uso ideológico da mídia
pela classe que detém os meios de comunicação de massa: a classe dirigente. A temática
é analisada à luz da vertente marxista, neomarxista e crítica, e conclui-se com o
pragmatismo de Dewey. Reflete sobre questões que devem ser levadas em conta na
pesquisa científica, ainda que não tenha a pretensão de ser uma descrição acurada do
estado da arte na área.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Crítica. Emancipação. Hegemonia.
comunicação de massa. Sociedade.
Meios de
Platão perguntou: como é possível que saibamos tanto, com tão pouca
informação. E Orwell parafraseou – Como é possível que saibamos tão
pouco, com tanta informação. Pois toda esta informação é como areia nos
olhos, nos impede de ver e de saber. (CHOMSKY citado por GARCIA,
1996)2
1 INTRODUÇÃO
Os primeiros esforços dedicados a compreensão sobre o conflito
existente entre Escola e Meios de Comunicação de Massa, vêm, no nosso caso, desde
1
Pedagoga. Especialista em Gestão e Planejamento do Ensino e Aprendizagem. Mestre em Educação
pela Universidade Federal da Paraíba.
2
Entrevista concedida às professoras Regina Leite Garcia e Célia Linhares no Massachusetts Institute of
Tecnology (MIT, Boston).
Betânia Moreira dos Santos
1653
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
1999. Assim, já nessa época, tentávamos, em pesquisas relacionadas à mídia, entender o
desafio que os meios de comunicação3 têm representado para a Escola, assinalando que
a compreensão desses meios é importante não só para a Escola, mas para a sociedade
em geral. É importante para a cultura, para a Educação e para a comunicação porque
representa uma problemática típica do mundo contemporâneo.
De acordo com Don DeLillo (1987, p. 69), autor do romance Ruído
branco, "para a maioria das pessoas, só existem dois lugares no mundo: o lugar onde
elas vivem e a televisão". A frase da personagem sintetiza a presença da mídia – que a
televisão simboliza, na qualidade de meio dominante – no mundo contemporâneo.
Estamos tão imersos no discurso midiático que, muitas vezes, nem
percebemos a extensão de sua presença. Mas, quando paramos para refletir, verificamos
que o impacto da mídia é perceptível em todas as esferas de nossa vida cotidiana. Já o
advento da imprensa diária, no século XVIII, fez da leitura dos jornais um novo ritual,
sobretudo para as camadas urbanas mais cultas. No século XX, o rádio e, em seguida, a
televisão alteraram toda nossa gestão do tempo, seja pelo surgimento da simultaneidade
da informação, seja pela adequação da rotina à emissão dos programas. Na virada para o
século XXI, nas sociedades urbanas, o consumo de mídia era uma das duas maiores
categorias de dispêndio de tempo, atrás apenas do trabalho (CASTELLS, 1999, p. 358).
Ainda mais significativa do que o aumento do tempo dedicado ao
consumo da mídia é a ampliação exponencial da quantidade de informações de que cada
indivíduo dispõe, para além de seu círculo de convívio direto. Hoje, estamos expostos a
todo tipo de informação: fatos da economia e da política, publicidade comercial,
fofocas, notícias de divulgação científica – em uma quantidade antes inimaginável.
Segundo Douglas Kellner 4 (2001), as tecnologias, como a mídia, por exemplo, estão
3
Termos derivados da Comunicação; Mídia e Meio são geralmente confundidos pelas pessoas que não
tem informação na área. Segundo o Panopticon (e-zine mensal aliado a um portal com notícias diárias),
Mídia é o plural e Meio é o singular. Por exemplo: a televisão é um meio de massa, enquanto televisão,
jornais, rádio, World Wide Web, etc, formam a mídia de massas. Meio é um tipo de canal ou
comunicação entre duas pessoas ou mais. Meio de massa é quando esse tipo de comunicação envolve
muitas pessoas. E quando essa comunicação é feita por um conjunto de meios, temos a mídia de massas.
4
Douglas Kellner: Teórico americano dos Estudos da Cultura e autor de livros também reveladores sobre
o estreitamento das relações entre a indústria fonográfica de Hollywood e a classe dominante norteamericana em tempos de crise política e social. Seus livros, como Cultura da Mídia e Câmera Política
dissecam o modo como o governo americano sempre se utiliza de produções de Hollywood para
mobilizar a opinião pública a apoiar futuras decisões de sua política, tanto na esfera nacional quanto no
Betânia Moreira dos Santos
1654
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
criando grandes mudanças sociais e exaltando, ao extremo o beneficio da sociedade
comunicacional, onde se supõe que os indivíduos consigam informações e
entretenimento a seu dispor, insiram-se em novas situações interativas e até mesmo
criem novas identidades (cultura mídiática). Por outro lado, ele argumenta que sua
realidade enquanto integrante das mais avançadas forças de produção cria uma nova
sociedade capitalista global – sociedade do consumo – a qual pode reforçar as relações
capitalistas de produção e hegemonia. Contraditoriamente, essas tecnologias também
contêm potencial para democratizar, humanizar e transformar as desigualdades
existentes no domínio de classe, raça e gênero. Diante disso Kellner (2001) afirma:
Como a maioria das tecnologias, estas podem ser usadas como instrumentos
de domínio ou de emancipação, podem fortalecer os trabalhadores ou podem
ser usadas pelo capital como poderosos instrumentos de dominação.
2 OPERACIONALIZANDO CONCEITOS...
Aqui resgataremos o conceito de hegemonia uma vez que também está
presente no cotidiano das pessoas, verificando-se igualmente na cultura. Inicialmente
empregado por Lênin, com relação à função dirigente da classe operária, na "Revolução
Democrático-Burguesa", em 1905, o conceito de hegemonia foi, mais tarde, (re)
elaborado por Gramsci (1991, p. 28), que o configurou como processo permeado pelo
consenso e a orientação cultural nos quais não prevalece o uso da coerção, da força ou
da ingerência "[...] legislativa e estatal ou policial". O conceito gramsciano de
hegemonia é um ponto de partida no entendimento de que o sentido não é imposto, mas
negociado. Esclarece, ainda, a instância a partir da qual se dá o exercício da hegemonia,
ao salientar a existência de dois patamares superestruturais: "sociedade civil", conjunto
âmbito de sua política externa. Recomendamos, como aprofundamento desse estudo, o livro Cultura da
Mídia, lançado no Brasil pela EDUSC.
Betânia Moreira dos Santos
1655
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
formado pelos organismos denominados privados, e "sociedade política ou Estado".
Ambos "[...] correspondem à função de 'hegemonia' que o grupo dominante exerce em
toda sociedade e àquela de 'domínio direto' ou de comando que se expressa no Estado e
no governo 'jurídico'. Tais funções configuram-se organizativas e conectivas" (Gramsci,
1995, p. 10-11).
A hegemonia, não se restringindo aos limites da nação, caracteriza-se
obrigatoriamente por uma ação pedagógica possuidora, em seu princípio teórico-prático,
de valor gnoseológico. Isso porque a concretização de um "[...] aparato hegemônico,
enquanto cria um novo terreno ideológico, determina uma reforma das consciências e
dos métodos de conhecimento, é um fato de conhecimento, um fato filosófico"
(Gramsci, 1991, p. 52).
A capacidade de conhecimento crítico de si mesmo é alcançada a partir
de entrechoques de "hegemonias" diferenciadas inicialmente no campo da ética e,
posteriormente, no da política, "[...] atingindo, finalmente, uma elaboração superior da
própria concepção do real". Dessa forma, o progresso do conceito político de
hegemonia não se circunscreve somente ao aperfeiçoamento político-prático, mas
significa, ainda, um avanço no terreno filosófico, já que envolve "[...] uma unidade
intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso comum e
tornou-se crítica, mesmo que dentro dos limites ainda restritos" (ib. idem p. 21).
Martín Barbero (1884, p. 84-85) levanta a questão da hegemonia,
apontando o caminho que conduz o interesse das ciências sociais críticas pela obra de
Gramsci:
Está, em primeiro lugar, o conceito de hegemonia elaborado por Gramsci,
fazendo possível pensar o processo de dominação social já não como
imposição desde um exterior e sem sujeitos, senão como um processo em que
uma classe hegemoniza na medida em que representa interesses que também
reconhecem de alguma maneira como seus as classes subalternas. E ‘na
medida’ significa aqui que não há hegemonia, senão que ela se faz e desfaz
permanentemente em um ‘processo vivido’, feito não só de força, senão
também de sentido, de apropriação do sentido pelo poder, de sedução e de
cumplicidade.
Esse conceito chave, tanto difunde ideologia para a classe que não é a
dirigente, como é a responsável pela "estrutura ideológica" da classe dirigente, que
Betânia Moreira dos Santos
1656
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
inclui também os meios de comunicação e outros instrumentos que possam influenciar a
“opinião pública".
Só que as ações hegemônicas não são tão uniformes quanto possa
parecer. Hegemonia é também a capacidade de assimilar traços de outras culturas, sejam
elas populares, locais ou alternativas em geral. A cultura hegemônica acaba
incorporando os traços dessas outras culturas. Esse processo de assimilação é um dos
responsáveis pela constante identificação que os produtos das “Indústrias Culturais” 5
obtêm junto ao público. No jogo das mediações, cria-se e recria-se a hegemonia
cultural.
O conceito de hegemonia serve para descobrir-se que a cultura massiva
abriga, em seu interior, manifestações culturais populares, tradicionais e locais. A
televisão por vezes colabora firmemente, através da divulgação, para que um
determinado evento de origem popular obtenha sucesso, ou para que culturas nãohegemônicas encontrem possibilidade de divulgação e, a partir daí, de melhor
compreensão. A telenovela "Explode Coração", exibida entre 1995/6, pela Rede Globo
de Televisão, no horário das 20 horas e 40 minutos, desempenhou um papel muito
relevante na divulgação da cultura cigana, como admitem os próprios ciganos.
Com base no exposto, e identificando-se a comunicação como produtora
de cultura, pode-se classificar a produção cultural dos meios de comunicação,
notadamente a mídia televisiva, como não somente ataque ao que haveria de mais puro,
mas também de incorporação dos valores culturais populares.
3 ...QUE SE ARTICULAM EM BUSCA DA COMPREENSÃO DOS ESPAÇOS DE
DUALIDADE DA MÍDIA...
5
Adorno & Horkheimer (1985), em “Dialética do Esclarecimento”, usaram o conceito “indústria
cultural”, em lugar de “cultura de massas”, uma vez que esse último pode levar a uma idéia equivocada
de uma cultura espontaneamente popular. Já o conceito de indústria cultural significa uma forma de
mercantilização da cultura de forma vertical, autoritária, que procura adaptar as mercadorias culturais às
massas e as massas a essas mercadorias. Cabe lembrar também que a categoria “massas” significa a
homogeneização das classes sociais; o processo de massificação atinge todas as classes. Dessa forma, por
exemplo, tanto indivíduos das classes mais altas quando das classes mais baixas são seduzidos pela
indústria cultural. Com a indústria cultural, essas classes, objetivamente, se mostram distantes, mas,
subjetivamente, se apresentam muito próximas.
Betânia Moreira dos Santos
1657
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
De acordo com Adorno e Horkheimer (1985, p. 114), fundadores da
Escola de Frankfurt (Teoria Crítica):
O terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder
que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A
racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o
caráter compulsivo da sociedade alienada em si mesma.
Segundo esse paradigma teórico, a mídia enquanto técnica está inserida
na lógica da racionalidade enquanto dominação. Para esses autores, é difícil escapar
dessa racionalidade instrumental, técnica, onde os meios estão acima dos fins. Os
neomarxistas, por sua vez, não são menos pessimistas. Chesneaux (1995), analisando as
tecnologias que compõem a mídia sob a ótica da modernidade-mundo pensa que as
mesmas guardam uma estreita associação com o poder político e o lucro capitalista.
Chomsky (1998) julga que a mídia fabrica o consenso. Se você, como diz
Chomsky, não pode forçar as pessoas a obedecerem a um regime à força (como fazia a
ex União Soviética e outras ditaduras no mundo), então você lança mão de propagandas
que garantam que as pessoas concordarão com a ordem que os grupos estão impondo à
sociedade.
Ao analisar as tecnologias de comunicação e informação, Ilan Gur-Ze'ev
(2000) as coloca num âmbito de limitações e de possibilidades. Tanto como uma
máquina de prazer pós-moderna que visa à reprodução da dominação capitalista em sua
fase globalizada e auto-controlada, como a possibilidade do imprevisível e do
incontrolável. Essa possibilidade faz com que os sujeitos ressuscitem o que é esquecido
ou desconstruído pelo meio: o eros, a reflexão, a transcendência e a ética em um diálogo
historicamente situado.
Segundo ele (2000):
O diálogo é o campo em que a luta pela reflexão como possibilidade aberta
pode acontecer. Dentro dele, a alteridade do Outro - "interno" ou "externo" como uma reflexão do infinito e abertura ao ser permite a realização da
transcendência no exato momento. A Utopia negativa como uma busca
positiva combate em circunstâncias concretas e abre a possibilidade de um
momento especial de intersubjetividade não-violenta. Essa intersubjetividade
não-violenta envolve reconhecer a diferença, a diferença total e, portanto, é
um combate, não uma celebração de machos brancos, racionais e de classes
dominantes como é usualmente concebida no Esclarecimento tradicional. Eis
porque a contra-educação só pode atuar dentro dos horizontes de um diálogo.
Betânia Moreira dos Santos
1658
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
Ele ainda adverte que a realização do “espírito crítico” não está
garantida, dado que "o sujeito assim como o diálogo não são hoje mais do que uma
Utopia" (ib.idem).
Diante disso, a relação entre a Educação e Mídia está no limite do
atentado contra a existência do ser humano enquanto sujeito, como nos diz Ilan GurZe'ev: um ser com dor, sentimentos, paixões e eros. E para emancipar essa realidade da
opressão capitalista a educação pode vir a ter um papel estratégico, já que no atual
processo civilizatório a tecnologia se apresenta como muito sedutoramente. Como
conseguiremos, então nos emancipar?
4 ...E QUE APONTAM CAMINHOS PARA SUPERAÇÃO DA CONTRADIÇÃO E
PARA CONSTRUÇÃO DE NOVOS SABERES.
A perspectiva da utilização dos meios de comunicação de forma políticopedagógica crítica ainda é utopia na formação docente. Ao invés disso, sua utilização
ainda é reacionária/conservadora para a grande maioria da população, tendo em vista a
incipiência e o descomprometimento dos educadores com a democracia desses meios. E
ainda, a péssima remuneração dos professores, suas duvidosas formações, políticas
públicas em desencontro com a educação são também indícios de que esse fenômeno do
descomprometimento com a educação não é um fenômeno típico regional, mas um
fenômeno nacional.
Gramsci também salientava esse descomprometimento "amesquinhado"
dos educadores:
É este o fundamento da escola elementar; que ele tenha dado todos os seus
frutos, que no corpo de professores tenha existido a consciência de seu dever
e do conteúdo filosófico deste dever, é um outro problema, ligado à crítica do
grau de consciência civil de toda uma nação, da qual o corpo docente é tãosomente uma expressão, ainda que amesquinhada, e não certamente uma
vanguarda (1995, p.131).
Tendo em vista a superação da dualidade do ato educativo, não
compactuamos com a visão pessimista nem catastrofista de filosofia da história.
Concordamos com Castells (1999, p. 437) quando afirma:
Betânia Moreira dos Santos
1659
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
O sonho do Iluminismo está a nosso alcance. Todavia, há enorme defasagem
entre nosso desenvolvimento tecnológico e o subdesenvolvimento social.
Nossa economia, sociedade e cultura são construídas com base em interesses,
valores, instituições e sistemas de representação que, em termos gerais,
limitam a criatividade coletiva, confiscam a tecnologia da informação e
desviam nossa energia para o confronto auto-destrutivo. Essa situação não é
definitiva. Não há mal eterno na natureza humana. Não existe nada que não
possa ser mudado por ação social consciente e intencional, munida de
informação e apoiada na legitimidade.
E essa ação consciente e intencional, para Kellner (2001) estaria na
educação. Para ele, nesse período de dramáticas mudanças tecnológicas e sociais, a
educação precisa cultivar uma variedade de novos tipos de alfabetizações 6 para tornar a
educação relevante às demandas de um novo milênio. Assim ele afirma:
Tenho como pressuposto que as novas tecnologias estão alterando todos
aspectos de nossa sociedade e cultura e que precisamos compreendê-las e
utilizá-las tanto para entender quanto para transformar nossos mundos. Meu
objetivo é introduzir novas alfabetizações para dar força a indivíduos e
grupos que tradicionalmente têm sido excluídos e, desse modo, reconstruir a
educação tornando-a capaz de reagir melhor frente aos desafios de uma
sociedade democrática e multicultural.
No entanto, a despeito da ubiqüidade da cultura midiática na sociedade
contemporânea e na vida de todos os dias, ele argumenta que até agora nada se fez ou se
desenvolveu a respeito da educação midiática no sistema escolar. Para Kellner, fazer
alfabetização crítica da mídia seria um projeto que estimularia a participação e o
trabalho conjunto de pais, filhos, educadores. Ele cita como exemplo o assistir a shows
de televisão ou a filmes juntos. Isso poderia promover discussões produtivas entre os
assistentes, aguçando-lhes a percepção e a crítica do que está "por trás" do texto
mediático.
Para Kellner (2001):
A alfabetização midiática, assim, envolve o desenvolvimento de concepções
interpretativas e críticas. Engajar-se no levantamento e avaliação de textos
midiáticos é particularmente desafiador e abarca uma discussão cuidadosa de
critérios críticos especificamente morais, pedagógicos, políticos ou estéticos.
6
Aqui se refere a uma extensão diferenciada de alfabetizações sociais e culturais, que vão desde a
alfabetização tecnológica até a eco-alfabetização e a alfabetização econômica e financeira.
Betânia Moreira dos Santos
1660
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
E mais adiante:
Mas a alfabetização midiática crítica envolve ocupar uma posição acima da
dicotomia de protetor e censor. Pode-se ensinar como a cultura midiática
fornece afirmativas ou insights significativos sobre o mundo social,
fortalecendo visões de gênero, raça e classe ou estruturas e práticas estéticas
complexas, girando a um ponto positivo sobre como trazer contribuições
importantes à educação. No entanto, deve-se indicar também como a cultura
midiática pode estimular o sexismo, o racismo, o etnocentrismo, a homofobia
e outras formas de preconceitos, numa abordagem dialética ao mostrar como
a mídia pode trazer falsas informações, ideologias problemáticas e valores
questionáveis.
Citando as idéias de Freire e Macedo (2002), argumentamos que a
pedagogia crítica compreende as habilidades, tanto de ler a palavra, quanto de ler o
mundo. Por isso, as alfabetizações múltiplas, dentre outras, devem incluir a mídia, e
uma variedade de outras competências que nos possibilitam a viver bem em nossos
mundos sociais.
A guisa de conclusão recorremos novamente a Kellner (2001), nos
seguintes termos:
De maneira mais enfática, é tempo de assumir a atitude de Dewey de
experimentação pragmática de ver o que as novas tecnologias podem e não
podem fazer para ver se podem intensificar a educação. Mas também teremos
que suplantar o exagero, mantendo uma atitude e uma pedagogia crítica
enquanto continuamos a combinar a alfabetização e os conteúdos clássicos
com as novas alfabetizações e conteúdos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos que deixamos de lado o aprofundamento dos porquês que
ocorrem essa dualidade ou mesmo diferenças e procuramos seguir o bom senso, afinal,
é bom senso não ser extremista – ou giz ou tecnologias. Pensamos que um discurso
contra os meios de comunicação de massa é deveras improdutivo para o sistema
educativo que vislumbre uma perspectiva emancipatória. Então, como educar para
emancipar numa sociedade autoritária que usa a mídia, para fabricar novos consensos e
impor o totalitarismo ocidental?
O cinema é considerado arte. Existe até o cinema comercial, mas que
também é cinema arte. A televisão ainda não. Para os visionários maniqueístas, a
Betânia Moreira dos Santos
1661
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
comunicação da TV ainda é considerada puro comércio e não tem nada a ver com
cultura. Trata-se de uma mercadoria vulgar, que só pode ser combatida, que não merece
nem ser compreendida, porque seus proprietários têm muito lucro, considerado o
verdadeiro estigma que cerca a indústria cultural.
A Escola conseqüente do nosso processo civilizatório já incutiu neles que
a mídia televisiva é um mal a ser evitado, aparecendo aí nitidamente à primeira parte de
um trabalho diretamente relacionado com a prática pedagógica do professor, pois é a
Escola que está formando os alunos nessa atitude de recusa de um meio formadora de
cultura, ao invés de procurar conhecê-la para poder criticá-la. Mas o que acontece nas
instituições formadoras?
A incompreensão e a intolerância transparecem quando o trabalho
pedagógico é descompromissado para com a comunicação televisiva, seja de
entretenimento, seja de informação. Também estamos formando alunos com uma
profunda incompreensão e um profundo desconhecimento dessa “Indústria Cultural”.
Como não conhecem essa realidade, qualquer produtor, qualquer secretário de Redação,
qualquer editor pode fazer a cabeça do recém egresso. Se ele conhecesse essa mídia,
poderia discutir, argumentar e até alterar. Só se pode mudar a partir de um
conhecimento profundo dessa realidade que é simples apenas na aparência.
Minha proposta é superar a dicotomia Escola/Meios de Comunicação de
Massa, porque os meios de comunicação de massa não são os únicos inimigos das
classes trabalhadoras e da sociedade brasileira. Eles reforçam uma dominação que
começa na fábrica, no escritório, na Escola, na família, na Universidade. Eles são
coadjuvantes importantes, mas são coadjuvantes. A dominação já existe na sociedade,
mas eles são realmente um esforço e um impulso muito grandes.
Em última instância recorremos a Silva (1980, p.45) para reafirmarmos a
hegemonia das classes dominantes que detém os meios de comunicação de massa: “[...]
que o produto simbólico veiculado pelos meios de comunicação de massa apresenta
hegemonia ideológica burguesa, [...] ele está constantemente a distorcer a realidade e a
tentar legitimar a ordem vigente e a ideologia dominante”.
Acreditamos que isso não pode ser discutido, posto que é evidente. O que
se faz urgente discutir é o nível dessa hegemonia, uma vez que fica difícil ignorar os
meios de comunicação de massa quando eles atingem a opinião pública. Portanto, nosso
Betânia Moreira dos Santos
1662
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
convite é para que a Escola aprenda a decifrar esses meios e a colocá-los a serviço de
uma outra educação e de uma outra televisão. É preciso educar os alunos para não
aceitarem esta televisão que aí está, porque esta não é a televisão. Mas é preciso antes
estudar e conhecer os meios de comunicação de massa, aprender a interpretar suas
mensagens na busca do sujeito autônomo e transformador do status-quo. Não
garantimos que a educação voltada para desenvolver a competência da democracia e uso
crítico dos meios irá criar um indivíduo melhor, como queriam Rousseau e Dewey.
Contudo, ninguém garante que o contrário não ocorra.
6 REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de
Janeiro: Zahar Editor, 1994.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra. 1999.
CHESNEAUX, Jean. Modernidade-Mundo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1995.
DELILLO, D. Ruído branco. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
FREIRE, Paulo & MACEDO, Donaldo. Alfabetização: Leitura do Mundo, Leitura da
Palavra. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2002.
GRAMSCI, Antonio. Cartas do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
_____________. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1995.
GUR-ZE'EV, Ilan. Critical Education in Cyberspace? Australia: Educational
Philosophy and Theory, Volume 32, Number 2, Issue Jul 2000 (tradução de NewtonRamos-de Oliveira). Disponível em: <http://www.revistaconecta.com> Acessado em:
20 mar 2009.
KELLNER, Douglas. Marxismo e a Supervia da Informação. Texto traduzido por
Newton Ramos-de-Oliveira, Pesquisador do Grupo "Teoria Crítica e Educação", núcleo
de S. Carlos (Unesp/Ufscar/CNPq). O original, em Inglês, está no site:
< http://www.gseis.ucla.edu/courses/ed253a/dk/MARINFO.htm >
_____________. Novas tecnologias: novas alfabetizações. Texto não publicado e
traduzido por Newton Ramos-de-Oliveira, Pesquisador do Grupo "Teoria Crítica e
Educação", núcleo de S. Carlos (Unesp/Ufscar/CNPq).
MARTÍN-BARBERO, Jesús. De los medios a las mediaciones: comunicación, cultura
y hegemonia. México : Gustavo Gilli, l987.
Betânia Moreira dos Santos
1663
Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade
SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Cultura de Massa e Cultura Popular: Questões Para
um Debate. (In) Comunicação e classes subalternas. (Org) José Marques de Melo. São
Paulo: Cortez Editora, 1980.
Betânia Moreira dos Santos
1664
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
OS ARTEFATOS COMPUTACIONAIS NAS
POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM SALA DE AULA
Célia Regina Fortes da Silva
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
OS ARTEFATOS COMPUTACIONAIS NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM
SALA DE AULA1
Célia Regina Fortes da Silva2
RESUMO: Esse artigo estabelece uma visão histórica-crítica sobre a relação das
políticas de educação tecnológica e a produção dos saberes docentes diante do uso em
sala de aula, de artefatos computacionais. Cenário este, embora com dois decênios,
intensificado nos últimos anos em decorrência da disseminação de várias formas
econômicas e pedagógicas de se atingir a cultura escolar, tendo como base o paradigma
tecnoinformacional. Diante do fato, fundamenta-se o diálogo textual com Barreto (2004,
2009), Tura (2005), Tardif (2002, 2008) e documentos legais que orientam a inserção
das tecnologias no currículo escolar. Constata-se que a contracultura à Tecnologia na
cultura escolar encaminha a reprodução de velhas práticas educativas. Que o
engajamento ocorre de forma híbrida, com as características de cada escola, com sinais
hegemônicos de uma prática interescolar. Por fim, que a expansão dos artefatos
computacionais nas escolas provoca o repensar a descentralização do saber elaborado, a
aprendizagem como parte do processo de mudança social e a posição do professor no
currículo escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas
Computacionais, Saberes Docentes.
Educacionais
e
de
Tecnologias,
Artefatos
O Contexto pela Hegemonia Pensada na Política Educacional
Em cumprimento ao que orienta a Constituição Federal de 1988, a última Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9394, do Conselho Nacional de
Educação promulgada em 1996, promoveu o reordenamento dos sistemas de ensino do
país e orienta a educação escolar e suas tecnologias. A educação escolar por meio do
ensino em instituições próprias e seu vínculo ao mundo do trabalho e à prática social,
tem o seu papel definido por Brzezinski (2000, p. 153), como um indicativo de
qualidade, ao considerá-la como:
1
O presente trabalho apresenta algumas das idéias discutidas no projeto de dissertação intitulado “Uma
análise das práticas docentes de matemática com o uso de artefatos computacionais” que está sendo
atualmente desenvolvido pela primeira autora sob a orientação da segunda autora.
2
Bacharel e Licenciada em - UFPE. Especialista em Ciência da Computação - CIN/UFPE.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática - PPGEC – DEd UFRPE.
Célia Regina Fortes da Silva
1668
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
[...] essencial na aquisição de conhecimento e é requisito necessário para
prover o homem de condições de participação na vida social, permitindo-lhe
o acesso à cultura, ao trabalho, ao progresso, à cidadania na atual fase de
desenvolvimento da sociedade da informação e do conhecimento emergente
no contexto da revolução tecnológica e da globalização do capital e do
trabalho.
Considera-se, portanto, neste artigo, que estamos diante de questões da tradição
pedagógica em suas diversas formas e, a inovação na cultura tecnológica, pensada no
professor como produtor de saberes na prática docente. Isso representa um conflito na
educação, uma vez que se reconhece o professor como produtor de conhecimento na
prática. Ainda, destacam-se os projetos federais e locais de tecnologia como
orientadores de uma prática com os artefatos computacionais, como exemplo o
PROINFO, diante da diversidade de compreensões conforme a cultura de cada docente
e da comunidade escolar.
Em documento oficial, as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (OCN, 2006, v.2, p. 5), o Ministério da Educação e Cultura - MEC define que:
A qualidade da escola é condição essencial de inclusão e democratização das
oportunidades no Brasil, e o desafio de oferecer uma educação básica de
qualidade para a inserção do aluno, o desenvolvimento do país e a
consolidação da cidadania é tarefa de todos.
A mesma orientação propõe que:
A institucionalização do ensino médio integrado à educação profissional
rompeu com a dualidade que historicamente separou os estudos preparatórios
para a educação superior da formação profissional no Brasil e deverá
contribuir com a melhoria da qualidade nessa etapa final da educação básica.
(ibidem)
Esses posicionamentos refletem a preocupação das autoridades educacionais em
elevar os patamares de qualidade de ensino, de forma a atender aos anseios da sociedade
contemporânea e a superar os índices do Sistema de Avaliação da Educação Básica –
SAEB, Programa de Avaliação do MEC, censo 2006, em publicações do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (2008).
Em 2008, o MEC lançou um Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
com o objetivo de alcançar uma educação básica de qualidade que reduza as
desigualdades sociais e regionais e se traduza na equalização das oportunidades de
Célia Regina Fortes da Silva
1669
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
acesso a essa educação (2008, p. 6), com a valorização do profissional do ensino, numa
ampla discussão em sociedade.
A primeira dimensão é uma retrospectiva histórica das visões políticas e
educacionais da escola, com uma abordagem de sua função ao longo da sua atuação na
sociedade diante das mudanças tecnológicas na ação docente.
A outra dimensão é o debate sobre a formação docente para a atualidade, no qual
se exige um profissional que construa as habilidades e competências necessárias a sua
atuação neste tempo, analisando sua própria prática em terreno de contínuas mudanças
pedagógicas intensificadas pelo uso dos artefatos computacionais.
A última dimensão do estudo é a inserção do debate político e educacional sobre
as tecnologias informatizadas na educação escolar, a ser discutida com o foco sobre os
desafios dos artefatos computacionais na prática docente e da cibercultura.
O uso de tecnologias como recurso didático
Falar de tecnologias remete a uma breve análise do impacto das novas
tecnologias na vida cotidiana da humanidade, provocando efeitos positivos e negativos.
Como nos diz Dias Sobrinho (2005, p. 46),
As novas tecnologias de alguma forma alteraram os limites espaciais,
mudaram os modos de organização econômica, estenderam e potencializaram
as formas de relações humanas, enfim, transformaram as tradicionais
percepções do mundo e as maneiras de agir sobre ele.
Os avanços nas pesquisas e nas realizações científicas e tecnológicas fazem parte
da cultura informática das sociedades, sendo divulgados em todos os segmentos de
estudos, seja tecnológico ou biológico, seja em segurança ou medicina. Seja em
qualquer área do conhecimento, promove opiniões divergentes quando o olhar volta-se
às diferenças e aos problemas mundiais.
Em específico, na matemática científica, as contribuições para a humanidade são
relevantes, mas Borba (2006, p. 10) faz uma pequena discussão acerca da forma
contundente em que D’Ambrósio mostra o “estado da Matemática acadêmica, que é
desenvolvida enquanto pesquisa, por um lado, e as salas de aula do ensino fundamental,
do ensino médio e do ensino universitário, por outro”. Esse é um aspecto relevante para
Célia Regina Fortes da Silva
1670
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
refletir a formação docente para o ensino na Educação Básica, notadamente no ensino
da matemática.
Outro fator que merece atenção é a tecnologia que entra na escola. Esta deveria
ser utilizada de forma educacional, a serviço da educação e não como modismo, que
atenda as exigências docentes e pedagógicas. Usar a tecnologia não individualmente,
mas colaborativa, interativa e dialogicamente, em grupo(s) de aprendizagem em torno
de um saber. Aprendendo a ser crítico, e a conviver com as contradições no convívio
escolar, e nas investigações do processo de ensino e de aprendizagem.
As políticas públicas, após a promulgação da LDBEN 9394/96 que em seu art.
39 determina que “a educação profissional e tecnológica, integra-se aos diferentes níveis
e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia”,
incentivam o uso das tecnologias através dos PCN, e das OCN, mas sem que haja uma
orientação pedagógica de como usá-las, com que finalidades e objetivos didáticos.
Os PCN (1997, p. 34) de 1ª a 4ª série alertam para “[...] o fato de, neste final de
século, estar emergindo um conhecimento por simulação, típico da cultura informática,
faz com que o computador seja também visto como um recurso didático cada dia mais
indispensável. (grifo nosso)
O grifo nosso objetiva destacar a visão de possibilidade de recurso didático do
computador no âmbito da Educação. Realmente é um desafio para a escola, usar o
computador a serviço da educação como um recurso didático informático, que cumpra
as premissas de promover uma aprendizagem construtiva ao educando, numa cultura
informática e numa concepção de ensino sócio-construtivista. Ainda nessa perspectiva
os PCN (1997, p. 35) complementam que,
Tudo indica que seu caráter lógico-matemático pode ser um grande aliado do
desenvolvimento cognitivo dos alunos, principalmente na medida em que ele
permite um trabalho que obedece a distintos ritmos de aprendizagem. (grifo
nosso)
Isso traz como necessidade a incorporação de estudos nessa área, tanto na
formação inicial como na formação continuada do professor do ensino
fundamental, seja para poder usar amplamente suas possibilidades ou para
conhecer e analisar softwares educacionais.
Quanto aos softwares educacionais é fundamental que o professor aprenda a
escolhê-los em função dos objetivos que pretende atingir e de sua própria
concepção de conhecimento e de aprendizagem, distinguindo os que se
prestam mais a um trabalho dirigido para testar conhecimentos dos que
procuram levar o aluno a interagir com o programa de forma a construir
conhecimento. (grifo nosso)
Célia Regina Fortes da Silva
1671
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
O grifo nas citações visa chamar a atenção ao caráter de cautela e incerteza
quando faz referência que o computador “pode ser um grande aliado ao
desenvolvimento cognitivo dos alunos”, bem como a responsabilidade do professor pela
escolha do software educacional a ser utilizado em sala de aula, baseado em “sua
própria concepção de conhecimento e de aprendizagem”, para testar ou construir
conhecimento.
Escolha esta calcada em sua experiência e conhecimento no uso de softwares
educativos, bem como nas transformações do saber a serem realizadas para torná-lo
compreensível aos educandos.
Os PCN (1998, p. 44-45) em particular de Matemática, de 5ª a 8ª série ainda
complementa que:
As experiências escolares com o computador também têm mostrado que seu
uso efetivo pode levar ao estabelecimento de uma nova relação professoraluno, marcada por uma maior proximidade, interação e colaboração. Isso
define uma nova visão do professor, que longe de considerar-se um
profissional pronto, ao final de sua formação acadêmica, tem de continuar em
formação permanente ao longo de sua vida profissional. (grifo nosso)
A utilização de recursos como o computador e a calculadora pode contribuir
para que o processo de ensino e aprendizagem de matemática se torne uma
atividade experimental mais rica, sem riscos de impedir o desenvolvimento
do pensamento, desde que os alunos sejam encorajados a desenvolver seus
processos metacognitivos e sua capacidade crítica e o professor veja
reconhecido e valorizado o papel fundamental que só ele pode desempenhar
na criação, condução e aperfeiçoamento das situações de aprendizagem.
(grifo nosso)
O destaque realizado pretende realçar, mais uma vez, o cuidado ao usar o
computador nas experiências escolares, para melhorar a relação professor–aluno em sala
de aula, além do que a necessidade de uma formação profissional continuada que
promova uma reciclagem de saberes e fazeres docentes. Ainda, ao professor é atribuída
a responsabilidade pela “criação, condução e aperfeiçoamento das situações de
aprendizagem” em Matemática nas salas de aula informatizadas, porém, nota-se que
poucos profissionais do ensino preocupam-se em usar o software educativo como
recurso didático informático, ou elaborar os conteúdos de um “saber a ensinar” aos
recursos oferecidos pelo software educativo de maneira didática, tornando-os um “saber
ensinado”.
Célia Regina Fortes da Silva
1672
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
A esse respeito, as OCN de Ciências da Natureza, Matemática e Tecnologias
(2006) para o ensino médio, quase 10 (dez) anos após a publicação dos PCNEM, faz
referência à importância do desenvolvimento científico e tecnológico da Matemática, e
ao uso da tecnologia como exemplo de recurso a ser utilizado, em particular dos
softwares educacionais, que apesar de um grande aliado no desenvolvimento do
educando, enseja a necessidade de estudos sobre a sua aplicabilidade na educação, para
que o educador fundamente sua escolha por este ou aquele software educacional.
Isto denota a necessidade de estudar como as tecnologias e os artefatos
computacionais estão sendo utilizados na prática docente em sala de aula informatizada,
com o uso dos softwares educativos; e, ainda, fundamentá-la nas teorias existentes da
relação interativa entre do processo de ensino e de aprendizagem e o uso do computador
como recurso didático.
Uma discussão e pesquisa documental com foco na área de educação e
tecnologia foi realizada pelo MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira - INEP (2006) que abrangeu a produção científica
nacional, de teses, dissertações e artigos na área, no período de 1996 à 2002.
Conforme o gráfico 01 se observa que em 1996, com a LDB 9394/96, tem início
pesquisas sobre a incorporação das tecnologias na educação, tendo esse número
crescido em 1997 e 1998, coincidentemente após os PCN.
Esse levantamento foi realizado com base nos artigos publicados em revistas
Qualis da Capes Nacional conceito “A”, e dissertações e teses dos programas de pósgraduação em educação com avaliação da Capes 4 e 5, ou 6 (tendo como escore
máximo a nota maior).
A região nordeste possui 16% das pesquisas no ranking nacional, conforme o
gráfico 02 da publicação, série estado do conhecimento, do MEC (2006).
A incorporação das tecnologias na educação, isto é, o uso dos artefatos
computacionais e de softwares educativos (informática) na prática docente, também foi
alvo dessa pesquisa do MEC-INEP (2006, p. 16) revelando que os trabalhos científicos
de Teses e Dissertações – T & D privilegiam a informática. As pesquisas em forma de
artigos contemplam os modos de incorporação das TIC na educação, as mídias de
televisão e vídeo, e de informática, conforme o gráfico 3.
Célia Regina Fortes da Silva
1673
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
Essa pesquisa com as tecnologias como recursos didáticos informáticos em sala
de aula mostra que a informática ocupa um destaque. Porém os objetivos didáticos para
a implementação desses recursos em sala de aula e o seu planejamento recaem sobre o
docente que não tem na formação inicial para o ensino essa abordagem tecnológica.
Desta forma as T&D privilegiam a discussão da necessidade da formação continuada
docente para a incorporação das tecnologias no contexto escolar.
A formação continuada para o uso dos artefatos computacionais e os softwares
educativos deverá promover estudos e atividades teóricas e práticas que oportunizem
aos docentes em atualização profissional conhecer a literatura sobre a informática
educacional e os softwares educacionais, disponíveis na internet ou no mercado ou
recomendados pelo MEC, que melhor atendam suas necessidades pedagógicas.
Buscando integrar os recursos didáticos informáticos ao currículo produzindo práticas
educacionais que facilitem a comunicação entre docentes e discentes em sala de aula.
O uso dos artefatos computacionais e softwares educativos na escola, para
Penteado (2000, p. 32) “requer do professor uma avaliação permanente dos
procedimentos adotados e disponibilidade para o engajamento num processo contínuo
de atualização”, para que “conheça softwares a serem utilizados no ensino de diferentes
tópicos e que seja capaz de reorganizar a sequência de conteúdos e metodologias
apropriadas para o trabalho com a tecnologia informática em uso” em sala de aula (ibid,
p. 24).
Assim a formação continuada é vista como um espaço de possibilidades para
renovação da prática pedagógica com o uso de TIC, articulando teoria e prática de
forma que os docentes sintam-se capazes de: (1) participar de discussões e debates do
uso das TIC nas disciplinas; (2) operar os conteúdos específicos de saber com os
artefatos computacionais com metodologia; (3) estabelecer critérios e escolher o
software educativo que melhor atenda seus objetivos, e (4) articular a dimensão
experiencial pessoal e profissional com o uso dos artefatos computacionais e softwares
educativos, construindo os saberes didáticos informáticos.
A formação continuada é um espaço continuum de percurso formativo, que além
de promover um aperfeiçoamento e uma profissionalização docente, uma formação
teórica e prática em informática educacional, também colabora para a construção de
saberes docentes didáticos informáticos.
Célia Regina Fortes da Silva
1674
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
Apesar das intenções das políticas públicas, a realidade profissional docente
possui quadros diametralmente opostos, e, portanto há que refletir-se como se dará a
inclusão digital diante da exclusão de tantos discentes e docentes.
O uso do software educacional em sala de aula
O MEC publicou o Guia de Tecnologias Educacionais (MEC/SAEB, 2008) com
orientações aos sistemas de ensino sobre o acesso a tecnologias educacionais
inovadoras, como uma ferramenta a mais que auxilie os profissionais da educação na
decisão da aquisição de materiais e de tecnologias para uso nas escolas brasileiras de
educação básica.
Seus usos como recurso didático informático em sala de aula informatizada, com
artefatos computacionais e ferramentas de softwares educativos, não possuem
orientação didático-pedagógica aos docentes de como transformar ou construir um
conhecimento específico pelos educandos, com o auxílio de tais recursos. A esse
respeito às OCN (2006, p. 83) fazem referência a importância das transposições
didáticas internas realizadas em sala de aula pelo professor, como:
[...] o momento em que cada professor vai transformar os conteúdos que lhe
foram designados em conhecimentos a serem efetivamente ensinados. Nesse
momento, as escolhas feitas pelo professor é que vão determinar, de certa
maneira, a qualidade da aprendizagem dos alunos.
É nessa perspectiva que o docente deverá promover o desenvolvimento do
raciocínio lógico-matemático nos problemas contextualizados, e a valorizar o uso das
tecnologias no ensino da matemática para o ensino médio. Para isso o docente deverá
mobilizar os saberes de sua formação e de suas experiências pessoais e profissionais
para contextualizar os conhecimentos científicos às diversidades de contextos e
cotidianos escolares.
Ainda, as OCN (ibidem, p. 87) reconhecem que “é importante contemplar uma
formação escolar nesses dois sentidos, ou seja, a matemática como ferramenta para
entender a tecnologia, e a tecnologia como ferramenta para entender a matemática” e
considera que “a matemática para a tecnologia, deve-se pensar na formação que
capacita para o uso de calculadoras e planilhas eletrônicas, dois instrumentos de
trabalho bastante corriqueiros nos dias de hoje” (grifo nosso).
Célia Regina Fortes da Silva
1675
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
A sugestão de uso do software de planilhas eletrônicas pelas OCN, como
instrumento de trabalho “corriqueiro” pelos docentes, merece uma pequena discussão a
respeito. As planilhas eletrônicas são um software de computador que manipula tabelas
eletrônicas onde a linguagem matemática utiliza expressões matemáticas, operadores e
“palavras” reservadas às funções específicas, de acordo com a semântica utilizada no
software diretamente na célula da planilha. Essa habilidade, apesar de semelhante à de
uma calculadora, requer um certo conhecimento matemático, onde poucos são os
profissionais da área de educação que possuem domínio para utilizar a planilha
eletrônica em sala de aula como ferramenta didática nas aulas de Matemática, tendo em
vista suas exigências específicas, e o grau de dificuldade para os educandos.
Numa análise dos softwares sugeridos pelo Guia de Tecnologias Educacionais,
publicado pelo MEC (2008), observa-se que muitos são softwares de domínio privado,
isto é, desenvolvidos por uma empresa especializada e colocada a venda para sua
utilização, representando custo para sua aquisição, seja por parte do docente ou da
instituição escolar. Apesar de a internet possuir softwares livres para a comunidade
virtual, nas várias áreas de conhecimento, sem nenhum custo financeiro para a sua
utilização em sala de aula informatizada, esse aspecto não é referenciado, ou sequer
sugerido. Isto inclusive nos parece paradoxal, já que tivemos a implantação do “Portal
do Software Público” pelo Governo Federal, cujo Primeiro Encontro Nacional do
Software Público Brasileiro3 será sediado em Brasília no final de outubro próximo, com
o apoio do próprio MEC.
Muitas propostas públicas sugerem o uso da tecnologia e dos artefatos
computacionais, com cursos e sugestão de material didático-tecnológico, porém, poucas
são as orientações de como usá-los de maneira educacional, com objetivos e
planejamento didáticos-pedagógicos, demandando de uma formação continuada que
venha a suprir essas deficiências e necessidades docentes no uso das TIC.
Aliado a esse aspecto encontra-se o fato de que a formação superior também não
promove a inclusão digital dos docentes em formação, para o uso das tecnologias em
sala de aula informatizada. A esse respeito o decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009,
em seu artigo 3º, parágrafo IX institui que o objetivo da Política Nacional de Formação
de Profissionais do Magistério da Educação Básica é “promover a atualização teórico3
http://www.softwarepublico.gov.br/i-encontro-spb
Célia Regina Fortes da Silva
1676
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
metodológica nos processos de formação dos profissionais do magistério, inclusive no
que se refere ao uso das tecnologias de comunicação e informação nos processos
educativos”, integrando a Educação Básica com a formação inicial docente, reforçando
“a formação continuada como prática escolar regular que responda às características
culturais e sociais regionais” (parágrafo X).
Sobre essa prerrogativa, Dias Sobrinho (2005, p. 61) afirma a importância da
educação para além da escola e da família, alcançando e interferindo nos destinos da
sociedade, quando alega que a “educação superior tem o difícil desafio de enfrentar as
contradições da regulação e da autonomia” nos espaços “transnacionais dos sistemas
globais e nas políticas públicas nacionais e institucionais, como nas esferas da
subjetividade, isto é, na formação dos sujeitos”.
Formar sujeitos aptos a demanda de mercado, nos variados setores do
desenvolvimento da sociedade, capacitando professores em todos os níveis da educação
para a função de formar cidadãos não é tarefa fácil. Exige uma ampla discussão e uma
reflexão do que, para que e como fazer / realizar o processo de ensino e de
aprendizagem que atenda as necessidades da sociedade de modo geral, eliminando as
desigualdades.
Na visão de Dias Sobrinho (2005, p.75) a sociedade do conhecimento, a pobreza
e a exclusão têm relação com a carência “de conhecimento e desprovimento dos meios
de aquisição de aprendizagens e informações” uma vez que conhecimento e informação
“são instrumentos poderosos de desenvolvimento e de inclusão social”.
A inclusão digital também pode ser vista como uma necessidade de inclusão
social. Segundo a análise das pesquisas de Waiselfisz (2007, p. 15-16) sobre a utilização
da internet pela população, somente uma pequena parte da população tem acesso a esta,
uma vez que:
[...] os números do país ainda ocultam profundas desigualdades regionais. Em
um extremo, o Norte e o Nordeste, com 4,9% e 5,7% de sua população de 10
anos ou mais de idade com acesso à Internet no domicílio e 12% e 11,9%
dessa mesma população usuária de Internet. Em outro extremo, as regiões
Sudeste e Sul, com 20,8% e 18,6% de sua população de 10 anos ou mais de
idade com Internet no domicílio e 26,3% e 25,6% dessa população usuária de
Internet.
Essa estatística revela a desigualdade digital e a classificação de “inforricos” ou
“infopobres”, isto é, o alfabetismo e o analfabetismo digital, demandando de políticas
Célia Regina Fortes da Silva
1677
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
públicas que diminuam essa diferença social e digital, e que promovam uma equidade
educacional.
Ao falar de educação tecnológica, surge a questão sobre os processos de
resistência e de engajamento dos professores ao uso das tecnologias informatizadas. O
professor não faz o que lhe orientam, mas como sabe fazer. Ao engajar-se, o faz como a
capacidade de transgressão e de reelaborar uma situação de ensino com os artefatos
computacionais. Observa-se um processo de enculturação, mais brando onde cada
docente modifica sua prática construindo novos aprendizados com o uso das tecnologias
informatizadas, mas também a aculturação pela socialização das práticas docentes entre
as escolas de uma mesma comunidade. A sociabilidade híbrida aproxima os resistentes
e os engajados, o daquela escola e o daquela outra, em que interatuam na formação em
serviço.
Como última discussão sobre o uso dos artefatos computacionais na Educação,
conforme nos alerta Barreto (2004, 2009) na interlocução, utiliza-se diversos autores
para traçar uma discussão sobre esse sentido hegemônico das TIC como “a” solução
para os mais diversos problemas, no caráter messiânico, próximo ao religioso, do
sentido de salvação da técnica do paradigma tecnoinformacional.
A esse respeito Barreto (2009) citando Belloni (2001), Cysneiros (2001) e Pretto
(2001) alerta que a incorporação das TIC, ou artefatos computacionais, na educação
constitui-se em “novos formatos para estas, velhas concepções de ensino e
aprendizagem, inscritas em um movimento de modernização conservadora ou, ainda,
em condições específicas, instaurar diferenças qualitativas nas práticas pedagógicas”.
A formação continuada deve proporcionar aos docentes uma oportunidade de
atualização e profissionalização de suas práticas em sala de aula com os novos recursos
didáticos informáticos, quebrando o “mito” de um “instrumento imprescindível” e
poderoso ao fazer docente, do qual “conhecem quase nada sobre seu uso”, conforme
afirma Penteado (2000, p. 29), e de suas potencialidades para o ensino.
Penteado (1997, p. 73-74) cita que o mito desperta uma exigência para seu uso
de “pessoas altamente qualificadas para manuseá-lo” provocando “medo do
desconhecido, medo de mostrar incompetência perante os colegas, medo de danificar a
máquina e causar prejuízos, medo de não conseguir desenvolver as competências em
Célia Regina Fortes da Silva
1678
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
informática”. Os docentes que não tiveram em sua formação inicial os conhecimentos
tecnológicos a serviço do fazer pedagógico enfrentam maior dificuldade.
Tura (2005) diferencia uma trajetória das orientações pedagógicas das políticas
de tecnologia à construção de um saber fazer nos Laboratórios de Informática nas
escolas. Entretanto, se resiste às formas de destruição de um modo de fazer na tradição,
um tipo hegemônico de cultura escolar. Defende-se a importância de uma formação em
serviço que discuta e não imponha uma concepção hegemônica de um saber fazer
instituído com as tecnologias no currículo, até mesmo pelo movimento, pela
transitoriedade que se encontra hoje nos recursos disponíveis no ensino aprendizagem.
Sobre essa necessidade emergente da sociedade contemporânea, Tardif (2002,
p.36) cita que “[...] o novo surge e podem surgir do antigo exatamente porque o antigo é
reatualizado constantemente por meio dos processos de aprendizagem”. Formações com
base nos saberes e produção de saberes constituem, por conseguinte, dois pólos
complementares e inseparáveis.
O acesso às TIC na educação e os saberes produzidos pelos docentes em suas
práticas de sala de aula com esses recursos didáticos informáticos necessitam ser
estudados, pois influenciam a sua atuação profissional e criam uma cultura digital das
práticas de ensino. Os docentes para isso necessitam re-construir suas práticas de ensino
para o uso dos artefatos computacionais.
O
conhecimento,
para Tardif
(2008)
não
é pronto
e
acabado,
a
“profissionalização do ensino é considerar a formação profissional como um
continuum” durante o exercício profissional docente. Os conhecimentos profissionais
são evolutivos e progressivos e necessitam de uma formação continuada.
Ainda segundo o autor, a formação contínua é uma obrigação profissional,
fazendo parte da evolução do exercício docente no processo de desenvolvimento e
formação continuada de carreira de um profissional do ensino.
Como autor e ator de sua formação, o docente ora é aprendiz ora formador,
tendo que tomar decisões quanto aos programas, práticas de formação e sua formação
contínua como fatores de êxito profissional. Essa é uma característica que deve ser
valorizada e apoiada pelo sistema educativo como condição de profissionalização do
ensino.
Célia Regina Fortes da Silva
1679
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
A pesquisa realizada por Alves (2005, p. 42) revelou que a “formação
continuada, tem sua importância e contribuição assinalada por ampliar o conhecimento
e fornecer uma visão crítica aos professores-alunos”. Esse é um aspecto de relevância
principalmente para aqueles docentes egressos de uma formação profissional inicial
tradicional que não tiveram uma formação tecnológica.
Considerações Finais
O discurso político apresenta a tecnologia como inclusão digital, tornando-se um
papel importante na educação em todos os níveis, para a formação de sujeitos e da
cidadania, garantindo a eqüidade social.
A perspectiva da educação de incorporar os artefatos computacionais, as
ferramentas de software educativo, e outros recursos didáticos informáticos, para
aumentar a eqüidade social com a inclusão digital, formando educandos para o mundo
tecnológico, busca desenvolver uma visão crítica-reflexiva e uma capacidade avaliativa
do que é realmente relevante, para que possa utilizar-se da tecnologia de forma
educacional na competição da sociedade contemporânea.
À educação superior cabe o desafio de atender as exigências de formação de
profissionais e pesquisadores, reflexivos, críticos e criativos, produzindo conhecimento
e diminuindo o atraso educacional no país. Promovendo a reflexão de sua prática, seus
saberes e fazeres do cotidiano escolar para o uso de artefatos educacionais, das escolhas
de recursos didáticos, informáticos e tecnológicos, entre os que são sugeridos pelo MEC
e as empresas conveniadas, entre os softwares educacionais proprietários indicados por
empresas privadas e conveniadas com o MEC e os softwares livres educacionais
disponíveis na internet sem custo para o docente e a instituição escolar.
A formação continuada para o uso dos artefatos computacionais e dos softwares
educativos deverá proporcionar estudos e atividades teóricas e práticas que oportunizem
aos docentes em atualização compreender como os saberes experienciais no espaço
pedagógico, particularmente indicam as relações entre as políticas de tecnologia, a
cultura escolar e a cultura hegemônica e como se põem em funcionamento, no seu
cotidiano, os mecanismos de produção de um saber docente, entre a tradição disciplinar
e a tendência da contemporaneidade.
Célia Regina Fortes da Silva
1680
Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula
Na relação entre a tradição e a inovação, a absorção da cultura tecnoinformática
nas escolas ocorre em processos híbridos e complexos, que se relacionam com a política
de Informática em Educação, com privilégios dessa cultura acima dos ranços e recuos
dos projetos federais e locais em sua expansão territorial. O hibridismo na prática
docente intercomunica o tradicional (moderno) e o contemporâneo (pós-moderno,
sobremoderno), no qual se dissemina e se instala, porque é uma maneira de assumir
identidades sem se descaracterizar da identidade que lhe constitui no ofício docente.
Agradecimentos
A profª Draª Claudia Roberta de Araújo Gomes, Psicóloga, Mestre e Doutora em
Psicologia Cognitiva - UFPE. Professora Adjunta do Departamento de Educação (DEd)
e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGEC) UFRPE, por seu apoio e orientação ao desenvolvimento do trabalho de dissertação.
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do professor: paradigmas, saberes e práticas nos cursos de especialização em educação
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Célia Regina Fortes da Silva
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Gráfico 01: distribuição dos documentos por ano
Fonte: MEC – INEP (2006)
Gráfico 02: Distribuição de teses e dissertações por região
Fonte: MEC – INEP (2006)
Gráfico 03: As tecnologias privilegiadas
Fonte: MEC – INEP (2006)
Célia Regina Fortes da Silva
1683
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
O COMPUTADOR ENQUANTO INSTRUMENTO
MEDIADOR NA CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO
Cláudia Luciene de Melo Silva
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
O COMPUTADOR ENQUANTO INSTRUMENTO MEDIADOR NA
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
Cláudia Luciene de Melo Silva
UFPB
[email protected]
RESUMO: A utilização do computador na prática pedagógica é o tema focado neste
artigo. Inicialmente, são abordadas e analisadas diversas concepções sobre a utilização
desse instrumento no âmbito educacional. Destaca-se ainda, recursos como a
Multimídia, a Internet e os jogos eletrônicos enquanto possibilidades efetivas
disponíveis no computador para a construção do saber. Enfatiza-se a necessidade de
uma utilização criativa, contextualizada com a realidade e interesses dos educandos e
que favoreça, sobretudo, uma atuação crítica, participativa e reflexiva destes em relação
a sua aprendizagem. Ressalta-se, também, considerações sobre o construcionismo
defendido por Papert enquanto concepção que aborda a construção do conhecimento
propiciado por meio da utilização do computador, esta considerada como potencialidade
no fazer educativo, visto que, favorece a interação, a colaboração, o desenvolvimento de
habilidades e auxilia o processo de aprendizagem. Conclui-se que, a utilização desse
recurso só tende a ser promissora se as mudanças necessárias ultrapassarem a idéia de
que é suficiente a aquisição de máquinas. Deve-se contextualizar a adoção do
computador na estrutura curricular e apoiá-la em uma abordagem teórica sobre a
aprendizagem que não esteja vinculada a modos tradicionais de ensino.
PALAVRAS-CHAVE: Computador. Conhecimento. Educação.
É notório que, o uso do Computador em sala de aula exerce forte influência
motivadora. Seus objetivos educacionais vão além de simplificar ou facilitar o processo
de aprendizagem. Direcionam-se à promoção da mesma, ao desenvolvimento de
habilidades, imprescindíveis a prática social e a construção do processo de
conceituação. Segundo Valente (2002, p. 1): O computador pode ser também utilizado
para enriquecer ambientes de aprendizagem e auxiliar o aprendiz no processo de
construção do seu conhecimento.
Para que se possa compreender a utilização do computador enquanto recurso
favorável à aprendizagem, vejamos de forma breve, algumas concepções sobre o seu
Cláudia Luciene de Melo Silva
1687
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
uso na Educação, segundo Alencar (1995). Para a referida autora, a primeira concepção
refere-se ao computador como máquina de ensinar, reiterando o resgate da proposta de
Skinner em que as máquinas de ensinar representavam a extensão natural e de
importância extrema para a sua teoria da aprendizagem, em referência a Educação.
Ainda que, Skinner, fundamentado pelo behaviorismo, encontra na introdução das
máquinas de ensinar o meio pelo qual se estabelece eficientemente, o conjunto de
comportamentos desejados pelo educador. Estas máquinas se caracterizam pelo uso de
respostas livres em vez de respostas de múltiplas escolhas, pelo uso de uma seqüência
de etapas lógicas preestabelecidas, cabendo ao aprendiz ultrapassá-las e cada etapa
consiste em um pequeno degrau em relação ao que o educando já aprendeu.
As máquinas de ensinar enquadram-se na proposta da instrução programada,
onde são apresentados ao sujeito os materiais (textos) elaborados, previamente, por uma
equipe de educadores ou pelo professor. Oliveira (1999, p. 118) reforça que: Esta forma
de utilização do computador no ensino, também denominada exercício e prática,
caracteriza-se por colocar a máquina como que ensinando ao aluno.
A instrução programa é muito propagada nas escolas, para a realização do
ensino de conceitos, de habilidades. No entanto, essas atividades possuem um caráter
repetitivo, demonstrativo e sua real finalidade, consiste na tentativa de auxiliar o
educando na memorização dos conteúdos, principalmente, ajudar aos educandos que
pouco avançaram nos estudos.
Nesta proposta, utilizar o computador permite assessorar o aprendiz de forma
mais individualizada. Forma que só é possível devido ao acompanhamento das respostas
que o educando emite, ou seja, o programa avança em resultado da resposta que o
educando fornece. Ainda, esse tipo de programa permite ao professor acompanhar o
desenvolvimento dos educandos em aspectos avaliativos, especificamente, em relação
ao tempo de realização da tarefa e a quantidade de acertos e erros.
O impasse dessa forma de instrução reside na passividade que caracteriza a
atuação do aprendiz. Para Alencar (1995, p. 176) termos: [...] como compreensão,
significado, raciocínio não pode fazer parte de uma teoria onde o sujeito é encarado
como criatura passiva, controlada por estímulos presentes, os impulsos e a história de
reforçamento. A aprendizagem significativa não encontraria eco neste contexto em que
ao educando cabe aprender a dar respostas e ao computador, indicar se estão corretas ou
Cláudia Luciene de Melo Silva
1688
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
não. A aprendizagem representaria, nestes termos, um processo passivo, submisso de
recepção da informação.
O segundo modelo ou concepção apresentada por Alencar (1995) que perpassa a
idéia dos exercícios repetitivos é a do computador como tutor inteligente. A idéia, em
educação e informática, consiste em programas capazes de instruir o educando, fazendo
intervenções inteligentes como se fosse, realmente, um tutor individual.
Questiona-se a inteligência atribuída ao computador, por que em comparação a
inteligência humana, termos como representação simbólica, conceitos, e a própria
inteligência não encontra correspondência e ainda, os programas denominados
inteligentes não estabelecem interação significativa com o meio que permitam
construções dotadas de sentido. Desse modo, a inteligência referida ao computador é
expressa por respostas determinadas por um programa em que aparenta uma
compreensão do raciocínio do educando.
Os tutoriais, geralmente, são apresentados como um conjunto de informações
em que são propostas questões sobre o assunto abordado. Para as questões abordadas se
encontra um número limitado de respostas possíveis. As respostas dos educandos,
poderão estar presentes ou não neste número disponível pelo computador. Em caso
positivo, o educando avançará para outras questões ou fase, caso contrário terá que
reelaborar sua resposta.
Para a aplicabilidade dessa função do computador, dois pontos são levantados
como dificuldades por Oliveira (1999). Primeiro que essa atividade exigindo maior
programação dificulta a realização por parte dos professores e segundo, a capacidade de
memória das máquinas que para esse tipo de programa exigem uma capacidade maior
para o processamento das informações.
Provavelmente, a dificuldade dos professores resulta da pouca instrução na área
de programação o que não deveria se constituir um problema segundo Alencar (1995, p.
170) [...] com exceção do professor de programação, o educador que atuar no campo da
Educação e informática precisa saber relativamente pouco sobre computação. Para ele
não seria realista esperar que o professor típico vá desenvolver programas, já que algo
extremamente difícil e que exige experiência profissional.
Cláudia Luciene de Melo Silva
1689
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
A elaboração de programas, capacitação das máquinas, no que se refere à
memória e a quantidade de máquinas exigida, uma para cada aprendiz, encontra
empecilho em sua prática, devido os custo que desencadeiam.
Conforme Delval (1986 apud OLIVEIRA, 1999), na discriminação das situações
em que esse tipo de programa apresenta vantagens e desvantagens. Portanto, para
Delval (1986) a aplicabilidade seria útil em situações em que o educando apresente
atrasos, possuam algum tipo de problema, ou que necessitam de recuperação e sabem
disso. Também, em ocasiões em que seja necessário memorizar informações, no ensino
à distância e na aprendizagem de respostas automatizadas. Suas desvantagens implicam
nos custos com os programas e com as máquinas, pouca criatividade nas atividades
realizadas pelos educandos, não favorecimento da interação entre os aprendizes e
capacidade de análise.
O computador enquanto ferramenta intelectual, a terceira concepção, enfatiza a
importância deste como meio de possibilitar atividades especiais, as quais seriam
impossíveis sem essa ferramenta. Para Alencar (1995, p. 181) o foco central desta
concepção está na funcionalidade dos programas, ou seja, estes deveriam representar
para o educando oportunidades de [...] descobrir princípios, propriedades ou relações de
ordem lógica, matemática, científica, lingüística ou até histórica. O ambiente simbólico,
característico desse modelo, não encontra vazão em respostas prontas, predeterminadas,
mas em meio às inúmeras respostas válidas encontra-se nas incorretas também, um
caráter informativo.
O valor das simulações consiste em se colocar o educando na condição de
manipulador das situações desenvolvidas, onde o computador será o instrumento que
lhe permitirá manipular variáveis e observar os resultados que advirem das
modificações nas situações. O computador deverá servir de complemento para as
atividades que se realizaram na prática, em sentido real. De acordo com Oliveira (1999,
p.121) para atender aos propósitos pedagógicos, a simulação deve preencher alguns
requisitos, entre eles o propósito de: [...] ser um sistema simplificado, de modo a
permitir, por um lado, que haja interação com o aluno na manipulação de variáveis e,
por outro lado, que ele se aproxime o máximo possível do real.
Um ponto importante a não ser esquecido na simulação é que esta deve ser
complemento para a atividade proposta e ainda, lembrar aos educandos que atuar na
Cláudia Luciene de Melo Silva
1690
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
realidade é o que de fato deve ser feito, sendo o computador apenas, um instrumento
que confere uma representação dessa realidade. Lévy (1999, p.165) desta que a
simulação consiste em um novo modo de conhecimento trazido pela cibercultura onde
ocupa um lugar central. Define-a como: [...] uma tecnologia intelectual que amplifica a
imaginação individual (aumento de inteligência) e permite aos grupos que
compartilhem, negociem e refinem modelos mentais comuns, qualquer que seja a
complexidade deles (aumento da inteligência coletiva).
O autor reforça posteriormente que as técnicas de simulação, especificamente as
que usufruem imagens interativas, não substituem os raciocínios humanos, mas podem
transformar e prolongar as capacidades de imaginação e pensamento quando
possibilitam a representação de clara e distinta de inúmeros objetos interagindo. Reitera
que a simulação possui um papel crescente nas atividades de pesquisa científica, de
aprendizagem, em jogos e diversões (evidencia os jogos interativos em tela),
principalmente por possibilitar a formulação e exploração ágil de grandes quantidades
de hipóteses. O conhecimento por simulação é sem dúvida um dos novos gêneros de
saber que a ecologia cognitiva informatizada transporta (LÉVY, 1993, p. 121).
Lévy (1993), destaca ainda que sendo o conhecimento por simulação mais
operatório e mais ligado às circunstâncias particulares de seu uso liga-se tempo real que
constitui um aspecto particular que caracterizam as redes informatizadas. Assim,
reafirma que a simulação por computador permite uma melhor atuação dos indivíduos
do que se estes estivessem limitados aos recursos da memória, por exemplo,
possibilitando-lhes uma exploração mais complexa e em maior número. Assim, a
simulação remeteria apenas a uma ampliação das capacidades de imaginação, de
intuição e não a uma pretensa irrealidade como se supõe. Dessa forma enfatiza que:
O conhecimento por simulação e a interconexão em tempo real
valorizam o momento oportuno, a situação, as circunstâncias
relativas, por oposição ao sentido molar da história ou à verdade fora
do tempo e espaço, que talvez fossem apenas efeito da escrita
(LÉVY, 1993, p. 126).
A quarta vertente, apresenta o computador enquanto instrumento de pesquisa.
Nesta são apresentados casos em que o computador foi usado de forma bastante criativa
como elemento auxiliar, onde cabe ao professor assumir o papel de agente principal no
Cláudia Luciene de Melo Silva
1691
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
ensino. Esta forma de utilização do computador tem sido bastante aceita nas escolas por
acatar, em seus procedimentos, os objetivos educacionais.
Já a aprendizagem por descoberta (a linguagem LOGO), segundo Oliveira
(1999) representa a forma de uso do computador mais disseminada nas escolas,
sobretudo por, permeando objetivos educacionais, romper com o modelo de educação
tradicional que concentra todo o ensino nas mãos do professor situando o educando
enquanto depósito de informações previamente determinadas. Do professor, enquanto
elemento de importância inquestionável ao processo educativo espera-se que se torne
desenvolvedor de atividades, facilitador e instrutor do ensino, que saiba comunicar-se
com seus educandos, estimulá-los, manter seus interesses e que estabeleça com esses,
relações favoráveis ao ensino-aprendizagem, em que estejam presentes atitudes de calor
humano e empatia (PAPERT, 1994).
Oliveira (1999) reafirma que Papert acredita que vincular o potencial do
computador a um novo modelo de escola pode garantir transformações no processo
ensino aprendizagem. Para o autor, a linguagem LOGO é fundamentada pelo seu
criador pela concepção de que:
[...] a criança aprende várias coisas sem passar por um ensino
deliberado, visto que a aprendizagem da língua e o locomover-se não
são frutos de uma ação externa, mas da busca e da exploração que a
própria criança desenvolve sobre seu meio (OLIVEIRA, 1999, p.
123).
Além dessas concepções que permitem contextualizar o uso do computador na
esfera das necessidades educativas, sobretudo, os programas educativos existem ainda,
um conjunto de recursos que representam vantagens se utilizados no processo
educativo. São eles o processador de textos, planilhas eletrônicas e banco de dados.
Na visão dos defensores da informática na educação, esses recursos despertam
os interesses dos educandos na elaboração de textos, trabalhos matemáticos, trabalho
com gráficos pela facilidade e praticidade com que se chega aos resultados esperados.
Ainda pela dinamicidade que estes conferem constituindo assim, mais uma ferramenta a
complementar o trabalho do professor em sala de aula.
Há ainda que se falar, na Multimídia, na Internet e nos jogos eletrônicos como
recursos ou programas (software) disponíveis no computador. A Multimídia assemelha-
Cláudia Luciene de Melo Silva
1692
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
se ao tutorial por provocar no aprendiz a mesma ação de escolha de soluções. Esta
disponibiliza diversas combinações de textos, imagens, sons.
A multimídia e a internet favorecem a aquisição de informações, mas não
desenvolvem a compreensão ou a construção do conhecimento a partir das mesmas,
sendo necessário que haja mediação do educador para que o conhecimento seja
elaborado.
Especificamente, os sistemas de autoria, em que o educando constrói um
sistema de multimídia depois que seleciona as informações em programas e fontes
distintas, atende sobremaneira ao objetivo de construção do saber já que permite ao
educando refletir sobre os dados selecionados, comparar com seus conhecimentos
prévios, enfim, transformar a informação inicial em informação construída.
No que se refere aos jogos digitais, possuem inicialmente a finalidade de
motivar e desafiar o educando ao aprendizado. Tem importante uso educacional se
integrados em atividades planejadas e favorecem o desenvolvimento do educando.
Barros (2002, p.5), diferencia os jogos eletrônicos pelos efeitos que apresentam,
interessando lógico, à educação os que apresentam efeitos psicopedagógicos positivos
pelo interesse que despertam e pela possibilidade de contribuir para o pensamento
construtivo e criativo, define: são aqueles que, [...]administrados na dose certa,
apresentam a dimensão lúdica aliada à construtiva e promotora de desenvolvimento e
aprendizagem.
É imprescindível na utilização de software nas escolas, quando se pretende
promover a aprendizagem, que este esteja integrado no planejamento curricular e bem
relacionado com os conhecimentos que os educandos trazem consigo. Para seu sucesso
deverá ser considerado com instrumento de mediação em que o computador assume a
posição de gerenciador das atividades que auxiliam o desenvolvimento intelectual dos
aprendizes. Ainda, encontrar uma teoria de aprendizagem que o fundamente na sua
prática.
Há que se considerar ainda, neste contexto, em que se discute a utilização do
computador, a abordagem construcionista cuja definição aborda a construção do
conhecimento propiciado por meio dessa ferramenta, especificamente, pela interação do
educando com o computador. Valente (2006) explica que essa concepção foi criada por
Papert para distinguir-se do construtivismo, no sentido piagetiano que enfatiza a
Cláudia Luciene de Melo Silva
1693
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
construção do conhecimento na cabeça do educando. Segundo o autor, Papert utilizou o
termo construcionismo para evidenciar a construção de conhecimento que surge a partir
do interesse do aprendiz quando este constrói um objeto, seja uma obra de arte, um
relato de experiência ou mesmo um programa de computador.
Ainda na concepção de construcionismo encontra-se dois aspectos que Papert
considera como pontos que diferenciam-se da construção do conhecimento defendido
pelo construtivismo, são eles: o educando constrói algo por meio do fazer, do colocar a
mão na massa e por se tratar de algo de seu interesse despertando neste grande
motivação e neste sentido Valente (2006), reitera que a afetividade concede a
aprendizagem mais significado. No entanto, esclarece que em sua opinião o que
diferencia essas duas concepções na maneira de construir o conhecimento é
simplesmente, a presença do computador que por si só exige ações efetivas no processo
de construção de conhecimento.
Assim, Valente (1998) explica o processo pelo qual o educando passa na
interação com o computador. Diz que para resolver um problema via computador o
educando precisa combinar conteúdos e estratégias através de um programa que resolve
um problema e a análise da tarefa de programar o computador permite que o usuário
conheça diversos caminhos que realiza e que constituem base para a aquisição de novos
conhecimentos. Prossegue apresentando como primeiro passo da interação com o
computador a descrição de uma idéia no que se refere a uma linguagem formal e
precisa, visto que esta permite ao aprendiz esclarecer e representar seu nível de
conhecimento a respeito dos elementos contidos na resolução do problema. O segundo
passo envolve a execução fiel do computador sobre a descrição fornecida. A execução
funciona como um feedback fiel, imediato e desprovido de qualquer animosidade ou
afetividade que possa ter ocorrido entre o educando e o computador. O resultado obtido
permite ao educando refletir sobre o que foi solicitado e este consiste o terceiro passo
do ensino através do computador. Portanto caso o resultado não corresponda ao que o
aprendiz esperava este precisa depurar a idéia original por meio de estratégia ou
conteúdos (VALENTE, 1998).
O referido autor explica que a depuração é facilitada pela existência do
programa do computador que consiste na descrição das idéias do educando no que se
refere a uma linguagem precisa e informal e declara a existência de uma
Cláudia Luciene de Melo Silva
1694
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
correspondência direta entre cada comando e o comportamento do computador.
Defende que tais características possibilitam aos educandos identificar seus erros, pois
facilitam a análise do programa e esse processo de encontrar os erros e corrigi-los
representa para os educandos uma oportunidade única de aprender os conceitos
envolvidos na solução dos problemas os sobre estratégias de resolução dos mesmos.
Conclui que esse processo (descrever, refletir e depurar) requer muito mais que colocar
o educando na frente do computador, destacando que é necessário para essa interação
(arendiz-computador) a presença de um mediador que possua conhecimentos tanto de
caráter computacional quanto pedagógico e psicológico. No mais:
[...] O aluno como um ser social está inserido em um ambiente que é
constituído, localmente, pelos seus colegas, e globalmente, pelos pais,
amigos e mesmo a sua comunidade. O aluno pode usar todos esses
elementos sociais como fonte de idéias, de conhecimento ou de
problemas a serem resolvidos através do uso do computador
(VALENTE, 1998, p. 5).
Portanto, as experiências educacionais que envolvem o uso do computador
atentam para o estabelecimento de novas relações que este uso estabelece. Favorece
proximidade entre educando e professores pela necessidade de interação e colaboração.
Servem como fonte de informação e auxiliam no processo de construção de
conhecimento. Ainda, desenvolvem a capacidade de autonomia, pois estimula os
processos de análise, reflexão, criação. No entanto, para sua aplicabilidade, merece
sempre ser enfatizada, a necessidade de uma estruturação física, curricular, de formação
profissional e de considerações pertinentes às peculiaridades do educando, entre outros.
Acontece, no entanto, que normalmente o uso do computador está relegado a ser um
simples equipamento que permite ao educando adquirir conceitos de informática e a isto
se limita à inserção do computador na educação.
Valente (2002) enfatiza que utilizar o computador em educação requer que os
professores tenham conhecimento sobre os potenciais educacionais deste recurso e
ainda sejam capazes de alternar, adequadamente as atividades tradicionais do processo
de ensino-aprendizagem e atividades que utilizam o computador. Assim, conforme
Valente (2002, p. 3), o computador utilizado enquanto ferramenta que propõe a
construção o conhecimento enfrenta enormes desafios, segundo o autor que reitera que
estes desafios implicam em: [...] entender o computador como uma nova maneira de
Cláudia Luciene de Melo Silva
1695
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
representar o conhecimento, provocando um redimensionamento dos conceitos já
conhecidos e possibilitando a busca e a compreensão de novas idéias e valores. Reforça
que tal finalidade requer que se analise cuidadosamente o que significa ensinar e
aprender e também, rever o papel do professor neste contexto e que a formação deste
profissional representa muito mais que simplesmente conhecer sobre computador,
implica experiência, vivência. Do processo de formação do professor é esperado, no
entanto que possibilite o conhecimento sobre as técnicas computacionais, o
entendimento sobre como e porque integrar o computador na prática pedagógica,
superar barreiras de ordem administrativa e pedagógica que favoreça a superação da
fragmentação do ensino em prol de uma abordagem integradora que contemple a
resolução de problemas específicos de interesse dos educandos. Valente (2002, p. 4)
resume então sua proposta:
[...] o curso de formação deve criar condições para que o professor
saiba contextualizar o aprendizado e as experiências vividas durante
sua formação para a sua realidade de sala de aula, compatibilizando
as necessidades de seus alunos e os objetivos pedagógicos que se
dispõe a atingir.
Sabe-se, no entanto, que a utilização do computador enquanto instrumento que
viabiliza a construção do conhecimento, não depende exclusivamente da formação do
professor embora esta formação constitua um elemento chave nesse processo de
integração da informática à educação. Valente (2002), reconhece este fato afirmando a
importância de toda comunidade escolar estar envolvida nesse processo de mudança,
sobretudo na formação de um novo profissional e relembra que a informática é um
elemento dessa mudança e consiste em muito mais do que, simplesmente, montar
laboratórios de informática.
Assim acredita-se, firmemente, que o computador favorece a construção do
conhecimento, que pode ser utilizado de forma interdisciplinar, no entanto, é mister
destacar que integrar esse recurso a prática pedagógica sugere muito mais que ensinar
os educandos a manuseá-lo. Faz-se necessário contextualizar o instrumento às
necessidades e peculiaridades dos educandos e fundamentar a prática em uma
abordagem teórica sobre a aprendizagem que defenda a construção do conhecimento
por meio de uma mediação pedagógica que reconheça a valorização do saber prévio do
educando, que estimule a reflexão e a participação e não, simplesmente, perpetuem
Cláudia Luciene de Melo Silva
1696
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
práticas tradicionais e posturas de submissão. São necessárias mudanças não só na
estrutura física, mas, sobretudo, mudanças na proposta curricular, na forma de conceber
e utilizar o computador enquanto instrumento pedagógico.
REFERÊNCIAS:
ALENCAR, Eunice Soriano de (Org.). Novas Contribuições da Psicologia aos
Processos de Ensino e Aprendizagem. 3ª ed. São Paulo: Editora Cotez, 1995.
BARROS, Cláudia Maria montenegro C. da Cunha. Jogos Eletrônicos: qual a
dose certa? Revista Pediatria Moderna, Vol. XXXV, JAN/FEV. São Paulo: Moreira
Junior Editora Ltda, 1999. Disponível em: http//www.moreirajr.com.br Acesso em: 23
mar.2002.
DELVAL, Juan. Niños y máquinas: Los ordenadores y la educación. Madri,
Alianza, 1986.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência: o futuro do pensamento na era
da informática. Trad. Carlos Irineu da costa. Rio de janeiro. Editora 34, 1993.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da costa. 1ª ed. São Paulo.
Editora 34, 1999.
OLIVEIRA, Ramon de. Informática educativa. 3ª ed. Campinas – SP: Papirus
Editora, 1999.
PAPERT, Seymor. A máquina das crianças: repensando a escola na era da
informática. Tradução Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
VALENTE, José armando. A telepresença na formação de professores da
área de informática em educação: implantando o construcionismo contextualizado. IV
Congresso RIBIR, Brasília, 1998.
Cláudia Luciene de Melo Silva
1697
O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento
VALENTE, José armando. Informática na educação do Brasil: análise e
contextualização histórica. In. VALENTE, José Armando (Org.). O computador na
sociedade do conhecimento. Universidade Estadual de campinas – Campinas: Nied,
2002.
VALENTE, José Armando. Informática na educação: instrucionismo X
construcionismo.
Disponível
em:
www.catolicavirtual.br/Catolica/equipe/Leda/educacao.htm. Acesso em: 2006.
Cláudia Luciene de Melo Silva
1698
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
A ESTRUTURA CURRICULAR DO CURSO DE
LICENCIATURA EM GEOGRAFIA NA
MODALIDADE EAD – ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Cristiane Maria Nepomuceno
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
A ESTRUTURA CURRUCULAR DO CURSO DE LICENCIATURA EM
GEOGRAFIA NA MODALIDADE EAD – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Cristiane Maria Nepomuceno
(UEPB – CAMPUS I)
RESUMO: Este artigo apresenta objetiva apresentar algumas considerações sobre a
estrutura do curso de Licenciatura em Geografia na modalidade EAD da Universidade
Estadual da Paraíba (UEPB). O curso faz parte do Programa de Formação Inicial
para Professores em Exercício no Ensino Fundamental e no Ensino Médio,
conhecido como Pró-Licenciatura, e é oferecido a partir de uma parceria entre a UEPB
e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O referido Programa
objetiva a formação e qualificação do(a) professor(a) que atua em sala de aula na rede
pública, sem nível superior (ou quando tem apresenta nível superior em uma área
diversa da que efetivamente atua). O curso em questão constitui-se no universo de uma
pesquisa em desenvolvimento – financiada pelo PROPESQ-UEPB e PIBIC – cujo
objetivo é compreender, interpretar e explicar as possibilidades de mudança na atuação
do professor da Educação Básica, a partir de sua formação nos cursos de licenciatura a
distância, assim como, conhecer as potencialidades e os obstáculos encontrados no PróLicenciatura como modalidade de EaD. A pesquisa discute a modalidade EaD como
prática inclusiva, visto este modelo viabilizar o atendimento a um grande público em
diferentes municípios, oriundos tanto da zona urbana quanto da zona rural.
PALAVRAS-CHAVE: Educação a Distância; formação docente; Pró-Licenciatura.
O curso de Licenciatura em Geografia, que ora lhes apresento, aprovado em
2007 com as atividades iniciadas no primeiro semestre de 2008, faz parte do Programa
de Formação Inicial para Professores em Exercício no Ensino Fundamental e no
Ensino Médio, conhecido como Pró-Licenciatura. O referido Programa objetiva a
formação e qualificação do(a) professor(a) que atua em sala de aula na rede pública,
sem nível superior (ou quando tem apresenta nível superior em uma área diversa da que
efetivamente atua).
Os cursos são oferecidos de acordo com a demanda, em outras palavras, a
escolha pelo curso a ser ofertado se dá a partir do grau de carência do corpo docente em
relação a formação e das necessidades da população alvo.
Cristiane Maria Nepomuceno
1702
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
Em se tratando desta situação, o caso do Nordeste é um dos mais preocupantes, a
carência de professores licenciados em áreas específicas é muito alta. A Paraíba, dentre
os estados da região, é o que possui uma das situações mais grave. De acordo com
dados divulgados pelo MEC/INEP/SEEC (Censo de 2003), o percentual de professores
no Ensino Fundamental e Médio no Estado é seguinte: do total de 87.770 professores/as
do Ensino Fundamental, 44,07% não possuem formação superior; enquanto no Ensino
Médio, do total de 22.257 professores/as o percentual é de 24,14%. Sendo que as
situações das disciplinas matemática, física, química e biologia são as mais graves.
As outras áreas do conhecimento também apresentam problema, o conteúdo de
geografia, por exemplo, apresentar um elevado déficit de profissionais habilitados. Veja
a distribuição no gráfico abaixo que apresenta o número de professores que ministram o
conteúdo de geografia nos anos finais do Fundamental II e no Ensino Médio nas escolas
públicas da Paraíba e não possuem licenciatura na área:
Professores sem Licenciatura por Região de
Ensino
Regiões
Itabaiana, 12
Princesa Isabel, 10
Souza, 10
Cajazeiras, 16
Catolé do Rocha, 24
Itaporanga, 27
Patos, 17
Monteiro, 12
Cuité, 8
Campina Grande, 75
Guarabira, 26
Joao Pessoa, 55
Número de Professores
Fonte: Dados da SEC/PB e do INEP 2003
Neste sentido, destacou-se para fins de efetivação do projeto Pró-Licenciatura a
região Nordeste, por seu alto índice de educadores sem licenciatura nas séries finais do
Ensino Fundamental e no Ensino Médio. A opção pela modalidade a distância passou a
ser justificada pelos aspectos pragmáticos relacionados aos custos, localização
geográfica e inclusão tecnológica, associados aos aspectos relacionados ao processo de
mediação pedagógica - através do uso maciço das novas tecnologias de informação e
comunicação (NTIC’s) -, tornou-se esta modalidade um importante dispositivo na
Cristiane Maria Nepomuceno
1703
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
construção de novos paradigmas de formação e atuação dos professores na Educação
Básica.
O curso em questão, totalmente realizado na modalidade a distância, é oferecido
a partir de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
e a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Atende a um grande número de
municípios nos dois Estados. E como estabelecido no Pró-Licenciatura, o curso destinase especialmente a professores(as) em exercício nas redes públicas de ensino, nas séries
finais do Ensino Fundamental e/ou Ensino Médio que trabalhavam há pelo menos um
ano na função docente em rede pública e que não possuem a licenciatura na disciplina
em que o professor(a) esteja exercendo a docência. Todavia, um percentual das vagas
foi destinado a demanda social.
O que se espera do curso é que os(as) professores(as) em formação superior,
todas(as) em serviço, possam não só desenvolver as competências e habilidades
indispensáveis à formação docente na área que estiver atuando, como também refletir
sobre a sua prática e a realidade na qual está inserido(a).
O processo de seleção para o curso de Geografia ocorreu por meio de vestibular
simplificado, com ponto de corte diferente de zero. As provas objetivas foram de
Geografia, História, Português/Literatura, Biologia, Química, Matemática e Língua
Estrangeira, além de uma redação.
Para esta primeira turma foram disponibilizadas 420 vagas, deste total 180 vagas
foram destinadas ao Estado da Paraíba e o restante para o Estado do Rio Grande do
Norte. Todas as vagas foram preenchidas.
A “Área Geográfica de Abrangência” está dividida em 7 (sete) pólos de apoio
presencial, sendo: 4 (quatro) no Estado do Rio Grande do Norte (Nova Cruz, Caíco,
Macau e Pau dos Ferros) e 3 (três) pólos no Estado da Paraíba (Campina Grande, João
Pessoa e Catolé do Rocha). Estes pólos agregam os municípios assistidos na área
geográfica de abrangência, dessa forma os quatro pólos do Rio Grande do Norte dão
apoio a 84 municípios, enquanto os três pólos da Paraíba dão cobertura a 222
municípios, a saber:
NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
* Pólo de Nova Cruz abrange os municípios de Boa Saúde, Brejinho,
Espírito Santo, Jundiá de Cima, Lagoa D”anta, Lagoa de Pedra, Lagoa
Cristiane Maria Nepomuceno
1704
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
Salgada, Montanhas, Monte das Gameleiras, Passa e Fica, Passagem, Pedro
Velho, Santo Antônio, Pedro Velho, São José do Campestre, Serra de São
Bento, Serrinha e Várzea;
* Pólo de Caicó – abrange os municípios das regionais de ensino de Caicó e
Currais Novos abaixo discriminados:
Caicó - Ipueira, Jardim de Piranhas, Jardim do Seridó, Jucurutu, Ouro
Branco, São Fernando, São João do Sabugi, São José do Seridó, Serra Negra
do Norte e Timbaúba dos Batistas.
Currais Novos – Acari, Carnaúba dos Dantas, Cerro Corá, Equador,
Florânia, Lagoa Nova, Parelhas, Santana do Seridó, São Vicente, Tenente
Laurentino e Cruzeta.
* Pólo de Macau abrange os municípios de Alto do Rodrigues, Galinhos,
Guamaré, Pendências e Porto do Mangue.
* Pólo de Pau dos Ferros abrange os municípios das regiões de ensino de
Pau dos Ferros e Umarizal abaixo discriminados:
Pau dos Ferros - Água Nova, Cel. João Câmara, Encanto, José da Penha,
Major Sales, Paraná, Pilões, Rafael Fernandes, São Francisco do Oeste,
Tenente Ananias, Alexandria, Dr. Severino, Francisco Dantas, Luiz Gomes,
Marcelino Vieira, Pau dos Ferros, Porto Alegre, Riacho de Santana, São
Miguel e Venha.
Umarizal – Almino Afonso, Frutuoso Gomes, Janduís, João Dias, Lucrecia,
Martins, Messias Targino, Riacho da Cruz, Serrinha dos Pintos e Viçosa.
NO ESTADO DA PARAÍBA
* Pólo de João Pessoa abrange os municípios das regiões de ensino de
João Pessoa, Guarabira e Itabaina abaixo discriminados:
João Pessoa - Alhandra, Baía da Traição, Bayeux, Caapora, Cabedelo,
Capim, Conde,Cruz do Espírito Santo, Cuité de Mamanguape, Curral de
Cima, Itapororoca, Jacaraú, Lucena, Mamanguape, Marcação, Mari,
Mataraca, Pedro Régis, Pitimbu, Riachão do Poço, Rio Tinto, Santa Rita,
Sapé, Sobrado.
Guarabira - Alagoinha, Araçagi, Araruna, Bananeiras, Belém, Borborema,
Cacimba de Dentro, Caiçara, Campo de Santana, Casserengue, Cuitegi,
Dona Inês, Duas Estradas, Lagoa de Dentro, Logradouro, Mulungu, Pilões,
Pilõezinho, Pirpirituba, Riachão, Serra de Raiz, Serraria, Sertãozinho,
Solânea.
Itabaina- Caldas Brandão, Gurinhém, Ingá, Juripiranga, Juarez Távora,
Juripiranga, Mogeiro, Pedras de Fogo, Pilar, Riachão do Bacamarte,
Salgado de São Félix, São José dos Ramos , São Miguel de Taipú.
* Pólo de Campina Grande abrange os municípios das regiões de ensino
de Campina Grande, Cuité, Monteiro, Itaporanga e Princesa Isabel abaixo
discriminados:
Cristiane Maria Nepomuceno
1705
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
Campina Grande - Alagoa Grande, Alagoa Nova, Alcantil, Algodão de
Jandaira, Arara, Areia, Areal, Aroeiras, Assunção, Barra de Santana, Barra
de São Miguel, Boa Vista, Boqueirão, Cabaceiras, Caturité, Esperança,
Fagundes, Gado Bravo, Itatuba, Juazeirinho, Lagoa Seca, Livramento,
Massaranduba, Matinhas, Montadas, Natuba, Olivedos, Pocinhos, Puxinanã,
Queimadas, Remígio, Riacho de Santo Antônio, Santa Cecília, São
Domingos do Cariri, São Sebastião de Lagoa de Roça, Serra Redonda,
Soledade, Taperoá, Tenório, Umbuzeiro.
Cuité - Baraúnas, Barra de Santa Rosa, Cubati, Damião, Frei Martinho,
Nova Floresta, Nova palmeira, Pedra Lavrada, Picuí, São Vicente do Seridó
e Sossego.
Monteiro - Amparao, Camalaú, Caraúbas, Congo, Coxixola, Gurjão, Ouro
Velho, Pararí, Prata, São Sebastião do Umbuzeiro, Santo André, São João
do Cariri, São João do Tigre, São José dos Cordeiros, Serra Branca, Sumé,
Zabelê.
Itaporanga - Aguiar, Boa Ventura, Conceição, Coremas, Curral Velho,
Diamante, Ibiara, Agaracy, Nova Olinda, Olho D’ Água, Pedra Branca,
Piancó, Santa Inês, Santana de Mangueira, Santana dos Garrotes, São José
de Caiana, Serra Grande.
Princesa Isabel - Princesa Isabel, Água Branca, Imaculada, Juru, Manaíra,
São José de Princesa, Tavares.
* Pólo de Catolé do Rocha abrange as regiões de ensino de Catolé do
Rocha, Patos, Cajazeiras e Souza abaixo discriminados:
Catolé do Rocha - Brejo do Cruz, Belém do Brejo do Cruz, Bom Sucesso,
Brejo dos Santos, Jericó, Lagoa, Moto Grosso, Riacho dos Cavalos, São
Bento, São José do Brejo do Cruz.
Patos - Areia de Baraúnas, Cacimba de Areia, Cacimbas, Catingueira,
Condado, Desterro, Emas, Junco do Seridó, Mãe D’Água, Malta, Maturéia,
Passagem, Quixaba, Salgadinho, Santa Luzia, Santa Terezinha, São José de
Espinharas, São José do Bonfim, São José do Sabugi, São Mamede,
Teixeira, Várzea, Vista Serrana.
Cajazeiras - Bernardino Batista, Bom Jesus, Bonito de Santa Fé,
Cachoeiras dos Índios, Carrapateira, Monte Horebe, Poço Dantas, Poço Zé
de Moura, São João do Rio do Peixe, São José de Piranhas, Santa Helena,
Santarém, Triunfo, Uiraúna.
Souza - Aparecida, Cajazeirinha, Lastro, Marizópolis, Nazarezinho,
Paulista, pombal, São Domingos do Pombal, São José de Lagoa Tapada,
Santa Cruz, São Bento, São Bentinho, São Francisco, Veirópolis.
O Curso possui uma carga horária de 2.850 horas, que será desenvolvida num
período de quatro anos, distribuídos ao longo de oito semestres letivos, estando assim
estruturado:
→ 1800hs de conteúdos curriculares de natureza científico-culturais;
→ 450hs de prática como componente curricular;
→ 400hs de estágio supervisionado, sendo permitido o aproveitamento de 200hs para o
professor em serviço;
Cristiane Maria Nepomuceno
1706
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
→ 200hs de atividades acadêmico-científico.
A ESTRUTURA CURRICULAR do Curso de Geografia está composta da
seguinte maneira:
Disciplinas
Primeiro Semestre
Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação
Introdução à Ciência Geográfica
Leitura, Interpretação e Produção de Textos
Informática e Educação
Segundo Semestre
Leituras Cartográficas e Interpretações I
Metodologia Científica
Geografia Física I
Organização do Espaço
Educação e Tecnologia
Terceiro Semestre
Estudos Contemporâneos da Cultura
Leituras Cartográficas e Interpretações II
Geografia Física II
Didática e Ensino de Geografia
Instrumentação para o Ensino de Geografia I
Quarto Semestre
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Formação Territorial do Brasil
Geografia Física III
Ecossistemas Brasileiros
Instrumentação para o Ensino de Geografia II
Quinto Semestre
Geografia Agrária
Geografia Urbana
Pesquisa e Ensino de Geografia
Geografia da População
Instrumentação para o Ensino de Geografia III
Estágio Supervisionado I
Sexto Semestre
Espaço, Tecnologia e Globalização
Geografia Regional do Mundo I
Geografia Regional do Brasil
Instrumentação para o Ensino de Geografia IV
Estágio Supervisionado II
Sétimo Semestre
Geografia do Nordeste
Estágio Supervisionado III
Estudos do Semi-árido
Geografia Regional do Mundo II
Cristiane Maria Nepomuceno
Carga Horária
Teoria /prática
60
90
75
90
Teoria/Prática
75
60
75
60
60
Teoria/Prática
60
75
75
75
75
Teoria/Prática
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60
75
60
75
Teoria/Prática
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75
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75
75
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Teoria/Prática
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Teoria/Prática
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75
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A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
Oitavo Semestre
Estágio Supervisionado IV
Teoria/Prática
100
FONTE: Projeto Político Pedagógico do curso de Licenciatura em Geografia
PERFIL DO PROFISSIONAL QUE SE DESEJA FORMAR
A Geografia de hoje é uma ciência com um campo vasto de interesse e atuação.
A busca do conhecimento do espaço assume uma nova ênfase: o espaço visto como uma
dimensão que produz e é produzido na relação, ou seja, o espaço natural e o espaço
produzido/transformado pelo homem, aí inclusas a sociedade (formas de relação,
organização e produção) e a cultura (práticas cotidianas, símbolos, códigos, regras...).
Razão pela qual, as questões relacionadas a sociedade e a cultura devem recebe atenção
especial no processo de formação do professor.
A proposta pedagógica na qual o curso de Geografia está ancorando, objetiva
desenvolver “competências que ultrapassem os domínios específicos dos conteúdos da
área, mobilizando saberes para a resolução de problemas diversos”. O que se espera
como resultado é um profissional que paute a sua prática numa postura “ética, crítica,
autônoma e criativa”, sempre imbuída pelo respeito à diversidade sociocultural. A
formação em Geografia na modalidade a Distância
(...) requer o contato com equipamentos, idéias, conteúdos,
metodologias que permitam a leitura e representação do espaço,
de forma abrangente. Essa condição qualifica o profissional com
dispositivos científicos e técnicos para interferir ética e
criticamente, construindo um conhecimento que leva em
consideração a preservação e a transformação da vida planetária,
respeitando a diversidade sócio-espacial e ambiental existente
(PPP Geografia, 2007, p. 17).
No Projeto Político Pedagógico do Curso (p.15 e 16) estão apresentadas as
competências e habilidades para o professor que se pretende formar:
Competências

Exercer atividades de docência, coordenação de projetos e
consultorias na área de educação geográfica;
Cristiane Maria Nepomuceno
1708
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações

Aplicar metodologia científica na realização de atividades de
planejar, executar e avaliar o processo de ensino e aprendizagem;

Interpretar representações ou tratamentos gráficos e matemáticoestatísticos;

Desenvolver investigações científicas sobre os aspectos sócioeconômicos, políticos e ambientais, e os processos deles resultantes;

Utilizar, produzir e disseminar conhecimentos voltados para o
ensino de Geografia no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio;

Estimular a análise crítica do espaço a partir de um compromisso
ético com a sustentabilidade sócio-ambiental.
Habilidades

Identificar e explicar a dimensão geográfica presente nas diversas
manifestações do conhecimento;

Articular elementos empíricos e conceituais, concernentes ao
conhecimento científico dos processos espaciais;

Reconhecer as diferentes escalas de ocorrência e manifestação
dos fatos, fenômenos e eventos geográficos, sejam eles pertencentes aos
domínios naturais ou sociais;

Planejar e realizar atividades de campo referentes à investigação
geográfica;

Dominar a construção de argumentos crítico-analíticos,
demonstrando a concatenação de idéias, de acordo com as normas
gramaticais da língua portuguesa;

Compreender os vínculos existentes entre a produção do espaço e
o processo de reprodução e transformação social;

Ler, analisar e interpretar produtos de sensoriamento remoto e de
sistemas de informação geográfica, e outros documentos gráficos e
matemático-estatísticos;

Compreender as dimensões política, social, econômica, cultural,
psicológica e pedagógica dos conteúdos escolares e do processo de
aprendizagem, no cotidiano da escola;

Dialogar com os sujeitos envolvidos no processo educacional,
compreendendo as diversas relações nele presentes, tais como: professoraluno, aluno-aluno, professor-professor; escola-família, escolacomunidade;

Incorporar ao processo de ensino-aprendizagem, as experiências
vividas pelos sujeitos nele envolvidos;

Organizar o conhecimento espacial, adequando-o ao processo de
ensino-aprendizagem em Geografia, para o Ensino Fundamental e
Médio;

Dominar os fundamentos didático-pedagógicos para o exercício
da docência no ensino de Geografia nas séries finais do Ensino
Fundamental e Médio.
Cristiane Maria Nepomuceno
1709
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
INFRA-ESTRUTURA DE APOIO
Cada pólo deverá contar com uma infra-estrutura que disponha, pelo menos, dos
seguintes espaços:
 laboratórios para demonstrações nas áreas específicas;
 laboratório de Informática, com computadores conectados à Internet;
 biblioteca, com acervo básico nas áreas de conhecimento do curso;
 videoteca, com material audiovisual de apoio;
 salas de atendimento de tutoria;
 sala de aula para as atividades grupais presenciais e avaliações;
 secretaria acadêmica e de gerência do pólo.
EQUIPE
O curso possui uma equipe composta por:
 O Coordenador do Curso em cada uma das instituições;
 Professores (a distância);
 Coordenadores para cada um dos Pólos;
 Servidores técnico-administrativos para cada um dos pólos;
 Tutores Presenciais;
 Monitores, preferencialmente alunos de cursos de pós-graduação, para darem
suporte aos professores na tutoria a distância.
MATERIAL DE APOIO E ATIVIDADES
Um dos pressupostos para elaboração do material de base para a realização do
curso foi considerar e usar o conhecimento do contexto que a aluno está inserido. Foi
assim que a proposta pedagógica do curso de Geografia na modalidade EAD estruturouse, elaborado tomando como referência o contexto social, econômico, político, cultural
e ambiental, tanto em nível global quanto local.
Para alicerçar uma formação profissional mais ampliada e
complexa, é necessário identificar, explicar, reconhecer,
articular, interligar, compreender e comparar os fenômenos
espaciais, ancorados em diálogos abertos com os variados
domínios do saber. É importante construir e consolidar reflexões
e práticas na direção da interdisciplinaridade. Devemos
considerar, nessa perspectiva, que para além do domínio dos
Cristiane Maria Nepomuceno
1710
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
conteúdos da área, é necessário que o professor tenha uma visão
ampla dos problemas e do lugar em que está inserido (PPP
Geografia, 2007, p.13).
Como o curso é desenvolvido na modalidade a distância, necessário se fez
elaborar um material de apoio didático projetado de forma a suprir a ausência do
professor, “substituir a presencialidade do professor”.
Esta condição fez com que no
curso se utilizasse “(...) prioritariamente materiais impressos, (...) isso, sem abrir mão de
uma das características mais básicas da EaD, que é a autonomia do aluno e sua
liberdade em aprender”, a saber:
ATIVIDADE DE FORMAÇÃO DO ALUNO
1. Presença em vídeo-conferência
2. Colaboração em feira de ciências
3. Apresentação de Seminários
4. Participação em mini-cursos
5. Apresentação de trabalhos em Congressos
6. Desenvolvimento de projeto de Extensão Universitária
7. Desenvolvimento de projeto de ensino de Geografia
8. Publicação de artigo em periódicos indexados
9. Publicação de artigos em revistas ou jornais de divulgação local ou regional
10. Monitoria
11. Participação em chat
12. Permanência no pólo quando da visita do tutor a distância
13. Trabalho de campo de pesquisa
14. Cursar disciplinas não obrigatórias das matrizes curriculares dos Cursos de EaD
15. Atividades culturais
FONTE: Projeto Político Pedagógico do curso de Licenciatura em Geografia
À GUISA DE FECHAMENTO
A ênfase na formação dos conteúdos de sua área está explicitada apenas no
primeiro eixo citado. A formação teórica sólida e consistente está associada de forma
direta com os princípios políticos e éticos que, dependerão, exclusivamente, do
ambiente cultural no qual o professor estiver inserido. A proposta de formar um
educador capaz de “propor e efetivar as transformações político-pedagógicas na escola”
é uma afirmação contundente de que as estruturas organizacionais e pedagógicas das
Cristiane Maria Nepomuceno
1711
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
escolas hoje não são adequadas ao que parte das políticas públicas considera aceitável
para uma educação de qualidade.
Ao conectar em seus eixos a compreensão de uma escola (na visão do professor)
como um espaço social, sensível à história e à cultura locais com uma ação afirmativa
de inclusão digital através da viabilização da apropriação dos educados das tecnologias
de comunicação e informação, nos parece que a decisão em formar professores através
da modalidade a distância não é apenas uma opção fundamentada em questões
operacionais (tempo, limites geográficos e custos).
As estratégias para a formação de professores no Pró-Licenciatura (sempre
enunciadas em caráter de mudança, transformação ou construção), apresentam a
estratégia do programa para alcançar seus objetivos de transformação, através de dois
itens intitulados “a escola que queremos e o professor que queremos”. Ao propor que o
professor deverá “viabilizar o desenvolvimento de novas e mais complexas estruturas e
relações com o mundo real e com o conhecimento”; ou que “para um país justo e
igualitário, não se pode reforçar a cultura do individualismo e da ambição por status
econômico, em detrimento dos princípios éticos e de cidadania”, estão agregados
elementos da subjetividade que são complexos para uma posterior avaliação de sua
aplicabilidade.
Esta concepção de aprendizagem implementa o conceito de acessibilidade,
tratado aqui como o obstáculo maior hoje na sociedade do conhecimento: um mundo
dividido entre os que possuem acesso à informação e os que estão excluídos deste
processo. A questão é: uma vez garantindo a acessibilidade aos professores, mudando
completamente os paradigmas de sua formação, conseguiremos transformar sua atuação
no ambiente escolar? Estaremos construindo uma nova forma não apenas de atuação do
professor, mas sim de gestão escolar? A opção por uma metodologia a distância garante
as transformações nos processos individuais?
A formação do professor em uma modalidade com inserção tecnológica
embutida na própria metodologia de um curso na modalidade a distância, poderá
propiciar uma diferença significativa em sua atuação na Educação Básica. Ao fazer o
curso de Licenciatura na disciplina em que efetivamente atua, o professor que já exerce
essa atividade, possivelmente acumulará não apenas o conteúdo específico que leciona,
mas também inúmeras possibilidades pedagógicas que permitam uma atuação mais
Cristiane Maria Nepomuceno
1712
A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações
efetiva, inserida realmente em uma sociedade de informação e conhecimento. Assim, os
professores atuantes nos mais remotos municípios do interior da Paraíba, por exemplo,
travarão conhecimento com a Internet, software livre, descobrindo as inúmeras
possibilidades que o acesso à informação permite, ao mesmo tempo em que
desenvolvem um conceito de autonomia na aprendizagem na construção de sua própria
aprendizagem?
Uma questão central que também precisa ser tratada é se a opção governamental
pela modalidade a distância está inserida nas propostas de mudanças paradigmáticas,
inclusive considerando que o ensino presencial não é capaz de realizá-las a contento.
Para tanto, é de extrema importância para a compreensão da prática de EAD como uma
modalidade de ensino, entender as mudanças ocorridas na produção que são um reflexo
da transformação no padrão de acumulação econômica.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
PROGRAMA DE FORMAÇÃO INICIAL PARA PROFESSORES DO ENSINO
FUNDAMENTAL E MÉDIO (Pró-Licenciatura). In: http://portal.mec.gov.br.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO – Curso de Licenciatura em Geografia
Modalidade EAD. UEPB/UFRN.
Cristiane Maria Nepomuceno
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
REFLEXÕES SOBRE AMBIENTE
INFORMATIZADO E CURRÍCULO
Deise Juliana Francisco
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo
REFLEXÕES SOBRE AMBIENTE INFORMATIZADO E CURRÍCULO
Deise Juliana Francisco
Universidade Federal de Alagoas
RESUMO: O presente trabalho discute o processo de integração de tecnologias
informáticas em escolas brasileiras, tendo como objeto de reflexão a dificuldade de
relação entre seu uso pedagógico, a gestão escolar e o currículo. A discussão é realizada
a partir de dados de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, na qual foram
utilizados instrumentos como: diário de campo, observação participante e entrevistas
com o coletivo escolar. A partir da triangulação dos dados, analisou-se a implementação
de projeto de informática educativa em uma escola pública municipal. O foco deste
artigo será as formas de uso de ambiente informatizado propostas para docentes da
escola e a (des)articulação com o currículo. Aborda-se a necessidade de uma real
integração das tecnologias ao fazer escolar na perspectiva de gestão democrática, para
que haja a participação efetiva das tecnologias na construção de uma educação de
qualidade e transformação nos modos de ensinar e de aprender.
PALAVRAS-CHAVE: ambiente informatizado; currículo, inovação educativa.
As tecnologias relacionam-se com a sociedade e com seus modos de existência
(LÉVY, 1999). Em diferentes sociedades convivem tecnologias de várias épocas,
convivem a memória, a escrita, a comunicação via e-mail Da mesma forma, na escola,
convivem diferentes tecnologias (orais, escritas, informáticas) com agentes (estudantes,
docentes, pesquisadores/as, funcionários/as, comunidade, e outros) e culturas (escrita,
oral, informática, popular, escolarizada, etc.). Elas se articulam com o sistema
cognitivo, adentram e engendram modos de conhecer, modos de ser, de conviver em um
determinado contexto.
Na história da educação, as tecnologias são presença constante, desde o uso da
linguagem, do quadro, giz, rádio, televisão, computador e internet. Com relação aos
computadores, sua incorporação no cotidiano escolar e seu uso pedagógico tornou-se
mais recorrente a partir a década de 1980, como efeito de políticas públicas no campo
da informática na educação. Tal ocorrência se deu, por um lado, pelo desenvolvimento
das tecnologias informáticas (custos mais baixos e tamanho reduzido das máquinas) e,
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por outro, pelo incentivo governamental na busca de responder às “demandas
socioprodutivas” da sociedade e a “modernização” das escolas (AREA, 2006).
No Brasil, houve diversos projetos de implantação do uso de informática na
educação, tais como EDUCOM, EUREKA, GÊNESE, PROINFO.
Moraes (2002)
realiza uma análise de tais projetos e chega à conclusão de que, apesar das iniciativas,
há falta de integração das tecnologias ao currículo e à gestão democrática:
Apesar de apresentarem microcomputadores de capacidade técnica arcaica
à realidade atual, o grande problema evidenciado em pesquisas nesses
ambientes é a desarticulação no uso dessas tecnologias (ARAÚJO &
MORAES, 2006, 2007; MOREIRA & MORAES, 2007). Apesar de ser
atribuição dos NTE atender à capacitação dos técnicos, treinamento de
professores e manutenção dos equipamentos, o que se observou foi um
distanciamento desses núcleos até os laboratórios – resultando em
sucateamento precoce de equipamentos, uso inapropriado da ferramenta e
processos de ensino-aprendizagem desprovidos de integração com
currículo e se resumindo ao entendimento do professor sobre o uso da
tecnologia (ARAÚJO e MORAIS, s/d, p. 10).
Assim, na perspectiva de gestão democrática e de articulação entre tecnologias
digitais e o currículo vivenciamos um período incipente. Isso porque a inserção da
informática educativa em escolas tem sido efetivada através de estratégias de promoção
de reformulações do ensino, de seus métodos e objetivos, mas sem impacto sobre as
formas de gestão escolares. Este fenômeno parece ser recorrente no campo educacional
não só no Brasil, mas no mundo (AREA, 2006; SACRISTÁN, 1986).
Sacristán discute que a perspectiva neoliberal está subjacente a algumas destas
“inovações”, trazendo uma concepção de individualidade e a impossibilidade de se
organizarem projetos amplos de reformas educacionais. Neste sentido, a subsistência de
tais programas deve-se à carência de análise das condições das escolas, do ensino, dos
docentes, da cultura, dentre outras questões, por não contemplarem no planejamento
questões do cotidiano escolar. Isso porque a proposição de tais projetos é reiteradamente
utilizada como uma possível resolução para o ensino devido ao fracasso de planos
anteriores em atingir as metas preconizadas.
Na década de 1990, a implantação de núcleos de informática se dava de forma
isolada na escola, sem articulação com o planejamento mais amplo (GIRAFFA, 1991).
Com processos de implantação de informática educativa autoritários, discussões
segmentarizadas - nas quais a escola como um todo não foi envolvida nas discussões
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preliminares (OLIVEIRA, 1997), houve dificuldades na integração do projeto ao
currículo escolar, aliado à precária participação do poder público na manutenção do
projeto de informática nas escolas.
Assim, as tecnologias devem ser integradas no cotidiano escolar permitindo a
gestão do processo pela própria escola, de forma significativa (PRATA, 2002). Se o
processo for vertical, “de cima para baixo” - sem envolvimento dos atores educacionais
(gestores, professores, funcionários, pais, alunos) -, ou se adotar uma visão de
tecnologia como redentora dos problemas escolares, poderá seguir o caminho de várias
reformas – fracasso.
O currículo é aqui entendido enquanto uma construção social que organiza as
práticas educativas em instituições de ensino (SACRISTÁN, 2000), não é apenas a
grade ou a listagem de conteúdos a serem ministrados em determinada disciplina. Ele
articula formas de trabalhar e de ensinar, aproximando-se ou afastando-se de certas
práticas e espaços nos quais as mesmas são atualizadas, como ambiente informatizado,
biblioteca, etc.
A proposta de uso das tecnologias digitais na escola ancora-se na educação
cidadã e em pressupostos pedagógicos que visam o uso das tecnologias para educar e
não reproduzir modelos de escola transmissora de informações apenas. Portanto, no
encontro da escola com as tecnologias digitais, aposta-se no tensionamento de
currículos estruturados como grades que prendem os conteúdos. Não porque a
tecnologia teria “em si” esta propriedade, mas sim porque seu uso articula-se com
propostas educacionais inovadoras.Nesta mesma perspectiva, a articulação das
tecnologias com a gestão escolar é fundamental.
O presente artigo é um extrato de uma pesquisa mais ampla (XXX, XX) que
discutia o processo de a implantação de um projeto de Informática Educativa em uma
escola da rede pública do município de XX/XX. Aqui enfoca-se especialmente a
organização do ambiente informatizado e sua relação com o currículo escolar, na
perspectiva de propor uma integração das tecnologias à gestão escolar.
METODOLOGIA:
A abordagem metodológica utilizada foi de cunho qualitativo, procedendo-se a
utilização de análise de conteúdo, sendo os dados interpretados à luz do referencial
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teórico proposto. Foram realizadas observações participantes no transcorrer de 08 meses
de forma sistemática na escola e no ambiente informatizado, tanto com a presença de
docentes, coordenadoras do ambiente, estudantes e monitores. Tais observações
constituíram-se em diário de campo, composto por registros do ambiente de trabalho
bem como de apontamentos sobre fatos significativos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
De forma balbuciante, os computadores foram se inserindo no cotidiano escolar:
conversas das professoras pelos corredores comentando sobre a aprendizagem que as
crianças efetuam sobre o uso de computadores, de seus gritos eufóricos no fumódromo1
ao lembrarem-se de que “tipo” de estudante aprende mais rapidamente a navegar (o
mais desligado das atividades de aula, ou o que mais brigava, ou menos aprendia,...),
das gargalhadas sobre fatos inusitados ocorridos no ambiente informatizado. Enfim, dos
movimentos balbuciantes, articuladores de incipientes relações, emergência de
conexões, virtualizações, escritas mediadas, realizadas sob forma de hipertexto ou de
garatujas no papel.
Pode-se pensar, a título de metáfora, que o movimento manifesta-se em forma de
“nuvem” circundando um território (escola); “nuvem” esta que vai se dissipando,
descendo, tomando formas através da entrada nos interstícios das formas educacionais
instituídas que se abrem e são embebidas deste “éter”. No mesmo movimento, a
“nuvem” se cristaliza, colorindo-se de diversas cores e de diferentes tonalidades, de
acordo com a matéria que no território encontra. Desta mistura colorida acaba tendo
visualidade uma rede que dantes não existia. Rede composta de antes e depois
transformados em agora, pois que a constituição se dá no encontro. Formas instituintes e
instituídas do estabelecimento fazendo rizoma com as tecnologias digitais na escola.
A instalação do ambiente informatizado ficou reservada para ser efetuada na
semana de inauguração da escola: panóplia de arquitetura dos prédios, arquitetura da
sala de computadores, arquitetura dos computadores, decoração para as festividades,
utilização de novos espaços a serem constituídos lugares.
1
Ambiente “criado” na sala de professores/as, especificamente na ala em que ficam armários e café,
situado ao lado da janela, junto às plantas, tendo como função alojar as/os fumantes da escola.
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Inicialmente, conforme relato de agentes escolares, os computadores foram tidos
como elemento decorativo que poderia ser retirado a qualquer momento, tal como um
enfeite de porta, descartável após cumprir suas funções de embelezamento, apesar do
empenho dos agentes implementadores técnicos que, num curto lapso de tempo,
instalaram os computadores.
Assim, os computadores entram em clima de festividade e insegurança. Em
estando instalados, fez-se necessário deliberar sobre quem seria o/a responsável pelo
lugar, as atribuições, os usos, ou seja, sobre a colocação em funcionamento desta
maquinaria na escola.
A “montagem” do ambiente informatizado seguiu as regras gerais da escola para
a elaboração de projetos os quais são aprovados mediante votação pelo coletivo da
escola. Tal forma de escolha aponta um movimento de gestão democrática, na qual as
decisões escolares se dão de forma coletiva, com ampla possibilidade de participação
dos
docentes
que
demonstram
interesse
em
participar
de
determinadas
atividades/projetos. Foram, assim, elaboradas três propostas para uso do ambiente
informatizado, sendo duas as eleitas: uma para o turno da manhã e outro para o da tarde.
Tive acesso às três propostas quando estavam expostas na escola, no dia da eleição,
porém, detive-me nas duas “vencedoras”, relegando a segundo plano a terceira proposta.
A
discussão
aqui efetuada,
portanto,
fixa-se
na
bi-polarização
dos
encaminhamentos possíveis das tecnologias digitais na escola. Com esta informação,
assinalo que outras propostas advieram do meio escolar, não sendo, porém, aqui
contemplados, devido à polarização que também efetuei na discussão dos dados. Ou
seja, foram as duas propostas que vieram a se materializar na escola e a fazer parte de
seu cotidiano, constituíram-se na matéria-prima de análise.
As duas coordenadoras eleitas pelo coletivo da escola, uma para o turno da
manhã e outra para o turno da tarde, montaram sua própria proposta de utilização do
ambiente, tanto em nível administrativo quanto pedagógico. Desta forma, construindo
proposta sobre quem faria uso do ambiente informatizado (todos docentes, apenas os
interessados, os que tivessem projetos, os que tivessem noções de utilização de
microcomputadores prévia, os que não as tivessem, ou qualquer um deles, dentre outras
questões), horários de funcionamento do ambiente (seguiria ou não o horário da escola)
ou como proceder com relação à formação dos docentes.
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Na leitura das propostas inscritas para a eleição da coordenação do ambiente
informatizado, podemos constatar diferentes proposições com relação ao entendimento
sobre a inserção e usos do computador na escola.
A proposta do turno da manhã contempla uma íntima articulação com a
comunidade escolar e local, constituindo-se em proposição aberta, sem definições de
atividades específicas, com links com a comunidade local. Por sua vez, a proposta para
o turno da tarde é sistematizada, contemplando listagem de cursos e de conteúdos para
estes, com enlaçamentos com a preparação de estudantes da escola para o trabalho.
Um exemplo que explicita essa diferenciação relaciona-se à estruturação do
cronograma. O projeto matinal contempla uma fase de sondagem, seguida por
planejamento e utilização do computador com finalidade pedagógica e avaliação do
andamento do trabalho. A proposta da tarde é composta por quatro módulos de ensino
de softwares como MS-DOS, Windows 95 e Word 7.0, além de um módulo de
monitoria. Neste último, o link é feito com alunos/as da escola, com objetivo de
aprofundar conteúdos da linguagem de programação e prestar auxílio para o andamento
das atividades no ambiente informatizado.
Assim, a montagem do ambiente informatizado, de certa forma dividida a partir
de pressupostos diferenciados aponta uma similaridade com os desenvolvimentos
teóricos sobre informática educativa. Valente (1991), por exemplo, propõe uma
categorização de algumas formas de chegada do computador à escola, ou seja, os usos
que são feitos do computador no estabelecimento escolar, a saber: escola de informática,
informática na escola, escola com informática.
No primeiro item acima elencado - escola de informática - o computador entraria
na escola como uma nova disciplina na grade curricular, enquanto ensino de
informática, de softwares, na difusão da alfabetização informática (também denominada
de computer literacy). A preposição - de - indica o uso que é realizado da máquina,
sendo a informática “mais importante” do que a escola, no sentido de que o objetivo é a
informática, assim como existem escolas de culinária, de aviação, de mergulho, em que
a atividade fim do estabelecimento é designada pela partícula que vem após o de
(informática, culinária, aviação, mergulho, ...).
Desta forma, ensinar o manejo de aplicativos, como consta em uma das
propostas da escola, poderia ser alocada nesta categoria, pois implica o uso, o manejo de
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um instrumental. Os fins de tal ensino não podem ser determinados aprioristicamente,
porém, usualmente, as justificativas apontam para o caráter instrumental do ensino, no
sentido de preparar o estudante para o trabalho. Assim, este sairia da escola com uma
habilitação e com maiores possibilidades de competir no mercado de trabalho,
aumentando o contingente de trabalhadores com/de informática.
O segundo item - informática na escola - coloca a escola enquanto lugar no qual
vai ser alocada a informática. Assim, o foco está na maneira de tratar com as
informações que a informática cria, sendo realizada a utilização de um suposto
“raciocínio” informático.
Algumas características de tal raciocínio: o método que esta disciplina informática - lança mão, a saber, a decomposição de processos complexos em operações
simples, a forma de descrever os elementos e suas relações, bem como sua
classificação; operações essas que podem ser exemplificadas no uso de algoritmos.
Assim, ensinar a programar significa utilizar uma determinada habilidade dentre os
processos cognitivos possíveis. Como coloca uma professora da escola, o uso de
computadores desenvolve o raciocínio lógico de alunos e alunas, servindo, então, para o
entendimento de conteúdos da matemática.
O último item - escola com a informática - refere-se, segundo o mesmo autor
(ibid., p.48) a como organizar a presença do computador para o ensino de todas as
matérias, constituindo, portanto, a utilização didática de tal instrumento agora
escolarizado, aproximando-se, portanto, da proposta do turno da manhã.
Percebe-se que o uso do ambiente informatizado foi amplo no tocante às
possibilidades, aliando atividades que envolviam a Internet e o correio eletrônico.
Pode-se observar que foram se constituindo dois ambientes informatizados na
escola, com diferenciadas características e formas de apropriação pelas professoras, nos
dois turnos de funcionamento da escola por mim acompanhados (manhã e tarde).
Alguns indícios resgatados de falas das professoras da escola sinalizam que a escola tem
funcionamento diferenciado nos turnos (nas reuniões, normalmente eram efetuados
encaminhamentos no turno da manhã para depois serem “apreciados” no turno da
tarde).
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Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo
Para além disso, a atuação das coordenadoras foi diferente no que diz respeito à
atuação e envolvimento em reuniões pedagógicas, entrosamento com as colegas, dentre
outras questões.
Betty Collis (1996) analisou vários projetos de uso de informática nas escolas e
constatou três níveis de problemas que se repetiram nos ditos projetos. Tais problemas
relacionaram-se com a forma de implementação e com decisões que as coordenadoras
do ambiente informatizado tiveram que tomar quando da construção de seus projetos e
da ativação dos mesmos no cotidiano escolar.
O primeiro nível de problemas refere-se a dificuldades no uso de computadores
por parte da comunidade escolar e envolve: “brigas” com as máquinas e grande
dispêndio de tempo; em termos de máquina, havia falhas no funcionamento de
computadores e de softwares que, além disso, eram de difícil uso e instalação e/ou de
valor muito elevado; número escasso de computadores para utilização e/ou
aprendizagem por parte de alunos e alunas e de docentes das escolas; falta de acesso aos
computadores por estes ficarem isolados em uma sala restrita a poucos/as usuários/as;
inadequação das máquinas - computadores antigos, lentos, com memória limitada; falta
de tempo para aprendizagem dos docentes, dentre outras questões.
O segundo nível de problemas surge quando o primeiro está se esvanecendo,
seja por iniciativa de professores e/ou do estabelecimento escolar e/ou mantenedora
deste. Diz respeito à dificuldade de integração do computador ao ensino. Nesta “etapa”,
o software é tido enquanto não eficiente ou apropriado para os objetivos do ensino.
Posteriormente, alguns resultados positivos são descritos na prática, porém são
limitados a lições (tarefas educativas) individuais, bem como a professores/as e/ou
estudantes. Assim, acaba havendo uma relação entre “bons” professores e professoras e
o uso de computadores, tornando-se uma experiência isolada da escola como um todo e
imputada a características pessoais, sem ampliação e disseminação para outros/as
docentes.
A partir de observações realizadas na escola desde o início do trabalho das
coordenadoras, foram estabelecidas algumas categorias. Elas ressaltam diferentes
funcionamentos na interface humano-máquina. Assim, pode-se perceber, não é a
simples presença da máquina que demarca modos de experimentar e de usar, mas sim os
agenciamentos que constituem modos de relação (ALMEIDA, 2003).
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Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo
As diferenças acabam por configurar funcionamentos próprios para cada turno e
são postas sob forma de categorias para sua melhor visualização. Essas categorias foram
estabelecidas a partir da tendência predominante de ação do grupo de professoras. Fazse necessário esclarecer que tais tendências não são exclusivas de um turno da escola,
mas sim predominantes em um ou outro deles. Elas estão organizadas no quadro a
seguir:
CATEGORIAS
TURNO MANHÃ
TURNO TARDE
Tipo de atividades
desenvolvidas
Projetos vinculados a
conteúdos de sala de aula
Utilização pontual, sem
perspectiva de
desenvolvimento de
projetos
Planejamento
atividades
Antecipado e colaborativo
Isolado, preestabelecido
ou sugerido pela
coordenadora no
momento de uso do
ambiente informatizado
Papel de articulação da
coordenadora
Dentro e fora do espaço
oficial de reunião e entre
professores
Espaços oficiais de
reunião
Apropriação
pela
docente da proposta de
Informática
na
Educação
Assumindo seu papel de
professora no ambiente
informatizado
Delegando
responsabilidade
das
Quadro 1: Ambiente informatizado
A fim de explicar pormenorizadamente cada uma das categorias, suas
peculiaridades são elencadas:
1. Tipo de atividade desenvolvida no ambiente informatizado: refere-se à forma
como os recursos informáticos vêm sendo utilizados ao longo do tempo e de como estes
se articulam ou não com conteúdos desenvolvidos em sala de aula. Temos dois
direcionamentos, basicamente:
a) as professoras estão estabelecendo atividades cada vez mais estruturadas, e
muitas estão se encaminhando para projetos vinculados a conteúdos de sala de aula;
b) as professoras que utilizam computadores em sua prática pedagógica o fazem
de maneira pontual, sem perspectivas de desenvolvimento da atividade para
estabelecimento de um projeto.
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Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo
2.
Planejamento das atividades: refere-se à forma como as atividades são
concebidas e qual é o nível de colaboração entre coordenadoras e professoras na
elaboração destas:
a) professoras procuram a coordenadora para planejamento antecipado e
colaborativo das atividades que irão ser desenvolvidas;
b) professoras já vem com atividade preestabelecida (planejamento isolado), ou
perguntam à coordenadora o que é possível fazer no momento em que estão com os
alunos e alunas na sala.
3. Papel de articulação da coordenadora: aqui assinala-se de que forma e em que
espaços são feitos os contatos com as professoras na mediação entre o trabalho de sala
de aula e o ambiente informatizado:
a) professoras são procurados pela coordenadora, que faz papel de articulação
(inclusive entre professoras das diversas áreas do conhecimento) dentro e fora do espaço
oficial de reunião;
b) professoras só são procurados pela coordenadora nos espaços oficiais de
reunião para questões organizativas e propostas de uso delineadas pela própria
coordenadora.
4. Apropriação pelo professor de tecnologias digitais: refere-se ao engajamento
em relação à utilização dos recursos informáticos por parte dos professores em sua
prática pedagógica:
a) gradativamente as professoras estão assumindo seu papel de coordenadores da
atividade a ser desenvolvida, com apoio da coordenadora do ambiente informatizado;
b) professoras delegam a responsabilidade da atividade desenvolvida à
coordenadora do ambiente informatizado.
O quadro ilustrativo e as explicitações pormenorizadas apontam que uma das
coordenadoras preocupa-se com a aprendizagem dos alunos e alunas no sentido amplo
(desenvolvimento cognitivo, social, afetivo, etc.) e em interagir com professoras e
professores. A outra se preocupa com a aprendizagem com relação à apropriação da
tecnologia e questões formais (ortografia); sua interação é pontual e limitada somente à
atividade desenvolvida naquele período pela professora.
A primeira tem uma postura que encaminha para a autonomia das professoras
que fazem uso do ambiente informatizado e para a eliminação de seu próprio cargo;
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Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo
enquanto isso, a coordenadora do turno da tarde demonstrou uma postura voltada para a
dependência das professoras em relação à pessoa que “sabe de informática”; isto no leva
a pensar sobre o próprio lugar da coordenação e suas “funções”.
Analisando as tendências de cada turno, marcadamente diferenciadas, perguntome sobre os possíveis fatores que conduziram a esse fenômeno. A questão dos lugares instituído e instituinte - parece indicar uma das possibilidades explicativas.
Nessa perspectiva, a questão não é apontar quais habilidades e talentos das
respectivas coordenadoras teriam levado a tal ou qual encaminhamento. Dispo-me,
assim, de intenções meritocráticas expressas pelo uso de categorias como características
de personalidade, relações pessoais, dentre outras. Por isso, interessa-me discutir a
possibilidade explicativa de que o desempenho das coordenadoras é efeito também de
modos de sua própria institucionalização no papel. Uma delas, colocada inicialmente
em um não-lugar, aparentemente desprovido de legitimidade, lugar situado no entre,
porque não definido ainda pela força de sua nomeação/indicação oficial. Outra,
instituída antes de experimentar, legitimada antes de se tornar legítima, sintonizada com
o modo pedagógico instituído, nomeado, definido, num lugar que, por ter sido nomeado,
oficializado, instituído, também tornou-se sintônico com outros modos institucionais.
Entretanto, tais movimentos não são inflexíveis ou lineares, nem a ocupação de um
destes lugares pelas coordenadoras é de “posse vitalícia”. O apontamento aqui
demarcado refere-se à freqüência na ocupação de tais lugares observada durante a coleta
de dados nesta pesquisa.
Percebe-se que a forma de relação proposta entre o uso do ambiente
informatizado e o fazer pedagógico articula-se com concepções de currículo e de
informática. Ou seja, se a informática é um conhecimento necessário ela pode se tornar
uma disciplina do currículo ou funcionar efetivamente como isso; se é uma tecnologia a
ser operada em função das ações pedagógicas do docente, ela é uma atividade que
transversaliza a grade curricular.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise e discussão dos dados, pode-se afirmar que a inovação
pedagógica necessita ser pensada e articulada levando-se em consideração vários
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Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo
elementos do acontecer institucional escolar. Quando Área (2003) discrimina tais
elementos necessários, chama a atenção para a construção de um projeto institucional
que insira as tecnologias informáticas operativamente na ação da inovação educativa.
Para tanto, são necessários recursos e infra-estrutura adequados, formação de
professores e disponibilidade de recursos pedagógicos digitais e equipes de apoio a
professores e escola.
Nos projetos desenvolvidos pelas coordenadoras do ambiente informatizado da
escola percebemos que a infra-estrutura é necessária, porém não direciona os usos
possíveis, até porque os recursos disponibilizados eram os mesmos para os turnos de
funcionamento escolar. A articulação com o corpo docente e o currículo são peças
fundamentais para que a inovação na escola possa acontecer articulada com as
tecnologias digitais. Assim, reforça-se a necessidade de que o uso das tecnologias seja
um desejo do coletivo escolar e que se articule com as políticas curriculares
(MOREIRA e KRAMER, 2007).
Num primeiro momento, a cultura escolar de fragmentação, isolamento,
individualidade e dificuldade no compartilhamento das experiências pedagógicas (Área,
2003) pode direcionar alguns rumos da incorporação das tecnologias digitais,
transformando as tecnologias em algo escolarizado, ou seja, em elemento que segue a
lógica escolar. Porém, no embate entre o uso pedagógico das tecnologias digitais e a
organização escolar, pode haver brechas para que a escola se insira em outro patamar
educacional. Um patamar que envolve compartilhamento dos espaços escolares e não
escolares, incluindo aqui o ambiente informatizado e integração entre práticas de
diversas disciplinas escolares (SANTOS e BORGES, 2009).
A opção pela construção de ambientes informatizados nas escolas pode ser
pensado como um resquício da lógica escolar que separa ambientes e práticas
curriculares. Se a proposta é de integração pedagógica das tecnologias digitais enquanto
inovação pedagógica, a própria existência de uma sala para computadores pode ser
problematizada. Uma prática inovadora necessita de um ambiente informatizado? Ou
poderíamos utilizar os recursos articulados com as necessidades dos projetos
desenvolvidos na escola? A sala de aula pode ser um local adequado para instalação de
computadores?
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Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo
Finalizo o artigo trazendo estas reflexões que articulam currículo, espaços
escolares e tecnologias digitais.
REFERÊNCIAS:
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Deise Juliana Francisco
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Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
OS EFEITOS DA POLÍTICA NO CONTEXTO DA
PRÁTICA: O DISCURSO PEDAGÓGICO
RECONTEXTUALIZADO
Edilene Rocha Guimarães
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
OS EFEITOS DA POLÍTICA NO CONTEXTO DA PRÁTICA: O
DISCURSO PEDAGÓGICO RECONTEXTUALIZADO
Edilene Rocha Guimarães
RESUMO: O trabalho identifica os efeitos provocados pela política nas práticas
curriculares desenvolvidas no território do cotidiano escolar e as recontextualizações
produzidas no seu interior. Para isso realizamos observações diretas das práticas
docentes de sala de aula de três disciplinas do Curso Técnico em Edificações do
CEFET-PE. Nos resultados da análise dos dados, no que se refere às orientações do
discurso pedagógico oficial (DPO) dos anos 2000, para o ensino médio e educação
profissional, relacionadas às estratégias de “inclusão social”, não registramos temas ou
projetos e práticas integradoras que promovam a formação integral numa concepção
politécnica, indicando que os professores desenvolvem suas práticas curriculares de
forma alheia às orientações da política, fabricando as práticas docentes de forma
empirista e indutiva, enfraquecendo os efeitos primeira ordem da política como
provocadores de mudanças. Para concluir, indicamos a necessidade de realizar futuras
análises sobre os efeitos de segunda ordem da política no contexto da prática.
PALAVRAS-CHAVE: Política e Prática Curricular. Cotidiano Escolar. Discurso
Pedagógico.
Adentrando no cotidiano escolar para compreensão dos efeitos da política no
contexto da prática, faz-se necessário esclarecer alguns entendimentos teóricometodológicos sobre a pesquisa realizada no cotidiano. Nosso trabalho com o cotidiano
se volta para as experiências e vivências dos professores que participam e constroem o
cotidiano escolar. Assim, partimos da consideração que o estudo do cotidiano escolar
envolve três dimensões principais que se inter-relacionam: o clima institucional; o
processo de interação de sala de aula; a história de cada sujeito (ANDRÉ, M., 1989).
Quanto aos efeitos da política no cotidiano escolar, compreendemos que as
orientações de uma política são decididas através de um ciclo constituído por contextos
interligados de forma não-hierárquica, segundo ciclo de políticas defendido por Ball
(1994) em cinco contextos: contexto de influência, contexto da produção de texto,
contexto da prática, contexto dos resultados/efeitos e contexto da estratégia política.
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Esses contextos formam um ciclo contínuo produtor de políticas sempre sujeitas aos
processos de recontextualização, os quais são produtores de discursos híbridos.
Relacionando as dimensões que envolvem a pesquisa do cotidiano (ANDRÉ, M.,
1989) com a compreensão sobre os contextos da política (BALL, 1994), consideramos
que a dimensão que se refere ao “clima institucional” age como mediadora entre o
contexto da produção de texto, o contexto de influência nacional e local e o que
acontece no contexto da prática da escola. A dimensão que diz respeito ao “processo de
interação de sala de aula” envolve a relação professor aluno em seus contextos,
construindo um discurso pedagógico recontextualizado, a partir do discurso pedagógico
local (DPL) constituído pelos documentos institucionais. Já a terceira dimensão que
abrange a “história de cada sujeito”, manifesta no cotidiano escolar e em suas
representações, induz à organização de táticas relacionadas à reconstrução das
estratégias institucionais e das orientações da política nelas incorporadas.
Neste trabalho priorizamos o entendimento da segunda dimensão que diz
respeito ao “processo de interação de sala de aula”, visando compreender as interrelações entre prática docente e o discurso pedagógico recontextualizado.
Paralelamente à abordagem do ciclo de políticas adotou-se a teoria de Basil
Bernstein (1996, 2003) sobre o discurso pedagógico, “como referencial teórico para
analisar a natureza da política investigada” (MAINARDES, 2006, p. 59).
Partimos da consideração de que as orientações do discurso pedagógico oficial
(DPO) dos anos 2000, para o ensino médio e educação profissional, relacionam-se às
estratégias de “inclusão social”, incorporando um projeto de formação integral numa
concepção politécnica, com aproximação aos modelos pedagógicos de competência de
“modo radical”, que enfatizam as “regras distributivas” e “regulativas” envolvidas na
“identidade descentrada no local”, produzida por procedimentos de “introjeção”
(BERNSTEIN, 2003).
1 As Práticas docentes e o discurso pedagógico recontextualizado
Para compreender as inter-relações entre práticas curriculares e o discurso
pedagógico recontextualizado pela relação professor aluno, escolhemos como campo da
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Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
pesquisa o cotidiano do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco
(CEFET-PE) 1.
Realizamos observações diretas das práticas docentes de sala de aula de três
disciplinas do Curso Técnico em Edificações2, durante o 1º semestre letivo de 2007, na
modalidade subsequente: 1. Serviços Preliminares de Obras; 2. Planejamento e Controle
de Obras; e na modalidade integrada: 3. Materiais de Construção I. Para complementar
os dados, realizamos observações diretas de sala de aula, durante o 2º semestre letivo de
2007, da quarta disciplina: 4. Sistemas Construtivos (modalidade subsequente).
Conforme orientações metodológicas de Mainardes (2006, p. 60) para estudo do
ciclo de políticas, consideramos que a questão essencial do contexto dos
resultados/efeitos e do contexto da estratégia política é a reflexão profunda sobre
questões conjunturais e sobre as desigualdades sociais que são criadas ou reproduzidas
pela política, e que somente podem ser identificadas “pela pesquisa criteriosa do
contexto da prática por meio de observações prolongadas, entrevistas ou pesquisa
etnográfica”.
Destacamos que o contexto dos resultados ou efeitos – preocupa-se com
questões de justiça, igualdade e liberdade individual. Ball (1994) distingue entre efeitos
de primeira ordem e de segunda ordem. Os efeitos de primeira ordem referem-se a
mudanças na prática ou na estrutura e são evidentes em lugares específicos ou no
sistema como um todo. Os efeitos de segunda ordem referem-se ao impacto dessas
mudanças nos padrões de acesso social, oportunidade e justiça social.
Diante desse entendimento, nas observações diretas das práticas docentes de sala
de aula, priorizamos a identificação dos efeitos de primeira ordem que se referem às
mudanças na prática ou na estrutura da escola, através da análise do “texto pedagógico”,
enquanto texto produzido/reproduzido e avaliado nas relações pedagógicas de
transmissão/aquisição que se dão na sala de aula e expressam as vozes dos professores;
para isso tomamos como referência a abordagem de Bernstein (2003) sobre o
conhecimento recontextualizado (Anexos: Ilustração 01), na qual o autor define um
quadro analítico para os modelos pedagógicos de competência e de desempenho em
1
Atualmente Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco – IFPE – Campus
Recife.
2
O Curso Técnico em Edificações do CEFET-PE serviu como laboratório da SEMTEC/MEC para a
implantação da reforma da educação profissional no Brasil nos anos 1990.
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seus indicadores: 1. Categorias: discurso, espaço, tempo; 2. Orientação pedagógica para
avaliação; 3. Controle pedagógico; 4. Texto pedagógico; 5. Autonomia pedagógica; 6.
Economia pedagógica.
2 Modelos pedagógicos: o perfil do professor
Escolhemos para detalhar neste artigo as análises das observações diretas das
práticas docentes de sala de aula do Professor 03, da disciplina Materiais de Construção
I (modalidade integrada), e do Professor 04, da disciplina Sistemas Construtivos
(modalidade subsequente), por apresentarem indicadores mais diferenciados (Anexos:
Ilustração 02).

Perfil do Professor 03: Disciplina Materiais de Construção I (MC-I), III Semestre,
do Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio.
A disciplina Materiais de Construção I se configura como a 1ª disciplina da
formação técnica na matriz curricular do curso, junto com a disciplina de Topografia I.
O curso é oferecido na modalidade integrada, mas o 1º e 2º semestres do curso apenas
oferecem disciplinas da base comum do ensino médio. Os alunos são egressos do ensino
fundamental com faixa etária entre 14 e 19 anos.
A prática docente do professor 03 apresenta a “categoria discurso” com
classificação forte, relacionada à “transmissão” oral das competências especializadas,
que são associadas a exemplos concretos através de situações ocorridas no contexto
regional, associando-as às questões “meio ambientais”. Não há uma integração com
outras disciplinas como química e física, visando o desenvolvimento de atividades
interdisciplinares.
É
enfatizada
a
especialização
dos
sujeitos,
através
do
desenvolvimento de habilidades medianas relacionadas ao domínio dos conceitos
científicos, características e formas de aplicação dos materiais na construção civil,
definindo os códigos e as funções profissionais que serão assumidas pelos alunos na
divisão social do trabalho, mas que abre espaço para uma possível formação integral
numa concepção politécnica, que associe trabalho, ciência, cultura (RAMOS, 2005) e
meio ambiente. Os recursos didáticos tecnológicos, como apresentações em
retroprojetor e datashow, além de vídeos sobre utilização de materiais na fabricação de
elementos construtivos, são utilizados como facilitadores da exposição dos conteúdos. O
laboratório de materiais de construção apenas foi utilizado uma vez para aula expositiva
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ilustrada por exemplares desses materiais presentes no laboratório. As “regras de
reconhecimento” e elaboração de textos legítimos são explícitas sem haver uma
construção coletiva resultante de uma relação dialógica. Os adquirentes não têm
controle sobre a seleção, seqüência e ritmo. Os desempenhos e a estratificação deslocam
as diferenças entre os adquirentes, gerando incursões diferenciadas entre os adquirentes
em sala de aula, que são levadas para a inserção no mercado de trabalho daqueles que
mais se destacam por indicação do professor.
Na “categoria espaço” a classificação é forte; o espaço e as práticas pedagógicas
específicas são marcadas e reguladas pelo professor. Os adquirentes não possuem
liberdade para construção de seu espaço pedagógico, pois é previamente determinado
pelo professor. Os limites regulatórios são bem definidos pelo professor, que apresenta
aos alunos seu currículo enquanto doutor em engenharia, denotando uma relação de
poder que regula o espaço pedagógico da sala de aula. Por se constituir de uma turma
com faixa-etária entre 14 e 19 anos, o ambiente se apresenta agitado e com conversas
paralelas que são parcialmente controladas pelo professor.
O “tempo” futuro é enfatizado, visando a formação do profissional que domina
cientificamente as propriedades dos materiais e que aplicará no dimensionamento de
estruturas construtivas que serão utilizadas na atividade profissional. O tempo é
explícito ou minuciosamente pontuado como marcador das atividades relacionadas à
compreensão dos conceitos; no entanto, o professor no início da aula perde cerca de
30min organizando os recursos didáticos tecnológicos. A pontuação do tempo decorrida
durante o desenvolvimento da aula constrói o futuro do adquirente enquanto
profissional a ser inserido no mercado de trabalho. As atividades têm um
sequenciamento forte e bem definido. O ritmo é acelerado através da transmissão de
conceitos, mas o professor abre espaço para questões dos alunos. A ênfase recai na
“transmissão” do conhecimento, visando o tempo futuro da atividade profissional,
através da inserção do adquirente no mercado de trabalho. Assim, a dimensão do tempo
da prática pedagógica é o tempo futuro.
Com relação à “orientação pedagógica da avaliação” a ênfase está naquilo que
falta no produto, ou seja, no adquirente. O professor aplica provas individuais como
atividade avaliativa. As “regras de realização” das provas não são previamente
informadas aos adquirentes, pois só no momento da aplicação da 1ª prova o professor
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avisa que vai permitir a consulta em materiais didáticos como livros e anotações. Os
adquirentes desavisados não possuem instrumentos de consulta, fato que dificultou as
respostas dos adquirentes às questões. A prova configura-se como aplicação de
conceitos das ciências dos materiais na construção civil, quanto à importância do estudo
científico dos materiais, salientando as propriedades desses materiais e segurança
estrutural, conforto higrotérmico e durabilidade. As questões são estruturadas para
serem respondidas de forma dissertativa com formulações de conceitos e justificativas.
Para o semestre letivo são previstas duas avaliações. A ênfase da correção da prova está
nos elementos que faltam na resposta das questões como produto final. Como a ênfase
está na ausência no produto do adquirente, os critérios avaliativos são explícitos e
específicos, levando o adquirente à tomada de consciência de como reconhecer e
realizar o texto legítimo. Assim, o professor 03 tem como orientação pedagógica da
avaliação a ênfase nas ausências.
O espaço, tempo e discurso originam classificações e enquadramentos
explícitos, que são relacionados ao indicador “controle” e que são constituídos através
da “transmissão” de ordens relacionadas a critérios para compreensão dos conceitos,
definindo um controle de posição. O professor conduz os adquirentes à regulação
disciplinadora, visando a formação do profissional que irá atuar na supervisão das
atividades de canteiros de obras, mas o professor sente dificuldades de realizar esse
controle, devido aos adquirentes serem adolescentes na faixa etária entre 14 a 19 anos e
se apresentarem agitados e desconcentrados em sala de aula. O controle não é pessoal e
sim imperativo, visando o grupo de adquirentes no todo. Como a enquadramento é
forte, o transmissor tem um controle explícito sobre a seleção, seqüência e ritmos da
prática pedagógica, como também, os alunos são considerados em termos de atenção,
interesse, cuidado e esforço. Portanto, o controle é explícito.
Quanto ao “texto pedagógico”, é valorizado o desempenho do adquirente na
compreensão das propriedades dos materiais e sua aplicação em estruturas construtivas,
através da “transmissão” pelo professor de conceitos e exemplos ocorridos no contexto
regional. Esse desempenho é expresso por meio de notas, que origina um trabalho de
correção com uma teoria diagnóstica correspondente. A atuação do professor 03
consiste em uma prática pedagógica explícita que enfatiza a aplicação de
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conhecimentos; no entanto, o professor parece utilizar conceitos físico-químicos ainda
não conhecidos pelo adquirente e parte da consideração que o adquirente os domina.
A “autonomia pedagógica” relaciona-se a uma modalidade extrovertida, que é
regulada por agentes externos relacionados ao mercado da construção civil, não obstante
as influências internas do próprio sujeito. Devido à modalidade ser extrovertida, a
autonomia é baixa em virtude da regulação externa dos futuros desempenhos dos
adquirentes. No entanto, o professor possui uma autonomia relativa, uma vez que
desenvolve uma prática docente que valoriza a compreensão dos conceitos científicos e
sua aplicação nos materiais de construção. Os recursos didáticos como transparências e
datashow são elaborados pelo próprio professor, exigindo certo grau de autonomia.
Assim, o professor 03 apresenta uma autonomia relativa.
No que se relacionam à “economia pedagógica”, os custos de transmissão são
baixos. A formação está associada a uma base teórica mais elaborada, devido à
exigência da apropriação científica de conceitos com aplicabilidade nos materiais de
construção, mas a prática do professor não se baseia em atividades práticas
experimentais em laboratórios específicos ou nos canteiros de obras, que o aproxima
aos modelos pedagógicos de desempenho. O caráter explícito da transmissão faz com
que a prática pedagógica seja menos dependente dos atributos pessoais do professor,
desde que domine os conceitos científicos e tenha experiência profissional no mercado
da construção civil. O modelo é suscetível ao controle da gestão escolar em seus
aspectos econômicos, pois o planejamento e o monitoramento não geram custos
invisíveis, devido às estruturas explícitas da transmissão. Em resumo, a economia
pedagógica relaciona-se ao baixo custo.
Com relação às concepções sobre o “currículo integração”, caracterizado por
Bernstein (1996) como aquele que apresenta fronteiras entre as disciplinas pouco nítidas
com fraca classificação e enquadramento, destacamos que a prática pedagógica do
professor 03 não coaduna com essas concepções, pois não realiza uma integração da
disciplina Materiais de Construção I (MT-I) com outras disciplinas como a química e a
física, visando o desenvolvimento de atividades interdisciplinares, denotando a presença
de nítidas fronteiras entre as disciplinas do curso, demarcando forte classificação e
enquadramento, características que são encontradas no “currículo coleção”.

Perfil da Professora 04: Disciplina Sistemas Construtivos (SC), Módulo II –
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Execução de Obras, do Curso Técnico em Edificações Subsequente.
A quarta professora vem se destacar de forma bastante diferenciada da prática
dos demais professores. Na categoria “discurso”, a classificação é relativamente fraca,
mesmo que sua prática se relacione à “transmissão” oral de suas vivências nos canteiros
de obras como profissional da construção civil; através da utilização de exemplos
concretos e contextualizados que são associados aos conceitos teóricos específicos,
identificamos que sua prática é desenvolvida a partir dos saberes prévios dos alunos e
construída de forma dialogada com os alunos. É enfatizada a especialização dos
sujeitos, através do desenvolvimento de habilidades relacionadas ao acompanhamento
das atividades referentes aos sistemas construtivos de obras da construção civil,
definindo o código e as funções profissionais que serão assumidas pelos alunos na
divisão social do trabalho em níveis intermediários, que são enfatizados devido à
professora ser também supervisora de estágio. Os recursos didáticos tecnológicos, como
apresentações em retroprojetor e datashow, além de vídeos que mostram as etapas de
fabricação dos sistemas construtivos (fundações, alvenaria, pilares, lajes), são utilizados
como facilitadores da exposição dos conteúdos. São realizadas visitas técnicas às obras
da região como recurso didático, visando a aprendizagem através da explanação dos
processos construtivos pelos responsáveis da obra e da observação das atividades in
loco. Mesmo valorizando a transmissão, as “regras de reconhecimento” e elaboração de
textos legítimos estão implícitas. Os adquirentes têm relativo controle sobre a seleção,
seqüência e ritmo. No entanto, de modo semelhante aos demais professores, os
desempenhos e a estratificação deslocam as diferenças entre os adquirentes, gerando
incursões diferenciadas entre os adquirentes em sala de aula, que são levadas para a
inserção no mercado de trabalho daqueles que mais se destacam por indicação da
professora.
Já a “categoria espaço” possui uma classificação fraca. Existem poucos espaços
pedagógicos especialmente definidos, embora as visitas técnicas que são consideradas
como locais facilitadores da aprendizagem sejam claramente determinadas pela
professora. Os adquirentes têm algum controle sobre a construção de novos espaços
como locais pedagógicos, definidos pela participação dos alunos na construção de suas
competências através da elaboração e apresentação de seminários, como também, pela
participação no planejamento e organização das atividades da Semana de Ciência,
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Tecnologia e Meio Ambiente (SECTMA), realizada no período de 01 a 05/10/2007. A
circulação nos espaços é facilitada devido aos poucos limites regulatórios, não
restringindo o acesso e a movimentação.
Também na “categoria tempo” a classificação é relativamente fraca, mesmo o
tempo futuro sendo valorizado, como forma de garantir a formação do profissional que
vai acompanhar a execução dos sistemas construtivos das alvenarias, do concreto
armado e das coberturas nos canteiros de obras. O tempo não é explícito ou
minuciosamente pontuado como marcador das atividades relacionadas à compreensão
dos conceitos e detalhamento dos processos e etapas construtivas. Assim, o tempo
presente é enfatizado e seu sequenciamento apresenta-se fraco e implícito nas diferentes
atividades (sem uma sucessão aparente). Já o ritmo é relativamente acelerado através da
“transmissão” de conceitos e com exemplificação dos processos e etapas construtivas. A
professora abre um bom espaço para questões dos alunos. A ênfase recai na construção
do conhecimento que o adquirente está revelando em um momento particular, mas
também visa o tempo futuro da atividade profissional, através da inserção do adquirente
no mercado de trabalho.
No que se refere à “orientação pedagógica da avaliação”, a ênfase é dada naquilo
que está presente no produto do adquirente. A avaliação é formativa e se desenvolve de
forma processual no diálogo da professora com os alunos em sala de aula. A professora
estrutura trabalhos em equipe a serem construídos como atividade extraclasse e
apresentados em forma de seminário, como instrumento avaliativo de conclusão da
disciplina. Os critérios de avaliação do “discurso instrucional” são implícitos e difusos.
Já os critérios do “discurso regulador” das relações em sala de aula (critérios de
conduta, atitudes e relação) são mais explícitos, visando a orientação comportamental
para as futuras atividades profissionais dos adquirentes. Desse modo, a orientação
pedagógica da avaliação dá ênfase nas presenças.
Quanto ao “controle”, o espaço, o tempo e o discurso não originam
enquadramentos e classificações explícitos; essas variáveis não constituem nem
transmitem ordens. A falta de enquadramentos e classificações explícitos torna a
possibilidade e o uso do controle posicional uma estratégia de baixa prioridade. Além
disso, esse controle influi sobre o conceito do transmissor como facilitador e do
adquirente como auto-regulador. O controle, então, tende a ser inerente às formas
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personalizadas (que variam de aluno para aluno), as quais são realizadas em formas de
comunicação com enfoque nas participações, intenções, disposições, relações e
reflexibilidade do adquirente. Assim, os modos posicional e imperativo de controle são
menos privilegiados pela professora, que valoriza o controle implícito.
O “texto pedagógico” revela o desenvolvimento da competência do adquirente,
de modo cognitivo-comportamental, preparando o adquirente para inserção no mercado
de trabalho como gestores de obras, priorizando a formação de condutas relacionadas à
supervisão, controle e planejamento de obras; por isso há uma desvalorização das
atividades de execução das etapas dos processos construtivos. A professora opera com
uma teoria de leitura do produto que o adquirente lhe oferece através de sua participação
nas atividades da aula. Essa teoria de leitura marca a atuação profissional da professora
e se constitui como recontextualização das ciências sociais e psicológicas, as quais
legitimam esse modo pedagógico cognitivo-comportamental. Consequentemente, o
significado dos signos de um adquirente não está ao alcance do adquirente, apenas é de
domínio do professor.
A “autonomia pedagógica” relaciona-se a uma modalidade extrovertida, que é
regulada por agentes externos relacionados ao mercado da construção civil. Devido à
modalidade ser extrovertida, a autonomia é baixa, em virtude da regulação externa dos
futuros desempenhos dos adquirentes, enquanto gestores de obras civis. No entanto, a
professora possui uma autonomia relativa, que valoriza as características particulares
dos adquirentes e seus contextos, mas que constrói valores e atitudes a serem assumidos
nas condutas profissionais, enquanto funções de níveis intermediárias relacionadas à
gestão de obras. Os recursos didáticos são elaborados pela própria professora exigindo
certo grau de autonomia. Assim, consideramos que a prática docente da professora 04
relaciona-se a uma autonomia relativa, definindo o código e as funções profissionais
que serão assumidas pelos alunos na divisão social do trabalho em níveis
intermediários.
Com relação à “economia pedagógica”, os custos de transmissão são mais
elevados. A formação está associada a uma base teórica com aproximação aos modelos
pedagógicos de competência, por isso, existem custos invisíveis referentes aos aspectos
que são necessários para que a prática docente seja bem-sucedida em seus próprios
termos. Os custos invisíveis referem-se ao tempo despendido em cada tarefa. O
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Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
processo avaliativo formativo requer tempo para estabelecer o perfil do adquirente e
fornecer o feedback sobre seu desenvolvimento. Esses custos invisíveis não são
reconhecidos pela gestão escolar; fazem parte dos compromissos individuais da
professora, exigindo tempo para planejamento e monitoramento de sua própria prática.
Portanto, a economia pedagógica apresenta um custo elevado.
Diante dos indicadores analisados, podemos afirmar que a professora 04 possui
uma prática pedagógica que se aproxima dos modelos pedagógicos de competência, mas
que está relacionada à formação polivalente multiqualificação (DELUIZ, 1995). No
entanto, consideramos que a prática docente da professora 04 pode representar um
processo de recontextualização da formação polivalente multiqualificação, como uma
possível concretização futura da formação integral numa concepção politécnica.
Acreditamos na possibilidade de uma prática individual diferenciada influenciar na
construção coletiva de uma nova ordem ambivalente das práticas docentes (BAUMAN,
1999).
3 Modelos pedagógicos: o contexto da prática
Inicialmente, para a análise dos modelos pedagógicos no contexto da prática,
partimos da abordagem de Bernstein (2003) sobre modelos pedagógicos e seus modos,
em seus indicadores (Anexos: Ilustração 03). Podemos distinguir três modos distintos
de modelos de competência: liberal/progressivista; populista; radical. Para os modelos
de desempenho, podemos distinguir três modos de acordo com sua base de
conhecimento, enfoque e organização social: singulares; regiões; genérico.
A disciplina observada Materiais de Construção I (MC-I) faz parte da matriz
curricular do Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio, o qual
apresenta um regime semestral, agrupando as disciplinas em oito semestres, segundo
sistema de créditos, com tempo curricular total de quatro anos na modalidade integrada.
As observações realizadas demonstram que a prática pedagógica do professor dessa
disciplina tem aproximação aos modelos pedagógicos de desempenho relativo ao “modo
singulares”, a qual está inserida numa estrutura curricular composta por disciplinas
singulares que se apresentam na forma narcisista, orientadas para seu próprio
desenvolvimento, protegidas por limites e hierarquias fortes, não havendo movimentos
em direção à regionalização. No entanto, percebemos também influências externas que
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Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
vêm das relações com o mercado da construção civil, que trazem elementos dos
modelos pedagógicos de desempenho de “modo genérico” para o discurso pedagógico
recontextualizado do professor observado, como forma de produzir análises funcionais
das características subjacentes necessárias para a execução de uma habilidade, tarefa,
prática ou mesmo uma área de trabalho, visando a utilização eficaz dos materiais de
construção nos processos construtivos realizados nos canteiros de obras. A aula
acontece de forma contextualizada, através de exemplificações de situações ocorridas na
região, devido ao uso irregular dos materiais de construção; além de apresentar
exemplos práticos sobre controle de qualidade do produto, do conforto ambiental e das
questões meio ambientais, visando às necessidades do mercado da construção civil. No
entanto, essa contextualização relaciona-se, também, à “transmissão”, não havendo
atividades práticas experimentais em laboratórios específicos ou nos canteiros de obras.
Destaca-se que o Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio foi
implantado em 2006, após a publicação do Decreto nº 5.154/2004 e tem por princípio
uma proposta de integração entre os conhecimentos gerais e específicos, mas em nossas
observações não registramos temas ou projetos e práticas integradoras nessa forma
curricular, caracterizando apenas um currículo justaposto.
A disciplina observada Sistemas Construtivos (SC) faz parte da matriz curricular
do Curso Técnico em Edificações Subsequente e está localizada no Módulo II –
Execução de Obras. As observações realizadas nessa modalidade de ensino demonstram
que, mesmo com uma estrutura curricular que tem aproximação aos modelos
pedagógicos de desempenho relativo ao “modo regiões”, a disciplina Sistemas
Construtivos (SC) se apresenta de forma diferenciada das demais disciplinas, pois a
prática pedagógica desenvolvida tem aproximação aos modelos pedagógicos de
competência de “modo populista”, tomando como referência a validade das
competências comunicativas intrínsecas à gestão de uma cultura local relacionada aos
canteiros de obras da região, opondo-se às práticas curriculares predominantes no curso,
como forma de valorizar práticas e contextos pedagógicos locais. No entanto,
percebemos também influências externas que vêm das relações com o mercado da
construção civil, que trazem elementos dos modelos pedagógicos de desempenho de
“modo genérico” para o discurso pedagógico da professora observada, como forma de
produzir análises funcionais das características subjacentes necessárias para a execução
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Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
de uma habilidade, tarefa, prática ou mesmo uma área de trabalho, visando a gestão da
qualidade dos processos construtivos realizados no canteiro de obras. Alertamos que a
recontextualização realizada pela professora ainda valoriza a “transmissão”, não
havendo atividades práticas experimentais em laboratórios específicos e as visitas
técnicas às empresas visaram exclusivamente a observação in loco dos processos
construtivos realizados nos canteiros de obra, descartando a possibilidade de execução
desses serviços.
3.1 Modelos pedagógicos, oposições e identidades
Na compreensão dos modelos pedagógicos, suas oposições e identidades,
destacamos o quadro analítico definido por Bernstein (2003) para o campo da
recontextualização (Anexos: Ilustração 04), o qual apresenta as possibilidades
discursivas em dois eixos: controle e discurso. O controle se refere à função terapêutica
e econômica geral, e o discurso se refere ao modo pedagógico. Quanto à construção da
identidade é definida enquanto elementos introjetados e projetados.
As observações da disciplina Materiais de Construção I (MC-I) do Curso
Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio não permitem definir as
aproximações das identidades produzidas, devido ao curso ser criado recentemente,
possuindo apenas duas turmas e esta disciplina observada se configura como a primeira
disciplina da área técnica ministrada no curso, junto com a disciplina Topografia I.
Parece que a identidade ainda está sendo fabricada pelas práticas cotidianas, mas
percebemos que a tendência será a definição de uma “identidade projetada”, relacionada
aos “modelos pedagógicos de desempenho”, já que é um curso técnico voltado para a
inserção do aluno na futura atividade profissional a ser realizada nos canteiros de obras,
com visível valorização do fator econômico que envolve o mercado da construção civil.
Destacamos que a disciplina observada Sistemas Construtivos (SC) do Curso
Técnico em Edificações Subsequente, mesmo tendo aproximação com os “modelos
pedagógicos de competência de modo populista”, apresenta uma “identidade projetada”
vinculando-se ao contexto predominante do projeto curricular do curso (BRASIL,
2005). No entanto, como a matriz curricular permanece com as “disciplinas singulares”,
abre espaço para que as disciplinas desenvolvam uma nítida autovedação autônoma
firmando também “identidades narcisistas”. Essas identidades são elaboradas por
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Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
“procedimentos de introjeção”, que dificultam a integração curricular e geram práticas
curriculares ambivalentes e complexas (LOPES, 2005).
Através dos resultados da análise dos dados colhidos nas observações das
disciplinas podemos afirmar que as identidades produzidas são “projetadas” para uma
futura atividade profissional a ser realizada no interior dos canteiros de obras. As
características dessa identidade são provenientes dos modelos pedagógicos de
desempenho tanto do “modo regiões”, conforme orientações do projeto curricular que
são seguidas pelos professores, como do “modo genérico”, proveniente de influências
externas advindas do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
(CREA) e das empresas de construção civil da região.
3.2 O Campo de recontextualização e sua dinâmica
Para análise do campo recontextualizador e sua dinâmica, interessa saber como o
campo recontextualizador pedagógico (CRP) faz o deslocamento dos modelos
pedagógicos e seus modos que são propostos pelo campo recontextualizador oficial
(CRO), principalmente no que se refere às formas de aquisição/transmissão dos
conhecimentos e das competências especializadas (BERNSTEIN, 2003). Diante desse
esclarecimento, esta pesquisa considerou as possíveis influências das mudanças nas
políticas educativas e curriculares brasileiras, no que se referem ao deslocamento entre
modelos de competência e desempenho e seus modos, e suas recontextualizações no
contexto da prática, através das observações realizadas em sala de aula.
Destacamos que o professor da disciplina Materiais de Construção I (MC-I)
abandona o enfoque behaviorista predominante nos primeiros professores observados e
procura adotar uma abordagem pedagógica que valoriza a construção do conhecimento
a ser utilizado na atividade profissional futura, através do entendimento dos conceitos
científicos relacionados às características dos materiais e suas aplicações na construção
civil, revelando um avanço em sua prática docente, que está fundamentada nas teorias
construtivistas, mas que ainda direciona o campo recontextualizador pedagógico (CRP)
para bases teórico-metodológicas dos modelos pedagógicos de desempenho de “modo
singulares”, mesmo dentro de uma matriz curricular da modalidade integrada.
A professora da disciplina Sistemas Construtivos (SC) de forma diferenciada
insere-se no “campo recontextualizado pedagógico” (CRP) que tem bases teórico-
Edilene Rocha Guimarães
1747
Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
metodológicas dos modelos pedagógicos de competência de “modo populista”, que
possibilita a criação de práticas curriculares autônomas e de novas formas de aquisição,
visando a incorporação de aspectos emancipatórios, mas se apresenta de forma híbrida
com influência forte do “modo regiões”, devido à matriz curricular modular, e do
“modo genérico”, devido às influências externas relacionadas à economia de mercados.
Através dos resultados da análise dos dados coletados nas observações das
disciplinas, podemos afirmar que o campo recontextualizador pedagógico (CRP)
relacionado às práticas docentes possui suas bases teórico-metodológicas nos modelos
pedagógicos de desempenho de “modo singulares”, mas se apresenta de forma híbrida
com influência forte do “modo genérico” oriunda do mercado da produção civil. Esse
hibridismo abre espaço também para práticas diferenciadas que se aproximam dos
modelos pedagógicos de competência de “modo populista”, que podem provocar
mudanças nas práticas docentes dos demais professores, tornando-as mais ambivalentes
e complexas, mas que ainda se distanciam do “campo recontextualizador oficial” (COR)
dos anos 2000, que relaciona a formação integral às bases teórico-metodológicas dos
modelos pedagógicos de competência de “modo radical”.
3.3 O Estado e a recontextualização do discurso pedagógico oficial
Nas observações realizadas nas disciplinas não identificamos formas de
regulação oficial sobre os procedimentos recontextualizadores, principalmente no que se
refere aos novos ordenamentos embutidos nas orientações da política dos anos 2000,
relacionados à formação integral numa concepção politécnica, com aproximação aos
modelos pedagógicos de competência de “modo radical”. Como também, não
observamos mudanças nas práticas curriculares que incorporem princípios da formação
integral numa concepção politécnica, como efeito de primeira ordem provocado pelos
novos ordenamentos nas orientações da política dos anos 2000 (BALL, 1994).
3.4 Reorganização do capitalismo e a formação de identidades
Nossas análises serão dirigidas ao campo contemporâneo da formação de
identidades (Anexos: Ilustração 05) , que traz três novas construções fundamentais de
identidade, com oposições tanto no interior de cada construção como entre elas. Essas
identidades são definidas por Bernstein (2003) como: descentradas, retrospectivas e
prospectivas.
Edilene Rocha Guimarães
1748
Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
As disciplinas observadas têm suas identidades originadas nos significadores de
mercados da construção civil, visando a instrumentalização do aluno para atuar nesse
mercado como mão de obra especializada, semelhante ao que foi identificado na análise
do projeto curricular do curso (BRASIL, 2005). Assim, com relação à formação de
identidades no contexto de reorganização do capitalismo, as práticas curriculares estão
associadas à “identidade prospectiva de região”, com finalidades econômicas e
instrumentais, mas centradas nas necessidades locais de mercado, visando a inserção
futura dos alunos no mercado de trabalho regional, como forma de responder às
orientações do discurso pedagógico oficial (DPO) quanto às estratégias de “inclusão
social”, mas não incorporam no seu todo um projeto de formação integral numa
concepção politécnica, segundo orientações do discurso pedagógico oficial dos anos
2000, que enfatizam as “regras distributivas” e “regulativas” envolvidas na “identidade
descentrada no local”, produzida por procedimentos de “introjeção”.
Considerações finais
No processo compreensivo sobre os efeitos provocados pela política nas práticas
curriculares desenvolvidas no território do cotidiano escolar e as recontextualizações
produzidas no seu interior, quanto às orientações do discurso pedagógico oficial (DPO)
dos anos 2000, para o ensino médio e educação profissional, relacionadas às estratégias
de “inclusão social”, não registramos temas ou projetos e práticas integradoras que
promovam a formação integral numa concepção politécnica, indicando que os
professores desenvolvem suas práticas curriculares de forma alheia às orientações da
política, fabricando as práticas docentes de forma empirista e indutiva, enfraquecendo
os efeitos primeira ordem da política como provocadores de mudanças. Para concluir,
indicamos a necessidade de realizar futuras análises sobre os efeitos de segunda ordem
da política no contexto da prática.
Referências
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Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989.
BALL, Stephen J. Educational reform: a critical and post-structural approach.
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Edilene Rocha Guimarães
1749
Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução Marcus Penchel. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
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Edilene Rocha Guimarães
1750
Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
ANEXOS
Ilustrações
Ilustração 01 – Modelos pedagógicos: competência e desempenho
Fonte: Basil Bernstein (2003, p. 81)
Ilustração 02: Quadro Analítico do Discurso Pedagógico dos Professores
Fonte: o autor da pesquisa
Edilene Rocha Guimarães
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Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado
Ilustração 03 – Modelos pedagógicos e seus modos
Ilustração 04 – Modelos, oposições e identidades
Fonte: Basil Bernstein (2003, p. 95)
Ilustração 05 – Reorganização do capitalismo e a formação de identidades
Fonte: Basil Bernstein (2003, p. 105)
Edilene Rocha Guimarães
1752
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
POLÍTICAS EDUCACIONAIS E EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
POLÍTICAS EDUCACIONAIS E EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
Mestranda PPGE/UFPB
[email protected]
RESUMO: O presente artigo trata de uma reflexão sobre o uso das TIC - Tecnologias
da Informação e Comunicação no contexto da atual sociedade informatizada,
considerando que as mudanças apresentadas por estas tecnologias requer uma educação
continuada para sua implementação no cotidiano da escola. O grande desafio é preparar
o professor para a utilização das tecnologias da informação em suas disciplinas,
respeitando a heterogeneidade dos aprendentes, suas necessidades e ritmos de
aprendizagem, para que seja possível criar espaços de interação favorável ao
desenvolvimento crítico dos conteúdos e recursos tecnológicos utilizados, e criar
aportes científicos fundamentais para a formação de indivíduos competentes,
capacitados para lidar com as novas configurações e características sociais e políticas
atuais, e garantir bom nível de educação para todos.
PALAVRAS-CHAVE: Tecnologia Educacional, Políticas Educacionais, Recursos
Tecnológicos.
ABSTRACT: This article is a reflection about the use of ICT – Information and
Communication Technologies in the context of today’s information society, considering
that the changes presented by this technologies requires a continued education for its
implementation on the school’s routine. The great challenge is to prepare the teacher for
the utilization of the information technologies in their disciplines, respecting the
diversity of learners, their needs and learning rhythms, so that is possible to create
interaction spaces propitious to the critical development of the content and
technological resources used, able to deal with new configurations and social
characteristics and current politics, and to guarantee a good level of education for all.
KEY WORDS: Educational Technology; Educational Politics; Technology Resources
Introdução:
Na sociedade atual o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TIC) nos processos educativos apresenta uma profunda mudança na organização dos
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1756
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
seus principais segmentos, havendo quem a considere um novo paradigma técnicoeconômico, onde é preciso competência para transformar a informação em
conhecimento, e a dinâmica dessa sociedade requer uma educação continuada, que
permita ao indivíduo não apenas acompanhar as mudanças, mas, sobretudo, inovar.
Assim sendo, os produtos e serviços de informação, desde os dados, textos,
imagens, sons, softwares, vídeos, materiais impressos, hipertextos etc., são identificados
na rede Internet com o nome de conteúdos, e é por meio desta operação de redes de
conteúdos que a sociedade vai mover-se para a sociedade da informação.
De acordo com os argumentos de Castells (2001), é preciso aliar á
tecnologia a capacidade do indivíduo em aprender a captar, gerir, disseminar e aplicar o
conhecimento adquirido. As novas tecnologias da informação e comunicação permitem
que os indivíduos e grupos sejam conectados e desconectados num constante jogo de
decisões estratégicas: “nossas sociedades estão cada vez mais estruturadas em uma
posição bipolar entre a Rede e o Ser” (Castells, 2001, p.23).
Levy, (1999, p.169), afirma que: “Os indivíduos toleram cada vez menos
seguir cursos uniformes ou rígidos que não correspondem as suas necessidades e á
especificidade de seu trajeto de vida”. Ainda afirma a possibilidade de uma inteligência
coletiva, que se constrói no ambiente de rede, mediante uma necessidade pontual dos
seres humanos que intercambiam os saberes trocando e construindo novos saberes.
É uma constatação evidente tanto no discurso dos implementadores das
políticas educacionais de forma geral, escolas, universidades e agências de formação a
demanda de ações voltadas a Educação Continuada que contemplem o uso dessas
tecnologias.
A utilização prática das Novas Tecnologias cresceu significativamente com
o aumento das TICs nas escolas, nas universidades, nas empresas. Todos esses
segmentos sociais debruçam-se sobre esse filão na demanda de um conhecimento
integrado e contextualizado, onde o currículo precisa ser retrabalhado constantemente,
de acordo com a velocidade requerida pelos novos processos de formação.
Nesse contexto, o diálogo é essencial para a formação, contextualização e
troca de experiências para o estabelecimento de modelos mais atuantes e colaborativos
no plano educacional. O papel do diálogo é tão importante para a interação na escola
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1757
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
que Paulo Freire (1980) propõe uma concepção dialógica de ensino, colocando o
diálogo como uma forma de conscientização e libertação crítica.
A educação como elemento significativo do processo da formação humana
está sofrendo os impactos das transformações nas dinâmicas da produção e
disseminação do conhecimento. A evolução do conhecimento na sociedade
informatizada coloca como grande desafio à educação a necessidade de repensar seus
fundamentos e recriar métodos, isto é, aportes científicos fundamentais para a formação
de indivíduos competentes, capacitados para lidar com as novas configurações e
características históricas, sociais e políticas atuais.
Com o surgimento das novas tecnologias da informação e comunicação o
ensinar e o aprender exigem novos cenários educativos, capazes de oferecer novas
oportunidades didático-pedagógicas para a construção de uma pedagogia conectada as
necessidades de aprendizagem dos alunos. Para Freire & Shor (1986) o educador faz
com os seus alunos e não para os alunos. Com esta abordagem, o sujeito-aluno é
colocado diante de situações desafiadoras de modo a procurar alternativas para resolver
o problema apresentado e poder contribuir para seu crescimento pessoal.
Sancho (1998) define Tecnologia Educacional como sendo um processo
complexo, integrado, envolvendo pessoas, procedimentos, idéias, instrumentos e
organizações para analisar problemas, planejar, implantar, avaliar e administrar soluções
para estes problemas envolvidos em todos os aspectos da aprendizagem humana.
Para Almeida (2006), tecnologia é um conceito com múltiplos significados,
que varia conforme o contexto. Por isso, a tecnologia pode ser vista como: artefato,
cultura, atividade com determinado objetivo, processo de criação, conhecimento sobre
uma técnica e seus respectivos processos, etc.
Informática na Educação é hoje uma das áreas mais fortes da Tecnologia
Educacional e uma reflexão sobre os significados do termo “tecnologia” bem como
integrá-las à prática pedagógica é um bom começo para uma perspectiva ampla sobre as
possibilidades e limites das novas tecnologias da informação (TI) no cotidiano da
escola.
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1758
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
Políticas Educacionais
A conjuntura das políticas educacionais no Brasil demonstra sua
centralidade na hegemonia das idéias liberais sobre a sociedade. Isto revela que a
educação se molda de acordo com os interesses e objetivos do capitalismo.
A estratégia liberal continua a mesma: colocar a educação como prioridade,
apresentando-a como alternativa de “ascensão social” e de “democratização das
oportunidades”. Por outro lado, a escola continua sendo um espaço com grande
potencial de reflexão crítica da realidade, com incidência sobre a cultura das pessoas.
O ato educativo se constitui numa prática orientada para a formação
específica de alunos de acordo com uma visão de mundo centrada na hegemonia de
políticas seletivas. Isto é, políticas que priorizam a competição, as diferenças e a
distribuição das pessoas de acordo com classes sociais.
Como se sabe, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB –
Lei n.º 9.394/96) foi, sem dúvida alguma, responsável por uma nova onda de debates
sobre as políticas educacionais, sobre novos modelos de educação para o Brasil.
A sua maior incidência recaiu sobre as práticas desenvolvidas na sala de
aula, sobre a performance do professor e sua relação com o processo ensino
aprendizagem.
As regulações existentes nas políticas educacionais, a partir da LDB,
formulam novos paradigmas de educação e, ao mesmo tempo, parecem interessadas em
romper com o atual modelo de educação. Essa necessidade decorre da observação de
que o atual modelo imposto pelas políticas educacionais anteriores não consegue mais
responder pelas necessidades do atual momento histórico da sociedade brasileira.
Como se sabe, a educação nas sociedades modernas mais desenvolvidas
ocupa um lugar privilegiado. Ela recebe incentivos e busca fornecer aos alunos uma
formação sincronizada com as expectativas do mercado atual.
Nesse sentido, as políticas educacionais buscam essencialmente fornecer as
regras necessárias para a formação adequada dos alunos. Por isso, os princípios
estabelecidos pelas políticas educacionais incidem diretamente na sala de aula e no
modelo de educação exigido pela sociedade.
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1759
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
O desenvolvimento das ações e políticas educacionais no contexto do
neoliberalismo veio propor uma mudança ao papel do estado, sustentando que o
mercado deveria substituir a política. Esta proposta devolve ao cidadão, segundo os
neoliberais, o poder de decisão econômica e social, garantiria a eficácia das instituições
públicas desgastadas pelo Estado de Bem Estar Social.
Para o neoliberalismo, os gastos em serviços sociais aumentam
consideravelmente o trabalho improdutivo e criam mais assalariados, burocráticos com
estabilidade no emprego, que conseqüentemente, acarretam a falta de competitividade.
Outro pensamento neoliberal é que os problemas educacionais são pensados de forma a
transformar as questões políticas e sociais em questões técnicas, ou seja,
eficácia/eficiência de administração de recursos humanos e materiais, de má gestão,
desperdício de recursos, falta de produtividade dos professores, métodos ultrapassados,
e currículos inadequados.
Assim no discurso neoliberal a solução para os problemas citados seria a
privatização, para se alcançar uma Gestão de Qualidade Total. O que o discurso
neoliberal não diz é que a educação em nosso país não se encontra na situação atual
pelos motivos descritos acima, e sim por que a população a que servem está colocada
em posição inferior e subordinada às classes dominantes de poder.
A qualidade de vida, de saúde, de educação, do trabalho, já existe, só que
para uma minoria, uma classe privilegiada. Vale ressaltar que os aspectos relacionados
com a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) se faz pertinente e de grande relevância,
segundo Chiavenato (1999, p. 391) “para alcançar níveis de qualidade e produtividade
as organizações precisam de pessoas motivadas, que participem ativamente nos
trabalhos que executam e sejam adequadamente recompensadas pelas suas
contribuições. Ainda para o autor qualidade de vida significa “bons salários, bons
benefícios, cargos bem desenhados, clima organizacional sadio, estilo de liderança
eficaz, motivação intensiva, recompensas pelo bom desempenho, intensa comunicação e
interação, educação continuada e tudo mais” (p. 392). Assim, o ser humano não pode ter
qualidade de vida no trabalho se não pode usufruir de todas essas coisas.
Temos que enfatizar que na visão neoliberal o ponto de referência para
condenar a escola atual não são as necessidades das pessoas e dos grupos envolvidos,
sobretudo aqueles que mais sofrem com as desigualdades existentes, mas as
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1760
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
necessidades de competitividade e lucro das empresas, o que contraria totalmente ao
conceito de QVT - Qualidade de Vida no Trabalho.
Nesse contexto, há uma atenção especial ao processo de inserção das Novas
Tecnologias à Educação. Essas tecnologias representam instrumentos inovadores do
trabalho e práticas pedagógicas. É uma forma de conhecimento e uma estratégia que
visa implementar melhorias ao processo educativo.
É importante enfatizar que a sociedade da informação tem como
característica a velocidade de transmissão das informações, porém, isso não significa
que essas informações se convertam em conhecimento, para isso é necessário todo um
processo de aprendizagem por parte dos alunos dentro de uma realidade, de um contexto
cultural e social.
Lembrando Paulo Freire (1980), a educação se desenvolve a partir da
realidade do aluno com base na atitude de questionar o cotidiano e refletir sobre a
realidade por meio do diálogo problematizador, que favorece identificar o contexto do
aluno, sua realidade de vida e de seu trabalho.
Recursos e Importância das Tecnologias Aplicada à Informática
A tecnologia educacional aliada à didática deveria partir da compreensão,
das demandas para gerar propostas que assumam o sentido transformador da prática
educativa. Para isso, precisa-se recorrer à tecnologia, entendida na sua dimensão
instrumental: desde o giz aos computadores de última geração; na sua dimensão
simbólica: linguagem, escritura e sistemas de pensamento; na sua dimensão conceitual,
a informática e, por fim, no seu sentido social. Para Moran (2005), “educar com novas
tecnologias é um desafio que até agora não foi enfrentado com profundidade. Os
modelos de educação tradicional não nos servem mais. Por isso é importante
experimentar algo novo.” Ainda para o autor,
as tecnologias, dentro de um projeto pedagógico inovador, facilitam o
processo ensino-aprendizagem: sensibilizam para novos assuntos, trazem
informações novas, diminuem a rotina, nos ligam com o mundo, com as
outras escolas, aumentam a interação (redes eletrônicas), permitem a
personalização (adaptação ao ritmo de trabalho de cada aluno) e se
comunicam facilmente com o aluno, porque trazem para sala de aula as
linguagens e meios de comunicação do dia-a-dia. (MORAN, 1994, p.48).
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1761
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
Os objetivos educacionais precisam estar em consonância com os recursos
utilizados. Faz-se necessário avaliar as possibilidades e os limites de cada material
utilizado considerando sua adequação ao que está sendo proposto, tendo em vista uma
aprendizagem mais significativa no processo educativo e que atenda aos diferentes
estilos de aprendizagem do aluno.
Nesse sentido, é importante refletir sobre o suporte, ou tipo de educação
tecnológica a ser utilizada em cada caso. No conjunto de recursos tecnológicos,
destacam-se os seguintes materiais: impressos; audiovisuais; informatizados e redes de
comunicação; multimídia, especificados a seguir.
Mídia Impressa e Digital – Textos e Hipertextos
Historicamente o livro impresso ainda é tido como o mais importante meio
de difusão do conhecimento e o suporte das principais construções intelectuais, na
atualidade o material impresso continua como a mídia mais usada e de maior custo
benefício, mas também deixou de ser o único objeto de leitura.
Uma das finalidades do processo educacional nos dias atuais é estimular o
potencial criativo e o senso crítico dos alunos e professores, nesse contexto surgem os
livros didáticos muitas vezes repetitivos, e monótonos, com exercícios desestimulantes
não facilitam ao desenvolvimento da própria construção do conhecimento dos
educandos. Porém os livros didáticos são produzidos e destinados a uma determinada
proposta de ensino, de um lado alunos com lacunas de conhecimentos, de outros
professores necessitando de uma formação continuada e submetidos a precárias
condições de trabalho docente.
O livro didático tem e nunca vai deixar de ter uma presença marcante em
sala de aula, só que nos dias atuais ele deveria ser mais um dos elementos de apoio ao
trabalho docente. Nesse sentido, os conteúdos e métodos utilizados pelo professor em
sala de aula não estariam na dependência dos conteúdos e métodos propostos pelo livro
didático adotado, o que normalmente não ocorre, pois o livro traz tudo pronto,
detalhado, bastando mandar o aluno abrir a página tal e fazer exercícios tais, é mais fácil
para o professor. Para Nélio Bizzo (1999), (...) diante dos grandes problemas
educacionais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais e do baixo desempenho dos alunos
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1762
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
em testes padronizados, muitos educadores apontam o livro didático como o grande
obstáculo a impedir mudanças significativas nas salas de aula.
O livro didático é um instrumento muito útil como qualquer outro em sala
de aula e não está desaparecendo diante dos modernos meios de comunicação, e
“também não deve ser retirado do alcance do professor para que mudanças possam
ocorrer de fato”, a leitura de um livro apresenta inúmeras vantagens sobre outros meios
de comunicação, além da reflexão; o esforço para compreender; o que é altamente
disciplinador e educativo. Outra vantagem: o desenvolvimento da criatividade; o leitor,
muitas vezes; vai além dos fatos narrados: “lê” nas entrelinhas, usa a imaginação.
Portanto, considerando-se que ler é interpretar os símbolos gráficos e compreender-lhes
o significado, os objetivos da leitura na escola deverão principalmente levar o aluno: ao
desenvolvimento da habilidade de ler; utilizar-se da leitura como fonte de informação e
poder expressar-se corretamente e eficientemente.
A leitura aparece como um direito e uma exigência que se faz a quem quer
que pretenda se tornar um cidadão. Cabe a Escola abrir espaços para a prática da leitura,
compartilhando com os aprendentes, interpretando, discutindo, analisando, é preciso
não apenas ler o texto mas também ler o mundo nos textos.
Muitos livros deixaram de ser impressos e passaram a ser distribuídos em
formato eletrônico. O espaço oferecido pelo livro eletrônico é mais fluido e dinâmico,
permite ao texto uma maior transitoriedade e mutabilidade, reduz a distância que separa
o escritor do leitor e possibilita sua interação. Este novo modelo de espaço textual
facilita o surgimento de outros estilos de escrita e de novas estratégias didáticas para a
leitura e para a escrita.
Para Lévy (1993), o hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões.
Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos, seqüências sonoras, documentos
complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. O autor descreve algumas das
funções do hipertexto informático como: hierarquizar e selecionar área de sentido, tecer
ligações entre estas zonas, conectar o texto a outros documentos, arrumá-lo a toda uma
memória que forma uma espécie de base sobre o qual ele se destaca e ao qual remete.
Para Ramal (2001), o hipertexto é uma forma de organização da informação,
que tanto pode ser veiculada em um suporte estático como através de meios eletrônicos,
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1763
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
afirma ainda que, “ler é mergulhar nas malhas da rede, é perder-se, é libertar-se, na
medida em que a linearidade dá lugar ao hipertextual, ao móvel e flexível”.
O hipertexto guarda semelhança com o modelo mental proposto por
diversos autores, dentre os quais destaca-se Ausubel apud Rezende (2003), que
considera o pensamento de uma forma não linear, admitindo que a mente humana
funciona em uma lógica de associações que forma uma verdadeira rede. Ele diz “se eu
tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um único princípio, diria isto: o fato
isolado mais importante que informação na aprendizagem é aquilo que o aprendiz já
conhece, descubra o que ele sabe e baseie isso nos seus ensinamentos”
Para Ausubel (1980), o aprendizado significativo ocorre quando uma
informação nova é adquirida mediante um esforço deliberado por parte do aluno em
unir a informação nova com conceitos ou proposições relevantes preexistentes em sua
estrutura cognitiva. Quando o conhecimento é internalizado, ocorreu a assimilação, que
implica a adesão de um novo conceito à estrutura cognitiva da pessoa, gerando uma
reorganização da malha de significados, como resultado, uma nova estrutura cognitiva.
Computador - Internet
O uso do computador na escola se tornou um desafio e, ao mesmo tempo,
gerou mudanças significativas na concepção de ensino e aprendizagem. O computador é
uma ferramenta eficaz nos recursos que oferece à escola e ao professor. A inserção do
computador ao lado da internet na sala de aula tanto virtual como presencial, pode ser
considerado a grande mídia potencializadora da Educação a Distância, uma vez que, a
maioria das mídias usada em cursos nesta modalidade podem ser reproduzidas nos
microcomputadores e assim ampliar as perspectivas do processo ensino aprendizagem
devido a sua influência direta sobre o professor e o aluno, embora aquele ainda imponha
resistência quanto a sua utilização. Conforme observa Ponte (1992),
o computador por si só pode ser tanto uma contribuição positiva como
negativa, para o processo de ensino-aprendizagem, dependendo da forma
como for utilizado. Portanto, não se pode atribuir aos computadores a
responsabilidade por determinar autonomia ou a passividade dos alunos,
muito menos eles podem se constituir, por si só, em agentes motivadores da
aprendizagem..
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1764
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
Está nas mãos do professor e do seu trabalho, a formação de alunos
autônomos ou passivos, interessados ou desinteressados pelas suas aulas.
Uma das resistências do professor em usar o computador como ferramenta
de aprendizagem ainda é, parecer dependente do aluno na manipulação de programas e
de softwares e, por último, o temor de ser substituído, na sua prática pedagógica, num
futuro imediato, pelas possibilidades oferecidas pelo computador.
Tudo isso, de certa forma, faz parte do processo de mudança, de alteração de
paradigma. A escola mantém ainda uma posição conservadora, incapaz de exibir
procedimentos dinâmicos e eficazes que favoreçam uma prática crítica e inventiva. A
tecnologia da informática por si mesma não é a solução ideal. É preciso que haja uma
mudança de atitude, de postura intelectual e metodológica na concepção de ensino e de
aprendizagem, Como afirma Ripper (1996, p. 58):
O que é necessário é uma mudança na própria estrutura do ensino (...). Para
isso, é necessário preparar o professor para assumir uma nova
responsabilidade como mediador de um processo de aquisição de
conhecimento e de desenvolvimento da criatividade dos alunos. Introduzida
neste contexto, a tecnologia pode ser uma ferramenta valiosa, facilitando
esta intermediação e um atendimento mais individualizado, e ajudando a
remover barreiras ao processo de descoberta e ao acesso ao conhecimento.
Nesse contexto, a Internet aparece como possibilidade de aprendizagem e de
auto-aprendizagem dentro de uma realidade virtual, na qual o processo de interação com
o conhecimento pode ser mediado a partir do contato com outras pessoas que
demonstrem interesse pelos mesmos problemas.
A Internet pode ser considerada pelos professores como uma rede de troca
de informações, na qual a aprendizagem se desenvolve a partir de procedimentos
virtuais que ajudam na construção do conhecimento. Está trazendo consigo um novo
modelo de educação, uma forma diferente de aprendizagem, e precisamos entendê-lo,
apropriar-nos disso, ser protagonista da mudança. Paulo Freire sonhava com um lugar
em que o saber do aluno fosse valorizado, onde a relação vivida nas aulas fosse o ponto
de partida para uma grande transformação do mundo.
No cotidiano da escola, a Internet assume um papel importante. Ela pode ser
utilizada das mais diversas formas na prática educativa do professor. Em alguns casos,
pode se transformar em canal de comunicação entre professores de escolas diferentes,
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1765
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
em regiões diferentes, em países diferentes. Além disso, nela se encontra oportunidade
de pesquisa vasta. Pode-se pesquisar textos, imagens, filmes, música, banco de dados,
bibliotecas, páginas pessoais, ou ainda: “A pesquisa pode ser feita individualmente ou
em grupo, ao vivo - durante a aula - ou fora da aula, pode ser uma atividade
obrigatória ou livre” (MORAN, 2005).
O mundo eletrônico oferece um espaço para colaboração, cooperação, mas
sua utilização é tarefa para as pessoas.
Considerações Finais
O grande desafio da educação hoje é preparar os professores para usarem as
tecnologias da informação nas suas disciplinas. É dotá-los de uma prática educativa
reflexiva, dialógica, colaborativa e interdisciplinar. É fazer com que a escola saiba
aproveitar as oportunidades oferecidas pelas tecnologias da informação, sem perder o
seu lado crítico e reflexivo.
Desta maneira o que queremos alcançar com a inserção das novas
tecnologias no âmbito da escola é instigar o livre pensamento, a atuação mobilizadora
de professores na gestação de um modelo educativo relacional fomentador de igualdade,
criatividade e criticidade.
A comunidade escola, dessa maneira, deve buscar criar um processo no qual
seja possível satisfazer as necessidades dos alunos, adaptando-se aos vários estilos e
ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos.
A missão da escola não é apenas ensinar, mas também encontrar soluções
para responder as diversas necessidades que o processo de ensino aprendizagem faz
aflorar. Uma dessas respostas encontra-se em saber respeitar a diversidade e
heterogeneidade dos alunos, para que assim seja possível criar espaços de interação que
favoreçam o desenvolvimento crítico dos conteúdos.
Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1766
Políticas Educacionais e Educação Tecnológica
REFERÊNCIAS
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Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
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Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa
1768
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
COMPETÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO E AS
TECNOLOGIAS: UM ESTUDO BASEADO EM
TEXTOS BRASILEIROS E EUROPEUS
Gilberta Alessandra Redigolo
Renata Aquino Ribeiro
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
COMPETÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO E AS TECNOLOGIAS: UM ESTUDO
BASEADO EM TEXTOS BRASILEIROS E EUROPEUS
Gilberta Alessandra Redigolo
Mestranda em Educação
PUC-SP/SEE
Renata Aquino Ribeiro
Doutoranda em Educação
PUC-SP/CNPQ
RESUMO: No primeiro semestre de 2009 o Programa de Pós-Graduação em Educação:
Currículo da PUC-SP realizou atividade interdisciplinar com a junção dos cursos
Integração de tecnologias ao currículo: práticas e fundamentos, Epistemologia da
educação, Estudos avançados em currículo e Propostas Curriculares: Atividades de
pesquisa. O presente artigo tem como objetivo dar continuidade ao debate realizado por
alunos e professores do Brasil e de Portugal sobre as competências chave para a
educação, baseando-se na proposta curricular do Programa de Pós – graduação em
Educação: Currículo e texto de Portugal e da União Européia. Faremos uma abordagem do
currículo para além da transmissão de conteúdos de forma neutra, mas como um instrumento de
projeção das urgências de uma determinada sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: educação, competências, tecnologias, Brasil, Portugal.
Introdução
A discussão sobre competências chave ultrapassa o campo da educação e tem se
tornado cada vez mais central em áreas como governança e políticas públicas. Ainda
que sua raiz seja na área de recursos humanos, o tema das competências não se restringe
mais apenas a um conjunto de habilidades ou aptidões. No texto da OCDE, o conceito
de competência distingue três elementos:
As competências são definidas aqui como uma combinação de
conhecimentos, aptidões e atitudes adequadas ao contexto. As
competências essenciais são aquelas que são necessárias a todas as
pessoas para a realização e o desenvolvimento pessoais, para
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1772
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
exercerem uma cidadania activa, para a inclusão social e para o
emprego. (OCDE, 2006, p. 4) (grifo das autoras)
Os três elementos que determinam o conceito de competência também têm um
significado maior para a educação. Na área educacional o conceito de competências
tende a substituir as noções de saberes e conhecimentos e, na esfera do trabalho a noção
de qualificação. Compreende-se por competências o conjunto de elementos necessários
ao conhecimento que forma o currículo escolar.
Um currículo por competências, essência do contexto educacional, também
busca integrar o ensino das atitudes e a aquisição de habilidades necessárias para o
aluno na contemporaneidade o savoir-fare1, bem como, articular o conhecimento com
as competências que se espera que aprendam ao longo do percurso escolar.
O conhecimento torna-se um instrumento que por sua vez é mobilizado em
competências, reforçando o sentido cultural da aprendizagem. O currículo é a referência
para a ampliação e contextualização do conhecimento acumulado pela sociedade. As
tecnologias da informação disseminarão esse conhecimento, desconsiderando a escola
como a única detentora do saber. Assim, o currículo educacional, não é só uma questão
de algo que está meramente dentro da instituição escolar, mas algo que está no bojo da
sociedade.
A garantia da efetividade do currículo para o aprendizado de competências
depende, por sua vez, de outro aspecto na educação. A preparação do professor para o
cenário da aprendizagem por competências é objetivo básico do Estudo de
implementação do Projeto 'Competências Tecnologia da Informação e Comunicação' do
Plano Tecnológico da Educação (2009), realizado em Portugal. O estudo realizou uma
proposta para que pelo menos 90% dos professores portugueses possuíssem as
competências digitais básicas para operar com as tecnologias nas escolas.
Uma análise das competências essenciais para aprendizagem ao longo da vida,
conforme determinadas pela OCDE, e as competências TIC referidas no texto português
podem tornar ainda mais clara a importância da inserção do conceito de competências
para o contexto brasileiro. Já no Relatório DeSeCo (Definição e Seleção de
1
Savoir-faire, segundo Tanguy (1997), são as capacidades numa situação precisa, o grau de habilidade
que o aluno manifesta para resolver um problema proposto.
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1773
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
Competências-Chave2) de 1997, realizado pelo PISA (Programa Internacional para a
Avaliação dos Estudantes) para a OCDE, indicava a importância das competências para
a educação.
Incentivada pela globalização e a modernização, a União Européia buscou
valorizar as competências para garantir o aprendizado em todos os países membros. Ao
mesmo tempo em que estabelecia um padrão para a educação na Comunidade Européia,
um requisito básico para o Mercado Comum Europeu, que dependia do livre trânsito de
alunos e da formação de profissionais aptos a trabalhar em qualquer parte do continente.
O domínio das tecnologias foi apontado, já em 1997, como uma maneira dos
indivíduos utilizarem as ferramentas de maneira interativa, com a possibilidade de
comunicar-se em grupos heterogêneos e de atuarem de forma autônoma.
As tecnologias para a educação, ou conforme referida por Coutinho, como
Tecnologia Educativa (TE), atuam como um conceito integrado e definido pela Teoria e
Desenvolvimento Curricular (DC). O poder das tecnologias na era da globalização deve
ser considerado pelos educadores, mas ainda mais importante, é perceber como estas
fazem parte do contexto didático e devem ser integradas à concepção e desenvolvimento
de todo um projeto curricular (Coutinho, 2006, p. 1).
Partindo de objetivos macroscópicos de inserção de Portugal no cenário da
Comunidade Européia como um país que se destaca na integração das TICs à educação,
o Estudo para Implementação do Projeto “Competências TIC” (2009) examinou passos
para que essa integração se desse e delimitou áreas de atuação de um plano. O Projeto
‘Competências TIC’ pretende, portanto, identificar professores que possam atuar com
TICs em educação, certificá-los e promover a integração também para os alunos,
ultimamente.
Em atividade interdisciplinar realizada na PUC-SP, a recomendação da OCDE
(2006) sobre as competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida, o estudo
de Portugal e as conseqüências do Relatório DeSeCo (2009) foram analisadas. A
atividade envolveu os professores Antonio Chizzoti, Maria Elizabeth Bianconcini de
Almeida, José Armando Valente, Branca Ponce e Clara Coutinho. O debate possibilitou
a discussão de pontos importantes para o entendimento das competências para a
educação e sua relação com as tecnologias.
2
Este texto foi traduzido e estudado pelo PPG Educação Currículo da PUC-SP.
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1774
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
Em qualquer um dos documentos analisados, é patente que a concepção de
currículo desvinculada de um conjunto internacional de padrões, tais como as
competências-chave, perder-se-ia na efetividade de um mundo cada vez mais
globalizado. A educação superior na Europa, por exemplo, que passa pela
homogeneização relativa ao Processo de Bolonha, também é profundamente
influenciada pelo enfoque de competências que “supõem um redesenho da atividade
docente, o que inclui pois: uma educação centrada no estudante, novos papéis de
professores e alunado; maior determinação em relação aos objetivos; atividades
educativas organizando a aprendizagem na aquisição das competências” (BOLIVAR,
2009, P. 106).
O currículo e as competências
Em Grundy apud Gimeno Sacristán, (2000, p. 14) buscou-se uma definição,
que mais se aproxima do que consideramos ser o currículo, ou seja, uma construção “o
currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de um
conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência
humana. É, antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas”
As mudanças por que passa o currículo podem ser mais bem compreendidas com
a preocupação da aprendizagem por competências. O currículo passa por uma total
reformulação e os padrões antigos de desenvolvimento curricular são inadequados para
a nova sociedade de instabilidades por estarem presos à aprendizagem prescritiva
(Goodson, 2007, P.2). O currículo educacional passa a ocupar o centro dos conflitos
sociais, nele estão contidas todas as urgências da sociedade e são os professores os
principais atores neste processo.
O currículo depende da organização dos sistemas de ensino que, por sua vez, são
planejados tendo em mente a formação que os países pretendem dar a seus cidadãos. Os
currículos são elaborados pressupondo nessa perspectiva uma dada concepção de
homem, sociedade e educação.
Os dois modelos de sistema de ensino mais conflitantes são o americano e o
francês. No modelo americano, o conhecimento deveria ser distribuído do mesmo modo
em todas as escolas, garantindo a homogeneização e eliminando as desigualdades. Deste
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1775
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
modo, a escola que melhor assegurasse a produção e disseminação do conhecimento se
sobressairia, o que garantiria a excelência dos sistemas descentralizados de
administração escolar. Já o sistema de ensino francês era baseado na centralização. O
governo determinava qual conhecimento deveria existir nas escolas e a sua finalidade
era promover a identidade nacional, dentro do ideário republicano.
Ambos os modelos estão, atualmente, desafiados pelo conceito de competência.
Inicialmente, a preocupação dos sistemas de ensino era a transmissão das competências
básicas – ler e escrever. No entanto, com o crescimento da aceitação deste conceito e a
valorização do uso das tecnologias na escola, outras competências passaram a fazer
parte do repertório essencial da aprendizagem.
O modelo europeu de paradigma curricular é guiado por oito competências
chave ou indicadas para a educação obrigatória ou básica (a que vai dos 6 aos 14 anos).
São elas (Recomendação, 2006, p. 4):
1) Comunicação na língua materna;
2) Comunicação em línguas estrangeiras;
3) Competência matemática e competências básicas em ciências e tecnologia;
4) Competência digital;
5) Aprender a aprender;
6) Competências sociais e cívicas;
7) Espírito de iniciativa e espírito empresarial; e
8) Sensibilidade e expressão culturais.
As competências não são direcionadas apenas à assimilação dos conteúdos
escolares, mas a uma preparação mais completa do indivíduo, indicada por muitos
autores como holística. Além da abrangência da formação que compreenderia as oito
competências essenciais, este modelo educacional possui uma ligação intrínseca com
um projeto de empregabilidade futura. A idéia da competência está voltada para uma
ação final, voltada para a competitividade. Valoriza a aquisição da atitude adequada
para o mercado de trabalho global.
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1776
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
Destas competências, a competência digital é que se relaciona mais diretamente
com a integração das TICs ou TDICs (Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação) na escola.
No Plano de Competências TIC, a concepção do currículo relacionada à
competência digital é bastante clara. É esperado que cada cidadão possa utilizar as
ferramentas tecnológicas disponíveis e que possa tirar proveito para sua atividade
profissional. Ao professor, é dedicada a expectativa de que utilize este conhecimento no
planejamento de suas aulas e na gestão da escola, além de ser capaz de passar a
competência digital aos seus alunos. (Estudo, 2006, p. 30).
Aprendizagem da competência digital
A concepção do currículo que integra o aprendizado das competências está
coerente com o paradigma curricular europeu. Esta concepção exige ainda uma postura
construtivista dos docentes saindo o foco do ensino e passando o foco na aprendizagem.
Essa mudança no foco não exige maior quantidade de ensino e sim
ações que
favoreçam qualidade na aprendizagem.
Os pontos de interseção da tecnologia e do currículo para são quase que
transparentes nesta abordagem. Coutinho (2006 p.) vê a tecnologia como o braço
“operacional” do currículo para as questões da comunicação educativa. A tecnologia à
luz das Teorias Curriculares é apontada pela autora na divisão em teorias técnicas,
práticas e críticas Coutinho, (2006, p. 3). As teorias técnicas baseiam-se na idéia de
syllabus ou biblioteca básica e seguem um plano tecnicista. O professor é apenas um
operário do currículo. Já as práticas, olham o currículo como um processo interativo.
São humanistas e racionalizadoras. Valorizam as relações entre os personagens do
currículo. O professor é um protagonista. As pedagogias críticas têm em conta as
experiências do aluno e do professor. A existência de um “currículo oculto” tem efeitos
positivos. O objetivo é sentir-se socialmente valorizado. O professor é um team teacher
(professor em equipe).
É interessante notar que pode ser feito um paralelo com a divisão das pedagogias
e os tipos de certificações de Competências TIC no estudo de Portugal. São três as
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1777
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
certificações possíveis para o professor que utiliza as TICs na sala de aula: (Estudo,
2009, P. XIII) (grifos da autora):
Certificado de Competências Digitais – Utiliza instrumentalmente as
TIC como ferramentas funcionais no seu contexto profissional
Certificado de Competências Pedagógicas com TIC – Integra as TIC
como recurso pedagógico, mobilizando-as para o desenvolvimento de
estratégias de ensino e de aprendizagem, numa perspectiva de
melhoria das aprendizagens dos alunos.
Certificado de Competências Pedagógicas com TIC de Nível
Avançado – Inova práticas pedagógicas com as TIC mobilizando as
suas experiências e reflexões, num sentido de partilha e colaboração
com a comunidade educativa, numa perspectiva investigativa.
É possível ver nesses três níveis a mesma gradação das pedagogias técnicas,
práticas e críticas. Mais interessante ainda é notar o nível mais alto do aprendizado que
é une a prática pedagógica inovadora à mobilização com as TICs. O estudo esclarece
que o terceiro e último nível de certificação é uma perfeição a almejar, e a probabilidade
maior de certificação seria o segundo nível.
Para a obtenção do terceiro nível os professores deveriam estar inseridos em um
quadro de macro competências que asseguraria a capacidade de inovar com as TICs na
escola. Este quadro determina como Macro Competências do Professor: (Estudo, 2006,
p. XIV)
* Detém conhecimento actualizado sobre recursos tecnológicos e seu potencial de utilização
educativo.
* Acompanha o desenvolvimento tecnológico no que implica a responsabilidade profissional do
professor.
* Executa operações com hardware e sistemas operativos (usar e instalar programas, resolver
problemas comuns com o computador e periféricos, criar e gerir documentos e pastas, observar
regras de segurança no respeito pela legalidade e princípios éticos...)
* Acede, organiza e sistematiza a informação em formato digital (pesquisa, selecciona e avalia a
informação em função de objectivos concretos...).
* Executa operações com programas ou sistemas de informação online e/ou off-line (aceder à
Internet, pesquisar em bases de dados ou directórios, aceder a obras de referência...).
* Comunica com os outros, individualmente ou em grupo, de forma síncrona e/ou assíncrona
através de ferramentas digitais específicas.
* Elabora documentos em formato digital com diferentes finalidades e para diferentes públicos,
em contextos diversificados.
* Conhece e utiliza ferramentas digitais como suporte de processos de avaliação e/ou de
investigação.
* Utiliza o potencial dos recursos digitais na promoção do seu próprio desenvolvimento
profissional numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida (diagnostica necessidades,
identifica objectivos).
* Compreende vantagens e constrangimentos do uso das TIC no processo educativo e o seu
potencial transformador do modo como se aprende.
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1778
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
Este quadro de macro competências do professor ajuda a compreender porque o
terceiro nível é tão difícil de atingir. As competências já são pensadas dentro de um
contexto transdisciplinar. Obter tal nível de conhecimento da competência digital é
mesmo um objetivo ainda distante de muitos professores em período de adaptação até
mesmo às outras competências mais básicas daquelas recomendadas pela OCDE.
Considerando que o estudo também se refere ao pessoal não-docente, pode-se
considerar que integra então todas as partes de uma instituição escolar. Essa integração
tem como fim um currículo construído na prática e com uma concepção de
aprendizagem integradora onde as tecnologias despontam como extensão da capacidade
intelectual dos indivíduos.
As competências como o aprender a aprender também devem ser uma
preocupação de professores e alunos, pois na mudança constante das tecnologias, o que
aprendem mesmo em termos das macro competências apontadas, pode mudar em pouco
tempo. Assim, garantir a aprendizagem independente ao longo da vida é uma
necessidade.
Outro aspecto importante do terceiro nível de certificação de competência TIC
previsto. Para que o professor seja certificado para a competência pedagógica com TIC
de nível avançado, é preciso que mude sua concepção de ensino. Não basta apenas uma
formação em uma concepção de ensino neste modelo pedagógico com TIC. Caso o
professor não acredite na formação construtivista com as tecnologias, jamais será capaz
de reproduzi-la. Entretanto, se possui esta concepção pedagógica, poderá atingir este
nível, pois já o terá na base de sua prática.
O estudo de Portugal aponta ainda a necessidade “temporal” para o professor
aprender a usar e interagir as TIC nas suas práticas. Tempo para refletir, compartilhar,
avaliar processos e resultados na tentativa de superar os obstáculos dos professores na
implementação dos computadores nas suas práticas pedagógicas. Também relacionadas
ao fator tempo, aponta a relação entre as crenças e as praticas dos professores onde, na
prática, diferem-se cinco fases: Entrada, Adopção, Adaptação, Apropriação, Invenção.
Outro fator seria promover a confiança dos professores diante das tecnologias
priorizando o modo de usá-las.
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1779
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
COUTINHO (2006, p. 10-12) propõe em uma síntese outro modelo para
assegurar a integração do currículo e da tecnologia. As conclusões da autora são as
seguintes:
Ponto 1: Temos uma educação midiática.
Ponto 2: A globalização depende da educação para estruturar o mundo.
Ponto 3: As TIC formam cidadãos mais criativos, essenciais na era da informação.
Ponto 4: TE e Currículo terão de se aproximar e atuar em conjunto
Ponto 5: É necessário caracterizar então o modelo curricular para a era digital
Ponto 6: A escola deve combater a info-exclusão
Ponto 7: A formação de professores é essencial para usar os meios
Ponto 8: Deve-se adequar as estruturas da escola.
Ponto 9: Deve-se promover a alfabetização “informacional”
As propostas de Coutinho também se assemelham aos pontos identificados por
Almeida (2007 p.10) sobre a formação de educadores integrada a mídias. Tal formação
necessita da criação de uma cultura tecnológica, sendo imprescindíveis as contribuições
da integração das distintas tecnologias à educação, além da preparação de educadores e
formadores que incorporariam estas tecnologias ao seu dia-a-dia profissional e à sua
prática pedagógica.
Competência digital e o Brasil
O estudo é bastante relevante quando se procura compreender o panorama
brasileiro. Ainda que a realidade do país seja bastante diferente da de Portugal, o
caminho trilhado pela certificação de competências TIC pode ser pensado para a
realidade brasileira. Mesmo plano tecnológico de Portugal não seguiu todas as diretivas
da União Européia, sendo adaptado para a realidade do país. Muitas das necessidades
que geraram o plano também vão além da questão da globalização.
O maior obstáculo para o educador brasileiro é a sua realidade social, dado que
acumula empregos e trabalha mais horas do que o professor em Portugal. Ainda assim, a
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1780
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
mesma preocupação com avaliações e indicadores de qualidade afeta professores de
Portugal e do Brasil.
Trabalhar o currículo, desenvolver as aulas é outro desafio do professor
brasileiro também identificado no PTE português. Esta postura é cada vez mais difícil
com os sistemas de ensino que privilegiam um currículo prescrito como os apostilados
ou baseados em cartilha, ultimamente adotados por Secretarias de Educação como a de
São Paulo.
Dentro desta realidade, a competência digital enfrenta os mesmos obstáculos que
as outras 7 (sete) recomendadas ela OCDE enfrentam atualmente. A aplicação do
modelo da aprendizagem por competências está diretamente ligada ao que se entende
por conhecimento. O papel do currículo na produção do conhecimento é o que precisa
ser investigado. O currículo não pode mais ser uma grade de disciplinas, mas um espaço
cultural, interdisciplinar.
O grande desafio para os professores é a mudança da economia global que deixa
os profissionais extremamente inseguros. A mudança da economia muda a lógica de
pensamento sobre o exercício da profissão de cada um. É de se esperar, então, que esta
mudança afete também a formação do professor, direcionando-se cada vez mais para as
competências chave.
Entende-se que aprendizagem por competências permanece circunscrita ao
objetivo do desenvolvimento pessoal. Assim, a finalidade ainda é a cidadania ativa, a
inclusão social e o emprego, como na recomendação da OCDE. É a escola que tem que
ter uma formação que atenda a este pedido. É preciso identificar o que é necessário para
montar um currículo que atenda a este objetivo.
Acredita-se que o importante é não fazer com que a competência digital seja
esvaziada com um currículo acrítico, que privilegia o aprendizado instrucionista. O
currículo instrucionista relacionado à competência digital já teria criado a disciplina
TICs em Portugal, atualmente fadada à extinção por ter se verificado sua ineficácia.
Evidencia-se o perigo da competência digital sem a orientação pedagógica adequada.
É importante lembrar da necessidade de se pensar as competências dentro de
uma finalidade emancipatória.
É preciso que a educação esteja em seu conteúdo, em seus programas
e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1781
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o
seu mundo, estabelecer com os outros homens relações de
reciprocidade, fazer a cultura e a história. ( Freire, 1980, p.102)
O aprendizado das competências, considerados ao longo da vida, como no
sentido freireano, também como a necessidade de uma educação permanente. Deste
modo, a necessidade de assegurar a aprendizagem da competência digital no Brasil não
é apenas essencial na contemporaneidade, mas um projeto permanente de pedagogia
emancipatória.
Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1782
Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus
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Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro
1783
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO NA
CIBERCULTURA: NAVEGANDO RUMO AOS
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Ivanda M. Martins Silva
Gilvaneide Ferreira Oliveira
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO NA CIBERCULTURA:
NAVEGANDO RUMO AOS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Ivanda M. Martins Silva
(DEINFO/EAD/UFRPE)
[email protected]
Gilvaneide Ferreira Oliveira
(DED/UFRPE)
[email protected]
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
RESUMO: A EAD vem se destacando no processo de democratização do ensinoaprendizagem, visando à construção da autonomia dos alunos. Discute-se a EAD como
processo de ensino-aprendizagem mediado por tecnologias, no qual professores e alunos
estão separados espacial e/ou temporalmente, no entanto, permanecem conectados por
uma série de tecnologias (correio, telefone, fax, Internet, etc) (MORAN, 2002). Nesse
contexto, as reflexões sobre uma arquitetura curricular baseadas na concepção de
currículo integrado, rizomático, transdisciplinar estão se destacando. Na EAD, o
currículo precisa acompanhar o dinamismo e a interatividade dos espaços virtuais de
construção do conhecimento, facilitando os percursos de aprendizagem dos alunos. O
presente artigo visa ampliar as reflexões sobre a arquitetura curricular na EAD, tendo
em vista os novos desafios propostos pela Educação a Distância.
PALAVRAS-CHAVE: Currículo, Educação a Distância, Cibercultura, Planejamento.
1.Introdução
Os avanços tecnológicos proporcionaram mudanças significativas no campo da
educação. Com as facilidades da Internet, o turbilhão digital tem revolucionado o acesso
à informação, por meio de novas relações entre os usuários e os computadores. Orkuts,
chats, fóruns de discussão, comunidades de aprendizagem, hipertextualidade, integração
de mídias, interatividade, cooperação, simulações virtuais, jogos online, video-chat,
vídeo-aula, TV digital, Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), ambientes
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
virtuais de aprendizagem (AVA), além de diversos outros recursos surgem com os
avanços tecnológicos, aproximando os indivíduos no dinâmico mundo digital.
Novas formas de comunicação apresentam-se na era da cibercultura, momento
caracterizado pela fluidez e pela multissensoriedade do ciberespaço. A cibercultura
consolida-se com o crescimento do ciberespaço num amplo processo de difusão de
informações e de interatividade, exigindo cada vez mais que os sujeitos ampliem suas
práticas comunicativas e desenvolvam novas competências. Professores e alunos
reavaliam seus papéis e tornam-se construtores do crescimento do ciberespaço, por meio
do novo paradigma da Educação a Distância (EAD). Vivemos o contexto da
cibercultura, ou seja, um mundo marcado pela interatividade em que três princípios
básicos orientam o crescimento do ciberespaço: a interconexão, a criação de
comunidades virtuais e a inteligência coletiva. (LÉVY, 1999).
No campo da educação, a inteligência coletiva consolida-se com a prática da
aprendizagem colaborativa (LÉVY, 1999, p.171), na qual novas competências surgem
para orientar professores e alunos na construção e reconstrução do conhecimento fora e
dentro da instituição escolar. Os indivíduos tentam redescobrir estratégias para lidar
com as tecnologias intelectuais na era cibernética.
Nesse contexto dinâmico, surge a Educação a Distância (EAD) redimensionando
algumas concepções no campo pedagógico, tais como: currículo, avaliação,
metodologias de ensino, aprendizagem mediada por tecnologias e várias outras noções.
O conceito de EAD não é tão simples quanto aparenta ser e vem sofrendo
modificações, devido ao dinamismo do mundo digital, em que o surgimento de novas
ferramentas e outras formas de comunicação e novos gêneros digitais provocam
mudanças significativas nos paradigmas tradicionais de educação.
Moran (2005:25) denomina educação à distância como “processo de ensinoaprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados
espacial e/ou temporalmente”.
No cenário dinâmico da EAD, as discussões sobre currículo ganham destaque,
tendo em vista os desafios constantes no processo de planejamento e gerenciamento de
cursos na modalidade à distância.
A arquitetura curricular dos cursos a distância é revista e reavaliada,
considerando diferentes elementos importantes na educação online, tais como: a
Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira
1788
Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
interatividade, a aprendizagem colaborativa nos ambientes virtuais, o processo de
mediação pedagógica, o caráter flexível do currículo, a transdisciplinaridade na
construção de um currículo integrado, a abordagem formativa dos fluxos de avaliação, a
produção de materiais didáticos dinâmicos e interativos, além de diversos outros
aspectos que precisam ser considerados no contexto dinâmico da Educação a Distância
(EAD).
Considerando os pressupostos mencionados, o presente artigo visa contribuir
para ampliar as reflexões sobre currículo na era da cibercultura, considerando o novo
paradigma da Educação a Distância (EAD).
O artigo está subdividido em cinco seções: a primeira seção introduz a temática,
enquanto que a segunda contextualiza a Educação a Distância na cibercultura,
apresentando reflexões sobre a noção de EAD e suas repercussões no campo
educacional. A terceira seção aponta para a necessidade de um planejamento eficaz para
o currículo na EAD, revelando a importância do projeto político-pedagógico na
organização dos cursos ofertados na modalidade à distância. A quarta seção revisita as
concepções de currículo para EAD, considerando a abordagem do currículo rizomático
e a necessidade da construção de uma arquitetura curricular integrada e transdisciplinar.
A quinta e última seção apresenta as conexões finais e aponta para trabalhos futuros.
2. Educação na era da cibercultura: concepções e desafios
A cibercultura consolida-se com o crescimento do ciberespaço num amplo
processo de difusão de informações e de interatividade, exigindo cada vez mais que os
sujeitos ampliem suas práticas comunicativas e desenvolvam novas competências.
Assim, professores e alunos reavaliam seus papéis e tornam-se construtores do
crescimento do ciberespaço, por meio dos novos paradigmas da Educação a Distância.
Conforme Lemos (2004, p. 128):
O ciberespaço é um espaço sem dimensões, um universo de
informações navegável de forma instantânea e reversível. Ele é,
dessa forma, um espaço mágico, caracterizado pela ubiquidade,
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1789
Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
pelo tempo real e pelo espaço não-físico. Estes elementos são
característicos da magia como manipulação do mundo.
O ciberespaço rompe fronteiras, promovendo novas formas de acesso à
informação, bem como outras maneiras de definir o conhecimento. Os indivíduos
tentam redescobrir estratégias para lidar com as tecnologias intelectuais na era
cibernética.
Na perspectiva de Lévy (1999, p.167), nesse contexto dinâmico da cibercultura,
surgem novos gêneros, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, novos atores
na produção e tratamento do conhecimento. Na relação com os alunos e o
conhecimento, a função do professor desloca-se para o gerenciamento das
aprendizagens do plano presencial/individual para o âmbito virtual/colaborativo.
Nessa mudança de paradigmas, o professor torna-se uma espécie de “animador
da inteligência coletiva”, como propôs Lévy (1999), na medida em que organiza o fluxo
da comunicação virtual, produz materiais didáticos para serem utilizados online, além
de várias outras atividades que começa a desenvolver no processo de ensinoaprendizagem a distância. Nesse sentido, ainda conforme Lévy (1999, p.171),“a
principal função do professor não pode ser uma difusão dos conhecimentos, que agora
é feita de maneira mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no
sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento”.
Na cibercultura, a Educação a Distância (EAD) revela-se como nova modalidade
de ensino-aprendizagem que redimensiona conceitos, tais como: avaliação, currículo,
mediação didático-pedagógica, prática docente, entre outros. Considerando-se os
desafios da EAD, diversas reflexões têm sido discutidas sobre estratégias e
metodologias direcionadas ao processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Moore e Kearsley (2007), a Educação a Distância revela-se como
aprendizado planejado que ocorre, normalmente, em um lugar diferente do local do
ensino, exigindo técnicas especiais de criação e gerenciamento de cursos, novas
ferramentas de comunicação, além de diferentes processos de interação. Um sistema de
Educação a Distância é formado por todos os processos e componentes que operam
quando ocorre o ensino e o aprendizado à distância. Ele inclui aprendizado, ensino,
comunicação, criação e gerenciamento.
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
A Educação a Distância vem consolidando o seu papel da Sociedade da
Informação, onde o acesso à informação, disponibilizado por vários meios e recursos
tecnológicos, torna-se bastante democrático. A cada clique no mouse, os sujeitos
descobrem no ciberespaço (LÉVY, 1999), uma gama ilimitada de informações que se
cruzam e se entrecruzam, dialogando constantemente graças à hipertextualidade e à
multimodalidade que congregam textos e linguagens diversas em um mesmo suporte de
comunicação: a tela do computador.
Nesse cenário, marcado pelo dinamismo e pela interatividade da EAD, as
discussões sobre currículo tornam-se importantes, tendo em vista o planejamento de
cursos nesta modalidade de ensino. Como analisar a arquitetura curricular nos cursos à
distância? Como redimensionar a reflexão sobre o currículo na EAD, considerando os
novos desafios da aprendizagem mediada pelas Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs)? Essas e outras reflexões são pertinentes quando atualizamos a
discussão sobre a organização curricular no novo cenário da Educação a Distância,
contexto marcado pelos avanços tecnológicos e pela aprendizagem em rede elaborada
por meio da “inteligência coletiva” (LÉVY, 1999).
3. Planejamento do Currículo na Educação a Distância (EAD)
Um curso a distância exige estratégias de ensino-aprendizagem, desenho,
linguagem, acompanhamento, assim como recursos técnicos e tecnológicos que lhe
conferem uma identidade própria e o distinguem de um curso presencial. Essa
identidade deve vir estampada no projeto político-pedagógico do curso na modalidade à
distância. Desse modo, o planejamento da arquitetura curricular para EAD deve
considerar os novos paradigmas da educação.
Segundo Lévy (1999, p.158):
A EAD explora certas técnicas de ensino a distância, incluindo
as hipermídias, as redes de comunicação interativas e todas as
tecnologias intelectuais da cibercultura. Mas o essencial se
encontra em um novo estilo de pedagogia que favorece ao
mesmo tempo as aprendizagens personalizadas a aprendizagem
coletiva em rede.
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
Por meio da EAD, democratizam-se as formas de ensino-aprendizagem, já que o
uso da tecnologia promove a quebra de fronteiras geográficas e espaciais, facilitando a
interconexão e a comunicação entre os usuários dos recursos tecnológicos. Surge a
educação sem fronteiras, acessível a uma gama ilimitada de pessoas, ou seja, do ensino
presencial passa-se para o modelo a distância, por meio de simulações virtuais,
programas de formação continuada no universo online, sites que investem na realidade
virtual e criam escolas virtuais baseadas no e-learning, além de uma infinidade de
estratégias que motivam os internautas ao processo colaborativo na aprendizagem.
Neste cenário dinâmico da EAD, o planejamento da organização curricular
envolve a natureza do curso, associada a valores e a uma concepção teóricometodológica sobre o ensino-aprendizagem. Tais referencias, formam as bases teóricas
e filosóficas do curso, ou seja, a moldura na qual todos os elementos estarão integrados:
currículo, avaliação, matriz curricular, diretrizes curriculares, materiais didáticos,
mediação didático-pedagógica entre outros componentes importantes para o
planejamento de cursos na modalidade a distância.
No planejamento para EAD, o perfil do aluno deverá estar bem delineado, pois a
proposta do curso precisa estar direcionada para as demandas dos educandos,
considerando que, na EAD, o público-alvo é bastante heterogêneo, apresentando
expectativas e peculiaridades diversas, além de o curso a distância atingir um
quantitativo imenso de cursistas.
Assim, o delineamento de cursos a distância precisa considerar o perfil
socioeconômico do grupo de alunos. O contexto social, econômico, educacional e
cultural do público-alvo são elementos fundamentais no tocante à definição dos
conteúdos e objetivos propostos para cursos à distância. Também é fundamental
considerar os processos de mediação didático-pedagógica facilitados pelas tecnologias
aplicadas à EAD, priorizando-se materiais e recursos didáticos elaborados em
linguagem dialógica e hipertextual.
Para as estratégias de planejamento, a organização dos projetos políticopedagógicos tem se revelado como premissa fundamental para as instituições de ensino
que trabalham com a EAD. Os projetos político-pedagógicos, além de serem elaborados
de acordo com as exigências legais para implantação de cursos de graduação de
qualquer natureza (presencial ou à distância), têm-se constituído como ferramentas
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1792
Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
importantes para as instituições de ensino superior no sentido de planejar a proposta dos
cursos, visando à avaliação e a retroalimentação das instituições que se adaptam às
exigências do mundo dinâmico da cibercultura.
São nos projetos político-pedagógicos que as instituições de ensino superior
expressam suas intenções, expectativas e traçam estratégias pedagógicas e
administrativas para atingir a execução do planejamento proposto, contribuindo para a
formação de profissionais mais qualificados e autônomos.
Uma preocupação presente nos projetos pedagógicos tem sido não se pensar
apenas na formação de um profissional que domine unicamente a técnica de forma
descontextualizada, mas que se diferencie pela sua capacidade de ler criticamente o
mundo, sendo capaz de atuar como sujeito ativo nos processos de transformações
sociais e econômicas. É preciso, pois, se investir em uma educação para autonomia,
facilitando os percursos de aprendizagem dos educandos nos ambientes virtuais, por
meio de uma abordagem dialógica e crítica dos processos de ensino-aprendizagem.
Como postulou Freire (2002, p.25): “Não há docência sem discência, as duas se
explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à
condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender”. Nesse sentido, as novas tecnologias ratificam essa posição de
Freire, quando docentes e discentes participam da interatividade que os meios
eletrônicos permitem para facilitar o ensino-aprendizagem como via de mão dupla,
efetivada na construção e na reconstrução do aprender e do ensinar como duas faces de
um mesmo processo.
Na EAD, o planejamento do projeto político-pedagógico, sendo uma construção
coletiva, elaborado pela participação ativa de multiagentes que compõem uma equipe
multidisciplinar, tem efeito mobilizador da atividade dos atores envolvidos,
principalmente do docente que passa a ter, após a construção de uma prática social
coletiva na elaboração da proposta, um forte sentimento de pertença e identidade.
Conforme Veiga (2000), o projeto político-pedagógico é concebido como prática
inovadora que pressupõe a integração em diversos níveis, como em sua origem,
concepção, objetivos, exigências, características e implicações. Ainda segundo Veiga
(2000, p.187), o projeto político-pedagógico deve ser entendido como instrumento de
ação política que deve estar em sintonia com uma nova visão de mundo, a fim de
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
garantir uma formação global e crítica para os envolvidos nesse processo, como forma
de capacitá-los para o exercício da cidadania, formação profissional e pleno
desenvolvimento pessoal.
4. Arquitetura Curricular em EAD: em busca de um currículo integrado e
transdisciplinar
A organização curricular na Educação a Distância é influenciada pelos modelos
pedagógicos e pelas concepções de ensino-aprendizagem que orientam o desenho dos
cursos ofertados na modalidade à distância. Pode-se dizer que, na EAD, o currículo
precisa ser discutido a partir de uma macroestrutura, a qual denominaremos: Arquitetura
Curricular (AC). Esta arquitetura contempla os modelos pedagógicos e envolve alguns
componentes para a construção do currículo, tais como: planejamento da proposta
pedagógica, organização do tempo e espaço nos ambientes virtuais, conteúdos e
objetivos propostos, materiais didáticos, diretrizes metodológicas, ferramentas e
recursos tecnológicos, concepções de aprendizagem, instrumentos e critérios de
avaliação, dentre outros.
Segundo Behar (2009, p.24), o modelo pedagógico para EAD deve ser
compreendido como um “sistema de premissas teóricas que representa, explica e
orienta a forma como se aborda o currículo e que se concretiza nas práticas
pedagógicas e nas interações professor/aluno/objeto de estudo”.
A construção de uma Arquitetura Curricular (AC) demanda conhecimento da
legislação que rege o ensino do país nos seus diversos níveis e modalidades. O MEC já
regulamenta a oferta de cursos de graduação e de pós-graduação na modalidade a
distância, como se observa no Decreto 5.622, de 19.12.2005, o qual apresenta uma
definição para EAD:
A Educação a Distância é a modalidade educacional na qual a
mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e
aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de
informação e comunicação, com estudantes e professores
desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos
diversos.
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
Nesse processo de mediação didático-pedagógica, os professores assumem
múltiplas funções na EAD, desde a elaboração de materiais didáticos até a interação
online com os discentes nos ambientes virtuais. Professores autores, professores
orientadores, professores tutores e várias outras classificações surgem diante dos
crescentes desafios da EAD, exigindo-se diversas competências dos docentes em face
das novas relações entre os educandos e o conhecimento na educação online.
Na EAD, a mediação didático-pedagógica é realizada em espaços e tempos
diferentes, considerando os processos de ensino e aprendizagem que se concretizam
mediados por diferentes recursos midiáticos e tecnológicos. Nesse sentido, a própria
concepção de aula transforma-se, deixando os limites do espaço fechado da sala de aula,
para ultrapassar as dimensões ilimitadas da virtualização do conhecimento nos
ambientes virtuais de aprendizagem (AVA).
Conforme postula Moran (2002), o conceito de tempo pedagógico da aula
muda, pois as noções de tempo e espaço tornam-se bem mais flexíveis na EAD.
“O professor continuará “dando aula” e enriquecerá esse
processo com as possibilidades que as tecnologias interativas
proporcionam: para receber e responder mensagens dos alunos,
criar listas de discussão e alimentar continuamente os debates e
pesquisas com textos, páginas da Internet [...]”. (MORAN,
2002:22).
Na EAD, a aula deve ser entendida como pesquisa, interação, aprendizagem
colaborativa, redimensionando-se o papel do professor para um incentivador dos alunos
na instigante aventura do conhecimento. Assim, é preciso considerar essa flexibilidade
na concepção de aula na EAD, a fim de organizar a arquitetura curricular em função dos
eixos norteadores da educação mediada pelos recursos tecnológicos: interatividade,
pesquisa, comunicação, colaboração, convergência digital, ambiente virtual de
aprendizagem, etc. Segundo Barreto (2007, p.38), “uma aula na Educação a distância
deve tentar fazer tudo que você faria pessoalmente, em sala de aula, com seus alunos, e
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
não apenas dar a conhecer o conteúdo de que você é especialista e, certamente, domina
tão bem”.
Na organização curricular para EAD, os professores têm papel fundamental na
seleção dos conteúdos propostos no processo de elaboração das ementas para as
disciplinas que serão ofertadas a distância. É desejável que a organização das disciplinas
seja efetivada em módulos ou unidades de aprendizagem, ou seja, pequenos blocos de
construção do conhecimento. Tais módulos ou unidades de aprendizagem podem ser
ofertados gradativamente, proporcionando que o aluno vá tendo contato aos poucos com
os conteúdos propostos e tenha tempo suficiente para interagir com outros colegas,
construindo o conhecimento de forma colaborativa com os professores, tutores e demais
alunos. Para cada módulo de aprendizagem, é importante que sejam disponibilizados
aos educandos materiais didáticos diversificados, publicados em meio impresso e nos
ambientes virtuais, a fim de apoiar a aprendizagem a distância.
Dessa forma, é fundamental que a organização curricular para EAD considere a
flexibilidade das disciplinas que precisam ser ofertadas aos poucos para não
sobrecarregar o aluno com tarefas e exercícios intermináveis. Também é preciso
considerar que a rede de aprendizagem na EAD revela uma dimensão quantitativa
imensa, o que pode comprometer o acompanhamento do trabalho dos docentes no
processo de mediação didático-pedagógica, se a organização das disciplinas ofertadas
não for realizada de modo eficaz.
Os tutores virtuais, por exemplo, responsáveis pelo acompanhamento dos
percursos de aprendizagem dos alunos nos ambientes virtuais, poderão desenvolver um
trabalho mais qualitativo e aprofundado dos índices de desempenho dos alunos, no caso
de um quantitativo razoável de alunos por turmas além de um número razoável de
disciplinas que os cursistas estejam estudando.
Este trabalho qualitativo é também representado pela participação de muitos
alunos nos fóruns e chats, se posicionando criticamente, com questionamentos e
expressões que muito provavelmente não os fariam nos encontros presenciais, devida a
timidez ou a falta de um exercício de posicionar-se em público. No ambiente virtual,
esta barreira é quebrada e os alunos se sentem encorajados a participarem dos diálogos,
debates e das demais atividades que o ensino à distância proporciona.
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
Quando se analisa a dimensão do currículo na EAD, também não se pode perder
de vista que esta modalidade de ensino instaura novos paradigmas nas dimensões
espaciais e temporais. Entendendo a EAD como esta modalidade em que os atores do
processo educativo se encontram fisicamente separados espacial e temporalmente, mas
virtualmente unidos pelas redes de conexão nos ambientes colaborativos de
aprendizagem, é possível compreender que o currículo precisa ser dinâmico, flexível,
constantemente atualizado, em face da dinâmica dos cursos à distância. Como afirma
Toschi (In: PRETI, 2005, p.173):
“O currículo de um curso refere-se aos conteúdos selecionados
para que se atinja os objetivos definidos para ele. Ocorre que em
um curso para WEB o estudante irá navegar por um oceano de
informações que, em um curso de concepção mais aberta, deve
prever a possibilidade de o aluno buscar informações, trazê-las
para debate e reflexão com colegas e professores”.
Muitos autores apontam para a concepção de um currículo rizomático como
bastante pertinente a experiências educativas na modalidade à distância (GALLO,
1997). O rizoma considera os nós nas redes de informação. O currículo rizomático
propõe a transversalidade, articulada à transdisciplinaridade, possibilitando múltiplas
conexões entre diversas áreas do conhecimento por meio de uma abordagem integrada e
contextualizada.
Mais do que currículos oficiais, na educação online é possível ter mapas
curriculares (PENTEADO, 2002), no sentido de que cada um constrói seu próprio
currículo. (TOSCHI In: PRETI, 2005, p.173). Na EAD, a liberdade do aluno ao navegar
pelos oceanos de informações disponíveis no universo online, a aprendizagem centrada
na autonomia do educando e os processos de mediação pedagógica são aspectos
fundamentais nas reflexões sobre a Arquitetura Curricular (AC). O currículo precisa ser
enxuto, flexível, atualizado e dinâmico, adaptando-se aos constantes fluxos de interação
e comunicação orientados pelas novas tecnologias.
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
Brito (2006) também propõe uma abordagem do currículo rizomático para
Educação a Distância. Segundo Brito (2006), alguns princípios de um currículo
rizomático para EAD podem ser descritos, tais como:
 Principio de conexão: os campos de saberes não possuem uma hierarquia, uma
centralização curricular, uma vez que se apresentam como redes de
conhecimentos. “O rizoma possui entradas múltiplas, ou seja, ele pode ser
acessado a partir de inúmeros pontos, podendo daí, remeter a quaisquer outros
em seu território”. (BRITO, 2006).
 Princípio
de
heterogeneidade:
o
currículo
rizomático
rege-se
pela
heterogeneidade, caracterizada por saberes que dialogam e se interpenetram
produzindo novos saberes, novas abordagens conceituais e metodológicas.
 Princípio de multiplicidade: o rizoma é sempre caracterizado pela multiplicidade
e não pode ser reduzido à unidade ou à homogeneidade.
 Princípio de ruptura a-significante: o rizoma não pressupõe qualquer processo
de significação, de hierarquização.
Como se pode observar, conexão, interatividade, heterogeneidade, multidisciplinaridade
tornam-se palavras-chave na busca de um currículo integrado em sintonia com os novos
paradigmas da Educação a Distância.
Segundo Hernández (1998, p. 54): “uma contribuição do currículo integrado é
favorecer a comunicação e o intercâmbio entre os docentes, o que repercute não só na
melhoria da qualidade do ensino, mas também no acompanhamento personalizado da
aprendizagem dos alunos”. A abordagem de um currículo baseado em projetos de
trabalho e ancorado na transdisciplinaridade (HERNÁNDEZ, 1998) apresenta-se bem
pertinente diante do dinamismo da EAD. Nos ambientes virtuais de aprendizagem dos
cursos à distância, os alunos são incentivados à aprendizagem baseada na
cooperação/colaboração nos espaços interativos dos fóruns de discussão e chats, locais
onde se efetiva a formação da “inteligência coletiva” (LÉVY, 1999) por meio das redes
de informação e conhecimento.
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
5. Considerações Finais
Como se pode observar, na Educação a Distância, as reflexões sobre o currículo
precisam ser ampliadas, considerando-se a necessidade de se pensar em uma
Arquitetura Curricular (AC) elaborada a partir das demandas por uma educação
comprometida com a autonomia do aluno. Interatividade, transdisciplinaridade,
transversalidade, aprendizagem colaborativa, hipertextualidade e várias outras noções
precisam ser consideradas nas discussões sobre currículo na EAD. Como afirma Leite
(2002, p.50):
[...] o currículo constitui um espaço imenso de referências,
objetivamente inacabável, cujo crescimento tem ocorrido mais
na base da multiplicação do que da síntese o que dificulta a
criação de preceitos e regras enquadradas das diversas
concepções.
Nesse sentido, as reflexões sobre currículo devem ser compreendidas como
transitórias, em sintonia com a dinâmica social dos avanços tecnológicos que estão
redimensionando as formas de ensino e aprendizagem. Não se pode conceber o
currículo de forma enciclopédica, apenas como um conjunto de disciplinas sem
conexões, estruturado de forma descontextualizada. Na era da cibercultura, o currículo
faz parte das múltiplas dimensões do ciberespaço como novo meio de comunicação que
surge da interconexão mundial de computadores e que envolve todo o universo oceânico
de informações da cibercultura (LÉVY, 1999).
As reflexões sobre uma arquitetura curricular para EAD baseada na concepção de
currículo rizomático estão se destacando. Na EAD, as novas dimensões espaciais e
temporais transformam o tempo pedagógico e próprio conceito de aula nos ambientes
virtuais de aprendizagem.
Na EAD, o currículo precisa acompanhar o dinamismo e a interatividade dos
espaços virtuais de construção do conhecimento, facilitando os percursos de
aprendizagem dos alunos rumo ao desenvolvimento da autonomia.
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Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância
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VEIGA, I. P. A. (Org.) Projeto político-pedagógico da escola: uma construção
possível. 23. ed. Campinas: Papirus, 2001.
Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira
1801
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
NOVO E/OU INTEGRADO ENSINO MÉDIO:
RESSIGNIFICAÇÕES DAS REFORMAS
CURRICULARES NOS ESPAÇOS ESCOLARES
Jean Mac Cole Tavares Santos
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
NOVO E/OU INTEGRADO ENSINO MÉDIO: RESSIGNIFICAÇÕES DAS
REFORMAS CURRICULARES NOS ESPAÇOS ESCOLARES
Jean Mac Cole Tavares Santos
RESUMO: Nessa comunicação nos propomos a apresentar os resultados parciais de
uma pesquisa desenvolvida nas escolas de ensino médio do Oeste Potiguar sobre a
formação e o mundo do trabalho. A intenção é perceber quais os mecanismos adotados
e quais as preocupações de gestores e professores, em consonância com as políticas
educacionais para o setor, para relacionar o ensino oferecido com as qualificações
exigidas pelo mundo do trabalho. Objetivamos, desse modo, perceber as mudanças e as
continuidades existentes nas escolas, na prática dos professores e gestores escolares, nas
salas de aula, que poderia desembocar na mudança de rumo do aprendizado dos alunos.
A questão que rodeia essa comunicação, então, é perceber em que as mudanças
atualmente pensadas no ministério ou nas secretarias estaduais de educação chegam às
escolas, são levadas ao conhecimento dos professores, são efetivadas na prática docente,
são acompanhados por condições reais para sua execução. Discutimos as bases legais da
educação até a proposta do grupo de estudos do MEC, apresentamos as falas coletadas
nas entrevistas com as análises feitas e, provisoriamente, propomos algumas
considerações a título de conclusão.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas para o Ensino Médio; reformas curriculares;
currículo.
O século XX, em termos educacionais, pode ser conhecido como central no
debate sobre a universalização da educação. Dos anos 30 até próximo do final do
século, a pauta passava pela busca da universalização do ensino fundamental, exigência
de um mundo industrializado carente de mão de obra técnica (BEISIEGEL, 1986). A
partir de meados dos anos noventa, a pauta ampliou-se: a busca agora é pela
significação, qualidade e ampliação do ensino médio, transformado, pela LDB, em
última etapa da educação básica. Várias políticas foram prescritas, anunciadas,
implantadas apontando que a educação secundária tomaria novos rumos, seria
revolucionada e faria parte da vida de jovens e adolescentes. Empréstimos externos
foram tomados, escolas foram reestruturadas e muitos encontros foram realizados para
discutir os rumos a seguir (ZIBAS, 2005).
No período FHC, o ensino médio foi propagandeado para a vida. A proposta
Jean Mac Cole Tavares Santos
1805
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
consistia em um ensino médio de formação geral, tecnológico, propedêutico. Além dos
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, o Decreto 2208/97 representou
um grande marco. Já em tempos de Lula, o ensino médio passou a ser integrado. Apesar
de nos primeiros anos apenas administrar a herança de Fernando Henrique, o governo
atual mostra-se sensível ao apelo de uma parcela significativa dos educadores e revogou
o decreto 2208. Agora a lei aponta para o ensino médio integrado e responde pelo
número 5154/04.
Desde o final de 2007, baseado justamente no decreto de 2004, está em plena
atividade um grupo de trabalho interministerial para pensar a reestruturação e expansão
do ensino médio atendendo, como anuncia os PCNEM do governo passado, as
transformações tecnológicas da atualidade. A inserção ao mundo do trabalho, como não
poderia deixar de ser numa sociedade capitalista, ainda é a tônica da formação. Um dos
engodos, no entanto, é a distância entre a elaboração da proposta e sua aplicação pelo
país inteiro.
Várias pesquisas tentam descer ao ambiente escolar para fazer a comparação
entre o pretendido, o dito e o feito (KUENZER, 2000). Comunicações, artigos e livros,
oriundas das pesquisas e estudos, apontam as dificuldades, as resistências e as
apropriações das políticas educacionais quando chegam ao espaço de professores e
alunos. De fato, uma breve aproximação com o estado da arte desse campo de estudo
permite visualizar que muito foi e, ainda, está sendo escrito sobre o ‘chão da escola’ de
nível médio, incluindo a recepção das políticas públicas direcionadas para essa
modalidade e a tentativa de significar o ensino médio na orientação pela inserção no
mundo do trabalho. KUENZER (2002), ZIBAS (2005), FRIGOTTO, CIAVATTA e
RAMOS (2005) e KRAWCZYK (2008), entre outros, estão contribuindo em várias
partes do Brasil (quiçá, também em outros países) para o entendimento das mudanças
que afetam essa modalidade de ensino e suas relações com a profissionalização e a
formação. Porém, devido à complexidade do tema, dos desdobramentos de relacionar
trabalho e educação e, mais ainda, dado o fato de vivermos em um país gigantesco com
diferenças regionais substanciais, o aprofundamento das análises vem exigindo cada vez
mais estudos e pesquisas que partam das questões gerais para os espaços escolares.
Nesse sentido, nos propomos a apresentar os resultados parciais de uma
pesquisa desenvolvida nas escolas de ensino médio do Oeste Potiguar sobre a formação
Jean Mac Cole Tavares Santos
1806
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
e o mundo do trabalho. A intenção é perceber quais os mecanismos adotados e quais as
preocupações de gestores e professores, em consonância com as políticas educacionais
para o setor, para relacionar o ensino oferecido com as qualificações exigidas pelo
mundo do trabalho. Objetivamos, desse modo, perceber as mudanças e as continuidades
existentes nas escolas, na prática dos professores e gestores escolares, nas salas de aula,
que poderia desembocar na mudança de rumo do aprendizado dos alunos. A questão que
rodeia essa comunicação, então, é perceber em que as mudanças atualmente pensadas
no ministério ou nas secretarias estaduais de educação chegam às escolas, são levadas
ao conhecimento dos professores, são efetivadas na prática docente, são acompanhados
por condições reais para sua execução.
Para atender às normas de uma comunicação, apresentaremos e
discutiremos, brevemente, as bases legais da educação até a proposta do grupo de
estudos do MEC. Depois apresentaremos as falas coletadas nas entrevistas com as
análises feitas e, a seguir, propomos algumas considerações a título de conclusão,
mesmo que provisória.
Dos princípios legais às formulações de políticas para o ensino médio
A Constituição Federal (1988) explicita, no Artigo 205, os objetivos
fundamentais da educação: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. Sobre o ensino médio, a Constituição vai estabelecer,
em uma versão já emendada, no Artigo 208, II, “a progressiva universalização do
ensino médio gratuito”.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, trata do ensino
médio nos artigos 35 e 36. No artigo 35 anuncia o ensino médio como etapa final da
educação básica, com duração mínima de três anos. Suas finalidades são:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos
adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o
prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do
educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de
Jean Mac Cole Tavares Santos
1807
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou
aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos
dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática,
no ensino de cada disciplina.
O artigo 36 apresenta as diretrizes para o currículo, tratando especificamente
da relação entre formação e trabalho nos seguintes parágrafos:
§ 2º. O ensino médio, atendida a formação geral do educando,
poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.
§ 4º. A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a
habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios
estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com
instituições especializadas em educação profissional.
Segundo MELLO (1999), a LDB, ao determinar que o ensino médio passa a
ser a última etapa da Educação Básica, aponta o interesse em apressar sua progressiva
universalização ditado pelo novo texto da Constituição. Assim, nessa interpretação, com
o caráter de terminalidade, o ensino médio recupera a importância perdida quando a
Emenda Constitucional número 14 tirou a oferta obrigatória do Estado. Agora, o ensino
médio não significa mais um caminho, mesmo que de passagem inevitável, para um
outro grau de estudo, nem um nível à parte a ser conquistado para se ingressar no
mercado de trabalho ou mesmo em uma próxima etapa da qualificação profissional.
Como consta no texto governamental, ele é educação básica e passa a integrar a etapa
do processo educacional considerada “básica para o exercício da cidadania, base para
o acesso às atividades produtivas, para o prosseguimento dos níveis mais elevados e
complexos de educação e para o desenvolvimento pessoal, referido a sua interação com
a sociedade e sua plena inserção nela” (BRASIL, PCNEM, 1999, p. 21).
É pautado nos recortes legais acima que, em 1996, depois de uma anunciada
(mas desconhecida) intensa mobilização, o governo FHC propõe um ‘Novo Ensino
Médio’. A idéia central da reforma, além de atender os ditames legais, é adaptar o
ensino às novas determinações do mundo do trabalho centrado nas transformações
técnicas e científicas, na revolução tecnológica e na sociedade da informação. Como
Jean Mac Cole Tavares Santos
1808
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
lema tratou-se de enunciar que ‘o ensino médio, agora, é para a vida’, aproximando a
sala de aula dos elementos cotidianos da vida do aluno e dos interesses imediatos da
sociedade (PCNEM, 1999). Segundo os mentores do Novo Ensino Médio, junto ao
caráter de terminalidade da Educação Básica, a LDB estabelece um princípio de
formação geral, unificando a formação tecnológica (e não, especificamente técnica) com
a formação humana.
É com esse espírito que a Resolução 03/98, baseada em parecer da Câmara
de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação, institui legalmente a reforma
através das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM). As DCNEM
se constituem num conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e
procedimentos a serem observados na organização pedagógica e curricular de cada
unidade escolar integrante dos diversos sistemas de ensino, em atendimento ao que
manda a lei (Constituição Federal e LDB), tendo em vista vincular a educação com o
mundo do trabalho e a prática social, consolidando a preparação para o exercício da
cidadania e propiciando preparação básica para o trabalho (BRASIL, DCNEM,1999).
Uma das reflexões a ser feita aqui é a relação entre o que diz as leis acima e
a interpretação que foi feita delas. Ao que parece, a interpretação das leis ganha os
contornos queridos por aqueles que a estão interpretando. Pois, afinal, o que seria a
preparação básica para o trabalho e a cidadania, inclusive com o termo trabalho
vindo primeiro do que o termo cidadania? O tempo vivido, a correlação de forças na
sociedade, os interesses de baratear a escola pública, a leitura de um mundo mudado
contribuem para essa interpretação. Então, mesmo sendo forte no texto “a preparação
para o trabalho”, a interpretação que sobressai da LDB é de que é uma lei, preocupada
fundamentalmente com a formação geral, visando que o aluno venha a atingir os
conhecimentos básicos que possibilitem outros aprendizados, seja na continuação dos
estudos (em nível superior ou técnico), seja já atuando no mundo do trabalho.
De fato, para enfrentar a cantada idéia de um ensino médio dicotômico
(entre o técnico e o propedêutico), o que propõe a reforma é um ensino generalista, não
técnico. Tal ensino devia possibilitar aos educandos uma formação de conceitos
tecnológicos, de conhecimentos abertos, de direitos cidadãos, de perspectivas da
cidadania. Assim, ao invés de formar técnicos ou preparar para o ingresso em um curso
superior, deve desenvolver habilidades para que os indivíduos possam empregar na
Jean Mac Cole Tavares Santos
1809
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
continuação dos estudos em nível superior ou nos cursos técnicos ou, ainda, para
inserção imediata no ‘novo’ mundo do trabalho (aquele oriundo das transformações
tecnológicas).
O conhecimento tem como objetivo, nas diversas disciplinas e áreas do
conhecimento, atender à exigência do mundo do trabalho e da cidadania. Nisso, as
competências básicas aparecem como sendo antagonistas da prática de memorização de
informações utilizadas na sala de aula, que atendia aos pressupostos do velho mundo do
trabalho (taylor-fordista). As competências de agora possibilitam que os jovens tenham
autonomia para continuar aprendendo, facilitando sua inserção no atual mundo do
trabalho e o exercício de cidadão na sociedade tecnológica.
Com efeito, as DCNEM, nos artigos 12 e 13, vão especificar a separação
entre a formação profissional técnica e a formação geral.
O Artigo 12 reza que não haverá dissociação entre a formação geral e a
preparação básica para o trabalho que, por sua vez, não se confundirá com a formação
profissional. Assim, a escola poderá até preparar para o exercício de profissões técnicas,
por articulação com a educação profissional, mas somente depois de atender à formação
geral, incluindo a preparação básica para o trabalho, e mantendo a independência entre
os cursos técnicos e o ensino médio propriamente dito. Separa-se, assim, com a
interpretação de que isso já estava desenhado desde a LDB, a educação básica do ensino
profissional.
Já o Artigo 13 reforça a separação ao instituir que os “estudos estritamente
profissionalizantes, independentemente de serem feitos na mesma escola ou em outra
escola ou instituição, de forma concomitante ou posterior ao ensino médio, deverão ser
realizados em carga horária adicional às 2.400 horas (duas mil e quatrocentas) horas
mínimas previstas na lei”. Essa parte da lei, como foi visto, não impede a escola média
de ofertar a educação profissional. Porém, apesar de não fazê-lo, condiciona para depois
da carga horária mínima do ensino médio o que, na prática, dificulta sobremaneira sua
oferta nas escolas públicas, geridas pelos aspectos da deficiência de recursos humanos e
financeiros.
Vale ressaltar que os Artigos 12 e 13 já citados vêm reforçar o Decreto-lei
2208/97 que, no §4º do Artigo 8, sacramenta a separação e o condicionamento da
formação do técnico de nível médio à certificação do ensino médio. No texto da lei, “o
Jean Mac Cole Tavares Santos
1810
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
estabelecimento de ensino que conferiu o último certificado de qualificação profissional
expedirá o diploma de técnico de nível médio, na habilitação profissional
correspondente aos módulos cursados, desde que o interessado apresente o certificado
de conclusão do ensino médio”.
Uma reviravolta dessa política começa a ser esboçado no primeiro mandato
do presidente Lula. Em 2004, o Ministério da Educação propõe uma guinada na relação
entre a formação técnica e o ensino médio. O MEC sugeriu uma proposta de ensino
médio integrado ao profissionalizante. Essa proposta se transformou no Decreto
5154/2004, instituindo a articulação da formação profissional em nível médio com o
próprio ensino médio.
No artigo 4º. do referido decreto vale ressaltar o seguinte parágrafo:
§ 1 o A articulação entre a educação profissional técnica de
nível médio e o ensino médio dar-se-á de forma:
I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o
ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a
conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível
médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula
única para cada aluno;
II - concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído
o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na
qual a complementaridade entre a educação profissional técnica
de nível médio e o ensino médio pressupõe a existência de
matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer:
a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as
oportunidades educacionais disponíveis;
b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as
oportunidades educacionais disponíveis; ou
c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de
intercomplementaridade, visando o planejamento e o
desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados;
III - subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído
o ensino médio.
Assim, torna-se sem efeito o Decreto nº. 2208/97 que reforçava a visão dual
na formulação e condução das políticas de educação básica e da educação profissional e
tecnológica do Ministério da Educação. O Decreto nº. 5154/2004 foi um marco
importante na medida em que este decreto revogou a obrigatoriedade da separação entre
o ensino médio e a educação profissional técnica de nível médio e delegou as formas de
Jean Mac Cole Tavares Santos
1811
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
articulação entre a educação profissional (integrada, concomitante e subseqüente) e o
ensino médio para a decisão das redes e instituições escolares.
Por fim, cabe destacar que, com a revogação do Decreto 2208/97, devido ao
Decreto 5.154/04, as DCNEM ganharam um novo texto. A revisão das DCNEM foi
feita através da Resolução No. 1 de 3 de fevereiro de 2005 da Câmara de Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação. Assim, a citada Resolução traz o seguinte
texto:
Art. 1º Será incluído § 3º, no artigo 12 da Resolução CNE/CEB
3/98, com a seguinte redação: § 3º A articulação entre a
Educação Profissional Técnica de nível médio e o Ensino
Médio se dará das seguintes formas:
I. integrada, no mesmo estabelecimento de ensino, contando
com matrícula única para cada aluno;
II. concomitante, no mesmo estabelecimento de ensino ou em
instituições de ensino distintas, aproveitando as oportunidades
educacionais disponíveis, ou mediante convênio de
intercomplementaridade; e
III. subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído
o Ensino Médio.
O último lance legal para a conformação do ensino médio, porém, ainda não
foi dado. Na verdade, ele está em plena atividade. Dois ministérios do atual governo, o
Ministério da Educação e a Secretaria de Assuntos Estratégicos, instituíram o Grupo de
Trabalho Interministerial para pensar a Reestruturação e Expansão do Ensino Médio no
Brasil. Os objetivos do GT é de estabelecer uma política de médio e longo prazo para
consolidar, no ponto de vista quantitativo e qualitativo, o ensino médio no Brasil por
meio, 1. de uma reestruturação do modelo pedagógico desta etapa da educação básica
que colabore na superação do dualismo entre o ensino propedêutico e profissional e, 2.
da expansão da oferta de matriculas da rede de escolas médias federais para um patamar
entre 10% das matrículas totais desta etapa da educação básica.
O documento-síntese do trabalho elaborado pelo GT, datado de julho de
2008, apresenta o discurso político de que a educação possui uma função estratégica e
deve ser tomada como uma questão nacional. Por isso, a situação exige a consolidação
do Sistema Nacional de Educação que venha restabelecer a responsabilidade dos entes
federativos e viabilizar que a União, em regime de colaboração, realize sua função de
coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e
Jean Mac Cole Tavares Santos
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Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às
demais instâncias educacionais como determina a LDB no artigo 8º.
Especificamente, o documento propõe dar maior visibilidade ao ensino
médio no sentido da superação da dualidade histórica existente na educação brasileira.
Nessa perspectiva, essa última etapa da educação básica precisa assumir o compromisso
de atender a diversidade nacional no sentido da universalização com qualidade. A
definição dessa identidade precisa ser iniciada mediante um projeto que “desenvolva
possibilidades formativas que contemplem as múltiplas necessidades socioculturais e
econômicas dos sujeitos que a constituem, reconhecendo-os como sujeitos de direitos
no momento em que cursam o ensino médio” (BRASIL, 2008).
Nesse sentido se posiciona a defesa pela “profissionalização”
nesta etapa da educação básica, na qual se considera a
contingência de milhares de jovens que necessitam, o mais cedo
possível, buscar um emprego ou atuar em diferentes formas de
atividades econômicas que gerem subsistência. Entretanto, se a
preparação profissional no ensino médio é uma imposição da
realidade não pode representar a única vertente da política
pública para o ensino médio. O que se persegue não é apenas a
preparação profissional, mas também mudar as condições em
que ela se constitui (BRASIL, 2008).
Como se pode perceber, a saída opta pela profissionalização integrada ao
ensino médio. Dados do próprio MEC mostram que em 2007, 21 unidades da Federação
já estavam oferecendo Ensino Médio Integrado (formação geral e profissional) com o
apoio do ministério. Entretanto, os estudos existentes ainda não são suficientes para
concluir pela realização das propostas de acordo com as determinações legais mesmo
naquelas experiências padrões, laboratórios de testes (como as que existem no Ceará), e,
tampouco, podem apontar para a perspectiva de generalização, Brasil afora, das
experiências exitosas.
As perguntas a serem respondidas, portanto, são as seguintes: como estão as
escolas diante de todo esse panorama? Qual sua participação no desenrolar desse
processo? Qual sua voz e quem estão atentos para ouvi-la? Quais seus interesses,
perspectivas, desafios? O que está se passando lá enquanto as coisas acontecem pelos
corredores de Brasília e de algumas universidades nos grandes centros brasileiros?
Dentro de um universo pequeno, porém, antenado com a visão nacional, nossa
Jean Mac Cole Tavares Santos
1813
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
procuramos contribuir com algumas das indagações acima.
Enquanto isso, na escola
Algumas das questões acima serão analisadas a partir dos dados encontrados
na pesquisa realizada nas escolas de ensino médio do Oeste Potiguar desenvolvidas por
uma equipe de professores e alunos universitários. Inicialmente a pretensão da pesquisa
era perceber como se configura a escola depois das ações reformistas ocorridas nas
últimas décadas: a estabelecida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso que obteve
uma intervenção direta na escola (KUENZER, 2000), e a proposta do governo Lula
buscando o ensino médio integrado à formação profissional, sem muita penetração, pelo
menos por enquanto, nos espaços escolares.
A referida pesquisa fez, como primeiro ato, um reconhecimento das trinta e
duas escolas de ensino médio da região, tomando conhecimento da estrutura física, dos
documentos norteadores (Projeto Político Pedagógico e Regimento Interno), do regime
de trabalho docente, dos turnos de funcionamento e dos cursos ofertados pelas escolas.
Com o panorama obtido, decidimos centrar em dez instituições avaliadas como
representativas do quadro geral da região. Em seguida, foram aplicados questionários
semi-estruturados aos diretores e/ou coordenadores escolares e aos professores que
atuam nas escolas selecionadas como parte de intensificação da pesquisa. Os dados
quantitativos e qualitativos (os depoimentos) coletados são analisados tendo por base os
pressupostos definidos pelas políticas do ensino médio em vigor e também por aquelas
relacionadas com a reforma do governo Fernando Henrique.
As perguntas da entrevista semi-estruturada foram formuladas intentando
perceber a preocupação da escola com a formação discente (de base geral, técnica e
tecnológica) e o mundo do trabalho, mote central de qualquer intervenção nessa
modalidade de ensino. O questionário aplicado evitou direcionar as perguntas para os
pressupostos básicos das reformas. Nossa preocupação tinha como escopo deixar os
depoentes à vontade para falar sobre as condições atuais da escola, seja ela dentro das
elaborações do ‘novo ensino médio’, do ‘ensino médio integrado’ ou qualquer outra
formulação que o estabelecimento tenha conseguido atingir. Ao mesmo tempo, as
indagações mostraram logo as preocupações da pesquisa com os laços entre a formação
Jean Mac Cole Tavares Santos
1814
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
efetivada e os componentes encontrados nos setores produtivos da região, incluindo as
tecnologias empregadas por tais setores. O cuidado, por um lado, visava não dirigir as
respostas ou apresentar dados que, na verdade, deveriam ser revelados pelos
entrevistados e, por outro lado, já estabelecer o objeto central a ser investigado.
As questões balizares foram as seguintes:
1. Quais as bases conceituais adotadas pela escola na elaboração do currículo?
2. Quais as expectativas da escola para com seus alunos, tendo por base a proposta
curricular ofertada?
3. Qual deve ser a preocupação da escola com a formação profissional e com a inclusão
do discente no mundo do trabalho?
4. A escola tem conhecimento dos alunos-trabalhadores que estão freqüentando a escola
e mantem atividades direcionadas para eles?
5. Como a escola avalia a qualidade das atividades realizadas pelas escola?
6. A escola estabelece convênios ou parcerias com entidades governamentais, nãogovernamentais ou empresas para formação complementar, para fomentar o primeiro
emprego ou para estágios?
7. Qual a capacitação recebida pelos professores para atuarem no ensino médio?
Por ser um questionário aberto, várias respostas fugiram do norte previsto.
Como técnica, resolvemos não corrigir, insistentemente, os rumos da conversa para
evitar direcionar as respostas, constranger ou gerar antipatia com o entrevistado. Temos
consciência que a interpretação da pergunta pelo depoente, seu direcionamento para
questões diversas ao tema ou para outras questões já respondidas, faz parte do jogo da
pesquisa com fonte oral e precisa ser lida dentro da lógica de interpretação desse tipo de
fonte.
A partir da compilação dos dados obtidos entendemos possível estabelecer
dois padrões de respostas: no primeiro grupo estão aquelas escolas que centraram sua
atenção nos conteúdos disciplinares e, no outro, as que almejaram uma aproximação
com a profissionalização (mesmo técnica) do aluno.
O primeiro grupo de escolas, de forma geral, afirma não se preocupar com a
questão profissional. A preocupação é em oferecer qualidade no ensino buscando o
envolvimento dos alunos em atividades culturais, em projetos que favoreçam o
aprofundamento do aprendizado das disciplinas vistas em sala de aula. Para essas
Jean Mac Cole Tavares Santos
1815
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
escolas o papel do ensino é oferecer uma formação geral ao aluno e não direcioná-lo ao
mundo do trabalho (há, segundo a maioria dos depoimentos, órgãos específicos para
essa ação). Antes do trabalho, a preocupação central deve ser a qualidade do ensino,
entendido como possibilitar mais conhecimentos. Depois o aluno poderá optar entre a
perspectiva de começar a trabalhar, fazendo um aperfeiçoamento em algum curso
técnico, ou optar por prestar vestibular para alguma universidade da região. Quem vai
determinar a escolha é a própria potencialidade do aluno. A baliza para delimitar os
avanços da proposta escolar é, além das avaliações de cada uma das disciplinas e os
números internos – a aprovação, a reprovação, a evasão -, o resultado dos alunos nos
vestibulares, no Exame Nacional do Ensino Médio e nos concursos públicos.
O segundo grupo, majoritário, afirma que, além de buscar o aprendizado dos
conteúdos curriculares, é função da escola de ensino médio buscar uma aproximação
entre a formação e o mundo do trabalho. Assim, vários gestores revelaram preocupação
em promover conversas e orientações pedagógicas aos discentes sobre a necessidade de
profissionalização para a inserção no mercado de trabalho. No mesmo caminho, uma
parcela menor, revelou que a escola realiza ações direcionadas para a 'capacitação
profissional'.
Assim, para esse grupo, a preocupação com o mundo do trabalho é mais
direta. De acordo com um raciocínio que é basilar do pensamento do grupo, o ensino
médio das escolas públicas, por lidar com discentes oriundos das periferias das cidades,
precisa criar oportunidades para inserir o jovem em alguma função que ele possa se
profissionalizar vislumbrando, no futuro próximo, uma perspectiva de superação do
estado em que ele se encontra, normalmente, na dependência de pais ou avós. A escola,
assim, não pode ficar somente nos aspectos culturais e sociais do aprendizado, precisa
investir na inclusão no mundo do trabalho. Caso a escola não assuma o papel de levar o
aluno à uma perspectiva de 'emprego', vai ter como conseqüência a desmotivação,
gerando reprovação e evasão.
Como exemplos de ações diretas para a inclusão ao mundo do trabalho são
anunciados os seguintes cursos: secretariado (integrado ao ensino médio), manicura,
bordado, pintura, informática, confecção de bijuterias, cabeleireiro, crochê, bombeiro
hidráulico (em parceria com empresas), eletricista (em parceria com empresa).
Entretanto, analisando os exemplos citados pelos gestores, somente um pode
Jean Mac Cole Tavares Santos
1816
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
ser considerado parte das atividades escolares. Os outros exemplos mostrados são
atividades, até importantes para a comunidade escolar, mas fora do campo curricular. O
curso de secretariado integrado ao ensino médio está de acordo com o que determina as
diretrizes curriculares da modalidade em discussão. Os demais cursos, de base técnica,
fogem por completo à caracterização curricular. Como exemplificador disso, uma das
atividades pesquisada oferece os cursos, aberto para a comunidade, sem nenhuma
relação direta nem com os professores da escola nem tampouco com os conteúdos
escolares. O curso, direcionado às pessoas da escola e de fora dela, visa ofertar uma
função técnica, não podendo sequer receber o nome de profissão, dado o caráter
específico e temporal da atividade proposta. Vale ressaltar ainda que, para fazer parte do
curso, é exigido o pagamento de uma taxa de inscrição e de mensalidades. Nesse caso, o
curso tem caráter de projeto extensivo fugindo da caracterização de uma atividade do
ensino médio e mesmo de qualquer outra modalidade de ensino da escola. É um curso
de extensão para um público diverso e com nível de escolaridade também diverso.
Logo, são cursos sem nenhuma relação direta com o ensino médio.
Outro elemento importante é o fato de uma das escolas do primeiro grupo,
que afirmam não se preocupar com a questão central da formação e do emprego,
oferecer cursos similares. Tais cursos são apresentados a comunidade, mas sem relação
com a construção curricular da escola e nem com o “dito” mundo do trabalho. São
cursos, admite o gestor, justamente para a parcela da população que estão fora do
mundo do trabalho, que estão desempregadas e buscam um subemprego ou uma
ocupação. São direcionados para pessoas da comunidade, com formação escolar
insuficiente, atentos para aprenderem uma técnica que possa gerar alguma renda. O fato
é que existe, na comunidade escolar, uma demanda por cursos rápidos que possibilite o
aprendizado de uma função não cabendo considerar como parte do currículo ou da
função social da escola.
Há ainda dentro desse mesmo grupo, duas escolas que, em tese, se
preocupam com a questão de inserção no mundo do trabalho, defendendo a interlocução
curricular com os desafios da profissionalização mas que admitem não conseguir fazer
nada que sugira um relacionamento entre os conteúdos escolares e a realidade do mundo
do trabalho, seja no sentido de uma educação geral tecnológica, de formação
estritamente técnica ou, muito menos, de ensino médio integrado.
Jean Mac Cole Tavares Santos
1817
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
Uma questão importante a citar são os instrumentos de sucesso ou de
fracasso do aluno. O que baliza a qualidade do ensino que esse grupo representa é a
quantidade de alunos que conseguem estágios, que já trabalham ou que conseguem, pelo
aprendizado desenvolvido, aprovações em cursos oferecidos (técnicos ou tecnológicos)
por outros órgãos como o CEFET, o SINE, o SENAI, o SESI e o SESC.
Todas as escolas pesquisadas possuem alunos que trabalham, sejam em
atividades temporárias ou não. Nenhuma delas, independente do agrupamento que
fizemos, tem o controle quantitativo desses alunos, mas, segundo os gestores, é sabido
que a grande maioria deles estuda a noite. No mesmo sentido, todas as instituições,
mesmo as que admitem não possuir atividades direcionadas a esse público, são mais
tolerantes em relação a atrasos e faltas dos discentes trabalhadores.
A mistura dos dois grupos será novamente observada quando indagamos
sobre a capacitação dos professores para atender a relação da formação escolar com o
mundo do trabalho. Dessa forma, o fato de se preocupar com a preparação para o
trabalho não significa ter quadro de professores capacitados para a atividade. Apenas
uma escola, desse grupo, anuncia possuir alguns professores aptos para exercer a
função. E, por incrível que pareça, no grupo formado pelas escolas que estão mais
interessadas pela formação propedêutica, alguns depoimentos deram conta de
professores capacitados para atuar na educação profissional, mesmo sem demonstrar
interesse em fazê-lo.
Mais um dado relevante revelado pela pesquisa diz respeito ao
estabelecimento de parcerias. Todas as escolas afirmaram que mantêm algum tipo de
relação com órgãos que fomentam o intercâmbio escola–empresa. Os mais citados
foram: IEL (5), Caixa Econômica Federal (3), Petrobrás (3), SEBRAE (2), INSS (1),
CCAA (1), outros bancos (3), SENAC (1), FUNGER (1), SESC (1).
Por fim, outra unanimidade entre as escolas, refere-se ao fato das crescentes
dificuldades financeiras para implementar qualquer projeto na escola fora da básica
relação professor-aluno. Apesar da questão de estrutura e condições financeiras não
constar entre os pontos propostos para a entrevista, os gestores apresentaram queixas
das ausências estruturais da educação como estrutura física, capacitação docente e
acompanhamento pedagógico por parte dos órgãos centrais. Para citar um exemplo que
serve como ponto central de nossa análise, segundo uma gestora entrevistada, o
Jean Mac Cole Tavares Santos
1818
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
processo de construção de um currículo do ensino médio integrado à educação
profissional, aprovado pelas autoridades estaduais, não saiu do papel por falta de
estrutura física e de capacitação dos professores. A escola possui uma proposta de
cursos tecnológicos, em petróleo e gás, incluso em seu Projeto Político Pedagógico e
apesar das constantes apelações do núcleo gestor e das promessas do governo, os
recursos não chegaram. A escola foi provocada pela própria secretaria estadual para
apresentar os cursos e, mesmo assim, não conseguiu os recursos necessários para sua
efetivação.
Considerações
Podemos considerar que as escolas têm, por vontade de seus gestores, por
pressão dos discentes e comunidade ou por imposição do sistema educacional,
considerável preocupação com a formação profissional. A afirmação feita parte da
análise da contradição observada nas falas dos gestores no que diz respeito a
importância dada ao relacionamento entre o mundo do trabalho e a formação. Mesmo
aquelas escolas que omitem a preocupação com a profissionalização, acabam por
revelarem (seja através dos convênios, da formação de seus professores, da queixa pela
falta de condições para fazer acontecer o ensino técnico ou dos cursos técnicos
‘precários’ já ministrados) a ligação necessária entre as duas esferas.
Porém, o fato de boa parte dos entrevistados optarem pela defesa da educação
propedêutica, citando o vestibular e, até, o ENEM como meta, não pode ser considerada
de menor importância. Na verdade revela justamente o nível de incorporação das
reformas no cotidiano da escola. Explicitando mais, a reforma do ensino médio, que
propunha uma educação para a vida, de base geral e tecnológica, separando o ensino
médio da formação técnica, aparece impregnado em várias falas. Desse modo, podemos
deduzir que a propaganda de um ‘novo ensino médio’ ainda ronda as cabeças docentes:
não como realização e melhoria da qualidade da escola, mas como processo inconcluso
(e incompreensível), promessa descumprida, sonho não realizado. Aponta o discurso do
passado, o novo ensino médio, e pratica o seu oposto.
De outra forma, a idéia de um ensino médio integrado, por melhor que pareça
a proposta, esbarra na falta de financiamento (e os dois grupos foram unânimes em
Jean Mac Cole Tavares Santos
1819
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
citar) e nas dificuldades de profissionais habilitados para conduzir o processo. Somado a
isso, a descrença na possibilidade de um novo modelo de ensino médio é notória.
Qualquer idéia de reforma (e talvez por isso o atual governo não utiliza essa
nomenclatura), esbarra na falta de credibilidade do conceito e nas sérias barreiras do
financiamento público da educação.
Acreditamos que os profissionais da educação encontram-se atordoados com
a educação secundária. Talvez nunca a cantada falta de identidade do ensino médio
tenha feito parte do cotidiano escolar como nos dias atuais. Conscientes ou não, os
docentes vão significando sua condição social no apego inevitável ao mundo do
trabalho, como defende KUENZER (2000). É a resposta possível àqueles alunos ávidos
por uma oportunidade de sentir-se incluído nas benesses da sociedade de consumo.
Sucesso, formação, emprego: uma outra promessa, alimentada por muitos, sem autoria
determinada. Até quando as promessas bastarão?
No campo educacional, várias gerações de educadores precisarão passar pela
escola e muito investimento precisará ser feito para algumas palavras voltarem ao
dicionário prático dos professores: reforma e revolução, na educação, lideram os
verbetes.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Grupo de Trabalho de Reestruturação e Expansão do
Ensino Médio no Brasil. Relatório Final. Brasília, MEC, 2008.
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Brasília: MEC, 1999.
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M.. Ensino Médio Integrado: Concepções
e Contradições. (orgs). São Paulo: Cortez, 2005.
Jean Mac Cole Tavares Santos
1820
Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares
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dito e o feito. In: Revista Educação e Sociedade, Campinas, UNICAMP, VOL. 21, no.
70, abril/2000.
KRAWCZYK, Nora Rut . O Plano Decenal de Educação Estadual: reflexões para
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MELLO, Guiomar Namo de. Diretrizes curriculares para o ensino médio: por uma
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ZIBAS, Dagmar. A reforma do Ensino Médio no Ceará e suas contradições. Cadernos
de Pesquisa, São Paulo, Volume 35, n. 124. p. 201-226. Jan/abr 2005.
Jean Mac Cole Tavares Santos
1821
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
AS NTIC E AS DIRETRIZES CURRICULARES
NACIONAIS NA ESCOLA CONTEMPORÂNEA
João Rogério Menezes de Santana
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
AS NTIC E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
NA ESCOLA CONTEMPORÂNEA
João Rogério Menezes de Santana
UFS/Campus Itabaiana
(GEPIADDE/CEMEEB)
RESUMO: A educação é o meio de adequar o ser humano as transformações sociais a
este imposta, também, pelo aparato tecnológico. A escola é o espaço por excelência
creditado pela sociedade para essa adaptação possibilitando ao aluno estar inserido no
mundo contemporâneo sem alienação. Para promover tal prática de formação humana a
escola tende a responder as especificidades do mundo moderno reordenando sua prática
pedagógica, para isso, tem o Estado, buscado responder a essas necessidades
disponibilizando novos conteúdos programáticos e didáticos pedagógicos de forma
generalista. Aplicando-se os dispositivos legais, a escola tem por obrigação ofertar o
máximo possível para o desenvolvimento pleno do estudante. Pode-se então relacionar
as novas tecnologias da informação e comunicação como elementos que podem ser
utilizados para atingir esses objetivos, no entanto, atentar para alguns conceitos com
relação aos conteúdos a serem ministrados a exemplo de: conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais tornam-se essenciais para uma efetiva relação com o saber.
Este estudo é parte do trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em
metodologias do ensino para educação onde se analisa a inserção das novas tecnologias
da informação e comunicação na educação pública municipal de Aracaju.
PALAVRAS-CHAVE: NTIC, Educação, Tecnologias.
A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração
plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em
seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que
conduzam à: [...] destacam-se. IV - formação para o trabalho; V promoção humanística, científica e tecnológica do País.(BRASIL,
CF/1988)
1. Introdução.
Educação é um processo pela qual o “ser humano” tem direito adquirido com o
objetivo de exercer a sua cidadania, esta não é ofertada pelo Estado, pois é
fundamentalmente uma conquista dos menos afortunados, por meio do exercício
João Rogério Menezes de Santana
1825
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
político de lutas (ARAÚJO et al., 2003, p.8). E quem não tem acesso a ela, insere-se no
âmbito dos excluídos. A educação se forma em razão dos confrontos sociais e políticos,
em um determinado tempo como instrumento e outro como mecanismo. Como
instrumento porque ela é o elo entre o cidadão, sua liberdade e participação, como
mecanismo porque é o modo de controle desse instrumento. A educação é o meio,
segundo Arroyo apud Buffa et al.(2003, p.36) de adequar o ser humano as
transformações sociais a este imposta pelo aparato tecnológico.
As novas tecnologias da informação e comunicação na educação é algo
necessário quanto ideal. A idéia de inserir essas tecnologias na educação deve ser
permitida diante a necessidade de estar o aluno inserido nesta por meio de sua formação
intelectual através da escola. A escola é o espaço por excelência creditado pela
sociedade a realizar tal inserção.
A maior mudança no país no que se refere aos direitos básicos do cidadão, no
que se refere a legislação, dar-se com a Constituição Federal de 1988. De início, no que
tange aos princípios fundamentais, Título I, Art. 3º inciso III apresenta como “objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil: III – erradicar a pobreza e
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais[...]”. Em seu Capítulo II
(Dos Direitos Sociais), no Art. 6º é considerado esse direito o Direito a Educação.
Definindo nesta Lei pontos sobre a educação o Capítulo III é a este destinado bem como
a Cultura e ao Desporto. Neste encontramos as diretrizes básicas relacionadas à
educação garantindo tais direitos a todos indistintamente. Revemos alguns pontos
básicos: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho. No inciso IV a gratuidade ao ensino público é garantida em
estabelecimentos oficiais. O Art. 208 O dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de: “I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada,
inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade
própria; [...]”.
Objetivando realizar mudanças no atual cenário educacional o Brasil firma um
compromisso com a sociedade em razão da Conferência Internacional de Educação para
João Rogério Menezes de Santana
1826
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
Todos realizado na Tailândia na cidade de Jontien em 1990 onde num prazo de dez anos
compromete-se a: “a) aplicar o plano decenal; b) priorizar o ensino fundamental; c)
dinamizar parcerias cm o município e a comunidade; d) modificar e estrutura de carreira
docente; e) promover a avaliação de desempenho docente; f) desenvolver o ensino a
distância”. Ressalte-se que tais diretrizes foram estabelecidas por organismos
internacionais de interesse classista como, por exemplo, o Banco Mundial. Tais
estabelecimentos reafirmam que legislar acerca da educação no Brasil sempre esteve
voltada a interesses de classe dominantes configurando assim uma especificidade
nacional de estabelecer normas legais sobre as necessidades básicas de sua nação
(PESSOA, 2005, p.12).
Nesse contexto, esse trabalho traz uma reflexão sobre pressupostos à inserção de
Novas Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação e as possibilidades
destas no período pós Constituição Federal de 1988 e ampliando-se a partir da LDB/
Lei 9394/96.
O referido trabalho tem como base pesquisa realizada durante o Curso de
Especialização em Metodologias de Ensino para a Educação Básica realizado na UFS/
Campus Itabaiana em 2007/2008. Buscou-se analisar aspectos sócios-políticos da
inserção de novas tecnologias da informação e comunicação na educação na Rede
Municipal de Ensino de Aracaju.
2. A Legislação Educacional e as Novas Tecnologias
Após participação do Brasil da conferência Internacional em Jomtien, Tailândia,
o Brasil elaborou seu plano decenal de educação. Nesse documento estão elencados:
Situação e perspectivas da educação fundamental; Obstáculos a enfrentar; Estratégias
para a universalização do ensino fundamental e erradicação do analfabetismo e as
medidas e instrumento de implantação dessas proposituras. No seu ano de criação, para
sua formatação, foi criado por Portaria Ministerial em 18 de março de 1993 a Comissão
Especial para a sua elaboração sob a coordenação as Secretaria de Educação
Fundamental do Ministério (BRASIL, 1993, p.17-51).
Nessa mesma década é promulgado no governo de Fernando Collor o Estatuto
da Criança e do Adolescente sob a Lei de N° 8.069/90. Este documento traz em seu
João Rogério Menezes de Santana
1827
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
bojo algumas diretrizes a serem seguidas para a proteção da criança e do adolescente.
No seu Capítulo IV (Do Direito À Educação, À Cultura, Ao Esporte e ao Lazer). Lê-se
os seguintes destaques:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação,
visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o
exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-selhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola;
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao
adolescente:
VII - atendimento no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde.
[...]Art. 57. O poder público estimulará pesquisas,
experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação,
currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de
crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório.
A nova LDB a Lei de 9.394/96. Formulada depois de muitos anos de discussão
e cercada de polêmicas tem em sua formação retratos de uma sociedade que clama por
garantia de direitos básicos. A sua formulação retrata o cidadão brasileiro que busca,
nos meios legais, garantir seus direitos enquanto cidadão no tocante à educação. A
distância que separa essa legislação daquela promulgada em 71 transcorre nada menos
que 15 anos. Um tempo considerável, visto que a sociedade nesse período e mais
especificadamente a escola, o discente e o professor passaram por mudanças
significativas. Mudanças essas de ordem social, política e econômica. Tais mudanças
afetaram a escola diretamente principalmente pela inserção de novas tecnologias.
Ressalte-se que mais dez anos se passaram da última promulgação e nesse mesmo
período as mudanças na sociedade foram ainda maiores. Pois, com o advento das novas
tecnologias mudou-se a forma de ver e de estar no mundo. Dessa forma Carneiro (2002,
p.24) afirma que:
Nestes últimos dez anos, o mercado da informática tem
investido de forma acelerada na venda de computadores para o
ambiente doméstico, o que tem contribuído para acelerar mudanças
João Rogério Menezes de Santana
1828
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
importantes no cotidiano que se refletem no ambiente de trabalho, na
escola e nas relações familiares.
Para o ambiente de trabalho as mudanças são de ordem organizacional e de
intelecto como apresenta Gates (1995) apud Carneiro (2002, p.24) [...] o computador é,
hoje, [...] nas grandes empresas [...] utilizado como auxílio na elaboração de nosso
próprio trabalho. Brandão (1997) apud Carneiro (2002, p.29) diz que essa ferramenta se
transformará “[...] em pouco tempo, num dos alicerces básicos da sociedade industrial
moderna, permeando o ambiente comercial, sustentando o sucesso das modernas
instituições”.
Percebe-se que as LDB anteriores atendiam aos ditames da classe dominante
como é descrito por Kawamura (1990, p.22) que apresenta a seguinte visão do Estado e
sua intervenção nas relações entre sociedade e os meios de produção. “É no nível do
Estado que o embate das tendências educacionais se sintetiza numa perspectiva dos
interesses dominantes na sociedade [...]”. Essa síntese expressa-se em metas, planos,
programas e leis que adquirem características de legitimidade e universalidade. Os
interes de classes estão ai embutidos nas propostas e nos objetivos. As LDB de 1961 e
1971 foram formuladas tendo como aportes a idéia e o planejamento, domínio de
classes dominante. “No caso da educação, era imprescindível torná-la eficiente para
formar trabalhadores competentes e cidadãos integrados ao projeto econômico e social
mencionado.” Dessa forma o tecnicismo é inserido no bojo das formulações das
políticas públicas educacionais com o golpe de 64, [...] quando elas passam a se
subordinar basicamente aos parâmetros técnicos numa estrutura político-administrativa
organizada de forma a privilegiar a instância técnica e outorgar poder aos seus
detentores (técnicos).
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB,
publicada em 1996 no seu Capítulo II, Art. 22 , que trata da disposições gerais diz que
“a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a
formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Deste modo, aplicando-se os
dispositivos legais, a escola tem por obrigação ofertar o máximo possível para o
João Rogério Menezes de Santana
1829
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
desenvolvimento pleno do estudante. Assim, é preciso que haja uma (re) adequação das
unidades de ensino em razão dos novos instrumentos tecnológicos disponibilizados a
sociedade.
Sabendo-se que em tais instrumentos didáticos estão inseridos os objetivos do
sistema nacional de educação, do estado e do município bem como a ideologia dessas
instâncias, a proposta pedagógica de cada unidade também se faz presente nos
currículos. Há também nestes as várias faces do currículo como, por exemplo, o
currículo oculto aquele que está no cotidiano da escola na relação entre o professor e o
aluno (BRASIL, 2001, p. 40).
Desse modo tem o Governo Federal articulado a base nacional comum e a
diversificada dos currículos. Segundo essas recomendações, os professores e alunos
deverão ter “acesso aos conteúdos mínimos de conhecimento e valores onde
possibilitarão a organização, o desenvolvimento e a avaliação das propostas
pedagógicas das escolas como é estabelecido na LBD nos Art. 23 a 28 e 32 e 33 (DCN,
p.41)”.
O Governo Federal tem tentado dar resposta aos ditames legais da Legislação
em vigor no Brasil a respeito da educação nacional. Tal intenção percebe-se quando este
possibilita a “democratização do acesso e a garantia da permanência de crianças e
jovens nas escolas brasileiras; democratização da gestão e a construção da qualidade
social da educação”. Estes são as três diretrizes que a Secretaria de Educação Infantil e
Fundamental – SEIF deseja classificar a educação básica como direito social
(FERNANDES in VELOSO; ALBUQUERQUE, 2004, p.60).
O Art. 25 desta mesma Lei percebe-se uma intenção de adequação dos
conteúdos curriculares bem como no que diz respeito a carga horária, número de alunos
por turma e as condições de adequação de uma estrutura mínima necessária para o pleno
exercício de docência. No parágrafo único desse Art. Lê-se: “Cabe ao respectivo
sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e
locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto neste artigo”.
O Art. 26 e 27 faz relação aos currículos mínimos no ensino fundamental e
médio (educação básica). Nestes pode-se encontrar o aporte legal para formulação dos
conteúdos que serão disponibilizados para o aluno, esses abrange o mundo físico e
João Rogério Menezes de Santana
1830
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
natural, sociedade e cultura, política, em especial a brasileira, a história do Brasil se
constituirá com ênfase na formação do povo brasileiro e suas diversas raízes étnicas e
alcanças os conteúdos que tratam das relações sociais e do Direito e Deveres do
cidadão. Vejamos o que diz o Artigo que indica a possibilidade de inserção de novas
tecnologias na educação:
[...] Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica
observarão, ainda, as seguintes diretrizes:
I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos
direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem
democrática;
II - consideração das condições de escolaridade dos alunos em
cada estabelecimento;
III - orientação para o trabalho;
Pode-se então relacionar as novas tecnologias da informação e comunicação
como elementos que podem ser utilizados para atingir esses objetivos. Com relação aos
conteúdos, a saber: conteúdos conceituais1, procedimentais2 e atitudinais3, visualiza-se a
possibilidade do uso das novas tecnologias da informação e comunicação. Pode-se dar
uma ênfase aos conteúdos procedimentais, pois, com estes pode o professor utilizar-se
de recursos tecnológicos orientando o discente para que possa alcançar o escopo
proposto pelo professor, outra inserção dos computadores nos PCN percebe-se no que
diz respeito à seleção de material nas orientações didáticas (PCN, 1997, p.51-67).
Dessa forma tem a escola e educadores o papel de formar cidadãos capazes de se
reconhecerem com tal por meio da informação com o propósito de que estes exercitem
seus direitos e deveres e então sua cidadania bem como o seu papel na sociedade. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais publicado em 1997 na página 7 onde faz referência
às quatro primeiras séries do ensino fundamental trazem em seu bojo algumas diretrizes
que possibilitarão ao educador desenvolver suas atividades de docência com qualidade.
Para tanto apresenta alguma possibilidades de auxílio que são: “[...] • identificar,
1
Refere-se aos conhecimentos sobre conceitos básicos do que se propõe a estar disseminando.
2
Refere-se aos procedimentos a serem utilizados, é o como estar fazendo para melhor resultados obter no
ensino.
3
Refere-se aos posicionamentos que temos em relação ao está em nosso entorno.
João Rogério Menezes de Santana
1831
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
produzir ou solicitar novos materiais que possibilitem contextos mais significativos de
aprendizagem [...]”.
Este mesmo documento, nos seus objetivos, e em suas conceituações de
significados nas áreas de ensino e na transversalidade de temas que as permeiam adotam
como eixo “[...] o desenvolvimento das capacidades do aluno [...]”. E tem como
Objetivos Gerais para o Ensino Fundamental dez, dentre eles destaca-se:
[...]• utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática,
gráfica, plástica e corporal — como meio para produzir, expressar e
comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais,
em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e
situações de comunicação;
• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos
tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos; [...]
A atual LDB (1996), respaldada na CF, quanto aos Direitos à Educação e o
Dever de educar, no Art. 4º diz que é o Estado o responsável maior por sua realização
mediante algumas garantias, destacando-se:
VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental
público, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como
a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos
indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensinoaprendizagem.
Percebe-se que no inciso nono desse Artigo deverá a educação nacional estar
disponibilizando e possibilitando o crescimento intelectual do educando com a inclusão
de novos materiais didáticos, incluindo as novas tecnologias, bem como a ambientação
adequada a sua disponibilidade. Mello (1998, p.30) descreve alguns sinais de
preocupação pelos governos acerca da educação e assim visualizam-se esses pontos já
inseridos nas discussões políticas para a formulação de leis e programas que visam à
melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis. Mas a autora faz ressalvas quanto a
João Rogério Menezes de Santana
1832
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
sua formulação e diz que para a educação estar de fato contextualizada apresenta quatro
pontos que considera primordial:

políticas de ajuste econômico e curto prazo, que
dificultem consensos em torno de objetivos de longo alcance,
como são os da educação;

instabilidade e fragilidade da tradição
democrática, em função de longos períodos de governos
autoritários, que prejudicam a articulação entre as instituições
políticas e os atores sociais;

crescimento desigual, que faz conviver setores
avançados tecnologicamente, com outros de mão-de-obra
intensiva e ainda necessários à integração de grandes
contingentes populacionais marginalizados da produção e do
consumo;

grandes desigualdades na distribuição de renda
e ineficiência; desigualdade na oferta de serviços
educacionais.
A formulação de políticas educacionais no Brasil tende a ser frágil em
decorrência da não observação atenta, dos legisladores, as demandas sociais, ou seja,
àquelas que realmente necessitam de maior atenção em razão de suas especificidades.
Fala-se aqui das classes menos desprovidas ao acesso e permanência à escola.
3. As Redes Sociais, a Educação e o Estado
Na construção destas políticas na atualidade, pós-estado de regime ditatorial no
Brasil, estão às redes sociais. Instituições que se fortificaram nas últimas décadas em
razão da ausência do Estado em dar resposta às demandas sociais. A respeito, Cunha
(2001, p.19-21) faz uma relação dessas associações e os partidos políticos e diz que tais
ligações ainda não são de fato a resposta que os atores sociais tanto esperam, pois essas
organizações representam apenas parcelas de toda a sociedade. Desse modo o autor diz:
[...] mais importantes do que os partidos têm sido os grupos corporativos e os
candidatos defensores de interesses de grupos profissionais, econômicos, religiosos,
desportivos etc. [...] Para o autor, no Brasil, a criação de redes sociais foi precoce, pois
nasceu sem uma visão política de fato, em outras palavras é uma “corporativização da
vida pública”. Mas, em contra partida têm essas organizações contribuído de fato para a
construção de políticas efetivas, pois têm levado os políticos a estarem mais próximos
dos cidadãos.
João Rogério Menezes de Santana
1833
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
Recentemente pode-se observar a atuação de entidades não governamentais que
passam a cobrar do governo, em todas as esferas públicas, maior atuação e eficiência no
ensino na zona urbana mais especificadamente, porque essas instituições estão mais
centradas nas grandes cidades. Essas entidades são “[...] associações de base local, mais
ou menos institucionalizadas, que exercem pressão sobre as prefeituras [...], com ou sem
intervenção de vereadores[...] articulados ou não com os partidos e com a igreja [...] (op.
cit. p.580).
Delors (2003, p. 133) afirma que cuidados deverão ser tomados nessa construção
de redes, pois deverá o Estado ser o responsável exclusivamente pela oferta e qualidade
do ensino, se não, de outro modo estaremos criando um setor que corroborará para a
manutenção daqueles que já se privilegiam das melhores oportunidades. Dessa forma o
autor diz que “a participação da comunidade na educação, sobretudo em nível de
educação básica, deve ser acompanhada pela responsabilidade e ação vigorosa do
Estado. Este tem um papel importante a desempenhar, se pretender que todas as
comunidades tenham oportunidades iguais [...] de uma boa educação [...]”.
Sabendo-se que a educação é o meio do cidadão prosseguir em seus sonhos,
desejos e escolhas, terão a escola e o educador um papel importante na tomada de
decisões a esse respeito. Recordando a LBD, (Título I da Educação e II Princípios e
Fins da Educação Nacional) em seus Art. 1º; 2º; 3º inciso XI onde “A educação escolar
deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” [...] tem como finalidade
[...] “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho” e princípios entre eles a “vinculação entre a educação
escolar, o trabalho e as práticas sócias. Dessa forma, instituir conteúdos que
possibilitem um encaminhamento futuro na tomada de decisões bem como a prática
pedagógica têm professores e unidades a responsabilidade da escolha dos conteúdos
didáticos que reportem, desde a educação básica, o alunado para defrontar-se com o
novo de forma consciente.
As atuais diretrizes para educação instituídas em Lei vêm promover a equidade,
a inserção no mercado de trabalho por meio de seu preparo e o exercício pleno de
cidadania aos estudantes. Dessa forma, retomando o diálogo sobre a educação e novas
tecnologias se faz necessário fazer uma ponte entre o processo de produção e os
João Rogério Menezes de Santana
1834
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
interesses políticos. Tal ligação é necessária para entendermos a origem de
financiamentos externos e internos que financiam a educação, pois vale ressaltar que
serão eles que determinarão, de algum modo, à utilização desses recursos em razão das
peculiaridades desses países como afirma Kawamura (1990, p.61) quando diz que “O
capital monopolista procura incluir no país projetos econômicos e culturais que
possibilitam a maior rentabilidade para seus empreendimentos no local ou na matriz.
[...] Tais interesses têm coincidido em sua maioria com os dos grandes capitais
nacionais, inclusive estatais” a autora ainda ressalta dizendo que desse modo [...] podese compreender melhor a avassaladora entrada de tecnologias avançadas [...] na
educação entre outros seguimentos sociais.
Com o Brasil República surgiu também a necessidade de um plano nacional de
educação para todo o seu território por aqueles que viam uma educação para todos e de
qualidade no país, no entanto, somente com a Constituição de 1988 é que sua
obrigatoriedade é contemplada.
O Plano Nacional de Educação (PNE) com força de Lei é editado em 2000 e terá
validade até 2010. Sua elaboração foi iniciada em
Em 11 de fevereiro de 1998 o Poder Executivo enviou ao
Congresso Nacional a Mensagem 180/98, relativa ao projeto de lei
que "Institui o Plano Nacional de Educação". Iniciou sua tramitação
na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº 4.173, de 1998,
apensado ao PL nº 4.155/98, em 13 de março de 1998. [...] foi
considerado como exposição de motivos o Plano Anterior conhecido
como Plano Decenal de Educação para Todos. [...] teve como eixos
norteadores, do ponto de vista legal, a Constituição Federal de 1988, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e a Emenda
Constitucional nº 14, de 1995, que instituiu o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério. [...] Além deste, os documentos resultantes de ampla
mobilização regional e nacional que foram apresentados pelo Brasil
nas conferências da UNESCO constituíram subsídios igualmente
importantes para a preparação do documento. Várias entidades foram
consultadas pelo MEC, destacando-se o Conselho Nacional de
Secretários de Educação - CONSED e a União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME (BRASIL, 2000).
O atual PNE está em tempo de reformulação e ainda não amadureceu o
suficientemente para que se possa diagnosticar mudanças significativas na qualidade de
João Rogério Menezes de Santana
1835
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
ensino/aprendizagem. No entanto, sua formulação e vigência atual fortificaram ações de
caráter administrativo possibilitando que unidades educacionais obtivessem maior
autonomia na realização de ações que visam beneficiar a instituição escolar e
conseqüentemente o alunado.
4. Algumas Considerações
A maior mudança no país no que se refere aos direitos básicos do cidadão, no
que se refere a legislação educacional, dar-se com a Constituição Federal de 1988.
Nesta, a educação passa a ser direito de todos sendo um dever do Estado e da família e
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.
Objetivando realizar mudanças no atual cenário educacional o Brasil firma um
compromisso com a sociedade em razão da Conferência Internacional de Educação para
Todos, realizado na Tailândia, na cidade de Jontien em 1990. Neste evento, com a
participação de organismos internacionais a exemplo do Banco Mundial, observa-se
nesse contexto que legislar acerca da educação no Brasil sempre esteve voltada a
interesses de classe dominantes configurando assim uma especificidade nacional de
estabelecer normas legais sobre as necessidades básicas de sua nação. Nesta mesma
década é criado Estatuto da Criança e do Adolescente que busca defender, dentre outros
aspectos, a criança adolescente nas suas necessidades básicas para sua formação como
cidadão.
Ainda neste período é promulgada a LDB que vem após longas décadas de
discussões acerca da educação nacional visando uma equidade e ao mesmo tempo
reflete os clamores de sociedade que busca, ainda, em pleno século XX, direitos
básicos.
A década de noventa do século passado será vista como marco nas políticas
publica educacionais em decorrência das solidificações acerca de suas proposições. Foi
nessa ainda que as Diretrizes Curriculares Nacionais e os Parâmetros Curriculares
Nacionais vieram como norteadoras no processo de ensino aprendizagem e que tendem
a responder aos atuais modelos de educando e de sociedade na era da informação
João Rogério Menezes de Santana
1836
As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea
tecnológica, também denominada por Frigotto de “terceira revolução industrial”. Dessa
forma, compete aos educadores, estarem dispostos a debater essa questão e de olhos
abertos: um para discernir com propriedade os avanços tecnológicos e interrogar seus
escopos, seu aproveitamento e a intensidade de sua utilização; outro para enxergar as
oportunidades de caráter prático da sua inserção pelo ser humano, para além do uso de
seus comandos.
5. Referências
ARAUJO, Maria Inês Oliveira; OLIVEIRA, Luiz Eduardo. Desafios para a formação
de professores para o século XXI: O que deve ser ensinado? O que é aprendido?
Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2008, 382p.
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_______. Ministério da Educação. DECRETO Nº 6.300, DE 12 DE DEZEMBRO DE
2007 - Programa Nacional de Tecnologia Educacional – PROINFO.
_______. Ministério da Educação. O Plano de Desenvolvimento da Educação:
Razões, Pincípios e Programas.
_______. Ministério da Educação. Plano Decenal de Educação para Todos.Versão
acrescida, Brasília, 1993, 136p.
_______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes
Curriculares Nacionais Educação Básica – DCN. Parecer CNE/CEB nº 04/98,
Resolução CNE/CEB nº 02/98, publicada no Diário Oficial da União em 15/4/98.
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introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental.
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João Rogério Menezes de Santana
1838
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ENSINO MÉDIO, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL
Juliana Curzi Bastos
Sérgio Cândido de Oscar
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
ENSINO MÉDIO, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Juliana Curzi Bastos
Sérgio Cândido de Oscar
RESUMO: O texto objetiva descrever e analisar os redimensionamentos e alterações
processadas na legislação brasileira referente ao Ensino Médio Regular e ao Ensino
Profissionalizante. Sua relevância se mostra no sentido de nos possibilitar compreender
os objetivos gerais deste nível de ensino e, assim, elaborarmos um currículo que atenda
as demandas legais e reais da estrutura escolar. Para cumprir este objetivo, iniciamos
nossa reflexão discutindo a reforma do ensino técnico na LDB 9394/96, buscando
compreender as principais mudanças trazidas por esta lei na finalidade do ensino médio.
Em seguida, tomas como objeto de análise o Decreto 5154/04 que traz em alguns
aspectos a reversão da reforma, ou seja, traz novamente ao Ensino Médio a
possibilidade de integrar a Educação Profissionalizante. Por fim, busca-se analisar
brevemente as mais recentes mudanças propostas pelo MEC na recente proposta
denominada “Ensino Médio Inovador” aprovada pelo Conselho Nacional de Educação
em junho deste ano. Conclui-se este texto, destacando a importância de abrir caminhos
para uma formação educacional que reconheça a complexidade do mundo real e as
múltiplas e diversas formas do poder saber/fazer político e social.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino médio, currículo, educação profissional.
Este texto objetiva descrever e analisar os redimensionamentos e alterações
processadas na legislação brasileira referente ao Ensino Médio Regular e ao Ensino
Profissionalizante. Sua relevância se mostra no sentido de nos possibilitar compreender
os objetivos gerais deste nível de ensino e, assim, elaborarmos um currículo que atenda
as demandas legais e reais da estrutura escolar.
As constantes mudanças atuais, no mundo do trabalho, exigem que professores e
gestores do Ensino Médio lancem novos olhares para o currículo. Sob esta ótica é que o
artigo 22 da LDB 9394/96 prescreve e objetiva a necessidade de "desenvolver o
educando, assegurar-lhe a formação indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores". Esta última
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1842
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
finalidade, segundo a referida Lei, deve ser desenvolvida precipuamente pelo Ensino
Médio, uma vez que entre as suas finalidades específicas incluem-se "a preparação
básica para o trabalho e a cidadania do educando", a serem desenvolvidas por um
currículo que destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da
ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da
cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação e o acesso ao
conhecimento e exercício da cidadania.
Nesse sentido, para compreendermos as relações hoje existentes entre o Ensino
Médio e a Educação Profissional, buscaremos conhecer a legislação brasileira a partir
da reforma do ensino técnico, analisar as bases legais dos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio e suas implicações com o mundo do trabalho,
apresentando algumas considerações sobre a articulação existente entre a Educação
Profissional e o Ensino Médio, denominada “Educação Profissional Técnica de Nível
Médio”, por meio do Programa Brasil Profissionalizado, instituído pelo Decreto no.
6.302, de 12 de dezembro de 2007.
1 - UMA REFLEXÃO SOBRE A REFORMA DO ENSINO TÉCNICO DA LDB
9394/96
A reforma do Ensino Técnico de nível médio, explicitada na LDB 9394/96 e
regulamentada pelo Decreto Federal 2208/97, separa o Ensino Médio regular e a
Educação Profissional.
A legislação anterior, 5.692/71 – Lei da Reforma de Ensino de 1º e 2o graus caracterizava o ensino de 2º grau como uma agência de habilitação de técnicos em
profissões específicas, obedecendo à tendência tecnicista da época o que gerou, no
Ensino Médio, uma crise de identidade. Ou seja sua formação deveria atender a
formação integral e social do indivíduo ou meramente prepará-lo para o mercado de
trabalho? Já em 1982, sobreveio a lei 7044, que revogou o artigo 5º da lei 5692/71,
substituindo a habilitação técnica obrigatória pela facultativa, flexibilizando assim, a
exigência da profissionalização.
A LDB em vigor (Lei 9394/96) propõe que a finalidade do Ensino Médio deve
ser a formação geral do educando e não a preparação para uma profissão específica. De
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1843
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
acordo com SOUZA e SILVA (1997), numa comparação entre a legislação anterior
(5692/71) e a atual (9394/96), notamos que na primeira a habilitação profissional
constituiu-se como uma finalidade do Ensino Médio e que a legislação atual não só
exclui a profissionalização obrigatória da estrutura do Ensino Médio regular, como
deixa clara ser essa uma função a ser entregue às escolas técnicas e centros
especializados, que podem se constituir em redes paralelas às do ensino propriamente
dito. Tal legislação prevê que os interessados poderão profissionalizar-se nesses centros,
ou durante o tempo em que cursam o ensino médio regular, ou após nele terem sido
diplomados. Para estes autores “o ensino profissionalizante passa a ter uma interface de
pós-secundário, o que vem a corresponder às exigências atuais da economia, segundo as
quais o trabalhador deve não apenas saber fazer, mas também e, principalmente,
compreender com clareza o significado dos princípios científicos e tecnológicos, que
estão na base de cada fase do processo de produção. Para que isso se efetive, mister se
faz que quem se educa para o trabalho, traga, como pré-requisito, uma cultura geral
básica, humanística e científica bem desenvolvida” (SOUZA e SILVA, 1997, p.69).
Segundo SOUZA e SILVA (1997) a desvinculação entre Ensino Médio regular e
Ensino Técnico reproduz, de certa forma, a situação existente no Brasil antes de 1971,
na vigência da Lei 4024/61, que colocava a existência de um ensino secundário
(propedêutico ao ensino superior e destinado aos filhos das elites) e um ensino
profissionalizante, para os filhos dos trabalhadores. A Lei 5692/71 tentou corrigir esse
dualismo, buscando estruturar no sistema a escola única, onde se integrariam o ensino
comum e o ensino profissionalizante. Mas, segundo os autores, essa lei exagerou na
dose e inverteu a situação: onde predominava o ensino geral (secundário) passou a
predominar o ensino profissionalizante, obrigando todo aluno do nível médio a concluir
o curso levando consigo uma habilitação técnica. Agora, a LDB 9394/96 e o Decreto
2208/97 aparecem, segundo os autores, como um antídoto contra os excessos da Lei
5692/71, voltando a propor o retorno da dualidade entre a formação geral e o ensino
profissional. É o que diz o artigo 5º do referido decreto: “A educação profissional de
nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio,
podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este”.
Contudo, para SOUZA e SILVA (1997), há uma diferença a assinalar entre as
leis anteriores e a atual: “embora a profissionalização se possa fazer, em regra, à
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1844
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
margem do Ensino Médio, numa espécie de subsistema paralelo, do aluno que a ele se
dirige, exige-se um pré-requisito indispensável: a prova de que dispõe de formação
geral suficientemente abrangente. Nisto, o modelo proposto no decreto 2208/97 e na
própria LDB, se mostra superior aos demais” (SOUZA e SILVA, 1997, p. 137).
No entanto, nem todos os autores compartilham dessa visão otimista da
desvinculação entre Ensino Médio e Técnico. Para eles, as novas tecnologias que vem
sendo, nas últimas décadas, introduzidas no mundo do trabalho, têm gerado grandes
transformações
nas
formas
de
organização
dos
processos
produtivos
e,
conseqüentemente, nas qualificações que vêm sendo exigidas dos trabalhadores.
Segundo DELUIZ (1995), o perfil do novo trabalhador deverá se transformar em
direção a um novo tipo de trabalho, onde será exigida uma considerável competência
teórica, além de bons conhecimentos sobre o produto e o processo de trabalho. Portanto,
será exigida uma qualificação polivalente, tornando fundamental o papel da educação
básica para a elevação da qualificação da força de trabalho. Isso indica, segundo
FOGAÇA (1999), um movimento de revalorização da educação geral, na medida em
que a base da qualificação profissional não estaria localizada só nos sistemas de
formação profissional.
Entretanto, de acordo com as novas diretrizes governamentais, a organização da
educação profissional é desvinculada da educação básica como um processo amplo e
global. Segundo ROMERO (2002), seus objetivos privilegiam as necessidades
imediatas do comércio e da indústria, o que confere à educação profissional um caráter
mercantilista e imediatista de formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho.
“Dessa forma, as dimensões de conquista da cultura e de construção e cidadania são
excluídas da formação profissional, limitada à especialização” (ROMERO, 2002, p.
103). Essa concepção de educação profissional, segundo o autor, impede a construção
de uma educação politécnica ampla, condizente com os requisitos da cidadania e as
exigências da moderna produção. A constituição da educação integral ou politécnica
suporia a integração do ensino geral secundário e do ensino profissional técnico. Um
currículo integrado, composto organicamente de conteúdos gerais e técnicos, seria mais
adequado à formação de um trabalhador com a flexibilidade necessária para o
enfrentamento do novo mundo produtivo. Realizada da forma como o Decreto 2208/97
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1845
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
estipula, a educação profissional impede uma formação efetiva e ignora as exigências de
uma formação mais complexa.
A exigência de conclusão ou de realização concomitante do Ensino Médio para a
freqüência ao Ensino Técnico revela, por um lado, mecanismos de contenção ao
ingresso no nível superior e, por outro lado, uma nova forma de elitização do Ensino
Técnico, já que a maior parte dos alunos do Ensino Médio não tem condições de realizar
os dois cursos simultaneamente.
FOGAÇA (1999) aponta que a política governamental tem se apoiado na
questão da terminalidade, isto é, no objetivo de dar aos concluintes do Ensino Médio
algum tipo de preparo para o ingresso no mercado de trabalho. A autora coloca que é
necessária uma análise mais profunda do significado dessa política governamental, que
é, em última instância, o de diminuir a demanda pelo Ensino Superior e os gastos com a
rede de ensino técnico, além de promover uma maior articulação entre a rede de escolas
profissionalizantes e o setor produtivo. Ela aponta que a justificativa dada pelo MEC
para a reforma seria a existência de dois problemas principais em relação aos egressos
dessa modalidade de ensino (problemas esses que são praticamente inevitáveis): 1) O
fato de uma parcela desses egressos estarem em funções diferentes e inferiores àquelas
para as quais foram preparados e 2) o ingresso na Universidade. Com relação ao
primeiro ponto, a autora comenta que é uma questão de sobrevivência, visto que é
melhor ter qualquer emprego do que nenhum emprego. Com relação aos egressos que
optam pela continuidade dos estudos em nível superior, a autora ressalta que não se
pode considerar como uma opção equivocada, já que os diferenciais observados entre o
salário médio das funções técnicas e o das funções de nível superior é muito elevado,
fazendo com que os jovens continuem a querer investir no nível superior, independente
de qualquer reforma que seja feita no ensino técnico.
Além desses pontos citados, podemos perceber que o dualismo entre Ensino
Médio regular e Técnico, pode assumir características ainda mais perversas se levarmos
em conta a questão do acesso a esse nível de ensino e quais os alunos que dele se
utilizam. No artigo Educação e Qualificação 1, Azuete Fogaça coloca a questão do fraco
desempenho do sistema educacional brasileiro, apontando que, com relação ao Ensino
Fundamental, de cada 100 alunos que ingressam nesse nível de ensino, somente 22
1
Retirado da página da internet do Ministério das Relações Exteriores, no endereço eletrônico:
www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/economia/mercado/educação
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1846
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
conseguem concluí-lo e que a maior parte desses jovens que não concluem o Ensino
Fundamental é oriunda das camadas mais carentes da população. A autora ressalta que a
alta seletividade neste nível de ensino, dificulta que a oferta do Ensino Técnico se
expanda e funcione como mecanismo de elevação da escolaridade dos trabalhadores.
Para ela, se os cursos técnicos correspondem ao nível médio, isso de antemão já elimina
a maior parte dos clientes potenciais desses cursos, os jovens mais pobres que não
conseguem concluir o ensino fundamental. A rede de escolas técnicas federais atende a
apenas 2% do total de matrículas do ensino médio e são ocupadas predominantemente
por jovens que, por terem boas condições sócio-econômicas, na maioria se destinam ao
ensino superior, não ocupando os postos técnicos para os quais foram preparados. As
Escolas Técnicas Federais acabaram por adquirir o status de “escolas de elite”, pois são
reconhecidas como escolas de qualidade no campo da formação profissional e da
formação geral e, devido à seletividade da escola fundamental, tornaram-se preferidas
pelos jovens de classe média. Esse ensino, além de elitista, estaria se tornando
propedêutico, pois apenas a classe média recorreria a este ensino de qualidade para ter
acesso à Universidade. Isso reduziria as opções de formação profissional dos estudantes
mais pobres, que seriam encaminhados para escolas técnicas municipais, estaduais ou
particulares onde, nos dois primeiros, as escolas estão em decadência e, no último são
muito caras para esses alunos. Assim, as escolas técnicas federais não estariam
atendendo às classes sociais para as quais foram criadas.
Para CUNHA (1998, citado por ROMERO, 2002), existem dois argumentos
principais empregados pelo Banco Mundial para justificar a reforma do ensino técnico:
por um lado, as escolas técnicas, especialmente as da rede federal, operariam a custos
muito elevados, injustificados para os efeitos correspondentes. Por outro lado, seus
efeitos seriam mais propedêuticos do que propriamente profissionais, o que não se
justifica numa escassez de recursos para a educação, em especial para o ensino médio.
Portanto, segundo o autor, a estratégia de separar a educação profissional da educação
geral pode estar sendo orientada pela busca do barateamento da educação básica.
Outro ponto a destacar com relação à manutenção da situação excludente das
camadas populares, é a questão de que a desvinculação do ensino profissionalizante e do
ensino médio, não privilegiaria os jovens economicamente desfavorecidos. Segundo
MORAES (2001, citada por ROMERO, 2002), na prática, as circunstâncias da realidade
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1847
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
sócio-econômica, cultural e educacional do Brasil, indicam diversos obstáculos para que
os alunos possam realizar o curso técnico, ou seja, um aluno de baixo poder aquisitivo,
exatamente aquele que deveria ser o público alvo do ensino técnico, não poderia passar
o dia inteiro na escola fazendo o curso técnico num turno e o ensino médio em outro. Da
mesma forma, ele não poderia se dar ao luxo de gastar cinco ou seis anos em sua
formação profissional – três no ensino médio e outros três no curso técnico.
2 - O DECRETO 5154/04: UMA REVERSÃO DA REFORMA DO ENSINO
MÉDIO
Em pesquisas recentes2, verifica-se um elevado número de evasão e repetência
no Ensino Técnico, principalmente a partir das reformas que separaram o Ensino Médio
e Técnico. Essa separação mudou o perfil do estudante que busca o Ensino Técnico. Ao
invés de jovens e adolescentes entre 15 e 17 anos, esta modalidade é buscada por uma
população mais velha. Isto não significou a falta de oferta do Ensino Técnico à
população mais jovem, ou que esta população deixou de procurá-lo. O que ocorreu foi
que, em muitas escolas, o Ensino Técnico passou a ser oferecido principalmente no
turno noturno, atendendo predominantemente a população mais velha ou empregada
procurando ascensão profissional. Esses estudantes encontraram muitas dificuldades em
trabalhar com os conteúdos do Ensino técnico, motivando, em muitos casos, repetência
e evasão. Também o fato de que, esses alunos têm responsabilidades familiares e no
trabalho e quando há problemas nesses âmbitos, tendem a deixar a escola, adiando sua
formação.
Em 2004, o decreto 5.154/04 provoca a reversão daquilo que foi a proposta de
reforma do Ensino Médio e Técnico, fazendo com que as escolas passassem a oferecer a
modalidade de Ensino Técnico separado do Ensino Médio, ou então, oferecer o Ensino
Médio e Técnico integrados. Assim, muitos cursos e alunos passaram a migrar para o
Ensino médio e técnico integrado. No entanto, hoje existem cursos separados e cursos
integrados. Na atual legislação, o aluno obtém um único diploma, o que se diferencia
2
Ver pesquisa Educação Profissional no Brasil e Evasão Escolar, Coordenado pela Professora Rosemary
Dore
Heijmans,
UFMG.
Site:
http://observatorio.inep.gov.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=17,
consultado
em
13/07/2009.
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1848
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
em relação à situação anterior da lei 5.692. Neste caso, o aluno terá formação geral e
específica no mesmo curso e sairá com um diploma de Ensino Médio e Técnico.
A proposta prevista no decreto 5.154/04 foi integrar o Ensino Médio numa
perspectiva educacional de formação politécnica. Isso tem uma conotação diferente
daquela que se praticava a partir da lei 5.692. Nesta, havia simplesmente uma
convivência da formação geral com a específica, com pouca integração efetiva. Na
proposta do referido decreto, a ideia é que haja uma integração efetiva entre essas duas
formações, sob o pressuposto de que a formação que o aluno deve ter não pode ser
apenas técnica, mas que lhe confira uma visão para além da condição de operar
tecnicamente, uma visão mais política sobre a relação entre trabalho e educação.
3 - AS MAIS RECENTES MUDANÇAS NO ENSINO MÉDIO
No dia 30 de junho de 2009, o Ministério da Educação aprovou junto ao
Conselho Nacional de Educação, mudanças no Ensino Médio, através da proposta
“Ensino Médio Inovador”. Este documento em sua justificativa reafirma que “a
identidade do Ensino Médio se define na superação do dualismo entre propedêutico e
profissionalizante. Importa, ainda, que se configure um modelo que ganhe identidade
unitária para esta etapa da educação básica e que assuma formas diversas e
contextualizadas, tendo em vista a realidade brasileira. Busca-se uma escola que não se
limite ao interesse imediato, pragmático e utilitário” (MEC, 2009).
Ressaltamos, porém, que como o Ensino Médio é responsabilidade das redes
estaduais de ensino, a intenção inicial do MEC é incentivar as secretarias a promoverem
mudanças no currículo e na organização dessa etapa, a partir de apoio técnico e
financeiro. Segundo o Ministério, a verba deverá ser destinada prioritariamente às 100
escolas com as piores notas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Nesse sentido e contexto, o coordenador geral do Ensino Médio, Carlos Artexes,
afirma que “ o MEC tem o papel indutor, mas não de definição do currículo. Os estados
já estão tentando fazer isso porque o currículo não pode ser endurecido, o ministério
está dando os instrumentos para essa mudança” (Agência Brasil, 2009). Assim , a partir
das orientações que vão constar neste projeto, cada rede de ensino vai definir o seu
modelo de currículo e organização das escolas. Além da possibilidade de o aluno poder
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1849
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
escolher as disciplinas complementares às básicas, está previsto que o atual modelo da
estrutura curricular, segundo a Agência Brasil (2009), as disciplinas tradicionais serão
substituídas por quatro eixos interdisciplinares: Trabalho, Ciência, Tecnologia e
Cultura. Outra mudança é o aumento da carga horária de 2,4 mil para 3 mil horas/ano e
inclusão de atividades práticas para complementar o aprendizado. Segundo o relator do
projeto no Conselho Nacional de Educação, Francisco Aparecido Cordão, informa a
Agência Brasil (2009), “a escola deixará de ser um auditório da informação e passará a
ser um laboratório de aprendizagem”.
O documento aprovado pelo CNE em 30 de junho de 2009, reforça a
necessidade de que o projeto-político-pedagógico e o currículo escolar de cada unidade
de ensino, tenha como diretrizes gerais os seguintes indicativos:

Contemplar atividades integradoras de iniciação científica e no campo artísticocultural;

Incorporar, como princípio educativo, a metodologia da problematização como
instrumento de incentivo a pesquisa, a curiosidade pelo inusitado e o
desenvolvimento do espírito inventivo, nas práticas didáticas;

Promover a aprendizagem criativa como processo de sistematização dos
conhecimentos elaborados, como caminho pedagógico de superação a mera
memorização;

Promover a valorização da leitura em todos os campos do saber, desenvolvendo
a capacidade de letramento dos alunos;

Fomentar o comportamento ético, como ponto de partida para o reconhecimento
dos deveres e direitos da cidadania; praticando um humanismo contemporâneo,
pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela
incorporação da solidariedade;

Articular teoria e prática, vinculando o trabalho intelectual com atividades
práticas experimentais;

Utilizar novas mídias e tecnologias educacionais, como processo de dinamização
dos ambientes de aprendizagem;

Estimular a capacidade de aprender do aluno, desenvolvendo o autodidatismo e
autonomia dos estudantes;
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1850
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional

Promover atividades sociais que estimulem o convívio humano e interativo do
mundo dos jovens;

Promover a integração com o mundo do trabalho por meio de estágios
direcionados para os estudantes do ensino médio;

Organizar os tempos e os espaços com ações efetivas de interdisciplinaridade e
contextualização dos conhecimentos;

Garantir o acompanhamento da vida escolar dos estudantes, desde o diagnóstico
preliminar, acompanhamento do desempenho e integração com a família;

Ofertar atividades complementares e de reforço da aprendizagem, como meio
para elevação das bases para que o aluno tenha sucesso em seus estudos.

Ofertar de atividade de estudo com utilização de novas tecnologias de
comunicação;

Avaliação da aprendizagem como processo formativo e permanente de
reconhecimento de saberes, competências, habilidades e atitudes.
Considerações Finais
Estas novas diretrizes preveem uma nova organização curricular com a
perspectiva de articulação entre as disciplinas, com o objetivo de desenvolver novos
conhecimentos, saberes, competências, valores e práticas coadunadas com a
complexidade do mundo social contemporâneo. Considera ainda que o avanço da
qualidade na educação depende do compromisso político e da competência técnica dos
professores, do respeito às diversidades dos estudantes jovens e da garantia da
autonomia responsável das instituições escolares na formulação de seu projeto político
pedagógico e de uma proposta consistente de organização curricular.
Podemos pontuar que, se os movimentos da escola em relação às mudanças do
mundo social e do trabalho deve se dar no sentido de uma formação mais completa dos
jovens (geral e técnica), não se pode conceber que sua formação não contenha essas
duas dimensões da formação humana. Para isso, são necessárias políticas educacionais
que superem os paradigmas dualistas que têm marcado a tradição brasileira no campo
da educação profissional, no sentido de formar alunos/ cidadãos competentes, críticos e
participativos.
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1851
Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional
Reconstruir políticas públicas educacionais que, em nosso caso específico, referese à reorganização do campo curricular para o Ensino Médio é dar sentido às novas
demandas e desafios impressos aos jovens no mundo social vigente. É abrir caminhos
para uma formação educacional que reconheça a complexidade do mundo real e as
múltiplas e diversas formas do poder saber/fazer político e social.
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Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
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a Nova LDB. São Paulo: Pioneira, 1997.
Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar
1853
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DOS CURSOS
TÉCNICOS SOB A LÓGICA DO MODELO
CENTRADO EM COMPETÊNCIAS: UM OLHAR A
PARTIR DA REALIDADE DA ESCOLA
Lélia Cristina Silveira de Moraes
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DOS CURSOS TÉCNICOS SOB A LÓGICA
DO MODELO CENTRADO EM COMPETÊNCIAS: UM OLHAR A PARTIR
DA REALIDADE DA ESCOLA
Lélia Cristina Silveira de Moraes1
RESUMO: O presente artigo constitui-se um recorte da pesquisa desenvolvida no
doutorado, em que se estudou o modelo de currículo organizado por competências:
concepções e implicações na formação técnico-profissional, tendo como campo de
análise o então Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão – CEFET-MA,
mais especificamente o Curso Técnico em Programação de Computadores. Discute-se
as contradições presentes no modelo, apontando-se os desafios que a escola tem na
compreensão de tais contradições para extrair, a partir delas, as possibilidades de
realização de uma formação técnica assentada em bases científicas e tecnológicas e que
possam contribuir com o processo de emancipação humana. Elucidam-se nessa
discussão algumas percepções dos sujeitos envolvidos na pesquisa, especialmente sobre
aqueles aspectos apontados como mais significativos no quadro das contradições. Por
fim, apresenta-se reflexões que possam subsidiar a (re) significação dos currículos
centrados em competências naquele centro de ensino.
PALAVRAS-CHAVE: Currículo por Competência. Cursos Técnicos. Contradições e
Desafios.
1
SITUANDO A DISCUSSÃO
As reformas implantadas na educação a partir da década de 1990 expressam
a perfeita sintonia da política educacional com os determinantes econômicos. No
contexto que se configurou com a adoção da LDB 9.394/1996 a educação é tomada
ideologicamente como o grande trunfo da humanidade, capaz de resolver todos os
problemas que causam as diferenças sociais, assim passa a ser exigido da escola o
desenvolvimento de novas relações pedagógicas que possam contribuir para a melhoria
das formas de vida atuais, impondo aos sujeitos a necessidade de aquisição de
1
Professora da Universidade Federal do Maranhão, Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Maranhão.
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1857
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
competências que propiciem mudanças nas rotinas e condutas nas relações sociais como
um todo e de trabalho, em particular.
No presente artigo discute-se alguns desafios que permeiam o uso da noção
de competências, principalmente, no campo da educação. Tais desafios, emergiram dos
indicadores suscitados no estudo empírico desenvolvido em pesquisa realizada junto a
cursos técnicos de nível médio, no Centro Federal de Educação Tecnológica do
Maranhão – CEFET/MA2, em que analisamos o modelo de currículo organizado por
competências, com foco na concepção e implicações para a formação técnicoprofissional . Desse modo, elucidamos aqueles considerados mais significativos
extraídos das falas dos sujeitos3 participantes dessa pesquisa, principalmente
professores, alunos e egressos, bem como dos documentos que orientaram nossa
discussão neste estudo.
A complexidade que envolve a noção de competência, seja pela
ambigüidade que envolve o termo, seja pelo uso que ainda necessita ser dominado por
educadores, a situa no centro das preocupações da formação profissional. Nesse sentido,
o nosso desafio representa muito mais a busca de desvendar o seu conteúdo, bem como
que significado e orientação atribuir a este modelo na formação, em face dos
determinantes que impuseram o seu uso na Educação.
É paradoxal quando identificamos os limites institucionais, pedagógicos,
conceituais e as implicações sociais para o trabalhador que se proponha pensar a
questão da competência nessa perspectiva, contudo, nos parece indispensável que se
dedique atenção especial, pois esse é o paradigma que orienta a organização curricular,
a qual deverá se comprometer com resultados de aprendizagem, a serem medidos como
desenvolvimento de competências profissionais que possam atender ao perfil
profissional desejado. Amplia dessa forma, o nosso compromisso em compreender
como deverá se processar essa organização.
No contexto pedagógico, a defesa pelo modelo das competências tem seu
suporte na justificativa de que este se direciona para as diferenças, singularidades do
2
O CEFET-MA, atualmente integra o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão,
transformada, com a Lei 11.892 de 29 de dezembro de 2008, passando a se chamar Campus São Luís
Monte Castelo.
3
Os sujeitos envolvidos na pesquisa foram: os dirigentes, professores, alunos, egressos e empresas que
recebem os alunos para realização do estágio. Na pesquisa estes foram identificados por nomes indígenas.
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1858
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
indivíduo, ao contrário do que realiza o modelo fundado nas disciplinas, o qual origina o
sucesso de uns e o fracasso de outros, sem que se tenha uma real visão dessas
diferenças. Desse modo, essa pedagogia apresenta-se sustentada no eixo da
individualização do ensino, autonomia do indivíduo, pedagogia diferenciada, o que
justifica a tese do aprender a aprender. Portanto, teremos uma ação pedagógica mais
centrada na aprendizagem do que no ensino, em que o aluno é valorizado como o centro
da aprendizagem e o conhecimento tomado como uma construção significativa.
Reconhecemos que os percursos de formação sempre são diferenciados, em
virtude da singularidade dos indivíduos, dos seus contextos de vida social, presentes na
maneira de ver, de pensar a realidade, de se expressar, mesmo quando as experiências
educativas e escolares sejam partilhadas coletivamente. O que nos causa indagações é o
fato de que, no plano da disputa, a competitividade instaurada pelo neoliberalismo que
traz como uma de suas características o individualismo, voltado para a satisfação dos
interesses individuais, do êxito próprio, desprezando formas de integração, senão aquela
destinada ao aumento da produtividade, se manifesta claro o papel do modelo curricular
centrado nas competências em legitimar essa ideologia, portanto, trabalhar em outra
perspectiva certamente constitui o desafio.
2
CURRÍCULO CENTRADO EM COMPETÊNCIAS: algumas contradições e
desafios sinalizados pela realidade dos sujeitos que o vivenciam
O uso do termo competência não é recente, porém foi nos anos de 1980 que
o seu emprego se multiplicou nos campos da formação e do trabalho. No Brasil, essa
noção ocupa os espaços acadêmicos a partir de meados dos anos 1990, quando se
implanta a lei de ensino vigente, visando a transformar os programas de formação e
procedimentos de avaliação, de modo a melhor atender as exigências sociais, logo, em
consonância com as atuais regras de reorganização do modelo econômico. Para Tanguy
e Ropé (2002) o uso extensivo dessa noção tem uma ambivalência e é utilizada
indiscriminadamente por administradores, dirigentes, formadores, pelo mundo das
empresas e também por pesquisadores em ciências humanas, psicólogos e sociólogos.
A ambigüidade, polissemia, bem como a flexibilidade que envolvem o
termo competência e sua inconsistência quanto a sua aplicabilidade, situam-no cada vez
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1859
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
mais no circuito de buscas de entendimento, contraditoriamente, fortalecendo a sua
propagação e uso. Segundo Stroobants (2004, p. 66) “De maneira mais concreta, a
competência se impõe como uma necessidade, uma inovação indispensável, uma forma
de superar as insuficiências de um regime obsoleto: o da qualificação.” Considerando,
porém, o contexto histórico em que emerge, adota-se a compreensão de que essa
asserção não é real, não é resultante de superação do modelo da qualificação, mas sim
um mecanismo para enfraquecê-lo, por este não mais atender aos interesses que
ordenam as relações de produção vigentes, originadas pelo progresso técnico e pelas
novas formas da gestão.
Tanguy e Ropé (2002) colaboram com essa discussão, mostrando que está
havendo um uso extensivo da noção de competência em diferentes esferas da atividade
humana - na economia, no trabalho, na educação - a qual retira da centralidade outras
noções anteriormente adotadas, como saberes e conhecimento no campo pedagógico e
qualificação na esfera do trabalho.
Há uma tensão que permeia o deslocamento de centralidade da qualificação
para a competência, pondo em jogo conquistas dos trabalhadores construídas
coletivamente e, dessa forma, compromete a formação, o controle do trabalho e as
negociações coletivas sobre carreira e remuneração, ou seja, está no cerne do modelo
das competências a individualização no tratamento das condições e relações de trabalho,
constituindo uma estratégia de fortalecimento da lógica de reestruturação do sistema
produtivo. Assim, é transferida para o próprio trabalhador a responsabilidade de
produzir as condições para a sua promoção, manutenção e inserção no mercado de
trabalho, tudo isso sustentado sob a égide da autonomia exigida pelos processos
automatizados, da iniciativa, da criatividade e da responsabilidade, postos como
requisitos fundamentais no perfil do trabalhador. Os desdobramentos desse
deslocamento para a esfera individual tende a destruir as formas de sociabilidade entre
os trabalhadores ocasionando um falso consenso para a aceitação de que, entre os
diferentes e concorrentes, aquele que ascende é por mérito próprio.
Nesse contexto, a formação profissional assume relevância, por ser um
espaço através do qual ocorre a construção/desenvolvimento de competências,
permitindo assim se pensar nos vínculos entre as instituições educativas e o universo do
trabalho.
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1860
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
A definição de um novo modelo pedagógico, centrado em competências,
impôs-se como uma questão arbitrária no espaço da escola, sem que esta tivesse o
tempo necessário para apreendê-lo de forma crítica e assim poder capturar as suas
conseqüências práticas, bem como suas contradições, e, a partir delas, reconstruir o seu
projeto pedagógico. A adoção desse modelo na Educação reveste-se de profunda
sutileza, tornando-se de contestação, difícil, pois, na medida que a escola não forma,
não habilita ninguém para ser incompetente, resta-nos questionar em que direção se
encaminha tal competência, com que objetivos se propõe formar o indivíduo.
A considerada grande inovação da educação profissional – o modelo de
currículo centrado em competências, apresenta-se, talvez, como o maior desafio já
vivido em sua história, a começar pela compreensão do termo competência como já
elucidamos, impreciso, polissêmico. Segundo as diretrizes consiste na “[...] capacidade
de articular, mobilizar, e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades
necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza
do trabalho.” Justifica esse entendimento sob o argumento de que as competências
possibilitam uma compreensão mais ampla do processo de formação técnicoprofissional, a qual supera o mero domínio do fazer, incluindo construções mentais mais
gerais sobre o mundo do trabalho. Abrangem, portanto, como explicitam as Diretrizes, o
domínio do saber (conhecimento), o fazer (habilidades) e o ser (comportamento).
Esses elementos são apresentados como necessários não só ao bom
desempenho profissional do trabalhador, mas também como um apoio a sua constante
atualização e atuação. Assim define como “conhecimento o que muitos denominam
simplesmente como saberes, as habilidades, o saber fazer relacionado com a prática do
trabalho, transcendendo a mera ação motora, as atitudes são o saber ser, relacionado
com os valores e, portanto com o julgamento da pertinência da ação, com a qualidade
do trabalho, a ética do comportamento, a convivência participativa e solidária e outros
atributos humanos, tais como a iniciativa e a criatividade”. (BRASIL, 2000, p. 30).
Tomando por base essa compreensão, as diretrizes definem alguém como
competente quando age eficazmente diante do inesperado, do inabitual, do inusitado,
mobilizando, de forma articulada, conhecimentos, habilidades e atitudes, com vistas a
resolver problemas.
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Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
Circunscrito ao âmbito das reformas educativas, o modelo das competências
traz implicações curriculares, pois os resultados da avaliação dos processos de trabalho
vinculam-se ao desenvolvimento de competências mediado pela ação pedagógica. A
própria concepção do que seja competência justifica a preocupação dos educadores e a
situa no centro do debate entre dirigentes, alunos, professores, egressos e empregadores
que participaram desta pesquisa. Daí esta ter sido uma das questões abordadas na
pesquisa de campo, pois a nós interessava saber o que a realidade define como
competência, o que os sujeitos que a vivenciam pensam sobre isso, o que de fato
caracteriza um indivíduo como competente.
Não encontramos diferenças entre as respostas apontadas por esses sujeitos,
nem mesmo da que se encontra determinada na literatura e das diretrizes curriculares,
porém identificamos ênfases diferenciadas entre os elementos que constituem as
concepções, fruto, supostamente, dos conhecimentos acumulados e das experiências dos
referidos sujeitos, como se pode constatar em algumas falas a seguir:
Competência é a capacidade que a pessoa tem de articular, de mobilizar, de
juntar até usando mesmo as terminologias que a gente vem lendo, os saberes,
os conhecimentos e agir num determinado momento, eu vejo competente
alguém que aprende algo e que sabe usar esse conhecimento, esse
aprendizado em determinada circunstância que junto a isso tem as
habilidades, o fazer, os valores, suas atitudes porque a pessoa não age assim
isoladamente, ela age conforme ela pensa, mas que é capaz por exemplo de
sair de determinada situação. (DIRIGENTE TAINÁ)
Capacidade que o aluno tem de mobilizar conhecimentos, de ter atitudes,
valores e habilidades para saber se desenrolar, saber resolver, saber fazer uma
gama de coisas [...]. (PROFESSOR TAINÃ).
A concepção de competência apresentada por estes sujeitos configura-se a
partir dos estudos realizados na escola, tomando por base literatura adotada, centrando o
conceito no tripé: saber (conhecimentos), saber-fazer (habilidades) e saber-ser (valores,
atitudes). Stroobants (2002) ressalta que a forma sistemática das competências
mobilizadas impressiona mais por sua novidade do que por seu conteúdo. Essa forma
nada mais é do que o trio: saberes, “savoir-faire” e saber-ser. A autora caracteriza os
saberes como conhecimentos profissionais de base explicitamente transmissíveis, o
savoir-faire como as tarefas, as regras, os procedimentos e as informações próprias para
o desenvolvimento de atividades específicas e, por fim, o saber-ser como o atributo que
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1862
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
envolve uma série de qualidades pessoais (ordem, método, rigor, polidez, autonomia,
imaginação, iniciativa, adaptabilidade).
A posição dos alunos quando questionados sobre o que entendiam por
competência relaciona-se fundamentalmente a avaliação, regras que devem seguir para
uma atuação eficiente ao ingressar no mercado de trabalho ou ainda apenas ao
conhecimento necessário para um exercício profissional de qualidade, e atender ao
perfil profissional exigido pelo mercado de trabalho, por vezes, apresenta-se de modo
simplista, um tanto vagamente como podemos constatar em suas falas:
[...] capacidade de utilizar conhecimentos adquiridos. (ALUNO AIMARA)
[...] é achar ou está tentando achar uma solução para problemas que surgem
no decorrer da vida profissional, pessoal [...]. (ALUNO GUARANI).
Acredita-se que a manifestação da concepção nesses termos decorre da
própria dificuldade expressa pelos professores no trabalho com o referido modelo de
explicitar quais as competências trabalhadas por eles em suas disciplinas. Apesar de
86,6% dos alunos terem expressado que conheciam as competências a serem adquiridas
no curso, quando indagados a esse respeito, e quase na mesma proporção, 83,3% terem
respondido que as competências presentes no currículo do curso estão coerentes com as
exigências da formação profissional, havendo, assim, certa coerência entre tais posições,
observamos que justificam essa relação, entendendo competência com base apenas
aspecto relativo ao domínio do conhecimento, do conteúdo teórico, variando em
algumas justificativas para o atributo da responsabilidade, a qual é desenvolvida,
segundo eles, para atender as exigências do mercado. Ainda compondo essa discussão,
ao cruzar essas questões com aquela voltada à crença de que estão conseguindo
desenvolver as competências presentes no plano curricular, vamos constatar também
uma prevalência do sim (70%), mas reafirmando que competência está relacionada
muito mais ao saber, acrescentando que isso decorre do bom trabalho dos docentes e da
instituição, em sua maioria, que se preocupa com as mudanças no mercado de trabalho,
tomando ainda como parâmetro a aprovação nos exames das empresas para ingresso no
estágio curricular.
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1863
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
Já os egressos, evidenciaram uma compreensão mais voltada para o saber
fazer e o saber, acenando também para o saber-ser, destacando alguns indicadores
presentes na competência, como: iniciativa, participação criatividade, ao expressarem
que:
Para uma pessoa ser competente não basta ela saber, ter conhecimento
daquilo que ela faz. Ela tem que estabelecer um bom relacionamento dentro
do seu trabalho com seus companheiros [...] (EGRESSO ABÁ).
[...] uma pessoa competente [...] é aquela que tem criatividade, raciocínio
lógico e consegue desenvolver os projetos com precisão no tempo adequado.
(EGRESSO ABORÉ).
[...] saber o que fazer na hora que tiver prejuízo em alguma coisa e saber
como agir na hora exata, precisa [...]. (EGRESSO ARACI).
A pessoa é competente quando assume a responsabilidade de realizar uma
tarefa e mesmo que ela não saiba fazer, ela busca a solução daquela tarefa,
assume a responsabilidade e quando ela não consegue, ela admite e mostra
porque não conseguiu, pra caso outra pessoa assuma a tarefa não cometa os
mesmos erros, isso é ser responsável [...]. (EGRESSO TUPI).
Percebemos nessas posições que a experiência de trabalho, por meio do
estágio, nas empresas, influenciou na compreensão de competência apresentada por
estes egressos, principalmente quando destacam os critérios adotados pelas empresas na
organização e classificação do posto de trabalho, como: liderança, colaboração, trabalho
em equipe, responsabilidade, dentre outros.
Desse modo, ao cruzar essa questão com a relativa ao que é ser um
profissional competente na perspectiva das empresas, podemos identificar a concepção
de competência adotada por elas, tendo como elemento comum nessa concepção a visão
de que verificam se um profissional é competente quando se afina ao perfil da empresa.
Verifica-se, com efeito, que o comprometimento, o envolvimento do trabalhador, a
responsabilidade com as atividades da empresa são tidos como fortes indicadores de
eficiência. Isso nos leva a crer que realmente esses critérios são considerados eixo
básico de orientação da atividade profissional no contexto atual. É necessário, contudo,
fazer uma leitura crítica do significado e uso de tais critérios. A responsabilidade por
exemplo, pode assumir uma conotação hierárquica, em que se delega a
responsabilidade, na mesma medida em que se determina em que ela deve consistir ou
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1864
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
ainda ser usada como referência a moral, isto é, relativa a um conjunto de normas,
regras. Essa é uma face negativa da responsabilidade, mas esta, também, pode ser
tratada positivamente, representando a capacidade de assumir até o fim uma tomada de
iniciativa. O que lhe é confiado é a tomada de consciência diante do que necessita ser
feito e do que pode fazer.
O modelo de currículo centrado em competências traz como critério básico
o aprender a aprender, considerado como a competência fundamental para a inserção do
trabalhador numa dinâmica social que se reestrutura continuamente. A perspectiva
acenada por esse modelo é desenvolver meios que possam ocasionar uma aprendizagem
permanente que favoreça uma formação continuada, isto é, que garanta o
desenvolvimento de competências para que o trabalhador continue aprendendo, de
forma autônoma. Desse modo, ao preconizar esse princípio, espera-se atender as rápidas
transformações advindas do acelerado avanço científico e tecnológico e às novas formas
de organização das atividades econômicas e sociais, para as quais se exige ainda a
capacidade de aprender a conhecer e aprender a pensar.
A implicação dessa pedagogia na prática da escola é a minimização do seu
papel no cumprimento da transmissão do conhecimento, centrando no aluno toda a
responsabilidade pelo aprendizado, o qual só será significativo se realizado por si
mesmo, em que o mais importante não é o que o aluno aprende, mas como aprende,
logo, a ação educativa deverá ser guiada pelas necessidades, expectativas e interesses do
aluno. Assim, um bom processo educativo é aquele que desenvolve no indivíduo uma
alta capacidade adaptativa, maleabilidade para se adaptar às mais variadas situações e
que forme um indivíduo que acompanhe as mudanças; que está sintonizado com as
novidades; não se acomoda e busca o novo. Certamente que a escola deve trabalhar a
partir desses elementos, contudo, sem se eximir da sua função social. O grande risco
dessa concepção é transferir para o aluno todo o ônus dos insucessos da escola e este
passe a ser o algoz de si mesmo, individualizando o processo educativo.
O currículo organizado por competências, prescrito oficialmente traz em
seus princípios e organização pedagógica uma estrutura que dissocia conceitos,
fundamentos e execução, principalmente quando separa em sua matriz as competências
e as habilidades, como se esta não se constituísse componente daquela, e, ainda, como
se o aprendizado do fazer não se fundamentasse em bases científicas, apesar de não se
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1865
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partir da Realidade da Escola
revelar nos discursos oficiais claramente essa dissociação. Se a concepção de
competência envolve a mobilização do saber, do saber-fazer e do saber-ser, como se
justifica tal dissociação entre estas dimensões? O desafio talvez resida em trabalhar o
currículo real, observando a diversidade e a pluralidade de saberes, de perspectivas que
possam possibilitar o diálogo entre os professores com as concepções, posições
diferenciadas, mas sem perder de vista a unidade dos princípios e objetivos que se
preconiza com a formação, tratando-o de forma contingente, circunstancializado,
situado historicamente no tempo e espaço; havendo, assim, uma verdadeira
comunicação, esta entendida como argumentação, a escuta, a negociação com o que
melhor responde à realização de uma formação de qualidade.
A mobilização é considerada o eixo básico da competência. Inevitavelmente
vincula-se a uma certa dose de iniciativa do próprio indivíduo, mas também às
competências de outros indivíduos, pois não é redutível ao saber-fazer, saber-ser ou
conhecimento individual. O profissional as elabora em interação com as competências
de outros profissionais. Desse modo, a aquisição e mobilização é ao mesmo tempo
individual e social. Este aspecto, então, nos faculta pensar e extrair elementos que
possibilitem transformações nas relações de trabalho, e, conseqüentemente, de formação
do trabalhador, a qual, sem dúvida, constitui um desafio a ser empreendido nos campo
da formação e do trabalho, na tentativa de romper com o aspecto da competitividade,
com a intensa individualização presentes no modelo em discussão, pois o indivíduo, a
partir de então, não é mais o representante de um grupo, mas representa-se a si mesmo.
Segundo Zarifian (2001, p. 193),
O que conta na competência, não é a posse de um saber, nem mesmo a posse
de competências de fundo4. O que conta é a sua utilização efetiva “sob
iniciativa” e a previsão de suas conseqüências diretas. E toda utilização
pressupõe transformação. É isto o que faz da competência uma realidade
difícil de formalizar, de estabilizar, de enclausurar em uma linguagem
descritiva. A essência da competência, se podemos dizer, é a sua mobilidade
e plasticidade.
4
Zarifian refere-se a competências de fundo ou competências recursos, para caracterizar a particularidade das
competências adquiridas na relação educativa. Segundo ele, essas aquisições cristalizam-se em alguns campos
tidos como privilegiados: “na aprendizagem do domínio da linguagem e de seus usos, na formação do
entretenimento, nas situações de comunicação, na importante aprendizagem da reflexão e da criatividade”.
(ZARIFIAN, 2001, 175).
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1866
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
Outro desafio que merece atenção refere-se à naturalização quanto ao uso da
noção de competência, o que favorece a visão de alguns por tratá-la apenas como um
modismo passageiro sem grandes alterações, principalmente nas relações pedagógicas,
o que levaria a uma ocultação das suas implicações sociais e pedagógicas. É necessário
realmente examiná-la e problematizá-la no contexto que a determina.
É necessário também não perder de vista a problematização aos elementos
constitutivos do perfil de competência exigido pelos empregadores atualmente, e que
remeteria para a formação inicial e continuada, como: autonomia, iniciativa e
criatividade. Para Zarifian, (2003), a autonomia, em si, embora sendo condição
inevitável para o desenvolvimento da competência, não é suficiente para qualificá-la,
podendo até ser usada como um pretexto para não se estabelecer o debate sobre a
competência do indivíduo, o que muito se verifica nos espaços administrativos e de
ensino. O autor acrescenta que a autonomia de equipe, por exemplo, é bastante
ambivalente, pois pode representar o engajamento de redes de interdependência, ao
mesmo tempo que representar a defesa de seu próprio território. Para ele, o significado
comum do termo expressa “[...] não apenas definir suas próprias regras de ação, mas
agir por si mesmo, resolver por si mesmo.” (ZARIFIAN, 2003, p. 87).
Dadoy (2004) colabora com essa reflexão esclarecendo que a autonomia
supõe inicialmente um domínio técnico amplo do processo produtivo, residindo,
portanto, sobre saberes teóricos e práticos que se constroem no processo formativo
inicial, bem como no trabalho. A autora ainda argumenta que esta apresenta igualmente,
[...] uma dimensão comportamental, na medida em que implica uma
interiorização dos objetivos da empresa, um respeito pelas regras, uma
consciência do espaço de liberdade e de seus limites, um cuidado constante
com a interação de seu próprio trabalho com o dos outros, uma preocupação
permanente de informar os colegas e sua hierarquia dos problemas e da
situação. (DADOY, 2004, p. 130).
A questão suscitada a partir desse contexto é: como os cursos de formação
profissional poderão ser responsáveis pela construção e poder atestar a aquisição dessa
característica tão exigida pelos empregadores? Entendemos que essa construção ocorre
ao longo de todo processo formativo do sujeito, envolvendo também grande senso de
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1867
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
responsabilidade e iniciativa. Por conseguinte, não poderá ser uma atribuição apenas
dos cursos de formação profissional.
Nesse sentido, há grande relação entre a autonomia e iniciativa, Zarifian
(2003, p. 87) nos auxilia na compreensão de tal relação: “a competência é a iniciativa
sob a condição de autonomia; é determinar um começo em uma área de
indeterminação.” A prioridade estabelecida à iniciativa significa privilegiar a liberdade
positiva, o poder da ação, a inventividade.
A iniciativa é uma ação que transforma, criando algo de novo. Refere-se à
seleção, à escolha de um procedimento adequado, a enfrentar uma eventual situação
com sucesso. O aumento da probabilidade de situações não programadas, eventuais,
exige maior capacidade de tomar iniciativa e, assim, esta se torna ainda mais
importante, e também passa a exigir certa dose de responsabilidade, a qual, por sua vez,
representa
a
contrapartida
da
autonomia,
possibilitando
também
que
haja
descentralização das tomadas de decisão. Nesse caso, ela pressupõe atender a objetivos
de desempenho: prazo, qualidade, confiabilidade, satisfação do cliente, isto é, a tomada
de iniciativa, em face de determinada situação, pode de fato, produzir uma nova
realidade, se assumida com responsabilidade e produza bons resultados.
A criatividade constitui em mais uma qualidade requisitada pelos
empregadores, compreendida como a capacidade de lidar com o inusitado,
transformando-o, reunindo uma gama de conhecimentos, o mais diversificado possível,
num contexto complexo, de ação com ampla liberdade, que exclua receituários ou
relação de técnicas na busca de resultados.
Reconhecidamente, essas qualidades não são fáceis de definir e muito
menos de se ensinar, logo, também de operacionalização difícil, o que implica processos
pouco claros de avaliação e categorização dos indivíduos. A imprecisão conceitual
desses termos favorece o seu uso como instrumento de dominação simbólica, o que nos
impõe a necessidade de interrogar freqüentemente a lógica interna que orienta o seu uso,
capturando os elementos contraditórios presentes nos procedimentos participativos
utilizados pelas empresas em benefício do trabalhador. É importante, portanto, que os
cursos de formação trabalhem os conteúdos das atividades educativas, explicitando
essas relações de forma crítica, problematizadora. Igual importância se reveste o fato de
não se perder de vista a idéia de que a presença do saber-ser com os indicadores a ele
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1868
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
inerentes, de acordo com as análises de Sulzer (2004), aparece menos como um trunfo
do que como um obstáculo para os empregadores. Resta os trabalhadores terem
consciência dessa realidade.
Merece atenção, no quadro das contradições, o tempo destinado à formação
profissional, de modo que dê conta de possibilitar a aquisição de todas essas qualidades
que constituem um indivíduo competente para atender as demandas do mundo atual.
Curiosamente, esta questão foi abordada por professores, alunos e egressos, sem muitas
tensões, mesmo reconhecendo que esse ainda constitui um limite em algumas situações
da prática pedagógica do curso, sendo insuficiente, por exemplo, para desenvolver o
processo de avaliação por competência, para trabalhar com turmas numerosas e realizar
as práticas de laboratório, mas consideraram os dois anos o ideal, pois um curso técnico,
segundo suas falas, não pode ser muito longo, deve ter um foco definido, que é o papel
do curso, como expressou um dos egressos, reproduzindo a orientação de seu professor
é dar as bases para que eles busquem o conhecimento, é gerar nos alunos o saberaprender e que devem ser auto-suficientes, nesse sentido vejamos:
[...] o tempo é ideal para [...] pegar a base, porque justamente esse é o
objetivo do curso: formar o profissional em um tempo razoável pra ele não
perder muito tempo estudando até entrar no mercado de trabalho. É como a
professora falou pra gente uma vez: “o objetivo do curso é te dar uma coluna
vertebral e a partir dali você vai ramificando, aprendendo mais coisas.” Foi
isso que aconteceu com a gente, a gente saiu com uma base muito boa do
curso [...], a partir daí a gente começou a prender novos conhecimentos
relacionados ao curso [...]. (Egresso Guarani).
O curso não deve dar todo o conhecimento, mas instigar a busca pelo
conhecimento dado. (Aluno Arapuã).
A posição dos egressos certamente é marcada pela expectativa e urgência de
ingresso no mercado de trabalho, supostamente influenciada pelas propagandas da
mídia sobre formação e empregabilidade, e decerto também essa posição tem a marca
da experiência desenvolvida nas empresas. Sua aceitação nessa etapa, em seu entender,
já anuncia as suas potencialidades para o mercado, satisfazendo, assim, as suas
necessidades naquele momento. Os alunos expressaram que, em se tratando do foco, é
priorizado no curso, portanto, o seu intento é rapidamente partirem para outros projetos
profissionais.
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1869
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
Outro bloco, de egressos e alunos, discorda do tempo de dois anos,
sugerindo que três anos é o ideal para que tenham um curso mais sólido. Justificam essa
necessidade pelo fato de muitos chegarem sem os pré-requisitos necessários para
acompanhar o curso e que seria importante terem um tempo inicial para trabalharem tais
conhecimentos. Muitos só têm contato pela primeira vez com o computador, ao
ingressarem no curso; tudo é muito novo, por isso necessitam vivenciar mais os
conceitos da área de informática.
Consideramos importante a reflexão sobre essa questão em detrimento das
exigências apresentadas sobre o desenvolvimento das bases tecnológicas inerentes à
formação em articulação com as bases científicas trabalhadas na formação geral,
relativa ao Ensino Médio e que, na maioria das vezes, os alunos não apresentam esse
requisito, sendo necessário um tempo maior para amadurecimento e exercício técnico.
O risco de uma minimização da formação, em detrimento da objetividade exigida pelo
tempo, de um lado, e uma formação técnica em nível médio, equivalente ou superior ao
tempo de um curso de nível superior, de outro, merecem ser mais bem equacionados.
Igual importância assume a formação do professor para trabalhar com o
atual modelo curricular. Inegavelmente, esse aspecto emergiu como uma preocupação
de todos os participantes da pesquisa, principalmente pela forma como foi implantado o
referido modelo, sem a profunda discussão do que se constituía, inclusive, a própria
noção de competência. A posição dos dirigentes sobre esse fato, é de que parcela das
dificuldades em avançar no trabalho por competência decorre de prática docente
desprovida de fundamentos e de um maior envolvimento com a formação do
trabalhador. Os próprios professores também reconhecem esse limite, enfatizando a
resistência, por parte de alguns, para experimentar o novo, entendendo essa questão
como um desafio a ser enfrentado. A formação continuada dos docentes assume assim
grande relevância, particularmente daqueles que trabalham com os cursos técnicos, visto
que, em sua maioria, não tem formação pedagógica e ainda por esta questão ter sido
apresentada pelas diretrizes, como condição indispensável para o sucesso do modelo
curricular, as posições a seguir confirmam as nossas inferências:
[...] o professor ainda não avançou em termos do entendimento realmente de
competência, como que isso influencia a sua prática pedagógica, em que
muda essa prática [...], são poucos os que já começaram a entender e que já
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1870
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
apresentam mudança, então realmente isso é uma dificuldade [...].
(DIRIGENTE JACI).
O investimento em uma política de formação continuada dos docentes
direcionada para as necessidades de sua prática, em que possamos refletir sobre
princípios, conceitos, deve ser pensado em suas contradições, como um espaço
fundamental de transformação, particularmente por também possibilitar ao mesmo
tempo um aprendizado coletivo, de interlocução das experiências e expectativas.
Acreditamos, portanto, que esse espaço que reunirá pontos de vistas, conhecimentos e
práticas diferenciadas, não deixa de revelar que é um dos aspectos difíceis do trabalho
pedagógico, mas também que pode ser enriquecedor e estimulante para compreender e
reconstruir o modelo das competências.
Finalmente, trabalhar as contradições desse modelo nos remete à profundas
reflexões, no sentido de contribuir com a melhoria do currículo e, conseqüentemente, da
formação do técnico, seja pela via da reorganização pedagógica e administrativa da
escola, seja pela sua integração com os espaços empregadores, de tal forma que essas
relações possam suscitar reflexões, proposições e possíveis mudanças.
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante ter clara a noção de que, sendo o indivíduo o portador das
qualidades exigidas pelo mercado de trabalho, é necessariamente nele que se deverá
investir todos os esforços para capturar as contradições das competências e, a partir
delas, as possibilidades, tanto no âmbito da formação, como do espaço do trabalho na
redefinição de políticas de formação e de trabalho.
A incorporação da noção de competência pela Educação parece desarmar a
escola, diante das exigências contraditórias advindas do sistema de produção para serem
trabalhadas por ela, tendo que formar para um trabalho específico, sem, contudo,
engessar tal formação em direção a um ofício, ao mesmo tempo, preparar para uma
constante readaptação, além de desenvolver as capacidades individuais requeridas para
uma suposta empregabilidade, em um curto espaço de tempo, atestando que o indivíduo
adquiriu as competências necessárias ao ingresso no mercado de trabalho, isto é, a
organização curricular deve, então, comprometer-se com resultados de aprendizagem,
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1871
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
avaliados como desenvolvimento de competências que expressem o perfil profissional
tencionado em cada curso. A não-discussão profunda desse modelo pela escola, nos
cursos de formação profissional, certamente coloca em risco a sua função social, a qual
deve se voltar para uma profissionalização que integre aprendizagem de conteúdos,
métodos, técnicas de trabalho, dimensão ético-política do trabalho em direção de um
objetivo social que supere os ordenamentos do mercado.
Esse sem dúvida é um desafio a ser pactuado por todos os educadores,
desencadeado no espaço da escola, envolvendo reflexões coletivas sobre o seu
conteúdo, concepção, objetivos, dimensões política, econômica e social, e ainda as
formas de operacionalização que possam elucidar as contradições, limites e perspectivas
de uma formação mais condizente com princípios humanos do trabalho.
Convém lembrar que as contradições vividas pela Educação brasileira têm
fortes implicações dos referenciais teóricos que a orientaram ao longo do seu
desenvolvimento histórico, bastante presente em nossa organização curricular, que
incorporaram as concepções de um processo de industrialização tardio e lento
desenvolvido no Brasil, conduzindo as profissões e conseqüentemente, a definição dos
currículos a uma concepção que não valorizou o trabalho diretamente produtivo,
associando-o ao trabalho escravo, destinada aos menos favorecidos, criando-se desse
modo a dicotomia na formação, aquela destinada aos dirigentes, e outra para os
executores.
Ousamos dizer que trabalhar na direção de um movimento que se
contraponha a essa realidade exige a (re)significação do modelo curricular das
competências, no sentido de desconstruir os objetivos e critérios de conformação do
indivíduo aos comandos da sociedade capitalista, como se encontra prescrito em suas
bases teóricas, pois um projeto pedagógico que vise à emancipação humana não pode
ter como orientação ensinar o aluno a aceitação da incerteza, do ser indiferente, do
imprevisível da permanente adaptação, visto que esta, se estritamente aceita, pode
representar perdas inimagináveis no processo formativo. É fundamental que se observe
o “ser competente” sob outro ângulo, na perspectiva também de ser capaz de subverter,
de transgredir a ordem que a estabelece como a única e inevitável alternativa de
construções de novas bases pedagógicas para a Educação Profissional que favoreça a
sua inserção na proclamada sociedade do conhecimento.
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1872
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
Não obstante, o reconhecimento dos limites e contradições que suscita o
modelo curricular das competências, não pode ser tratado sem a visibilidade que ganhou
no cenário atual, por isso merece a nossa atenção e problematização. Acreditamos que,
fazendo o trajeto de reflexão que se encaminha a partir dos determinantes estruturais das
relações sociais, econômicas e políticas ocorrentes na definição dos currículos, no
espaço da sala de aula, no ensino propondo mudanças contingentes, que envolvam a
concepção,
a
organização
pedagógica
dos
currículos,
cada
professor
e
conseqüentemente cada sala de aula, sem contudo, tomá-los com um poder além
daquele concebido historicamente, é possível contribuir com a realização de uma
proposta educacional que possa favorecer a emancipação humana.
Aparentemente tal proposição pode se apresentar como elementar, em face
dos limites vividos historicamente pela escola, porém efetivamente significa muito, se
considerarmos que isso pressupõe questionar, refletir sobre as relações do homem, do
educador, educando com o conhecimento, e fundamentalmente sobre a função que tem a
escola com a produção e socialização desse conhecimento. Certamente tal posição exige
que nos distanciemos de concepções ingênuas e céticas, para não atribuir à escola e seus
segmentos a responsabilidade exclusiva pelas mudanças na política educacional, como
também desacreditar totalmente do potencial de contribuição que a escola exerce no
estabelecimento de novas relações sociais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação.
Parecer n.º 16/99. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de
Nível Técnico. Brasília, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação.
Resolução nº 04. Fixam Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional
de Nível Técnico. Brasília, 2000.
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1873
Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a
partir da Realidade da Escola
DADOY, Mireille. As noções de competência à luz das das transformações na gestão da
mão-de-obra. In: TOMASI, Antonio (Org.). Da qualificação à competência: pensando
o século XXI. Campinas, SP: Papirus, 2004. (Prática Pedagógica).
SULZER, Emmanuel. Objetivar as competências de interação: crítica social do saberser. In: TOMASI, Antonio (Org.). Da qualificação à competência: pensando o século
XXI. Campinas: Papirus, 2004. (Prática Pedagógica).
STROOBANTS. Marcelle. A qualificação ou como se ver livre dela. In: DOLZ,
Joaquim et al (Orgs). O enigma da competência em educação. Tradução de Cláudia
Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2004.
TANGUY, Françoise; ROPÉ, Lucie. (Orgs.). Saberes e competências: o uso de tais
noções na escola e na empresa. 3. ed. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos e Equipe do
Ila - PUC/RS. Campinas: Papirus, 2002.
ZARIFIAN, Philippe. Objetivo competência: por uma nova lógica. Tradução de Maria
Helena C. V. Trylinski. São Paulo: Atlas, 2001.
ZARIFIAN, Philippe. O modelo da competência: trajetória histórica, desafios atuais e
propostas. Tradução de Eric Roland René Heleault. São Paulo: Editora SENAC, 2003.
Lélia Cristina Silveira de Moraes
1874
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
POLÍTICAS CURRICULARES, OS PRÓS E OS
CONTRAS DO ENSINO DE GRADUAÇÃO A
DISTÂNCIA> UM ESTUDO NETNOGRÁFICO COM
COORDENADORES DE CURSO EM UMA
UNIVERSIDADE FEDERAL
Maria das Graças Rodrigues Alves
Rosivaldo de Lima Lucena
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
POLÍTICAS CURRICULARES, OS PRÓS E OS CONTRAS DO ENSINO DE
GRADUAÇÃO A DISTÂNCIA: UM ESTUDO NETNOGRÁFICO COM
COORDENADORES DE CURSO EM UMA UNIVERSIDADE FEDERAL
Maria das Graças Rodrigues Alves/DA/CCSA/UFPB
Rosivaldo de Lima Lucena DA/CCSA/UFPB
RESUMO: Com o desenvolvimento acelerado das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC), surgiram modernas propostas educativas, extinguiram-se antigos
padrões e estabeleceram-se novos perfis de relações sociais e, conseqüentemente,
emergiram novas formas de aprendizagem. Neste contexto, a Educação a Distância
(EAD) desponta hoje como uma das opções educacionais para a oferta de formação
universitária em nível de terceiro grau. A fim de viabilizar esta modalidade de ensino e
ampliar a oferta de cursos de graduação, especialmente os de licenciatura, o Ministério
da Educação e Cultura instituíu em 2005 a Universidade Aberta do Brasil (UAB), a
qual se configura como uma parceria entre as universidades públicas, notadamente as
federais e as estaduais – pólos geradores do conteúdo dos cursos – e as prefeituras de
municípios onde não há campi universitários presenciais – pólos onde são ofertados os
referidos cursos. Assim, este trabalho teve como objetivo geral evidenciar as políticas
curriculares e levantar os prós e os contras do ensino de graduação a distância, no
âmbito da UAB, a partir de um estudo netnográfico com os coordenadores de seis
cursos de graduação ofertados por uma universidade federal pública da Região
Nordeste. Como principais resultados, constatou-se que a boa receptividade do cursos
supera as expectativas do alunado. De outra parte, ainda segundo os entrevistados, a
alguns alunos falta a autodisciplina necessária à realização de certas atividades
requeridas pela EAD.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino a Distância. Políticas Curriculares. Universidade Aberta
do Brasil. Netnografia.
A tecnologia predomina atualmente em todo o mundo, impõe novos padrões, nos
pressionando à aprendizagem contínua e sugerindo-nos a nunca parar de aprender.
Somos surpreendidos a cada momento com o novo, e o mercado de trabalho, nos lembra
que precisamos estar preparados para viver e sobreviver neste mundo tecnológico.
Portanto, é neste cenário que a educação a distancia (EAD) reaparece como uma via de
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1878
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
acesso, aparentemente poderosa para solucionar os desafios impostos pela nova ordem
econômico-social do mundo tecnológico.
Evidenciando-se as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) como um
instrumento facilitador do processo educativo na modalidade do Ensino a distancia
(EAD), este estudo teve como objetivo, levantar a receptividade da comunidade
acadêmica da UFPB, sob o olhar dos Coordenadores dos Cursos de Licenciatura na
modalidade a Distância: Matemática, Letras, Pedagogia, Ciências Biológicas, Ciências
Agrárias e Ciências Naturais da Universidade Aberta do Brasil (UAB) vinculados a
Universidade Federal da Paraíba.
A escolha de tal tema não foi aleatória já que participei de algumas discussões,
onde alguns professores expressaram-se contra, com certo ‘pré-conceito’ nomeando o
curso de “ineficiência à distância” entre outros adjetivos, e alguns desses professores,
hoje estão participando como mediadores junto a UAB/UFPBVIRTUAL.
Há muito se discute sobre a prevalência do ensino presencial, mas se faz mister
pesquisar a inserção desta modalidade nas Universidades Públicas (neste caso,
especificadamente na UFPB), e como os bancos acadêmicos estão se posicionando e
refletindo acerca desta temática.
Foi desenvolvida uma pesquisa teórica empírica e a netnografia como
complemento metodológico da pesquisa. Os dados foram coletados através de entrevista
semi-estruturadas com os Coordenadores, e foi utilizada a análise dos discursos das
entrevistas.
O presente artigo contempla as seguintes seções: a evolução da EAD no Brasil; do
Ensino Profissionalizante ao Scricto Sensu; a EAD na Universidade Aberta do Brasil;
algumas discussões de autores; a metodologia utilizada e os resultados da pesquisa de
campo realizada para a confecção deste artigo; considerações e referências.
A Evolução da EAD no Brasil
As TIC, ligadas ao espaço virtual, nos levam ao surgimento de novos meios de
aprendizagem, trazendo-nos novas maneiras de adquirir conhecimento, e a EAD renasce
nesta revolução tecnológica nos permitindo e nos reportando a era do conhecimento.
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1879
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
Segundo Valente (1999) “vivemos em um mundo de informação e esses processos
ocorrem velozmente. Por isso, a importância de reavaliar as metodologias, e optar pela
busca da informação, ao invés da memorização”. Assim, o computador interligado a
rede, tornou-se um acessório importante para auxiliar alunos a exercitarem a capacidade
de selecionar informação e aprender independentemente.
De acordo com Valente (apud Faria, 2002, p.56):
a informática deverá assumir duplo papel na escola. Primeiro,
deverá ser uma ferramenta de atuação na escola, propiciando a
presença virtual de pesquisadores e auxiliando cada um dos
profissionais na realização de ações que contribuam para a mudança
da escola. Em outros momentos, a Informática poderá ser usada
para suportar a realização de uma pedagogia que proporcione a
formação dos alunos possibilitando o desenvolvimento de
habilidades que serão fundamentais na sociedade do conhecimento.
Apesar do seu crescimento, os cursos a distância têm gerado inquietações, de
modo que tem sido alvo de preconceitos por parte da sociedade, acadêmica ou não.
Parte desta sociedade reage com o argumento em detrimento da qualidade de ensino
usada na modalidade EAD.
Assim, foi perguntado aos Coordenadores dos Cursos da UAB na modalidade a
distancia UAB/UFPBVIRTUAL o que responderiam para as pessoas que se
manifestam contrárias à modalidade a distancia de uma Universidade Pública?
Do Ensino Profissionalizante ao Scricto Sensu
As TIC nos reportaram ao espaço virtual, e a EAD renasce nesta revolução
tecnológica. A educação a distância (EAD) é utilizada desde o século XIX. Entretanto
somente nas últimas décadas passou a fazer parte das atenções pedagógicas, pois nas
perspectivas atuais, as instituições devem desenvolver e ampliar os seus programas
baseados nos quatro pilares da educação, definidos pela UNESCO:
Um Tesouro a Descobrir de 1999, a discussão dos "quatro pilares"
ocupa o quarto capítulo, ” eleitos como os quatro pilares
fundamentais da educação do século XXI .”(da página 89-102), onde
se propõe uma educação voltada para os quatro tipos fundamentais
de aprendizagem: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
viver com os outros, aprender a ser
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1880
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
Com o advento das TIC na década de 1990, algumas Instituições de ensino
superior mobilizaram-se e adotaram a EAD como modalidade de ensino. E em 1992, foi
criada a Universidade Aberta de Brasília (Lei 403/92) e em 1996 surgiu a primeira
legislação específica para educação a distancia no ensino superior.
As bases legais para essa modalidade foram estabelecidas pela Lei de Diretrizes e
Bases na Educação Nacional nº.9394, de 20 de dezembro de 1996 e regulamentada pelo
decreto nº.5.622 de 20 de dezembro de 2005.
O primeiro momento da EAD no Brasil aconteceu nos anos 30, sendo marcado
pelos chamados cursos por correspondência. O material didático utilizado era por via
impressa (apostilas, cartas e livros) que eram enviados aos usuários, pelo sistema de
correios e telégrafos. Esses cursos eram apenas profissionalizantes.
Algumas décadas depois, com o advento das “novas tecnologias”, o rádio e
posteriormente a televisão, deu-se início ao sistema dos supletivos do Instituto Rádio
Técnico Monitor e do Instituto Universal Brasileiro, entre outros, e nos anos 70, a
Fundação Roberto Marinho inicia o Tele Curso 1º e 2º Grau transmitido pela TV.
Mas a grande difusão da Educação a Distância aconteceu nos anos 90,
concomitantemente com o a revolução tecnológica. Nesta perspectiva, consolidariam a
sociedade da informação com o uso de redes por satélite, teleconferências,
videoconferência e a internet.
A internet foi um elemento chave neste processo de renascimento da EAD, por
permitir estratégias de busca de fontes para a pesquisa escolar, atividade cotidiana e
reciprocidade e interação entre professores e alunos, que compartilham a reconstrução
dos seus conhecimentos.
Desta forma, iniciou-se a adesão das universidades públicas e privadas na
modalidade a distância, com cursos de bacharelado, licenciaturas e pós-graduações. É
nesta direção que a Universidade Aberta do Brasil vê a possibilidade de formar cidadãos
conscientes de seu papel sócio político, que se caracteriza pelo elo de comunicação de
múltiplas vias.
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1881
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
A EAD na Universidade Aberta do Brasil
As bases legais para essa modalidade foram estabelecidas pela Lei de Diretrizes e
Bases na Educação Nacional nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 e regulamentada pelo
decreto nº 5.622 de 20 dezembro de 2005.
O sistema da UAB não sugere a criação de uma nova instituição de ensino, mais a
articulação das já existentes, sendo elas das esferas federais, estaduais ou municipais. A
UFPBVIRTUAL integra desde 2007, o Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB,
com a oferta de seis cursos de Licenciatura na modalidade a Distância: Matemática,
Letras, Pedagogia, Ciências Biológicas, Ciências Agrárias e Ciências Naturais,
utilizando-se das TIC e de metodologias inovadoras de ensino.
Os cursos são desenvolvidos com base na Internet através do ambiente virtual de
aprendizagem Moodle. Também são utilizados materiais impressos, CDs e DVDs. O
aluno pode contar ainda, com o auxílio das Bibliotecas Virtuais e assistência
personalizada nos Pólos de Apoio Presencial.
O foco da UFPBVIRTUAL é a formação (graduação) de professores atuantes nas
escolas públicas e o atendimento de jovens e adultos que residem no interior do Estado
e que não têm acesso à educação superior pública. Para cada um desses segmentos, são
destinadas 50% das vagas ofertadas a cada ano no vestibular.
Atuando na educação superior e promovendo educação de qualidade na
modalidade a distância, junto aos 25 Pólos Municipais, nos Estados da Paraíba,
Pernambuco, Ceará e Bahia, com cursos autorizados pelo MEC e desenvolvidos com o
padrão de qualidade UFPB. O quadro de docentes é formado por professores da UFPB,
com apoio de tutores presenciais em todos os pólos de apoio presencial e tutores a
distância, que se utilizam das tecnologias de informação e comunicação.
Em função das opiniões pré - estabelecidas que caracterizem os métodos de
ensino presencial e a distância, algumas visões da educação de qualidade marcam a
predominância do método presencial, e em contra partida o crescimento do ensino a
distancia no País, é notório inclusive com a adesão das Universidades Públicas
Brasileiras na modalidade a distância (UAB - o caso da UFPBVIRTUAL).
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1882
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
A abordagem teórica que fundamenta este trabalho é apresentada a partir de idéias
de alguns autores, que se posicionam com concepções distintas, mas em sua maioria
reconhece que a Educação a Distância tem patrocinado métodos alternativos de
educação na atmosfera de ensino aprendizagem que estimulam a interatividade,
capacidade de comunicação, colaboração e inovação nas relações sociais.
Nesse
sentido, reporto-me a Levy (1999, p.170 ), que diz:
o ponto principal aqui é a mudança qualitativa nos processos de
aprendizagem.Procura-se menos transferir cursos clássicos para
formatos hipermídia interativos ou “abolir a distância” do que
estabelecer novos paradigmas de aquisição dos conhecimentos e de
construção dos saberes.
Segundo Moran (1994), temos hoje a educação presencial, semi-presencial (parte
presencial/parte virtual) e educação a distância (ou virtual). E define a Educação a
Distância como uma prática que permite um equilíbrio entre as necessidades e
habilidades individuais e as do grupo de forma presencial e virtual, desenvolvida no
ensino fundamental, médio superior e na pós-graduação.
Para Leite (2000), a tecnologia prevalece atualmente em todo o mundo, dita
normas, padrões e nos pressiona a nunca parar de mudar, de aprender. O novo nos
surpreende a cada instante, nos indicando que devemos estar preparados para viver
neste mundo tecnológico.
Já Moro; Estabel apud Tarouco (2003) define a Educação a Distância como o
desenvolvimento de atividades de ensino e de aprender, quando educadores e aprendizes
não estão presentes no mesmo espaço físico, podendo acontecer em tempos síncronos e
assíncronos, mas podem estar conectados, interligados por tecnologias, principalmente
as telemáticas com a Internet.
Na concepção de Oliveira apud Virgílio (2003), refere-se sobre as questões
relacionadas às tecnologias, faz referência à desqualificação do mundo real pelo virtual,
a inquietação das estruturas sociais, a conversão do homem-nômade no homem
sedentário, diante da tela do computador.
Portanto, é neste panorama que a EAD reaparece pondo em discussão o que se
entende por um ensino de qualidade, como um novo modelo de acessibilidade, para
solucionar os novos desafios do mundo globalizado e tecnológico.
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1883
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
Para subsidiar este trabalho foi realizado um levantamento de uma leitura em
periódicos, livros e sites da Internet. A pesquisa teve um enfoque qualitativo, analisando
os discursos das entrevistas realizadas fazendo uso da netnografia como uma das
ferramentas, pois segundo Marc Augé (1994)- “a antropologia sempre foi uma
antropologia do aqui e agora, e o pesquisador descreve aquilo que observa ou escuta
naquele momento”(AUGÉ, 1994,p.75). Descrever a contemporaneidade na observação
de manifestações e discursos dos Coordenadores dos Cursos de Licenciatura da UAB
junto a UFPB/VIRTUAL foi nosso objetivo.
Com a finalidade de diagnosticar a receptividade da UAB, como modalidade a
distancia, numa Instituição Federal de Ensino Superior-UFPB,sob o olhar dos
coordenadores, foi realizada uma entrevista com quatro dos seis coordenadores. A
entrevista foi assim estruturada:
Qual o grau de satisfação: de um lado o professor do outro o aluno com relação à
aprendizagem?
Ao levantar as respostas os Coordenadores, A,B,C,e D foram unânimes em dizer
que na (...)“modalidade a distancia não há embromação, nem por parte do professor,
nem do aluno, pois o professor não pode fingir que dar aulas, e em contra partida ou o
aluno sabe ou não sabe, pois o feedback é quase que imediato.”
O Coordenador A comentou: “Houve certa resistência a princípio, do corpo
docente, mas um caso me chamou atenção, no qual um professor foi chamado para
ministrar aulas junto a UAB, ele resistiu, mas posteriormente aceitou, o que não podia
ser diferente já que dependíamos dele para ministrar a disciplina. Este mesmo professor
estava em processo de aposentadoria (...) “A empolgação foi tanta, que ele suspendeu o
processo de aposentadoria, e hoje é um dos mais dedicados.”
Os Coordenadores B e C relataram que :os alunos se dedicam mais do que no
modelo presencial,” já que ele pode estar presente fisicamente e não ter um melhor
entendimento do que foi lido ou contextualizado”. Ainda segundo os Coordenadores A
e D, “(...) a alguns alunos falta a autodisciplina necessária à realização de certas
atividades”.
Qual a importância da inclusão da UAB na UFPB ?
Os Coordenadores A,B e D afirmam que:”(...) no contexto escolar, a UAB, veio
transformar as Universidades Públicas”. Entre vários pontos positivos, o Coordenador B
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1884
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
mencionou que: “ a maior satisfação é ver os alunos dos interiores dos municípios
paraibanos, que se orgulham por estudarem numa Universidade como a UFPB, e estes
alunos são mais comprometidos e envolvidos com a construção de sua aprendizagem”.
Os coordenadores A e B salientaram que: ” enfim a Universidade pública cumpre o seu
papel, pois os menos favorecidos estão incluídos”.
O que diriam para as pessoas que falam mal da modalidade a distancia?
Os Coordenadores A,B,C e D foram unânimes às respostas: “(...) as pessoas que
são contrarias a esta modalidade o são, por desconhecimento;(...) se eu fosse falar sobre
a eficácia que o ensino virtual tem e traz para a rede de comunicação, informação e
educação, não pararia mais de falar, pois inúmeros são os benefícios” O coordenador C
faz a seguinte afirmação:(...)”nossos alunos estão distantes, mas nunca ausentes,
convido a essas pessoas a conhecer a nossa plataforma moodle”.
Conclusões
Com o advento globalização, da sociedade da informação e com ela a sociedade
em rede, as TIC tornaram-se importante instrumento para a construção do
conhecimento.
A relação entre sociedade e o homem foi transmutada por meio das TIC e essas
relações ganharam nova significação social, modificando hábitos e remetendo-nos há
novas necessidades sociais, interferindo em nossa cultura colaborando para a
transformação da sociedade globalizada.
Novos processos sociais e novos objetivos se fizeram necessários com as novas
TIC, inseridas neste processo também estão as Universidades Públicas ao se permitirem
a implantação dos cursos a distância com a adesão da UAB.
Nesta pesquisa a técnica da entrevista foi utilizada para coletar a opinião dos
Coordenadores dos Cursos, acerca da receptividade da UAB junto a UFPB, e como os
professores incorporaram esta “nova” modalidade de ensino, a EAD.
Com relação aos Coordenadores, constatei que há muita motivação e
comprometimento por parte deles no processo. Esta modalidade veio re-estimular a
forma de ensino-aprendizagem e todos os envolvidos neste processo têm como objetivo
atingir um ensino de qualidade.
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1885
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
Cinquenta dos entrevistados são entusiastas pela oportunidade do ensino público
ter atingido a uma parte da sociedade sem elevado poder aquisitivo. Foi unânime entre
os entrevistados que com a criação da UAB, o perfil da Universidade Pública mudou.
Por conseqüência, os professores envolvidos no processo se empenham, sendo
responsáveis pela criação do material didático. Dessa constatação entreve-se a
importância de um dos cursos de Licenciatura no caso o curso de Letras ter 80% dos
professores envolvidos na UAB.
Outro detalhe importante a se frisar diz respeito ao fato de que os alunos
envolvidos no processo se preocupam em manter um canal direto para esclarecer
dúvidas, utilizando-se, para tanto, dos pólos presencias, da biblioteca virtual e dos
tutores. Em suma, estratégias usadas para maximizar o aprendizado.
Dessa forma, foi constatado que a UAB e a UFPBVIRTUAL, é uma parceria de
sucesso e o grau de receptividade da sociedade acadêmica é muito bom.
Complementando ainda que, entre os envolvidos no processo (Coordenadores,
professores e alunos) há uma atmosfera de comprometimento e contentamento por
estarem fazendo parte desta inovação nas Universidades Públicas.
Referências
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Ed. Papirus,Campinas -São Paulo, 1994.
BRENNAND, Edna; GUIMARÃES, Jane Mary. A Rede Eliminando Fronteiras.
Editora Universitária, João Pessoa, 2007.
DELORS, Jacques .Educação um tesouro a descobrir
Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século
XXI -CORTEZ UNESCO MEC
Ministério da Educação e do Desporto,1999.
LEITE, L. S. Educação a Distância: o desafio continua. Revista Conect, Rio de Janeiro,
2000. Disponível <www.pedagogia.pro.br/ead.htm> -Acesso em 29 jul.2008.
LÉVY, P. Cibercultura: por uma antropologia de ciberespaço. Trad. De Carlos Irineu da
Costa. São Paulo: Ed.34, 1999.
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1886
Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com
Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal
MORAN, José Manuel. Novos caminhos de ensino a distância. Informe CEAD – Centro
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MORO, Eliane Lourdes da Silva; ESTABEL, Lizandra Brasil. A formação profissional
e a educação à distância mediada por computador: uma experiência no curso no Curso
de Biblioteconomia do DCI/FABICO/UFRGS. Inf. & Sociedade, João Pessoa, v. 17, n.
2,
p.8391,
maio/agosto.
2007.
Disponível
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OLIVEIRA, GERSON P. Educação à distância mediada por tecnologias de
informação/comunicação: uma proposta para a pesquisa em ambientes virtuais. In: X
Congresso Internacional de Educação a Distância, 2003. Disponível
em:www.scholar.google.com.br/scholar?q=Gerson+p.+oliveira&hl=
ptBR&um=1&ie=UTF-8 &oi=scholar . Acesso em: 29 jul.2008.
Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena
1887
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
TECNOLOGIA E MATEMÁTICA: SABERES
CURRICULARES
Maria José Neves de Amorim Moura
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
TECNOLOGIA E MATEMÁTICA: SABERES CURRICULARES
Maria José Neves de Amorim Moura
RESUMO: O presente estudo trata da discussão sobre o saber Matemático mediado
pelas TICs, mais especificamente, o uso do computador como ferramenta e a Internet
como importante meio para a resignificação do conhecimento Matemático.
Inicialmente, abordamos as transformações ocorridas na sociedade com o avanço das
tecnologias como uma das possibilidades capaz de proporcionar ao sistema educacional
um fazer pedagógico baseado em diferentes formas de percepção e atuação no mundo
através do conhecimento. Nesse ínterim, abordamos o currículo como construção social,
permeado pelo saber Matemático mediado pela tecnologia. Discute, ainda, a construção
dos saberes Matemáticos utilizando o computador e a Internet no contexto escolar sob
as perspectivas construtivistas e sócio-histórica, nas quais destacamos algumas idéias da
teoria de Vigotski, com especial atenção para a (re)construção, realizada pelo individuo,
dos significados construídos socialmente através do processo de generalização,
considerando este fundamental para o pensamento conceitual do saber Matemático.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Matemática. Saber Matemático. Tecnologia.
Currículo.
Introdução
No livro “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, Edgar Moran
(2004) nos convida a pensar a educação como enfrentamento de incertezas colocadas
como desafios de um novo tempo. Desafios que exigem o ensino da compreensão como
“obra para a educação do futuro” (Ibidem, 2004, p. 17). O autor reconhece a
importância da ciência enquanto produção de certezas validadas pelo conhecimento, ao
mesmo tempo a considera como um grande paradoxo, uma vez que trouxe ao longo do
tempo lugares de incertezas. Moran (2004) traz uma importante discussão no que diz
respeito ao ato de conhecer exigindo do sujeito do conhecimento a reflexão sobre a
necessidade da compreensão do processo ensino-aprendizagem. Processo este implicado
na aprendizagem concatenada com as incertezas provocadas pelo conhecimento que
mediante paradigmas, doutrinas e dogmas, exige do sujeito uma postura investigativa
contextualizada com um mundo em movimento.
Maria José Neves de Amorim Moura
1891
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
Nessa direção, presenciamos na contemporaneidade, grandes incoerências. De
um lado, as intercomunicações entre as culturas, as mudanças organizacionais,
tecnológicas, econômicas culturais e sociais. Tudo isso, aliado e condicionado aos
avanços científicos provocados pelas indústrias eletrônicas e o desenvolvimento das
telecomunicações. De outro, convivemos com a pobreza, a violência, os indigentes, a
pedofilia e explorações diversas.
Na perspectiva educacional, tal contexto está intrinsecamente incorporado a
questões curriculares, considerando sua produção de identidades sociais e culturais as
quais evidenciam as subjetividades. Tal produção permeia o espaço escolar, o qual não
atende mais às demandas de um mundo social onde o currículo escolar foi formado. Há
uma dicotomia entre currículo (escola) e uma sociedade em transformação, que não
mais comunga com formas de dominação ligadas à opressão, à exclusão, e aos
preconceitos.
Precisamos pensar o currículo como todas as práticas pedagógicas desenvolvidas
no ambiente escolar. Não é mais considerado apenas como o currículo prescrito, por
nele constarem os programas seqüenciais de estudo. Sua prescritividade tende a ser
fruto das ações pensadas, refletidas e vividas por todas as pessoas envolvidas no
processo educacional, ações estas que se encontram diretamente envolvidas com
questões de ordem política e de poder. Nessa produção não podemos esquecer que o
conhecimento que constitui o currículo “está inextricavelmente, centralmente,
vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa
identidade, na nossa subjetividade” (SILVA, 1999, p.15).
Aliado a uma perspectiva educacional das influências do velho paradigma1,
temos uma escola calcada no modelo de sociedade hierárquica, dividida em castas,
autoritária e acima de tudo descontextualizada com a realidade social. Continuamos
dividindo o conhecimento, separamos teoria e prática, formando alunos acríticos,
apáticos, na maioria, pouco preocupados com os problemas sociais os quais os
envolvem. Damos aulas expositivas, descontextualizadas, trabalhamos o conhecimento
1
Trata-se uma ruptura, de uma transformação na forma de compreender as coisas. Por não dar mais conta
de responder as questões e problemas existentes, novas estruturas vão sendo geradas a partir de novos
debates, novas idéias, articulações a partir de novos fundamentos.
Maria José Neves de Amorim Moura
1892
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
como algo desconectado da história da humanidade. Enfim temos uma escola
extremamente tradicional2 sem grandes significados para o mundo contemporâneo.
Diante de tais problemas relacionados ao contexto social convivemos com
outros paradigmas que tentam responder a demandas em questão provocada pelo velho
mundo. Refiro-nos ao pensamento Moderno, que, ainda, muito presente, não responde
mais aos problemas sociais. Novos cenários nacionais e mundiais surgem que sinalizam
inúmeras e significativas mudanças na forma de tratamento das organizações, das
tecnologias, da economia, da cultura e da sociedade, consequentemente, da escola.
A escola mudou outras tarefas emergiram, fazem-se necessárias estabelecer
novas relações entre aluno e professor, conhecimento e escola. A escola mais do que
nunca se tornou lugar de socialização de construção de novos saberes. Consideramos
que a escola é uma das instituições responsáveis pela constituição de diferentes
relações, pois o seu papel, hoje, não é somente o de fazer circular informações, já que
existem outras fontes de acesso ao conhecimento, sobretudo na cultura eletrônica na
qual vivemos. A escola, nesse contexto, tem como uma de suas principais funções
sociais o aprendizado político dos sujeitos, no que diz respeito à convivência social e
vivência de múltiplas identidades (CAMPOS, 2007).
Partindo de um outro paradigma educacional emergente é que os fazeres
pedagógicos em educação caminham na construção teórica como sendo de natureza
construtivista, interacionista e sócio-cultural. Tais perspectivas reconhecem sujeito e
objeto como únicos e intercambiáveis. Cada um na sua singularidade, embricados numa
rede de relações que considera a multidimensionalidade entre eles. Nessa perspectiva,
evidenciamos a importância de práticas educacionais voltadas para incorporação de
novas tecnologias na educação.
Nessa direção, nossa discussão reside na fomentação de práticas pedagógicas
voltadas ao ensino-aprendizagem do saber matemático contextualizado com as
mudanças culturais trazidas pelas concepções construtivistas, interacionista e sóciocultural. Nesse ínterim, o saber tecnológico aparece como instrumento necessário ao
2
O tradicional aqui não se confunde com o Clássico. Refiro-me a modos e perspectivas de conhecimentos
pautados somente na memorização, acumulação são significados para o aluno e a realidade que o cerca.
De acordo com Saviani o Clássico não se opõe ao Moderno. É legado histórico extramente significativo
para a construção do conhecimento.
Maria José Neves de Amorim Moura
1893
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
desenvolvimento de novas habilidades, bem como na construção de diferenciados
modos de conhecer.
Tais perspectivas na educação enfatizam a necessidade de mobilização das
experiências prévias, a natureza ativa e progressiva da aprendizagem como a
importância de um trabalho cooperativo na construção do conhecimento. Essa
concepção de processos de ensino e aprendizagem prioriza uma atenção às técnicas e
estratégias didáticas, considerando o professor o mediador entre o aluno e o conteúdo no
qual aprende (VIGOTSKI, 2000), exigindo deste, a capacidade de criar o contexto
adequado.
Nesse processo, torna-se necessário ao professor, o desenvolvimento de uma
postura investigativa para acompanhar o ensino-aprendizagem de modo a intervir,
considerando que aprendizagem mediada pelas TICs3 são vivenciadas pelos alunos,
muitas vezes, fora do contexto escolar. Ou seja, muitos têm acesso ao computador como
ferramenta, navegando na Internet. Tal prática possibilita a mobilização de diversos
saberes, advindos de diversas instâncias de produção do conhecimento, sejam através de
pesquisas, e-mails, chats, blogs, jogos eletrônicos, aplicativos, entre outros. Assim, a
inclusão digital, emerge como um elemento fundamental na aprendizagem, tornando-se
assim, o ensino virtual um tema de interesse geral no contexto da educação.
Numa sociedade globalizada, onde a tecnologia alcançou um avanço, até então
nunca visto, surge natural e, consequentemente, a necessidade de lidar na escola com as
principais ferramentas tecnológicas as quais, fazem-se necessário ao processo ensinoaprendizagem, considerando o contexto em questão. Torna-se, hoje, quase impossível,
pensar no trabalho na escola sem o uso das tecnologias, uma vez que os interesses dos
alunos e as formas de aprendizagens são mediadas pelo contexto social das
intercomunicações. Nosso argumento situa-se em três questões: a) como sujeitos, somos
produzidos mediante o contexto social, portanto, precisamos está inseridos no saberes
produzidos e valorizados socialmente; b) o processo ensino-aprendizagem se dá pela
busca de sentidos e significados, portanto, a produção do conhecimento requer uma
relação do sujeito com esses saber. Caso contrário, as práticas pedagógicas correm o
risco de ser esvaziadas de sentidos e; c) considerando a escola uma das instituições
3
De acordo com Kenski (2007), “Baseados no uso da linguagem oral, da escrita e da sínteses entre som,
imagem e movimento, o processo de produção e o uso desses meios compreendem tecnologias específicas
de informação e comunicação as TICs”.
Maria José Neves de Amorim Moura
1894
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
responsáveis pela prática do exercício da cidadania, tem como obrigação favorecer o
aprendizado político dos sujeitos o qual implica, dentre outros, a luta pelo acesso das
ferramentas necessárias ao processo de construção do conhecimento. Assim,
acreditamos que o ensino e o uso cotidiano da tecnologia deve ser aplicado a todos os
campos de saberes.
Com base na nossa questão mais específica, ou seja, a democratização do
acesso ao aprendizado da Matemática através da Informática, com a utilização em
especial do computador, discutiremos a seguir a inserção das tecnologias no cotidiano
escolar, no aprendizado da Matemática através das TICs. Desse modo, apontamos
alguns contribuições sobre o uso das tecnologias na construção dos saberes
matemáticos.
As TICs e os Saberes Matemáticos: uma importante construção
Diante das grandes mudanças, que estão ocorrendo na sociedade com o avanço
das tecnologias, expressa nas suas formas de organizar-se, de produzir bens, de
comercializá-los, de divertir-se, de ensinar e de aprender, tornou-se inviável o modo
como lidamos com o ensino da matemática. Geralmente, produzimos um saber
matemático calcado em valores e princípios não mais necessários ao nosso tempo.
Nessa lógica, encontramos, nas aulas de Matemática professor que transcreve do livro
didático a definição dos conteúdos, seguido de exemplos e uma bateria de exercícios
muitas vezes repetitivos, onde os alunos os resolvem mecanicamente. Tal forma revela a
ausência de uma aprendizagem construtiva em que os alunos construam o conhecimento
a partir de uma motivação maior, suscitada pela busca de sentidos. Nessa relação,
encontramos professores que desconsideram estudos sobre como se dá a construção do
conhecimento da criança, a exemplo das possibilidades lógicas construídas pelas
crianças no saber matemático de acordo com suas fazes do desenvolvimento. Embora
não devamos considerá-las como fases fixas, estas nos trazem informações pertinentes
apontando caminhos para a construção do conhecimento matemático (PALANGANA,
1998).
Nesse contexto da necessidade de resignificação do ensino-aprendizagem da
matemática, devemos considerar que os tempos são outros e, consequentemente as
Maria José Neves de Amorim Moura
1895
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
exigências são outras. Não importa mais decorar informações, mas urge a necessidade
de saber operá-las, ou seja, mais importante é conseguir resolver situações problemas
postas pela complexidade da vida social. Exige-se cada vez mais do sujeito, respostas
imediatas colocadas pelo cotidiano. Assim, questionamos a grande perda de tempo, o
pouco aprendizado e a desmotivação que ronda o fazer matemático, em grande parte,
das escolas. Professores e alunos parecem insatisfeitos com a falta de sentido,
provocada por esse saber. A sensação expressa é que grandes parte das aulas estão
ultrapassadas, fora de um contexto social mais amplo. Considerando a complexidade e
as rápidas mudanças culturais, Moran (2000, p. 11) afirma que “o campo da educação
está muito pressionado por mudanças, assim como acontece com as demais
organizações”. O autor nos chama a atenção para o fato de que as mudanças são geradas
pelas próprias necessidades sociais e culturais.
Se por um lado, especificamente, no campo da matemática surge a necessidade
de concepções filosóficas diferentes no sentido de compreender esse saber como algo
que precisa ser redefinido enquanto função, considerando seu valor enquanto primeira
ciência que colaborou para compreensão do universo, por outro lidamos com problemas
estruturais no contexto educacional mais amplo expresso no interior das unidades
escolares. Nos perguntamos: o que e como fazer, diante de uma realidade a qual muitas
vezes nos deparamos com escolas onde os recursos materiais e humanos estão
deficitários, no sentido de não incorporação pela escola e professores
sobre a
necessidade de um processo educativo mias digno onde todos sintam-se responsável
por ele. Tal angustia é acompanhada da clareza de que trata-se de um a questão cultural,
vinculada ao processo de construção da cidadania a qual implica na luta pela busca de
alternativas. Vale lembrar que o saber matemático, culturalmente foi produzido como
conteúdo difícil e generificado, pertencente ao mundo masculino, expressando sua
relação de poder. Na relação de gênero o conhecimento matemático, durante muito
tempo, foi objeto do conhecimento masculino, expresso nas próprias formas de
concepções de mundo objetivo. Nessa lógica a subjetividade foi algo considerado, aqo
longo do tempo, como propriedade exclusiva do feminino. (LOURO, 2001).
Na perspectiva de uma visão mais alargada com os avanços da educação
Matemática concordamos com Moran (2000, p.16) ao enfatizar que:
Maria José Neves de Amorim Moura
1896
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
As mudanças na educação dependem em primeiro lugar, de termos
educadores maduros intelectualmente e emocionalmente, pessoas curiosas,
entusiasmadas, abertas, que saibam motivar e dialogar, pessoas com as quais
valha a pena entrar em contato, porque desse contato saímos enriquecidos.
Diante do exposto, podemos vislumbrar mudanças nas formas pedagógicas de
compreensão do ensino-aprendizagem da Matemática aliada às mudanças de posturas
dos educadores quanto a suas próprias concepções sobre os significados do ato de
educar. Ato este que exige crença na vida e luta por relações mais democráticas.
O computador e a Internet nas aulas de Matemática
O computador e a Internet podem dinamizar nossas aulas de Matemática
tornando-as mais viva, interessante, participativa e mais vinculada com a nova realidade
de estudo, de pesquisa e contato com os conhecimentos produzidos.
No que refere-se ao ensino da Matemática, as TICs podem favorecer novos
saberes, tanto para os professores como para os alunos. No tocante ao professor,
possibilita a criação dos ambientes de aprendizagens; do diagnostico das aprendizagens
e dificuldades dos alunos, uma vez que tais ferramentas tornam viáveis outras leituras
por parte de ambos e; consequentemente na redefinição das atividades propostas,
considerando o trabalho baseado na zona de desenvolvimento proximal (VIGOTSKI,
1988). Na dimensão do aluno, o aprendiz tem contato com a Matemática mais viva,
onde há lugar para interrogações, conjecturas e provas ficando mais próximo do espírito
investigativo, que verdadeiramente caracteriza as atividades matemáticas. Ou seja,
Cada vez mais poderoso em recursos, velocidade, programas e comunicação,
o computador nos permite pesquisar, simular situações, testar conhecimentos
específicos, descobrir novos conceitos, lugares e idéias.
Produzir novos textos, avaliações e experiências. As possibilidades vão de
algo pronto (tutorial), apóia-se em algo semidesenhado para complementá-lo
até criar algo diferente, sozinho ou com outros ( MORAN, 2000, p. 44).
O computador quando utilizado dessa forma nas aulas de Matemática,
possivelmente, teremos alunos mais motivados e com outras expectativas com relação
às aulas.
Maria José Neves de Amorim Moura
1897
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
Deste feito, acarreta a melhoria dos ambientes de aprendizagem com o uso da
internet, o professor de Matemática pode desenvolver atividades a partir da criação de
listas eletrônicas e fóruns, estimula nos alunos o domínio das ferramentas da WEB, bem
como na aprendizagem por meio da utilização de endereços eletrônicos (e-mail). Assim,
com todos estes e-mails gera-se uma lista eletrônica por turmas.
Na aula pesquisa, o professor pode sugerir os temas a serem pesquisados na
Internet por meio do quais os alunos vão construindo o conhecimento através das
informações adquiridas e nos momentos de discussão do que foi pesquisado. O aluno
passa a desempenhar um papel muito mais ativo e autônomo, definindo e aprofundando
os seus conhecimentos e dando-lhes outros significados. Segundo Marcuschi (2005,
p.13).
os ambientes virtuais são extremamente versáteis e hoje competem, em
importância, entre as atividades comunicativas, ao lado do papel e do som.
Em certo sentido, pode se dizer que, na atual sociedade da informação, a
Internet é uma espécie de protótipo de novas formas de comportamento
comunicativo.
Um ambiente digital, onde todas as ferramentas disponíveis foram idealizadas,
projetadas e melhoradas de acordo com as necessidades e experiências de situações de
ensino, poderá contribuir para que os discentes tenham outra visão sobre a Matemática e
façam novas construções.
A construção do conhecimento matemático na reconstrução de saberes
Considerando que o conhecimento é um todo contextualizado, faz-se necessário
o desenvolvimento de habilidades no aluno, objetivando a concomitância de idéias
como forma de operação entre várias informações. Dessa forma, se dá a construção do
conhecimento. Nesse contexto, os estudiosos de Matemática precisam levar em
consideração a importância da leitura e interpretação dos conceitos desta área, como
também ter conhecimento das relações que ela exerce.
Processamos a informação de várias formas, segundo nosso objetivo e nosso
universo cultural. A forma mais habitual é o processamento lógicoseqüencial, que se expressa na linguagem falada e escrita, em que vamos
construindo o sentido aos poucos, em seqüência espacial ou temporal, dentro
de código relativamente definido que é o da língua, com maior liberdade na
fala e na escrita pessoal ou coloquial. A construção se dá aos poucos, em
Maria José Neves de Amorim Moura
1898
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
seqüência concatenada. Tanto a escrita como a leitura depende das
habilidades de fazer julgamentos, estabelecer comparações, relações e de
comunicá-los aos outros (MORAN, 2000, p.p. 18 - 19).
Quando as pessoas se comunicam, estão utilizando a linguagem. Portanto, com o
uso da Internet, as comunicações estão mais intensificadas, com o uso dos e-mails,
chats, blogs, entre outros. Este tipo de comunicação influencia nas trocas de
conhecimentos nas nossas relações e favorece a compreensão e a transformação dos
saberes matemáticos.
Desse modo, os ambientes virtuais de aprendizagem, que terão como suporte o
computador e o uso da Internet, poderão ser considerados como elementos
indispensáveis para que aconteça uma reconstrução desses saberes. Nesse processo, o
novo conhecimento será acrescido aos anteriores já internalizados, não se justapondo,
mas se interligando em diferentes conexões como fios de uma rede. Essa idéia é
amplamente discutida por Pires (2000. p. 158) ressaltando que:
[...] compreender é aprender o significado. ... aprender o significado de um
objeto ou de um acontecimento. Ou seja, os significados constituem feixes de
relações. Essas relações articulam-se em teias, em redes, construídas
socialmente e individualmente, e então em permanente estado de atualização.
Entendendo significados a partir das nossas relações com os outros para, depois,
reconstruí-los internamente. É o que se chama (re)significação.
Contudo, o processo da compreensão é marcado, pelo movimento da
(re)elaboração e da (re)articulação e pode através da produção de significados
possibilitar a aquisição de novos saberes. Vigotski (2000) aborda explicitamente e
constantemente a idéia de (re)elaboração e da (re)articulação, pelo indivíduo, dos
significados produzidos socialmente. Para ele, o caráter histórico e social é fundamental
nos processos psicológicos superiores dos seres humanos. O pensamento, o
desenvolvimento mental, a capacidade de conhecer o mundo e de nele atuar, é uma
produção social que depende das relações que o homem estabelece com o meio. Porém,
o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores depende, essencialmente, de
situações sociais especificas, as quais se valem de processos de internalização, mediante
uso de instrumentos de mediação.
Maria José Neves de Amorim Moura
1899
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
Nessa perspectiva, [...] o conhecer é um processo social e histórico, não um
fenômeno individual e natural (CAVALCANTI, 2005, p. 189), e implica na conversão
dos saberes historicamente produzidos pelos homens em saberes do indivíduo. Esse
processo de apropriação de saberes, de conhecer, é mediado por sistemas semióticos,
especialmente a linguagem, num processo de internalização. O processo de
internalização, de acordo com o pensamento Vigotskiano, consiste na transformação de
uma atividade externa para uma atividade interna, em um processo interpessoal para um
processo intrapessoal. Nesse processo, a linguagem é uma ferramenta que se constitui
nos processos intersubjetivos para vir a se tornar uma ferramenta e constitutiva da intrasubjetividade - tornando-se ferramenta e constitutiva do pensamento.
Na unidade dos processos da linguagem e do pensamento proposto por
Vigotski (2000), ocorre a produção do significado das palavras; para ele cada palavra é
uma generalização latente, toda palavra é antes de tudo uma generalização, cujos
significados evoluem. Assim, na interação, no diálogo com a linguagem específica, no
contato com conceitos científicos, na busca de sua apropriação pelo aluno está a
possibilidade do processo de generalização, o qual é fundamental para o pensamento
conceitual.
Um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos formados
pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e
complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de uma
simples memorização. (...) o conceito é um ato de generalização (VIGOTSKI,
2000, p. 246).
No processo de generalização, o conhecimento avança na medida em que o seu
objeto de saber se amplia. Como os objetos de saber estão implicados com conceitos, o
conhecimento só é ampliado na medida em que os conceitos já conhecidos são largados,
são (re)conceituados, recebem novos significados, são (re)construídos.
Portanto, partindo da premissa que o uso da tecnologia tem favorecido a
comunicação e a troca dos saberes entre os seres humanos, na educação matemática,
considera-se que o computador e a Internet poderão contribuir para o fazer Matemático
com maior significados, estreitando e fortalecendo a relação entre o cotidiano e os
conhecimentos sistematizados desta área.
Maria José Neves de Amorim Moura
1900
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
Considerações Finais
As TICs e a Matemática encontra-se, vitalmente, envolvidas com os saberes
curriculares, uma vez que, contribui na produção e ordenação do mundo .Desse modo,
destacamos o currículo como elemento de disputa, pois nele corporificam-se saberes
historicamente produzidos em todos os espaços formais e informais. Embora
reconheçamos diferentes tipos de saberes construído na escola, estes ganham
visibilidade e legitimidade na época Moderna, o que exige uma compreensão do
currículo como elemento de significação abrangendo os nexos entre saber, poder e
identidade (SILVA, 1999).
Como os campos de saberes, mediados pela relações de poder e identidade a
Matemática inaugurou as primeiras formas de conhecimento do universo dando suas
contribuições para a produção de outros saberes. Hoje, nos deparamos com um mundo
mediado pelas TICs as quais inauguram e redefinem outras formas de conhecimento.
Ambos produzem visões de homem, de mundo e de sociedade.
Nessa dimensão, o novo milênio denominado a “Era de Informação”, é
necessário estarmos abertos às transformações buscando novas formas de ensino e
aprendizagem. Neste sentido, a inserção da tecnologia no processo educativo formal
vem se destacando pelo fascino que desperta principalmente entre os jovens, como
também pela sua utilização nos diversos grupos sociais, considerando que o
desenvolvimento humano é um processo dinâmico de transformações de significados
partilhados socialmente, pois os indivíduos nascem em um mundo que é histórico e
social. É histórico, porque nosso desenvolvimento é influenciado pelas experiências e
conquistas de muitos outros indivíduos, ao longo dos tempos. E é social, porque esse
conhecimento é organizado e estruturado pelos grupos sociais (escola, família, igreja,
trabalho entre outros).
Desta feita, no contexto escolar, a oportunização e aplicação de diferentes
recursos tecnológicos terão um papel fundamental no fazer mais significativo e
inovador na aprendizagem Matemática, tendo em vista o interesse que se vê apresentado
quando da sua utilização.
Assim sendo, cabe ao educador apresentar caminhos na sua prática pedagógica
que possa desenvolver nos alunos habilidades e competências Matemáticas, através do
Maria José Neves de Amorim Moura
1901
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
uso das TICs, uma vez que as tecnologias podem minimizar as dificuldades
apresentadas pelo aluno; e despertar para a importância da área; democratizar o acesso
das informações; tornar os alunos mais participativos; despertar o interesse
investigativo; dinamizar o processo de ensino e aprendizagem; buscar assim a
reconstrução dos saberes Matemática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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conceitos: uma contribuição de Vygotsky ao ensino de geografia. In: Educação
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Maria José Neves de Amorim Moura
1902
Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares
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VIGOTSKI, L. V.. A Construção do pensamento e da linguagem. Trad. Paulo
Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Maria José Neves de Amorim Moura
1903
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
O EMPREENDEDORISMO COMO PRÁTICA
CURRICULAR: SOLUÇÃO SOCIAL PARA OS
ALUNOS DO PROEJA
Melquiades Pereira de Lima Júnior
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
O EMPREENDEDORISMO COMO PRÁTICA CURRICULAR:
SOLUÇÃO SOCIAL PARA OS ALUNOS DO PROEJA
Melquiades Pereira de Lima Júnior1
RESUMO: O presente trabalho teve como escopo analisar as expectativas dos alunos
do PROEJA em relação ao mercado de trabalho, através de uma pesquisa descritiva e
exploratória, capaz de responder ao perfil social e trabalhista desta modalidade de
ensino no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN, mais
especificamente do campus Natal – Zona Norte. Como conseqüência, este artigo sugere
uma alternativa que possa contribuir de forma social e econômica para alcançar os
objetivos propostos por esta modalidade de ensino. A Educação de Jovens e Adultos
carece de pesquisas que possam esclarecer e solucionar as dificuldades que enfrentam
em sua iniciativa de promover a inserção e a sustentabilidade destes indivíduos. Assim
esta pesquisa, através de questionário aplicado, traçou o perfil trabalhista dos alunos,
como também suas expectativas em relação ao mercado de trabalho, os dados foram
tratados quantitativa e qualitativamente através de estatística descritiva chegando ao
perfil completo do público pesquisado. Por fim como solução pedagógica e sustentável
o ensino de Empreendedorismo se encaixa como principal mecanismo capaz de
promover a inserção no mercado de trabalho de uma forma promissora e ainda
desenvolver a economia local.
PALAVRAS-CHAVE: Empreendedorismo, Proeja e Trabalho.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é analisar as expectativas dos alunos do PROEJA
(Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Jovens e Adultos) com relação ao mercado de trabalho. O estudo está
delimitado empiricamente a experiência desenvolvida no campus Natal - Zona Norte do
IF-RN (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnológica do Rio Grande do Norte).
A unidade do IF-RN, situada na Zona Norte de Natal, surgiu, no ano de 2007,
entre outras razões, com o intuito de fornecer uma educação voltada para jovens e
adultos. Porém, desde sua implantação, essa modalidade de ensino tem enfrentado uma
1
Professor de Finanças do IF-RN Campus Natal - Zona Norte
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1907
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
variedade de dificuldades para conseguir cumprir satisfatoriamente com a sua missão.
No ano de 2008 foram em torno de 198 alunos, distribuídos nos cursos de Eletrotécnica
(35 a noite e 19 a tarde), Manutenção de Computadores (35 a noite, 34 pela manhã e 19
a tarde); Informática (21 pela manhã e 10 a tarde; e, finalmente, Comércio (25 a noite),
estes sendo destinados ao PROEJA.
Os dados aqui apresentados foram obtidos a partir de uma pesquisa qualitativa e
quantitativa, de caráter exploratório. O principal instrumento de coleta de dados foi o
questionário aplicado entre jovens e adultos que estudavam na instituição entre o
período de 12 de dezembro de 2008 e 09 de janeiro de 2009. A partir da investigação
almejou-se fornecer subsídios para uma atuação mais eficiente da formação dos seus
alunos desta modalidade.
Para realizar o estudo, mapeamos o perfil dos alunos inscritos no Programa,
identificando como eles estão inseridos no mercado de trabalho e as aspirações
profissionais que possuem. A partir dessa referência, apresentamos uma alternativa
pedagógica que possa contribuir para a inserção dos jovens e adultos no mercado de
trabalho.
Diante disso, o Governo Federal brasileiro, por meio dos Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia, instituíram o PROEJA. Esse Programa tem por
objetivo atender a jovens e adultos que não puderam permanecer no sistema educacional
ou foram obrigados a abandoná-lo prematuramente.
A meta dessa ação governamental é ofertar uma educação profissional e
tecnológica calcada numa sólida formação integral do indivíduo. Assim, os documentos
oficiais que tratam da matéria têm explicitado a necessidade de formar indivíduos
plenos do ponto de vista ético, humano e social. Indivíduos que estejam preparados para
o exercício da cidadania e aptos a qualificar-se e re-qualificar-se profissionalmente de
maneira contínua. Esse conjunto de objetivos se enquadra perfeitamente numa lógica de
formação denominada empreendedorismo.
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1908
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
REFERENCIAL TEÓRICO
A EJA, o PROEJA e a integração da educação profissional com o ensino médio
O público da Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem peculiaridades que o
tornam diferentes da chamada modalidade de ensino “regular”. Isso precisa ser levado
em consideração para que o ensino seja eficaz. Dentre os objetivos propostos para esse
público, no retorno aos estudos, está a busca de uma cidadania plena e condições
concretas para uma vida humana satisfatória, agregada a uma atividade profissional que
contribua para estas condições (BRASIL, 2007).
A EJA foi conhecida há muito tempo como suplência, Supletivo ou
alfabetização, hoje constitui uma modalidade de ensino destinada àquelas pessoas que
não tiveram acesso ao ensino Fundamental e Médio na idade escolar adequada ou que
não concluíram o seu ciclo de escolarização.
O Programa de Integração da Educação Profissional e Técnica de Nível Médio
ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e adultos PROEJA, por sua vez
que visa atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional
técnica de nível médio (no caso do IF-RN/Campus Zona Norte).
Recentemente em 28 de dezembro de 2008 foi estabelecida a lei 11.982 que cria
os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Esta lei por sua vez
estabelece que 50% das vagas de ensino oferecidas devem ser destinadas a educação
integrada (ensino médio e profissionalizante), incluindo a educação de jovens e adultos.
A pesquisa confirma a necessidade dos alunos desta modalidade por
enriquecimento profissional no retorno aos estudos 81,2 para alcançar uma condição
cidadã e de plena inserção na sociedade. Neste caso percebe-se que os alunos possuem
plena compreensão do aumento da renda como fruto de seu enriquecimento profissional
e não como um fim a ser alcançado.
A Economia, o Mercado de Trabalho e a EJA no IF-RN Campus Natal - Zona
Norte
O trabalho – como atividade humana – já deixou de lado suas concepções
originais de satisfação e criatividade, com a qual responde à produção dos elementos
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1909
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
necessários e imprescindíveis à vida humana, para assumir, sob o regime econômico
atual, a condição de atividade assalariada, que reduz a dimensão do trabalho a simples
venda ou troca da força de mão-de-obra por remuneração (ANTUNES, 1999).
De acordo com Wessels (1987) há dois tipos microeconômicos de desemprego
que são importantes para este estudo, são eles: O Desemprego Friccional que é
resultante do funcionamento normal de uma economia, onde (1) os trabalhadores que se
demitem para encontrar um novo emprego, (2) a demissão de funcionários por parte dos
empregadores por outros funcionários, (3) a mudança das preferências dos
consumidores por determinados produtos e (4) os avanços tecnológicos e as mudanças
no processo produtivo como automação.
Segundo, há o Desemprego Estrutural que é fruto de um impacto significativo
dos itens (3) e (4) ao ponto de que, apenas a um custo muito alto os trabalhadores
podem ser realocados ou treinados em novas carreiras. Este tipo de desemprego devido
ao alto custo de realocação dos funcionários as indústrias não tem interesse em arcar ou
absorver, dado o custo-benefício.
Deste modo a Crise Estrutural do emprego afeta diretamente a sociedade atual.
A globalização aumenta as desigualdades entre nações e regiões, entre grupos e classes
sociais, fruto do “mau uso” da ciência e da tecnologia. Tornou menos necessária a mãode-obra humana em algumas áreas do trabalho, aumentando o excedente de mão-deobra e diminuindo de forma generalizada os salários (FRIGOTTO, 2005).
Segundo Frigotto (2005) o trabalho não está vinculado somente com a questão
econômica, a remuneração de uma tarefa ou a venda da força de trabalho; o trabalho
emerge com um direito que insere o trabalhador num mundo de outros direitos
assegurados pelas entidades de classes representativas dos trabalhadores, como
sindicatos, partidos e associações.
A globalização e o avanço tecnológico têm favorecido para grandes
transformações no mundo do trabalho e no sistema educacional. Essas mudanças têm
afetado diretamente as relações sociais e provocado uma grande desestruturação das
relações empregatícias e trabalhistas. Nessa conjuntura, as exigências para o ingresso e
a permanência no mundo do trabalho têm dificultando a inserção de jovens e adultos
que não tenham uma sólida formação geral e técnica. (FRIGOTTO, 2005).
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1910
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
Uma revolução exponencial frente às tecnologias de informação e comunicação,
cujo fator de produção absolutamente decisivo é exatamente o conhecimento. Nesse
sentido, o elemento controlador da economia não é mais o capital, a mão-de-obra ou a
propriedade, mas sim a capacidade de inovação contínua. É a partir da inovação que se
gera mais consumo por produtos e serviços mais inovadores, este consumo gera
produção, e por fim a produção gera emprego, aumentando a riqueza da nação.
Dowbor (2007) descreve que estes novos fatores mercadológicos mudam
radicalmente a estrutura da sociedade contemporânea, criando novas dinâmicas sociais e
econômicas, bem como as novas políticas. A escola como instituição formuladora não
pode deixar de repensar seu papel social na chamada sociedade do conhecimento,
participando do processo de mudança em movimento e como entidade organizadora
fazer a integração dos diversos espaços educacionais e entidades da sociedade.
O jovem e adulto quando procura os programas de EJA, em sua maioria buscam
melhorar suas possibilidades de inserção no mudo do trabalho, dado que muitas são as
instituições empregadoras que exigem um determinado nível de escolaridade como
condição pra o exercício de uma ocupação profissional, ou seja, o grau de escolaridade
funciona em boa parte dos casos como pré-requisito básico para a competitividade.
No perfil em relação ao mercado de trabalho, os alunos da modalidade EJA no
IF-RN campus Natal - Zona Norte, apresenta características peculiares, apresentadas: da
amostra investigada 74,6% da amostra não trabalha, o que reflete o índice de
desemprego, considerando as condições de inativos legalmente no Brasil, ou seja, no
final de 2008 apenas 25,4% dos alunos trabalham (com ocupações diversas, não
necessariamente com vínculo empregatício).
Quando analisamos então o índice com vínculo empregatício, o nº de alunos sem
carteira assinada aumenta para 84,5%, o que mostra que apenas 15,5% possuem uma
condição assegurada com todos os direitos resguardados pela legislação trabalhista
vigente. Estas são as condições e oportunidades que os alunos na modalidade EJA
possuíam no final do ano de 2008.
Indo mais além na análise, 40,8% da amostragem não possuem experiência
profissional anterior, o que demonstra a carência por oportunidades de trabalho.
Lembre-se que, profissionais com qualificação no Brasil possuem enormes dificuldades
hoje para conseguir o primeiro emprego, imaginemos então para esta população de
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1911
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
jovens e adultos que tentam uma inserção no mercado de trabalho, estas dificuldades
aumentam significativamente.
Um outra observação importante é que, destes alunos que foram entrevistados,
apesar de muitos não terem vínculo empregatício, alguns acabam por exercer atividades
extras informais para conseguir ter uma renda pessoal, ou ajudar na família. Isto mostra
a força de vontade de cada indivíduo para conseguir se inserir na sociedade e possuir
uma condição digna de sobrevivência.
Outra questão colocada foi sobre a qualidade das agências de emprego na
cidade. 53,5% afirmaram nunca ter se cadastrado em uma agência de emprego, em
função das dificuldades de oportunidades e mais ainda, dos que já se cadastraram
avaliam a qualidade dos serviços como moderada 22,5%, o restante avaliam com outras
opiniões diversas.
Um dos pontos mais importantes da pesquisa foi constatar a convicção e as
expectativas ao mercado de trabalho, dado as condições de qualidade de ensino
oferecidas pelo Instituto Federal no RN, especificamente no campus Natal - Zona Norte,
onde 94,4% possuem convicção que os cursos que estão estudando atualmente
contribuem para sua qualificação profissional, e que 85,9% acreditam que ao término do
curso, terão melhores oportunidades de trabalho e inclusive de emprego.
Esta expectativa quanto às oportunidades futuras é de grande importância para o
estudo, confirmando que os alunos estão dispostos e encorajados a mudar suas
condições de vida, dispostos principalmente a mudança. Lembrando que os alunos
possuem pleno conhecimento das condições do mercado de trabalho e o que o mercado
de trabalho está exigindo atualmente.
Soluções para o Desenvolvimento Local e o Desemprego: O Empreendedorismo
como solução social e sustentável para a EJA
Uma das novas formas que emergem na sociedade atual é a auto-organização
dos excluídos, mediante uma organização de alternativas de trabalho. Como exemplo
tem os trabalhadores se unindo em cooperativas para comercializar seus produtos
(FRIGOTTO, 2005).
Esta auto-organização dos excluídos denominada por Frigotto (2005) é a
organização da própria sociedade civil para mobilizar e melhorar as condições de vida,
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1912
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
uma destas alternativas é denominada hoje como Empreendedorismo Social. Mas para
adentrarmos neste conceito, é melhor conceituarmos historicamente para esclarecer
estas idéias.
Empreendedorismo tem como origem a palavra Entrepreneurship que vem da
língua francesa, traduzindo como “Aquele que está entre” ou “Intermediário”.
Historicamente na idade média o termo empreendedor foi usado para descrever tanto
um participante como um administrador de grandes projetos. No século XVII foi
estabelecida a conexão com o risco, como um indivíduo que firmava contrato com o
governo para desempenhar um serviço com um risco, tendo a ele em contrapartida um
ganho (SOUSA, 2009).
No século XVIII, a pessoa que detém o capital foi diferenciada daquela que
precisava do capital, ou seja, o empreendedor foi diferenciado daqueles que detém
recursos para investir, como sendo um indivíduo que corre riscos, e promove inovações,
porém não possuía capital para isso. No século XIX e XX, a perspectiva econômica
passou a diferenciar o empreendedor de um mero gerente ou administrador,
diferenciando também com novos conceitos (SOUSA, 2009).
O Empreendedor no século XX é conceituado com três abordagens: 1 –
Tomador de Iniciativa, 2 – Organizador e reorganizador de mecanismos sociais e
econômicos a fim de transformar recursos em situações de proveito prático e 3 – Aquele
que aceita o risco ou fracasso. O empreendedor não possui dom, são habilidades que
podem ser desenvolvidas por todas as áreas profissionais, sejam engenheiros,
psicólogos, pedagogos, cientistas sociais, arquitetos, artistas, administradores e outros.
Sousa (2009) define empreendedor como sendo aquele que assume riscos e cria algo
novo.
“Empreendedor é aquele que destrói a ordem econômica existente pela
introdução de novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de
organização ou pela exploração de novos recursos e materiais”
(DORNELAS, 2005).
Empreendedorismo é conceituado por vários autores da área, sucintamente é
definido como um processo de criação de algo inovador, dedicando tempo e esforço
necessário pelo empreendedor, assumindo riscos financeiros, psíquicos e sociais
correspondentes, recebendo recompensas pelas mudanças na ordem social e econômica.
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1913
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
Schumpeter apud Degen (1989) um dos maiores economistas que pesquisou
sobre o conceito, descreve como uma “destruição criativa” o processo de
empreendedorismo, e também como “o impulso fundamental que aciona e mantém em
marcha o motor capitalista”.
“Empreendedorismo é o processo dinâmico de gerar mais riqueza. A riqueza
é criada por indivíduos que assumem os principais riscos em termos de
patrimônio, tempo e/ou comprometimento com a carreira ou que provém
valor para algum produto ou serviço. O produto ou serviço pode ou não ser
novo ou único, mas o valor deve de algum modo ser infundido pelo
empreendedor ao receber e localizar as habilidades e os recursos
necessários” (SOUSA, 2009).
A grande contribuição deste processo empreendedor é a melhoria significativa
do desenvolvimento local e para a economia. Todos os autores que desenvolveram e
desenvolvem estudos na área chegam e chegaram às mesmas conclusões, dado que as
micro e pequenas empresas contribuem com grande parte do PIB – Produto Interno
Bruto do Brasil e de vários países do mundo.
Dornelas (2005) descreve estatísticas que demonstram a contribuição para a
economia de várias nações, como Reino Unido, Alemanha, Finlândia, Israel e França
com significativas alterações econômicas positivas. O próprio DRUCKER (1989), um
dos mais renomados da ciência administrativa, descreve a evolução da contribuição das
atividades empreendedoras na economia americana em todo decorrer do século XX.
Estes estudos estão sendo acompanhados pelo GEM – Global Entrepreneurship
Monitor, um projeto internacional de iniciativa conjunta do Babson College nos Estados
Unidos, e da London Business Scholl na Inglaterra com o objetivo de medir a atividade
empreendedora dos países, inclusive o Brasil, e observar o relacionamento com o
crescimento econômico.
No Brasil, vários projetos estão sendo desenvolvidos como o Programa Brasil
Empreendedor, do Governo Federal, que visou desenvolver empreendedores e fornecer
recursos para estes indivíduos. Também há programas como o EMPRETEC e Jovem
Empreendedor do SEBRAE que são programas reconhecidos no desenvolvimento
destas iniciativas. Outros diversos programas são desenvolvidos no Brasil em
universidades e nos institutos federais. No IF-RN Campus Natal - Zona Norte, está
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1914
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
tendo iniciativas através da Junior’s Achievement que visa desenvolver iniciativas
empreendedoras nos alunos de diversos cursos e modalidades, não só na EJA.
De acordo com Dornelas (2005) um importante aspecto que deve ser discutido
são os tipos de empreendedorismo identificados pelo GEM. O primeiro é o
Empreendedorismo de Necessidade, em que o candidato a empreendedor se aventura
nesta jornada como simples opção por não ter alternativas de trabalho, nestes casos os
negócios costumam ser criados informalmente, não são planejados de forma adequada e
na maioria dos casos acabam por fracassar.
O segundo tipo e mais importante é o Empreendedorismo de Oportunidade em
que o empreendedor visionário, sabe aonde quer chegar, planeja, visa o crescimento e a
geração de riqueza para a sociedade. Este é o empreendedorismo que realmente gera
transformações econômicas e que ocasiona desenvolvimento. Este é o tipo que deve ser
voltado para o público da EJA.
Por outro lado, há alguns fatores inibidores do potencial empreendedor que
podem gerar complicadores para a iniciativa empreendedora por parte dos alunos da
EJA. Os fatores que inibem o potencial empreendedor são descritos por Degen (1989):
1. Imagem Social, pois todos empreendedores no início precisam desenvolver eles
mesmos a maioria das atividades no negócio, desde gerenciar as atividades de
comércio, até em alguns casos a higiene/limpeza. Algumas pessoas pensam que
depois de terem atingido uma posição social, algumas atividades podem arruinar sua
imagem social.
2. Disposição para Assumir Riscos, pois desde a escola até a educação familiar da vida
moderna, os indivíduos não são educados para assumir riscos, para promover
mudanças na sociedade. O Risco Financeiro, onde são encorajados a estudar para
fazerem concursos ou alguma profissão que gere certo nível de estabilidade
financeira e o Risco Profissional, que é deixar uma profissão já desenvolvida para
encarar outra profissionalização totalmente diferenciada.
3. Capital Social, que está relacionado a cultura intelectual e religiosa familiar, um
indivíduo que é filho de um advogado bem sucedido tende a ser um futuro advogado
e assim por diante, estes bloqueios devem ser transpostos, onde um filho de um
empreendedor deve ser encorajado a inovar cada vez mais.
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1915
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
Apesar destes fatores inibidores foi constatado na pesquisa que 60,6% da
amostra entrevistada possuem interesse em montar seu próprio negócio, o que expressa
que mesmo sem conhecer muito sobre empreendedorismo, estes alunos já possuem
interesse em buscar sua independência.
Como pode perceber estes paradigmas inibidores devem ser quebrados, no Brasil
várias universidades e instituições sejam privadas ou públicas já adotaram o ensino de
empreendedorismo, pois já conhecem os benefícios que trazem para os alunos, para
futuros empreendedores e finalmente para a sociedade, gerando riqueza e maior
distribuição de renda.
METODOLOGIA
O método foi constituído a partir do objetivo do estudo e do contexto. O tipo de
pesquisa utilizada foi a aplicada de caráter exploratório, pois tem como escopo levar o
conhecimento ao pesquisador sobre o tema ou problema de pesquisa dentro da realidade
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN, especificamente no
campus Natal – Zona Norte (ROESCH, 1999, p. 73-77).
Segundo Roesch (1999, p.73-77) a caracterização como pesquisa aplicada, pôde
ser justificada pelos seguintes aspectos: teve como base a exploração sobre um caso
concreto e não hipotético (o de uma instituição), além disso, para a compreensão deste
objeto de estudo, levou-se em consideração o contexto em que ele se circunscreve.
Outra característica presente na metodologia é a de utilizar-se de uma variedade
de fontes de informações e teve como escopo retratar a realidade do contexto
pesquisado, revelando sua dinâmica, desenvolvimento e a importância do objeto de
estudo naquele contexto, ou seja, retratar um aspecto da população de alunos na EJA
(Vargas e Maldonado, 2001, p. 12).
A estrutura de estudo de caso foi constituída a partir das seguintes etapas:
Introdução, Desenvolvimento, Método e Resultados. A introdução buscou descrever a
situação-problema e aborda os principais aspectos sobre a problemática do estudo. O
método teve como referência a investigação de um caso hipotético que tentou retratar a
realidade estudada, como também suas regras e procedimentos a serem encontrados no
ambiente. Posteriormente o desenvolvimento do estudo, ou seja, suas referências
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1916
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
teórico-conceituais e por fim na seção de resultados foram apresentadas as conclusões
sobre o trabalho (SEVERINO, 2000, p. 157).
De acordo com Roesch (1999, p. 126-128) as técnicas de coleta utilizadas foram
definidas de acordo com os objetivos propostos. Neste caso foi a pesquisa qualitativa
por envolver a utilização de documentos históricos e teóricos, como também a pesquisa
quantitativa por envolver a coleta de dados quantitativos acerca dos alunos.
Segundo STEVENSON (1981) As técnicas de análise de dados foram de caráter
quantitativo por envolver métodos estatísticos e de caráter qualitativo por envolver
análise de conteúdo documental. A pesquisa foi realizada através de questionário com
os alunos no período de 12 de Dezembro de 2008 a 09 de Janeiro de 2009.
O conceito estatístico utilizado foi a estatística descritiva aplicada aos índices
pesquisados que foram: Idade, Sexo, Região de Moradia, Situação Trabalhista, Tipo de
Atividade Trabalhista, Faixa de Remuneração, Experiência de Trabalho, Atividade
Extra Trabalhista, Motivos de Escolha do IFRN, Cadastro em Agência de Emprego,
Opinião da Contribuição do Curso para Formação e Expectativas para o Mercado de
Trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta pesquisa foram perceptíveis características comportamentais que
permeiam a modalidade da Educação de Jovens e Adultos no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do RN, mais exatamente no campus Natal - Zona
Norte. Esta instituição possui um papel extremamente importante no desenvolvimento e
modificação desta realidade.
O perfil do aluno do PROEJA no IF-RN, campus Natal – Zona Norte possui
características diversificadas, porém com fatores semelhantes em sua população, sua
jovialidade revela expectativas de um futuro melhor em uma sociedade que possa dar
oportunidade a esta modalidade de ensino que foi tão má cuidada em termos de
educação.
A presente pesquisa revelou fatores de grande importância, as expectativas dos
alunos demonstraram um comportamento otimista em um momento econômico de crise
que o Brasil se encontra. Vontade, determinação, força de vencer são características que
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1917
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
permeiam estas pessoas e que servem de combustível para uma vida social mais justa e
igualitária.
Dentro destas características encontradas o Empreendedorismo tem um papel
importante de promover o desenvolvimento local e sustentável capaz de mudar a vida
destes indivíduos. Promovendo alavancagem social e a inserção destes indivíduos
através de uma renda auto-sustentável, montando sua própria fonte de renda e de
desenvolvimento.
Através da pesquisa foram analisadas algumas sugestões para desenvolvimento do
objetivo pedagógico além da inserção do Empreendedorismo como prática curricular, as
sugestões propostas foram:

Criação de alternativas adicionais de inserção no mercado de trabalho (como exemplo o
Empreendedorismo);

Incentivo ao estágio para alunos sem experiência profissional;

Parcerias com outros agentes econômicos como empresas, sindicatos, órgãos e
instituições que possam contribuir para a profissionalização;

Incentivo a cursos de extensão e de pesquisas como forma de enriquecimento curricular
e profissional dos alunos.
Por fim o Empreendedorismo deve ser cada vez mais fomentado neste país, onde as
pequenas oportunidades e a auto-organização dos excluídos são mecanismos geradores
do desenvolvimento social e econômico, não só local, mas a nível Nacional. Novos
trabalhos devem surgir para fomentar esta alternativa social, promovendo novas idéias e
sugerindo mudanças na máquina do sistema econômico atual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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negação do trabalho. São Paulo: Bom Tempo Editora, 1999. P. 101-118.
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Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de
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http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf2/proeja_medio.pdf>. Acesso 15.10.2007.
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Paulo: McGraw-Hill, 1989. P.03-38.
Melquiades Pereira de Lima Júnior
1918
O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA
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Melquiades Pereira de Lima Júnior
1919
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E O PARADIGMA
TECNOLÓGICO: UMA INTERCONEXÃO PARA UM
CONHECIMENTO EMANCIPATÓRIO
Raimunda de Fátima Neves Coêlho
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E O PARADIGMA TECNOLÓGICO: UMA
INTERCONEXÃO PARA UM CONHECIMENTO EMANCIPATÓRIO
Raimunda de Fátima Neves Coêlho1
RESUMO: Considerando o paradigma tecnológico como característica do mundo
contemporâneo, o texto discute a relação entre esse modelo, a educação e o currículo.
Esse estudo teórico-bibliográfico baseia-se nas reflexões de DOWBOR (2000),
CASTELLS (1999), BAUMGARTEN (2001) sobre a sociedade midiatizada e seus
diferentes espaços do conhecimento e, ainda, em SANTOMÉ (1998) sobre o pensar
global nos currículos. A partir dessa discussão teórica o texto aponta o pensamento
utópico defendido por SANTOS (1999), como base de alternativas para se pensar o
currículo como espaço do conhecimento emancipatório numa sociedade midiatizada.
PALAVRAS-CHAVE: Paradigma Tecnológico, Educação, Currículo, Conhecimento.
Vivemos hoje o desafio que nos vem da nova fase da humanidade, a chamada
sociedade do conhecimento, ou sociedade em rede, que Castells (1999, p. 17) a
caracteriza pela:
[...] globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista
estratégico, por sua forma de organização em redes; pela flexibilidade e
instabilidade do emprego e a individualização da mão de obra. Por uma
cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia
onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela transformação das
bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um
espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e
elites dominantes.
Esse modelo dominante exige uma redefinição do papel da educação nesse novo
mundo, em que a sociedade busca novas saídas para o desenvolvimento de uma
educação caracterizada pelo conhecimento e informação. Dessa forma, a sociedade da
1
Professora Adjunta da UFCG, Integrante do GIEPELPS/CNPq (Grupo Interdisciplinar de Estudos e
Pesquisas em Educação, Linguagem e Práticas Sociais – UFCG) e do GEPPC/CNPq (Grupo de Estudos e
Pesquisas em Políticas Curriculares – UFPB).
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1923
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
informação representa uma profunda mudança na organização da sociedade e da
economia.
Significativas transformações econômicas, geopolíticas, sociais, culturais e
institucionais vêm modificando a base material da sociedade, ocasionadas por
estratégias de acumulação que contêm no seu cerne processos de geração e difusão de
novos conhecimentos.
Castells (1999) assinala que uma revolução tecnológica, centrada nas
tecnologias de informação, está remodelando a base material da sociedade em ritmo
acelerado.
Assim, esse autor (1999) sinaliza que o fator para a formação do paradigma da
informação, foi/é o processo de reestruturação capitalista, desde os anos 1980 tendo o
capital como característica central, o global e sua estruturação em redes, em que o
capital financeiro depende do conhecimento e da informação gerados e aperfeiçoados
pela tecnologia da informação. Estamos, pois, na era do capitalismo em rede, ou melhor,
num mundo do capitalismo informacional global.
A identificação dessa sociedade contemporânea reconhecida como sociedade da
informação e do conhecimento justifica-se conforme Baumgarten (2001), por duas
razões, a saber: pela ampliação de troca de mensagens entre os habitantes do planeta, e
pela relevância que adquirem a ciência e a tecnologia no processo de produção.
Baumgarten (2001) destaca que nessa síntese entre sociedade e conhecimento
(ou ainda, a chamada sociedade ou era da informação) cada vez mais se torna salutar a
necessidade do conhecimento ser apreendido à luz de sua dimensão social.
Como bem sabemos, a informação e o conhecimento sempre se constituíram
pilares dos diferentes modos de produção social, nos diferentes momentos históricos.
Na sociedade atual, o conhecimento desempenha um papel importante para que os
indivíduos estabeleçam suas relações integrando-se num contexto social contemporâneo
cada vez mais complexo.
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1924
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
A informação, por sua vez, como produto do conhecimento, ou melhor,
como conhecimento circulante, é considerada hoje a mercadoria de maior valor, ao se
atribuir à carência de informação nessa contemporaneidade a questão maior da exclusão
social.
Nesse sentido, concordamos com Baumgarten (op. cit., p. 22) ao afirmar que
uma sociedade é consciente de si quando se torna consciente do seu
manancial de conhecimento; é aquela sociedade que tem consciência do
conhecimento que produz. O conhecimento do conhecimento, portanto, o
conhecimento autoconsciente.
Concebendo, assim, a sociedade do conhecimento em um contexto onde
emergem novas questões econômicas, políticas, sociais, jurídicas e educacionais, é
necessário pensarmos politicamente as novas relações entre ciência, tecnologia e poder.
Frente às transformações tecnológicas, a educação ganha nova centralidade
no processo de transformação social, em que a informação e o conhecimento têm
importante papel, como instrumentos de mudança da educação.
Do ponto de vista educacional o termo educar em uma sociedade da
informação e comunicação, implica não mais treinar as pessoas para o uso das
tecnologias de informação e comunicação (TAKAHASHI, 2000, p. 45). É importante
pois, investirmos na criação de competências suficientemente amplas, tomarmos
decisões fundamentais no conhecimento, operarmos com fluência os novos meios e
ferramentas no nosso trabalho e aplicarmos criativamente as novas mídias.
Formar o cidadão para aprender a aprender, “[...] não significa preparar o
consumidor e sim capacitar as pessoas para a tomada de decisões e para a escolha,
informada sobre os aspectos na vida em sociedade, na perspectiva de não se deixar
seduzir pelo poder econômico ou político”. (TAKAHASHI, op cit.).
As tecnologias vistas como novos meios de aprendizagem permitem a
construção interdisciplinar de informações produzidas de forma individual ou coletiva,
contribuindo desse modo, para a formação continuada do cidadão porém, sem que se
perca de vista que o papel da educação na sociedade da informação, não deve apenas
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1925
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
enfatizar a capacitação tecnológica em detrimento de aspectos relevantes como, a
construção de uma sociedade que tenha inclusão e justiça social.
Na visão de Castells (1999) o novo sistema econômico e tecnológico é
caracterizado como capitalismo informacional, em que as novas tecnologias da
informação difundiram-se pelo planeta de forma rápida entre meados dos anos 70 e 90,
gerando uma possível transformação das sociedades.
Esta totalidade de transformações em que estamos imersos, Dowbor (2000, p. 8)
diz: “[...] parece estar levando a uma sinergia da comunicação, informação e formação,
criando uma realidade nova, que está sendo designada como sociedade do
conhecimento.”
Dessa forma, a educação deixa de ser um universo em si, e se torna articuladora
de diversos espaços do conhecimento, e, necessariamente, a escola segundo Dowbor
(2000, p. 13) “deixa de ser um pouco lecionadora, passando a ser mais mobilizadora e
organizadora de um processo em que possa envolver os pais e a comunidade.”
Educação sendo articuladora dos espaços do conhecimento perde assim, seu
universo simplificado da educação formal e ganha na realidade diversas formas e canais
de organização e transmissão do conhecimento, a saber: um dos espaços educacionais é
fornecido pela formação nas empresas, em que hoje o setor empresarial moderno passa
a precisar da educação para o seu próprio desenvolvimento.
Um outro espaço que surge é a reorientação da televisão e da mídia em geral.
Essa reorientação seria no sentido de elevar o nível científico e tecnológico da
população com possíveis feitos significativos.
Um terceiro espaço em expansão é o dos cursos técnicos especializados, como
resposta do surgimento de novas tecnologias, nos quais a população busca apoio
técnico.
Outra área que deverá interessar à educação é a organização do espaço científico
domiciliar; nos tempos de internet, professores começam a se interessar em organizar o
seu espaço de trabalho em casa.
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1926
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
Uma outra área de trabalho que está surgindo é o espaço do conhecimento
comunitário, área essa, trabalhada pelas Organizações Não Governamentais (as ONG’s)
e outras, formadas pelo universo chamado Terceiro Setor. Com a criação desse espaço
vemos possibilidade de base para articulação da escola e de cada ensino específico com
os problemas sentidos pela comunidade.
Como outro espaço temos a área de Pesquisa e Desenvolvimento que poderá
contribuir para que cada escola e cada professor possa organizar a ponte direta de
comunicação com centros de pesquisa para enriquecimento de ensino.
Temos também, a formação de adultos, espaço que necessita de revisão, tendo
em vista a necessidade de integrar o adulto com o processo real de transformação do
cotidiano, colocando a educação a serviço de uma comunidade.
Um outro espaço do conhecimento passível de revisão, seria o ensino superior
que deveria se tornar um agente de transformações, tornando-se um espaço permanente
de atualização.
Com a caracterização dos diferentes espaços do conhecimento abordados por
Dowbor (2000) e, consequentemente, repensando a educação formal como atividade
central organizadora desses espaços e não mais como eixo único de formação, somos
forçados a exigir da escola o seu papel de integradora dos diversos espaços educacionais
que existem na sociedade.
Diante dessa complexa tarefa da escola, perguntaríamos: Como os professores
enfrentariam suas novas funções enquanto mediadores desse processo? Que desafios
superar como professores?
Segundo Dowbor (2000) os desafios não são simples, destacando dentre eles a
dificuldade dos professores orientarem os alunos para trabalhar no universo tecnológico,
uma vez que maioria deles encontra-se como principiante no uso da tecnologia.
Outro desafio consiste na competência do professor a partir da aquisição de
informações, saber organizar a aprendizagem, na perspectiva de mudança nas próprias
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1927
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
formas de ensino e de conteúdo. Nesse processo as metodologias assumem papel
importante.
O currículo também, se traduz em desafio, quando da necessidade de adaptá-lo
ao que o aluno necessita nos eixos de interação com o mundo, isto é, no sentido de
orientar as novas gerações para um conhecimento competente das novas tecnologias e,
dessa forma, enfrentarmos de maneira organizada seu potencial, seus perigos nas
dimensões econômicas, culturais, políticas e institucionais.
Diante desse mundo globalizado que apresenta múltiplos desafios para o
homem, a atual sociedade, decorrente da revolução tecnológica e seus desdobramentos
na produção e na área da informação, apresenta características possíveis de oferecer à
educação uma autonomia ainda não alcançada.
Na perspectiva de construção dessa atual sociedade baseada nas diferentes
formas de comunicação e relação, Dowbor (2000) apresenta, em síntese, alguns pontos
merecedores de reflexão para melhor compreensão do que ele chama de núcleos de
problemas.
Como primeiro ponto, esse autor destaca a gestão do conhecimento que hoje se
torna um espaço mais amplo, no qual a educação terá de reconstruir o seu papel. Temos
também, o desenvolvimento de novos instrumentos nas tecnologias de comunicação e
informação, o que implica em mudanças de ferramentas que nos permitem lidar com o
conhecimento.
Com essas transformações, no universo do conhecimento e das ferramentas de
trabalho, somos forçados a repensar a educação e os seus paradigmas na perspectiva de
se estabelecer uma relação da educação com outros espaços do conhecimento, pois é
impossível ver a educação sem compreender as suas complementaridades com outros
espaços do conhecimento, como a formação nas empresas, as televisões, internet e
outros.
No âmbito da escola, as novas tecnologias trazem transformações nas formas de
trabalhar o conhecimento, exigindo dessa maneira, novas formas de organização do
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1928
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
tempo, do espaço, das relações internas da escola, ou seja, instauram-se as mudanças
organizacionais.
Além dessas mudanças no nível da escola nos deparamos com outras
transformações institucionais mais amplas no universo da educação como forma de
enfrentarmos os novos desafios. Uma outra questão relevante está relacionada com o
conhecimento e a sua interação entre a escola e seu espaço social, podendo a escola
desenvolver novos papéis.
E, por último, a compreensão de que o desafio das novas tecnologias não é
apenas técnico e pedagógico, mas, principalmente, um desafio de poder e ao mesmo
tempo, podem gerar um espaço de democratização e de reequilibramento social.
Diante desses desafios apresentados, o novo paradigma tecnológico procura
transformar o padrão organizacional produtivo em redes, como sinaliza Castells (1999,
p. 216) ao afirmar que:
[...] pela primeira vez na história, a unidade básica de organização econômica
não é o sujeito individual (como o empresário ou a família empresarial) nem
coletivo (como a classe capitalista, a Empresa, o Estado) [...] as unidades em
rede, formadas de vários sujeitos e organizações, modificam-se
continuamente conforme as redes adaptam-se aos ambientes de apoio e às
estruturas de mercado.
Com esse novo modelo, conforme Castells (1999) a sociedade em rede
representa uma transformação qualitativa da experiência humana. No tocante aos
modelos de relação da existência humana, esse autor descreve como primeiro modelo de
relação a dominação da Natureza sobre a Cultura, isto é, a luta pela sobrevivência
diante dos rigores incontroláveis da Natureza.
O segundo modelo de relação da Era Moderna é associado à Revolução
Industrial e ao triunfo da Razão, foi estabelecido pela dominação da Natureza pela
Cultura, em que se formou a sociedade a partir do processo de trabalho, e pelo qual a
Humanidade vive sua libertação das forças naturais quando submeteu-se à opressão e
exploração.
Hoje, entramos num modelo cultural de interação e organização social que
justifica ser a informação o principal elemento de nossa organização social e os fluxos
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1929
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
de mensagens e imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa
estrutura social. Estamos diante de uma nova era, a era da informação, marcada pela
autonomia da cultura vis-à-vis às bases materiais de nossa existência.
Em síntese: lutamos com a Natureza, primeiro para sobreviver, em seguida para
conquistá-la e, finalmente, para alcançarmos o nível de conhecimento e organização
social que, provavelmente, nos permitirá viver em um mundo mais social.
Sendo assim, não podemos ignorar as transformações geradas pela sociedade do
conhecimento, exigindo da educação que reconstrua o seu papel, cabendo a nós,
professores, compreendermos que as novas tecnologias tanto podem servir para a
elitização e o aprofundamento das contradições sociais, como, através da
democratização do conhecimento, gerar uma sociedade mais justa e equilibrada.
Após refletirmos sobre a educação e a sociedade do conhecimento indagamos:
Qual a relação mundo globalizado e as possibilidades de currículo para o enfrentamento
a essa atual condição de sociedade desigual? O currículo poderá ser compreendido
como espaço do conhecimento emancipatório?
Essas questões nos remetem a entender o significado das propostas curriculares
integradas, que nos obrigam a levar em conta as dimensões globais da sociedade e do
mundo em que vivemos.
Dessa forma, não podemos dissociar o processo de globalização do currículo nas
escolas, pois a partir da criação de uma consciência global passamos a compreender
conforme Santomé (1998, p. 93) que “todas as áreas de conhecimento de cada um dos
blocos de conteúdo necessitam levar em conta esta perspectiva global ou internacional.”
Assim, esse autor defende que:
[...] devem ser oferecidos novos referenciais às crianças, para ajudá-las a
perceber estas dimensões; elas devem se acostumar a pensar interdisciplinar e
globalmente, podendo assim chegar a desenvolver um senso de
responsabilidade e de lealdade com os povos e grupos sociais marginalizados
e silenciados (SANTOMÉ, op. cit, p. 93).
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1930
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
Então, a criação da consciência global nos currículos, ou melhor, o pensar
interdisciplinar e global, contribuirá para aceitarmos que o mundo é um sistema
interdependente.
Não podemos mais ter uma visão míope da realidade pois vivemos em um
mundo global, que nos obriga a repensar as tarefas escolares, cujas tarefas a que os
alunos são estimulados e/ou obrigados a realizarem, raramente levam em conta as
dimensões internacionais em todos e cada um dos blocos de conteúdo que formam o
projeto curricular.
Essa educação global poderá ajudar as novas gerações a adquirirem consciência
da realidade silenciada pela educação tradicional, gerando como afirma Santomé (1998)
novas formas de relações entre outros povos e culturas, cujos objetivos dessas propostas
curriculares de educação global são, assim, apontadas por esse autor, a saber: aprender a
obter informações, desenvolver competências para tomada de decisões, identificar as
conseqüências transnacionais,
considerar os interesses das futuras gerações,
conscientizar-se das diferenças entre países ricos e pobres e aceitar e respeitar a
diversidade cultural.
Assim, com esse modelo de um mundo globalizado que gera para muitos, uma
fragmentação social e um processo de exclusão, como romper esse processo que se
torna cada vez mais hegemônico e concentrado? Como vencer o grande desafio da
atualidade que coloca a dominação de poucos sobre a grande maioria?
Diante dessas perguntas fortes e na tentativa de buscarmos respostas, também,
fortes, compreendemos a importância de recorrermos ao conhecimento-emancipação
proposto pelo sociólogo Santos (2006) em contraposição ao conhecimento-regulação,
tendo em vista a necessidade de pensarmos um currículo que contribua para a
autonomia e emancipação do sujeito. Nessa perspectiva nos ancoramos no imperativo
enunciado por Santos (2006, p. 316) quando diz: “[...] temos o direito a ser iguais
sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a
igualdade nos descaracteriza.”
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1931
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
De acordo com esse pensamento do autor (2006), somos convidados a reinventar
possíveis caminhos, em que o currículo seja um dos fios condutores de um processo de
emancipação social, ou melhor, não podemos permitir que as nossas diferenças sejam
um motivo de desigualdades.
Concebendo, pois, o currículo como espaço do conhecimento que emancipa, que
liberta, não podemos esquecer que as nossas diferenças, por maiores que sejam, estão
em permanente interação com os outros e suas diferenças, nesse mundo cada vez mais
globalizado, e que, necessariamente, precisa ser compreendido e refletido para que o
sujeito tenha uma visão mais realista de padrões estabelecidos pela globalização
neoliberal, de modo que esses padrões de regulação possam ser desconstruídos por
outros mais inclusivos e mais plurais.
As conseqüências humanas, geradas pela globalização neoliberal, precisam fazer
parte de políticas curriculares que se contraponham aos riscos de opressão, sofrimento
humano e destruição a que os sujeitos da sociedade atual estão submetidos.
Diante desse quadro social de desigualdade e fazendo do currículo esse espaço
de luta, de resistência, de confronto entre conflitos da globalização neoliberal e a
globalização contra-hegemônica, encontramos no pensamento de Santos (1989) vias de
ruptura, de luta por políticas emancipatórias. Esse sociólogo aponta a utopia como sinal
positivo diante da crise de ordem social na perspectiva de pensar a desordem
verdadeiramente emancipadora quando diz que:
[...] A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por
via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só por que existe,
em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de
desejar e por que merece a pena lutar [...] (SANTOS, 1999, p. 323).
Assim, o pensamento utópico defendido por Santos (1999) recusa a
subjetividade do conformismo e cria a vontade de lutar por alternativas.
Finalmente, ao compreendermos a relação entre educação, currículo e o
paradigma tecnológico em tempos de globalização e ao discutirmos o currículo como
Raimunda de Fátima Neves Coelho
1932
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
espaço do conhecimento emancipatório, vislumbramos sinais de reconstrução de
currículos,
onde
o
conhecimento-regulação
possa
ser
desconstruído
pelo
conhecimento-emancipação.
Para tanto, é preciso acreditarmos na possibilidade de acontecer, como nos
lembra tão bem o filósofo Sartre apud Santos (2006, p. 470) “[...] antes de concretizada,
uma idéia apresenta uma estranha semelhança com a utopia”. É com a utopia de
pensarmos o currículo como espaço do conhecimento emancipatório que permanecemos
numa luta contra um sistema de desigualdade social que nega não apenas os direitos
sociais mas, principalmente, o mais elementar direito à vida.
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Raimunda de Fátima Neves Coelho
1933
Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório
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TAKAHASHI, T. (Org.). Sociedade da Informação no Brasil - Livro Verde. Brasília,
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Raimunda de Fátima Neves Coelho
1934

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