ensino médio integrado à educação profissional: limites e
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: LIMITES E POSSIBILIDADES NA CONCRETIZAÇÃO DO CURRÍCULO INTEGRADO NAS ESCOLAS PIONEIRAS DO ESTADO DA PARAÍBA Benedita Ferreira Arnaud JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: LIMITES E POSSIBILIDADES NA CONCRETIZAÇÃO DO CURRÍCULO INTEGRADO NAS ESCOLAS PIONEIRAS DO ESTADO DA PARAÍBA Profª Ms. Benedita Ferreira Arnaud UEPB/CAMPUS IV [email protected] RESUMO: O referido estudo é parte integrante de um projeto de extensão em andamento no Campus IV da UEPB, com a participação de alunos da 3ª série do Ensino Médio Integrado de uma das Escolas pioneiras, nesta modalidade de ensino, a Escola Agrotécnica do Cajueiro. Para discutirmos as possibilidades e limites da formação unitária no âmbito do ensino médio integrado, utilizamos os princípios básicos da proposta de Escola unitária de Gramsci, bem como a contemporaneidade de suas ideias num contexto de reformas do ensino profissionalizante. Num primeiro momento, procuramos analisar a real efetividade desta experiência no cenário educacional, especificamente no estado da Paraíba em duas escolas pioneiras nesta modalidade de Ensino, visto que este discurso e prática se constituem como a nova ordem institucionalizada no Ensino profissionalizante. Num segundo momento, analisamos os limites e possibilidades da integração curricular nas escolas pioneiras, o que nos levou a concluir que a integração curricular passa a ser um desafio político-pedagógico e requer por parte da escola compreensão dos seus fundamentos teóricos. PALAVRAS-CHAVE: Educação profissional – Ensino Médio Integrado - Currículo integrado. SECONDARY EDUCATION INTEGRATED IN THE PROFESSIONAL EDUCATION: LIMITS AND POSSIBILITIES IN THE IMPLEMENTATION OF THE INTEGRATED CURRICULUM IN THE PIONEER SCHOOLS OF PARAÍBA ABSTRACT: This study is part of an extension project ongoing in the campus of UEPB IV, with the participation of students from the high school 3rd grade of one of the pioneer Integrated Schools leading this type of education, the Agrotecnic School of Cajueiro. In order to discuss the possibilities and limits of the unitary education within the integrated high school, we used the basic principles of the unitary school proposed by Gramsci, and the contemporaneity of his ideas in a context of reforms of vocational education. At first, we examine the real effectiveness of this experience in the educational setting, specifically in the state of Paraiba in two pioneer schools in this mode of education, since this discourse and practice are considered to be the new order Benedita Ferreira Arnaud 1634 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba institutionalized in vocational education. Second, we analyze the limits and possibilities of curriculum integration in the pioneer schools, which led us to conclude that the curriculum integration becomes a major political and pedagogical challenge and requires from the school stuff, a better understanding of its theoretical foundations. KEYWORDS: Professional education - Integrated High School - Integrated curriculum. INTRODUÇÃO Para discorrer sobre o tema em foco, apresentaremos num primeiro momento os princípios básicos da proposta de Escola unitária de Gramsci, bem como a contemporaneidade de suas ideias num contexto de reformas do ensino profissionalizante. Analisaremos estas reformas articuladas às mudanças no mundo social e produtivo, visto que o sistema capitalista que o autor sempre combateu persiste, com novas configurações. Antes, com base nas exigências do trabalho imposto pela industrialização, hoje, baseado em princípios científicos e tecnológicos, ambos com o mesmo propósito histórico, desenvolver ao máximo a produtividade em atendimento à lógica de mercado. Num segundo momento abordaremos a integração entre o ensino médio e a educação profissional destacando as experiências em curso na Paraíba, enfatizando os limites e possibilidades na concretização do Currículo Integrado nas Escolas pioneiras. 1. PRINCÍPIOS E PRESSUPOSTOS DA INTEGRAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO GERAL E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL: O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA PROPOSTA GRAMSCIANA DE ESCOLA UNITÁRIA. O trabalho como princípio educativo foi um dos temas mais recorrentes no Brasil, nos anos 80 e início dos 90. Neste período, passa a se constituir como fundamento de proposta da educação que se pretendem inovadoras e progressistas, notadamente desenvolvidas por alguns movimentos sociais (TUMULO, 2005, p. 240). Gramsci ao afirmar que o princípio unitário deve ser a referência de uma nova pedagogia, formula a noção de “escola unitária” quanto à sua organização e ao seu Benedita Ferreira Arnaud 1635 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba princípio formativo. Sua proposta segundo Soares (2001, p. 419), estabelece confronto com quatro concepções pedagógicas de sua época: “escola tradicional”, de base humanista, a “escola nova”; a “escola única do trabalho (politécnica); as escolas profissionalizantes”. 1 Para Gramsci (1978, p. 421) o trabalho constitui uma forma através da qual o homem participa, ativamente, na vida da natureza, com o objetivo de transformação e socialização, ou seja, é um processo que permite modificar reciprocamente o mundo natural e o mundo social. Com isto, procura resgatar a análise do conceito de trabalho como categoria histórica, como trabalho criador. Preocupava-se com a dicotomização entre ensino humanista e profissional e defendia a abolição das fronteiras entre trabalho manual e intelectual. Para ele, o que marcava, socialmente, a escola era a existência de um tipo de escola diferente para cada grupo social. Combatia à profissionalização do ensino, justificando que a multiplicação de escolas profissionais agravava o problema do dualismo escolar, responsável por “eternizar as diferenças tradicionais” (GRAMSCI, 1978, p. 137). Conforme o autor, este quadro só seria revertido, se a escola preparasse cada “cidadão” para se tornar “governante”. No sentido de preparar o homem para esta participação, Gramsci (1978, p. 118) formula a sua proposta de “escola inicial única de cultura geral, humanística, formativa, que equilibre equanimente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual”. Quanto ao tipo de Escola preparatória com os propósitos enunciados por Gramsci, esta é a Escola unitária, escola do trabalho, não no sentido estrito do ensino profissionalizante, meramente técnico e ideologicamente imediatista, mas objetivamente interessada à coletividade, e de saber “desinteressado2” ao capital, ou seja, ao mundo da produção. (NOSELLA, 1995, p. 17-18). 1 Sobre as concepções pedagógicas das escolas mencionadas, ver Soares 2000, p. 419 a 423 e 439 a 440. 2 Gramsci utiliza frequentemente essa expressão “desinteressado(a)” (cultura desinteressada, escola desinteressada). Segundo Nosella este termo não nasceu do debate sobre a neutralidade da ideologia, da ciência e da técnica, “desinteressado(a)” para ele se contrapõe a: “interesseiro, mesquinho, individualista, de curta visão, imediatista e até oportunista (característica da burguesia)”. Conota horizonte amplo, de Benedita Ferreira Arnaud 1636 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba Gramsci aponta como deve ser operacionalizado este tipo de Escola para que se alcance o objetivo desejado. A fixação da idade escolar “depende do Estado assumir certos encargos que estão a cargo da família”, referendando o caráter público da escola unitária, que deve ser extensiva a todos os indivíduos sem distinção de grupos ou classe. Requer mudanças na organização escolar no que se refere aos “prédios, material científico e corpo docente”. Com relação ao corpo docente, este deveria ser aumentado, “pois, a eficiência da escola é muito maior e intensa quando a relação entre professor e aluno é menor” (GRAMSCI, 1978, p. 121). Com este propósito, Gramsci defende na escola unitária a criação de condições para que os indivíduos tenham acesso a um repertório de informações que facilitem o processo de ensino-aprendizagem, assim como uma rede de auxílios à infância, que atuem paralelamente à escola unitária, tendo como objetivo desenvolver nas crianças noções e aptidões pré-escolares, assim como “certa disciplina coletiva” (GRAMSCI, 1978, p. 122-123) Verificamos que o autor se antecipa a alguns educadores contemporâneos quando estes defendem um tratamento diferenciado (atenção especial) aos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem. 1.1. A contemporaneidade das ideias de Gramsci num contexto de reformas do Ensino Profissionalizante. As concepções de Gramsci sobre a Escola unitária, decisivamente constituem-se como um importante referencial teórico no sentido da análise e crítica das propostas educacionais atuais, esclarecendo possíveis equívocos teóricos e políticos. Neste sentido, Kuenzer (1988), com base na leitura em Gramsci, descreve como poderá se constituir uma proposta de Ensino de 2º grau (atualmente Ensino médio), comprometida com os interesses da classe trabalhadora. Aponta como proposta pedagógica “tomar o trabalho como princípio educativo, enquanto expressão do estágio do desenvolvimento das relações sociais contemporâneas em que a ciência se faz longe alcance, isto é, que interessa objetivamente não apenas a indivíduos ou pequenos grupos, mas à coletividade, e até a humanidade inteira. (NOSELLA, p.17-18). Benedita Ferreira Arnaud 1637 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba operativa e a técnica se faz complexa, reunificando cultura e produção”. Segundo a autora para que este novo princípio educativo se efetive é preciso considerar “a escola única como estrutura; a politecnia como conteúdo; a dialética como método; a gestão democrática e as condições físicas das Instituições como necessárias à transformação pretendida”. (KUENZER, 1988, p. 130-131). A autora explora os três primeiros aspectos. Para que a estrutura seja única, “não será admitido mais a dualidade estrutural, antidemocrática na raiz, que separa a escola da cultura da escola do trabalho”. Do ponto de vista até das necessidades do capitalismo, a autora adverte que “esta proposta não mais se sustenta, na medida em que o novo dirigente é síntese de competência técnica e competência política” (KUENZER, 1988, p. 130-131). O que se constata até agora é que os modelos até então propostos, segundo a autora: - não superaram a dualidade estrutural; não alteram o princípio educativo, no que diz respeito ao conteúdo, e esta transformação é fundamental; - não alteraram as condições de funcionamento da escola e as condições de qualificação do professor; - não alteraram a cisão entre teoria e prática; - não alteraram a forma de gestão das escolas, que ainda não conseguem organizar-se tendo em vista um projeto coletivo. (grifo nosso) (KUENZER,1988, p. 137). Isto pode ser verificado no contexto de reformas da Educação Brasileira, empreendidas nestas últimas décadas. Como exemplo, podemos citar a Lei 5.692/71 e o Decreto 2.208/97. A Lei 5.692/71, com a proposta da unificação do ensino do antigo 2º grau ao ensino profissionalizante, proposta esta, que “não correspondeu a politecnia enquanto proposta de conteúdo, a integração teoria/prática enquanto metodologia e tampouco a revisão das condições físicas das escolas”. (KUENZER, 1988, p. 134). O Decreto 2.208/97, que contrariando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, separou o ensino médio e o ensino técnico de nível médio, consolidando a separação, agora com fundamentação legal, estabelecendo ao Ensino Técnico Profissionalizante organização curricular própria e independente do ensino médio. Benedita Ferreira Arnaud 1638 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba Cabe neste sentido nos reportarmos a Reforma Gentili, esta se assemelhava claramente aos propósitos do Decreto 2.208/97, e que contrapõe-se a “escola unitária” de Gramsci cujo propósito era justamente de superar a dualidade da escola, dividida em escola de formação humanista e de formação profissional articulando trabalho, cultura, ciência e tecnologia. A justificativa oficial quando da emissão do Decreto, era de que com esta medida adotava-se o princípio democrático, uma vez que muitos alunos não se interessavam por uma profissionalização, utilizando-se das instituições de ensino profissional como meio de ingresso na universidade. Com a separação, o ensino técnico seria direcionado aos que realmente necessitam de uma formação profissional e seria oportunizada qualificação aos que se encontravam na “empregabilidade”. Na prática, após a emissão do Decreto se formalizou um sistema paralelo de ensino, um direcionado para a classe dominante e outro para a classe trabalhadora. Resquícios da tradicional herança do Brasil colônia e império que atendiam as necessidades da divisão social do trabalho ao dividir o trabalho manual e trabalho intelectual. Quanto a politecnia3 como conteúdo, Kuenzer (1988, p. 130) esclarece que, isto só vem a ser efetivado “enquanto propiciar o resgate da relação entre conhecimento, produção e relações sociais, através da apropriação do saber científico-tecnológico através de uma perspectiva histórico-crítica, que permita a participação na vida social, política e produtiva, enquanto cidadão e trabalhador”. A autora acrescenta: Já não se sustentam propostas pedagógicas voltadas para uma especialização estreita; pelo contrário, o que exige o homem moderno é uma formação que lhe permita captar, compreender e atuar na dinamicidade do real, enquanto sujeito político e produtivo, que, potencialmente dirigente, deve ter consciência dos seus direitos e deveres para transformar a sociedade civil e conhecimento científico para dominar a natureza. (KUENZER, 1988, p. 138). 3 Politecnia, derivado de politécnico, que abrange numerosas artes ou ciências. (FERREIRA, 2002). Não significa interdisciplinaridade, devendo ir mais além, significa uma nova forma de recorte e de estruturação dos conteúdos, a partir dos processos de trabalho que desempenham funções sociais relevantes para a constituição da sociedade brasileira contemporânea. Neste sentido, a politecnia ultrapassa tanto a preparação para ocupações definidas do mercado de trabalho quanto a educação geral baseada nas áreas do conhecimento que se explicam em si mesma, através de suas próprias estruturas lógicas e supostamente dotadas de autonomia. (KUENZER, 1998, p. 139) Benedita Ferreira Arnaud 1639 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba Sobre a dialética como método, conforme a autora, deverá ser teórico/prático, reunificando saber e processo, ciência e produção, cultura e técnica, atividade intelectual e atividade manual, tomando o trabalho, enquanto forma de ação transformadora da natureza e de constituição da vida social como ponto de partida. (KUENZER, 1988, p. 130). É nesta busca pela unidade da Escola, que nos últimos anos têm-se desenvolvido um processo de discussão coletiva entre vários educadores, no qual se explicitaram distintas concepções e propostas dos diversos segmentos da sociedade com o propósito de romper com esta dualidade estrutural de “especialização estreita”. Neste sentido surge o Decreto 5.154 emitido em 23 de julho de 2004. A avaliação que os educadores fazem a respeito da emissão do referido Decreto é no sentido de que, se, por um lado, revoga o Decreto 2.208/97 e restitui a possibilidade de articulação plena do Ensino Médio com a educação profissional, mediante a oferta do Ensino Médio integrado ao ensino técnico, por outro lado, mantêm as alternativas anteriores que haviam sido fortalecidas e ampliadas com o Decreto 2.208/97 e nos programas apoiados por aquele Decreto, que expressam a histórica dualidade estrutural da educação brasileira. Mesmo reconhecendo que os atos normativos não são suficientes para mudar a realidade da educação, os preconizadores desta ideia, consideram este Decreto como uma sinalização positiva para as novas perspectiva na educação técnicoprofissionalizante. Percebem contradições e recuos, típicos de uma sociedade de classes, mas também verificam alguns avanços significativos. Dentre eles, a possibilidade de integrar formação geral e formação técnica no ensino médio, visando como diria Frigotto; Ciavatta e Ramos (2005, p. 43) “a formação integral do ser humano [...], condição necessária para a travessia em direção ao ensino médio politécnico e à superação da dualidade educacional pela superação da dualidade de classes”. Gramsci também, ao propor a escola unitária, partiu de elementos da escola ativa como forma de modificar a escola existente. Ciavatta (2005, p. 17) adverte que “a adesão ao Decreto 5.154/2004 ou a permanência do Decreto 2.208/97 depende do envolvimento dos atores sociais Benedita Ferreira Arnaud 1640 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba (gestores, professores e alunos), de avançar para a ruptura com todas as formas duais que permeiam a sociedade brasileira”. Os autores ainda acrescentam: “Ou interpretamos o decreto como um ganho político e, também, como sinalização de mudanças pelos que não querem se identificar com o status quo, ou será apropriado pelo conservadorismo, pelos interesses definidos pelo mercado”. (FRIGOTTO; CIAVATTA E RAMOS, 2005, p. 27). Neste sentido, consideramos pertinentes os questionamentos de Kuenzer sobre a viabilidade da proposta de escola única politécnica mesmo “considerando que o trabalho como princípio educativo corresponda à necessidade do capital de formar seus intelectuais segundo as exigências da modernidade” e, portanto do mercado. Até que ponto é possível viabilizar uma proposta de escola única politécnica de 2º grau em uma sociedade perpassada pela divisão social e técnica de trabalho enquanto fundamento da hegemonia do capital sobre o trabalho? Como resolver esta questão em um nível do sistema de ensino? (KUENZER, 1988, p. 148) A autora, em resposta a seus questionamentos, considera que mesmo neste cenário de contradição esse projeto pode tornar-se viável, considerando que por essência a escola politécnica é uma exigência da classe trabalhadora e neste sentido passa a satisfazer em parte as necessidades de transformação da sociedade. E adverte que “pelo menos, estimula que se invista nele, senão enquanto projeto imediato, pelo menos enquanto utopia, a dirigir o esforço de criação das condições necessárias à sua viabilização”. 2. A INTEGRAÇÃO ENTRE O ENSINO MÉDIO E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: AS EXPERIÊNCIAS EM CURSO NA PARAÍBA. Segundo informações da Coordenação do Ensino Médio da Secretaria de Educação do Estado da Paraíba, o projeto estadual de Educação Profissional teve início em 1997, com a elaboração do Plano Estadual de Educação Profissional oficializado em 2000, com a criação da Coordenadoria de Educação nesta modalidade de Ensino, vinculada à Secretaria de Educação e Cultura. No entanto, só a partir de 2007 as Benedita Ferreira Arnaud 1641 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba experiências de integração entre o ensino médio e a educação profissional de nível técnico em âmbito estadual iniciaram-se no estado da Paraíba. No ano de 2009, 15 escolas efetuaram matrículas em 19 cursos de Educação Profissional. Para 2010, estão previstas mais 06 escolas. O Estado optou, seguindo orientações do MEC, por implantar somente a modalidade de Ensino Médio Integrado, não matriculando na modalidade subsequente nem concomitante (SEEC-PB). As Escolas pioneiras nesta modalidade de Ensino no Estado da Paraíba, foram: Escola Agrotécnica do Cajueiro em Catolé do Rocha com o curso Técnico em Agropecuária; Presidente Médici em João Pessoa, com os cursos Manutenção e Suporte em Informática e hospedagem; o Colégio Elpídio de Almeida (Prata) em Campina Grande incluindo o PROEJA, com os cursos: comércio; secretariado e contabilidade. Posteriormente, (2008) foram contempladas as Escolas: Severino Dias de Oliveira - Mestre Sivuca – com o curso de informática e Oswaldo Pessoa em João Pessoa, com os cursos Manutenção e suporte em informática; Hortênsio Ribeiro em Campina Grande com o curso de informática; Nobel Vital em Coremas com o curso de Aqüicultura. A Escola Assis Chateubriand em Lagoa Seca (assim como a Escola Agrotécnica, já ofereciam o curso técnico nas modalidades concomitante e subsequente há alguns anos, antes de 2007). A expansão desta modalidade de Ensino em 2009 contemplou as Escolas: Enéas de Carvalho em Santa Rita com o Curso de informática; Escola Maria do Carmo Miranda em João Pessoa, com o curso de secretariado; Escola Durval Guedes em Acaú/Pitimbu, com o curso de hospedagem; Escola Monsenhor Vicente Freitas em Pombal e Escola José Paiva Gadelha em Sousa e Escola Francelino Alencar em Itaporanga com o Curso Manutenção e Suporte em Informática e a Escola Pe. Emídio Viana em Campina Grande com o curso Eventos. 4 Apara a implantação desta modalidade de Ensino foram realizados na Paraíba alguns seminários nos quais participaram representantes da sociedade civil e de órgãos governamentais, com o objetivo de debater mudanças na Política do Ensino Médio e da Educação Profissional, bem como buscar sugestões para a minuta do decreto que revogaria o Decreto nº. 2.208/1997. 4 Informações da coordenação do Ensino Médio da Secretaria Estadual de Educação e Cultura da Paraíba. Benedita Ferreira Arnaud 1642 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba O evento, realizado em março de 2007, contou com a participação da consultora do Ministério da Educação e Cultura, especialista em Educação Profissional e Ensino Médio Integrado em João Pessoa. Seminários regionais foram realizados nas cidades pólo, Cajazeiras e Sousa. De acordo com Frigotto e Ciavatta (2004), ao longo de 2003 foram realizados dois seminários, o primeiro, em maio foi denominado Seminário Nacional sobre o Ensino Médio e Educação Tecnológica, que teve como objetivo o debate das concepções da Educação Média e Tecnológica e sua relação com a Educação Profissional, tendo como base o aprofundamento de temas como: conhecimento, trabalho e cultura; o segundo foi realizado em junho, denominado Seminário Nacional de Educação Profissional-Concepções, Experiências, Problemas e Propostas, cuja estratégia era a produção de um documento-base sobre a temática. A partir dos debates, foi elaborado um documento intitulado Propostas de Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica. No campus IV da UEPB, encontra-se em andamento um projeto de extensão com a participação de alunos da 3ª série do Ensino Médio Integrado de uma das Escolas pioneiras, (Escola Agrotécnica do Cajueiro), com o propósito de analisar a real efetividade desta experiência no cenário educacional, e especificamente no estado da Paraíba, visto que este discurso e prática se constituem como a nova ordem institucionalizada no Ensino profissionalizante. Num primeiro momento assumimos um processo investigativo sobre as escolas pioneiras nesta modalidade de Ensino com alguns resultados preliminares e que nos oportunizou uma primeira avaliação sobre a experiência na Instituição e em uma das Escolas mencionadas (Colégio Estadual Elpídio de Almeida – Campina Grande). 5 No segundo momento, com base nas informações obtidas, nos propusemos a promover a articulação entre as escolas referidas no sentido de se efetivar a troca de experiências/intercâmbio entre os alunos, com base nas constatações (possibilidades e limites). Os resultados e as ações propostas pretendem sinalizar caminhos para o enfrentamento de novos desafios, desejando mudanças significativas na educação da classe que vive do trabalho, visto que, é papel fundamental da escola a construção e a 5 Em uma das Escolas pioneiras (Presidente Médici em João Pessoa não foi possível realizarmos o intercâmbio). Benedita Ferreira Arnaud 1643 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba busca constante da possível integração do mundo da cultura com o mundo do trabalho por meio da articulação plena entre formação geral e profissional, com orientações que levem o aluno-trabalhador à compreensão da sociedade, possibilitando-o buscar seus direitos e cada vez mais uma educação menos desigual. Conforme Ciavatta (2005, p. 102) “a escola é uma instituição necessária, incapaz de mudar a sociedade desigual, mas é um recurso relevante para a compreensão dos fundamentos dessa desigualdade e para geração de uma nova institucionalidade”. 2.2. Limites e possibilidades na concretização do Currículo Integrado nas Escolas pioneiras pesquisadas Tomamos como referência a experiência das Escolas, Agrotécnica do Cajueiro (idealizadora do projeto) Campus IV da UEPB e Colégio Estadual Elpídio de Almeida – Campina Grande. A Escola Agrotécnica atende a modalidade de ensino médio integrado com o curso Técnico em Agropecuária, ministrado em tempo integral e organizado em três séries anuais, os alunos têm aulas da Base Nacional Comum e das disciplinas técnicas específicas. O curso tem a duração de 3 anos, com uma carga horária de 3.200 horas, das quais serão acrescidas mais 400 horas para o estágio obrigatório, funciona em dois turnos. No final do curso, será concedido o diploma com a Habilitação de Nível Médio em Agropecuária, “com as competências e habilidades previstas no perfil do aluno” (E.A.C., 2007), a serem desenvolvidas no decorrer de todo o processo de formação integrada nos níveis da Educação Básica e da Educação Profissional. A maioria dos alunos das Escolas mencionadas é do sexo masculino e apresenta idade entre 16 e 19 anos, residem nas cidade de funcionamento dos Cursos (Catolé do Rocha–Escola Agrotécnica; Campina Grande-Elpídio de Almeida). Em Catolé do Rocha, a maioria são oriundos da zona rural. Os motivos apontados pelos alunos com relação a opção pelo Ensino Médio Integrado foram: 52% declararam que a intenção de ingressar no curso era de prepararse para ingressar no mercado de trabalho na área específica da agropecuária; 30% pela oferta do Ensino profissionalizante. Outros declararam outros motivos tais como, a Benedita Ferreira Arnaud 1644 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba oferta de melhor ensino em relação às outras escolas (12%); preparar-se para o vestibular e em atendimento ao apelo da mãe (3%) respectivamente. Os benefícios do Curso apontados pelos alunos foram: “Bom para o ingresso no mercado de trabalho; significa concluir o ensino médio e concluir também um ensino técnico; o curso nos garante uma profissão; contribui para o melhoramento dos conhecimentos nesta área; ampliação sobre as áreas que nos interessam”. A tentativa de uma integração entre formação geral e a profissional segundo Frigotto, Ciavatta, Ramos, (2005, p. 44): [...] é aquela possível e necessário em uma realidade conjunturalmente desfavorável - em que os filhos dos trabalhadores precisam obter uma profissão ainda no nível médio, não podendo adiar este projeto para o nível superior de ensino- mas que potencialize mudanças para, superando-se essa conjuntura, constituirse em uma educação que contenha elementos de uma sociedade justa. Quanto às condições estruturais do curso os alunos das duas escolas foram unânimes em afirmar que a estrutura física necessita de melhoras. Não há investimentos pelo estado, e locais adequados para a realização das aulas práticas. Em termos legais o Decreto 5.154/2004 permitiu a abertura e o estímulo à formação integrada, na prática, essa integração requer escolas bem equipadas, com boa estrutura, laboratórios, bibliotecas, bem como professores e demais profissionais preparados e em constante formação e, sobretudo, garantia de financiamento, pois a falta de recursos dificulta o funcionamento dos cursos em dois turnos. Quanto à articulação prevista no § 1º do Decreto 5.154/2004, poderá acontecer de três formas: integrada, concomitante e subseqüente. Destaca-se, como ponto relevante do Decreto, a forma integrada. Esse é o aspecto a ser levado em consideração na construção dos currículos, visando a uma formação sólida de conhecimentos científicos, integrados e inter-relacionados a conhecimentos tecnológicos. Sobre o que os alunos sabem a respeito do Ensino Médio integrado a Educação Profissional, ou o que significa para eles a integração curricular, estes, emitiram as seguintes respostas: “Significa a junção/associação entre as matérias; é o ensino que integra as matérias uma com as outras.” Outros posicionamentos que não atendem ao questionamento formulado foram emitidos. Benedita Ferreira Arnaud 1645 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba Quanto a concretização do currículo Integrado nas escolas pesquisadas, a maioria (22%), dos alunos declararam encontrar dificuldade, justificando o número de disciplinas e a exigência de “muitas provas”. Apontaram as dificuldades enfrentadas no curso, tais como: adaptação de horários, manhã e tarde e tempo disponível para estudar. Quanto a Integração curricular segundo os alunos: “é boa, pois os professores não ficam repetindo o mesmo assunto; há melhor rendimento entre as matérias”. O ensino médio integrado ao profissional não se limita ao acréscimo de disciplinas técnicas à grade do ensino médio, prevê uma compreensão global do conhecimento e a promoção da interdisciplinaridade. Para Santomé (1998) “a interdisciplinaridade é fundamentalmente um processo e uma filosofia de trabalho que entra em ação na hora de enfrentar os problemas e questões que preocupam em cada sociedade”. Para o autor “não existe apenas um processo, nem uma linha rígida de ações a seguir, existe alguns passos que costumam estar presentes em qualquer intervenção interdisciplinar.”. Embora os professores não tenham sido contemplados neste estudo, mas como parte integrante deste cenário6 é evidente a preocupação dos professores em “vencer os conteúdos”, necessários para o vestibular. De maneira geral, dizem que não há um trabalho integrado entre as disciplinas técnicas e a base nacional comum, no entanto, reconhecem a necessidade da integração entre as várias áreas do conhecimento e da realização de um trabalho interdisciplinar. Embora a proposta de integração curricular objetive a implantação de uma concepção de currículo e ensino que permita a formação profissional em nível médio e que o aluno possa fazê-la de forma integrada ao Ensino Médio, em um mesmo currículo, garantindo uma formação omnilateral, estão subjacentes as noções de competência e empregabilidade com vistas à adequação do trabalhador às demandas da chamada produção flexível, pois o currículo por competências proposto, embora apresente uma idéia de integração, enfatiza a mobilização de saberes - competências necessárias para a resolução eficaz dos problemas surgidos no processo produtivo e para o exercício de atividades profissionais. Percebe-se que a implantação do ensino médio integrado visa atender ao disposto no Decreto nº. 5.154/2004, sem uma perspectiva de confrontamento com a 6 A pesquisadora é professora da Instituição e leciona nesta modalidade de Ensino desde o início de sua implantação. Benedita Ferreira Arnaud 1646 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba pedagogia das competências e de enfretamento das forças empresariais que definem a política da educação profissional brasileira. Essa proposta, segundo Meszáros (2005) cai na tentação dos reparos institucionais formais, aprisionando-se no círculo vicioso institucionalmente articulado à lógica do capital. CONCLUSÕES PRELIMINARES Diante do exposto convém ressaltar que a integração entre o ensino médio e o ensino técnico deve pautar-se na perspectiva da escola unitária apontada por Gramsci, o que requer uma educação geral que se torne parte inseparável da educação profissional, e que o trabalho seja o princípio educativo na perspectiva de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, para formar, na expressão de Gramsci, homens que possam atuar como dirigentes e não apenas como dirigidos. O estabelecimento de um processo de mudança de práticas organizacionais, pedagógicas e, principalmente, de concepção de currículo e ensino, que, por sua vez, demandam recursos financeiros. O mais importante, porém, é o fortalecimento dos fundamentos teóricos e metodológicos que defendem a articulação entre a formação geral e a formação técnica e que proporcione aos jovens a possibilidade de lutar pelos espaços no mundo do trabalho. A integração curricular passa a ser um desafio político-pedagógico, deve ser um exercício diário e requer por parte da escola compreensão dos seus fundamentos teóricos. É preciso acima de tudo superar a visão fragmentada e pensar cada disciplina na relação com as outras. Nas Escolas tidas como referência a integração curricular entre as diversas disciplinas é pequena, os professores têm consciência de que as disciplinas devem se complementar, porém são apegados ao seu conteúdo, sentem-se comprometidos com o vestibular e com a empregabilidade e muitas vezes isolam suas disciplinas para não perder tempo. Ainda não há elementos que possam permitir uma análise aprofundada sobre as experiências apresentadas, no entanto, acreditamos que o que foi apresentado servirá como subsídios aos órgãos oficiais, quais sejam: Secretaria de Educação do Estado, UEPB, e instâncias formadoras de políticas educacionais nesta modalidade de Ensino, no sentido de possibilitar a melhoria do Curso modalidade Ensino Médio Integrado no sentido de sanar dificuldades e fortalecer pontos fortes. Benedita Ferreira Arnaud 1647 Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Limites e Possibilidades na Concretização do Currículo Integrado nas Escolas Pioneiras do Estado da Paraíba REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto nº 2.208, de 17 de abril de1997. Regulamenta o § do art. 36 e os artigos 9 a 42 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. In.:_____ Educação Profissional: referenciais curriculares nacionais da educação profissional de nível técnico/ Ministério da Educação. – Brasília: MEC, 2000. _____. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os art. 39 a 41 da Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. In.: _____ Educação Profissional e Tecnológica: Legislação básica. 6. ed. Brasília: Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, 2005. _____. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5692.htm. Acesso em 20/03/07. ESCOLA AGROTÉCNICA DO CAJUEIRO. Projeto Pedagógico – Ensino Médio Integrado Habilitação em Agropecuária. FRIGOTTO, G.; CIAVATTA. Subisídios para o retorno às contribuições das instituições da sociedade civil e política na construção da versão final da minuta do decreto que revoga e substitui o Decreto Lei 2.208/97. Rio de Janeiro, 2004. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura. 2ª ed. Rio de Janeiro-RJ: Civilização Brasileira, 1978. KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino de 2º grau: o trabalho como princípio educativo. São Paulo: Cortez, 1988. MEZÀROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. NOSELLA, P. Trabalho e Educação. In: GOMEZ, C.M. et al. Trabalho e conhecimento: Dilemas na educação do trabalhador. São Paulo. Cortez/Autores Associados, 1995. RAMOS, Marise Nogueira. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. In: Ensino médio integrado: concepções e contradições. FRIGOTTO, G., CIAVATTA, M., RAMOS, M. (orgs). São Paulo: Cortez, 2005. SANTOMÉ, J. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 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Benedita Ferreira Arnaud 1649 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” EDUCAÇÃO E MÍDIA: ESPAÇOS HEGEMÔNICOS, ESPAÇOS DE SABER E COMPLEMENTARIEDADE Betânia Moreira dos Santos JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade EDUCAÇÃO E MÍDIA: ESPAÇOS HEGEMÔNICOS, ESPAÇOS DE SABER E COMPLEMENTARIDADE Betânia Moreira dos Santos1 RESUMO: Este artigo objetiva discutir o conceito gramsciano de hegemonia, na perspectiva cultural, ante a dualidade: domínio/emancipação dos meios de comunicação de massa, com foco na mídia televisiva. Aponta caminhos para a superação dessa dicotomia e vislumbra uma dimensão educativa, enquanto assinala alguns problemas que a educação deve superar, no sentido da desmistificação do uso ideológico da mídia pela classe que detém os meios de comunicação de massa: a classe dirigente. A temática é analisada à luz da vertente marxista, neomarxista e crítica, e conclui-se com o pragmatismo de Dewey. Reflete sobre questões que devem ser levadas em conta na pesquisa científica, ainda que não tenha a pretensão de ser uma descrição acurada do estado da arte na área. PALAVRAS-CHAVE: Educação Crítica. Emancipação. Hegemonia. comunicação de massa. Sociedade. Meios de Platão perguntou: como é possível que saibamos tanto, com tão pouca informação. E Orwell parafraseou – Como é possível que saibamos tão pouco, com tanta informação. Pois toda esta informação é como areia nos olhos, nos impede de ver e de saber. (CHOMSKY citado por GARCIA, 1996)2 1 INTRODUÇÃO Os primeiros esforços dedicados a compreensão sobre o conflito existente entre Escola e Meios de Comunicação de Massa, vêm, no nosso caso, desde 1 Pedagoga. Especialista em Gestão e Planejamento do Ensino e Aprendizagem. Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. 2 Entrevista concedida às professoras Regina Leite Garcia e Célia Linhares no Massachusetts Institute of Tecnology (MIT, Boston). Betânia Moreira dos Santos 1653 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade 1999. Assim, já nessa época, tentávamos, em pesquisas relacionadas à mídia, entender o desafio que os meios de comunicação3 têm representado para a Escola, assinalando que a compreensão desses meios é importante não só para a Escola, mas para a sociedade em geral. É importante para a cultura, para a Educação e para a comunicação porque representa uma problemática típica do mundo contemporâneo. De acordo com Don DeLillo (1987, p. 69), autor do romance Ruído branco, "para a maioria das pessoas, só existem dois lugares no mundo: o lugar onde elas vivem e a televisão". A frase da personagem sintetiza a presença da mídia – que a televisão simboliza, na qualidade de meio dominante – no mundo contemporâneo. Estamos tão imersos no discurso midiático que, muitas vezes, nem percebemos a extensão de sua presença. Mas, quando paramos para refletir, verificamos que o impacto da mídia é perceptível em todas as esferas de nossa vida cotidiana. Já o advento da imprensa diária, no século XVIII, fez da leitura dos jornais um novo ritual, sobretudo para as camadas urbanas mais cultas. No século XX, o rádio e, em seguida, a televisão alteraram toda nossa gestão do tempo, seja pelo surgimento da simultaneidade da informação, seja pela adequação da rotina à emissão dos programas. Na virada para o século XXI, nas sociedades urbanas, o consumo de mídia era uma das duas maiores categorias de dispêndio de tempo, atrás apenas do trabalho (CASTELLS, 1999, p. 358). Ainda mais significativa do que o aumento do tempo dedicado ao consumo da mídia é a ampliação exponencial da quantidade de informações de que cada indivíduo dispõe, para além de seu círculo de convívio direto. Hoje, estamos expostos a todo tipo de informação: fatos da economia e da política, publicidade comercial, fofocas, notícias de divulgação científica – em uma quantidade antes inimaginável. Segundo Douglas Kellner 4 (2001), as tecnologias, como a mídia, por exemplo, estão 3 Termos derivados da Comunicação; Mídia e Meio são geralmente confundidos pelas pessoas que não tem informação na área. Segundo o Panopticon (e-zine mensal aliado a um portal com notícias diárias), Mídia é o plural e Meio é o singular. Por exemplo: a televisão é um meio de massa, enquanto televisão, jornais, rádio, World Wide Web, etc, formam a mídia de massas. Meio é um tipo de canal ou comunicação entre duas pessoas ou mais. Meio de massa é quando esse tipo de comunicação envolve muitas pessoas. E quando essa comunicação é feita por um conjunto de meios, temos a mídia de massas. 4 Douglas Kellner: Teórico americano dos Estudos da Cultura e autor de livros também reveladores sobre o estreitamento das relações entre a indústria fonográfica de Hollywood e a classe dominante norteamericana em tempos de crise política e social. Seus livros, como Cultura da Mídia e Câmera Política dissecam o modo como o governo americano sempre se utiliza de produções de Hollywood para mobilizar a opinião pública a apoiar futuras decisões de sua política, tanto na esfera nacional quanto no Betânia Moreira dos Santos 1654 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade criando grandes mudanças sociais e exaltando, ao extremo o beneficio da sociedade comunicacional, onde se supõe que os indivíduos consigam informações e entretenimento a seu dispor, insiram-se em novas situações interativas e até mesmo criem novas identidades (cultura mídiática). Por outro lado, ele argumenta que sua realidade enquanto integrante das mais avançadas forças de produção cria uma nova sociedade capitalista global – sociedade do consumo – a qual pode reforçar as relações capitalistas de produção e hegemonia. Contraditoriamente, essas tecnologias também contêm potencial para democratizar, humanizar e transformar as desigualdades existentes no domínio de classe, raça e gênero. Diante disso Kellner (2001) afirma: Como a maioria das tecnologias, estas podem ser usadas como instrumentos de domínio ou de emancipação, podem fortalecer os trabalhadores ou podem ser usadas pelo capital como poderosos instrumentos de dominação. 2 OPERACIONALIZANDO CONCEITOS... Aqui resgataremos o conceito de hegemonia uma vez que também está presente no cotidiano das pessoas, verificando-se igualmente na cultura. Inicialmente empregado por Lênin, com relação à função dirigente da classe operária, na "Revolução Democrático-Burguesa", em 1905, o conceito de hegemonia foi, mais tarde, (re) elaborado por Gramsci (1991, p. 28), que o configurou como processo permeado pelo consenso e a orientação cultural nos quais não prevalece o uso da coerção, da força ou da ingerência "[...] legislativa e estatal ou policial". O conceito gramsciano de hegemonia é um ponto de partida no entendimento de que o sentido não é imposto, mas negociado. Esclarece, ainda, a instância a partir da qual se dá o exercício da hegemonia, ao salientar a existência de dois patamares superestruturais: "sociedade civil", conjunto âmbito de sua política externa. Recomendamos, como aprofundamento desse estudo, o livro Cultura da Mídia, lançado no Brasil pela EDUSC. Betânia Moreira dos Santos 1655 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade formado pelos organismos denominados privados, e "sociedade política ou Estado". Ambos "[...] correspondem à função de 'hegemonia' que o grupo dominante exerce em toda sociedade e àquela de 'domínio direto' ou de comando que se expressa no Estado e no governo 'jurídico'. Tais funções configuram-se organizativas e conectivas" (Gramsci, 1995, p. 10-11). A hegemonia, não se restringindo aos limites da nação, caracteriza-se obrigatoriamente por uma ação pedagógica possuidora, em seu princípio teórico-prático, de valor gnoseológico. Isso porque a concretização de um "[...] aparato hegemônico, enquanto cria um novo terreno ideológico, determina uma reforma das consciências e dos métodos de conhecimento, é um fato de conhecimento, um fato filosófico" (Gramsci, 1991, p. 52). A capacidade de conhecimento crítico de si mesmo é alcançada a partir de entrechoques de "hegemonias" diferenciadas inicialmente no campo da ética e, posteriormente, no da política, "[...] atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real". Dessa forma, o progresso do conceito político de hegemonia não se circunscreve somente ao aperfeiçoamento político-prático, mas significa, ainda, um avanço no terreno filosófico, já que envolve "[...] uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro dos limites ainda restritos" (ib. idem p. 21). Martín Barbero (1884, p. 84-85) levanta a questão da hegemonia, apontando o caminho que conduz o interesse das ciências sociais críticas pela obra de Gramsci: Está, em primeiro lugar, o conceito de hegemonia elaborado por Gramsci, fazendo possível pensar o processo de dominação social já não como imposição desde um exterior e sem sujeitos, senão como um processo em que uma classe hegemoniza na medida em que representa interesses que também reconhecem de alguma maneira como seus as classes subalternas. E ‘na medida’ significa aqui que não há hegemonia, senão que ela se faz e desfaz permanentemente em um ‘processo vivido’, feito não só de força, senão também de sentido, de apropriação do sentido pelo poder, de sedução e de cumplicidade. Esse conceito chave, tanto difunde ideologia para a classe que não é a dirigente, como é a responsável pela "estrutura ideológica" da classe dirigente, que Betânia Moreira dos Santos 1656 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade inclui também os meios de comunicação e outros instrumentos que possam influenciar a “opinião pública". Só que as ações hegemônicas não são tão uniformes quanto possa parecer. Hegemonia é também a capacidade de assimilar traços de outras culturas, sejam elas populares, locais ou alternativas em geral. A cultura hegemônica acaba incorporando os traços dessas outras culturas. Esse processo de assimilação é um dos responsáveis pela constante identificação que os produtos das “Indústrias Culturais” 5 obtêm junto ao público. No jogo das mediações, cria-se e recria-se a hegemonia cultural. O conceito de hegemonia serve para descobrir-se que a cultura massiva abriga, em seu interior, manifestações culturais populares, tradicionais e locais. A televisão por vezes colabora firmemente, através da divulgação, para que um determinado evento de origem popular obtenha sucesso, ou para que culturas nãohegemônicas encontrem possibilidade de divulgação e, a partir daí, de melhor compreensão. A telenovela "Explode Coração", exibida entre 1995/6, pela Rede Globo de Televisão, no horário das 20 horas e 40 minutos, desempenhou um papel muito relevante na divulgação da cultura cigana, como admitem os próprios ciganos. Com base no exposto, e identificando-se a comunicação como produtora de cultura, pode-se classificar a produção cultural dos meios de comunicação, notadamente a mídia televisiva, como não somente ataque ao que haveria de mais puro, mas também de incorporação dos valores culturais populares. 3 ...QUE SE ARTICULAM EM BUSCA DA COMPREENSÃO DOS ESPAÇOS DE DUALIDADE DA MÍDIA... 5 Adorno & Horkheimer (1985), em “Dialética do Esclarecimento”, usaram o conceito “indústria cultural”, em lugar de “cultura de massas”, uma vez que esse último pode levar a uma idéia equivocada de uma cultura espontaneamente popular. Já o conceito de indústria cultural significa uma forma de mercantilização da cultura de forma vertical, autoritária, que procura adaptar as mercadorias culturais às massas e as massas a essas mercadorias. Cabe lembrar também que a categoria “massas” significa a homogeneização das classes sociais; o processo de massificação atinge todas as classes. Dessa forma, por exemplo, tanto indivíduos das classes mais altas quando das classes mais baixas são seduzidos pela indústria cultural. Com a indústria cultural, essas classes, objetivamente, se mostram distantes, mas, subjetivamente, se apresentam muito próximas. Betânia Moreira dos Santos 1657 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade De acordo com Adorno e Horkheimer (1985, p. 114), fundadores da Escola de Frankfurt (Teoria Crítica): O terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada em si mesma. Segundo esse paradigma teórico, a mídia enquanto técnica está inserida na lógica da racionalidade enquanto dominação. Para esses autores, é difícil escapar dessa racionalidade instrumental, técnica, onde os meios estão acima dos fins. Os neomarxistas, por sua vez, não são menos pessimistas. Chesneaux (1995), analisando as tecnologias que compõem a mídia sob a ótica da modernidade-mundo pensa que as mesmas guardam uma estreita associação com o poder político e o lucro capitalista. Chomsky (1998) julga que a mídia fabrica o consenso. Se você, como diz Chomsky, não pode forçar as pessoas a obedecerem a um regime à força (como fazia a ex União Soviética e outras ditaduras no mundo), então você lança mão de propagandas que garantam que as pessoas concordarão com a ordem que os grupos estão impondo à sociedade. Ao analisar as tecnologias de comunicação e informação, Ilan Gur-Ze'ev (2000) as coloca num âmbito de limitações e de possibilidades. Tanto como uma máquina de prazer pós-moderna que visa à reprodução da dominação capitalista em sua fase globalizada e auto-controlada, como a possibilidade do imprevisível e do incontrolável. Essa possibilidade faz com que os sujeitos ressuscitem o que é esquecido ou desconstruído pelo meio: o eros, a reflexão, a transcendência e a ética em um diálogo historicamente situado. Segundo ele (2000): O diálogo é o campo em que a luta pela reflexão como possibilidade aberta pode acontecer. Dentro dele, a alteridade do Outro - "interno" ou "externo" como uma reflexão do infinito e abertura ao ser permite a realização da transcendência no exato momento. A Utopia negativa como uma busca positiva combate em circunstâncias concretas e abre a possibilidade de um momento especial de intersubjetividade não-violenta. Essa intersubjetividade não-violenta envolve reconhecer a diferença, a diferença total e, portanto, é um combate, não uma celebração de machos brancos, racionais e de classes dominantes como é usualmente concebida no Esclarecimento tradicional. Eis porque a contra-educação só pode atuar dentro dos horizontes de um diálogo. Betânia Moreira dos Santos 1658 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade Ele ainda adverte que a realização do “espírito crítico” não está garantida, dado que "o sujeito assim como o diálogo não são hoje mais do que uma Utopia" (ib.idem). Diante disso, a relação entre a Educação e Mídia está no limite do atentado contra a existência do ser humano enquanto sujeito, como nos diz Ilan GurZe'ev: um ser com dor, sentimentos, paixões e eros. E para emancipar essa realidade da opressão capitalista a educação pode vir a ter um papel estratégico, já que no atual processo civilizatório a tecnologia se apresenta como muito sedutoramente. Como conseguiremos, então nos emancipar? 4 ...E QUE APONTAM CAMINHOS PARA SUPERAÇÃO DA CONTRADIÇÃO E PARA CONSTRUÇÃO DE NOVOS SABERES. A perspectiva da utilização dos meios de comunicação de forma políticopedagógica crítica ainda é utopia na formação docente. Ao invés disso, sua utilização ainda é reacionária/conservadora para a grande maioria da população, tendo em vista a incipiência e o descomprometimento dos educadores com a democracia desses meios. E ainda, a péssima remuneração dos professores, suas duvidosas formações, políticas públicas em desencontro com a educação são também indícios de que esse fenômeno do descomprometimento com a educação não é um fenômeno típico regional, mas um fenômeno nacional. Gramsci também salientava esse descomprometimento "amesquinhado" dos educadores: É este o fundamento da escola elementar; que ele tenha dado todos os seus frutos, que no corpo de professores tenha existido a consciência de seu dever e do conteúdo filosófico deste dever, é um outro problema, ligado à crítica do grau de consciência civil de toda uma nação, da qual o corpo docente é tãosomente uma expressão, ainda que amesquinhada, e não certamente uma vanguarda (1995, p.131). Tendo em vista a superação da dualidade do ato educativo, não compactuamos com a visão pessimista nem catastrofista de filosofia da história. Concordamos com Castells (1999, p. 437) quando afirma: Betânia Moreira dos Santos 1659 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade O sonho do Iluminismo está a nosso alcance. Todavia, há enorme defasagem entre nosso desenvolvimento tecnológico e o subdesenvolvimento social. Nossa economia, sociedade e cultura são construídas com base em interesses, valores, instituições e sistemas de representação que, em termos gerais, limitam a criatividade coletiva, confiscam a tecnologia da informação e desviam nossa energia para o confronto auto-destrutivo. Essa situação não é definitiva. Não há mal eterno na natureza humana. Não existe nada que não possa ser mudado por ação social consciente e intencional, munida de informação e apoiada na legitimidade. E essa ação consciente e intencional, para Kellner (2001) estaria na educação. Para ele, nesse período de dramáticas mudanças tecnológicas e sociais, a educação precisa cultivar uma variedade de novos tipos de alfabetizações 6 para tornar a educação relevante às demandas de um novo milênio. Assim ele afirma: Tenho como pressuposto que as novas tecnologias estão alterando todos aspectos de nossa sociedade e cultura e que precisamos compreendê-las e utilizá-las tanto para entender quanto para transformar nossos mundos. Meu objetivo é introduzir novas alfabetizações para dar força a indivíduos e grupos que tradicionalmente têm sido excluídos e, desse modo, reconstruir a educação tornando-a capaz de reagir melhor frente aos desafios de uma sociedade democrática e multicultural. No entanto, a despeito da ubiqüidade da cultura midiática na sociedade contemporânea e na vida de todos os dias, ele argumenta que até agora nada se fez ou se desenvolveu a respeito da educação midiática no sistema escolar. Para Kellner, fazer alfabetização crítica da mídia seria um projeto que estimularia a participação e o trabalho conjunto de pais, filhos, educadores. Ele cita como exemplo o assistir a shows de televisão ou a filmes juntos. Isso poderia promover discussões produtivas entre os assistentes, aguçando-lhes a percepção e a crítica do que está "por trás" do texto mediático. Para Kellner (2001): A alfabetização midiática, assim, envolve o desenvolvimento de concepções interpretativas e críticas. Engajar-se no levantamento e avaliação de textos midiáticos é particularmente desafiador e abarca uma discussão cuidadosa de critérios críticos especificamente morais, pedagógicos, políticos ou estéticos. 6 Aqui se refere a uma extensão diferenciada de alfabetizações sociais e culturais, que vão desde a alfabetização tecnológica até a eco-alfabetização e a alfabetização econômica e financeira. Betânia Moreira dos Santos 1660 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade E mais adiante: Mas a alfabetização midiática crítica envolve ocupar uma posição acima da dicotomia de protetor e censor. Pode-se ensinar como a cultura midiática fornece afirmativas ou insights significativos sobre o mundo social, fortalecendo visões de gênero, raça e classe ou estruturas e práticas estéticas complexas, girando a um ponto positivo sobre como trazer contribuições importantes à educação. No entanto, deve-se indicar também como a cultura midiática pode estimular o sexismo, o racismo, o etnocentrismo, a homofobia e outras formas de preconceitos, numa abordagem dialética ao mostrar como a mídia pode trazer falsas informações, ideologias problemáticas e valores questionáveis. Citando as idéias de Freire e Macedo (2002), argumentamos que a pedagogia crítica compreende as habilidades, tanto de ler a palavra, quanto de ler o mundo. Por isso, as alfabetizações múltiplas, dentre outras, devem incluir a mídia, e uma variedade de outras competências que nos possibilitam a viver bem em nossos mundos sociais. A guisa de conclusão recorremos novamente a Kellner (2001), nos seguintes termos: De maneira mais enfática, é tempo de assumir a atitude de Dewey de experimentação pragmática de ver o que as novas tecnologias podem e não podem fazer para ver se podem intensificar a educação. Mas também teremos que suplantar o exagero, mantendo uma atitude e uma pedagogia crítica enquanto continuamos a combinar a alfabetização e os conteúdos clássicos com as novas alfabetizações e conteúdos. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabemos que deixamos de lado o aprofundamento dos porquês que ocorrem essa dualidade ou mesmo diferenças e procuramos seguir o bom senso, afinal, é bom senso não ser extremista – ou giz ou tecnologias. Pensamos que um discurso contra os meios de comunicação de massa é deveras improdutivo para o sistema educativo que vislumbre uma perspectiva emancipatória. Então, como educar para emancipar numa sociedade autoritária que usa a mídia, para fabricar novos consensos e impor o totalitarismo ocidental? O cinema é considerado arte. Existe até o cinema comercial, mas que também é cinema arte. A televisão ainda não. Para os visionários maniqueístas, a Betânia Moreira dos Santos 1661 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade comunicação da TV ainda é considerada puro comércio e não tem nada a ver com cultura. Trata-se de uma mercadoria vulgar, que só pode ser combatida, que não merece nem ser compreendida, porque seus proprietários têm muito lucro, considerado o verdadeiro estigma que cerca a indústria cultural. A Escola conseqüente do nosso processo civilizatório já incutiu neles que a mídia televisiva é um mal a ser evitado, aparecendo aí nitidamente à primeira parte de um trabalho diretamente relacionado com a prática pedagógica do professor, pois é a Escola que está formando os alunos nessa atitude de recusa de um meio formadora de cultura, ao invés de procurar conhecê-la para poder criticá-la. Mas o que acontece nas instituições formadoras? A incompreensão e a intolerância transparecem quando o trabalho pedagógico é descompromissado para com a comunicação televisiva, seja de entretenimento, seja de informação. Também estamos formando alunos com uma profunda incompreensão e um profundo desconhecimento dessa “Indústria Cultural”. Como não conhecem essa realidade, qualquer produtor, qualquer secretário de Redação, qualquer editor pode fazer a cabeça do recém egresso. Se ele conhecesse essa mídia, poderia discutir, argumentar e até alterar. Só se pode mudar a partir de um conhecimento profundo dessa realidade que é simples apenas na aparência. Minha proposta é superar a dicotomia Escola/Meios de Comunicação de Massa, porque os meios de comunicação de massa não são os únicos inimigos das classes trabalhadoras e da sociedade brasileira. Eles reforçam uma dominação que começa na fábrica, no escritório, na Escola, na família, na Universidade. Eles são coadjuvantes importantes, mas são coadjuvantes. A dominação já existe na sociedade, mas eles são realmente um esforço e um impulso muito grandes. Em última instância recorremos a Silva (1980, p.45) para reafirmarmos a hegemonia das classes dominantes que detém os meios de comunicação de massa: “[...] que o produto simbólico veiculado pelos meios de comunicação de massa apresenta hegemonia ideológica burguesa, [...] ele está constantemente a distorcer a realidade e a tentar legitimar a ordem vigente e a ideologia dominante”. Acreditamos que isso não pode ser discutido, posto que é evidente. O que se faz urgente discutir é o nível dessa hegemonia, uma vez que fica difícil ignorar os meios de comunicação de massa quando eles atingem a opinião pública. Portanto, nosso Betânia Moreira dos Santos 1662 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade convite é para que a Escola aprenda a decifrar esses meios e a colocá-los a serviço de uma outra educação e de uma outra televisão. É preciso educar os alunos para não aceitarem esta televisão que aí está, porque esta não é a televisão. Mas é preciso antes estudar e conhecer os meios de comunicação de massa, aprender a interpretar suas mensagens na busca do sujeito autônomo e transformador do status-quo. Não garantimos que a educação voltada para desenvolver a competência da democracia e uso crítico dos meios irá criar um indivíduo melhor, como queriam Rousseau e Dewey. Contudo, ninguém garante que o contrário não ocorra. 6 REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1994. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra. 1999. CHESNEAUX, Jean. Modernidade-Mundo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1995. DELILLO, D. Ruído branco. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. FREIRE, Paulo & MACEDO, Donaldo. Alfabetização: Leitura do Mundo, Leitura da Palavra. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2002. GRAMSCI, Antonio. Cartas do cárcere. 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México : Gustavo Gilli, l987. Betânia Moreira dos Santos 1663 Educação e Mídia: Espaços Hegemônicos, Espaços de Saber e Complementaridade SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Cultura de Massa e Cultura Popular: Questões Para um Debate. (In) Comunicação e classes subalternas. (Org) José Marques de Melo. São Paulo: Cortez Editora, 1980. Betânia Moreira dos Santos 1664 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” OS ARTEFATOS COMPUTACIONAIS NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM SALA DE AULA Célia Regina Fortes da Silva JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula OS ARTEFATOS COMPUTACIONAIS NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM SALA DE AULA1 Célia Regina Fortes da Silva2 RESUMO: Esse artigo estabelece uma visão histórica-crítica sobre a relação das políticas de educação tecnológica e a produção dos saberes docentes diante do uso em sala de aula, de artefatos computacionais. Cenário este, embora com dois decênios, intensificado nos últimos anos em decorrência da disseminação de várias formas econômicas e pedagógicas de se atingir a cultura escolar, tendo como base o paradigma tecnoinformacional. Diante do fato, fundamenta-se o diálogo textual com Barreto (2004, 2009), Tura (2005), Tardif (2002, 2008) e documentos legais que orientam a inserção das tecnologias no currículo escolar. Constata-se que a contracultura à Tecnologia na cultura escolar encaminha a reprodução de velhas práticas educativas. Que o engajamento ocorre de forma híbrida, com as características de cada escola, com sinais hegemônicos de uma prática interescolar. Por fim, que a expansão dos artefatos computacionais nas escolas provoca o repensar a descentralização do saber elaborado, a aprendizagem como parte do processo de mudança social e a posição do professor no currículo escolar. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Computacionais, Saberes Docentes. Educacionais e de Tecnologias, Artefatos O Contexto pela Hegemonia Pensada na Política Educacional Em cumprimento ao que orienta a Constituição Federal de 1988, a última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9394, do Conselho Nacional de Educação promulgada em 1996, promoveu o reordenamento dos sistemas de ensino do país e orienta a educação escolar e suas tecnologias. A educação escolar por meio do ensino em instituições próprias e seu vínculo ao mundo do trabalho e à prática social, tem o seu papel definido por Brzezinski (2000, p. 153), como um indicativo de qualidade, ao considerá-la como: 1 O presente trabalho apresenta algumas das idéias discutidas no projeto de dissertação intitulado “Uma análise das práticas docentes de matemática com o uso de artefatos computacionais” que está sendo atualmente desenvolvido pela primeira autora sob a orientação da segunda autora. 2 Bacharel e Licenciada em - UFPE. Especialista em Ciência da Computação - CIN/UFPE. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática - PPGEC – DEd UFRPE. Célia Regina Fortes da Silva 1668 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula [...] essencial na aquisição de conhecimento e é requisito necessário para prover o homem de condições de participação na vida social, permitindo-lhe o acesso à cultura, ao trabalho, ao progresso, à cidadania na atual fase de desenvolvimento da sociedade da informação e do conhecimento emergente no contexto da revolução tecnológica e da globalização do capital e do trabalho. Considera-se, portanto, neste artigo, que estamos diante de questões da tradição pedagógica em suas diversas formas e, a inovação na cultura tecnológica, pensada no professor como produtor de saberes na prática docente. Isso representa um conflito na educação, uma vez que se reconhece o professor como produtor de conhecimento na prática. Ainda, destacam-se os projetos federais e locais de tecnologia como orientadores de uma prática com os artefatos computacionais, como exemplo o PROINFO, diante da diversidade de compreensões conforme a cultura de cada docente e da comunidade escolar. Em documento oficial, as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCN, 2006, v.2, p. 5), o Ministério da Educação e Cultura - MEC define que: A qualidade da escola é condição essencial de inclusão e democratização das oportunidades no Brasil, e o desafio de oferecer uma educação básica de qualidade para a inserção do aluno, o desenvolvimento do país e a consolidação da cidadania é tarefa de todos. A mesma orientação propõe que: A institucionalização do ensino médio integrado à educação profissional rompeu com a dualidade que historicamente separou os estudos preparatórios para a educação superior da formação profissional no Brasil e deverá contribuir com a melhoria da qualidade nessa etapa final da educação básica. (ibidem) Esses posicionamentos refletem a preocupação das autoridades educacionais em elevar os patamares de qualidade de ensino, de forma a atender aos anseios da sociedade contemporânea e a superar os índices do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, Programa de Avaliação do MEC, censo 2006, em publicações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (2008). Em 2008, o MEC lançou um Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), com o objetivo de alcançar uma educação básica de qualidade que reduza as desigualdades sociais e regionais e se traduza na equalização das oportunidades de Célia Regina Fortes da Silva 1669 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula acesso a essa educação (2008, p. 6), com a valorização do profissional do ensino, numa ampla discussão em sociedade. A primeira dimensão é uma retrospectiva histórica das visões políticas e educacionais da escola, com uma abordagem de sua função ao longo da sua atuação na sociedade diante das mudanças tecnológicas na ação docente. A outra dimensão é o debate sobre a formação docente para a atualidade, no qual se exige um profissional que construa as habilidades e competências necessárias a sua atuação neste tempo, analisando sua própria prática em terreno de contínuas mudanças pedagógicas intensificadas pelo uso dos artefatos computacionais. A última dimensão do estudo é a inserção do debate político e educacional sobre as tecnologias informatizadas na educação escolar, a ser discutida com o foco sobre os desafios dos artefatos computacionais na prática docente e da cibercultura. O uso de tecnologias como recurso didático Falar de tecnologias remete a uma breve análise do impacto das novas tecnologias na vida cotidiana da humanidade, provocando efeitos positivos e negativos. Como nos diz Dias Sobrinho (2005, p. 46), As novas tecnologias de alguma forma alteraram os limites espaciais, mudaram os modos de organização econômica, estenderam e potencializaram as formas de relações humanas, enfim, transformaram as tradicionais percepções do mundo e as maneiras de agir sobre ele. Os avanços nas pesquisas e nas realizações científicas e tecnológicas fazem parte da cultura informática das sociedades, sendo divulgados em todos os segmentos de estudos, seja tecnológico ou biológico, seja em segurança ou medicina. Seja em qualquer área do conhecimento, promove opiniões divergentes quando o olhar volta-se às diferenças e aos problemas mundiais. Em específico, na matemática científica, as contribuições para a humanidade são relevantes, mas Borba (2006, p. 10) faz uma pequena discussão acerca da forma contundente em que D’Ambrósio mostra o “estado da Matemática acadêmica, que é desenvolvida enquanto pesquisa, por um lado, e as salas de aula do ensino fundamental, do ensino médio e do ensino universitário, por outro”. Esse é um aspecto relevante para Célia Regina Fortes da Silva 1670 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula refletir a formação docente para o ensino na Educação Básica, notadamente no ensino da matemática. Outro fator que merece atenção é a tecnologia que entra na escola. Esta deveria ser utilizada de forma educacional, a serviço da educação e não como modismo, que atenda as exigências docentes e pedagógicas. Usar a tecnologia não individualmente, mas colaborativa, interativa e dialogicamente, em grupo(s) de aprendizagem em torno de um saber. Aprendendo a ser crítico, e a conviver com as contradições no convívio escolar, e nas investigações do processo de ensino e de aprendizagem. As políticas públicas, após a promulgação da LDBEN 9394/96 que em seu art. 39 determina que “a educação profissional e tecnológica, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia”, incentivam o uso das tecnologias através dos PCN, e das OCN, mas sem que haja uma orientação pedagógica de como usá-las, com que finalidades e objetivos didáticos. Os PCN (1997, p. 34) de 1ª a 4ª série alertam para “[...] o fato de, neste final de século, estar emergindo um conhecimento por simulação, típico da cultura informática, faz com que o computador seja também visto como um recurso didático cada dia mais indispensável. (grifo nosso) O grifo nosso objetiva destacar a visão de possibilidade de recurso didático do computador no âmbito da Educação. Realmente é um desafio para a escola, usar o computador a serviço da educação como um recurso didático informático, que cumpra as premissas de promover uma aprendizagem construtiva ao educando, numa cultura informática e numa concepção de ensino sócio-construtivista. Ainda nessa perspectiva os PCN (1997, p. 35) complementam que, Tudo indica que seu caráter lógico-matemático pode ser um grande aliado do desenvolvimento cognitivo dos alunos, principalmente na medida em que ele permite um trabalho que obedece a distintos ritmos de aprendizagem. (grifo nosso) Isso traz como necessidade a incorporação de estudos nessa área, tanto na formação inicial como na formação continuada do professor do ensino fundamental, seja para poder usar amplamente suas possibilidades ou para conhecer e analisar softwares educacionais. Quanto aos softwares educacionais é fundamental que o professor aprenda a escolhê-los em função dos objetivos que pretende atingir e de sua própria concepção de conhecimento e de aprendizagem, distinguindo os que se prestam mais a um trabalho dirigido para testar conhecimentos dos que procuram levar o aluno a interagir com o programa de forma a construir conhecimento. (grifo nosso) Célia Regina Fortes da Silva 1671 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula O grifo nas citações visa chamar a atenção ao caráter de cautela e incerteza quando faz referência que o computador “pode ser um grande aliado ao desenvolvimento cognitivo dos alunos”, bem como a responsabilidade do professor pela escolha do software educacional a ser utilizado em sala de aula, baseado em “sua própria concepção de conhecimento e de aprendizagem”, para testar ou construir conhecimento. Escolha esta calcada em sua experiência e conhecimento no uso de softwares educativos, bem como nas transformações do saber a serem realizadas para torná-lo compreensível aos educandos. Os PCN (1998, p. 44-45) em particular de Matemática, de 5ª a 8ª série ainda complementa que: As experiências escolares com o computador também têm mostrado que seu uso efetivo pode levar ao estabelecimento de uma nova relação professoraluno, marcada por uma maior proximidade, interação e colaboração. Isso define uma nova visão do professor, que longe de considerar-se um profissional pronto, ao final de sua formação acadêmica, tem de continuar em formação permanente ao longo de sua vida profissional. (grifo nosso) A utilização de recursos como o computador e a calculadora pode contribuir para que o processo de ensino e aprendizagem de matemática se torne uma atividade experimental mais rica, sem riscos de impedir o desenvolvimento do pensamento, desde que os alunos sejam encorajados a desenvolver seus processos metacognitivos e sua capacidade crítica e o professor veja reconhecido e valorizado o papel fundamental que só ele pode desempenhar na criação, condução e aperfeiçoamento das situações de aprendizagem. (grifo nosso) O destaque realizado pretende realçar, mais uma vez, o cuidado ao usar o computador nas experiências escolares, para melhorar a relação professor–aluno em sala de aula, além do que a necessidade de uma formação profissional continuada que promova uma reciclagem de saberes e fazeres docentes. Ainda, ao professor é atribuída a responsabilidade pela “criação, condução e aperfeiçoamento das situações de aprendizagem” em Matemática nas salas de aula informatizadas, porém, nota-se que poucos profissionais do ensino preocupam-se em usar o software educativo como recurso didático informático, ou elaborar os conteúdos de um “saber a ensinar” aos recursos oferecidos pelo software educativo de maneira didática, tornando-os um “saber ensinado”. Célia Regina Fortes da Silva 1672 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula A esse respeito, as OCN de Ciências da Natureza, Matemática e Tecnologias (2006) para o ensino médio, quase 10 (dez) anos após a publicação dos PCNEM, faz referência à importância do desenvolvimento científico e tecnológico da Matemática, e ao uso da tecnologia como exemplo de recurso a ser utilizado, em particular dos softwares educacionais, que apesar de um grande aliado no desenvolvimento do educando, enseja a necessidade de estudos sobre a sua aplicabilidade na educação, para que o educador fundamente sua escolha por este ou aquele software educacional. Isto denota a necessidade de estudar como as tecnologias e os artefatos computacionais estão sendo utilizados na prática docente em sala de aula informatizada, com o uso dos softwares educativos; e, ainda, fundamentá-la nas teorias existentes da relação interativa entre do processo de ensino e de aprendizagem e o uso do computador como recurso didático. Uma discussão e pesquisa documental com foco na área de educação e tecnologia foi realizada pelo MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP (2006) que abrangeu a produção científica nacional, de teses, dissertações e artigos na área, no período de 1996 à 2002. Conforme o gráfico 01 se observa que em 1996, com a LDB 9394/96, tem início pesquisas sobre a incorporação das tecnologias na educação, tendo esse número crescido em 1997 e 1998, coincidentemente após os PCN. Esse levantamento foi realizado com base nos artigos publicados em revistas Qualis da Capes Nacional conceito “A”, e dissertações e teses dos programas de pósgraduação em educação com avaliação da Capes 4 e 5, ou 6 (tendo como escore máximo a nota maior). A região nordeste possui 16% das pesquisas no ranking nacional, conforme o gráfico 02 da publicação, série estado do conhecimento, do MEC (2006). A incorporação das tecnologias na educação, isto é, o uso dos artefatos computacionais e de softwares educativos (informática) na prática docente, também foi alvo dessa pesquisa do MEC-INEP (2006, p. 16) revelando que os trabalhos científicos de Teses e Dissertações – T & D privilegiam a informática. As pesquisas em forma de artigos contemplam os modos de incorporação das TIC na educação, as mídias de televisão e vídeo, e de informática, conforme o gráfico 3. Célia Regina Fortes da Silva 1673 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula Essa pesquisa com as tecnologias como recursos didáticos informáticos em sala de aula mostra que a informática ocupa um destaque. Porém os objetivos didáticos para a implementação desses recursos em sala de aula e o seu planejamento recaem sobre o docente que não tem na formação inicial para o ensino essa abordagem tecnológica. Desta forma as T&D privilegiam a discussão da necessidade da formação continuada docente para a incorporação das tecnologias no contexto escolar. A formação continuada para o uso dos artefatos computacionais e os softwares educativos deverá promover estudos e atividades teóricas e práticas que oportunizem aos docentes em atualização profissional conhecer a literatura sobre a informática educacional e os softwares educacionais, disponíveis na internet ou no mercado ou recomendados pelo MEC, que melhor atendam suas necessidades pedagógicas. Buscando integrar os recursos didáticos informáticos ao currículo produzindo práticas educacionais que facilitem a comunicação entre docentes e discentes em sala de aula. O uso dos artefatos computacionais e softwares educativos na escola, para Penteado (2000, p. 32) “requer do professor uma avaliação permanente dos procedimentos adotados e disponibilidade para o engajamento num processo contínuo de atualização”, para que “conheça softwares a serem utilizados no ensino de diferentes tópicos e que seja capaz de reorganizar a sequência de conteúdos e metodologias apropriadas para o trabalho com a tecnologia informática em uso” em sala de aula (ibid, p. 24). Assim a formação continuada é vista como um espaço de possibilidades para renovação da prática pedagógica com o uso de TIC, articulando teoria e prática de forma que os docentes sintam-se capazes de: (1) participar de discussões e debates do uso das TIC nas disciplinas; (2) operar os conteúdos específicos de saber com os artefatos computacionais com metodologia; (3) estabelecer critérios e escolher o software educativo que melhor atenda seus objetivos, e (4) articular a dimensão experiencial pessoal e profissional com o uso dos artefatos computacionais e softwares educativos, construindo os saberes didáticos informáticos. A formação continuada é um espaço continuum de percurso formativo, que além de promover um aperfeiçoamento e uma profissionalização docente, uma formação teórica e prática em informática educacional, também colabora para a construção de saberes docentes didáticos informáticos. Célia Regina Fortes da Silva 1674 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula Apesar das intenções das políticas públicas, a realidade profissional docente possui quadros diametralmente opostos, e, portanto há que refletir-se como se dará a inclusão digital diante da exclusão de tantos discentes e docentes. O uso do software educacional em sala de aula O MEC publicou o Guia de Tecnologias Educacionais (MEC/SAEB, 2008) com orientações aos sistemas de ensino sobre o acesso a tecnologias educacionais inovadoras, como uma ferramenta a mais que auxilie os profissionais da educação na decisão da aquisição de materiais e de tecnologias para uso nas escolas brasileiras de educação básica. Seus usos como recurso didático informático em sala de aula informatizada, com artefatos computacionais e ferramentas de softwares educativos, não possuem orientação didático-pedagógica aos docentes de como transformar ou construir um conhecimento específico pelos educandos, com o auxílio de tais recursos. A esse respeito às OCN (2006, p. 83) fazem referência a importância das transposições didáticas internas realizadas em sala de aula pelo professor, como: [...] o momento em que cada professor vai transformar os conteúdos que lhe foram designados em conhecimentos a serem efetivamente ensinados. Nesse momento, as escolhas feitas pelo professor é que vão determinar, de certa maneira, a qualidade da aprendizagem dos alunos. É nessa perspectiva que o docente deverá promover o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático nos problemas contextualizados, e a valorizar o uso das tecnologias no ensino da matemática para o ensino médio. Para isso o docente deverá mobilizar os saberes de sua formação e de suas experiências pessoais e profissionais para contextualizar os conhecimentos científicos às diversidades de contextos e cotidianos escolares. Ainda, as OCN (ibidem, p. 87) reconhecem que “é importante contemplar uma formação escolar nesses dois sentidos, ou seja, a matemática como ferramenta para entender a tecnologia, e a tecnologia como ferramenta para entender a matemática” e considera que “a matemática para a tecnologia, deve-se pensar na formação que capacita para o uso de calculadoras e planilhas eletrônicas, dois instrumentos de trabalho bastante corriqueiros nos dias de hoje” (grifo nosso). Célia Regina Fortes da Silva 1675 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula A sugestão de uso do software de planilhas eletrônicas pelas OCN, como instrumento de trabalho “corriqueiro” pelos docentes, merece uma pequena discussão a respeito. As planilhas eletrônicas são um software de computador que manipula tabelas eletrônicas onde a linguagem matemática utiliza expressões matemáticas, operadores e “palavras” reservadas às funções específicas, de acordo com a semântica utilizada no software diretamente na célula da planilha. Essa habilidade, apesar de semelhante à de uma calculadora, requer um certo conhecimento matemático, onde poucos são os profissionais da área de educação que possuem domínio para utilizar a planilha eletrônica em sala de aula como ferramenta didática nas aulas de Matemática, tendo em vista suas exigências específicas, e o grau de dificuldade para os educandos. Numa análise dos softwares sugeridos pelo Guia de Tecnologias Educacionais, publicado pelo MEC (2008), observa-se que muitos são softwares de domínio privado, isto é, desenvolvidos por uma empresa especializada e colocada a venda para sua utilização, representando custo para sua aquisição, seja por parte do docente ou da instituição escolar. Apesar de a internet possuir softwares livres para a comunidade virtual, nas várias áreas de conhecimento, sem nenhum custo financeiro para a sua utilização em sala de aula informatizada, esse aspecto não é referenciado, ou sequer sugerido. Isto inclusive nos parece paradoxal, já que tivemos a implantação do “Portal do Software Público” pelo Governo Federal, cujo Primeiro Encontro Nacional do Software Público Brasileiro3 será sediado em Brasília no final de outubro próximo, com o apoio do próprio MEC. Muitas propostas públicas sugerem o uso da tecnologia e dos artefatos computacionais, com cursos e sugestão de material didático-tecnológico, porém, poucas são as orientações de como usá-los de maneira educacional, com objetivos e planejamento didáticos-pedagógicos, demandando de uma formação continuada que venha a suprir essas deficiências e necessidades docentes no uso das TIC. Aliado a esse aspecto encontra-se o fato de que a formação superior também não promove a inclusão digital dos docentes em formação, para o uso das tecnologias em sala de aula informatizada. A esse respeito o decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, em seu artigo 3º, parágrafo IX institui que o objetivo da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica é “promover a atualização teórico3 http://www.softwarepublico.gov.br/i-encontro-spb Célia Regina Fortes da Silva 1676 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula metodológica nos processos de formação dos profissionais do magistério, inclusive no que se refere ao uso das tecnologias de comunicação e informação nos processos educativos”, integrando a Educação Básica com a formação inicial docente, reforçando “a formação continuada como prática escolar regular que responda às características culturais e sociais regionais” (parágrafo X). Sobre essa prerrogativa, Dias Sobrinho (2005, p. 61) afirma a importância da educação para além da escola e da família, alcançando e interferindo nos destinos da sociedade, quando alega que a “educação superior tem o difícil desafio de enfrentar as contradições da regulação e da autonomia” nos espaços “transnacionais dos sistemas globais e nas políticas públicas nacionais e institucionais, como nas esferas da subjetividade, isto é, na formação dos sujeitos”. Formar sujeitos aptos a demanda de mercado, nos variados setores do desenvolvimento da sociedade, capacitando professores em todos os níveis da educação para a função de formar cidadãos não é tarefa fácil. Exige uma ampla discussão e uma reflexão do que, para que e como fazer / realizar o processo de ensino e de aprendizagem que atenda as necessidades da sociedade de modo geral, eliminando as desigualdades. Na visão de Dias Sobrinho (2005, p.75) a sociedade do conhecimento, a pobreza e a exclusão têm relação com a carência “de conhecimento e desprovimento dos meios de aquisição de aprendizagens e informações” uma vez que conhecimento e informação “são instrumentos poderosos de desenvolvimento e de inclusão social”. A inclusão digital também pode ser vista como uma necessidade de inclusão social. Segundo a análise das pesquisas de Waiselfisz (2007, p. 15-16) sobre a utilização da internet pela população, somente uma pequena parte da população tem acesso a esta, uma vez que: [...] os números do país ainda ocultam profundas desigualdades regionais. Em um extremo, o Norte e o Nordeste, com 4,9% e 5,7% de sua população de 10 anos ou mais de idade com acesso à Internet no domicílio e 12% e 11,9% dessa mesma população usuária de Internet. Em outro extremo, as regiões Sudeste e Sul, com 20,8% e 18,6% de sua população de 10 anos ou mais de idade com Internet no domicílio e 26,3% e 25,6% dessa população usuária de Internet. Essa estatística revela a desigualdade digital e a classificação de “inforricos” ou “infopobres”, isto é, o alfabetismo e o analfabetismo digital, demandando de políticas Célia Regina Fortes da Silva 1677 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula públicas que diminuam essa diferença social e digital, e que promovam uma equidade educacional. Ao falar de educação tecnológica, surge a questão sobre os processos de resistência e de engajamento dos professores ao uso das tecnologias informatizadas. O professor não faz o que lhe orientam, mas como sabe fazer. Ao engajar-se, o faz como a capacidade de transgressão e de reelaborar uma situação de ensino com os artefatos computacionais. Observa-se um processo de enculturação, mais brando onde cada docente modifica sua prática construindo novos aprendizados com o uso das tecnologias informatizadas, mas também a aculturação pela socialização das práticas docentes entre as escolas de uma mesma comunidade. A sociabilidade híbrida aproxima os resistentes e os engajados, o daquela escola e o daquela outra, em que interatuam na formação em serviço. Como última discussão sobre o uso dos artefatos computacionais na Educação, conforme nos alerta Barreto (2004, 2009) na interlocução, utiliza-se diversos autores para traçar uma discussão sobre esse sentido hegemônico das TIC como “a” solução para os mais diversos problemas, no caráter messiânico, próximo ao religioso, do sentido de salvação da técnica do paradigma tecnoinformacional. A esse respeito Barreto (2009) citando Belloni (2001), Cysneiros (2001) e Pretto (2001) alerta que a incorporação das TIC, ou artefatos computacionais, na educação constitui-se em “novos formatos para estas, velhas concepções de ensino e aprendizagem, inscritas em um movimento de modernização conservadora ou, ainda, em condições específicas, instaurar diferenças qualitativas nas práticas pedagógicas”. A formação continuada deve proporcionar aos docentes uma oportunidade de atualização e profissionalização de suas práticas em sala de aula com os novos recursos didáticos informáticos, quebrando o “mito” de um “instrumento imprescindível” e poderoso ao fazer docente, do qual “conhecem quase nada sobre seu uso”, conforme afirma Penteado (2000, p. 29), e de suas potencialidades para o ensino. Penteado (1997, p. 73-74) cita que o mito desperta uma exigência para seu uso de “pessoas altamente qualificadas para manuseá-lo” provocando “medo do desconhecido, medo de mostrar incompetência perante os colegas, medo de danificar a máquina e causar prejuízos, medo de não conseguir desenvolver as competências em Célia Regina Fortes da Silva 1678 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula informática”. Os docentes que não tiveram em sua formação inicial os conhecimentos tecnológicos a serviço do fazer pedagógico enfrentam maior dificuldade. Tura (2005) diferencia uma trajetória das orientações pedagógicas das políticas de tecnologia à construção de um saber fazer nos Laboratórios de Informática nas escolas. Entretanto, se resiste às formas de destruição de um modo de fazer na tradição, um tipo hegemônico de cultura escolar. Defende-se a importância de uma formação em serviço que discuta e não imponha uma concepção hegemônica de um saber fazer instituído com as tecnologias no currículo, até mesmo pelo movimento, pela transitoriedade que se encontra hoje nos recursos disponíveis no ensino aprendizagem. Sobre essa necessidade emergente da sociedade contemporânea, Tardif (2002, p.36) cita que “[...] o novo surge e podem surgir do antigo exatamente porque o antigo é reatualizado constantemente por meio dos processos de aprendizagem”. Formações com base nos saberes e produção de saberes constituem, por conseguinte, dois pólos complementares e inseparáveis. O acesso às TIC na educação e os saberes produzidos pelos docentes em suas práticas de sala de aula com esses recursos didáticos informáticos necessitam ser estudados, pois influenciam a sua atuação profissional e criam uma cultura digital das práticas de ensino. Os docentes para isso necessitam re-construir suas práticas de ensino para o uso dos artefatos computacionais. O conhecimento, para Tardif (2008) não é pronto e acabado, a “profissionalização do ensino é considerar a formação profissional como um continuum” durante o exercício profissional docente. Os conhecimentos profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam de uma formação continuada. Ainda segundo o autor, a formação contínua é uma obrigação profissional, fazendo parte da evolução do exercício docente no processo de desenvolvimento e formação continuada de carreira de um profissional do ensino. Como autor e ator de sua formação, o docente ora é aprendiz ora formador, tendo que tomar decisões quanto aos programas, práticas de formação e sua formação contínua como fatores de êxito profissional. Essa é uma característica que deve ser valorizada e apoiada pelo sistema educativo como condição de profissionalização do ensino. Célia Regina Fortes da Silva 1679 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula A pesquisa realizada por Alves (2005, p. 42) revelou que a “formação continuada, tem sua importância e contribuição assinalada por ampliar o conhecimento e fornecer uma visão crítica aos professores-alunos”. Esse é um aspecto de relevância principalmente para aqueles docentes egressos de uma formação profissional inicial tradicional que não tiveram uma formação tecnológica. Considerações Finais O discurso político apresenta a tecnologia como inclusão digital, tornando-se um papel importante na educação em todos os níveis, para a formação de sujeitos e da cidadania, garantindo a eqüidade social. A perspectiva da educação de incorporar os artefatos computacionais, as ferramentas de software educativo, e outros recursos didáticos informáticos, para aumentar a eqüidade social com a inclusão digital, formando educandos para o mundo tecnológico, busca desenvolver uma visão crítica-reflexiva e uma capacidade avaliativa do que é realmente relevante, para que possa utilizar-se da tecnologia de forma educacional na competição da sociedade contemporânea. À educação superior cabe o desafio de atender as exigências de formação de profissionais e pesquisadores, reflexivos, críticos e criativos, produzindo conhecimento e diminuindo o atraso educacional no país. Promovendo a reflexão de sua prática, seus saberes e fazeres do cotidiano escolar para o uso de artefatos educacionais, das escolhas de recursos didáticos, informáticos e tecnológicos, entre os que são sugeridos pelo MEC e as empresas conveniadas, entre os softwares educacionais proprietários indicados por empresas privadas e conveniadas com o MEC e os softwares livres educacionais disponíveis na internet sem custo para o docente e a instituição escolar. A formação continuada para o uso dos artefatos computacionais e dos softwares educativos deverá proporcionar estudos e atividades teóricas e práticas que oportunizem aos docentes em atualização compreender como os saberes experienciais no espaço pedagógico, particularmente indicam as relações entre as políticas de tecnologia, a cultura escolar e a cultura hegemônica e como se põem em funcionamento, no seu cotidiano, os mecanismos de produção de um saber docente, entre a tradição disciplinar e a tendência da contemporaneidade. Célia Regina Fortes da Silva 1680 Os Artefatos Computacionais nas Políticas Educacionais em Sala de Aula Na relação entre a tradição e a inovação, a absorção da cultura tecnoinformática nas escolas ocorre em processos híbridos e complexos, que se relacionam com a política de Informática em Educação, com privilégios dessa cultura acima dos ranços e recuos dos projetos federais e locais em sua expansão territorial. O hibridismo na prática docente intercomunica o tradicional (moderno) e o contemporâneo (pós-moderno, sobremoderno), no qual se dissemina e se instala, porque é uma maneira de assumir identidades sem se descaracterizar da identidade que lhe constitui no ofício docente. Agradecimentos A profª Draª Claudia Roberta de Araújo Gomes, Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia Cognitiva - UFPE. Professora Adjunta do Departamento de Educação (DEd) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGEC) UFRPE, por seu apoio e orientação ao desenvolvimento do trabalho de dissertação. Referências ALVES, Wanderson Ferreira. A formação continuada e o desenvolvimento profissional do professor: paradigmas, saberes e práticas nos cursos de especialização em educação física escolar. Revista Brasileira Educação Física Esp.. São Paulo, v.19, n.1, p.35-48, jan./mar, 2005. Disponível no endereço eletrônico: http://www.usp.br/eef/rbefe/v19n12005/v19n1p35.pdf. Acesso em:05 de setembro de 2009. BARRETO, Raquel Goulart. Discursos, Tecnologias, educação. RJ: Ed UERJ, 2009. ______________________. Tecnologia e educação: Trabalho e formação docente. Campinas, SP: Educação e sociedade, dez, 2004, v.25, n.89, p. 1181-201. BORBA, M. C. (org.). Tendências internacionais em formação de professores de Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. BRZEZINSKI, I. (org.). 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Destaca-se ainda, recursos como a Multimídia, a Internet e os jogos eletrônicos enquanto possibilidades efetivas disponíveis no computador para a construção do saber. Enfatiza-se a necessidade de uma utilização criativa, contextualizada com a realidade e interesses dos educandos e que favoreça, sobretudo, uma atuação crítica, participativa e reflexiva destes em relação a sua aprendizagem. Ressalta-se, também, considerações sobre o construcionismo defendido por Papert enquanto concepção que aborda a construção do conhecimento propiciado por meio da utilização do computador, esta considerada como potencialidade no fazer educativo, visto que, favorece a interação, a colaboração, o desenvolvimento de habilidades e auxilia o processo de aprendizagem. Conclui-se que, a utilização desse recurso só tende a ser promissora se as mudanças necessárias ultrapassarem a idéia de que é suficiente a aquisição de máquinas. Deve-se contextualizar a adoção do computador na estrutura curricular e apoiá-la em uma abordagem teórica sobre a aprendizagem que não esteja vinculada a modos tradicionais de ensino. PALAVRAS-CHAVE: Computador. Conhecimento. Educação. É notório que, o uso do Computador em sala de aula exerce forte influência motivadora. Seus objetivos educacionais vão além de simplificar ou facilitar o processo de aprendizagem. Direcionam-se à promoção da mesma, ao desenvolvimento de habilidades, imprescindíveis a prática social e a construção do processo de conceituação. Segundo Valente (2002, p. 1): O computador pode ser também utilizado para enriquecer ambientes de aprendizagem e auxiliar o aprendiz no processo de construção do seu conhecimento. Para que se possa compreender a utilização do computador enquanto recurso favorável à aprendizagem, vejamos de forma breve, algumas concepções sobre o seu Cláudia Luciene de Melo Silva 1687 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento uso na Educação, segundo Alencar (1995). Para a referida autora, a primeira concepção refere-se ao computador como máquina de ensinar, reiterando o resgate da proposta de Skinner em que as máquinas de ensinar representavam a extensão natural e de importância extrema para a sua teoria da aprendizagem, em referência a Educação. Ainda que, Skinner, fundamentado pelo behaviorismo, encontra na introdução das máquinas de ensinar o meio pelo qual se estabelece eficientemente, o conjunto de comportamentos desejados pelo educador. Estas máquinas se caracterizam pelo uso de respostas livres em vez de respostas de múltiplas escolhas, pelo uso de uma seqüência de etapas lógicas preestabelecidas, cabendo ao aprendiz ultrapassá-las e cada etapa consiste em um pequeno degrau em relação ao que o educando já aprendeu. As máquinas de ensinar enquadram-se na proposta da instrução programada, onde são apresentados ao sujeito os materiais (textos) elaborados, previamente, por uma equipe de educadores ou pelo professor. Oliveira (1999, p. 118) reforça que: Esta forma de utilização do computador no ensino, também denominada exercício e prática, caracteriza-se por colocar a máquina como que ensinando ao aluno. A instrução programa é muito propagada nas escolas, para a realização do ensino de conceitos, de habilidades. No entanto, essas atividades possuem um caráter repetitivo, demonstrativo e sua real finalidade, consiste na tentativa de auxiliar o educando na memorização dos conteúdos, principalmente, ajudar aos educandos que pouco avançaram nos estudos. Nesta proposta, utilizar o computador permite assessorar o aprendiz de forma mais individualizada. Forma que só é possível devido ao acompanhamento das respostas que o educando emite, ou seja, o programa avança em resultado da resposta que o educando fornece. Ainda, esse tipo de programa permite ao professor acompanhar o desenvolvimento dos educandos em aspectos avaliativos, especificamente, em relação ao tempo de realização da tarefa e a quantidade de acertos e erros. O impasse dessa forma de instrução reside na passividade que caracteriza a atuação do aprendiz. Para Alencar (1995, p. 176) termos: [...] como compreensão, significado, raciocínio não pode fazer parte de uma teoria onde o sujeito é encarado como criatura passiva, controlada por estímulos presentes, os impulsos e a história de reforçamento. A aprendizagem significativa não encontraria eco neste contexto em que ao educando cabe aprender a dar respostas e ao computador, indicar se estão corretas ou Cláudia Luciene de Melo Silva 1688 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento não. A aprendizagem representaria, nestes termos, um processo passivo, submisso de recepção da informação. O segundo modelo ou concepção apresentada por Alencar (1995) que perpassa a idéia dos exercícios repetitivos é a do computador como tutor inteligente. A idéia, em educação e informática, consiste em programas capazes de instruir o educando, fazendo intervenções inteligentes como se fosse, realmente, um tutor individual. Questiona-se a inteligência atribuída ao computador, por que em comparação a inteligência humana, termos como representação simbólica, conceitos, e a própria inteligência não encontra correspondência e ainda, os programas denominados inteligentes não estabelecem interação significativa com o meio que permitam construções dotadas de sentido. Desse modo, a inteligência referida ao computador é expressa por respostas determinadas por um programa em que aparenta uma compreensão do raciocínio do educando. Os tutoriais, geralmente, são apresentados como um conjunto de informações em que são propostas questões sobre o assunto abordado. Para as questões abordadas se encontra um número limitado de respostas possíveis. As respostas dos educandos, poderão estar presentes ou não neste número disponível pelo computador. Em caso positivo, o educando avançará para outras questões ou fase, caso contrário terá que reelaborar sua resposta. Para a aplicabilidade dessa função do computador, dois pontos são levantados como dificuldades por Oliveira (1999). Primeiro que essa atividade exigindo maior programação dificulta a realização por parte dos professores e segundo, a capacidade de memória das máquinas que para esse tipo de programa exigem uma capacidade maior para o processamento das informações. Provavelmente, a dificuldade dos professores resulta da pouca instrução na área de programação o que não deveria se constituir um problema segundo Alencar (1995, p. 170) [...] com exceção do professor de programação, o educador que atuar no campo da Educação e informática precisa saber relativamente pouco sobre computação. Para ele não seria realista esperar que o professor típico vá desenvolver programas, já que algo extremamente difícil e que exige experiência profissional. Cláudia Luciene de Melo Silva 1689 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento A elaboração de programas, capacitação das máquinas, no que se refere à memória e a quantidade de máquinas exigida, uma para cada aprendiz, encontra empecilho em sua prática, devido os custo que desencadeiam. Conforme Delval (1986 apud OLIVEIRA, 1999), na discriminação das situações em que esse tipo de programa apresenta vantagens e desvantagens. Portanto, para Delval (1986) a aplicabilidade seria útil em situações em que o educando apresente atrasos, possuam algum tipo de problema, ou que necessitam de recuperação e sabem disso. Também, em ocasiões em que seja necessário memorizar informações, no ensino à distância e na aprendizagem de respostas automatizadas. Suas desvantagens implicam nos custos com os programas e com as máquinas, pouca criatividade nas atividades realizadas pelos educandos, não favorecimento da interação entre os aprendizes e capacidade de análise. O computador enquanto ferramenta intelectual, a terceira concepção, enfatiza a importância deste como meio de possibilitar atividades especiais, as quais seriam impossíveis sem essa ferramenta. Para Alencar (1995, p. 181) o foco central desta concepção está na funcionalidade dos programas, ou seja, estes deveriam representar para o educando oportunidades de [...] descobrir princípios, propriedades ou relações de ordem lógica, matemática, científica, lingüística ou até histórica. O ambiente simbólico, característico desse modelo, não encontra vazão em respostas prontas, predeterminadas, mas em meio às inúmeras respostas válidas encontra-se nas incorretas também, um caráter informativo. O valor das simulações consiste em se colocar o educando na condição de manipulador das situações desenvolvidas, onde o computador será o instrumento que lhe permitirá manipular variáveis e observar os resultados que advirem das modificações nas situações. O computador deverá servir de complemento para as atividades que se realizaram na prática, em sentido real. De acordo com Oliveira (1999, p.121) para atender aos propósitos pedagógicos, a simulação deve preencher alguns requisitos, entre eles o propósito de: [...] ser um sistema simplificado, de modo a permitir, por um lado, que haja interação com o aluno na manipulação de variáveis e, por outro lado, que ele se aproxime o máximo possível do real. Um ponto importante a não ser esquecido na simulação é que esta deve ser complemento para a atividade proposta e ainda, lembrar aos educandos que atuar na Cláudia Luciene de Melo Silva 1690 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento realidade é o que de fato deve ser feito, sendo o computador apenas, um instrumento que confere uma representação dessa realidade. Lévy (1999, p.165) desta que a simulação consiste em um novo modo de conhecimento trazido pela cibercultura onde ocupa um lugar central. Define-a como: [...] uma tecnologia intelectual que amplifica a imaginação individual (aumento de inteligência) e permite aos grupos que compartilhem, negociem e refinem modelos mentais comuns, qualquer que seja a complexidade deles (aumento da inteligência coletiva). O autor reforça posteriormente que as técnicas de simulação, especificamente as que usufruem imagens interativas, não substituem os raciocínios humanos, mas podem transformar e prolongar as capacidades de imaginação e pensamento quando possibilitam a representação de clara e distinta de inúmeros objetos interagindo. Reitera que a simulação possui um papel crescente nas atividades de pesquisa científica, de aprendizagem, em jogos e diversões (evidencia os jogos interativos em tela), principalmente por possibilitar a formulação e exploração ágil de grandes quantidades de hipóteses. O conhecimento por simulação é sem dúvida um dos novos gêneros de saber que a ecologia cognitiva informatizada transporta (LÉVY, 1993, p. 121). Lévy (1993), destaca ainda que sendo o conhecimento por simulação mais operatório e mais ligado às circunstâncias particulares de seu uso liga-se tempo real que constitui um aspecto particular que caracterizam as redes informatizadas. Assim, reafirma que a simulação por computador permite uma melhor atuação dos indivíduos do que se estes estivessem limitados aos recursos da memória, por exemplo, possibilitando-lhes uma exploração mais complexa e em maior número. Assim, a simulação remeteria apenas a uma ampliação das capacidades de imaginação, de intuição e não a uma pretensa irrealidade como se supõe. Dessa forma enfatiza que: O conhecimento por simulação e a interconexão em tempo real valorizam o momento oportuno, a situação, as circunstâncias relativas, por oposição ao sentido molar da história ou à verdade fora do tempo e espaço, que talvez fossem apenas efeito da escrita (LÉVY, 1993, p. 126). A quarta vertente, apresenta o computador enquanto instrumento de pesquisa. Nesta são apresentados casos em que o computador foi usado de forma bastante criativa como elemento auxiliar, onde cabe ao professor assumir o papel de agente principal no Cláudia Luciene de Melo Silva 1691 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento ensino. Esta forma de utilização do computador tem sido bastante aceita nas escolas por acatar, em seus procedimentos, os objetivos educacionais. Já a aprendizagem por descoberta (a linguagem LOGO), segundo Oliveira (1999) representa a forma de uso do computador mais disseminada nas escolas, sobretudo por, permeando objetivos educacionais, romper com o modelo de educação tradicional que concentra todo o ensino nas mãos do professor situando o educando enquanto depósito de informações previamente determinadas. Do professor, enquanto elemento de importância inquestionável ao processo educativo espera-se que se torne desenvolvedor de atividades, facilitador e instrutor do ensino, que saiba comunicar-se com seus educandos, estimulá-los, manter seus interesses e que estabeleça com esses, relações favoráveis ao ensino-aprendizagem, em que estejam presentes atitudes de calor humano e empatia (PAPERT, 1994). Oliveira (1999) reafirma que Papert acredita que vincular o potencial do computador a um novo modelo de escola pode garantir transformações no processo ensino aprendizagem. Para o autor, a linguagem LOGO é fundamentada pelo seu criador pela concepção de que: [...] a criança aprende várias coisas sem passar por um ensino deliberado, visto que a aprendizagem da língua e o locomover-se não são frutos de uma ação externa, mas da busca e da exploração que a própria criança desenvolve sobre seu meio (OLIVEIRA, 1999, p. 123). Além dessas concepções que permitem contextualizar o uso do computador na esfera das necessidades educativas, sobretudo, os programas educativos existem ainda, um conjunto de recursos que representam vantagens se utilizados no processo educativo. São eles o processador de textos, planilhas eletrônicas e banco de dados. Na visão dos defensores da informática na educação, esses recursos despertam os interesses dos educandos na elaboração de textos, trabalhos matemáticos, trabalho com gráficos pela facilidade e praticidade com que se chega aos resultados esperados. Ainda pela dinamicidade que estes conferem constituindo assim, mais uma ferramenta a complementar o trabalho do professor em sala de aula. Há ainda que se falar, na Multimídia, na Internet e nos jogos eletrônicos como recursos ou programas (software) disponíveis no computador. A Multimídia assemelha- Cláudia Luciene de Melo Silva 1692 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento se ao tutorial por provocar no aprendiz a mesma ação de escolha de soluções. Esta disponibiliza diversas combinações de textos, imagens, sons. A multimídia e a internet favorecem a aquisição de informações, mas não desenvolvem a compreensão ou a construção do conhecimento a partir das mesmas, sendo necessário que haja mediação do educador para que o conhecimento seja elaborado. Especificamente, os sistemas de autoria, em que o educando constrói um sistema de multimídia depois que seleciona as informações em programas e fontes distintas, atende sobremaneira ao objetivo de construção do saber já que permite ao educando refletir sobre os dados selecionados, comparar com seus conhecimentos prévios, enfim, transformar a informação inicial em informação construída. No que se refere aos jogos digitais, possuem inicialmente a finalidade de motivar e desafiar o educando ao aprendizado. Tem importante uso educacional se integrados em atividades planejadas e favorecem o desenvolvimento do educando. Barros (2002, p.5), diferencia os jogos eletrônicos pelos efeitos que apresentam, interessando lógico, à educação os que apresentam efeitos psicopedagógicos positivos pelo interesse que despertam e pela possibilidade de contribuir para o pensamento construtivo e criativo, define: são aqueles que, [...]administrados na dose certa, apresentam a dimensão lúdica aliada à construtiva e promotora de desenvolvimento e aprendizagem. É imprescindível na utilização de software nas escolas, quando se pretende promover a aprendizagem, que este esteja integrado no planejamento curricular e bem relacionado com os conhecimentos que os educandos trazem consigo. Para seu sucesso deverá ser considerado com instrumento de mediação em que o computador assume a posição de gerenciador das atividades que auxiliam o desenvolvimento intelectual dos aprendizes. Ainda, encontrar uma teoria de aprendizagem que o fundamente na sua prática. Há que se considerar ainda, neste contexto, em que se discute a utilização do computador, a abordagem construcionista cuja definição aborda a construção do conhecimento propiciado por meio dessa ferramenta, especificamente, pela interação do educando com o computador. Valente (2006) explica que essa concepção foi criada por Papert para distinguir-se do construtivismo, no sentido piagetiano que enfatiza a Cláudia Luciene de Melo Silva 1693 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento construção do conhecimento na cabeça do educando. Segundo o autor, Papert utilizou o termo construcionismo para evidenciar a construção de conhecimento que surge a partir do interesse do aprendiz quando este constrói um objeto, seja uma obra de arte, um relato de experiência ou mesmo um programa de computador. Ainda na concepção de construcionismo encontra-se dois aspectos que Papert considera como pontos que diferenciam-se da construção do conhecimento defendido pelo construtivismo, são eles: o educando constrói algo por meio do fazer, do colocar a mão na massa e por se tratar de algo de seu interesse despertando neste grande motivação e neste sentido Valente (2006), reitera que a afetividade concede a aprendizagem mais significado. No entanto, esclarece que em sua opinião o que diferencia essas duas concepções na maneira de construir o conhecimento é simplesmente, a presença do computador que por si só exige ações efetivas no processo de construção de conhecimento. Assim, Valente (1998) explica o processo pelo qual o educando passa na interação com o computador. Diz que para resolver um problema via computador o educando precisa combinar conteúdos e estratégias através de um programa que resolve um problema e a análise da tarefa de programar o computador permite que o usuário conheça diversos caminhos que realiza e que constituem base para a aquisição de novos conhecimentos. Prossegue apresentando como primeiro passo da interação com o computador a descrição de uma idéia no que se refere a uma linguagem formal e precisa, visto que esta permite ao aprendiz esclarecer e representar seu nível de conhecimento a respeito dos elementos contidos na resolução do problema. O segundo passo envolve a execução fiel do computador sobre a descrição fornecida. A execução funciona como um feedback fiel, imediato e desprovido de qualquer animosidade ou afetividade que possa ter ocorrido entre o educando e o computador. O resultado obtido permite ao educando refletir sobre o que foi solicitado e este consiste o terceiro passo do ensino através do computador. Portanto caso o resultado não corresponda ao que o aprendiz esperava este precisa depurar a idéia original por meio de estratégia ou conteúdos (VALENTE, 1998). O referido autor explica que a depuração é facilitada pela existência do programa do computador que consiste na descrição das idéias do educando no que se refere a uma linguagem precisa e informal e declara a existência de uma Cláudia Luciene de Melo Silva 1694 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento correspondência direta entre cada comando e o comportamento do computador. Defende que tais características possibilitam aos educandos identificar seus erros, pois facilitam a análise do programa e esse processo de encontrar os erros e corrigi-los representa para os educandos uma oportunidade única de aprender os conceitos envolvidos na solução dos problemas os sobre estratégias de resolução dos mesmos. Conclui que esse processo (descrever, refletir e depurar) requer muito mais que colocar o educando na frente do computador, destacando que é necessário para essa interação (arendiz-computador) a presença de um mediador que possua conhecimentos tanto de caráter computacional quanto pedagógico e psicológico. No mais: [...] O aluno como um ser social está inserido em um ambiente que é constituído, localmente, pelos seus colegas, e globalmente, pelos pais, amigos e mesmo a sua comunidade. O aluno pode usar todos esses elementos sociais como fonte de idéias, de conhecimento ou de problemas a serem resolvidos através do uso do computador (VALENTE, 1998, p. 5). Portanto, as experiências educacionais que envolvem o uso do computador atentam para o estabelecimento de novas relações que este uso estabelece. Favorece proximidade entre educando e professores pela necessidade de interação e colaboração. Servem como fonte de informação e auxiliam no processo de construção de conhecimento. Ainda, desenvolvem a capacidade de autonomia, pois estimula os processos de análise, reflexão, criação. No entanto, para sua aplicabilidade, merece sempre ser enfatizada, a necessidade de uma estruturação física, curricular, de formação profissional e de considerações pertinentes às peculiaridades do educando, entre outros. Acontece, no entanto, que normalmente o uso do computador está relegado a ser um simples equipamento que permite ao educando adquirir conceitos de informática e a isto se limita à inserção do computador na educação. Valente (2002) enfatiza que utilizar o computador em educação requer que os professores tenham conhecimento sobre os potenciais educacionais deste recurso e ainda sejam capazes de alternar, adequadamente as atividades tradicionais do processo de ensino-aprendizagem e atividades que utilizam o computador. Assim, conforme Valente (2002, p. 3), o computador utilizado enquanto ferramenta que propõe a construção o conhecimento enfrenta enormes desafios, segundo o autor que reitera que estes desafios implicam em: [...] entender o computador como uma nova maneira de Cláudia Luciene de Melo Silva 1695 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento representar o conhecimento, provocando um redimensionamento dos conceitos já conhecidos e possibilitando a busca e a compreensão de novas idéias e valores. Reforça que tal finalidade requer que se analise cuidadosamente o que significa ensinar e aprender e também, rever o papel do professor neste contexto e que a formação deste profissional representa muito mais que simplesmente conhecer sobre computador, implica experiência, vivência. Do processo de formação do professor é esperado, no entanto que possibilite o conhecimento sobre as técnicas computacionais, o entendimento sobre como e porque integrar o computador na prática pedagógica, superar barreiras de ordem administrativa e pedagógica que favoreça a superação da fragmentação do ensino em prol de uma abordagem integradora que contemple a resolução de problemas específicos de interesse dos educandos. Valente (2002, p. 4) resume então sua proposta: [...] o curso de formação deve criar condições para que o professor saiba contextualizar o aprendizado e as experiências vividas durante sua formação para a sua realidade de sala de aula, compatibilizando as necessidades de seus alunos e os objetivos pedagógicos que se dispõe a atingir. Sabe-se, no entanto, que a utilização do computador enquanto instrumento que viabiliza a construção do conhecimento, não depende exclusivamente da formação do professor embora esta formação constitua um elemento chave nesse processo de integração da informática à educação. Valente (2002), reconhece este fato afirmando a importância de toda comunidade escolar estar envolvida nesse processo de mudança, sobretudo na formação de um novo profissional e relembra que a informática é um elemento dessa mudança e consiste em muito mais do que, simplesmente, montar laboratórios de informática. Assim acredita-se, firmemente, que o computador favorece a construção do conhecimento, que pode ser utilizado de forma interdisciplinar, no entanto, é mister destacar que integrar esse recurso a prática pedagógica sugere muito mais que ensinar os educandos a manuseá-lo. Faz-se necessário contextualizar o instrumento às necessidades e peculiaridades dos educandos e fundamentar a prática em uma abordagem teórica sobre a aprendizagem que defenda a construção do conhecimento por meio de uma mediação pedagógica que reconheça a valorização do saber prévio do educando, que estimule a reflexão e a participação e não, simplesmente, perpetuem Cláudia Luciene de Melo Silva 1696 O Computador Enquanto Instrumento Mediador na Construção do Conhecimento práticas tradicionais e posturas de submissão. São necessárias mudanças não só na estrutura física, mas, sobretudo, mudanças na proposta curricular, na forma de conceber e utilizar o computador enquanto instrumento pedagógico. 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Cláudia Luciene de Melo Silva 1698 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” A ESTRUTURA CURRICULAR DO CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA NA MODALIDADE EAD – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Cristiane Maria Nepomuceno JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações A ESTRUTURA CURRUCULAR DO CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA NA MODALIDADE EAD – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Cristiane Maria Nepomuceno (UEPB – CAMPUS I) RESUMO: Este artigo apresenta objetiva apresentar algumas considerações sobre a estrutura do curso de Licenciatura em Geografia na modalidade EAD da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). O curso faz parte do Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, conhecido como Pró-Licenciatura, e é oferecido a partir de uma parceria entre a UEPB e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O referido Programa objetiva a formação e qualificação do(a) professor(a) que atua em sala de aula na rede pública, sem nível superior (ou quando tem apresenta nível superior em uma área diversa da que efetivamente atua). O curso em questão constitui-se no universo de uma pesquisa em desenvolvimento – financiada pelo PROPESQ-UEPB e PIBIC – cujo objetivo é compreender, interpretar e explicar as possibilidades de mudança na atuação do professor da Educação Básica, a partir de sua formação nos cursos de licenciatura a distância, assim como, conhecer as potencialidades e os obstáculos encontrados no PróLicenciatura como modalidade de EaD. A pesquisa discute a modalidade EaD como prática inclusiva, visto este modelo viabilizar o atendimento a um grande público em diferentes municípios, oriundos tanto da zona urbana quanto da zona rural. PALAVRAS-CHAVE: Educação a Distância; formação docente; Pró-Licenciatura. O curso de Licenciatura em Geografia, que ora lhes apresento, aprovado em 2007 com as atividades iniciadas no primeiro semestre de 2008, faz parte do Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, conhecido como Pró-Licenciatura. O referido Programa objetiva a formação e qualificação do(a) professor(a) que atua em sala de aula na rede pública, sem nível superior (ou quando tem apresenta nível superior em uma área diversa da que efetivamente atua). Os cursos são oferecidos de acordo com a demanda, em outras palavras, a escolha pelo curso a ser ofertado se dá a partir do grau de carência do corpo docente em relação a formação e das necessidades da população alvo. Cristiane Maria Nepomuceno 1702 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações Em se tratando desta situação, o caso do Nordeste é um dos mais preocupantes, a carência de professores licenciados em áreas específicas é muito alta. A Paraíba, dentre os estados da região, é o que possui uma das situações mais grave. De acordo com dados divulgados pelo MEC/INEP/SEEC (Censo de 2003), o percentual de professores no Ensino Fundamental e Médio no Estado é seguinte: do total de 87.770 professores/as do Ensino Fundamental, 44,07% não possuem formação superior; enquanto no Ensino Médio, do total de 22.257 professores/as o percentual é de 24,14%. Sendo que as situações das disciplinas matemática, física, química e biologia são as mais graves. As outras áreas do conhecimento também apresentam problema, o conteúdo de geografia, por exemplo, apresentar um elevado déficit de profissionais habilitados. Veja a distribuição no gráfico abaixo que apresenta o número de professores que ministram o conteúdo de geografia nos anos finais do Fundamental II e no Ensino Médio nas escolas públicas da Paraíba e não possuem licenciatura na área: Professores sem Licenciatura por Região de Ensino Regiões Itabaiana, 12 Princesa Isabel, 10 Souza, 10 Cajazeiras, 16 Catolé do Rocha, 24 Itaporanga, 27 Patos, 17 Monteiro, 12 Cuité, 8 Campina Grande, 75 Guarabira, 26 Joao Pessoa, 55 Número de Professores Fonte: Dados da SEC/PB e do INEP 2003 Neste sentido, destacou-se para fins de efetivação do projeto Pró-Licenciatura a região Nordeste, por seu alto índice de educadores sem licenciatura nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. A opção pela modalidade a distância passou a ser justificada pelos aspectos pragmáticos relacionados aos custos, localização geográfica e inclusão tecnológica, associados aos aspectos relacionados ao processo de mediação pedagógica - através do uso maciço das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC’s) -, tornou-se esta modalidade um importante dispositivo na Cristiane Maria Nepomuceno 1703 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações construção de novos paradigmas de formação e atuação dos professores na Educação Básica. O curso em questão, totalmente realizado na modalidade a distância, é oferecido a partir de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Atende a um grande número de municípios nos dois Estados. E como estabelecido no Pró-Licenciatura, o curso destinase especialmente a professores(as) em exercício nas redes públicas de ensino, nas séries finais do Ensino Fundamental e/ou Ensino Médio que trabalhavam há pelo menos um ano na função docente em rede pública e que não possuem a licenciatura na disciplina em que o professor(a) esteja exercendo a docência. Todavia, um percentual das vagas foi destinado a demanda social. O que se espera do curso é que os(as) professores(as) em formação superior, todas(as) em serviço, possam não só desenvolver as competências e habilidades indispensáveis à formação docente na área que estiver atuando, como também refletir sobre a sua prática e a realidade na qual está inserido(a). O processo de seleção para o curso de Geografia ocorreu por meio de vestibular simplificado, com ponto de corte diferente de zero. As provas objetivas foram de Geografia, História, Português/Literatura, Biologia, Química, Matemática e Língua Estrangeira, além de uma redação. Para esta primeira turma foram disponibilizadas 420 vagas, deste total 180 vagas foram destinadas ao Estado da Paraíba e o restante para o Estado do Rio Grande do Norte. Todas as vagas foram preenchidas. A “Área Geográfica de Abrangência” está dividida em 7 (sete) pólos de apoio presencial, sendo: 4 (quatro) no Estado do Rio Grande do Norte (Nova Cruz, Caíco, Macau e Pau dos Ferros) e 3 (três) pólos no Estado da Paraíba (Campina Grande, João Pessoa e Catolé do Rocha). Estes pólos agregam os municípios assistidos na área geográfica de abrangência, dessa forma os quatro pólos do Rio Grande do Norte dão apoio a 84 municípios, enquanto os três pólos da Paraíba dão cobertura a 222 municípios, a saber: NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE * Pólo de Nova Cruz abrange os municípios de Boa Saúde, Brejinho, Espírito Santo, Jundiá de Cima, Lagoa D”anta, Lagoa de Pedra, Lagoa Cristiane Maria Nepomuceno 1704 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações Salgada, Montanhas, Monte das Gameleiras, Passa e Fica, Passagem, Pedro Velho, Santo Antônio, Pedro Velho, São José do Campestre, Serra de São Bento, Serrinha e Várzea; * Pólo de Caicó – abrange os municípios das regionais de ensino de Caicó e Currais Novos abaixo discriminados: Caicó - Ipueira, Jardim de Piranhas, Jardim do Seridó, Jucurutu, Ouro Branco, São Fernando, São João do Sabugi, São José do Seridó, Serra Negra do Norte e Timbaúba dos Batistas. Currais Novos – Acari, Carnaúba dos Dantas, Cerro Corá, Equador, Florânia, Lagoa Nova, Parelhas, Santana do Seridó, São Vicente, Tenente Laurentino e Cruzeta. * Pólo de Macau abrange os municípios de Alto do Rodrigues, Galinhos, Guamaré, Pendências e Porto do Mangue. * Pólo de Pau dos Ferros abrange os municípios das regiões de ensino de Pau dos Ferros e Umarizal abaixo discriminados: Pau dos Ferros - Água Nova, Cel. João Câmara, Encanto, José da Penha, Major Sales, Paraná, Pilões, Rafael Fernandes, São Francisco do Oeste, Tenente Ananias, Alexandria, Dr. Severino, Francisco Dantas, Luiz Gomes, Marcelino Vieira, Pau dos Ferros, Porto Alegre, Riacho de Santana, São Miguel e Venha. Umarizal – Almino Afonso, Frutuoso Gomes, Janduís, João Dias, Lucrecia, Martins, Messias Targino, Riacho da Cruz, Serrinha dos Pintos e Viçosa. NO ESTADO DA PARAÍBA * Pólo de João Pessoa abrange os municípios das regiões de ensino de João Pessoa, Guarabira e Itabaina abaixo discriminados: João Pessoa - Alhandra, Baía da Traição, Bayeux, Caapora, Cabedelo, Capim, Conde,Cruz do Espírito Santo, Cuité de Mamanguape, Curral de Cima, Itapororoca, Jacaraú, Lucena, Mamanguape, Marcação, Mari, Mataraca, Pedro Régis, Pitimbu, Riachão do Poço, Rio Tinto, Santa Rita, Sapé, Sobrado. Guarabira - Alagoinha, Araçagi, Araruna, Bananeiras, Belém, Borborema, Cacimba de Dentro, Caiçara, Campo de Santana, Casserengue, Cuitegi, Dona Inês, Duas Estradas, Lagoa de Dentro, Logradouro, Mulungu, Pilões, Pilõezinho, Pirpirituba, Riachão, Serra de Raiz, Serraria, Sertãozinho, Solânea. Itabaina- Caldas Brandão, Gurinhém, Ingá, Juripiranga, Juarez Távora, Juripiranga, Mogeiro, Pedras de Fogo, Pilar, Riachão do Bacamarte, Salgado de São Félix, São José dos Ramos , São Miguel de Taipú. * Pólo de Campina Grande abrange os municípios das regiões de ensino de Campina Grande, Cuité, Monteiro, Itaporanga e Princesa Isabel abaixo discriminados: Cristiane Maria Nepomuceno 1705 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações Campina Grande - Alagoa Grande, Alagoa Nova, Alcantil, Algodão de Jandaira, Arara, Areia, Areal, Aroeiras, Assunção, Barra de Santana, Barra de São Miguel, Boa Vista, Boqueirão, Cabaceiras, Caturité, Esperança, Fagundes, Gado Bravo, Itatuba, Juazeirinho, Lagoa Seca, Livramento, Massaranduba, Matinhas, Montadas, Natuba, Olivedos, Pocinhos, Puxinanã, Queimadas, Remígio, Riacho de Santo Antônio, Santa Cecília, São Domingos do Cariri, São Sebastião de Lagoa de Roça, Serra Redonda, Soledade, Taperoá, Tenório, Umbuzeiro. Cuité - Baraúnas, Barra de Santa Rosa, Cubati, Damião, Frei Martinho, Nova Floresta, Nova palmeira, Pedra Lavrada, Picuí, São Vicente do Seridó e Sossego. Monteiro - Amparao, Camalaú, Caraúbas, Congo, Coxixola, Gurjão, Ouro Velho, Pararí, Prata, São Sebastião do Umbuzeiro, Santo André, São João do Cariri, São João do Tigre, São José dos Cordeiros, Serra Branca, Sumé, Zabelê. Itaporanga - Aguiar, Boa Ventura, Conceição, Coremas, Curral Velho, Diamante, Ibiara, Agaracy, Nova Olinda, Olho D’ Água, Pedra Branca, Piancó, Santa Inês, Santana de Mangueira, Santana dos Garrotes, São José de Caiana, Serra Grande. Princesa Isabel - Princesa Isabel, Água Branca, Imaculada, Juru, Manaíra, São José de Princesa, Tavares. * Pólo de Catolé do Rocha abrange as regiões de ensino de Catolé do Rocha, Patos, Cajazeiras e Souza abaixo discriminados: Catolé do Rocha - Brejo do Cruz, Belém do Brejo do Cruz, Bom Sucesso, Brejo dos Santos, Jericó, Lagoa, Moto Grosso, Riacho dos Cavalos, São Bento, São José do Brejo do Cruz. Patos - Areia de Baraúnas, Cacimba de Areia, Cacimbas, Catingueira, Condado, Desterro, Emas, Junco do Seridó, Mãe D’Água, Malta, Maturéia, Passagem, Quixaba, Salgadinho, Santa Luzia, Santa Terezinha, São José de Espinharas, São José do Bonfim, São José do Sabugi, São Mamede, Teixeira, Várzea, Vista Serrana. Cajazeiras - Bernardino Batista, Bom Jesus, Bonito de Santa Fé, Cachoeiras dos Índios, Carrapateira, Monte Horebe, Poço Dantas, Poço Zé de Moura, São João do Rio do Peixe, São José de Piranhas, Santa Helena, Santarém, Triunfo, Uiraúna. Souza - Aparecida, Cajazeirinha, Lastro, Marizópolis, Nazarezinho, Paulista, pombal, São Domingos do Pombal, São José de Lagoa Tapada, Santa Cruz, São Bento, São Bentinho, São Francisco, Veirópolis. O Curso possui uma carga horária de 2.850 horas, que será desenvolvida num período de quatro anos, distribuídos ao longo de oito semestres letivos, estando assim estruturado: → 1800hs de conteúdos curriculares de natureza científico-culturais; → 450hs de prática como componente curricular; → 400hs de estágio supervisionado, sendo permitido o aproveitamento de 200hs para o professor em serviço; Cristiane Maria Nepomuceno 1706 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações → 200hs de atividades acadêmico-científico. A ESTRUTURA CURRICULAR do Curso de Geografia está composta da seguinte maneira: Disciplinas Primeiro Semestre Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação Introdução à Ciência Geográfica Leitura, Interpretação e Produção de Textos Informática e Educação Segundo Semestre Leituras Cartográficas e Interpretações I Metodologia Científica Geografia Física I Organização do Espaço Educação e Tecnologia Terceiro Semestre Estudos Contemporâneos da Cultura Leituras Cartográficas e Interpretações II Geografia Física II Didática e Ensino de Geografia Instrumentação para o Ensino de Geografia I Quarto Semestre Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Formação Territorial do Brasil Geografia Física III Ecossistemas Brasileiros Instrumentação para o Ensino de Geografia II Quinto Semestre Geografia Agrária Geografia Urbana Pesquisa e Ensino de Geografia Geografia da População Instrumentação para o Ensino de Geografia III Estágio Supervisionado I Sexto Semestre Espaço, Tecnologia e Globalização Geografia Regional do Mundo I Geografia Regional do Brasil Instrumentação para o Ensino de Geografia IV Estágio Supervisionado II Sétimo Semestre Geografia do Nordeste Estágio Supervisionado III Estudos do Semi-árido Geografia Regional do Mundo II Cristiane Maria Nepomuceno Carga Horária Teoria /prática 60 90 75 90 Teoria/Prática 75 60 75 60 60 Teoria/Prática 60 75 75 75 75 Teoria/Prática 60 60 75 60 75 Teoria/Prática 75 75 60 75 75 100 Teoria/Prática 75 90 75 75 100 Teoria/Prática 75 100 75 90 1707 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações Oitavo Semestre Estágio Supervisionado IV Teoria/Prática 100 FONTE: Projeto Político Pedagógico do curso de Licenciatura em Geografia PERFIL DO PROFISSIONAL QUE SE DESEJA FORMAR A Geografia de hoje é uma ciência com um campo vasto de interesse e atuação. A busca do conhecimento do espaço assume uma nova ênfase: o espaço visto como uma dimensão que produz e é produzido na relação, ou seja, o espaço natural e o espaço produzido/transformado pelo homem, aí inclusas a sociedade (formas de relação, organização e produção) e a cultura (práticas cotidianas, símbolos, códigos, regras...). Razão pela qual, as questões relacionadas a sociedade e a cultura devem recebe atenção especial no processo de formação do professor. A proposta pedagógica na qual o curso de Geografia está ancorando, objetiva desenvolver “competências que ultrapassem os domínios específicos dos conteúdos da área, mobilizando saberes para a resolução de problemas diversos”. O que se espera como resultado é um profissional que paute a sua prática numa postura “ética, crítica, autônoma e criativa”, sempre imbuída pelo respeito à diversidade sociocultural. A formação em Geografia na modalidade a Distância (...) requer o contato com equipamentos, idéias, conteúdos, metodologias que permitam a leitura e representação do espaço, de forma abrangente. Essa condição qualifica o profissional com dispositivos científicos e técnicos para interferir ética e criticamente, construindo um conhecimento que leva em consideração a preservação e a transformação da vida planetária, respeitando a diversidade sócio-espacial e ambiental existente (PPP Geografia, 2007, p. 17). No Projeto Político Pedagógico do Curso (p.15 e 16) estão apresentadas as competências e habilidades para o professor que se pretende formar: Competências Exercer atividades de docência, coordenação de projetos e consultorias na área de educação geográfica; Cristiane Maria Nepomuceno 1708 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações Aplicar metodologia científica na realização de atividades de planejar, executar e avaliar o processo de ensino e aprendizagem; Interpretar representações ou tratamentos gráficos e matemáticoestatísticos; Desenvolver investigações científicas sobre os aspectos sócioeconômicos, políticos e ambientais, e os processos deles resultantes; Utilizar, produzir e disseminar conhecimentos voltados para o ensino de Geografia no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio; Estimular a análise crítica do espaço a partir de um compromisso ético com a sustentabilidade sócio-ambiental. Habilidades Identificar e explicar a dimensão geográfica presente nas diversas manifestações do conhecimento; Articular elementos empíricos e conceituais, concernentes ao conhecimento científico dos processos espaciais; Reconhecer as diferentes escalas de ocorrência e manifestação dos fatos, fenômenos e eventos geográficos, sejam eles pertencentes aos domínios naturais ou sociais; Planejar e realizar atividades de campo referentes à investigação geográfica; Dominar a construção de argumentos crítico-analíticos, demonstrando a concatenação de idéias, de acordo com as normas gramaticais da língua portuguesa; Compreender os vínculos existentes entre a produção do espaço e o processo de reprodução e transformação social; Ler, analisar e interpretar produtos de sensoriamento remoto e de sistemas de informação geográfica, e outros documentos gráficos e matemático-estatísticos; Compreender as dimensões política, social, econômica, cultural, psicológica e pedagógica dos conteúdos escolares e do processo de aprendizagem, no cotidiano da escola; Dialogar com os sujeitos envolvidos no processo educacional, compreendendo as diversas relações nele presentes, tais como: professoraluno, aluno-aluno, professor-professor; escola-família, escolacomunidade; Incorporar ao processo de ensino-aprendizagem, as experiências vividas pelos sujeitos nele envolvidos; Organizar o conhecimento espacial, adequando-o ao processo de ensino-aprendizagem em Geografia, para o Ensino Fundamental e Médio; Dominar os fundamentos didático-pedagógicos para o exercício da docência no ensino de Geografia nas séries finais do Ensino Fundamental e Médio. Cristiane Maria Nepomuceno 1709 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações INFRA-ESTRUTURA DE APOIO Cada pólo deverá contar com uma infra-estrutura que disponha, pelo menos, dos seguintes espaços: laboratórios para demonstrações nas áreas específicas; laboratório de Informática, com computadores conectados à Internet; biblioteca, com acervo básico nas áreas de conhecimento do curso; videoteca, com material audiovisual de apoio; salas de atendimento de tutoria; sala de aula para as atividades grupais presenciais e avaliações; secretaria acadêmica e de gerência do pólo. EQUIPE O curso possui uma equipe composta por: O Coordenador do Curso em cada uma das instituições; Professores (a distância); Coordenadores para cada um dos Pólos; Servidores técnico-administrativos para cada um dos pólos; Tutores Presenciais; Monitores, preferencialmente alunos de cursos de pós-graduação, para darem suporte aos professores na tutoria a distância. MATERIAL DE APOIO E ATIVIDADES Um dos pressupostos para elaboração do material de base para a realização do curso foi considerar e usar o conhecimento do contexto que a aluno está inserido. Foi assim que a proposta pedagógica do curso de Geografia na modalidade EAD estruturouse, elaborado tomando como referência o contexto social, econômico, político, cultural e ambiental, tanto em nível global quanto local. Para alicerçar uma formação profissional mais ampliada e complexa, é necessário identificar, explicar, reconhecer, articular, interligar, compreender e comparar os fenômenos espaciais, ancorados em diálogos abertos com os variados domínios do saber. É importante construir e consolidar reflexões e práticas na direção da interdisciplinaridade. Devemos considerar, nessa perspectiva, que para além do domínio dos Cristiane Maria Nepomuceno 1710 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações conteúdos da área, é necessário que o professor tenha uma visão ampla dos problemas e do lugar em que está inserido (PPP Geografia, 2007, p.13). Como o curso é desenvolvido na modalidade a distância, necessário se fez elaborar um material de apoio didático projetado de forma a suprir a ausência do professor, “substituir a presencialidade do professor”. Esta condição fez com que no curso se utilizasse “(...) prioritariamente materiais impressos, (...) isso, sem abrir mão de uma das características mais básicas da EaD, que é a autonomia do aluno e sua liberdade em aprender”, a saber: ATIVIDADE DE FORMAÇÃO DO ALUNO 1. Presença em vídeo-conferência 2. Colaboração em feira de ciências 3. Apresentação de Seminários 4. Participação em mini-cursos 5. Apresentação de trabalhos em Congressos 6. Desenvolvimento de projeto de Extensão Universitária 7. Desenvolvimento de projeto de ensino de Geografia 8. Publicação de artigo em periódicos indexados 9. Publicação de artigos em revistas ou jornais de divulgação local ou regional 10. Monitoria 11. Participação em chat 12. Permanência no pólo quando da visita do tutor a distância 13. Trabalho de campo de pesquisa 14. Cursar disciplinas não obrigatórias das matrizes curriculares dos Cursos de EaD 15. Atividades culturais FONTE: Projeto Político Pedagógico do curso de Licenciatura em Geografia À GUISA DE FECHAMENTO A ênfase na formação dos conteúdos de sua área está explicitada apenas no primeiro eixo citado. A formação teórica sólida e consistente está associada de forma direta com os princípios políticos e éticos que, dependerão, exclusivamente, do ambiente cultural no qual o professor estiver inserido. A proposta de formar um educador capaz de “propor e efetivar as transformações político-pedagógicas na escola” é uma afirmação contundente de que as estruturas organizacionais e pedagógicas das Cristiane Maria Nepomuceno 1711 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações escolas hoje não são adequadas ao que parte das políticas públicas considera aceitável para uma educação de qualidade. Ao conectar em seus eixos a compreensão de uma escola (na visão do professor) como um espaço social, sensível à história e à cultura locais com uma ação afirmativa de inclusão digital através da viabilização da apropriação dos educados das tecnologias de comunicação e informação, nos parece que a decisão em formar professores através da modalidade a distância não é apenas uma opção fundamentada em questões operacionais (tempo, limites geográficos e custos). As estratégias para a formação de professores no Pró-Licenciatura (sempre enunciadas em caráter de mudança, transformação ou construção), apresentam a estratégia do programa para alcançar seus objetivos de transformação, através de dois itens intitulados “a escola que queremos e o professor que queremos”. Ao propor que o professor deverá “viabilizar o desenvolvimento de novas e mais complexas estruturas e relações com o mundo real e com o conhecimento”; ou que “para um país justo e igualitário, não se pode reforçar a cultura do individualismo e da ambição por status econômico, em detrimento dos princípios éticos e de cidadania”, estão agregados elementos da subjetividade que são complexos para uma posterior avaliação de sua aplicabilidade. Esta concepção de aprendizagem implementa o conceito de acessibilidade, tratado aqui como o obstáculo maior hoje na sociedade do conhecimento: um mundo dividido entre os que possuem acesso à informação e os que estão excluídos deste processo. A questão é: uma vez garantindo a acessibilidade aos professores, mudando completamente os paradigmas de sua formação, conseguiremos transformar sua atuação no ambiente escolar? Estaremos construindo uma nova forma não apenas de atuação do professor, mas sim de gestão escolar? A opção por uma metodologia a distância garante as transformações nos processos individuais? A formação do professor em uma modalidade com inserção tecnológica embutida na própria metodologia de um curso na modalidade a distância, poderá propiciar uma diferença significativa em sua atuação na Educação Básica. Ao fazer o curso de Licenciatura na disciplina em que efetivamente atua, o professor que já exerce essa atividade, possivelmente acumulará não apenas o conteúdo específico que leciona, mas também inúmeras possibilidades pedagógicas que permitam uma atuação mais Cristiane Maria Nepomuceno 1712 A Estrutura Curricular do Curso de Licenciatura em Geografia na Modalidade EAD – Algumas Considerações efetiva, inserida realmente em uma sociedade de informação e conhecimento. Assim, os professores atuantes nos mais remotos municípios do interior da Paraíba, por exemplo, travarão conhecimento com a Internet, software livre, descobrindo as inúmeras possibilidades que o acesso à informação permite, ao mesmo tempo em que desenvolvem um conceito de autonomia na aprendizagem na construção de sua própria aprendizagem? Uma questão central que também precisa ser tratada é se a opção governamental pela modalidade a distância está inserida nas propostas de mudanças paradigmáticas, inclusive considerando que o ensino presencial não é capaz de realizá-las a contento. Para tanto, é de extrema importância para a compreensão da prática de EAD como uma modalidade de ensino, entender as mudanças ocorridas na produção que são um reflexo da transformação no padrão de acumulação econômica. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA PROGRAMA DE FORMAÇÃO INICIAL PARA PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO (Pró-Licenciatura). In: http://portal.mec.gov.br. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO – Curso de Licenciatura em Geografia Modalidade EAD. UEPB/UFRN. Cristiane Maria Nepomuceno 1713 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” REFLEXÕES SOBRE AMBIENTE INFORMATIZADO E CURRÍCULO Deise Juliana Francisco JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo REFLEXÕES SOBRE AMBIENTE INFORMATIZADO E CURRÍCULO Deise Juliana Francisco Universidade Federal de Alagoas RESUMO: O presente trabalho discute o processo de integração de tecnologias informáticas em escolas brasileiras, tendo como objeto de reflexão a dificuldade de relação entre seu uso pedagógico, a gestão escolar e o currículo. A discussão é realizada a partir de dados de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, na qual foram utilizados instrumentos como: diário de campo, observação participante e entrevistas com o coletivo escolar. A partir da triangulação dos dados, analisou-se a implementação de projeto de informática educativa em uma escola pública municipal. O foco deste artigo será as formas de uso de ambiente informatizado propostas para docentes da escola e a (des)articulação com o currículo. Aborda-se a necessidade de uma real integração das tecnologias ao fazer escolar na perspectiva de gestão democrática, para que haja a participação efetiva das tecnologias na construção de uma educação de qualidade e transformação nos modos de ensinar e de aprender. PALAVRAS-CHAVE: ambiente informatizado; currículo, inovação educativa. As tecnologias relacionam-se com a sociedade e com seus modos de existência (LÉVY, 1999). Em diferentes sociedades convivem tecnologias de várias épocas, convivem a memória, a escrita, a comunicação via e-mail Da mesma forma, na escola, convivem diferentes tecnologias (orais, escritas, informáticas) com agentes (estudantes, docentes, pesquisadores/as, funcionários/as, comunidade, e outros) e culturas (escrita, oral, informática, popular, escolarizada, etc.). Elas se articulam com o sistema cognitivo, adentram e engendram modos de conhecer, modos de ser, de conviver em um determinado contexto. Na história da educação, as tecnologias são presença constante, desde o uso da linguagem, do quadro, giz, rádio, televisão, computador e internet. Com relação aos computadores, sua incorporação no cotidiano escolar e seu uso pedagógico tornou-se mais recorrente a partir a década de 1980, como efeito de políticas públicas no campo da informática na educação. Tal ocorrência se deu, por um lado, pelo desenvolvimento das tecnologias informáticas (custos mais baixos e tamanho reduzido das máquinas) e, Deise Juliana Francisco 1717 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo por outro, pelo incentivo governamental na busca de responder às “demandas socioprodutivas” da sociedade e a “modernização” das escolas (AREA, 2006). No Brasil, houve diversos projetos de implantação do uso de informática na educação, tais como EDUCOM, EUREKA, GÊNESE, PROINFO. Moraes (2002) realiza uma análise de tais projetos e chega à conclusão de que, apesar das iniciativas, há falta de integração das tecnologias ao currículo e à gestão democrática: Apesar de apresentarem microcomputadores de capacidade técnica arcaica à realidade atual, o grande problema evidenciado em pesquisas nesses ambientes é a desarticulação no uso dessas tecnologias (ARAÚJO & MORAES, 2006, 2007; MOREIRA & MORAES, 2007). Apesar de ser atribuição dos NTE atender à capacitação dos técnicos, treinamento de professores e manutenção dos equipamentos, o que se observou foi um distanciamento desses núcleos até os laboratórios – resultando em sucateamento precoce de equipamentos, uso inapropriado da ferramenta e processos de ensino-aprendizagem desprovidos de integração com currículo e se resumindo ao entendimento do professor sobre o uso da tecnologia (ARAÚJO e MORAIS, s/d, p. 10). Assim, na perspectiva de gestão democrática e de articulação entre tecnologias digitais e o currículo vivenciamos um período incipente. Isso porque a inserção da informática educativa em escolas tem sido efetivada através de estratégias de promoção de reformulações do ensino, de seus métodos e objetivos, mas sem impacto sobre as formas de gestão escolares. Este fenômeno parece ser recorrente no campo educacional não só no Brasil, mas no mundo (AREA, 2006; SACRISTÁN, 1986). Sacristán discute que a perspectiva neoliberal está subjacente a algumas destas “inovações”, trazendo uma concepção de individualidade e a impossibilidade de se organizarem projetos amplos de reformas educacionais. Neste sentido, a subsistência de tais programas deve-se à carência de análise das condições das escolas, do ensino, dos docentes, da cultura, dentre outras questões, por não contemplarem no planejamento questões do cotidiano escolar. Isso porque a proposição de tais projetos é reiteradamente utilizada como uma possível resolução para o ensino devido ao fracasso de planos anteriores em atingir as metas preconizadas. Na década de 1990, a implantação de núcleos de informática se dava de forma isolada na escola, sem articulação com o planejamento mais amplo (GIRAFFA, 1991). Com processos de implantação de informática educativa autoritários, discussões segmentarizadas - nas quais a escola como um todo não foi envolvida nas discussões Deise Juliana Francisco 1718 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo preliminares (OLIVEIRA, 1997), houve dificuldades na integração do projeto ao currículo escolar, aliado à precária participação do poder público na manutenção do projeto de informática nas escolas. Assim, as tecnologias devem ser integradas no cotidiano escolar permitindo a gestão do processo pela própria escola, de forma significativa (PRATA, 2002). Se o processo for vertical, “de cima para baixo” - sem envolvimento dos atores educacionais (gestores, professores, funcionários, pais, alunos) -, ou se adotar uma visão de tecnologia como redentora dos problemas escolares, poderá seguir o caminho de várias reformas – fracasso. O currículo é aqui entendido enquanto uma construção social que organiza as práticas educativas em instituições de ensino (SACRISTÁN, 2000), não é apenas a grade ou a listagem de conteúdos a serem ministrados em determinada disciplina. Ele articula formas de trabalhar e de ensinar, aproximando-se ou afastando-se de certas práticas e espaços nos quais as mesmas são atualizadas, como ambiente informatizado, biblioteca, etc. A proposta de uso das tecnologias digitais na escola ancora-se na educação cidadã e em pressupostos pedagógicos que visam o uso das tecnologias para educar e não reproduzir modelos de escola transmissora de informações apenas. Portanto, no encontro da escola com as tecnologias digitais, aposta-se no tensionamento de currículos estruturados como grades que prendem os conteúdos. Não porque a tecnologia teria “em si” esta propriedade, mas sim porque seu uso articula-se com propostas educacionais inovadoras.Nesta mesma perspectiva, a articulação das tecnologias com a gestão escolar é fundamental. O presente artigo é um extrato de uma pesquisa mais ampla (XXX, XX) que discutia o processo de a implantação de um projeto de Informática Educativa em uma escola da rede pública do município de XX/XX. Aqui enfoca-se especialmente a organização do ambiente informatizado e sua relação com o currículo escolar, na perspectiva de propor uma integração das tecnologias à gestão escolar. METODOLOGIA: A abordagem metodológica utilizada foi de cunho qualitativo, procedendo-se a utilização de análise de conteúdo, sendo os dados interpretados à luz do referencial Deise Juliana Francisco 1719 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo teórico proposto. Foram realizadas observações participantes no transcorrer de 08 meses de forma sistemática na escola e no ambiente informatizado, tanto com a presença de docentes, coordenadoras do ambiente, estudantes e monitores. Tais observações constituíram-se em diário de campo, composto por registros do ambiente de trabalho bem como de apontamentos sobre fatos significativos. RESULTADOS E DISCUSSÃO: De forma balbuciante, os computadores foram se inserindo no cotidiano escolar: conversas das professoras pelos corredores comentando sobre a aprendizagem que as crianças efetuam sobre o uso de computadores, de seus gritos eufóricos no fumódromo1 ao lembrarem-se de que “tipo” de estudante aprende mais rapidamente a navegar (o mais desligado das atividades de aula, ou o que mais brigava, ou menos aprendia,...), das gargalhadas sobre fatos inusitados ocorridos no ambiente informatizado. Enfim, dos movimentos balbuciantes, articuladores de incipientes relações, emergência de conexões, virtualizações, escritas mediadas, realizadas sob forma de hipertexto ou de garatujas no papel. Pode-se pensar, a título de metáfora, que o movimento manifesta-se em forma de “nuvem” circundando um território (escola); “nuvem” esta que vai se dissipando, descendo, tomando formas através da entrada nos interstícios das formas educacionais instituídas que se abrem e são embebidas deste “éter”. No mesmo movimento, a “nuvem” se cristaliza, colorindo-se de diversas cores e de diferentes tonalidades, de acordo com a matéria que no território encontra. Desta mistura colorida acaba tendo visualidade uma rede que dantes não existia. Rede composta de antes e depois transformados em agora, pois que a constituição se dá no encontro. Formas instituintes e instituídas do estabelecimento fazendo rizoma com as tecnologias digitais na escola. A instalação do ambiente informatizado ficou reservada para ser efetuada na semana de inauguração da escola: panóplia de arquitetura dos prédios, arquitetura da sala de computadores, arquitetura dos computadores, decoração para as festividades, utilização de novos espaços a serem constituídos lugares. 1 Ambiente “criado” na sala de professores/as, especificamente na ala em que ficam armários e café, situado ao lado da janela, junto às plantas, tendo como função alojar as/os fumantes da escola. Deise Juliana Francisco 1720 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo Inicialmente, conforme relato de agentes escolares, os computadores foram tidos como elemento decorativo que poderia ser retirado a qualquer momento, tal como um enfeite de porta, descartável após cumprir suas funções de embelezamento, apesar do empenho dos agentes implementadores técnicos que, num curto lapso de tempo, instalaram os computadores. Assim, os computadores entram em clima de festividade e insegurança. Em estando instalados, fez-se necessário deliberar sobre quem seria o/a responsável pelo lugar, as atribuições, os usos, ou seja, sobre a colocação em funcionamento desta maquinaria na escola. A “montagem” do ambiente informatizado seguiu as regras gerais da escola para a elaboração de projetos os quais são aprovados mediante votação pelo coletivo da escola. Tal forma de escolha aponta um movimento de gestão democrática, na qual as decisões escolares se dão de forma coletiva, com ampla possibilidade de participação dos docentes que demonstram interesse em participar de determinadas atividades/projetos. Foram, assim, elaboradas três propostas para uso do ambiente informatizado, sendo duas as eleitas: uma para o turno da manhã e outro para o da tarde. Tive acesso às três propostas quando estavam expostas na escola, no dia da eleição, porém, detive-me nas duas “vencedoras”, relegando a segundo plano a terceira proposta. A discussão aqui efetuada, portanto, fixa-se na bi-polarização dos encaminhamentos possíveis das tecnologias digitais na escola. Com esta informação, assinalo que outras propostas advieram do meio escolar, não sendo, porém, aqui contemplados, devido à polarização que também efetuei na discussão dos dados. Ou seja, foram as duas propostas que vieram a se materializar na escola e a fazer parte de seu cotidiano, constituíram-se na matéria-prima de análise. As duas coordenadoras eleitas pelo coletivo da escola, uma para o turno da manhã e outra para o turno da tarde, montaram sua própria proposta de utilização do ambiente, tanto em nível administrativo quanto pedagógico. Desta forma, construindo proposta sobre quem faria uso do ambiente informatizado (todos docentes, apenas os interessados, os que tivessem projetos, os que tivessem noções de utilização de microcomputadores prévia, os que não as tivessem, ou qualquer um deles, dentre outras questões), horários de funcionamento do ambiente (seguiria ou não o horário da escola) ou como proceder com relação à formação dos docentes. Deise Juliana Francisco 1721 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo Na leitura das propostas inscritas para a eleição da coordenação do ambiente informatizado, podemos constatar diferentes proposições com relação ao entendimento sobre a inserção e usos do computador na escola. A proposta do turno da manhã contempla uma íntima articulação com a comunidade escolar e local, constituindo-se em proposição aberta, sem definições de atividades específicas, com links com a comunidade local. Por sua vez, a proposta para o turno da tarde é sistematizada, contemplando listagem de cursos e de conteúdos para estes, com enlaçamentos com a preparação de estudantes da escola para o trabalho. Um exemplo que explicita essa diferenciação relaciona-se à estruturação do cronograma. O projeto matinal contempla uma fase de sondagem, seguida por planejamento e utilização do computador com finalidade pedagógica e avaliação do andamento do trabalho. A proposta da tarde é composta por quatro módulos de ensino de softwares como MS-DOS, Windows 95 e Word 7.0, além de um módulo de monitoria. Neste último, o link é feito com alunos/as da escola, com objetivo de aprofundar conteúdos da linguagem de programação e prestar auxílio para o andamento das atividades no ambiente informatizado. Assim, a montagem do ambiente informatizado, de certa forma dividida a partir de pressupostos diferenciados aponta uma similaridade com os desenvolvimentos teóricos sobre informática educativa. Valente (1991), por exemplo, propõe uma categorização de algumas formas de chegada do computador à escola, ou seja, os usos que são feitos do computador no estabelecimento escolar, a saber: escola de informática, informática na escola, escola com informática. No primeiro item acima elencado - escola de informática - o computador entraria na escola como uma nova disciplina na grade curricular, enquanto ensino de informática, de softwares, na difusão da alfabetização informática (também denominada de computer literacy). A preposição - de - indica o uso que é realizado da máquina, sendo a informática “mais importante” do que a escola, no sentido de que o objetivo é a informática, assim como existem escolas de culinária, de aviação, de mergulho, em que a atividade fim do estabelecimento é designada pela partícula que vem após o de (informática, culinária, aviação, mergulho, ...). Desta forma, ensinar o manejo de aplicativos, como consta em uma das propostas da escola, poderia ser alocada nesta categoria, pois implica o uso, o manejo de Deise Juliana Francisco 1722 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo um instrumental. Os fins de tal ensino não podem ser determinados aprioristicamente, porém, usualmente, as justificativas apontam para o caráter instrumental do ensino, no sentido de preparar o estudante para o trabalho. Assim, este sairia da escola com uma habilitação e com maiores possibilidades de competir no mercado de trabalho, aumentando o contingente de trabalhadores com/de informática. O segundo item - informática na escola - coloca a escola enquanto lugar no qual vai ser alocada a informática. Assim, o foco está na maneira de tratar com as informações que a informática cria, sendo realizada a utilização de um suposto “raciocínio” informático. Algumas características de tal raciocínio: o método que esta disciplina informática - lança mão, a saber, a decomposição de processos complexos em operações simples, a forma de descrever os elementos e suas relações, bem como sua classificação; operações essas que podem ser exemplificadas no uso de algoritmos. Assim, ensinar a programar significa utilizar uma determinada habilidade dentre os processos cognitivos possíveis. Como coloca uma professora da escola, o uso de computadores desenvolve o raciocínio lógico de alunos e alunas, servindo, então, para o entendimento de conteúdos da matemática. O último item - escola com a informática - refere-se, segundo o mesmo autor (ibid., p.48) a como organizar a presença do computador para o ensino de todas as matérias, constituindo, portanto, a utilização didática de tal instrumento agora escolarizado, aproximando-se, portanto, da proposta do turno da manhã. Percebe-se que o uso do ambiente informatizado foi amplo no tocante às possibilidades, aliando atividades que envolviam a Internet e o correio eletrônico. Pode-se observar que foram se constituindo dois ambientes informatizados na escola, com diferenciadas características e formas de apropriação pelas professoras, nos dois turnos de funcionamento da escola por mim acompanhados (manhã e tarde). Alguns indícios resgatados de falas das professoras da escola sinalizam que a escola tem funcionamento diferenciado nos turnos (nas reuniões, normalmente eram efetuados encaminhamentos no turno da manhã para depois serem “apreciados” no turno da tarde). Deise Juliana Francisco 1723 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo Para além disso, a atuação das coordenadoras foi diferente no que diz respeito à atuação e envolvimento em reuniões pedagógicas, entrosamento com as colegas, dentre outras questões. Betty Collis (1996) analisou vários projetos de uso de informática nas escolas e constatou três níveis de problemas que se repetiram nos ditos projetos. Tais problemas relacionaram-se com a forma de implementação e com decisões que as coordenadoras do ambiente informatizado tiveram que tomar quando da construção de seus projetos e da ativação dos mesmos no cotidiano escolar. O primeiro nível de problemas refere-se a dificuldades no uso de computadores por parte da comunidade escolar e envolve: “brigas” com as máquinas e grande dispêndio de tempo; em termos de máquina, havia falhas no funcionamento de computadores e de softwares que, além disso, eram de difícil uso e instalação e/ou de valor muito elevado; número escasso de computadores para utilização e/ou aprendizagem por parte de alunos e alunas e de docentes das escolas; falta de acesso aos computadores por estes ficarem isolados em uma sala restrita a poucos/as usuários/as; inadequação das máquinas - computadores antigos, lentos, com memória limitada; falta de tempo para aprendizagem dos docentes, dentre outras questões. O segundo nível de problemas surge quando o primeiro está se esvanecendo, seja por iniciativa de professores e/ou do estabelecimento escolar e/ou mantenedora deste. Diz respeito à dificuldade de integração do computador ao ensino. Nesta “etapa”, o software é tido enquanto não eficiente ou apropriado para os objetivos do ensino. Posteriormente, alguns resultados positivos são descritos na prática, porém são limitados a lições (tarefas educativas) individuais, bem como a professores/as e/ou estudantes. Assim, acaba havendo uma relação entre “bons” professores e professoras e o uso de computadores, tornando-se uma experiência isolada da escola como um todo e imputada a características pessoais, sem ampliação e disseminação para outros/as docentes. A partir de observações realizadas na escola desde o início do trabalho das coordenadoras, foram estabelecidas algumas categorias. Elas ressaltam diferentes funcionamentos na interface humano-máquina. Assim, pode-se perceber, não é a simples presença da máquina que demarca modos de experimentar e de usar, mas sim os agenciamentos que constituem modos de relação (ALMEIDA, 2003). Deise Juliana Francisco 1724 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo As diferenças acabam por configurar funcionamentos próprios para cada turno e são postas sob forma de categorias para sua melhor visualização. Essas categorias foram estabelecidas a partir da tendência predominante de ação do grupo de professoras. Fazse necessário esclarecer que tais tendências não são exclusivas de um turno da escola, mas sim predominantes em um ou outro deles. Elas estão organizadas no quadro a seguir: CATEGORIAS TURNO MANHÃ TURNO TARDE Tipo de atividades desenvolvidas Projetos vinculados a conteúdos de sala de aula Utilização pontual, sem perspectiva de desenvolvimento de projetos Planejamento atividades Antecipado e colaborativo Isolado, preestabelecido ou sugerido pela coordenadora no momento de uso do ambiente informatizado Papel de articulação da coordenadora Dentro e fora do espaço oficial de reunião e entre professores Espaços oficiais de reunião Apropriação pela docente da proposta de Informática na Educação Assumindo seu papel de professora no ambiente informatizado Delegando responsabilidade das Quadro 1: Ambiente informatizado A fim de explicar pormenorizadamente cada uma das categorias, suas peculiaridades são elencadas: 1. Tipo de atividade desenvolvida no ambiente informatizado: refere-se à forma como os recursos informáticos vêm sendo utilizados ao longo do tempo e de como estes se articulam ou não com conteúdos desenvolvidos em sala de aula. Temos dois direcionamentos, basicamente: a) as professoras estão estabelecendo atividades cada vez mais estruturadas, e muitas estão se encaminhando para projetos vinculados a conteúdos de sala de aula; b) as professoras que utilizam computadores em sua prática pedagógica o fazem de maneira pontual, sem perspectivas de desenvolvimento da atividade para estabelecimento de um projeto. Deise Juliana Francisco 1725 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo 2. Planejamento das atividades: refere-se à forma como as atividades são concebidas e qual é o nível de colaboração entre coordenadoras e professoras na elaboração destas: a) professoras procuram a coordenadora para planejamento antecipado e colaborativo das atividades que irão ser desenvolvidas; b) professoras já vem com atividade preestabelecida (planejamento isolado), ou perguntam à coordenadora o que é possível fazer no momento em que estão com os alunos e alunas na sala. 3. Papel de articulação da coordenadora: aqui assinala-se de que forma e em que espaços são feitos os contatos com as professoras na mediação entre o trabalho de sala de aula e o ambiente informatizado: a) professoras são procurados pela coordenadora, que faz papel de articulação (inclusive entre professoras das diversas áreas do conhecimento) dentro e fora do espaço oficial de reunião; b) professoras só são procurados pela coordenadora nos espaços oficiais de reunião para questões organizativas e propostas de uso delineadas pela própria coordenadora. 4. Apropriação pelo professor de tecnologias digitais: refere-se ao engajamento em relação à utilização dos recursos informáticos por parte dos professores em sua prática pedagógica: a) gradativamente as professoras estão assumindo seu papel de coordenadores da atividade a ser desenvolvida, com apoio da coordenadora do ambiente informatizado; b) professoras delegam a responsabilidade da atividade desenvolvida à coordenadora do ambiente informatizado. O quadro ilustrativo e as explicitações pormenorizadas apontam que uma das coordenadoras preocupa-se com a aprendizagem dos alunos e alunas no sentido amplo (desenvolvimento cognitivo, social, afetivo, etc.) e em interagir com professoras e professores. A outra se preocupa com a aprendizagem com relação à apropriação da tecnologia e questões formais (ortografia); sua interação é pontual e limitada somente à atividade desenvolvida naquele período pela professora. A primeira tem uma postura que encaminha para a autonomia das professoras que fazem uso do ambiente informatizado e para a eliminação de seu próprio cargo; Deise Juliana Francisco 1726 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo enquanto isso, a coordenadora do turno da tarde demonstrou uma postura voltada para a dependência das professoras em relação à pessoa que “sabe de informática”; isto no leva a pensar sobre o próprio lugar da coordenação e suas “funções”. Analisando as tendências de cada turno, marcadamente diferenciadas, perguntome sobre os possíveis fatores que conduziram a esse fenômeno. A questão dos lugares instituído e instituinte - parece indicar uma das possibilidades explicativas. Nessa perspectiva, a questão não é apontar quais habilidades e talentos das respectivas coordenadoras teriam levado a tal ou qual encaminhamento. Dispo-me, assim, de intenções meritocráticas expressas pelo uso de categorias como características de personalidade, relações pessoais, dentre outras. Por isso, interessa-me discutir a possibilidade explicativa de que o desempenho das coordenadoras é efeito também de modos de sua própria institucionalização no papel. Uma delas, colocada inicialmente em um não-lugar, aparentemente desprovido de legitimidade, lugar situado no entre, porque não definido ainda pela força de sua nomeação/indicação oficial. Outra, instituída antes de experimentar, legitimada antes de se tornar legítima, sintonizada com o modo pedagógico instituído, nomeado, definido, num lugar que, por ter sido nomeado, oficializado, instituído, também tornou-se sintônico com outros modos institucionais. Entretanto, tais movimentos não são inflexíveis ou lineares, nem a ocupação de um destes lugares pelas coordenadoras é de “posse vitalícia”. O apontamento aqui demarcado refere-se à freqüência na ocupação de tais lugares observada durante a coleta de dados nesta pesquisa. Percebe-se que a forma de relação proposta entre o uso do ambiente informatizado e o fazer pedagógico articula-se com concepções de currículo e de informática. Ou seja, se a informática é um conhecimento necessário ela pode se tornar uma disciplina do currículo ou funcionar efetivamente como isso; se é uma tecnologia a ser operada em função das ações pedagógicas do docente, ela é uma atividade que transversaliza a grade curricular. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da análise e discussão dos dados, pode-se afirmar que a inovação pedagógica necessita ser pensada e articulada levando-se em consideração vários Deise Juliana Francisco 1727 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo elementos do acontecer institucional escolar. Quando Área (2003) discrimina tais elementos necessários, chama a atenção para a construção de um projeto institucional que insira as tecnologias informáticas operativamente na ação da inovação educativa. Para tanto, são necessários recursos e infra-estrutura adequados, formação de professores e disponibilidade de recursos pedagógicos digitais e equipes de apoio a professores e escola. Nos projetos desenvolvidos pelas coordenadoras do ambiente informatizado da escola percebemos que a infra-estrutura é necessária, porém não direciona os usos possíveis, até porque os recursos disponibilizados eram os mesmos para os turnos de funcionamento escolar. A articulação com o corpo docente e o currículo são peças fundamentais para que a inovação na escola possa acontecer articulada com as tecnologias digitais. Assim, reforça-se a necessidade de que o uso das tecnologias seja um desejo do coletivo escolar e que se articule com as políticas curriculares (MOREIRA e KRAMER, 2007). Num primeiro momento, a cultura escolar de fragmentação, isolamento, individualidade e dificuldade no compartilhamento das experiências pedagógicas (Área, 2003) pode direcionar alguns rumos da incorporação das tecnologias digitais, transformando as tecnologias em algo escolarizado, ou seja, em elemento que segue a lógica escolar. Porém, no embate entre o uso pedagógico das tecnologias digitais e a organização escolar, pode haver brechas para que a escola se insira em outro patamar educacional. Um patamar que envolve compartilhamento dos espaços escolares e não escolares, incluindo aqui o ambiente informatizado e integração entre práticas de diversas disciplinas escolares (SANTOS e BORGES, 2009). A opção pela construção de ambientes informatizados nas escolas pode ser pensado como um resquício da lógica escolar que separa ambientes e práticas curriculares. Se a proposta é de integração pedagógica das tecnologias digitais enquanto inovação pedagógica, a própria existência de uma sala para computadores pode ser problematizada. Uma prática inovadora necessita de um ambiente informatizado? Ou poderíamos utilizar os recursos articulados com as necessidades dos projetos desenvolvidos na escola? A sala de aula pode ser um local adequado para instalação de computadores? Deise Juliana Francisco 1728 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo Finalizo o artigo trazendo estas reflexões que articulam currículo, espaços escolares e tecnologias digitais. REFERÊNCIAS: ALMEIDA, M. Tecnologia e gestão do conhecimento na escola. IN: VIEIRA, A.; ALMEIDA, M.; ALONSO, M. (orgs.). Gestão educacional e tecnologia. São Paulo: AVERCAMP, 2003. ARAUJO, R; MORAES, R. Informática educativa e gestão democrática – uma história de incongruências. Disponível em: < http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/DRhYPJ kt.pdf>, data de acesso: 10/09/2009. AREA, M. Vinte anos de políticas institucionais para incorporar as tecnologias da informação e comunicação ao sistema escolar. In: SANCHO, J.; HERNÁNDEZ, F. (org.). Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 153-175. COLLIS, B. The Internet as an educational innovatio : lessons from experience with computer implementation. Educational Technology, v. 36, n. 6, p. 21-30, 1996. GIRAFFA, Lucia Maria Martins. Reflexões sobre o computador na escola. Porto Alegre : PUC/FE, 1991. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1991. LÉVY, P. As tecnologias da inteligência : o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro : Ed. 34, 1999. MORAES, R. Rumos da Informática Educativa no Brasil. Brasília: Plano, 2002. MOREIRA, A.; KRAMER, S. Contemporaneidade, educação e tecnologia. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1037-1057, out. 2007. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br OLIVEIRA, R. Informática educativa : dos planos e discursos à sala de aula. Campinas : Papirus, 1997. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). PRATA, C. Gestão escolar e as novas tecnologias. IN: ALONSO, M. et. al. Formação de gestores escolares : para a utilizaação de tecnologias de informação e comunicação. São Paulo, 2002. SACRISTÁN, J. Reformas educacionais: utopia, retórica e prática.. In : GENTILI, P.; SILVA, T. (Orgs.) Escola S.A : quem ganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília : CNTE, 1996, p. 50 74. Deise Juliana Francisco 1729 Reflexões sobre Ambiente Informatizado e Currículo SACRISTÁN, J. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3 ed. Porto Alegre: ArtMed, 2000. SANTOS, M. dos; BORGES, M. Alterações no cotidiano escolar decorrentes da implantação de laptops educacionais. Revista E-Curriculum, São Paulo, v. 4, n. 2, junho. 2009.Disponível em: <http://www.pucsp.br/ecurriculum> VALENTE, J. Liberando a Mente: Computadores na Educação Especial. Gráfica da UNICAMP, Campinas, São Paulo, 1991. Deise Juliana Francisco 1730 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” OS EFEITOS DA POLÍTICA NO CONTEXTO DA PRÁTICA: O DISCURSO PEDAGÓGICO RECONTEXTUALIZADO Edilene Rocha Guimarães JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado OS EFEITOS DA POLÍTICA NO CONTEXTO DA PRÁTICA: O DISCURSO PEDAGÓGICO RECONTEXTUALIZADO Edilene Rocha Guimarães RESUMO: O trabalho identifica os efeitos provocados pela política nas práticas curriculares desenvolvidas no território do cotidiano escolar e as recontextualizações produzidas no seu interior. Para isso realizamos observações diretas das práticas docentes de sala de aula de três disciplinas do Curso Técnico em Edificações do CEFET-PE. Nos resultados da análise dos dados, no que se refere às orientações do discurso pedagógico oficial (DPO) dos anos 2000, para o ensino médio e educação profissional, relacionadas às estratégias de “inclusão social”, não registramos temas ou projetos e práticas integradoras que promovam a formação integral numa concepção politécnica, indicando que os professores desenvolvem suas práticas curriculares de forma alheia às orientações da política, fabricando as práticas docentes de forma empirista e indutiva, enfraquecendo os efeitos primeira ordem da política como provocadores de mudanças. Para concluir, indicamos a necessidade de realizar futuras análises sobre os efeitos de segunda ordem da política no contexto da prática. PALAVRAS-CHAVE: Política e Prática Curricular. Cotidiano Escolar. Discurso Pedagógico. Adentrando no cotidiano escolar para compreensão dos efeitos da política no contexto da prática, faz-se necessário esclarecer alguns entendimentos teóricometodológicos sobre a pesquisa realizada no cotidiano. Nosso trabalho com o cotidiano se volta para as experiências e vivências dos professores que participam e constroem o cotidiano escolar. Assim, partimos da consideração que o estudo do cotidiano escolar envolve três dimensões principais que se inter-relacionam: o clima institucional; o processo de interação de sala de aula; a história de cada sujeito (ANDRÉ, M., 1989). Quanto aos efeitos da política no cotidiano escolar, compreendemos que as orientações de uma política são decididas através de um ciclo constituído por contextos interligados de forma não-hierárquica, segundo ciclo de políticas defendido por Ball (1994) em cinco contextos: contexto de influência, contexto da produção de texto, contexto da prática, contexto dos resultados/efeitos e contexto da estratégia política. Edilene Rocha Guimarães 1734 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado Esses contextos formam um ciclo contínuo produtor de políticas sempre sujeitas aos processos de recontextualização, os quais são produtores de discursos híbridos. Relacionando as dimensões que envolvem a pesquisa do cotidiano (ANDRÉ, M., 1989) com a compreensão sobre os contextos da política (BALL, 1994), consideramos que a dimensão que se refere ao “clima institucional” age como mediadora entre o contexto da produção de texto, o contexto de influência nacional e local e o que acontece no contexto da prática da escola. A dimensão que diz respeito ao “processo de interação de sala de aula” envolve a relação professor aluno em seus contextos, construindo um discurso pedagógico recontextualizado, a partir do discurso pedagógico local (DPL) constituído pelos documentos institucionais. Já a terceira dimensão que abrange a “história de cada sujeito”, manifesta no cotidiano escolar e em suas representações, induz à organização de táticas relacionadas à reconstrução das estratégias institucionais e das orientações da política nelas incorporadas. Neste trabalho priorizamos o entendimento da segunda dimensão que diz respeito ao “processo de interação de sala de aula”, visando compreender as interrelações entre prática docente e o discurso pedagógico recontextualizado. Paralelamente à abordagem do ciclo de políticas adotou-se a teoria de Basil Bernstein (1996, 2003) sobre o discurso pedagógico, “como referencial teórico para analisar a natureza da política investigada” (MAINARDES, 2006, p. 59). Partimos da consideração de que as orientações do discurso pedagógico oficial (DPO) dos anos 2000, para o ensino médio e educação profissional, relacionam-se às estratégias de “inclusão social”, incorporando um projeto de formação integral numa concepção politécnica, com aproximação aos modelos pedagógicos de competência de “modo radical”, que enfatizam as “regras distributivas” e “regulativas” envolvidas na “identidade descentrada no local”, produzida por procedimentos de “introjeção” (BERNSTEIN, 2003). 1 As Práticas docentes e o discurso pedagógico recontextualizado Para compreender as inter-relações entre práticas curriculares e o discurso pedagógico recontextualizado pela relação professor aluno, escolhemos como campo da Edilene Rocha Guimarães 1735 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado pesquisa o cotidiano do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco (CEFET-PE) 1. Realizamos observações diretas das práticas docentes de sala de aula de três disciplinas do Curso Técnico em Edificações2, durante o 1º semestre letivo de 2007, na modalidade subsequente: 1. Serviços Preliminares de Obras; 2. Planejamento e Controle de Obras; e na modalidade integrada: 3. Materiais de Construção I. Para complementar os dados, realizamos observações diretas de sala de aula, durante o 2º semestre letivo de 2007, da quarta disciplina: 4. Sistemas Construtivos (modalidade subsequente). Conforme orientações metodológicas de Mainardes (2006, p. 60) para estudo do ciclo de políticas, consideramos que a questão essencial do contexto dos resultados/efeitos e do contexto da estratégia política é a reflexão profunda sobre questões conjunturais e sobre as desigualdades sociais que são criadas ou reproduzidas pela política, e que somente podem ser identificadas “pela pesquisa criteriosa do contexto da prática por meio de observações prolongadas, entrevistas ou pesquisa etnográfica”. Destacamos que o contexto dos resultados ou efeitos – preocupa-se com questões de justiça, igualdade e liberdade individual. Ball (1994) distingue entre efeitos de primeira ordem e de segunda ordem. Os efeitos de primeira ordem referem-se a mudanças na prática ou na estrutura e são evidentes em lugares específicos ou no sistema como um todo. Os efeitos de segunda ordem referem-se ao impacto dessas mudanças nos padrões de acesso social, oportunidade e justiça social. Diante desse entendimento, nas observações diretas das práticas docentes de sala de aula, priorizamos a identificação dos efeitos de primeira ordem que se referem às mudanças na prática ou na estrutura da escola, através da análise do “texto pedagógico”, enquanto texto produzido/reproduzido e avaliado nas relações pedagógicas de transmissão/aquisição que se dão na sala de aula e expressam as vozes dos professores; para isso tomamos como referência a abordagem de Bernstein (2003) sobre o conhecimento recontextualizado (Anexos: Ilustração 01), na qual o autor define um quadro analítico para os modelos pedagógicos de competência e de desempenho em 1 Atualmente Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco – IFPE – Campus Recife. 2 O Curso Técnico em Edificações do CEFET-PE serviu como laboratório da SEMTEC/MEC para a implantação da reforma da educação profissional no Brasil nos anos 1990. Edilene Rocha Guimarães 1736 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado seus indicadores: 1. Categorias: discurso, espaço, tempo; 2. Orientação pedagógica para avaliação; 3. Controle pedagógico; 4. Texto pedagógico; 5. Autonomia pedagógica; 6. Economia pedagógica. 2 Modelos pedagógicos: o perfil do professor Escolhemos para detalhar neste artigo as análises das observações diretas das práticas docentes de sala de aula do Professor 03, da disciplina Materiais de Construção I (modalidade integrada), e do Professor 04, da disciplina Sistemas Construtivos (modalidade subsequente), por apresentarem indicadores mais diferenciados (Anexos: Ilustração 02). Perfil do Professor 03: Disciplina Materiais de Construção I (MC-I), III Semestre, do Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio. A disciplina Materiais de Construção I se configura como a 1ª disciplina da formação técnica na matriz curricular do curso, junto com a disciplina de Topografia I. O curso é oferecido na modalidade integrada, mas o 1º e 2º semestres do curso apenas oferecem disciplinas da base comum do ensino médio. Os alunos são egressos do ensino fundamental com faixa etária entre 14 e 19 anos. A prática docente do professor 03 apresenta a “categoria discurso” com classificação forte, relacionada à “transmissão” oral das competências especializadas, que são associadas a exemplos concretos através de situações ocorridas no contexto regional, associando-as às questões “meio ambientais”. Não há uma integração com outras disciplinas como química e física, visando o desenvolvimento de atividades interdisciplinares. É enfatizada a especialização dos sujeitos, através do desenvolvimento de habilidades medianas relacionadas ao domínio dos conceitos científicos, características e formas de aplicação dos materiais na construção civil, definindo os códigos e as funções profissionais que serão assumidas pelos alunos na divisão social do trabalho, mas que abre espaço para uma possível formação integral numa concepção politécnica, que associe trabalho, ciência, cultura (RAMOS, 2005) e meio ambiente. Os recursos didáticos tecnológicos, como apresentações em retroprojetor e datashow, além de vídeos sobre utilização de materiais na fabricação de elementos construtivos, são utilizados como facilitadores da exposição dos conteúdos. O laboratório de materiais de construção apenas foi utilizado uma vez para aula expositiva Edilene Rocha Guimarães 1737 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado ilustrada por exemplares desses materiais presentes no laboratório. As “regras de reconhecimento” e elaboração de textos legítimos são explícitas sem haver uma construção coletiva resultante de uma relação dialógica. Os adquirentes não têm controle sobre a seleção, seqüência e ritmo. Os desempenhos e a estratificação deslocam as diferenças entre os adquirentes, gerando incursões diferenciadas entre os adquirentes em sala de aula, que são levadas para a inserção no mercado de trabalho daqueles que mais se destacam por indicação do professor. Na “categoria espaço” a classificação é forte; o espaço e as práticas pedagógicas específicas são marcadas e reguladas pelo professor. Os adquirentes não possuem liberdade para construção de seu espaço pedagógico, pois é previamente determinado pelo professor. Os limites regulatórios são bem definidos pelo professor, que apresenta aos alunos seu currículo enquanto doutor em engenharia, denotando uma relação de poder que regula o espaço pedagógico da sala de aula. Por se constituir de uma turma com faixa-etária entre 14 e 19 anos, o ambiente se apresenta agitado e com conversas paralelas que são parcialmente controladas pelo professor. O “tempo” futuro é enfatizado, visando a formação do profissional que domina cientificamente as propriedades dos materiais e que aplicará no dimensionamento de estruturas construtivas que serão utilizadas na atividade profissional. O tempo é explícito ou minuciosamente pontuado como marcador das atividades relacionadas à compreensão dos conceitos; no entanto, o professor no início da aula perde cerca de 30min organizando os recursos didáticos tecnológicos. A pontuação do tempo decorrida durante o desenvolvimento da aula constrói o futuro do adquirente enquanto profissional a ser inserido no mercado de trabalho. As atividades têm um sequenciamento forte e bem definido. O ritmo é acelerado através da transmissão de conceitos, mas o professor abre espaço para questões dos alunos. A ênfase recai na “transmissão” do conhecimento, visando o tempo futuro da atividade profissional, através da inserção do adquirente no mercado de trabalho. Assim, a dimensão do tempo da prática pedagógica é o tempo futuro. Com relação à “orientação pedagógica da avaliação” a ênfase está naquilo que falta no produto, ou seja, no adquirente. O professor aplica provas individuais como atividade avaliativa. As “regras de realização” das provas não são previamente informadas aos adquirentes, pois só no momento da aplicação da 1ª prova o professor Edilene Rocha Guimarães 1738 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado avisa que vai permitir a consulta em materiais didáticos como livros e anotações. Os adquirentes desavisados não possuem instrumentos de consulta, fato que dificultou as respostas dos adquirentes às questões. A prova configura-se como aplicação de conceitos das ciências dos materiais na construção civil, quanto à importância do estudo científico dos materiais, salientando as propriedades desses materiais e segurança estrutural, conforto higrotérmico e durabilidade. As questões são estruturadas para serem respondidas de forma dissertativa com formulações de conceitos e justificativas. Para o semestre letivo são previstas duas avaliações. A ênfase da correção da prova está nos elementos que faltam na resposta das questões como produto final. Como a ênfase está na ausência no produto do adquirente, os critérios avaliativos são explícitos e específicos, levando o adquirente à tomada de consciência de como reconhecer e realizar o texto legítimo. Assim, o professor 03 tem como orientação pedagógica da avaliação a ênfase nas ausências. O espaço, tempo e discurso originam classificações e enquadramentos explícitos, que são relacionados ao indicador “controle” e que são constituídos através da “transmissão” de ordens relacionadas a critérios para compreensão dos conceitos, definindo um controle de posição. O professor conduz os adquirentes à regulação disciplinadora, visando a formação do profissional que irá atuar na supervisão das atividades de canteiros de obras, mas o professor sente dificuldades de realizar esse controle, devido aos adquirentes serem adolescentes na faixa etária entre 14 a 19 anos e se apresentarem agitados e desconcentrados em sala de aula. O controle não é pessoal e sim imperativo, visando o grupo de adquirentes no todo. Como a enquadramento é forte, o transmissor tem um controle explícito sobre a seleção, seqüência e ritmos da prática pedagógica, como também, os alunos são considerados em termos de atenção, interesse, cuidado e esforço. Portanto, o controle é explícito. Quanto ao “texto pedagógico”, é valorizado o desempenho do adquirente na compreensão das propriedades dos materiais e sua aplicação em estruturas construtivas, através da “transmissão” pelo professor de conceitos e exemplos ocorridos no contexto regional. Esse desempenho é expresso por meio de notas, que origina um trabalho de correção com uma teoria diagnóstica correspondente. A atuação do professor 03 consiste em uma prática pedagógica explícita que enfatiza a aplicação de Edilene Rocha Guimarães 1739 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado conhecimentos; no entanto, o professor parece utilizar conceitos físico-químicos ainda não conhecidos pelo adquirente e parte da consideração que o adquirente os domina. A “autonomia pedagógica” relaciona-se a uma modalidade extrovertida, que é regulada por agentes externos relacionados ao mercado da construção civil, não obstante as influências internas do próprio sujeito. Devido à modalidade ser extrovertida, a autonomia é baixa em virtude da regulação externa dos futuros desempenhos dos adquirentes. No entanto, o professor possui uma autonomia relativa, uma vez que desenvolve uma prática docente que valoriza a compreensão dos conceitos científicos e sua aplicação nos materiais de construção. Os recursos didáticos como transparências e datashow são elaborados pelo próprio professor, exigindo certo grau de autonomia. Assim, o professor 03 apresenta uma autonomia relativa. No que se relacionam à “economia pedagógica”, os custos de transmissão são baixos. A formação está associada a uma base teórica mais elaborada, devido à exigência da apropriação científica de conceitos com aplicabilidade nos materiais de construção, mas a prática do professor não se baseia em atividades práticas experimentais em laboratórios específicos ou nos canteiros de obras, que o aproxima aos modelos pedagógicos de desempenho. O caráter explícito da transmissão faz com que a prática pedagógica seja menos dependente dos atributos pessoais do professor, desde que domine os conceitos científicos e tenha experiência profissional no mercado da construção civil. O modelo é suscetível ao controle da gestão escolar em seus aspectos econômicos, pois o planejamento e o monitoramento não geram custos invisíveis, devido às estruturas explícitas da transmissão. Em resumo, a economia pedagógica relaciona-se ao baixo custo. Com relação às concepções sobre o “currículo integração”, caracterizado por Bernstein (1996) como aquele que apresenta fronteiras entre as disciplinas pouco nítidas com fraca classificação e enquadramento, destacamos que a prática pedagógica do professor 03 não coaduna com essas concepções, pois não realiza uma integração da disciplina Materiais de Construção I (MT-I) com outras disciplinas como a química e a física, visando o desenvolvimento de atividades interdisciplinares, denotando a presença de nítidas fronteiras entre as disciplinas do curso, demarcando forte classificação e enquadramento, características que são encontradas no “currículo coleção”. Perfil da Professora 04: Disciplina Sistemas Construtivos (SC), Módulo II – Edilene Rocha Guimarães 1740 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado Execução de Obras, do Curso Técnico em Edificações Subsequente. A quarta professora vem se destacar de forma bastante diferenciada da prática dos demais professores. Na categoria “discurso”, a classificação é relativamente fraca, mesmo que sua prática se relacione à “transmissão” oral de suas vivências nos canteiros de obras como profissional da construção civil; através da utilização de exemplos concretos e contextualizados que são associados aos conceitos teóricos específicos, identificamos que sua prática é desenvolvida a partir dos saberes prévios dos alunos e construída de forma dialogada com os alunos. É enfatizada a especialização dos sujeitos, através do desenvolvimento de habilidades relacionadas ao acompanhamento das atividades referentes aos sistemas construtivos de obras da construção civil, definindo o código e as funções profissionais que serão assumidas pelos alunos na divisão social do trabalho em níveis intermediários, que são enfatizados devido à professora ser também supervisora de estágio. Os recursos didáticos tecnológicos, como apresentações em retroprojetor e datashow, além de vídeos que mostram as etapas de fabricação dos sistemas construtivos (fundações, alvenaria, pilares, lajes), são utilizados como facilitadores da exposição dos conteúdos. São realizadas visitas técnicas às obras da região como recurso didático, visando a aprendizagem através da explanação dos processos construtivos pelos responsáveis da obra e da observação das atividades in loco. Mesmo valorizando a transmissão, as “regras de reconhecimento” e elaboração de textos legítimos estão implícitas. Os adquirentes têm relativo controle sobre a seleção, seqüência e ritmo. No entanto, de modo semelhante aos demais professores, os desempenhos e a estratificação deslocam as diferenças entre os adquirentes, gerando incursões diferenciadas entre os adquirentes em sala de aula, que são levadas para a inserção no mercado de trabalho daqueles que mais se destacam por indicação da professora. Já a “categoria espaço” possui uma classificação fraca. Existem poucos espaços pedagógicos especialmente definidos, embora as visitas técnicas que são consideradas como locais facilitadores da aprendizagem sejam claramente determinadas pela professora. Os adquirentes têm algum controle sobre a construção de novos espaços como locais pedagógicos, definidos pela participação dos alunos na construção de suas competências através da elaboração e apresentação de seminários, como também, pela participação no planejamento e organização das atividades da Semana de Ciência, Edilene Rocha Guimarães 1741 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado Tecnologia e Meio Ambiente (SECTMA), realizada no período de 01 a 05/10/2007. A circulação nos espaços é facilitada devido aos poucos limites regulatórios, não restringindo o acesso e a movimentação. Também na “categoria tempo” a classificação é relativamente fraca, mesmo o tempo futuro sendo valorizado, como forma de garantir a formação do profissional que vai acompanhar a execução dos sistemas construtivos das alvenarias, do concreto armado e das coberturas nos canteiros de obras. O tempo não é explícito ou minuciosamente pontuado como marcador das atividades relacionadas à compreensão dos conceitos e detalhamento dos processos e etapas construtivas. Assim, o tempo presente é enfatizado e seu sequenciamento apresenta-se fraco e implícito nas diferentes atividades (sem uma sucessão aparente). Já o ritmo é relativamente acelerado através da “transmissão” de conceitos e com exemplificação dos processos e etapas construtivas. A professora abre um bom espaço para questões dos alunos. A ênfase recai na construção do conhecimento que o adquirente está revelando em um momento particular, mas também visa o tempo futuro da atividade profissional, através da inserção do adquirente no mercado de trabalho. No que se refere à “orientação pedagógica da avaliação”, a ênfase é dada naquilo que está presente no produto do adquirente. A avaliação é formativa e se desenvolve de forma processual no diálogo da professora com os alunos em sala de aula. A professora estrutura trabalhos em equipe a serem construídos como atividade extraclasse e apresentados em forma de seminário, como instrumento avaliativo de conclusão da disciplina. Os critérios de avaliação do “discurso instrucional” são implícitos e difusos. Já os critérios do “discurso regulador” das relações em sala de aula (critérios de conduta, atitudes e relação) são mais explícitos, visando a orientação comportamental para as futuras atividades profissionais dos adquirentes. Desse modo, a orientação pedagógica da avaliação dá ênfase nas presenças. Quanto ao “controle”, o espaço, o tempo e o discurso não originam enquadramentos e classificações explícitos; essas variáveis não constituem nem transmitem ordens. A falta de enquadramentos e classificações explícitos torna a possibilidade e o uso do controle posicional uma estratégia de baixa prioridade. Além disso, esse controle influi sobre o conceito do transmissor como facilitador e do adquirente como auto-regulador. O controle, então, tende a ser inerente às formas Edilene Rocha Guimarães 1742 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado personalizadas (que variam de aluno para aluno), as quais são realizadas em formas de comunicação com enfoque nas participações, intenções, disposições, relações e reflexibilidade do adquirente. Assim, os modos posicional e imperativo de controle são menos privilegiados pela professora, que valoriza o controle implícito. O “texto pedagógico” revela o desenvolvimento da competência do adquirente, de modo cognitivo-comportamental, preparando o adquirente para inserção no mercado de trabalho como gestores de obras, priorizando a formação de condutas relacionadas à supervisão, controle e planejamento de obras; por isso há uma desvalorização das atividades de execução das etapas dos processos construtivos. A professora opera com uma teoria de leitura do produto que o adquirente lhe oferece através de sua participação nas atividades da aula. Essa teoria de leitura marca a atuação profissional da professora e se constitui como recontextualização das ciências sociais e psicológicas, as quais legitimam esse modo pedagógico cognitivo-comportamental. Consequentemente, o significado dos signos de um adquirente não está ao alcance do adquirente, apenas é de domínio do professor. A “autonomia pedagógica” relaciona-se a uma modalidade extrovertida, que é regulada por agentes externos relacionados ao mercado da construção civil. Devido à modalidade ser extrovertida, a autonomia é baixa, em virtude da regulação externa dos futuros desempenhos dos adquirentes, enquanto gestores de obras civis. No entanto, a professora possui uma autonomia relativa, que valoriza as características particulares dos adquirentes e seus contextos, mas que constrói valores e atitudes a serem assumidos nas condutas profissionais, enquanto funções de níveis intermediárias relacionadas à gestão de obras. Os recursos didáticos são elaborados pela própria professora exigindo certo grau de autonomia. Assim, consideramos que a prática docente da professora 04 relaciona-se a uma autonomia relativa, definindo o código e as funções profissionais que serão assumidas pelos alunos na divisão social do trabalho em níveis intermediários. Com relação à “economia pedagógica”, os custos de transmissão são mais elevados. A formação está associada a uma base teórica com aproximação aos modelos pedagógicos de competência, por isso, existem custos invisíveis referentes aos aspectos que são necessários para que a prática docente seja bem-sucedida em seus próprios termos. Os custos invisíveis referem-se ao tempo despendido em cada tarefa. O Edilene Rocha Guimarães 1743 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado processo avaliativo formativo requer tempo para estabelecer o perfil do adquirente e fornecer o feedback sobre seu desenvolvimento. Esses custos invisíveis não são reconhecidos pela gestão escolar; fazem parte dos compromissos individuais da professora, exigindo tempo para planejamento e monitoramento de sua própria prática. Portanto, a economia pedagógica apresenta um custo elevado. Diante dos indicadores analisados, podemos afirmar que a professora 04 possui uma prática pedagógica que se aproxima dos modelos pedagógicos de competência, mas que está relacionada à formação polivalente multiqualificação (DELUIZ, 1995). No entanto, consideramos que a prática docente da professora 04 pode representar um processo de recontextualização da formação polivalente multiqualificação, como uma possível concretização futura da formação integral numa concepção politécnica. Acreditamos na possibilidade de uma prática individual diferenciada influenciar na construção coletiva de uma nova ordem ambivalente das práticas docentes (BAUMAN, 1999). 3 Modelos pedagógicos: o contexto da prática Inicialmente, para a análise dos modelos pedagógicos no contexto da prática, partimos da abordagem de Bernstein (2003) sobre modelos pedagógicos e seus modos, em seus indicadores (Anexos: Ilustração 03). Podemos distinguir três modos distintos de modelos de competência: liberal/progressivista; populista; radical. Para os modelos de desempenho, podemos distinguir três modos de acordo com sua base de conhecimento, enfoque e organização social: singulares; regiões; genérico. A disciplina observada Materiais de Construção I (MC-I) faz parte da matriz curricular do Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio, o qual apresenta um regime semestral, agrupando as disciplinas em oito semestres, segundo sistema de créditos, com tempo curricular total de quatro anos na modalidade integrada. As observações realizadas demonstram que a prática pedagógica do professor dessa disciplina tem aproximação aos modelos pedagógicos de desempenho relativo ao “modo singulares”, a qual está inserida numa estrutura curricular composta por disciplinas singulares que se apresentam na forma narcisista, orientadas para seu próprio desenvolvimento, protegidas por limites e hierarquias fortes, não havendo movimentos em direção à regionalização. No entanto, percebemos também influências externas que Edilene Rocha Guimarães 1744 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado vêm das relações com o mercado da construção civil, que trazem elementos dos modelos pedagógicos de desempenho de “modo genérico” para o discurso pedagógico recontextualizado do professor observado, como forma de produzir análises funcionais das características subjacentes necessárias para a execução de uma habilidade, tarefa, prática ou mesmo uma área de trabalho, visando a utilização eficaz dos materiais de construção nos processos construtivos realizados nos canteiros de obras. A aula acontece de forma contextualizada, através de exemplificações de situações ocorridas na região, devido ao uso irregular dos materiais de construção; além de apresentar exemplos práticos sobre controle de qualidade do produto, do conforto ambiental e das questões meio ambientais, visando às necessidades do mercado da construção civil. No entanto, essa contextualização relaciona-se, também, à “transmissão”, não havendo atividades práticas experimentais em laboratórios específicos ou nos canteiros de obras. Destaca-se que o Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio foi implantado em 2006, após a publicação do Decreto nº 5.154/2004 e tem por princípio uma proposta de integração entre os conhecimentos gerais e específicos, mas em nossas observações não registramos temas ou projetos e práticas integradoras nessa forma curricular, caracterizando apenas um currículo justaposto. A disciplina observada Sistemas Construtivos (SC) faz parte da matriz curricular do Curso Técnico em Edificações Subsequente e está localizada no Módulo II – Execução de Obras. As observações realizadas nessa modalidade de ensino demonstram que, mesmo com uma estrutura curricular que tem aproximação aos modelos pedagógicos de desempenho relativo ao “modo regiões”, a disciplina Sistemas Construtivos (SC) se apresenta de forma diferenciada das demais disciplinas, pois a prática pedagógica desenvolvida tem aproximação aos modelos pedagógicos de competência de “modo populista”, tomando como referência a validade das competências comunicativas intrínsecas à gestão de uma cultura local relacionada aos canteiros de obras da região, opondo-se às práticas curriculares predominantes no curso, como forma de valorizar práticas e contextos pedagógicos locais. No entanto, percebemos também influências externas que vêm das relações com o mercado da construção civil, que trazem elementos dos modelos pedagógicos de desempenho de “modo genérico” para o discurso pedagógico da professora observada, como forma de produzir análises funcionais das características subjacentes necessárias para a execução Edilene Rocha Guimarães 1745 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado de uma habilidade, tarefa, prática ou mesmo uma área de trabalho, visando a gestão da qualidade dos processos construtivos realizados no canteiro de obras. Alertamos que a recontextualização realizada pela professora ainda valoriza a “transmissão”, não havendo atividades práticas experimentais em laboratórios específicos e as visitas técnicas às empresas visaram exclusivamente a observação in loco dos processos construtivos realizados nos canteiros de obra, descartando a possibilidade de execução desses serviços. 3.1 Modelos pedagógicos, oposições e identidades Na compreensão dos modelos pedagógicos, suas oposições e identidades, destacamos o quadro analítico definido por Bernstein (2003) para o campo da recontextualização (Anexos: Ilustração 04), o qual apresenta as possibilidades discursivas em dois eixos: controle e discurso. O controle se refere à função terapêutica e econômica geral, e o discurso se refere ao modo pedagógico. Quanto à construção da identidade é definida enquanto elementos introjetados e projetados. As observações da disciplina Materiais de Construção I (MC-I) do Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio não permitem definir as aproximações das identidades produzidas, devido ao curso ser criado recentemente, possuindo apenas duas turmas e esta disciplina observada se configura como a primeira disciplina da área técnica ministrada no curso, junto com a disciplina Topografia I. Parece que a identidade ainda está sendo fabricada pelas práticas cotidianas, mas percebemos que a tendência será a definição de uma “identidade projetada”, relacionada aos “modelos pedagógicos de desempenho”, já que é um curso técnico voltado para a inserção do aluno na futura atividade profissional a ser realizada nos canteiros de obras, com visível valorização do fator econômico que envolve o mercado da construção civil. Destacamos que a disciplina observada Sistemas Construtivos (SC) do Curso Técnico em Edificações Subsequente, mesmo tendo aproximação com os “modelos pedagógicos de competência de modo populista”, apresenta uma “identidade projetada” vinculando-se ao contexto predominante do projeto curricular do curso (BRASIL, 2005). No entanto, como a matriz curricular permanece com as “disciplinas singulares”, abre espaço para que as disciplinas desenvolvam uma nítida autovedação autônoma firmando também “identidades narcisistas”. Essas identidades são elaboradas por Edilene Rocha Guimarães 1746 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado “procedimentos de introjeção”, que dificultam a integração curricular e geram práticas curriculares ambivalentes e complexas (LOPES, 2005). Através dos resultados da análise dos dados colhidos nas observações das disciplinas podemos afirmar que as identidades produzidas são “projetadas” para uma futura atividade profissional a ser realizada no interior dos canteiros de obras. As características dessa identidade são provenientes dos modelos pedagógicos de desempenho tanto do “modo regiões”, conforme orientações do projeto curricular que são seguidas pelos professores, como do “modo genérico”, proveniente de influências externas advindas do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA) e das empresas de construção civil da região. 3.2 O Campo de recontextualização e sua dinâmica Para análise do campo recontextualizador e sua dinâmica, interessa saber como o campo recontextualizador pedagógico (CRP) faz o deslocamento dos modelos pedagógicos e seus modos que são propostos pelo campo recontextualizador oficial (CRO), principalmente no que se refere às formas de aquisição/transmissão dos conhecimentos e das competências especializadas (BERNSTEIN, 2003). Diante desse esclarecimento, esta pesquisa considerou as possíveis influências das mudanças nas políticas educativas e curriculares brasileiras, no que se referem ao deslocamento entre modelos de competência e desempenho e seus modos, e suas recontextualizações no contexto da prática, através das observações realizadas em sala de aula. Destacamos que o professor da disciplina Materiais de Construção I (MC-I) abandona o enfoque behaviorista predominante nos primeiros professores observados e procura adotar uma abordagem pedagógica que valoriza a construção do conhecimento a ser utilizado na atividade profissional futura, através do entendimento dos conceitos científicos relacionados às características dos materiais e suas aplicações na construção civil, revelando um avanço em sua prática docente, que está fundamentada nas teorias construtivistas, mas que ainda direciona o campo recontextualizador pedagógico (CRP) para bases teórico-metodológicas dos modelos pedagógicos de desempenho de “modo singulares”, mesmo dentro de uma matriz curricular da modalidade integrada. A professora da disciplina Sistemas Construtivos (SC) de forma diferenciada insere-se no “campo recontextualizado pedagógico” (CRP) que tem bases teórico- Edilene Rocha Guimarães 1747 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado metodológicas dos modelos pedagógicos de competência de “modo populista”, que possibilita a criação de práticas curriculares autônomas e de novas formas de aquisição, visando a incorporação de aspectos emancipatórios, mas se apresenta de forma híbrida com influência forte do “modo regiões”, devido à matriz curricular modular, e do “modo genérico”, devido às influências externas relacionadas à economia de mercados. Através dos resultados da análise dos dados coletados nas observações das disciplinas, podemos afirmar que o campo recontextualizador pedagógico (CRP) relacionado às práticas docentes possui suas bases teórico-metodológicas nos modelos pedagógicos de desempenho de “modo singulares”, mas se apresenta de forma híbrida com influência forte do “modo genérico” oriunda do mercado da produção civil. Esse hibridismo abre espaço também para práticas diferenciadas que se aproximam dos modelos pedagógicos de competência de “modo populista”, que podem provocar mudanças nas práticas docentes dos demais professores, tornando-as mais ambivalentes e complexas, mas que ainda se distanciam do “campo recontextualizador oficial” (COR) dos anos 2000, que relaciona a formação integral às bases teórico-metodológicas dos modelos pedagógicos de competência de “modo radical”. 3.3 O Estado e a recontextualização do discurso pedagógico oficial Nas observações realizadas nas disciplinas não identificamos formas de regulação oficial sobre os procedimentos recontextualizadores, principalmente no que se refere aos novos ordenamentos embutidos nas orientações da política dos anos 2000, relacionados à formação integral numa concepção politécnica, com aproximação aos modelos pedagógicos de competência de “modo radical”. Como também, não observamos mudanças nas práticas curriculares que incorporem princípios da formação integral numa concepção politécnica, como efeito de primeira ordem provocado pelos novos ordenamentos nas orientações da política dos anos 2000 (BALL, 1994). 3.4 Reorganização do capitalismo e a formação de identidades Nossas análises serão dirigidas ao campo contemporâneo da formação de identidades (Anexos: Ilustração 05) , que traz três novas construções fundamentais de identidade, com oposições tanto no interior de cada construção como entre elas. Essas identidades são definidas por Bernstein (2003) como: descentradas, retrospectivas e prospectivas. Edilene Rocha Guimarães 1748 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado As disciplinas observadas têm suas identidades originadas nos significadores de mercados da construção civil, visando a instrumentalização do aluno para atuar nesse mercado como mão de obra especializada, semelhante ao que foi identificado na análise do projeto curricular do curso (BRASIL, 2005). Assim, com relação à formação de identidades no contexto de reorganização do capitalismo, as práticas curriculares estão associadas à “identidade prospectiva de região”, com finalidades econômicas e instrumentais, mas centradas nas necessidades locais de mercado, visando a inserção futura dos alunos no mercado de trabalho regional, como forma de responder às orientações do discurso pedagógico oficial (DPO) quanto às estratégias de “inclusão social”, mas não incorporam no seu todo um projeto de formação integral numa concepção politécnica, segundo orientações do discurso pedagógico oficial dos anos 2000, que enfatizam as “regras distributivas” e “regulativas” envolvidas na “identidade descentrada no local”, produzida por procedimentos de “introjeção”. Considerações finais No processo compreensivo sobre os efeitos provocados pela política nas práticas curriculares desenvolvidas no território do cotidiano escolar e as recontextualizações produzidas no seu interior, quanto às orientações do discurso pedagógico oficial (DPO) dos anos 2000, para o ensino médio e educação profissional, relacionadas às estratégias de “inclusão social”, não registramos temas ou projetos e práticas integradoras que promovam a formação integral numa concepção politécnica, indicando que os professores desenvolvem suas práticas curriculares de forma alheia às orientações da política, fabricando as práticas docentes de forma empirista e indutiva, enfraquecendo os efeitos primeira ordem da política como provocadores de mudanças. Para concluir, indicamos a necessidade de realizar futuras análises sobre os efeitos de segunda ordem da política no contexto da prática. Referências ANDRÉ, Marli E. D. A. A pesquisa no cotidiano escolar. In: FAZENDA, Ivani C. A. Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. BALL, Stephen J. Educational reform: a critical and post-structural approach. Buckingham: Open University Press, 1994. Edilene Rocha Guimarães 1749 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. BERNSTEIN, Basil. A Pedagogização do conhecimento: estudos sobre recontextualização. Cadernos de Pesquisa, n. 120, p. 75-110, novembro/ 2003. Instituto de Educação da Universidade de Londres. Tradução: Maria de Lourdes Soares e Vera Luiza Visockis Macedo. Disponível: <http://www.scielo.br> Acesso: agosto 2006. ______. A Estruturação do Discurso Pedagógico: Classe, Códigos e Controle. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Centro Federal de Educação tecnológica de Pernambuco. 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Edilene Rocha Guimarães 1750 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado ANEXOS Ilustrações Ilustração 01 – Modelos pedagógicos: competência e desempenho Fonte: Basil Bernstein (2003, p. 81) Ilustração 02: Quadro Analítico do Discurso Pedagógico dos Professores Fonte: o autor da pesquisa Edilene Rocha Guimarães 1751 Os Efeitos da Política no Contexto da Prática: o Discurso Pedagógico Recontextualizado Ilustração 03 – Modelos pedagógicos e seus modos Ilustração 04 – Modelos, oposições e identidades Fonte: Basil Bernstein (2003, p. 95) Ilustração 05 – Reorganização do capitalismo e a formação de identidades Fonte: Basil Bernstein (2003, p. 105) Edilene Rocha Guimarães 1752 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” POLÍTICAS EDUCACIONAIS E EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica POLÍTICAS EDUCACIONAIS E EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa Mestranda PPGE/UFPB [email protected] RESUMO: O presente artigo trata de uma reflexão sobre o uso das TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação no contexto da atual sociedade informatizada, considerando que as mudanças apresentadas por estas tecnologias requer uma educação continuada para sua implementação no cotidiano da escola. O grande desafio é preparar o professor para a utilização das tecnologias da informação em suas disciplinas, respeitando a heterogeneidade dos aprendentes, suas necessidades e ritmos de aprendizagem, para que seja possível criar espaços de interação favorável ao desenvolvimento crítico dos conteúdos e recursos tecnológicos utilizados, e criar aportes científicos fundamentais para a formação de indivíduos competentes, capacitados para lidar com as novas configurações e características sociais e políticas atuais, e garantir bom nível de educação para todos. PALAVRAS-CHAVE: Tecnologia Educacional, Políticas Educacionais, Recursos Tecnológicos. ABSTRACT: This article is a reflection about the use of ICT – Information and Communication Technologies in the context of today’s information society, considering that the changes presented by this technologies requires a continued education for its implementation on the school’s routine. The great challenge is to prepare the teacher for the utilization of the information technologies in their disciplines, respecting the diversity of learners, their needs and learning rhythms, so that is possible to create interaction spaces propitious to the critical development of the content and technological resources used, able to deal with new configurations and social characteristics and current politics, and to guarantee a good level of education for all. KEY WORDS: Educational Technology; Educational Politics; Technology Resources Introdução: Na sociedade atual o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nos processos educativos apresenta uma profunda mudança na organização dos Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1756 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica seus principais segmentos, havendo quem a considere um novo paradigma técnicoeconômico, onde é preciso competência para transformar a informação em conhecimento, e a dinâmica dessa sociedade requer uma educação continuada, que permita ao indivíduo não apenas acompanhar as mudanças, mas, sobretudo, inovar. Assim sendo, os produtos e serviços de informação, desde os dados, textos, imagens, sons, softwares, vídeos, materiais impressos, hipertextos etc., são identificados na rede Internet com o nome de conteúdos, e é por meio desta operação de redes de conteúdos que a sociedade vai mover-se para a sociedade da informação. De acordo com os argumentos de Castells (2001), é preciso aliar á tecnologia a capacidade do indivíduo em aprender a captar, gerir, disseminar e aplicar o conhecimento adquirido. As novas tecnologias da informação e comunicação permitem que os indivíduos e grupos sejam conectados e desconectados num constante jogo de decisões estratégicas: “nossas sociedades estão cada vez mais estruturadas em uma posição bipolar entre a Rede e o Ser” (Castells, 2001, p.23). Levy, (1999, p.169), afirma que: “Os indivíduos toleram cada vez menos seguir cursos uniformes ou rígidos que não correspondem as suas necessidades e á especificidade de seu trajeto de vida”. Ainda afirma a possibilidade de uma inteligência coletiva, que se constrói no ambiente de rede, mediante uma necessidade pontual dos seres humanos que intercambiam os saberes trocando e construindo novos saberes. É uma constatação evidente tanto no discurso dos implementadores das políticas educacionais de forma geral, escolas, universidades e agências de formação a demanda de ações voltadas a Educação Continuada que contemplem o uso dessas tecnologias. A utilização prática das Novas Tecnologias cresceu significativamente com o aumento das TICs nas escolas, nas universidades, nas empresas. Todos esses segmentos sociais debruçam-se sobre esse filão na demanda de um conhecimento integrado e contextualizado, onde o currículo precisa ser retrabalhado constantemente, de acordo com a velocidade requerida pelos novos processos de formação. Nesse contexto, o diálogo é essencial para a formação, contextualização e troca de experiências para o estabelecimento de modelos mais atuantes e colaborativos no plano educacional. O papel do diálogo é tão importante para a interação na escola Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1757 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica que Paulo Freire (1980) propõe uma concepção dialógica de ensino, colocando o diálogo como uma forma de conscientização e libertação crítica. A educação como elemento significativo do processo da formação humana está sofrendo os impactos das transformações nas dinâmicas da produção e disseminação do conhecimento. A evolução do conhecimento na sociedade informatizada coloca como grande desafio à educação a necessidade de repensar seus fundamentos e recriar métodos, isto é, aportes científicos fundamentais para a formação de indivíduos competentes, capacitados para lidar com as novas configurações e características históricas, sociais e políticas atuais. Com o surgimento das novas tecnologias da informação e comunicação o ensinar e o aprender exigem novos cenários educativos, capazes de oferecer novas oportunidades didático-pedagógicas para a construção de uma pedagogia conectada as necessidades de aprendizagem dos alunos. Para Freire & Shor (1986) o educador faz com os seus alunos e não para os alunos. Com esta abordagem, o sujeito-aluno é colocado diante de situações desafiadoras de modo a procurar alternativas para resolver o problema apresentado e poder contribuir para seu crescimento pessoal. Sancho (1998) define Tecnologia Educacional como sendo um processo complexo, integrado, envolvendo pessoas, procedimentos, idéias, instrumentos e organizações para analisar problemas, planejar, implantar, avaliar e administrar soluções para estes problemas envolvidos em todos os aspectos da aprendizagem humana. Para Almeida (2006), tecnologia é um conceito com múltiplos significados, que varia conforme o contexto. Por isso, a tecnologia pode ser vista como: artefato, cultura, atividade com determinado objetivo, processo de criação, conhecimento sobre uma técnica e seus respectivos processos, etc. Informática na Educação é hoje uma das áreas mais fortes da Tecnologia Educacional e uma reflexão sobre os significados do termo “tecnologia” bem como integrá-las à prática pedagógica é um bom começo para uma perspectiva ampla sobre as possibilidades e limites das novas tecnologias da informação (TI) no cotidiano da escola. Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1758 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica Políticas Educacionais A conjuntura das políticas educacionais no Brasil demonstra sua centralidade na hegemonia das idéias liberais sobre a sociedade. Isto revela que a educação se molda de acordo com os interesses e objetivos do capitalismo. A estratégia liberal continua a mesma: colocar a educação como prioridade, apresentando-a como alternativa de “ascensão social” e de “democratização das oportunidades”. Por outro lado, a escola continua sendo um espaço com grande potencial de reflexão crítica da realidade, com incidência sobre a cultura das pessoas. O ato educativo se constitui numa prática orientada para a formação específica de alunos de acordo com uma visão de mundo centrada na hegemonia de políticas seletivas. Isto é, políticas que priorizam a competição, as diferenças e a distribuição das pessoas de acordo com classes sociais. Como se sabe, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei n.º 9.394/96) foi, sem dúvida alguma, responsável por uma nova onda de debates sobre as políticas educacionais, sobre novos modelos de educação para o Brasil. A sua maior incidência recaiu sobre as práticas desenvolvidas na sala de aula, sobre a performance do professor e sua relação com o processo ensino aprendizagem. As regulações existentes nas políticas educacionais, a partir da LDB, formulam novos paradigmas de educação e, ao mesmo tempo, parecem interessadas em romper com o atual modelo de educação. Essa necessidade decorre da observação de que o atual modelo imposto pelas políticas educacionais anteriores não consegue mais responder pelas necessidades do atual momento histórico da sociedade brasileira. Como se sabe, a educação nas sociedades modernas mais desenvolvidas ocupa um lugar privilegiado. Ela recebe incentivos e busca fornecer aos alunos uma formação sincronizada com as expectativas do mercado atual. Nesse sentido, as políticas educacionais buscam essencialmente fornecer as regras necessárias para a formação adequada dos alunos. Por isso, os princípios estabelecidos pelas políticas educacionais incidem diretamente na sala de aula e no modelo de educação exigido pela sociedade. Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1759 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica O desenvolvimento das ações e políticas educacionais no contexto do neoliberalismo veio propor uma mudança ao papel do estado, sustentando que o mercado deveria substituir a política. Esta proposta devolve ao cidadão, segundo os neoliberais, o poder de decisão econômica e social, garantiria a eficácia das instituições públicas desgastadas pelo Estado de Bem Estar Social. Para o neoliberalismo, os gastos em serviços sociais aumentam consideravelmente o trabalho improdutivo e criam mais assalariados, burocráticos com estabilidade no emprego, que conseqüentemente, acarretam a falta de competitividade. Outro pensamento neoliberal é que os problemas educacionais são pensados de forma a transformar as questões políticas e sociais em questões técnicas, ou seja, eficácia/eficiência de administração de recursos humanos e materiais, de má gestão, desperdício de recursos, falta de produtividade dos professores, métodos ultrapassados, e currículos inadequados. Assim no discurso neoliberal a solução para os problemas citados seria a privatização, para se alcançar uma Gestão de Qualidade Total. O que o discurso neoliberal não diz é que a educação em nosso país não se encontra na situação atual pelos motivos descritos acima, e sim por que a população a que servem está colocada em posição inferior e subordinada às classes dominantes de poder. A qualidade de vida, de saúde, de educação, do trabalho, já existe, só que para uma minoria, uma classe privilegiada. Vale ressaltar que os aspectos relacionados com a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) se faz pertinente e de grande relevância, segundo Chiavenato (1999, p. 391) “para alcançar níveis de qualidade e produtividade as organizações precisam de pessoas motivadas, que participem ativamente nos trabalhos que executam e sejam adequadamente recompensadas pelas suas contribuições. Ainda para o autor qualidade de vida significa “bons salários, bons benefícios, cargos bem desenhados, clima organizacional sadio, estilo de liderança eficaz, motivação intensiva, recompensas pelo bom desempenho, intensa comunicação e interação, educação continuada e tudo mais” (p. 392). Assim, o ser humano não pode ter qualidade de vida no trabalho se não pode usufruir de todas essas coisas. Temos que enfatizar que na visão neoliberal o ponto de referência para condenar a escola atual não são as necessidades das pessoas e dos grupos envolvidos, sobretudo aqueles que mais sofrem com as desigualdades existentes, mas as Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1760 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica necessidades de competitividade e lucro das empresas, o que contraria totalmente ao conceito de QVT - Qualidade de Vida no Trabalho. Nesse contexto, há uma atenção especial ao processo de inserção das Novas Tecnologias à Educação. Essas tecnologias representam instrumentos inovadores do trabalho e práticas pedagógicas. É uma forma de conhecimento e uma estratégia que visa implementar melhorias ao processo educativo. É importante enfatizar que a sociedade da informação tem como característica a velocidade de transmissão das informações, porém, isso não significa que essas informações se convertam em conhecimento, para isso é necessário todo um processo de aprendizagem por parte dos alunos dentro de uma realidade, de um contexto cultural e social. Lembrando Paulo Freire (1980), a educação se desenvolve a partir da realidade do aluno com base na atitude de questionar o cotidiano e refletir sobre a realidade por meio do diálogo problematizador, que favorece identificar o contexto do aluno, sua realidade de vida e de seu trabalho. Recursos e Importância das Tecnologias Aplicada à Informática A tecnologia educacional aliada à didática deveria partir da compreensão, das demandas para gerar propostas que assumam o sentido transformador da prática educativa. Para isso, precisa-se recorrer à tecnologia, entendida na sua dimensão instrumental: desde o giz aos computadores de última geração; na sua dimensão simbólica: linguagem, escritura e sistemas de pensamento; na sua dimensão conceitual, a informática e, por fim, no seu sentido social. Para Moran (2005), “educar com novas tecnologias é um desafio que até agora não foi enfrentado com profundidade. Os modelos de educação tradicional não nos servem mais. Por isso é importante experimentar algo novo.” Ainda para o autor, as tecnologias, dentro de um projeto pedagógico inovador, facilitam o processo ensino-aprendizagem: sensibilizam para novos assuntos, trazem informações novas, diminuem a rotina, nos ligam com o mundo, com as outras escolas, aumentam a interação (redes eletrônicas), permitem a personalização (adaptação ao ritmo de trabalho de cada aluno) e se comunicam facilmente com o aluno, porque trazem para sala de aula as linguagens e meios de comunicação do dia-a-dia. (MORAN, 1994, p.48). Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1761 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica Os objetivos educacionais precisam estar em consonância com os recursos utilizados. Faz-se necessário avaliar as possibilidades e os limites de cada material utilizado considerando sua adequação ao que está sendo proposto, tendo em vista uma aprendizagem mais significativa no processo educativo e que atenda aos diferentes estilos de aprendizagem do aluno. Nesse sentido, é importante refletir sobre o suporte, ou tipo de educação tecnológica a ser utilizada em cada caso. No conjunto de recursos tecnológicos, destacam-se os seguintes materiais: impressos; audiovisuais; informatizados e redes de comunicação; multimídia, especificados a seguir. Mídia Impressa e Digital – Textos e Hipertextos Historicamente o livro impresso ainda é tido como o mais importante meio de difusão do conhecimento e o suporte das principais construções intelectuais, na atualidade o material impresso continua como a mídia mais usada e de maior custo benefício, mas também deixou de ser o único objeto de leitura. Uma das finalidades do processo educacional nos dias atuais é estimular o potencial criativo e o senso crítico dos alunos e professores, nesse contexto surgem os livros didáticos muitas vezes repetitivos, e monótonos, com exercícios desestimulantes não facilitam ao desenvolvimento da própria construção do conhecimento dos educandos. Porém os livros didáticos são produzidos e destinados a uma determinada proposta de ensino, de um lado alunos com lacunas de conhecimentos, de outros professores necessitando de uma formação continuada e submetidos a precárias condições de trabalho docente. O livro didático tem e nunca vai deixar de ter uma presença marcante em sala de aula, só que nos dias atuais ele deveria ser mais um dos elementos de apoio ao trabalho docente. Nesse sentido, os conteúdos e métodos utilizados pelo professor em sala de aula não estariam na dependência dos conteúdos e métodos propostos pelo livro didático adotado, o que normalmente não ocorre, pois o livro traz tudo pronto, detalhado, bastando mandar o aluno abrir a página tal e fazer exercícios tais, é mais fácil para o professor. Para Nélio Bizzo (1999), (...) diante dos grandes problemas educacionais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais e do baixo desempenho dos alunos Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1762 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica em testes padronizados, muitos educadores apontam o livro didático como o grande obstáculo a impedir mudanças significativas nas salas de aula. O livro didático é um instrumento muito útil como qualquer outro em sala de aula e não está desaparecendo diante dos modernos meios de comunicação, e “também não deve ser retirado do alcance do professor para que mudanças possam ocorrer de fato”, a leitura de um livro apresenta inúmeras vantagens sobre outros meios de comunicação, além da reflexão; o esforço para compreender; o que é altamente disciplinador e educativo. Outra vantagem: o desenvolvimento da criatividade; o leitor, muitas vezes; vai além dos fatos narrados: “lê” nas entrelinhas, usa a imaginação. Portanto, considerando-se que ler é interpretar os símbolos gráficos e compreender-lhes o significado, os objetivos da leitura na escola deverão principalmente levar o aluno: ao desenvolvimento da habilidade de ler; utilizar-se da leitura como fonte de informação e poder expressar-se corretamente e eficientemente. A leitura aparece como um direito e uma exigência que se faz a quem quer que pretenda se tornar um cidadão. Cabe a Escola abrir espaços para a prática da leitura, compartilhando com os aprendentes, interpretando, discutindo, analisando, é preciso não apenas ler o texto mas também ler o mundo nos textos. Muitos livros deixaram de ser impressos e passaram a ser distribuídos em formato eletrônico. O espaço oferecido pelo livro eletrônico é mais fluido e dinâmico, permite ao texto uma maior transitoriedade e mutabilidade, reduz a distância que separa o escritor do leitor e possibilita sua interação. Este novo modelo de espaço textual facilita o surgimento de outros estilos de escrita e de novas estratégias didáticas para a leitura e para a escrita. Para Lévy (1993), o hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. O autor descreve algumas das funções do hipertexto informático como: hierarquizar e selecionar área de sentido, tecer ligações entre estas zonas, conectar o texto a outros documentos, arrumá-lo a toda uma memória que forma uma espécie de base sobre o qual ele se destaca e ao qual remete. Para Ramal (2001), o hipertexto é uma forma de organização da informação, que tanto pode ser veiculada em um suporte estático como através de meios eletrônicos, Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1763 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica afirma ainda que, “ler é mergulhar nas malhas da rede, é perder-se, é libertar-se, na medida em que a linearidade dá lugar ao hipertextual, ao móvel e flexível”. O hipertexto guarda semelhança com o modelo mental proposto por diversos autores, dentre os quais destaca-se Ausubel apud Rezende (2003), que considera o pensamento de uma forma não linear, admitindo que a mente humana funciona em uma lógica de associações que forma uma verdadeira rede. Ele diz “se eu tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um único princípio, diria isto: o fato isolado mais importante que informação na aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece, descubra o que ele sabe e baseie isso nos seus ensinamentos” Para Ausubel (1980), o aprendizado significativo ocorre quando uma informação nova é adquirida mediante um esforço deliberado por parte do aluno em unir a informação nova com conceitos ou proposições relevantes preexistentes em sua estrutura cognitiva. Quando o conhecimento é internalizado, ocorreu a assimilação, que implica a adesão de um novo conceito à estrutura cognitiva da pessoa, gerando uma reorganização da malha de significados, como resultado, uma nova estrutura cognitiva. Computador - Internet O uso do computador na escola se tornou um desafio e, ao mesmo tempo, gerou mudanças significativas na concepção de ensino e aprendizagem. O computador é uma ferramenta eficaz nos recursos que oferece à escola e ao professor. A inserção do computador ao lado da internet na sala de aula tanto virtual como presencial, pode ser considerado a grande mídia potencializadora da Educação a Distância, uma vez que, a maioria das mídias usada em cursos nesta modalidade podem ser reproduzidas nos microcomputadores e assim ampliar as perspectivas do processo ensino aprendizagem devido a sua influência direta sobre o professor e o aluno, embora aquele ainda imponha resistência quanto a sua utilização. Conforme observa Ponte (1992), o computador por si só pode ser tanto uma contribuição positiva como negativa, para o processo de ensino-aprendizagem, dependendo da forma como for utilizado. Portanto, não se pode atribuir aos computadores a responsabilidade por determinar autonomia ou a passividade dos alunos, muito menos eles podem se constituir, por si só, em agentes motivadores da aprendizagem.. Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1764 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica Está nas mãos do professor e do seu trabalho, a formação de alunos autônomos ou passivos, interessados ou desinteressados pelas suas aulas. Uma das resistências do professor em usar o computador como ferramenta de aprendizagem ainda é, parecer dependente do aluno na manipulação de programas e de softwares e, por último, o temor de ser substituído, na sua prática pedagógica, num futuro imediato, pelas possibilidades oferecidas pelo computador. Tudo isso, de certa forma, faz parte do processo de mudança, de alteração de paradigma. A escola mantém ainda uma posição conservadora, incapaz de exibir procedimentos dinâmicos e eficazes que favoreçam uma prática crítica e inventiva. A tecnologia da informática por si mesma não é a solução ideal. É preciso que haja uma mudança de atitude, de postura intelectual e metodológica na concepção de ensino e de aprendizagem, Como afirma Ripper (1996, p. 58): O que é necessário é uma mudança na própria estrutura do ensino (...). Para isso, é necessário preparar o professor para assumir uma nova responsabilidade como mediador de um processo de aquisição de conhecimento e de desenvolvimento da criatividade dos alunos. Introduzida neste contexto, a tecnologia pode ser uma ferramenta valiosa, facilitando esta intermediação e um atendimento mais individualizado, e ajudando a remover barreiras ao processo de descoberta e ao acesso ao conhecimento. Nesse contexto, a Internet aparece como possibilidade de aprendizagem e de auto-aprendizagem dentro de uma realidade virtual, na qual o processo de interação com o conhecimento pode ser mediado a partir do contato com outras pessoas que demonstrem interesse pelos mesmos problemas. A Internet pode ser considerada pelos professores como uma rede de troca de informações, na qual a aprendizagem se desenvolve a partir de procedimentos virtuais que ajudam na construção do conhecimento. Está trazendo consigo um novo modelo de educação, uma forma diferente de aprendizagem, e precisamos entendê-lo, apropriar-nos disso, ser protagonista da mudança. Paulo Freire sonhava com um lugar em que o saber do aluno fosse valorizado, onde a relação vivida nas aulas fosse o ponto de partida para uma grande transformação do mundo. No cotidiano da escola, a Internet assume um papel importante. Ela pode ser utilizada das mais diversas formas na prática educativa do professor. Em alguns casos, pode se transformar em canal de comunicação entre professores de escolas diferentes, Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1765 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica em regiões diferentes, em países diferentes. Além disso, nela se encontra oportunidade de pesquisa vasta. Pode-se pesquisar textos, imagens, filmes, música, banco de dados, bibliotecas, páginas pessoais, ou ainda: “A pesquisa pode ser feita individualmente ou em grupo, ao vivo - durante a aula - ou fora da aula, pode ser uma atividade obrigatória ou livre” (MORAN, 2005). O mundo eletrônico oferece um espaço para colaboração, cooperação, mas sua utilização é tarefa para as pessoas. Considerações Finais O grande desafio da educação hoje é preparar os professores para usarem as tecnologias da informação nas suas disciplinas. É dotá-los de uma prática educativa reflexiva, dialógica, colaborativa e interdisciplinar. É fazer com que a escola saiba aproveitar as oportunidades oferecidas pelas tecnologias da informação, sem perder o seu lado crítico e reflexivo. Desta maneira o que queremos alcançar com a inserção das novas tecnologias no âmbito da escola é instigar o livre pensamento, a atuação mobilizadora de professores na gestação de um modelo educativo relacional fomentador de igualdade, criatividade e criticidade. A comunidade escola, dessa maneira, deve buscar criar um processo no qual seja possível satisfazer as necessidades dos alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos. A missão da escola não é apenas ensinar, mas também encontrar soluções para responder as diversas necessidades que o processo de ensino aprendizagem faz aflorar. Uma dessas respostas encontra-se em saber respeitar a diversidade e heterogeneidade dos alunos, para que assim seja possível criar espaços de interação que favoreçam o desenvolvimento crítico dos conteúdos. Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1766 Políticas Educacionais e Educação Tecnológica REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria Elizabeth B. de. Prática e formação de professores na integração de mídias. Prática pedagógica e formação de professores com projetos: articulação entre conhecimentos, tecnologias e mídias. In: ALMEIDA, Maria Elizabeth B. & MORAN, José Manuel (orgs). Integração das tecnologias na educação. Salto para o futuro. Secretaria de Educação a Distância: Brasília, Seed, 2005. Disponível em: http://www.tvbrasil.com.br/salto. Acesso/2006. AUSUBEL, David. P., NOVAK, Joseph e HANESIAN, Helen. Psicologia educacional. Trad. Eva Nick, Rio de Janeiro, Interamericana, 1980. BIZZO, Nélio. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo, Ática, 1999. CASTELLS M. A sociedade em rede – A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 5ª edição, 2001. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas – O novo papel dos recursos humanos nas organizações. 21ª tiragem. 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Elizenda Sobreira Carvalho de Sousa 1768 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” COMPETÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO E AS TECNOLOGIAS: UM ESTUDO BASEADO EM TEXTOS BRASILEIROS E EUROPEUS Gilberta Alessandra Redigolo Renata Aquino Ribeiro JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus COMPETÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO E AS TECNOLOGIAS: UM ESTUDO BASEADO EM TEXTOS BRASILEIROS E EUROPEUS Gilberta Alessandra Redigolo Mestranda em Educação PUC-SP/SEE Renata Aquino Ribeiro Doutoranda em Educação PUC-SP/CNPQ RESUMO: No primeiro semestre de 2009 o Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo da PUC-SP realizou atividade interdisciplinar com a junção dos cursos Integração de tecnologias ao currículo: práticas e fundamentos, Epistemologia da educação, Estudos avançados em currículo e Propostas Curriculares: Atividades de pesquisa. O presente artigo tem como objetivo dar continuidade ao debate realizado por alunos e professores do Brasil e de Portugal sobre as competências chave para a educação, baseando-se na proposta curricular do Programa de Pós – graduação em Educação: Currículo e texto de Portugal e da União Européia. Faremos uma abordagem do currículo para além da transmissão de conteúdos de forma neutra, mas como um instrumento de projeção das urgências de uma determinada sociedade. PALAVRAS-CHAVE: educação, competências, tecnologias, Brasil, Portugal. Introdução A discussão sobre competências chave ultrapassa o campo da educação e tem se tornado cada vez mais central em áreas como governança e políticas públicas. Ainda que sua raiz seja na área de recursos humanos, o tema das competências não se restringe mais apenas a um conjunto de habilidades ou aptidões. No texto da OCDE, o conceito de competência distingue três elementos: As competências são definidas aqui como uma combinação de conhecimentos, aptidões e atitudes adequadas ao contexto. As competências essenciais são aquelas que são necessárias a todas as pessoas para a realização e o desenvolvimento pessoais, para Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1772 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus exercerem uma cidadania activa, para a inclusão social e para o emprego. (OCDE, 2006, p. 4) (grifo das autoras) Os três elementos que determinam o conceito de competência também têm um significado maior para a educação. Na área educacional o conceito de competências tende a substituir as noções de saberes e conhecimentos e, na esfera do trabalho a noção de qualificação. Compreende-se por competências o conjunto de elementos necessários ao conhecimento que forma o currículo escolar. Um currículo por competências, essência do contexto educacional, também busca integrar o ensino das atitudes e a aquisição de habilidades necessárias para o aluno na contemporaneidade o savoir-fare1, bem como, articular o conhecimento com as competências que se espera que aprendam ao longo do percurso escolar. O conhecimento torna-se um instrumento que por sua vez é mobilizado em competências, reforçando o sentido cultural da aprendizagem. O currículo é a referência para a ampliação e contextualização do conhecimento acumulado pela sociedade. As tecnologias da informação disseminarão esse conhecimento, desconsiderando a escola como a única detentora do saber. Assim, o currículo educacional, não é só uma questão de algo que está meramente dentro da instituição escolar, mas algo que está no bojo da sociedade. A garantia da efetividade do currículo para o aprendizado de competências depende, por sua vez, de outro aspecto na educação. A preparação do professor para o cenário da aprendizagem por competências é objetivo básico do Estudo de implementação do Projeto 'Competências Tecnologia da Informação e Comunicação' do Plano Tecnológico da Educação (2009), realizado em Portugal. O estudo realizou uma proposta para que pelo menos 90% dos professores portugueses possuíssem as competências digitais básicas para operar com as tecnologias nas escolas. Uma análise das competências essenciais para aprendizagem ao longo da vida, conforme determinadas pela OCDE, e as competências TIC referidas no texto português podem tornar ainda mais clara a importância da inserção do conceito de competências para o contexto brasileiro. Já no Relatório DeSeCo (Definição e Seleção de 1 Savoir-faire, segundo Tanguy (1997), são as capacidades numa situação precisa, o grau de habilidade que o aluno manifesta para resolver um problema proposto. Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1773 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus Competências-Chave2) de 1997, realizado pelo PISA (Programa Internacional para a Avaliação dos Estudantes) para a OCDE, indicava a importância das competências para a educação. Incentivada pela globalização e a modernização, a União Européia buscou valorizar as competências para garantir o aprendizado em todos os países membros. Ao mesmo tempo em que estabelecia um padrão para a educação na Comunidade Européia, um requisito básico para o Mercado Comum Europeu, que dependia do livre trânsito de alunos e da formação de profissionais aptos a trabalhar em qualquer parte do continente. O domínio das tecnologias foi apontado, já em 1997, como uma maneira dos indivíduos utilizarem as ferramentas de maneira interativa, com a possibilidade de comunicar-se em grupos heterogêneos e de atuarem de forma autônoma. As tecnologias para a educação, ou conforme referida por Coutinho, como Tecnologia Educativa (TE), atuam como um conceito integrado e definido pela Teoria e Desenvolvimento Curricular (DC). O poder das tecnologias na era da globalização deve ser considerado pelos educadores, mas ainda mais importante, é perceber como estas fazem parte do contexto didático e devem ser integradas à concepção e desenvolvimento de todo um projeto curricular (Coutinho, 2006, p. 1). Partindo de objetivos macroscópicos de inserção de Portugal no cenário da Comunidade Européia como um país que se destaca na integração das TICs à educação, o Estudo para Implementação do Projeto “Competências TIC” (2009) examinou passos para que essa integração se desse e delimitou áreas de atuação de um plano. O Projeto ‘Competências TIC’ pretende, portanto, identificar professores que possam atuar com TICs em educação, certificá-los e promover a integração também para os alunos, ultimamente. Em atividade interdisciplinar realizada na PUC-SP, a recomendação da OCDE (2006) sobre as competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida, o estudo de Portugal e as conseqüências do Relatório DeSeCo (2009) foram analisadas. A atividade envolveu os professores Antonio Chizzoti, Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, José Armando Valente, Branca Ponce e Clara Coutinho. O debate possibilitou a discussão de pontos importantes para o entendimento das competências para a educação e sua relação com as tecnologias. 2 Este texto foi traduzido e estudado pelo PPG Educação Currículo da PUC-SP. Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1774 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus Em qualquer um dos documentos analisados, é patente que a concepção de currículo desvinculada de um conjunto internacional de padrões, tais como as competências-chave, perder-se-ia na efetividade de um mundo cada vez mais globalizado. A educação superior na Europa, por exemplo, que passa pela homogeneização relativa ao Processo de Bolonha, também é profundamente influenciada pelo enfoque de competências que “supõem um redesenho da atividade docente, o que inclui pois: uma educação centrada no estudante, novos papéis de professores e alunado; maior determinação em relação aos objetivos; atividades educativas organizando a aprendizagem na aquisição das competências” (BOLIVAR, 2009, P. 106). O currículo e as competências Em Grundy apud Gimeno Sacristán, (2000, p. 14) buscou-se uma definição, que mais se aproxima do que consideramos ser o currículo, ou seja, uma construção “o currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas” As mudanças por que passa o currículo podem ser mais bem compreendidas com a preocupação da aprendizagem por competências. O currículo passa por uma total reformulação e os padrões antigos de desenvolvimento curricular são inadequados para a nova sociedade de instabilidades por estarem presos à aprendizagem prescritiva (Goodson, 2007, P.2). O currículo educacional passa a ocupar o centro dos conflitos sociais, nele estão contidas todas as urgências da sociedade e são os professores os principais atores neste processo. O currículo depende da organização dos sistemas de ensino que, por sua vez, são planejados tendo em mente a formação que os países pretendem dar a seus cidadãos. Os currículos são elaborados pressupondo nessa perspectiva uma dada concepção de homem, sociedade e educação. Os dois modelos de sistema de ensino mais conflitantes são o americano e o francês. No modelo americano, o conhecimento deveria ser distribuído do mesmo modo em todas as escolas, garantindo a homogeneização e eliminando as desigualdades. Deste Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1775 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus modo, a escola que melhor assegurasse a produção e disseminação do conhecimento se sobressairia, o que garantiria a excelência dos sistemas descentralizados de administração escolar. Já o sistema de ensino francês era baseado na centralização. O governo determinava qual conhecimento deveria existir nas escolas e a sua finalidade era promover a identidade nacional, dentro do ideário republicano. Ambos os modelos estão, atualmente, desafiados pelo conceito de competência. Inicialmente, a preocupação dos sistemas de ensino era a transmissão das competências básicas – ler e escrever. No entanto, com o crescimento da aceitação deste conceito e a valorização do uso das tecnologias na escola, outras competências passaram a fazer parte do repertório essencial da aprendizagem. O modelo europeu de paradigma curricular é guiado por oito competências chave ou indicadas para a educação obrigatória ou básica (a que vai dos 6 aos 14 anos). São elas (Recomendação, 2006, p. 4): 1) Comunicação na língua materna; 2) Comunicação em línguas estrangeiras; 3) Competência matemática e competências básicas em ciências e tecnologia; 4) Competência digital; 5) Aprender a aprender; 6) Competências sociais e cívicas; 7) Espírito de iniciativa e espírito empresarial; e 8) Sensibilidade e expressão culturais. As competências não são direcionadas apenas à assimilação dos conteúdos escolares, mas a uma preparação mais completa do indivíduo, indicada por muitos autores como holística. Além da abrangência da formação que compreenderia as oito competências essenciais, este modelo educacional possui uma ligação intrínseca com um projeto de empregabilidade futura. A idéia da competência está voltada para uma ação final, voltada para a competitividade. Valoriza a aquisição da atitude adequada para o mercado de trabalho global. Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1776 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus Destas competências, a competência digital é que se relaciona mais diretamente com a integração das TICs ou TDICs (Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação) na escola. No Plano de Competências TIC, a concepção do currículo relacionada à competência digital é bastante clara. É esperado que cada cidadão possa utilizar as ferramentas tecnológicas disponíveis e que possa tirar proveito para sua atividade profissional. Ao professor, é dedicada a expectativa de que utilize este conhecimento no planejamento de suas aulas e na gestão da escola, além de ser capaz de passar a competência digital aos seus alunos. (Estudo, 2006, p. 30). Aprendizagem da competência digital A concepção do currículo que integra o aprendizado das competências está coerente com o paradigma curricular europeu. Esta concepção exige ainda uma postura construtivista dos docentes saindo o foco do ensino e passando o foco na aprendizagem. Essa mudança no foco não exige maior quantidade de ensino e sim ações que favoreçam qualidade na aprendizagem. Os pontos de interseção da tecnologia e do currículo para são quase que transparentes nesta abordagem. Coutinho (2006 p.) vê a tecnologia como o braço “operacional” do currículo para as questões da comunicação educativa. A tecnologia à luz das Teorias Curriculares é apontada pela autora na divisão em teorias técnicas, práticas e críticas Coutinho, (2006, p. 3). As teorias técnicas baseiam-se na idéia de syllabus ou biblioteca básica e seguem um plano tecnicista. O professor é apenas um operário do currículo. Já as práticas, olham o currículo como um processo interativo. São humanistas e racionalizadoras. Valorizam as relações entre os personagens do currículo. O professor é um protagonista. As pedagogias críticas têm em conta as experiências do aluno e do professor. A existência de um “currículo oculto” tem efeitos positivos. O objetivo é sentir-se socialmente valorizado. O professor é um team teacher (professor em equipe). É interessante notar que pode ser feito um paralelo com a divisão das pedagogias e os tipos de certificações de Competências TIC no estudo de Portugal. São três as Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1777 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus certificações possíveis para o professor que utiliza as TICs na sala de aula: (Estudo, 2009, P. XIII) (grifos da autora): Certificado de Competências Digitais – Utiliza instrumentalmente as TIC como ferramentas funcionais no seu contexto profissional Certificado de Competências Pedagógicas com TIC – Integra as TIC como recurso pedagógico, mobilizando-as para o desenvolvimento de estratégias de ensino e de aprendizagem, numa perspectiva de melhoria das aprendizagens dos alunos. Certificado de Competências Pedagógicas com TIC de Nível Avançado – Inova práticas pedagógicas com as TIC mobilizando as suas experiências e reflexões, num sentido de partilha e colaboração com a comunidade educativa, numa perspectiva investigativa. É possível ver nesses três níveis a mesma gradação das pedagogias técnicas, práticas e críticas. Mais interessante ainda é notar o nível mais alto do aprendizado que é une a prática pedagógica inovadora à mobilização com as TICs. O estudo esclarece que o terceiro e último nível de certificação é uma perfeição a almejar, e a probabilidade maior de certificação seria o segundo nível. Para a obtenção do terceiro nível os professores deveriam estar inseridos em um quadro de macro competências que asseguraria a capacidade de inovar com as TICs na escola. Este quadro determina como Macro Competências do Professor: (Estudo, 2006, p. XIV) * Detém conhecimento actualizado sobre recursos tecnológicos e seu potencial de utilização educativo. * Acompanha o desenvolvimento tecnológico no que implica a responsabilidade profissional do professor. * Executa operações com hardware e sistemas operativos (usar e instalar programas, resolver problemas comuns com o computador e periféricos, criar e gerir documentos e pastas, observar regras de segurança no respeito pela legalidade e princípios éticos...) * Acede, organiza e sistematiza a informação em formato digital (pesquisa, selecciona e avalia a informação em função de objectivos concretos...). * Executa operações com programas ou sistemas de informação online e/ou off-line (aceder à Internet, pesquisar em bases de dados ou directórios, aceder a obras de referência...). * Comunica com os outros, individualmente ou em grupo, de forma síncrona e/ou assíncrona através de ferramentas digitais específicas. * Elabora documentos em formato digital com diferentes finalidades e para diferentes públicos, em contextos diversificados. * Conhece e utiliza ferramentas digitais como suporte de processos de avaliação e/ou de investigação. * Utiliza o potencial dos recursos digitais na promoção do seu próprio desenvolvimento profissional numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida (diagnostica necessidades, identifica objectivos). * Compreende vantagens e constrangimentos do uso das TIC no processo educativo e o seu potencial transformador do modo como se aprende. Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1778 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus Este quadro de macro competências do professor ajuda a compreender porque o terceiro nível é tão difícil de atingir. As competências já são pensadas dentro de um contexto transdisciplinar. Obter tal nível de conhecimento da competência digital é mesmo um objetivo ainda distante de muitos professores em período de adaptação até mesmo às outras competências mais básicas daquelas recomendadas pela OCDE. Considerando que o estudo também se refere ao pessoal não-docente, pode-se considerar que integra então todas as partes de uma instituição escolar. Essa integração tem como fim um currículo construído na prática e com uma concepção de aprendizagem integradora onde as tecnologias despontam como extensão da capacidade intelectual dos indivíduos. As competências como o aprender a aprender também devem ser uma preocupação de professores e alunos, pois na mudança constante das tecnologias, o que aprendem mesmo em termos das macro competências apontadas, pode mudar em pouco tempo. Assim, garantir a aprendizagem independente ao longo da vida é uma necessidade. Outro aspecto importante do terceiro nível de certificação de competência TIC previsto. Para que o professor seja certificado para a competência pedagógica com TIC de nível avançado, é preciso que mude sua concepção de ensino. Não basta apenas uma formação em uma concepção de ensino neste modelo pedagógico com TIC. Caso o professor não acredite na formação construtivista com as tecnologias, jamais será capaz de reproduzi-la. Entretanto, se possui esta concepção pedagógica, poderá atingir este nível, pois já o terá na base de sua prática. O estudo de Portugal aponta ainda a necessidade “temporal” para o professor aprender a usar e interagir as TIC nas suas práticas. Tempo para refletir, compartilhar, avaliar processos e resultados na tentativa de superar os obstáculos dos professores na implementação dos computadores nas suas práticas pedagógicas. Também relacionadas ao fator tempo, aponta a relação entre as crenças e as praticas dos professores onde, na prática, diferem-se cinco fases: Entrada, Adopção, Adaptação, Apropriação, Invenção. Outro fator seria promover a confiança dos professores diante das tecnologias priorizando o modo de usá-las. Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1779 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus COUTINHO (2006, p. 10-12) propõe em uma síntese outro modelo para assegurar a integração do currículo e da tecnologia. As conclusões da autora são as seguintes: Ponto 1: Temos uma educação midiática. Ponto 2: A globalização depende da educação para estruturar o mundo. Ponto 3: As TIC formam cidadãos mais criativos, essenciais na era da informação. Ponto 4: TE e Currículo terão de se aproximar e atuar em conjunto Ponto 5: É necessário caracterizar então o modelo curricular para a era digital Ponto 6: A escola deve combater a info-exclusão Ponto 7: A formação de professores é essencial para usar os meios Ponto 8: Deve-se adequar as estruturas da escola. Ponto 9: Deve-se promover a alfabetização “informacional” As propostas de Coutinho também se assemelham aos pontos identificados por Almeida (2007 p.10) sobre a formação de educadores integrada a mídias. Tal formação necessita da criação de uma cultura tecnológica, sendo imprescindíveis as contribuições da integração das distintas tecnologias à educação, além da preparação de educadores e formadores que incorporariam estas tecnologias ao seu dia-a-dia profissional e à sua prática pedagógica. Competência digital e o Brasil O estudo é bastante relevante quando se procura compreender o panorama brasileiro. Ainda que a realidade do país seja bastante diferente da de Portugal, o caminho trilhado pela certificação de competências TIC pode ser pensado para a realidade brasileira. Mesmo plano tecnológico de Portugal não seguiu todas as diretivas da União Européia, sendo adaptado para a realidade do país. Muitas das necessidades que geraram o plano também vão além da questão da globalização. O maior obstáculo para o educador brasileiro é a sua realidade social, dado que acumula empregos e trabalha mais horas do que o professor em Portugal. Ainda assim, a Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1780 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus mesma preocupação com avaliações e indicadores de qualidade afeta professores de Portugal e do Brasil. Trabalhar o currículo, desenvolver as aulas é outro desafio do professor brasileiro também identificado no PTE português. Esta postura é cada vez mais difícil com os sistemas de ensino que privilegiam um currículo prescrito como os apostilados ou baseados em cartilha, ultimamente adotados por Secretarias de Educação como a de São Paulo. Dentro desta realidade, a competência digital enfrenta os mesmos obstáculos que as outras 7 (sete) recomendadas ela OCDE enfrentam atualmente. A aplicação do modelo da aprendizagem por competências está diretamente ligada ao que se entende por conhecimento. O papel do currículo na produção do conhecimento é o que precisa ser investigado. O currículo não pode mais ser uma grade de disciplinas, mas um espaço cultural, interdisciplinar. O grande desafio para os professores é a mudança da economia global que deixa os profissionais extremamente inseguros. A mudança da economia muda a lógica de pensamento sobre o exercício da profissão de cada um. É de se esperar, então, que esta mudança afete também a formação do professor, direcionando-se cada vez mais para as competências chave. Entende-se que aprendizagem por competências permanece circunscrita ao objetivo do desenvolvimento pessoal. Assim, a finalidade ainda é a cidadania ativa, a inclusão social e o emprego, como na recomendação da OCDE. É a escola que tem que ter uma formação que atenda a este pedido. É preciso identificar o que é necessário para montar um currículo que atenda a este objetivo. Acredita-se que o importante é não fazer com que a competência digital seja esvaziada com um currículo acrítico, que privilegia o aprendizado instrucionista. O currículo instrucionista relacionado à competência digital já teria criado a disciplina TICs em Portugal, atualmente fadada à extinção por ter se verificado sua ineficácia. Evidencia-se o perigo da competência digital sem a orientação pedagógica adequada. É importante lembrar da necessidade de se pensar as competências dentro de uma finalidade emancipatória. É preciso que a educação esteja em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1781 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o seu mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história. ( Freire, 1980, p.102) O aprendizado das competências, considerados ao longo da vida, como no sentido freireano, também como a necessidade de uma educação permanente. Deste modo, a necessidade de assegurar a aprendizagem da competência digital no Brasil não é apenas essencial na contemporaneidade, mas um projeto permanente de pedagogia emancipatória. Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1782 Competências para a Educação e as Tecnologias: um estudo baseado em textos brasileiros e europeus Referências ALMEIDA, M. E. B. A Construção compartilhada de Significados em Projetos de Educação a Distância. in Formação de Educadores a Distância e Integração de Mídias. Ed. Avercamp. São Paulo, 2007. A Definição e Seleção de Competências Chave. Resumo Executivo elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ed. original, 1997. Tradução alunos da disciplina Políticas de Currículo no Brasil, sob orientação dos professores Antonio Chizzoti, Branca Jurema Ponce e Maria Malta Campos. São Paulo, 2008. BOLIVAR, A. O Planejamento por Competência na Reforma de Bolonha na Educação Superior: Uma Análise Crítica in PEREIRA, E. M. A. & ALMEIDA, M. L. P. Universidade Contemporânea: Políticas do Processo de Bolonha. Ed. Mercado das Letras. Campinas, SP, 2009. COUTINHO, C. P. Tecnologia Educativa e Currículo: caminhos que se cruzam ou se bifurcam? VII Colóquio sobre Questões Curriculares. VII Colóquio Luso Brasileiro sobre Questões Curriculares. Braga, PT: Universidade do Minho, 2006. Estudo de implementação do Projeto 'Competências TIC' do Plano Tecnológico da Educação. - Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Universidade de Lisboa. Julho de 2008. V. 1. FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo: Moraes, 1980. OCDE. La Definición y selección de competencias clave (Resumen ejecutivo). Disponível em www.ocde.org. Acesso em: ROPÉ, Françoise. TANGUY, Lucie. Saberes e Competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. Campinas, São Paulo: Papirus, 1997. Gilberta Alessandra Redigolo & Renata Aquino Ribeiro 1783 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO NA CIBERCULTURA: NAVEGANDO RUMO AOS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Ivanda M. Martins Silva Gilvaneide Ferreira Oliveira JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO NA CIBERCULTURA: NAVEGANDO RUMO AOS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Ivanda M. Martins Silva (DEINFO/EAD/UFRPE) [email protected] Gilvaneide Ferreira Oliveira (DED/UFRPE) [email protected] Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) RESUMO: A EAD vem se destacando no processo de democratização do ensinoaprendizagem, visando à construção da autonomia dos alunos. Discute-se a EAD como processo de ensino-aprendizagem mediado por tecnologias, no qual professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente, no entanto, permanecem conectados por uma série de tecnologias (correio, telefone, fax, Internet, etc) (MORAN, 2002). Nesse contexto, as reflexões sobre uma arquitetura curricular baseadas na concepção de currículo integrado, rizomático, transdisciplinar estão se destacando. Na EAD, o currículo precisa acompanhar o dinamismo e a interatividade dos espaços virtuais de construção do conhecimento, facilitando os percursos de aprendizagem dos alunos. O presente artigo visa ampliar as reflexões sobre a arquitetura curricular na EAD, tendo em vista os novos desafios propostos pela Educação a Distância. PALAVRAS-CHAVE: Currículo, Educação a Distância, Cibercultura, Planejamento. 1.Introdução Os avanços tecnológicos proporcionaram mudanças significativas no campo da educação. Com as facilidades da Internet, o turbilhão digital tem revolucionado o acesso à informação, por meio de novas relações entre os usuários e os computadores. Orkuts, chats, fóruns de discussão, comunidades de aprendizagem, hipertextualidade, integração de mídias, interatividade, cooperação, simulações virtuais, jogos online, video-chat, vídeo-aula, TV digital, Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), ambientes Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1787 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância virtuais de aprendizagem (AVA), além de diversos outros recursos surgem com os avanços tecnológicos, aproximando os indivíduos no dinâmico mundo digital. Novas formas de comunicação apresentam-se na era da cibercultura, momento caracterizado pela fluidez e pela multissensoriedade do ciberespaço. A cibercultura consolida-se com o crescimento do ciberespaço num amplo processo de difusão de informações e de interatividade, exigindo cada vez mais que os sujeitos ampliem suas práticas comunicativas e desenvolvam novas competências. Professores e alunos reavaliam seus papéis e tornam-se construtores do crescimento do ciberespaço, por meio do novo paradigma da Educação a Distância (EAD). Vivemos o contexto da cibercultura, ou seja, um mundo marcado pela interatividade em que três princípios básicos orientam o crescimento do ciberespaço: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. (LÉVY, 1999). No campo da educação, a inteligência coletiva consolida-se com a prática da aprendizagem colaborativa (LÉVY, 1999, p.171), na qual novas competências surgem para orientar professores e alunos na construção e reconstrução do conhecimento fora e dentro da instituição escolar. Os indivíduos tentam redescobrir estratégias para lidar com as tecnologias intelectuais na era cibernética. Nesse contexto dinâmico, surge a Educação a Distância (EAD) redimensionando algumas concepções no campo pedagógico, tais como: currículo, avaliação, metodologias de ensino, aprendizagem mediada por tecnologias e várias outras noções. O conceito de EAD não é tão simples quanto aparenta ser e vem sofrendo modificações, devido ao dinamismo do mundo digital, em que o surgimento de novas ferramentas e outras formas de comunicação e novos gêneros digitais provocam mudanças significativas nos paradigmas tradicionais de educação. Moran (2005:25) denomina educação à distância como “processo de ensinoaprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente”. No cenário dinâmico da EAD, as discussões sobre currículo ganham destaque, tendo em vista os desafios constantes no processo de planejamento e gerenciamento de cursos na modalidade à distância. A arquitetura curricular dos cursos a distância é revista e reavaliada, considerando diferentes elementos importantes na educação online, tais como: a Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1788 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância interatividade, a aprendizagem colaborativa nos ambientes virtuais, o processo de mediação pedagógica, o caráter flexível do currículo, a transdisciplinaridade na construção de um currículo integrado, a abordagem formativa dos fluxos de avaliação, a produção de materiais didáticos dinâmicos e interativos, além de diversos outros aspectos que precisam ser considerados no contexto dinâmico da Educação a Distância (EAD). Considerando os pressupostos mencionados, o presente artigo visa contribuir para ampliar as reflexões sobre currículo na era da cibercultura, considerando o novo paradigma da Educação a Distância (EAD). O artigo está subdividido em cinco seções: a primeira seção introduz a temática, enquanto que a segunda contextualiza a Educação a Distância na cibercultura, apresentando reflexões sobre a noção de EAD e suas repercussões no campo educacional. A terceira seção aponta para a necessidade de um planejamento eficaz para o currículo na EAD, revelando a importância do projeto político-pedagógico na organização dos cursos ofertados na modalidade à distância. A quarta seção revisita as concepções de currículo para EAD, considerando a abordagem do currículo rizomático e a necessidade da construção de uma arquitetura curricular integrada e transdisciplinar. A quinta e última seção apresenta as conexões finais e aponta para trabalhos futuros. 2. Educação na era da cibercultura: concepções e desafios A cibercultura consolida-se com o crescimento do ciberespaço num amplo processo de difusão de informações e de interatividade, exigindo cada vez mais que os sujeitos ampliem suas práticas comunicativas e desenvolvam novas competências. Assim, professores e alunos reavaliam seus papéis e tornam-se construtores do crescimento do ciberespaço, por meio dos novos paradigmas da Educação a Distância. Conforme Lemos (2004, p. 128): O ciberespaço é um espaço sem dimensões, um universo de informações navegável de forma instantânea e reversível. Ele é, dessa forma, um espaço mágico, caracterizado pela ubiquidade, Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1789 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância pelo tempo real e pelo espaço não-físico. Estes elementos são característicos da magia como manipulação do mundo. O ciberespaço rompe fronteiras, promovendo novas formas de acesso à informação, bem como outras maneiras de definir o conhecimento. Os indivíduos tentam redescobrir estratégias para lidar com as tecnologias intelectuais na era cibernética. Na perspectiva de Lévy (1999, p.167), nesse contexto dinâmico da cibercultura, surgem novos gêneros, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, novos atores na produção e tratamento do conhecimento. Na relação com os alunos e o conhecimento, a função do professor desloca-se para o gerenciamento das aprendizagens do plano presencial/individual para o âmbito virtual/colaborativo. Nessa mudança de paradigmas, o professor torna-se uma espécie de “animador da inteligência coletiva”, como propôs Lévy (1999), na medida em que organiza o fluxo da comunicação virtual, produz materiais didáticos para serem utilizados online, além de várias outras atividades que começa a desenvolver no processo de ensinoaprendizagem a distância. Nesse sentido, ainda conforme Lévy (1999, p.171),“a principal função do professor não pode ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de maneira mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento”. Na cibercultura, a Educação a Distância (EAD) revela-se como nova modalidade de ensino-aprendizagem que redimensiona conceitos, tais como: avaliação, currículo, mediação didático-pedagógica, prática docente, entre outros. Considerando-se os desafios da EAD, diversas reflexões têm sido discutidas sobre estratégias e metodologias direcionadas ao processo de ensino-aprendizagem. Segundo Moore e Kearsley (2007), a Educação a Distância revela-se como aprendizado planejado que ocorre, normalmente, em um lugar diferente do local do ensino, exigindo técnicas especiais de criação e gerenciamento de cursos, novas ferramentas de comunicação, além de diferentes processos de interação. Um sistema de Educação a Distância é formado por todos os processos e componentes que operam quando ocorre o ensino e o aprendizado à distância. Ele inclui aprendizado, ensino, comunicação, criação e gerenciamento. Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1790 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância A Educação a Distância vem consolidando o seu papel da Sociedade da Informação, onde o acesso à informação, disponibilizado por vários meios e recursos tecnológicos, torna-se bastante democrático. A cada clique no mouse, os sujeitos descobrem no ciberespaço (LÉVY, 1999), uma gama ilimitada de informações que se cruzam e se entrecruzam, dialogando constantemente graças à hipertextualidade e à multimodalidade que congregam textos e linguagens diversas em um mesmo suporte de comunicação: a tela do computador. Nesse cenário, marcado pelo dinamismo e pela interatividade da EAD, as discussões sobre currículo tornam-se importantes, tendo em vista o planejamento de cursos nesta modalidade de ensino. Como analisar a arquitetura curricular nos cursos à distância? Como redimensionar a reflexão sobre o currículo na EAD, considerando os novos desafios da aprendizagem mediada pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)? Essas e outras reflexões são pertinentes quando atualizamos a discussão sobre a organização curricular no novo cenário da Educação a Distância, contexto marcado pelos avanços tecnológicos e pela aprendizagem em rede elaborada por meio da “inteligência coletiva” (LÉVY, 1999). 3. Planejamento do Currículo na Educação a Distância (EAD) Um curso a distância exige estratégias de ensino-aprendizagem, desenho, linguagem, acompanhamento, assim como recursos técnicos e tecnológicos que lhe conferem uma identidade própria e o distinguem de um curso presencial. Essa identidade deve vir estampada no projeto político-pedagógico do curso na modalidade à distância. Desse modo, o planejamento da arquitetura curricular para EAD deve considerar os novos paradigmas da educação. Segundo Lévy (1999, p.158): A EAD explora certas técnicas de ensino a distância, incluindo as hipermídias, as redes de comunicação interativas e todas as tecnologias intelectuais da cibercultura. Mas o essencial se encontra em um novo estilo de pedagogia que favorece ao mesmo tempo as aprendizagens personalizadas a aprendizagem coletiva em rede. Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1791 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância Por meio da EAD, democratizam-se as formas de ensino-aprendizagem, já que o uso da tecnologia promove a quebra de fronteiras geográficas e espaciais, facilitando a interconexão e a comunicação entre os usuários dos recursos tecnológicos. Surge a educação sem fronteiras, acessível a uma gama ilimitada de pessoas, ou seja, do ensino presencial passa-se para o modelo a distância, por meio de simulações virtuais, programas de formação continuada no universo online, sites que investem na realidade virtual e criam escolas virtuais baseadas no e-learning, além de uma infinidade de estratégias que motivam os internautas ao processo colaborativo na aprendizagem. Neste cenário dinâmico da EAD, o planejamento da organização curricular envolve a natureza do curso, associada a valores e a uma concepção teóricometodológica sobre o ensino-aprendizagem. Tais referencias, formam as bases teóricas e filosóficas do curso, ou seja, a moldura na qual todos os elementos estarão integrados: currículo, avaliação, matriz curricular, diretrizes curriculares, materiais didáticos, mediação didático-pedagógica entre outros componentes importantes para o planejamento de cursos na modalidade a distância. No planejamento para EAD, o perfil do aluno deverá estar bem delineado, pois a proposta do curso precisa estar direcionada para as demandas dos educandos, considerando que, na EAD, o público-alvo é bastante heterogêneo, apresentando expectativas e peculiaridades diversas, além de o curso a distância atingir um quantitativo imenso de cursistas. Assim, o delineamento de cursos a distância precisa considerar o perfil socioeconômico do grupo de alunos. O contexto social, econômico, educacional e cultural do público-alvo são elementos fundamentais no tocante à definição dos conteúdos e objetivos propostos para cursos à distância. Também é fundamental considerar os processos de mediação didático-pedagógica facilitados pelas tecnologias aplicadas à EAD, priorizando-se materiais e recursos didáticos elaborados em linguagem dialógica e hipertextual. Para as estratégias de planejamento, a organização dos projetos políticopedagógicos tem se revelado como premissa fundamental para as instituições de ensino que trabalham com a EAD. Os projetos político-pedagógicos, além de serem elaborados de acordo com as exigências legais para implantação de cursos de graduação de qualquer natureza (presencial ou à distância), têm-se constituído como ferramentas Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1792 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância importantes para as instituições de ensino superior no sentido de planejar a proposta dos cursos, visando à avaliação e a retroalimentação das instituições que se adaptam às exigências do mundo dinâmico da cibercultura. São nos projetos político-pedagógicos que as instituições de ensino superior expressam suas intenções, expectativas e traçam estratégias pedagógicas e administrativas para atingir a execução do planejamento proposto, contribuindo para a formação de profissionais mais qualificados e autônomos. Uma preocupação presente nos projetos pedagógicos tem sido não se pensar apenas na formação de um profissional que domine unicamente a técnica de forma descontextualizada, mas que se diferencie pela sua capacidade de ler criticamente o mundo, sendo capaz de atuar como sujeito ativo nos processos de transformações sociais e econômicas. É preciso, pois, se investir em uma educação para autonomia, facilitando os percursos de aprendizagem dos educandos nos ambientes virtuais, por meio de uma abordagem dialógica e crítica dos processos de ensino-aprendizagem. Como postulou Freire (2002, p.25): “Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Nesse sentido, as novas tecnologias ratificam essa posição de Freire, quando docentes e discentes participam da interatividade que os meios eletrônicos permitem para facilitar o ensino-aprendizagem como via de mão dupla, efetivada na construção e na reconstrução do aprender e do ensinar como duas faces de um mesmo processo. Na EAD, o planejamento do projeto político-pedagógico, sendo uma construção coletiva, elaborado pela participação ativa de multiagentes que compõem uma equipe multidisciplinar, tem efeito mobilizador da atividade dos atores envolvidos, principalmente do docente que passa a ter, após a construção de uma prática social coletiva na elaboração da proposta, um forte sentimento de pertença e identidade. Conforme Veiga (2000), o projeto político-pedagógico é concebido como prática inovadora que pressupõe a integração em diversos níveis, como em sua origem, concepção, objetivos, exigências, características e implicações. Ainda segundo Veiga (2000, p.187), o projeto político-pedagógico deve ser entendido como instrumento de ação política que deve estar em sintonia com uma nova visão de mundo, a fim de Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1793 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância garantir uma formação global e crítica para os envolvidos nesse processo, como forma de capacitá-los para o exercício da cidadania, formação profissional e pleno desenvolvimento pessoal. 4. Arquitetura Curricular em EAD: em busca de um currículo integrado e transdisciplinar A organização curricular na Educação a Distância é influenciada pelos modelos pedagógicos e pelas concepções de ensino-aprendizagem que orientam o desenho dos cursos ofertados na modalidade à distância. Pode-se dizer que, na EAD, o currículo precisa ser discutido a partir de uma macroestrutura, a qual denominaremos: Arquitetura Curricular (AC). Esta arquitetura contempla os modelos pedagógicos e envolve alguns componentes para a construção do currículo, tais como: planejamento da proposta pedagógica, organização do tempo e espaço nos ambientes virtuais, conteúdos e objetivos propostos, materiais didáticos, diretrizes metodológicas, ferramentas e recursos tecnológicos, concepções de aprendizagem, instrumentos e critérios de avaliação, dentre outros. Segundo Behar (2009, p.24), o modelo pedagógico para EAD deve ser compreendido como um “sistema de premissas teóricas que representa, explica e orienta a forma como se aborda o currículo e que se concretiza nas práticas pedagógicas e nas interações professor/aluno/objeto de estudo”. A construção de uma Arquitetura Curricular (AC) demanda conhecimento da legislação que rege o ensino do país nos seus diversos níveis e modalidades. O MEC já regulamenta a oferta de cursos de graduação e de pós-graduação na modalidade a distância, como se observa no Decreto 5.622, de 19.12.2005, o qual apresenta uma definição para EAD: A Educação a Distância é a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1794 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância Nesse processo de mediação didático-pedagógica, os professores assumem múltiplas funções na EAD, desde a elaboração de materiais didáticos até a interação online com os discentes nos ambientes virtuais. Professores autores, professores orientadores, professores tutores e várias outras classificações surgem diante dos crescentes desafios da EAD, exigindo-se diversas competências dos docentes em face das novas relações entre os educandos e o conhecimento na educação online. Na EAD, a mediação didático-pedagógica é realizada em espaços e tempos diferentes, considerando os processos de ensino e aprendizagem que se concretizam mediados por diferentes recursos midiáticos e tecnológicos. Nesse sentido, a própria concepção de aula transforma-se, deixando os limites do espaço fechado da sala de aula, para ultrapassar as dimensões ilimitadas da virtualização do conhecimento nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA). Conforme postula Moran (2002), o conceito de tempo pedagógico da aula muda, pois as noções de tempo e espaço tornam-se bem mais flexíveis na EAD. “O professor continuará “dando aula” e enriquecerá esse processo com as possibilidades que as tecnologias interativas proporcionam: para receber e responder mensagens dos alunos, criar listas de discussão e alimentar continuamente os debates e pesquisas com textos, páginas da Internet [...]”. (MORAN, 2002:22). Na EAD, a aula deve ser entendida como pesquisa, interação, aprendizagem colaborativa, redimensionando-se o papel do professor para um incentivador dos alunos na instigante aventura do conhecimento. Assim, é preciso considerar essa flexibilidade na concepção de aula na EAD, a fim de organizar a arquitetura curricular em função dos eixos norteadores da educação mediada pelos recursos tecnológicos: interatividade, pesquisa, comunicação, colaboração, convergência digital, ambiente virtual de aprendizagem, etc. Segundo Barreto (2007, p.38), “uma aula na Educação a distância deve tentar fazer tudo que você faria pessoalmente, em sala de aula, com seus alunos, e Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1795 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância não apenas dar a conhecer o conteúdo de que você é especialista e, certamente, domina tão bem”. Na organização curricular para EAD, os professores têm papel fundamental na seleção dos conteúdos propostos no processo de elaboração das ementas para as disciplinas que serão ofertadas a distância. É desejável que a organização das disciplinas seja efetivada em módulos ou unidades de aprendizagem, ou seja, pequenos blocos de construção do conhecimento. Tais módulos ou unidades de aprendizagem podem ser ofertados gradativamente, proporcionando que o aluno vá tendo contato aos poucos com os conteúdos propostos e tenha tempo suficiente para interagir com outros colegas, construindo o conhecimento de forma colaborativa com os professores, tutores e demais alunos. Para cada módulo de aprendizagem, é importante que sejam disponibilizados aos educandos materiais didáticos diversificados, publicados em meio impresso e nos ambientes virtuais, a fim de apoiar a aprendizagem a distância. Dessa forma, é fundamental que a organização curricular para EAD considere a flexibilidade das disciplinas que precisam ser ofertadas aos poucos para não sobrecarregar o aluno com tarefas e exercícios intermináveis. Também é preciso considerar que a rede de aprendizagem na EAD revela uma dimensão quantitativa imensa, o que pode comprometer o acompanhamento do trabalho dos docentes no processo de mediação didático-pedagógica, se a organização das disciplinas ofertadas não for realizada de modo eficaz. Os tutores virtuais, por exemplo, responsáveis pelo acompanhamento dos percursos de aprendizagem dos alunos nos ambientes virtuais, poderão desenvolver um trabalho mais qualitativo e aprofundado dos índices de desempenho dos alunos, no caso de um quantitativo razoável de alunos por turmas além de um número razoável de disciplinas que os cursistas estejam estudando. Este trabalho qualitativo é também representado pela participação de muitos alunos nos fóruns e chats, se posicionando criticamente, com questionamentos e expressões que muito provavelmente não os fariam nos encontros presenciais, devida a timidez ou a falta de um exercício de posicionar-se em público. No ambiente virtual, esta barreira é quebrada e os alunos se sentem encorajados a participarem dos diálogos, debates e das demais atividades que o ensino à distância proporciona. Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1796 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância Quando se analisa a dimensão do currículo na EAD, também não se pode perder de vista que esta modalidade de ensino instaura novos paradigmas nas dimensões espaciais e temporais. Entendendo a EAD como esta modalidade em que os atores do processo educativo se encontram fisicamente separados espacial e temporalmente, mas virtualmente unidos pelas redes de conexão nos ambientes colaborativos de aprendizagem, é possível compreender que o currículo precisa ser dinâmico, flexível, constantemente atualizado, em face da dinâmica dos cursos à distância. Como afirma Toschi (In: PRETI, 2005, p.173): “O currículo de um curso refere-se aos conteúdos selecionados para que se atinja os objetivos definidos para ele. Ocorre que em um curso para WEB o estudante irá navegar por um oceano de informações que, em um curso de concepção mais aberta, deve prever a possibilidade de o aluno buscar informações, trazê-las para debate e reflexão com colegas e professores”. Muitos autores apontam para a concepção de um currículo rizomático como bastante pertinente a experiências educativas na modalidade à distância (GALLO, 1997). O rizoma considera os nós nas redes de informação. O currículo rizomático propõe a transversalidade, articulada à transdisciplinaridade, possibilitando múltiplas conexões entre diversas áreas do conhecimento por meio de uma abordagem integrada e contextualizada. Mais do que currículos oficiais, na educação online é possível ter mapas curriculares (PENTEADO, 2002), no sentido de que cada um constrói seu próprio currículo. (TOSCHI In: PRETI, 2005, p.173). Na EAD, a liberdade do aluno ao navegar pelos oceanos de informações disponíveis no universo online, a aprendizagem centrada na autonomia do educando e os processos de mediação pedagógica são aspectos fundamentais nas reflexões sobre a Arquitetura Curricular (AC). O currículo precisa ser enxuto, flexível, atualizado e dinâmico, adaptando-se aos constantes fluxos de interação e comunicação orientados pelas novas tecnologias. Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1797 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância Brito (2006) também propõe uma abordagem do currículo rizomático para Educação a Distância. Segundo Brito (2006), alguns princípios de um currículo rizomático para EAD podem ser descritos, tais como: Principio de conexão: os campos de saberes não possuem uma hierarquia, uma centralização curricular, uma vez que se apresentam como redes de conhecimentos. “O rizoma possui entradas múltiplas, ou seja, ele pode ser acessado a partir de inúmeros pontos, podendo daí, remeter a quaisquer outros em seu território”. (BRITO, 2006). Princípio de heterogeneidade: o currículo rizomático rege-se pela heterogeneidade, caracterizada por saberes que dialogam e se interpenetram produzindo novos saberes, novas abordagens conceituais e metodológicas. Princípio de multiplicidade: o rizoma é sempre caracterizado pela multiplicidade e não pode ser reduzido à unidade ou à homogeneidade. Princípio de ruptura a-significante: o rizoma não pressupõe qualquer processo de significação, de hierarquização. Como se pode observar, conexão, interatividade, heterogeneidade, multidisciplinaridade tornam-se palavras-chave na busca de um currículo integrado em sintonia com os novos paradigmas da Educação a Distância. Segundo Hernández (1998, p. 54): “uma contribuição do currículo integrado é favorecer a comunicação e o intercâmbio entre os docentes, o que repercute não só na melhoria da qualidade do ensino, mas também no acompanhamento personalizado da aprendizagem dos alunos”. A abordagem de um currículo baseado em projetos de trabalho e ancorado na transdisciplinaridade (HERNÁNDEZ, 1998) apresenta-se bem pertinente diante do dinamismo da EAD. Nos ambientes virtuais de aprendizagem dos cursos à distância, os alunos são incentivados à aprendizagem baseada na cooperação/colaboração nos espaços interativos dos fóruns de discussão e chats, locais onde se efetiva a formação da “inteligência coletiva” (LÉVY, 1999) por meio das redes de informação e conhecimento. Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1798 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância 5. Considerações Finais Como se pode observar, na Educação a Distância, as reflexões sobre o currículo precisam ser ampliadas, considerando-se a necessidade de se pensar em uma Arquitetura Curricular (AC) elaborada a partir das demandas por uma educação comprometida com a autonomia do aluno. Interatividade, transdisciplinaridade, transversalidade, aprendizagem colaborativa, hipertextualidade e várias outras noções precisam ser consideradas nas discussões sobre currículo na EAD. Como afirma Leite (2002, p.50): [...] o currículo constitui um espaço imenso de referências, objetivamente inacabável, cujo crescimento tem ocorrido mais na base da multiplicação do que da síntese o que dificulta a criação de preceitos e regras enquadradas das diversas concepções. Nesse sentido, as reflexões sobre currículo devem ser compreendidas como transitórias, em sintonia com a dinâmica social dos avanços tecnológicos que estão redimensionando as formas de ensino e aprendizagem. Não se pode conceber o currículo de forma enciclopédica, apenas como um conjunto de disciplinas sem conexões, estruturado de forma descontextualizada. Na era da cibercultura, o currículo faz parte das múltiplas dimensões do ciberespaço como novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores e que envolve todo o universo oceânico de informações da cibercultura (LÉVY, 1999). As reflexões sobre uma arquitetura curricular para EAD baseada na concepção de currículo rizomático estão se destacando. Na EAD, as novas dimensões espaciais e temporais transformam o tempo pedagógico e próprio conceito de aula nos ambientes virtuais de aprendizagem. Na EAD, o currículo precisa acompanhar o dinamismo e a interatividade dos espaços virtuais de construção do conhecimento, facilitando os percursos de aprendizagem dos alunos rumo ao desenvolvimento da autonomia. Ivanda M. Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1799 Reflexões sobre Currículo na Cibercultura: Navegando Rumo aos Desafios da Educação a Distância Referências ANTUNES, C. Novas maneiras de ensinar, novas formas de aprender. São Paulo: Artmed, 2002. BARRETO, C. (Org.). Planejamento e elaboração de material didático impresso para Educação a Distância. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2007. BRITO, E. Contribuições da EAD para um novo Planejamento Curricular das Licenciaturas. ABED, 2006. CORREIA, J. A. Inovação Pedagógica e Formação de Professores. Coleção Biblioteca Básica de Educação e de Ensino, 2 ed. Portugal: Editora ASA, 1991. CÓSSIO, M. F. Currículo escolar: regulação ou emancipação social. In: Currículo escolar: propósitos e práticas. Org. Ieda Camargo. 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Martins Silva & Gilvaneide Ferreira Oliveira 1801 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” NOVO E/OU INTEGRADO ENSINO MÉDIO: RESSIGNIFICAÇÕES DAS REFORMAS CURRICULARES NOS ESPAÇOS ESCOLARES Jean Mac Cole Tavares Santos JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares NOVO E/OU INTEGRADO ENSINO MÉDIO: RESSIGNIFICAÇÕES DAS REFORMAS CURRICULARES NOS ESPAÇOS ESCOLARES Jean Mac Cole Tavares Santos RESUMO: Nessa comunicação nos propomos a apresentar os resultados parciais de uma pesquisa desenvolvida nas escolas de ensino médio do Oeste Potiguar sobre a formação e o mundo do trabalho. A intenção é perceber quais os mecanismos adotados e quais as preocupações de gestores e professores, em consonância com as políticas educacionais para o setor, para relacionar o ensino oferecido com as qualificações exigidas pelo mundo do trabalho. Objetivamos, desse modo, perceber as mudanças e as continuidades existentes nas escolas, na prática dos professores e gestores escolares, nas salas de aula, que poderia desembocar na mudança de rumo do aprendizado dos alunos. A questão que rodeia essa comunicação, então, é perceber em que as mudanças atualmente pensadas no ministério ou nas secretarias estaduais de educação chegam às escolas, são levadas ao conhecimento dos professores, são efetivadas na prática docente, são acompanhados por condições reais para sua execução. Discutimos as bases legais da educação até a proposta do grupo de estudos do MEC, apresentamos as falas coletadas nas entrevistas com as análises feitas e, provisoriamente, propomos algumas considerações a título de conclusão. PALAVRAS-CHAVE: Políticas para o Ensino Médio; reformas curriculares; currículo. O século XX, em termos educacionais, pode ser conhecido como central no debate sobre a universalização da educação. Dos anos 30 até próximo do final do século, a pauta passava pela busca da universalização do ensino fundamental, exigência de um mundo industrializado carente de mão de obra técnica (BEISIEGEL, 1986). A partir de meados dos anos noventa, a pauta ampliou-se: a busca agora é pela significação, qualidade e ampliação do ensino médio, transformado, pela LDB, em última etapa da educação básica. Várias políticas foram prescritas, anunciadas, implantadas apontando que a educação secundária tomaria novos rumos, seria revolucionada e faria parte da vida de jovens e adolescentes. Empréstimos externos foram tomados, escolas foram reestruturadas e muitos encontros foram realizados para discutir os rumos a seguir (ZIBAS, 2005). No período FHC, o ensino médio foi propagandeado para a vida. A proposta Jean Mac Cole Tavares Santos 1805 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares consistia em um ensino médio de formação geral, tecnológico, propedêutico. Além dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, o Decreto 2208/97 representou um grande marco. Já em tempos de Lula, o ensino médio passou a ser integrado. Apesar de nos primeiros anos apenas administrar a herança de Fernando Henrique, o governo atual mostra-se sensível ao apelo de uma parcela significativa dos educadores e revogou o decreto 2208. Agora a lei aponta para o ensino médio integrado e responde pelo número 5154/04. Desde o final de 2007, baseado justamente no decreto de 2004, está em plena atividade um grupo de trabalho interministerial para pensar a reestruturação e expansão do ensino médio atendendo, como anuncia os PCNEM do governo passado, as transformações tecnológicas da atualidade. A inserção ao mundo do trabalho, como não poderia deixar de ser numa sociedade capitalista, ainda é a tônica da formação. Um dos engodos, no entanto, é a distância entre a elaboração da proposta e sua aplicação pelo país inteiro. Várias pesquisas tentam descer ao ambiente escolar para fazer a comparação entre o pretendido, o dito e o feito (KUENZER, 2000). Comunicações, artigos e livros, oriundas das pesquisas e estudos, apontam as dificuldades, as resistências e as apropriações das políticas educacionais quando chegam ao espaço de professores e alunos. De fato, uma breve aproximação com o estado da arte desse campo de estudo permite visualizar que muito foi e, ainda, está sendo escrito sobre o ‘chão da escola’ de nível médio, incluindo a recepção das políticas públicas direcionadas para essa modalidade e a tentativa de significar o ensino médio na orientação pela inserção no mundo do trabalho. KUENZER (2002), ZIBAS (2005), FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS (2005) e KRAWCZYK (2008), entre outros, estão contribuindo em várias partes do Brasil (quiçá, também em outros países) para o entendimento das mudanças que afetam essa modalidade de ensino e suas relações com a profissionalização e a formação. Porém, devido à complexidade do tema, dos desdobramentos de relacionar trabalho e educação e, mais ainda, dado o fato de vivermos em um país gigantesco com diferenças regionais substanciais, o aprofundamento das análises vem exigindo cada vez mais estudos e pesquisas que partam das questões gerais para os espaços escolares. Nesse sentido, nos propomos a apresentar os resultados parciais de uma pesquisa desenvolvida nas escolas de ensino médio do Oeste Potiguar sobre a formação Jean Mac Cole Tavares Santos 1806 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares e o mundo do trabalho. A intenção é perceber quais os mecanismos adotados e quais as preocupações de gestores e professores, em consonância com as políticas educacionais para o setor, para relacionar o ensino oferecido com as qualificações exigidas pelo mundo do trabalho. Objetivamos, desse modo, perceber as mudanças e as continuidades existentes nas escolas, na prática dos professores e gestores escolares, nas salas de aula, que poderia desembocar na mudança de rumo do aprendizado dos alunos. A questão que rodeia essa comunicação, então, é perceber em que as mudanças atualmente pensadas no ministério ou nas secretarias estaduais de educação chegam às escolas, são levadas ao conhecimento dos professores, são efetivadas na prática docente, são acompanhados por condições reais para sua execução. Para atender às normas de uma comunicação, apresentaremos e discutiremos, brevemente, as bases legais da educação até a proposta do grupo de estudos do MEC. Depois apresentaremos as falas coletadas nas entrevistas com as análises feitas e, a seguir, propomos algumas considerações a título de conclusão, mesmo que provisória. Dos princípios legais às formulações de políticas para o ensino médio A Constituição Federal (1988) explicita, no Artigo 205, os objetivos fundamentais da educação: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Sobre o ensino médio, a Constituição vai estabelecer, em uma versão já emendada, no Artigo 208, II, “a progressiva universalização do ensino médio gratuito”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, trata do ensino médio nos artigos 35 e 36. No artigo 35 anuncia o ensino médio como etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos. Suas finalidades são: I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de Jean Mac Cole Tavares Santos 1807 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. O artigo 36 apresenta as diretrizes para o currículo, tratando especificamente da relação entre formação e trabalho nos seguintes parágrafos: § 2º. O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas. § 4º. A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional. Segundo MELLO (1999), a LDB, ao determinar que o ensino médio passa a ser a última etapa da Educação Básica, aponta o interesse em apressar sua progressiva universalização ditado pelo novo texto da Constituição. Assim, nessa interpretação, com o caráter de terminalidade, o ensino médio recupera a importância perdida quando a Emenda Constitucional número 14 tirou a oferta obrigatória do Estado. Agora, o ensino médio não significa mais um caminho, mesmo que de passagem inevitável, para um outro grau de estudo, nem um nível à parte a ser conquistado para se ingressar no mercado de trabalho ou mesmo em uma próxima etapa da qualificação profissional. Como consta no texto governamental, ele é educação básica e passa a integrar a etapa do processo educacional considerada “básica para o exercício da cidadania, base para o acesso às atividades produtivas, para o prosseguimento dos níveis mais elevados e complexos de educação e para o desenvolvimento pessoal, referido a sua interação com a sociedade e sua plena inserção nela” (BRASIL, PCNEM, 1999, p. 21). É pautado nos recortes legais acima que, em 1996, depois de uma anunciada (mas desconhecida) intensa mobilização, o governo FHC propõe um ‘Novo Ensino Médio’. A idéia central da reforma, além de atender os ditames legais, é adaptar o ensino às novas determinações do mundo do trabalho centrado nas transformações técnicas e científicas, na revolução tecnológica e na sociedade da informação. Como Jean Mac Cole Tavares Santos 1808 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares lema tratou-se de enunciar que ‘o ensino médio, agora, é para a vida’, aproximando a sala de aula dos elementos cotidianos da vida do aluno e dos interesses imediatos da sociedade (PCNEM, 1999). Segundo os mentores do Novo Ensino Médio, junto ao caráter de terminalidade da Educação Básica, a LDB estabelece um princípio de formação geral, unificando a formação tecnológica (e não, especificamente técnica) com a formação humana. É com esse espírito que a Resolução 03/98, baseada em parecer da Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação, institui legalmente a reforma através das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM). As DCNEM se constituem num conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização pedagógica e curricular de cada unidade escolar integrante dos diversos sistemas de ensino, em atendimento ao que manda a lei (Constituição Federal e LDB), tendo em vista vincular a educação com o mundo do trabalho e a prática social, consolidando a preparação para o exercício da cidadania e propiciando preparação básica para o trabalho (BRASIL, DCNEM,1999). Uma das reflexões a ser feita aqui é a relação entre o que diz as leis acima e a interpretação que foi feita delas. Ao que parece, a interpretação das leis ganha os contornos queridos por aqueles que a estão interpretando. Pois, afinal, o que seria a preparação básica para o trabalho e a cidadania, inclusive com o termo trabalho vindo primeiro do que o termo cidadania? O tempo vivido, a correlação de forças na sociedade, os interesses de baratear a escola pública, a leitura de um mundo mudado contribuem para essa interpretação. Então, mesmo sendo forte no texto “a preparação para o trabalho”, a interpretação que sobressai da LDB é de que é uma lei, preocupada fundamentalmente com a formação geral, visando que o aluno venha a atingir os conhecimentos básicos que possibilitem outros aprendizados, seja na continuação dos estudos (em nível superior ou técnico), seja já atuando no mundo do trabalho. De fato, para enfrentar a cantada idéia de um ensino médio dicotômico (entre o técnico e o propedêutico), o que propõe a reforma é um ensino generalista, não técnico. Tal ensino devia possibilitar aos educandos uma formação de conceitos tecnológicos, de conhecimentos abertos, de direitos cidadãos, de perspectivas da cidadania. Assim, ao invés de formar técnicos ou preparar para o ingresso em um curso superior, deve desenvolver habilidades para que os indivíduos possam empregar na Jean Mac Cole Tavares Santos 1809 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares continuação dos estudos em nível superior ou nos cursos técnicos ou, ainda, para inserção imediata no ‘novo’ mundo do trabalho (aquele oriundo das transformações tecnológicas). O conhecimento tem como objetivo, nas diversas disciplinas e áreas do conhecimento, atender à exigência do mundo do trabalho e da cidadania. Nisso, as competências básicas aparecem como sendo antagonistas da prática de memorização de informações utilizadas na sala de aula, que atendia aos pressupostos do velho mundo do trabalho (taylor-fordista). As competências de agora possibilitam que os jovens tenham autonomia para continuar aprendendo, facilitando sua inserção no atual mundo do trabalho e o exercício de cidadão na sociedade tecnológica. Com efeito, as DCNEM, nos artigos 12 e 13, vão especificar a separação entre a formação profissional técnica e a formação geral. O Artigo 12 reza que não haverá dissociação entre a formação geral e a preparação básica para o trabalho que, por sua vez, não se confundirá com a formação profissional. Assim, a escola poderá até preparar para o exercício de profissões técnicas, por articulação com a educação profissional, mas somente depois de atender à formação geral, incluindo a preparação básica para o trabalho, e mantendo a independência entre os cursos técnicos e o ensino médio propriamente dito. Separa-se, assim, com a interpretação de que isso já estava desenhado desde a LDB, a educação básica do ensino profissional. Já o Artigo 13 reforça a separação ao instituir que os “estudos estritamente profissionalizantes, independentemente de serem feitos na mesma escola ou em outra escola ou instituição, de forma concomitante ou posterior ao ensino médio, deverão ser realizados em carga horária adicional às 2.400 horas (duas mil e quatrocentas) horas mínimas previstas na lei”. Essa parte da lei, como foi visto, não impede a escola média de ofertar a educação profissional. Porém, apesar de não fazê-lo, condiciona para depois da carga horária mínima do ensino médio o que, na prática, dificulta sobremaneira sua oferta nas escolas públicas, geridas pelos aspectos da deficiência de recursos humanos e financeiros. Vale ressaltar que os Artigos 12 e 13 já citados vêm reforçar o Decreto-lei 2208/97 que, no §4º do Artigo 8, sacramenta a separação e o condicionamento da formação do técnico de nível médio à certificação do ensino médio. No texto da lei, “o Jean Mac Cole Tavares Santos 1810 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares estabelecimento de ensino que conferiu o último certificado de qualificação profissional expedirá o diploma de técnico de nível médio, na habilitação profissional correspondente aos módulos cursados, desde que o interessado apresente o certificado de conclusão do ensino médio”. Uma reviravolta dessa política começa a ser esboçado no primeiro mandato do presidente Lula. Em 2004, o Ministério da Educação propõe uma guinada na relação entre a formação técnica e o ensino médio. O MEC sugeriu uma proposta de ensino médio integrado ao profissionalizante. Essa proposta se transformou no Decreto 5154/2004, instituindo a articulação da formação profissional em nível médio com o próprio ensino médio. No artigo 4º. do referido decreto vale ressaltar o seguinte parágrafo: § 1 o A articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-se-á de forma: I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno; II - concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer: a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; ou c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados; III - subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio. Assim, torna-se sem efeito o Decreto nº. 2208/97 que reforçava a visão dual na formulação e condução das políticas de educação básica e da educação profissional e tecnológica do Ministério da Educação. O Decreto nº. 5154/2004 foi um marco importante na medida em que este decreto revogou a obrigatoriedade da separação entre o ensino médio e a educação profissional técnica de nível médio e delegou as formas de Jean Mac Cole Tavares Santos 1811 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares articulação entre a educação profissional (integrada, concomitante e subseqüente) e o ensino médio para a decisão das redes e instituições escolares. Por fim, cabe destacar que, com a revogação do Decreto 2208/97, devido ao Decreto 5.154/04, as DCNEM ganharam um novo texto. A revisão das DCNEM foi feita através da Resolução No. 1 de 3 de fevereiro de 2005 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Assim, a citada Resolução traz o seguinte texto: Art. 1º Será incluído § 3º, no artigo 12 da Resolução CNE/CEB 3/98, com a seguinte redação: § 3º A articulação entre a Educação Profissional Técnica de nível médio e o Ensino Médio se dará das seguintes formas: I. integrada, no mesmo estabelecimento de ensino, contando com matrícula única para cada aluno; II. concomitante, no mesmo estabelecimento de ensino ou em instituições de ensino distintas, aproveitando as oportunidades educacionais disponíveis, ou mediante convênio de intercomplementaridade; e III. subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído o Ensino Médio. O último lance legal para a conformação do ensino médio, porém, ainda não foi dado. Na verdade, ele está em plena atividade. Dois ministérios do atual governo, o Ministério da Educação e a Secretaria de Assuntos Estratégicos, instituíram o Grupo de Trabalho Interministerial para pensar a Reestruturação e Expansão do Ensino Médio no Brasil. Os objetivos do GT é de estabelecer uma política de médio e longo prazo para consolidar, no ponto de vista quantitativo e qualitativo, o ensino médio no Brasil por meio, 1. de uma reestruturação do modelo pedagógico desta etapa da educação básica que colabore na superação do dualismo entre o ensino propedêutico e profissional e, 2. da expansão da oferta de matriculas da rede de escolas médias federais para um patamar entre 10% das matrículas totais desta etapa da educação básica. O documento-síntese do trabalho elaborado pelo GT, datado de julho de 2008, apresenta o discurso político de que a educação possui uma função estratégica e deve ser tomada como uma questão nacional. Por isso, a situação exige a consolidação do Sistema Nacional de Educação que venha restabelecer a responsabilidade dos entes federativos e viabilizar que a União, em regime de colaboração, realize sua função de coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e Jean Mac Cole Tavares Santos 1812 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais como determina a LDB no artigo 8º. Especificamente, o documento propõe dar maior visibilidade ao ensino médio no sentido da superação da dualidade histórica existente na educação brasileira. Nessa perspectiva, essa última etapa da educação básica precisa assumir o compromisso de atender a diversidade nacional no sentido da universalização com qualidade. A definição dessa identidade precisa ser iniciada mediante um projeto que “desenvolva possibilidades formativas que contemplem as múltiplas necessidades socioculturais e econômicas dos sujeitos que a constituem, reconhecendo-os como sujeitos de direitos no momento em que cursam o ensino médio” (BRASIL, 2008). Nesse sentido se posiciona a defesa pela “profissionalização” nesta etapa da educação básica, na qual se considera a contingência de milhares de jovens que necessitam, o mais cedo possível, buscar um emprego ou atuar em diferentes formas de atividades econômicas que gerem subsistência. Entretanto, se a preparação profissional no ensino médio é uma imposição da realidade não pode representar a única vertente da política pública para o ensino médio. O que se persegue não é apenas a preparação profissional, mas também mudar as condições em que ela se constitui (BRASIL, 2008). Como se pode perceber, a saída opta pela profissionalização integrada ao ensino médio. Dados do próprio MEC mostram que em 2007, 21 unidades da Federação já estavam oferecendo Ensino Médio Integrado (formação geral e profissional) com o apoio do ministério. Entretanto, os estudos existentes ainda não são suficientes para concluir pela realização das propostas de acordo com as determinações legais mesmo naquelas experiências padrões, laboratórios de testes (como as que existem no Ceará), e, tampouco, podem apontar para a perspectiva de generalização, Brasil afora, das experiências exitosas. As perguntas a serem respondidas, portanto, são as seguintes: como estão as escolas diante de todo esse panorama? Qual sua participação no desenrolar desse processo? Qual sua voz e quem estão atentos para ouvi-la? Quais seus interesses, perspectivas, desafios? O que está se passando lá enquanto as coisas acontecem pelos corredores de Brasília e de algumas universidades nos grandes centros brasileiros? Dentro de um universo pequeno, porém, antenado com a visão nacional, nossa Jean Mac Cole Tavares Santos 1813 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares procuramos contribuir com algumas das indagações acima. Enquanto isso, na escola Algumas das questões acima serão analisadas a partir dos dados encontrados na pesquisa realizada nas escolas de ensino médio do Oeste Potiguar desenvolvidas por uma equipe de professores e alunos universitários. Inicialmente a pretensão da pesquisa era perceber como se configura a escola depois das ações reformistas ocorridas nas últimas décadas: a estabelecida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso que obteve uma intervenção direta na escola (KUENZER, 2000), e a proposta do governo Lula buscando o ensino médio integrado à formação profissional, sem muita penetração, pelo menos por enquanto, nos espaços escolares. A referida pesquisa fez, como primeiro ato, um reconhecimento das trinta e duas escolas de ensino médio da região, tomando conhecimento da estrutura física, dos documentos norteadores (Projeto Político Pedagógico e Regimento Interno), do regime de trabalho docente, dos turnos de funcionamento e dos cursos ofertados pelas escolas. Com o panorama obtido, decidimos centrar em dez instituições avaliadas como representativas do quadro geral da região. Em seguida, foram aplicados questionários semi-estruturados aos diretores e/ou coordenadores escolares e aos professores que atuam nas escolas selecionadas como parte de intensificação da pesquisa. Os dados quantitativos e qualitativos (os depoimentos) coletados são analisados tendo por base os pressupostos definidos pelas políticas do ensino médio em vigor e também por aquelas relacionadas com a reforma do governo Fernando Henrique. As perguntas da entrevista semi-estruturada foram formuladas intentando perceber a preocupação da escola com a formação discente (de base geral, técnica e tecnológica) e o mundo do trabalho, mote central de qualquer intervenção nessa modalidade de ensino. O questionário aplicado evitou direcionar as perguntas para os pressupostos básicos das reformas. Nossa preocupação tinha como escopo deixar os depoentes à vontade para falar sobre as condições atuais da escola, seja ela dentro das elaborações do ‘novo ensino médio’, do ‘ensino médio integrado’ ou qualquer outra formulação que o estabelecimento tenha conseguido atingir. Ao mesmo tempo, as indagações mostraram logo as preocupações da pesquisa com os laços entre a formação Jean Mac Cole Tavares Santos 1814 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares efetivada e os componentes encontrados nos setores produtivos da região, incluindo as tecnologias empregadas por tais setores. O cuidado, por um lado, visava não dirigir as respostas ou apresentar dados que, na verdade, deveriam ser revelados pelos entrevistados e, por outro lado, já estabelecer o objeto central a ser investigado. As questões balizares foram as seguintes: 1. Quais as bases conceituais adotadas pela escola na elaboração do currículo? 2. Quais as expectativas da escola para com seus alunos, tendo por base a proposta curricular ofertada? 3. Qual deve ser a preocupação da escola com a formação profissional e com a inclusão do discente no mundo do trabalho? 4. A escola tem conhecimento dos alunos-trabalhadores que estão freqüentando a escola e mantem atividades direcionadas para eles? 5. Como a escola avalia a qualidade das atividades realizadas pelas escola? 6. A escola estabelece convênios ou parcerias com entidades governamentais, nãogovernamentais ou empresas para formação complementar, para fomentar o primeiro emprego ou para estágios? 7. Qual a capacitação recebida pelos professores para atuarem no ensino médio? Por ser um questionário aberto, várias respostas fugiram do norte previsto. Como técnica, resolvemos não corrigir, insistentemente, os rumos da conversa para evitar direcionar as respostas, constranger ou gerar antipatia com o entrevistado. Temos consciência que a interpretação da pergunta pelo depoente, seu direcionamento para questões diversas ao tema ou para outras questões já respondidas, faz parte do jogo da pesquisa com fonte oral e precisa ser lida dentro da lógica de interpretação desse tipo de fonte. A partir da compilação dos dados obtidos entendemos possível estabelecer dois padrões de respostas: no primeiro grupo estão aquelas escolas que centraram sua atenção nos conteúdos disciplinares e, no outro, as que almejaram uma aproximação com a profissionalização (mesmo técnica) do aluno. O primeiro grupo de escolas, de forma geral, afirma não se preocupar com a questão profissional. A preocupação é em oferecer qualidade no ensino buscando o envolvimento dos alunos em atividades culturais, em projetos que favoreçam o aprofundamento do aprendizado das disciplinas vistas em sala de aula. Para essas Jean Mac Cole Tavares Santos 1815 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares escolas o papel do ensino é oferecer uma formação geral ao aluno e não direcioná-lo ao mundo do trabalho (há, segundo a maioria dos depoimentos, órgãos específicos para essa ação). Antes do trabalho, a preocupação central deve ser a qualidade do ensino, entendido como possibilitar mais conhecimentos. Depois o aluno poderá optar entre a perspectiva de começar a trabalhar, fazendo um aperfeiçoamento em algum curso técnico, ou optar por prestar vestibular para alguma universidade da região. Quem vai determinar a escolha é a própria potencialidade do aluno. A baliza para delimitar os avanços da proposta escolar é, além das avaliações de cada uma das disciplinas e os números internos – a aprovação, a reprovação, a evasão -, o resultado dos alunos nos vestibulares, no Exame Nacional do Ensino Médio e nos concursos públicos. O segundo grupo, majoritário, afirma que, além de buscar o aprendizado dos conteúdos curriculares, é função da escola de ensino médio buscar uma aproximação entre a formação e o mundo do trabalho. Assim, vários gestores revelaram preocupação em promover conversas e orientações pedagógicas aos discentes sobre a necessidade de profissionalização para a inserção no mercado de trabalho. No mesmo caminho, uma parcela menor, revelou que a escola realiza ações direcionadas para a 'capacitação profissional'. Assim, para esse grupo, a preocupação com o mundo do trabalho é mais direta. De acordo com um raciocínio que é basilar do pensamento do grupo, o ensino médio das escolas públicas, por lidar com discentes oriundos das periferias das cidades, precisa criar oportunidades para inserir o jovem em alguma função que ele possa se profissionalizar vislumbrando, no futuro próximo, uma perspectiva de superação do estado em que ele se encontra, normalmente, na dependência de pais ou avós. A escola, assim, não pode ficar somente nos aspectos culturais e sociais do aprendizado, precisa investir na inclusão no mundo do trabalho. Caso a escola não assuma o papel de levar o aluno à uma perspectiva de 'emprego', vai ter como conseqüência a desmotivação, gerando reprovação e evasão. Como exemplos de ações diretas para a inclusão ao mundo do trabalho são anunciados os seguintes cursos: secretariado (integrado ao ensino médio), manicura, bordado, pintura, informática, confecção de bijuterias, cabeleireiro, crochê, bombeiro hidráulico (em parceria com empresas), eletricista (em parceria com empresa). Entretanto, analisando os exemplos citados pelos gestores, somente um pode Jean Mac Cole Tavares Santos 1816 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares ser considerado parte das atividades escolares. Os outros exemplos mostrados são atividades, até importantes para a comunidade escolar, mas fora do campo curricular. O curso de secretariado integrado ao ensino médio está de acordo com o que determina as diretrizes curriculares da modalidade em discussão. Os demais cursos, de base técnica, fogem por completo à caracterização curricular. Como exemplificador disso, uma das atividades pesquisada oferece os cursos, aberto para a comunidade, sem nenhuma relação direta nem com os professores da escola nem tampouco com os conteúdos escolares. O curso, direcionado às pessoas da escola e de fora dela, visa ofertar uma função técnica, não podendo sequer receber o nome de profissão, dado o caráter específico e temporal da atividade proposta. Vale ressaltar ainda que, para fazer parte do curso, é exigido o pagamento de uma taxa de inscrição e de mensalidades. Nesse caso, o curso tem caráter de projeto extensivo fugindo da caracterização de uma atividade do ensino médio e mesmo de qualquer outra modalidade de ensino da escola. É um curso de extensão para um público diverso e com nível de escolaridade também diverso. Logo, são cursos sem nenhuma relação direta com o ensino médio. Outro elemento importante é o fato de uma das escolas do primeiro grupo, que afirmam não se preocupar com a questão central da formação e do emprego, oferecer cursos similares. Tais cursos são apresentados a comunidade, mas sem relação com a construção curricular da escola e nem com o “dito” mundo do trabalho. São cursos, admite o gestor, justamente para a parcela da população que estão fora do mundo do trabalho, que estão desempregadas e buscam um subemprego ou uma ocupação. São direcionados para pessoas da comunidade, com formação escolar insuficiente, atentos para aprenderem uma técnica que possa gerar alguma renda. O fato é que existe, na comunidade escolar, uma demanda por cursos rápidos que possibilite o aprendizado de uma função não cabendo considerar como parte do currículo ou da função social da escola. Há ainda dentro desse mesmo grupo, duas escolas que, em tese, se preocupam com a questão de inserção no mundo do trabalho, defendendo a interlocução curricular com os desafios da profissionalização mas que admitem não conseguir fazer nada que sugira um relacionamento entre os conteúdos escolares e a realidade do mundo do trabalho, seja no sentido de uma educação geral tecnológica, de formação estritamente técnica ou, muito menos, de ensino médio integrado. Jean Mac Cole Tavares Santos 1817 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares Uma questão importante a citar são os instrumentos de sucesso ou de fracasso do aluno. O que baliza a qualidade do ensino que esse grupo representa é a quantidade de alunos que conseguem estágios, que já trabalham ou que conseguem, pelo aprendizado desenvolvido, aprovações em cursos oferecidos (técnicos ou tecnológicos) por outros órgãos como o CEFET, o SINE, o SENAI, o SESI e o SESC. Todas as escolas pesquisadas possuem alunos que trabalham, sejam em atividades temporárias ou não. Nenhuma delas, independente do agrupamento que fizemos, tem o controle quantitativo desses alunos, mas, segundo os gestores, é sabido que a grande maioria deles estuda a noite. No mesmo sentido, todas as instituições, mesmo as que admitem não possuir atividades direcionadas a esse público, são mais tolerantes em relação a atrasos e faltas dos discentes trabalhadores. A mistura dos dois grupos será novamente observada quando indagamos sobre a capacitação dos professores para atender a relação da formação escolar com o mundo do trabalho. Dessa forma, o fato de se preocupar com a preparação para o trabalho não significa ter quadro de professores capacitados para a atividade. Apenas uma escola, desse grupo, anuncia possuir alguns professores aptos para exercer a função. E, por incrível que pareça, no grupo formado pelas escolas que estão mais interessadas pela formação propedêutica, alguns depoimentos deram conta de professores capacitados para atuar na educação profissional, mesmo sem demonstrar interesse em fazê-lo. Mais um dado relevante revelado pela pesquisa diz respeito ao estabelecimento de parcerias. Todas as escolas afirmaram que mantêm algum tipo de relação com órgãos que fomentam o intercâmbio escola–empresa. Os mais citados foram: IEL (5), Caixa Econômica Federal (3), Petrobrás (3), SEBRAE (2), INSS (1), CCAA (1), outros bancos (3), SENAC (1), FUNGER (1), SESC (1). Por fim, outra unanimidade entre as escolas, refere-se ao fato das crescentes dificuldades financeiras para implementar qualquer projeto na escola fora da básica relação professor-aluno. Apesar da questão de estrutura e condições financeiras não constar entre os pontos propostos para a entrevista, os gestores apresentaram queixas das ausências estruturais da educação como estrutura física, capacitação docente e acompanhamento pedagógico por parte dos órgãos centrais. Para citar um exemplo que serve como ponto central de nossa análise, segundo uma gestora entrevistada, o Jean Mac Cole Tavares Santos 1818 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares processo de construção de um currículo do ensino médio integrado à educação profissional, aprovado pelas autoridades estaduais, não saiu do papel por falta de estrutura física e de capacitação dos professores. A escola possui uma proposta de cursos tecnológicos, em petróleo e gás, incluso em seu Projeto Político Pedagógico e apesar das constantes apelações do núcleo gestor e das promessas do governo, os recursos não chegaram. A escola foi provocada pela própria secretaria estadual para apresentar os cursos e, mesmo assim, não conseguiu os recursos necessários para sua efetivação. Considerações Podemos considerar que as escolas têm, por vontade de seus gestores, por pressão dos discentes e comunidade ou por imposição do sistema educacional, considerável preocupação com a formação profissional. A afirmação feita parte da análise da contradição observada nas falas dos gestores no que diz respeito a importância dada ao relacionamento entre o mundo do trabalho e a formação. Mesmo aquelas escolas que omitem a preocupação com a profissionalização, acabam por revelarem (seja através dos convênios, da formação de seus professores, da queixa pela falta de condições para fazer acontecer o ensino técnico ou dos cursos técnicos ‘precários’ já ministrados) a ligação necessária entre as duas esferas. Porém, o fato de boa parte dos entrevistados optarem pela defesa da educação propedêutica, citando o vestibular e, até, o ENEM como meta, não pode ser considerada de menor importância. Na verdade revela justamente o nível de incorporação das reformas no cotidiano da escola. Explicitando mais, a reforma do ensino médio, que propunha uma educação para a vida, de base geral e tecnológica, separando o ensino médio da formação técnica, aparece impregnado em várias falas. Desse modo, podemos deduzir que a propaganda de um ‘novo ensino médio’ ainda ronda as cabeças docentes: não como realização e melhoria da qualidade da escola, mas como processo inconcluso (e incompreensível), promessa descumprida, sonho não realizado. Aponta o discurso do passado, o novo ensino médio, e pratica o seu oposto. De outra forma, a idéia de um ensino médio integrado, por melhor que pareça a proposta, esbarra na falta de financiamento (e os dois grupos foram unânimes em Jean Mac Cole Tavares Santos 1819 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares citar) e nas dificuldades de profissionais habilitados para conduzir o processo. Somado a isso, a descrença na possibilidade de um novo modelo de ensino médio é notória. Qualquer idéia de reforma (e talvez por isso o atual governo não utiliza essa nomenclatura), esbarra na falta de credibilidade do conceito e nas sérias barreiras do financiamento público da educação. Acreditamos que os profissionais da educação encontram-se atordoados com a educação secundária. Talvez nunca a cantada falta de identidade do ensino médio tenha feito parte do cotidiano escolar como nos dias atuais. Conscientes ou não, os docentes vão significando sua condição social no apego inevitável ao mundo do trabalho, como defende KUENZER (2000). É a resposta possível àqueles alunos ávidos por uma oportunidade de sentir-se incluído nas benesses da sociedade de consumo. Sucesso, formação, emprego: uma outra promessa, alimentada por muitos, sem autoria determinada. Até quando as promessas bastarão? No campo educacional, várias gerações de educadores precisarão passar pela escola e muito investimento precisará ser feito para algumas palavras voltarem ao dicionário prático dos professores: reforma e revolução, na educação, lideram os verbetes. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Grupo de Trabalho de Reestruturação e Expansão do Ensino Médio no Brasil. Relatório Final. Brasília, MEC, 2008. BRASIL. Decreto N° 5.154, de 23 de julho de 2004. BRASIL. Decreto Nº 2208, de 17 de abril de 1997. BRASIL, Ministério de Educação/Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, MEC/SEMTEC, 1999. BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – 9394/96. Brasília, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC, 1999. FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M.. Ensino Médio Integrado: Concepções e Contradições. (orgs). São Paulo: Cortez, 2005. Jean Mac Cole Tavares Santos 1820 Novo e/ou Integrado Ensino Médio: Ressignificações das Reformas Curriculares nos Espaços Escolares FRIGOTTO, Gaudêncio. A política de educação profissional no governo lula: um percurso histórico controvertido. Revista Educação e Sociedade. Campinas, n. 92, oututbro, 2003. KUENZER, Acácia Zeneida. Conhecimento e competências no trabalho e na escola. Boletim técnico do SENAC, Rio de Janeiro: v. 28, n. 2, p. 03-11, maio/ago., 2002. KUENZER, Acácia Zeneida. O Ensino Médio agora é para a vida: entre o pretendido, o dito e o feito. 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Jean Mac Cole Tavares Santos 1821 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” AS NTIC E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS NA ESCOLA CONTEMPORÂNEA João Rogério Menezes de Santana JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea AS NTIC E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS NA ESCOLA CONTEMPORÂNEA João Rogério Menezes de Santana UFS/Campus Itabaiana (GEPIADDE/CEMEEB) RESUMO: A educação é o meio de adequar o ser humano as transformações sociais a este imposta, também, pelo aparato tecnológico. A escola é o espaço por excelência creditado pela sociedade para essa adaptação possibilitando ao aluno estar inserido no mundo contemporâneo sem alienação. Para promover tal prática de formação humana a escola tende a responder as especificidades do mundo moderno reordenando sua prática pedagógica, para isso, tem o Estado, buscado responder a essas necessidades disponibilizando novos conteúdos programáticos e didáticos pedagógicos de forma generalista. Aplicando-se os dispositivos legais, a escola tem por obrigação ofertar o máximo possível para o desenvolvimento pleno do estudante. Pode-se então relacionar as novas tecnologias da informação e comunicação como elementos que podem ser utilizados para atingir esses objetivos, no entanto, atentar para alguns conceitos com relação aos conteúdos a serem ministrados a exemplo de: conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais tornam-se essenciais para uma efetiva relação com o saber. Este estudo é parte do trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em metodologias do ensino para educação onde se analisa a inserção das novas tecnologias da informação e comunicação na educação pública municipal de Aracaju. PALAVRAS-CHAVE: NTIC, Educação, Tecnologias. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: [...] destacam-se. IV - formação para o trabalho; V promoção humanística, científica e tecnológica do País.(BRASIL, CF/1988) 1. Introdução. Educação é um processo pela qual o “ser humano” tem direito adquirido com o objetivo de exercer a sua cidadania, esta não é ofertada pelo Estado, pois é fundamentalmente uma conquista dos menos afortunados, por meio do exercício João Rogério Menezes de Santana 1825 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea político de lutas (ARAÚJO et al., 2003, p.8). E quem não tem acesso a ela, insere-se no âmbito dos excluídos. A educação se forma em razão dos confrontos sociais e políticos, em um determinado tempo como instrumento e outro como mecanismo. Como instrumento porque ela é o elo entre o cidadão, sua liberdade e participação, como mecanismo porque é o modo de controle desse instrumento. A educação é o meio, segundo Arroyo apud Buffa et al.(2003, p.36) de adequar o ser humano as transformações sociais a este imposta pelo aparato tecnológico. As novas tecnologias da informação e comunicação na educação é algo necessário quanto ideal. A idéia de inserir essas tecnologias na educação deve ser permitida diante a necessidade de estar o aluno inserido nesta por meio de sua formação intelectual através da escola. A escola é o espaço por excelência creditado pela sociedade a realizar tal inserção. A maior mudança no país no que se refere aos direitos básicos do cidadão, no que se refere a legislação, dar-se com a Constituição Federal de 1988. De início, no que tange aos princípios fundamentais, Título I, Art. 3º inciso III apresenta como “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III – erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais[...]”. Em seu Capítulo II (Dos Direitos Sociais), no Art. 6º é considerado esse direito o Direito a Educação. Definindo nesta Lei pontos sobre a educação o Capítulo III é a este destinado bem como a Cultura e ao Desporto. Neste encontramos as diretrizes básicas relacionadas à educação garantindo tais direitos a todos indistintamente. Revemos alguns pontos básicos: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. No inciso IV a gratuidade ao ensino público é garantida em estabelecimentos oficiais. O Art. 208 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: “I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; [...]”. Objetivando realizar mudanças no atual cenário educacional o Brasil firma um compromisso com a sociedade em razão da Conferência Internacional de Educação para João Rogério Menezes de Santana 1826 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea Todos realizado na Tailândia na cidade de Jontien em 1990 onde num prazo de dez anos compromete-se a: “a) aplicar o plano decenal; b) priorizar o ensino fundamental; c) dinamizar parcerias cm o município e a comunidade; d) modificar e estrutura de carreira docente; e) promover a avaliação de desempenho docente; f) desenvolver o ensino a distância”. Ressalte-se que tais diretrizes foram estabelecidas por organismos internacionais de interesse classista como, por exemplo, o Banco Mundial. Tais estabelecimentos reafirmam que legislar acerca da educação no Brasil sempre esteve voltada a interesses de classe dominantes configurando assim uma especificidade nacional de estabelecer normas legais sobre as necessidades básicas de sua nação (PESSOA, 2005, p.12). Nesse contexto, esse trabalho traz uma reflexão sobre pressupostos à inserção de Novas Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação e as possibilidades destas no período pós Constituição Federal de 1988 e ampliando-se a partir da LDB/ Lei 9394/96. O referido trabalho tem como base pesquisa realizada durante o Curso de Especialização em Metodologias de Ensino para a Educação Básica realizado na UFS/ Campus Itabaiana em 2007/2008. Buscou-se analisar aspectos sócios-políticos da inserção de novas tecnologias da informação e comunicação na educação na Rede Municipal de Ensino de Aracaju. 2. A Legislação Educacional e as Novas Tecnologias Após participação do Brasil da conferência Internacional em Jomtien, Tailândia, o Brasil elaborou seu plano decenal de educação. Nesse documento estão elencados: Situação e perspectivas da educação fundamental; Obstáculos a enfrentar; Estratégias para a universalização do ensino fundamental e erradicação do analfabetismo e as medidas e instrumento de implantação dessas proposituras. No seu ano de criação, para sua formatação, foi criado por Portaria Ministerial em 18 de março de 1993 a Comissão Especial para a sua elaboração sob a coordenação as Secretaria de Educação Fundamental do Ministério (BRASIL, 1993, p.17-51). Nessa mesma década é promulgado no governo de Fernando Collor o Estatuto da Criança e do Adolescente sob a Lei de N° 8.069/90. Este documento traz em seu João Rogério Menezes de Santana 1827 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea bojo algumas diretrizes a serem seguidas para a proteção da criança e do adolescente. No seu Capítulo IV (Do Direito À Educação, À Cultura, Ao Esporte e ao Lazer). Lê-se os seguintes destaques: Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-selhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. [...]Art. 57. O poder público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório. A nova LDB a Lei de 9.394/96. Formulada depois de muitos anos de discussão e cercada de polêmicas tem em sua formação retratos de uma sociedade que clama por garantia de direitos básicos. A sua formulação retrata o cidadão brasileiro que busca, nos meios legais, garantir seus direitos enquanto cidadão no tocante à educação. A distância que separa essa legislação daquela promulgada em 71 transcorre nada menos que 15 anos. Um tempo considerável, visto que a sociedade nesse período e mais especificadamente a escola, o discente e o professor passaram por mudanças significativas. Mudanças essas de ordem social, política e econômica. Tais mudanças afetaram a escola diretamente principalmente pela inserção de novas tecnologias. Ressalte-se que mais dez anos se passaram da última promulgação e nesse mesmo período as mudanças na sociedade foram ainda maiores. Pois, com o advento das novas tecnologias mudou-se a forma de ver e de estar no mundo. Dessa forma Carneiro (2002, p.24) afirma que: Nestes últimos dez anos, o mercado da informática tem investido de forma acelerada na venda de computadores para o ambiente doméstico, o que tem contribuído para acelerar mudanças João Rogério Menezes de Santana 1828 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea importantes no cotidiano que se refletem no ambiente de trabalho, na escola e nas relações familiares. Para o ambiente de trabalho as mudanças são de ordem organizacional e de intelecto como apresenta Gates (1995) apud Carneiro (2002, p.24) [...] o computador é, hoje, [...] nas grandes empresas [...] utilizado como auxílio na elaboração de nosso próprio trabalho. Brandão (1997) apud Carneiro (2002, p.29) diz que essa ferramenta se transformará “[...] em pouco tempo, num dos alicerces básicos da sociedade industrial moderna, permeando o ambiente comercial, sustentando o sucesso das modernas instituições”. Percebe-se que as LDB anteriores atendiam aos ditames da classe dominante como é descrito por Kawamura (1990, p.22) que apresenta a seguinte visão do Estado e sua intervenção nas relações entre sociedade e os meios de produção. “É no nível do Estado que o embate das tendências educacionais se sintetiza numa perspectiva dos interesses dominantes na sociedade [...]”. Essa síntese expressa-se em metas, planos, programas e leis que adquirem características de legitimidade e universalidade. Os interes de classes estão ai embutidos nas propostas e nos objetivos. As LDB de 1961 e 1971 foram formuladas tendo como aportes a idéia e o planejamento, domínio de classes dominante. “No caso da educação, era imprescindível torná-la eficiente para formar trabalhadores competentes e cidadãos integrados ao projeto econômico e social mencionado.” Dessa forma o tecnicismo é inserido no bojo das formulações das políticas públicas educacionais com o golpe de 64, [...] quando elas passam a se subordinar basicamente aos parâmetros técnicos numa estrutura político-administrativa organizada de forma a privilegiar a instância técnica e outorgar poder aos seus detentores (técnicos). De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, publicada em 1996 no seu Capítulo II, Art. 22 , que trata da disposições gerais diz que “a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Deste modo, aplicando-se os dispositivos legais, a escola tem por obrigação ofertar o máximo possível para o João Rogério Menezes de Santana 1829 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea desenvolvimento pleno do estudante. Assim, é preciso que haja uma (re) adequação das unidades de ensino em razão dos novos instrumentos tecnológicos disponibilizados a sociedade. Sabendo-se que em tais instrumentos didáticos estão inseridos os objetivos do sistema nacional de educação, do estado e do município bem como a ideologia dessas instâncias, a proposta pedagógica de cada unidade também se faz presente nos currículos. Há também nestes as várias faces do currículo como, por exemplo, o currículo oculto aquele que está no cotidiano da escola na relação entre o professor e o aluno (BRASIL, 2001, p. 40). Desse modo tem o Governo Federal articulado a base nacional comum e a diversificada dos currículos. Segundo essas recomendações, os professores e alunos deverão ter “acesso aos conteúdos mínimos de conhecimento e valores onde possibilitarão a organização, o desenvolvimento e a avaliação das propostas pedagógicas das escolas como é estabelecido na LBD nos Art. 23 a 28 e 32 e 33 (DCN, p.41)”. O Governo Federal tem tentado dar resposta aos ditames legais da Legislação em vigor no Brasil a respeito da educação nacional. Tal intenção percebe-se quando este possibilita a “democratização do acesso e a garantia da permanência de crianças e jovens nas escolas brasileiras; democratização da gestão e a construção da qualidade social da educação”. Estes são as três diretrizes que a Secretaria de Educação Infantil e Fundamental – SEIF deseja classificar a educação básica como direito social (FERNANDES in VELOSO; ALBUQUERQUE, 2004, p.60). O Art. 25 desta mesma Lei percebe-se uma intenção de adequação dos conteúdos curriculares bem como no que diz respeito a carga horária, número de alunos por turma e as condições de adequação de uma estrutura mínima necessária para o pleno exercício de docência. No parágrafo único desse Art. Lê-se: “Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto neste artigo”. O Art. 26 e 27 faz relação aos currículos mínimos no ensino fundamental e médio (educação básica). Nestes pode-se encontrar o aporte legal para formulação dos conteúdos que serão disponibilizados para o aluno, esses abrange o mundo físico e João Rogério Menezes de Santana 1830 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea natural, sociedade e cultura, política, em especial a brasileira, a história do Brasil se constituirá com ênfase na formação do povo brasileiro e suas diversas raízes étnicas e alcanças os conteúdos que tratam das relações sociais e do Direito e Deveres do cidadão. Vejamos o que diz o Artigo que indica a possibilidade de inserção de novas tecnologias na educação: [...] Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; II - consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada estabelecimento; III - orientação para o trabalho; Pode-se então relacionar as novas tecnologias da informação e comunicação como elementos que podem ser utilizados para atingir esses objetivos. Com relação aos conteúdos, a saber: conteúdos conceituais1, procedimentais2 e atitudinais3, visualiza-se a possibilidade do uso das novas tecnologias da informação e comunicação. Pode-se dar uma ênfase aos conteúdos procedimentais, pois, com estes pode o professor utilizar-se de recursos tecnológicos orientando o discente para que possa alcançar o escopo proposto pelo professor, outra inserção dos computadores nos PCN percebe-se no que diz respeito à seleção de material nas orientações didáticas (PCN, 1997, p.51-67). Dessa forma tem a escola e educadores o papel de formar cidadãos capazes de se reconhecerem com tal por meio da informação com o propósito de que estes exercitem seus direitos e deveres e então sua cidadania bem como o seu papel na sociedade. Os Parâmetros Curriculares Nacionais publicado em 1997 na página 7 onde faz referência às quatro primeiras séries do ensino fundamental trazem em seu bojo algumas diretrizes que possibilitarão ao educador desenvolver suas atividades de docência com qualidade. Para tanto apresenta alguma possibilidades de auxílio que são: “[...] • identificar, 1 Refere-se aos conhecimentos sobre conceitos básicos do que se propõe a estar disseminando. 2 Refere-se aos procedimentos a serem utilizados, é o como estar fazendo para melhor resultados obter no ensino. 3 Refere-se aos posicionamentos que temos em relação ao está em nosso entorno. João Rogério Menezes de Santana 1831 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea produzir ou solicitar novos materiais que possibilitem contextos mais significativos de aprendizagem [...]”. Este mesmo documento, nos seus objetivos, e em suas conceituações de significados nas áreas de ensino e na transversalidade de temas que as permeiam adotam como eixo “[...] o desenvolvimento das capacidades do aluno [...]”. E tem como Objetivos Gerais para o Ensino Fundamental dez, dentre eles destaca-se: [...]• utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal — como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; • saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos; [...] A atual LDB (1996), respaldada na CF, quanto aos Direitos à Educação e o Dever de educar, no Art. 4º diz que é o Estado o responsável maior por sua realização mediante algumas garantias, destacando-se: VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensinoaprendizagem. Percebe-se que no inciso nono desse Artigo deverá a educação nacional estar disponibilizando e possibilitando o crescimento intelectual do educando com a inclusão de novos materiais didáticos, incluindo as novas tecnologias, bem como a ambientação adequada a sua disponibilidade. Mello (1998, p.30) descreve alguns sinais de preocupação pelos governos acerca da educação e assim visualizam-se esses pontos já inseridos nas discussões políticas para a formulação de leis e programas que visam à melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis. Mas a autora faz ressalvas quanto a João Rogério Menezes de Santana 1832 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea sua formulação e diz que para a educação estar de fato contextualizada apresenta quatro pontos que considera primordial: políticas de ajuste econômico e curto prazo, que dificultem consensos em torno de objetivos de longo alcance, como são os da educação; instabilidade e fragilidade da tradição democrática, em função de longos períodos de governos autoritários, que prejudicam a articulação entre as instituições políticas e os atores sociais; crescimento desigual, que faz conviver setores avançados tecnologicamente, com outros de mão-de-obra intensiva e ainda necessários à integração de grandes contingentes populacionais marginalizados da produção e do consumo; grandes desigualdades na distribuição de renda e ineficiência; desigualdade na oferta de serviços educacionais. A formulação de políticas educacionais no Brasil tende a ser frágil em decorrência da não observação atenta, dos legisladores, as demandas sociais, ou seja, àquelas que realmente necessitam de maior atenção em razão de suas especificidades. Fala-se aqui das classes menos desprovidas ao acesso e permanência à escola. 3. As Redes Sociais, a Educação e o Estado Na construção destas políticas na atualidade, pós-estado de regime ditatorial no Brasil, estão às redes sociais. Instituições que se fortificaram nas últimas décadas em razão da ausência do Estado em dar resposta às demandas sociais. A respeito, Cunha (2001, p.19-21) faz uma relação dessas associações e os partidos políticos e diz que tais ligações ainda não são de fato a resposta que os atores sociais tanto esperam, pois essas organizações representam apenas parcelas de toda a sociedade. Desse modo o autor diz: [...] mais importantes do que os partidos têm sido os grupos corporativos e os candidatos defensores de interesses de grupos profissionais, econômicos, religiosos, desportivos etc. [...] Para o autor, no Brasil, a criação de redes sociais foi precoce, pois nasceu sem uma visão política de fato, em outras palavras é uma “corporativização da vida pública”. Mas, em contra partida têm essas organizações contribuído de fato para a construção de políticas efetivas, pois têm levado os políticos a estarem mais próximos dos cidadãos. João Rogério Menezes de Santana 1833 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea Recentemente pode-se observar a atuação de entidades não governamentais que passam a cobrar do governo, em todas as esferas públicas, maior atuação e eficiência no ensino na zona urbana mais especificadamente, porque essas instituições estão mais centradas nas grandes cidades. Essas entidades são “[...] associações de base local, mais ou menos institucionalizadas, que exercem pressão sobre as prefeituras [...], com ou sem intervenção de vereadores[...] articulados ou não com os partidos e com a igreja [...] (op. cit. p.580). Delors (2003, p. 133) afirma que cuidados deverão ser tomados nessa construção de redes, pois deverá o Estado ser o responsável exclusivamente pela oferta e qualidade do ensino, se não, de outro modo estaremos criando um setor que corroborará para a manutenção daqueles que já se privilegiam das melhores oportunidades. Dessa forma o autor diz que “a participação da comunidade na educação, sobretudo em nível de educação básica, deve ser acompanhada pela responsabilidade e ação vigorosa do Estado. Este tem um papel importante a desempenhar, se pretender que todas as comunidades tenham oportunidades iguais [...] de uma boa educação [...]”. Sabendo-se que a educação é o meio do cidadão prosseguir em seus sonhos, desejos e escolhas, terão a escola e o educador um papel importante na tomada de decisões a esse respeito. Recordando a LBD, (Título I da Educação e II Princípios e Fins da Educação Nacional) em seus Art. 1º; 2º; 3º inciso XI onde “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” [...] tem como finalidade [...] “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” e princípios entre eles a “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sócias. Dessa forma, instituir conteúdos que possibilitem um encaminhamento futuro na tomada de decisões bem como a prática pedagógica têm professores e unidades a responsabilidade da escolha dos conteúdos didáticos que reportem, desde a educação básica, o alunado para defrontar-se com o novo de forma consciente. As atuais diretrizes para educação instituídas em Lei vêm promover a equidade, a inserção no mercado de trabalho por meio de seu preparo e o exercício pleno de cidadania aos estudantes. Dessa forma, retomando o diálogo sobre a educação e novas tecnologias se faz necessário fazer uma ponte entre o processo de produção e os João Rogério Menezes de Santana 1834 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea interesses políticos. Tal ligação é necessária para entendermos a origem de financiamentos externos e internos que financiam a educação, pois vale ressaltar que serão eles que determinarão, de algum modo, à utilização desses recursos em razão das peculiaridades desses países como afirma Kawamura (1990, p.61) quando diz que “O capital monopolista procura incluir no país projetos econômicos e culturais que possibilitam a maior rentabilidade para seus empreendimentos no local ou na matriz. [...] Tais interesses têm coincidido em sua maioria com os dos grandes capitais nacionais, inclusive estatais” a autora ainda ressalta dizendo que desse modo [...] podese compreender melhor a avassaladora entrada de tecnologias avançadas [...] na educação entre outros seguimentos sociais. Com o Brasil República surgiu também a necessidade de um plano nacional de educação para todo o seu território por aqueles que viam uma educação para todos e de qualidade no país, no entanto, somente com a Constituição de 1988 é que sua obrigatoriedade é contemplada. O Plano Nacional de Educação (PNE) com força de Lei é editado em 2000 e terá validade até 2010. Sua elaboração foi iniciada em Em 11 de fevereiro de 1998 o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional a Mensagem 180/98, relativa ao projeto de lei que "Institui o Plano Nacional de Educação". Iniciou sua tramitação na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº 4.173, de 1998, apensado ao PL nº 4.155/98, em 13 de março de 1998. [...] foi considerado como exposição de motivos o Plano Anterior conhecido como Plano Decenal de Educação para Todos. [...] teve como eixos norteadores, do ponto de vista legal, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e a Emenda Constitucional nº 14, de 1995, que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. [...] Além deste, os documentos resultantes de ampla mobilização regional e nacional que foram apresentados pelo Brasil nas conferências da UNESCO constituíram subsídios igualmente importantes para a preparação do documento. Várias entidades foram consultadas pelo MEC, destacando-se o Conselho Nacional de Secretários de Educação - CONSED e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME (BRASIL, 2000). O atual PNE está em tempo de reformulação e ainda não amadureceu o suficientemente para que se possa diagnosticar mudanças significativas na qualidade de João Rogério Menezes de Santana 1835 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea ensino/aprendizagem. No entanto, sua formulação e vigência atual fortificaram ações de caráter administrativo possibilitando que unidades educacionais obtivessem maior autonomia na realização de ações que visam beneficiar a instituição escolar e conseqüentemente o alunado. 4. Algumas Considerações A maior mudança no país no que se refere aos direitos básicos do cidadão, no que se refere a legislação educacional, dar-se com a Constituição Federal de 1988. Nesta, a educação passa a ser direito de todos sendo um dever do Estado e da família e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Objetivando realizar mudanças no atual cenário educacional o Brasil firma um compromisso com a sociedade em razão da Conferência Internacional de Educação para Todos, realizado na Tailândia, na cidade de Jontien em 1990. Neste evento, com a participação de organismos internacionais a exemplo do Banco Mundial, observa-se nesse contexto que legislar acerca da educação no Brasil sempre esteve voltada a interesses de classe dominantes configurando assim uma especificidade nacional de estabelecer normas legais sobre as necessidades básicas de sua nação. Nesta mesma década é criado Estatuto da Criança e do Adolescente que busca defender, dentre outros aspectos, a criança adolescente nas suas necessidades básicas para sua formação como cidadão. Ainda neste período é promulgada a LDB que vem após longas décadas de discussões acerca da educação nacional visando uma equidade e ao mesmo tempo reflete os clamores de sociedade que busca, ainda, em pleno século XX, direitos básicos. A década de noventa do século passado será vista como marco nas políticas publica educacionais em decorrência das solidificações acerca de suas proposições. Foi nessa ainda que as Diretrizes Curriculares Nacionais e os Parâmetros Curriculares Nacionais vieram como norteadoras no processo de ensino aprendizagem e que tendem a responder aos atuais modelos de educando e de sociedade na era da informação João Rogério Menezes de Santana 1836 As NTIC e as Diretrizes Curriculares Nacionais na Escola Contemporânea tecnológica, também denominada por Frigotto de “terceira revolução industrial”. Dessa forma, compete aos educadores, estarem dispostos a debater essa questão e de olhos abertos: um para discernir com propriedade os avanços tecnológicos e interrogar seus escopos, seu aproveitamento e a intensidade de sua utilização; outro para enxergar as oportunidades de caráter prático da sua inserção pelo ser humano, para além do uso de seus comandos. 5. Referências ARAUJO, Maria Inês Oliveira; OLIVEIRA, Luiz Eduardo. Desafios para a formação de professores para o século XXI: O que deve ser ensinado? O que é aprendido? Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2008, 382p. BRASIL. Ministério da Educação. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. _______. Ministério da Educação. DECRETO Nº 6.300, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2007 - Programa Nacional de Tecnologia Educacional – PROINFO. _______. Ministério da Educação. O Plano de Desenvolvimento da Educação: Razões, Pincípios e Programas. _______. Ministério da Educação. Plano Decenal de Educação para Todos.Versão acrescida, Brasília, 1993, 136p. _______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Educação Básica – DCN. Parecer CNE/CEB nº 04/98, Resolução CNE/CEB nº 02/98, publicada no Diário Oficial da União em 15/4/98. _______. Secretaria de Educação Fundamental. 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João Rogério Menezes de Santana 1838 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” ENSINO MÉDIO, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Juliana Curzi Bastos Sérgio Cândido de Oscar JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional ENSINO MÉDIO, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Juliana Curzi Bastos Sérgio Cândido de Oscar RESUMO: O texto objetiva descrever e analisar os redimensionamentos e alterações processadas na legislação brasileira referente ao Ensino Médio Regular e ao Ensino Profissionalizante. Sua relevância se mostra no sentido de nos possibilitar compreender os objetivos gerais deste nível de ensino e, assim, elaborarmos um currículo que atenda as demandas legais e reais da estrutura escolar. Para cumprir este objetivo, iniciamos nossa reflexão discutindo a reforma do ensino técnico na LDB 9394/96, buscando compreender as principais mudanças trazidas por esta lei na finalidade do ensino médio. Em seguida, tomas como objeto de análise o Decreto 5154/04 que traz em alguns aspectos a reversão da reforma, ou seja, traz novamente ao Ensino Médio a possibilidade de integrar a Educação Profissionalizante. Por fim, busca-se analisar brevemente as mais recentes mudanças propostas pelo MEC na recente proposta denominada “Ensino Médio Inovador” aprovada pelo Conselho Nacional de Educação em junho deste ano. Conclui-se este texto, destacando a importância de abrir caminhos para uma formação educacional que reconheça a complexidade do mundo real e as múltiplas e diversas formas do poder saber/fazer político e social. PALAVRAS-CHAVE: Ensino médio, currículo, educação profissional. Este texto objetiva descrever e analisar os redimensionamentos e alterações processadas na legislação brasileira referente ao Ensino Médio Regular e ao Ensino Profissionalizante. Sua relevância se mostra no sentido de nos possibilitar compreender os objetivos gerais deste nível de ensino e, assim, elaborarmos um currículo que atenda as demandas legais e reais da estrutura escolar. As constantes mudanças atuais, no mundo do trabalho, exigem que professores e gestores do Ensino Médio lancem novos olhares para o currículo. Sob esta ótica é que o artigo 22 da LDB 9394/96 prescreve e objetiva a necessidade de "desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores". Esta última Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1842 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional finalidade, segundo a referida Lei, deve ser desenvolvida precipuamente pelo Ensino Médio, uma vez que entre as suas finalidades específicas incluem-se "a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando", a serem desenvolvidas por um currículo que destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação e o acesso ao conhecimento e exercício da cidadania. Nesse sentido, para compreendermos as relações hoje existentes entre o Ensino Médio e a Educação Profissional, buscaremos conhecer a legislação brasileira a partir da reforma do ensino técnico, analisar as bases legais dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e suas implicações com o mundo do trabalho, apresentando algumas considerações sobre a articulação existente entre a Educação Profissional e o Ensino Médio, denominada “Educação Profissional Técnica de Nível Médio”, por meio do Programa Brasil Profissionalizado, instituído pelo Decreto no. 6.302, de 12 de dezembro de 2007. 1 - UMA REFLEXÃO SOBRE A REFORMA DO ENSINO TÉCNICO DA LDB 9394/96 A reforma do Ensino Técnico de nível médio, explicitada na LDB 9394/96 e regulamentada pelo Decreto Federal 2208/97, separa o Ensino Médio regular e a Educação Profissional. A legislação anterior, 5.692/71 – Lei da Reforma de Ensino de 1º e 2o graus caracterizava o ensino de 2º grau como uma agência de habilitação de técnicos em profissões específicas, obedecendo à tendência tecnicista da época o que gerou, no Ensino Médio, uma crise de identidade. Ou seja sua formação deveria atender a formação integral e social do indivíduo ou meramente prepará-lo para o mercado de trabalho? Já em 1982, sobreveio a lei 7044, que revogou o artigo 5º da lei 5692/71, substituindo a habilitação técnica obrigatória pela facultativa, flexibilizando assim, a exigência da profissionalização. A LDB em vigor (Lei 9394/96) propõe que a finalidade do Ensino Médio deve ser a formação geral do educando e não a preparação para uma profissão específica. De Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1843 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional acordo com SOUZA e SILVA (1997), numa comparação entre a legislação anterior (5692/71) e a atual (9394/96), notamos que na primeira a habilitação profissional constituiu-se como uma finalidade do Ensino Médio e que a legislação atual não só exclui a profissionalização obrigatória da estrutura do Ensino Médio regular, como deixa clara ser essa uma função a ser entregue às escolas técnicas e centros especializados, que podem se constituir em redes paralelas às do ensino propriamente dito. Tal legislação prevê que os interessados poderão profissionalizar-se nesses centros, ou durante o tempo em que cursam o ensino médio regular, ou após nele terem sido diplomados. Para estes autores “o ensino profissionalizante passa a ter uma interface de pós-secundário, o que vem a corresponder às exigências atuais da economia, segundo as quais o trabalhador deve não apenas saber fazer, mas também e, principalmente, compreender com clareza o significado dos princípios científicos e tecnológicos, que estão na base de cada fase do processo de produção. Para que isso se efetive, mister se faz que quem se educa para o trabalho, traga, como pré-requisito, uma cultura geral básica, humanística e científica bem desenvolvida” (SOUZA e SILVA, 1997, p.69). Segundo SOUZA e SILVA (1997) a desvinculação entre Ensino Médio regular e Ensino Técnico reproduz, de certa forma, a situação existente no Brasil antes de 1971, na vigência da Lei 4024/61, que colocava a existência de um ensino secundário (propedêutico ao ensino superior e destinado aos filhos das elites) e um ensino profissionalizante, para os filhos dos trabalhadores. A Lei 5692/71 tentou corrigir esse dualismo, buscando estruturar no sistema a escola única, onde se integrariam o ensino comum e o ensino profissionalizante. Mas, segundo os autores, essa lei exagerou na dose e inverteu a situação: onde predominava o ensino geral (secundário) passou a predominar o ensino profissionalizante, obrigando todo aluno do nível médio a concluir o curso levando consigo uma habilitação técnica. Agora, a LDB 9394/96 e o Decreto 2208/97 aparecem, segundo os autores, como um antídoto contra os excessos da Lei 5692/71, voltando a propor o retorno da dualidade entre a formação geral e o ensino profissional. É o que diz o artigo 5º do referido decreto: “A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este”. Contudo, para SOUZA e SILVA (1997), há uma diferença a assinalar entre as leis anteriores e a atual: “embora a profissionalização se possa fazer, em regra, à Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1844 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional margem do Ensino Médio, numa espécie de subsistema paralelo, do aluno que a ele se dirige, exige-se um pré-requisito indispensável: a prova de que dispõe de formação geral suficientemente abrangente. Nisto, o modelo proposto no decreto 2208/97 e na própria LDB, se mostra superior aos demais” (SOUZA e SILVA, 1997, p. 137). No entanto, nem todos os autores compartilham dessa visão otimista da desvinculação entre Ensino Médio e Técnico. Para eles, as novas tecnologias que vem sendo, nas últimas décadas, introduzidas no mundo do trabalho, têm gerado grandes transformações nas formas de organização dos processos produtivos e, conseqüentemente, nas qualificações que vêm sendo exigidas dos trabalhadores. Segundo DELUIZ (1995), o perfil do novo trabalhador deverá se transformar em direção a um novo tipo de trabalho, onde será exigida uma considerável competência teórica, além de bons conhecimentos sobre o produto e o processo de trabalho. Portanto, será exigida uma qualificação polivalente, tornando fundamental o papel da educação básica para a elevação da qualificação da força de trabalho. Isso indica, segundo FOGAÇA (1999), um movimento de revalorização da educação geral, na medida em que a base da qualificação profissional não estaria localizada só nos sistemas de formação profissional. Entretanto, de acordo com as novas diretrizes governamentais, a organização da educação profissional é desvinculada da educação básica como um processo amplo e global. Segundo ROMERO (2002), seus objetivos privilegiam as necessidades imediatas do comércio e da indústria, o que confere à educação profissional um caráter mercantilista e imediatista de formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho. “Dessa forma, as dimensões de conquista da cultura e de construção e cidadania são excluídas da formação profissional, limitada à especialização” (ROMERO, 2002, p. 103). Essa concepção de educação profissional, segundo o autor, impede a construção de uma educação politécnica ampla, condizente com os requisitos da cidadania e as exigências da moderna produção. A constituição da educação integral ou politécnica suporia a integração do ensino geral secundário e do ensino profissional técnico. Um currículo integrado, composto organicamente de conteúdos gerais e técnicos, seria mais adequado à formação de um trabalhador com a flexibilidade necessária para o enfrentamento do novo mundo produtivo. Realizada da forma como o Decreto 2208/97 Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1845 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional estipula, a educação profissional impede uma formação efetiva e ignora as exigências de uma formação mais complexa. A exigência de conclusão ou de realização concomitante do Ensino Médio para a freqüência ao Ensino Técnico revela, por um lado, mecanismos de contenção ao ingresso no nível superior e, por outro lado, uma nova forma de elitização do Ensino Técnico, já que a maior parte dos alunos do Ensino Médio não tem condições de realizar os dois cursos simultaneamente. FOGAÇA (1999) aponta que a política governamental tem se apoiado na questão da terminalidade, isto é, no objetivo de dar aos concluintes do Ensino Médio algum tipo de preparo para o ingresso no mercado de trabalho. A autora coloca que é necessária uma análise mais profunda do significado dessa política governamental, que é, em última instância, o de diminuir a demanda pelo Ensino Superior e os gastos com a rede de ensino técnico, além de promover uma maior articulação entre a rede de escolas profissionalizantes e o setor produtivo. Ela aponta que a justificativa dada pelo MEC para a reforma seria a existência de dois problemas principais em relação aos egressos dessa modalidade de ensino (problemas esses que são praticamente inevitáveis): 1) O fato de uma parcela desses egressos estarem em funções diferentes e inferiores àquelas para as quais foram preparados e 2) o ingresso na Universidade. Com relação ao primeiro ponto, a autora comenta que é uma questão de sobrevivência, visto que é melhor ter qualquer emprego do que nenhum emprego. Com relação aos egressos que optam pela continuidade dos estudos em nível superior, a autora ressalta que não se pode considerar como uma opção equivocada, já que os diferenciais observados entre o salário médio das funções técnicas e o das funções de nível superior é muito elevado, fazendo com que os jovens continuem a querer investir no nível superior, independente de qualquer reforma que seja feita no ensino técnico. Além desses pontos citados, podemos perceber que o dualismo entre Ensino Médio regular e Técnico, pode assumir características ainda mais perversas se levarmos em conta a questão do acesso a esse nível de ensino e quais os alunos que dele se utilizam. No artigo Educação e Qualificação 1, Azuete Fogaça coloca a questão do fraco desempenho do sistema educacional brasileiro, apontando que, com relação ao Ensino Fundamental, de cada 100 alunos que ingressam nesse nível de ensino, somente 22 1 Retirado da página da internet do Ministério das Relações Exteriores, no endereço eletrônico: www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/economia/mercado/educação Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1846 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional conseguem concluí-lo e que a maior parte desses jovens que não concluem o Ensino Fundamental é oriunda das camadas mais carentes da população. A autora ressalta que a alta seletividade neste nível de ensino, dificulta que a oferta do Ensino Técnico se expanda e funcione como mecanismo de elevação da escolaridade dos trabalhadores. Para ela, se os cursos técnicos correspondem ao nível médio, isso de antemão já elimina a maior parte dos clientes potenciais desses cursos, os jovens mais pobres que não conseguem concluir o ensino fundamental. A rede de escolas técnicas federais atende a apenas 2% do total de matrículas do ensino médio e são ocupadas predominantemente por jovens que, por terem boas condições sócio-econômicas, na maioria se destinam ao ensino superior, não ocupando os postos técnicos para os quais foram preparados. As Escolas Técnicas Federais acabaram por adquirir o status de “escolas de elite”, pois são reconhecidas como escolas de qualidade no campo da formação profissional e da formação geral e, devido à seletividade da escola fundamental, tornaram-se preferidas pelos jovens de classe média. Esse ensino, além de elitista, estaria se tornando propedêutico, pois apenas a classe média recorreria a este ensino de qualidade para ter acesso à Universidade. Isso reduziria as opções de formação profissional dos estudantes mais pobres, que seriam encaminhados para escolas técnicas municipais, estaduais ou particulares onde, nos dois primeiros, as escolas estão em decadência e, no último são muito caras para esses alunos. Assim, as escolas técnicas federais não estariam atendendo às classes sociais para as quais foram criadas. Para CUNHA (1998, citado por ROMERO, 2002), existem dois argumentos principais empregados pelo Banco Mundial para justificar a reforma do ensino técnico: por um lado, as escolas técnicas, especialmente as da rede federal, operariam a custos muito elevados, injustificados para os efeitos correspondentes. Por outro lado, seus efeitos seriam mais propedêuticos do que propriamente profissionais, o que não se justifica numa escassez de recursos para a educação, em especial para o ensino médio. Portanto, segundo o autor, a estratégia de separar a educação profissional da educação geral pode estar sendo orientada pela busca do barateamento da educação básica. Outro ponto a destacar com relação à manutenção da situação excludente das camadas populares, é a questão de que a desvinculação do ensino profissionalizante e do ensino médio, não privilegiaria os jovens economicamente desfavorecidos. Segundo MORAES (2001, citada por ROMERO, 2002), na prática, as circunstâncias da realidade Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1847 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional sócio-econômica, cultural e educacional do Brasil, indicam diversos obstáculos para que os alunos possam realizar o curso técnico, ou seja, um aluno de baixo poder aquisitivo, exatamente aquele que deveria ser o público alvo do ensino técnico, não poderia passar o dia inteiro na escola fazendo o curso técnico num turno e o ensino médio em outro. Da mesma forma, ele não poderia se dar ao luxo de gastar cinco ou seis anos em sua formação profissional – três no ensino médio e outros três no curso técnico. 2 - O DECRETO 5154/04: UMA REVERSÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO Em pesquisas recentes2, verifica-se um elevado número de evasão e repetência no Ensino Técnico, principalmente a partir das reformas que separaram o Ensino Médio e Técnico. Essa separação mudou o perfil do estudante que busca o Ensino Técnico. Ao invés de jovens e adolescentes entre 15 e 17 anos, esta modalidade é buscada por uma população mais velha. Isto não significou a falta de oferta do Ensino Técnico à população mais jovem, ou que esta população deixou de procurá-lo. O que ocorreu foi que, em muitas escolas, o Ensino Técnico passou a ser oferecido principalmente no turno noturno, atendendo predominantemente a população mais velha ou empregada procurando ascensão profissional. Esses estudantes encontraram muitas dificuldades em trabalhar com os conteúdos do Ensino técnico, motivando, em muitos casos, repetência e evasão. Também o fato de que, esses alunos têm responsabilidades familiares e no trabalho e quando há problemas nesses âmbitos, tendem a deixar a escola, adiando sua formação. Em 2004, o decreto 5.154/04 provoca a reversão daquilo que foi a proposta de reforma do Ensino Médio e Técnico, fazendo com que as escolas passassem a oferecer a modalidade de Ensino Técnico separado do Ensino Médio, ou então, oferecer o Ensino Médio e Técnico integrados. Assim, muitos cursos e alunos passaram a migrar para o Ensino médio e técnico integrado. No entanto, hoje existem cursos separados e cursos integrados. Na atual legislação, o aluno obtém um único diploma, o que se diferencia 2 Ver pesquisa Educação Profissional no Brasil e Evasão Escolar, Coordenado pela Professora Rosemary Dore Heijmans, UFMG. Site: http://observatorio.inep.gov.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=17, consultado em 13/07/2009. Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1848 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional em relação à situação anterior da lei 5.692. Neste caso, o aluno terá formação geral e específica no mesmo curso e sairá com um diploma de Ensino Médio e Técnico. A proposta prevista no decreto 5.154/04 foi integrar o Ensino Médio numa perspectiva educacional de formação politécnica. Isso tem uma conotação diferente daquela que se praticava a partir da lei 5.692. Nesta, havia simplesmente uma convivência da formação geral com a específica, com pouca integração efetiva. Na proposta do referido decreto, a ideia é que haja uma integração efetiva entre essas duas formações, sob o pressuposto de que a formação que o aluno deve ter não pode ser apenas técnica, mas que lhe confira uma visão para além da condição de operar tecnicamente, uma visão mais política sobre a relação entre trabalho e educação. 3 - AS MAIS RECENTES MUDANÇAS NO ENSINO MÉDIO No dia 30 de junho de 2009, o Ministério da Educação aprovou junto ao Conselho Nacional de Educação, mudanças no Ensino Médio, através da proposta “Ensino Médio Inovador”. Este documento em sua justificativa reafirma que “a identidade do Ensino Médio se define na superação do dualismo entre propedêutico e profissionalizante. Importa, ainda, que se configure um modelo que ganhe identidade unitária para esta etapa da educação básica e que assuma formas diversas e contextualizadas, tendo em vista a realidade brasileira. Busca-se uma escola que não se limite ao interesse imediato, pragmático e utilitário” (MEC, 2009). Ressaltamos, porém, que como o Ensino Médio é responsabilidade das redes estaduais de ensino, a intenção inicial do MEC é incentivar as secretarias a promoverem mudanças no currículo e na organização dessa etapa, a partir de apoio técnico e financeiro. Segundo o Ministério, a verba deverá ser destinada prioritariamente às 100 escolas com as piores notas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Nesse sentido e contexto, o coordenador geral do Ensino Médio, Carlos Artexes, afirma que “ o MEC tem o papel indutor, mas não de definição do currículo. Os estados já estão tentando fazer isso porque o currículo não pode ser endurecido, o ministério está dando os instrumentos para essa mudança” (Agência Brasil, 2009). Assim , a partir das orientações que vão constar neste projeto, cada rede de ensino vai definir o seu modelo de currículo e organização das escolas. Além da possibilidade de o aluno poder Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1849 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional escolher as disciplinas complementares às básicas, está previsto que o atual modelo da estrutura curricular, segundo a Agência Brasil (2009), as disciplinas tradicionais serão substituídas por quatro eixos interdisciplinares: Trabalho, Ciência, Tecnologia e Cultura. Outra mudança é o aumento da carga horária de 2,4 mil para 3 mil horas/ano e inclusão de atividades práticas para complementar o aprendizado. Segundo o relator do projeto no Conselho Nacional de Educação, Francisco Aparecido Cordão, informa a Agência Brasil (2009), “a escola deixará de ser um auditório da informação e passará a ser um laboratório de aprendizagem”. O documento aprovado pelo CNE em 30 de junho de 2009, reforça a necessidade de que o projeto-político-pedagógico e o currículo escolar de cada unidade de ensino, tenha como diretrizes gerais os seguintes indicativos: Contemplar atividades integradoras de iniciação científica e no campo artísticocultural; Incorporar, como princípio educativo, a metodologia da problematização como instrumento de incentivo a pesquisa, a curiosidade pelo inusitado e o desenvolvimento do espírito inventivo, nas práticas didáticas; Promover a aprendizagem criativa como processo de sistematização dos conhecimentos elaborados, como caminho pedagógico de superação a mera memorização; Promover a valorização da leitura em todos os campos do saber, desenvolvendo a capacidade de letramento dos alunos; Fomentar o comportamento ético, como ponto de partida para o reconhecimento dos deveres e direitos da cidadania; praticando um humanismo contemporâneo, pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade; Articular teoria e prática, vinculando o trabalho intelectual com atividades práticas experimentais; Utilizar novas mídias e tecnologias educacionais, como processo de dinamização dos ambientes de aprendizagem; Estimular a capacidade de aprender do aluno, desenvolvendo o autodidatismo e autonomia dos estudantes; Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1850 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional Promover atividades sociais que estimulem o convívio humano e interativo do mundo dos jovens; Promover a integração com o mundo do trabalho por meio de estágios direcionados para os estudantes do ensino médio; Organizar os tempos e os espaços com ações efetivas de interdisciplinaridade e contextualização dos conhecimentos; Garantir o acompanhamento da vida escolar dos estudantes, desde o diagnóstico preliminar, acompanhamento do desempenho e integração com a família; Ofertar atividades complementares e de reforço da aprendizagem, como meio para elevação das bases para que o aluno tenha sucesso em seus estudos. Ofertar de atividade de estudo com utilização de novas tecnologias de comunicação; Avaliação da aprendizagem como processo formativo e permanente de reconhecimento de saberes, competências, habilidades e atitudes. Considerações Finais Estas novas diretrizes preveem uma nova organização curricular com a perspectiva de articulação entre as disciplinas, com o objetivo de desenvolver novos conhecimentos, saberes, competências, valores e práticas coadunadas com a complexidade do mundo social contemporâneo. Considera ainda que o avanço da qualidade na educação depende do compromisso político e da competência técnica dos professores, do respeito às diversidades dos estudantes jovens e da garantia da autonomia responsável das instituições escolares na formulação de seu projeto político pedagógico e de uma proposta consistente de organização curricular. Podemos pontuar que, se os movimentos da escola em relação às mudanças do mundo social e do trabalho deve se dar no sentido de uma formação mais completa dos jovens (geral e técnica), não se pode conceber que sua formação não contenha essas duas dimensões da formação humana. Para isso, são necessárias políticas educacionais que superem os paradigmas dualistas que têm marcado a tradição brasileira no campo da educação profissional, no sentido de formar alunos/ cidadãos competentes, críticos e participativos. Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1851 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional Reconstruir políticas públicas educacionais que, em nosso caso específico, referese à reorganização do campo curricular para o Ensino Médio é dar sentido às novas demandas e desafios impressos aos jovens no mundo social vigente. É abrir caminhos para uma formação educacional que reconheça a complexidade do mundo real e as múltiplas e diversas formas do poder saber/fazer político e social. Referências Bibliográficas BRASIL. Decreto Nº 2208, de 17 de Abril de 1997. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da lei nº 9394/96. BRASIL. Decreto Nº 5154, de 23 de Julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394/96. BRASIL. Bases Legais. In: Parâmetros Curriculares Nacionais Para o Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC, 1999. Disponível em <http://www.mec.gov.br/semtec/ftp/BasesLegais.doc.> Consultado em 15/07/2003. Ensino médio inovador. Brasília: MEC/SEB, http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/ensino_inovador.pdf. 2009. Disponível Consultado em em 24/07/2009. DELUIZ, Neise. Formação do Trabalhador: Produtividade e Cidadania. Rio de Janeiro: Shape Ed., 1995. FOGAÇA, Azuete. Educação e Qualificação Profissional nos Anos 90: O Discurso e o Fato. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade, e DUARTE, Marisa R. T. Política e Trabalho na Escola. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1852 Ensino Médio, Currículo e Educação Profissional ROMERO, Carlos Cortez. O Plano Nacional de Educação e a Reforma do Ensino Técnico. In: TEIXEIRA, Lúcia Helena C. (org). LDB e PNE – Desdobramentos na Política Educacional Brasileira. Cadernos ANPAE, ano 1, nº 1. São Bernardo do campo: UNESP, 2002. SOUZA, Paulo Nathanael Pereira, e SILVA, Eurides Brito da. Como Entender e Aplicar a Nova LDB. São Paulo: Pioneira, 1997. Juliana Curzi Bastos & Sérgio Cândido de Oscar 1853 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DOS CURSOS TÉCNICOS SOB A LÓGICA DO MODELO CENTRADO EM COMPETÊNCIAS: UM OLHAR A PARTIR DA REALIDADE DA ESCOLA Lélia Cristina Silveira de Moraes JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DOS CURSOS TÉCNICOS SOB A LÓGICA DO MODELO CENTRADO EM COMPETÊNCIAS: UM OLHAR A PARTIR DA REALIDADE DA ESCOLA Lélia Cristina Silveira de Moraes1 RESUMO: O presente artigo constitui-se um recorte da pesquisa desenvolvida no doutorado, em que se estudou o modelo de currículo organizado por competências: concepções e implicações na formação técnico-profissional, tendo como campo de análise o então Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão – CEFET-MA, mais especificamente o Curso Técnico em Programação de Computadores. Discute-se as contradições presentes no modelo, apontando-se os desafios que a escola tem na compreensão de tais contradições para extrair, a partir delas, as possibilidades de realização de uma formação técnica assentada em bases científicas e tecnológicas e que possam contribuir com o processo de emancipação humana. Elucidam-se nessa discussão algumas percepções dos sujeitos envolvidos na pesquisa, especialmente sobre aqueles aspectos apontados como mais significativos no quadro das contradições. Por fim, apresenta-se reflexões que possam subsidiar a (re) significação dos currículos centrados em competências naquele centro de ensino. PALAVRAS-CHAVE: Currículo por Competência. Cursos Técnicos. Contradições e Desafios. 1 SITUANDO A DISCUSSÃO As reformas implantadas na educação a partir da década de 1990 expressam a perfeita sintonia da política educacional com os determinantes econômicos. No contexto que se configurou com a adoção da LDB 9.394/1996 a educação é tomada ideologicamente como o grande trunfo da humanidade, capaz de resolver todos os problemas que causam as diferenças sociais, assim passa a ser exigido da escola o desenvolvimento de novas relações pedagógicas que possam contribuir para a melhoria das formas de vida atuais, impondo aos sujeitos a necessidade de aquisição de 1 Professora da Universidade Federal do Maranhão, Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão. Lélia Cristina Silveira de Moraes 1857 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola competências que propiciem mudanças nas rotinas e condutas nas relações sociais como um todo e de trabalho, em particular. No presente artigo discute-se alguns desafios que permeiam o uso da noção de competências, principalmente, no campo da educação. Tais desafios, emergiram dos indicadores suscitados no estudo empírico desenvolvido em pesquisa realizada junto a cursos técnicos de nível médio, no Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão – CEFET/MA2, em que analisamos o modelo de currículo organizado por competências, com foco na concepção e implicações para a formação técnicoprofissional . Desse modo, elucidamos aqueles considerados mais significativos extraídos das falas dos sujeitos3 participantes dessa pesquisa, principalmente professores, alunos e egressos, bem como dos documentos que orientaram nossa discussão neste estudo. A complexidade que envolve a noção de competência, seja pela ambigüidade que envolve o termo, seja pelo uso que ainda necessita ser dominado por educadores, a situa no centro das preocupações da formação profissional. Nesse sentido, o nosso desafio representa muito mais a busca de desvendar o seu conteúdo, bem como que significado e orientação atribuir a este modelo na formação, em face dos determinantes que impuseram o seu uso na Educação. É paradoxal quando identificamos os limites institucionais, pedagógicos, conceituais e as implicações sociais para o trabalhador que se proponha pensar a questão da competência nessa perspectiva, contudo, nos parece indispensável que se dedique atenção especial, pois esse é o paradigma que orienta a organização curricular, a qual deverá se comprometer com resultados de aprendizagem, a serem medidos como desenvolvimento de competências profissionais que possam atender ao perfil profissional desejado. Amplia dessa forma, o nosso compromisso em compreender como deverá se processar essa organização. No contexto pedagógico, a defesa pelo modelo das competências tem seu suporte na justificativa de que este se direciona para as diferenças, singularidades do 2 O CEFET-MA, atualmente integra o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, transformada, com a Lei 11.892 de 29 de dezembro de 2008, passando a se chamar Campus São Luís Monte Castelo. 3 Os sujeitos envolvidos na pesquisa foram: os dirigentes, professores, alunos, egressos e empresas que recebem os alunos para realização do estágio. Na pesquisa estes foram identificados por nomes indígenas. Lélia Cristina Silveira de Moraes 1858 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola indivíduo, ao contrário do que realiza o modelo fundado nas disciplinas, o qual origina o sucesso de uns e o fracasso de outros, sem que se tenha uma real visão dessas diferenças. Desse modo, essa pedagogia apresenta-se sustentada no eixo da individualização do ensino, autonomia do indivíduo, pedagogia diferenciada, o que justifica a tese do aprender a aprender. Portanto, teremos uma ação pedagógica mais centrada na aprendizagem do que no ensino, em que o aluno é valorizado como o centro da aprendizagem e o conhecimento tomado como uma construção significativa. Reconhecemos que os percursos de formação sempre são diferenciados, em virtude da singularidade dos indivíduos, dos seus contextos de vida social, presentes na maneira de ver, de pensar a realidade, de se expressar, mesmo quando as experiências educativas e escolares sejam partilhadas coletivamente. O que nos causa indagações é o fato de que, no plano da disputa, a competitividade instaurada pelo neoliberalismo que traz como uma de suas características o individualismo, voltado para a satisfação dos interesses individuais, do êxito próprio, desprezando formas de integração, senão aquela destinada ao aumento da produtividade, se manifesta claro o papel do modelo curricular centrado nas competências em legitimar essa ideologia, portanto, trabalhar em outra perspectiva certamente constitui o desafio. 2 CURRÍCULO CENTRADO EM COMPETÊNCIAS: algumas contradições e desafios sinalizados pela realidade dos sujeitos que o vivenciam O uso do termo competência não é recente, porém foi nos anos de 1980 que o seu emprego se multiplicou nos campos da formação e do trabalho. No Brasil, essa noção ocupa os espaços acadêmicos a partir de meados dos anos 1990, quando se implanta a lei de ensino vigente, visando a transformar os programas de formação e procedimentos de avaliação, de modo a melhor atender as exigências sociais, logo, em consonância com as atuais regras de reorganização do modelo econômico. Para Tanguy e Ropé (2002) o uso extensivo dessa noção tem uma ambivalência e é utilizada indiscriminadamente por administradores, dirigentes, formadores, pelo mundo das empresas e também por pesquisadores em ciências humanas, psicólogos e sociólogos. A ambigüidade, polissemia, bem como a flexibilidade que envolvem o termo competência e sua inconsistência quanto a sua aplicabilidade, situam-no cada vez Lélia Cristina Silveira de Moraes 1859 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola mais no circuito de buscas de entendimento, contraditoriamente, fortalecendo a sua propagação e uso. Segundo Stroobants (2004, p. 66) “De maneira mais concreta, a competência se impõe como uma necessidade, uma inovação indispensável, uma forma de superar as insuficiências de um regime obsoleto: o da qualificação.” Considerando, porém, o contexto histórico em que emerge, adota-se a compreensão de que essa asserção não é real, não é resultante de superação do modelo da qualificação, mas sim um mecanismo para enfraquecê-lo, por este não mais atender aos interesses que ordenam as relações de produção vigentes, originadas pelo progresso técnico e pelas novas formas da gestão. Tanguy e Ropé (2002) colaboram com essa discussão, mostrando que está havendo um uso extensivo da noção de competência em diferentes esferas da atividade humana - na economia, no trabalho, na educação - a qual retira da centralidade outras noções anteriormente adotadas, como saberes e conhecimento no campo pedagógico e qualificação na esfera do trabalho. Há uma tensão que permeia o deslocamento de centralidade da qualificação para a competência, pondo em jogo conquistas dos trabalhadores construídas coletivamente e, dessa forma, compromete a formação, o controle do trabalho e as negociações coletivas sobre carreira e remuneração, ou seja, está no cerne do modelo das competências a individualização no tratamento das condições e relações de trabalho, constituindo uma estratégia de fortalecimento da lógica de reestruturação do sistema produtivo. Assim, é transferida para o próprio trabalhador a responsabilidade de produzir as condições para a sua promoção, manutenção e inserção no mercado de trabalho, tudo isso sustentado sob a égide da autonomia exigida pelos processos automatizados, da iniciativa, da criatividade e da responsabilidade, postos como requisitos fundamentais no perfil do trabalhador. Os desdobramentos desse deslocamento para a esfera individual tende a destruir as formas de sociabilidade entre os trabalhadores ocasionando um falso consenso para a aceitação de que, entre os diferentes e concorrentes, aquele que ascende é por mérito próprio. Nesse contexto, a formação profissional assume relevância, por ser um espaço através do qual ocorre a construção/desenvolvimento de competências, permitindo assim se pensar nos vínculos entre as instituições educativas e o universo do trabalho. Lélia Cristina Silveira de Moraes 1860 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola A definição de um novo modelo pedagógico, centrado em competências, impôs-se como uma questão arbitrária no espaço da escola, sem que esta tivesse o tempo necessário para apreendê-lo de forma crítica e assim poder capturar as suas conseqüências práticas, bem como suas contradições, e, a partir delas, reconstruir o seu projeto pedagógico. A adoção desse modelo na Educação reveste-se de profunda sutileza, tornando-se de contestação, difícil, pois, na medida que a escola não forma, não habilita ninguém para ser incompetente, resta-nos questionar em que direção se encaminha tal competência, com que objetivos se propõe formar o indivíduo. A considerada grande inovação da educação profissional – o modelo de currículo centrado em competências, apresenta-se, talvez, como o maior desafio já vivido em sua história, a começar pela compreensão do termo competência como já elucidamos, impreciso, polissêmico. Segundo as diretrizes consiste na “[...] capacidade de articular, mobilizar, e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho.” Justifica esse entendimento sob o argumento de que as competências possibilitam uma compreensão mais ampla do processo de formação técnicoprofissional, a qual supera o mero domínio do fazer, incluindo construções mentais mais gerais sobre o mundo do trabalho. Abrangem, portanto, como explicitam as Diretrizes, o domínio do saber (conhecimento), o fazer (habilidades) e o ser (comportamento). Esses elementos são apresentados como necessários não só ao bom desempenho profissional do trabalhador, mas também como um apoio a sua constante atualização e atuação. Assim define como “conhecimento o que muitos denominam simplesmente como saberes, as habilidades, o saber fazer relacionado com a prática do trabalho, transcendendo a mera ação motora, as atitudes são o saber ser, relacionado com os valores e, portanto com o julgamento da pertinência da ação, com a qualidade do trabalho, a ética do comportamento, a convivência participativa e solidária e outros atributos humanos, tais como a iniciativa e a criatividade”. (BRASIL, 2000, p. 30). Tomando por base essa compreensão, as diretrizes definem alguém como competente quando age eficazmente diante do inesperado, do inabitual, do inusitado, mobilizando, de forma articulada, conhecimentos, habilidades e atitudes, com vistas a resolver problemas. Lélia Cristina Silveira de Moraes 1861 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola Circunscrito ao âmbito das reformas educativas, o modelo das competências traz implicações curriculares, pois os resultados da avaliação dos processos de trabalho vinculam-se ao desenvolvimento de competências mediado pela ação pedagógica. A própria concepção do que seja competência justifica a preocupação dos educadores e a situa no centro do debate entre dirigentes, alunos, professores, egressos e empregadores que participaram desta pesquisa. Daí esta ter sido uma das questões abordadas na pesquisa de campo, pois a nós interessava saber o que a realidade define como competência, o que os sujeitos que a vivenciam pensam sobre isso, o que de fato caracteriza um indivíduo como competente. Não encontramos diferenças entre as respostas apontadas por esses sujeitos, nem mesmo da que se encontra determinada na literatura e das diretrizes curriculares, porém identificamos ênfases diferenciadas entre os elementos que constituem as concepções, fruto, supostamente, dos conhecimentos acumulados e das experiências dos referidos sujeitos, como se pode constatar em algumas falas a seguir: Competência é a capacidade que a pessoa tem de articular, de mobilizar, de juntar até usando mesmo as terminologias que a gente vem lendo, os saberes, os conhecimentos e agir num determinado momento, eu vejo competente alguém que aprende algo e que sabe usar esse conhecimento, esse aprendizado em determinada circunstância que junto a isso tem as habilidades, o fazer, os valores, suas atitudes porque a pessoa não age assim isoladamente, ela age conforme ela pensa, mas que é capaz por exemplo de sair de determinada situação. (DIRIGENTE TAINÁ) Capacidade que o aluno tem de mobilizar conhecimentos, de ter atitudes, valores e habilidades para saber se desenrolar, saber resolver, saber fazer uma gama de coisas [...]. (PROFESSOR TAINÃ). A concepção de competência apresentada por estes sujeitos configura-se a partir dos estudos realizados na escola, tomando por base literatura adotada, centrando o conceito no tripé: saber (conhecimentos), saber-fazer (habilidades) e saber-ser (valores, atitudes). Stroobants (2002) ressalta que a forma sistemática das competências mobilizadas impressiona mais por sua novidade do que por seu conteúdo. Essa forma nada mais é do que o trio: saberes, “savoir-faire” e saber-ser. A autora caracteriza os saberes como conhecimentos profissionais de base explicitamente transmissíveis, o savoir-faire como as tarefas, as regras, os procedimentos e as informações próprias para o desenvolvimento de atividades específicas e, por fim, o saber-ser como o atributo que Lélia Cristina Silveira de Moraes 1862 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola envolve uma série de qualidades pessoais (ordem, método, rigor, polidez, autonomia, imaginação, iniciativa, adaptabilidade). A posição dos alunos quando questionados sobre o que entendiam por competência relaciona-se fundamentalmente a avaliação, regras que devem seguir para uma atuação eficiente ao ingressar no mercado de trabalho ou ainda apenas ao conhecimento necessário para um exercício profissional de qualidade, e atender ao perfil profissional exigido pelo mercado de trabalho, por vezes, apresenta-se de modo simplista, um tanto vagamente como podemos constatar em suas falas: [...] capacidade de utilizar conhecimentos adquiridos. (ALUNO AIMARA) [...] é achar ou está tentando achar uma solução para problemas que surgem no decorrer da vida profissional, pessoal [...]. (ALUNO GUARANI). Acredita-se que a manifestação da concepção nesses termos decorre da própria dificuldade expressa pelos professores no trabalho com o referido modelo de explicitar quais as competências trabalhadas por eles em suas disciplinas. Apesar de 86,6% dos alunos terem expressado que conheciam as competências a serem adquiridas no curso, quando indagados a esse respeito, e quase na mesma proporção, 83,3% terem respondido que as competências presentes no currículo do curso estão coerentes com as exigências da formação profissional, havendo, assim, certa coerência entre tais posições, observamos que justificam essa relação, entendendo competência com base apenas aspecto relativo ao domínio do conhecimento, do conteúdo teórico, variando em algumas justificativas para o atributo da responsabilidade, a qual é desenvolvida, segundo eles, para atender as exigências do mercado. Ainda compondo essa discussão, ao cruzar essas questões com aquela voltada à crença de que estão conseguindo desenvolver as competências presentes no plano curricular, vamos constatar também uma prevalência do sim (70%), mas reafirmando que competência está relacionada muito mais ao saber, acrescentando que isso decorre do bom trabalho dos docentes e da instituição, em sua maioria, que se preocupa com as mudanças no mercado de trabalho, tomando ainda como parâmetro a aprovação nos exames das empresas para ingresso no estágio curricular. Lélia Cristina Silveira de Moraes 1863 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola Já os egressos, evidenciaram uma compreensão mais voltada para o saber fazer e o saber, acenando também para o saber-ser, destacando alguns indicadores presentes na competência, como: iniciativa, participação criatividade, ao expressarem que: Para uma pessoa ser competente não basta ela saber, ter conhecimento daquilo que ela faz. Ela tem que estabelecer um bom relacionamento dentro do seu trabalho com seus companheiros [...] (EGRESSO ABÁ). [...] uma pessoa competente [...] é aquela que tem criatividade, raciocínio lógico e consegue desenvolver os projetos com precisão no tempo adequado. (EGRESSO ABORÉ). [...] saber o que fazer na hora que tiver prejuízo em alguma coisa e saber como agir na hora exata, precisa [...]. (EGRESSO ARACI). A pessoa é competente quando assume a responsabilidade de realizar uma tarefa e mesmo que ela não saiba fazer, ela busca a solução daquela tarefa, assume a responsabilidade e quando ela não consegue, ela admite e mostra porque não conseguiu, pra caso outra pessoa assuma a tarefa não cometa os mesmos erros, isso é ser responsável [...]. (EGRESSO TUPI). Percebemos nessas posições que a experiência de trabalho, por meio do estágio, nas empresas, influenciou na compreensão de competência apresentada por estes egressos, principalmente quando destacam os critérios adotados pelas empresas na organização e classificação do posto de trabalho, como: liderança, colaboração, trabalho em equipe, responsabilidade, dentre outros. Desse modo, ao cruzar essa questão com a relativa ao que é ser um profissional competente na perspectiva das empresas, podemos identificar a concepção de competência adotada por elas, tendo como elemento comum nessa concepção a visão de que verificam se um profissional é competente quando se afina ao perfil da empresa. Verifica-se, com efeito, que o comprometimento, o envolvimento do trabalhador, a responsabilidade com as atividades da empresa são tidos como fortes indicadores de eficiência. Isso nos leva a crer que realmente esses critérios são considerados eixo básico de orientação da atividade profissional no contexto atual. É necessário, contudo, fazer uma leitura crítica do significado e uso de tais critérios. A responsabilidade por exemplo, pode assumir uma conotação hierárquica, em que se delega a responsabilidade, na mesma medida em que se determina em que ela deve consistir ou Lélia Cristina Silveira de Moraes 1864 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola ainda ser usada como referência a moral, isto é, relativa a um conjunto de normas, regras. Essa é uma face negativa da responsabilidade, mas esta, também, pode ser tratada positivamente, representando a capacidade de assumir até o fim uma tomada de iniciativa. O que lhe é confiado é a tomada de consciência diante do que necessita ser feito e do que pode fazer. O modelo de currículo centrado em competências traz como critério básico o aprender a aprender, considerado como a competência fundamental para a inserção do trabalhador numa dinâmica social que se reestrutura continuamente. A perspectiva acenada por esse modelo é desenvolver meios que possam ocasionar uma aprendizagem permanente que favoreça uma formação continuada, isto é, que garanta o desenvolvimento de competências para que o trabalhador continue aprendendo, de forma autônoma. Desse modo, ao preconizar esse princípio, espera-se atender as rápidas transformações advindas do acelerado avanço científico e tecnológico e às novas formas de organização das atividades econômicas e sociais, para as quais se exige ainda a capacidade de aprender a conhecer e aprender a pensar. A implicação dessa pedagogia na prática da escola é a minimização do seu papel no cumprimento da transmissão do conhecimento, centrando no aluno toda a responsabilidade pelo aprendizado, o qual só será significativo se realizado por si mesmo, em que o mais importante não é o que o aluno aprende, mas como aprende, logo, a ação educativa deverá ser guiada pelas necessidades, expectativas e interesses do aluno. Assim, um bom processo educativo é aquele que desenvolve no indivíduo uma alta capacidade adaptativa, maleabilidade para se adaptar às mais variadas situações e que forme um indivíduo que acompanhe as mudanças; que está sintonizado com as novidades; não se acomoda e busca o novo. Certamente que a escola deve trabalhar a partir desses elementos, contudo, sem se eximir da sua função social. O grande risco dessa concepção é transferir para o aluno todo o ônus dos insucessos da escola e este passe a ser o algoz de si mesmo, individualizando o processo educativo. O currículo organizado por competências, prescrito oficialmente traz em seus princípios e organização pedagógica uma estrutura que dissocia conceitos, fundamentos e execução, principalmente quando separa em sua matriz as competências e as habilidades, como se esta não se constituísse componente daquela, e, ainda, como se o aprendizado do fazer não se fundamentasse em bases científicas, apesar de não se Lélia Cristina Silveira de Moraes 1865 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola revelar nos discursos oficiais claramente essa dissociação. Se a concepção de competência envolve a mobilização do saber, do saber-fazer e do saber-ser, como se justifica tal dissociação entre estas dimensões? O desafio talvez resida em trabalhar o currículo real, observando a diversidade e a pluralidade de saberes, de perspectivas que possam possibilitar o diálogo entre os professores com as concepções, posições diferenciadas, mas sem perder de vista a unidade dos princípios e objetivos que se preconiza com a formação, tratando-o de forma contingente, circunstancializado, situado historicamente no tempo e espaço; havendo, assim, uma verdadeira comunicação, esta entendida como argumentação, a escuta, a negociação com o que melhor responde à realização de uma formação de qualidade. A mobilização é considerada o eixo básico da competência. Inevitavelmente vincula-se a uma certa dose de iniciativa do próprio indivíduo, mas também às competências de outros indivíduos, pois não é redutível ao saber-fazer, saber-ser ou conhecimento individual. O profissional as elabora em interação com as competências de outros profissionais. Desse modo, a aquisição e mobilização é ao mesmo tempo individual e social. Este aspecto, então, nos faculta pensar e extrair elementos que possibilitem transformações nas relações de trabalho, e, conseqüentemente, de formação do trabalhador, a qual, sem dúvida, constitui um desafio a ser empreendido nos campo da formação e do trabalho, na tentativa de romper com o aspecto da competitividade, com a intensa individualização presentes no modelo em discussão, pois o indivíduo, a partir de então, não é mais o representante de um grupo, mas representa-se a si mesmo. Segundo Zarifian (2001, p. 193), O que conta na competência, não é a posse de um saber, nem mesmo a posse de competências de fundo4. O que conta é a sua utilização efetiva “sob iniciativa” e a previsão de suas conseqüências diretas. E toda utilização pressupõe transformação. É isto o que faz da competência uma realidade difícil de formalizar, de estabilizar, de enclausurar em uma linguagem descritiva. A essência da competência, se podemos dizer, é a sua mobilidade e plasticidade. 4 Zarifian refere-se a competências de fundo ou competências recursos, para caracterizar a particularidade das competências adquiridas na relação educativa. Segundo ele, essas aquisições cristalizam-se em alguns campos tidos como privilegiados: “na aprendizagem do domínio da linguagem e de seus usos, na formação do entretenimento, nas situações de comunicação, na importante aprendizagem da reflexão e da criatividade”. (ZARIFIAN, 2001, 175). Lélia Cristina Silveira de Moraes 1866 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola Outro desafio que merece atenção refere-se à naturalização quanto ao uso da noção de competência, o que favorece a visão de alguns por tratá-la apenas como um modismo passageiro sem grandes alterações, principalmente nas relações pedagógicas, o que levaria a uma ocultação das suas implicações sociais e pedagógicas. É necessário realmente examiná-la e problematizá-la no contexto que a determina. É necessário também não perder de vista a problematização aos elementos constitutivos do perfil de competência exigido pelos empregadores atualmente, e que remeteria para a formação inicial e continuada, como: autonomia, iniciativa e criatividade. Para Zarifian, (2003), a autonomia, em si, embora sendo condição inevitável para o desenvolvimento da competência, não é suficiente para qualificá-la, podendo até ser usada como um pretexto para não se estabelecer o debate sobre a competência do indivíduo, o que muito se verifica nos espaços administrativos e de ensino. O autor acrescenta que a autonomia de equipe, por exemplo, é bastante ambivalente, pois pode representar o engajamento de redes de interdependência, ao mesmo tempo que representar a defesa de seu próprio território. Para ele, o significado comum do termo expressa “[...] não apenas definir suas próprias regras de ação, mas agir por si mesmo, resolver por si mesmo.” (ZARIFIAN, 2003, p. 87). Dadoy (2004) colabora com essa reflexão esclarecendo que a autonomia supõe inicialmente um domínio técnico amplo do processo produtivo, residindo, portanto, sobre saberes teóricos e práticos que se constroem no processo formativo inicial, bem como no trabalho. A autora ainda argumenta que esta apresenta igualmente, [...] uma dimensão comportamental, na medida em que implica uma interiorização dos objetivos da empresa, um respeito pelas regras, uma consciência do espaço de liberdade e de seus limites, um cuidado constante com a interação de seu próprio trabalho com o dos outros, uma preocupação permanente de informar os colegas e sua hierarquia dos problemas e da situação. (DADOY, 2004, p. 130). A questão suscitada a partir desse contexto é: como os cursos de formação profissional poderão ser responsáveis pela construção e poder atestar a aquisição dessa característica tão exigida pelos empregadores? Entendemos que essa construção ocorre ao longo de todo processo formativo do sujeito, envolvendo também grande senso de Lélia Cristina Silveira de Moraes 1867 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola responsabilidade e iniciativa. Por conseguinte, não poderá ser uma atribuição apenas dos cursos de formação profissional. Nesse sentido, há grande relação entre a autonomia e iniciativa, Zarifian (2003, p. 87) nos auxilia na compreensão de tal relação: “a competência é a iniciativa sob a condição de autonomia; é determinar um começo em uma área de indeterminação.” A prioridade estabelecida à iniciativa significa privilegiar a liberdade positiva, o poder da ação, a inventividade. A iniciativa é uma ação que transforma, criando algo de novo. Refere-se à seleção, à escolha de um procedimento adequado, a enfrentar uma eventual situação com sucesso. O aumento da probabilidade de situações não programadas, eventuais, exige maior capacidade de tomar iniciativa e, assim, esta se torna ainda mais importante, e também passa a exigir certa dose de responsabilidade, a qual, por sua vez, representa a contrapartida da autonomia, possibilitando também que haja descentralização das tomadas de decisão. Nesse caso, ela pressupõe atender a objetivos de desempenho: prazo, qualidade, confiabilidade, satisfação do cliente, isto é, a tomada de iniciativa, em face de determinada situação, pode de fato, produzir uma nova realidade, se assumida com responsabilidade e produza bons resultados. A criatividade constitui em mais uma qualidade requisitada pelos empregadores, compreendida como a capacidade de lidar com o inusitado, transformando-o, reunindo uma gama de conhecimentos, o mais diversificado possível, num contexto complexo, de ação com ampla liberdade, que exclua receituários ou relação de técnicas na busca de resultados. Reconhecidamente, essas qualidades não são fáceis de definir e muito menos de se ensinar, logo, também de operacionalização difícil, o que implica processos pouco claros de avaliação e categorização dos indivíduos. A imprecisão conceitual desses termos favorece o seu uso como instrumento de dominação simbólica, o que nos impõe a necessidade de interrogar freqüentemente a lógica interna que orienta o seu uso, capturando os elementos contraditórios presentes nos procedimentos participativos utilizados pelas empresas em benefício do trabalhador. É importante, portanto, que os cursos de formação trabalhem os conteúdos das atividades educativas, explicitando essas relações de forma crítica, problematizadora. Igual importância se reveste o fato de não se perder de vista a idéia de que a presença do saber-ser com os indicadores a ele Lélia Cristina Silveira de Moraes 1868 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola inerentes, de acordo com as análises de Sulzer (2004), aparece menos como um trunfo do que como um obstáculo para os empregadores. Resta os trabalhadores terem consciência dessa realidade. Merece atenção, no quadro das contradições, o tempo destinado à formação profissional, de modo que dê conta de possibilitar a aquisição de todas essas qualidades que constituem um indivíduo competente para atender as demandas do mundo atual. Curiosamente, esta questão foi abordada por professores, alunos e egressos, sem muitas tensões, mesmo reconhecendo que esse ainda constitui um limite em algumas situações da prática pedagógica do curso, sendo insuficiente, por exemplo, para desenvolver o processo de avaliação por competência, para trabalhar com turmas numerosas e realizar as práticas de laboratório, mas consideraram os dois anos o ideal, pois um curso técnico, segundo suas falas, não pode ser muito longo, deve ter um foco definido, que é o papel do curso, como expressou um dos egressos, reproduzindo a orientação de seu professor é dar as bases para que eles busquem o conhecimento, é gerar nos alunos o saberaprender e que devem ser auto-suficientes, nesse sentido vejamos: [...] o tempo é ideal para [...] pegar a base, porque justamente esse é o objetivo do curso: formar o profissional em um tempo razoável pra ele não perder muito tempo estudando até entrar no mercado de trabalho. É como a professora falou pra gente uma vez: “o objetivo do curso é te dar uma coluna vertebral e a partir dali você vai ramificando, aprendendo mais coisas.” Foi isso que aconteceu com a gente, a gente saiu com uma base muito boa do curso [...], a partir daí a gente começou a prender novos conhecimentos relacionados ao curso [...]. (Egresso Guarani). O curso não deve dar todo o conhecimento, mas instigar a busca pelo conhecimento dado. (Aluno Arapuã). A posição dos egressos certamente é marcada pela expectativa e urgência de ingresso no mercado de trabalho, supostamente influenciada pelas propagandas da mídia sobre formação e empregabilidade, e decerto também essa posição tem a marca da experiência desenvolvida nas empresas. Sua aceitação nessa etapa, em seu entender, já anuncia as suas potencialidades para o mercado, satisfazendo, assim, as suas necessidades naquele momento. Os alunos expressaram que, em se tratando do foco, é priorizado no curso, portanto, o seu intento é rapidamente partirem para outros projetos profissionais. Lélia Cristina Silveira de Moraes 1869 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola Outro bloco, de egressos e alunos, discorda do tempo de dois anos, sugerindo que três anos é o ideal para que tenham um curso mais sólido. Justificam essa necessidade pelo fato de muitos chegarem sem os pré-requisitos necessários para acompanhar o curso e que seria importante terem um tempo inicial para trabalharem tais conhecimentos. Muitos só têm contato pela primeira vez com o computador, ao ingressarem no curso; tudo é muito novo, por isso necessitam vivenciar mais os conceitos da área de informática. Consideramos importante a reflexão sobre essa questão em detrimento das exigências apresentadas sobre o desenvolvimento das bases tecnológicas inerentes à formação em articulação com as bases científicas trabalhadas na formação geral, relativa ao Ensino Médio e que, na maioria das vezes, os alunos não apresentam esse requisito, sendo necessário um tempo maior para amadurecimento e exercício técnico. O risco de uma minimização da formação, em detrimento da objetividade exigida pelo tempo, de um lado, e uma formação técnica em nível médio, equivalente ou superior ao tempo de um curso de nível superior, de outro, merecem ser mais bem equacionados. Igual importância assume a formação do professor para trabalhar com o atual modelo curricular. Inegavelmente, esse aspecto emergiu como uma preocupação de todos os participantes da pesquisa, principalmente pela forma como foi implantado o referido modelo, sem a profunda discussão do que se constituía, inclusive, a própria noção de competência. A posição dos dirigentes sobre esse fato, é de que parcela das dificuldades em avançar no trabalho por competência decorre de prática docente desprovida de fundamentos e de um maior envolvimento com a formação do trabalhador. Os próprios professores também reconhecem esse limite, enfatizando a resistência, por parte de alguns, para experimentar o novo, entendendo essa questão como um desafio a ser enfrentado. A formação continuada dos docentes assume assim grande relevância, particularmente daqueles que trabalham com os cursos técnicos, visto que, em sua maioria, não tem formação pedagógica e ainda por esta questão ter sido apresentada pelas diretrizes, como condição indispensável para o sucesso do modelo curricular, as posições a seguir confirmam as nossas inferências: [...] o professor ainda não avançou em termos do entendimento realmente de competência, como que isso influencia a sua prática pedagógica, em que muda essa prática [...], são poucos os que já começaram a entender e que já Lélia Cristina Silveira de Moraes 1870 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola apresentam mudança, então realmente isso é uma dificuldade [...]. (DIRIGENTE JACI). O investimento em uma política de formação continuada dos docentes direcionada para as necessidades de sua prática, em que possamos refletir sobre princípios, conceitos, deve ser pensado em suas contradições, como um espaço fundamental de transformação, particularmente por também possibilitar ao mesmo tempo um aprendizado coletivo, de interlocução das experiências e expectativas. Acreditamos, portanto, que esse espaço que reunirá pontos de vistas, conhecimentos e práticas diferenciadas, não deixa de revelar que é um dos aspectos difíceis do trabalho pedagógico, mas também que pode ser enriquecedor e estimulante para compreender e reconstruir o modelo das competências. Finalmente, trabalhar as contradições desse modelo nos remete à profundas reflexões, no sentido de contribuir com a melhoria do currículo e, conseqüentemente, da formação do técnico, seja pela via da reorganização pedagógica e administrativa da escola, seja pela sua integração com os espaços empregadores, de tal forma que essas relações possam suscitar reflexões, proposições e possíveis mudanças. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante ter clara a noção de que, sendo o indivíduo o portador das qualidades exigidas pelo mercado de trabalho, é necessariamente nele que se deverá investir todos os esforços para capturar as contradições das competências e, a partir delas, as possibilidades, tanto no âmbito da formação, como do espaço do trabalho na redefinição de políticas de formação e de trabalho. A incorporação da noção de competência pela Educação parece desarmar a escola, diante das exigências contraditórias advindas do sistema de produção para serem trabalhadas por ela, tendo que formar para um trabalho específico, sem, contudo, engessar tal formação em direção a um ofício, ao mesmo tempo, preparar para uma constante readaptação, além de desenvolver as capacidades individuais requeridas para uma suposta empregabilidade, em um curto espaço de tempo, atestando que o indivíduo adquiriu as competências necessárias ao ingresso no mercado de trabalho, isto é, a organização curricular deve, então, comprometer-se com resultados de aprendizagem, Lélia Cristina Silveira de Moraes 1871 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola avaliados como desenvolvimento de competências que expressem o perfil profissional tencionado em cada curso. A não-discussão profunda desse modelo pela escola, nos cursos de formação profissional, certamente coloca em risco a sua função social, a qual deve se voltar para uma profissionalização que integre aprendizagem de conteúdos, métodos, técnicas de trabalho, dimensão ético-política do trabalho em direção de um objetivo social que supere os ordenamentos do mercado. Esse sem dúvida é um desafio a ser pactuado por todos os educadores, desencadeado no espaço da escola, envolvendo reflexões coletivas sobre o seu conteúdo, concepção, objetivos, dimensões política, econômica e social, e ainda as formas de operacionalização que possam elucidar as contradições, limites e perspectivas de uma formação mais condizente com princípios humanos do trabalho. Convém lembrar que as contradições vividas pela Educação brasileira têm fortes implicações dos referenciais teóricos que a orientaram ao longo do seu desenvolvimento histórico, bastante presente em nossa organização curricular, que incorporaram as concepções de um processo de industrialização tardio e lento desenvolvido no Brasil, conduzindo as profissões e conseqüentemente, a definição dos currículos a uma concepção que não valorizou o trabalho diretamente produtivo, associando-o ao trabalho escravo, destinada aos menos favorecidos, criando-se desse modo a dicotomia na formação, aquela destinada aos dirigentes, e outra para os executores. Ousamos dizer que trabalhar na direção de um movimento que se contraponha a essa realidade exige a (re)significação do modelo curricular das competências, no sentido de desconstruir os objetivos e critérios de conformação do indivíduo aos comandos da sociedade capitalista, como se encontra prescrito em suas bases teóricas, pois um projeto pedagógico que vise à emancipação humana não pode ter como orientação ensinar o aluno a aceitação da incerteza, do ser indiferente, do imprevisível da permanente adaptação, visto que esta, se estritamente aceita, pode representar perdas inimagináveis no processo formativo. É fundamental que se observe o “ser competente” sob outro ângulo, na perspectiva também de ser capaz de subverter, de transgredir a ordem que a estabelece como a única e inevitável alternativa de construções de novas bases pedagógicas para a Educação Profissional que favoreça a sua inserção na proclamada sociedade do conhecimento. Lélia Cristina Silveira de Moraes 1872 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola Não obstante, o reconhecimento dos limites e contradições que suscita o modelo curricular das competências, não pode ser tratado sem a visibilidade que ganhou no cenário atual, por isso merece a nossa atenção e problematização. Acreditamos que, fazendo o trajeto de reflexão que se encaminha a partir dos determinantes estruturais das relações sociais, econômicas e políticas ocorrentes na definição dos currículos, no espaço da sala de aula, no ensino propondo mudanças contingentes, que envolvam a concepção, a organização pedagógica dos currículos, cada professor e conseqüentemente cada sala de aula, sem contudo, tomá-los com um poder além daquele concebido historicamente, é possível contribuir com a realização de uma proposta educacional que possa favorecer a emancipação humana. Aparentemente tal proposição pode se apresentar como elementar, em face dos limites vividos historicamente pela escola, porém efetivamente significa muito, se considerarmos que isso pressupõe questionar, refletir sobre as relações do homem, do educador, educando com o conhecimento, e fundamentalmente sobre a função que tem a escola com a produção e socialização desse conhecimento. Certamente tal posição exige que nos distanciemos de concepções ingênuas e céticas, para não atribuir à escola e seus segmentos a responsabilidade exclusiva pelas mudanças na política educacional, como também desacreditar totalmente do potencial de contribuição que a escola exerce no estabelecimento de novas relações sociais. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Parecer n.º 16/99. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Brasília, 2000. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 04. Fixam Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Brasília, 2000. Lélia Cristina Silveira de Moraes 1873 Organização Curricular dos Cursos Técnicos sob a Lógica do Modelo Centrado em Competências: um Olhar a partir da Realidade da Escola DADOY, Mireille. As noções de competência à luz das das transformações na gestão da mão-de-obra. In: TOMASI, Antonio (Org.). Da qualificação à competência: pensando o século XXI. Campinas, SP: Papirus, 2004. (Prática Pedagógica). SULZER, Emmanuel. Objetivar as competências de interação: crítica social do saberser. In: TOMASI, Antonio (Org.). Da qualificação à competência: pensando o século XXI. Campinas: Papirus, 2004. (Prática Pedagógica). STROOBANTS. Marcelle. A qualificação ou como se ver livre dela. In: DOLZ, Joaquim et al (Orgs). O enigma da competência em educação. Tradução de Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2004. TANGUY, Françoise; ROPÉ, Lucie. (Orgs.). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 3. ed. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos e Equipe do Ila - PUC/RS. Campinas: Papirus, 2002. ZARIFIAN, Philippe. Objetivo competência: por uma nova lógica. Tradução de Maria Helena C. V. Trylinski. São Paulo: Atlas, 2001. ZARIFIAN, Philippe. O modelo da competência: trajetória histórica, desafios atuais e propostas. Tradução de Eric Roland René Heleault. São Paulo: Editora SENAC, 2003. Lélia Cristina Silveira de Moraes 1874 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” POLÍTICAS CURRICULARES, OS PRÓS E OS CONTRAS DO ENSINO DE GRADUAÇÃO A DISTÂNCIA> UM ESTUDO NETNOGRÁFICO COM COORDENADORES DE CURSO EM UMA UNIVERSIDADE FEDERAL Maria das Graças Rodrigues Alves Rosivaldo de Lima Lucena JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal POLÍTICAS CURRICULARES, OS PRÓS E OS CONTRAS DO ENSINO DE GRADUAÇÃO A DISTÂNCIA: UM ESTUDO NETNOGRÁFICO COM COORDENADORES DE CURSO EM UMA UNIVERSIDADE FEDERAL Maria das Graças Rodrigues Alves/DA/CCSA/UFPB Rosivaldo de Lima Lucena DA/CCSA/UFPB RESUMO: Com o desenvolvimento acelerado das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), surgiram modernas propostas educativas, extinguiram-se antigos padrões e estabeleceram-se novos perfis de relações sociais e, conseqüentemente, emergiram novas formas de aprendizagem. Neste contexto, a Educação a Distância (EAD) desponta hoje como uma das opções educacionais para a oferta de formação universitária em nível de terceiro grau. A fim de viabilizar esta modalidade de ensino e ampliar a oferta de cursos de graduação, especialmente os de licenciatura, o Ministério da Educação e Cultura instituíu em 2005 a Universidade Aberta do Brasil (UAB), a qual se configura como uma parceria entre as universidades públicas, notadamente as federais e as estaduais – pólos geradores do conteúdo dos cursos – e as prefeituras de municípios onde não há campi universitários presenciais – pólos onde são ofertados os referidos cursos. Assim, este trabalho teve como objetivo geral evidenciar as políticas curriculares e levantar os prós e os contras do ensino de graduação a distância, no âmbito da UAB, a partir de um estudo netnográfico com os coordenadores de seis cursos de graduação ofertados por uma universidade federal pública da Região Nordeste. Como principais resultados, constatou-se que a boa receptividade do cursos supera as expectativas do alunado. De outra parte, ainda segundo os entrevistados, a alguns alunos falta a autodisciplina necessária à realização de certas atividades requeridas pela EAD. PALAVRAS-CHAVE: Ensino a Distância. Políticas Curriculares. Universidade Aberta do Brasil. Netnografia. A tecnologia predomina atualmente em todo o mundo, impõe novos padrões, nos pressionando à aprendizagem contínua e sugerindo-nos a nunca parar de aprender. Somos surpreendidos a cada momento com o novo, e o mercado de trabalho, nos lembra que precisamos estar preparados para viver e sobreviver neste mundo tecnológico. Portanto, é neste cenário que a educação a distancia (EAD) reaparece como uma via de Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena 1878 Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal acesso, aparentemente poderosa para solucionar os desafios impostos pela nova ordem econômico-social do mundo tecnológico. Evidenciando-se as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) como um instrumento facilitador do processo educativo na modalidade do Ensino a distancia (EAD), este estudo teve como objetivo, levantar a receptividade da comunidade acadêmica da UFPB, sob o olhar dos Coordenadores dos Cursos de Licenciatura na modalidade a Distância: Matemática, Letras, Pedagogia, Ciências Biológicas, Ciências Agrárias e Ciências Naturais da Universidade Aberta do Brasil (UAB) vinculados a Universidade Federal da Paraíba. A escolha de tal tema não foi aleatória já que participei de algumas discussões, onde alguns professores expressaram-se contra, com certo ‘pré-conceito’ nomeando o curso de “ineficiência à distância” entre outros adjetivos, e alguns desses professores, hoje estão participando como mediadores junto a UAB/UFPBVIRTUAL. Há muito se discute sobre a prevalência do ensino presencial, mas se faz mister pesquisar a inserção desta modalidade nas Universidades Públicas (neste caso, especificadamente na UFPB), e como os bancos acadêmicos estão se posicionando e refletindo acerca desta temática. Foi desenvolvida uma pesquisa teórica empírica e a netnografia como complemento metodológico da pesquisa. Os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturadas com os Coordenadores, e foi utilizada a análise dos discursos das entrevistas. O presente artigo contempla as seguintes seções: a evolução da EAD no Brasil; do Ensino Profissionalizante ao Scricto Sensu; a EAD na Universidade Aberta do Brasil; algumas discussões de autores; a metodologia utilizada e os resultados da pesquisa de campo realizada para a confecção deste artigo; considerações e referências. A Evolução da EAD no Brasil As TIC, ligadas ao espaço virtual, nos levam ao surgimento de novos meios de aprendizagem, trazendo-nos novas maneiras de adquirir conhecimento, e a EAD renasce nesta revolução tecnológica nos permitindo e nos reportando a era do conhecimento. Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena 1879 Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal Segundo Valente (1999) “vivemos em um mundo de informação e esses processos ocorrem velozmente. Por isso, a importância de reavaliar as metodologias, e optar pela busca da informação, ao invés da memorização”. Assim, o computador interligado a rede, tornou-se um acessório importante para auxiliar alunos a exercitarem a capacidade de selecionar informação e aprender independentemente. De acordo com Valente (apud Faria, 2002, p.56): a informática deverá assumir duplo papel na escola. Primeiro, deverá ser uma ferramenta de atuação na escola, propiciando a presença virtual de pesquisadores e auxiliando cada um dos profissionais na realização de ações que contribuam para a mudança da escola. Em outros momentos, a Informática poderá ser usada para suportar a realização de uma pedagogia que proporcione a formação dos alunos possibilitando o desenvolvimento de habilidades que serão fundamentais na sociedade do conhecimento. Apesar do seu crescimento, os cursos a distância têm gerado inquietações, de modo que tem sido alvo de preconceitos por parte da sociedade, acadêmica ou não. Parte desta sociedade reage com o argumento em detrimento da qualidade de ensino usada na modalidade EAD. Assim, foi perguntado aos Coordenadores dos Cursos da UAB na modalidade a distancia UAB/UFPBVIRTUAL o que responderiam para as pessoas que se manifestam contrárias à modalidade a distancia de uma Universidade Pública? Do Ensino Profissionalizante ao Scricto Sensu As TIC nos reportaram ao espaço virtual, e a EAD renasce nesta revolução tecnológica. A educação a distância (EAD) é utilizada desde o século XIX. Entretanto somente nas últimas décadas passou a fazer parte das atenções pedagógicas, pois nas perspectivas atuais, as instituições devem desenvolver e ampliar os seus programas baseados nos quatro pilares da educação, definidos pela UNESCO: Um Tesouro a Descobrir de 1999, a discussão dos "quatro pilares" ocupa o quarto capítulo, ” eleitos como os quatro pilares fundamentais da educação do século XXI .”(da página 89-102), onde se propõe uma educação voltada para os quatro tipos fundamentais de aprendizagem: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros, aprender a ser Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena 1880 Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal Com o advento das TIC na década de 1990, algumas Instituições de ensino superior mobilizaram-se e adotaram a EAD como modalidade de ensino. E em 1992, foi criada a Universidade Aberta de Brasília (Lei 403/92) e em 1996 surgiu a primeira legislação específica para educação a distancia no ensino superior. As bases legais para essa modalidade foram estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional nº.9394, de 20 de dezembro de 1996 e regulamentada pelo decreto nº.5.622 de 20 de dezembro de 2005. O primeiro momento da EAD no Brasil aconteceu nos anos 30, sendo marcado pelos chamados cursos por correspondência. O material didático utilizado era por via impressa (apostilas, cartas e livros) que eram enviados aos usuários, pelo sistema de correios e telégrafos. Esses cursos eram apenas profissionalizantes. Algumas décadas depois, com o advento das “novas tecnologias”, o rádio e posteriormente a televisão, deu-se início ao sistema dos supletivos do Instituto Rádio Técnico Monitor e do Instituto Universal Brasileiro, entre outros, e nos anos 70, a Fundação Roberto Marinho inicia o Tele Curso 1º e 2º Grau transmitido pela TV. Mas a grande difusão da Educação a Distância aconteceu nos anos 90, concomitantemente com o a revolução tecnológica. Nesta perspectiva, consolidariam a sociedade da informação com o uso de redes por satélite, teleconferências, videoconferência e a internet. A internet foi um elemento chave neste processo de renascimento da EAD, por permitir estratégias de busca de fontes para a pesquisa escolar, atividade cotidiana e reciprocidade e interação entre professores e alunos, que compartilham a reconstrução dos seus conhecimentos. Desta forma, iniciou-se a adesão das universidades públicas e privadas na modalidade a distância, com cursos de bacharelado, licenciaturas e pós-graduações. É nesta direção que a Universidade Aberta do Brasil vê a possibilidade de formar cidadãos conscientes de seu papel sócio político, que se caracteriza pelo elo de comunicação de múltiplas vias. Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena 1881 Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal A EAD na Universidade Aberta do Brasil As bases legais para essa modalidade foram estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 e regulamentada pelo decreto nº 5.622 de 20 dezembro de 2005. O sistema da UAB não sugere a criação de uma nova instituição de ensino, mais a articulação das já existentes, sendo elas das esferas federais, estaduais ou municipais. A UFPBVIRTUAL integra desde 2007, o Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB, com a oferta de seis cursos de Licenciatura na modalidade a Distância: Matemática, Letras, Pedagogia, Ciências Biológicas, Ciências Agrárias e Ciências Naturais, utilizando-se das TIC e de metodologias inovadoras de ensino. Os cursos são desenvolvidos com base na Internet através do ambiente virtual de aprendizagem Moodle. Também são utilizados materiais impressos, CDs e DVDs. O aluno pode contar ainda, com o auxílio das Bibliotecas Virtuais e assistência personalizada nos Pólos de Apoio Presencial. O foco da UFPBVIRTUAL é a formação (graduação) de professores atuantes nas escolas públicas e o atendimento de jovens e adultos que residem no interior do Estado e que não têm acesso à educação superior pública. Para cada um desses segmentos, são destinadas 50% das vagas ofertadas a cada ano no vestibular. Atuando na educação superior e promovendo educação de qualidade na modalidade a distância, junto aos 25 Pólos Municipais, nos Estados da Paraíba, Pernambuco, Ceará e Bahia, com cursos autorizados pelo MEC e desenvolvidos com o padrão de qualidade UFPB. O quadro de docentes é formado por professores da UFPB, com apoio de tutores presenciais em todos os pólos de apoio presencial e tutores a distância, que se utilizam das tecnologias de informação e comunicação. Em função das opiniões pré - estabelecidas que caracterizem os métodos de ensino presencial e a distância, algumas visões da educação de qualidade marcam a predominância do método presencial, e em contra partida o crescimento do ensino a distancia no País, é notório inclusive com a adesão das Universidades Públicas Brasileiras na modalidade a distância (UAB - o caso da UFPBVIRTUAL). Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena 1882 Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal A abordagem teórica que fundamenta este trabalho é apresentada a partir de idéias de alguns autores, que se posicionam com concepções distintas, mas em sua maioria reconhece que a Educação a Distância tem patrocinado métodos alternativos de educação na atmosfera de ensino aprendizagem que estimulam a interatividade, capacidade de comunicação, colaboração e inovação nas relações sociais. Nesse sentido, reporto-me a Levy (1999, p.170 ), que diz: o ponto principal aqui é a mudança qualitativa nos processos de aprendizagem.Procura-se menos transferir cursos clássicos para formatos hipermídia interativos ou “abolir a distância” do que estabelecer novos paradigmas de aquisição dos conhecimentos e de construção dos saberes. Segundo Moran (1994), temos hoje a educação presencial, semi-presencial (parte presencial/parte virtual) e educação a distância (ou virtual). E define a Educação a Distância como uma prática que permite um equilíbrio entre as necessidades e habilidades individuais e as do grupo de forma presencial e virtual, desenvolvida no ensino fundamental, médio superior e na pós-graduação. Para Leite (2000), a tecnologia prevalece atualmente em todo o mundo, dita normas, padrões e nos pressiona a nunca parar de mudar, de aprender. O novo nos surpreende a cada instante, nos indicando que devemos estar preparados para viver neste mundo tecnológico. Já Moro; Estabel apud Tarouco (2003) define a Educação a Distância como o desenvolvimento de atividades de ensino e de aprender, quando educadores e aprendizes não estão presentes no mesmo espaço físico, podendo acontecer em tempos síncronos e assíncronos, mas podem estar conectados, interligados por tecnologias, principalmente as telemáticas com a Internet. Na concepção de Oliveira apud Virgílio (2003), refere-se sobre as questões relacionadas às tecnologias, faz referência à desqualificação do mundo real pelo virtual, a inquietação das estruturas sociais, a conversão do homem-nômade no homem sedentário, diante da tela do computador. Portanto, é neste panorama que a EAD reaparece pondo em discussão o que se entende por um ensino de qualidade, como um novo modelo de acessibilidade, para solucionar os novos desafios do mundo globalizado e tecnológico. Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena 1883 Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal Para subsidiar este trabalho foi realizado um levantamento de uma leitura em periódicos, livros e sites da Internet. A pesquisa teve um enfoque qualitativo, analisando os discursos das entrevistas realizadas fazendo uso da netnografia como uma das ferramentas, pois segundo Marc Augé (1994)- “a antropologia sempre foi uma antropologia do aqui e agora, e o pesquisador descreve aquilo que observa ou escuta naquele momento”(AUGÉ, 1994,p.75). Descrever a contemporaneidade na observação de manifestações e discursos dos Coordenadores dos Cursos de Licenciatura da UAB junto a UFPB/VIRTUAL foi nosso objetivo. Com a finalidade de diagnosticar a receptividade da UAB, como modalidade a distancia, numa Instituição Federal de Ensino Superior-UFPB,sob o olhar dos coordenadores, foi realizada uma entrevista com quatro dos seis coordenadores. A entrevista foi assim estruturada: Qual o grau de satisfação: de um lado o professor do outro o aluno com relação à aprendizagem? Ao levantar as respostas os Coordenadores, A,B,C,e D foram unânimes em dizer que na (...)“modalidade a distancia não há embromação, nem por parte do professor, nem do aluno, pois o professor não pode fingir que dar aulas, e em contra partida ou o aluno sabe ou não sabe, pois o feedback é quase que imediato.” O Coordenador A comentou: “Houve certa resistência a princípio, do corpo docente, mas um caso me chamou atenção, no qual um professor foi chamado para ministrar aulas junto a UAB, ele resistiu, mas posteriormente aceitou, o que não podia ser diferente já que dependíamos dele para ministrar a disciplina. Este mesmo professor estava em processo de aposentadoria (...) “A empolgação foi tanta, que ele suspendeu o processo de aposentadoria, e hoje é um dos mais dedicados.” Os Coordenadores B e C relataram que :os alunos se dedicam mais do que no modelo presencial,” já que ele pode estar presente fisicamente e não ter um melhor entendimento do que foi lido ou contextualizado”. Ainda segundo os Coordenadores A e D, “(...) a alguns alunos falta a autodisciplina necessária à realização de certas atividades”. Qual a importância da inclusão da UAB na UFPB ? Os Coordenadores A,B e D afirmam que:”(...) no contexto escolar, a UAB, veio transformar as Universidades Públicas”. Entre vários pontos positivos, o Coordenador B Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena 1884 Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal mencionou que: “ a maior satisfação é ver os alunos dos interiores dos municípios paraibanos, que se orgulham por estudarem numa Universidade como a UFPB, e estes alunos são mais comprometidos e envolvidos com a construção de sua aprendizagem”. Os coordenadores A e B salientaram que: ” enfim a Universidade pública cumpre o seu papel, pois os menos favorecidos estão incluídos”. O que diriam para as pessoas que falam mal da modalidade a distancia? Os Coordenadores A,B,C e D foram unânimes às respostas: “(...) as pessoas que são contrarias a esta modalidade o são, por desconhecimento;(...) se eu fosse falar sobre a eficácia que o ensino virtual tem e traz para a rede de comunicação, informação e educação, não pararia mais de falar, pois inúmeros são os benefícios” O coordenador C faz a seguinte afirmação:(...)”nossos alunos estão distantes, mas nunca ausentes, convido a essas pessoas a conhecer a nossa plataforma moodle”. Conclusões Com o advento globalização, da sociedade da informação e com ela a sociedade em rede, as TIC tornaram-se importante instrumento para a construção do conhecimento. A relação entre sociedade e o homem foi transmutada por meio das TIC e essas relações ganharam nova significação social, modificando hábitos e remetendo-nos há novas necessidades sociais, interferindo em nossa cultura colaborando para a transformação da sociedade globalizada. Novos processos sociais e novos objetivos se fizeram necessários com as novas TIC, inseridas neste processo também estão as Universidades Públicas ao se permitirem a implantação dos cursos a distância com a adesão da UAB. Nesta pesquisa a técnica da entrevista foi utilizada para coletar a opinião dos Coordenadores dos Cursos, acerca da receptividade da UAB junto a UFPB, e como os professores incorporaram esta “nova” modalidade de ensino, a EAD. Com relação aos Coordenadores, constatei que há muita motivação e comprometimento por parte deles no processo. Esta modalidade veio re-estimular a forma de ensino-aprendizagem e todos os envolvidos neste processo têm como objetivo atingir um ensino de qualidade. Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena 1885 Políticas Curriculares, os Prós e os Contras do Ensino de Graduação a Distância: um Estudo Netnográfico com Coordenadores de Curso em uma Universidade Federal Cinquenta dos entrevistados são entusiastas pela oportunidade do ensino público ter atingido a uma parte da sociedade sem elevado poder aquisitivo. Foi unânime entre os entrevistados que com a criação da UAB, o perfil da Universidade Pública mudou. Por conseqüência, os professores envolvidos no processo se empenham, sendo responsáveis pela criação do material didático. Dessa constatação entreve-se a importância de um dos cursos de Licenciatura no caso o curso de Letras ter 80% dos professores envolvidos na UAB. Outro detalhe importante a se frisar diz respeito ao fato de que os alunos envolvidos no processo se preocupam em manter um canal direto para esclarecer dúvidas, utilizando-se, para tanto, dos pólos presencias, da biblioteca virtual e dos tutores. Em suma, estratégias usadas para maximizar o aprendizado. Dessa forma, foi constatado que a UAB e a UFPBVIRTUAL, é uma parceria de sucesso e o grau de receptividade da sociedade acadêmica é muito bom. Complementando ainda que, entre os envolvidos no processo (Coordenadores, professores e alunos) há uma atmosfera de comprometimento e contentamento por estarem fazendo parte desta inovação nas Universidades Públicas. Referências AUGÉ, Marc. Não-lugares. Introdução a uma antropologia da supermodernidade. 3 ed. Ed. Papirus,Campinas -São Paulo, 1994. BRENNAND, Edna; GUIMARÃES, Jane Mary. A Rede Eliminando Fronteiras. Editora Universitária, João Pessoa, 2007. DELORS, Jacques .Educação um tesouro a descobrir Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI -CORTEZ UNESCO MEC Ministério da Educação e do Desporto,1999. LEITE, L. S. Educação a Distância: o desafio continua. Revista Conect, Rio de Janeiro, 2000. 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Maria das Graças Rodrigues Alves & Rosivaldo de Lima Lucena 1887 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” TECNOLOGIA E MATEMÁTICA: SABERES CURRICULARES Maria José Neves de Amorim Moura JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares TECNOLOGIA E MATEMÁTICA: SABERES CURRICULARES Maria José Neves de Amorim Moura RESUMO: O presente estudo trata da discussão sobre o saber Matemático mediado pelas TICs, mais especificamente, o uso do computador como ferramenta e a Internet como importante meio para a resignificação do conhecimento Matemático. Inicialmente, abordamos as transformações ocorridas na sociedade com o avanço das tecnologias como uma das possibilidades capaz de proporcionar ao sistema educacional um fazer pedagógico baseado em diferentes formas de percepção e atuação no mundo através do conhecimento. Nesse ínterim, abordamos o currículo como construção social, permeado pelo saber Matemático mediado pela tecnologia. Discute, ainda, a construção dos saberes Matemáticos utilizando o computador e a Internet no contexto escolar sob as perspectivas construtivistas e sócio-histórica, nas quais destacamos algumas idéias da teoria de Vigotski, com especial atenção para a (re)construção, realizada pelo individuo, dos significados construídos socialmente através do processo de generalização, considerando este fundamental para o pensamento conceitual do saber Matemático. PALAVRAS-CHAVE: Educação Matemática. Saber Matemático. Tecnologia. Currículo. Introdução No livro “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, Edgar Moran (2004) nos convida a pensar a educação como enfrentamento de incertezas colocadas como desafios de um novo tempo. Desafios que exigem o ensino da compreensão como “obra para a educação do futuro” (Ibidem, 2004, p. 17). O autor reconhece a importância da ciência enquanto produção de certezas validadas pelo conhecimento, ao mesmo tempo a considera como um grande paradoxo, uma vez que trouxe ao longo do tempo lugares de incertezas. Moran (2004) traz uma importante discussão no que diz respeito ao ato de conhecer exigindo do sujeito do conhecimento a reflexão sobre a necessidade da compreensão do processo ensino-aprendizagem. Processo este implicado na aprendizagem concatenada com as incertezas provocadas pelo conhecimento que mediante paradigmas, doutrinas e dogmas, exige do sujeito uma postura investigativa contextualizada com um mundo em movimento. Maria José Neves de Amorim Moura 1891 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares Nessa direção, presenciamos na contemporaneidade, grandes incoerências. De um lado, as intercomunicações entre as culturas, as mudanças organizacionais, tecnológicas, econômicas culturais e sociais. Tudo isso, aliado e condicionado aos avanços científicos provocados pelas indústrias eletrônicas e o desenvolvimento das telecomunicações. De outro, convivemos com a pobreza, a violência, os indigentes, a pedofilia e explorações diversas. Na perspectiva educacional, tal contexto está intrinsecamente incorporado a questões curriculares, considerando sua produção de identidades sociais e culturais as quais evidenciam as subjetividades. Tal produção permeia o espaço escolar, o qual não atende mais às demandas de um mundo social onde o currículo escolar foi formado. Há uma dicotomia entre currículo (escola) e uma sociedade em transformação, que não mais comunga com formas de dominação ligadas à opressão, à exclusão, e aos preconceitos. Precisamos pensar o currículo como todas as práticas pedagógicas desenvolvidas no ambiente escolar. Não é mais considerado apenas como o currículo prescrito, por nele constarem os programas seqüenciais de estudo. Sua prescritividade tende a ser fruto das ações pensadas, refletidas e vividas por todas as pessoas envolvidas no processo educacional, ações estas que se encontram diretamente envolvidas com questões de ordem política e de poder. Nessa produção não podemos esquecer que o conhecimento que constitui o currículo “está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade” (SILVA, 1999, p.15). Aliado a uma perspectiva educacional das influências do velho paradigma1, temos uma escola calcada no modelo de sociedade hierárquica, dividida em castas, autoritária e acima de tudo descontextualizada com a realidade social. Continuamos dividindo o conhecimento, separamos teoria e prática, formando alunos acríticos, apáticos, na maioria, pouco preocupados com os problemas sociais os quais os envolvem. Damos aulas expositivas, descontextualizadas, trabalhamos o conhecimento 1 Trata-se uma ruptura, de uma transformação na forma de compreender as coisas. Por não dar mais conta de responder as questões e problemas existentes, novas estruturas vão sendo geradas a partir de novos debates, novas idéias, articulações a partir de novos fundamentos. Maria José Neves de Amorim Moura 1892 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares como algo desconectado da história da humanidade. Enfim temos uma escola extremamente tradicional2 sem grandes significados para o mundo contemporâneo. Diante de tais problemas relacionados ao contexto social convivemos com outros paradigmas que tentam responder a demandas em questão provocada pelo velho mundo. Refiro-nos ao pensamento Moderno, que, ainda, muito presente, não responde mais aos problemas sociais. Novos cenários nacionais e mundiais surgem que sinalizam inúmeras e significativas mudanças na forma de tratamento das organizações, das tecnologias, da economia, da cultura e da sociedade, consequentemente, da escola. A escola mudou outras tarefas emergiram, fazem-se necessárias estabelecer novas relações entre aluno e professor, conhecimento e escola. A escola mais do que nunca se tornou lugar de socialização de construção de novos saberes. Consideramos que a escola é uma das instituições responsáveis pela constituição de diferentes relações, pois o seu papel, hoje, não é somente o de fazer circular informações, já que existem outras fontes de acesso ao conhecimento, sobretudo na cultura eletrônica na qual vivemos. A escola, nesse contexto, tem como uma de suas principais funções sociais o aprendizado político dos sujeitos, no que diz respeito à convivência social e vivência de múltiplas identidades (CAMPOS, 2007). Partindo de um outro paradigma educacional emergente é que os fazeres pedagógicos em educação caminham na construção teórica como sendo de natureza construtivista, interacionista e sócio-cultural. Tais perspectivas reconhecem sujeito e objeto como únicos e intercambiáveis. Cada um na sua singularidade, embricados numa rede de relações que considera a multidimensionalidade entre eles. Nessa perspectiva, evidenciamos a importância de práticas educacionais voltadas para incorporação de novas tecnologias na educação. Nessa direção, nossa discussão reside na fomentação de práticas pedagógicas voltadas ao ensino-aprendizagem do saber matemático contextualizado com as mudanças culturais trazidas pelas concepções construtivistas, interacionista e sóciocultural. Nesse ínterim, o saber tecnológico aparece como instrumento necessário ao 2 O tradicional aqui não se confunde com o Clássico. Refiro-me a modos e perspectivas de conhecimentos pautados somente na memorização, acumulação são significados para o aluno e a realidade que o cerca. De acordo com Saviani o Clássico não se opõe ao Moderno. É legado histórico extramente significativo para a construção do conhecimento. Maria José Neves de Amorim Moura 1893 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares desenvolvimento de novas habilidades, bem como na construção de diferenciados modos de conhecer. Tais perspectivas na educação enfatizam a necessidade de mobilização das experiências prévias, a natureza ativa e progressiva da aprendizagem como a importância de um trabalho cooperativo na construção do conhecimento. Essa concepção de processos de ensino e aprendizagem prioriza uma atenção às técnicas e estratégias didáticas, considerando o professor o mediador entre o aluno e o conteúdo no qual aprende (VIGOTSKI, 2000), exigindo deste, a capacidade de criar o contexto adequado. Nesse processo, torna-se necessário ao professor, o desenvolvimento de uma postura investigativa para acompanhar o ensino-aprendizagem de modo a intervir, considerando que aprendizagem mediada pelas TICs3 são vivenciadas pelos alunos, muitas vezes, fora do contexto escolar. Ou seja, muitos têm acesso ao computador como ferramenta, navegando na Internet. Tal prática possibilita a mobilização de diversos saberes, advindos de diversas instâncias de produção do conhecimento, sejam através de pesquisas, e-mails, chats, blogs, jogos eletrônicos, aplicativos, entre outros. Assim, a inclusão digital, emerge como um elemento fundamental na aprendizagem, tornando-se assim, o ensino virtual um tema de interesse geral no contexto da educação. Numa sociedade globalizada, onde a tecnologia alcançou um avanço, até então nunca visto, surge natural e, consequentemente, a necessidade de lidar na escola com as principais ferramentas tecnológicas as quais, fazem-se necessário ao processo ensinoaprendizagem, considerando o contexto em questão. Torna-se, hoje, quase impossível, pensar no trabalho na escola sem o uso das tecnologias, uma vez que os interesses dos alunos e as formas de aprendizagens são mediadas pelo contexto social das intercomunicações. Nosso argumento situa-se em três questões: a) como sujeitos, somos produzidos mediante o contexto social, portanto, precisamos está inseridos no saberes produzidos e valorizados socialmente; b) o processo ensino-aprendizagem se dá pela busca de sentidos e significados, portanto, a produção do conhecimento requer uma relação do sujeito com esses saber. Caso contrário, as práticas pedagógicas correm o risco de ser esvaziadas de sentidos e; c) considerando a escola uma das instituições 3 De acordo com Kenski (2007), “Baseados no uso da linguagem oral, da escrita e da sínteses entre som, imagem e movimento, o processo de produção e o uso desses meios compreendem tecnologias específicas de informação e comunicação as TICs”. Maria José Neves de Amorim Moura 1894 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares responsáveis pela prática do exercício da cidadania, tem como obrigação favorecer o aprendizado político dos sujeitos o qual implica, dentre outros, a luta pelo acesso das ferramentas necessárias ao processo de construção do conhecimento. Assim, acreditamos que o ensino e o uso cotidiano da tecnologia deve ser aplicado a todos os campos de saberes. Com base na nossa questão mais específica, ou seja, a democratização do acesso ao aprendizado da Matemática através da Informática, com a utilização em especial do computador, discutiremos a seguir a inserção das tecnologias no cotidiano escolar, no aprendizado da Matemática através das TICs. Desse modo, apontamos alguns contribuições sobre o uso das tecnologias na construção dos saberes matemáticos. As TICs e os Saberes Matemáticos: uma importante construção Diante das grandes mudanças, que estão ocorrendo na sociedade com o avanço das tecnologias, expressa nas suas formas de organizar-se, de produzir bens, de comercializá-los, de divertir-se, de ensinar e de aprender, tornou-se inviável o modo como lidamos com o ensino da matemática. Geralmente, produzimos um saber matemático calcado em valores e princípios não mais necessários ao nosso tempo. Nessa lógica, encontramos, nas aulas de Matemática professor que transcreve do livro didático a definição dos conteúdos, seguido de exemplos e uma bateria de exercícios muitas vezes repetitivos, onde os alunos os resolvem mecanicamente. Tal forma revela a ausência de uma aprendizagem construtiva em que os alunos construam o conhecimento a partir de uma motivação maior, suscitada pela busca de sentidos. Nessa relação, encontramos professores que desconsideram estudos sobre como se dá a construção do conhecimento da criança, a exemplo das possibilidades lógicas construídas pelas crianças no saber matemático de acordo com suas fazes do desenvolvimento. Embora não devamos considerá-las como fases fixas, estas nos trazem informações pertinentes apontando caminhos para a construção do conhecimento matemático (PALANGANA, 1998). Nesse contexto da necessidade de resignificação do ensino-aprendizagem da matemática, devemos considerar que os tempos são outros e, consequentemente as Maria José Neves de Amorim Moura 1895 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares exigências são outras. Não importa mais decorar informações, mas urge a necessidade de saber operá-las, ou seja, mais importante é conseguir resolver situações problemas postas pela complexidade da vida social. Exige-se cada vez mais do sujeito, respostas imediatas colocadas pelo cotidiano. Assim, questionamos a grande perda de tempo, o pouco aprendizado e a desmotivação que ronda o fazer matemático, em grande parte, das escolas. Professores e alunos parecem insatisfeitos com a falta de sentido, provocada por esse saber. A sensação expressa é que grandes parte das aulas estão ultrapassadas, fora de um contexto social mais amplo. Considerando a complexidade e as rápidas mudanças culturais, Moran (2000, p. 11) afirma que “o campo da educação está muito pressionado por mudanças, assim como acontece com as demais organizações”. O autor nos chama a atenção para o fato de que as mudanças são geradas pelas próprias necessidades sociais e culturais. Se por um lado, especificamente, no campo da matemática surge a necessidade de concepções filosóficas diferentes no sentido de compreender esse saber como algo que precisa ser redefinido enquanto função, considerando seu valor enquanto primeira ciência que colaborou para compreensão do universo, por outro lidamos com problemas estruturais no contexto educacional mais amplo expresso no interior das unidades escolares. Nos perguntamos: o que e como fazer, diante de uma realidade a qual muitas vezes nos deparamos com escolas onde os recursos materiais e humanos estão deficitários, no sentido de não incorporação pela escola e professores sobre a necessidade de um processo educativo mias digno onde todos sintam-se responsável por ele. Tal angustia é acompanhada da clareza de que trata-se de um a questão cultural, vinculada ao processo de construção da cidadania a qual implica na luta pela busca de alternativas. Vale lembrar que o saber matemático, culturalmente foi produzido como conteúdo difícil e generificado, pertencente ao mundo masculino, expressando sua relação de poder. Na relação de gênero o conhecimento matemático, durante muito tempo, foi objeto do conhecimento masculino, expresso nas próprias formas de concepções de mundo objetivo. Nessa lógica a subjetividade foi algo considerado, aqo longo do tempo, como propriedade exclusiva do feminino. (LOURO, 2001). Na perspectiva de uma visão mais alargada com os avanços da educação Matemática concordamos com Moran (2000, p.16) ao enfatizar que: Maria José Neves de Amorim Moura 1896 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares As mudanças na educação dependem em primeiro lugar, de termos educadores maduros intelectualmente e emocionalmente, pessoas curiosas, entusiasmadas, abertas, que saibam motivar e dialogar, pessoas com as quais valha a pena entrar em contato, porque desse contato saímos enriquecidos. Diante do exposto, podemos vislumbrar mudanças nas formas pedagógicas de compreensão do ensino-aprendizagem da Matemática aliada às mudanças de posturas dos educadores quanto a suas próprias concepções sobre os significados do ato de educar. Ato este que exige crença na vida e luta por relações mais democráticas. O computador e a Internet nas aulas de Matemática O computador e a Internet podem dinamizar nossas aulas de Matemática tornando-as mais viva, interessante, participativa e mais vinculada com a nova realidade de estudo, de pesquisa e contato com os conhecimentos produzidos. No que refere-se ao ensino da Matemática, as TICs podem favorecer novos saberes, tanto para os professores como para os alunos. No tocante ao professor, possibilita a criação dos ambientes de aprendizagens; do diagnostico das aprendizagens e dificuldades dos alunos, uma vez que tais ferramentas tornam viáveis outras leituras por parte de ambos e; consequentemente na redefinição das atividades propostas, considerando o trabalho baseado na zona de desenvolvimento proximal (VIGOTSKI, 1988). Na dimensão do aluno, o aprendiz tem contato com a Matemática mais viva, onde há lugar para interrogações, conjecturas e provas ficando mais próximo do espírito investigativo, que verdadeiramente caracteriza as atividades matemáticas. Ou seja, Cada vez mais poderoso em recursos, velocidade, programas e comunicação, o computador nos permite pesquisar, simular situações, testar conhecimentos específicos, descobrir novos conceitos, lugares e idéias. Produzir novos textos, avaliações e experiências. As possibilidades vão de algo pronto (tutorial), apóia-se em algo semidesenhado para complementá-lo até criar algo diferente, sozinho ou com outros ( MORAN, 2000, p. 44). O computador quando utilizado dessa forma nas aulas de Matemática, possivelmente, teremos alunos mais motivados e com outras expectativas com relação às aulas. Maria José Neves de Amorim Moura 1897 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares Deste feito, acarreta a melhoria dos ambientes de aprendizagem com o uso da internet, o professor de Matemática pode desenvolver atividades a partir da criação de listas eletrônicas e fóruns, estimula nos alunos o domínio das ferramentas da WEB, bem como na aprendizagem por meio da utilização de endereços eletrônicos (e-mail). Assim, com todos estes e-mails gera-se uma lista eletrônica por turmas. Na aula pesquisa, o professor pode sugerir os temas a serem pesquisados na Internet por meio do quais os alunos vão construindo o conhecimento através das informações adquiridas e nos momentos de discussão do que foi pesquisado. O aluno passa a desempenhar um papel muito mais ativo e autônomo, definindo e aprofundando os seus conhecimentos e dando-lhes outros significados. Segundo Marcuschi (2005, p.13). os ambientes virtuais são extremamente versáteis e hoje competem, em importância, entre as atividades comunicativas, ao lado do papel e do som. Em certo sentido, pode se dizer que, na atual sociedade da informação, a Internet é uma espécie de protótipo de novas formas de comportamento comunicativo. Um ambiente digital, onde todas as ferramentas disponíveis foram idealizadas, projetadas e melhoradas de acordo com as necessidades e experiências de situações de ensino, poderá contribuir para que os discentes tenham outra visão sobre a Matemática e façam novas construções. A construção do conhecimento matemático na reconstrução de saberes Considerando que o conhecimento é um todo contextualizado, faz-se necessário o desenvolvimento de habilidades no aluno, objetivando a concomitância de idéias como forma de operação entre várias informações. Dessa forma, se dá a construção do conhecimento. Nesse contexto, os estudiosos de Matemática precisam levar em consideração a importância da leitura e interpretação dos conceitos desta área, como também ter conhecimento das relações que ela exerce. Processamos a informação de várias formas, segundo nosso objetivo e nosso universo cultural. A forma mais habitual é o processamento lógicoseqüencial, que se expressa na linguagem falada e escrita, em que vamos construindo o sentido aos poucos, em seqüência espacial ou temporal, dentro de código relativamente definido que é o da língua, com maior liberdade na fala e na escrita pessoal ou coloquial. A construção se dá aos poucos, em Maria José Neves de Amorim Moura 1898 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares seqüência concatenada. Tanto a escrita como a leitura depende das habilidades de fazer julgamentos, estabelecer comparações, relações e de comunicá-los aos outros (MORAN, 2000, p.p. 18 - 19). Quando as pessoas se comunicam, estão utilizando a linguagem. Portanto, com o uso da Internet, as comunicações estão mais intensificadas, com o uso dos e-mails, chats, blogs, entre outros. Este tipo de comunicação influencia nas trocas de conhecimentos nas nossas relações e favorece a compreensão e a transformação dos saberes matemáticos. Desse modo, os ambientes virtuais de aprendizagem, que terão como suporte o computador e o uso da Internet, poderão ser considerados como elementos indispensáveis para que aconteça uma reconstrução desses saberes. Nesse processo, o novo conhecimento será acrescido aos anteriores já internalizados, não se justapondo, mas se interligando em diferentes conexões como fios de uma rede. Essa idéia é amplamente discutida por Pires (2000. p. 158) ressaltando que: [...] compreender é aprender o significado. ... aprender o significado de um objeto ou de um acontecimento. Ou seja, os significados constituem feixes de relações. Essas relações articulam-se em teias, em redes, construídas socialmente e individualmente, e então em permanente estado de atualização. Entendendo significados a partir das nossas relações com os outros para, depois, reconstruí-los internamente. É o que se chama (re)significação. Contudo, o processo da compreensão é marcado, pelo movimento da (re)elaboração e da (re)articulação e pode através da produção de significados possibilitar a aquisição de novos saberes. Vigotski (2000) aborda explicitamente e constantemente a idéia de (re)elaboração e da (re)articulação, pelo indivíduo, dos significados produzidos socialmente. Para ele, o caráter histórico e social é fundamental nos processos psicológicos superiores dos seres humanos. O pensamento, o desenvolvimento mental, a capacidade de conhecer o mundo e de nele atuar, é uma produção social que depende das relações que o homem estabelece com o meio. Porém, o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores depende, essencialmente, de situações sociais especificas, as quais se valem de processos de internalização, mediante uso de instrumentos de mediação. Maria José Neves de Amorim Moura 1899 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares Nessa perspectiva, [...] o conhecer é um processo social e histórico, não um fenômeno individual e natural (CAVALCANTI, 2005, p. 189), e implica na conversão dos saberes historicamente produzidos pelos homens em saberes do indivíduo. Esse processo de apropriação de saberes, de conhecer, é mediado por sistemas semióticos, especialmente a linguagem, num processo de internalização. O processo de internalização, de acordo com o pensamento Vigotskiano, consiste na transformação de uma atividade externa para uma atividade interna, em um processo interpessoal para um processo intrapessoal. Nesse processo, a linguagem é uma ferramenta que se constitui nos processos intersubjetivos para vir a se tornar uma ferramenta e constitutiva da intrasubjetividade - tornando-se ferramenta e constitutiva do pensamento. Na unidade dos processos da linguagem e do pensamento proposto por Vigotski (2000), ocorre a produção do significado das palavras; para ele cada palavra é uma generalização latente, toda palavra é antes de tudo uma generalização, cujos significados evoluem. Assim, na interação, no diálogo com a linguagem específica, no contato com conceitos científicos, na busca de sua apropriação pelo aluno está a possibilidade do processo de generalização, o qual é fundamental para o pensamento conceitual. Um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos formados pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de uma simples memorização. (...) o conceito é um ato de generalização (VIGOTSKI, 2000, p. 246). No processo de generalização, o conhecimento avança na medida em que o seu objeto de saber se amplia. Como os objetos de saber estão implicados com conceitos, o conhecimento só é ampliado na medida em que os conceitos já conhecidos são largados, são (re)conceituados, recebem novos significados, são (re)construídos. Portanto, partindo da premissa que o uso da tecnologia tem favorecido a comunicação e a troca dos saberes entre os seres humanos, na educação matemática, considera-se que o computador e a Internet poderão contribuir para o fazer Matemático com maior significados, estreitando e fortalecendo a relação entre o cotidiano e os conhecimentos sistematizados desta área. Maria José Neves de Amorim Moura 1900 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares Considerações Finais As TICs e a Matemática encontra-se, vitalmente, envolvidas com os saberes curriculares, uma vez que, contribui na produção e ordenação do mundo .Desse modo, destacamos o currículo como elemento de disputa, pois nele corporificam-se saberes historicamente produzidos em todos os espaços formais e informais. Embora reconheçamos diferentes tipos de saberes construído na escola, estes ganham visibilidade e legitimidade na época Moderna, o que exige uma compreensão do currículo como elemento de significação abrangendo os nexos entre saber, poder e identidade (SILVA, 1999). Como os campos de saberes, mediados pela relações de poder e identidade a Matemática inaugurou as primeiras formas de conhecimento do universo dando suas contribuições para a produção de outros saberes. Hoje, nos deparamos com um mundo mediado pelas TICs as quais inauguram e redefinem outras formas de conhecimento. Ambos produzem visões de homem, de mundo e de sociedade. Nessa dimensão, o novo milênio denominado a “Era de Informação”, é necessário estarmos abertos às transformações buscando novas formas de ensino e aprendizagem. Neste sentido, a inserção da tecnologia no processo educativo formal vem se destacando pelo fascino que desperta principalmente entre os jovens, como também pela sua utilização nos diversos grupos sociais, considerando que o desenvolvimento humano é um processo dinâmico de transformações de significados partilhados socialmente, pois os indivíduos nascem em um mundo que é histórico e social. É histórico, porque nosso desenvolvimento é influenciado pelas experiências e conquistas de muitos outros indivíduos, ao longo dos tempos. E é social, porque esse conhecimento é organizado e estruturado pelos grupos sociais (escola, família, igreja, trabalho entre outros). Desta feita, no contexto escolar, a oportunização e aplicação de diferentes recursos tecnológicos terão um papel fundamental no fazer mais significativo e inovador na aprendizagem Matemática, tendo em vista o interesse que se vê apresentado quando da sua utilização. Assim sendo, cabe ao educador apresentar caminhos na sua prática pedagógica que possa desenvolver nos alunos habilidades e competências Matemáticas, através do Maria José Neves de Amorim Moura 1901 Tecnologia e Matemática: Saberes Curriculares uso das TICs, uma vez que as tecnologias podem minimizar as dificuldades apresentadas pelo aluno; e despertar para a importância da área; democratizar o acesso das informações; tornar os alunos mais participativos; despertar o interesse investigativo; dinamizar o processo de ensino e aprendizagem; buscar assim a reconstrução dos saberes Matemática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS CAVALCANTI, Lana de Souza. Cotidiano, mediação pedagógica e formação de conceitos: uma contribuição de Vygotsky ao ensino de geografia. In: Educação geográfica e as teorias de aprendizagens. Cadernos Cedes, nº 66, Campinas, SP: 2005. p. 185-207. CAMPOS, Kátia Patrício Benevides. (Re) Significando relações de gênero no cotidiano escolar. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de PósGraduação em Ciências Sociais. Nata, RN, 2007. KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP: Papirus, 2007. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista. Petrópolis: Vozes, 2001a. MARCUSCHI, , Luiz Antônio. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. In: Gênero textuais emergem no contexto da tecnologia digital 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MONTEIRO, Alexandrina; POMPEU JÚNIOR, Geraldo. 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Maria José Neves de Amorim Moura 1903 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” O EMPREENDEDORISMO COMO PRÁTICA CURRICULAR: SOLUÇÃO SOCIAL PARA OS ALUNOS DO PROEJA Melquiades Pereira de Lima Júnior JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA O EMPREENDEDORISMO COMO PRÁTICA CURRICULAR: SOLUÇÃO SOCIAL PARA OS ALUNOS DO PROEJA Melquiades Pereira de Lima Júnior1 RESUMO: O presente trabalho teve como escopo analisar as expectativas dos alunos do PROEJA em relação ao mercado de trabalho, através de uma pesquisa descritiva e exploratória, capaz de responder ao perfil social e trabalhista desta modalidade de ensino no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN, mais especificamente do campus Natal – Zona Norte. Como conseqüência, este artigo sugere uma alternativa que possa contribuir de forma social e econômica para alcançar os objetivos propostos por esta modalidade de ensino. A Educação de Jovens e Adultos carece de pesquisas que possam esclarecer e solucionar as dificuldades que enfrentam em sua iniciativa de promover a inserção e a sustentabilidade destes indivíduos. Assim esta pesquisa, através de questionário aplicado, traçou o perfil trabalhista dos alunos, como também suas expectativas em relação ao mercado de trabalho, os dados foram tratados quantitativa e qualitativamente através de estatística descritiva chegando ao perfil completo do público pesquisado. Por fim como solução pedagógica e sustentável o ensino de Empreendedorismo se encaixa como principal mecanismo capaz de promover a inserção no mercado de trabalho de uma forma promissora e ainda desenvolver a economia local. PALAVRAS-CHAVE: Empreendedorismo, Proeja e Trabalho. INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é analisar as expectativas dos alunos do PROEJA (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos) com relação ao mercado de trabalho. O estudo está delimitado empiricamente a experiência desenvolvida no campus Natal - Zona Norte do IF-RN (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnológica do Rio Grande do Norte). A unidade do IF-RN, situada na Zona Norte de Natal, surgiu, no ano de 2007, entre outras razões, com o intuito de fornecer uma educação voltada para jovens e adultos. Porém, desde sua implantação, essa modalidade de ensino tem enfrentado uma 1 Professor de Finanças do IF-RN Campus Natal - Zona Norte Melquiades Pereira de Lima Júnior 1907 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA variedade de dificuldades para conseguir cumprir satisfatoriamente com a sua missão. No ano de 2008 foram em torno de 198 alunos, distribuídos nos cursos de Eletrotécnica (35 a noite e 19 a tarde), Manutenção de Computadores (35 a noite, 34 pela manhã e 19 a tarde); Informática (21 pela manhã e 10 a tarde; e, finalmente, Comércio (25 a noite), estes sendo destinados ao PROEJA. Os dados aqui apresentados foram obtidos a partir de uma pesquisa qualitativa e quantitativa, de caráter exploratório. O principal instrumento de coleta de dados foi o questionário aplicado entre jovens e adultos que estudavam na instituição entre o período de 12 de dezembro de 2008 e 09 de janeiro de 2009. A partir da investigação almejou-se fornecer subsídios para uma atuação mais eficiente da formação dos seus alunos desta modalidade. Para realizar o estudo, mapeamos o perfil dos alunos inscritos no Programa, identificando como eles estão inseridos no mercado de trabalho e as aspirações profissionais que possuem. A partir dessa referência, apresentamos uma alternativa pedagógica que possa contribuir para a inserção dos jovens e adultos no mercado de trabalho. Diante disso, o Governo Federal brasileiro, por meio dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, instituíram o PROEJA. Esse Programa tem por objetivo atender a jovens e adultos que não puderam permanecer no sistema educacional ou foram obrigados a abandoná-lo prematuramente. A meta dessa ação governamental é ofertar uma educação profissional e tecnológica calcada numa sólida formação integral do indivíduo. Assim, os documentos oficiais que tratam da matéria têm explicitado a necessidade de formar indivíduos plenos do ponto de vista ético, humano e social. Indivíduos que estejam preparados para o exercício da cidadania e aptos a qualificar-se e re-qualificar-se profissionalmente de maneira contínua. Esse conjunto de objetivos se enquadra perfeitamente numa lógica de formação denominada empreendedorismo. Melquiades Pereira de Lima Júnior 1908 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA REFERENCIAL TEÓRICO A EJA, o PROEJA e a integração da educação profissional com o ensino médio O público da Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem peculiaridades que o tornam diferentes da chamada modalidade de ensino “regular”. Isso precisa ser levado em consideração para que o ensino seja eficaz. Dentre os objetivos propostos para esse público, no retorno aos estudos, está a busca de uma cidadania plena e condições concretas para uma vida humana satisfatória, agregada a uma atividade profissional que contribua para estas condições (BRASIL, 2007). A EJA foi conhecida há muito tempo como suplência, Supletivo ou alfabetização, hoje constitui uma modalidade de ensino destinada àquelas pessoas que não tiveram acesso ao ensino Fundamental e Médio na idade escolar adequada ou que não concluíram o seu ciclo de escolarização. O Programa de Integração da Educação Profissional e Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e adultos PROEJA, por sua vez que visa atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio (no caso do IF-RN/Campus Zona Norte). Recentemente em 28 de dezembro de 2008 foi estabelecida a lei 11.982 que cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Esta lei por sua vez estabelece que 50% das vagas de ensino oferecidas devem ser destinadas a educação integrada (ensino médio e profissionalizante), incluindo a educação de jovens e adultos. A pesquisa confirma a necessidade dos alunos desta modalidade por enriquecimento profissional no retorno aos estudos 81,2 para alcançar uma condição cidadã e de plena inserção na sociedade. Neste caso percebe-se que os alunos possuem plena compreensão do aumento da renda como fruto de seu enriquecimento profissional e não como um fim a ser alcançado. A Economia, o Mercado de Trabalho e a EJA no IF-RN Campus Natal - Zona Norte O trabalho – como atividade humana – já deixou de lado suas concepções originais de satisfação e criatividade, com a qual responde à produção dos elementos Melquiades Pereira de Lima Júnior 1909 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA necessários e imprescindíveis à vida humana, para assumir, sob o regime econômico atual, a condição de atividade assalariada, que reduz a dimensão do trabalho a simples venda ou troca da força de mão-de-obra por remuneração (ANTUNES, 1999). De acordo com Wessels (1987) há dois tipos microeconômicos de desemprego que são importantes para este estudo, são eles: O Desemprego Friccional que é resultante do funcionamento normal de uma economia, onde (1) os trabalhadores que se demitem para encontrar um novo emprego, (2) a demissão de funcionários por parte dos empregadores por outros funcionários, (3) a mudança das preferências dos consumidores por determinados produtos e (4) os avanços tecnológicos e as mudanças no processo produtivo como automação. Segundo, há o Desemprego Estrutural que é fruto de um impacto significativo dos itens (3) e (4) ao ponto de que, apenas a um custo muito alto os trabalhadores podem ser realocados ou treinados em novas carreiras. Este tipo de desemprego devido ao alto custo de realocação dos funcionários as indústrias não tem interesse em arcar ou absorver, dado o custo-benefício. Deste modo a Crise Estrutural do emprego afeta diretamente a sociedade atual. A globalização aumenta as desigualdades entre nações e regiões, entre grupos e classes sociais, fruto do “mau uso” da ciência e da tecnologia. Tornou menos necessária a mãode-obra humana em algumas áreas do trabalho, aumentando o excedente de mão-deobra e diminuindo de forma generalizada os salários (FRIGOTTO, 2005). Segundo Frigotto (2005) o trabalho não está vinculado somente com a questão econômica, a remuneração de uma tarefa ou a venda da força de trabalho; o trabalho emerge com um direito que insere o trabalhador num mundo de outros direitos assegurados pelas entidades de classes representativas dos trabalhadores, como sindicatos, partidos e associações. A globalização e o avanço tecnológico têm favorecido para grandes transformações no mundo do trabalho e no sistema educacional. Essas mudanças têm afetado diretamente as relações sociais e provocado uma grande desestruturação das relações empregatícias e trabalhistas. Nessa conjuntura, as exigências para o ingresso e a permanência no mundo do trabalho têm dificultando a inserção de jovens e adultos que não tenham uma sólida formação geral e técnica. (FRIGOTTO, 2005). Melquiades Pereira de Lima Júnior 1910 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA Uma revolução exponencial frente às tecnologias de informação e comunicação, cujo fator de produção absolutamente decisivo é exatamente o conhecimento. Nesse sentido, o elemento controlador da economia não é mais o capital, a mão-de-obra ou a propriedade, mas sim a capacidade de inovação contínua. É a partir da inovação que se gera mais consumo por produtos e serviços mais inovadores, este consumo gera produção, e por fim a produção gera emprego, aumentando a riqueza da nação. Dowbor (2007) descreve que estes novos fatores mercadológicos mudam radicalmente a estrutura da sociedade contemporânea, criando novas dinâmicas sociais e econômicas, bem como as novas políticas. A escola como instituição formuladora não pode deixar de repensar seu papel social na chamada sociedade do conhecimento, participando do processo de mudança em movimento e como entidade organizadora fazer a integração dos diversos espaços educacionais e entidades da sociedade. O jovem e adulto quando procura os programas de EJA, em sua maioria buscam melhorar suas possibilidades de inserção no mudo do trabalho, dado que muitas são as instituições empregadoras que exigem um determinado nível de escolaridade como condição pra o exercício de uma ocupação profissional, ou seja, o grau de escolaridade funciona em boa parte dos casos como pré-requisito básico para a competitividade. No perfil em relação ao mercado de trabalho, os alunos da modalidade EJA no IF-RN campus Natal - Zona Norte, apresenta características peculiares, apresentadas: da amostra investigada 74,6% da amostra não trabalha, o que reflete o índice de desemprego, considerando as condições de inativos legalmente no Brasil, ou seja, no final de 2008 apenas 25,4% dos alunos trabalham (com ocupações diversas, não necessariamente com vínculo empregatício). Quando analisamos então o índice com vínculo empregatício, o nº de alunos sem carteira assinada aumenta para 84,5%, o que mostra que apenas 15,5% possuem uma condição assegurada com todos os direitos resguardados pela legislação trabalhista vigente. Estas são as condições e oportunidades que os alunos na modalidade EJA possuíam no final do ano de 2008. Indo mais além na análise, 40,8% da amostragem não possuem experiência profissional anterior, o que demonstra a carência por oportunidades de trabalho. Lembre-se que, profissionais com qualificação no Brasil possuem enormes dificuldades hoje para conseguir o primeiro emprego, imaginemos então para esta população de Melquiades Pereira de Lima Júnior 1911 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA jovens e adultos que tentam uma inserção no mercado de trabalho, estas dificuldades aumentam significativamente. Um outra observação importante é que, destes alunos que foram entrevistados, apesar de muitos não terem vínculo empregatício, alguns acabam por exercer atividades extras informais para conseguir ter uma renda pessoal, ou ajudar na família. Isto mostra a força de vontade de cada indivíduo para conseguir se inserir na sociedade e possuir uma condição digna de sobrevivência. Outra questão colocada foi sobre a qualidade das agências de emprego na cidade. 53,5% afirmaram nunca ter se cadastrado em uma agência de emprego, em função das dificuldades de oportunidades e mais ainda, dos que já se cadastraram avaliam a qualidade dos serviços como moderada 22,5%, o restante avaliam com outras opiniões diversas. Um dos pontos mais importantes da pesquisa foi constatar a convicção e as expectativas ao mercado de trabalho, dado as condições de qualidade de ensino oferecidas pelo Instituto Federal no RN, especificamente no campus Natal - Zona Norte, onde 94,4% possuem convicção que os cursos que estão estudando atualmente contribuem para sua qualificação profissional, e que 85,9% acreditam que ao término do curso, terão melhores oportunidades de trabalho e inclusive de emprego. Esta expectativa quanto às oportunidades futuras é de grande importância para o estudo, confirmando que os alunos estão dispostos e encorajados a mudar suas condições de vida, dispostos principalmente a mudança. Lembrando que os alunos possuem pleno conhecimento das condições do mercado de trabalho e o que o mercado de trabalho está exigindo atualmente. Soluções para o Desenvolvimento Local e o Desemprego: O Empreendedorismo como solução social e sustentável para a EJA Uma das novas formas que emergem na sociedade atual é a auto-organização dos excluídos, mediante uma organização de alternativas de trabalho. Como exemplo tem os trabalhadores se unindo em cooperativas para comercializar seus produtos (FRIGOTTO, 2005). Esta auto-organização dos excluídos denominada por Frigotto (2005) é a organização da própria sociedade civil para mobilizar e melhorar as condições de vida, Melquiades Pereira de Lima Júnior 1912 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA uma destas alternativas é denominada hoje como Empreendedorismo Social. Mas para adentrarmos neste conceito, é melhor conceituarmos historicamente para esclarecer estas idéias. Empreendedorismo tem como origem a palavra Entrepreneurship que vem da língua francesa, traduzindo como “Aquele que está entre” ou “Intermediário”. Historicamente na idade média o termo empreendedor foi usado para descrever tanto um participante como um administrador de grandes projetos. No século XVII foi estabelecida a conexão com o risco, como um indivíduo que firmava contrato com o governo para desempenhar um serviço com um risco, tendo a ele em contrapartida um ganho (SOUSA, 2009). No século XVIII, a pessoa que detém o capital foi diferenciada daquela que precisava do capital, ou seja, o empreendedor foi diferenciado daqueles que detém recursos para investir, como sendo um indivíduo que corre riscos, e promove inovações, porém não possuía capital para isso. No século XIX e XX, a perspectiva econômica passou a diferenciar o empreendedor de um mero gerente ou administrador, diferenciando também com novos conceitos (SOUSA, 2009). O Empreendedor no século XX é conceituado com três abordagens: 1 – Tomador de Iniciativa, 2 – Organizador e reorganizador de mecanismos sociais e econômicos a fim de transformar recursos em situações de proveito prático e 3 – Aquele que aceita o risco ou fracasso. O empreendedor não possui dom, são habilidades que podem ser desenvolvidas por todas as áreas profissionais, sejam engenheiros, psicólogos, pedagogos, cientistas sociais, arquitetos, artistas, administradores e outros. Sousa (2009) define empreendedor como sendo aquele que assume riscos e cria algo novo. “Empreendedor é aquele que destrói a ordem econômica existente pela introdução de novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização ou pela exploração de novos recursos e materiais” (DORNELAS, 2005). Empreendedorismo é conceituado por vários autores da área, sucintamente é definido como um processo de criação de algo inovador, dedicando tempo e esforço necessário pelo empreendedor, assumindo riscos financeiros, psíquicos e sociais correspondentes, recebendo recompensas pelas mudanças na ordem social e econômica. Melquiades Pereira de Lima Júnior 1913 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA Schumpeter apud Degen (1989) um dos maiores economistas que pesquisou sobre o conceito, descreve como uma “destruição criativa” o processo de empreendedorismo, e também como “o impulso fundamental que aciona e mantém em marcha o motor capitalista”. “Empreendedorismo é o processo dinâmico de gerar mais riqueza. A riqueza é criada por indivíduos que assumem os principais riscos em termos de patrimônio, tempo e/ou comprometimento com a carreira ou que provém valor para algum produto ou serviço. O produto ou serviço pode ou não ser novo ou único, mas o valor deve de algum modo ser infundido pelo empreendedor ao receber e localizar as habilidades e os recursos necessários” (SOUSA, 2009). A grande contribuição deste processo empreendedor é a melhoria significativa do desenvolvimento local e para a economia. Todos os autores que desenvolveram e desenvolvem estudos na área chegam e chegaram às mesmas conclusões, dado que as micro e pequenas empresas contribuem com grande parte do PIB – Produto Interno Bruto do Brasil e de vários países do mundo. Dornelas (2005) descreve estatísticas que demonstram a contribuição para a economia de várias nações, como Reino Unido, Alemanha, Finlândia, Israel e França com significativas alterações econômicas positivas. O próprio DRUCKER (1989), um dos mais renomados da ciência administrativa, descreve a evolução da contribuição das atividades empreendedoras na economia americana em todo decorrer do século XX. Estes estudos estão sendo acompanhados pelo GEM – Global Entrepreneurship Monitor, um projeto internacional de iniciativa conjunta do Babson College nos Estados Unidos, e da London Business Scholl na Inglaterra com o objetivo de medir a atividade empreendedora dos países, inclusive o Brasil, e observar o relacionamento com o crescimento econômico. No Brasil, vários projetos estão sendo desenvolvidos como o Programa Brasil Empreendedor, do Governo Federal, que visou desenvolver empreendedores e fornecer recursos para estes indivíduos. Também há programas como o EMPRETEC e Jovem Empreendedor do SEBRAE que são programas reconhecidos no desenvolvimento destas iniciativas. Outros diversos programas são desenvolvidos no Brasil em universidades e nos institutos federais. No IF-RN Campus Natal - Zona Norte, está Melquiades Pereira de Lima Júnior 1914 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA tendo iniciativas através da Junior’s Achievement que visa desenvolver iniciativas empreendedoras nos alunos de diversos cursos e modalidades, não só na EJA. De acordo com Dornelas (2005) um importante aspecto que deve ser discutido são os tipos de empreendedorismo identificados pelo GEM. O primeiro é o Empreendedorismo de Necessidade, em que o candidato a empreendedor se aventura nesta jornada como simples opção por não ter alternativas de trabalho, nestes casos os negócios costumam ser criados informalmente, não são planejados de forma adequada e na maioria dos casos acabam por fracassar. O segundo tipo e mais importante é o Empreendedorismo de Oportunidade em que o empreendedor visionário, sabe aonde quer chegar, planeja, visa o crescimento e a geração de riqueza para a sociedade. Este é o empreendedorismo que realmente gera transformações econômicas e que ocasiona desenvolvimento. Este é o tipo que deve ser voltado para o público da EJA. Por outro lado, há alguns fatores inibidores do potencial empreendedor que podem gerar complicadores para a iniciativa empreendedora por parte dos alunos da EJA. Os fatores que inibem o potencial empreendedor são descritos por Degen (1989): 1. Imagem Social, pois todos empreendedores no início precisam desenvolver eles mesmos a maioria das atividades no negócio, desde gerenciar as atividades de comércio, até em alguns casos a higiene/limpeza. Algumas pessoas pensam que depois de terem atingido uma posição social, algumas atividades podem arruinar sua imagem social. 2. Disposição para Assumir Riscos, pois desde a escola até a educação familiar da vida moderna, os indivíduos não são educados para assumir riscos, para promover mudanças na sociedade. O Risco Financeiro, onde são encorajados a estudar para fazerem concursos ou alguma profissão que gere certo nível de estabilidade financeira e o Risco Profissional, que é deixar uma profissão já desenvolvida para encarar outra profissionalização totalmente diferenciada. 3. Capital Social, que está relacionado a cultura intelectual e religiosa familiar, um indivíduo que é filho de um advogado bem sucedido tende a ser um futuro advogado e assim por diante, estes bloqueios devem ser transpostos, onde um filho de um empreendedor deve ser encorajado a inovar cada vez mais. Melquiades Pereira de Lima Júnior 1915 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA Apesar destes fatores inibidores foi constatado na pesquisa que 60,6% da amostra entrevistada possuem interesse em montar seu próprio negócio, o que expressa que mesmo sem conhecer muito sobre empreendedorismo, estes alunos já possuem interesse em buscar sua independência. Como pode perceber estes paradigmas inibidores devem ser quebrados, no Brasil várias universidades e instituições sejam privadas ou públicas já adotaram o ensino de empreendedorismo, pois já conhecem os benefícios que trazem para os alunos, para futuros empreendedores e finalmente para a sociedade, gerando riqueza e maior distribuição de renda. METODOLOGIA O método foi constituído a partir do objetivo do estudo e do contexto. O tipo de pesquisa utilizada foi a aplicada de caráter exploratório, pois tem como escopo levar o conhecimento ao pesquisador sobre o tema ou problema de pesquisa dentro da realidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN, especificamente no campus Natal – Zona Norte (ROESCH, 1999, p. 73-77). Segundo Roesch (1999, p.73-77) a caracterização como pesquisa aplicada, pôde ser justificada pelos seguintes aspectos: teve como base a exploração sobre um caso concreto e não hipotético (o de uma instituição), além disso, para a compreensão deste objeto de estudo, levou-se em consideração o contexto em que ele se circunscreve. Outra característica presente na metodologia é a de utilizar-se de uma variedade de fontes de informações e teve como escopo retratar a realidade do contexto pesquisado, revelando sua dinâmica, desenvolvimento e a importância do objeto de estudo naquele contexto, ou seja, retratar um aspecto da população de alunos na EJA (Vargas e Maldonado, 2001, p. 12). A estrutura de estudo de caso foi constituída a partir das seguintes etapas: Introdução, Desenvolvimento, Método e Resultados. A introdução buscou descrever a situação-problema e aborda os principais aspectos sobre a problemática do estudo. O método teve como referência a investigação de um caso hipotético que tentou retratar a realidade estudada, como também suas regras e procedimentos a serem encontrados no ambiente. Posteriormente o desenvolvimento do estudo, ou seja, suas referências Melquiades Pereira de Lima Júnior 1916 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA teórico-conceituais e por fim na seção de resultados foram apresentadas as conclusões sobre o trabalho (SEVERINO, 2000, p. 157). De acordo com Roesch (1999, p. 126-128) as técnicas de coleta utilizadas foram definidas de acordo com os objetivos propostos. Neste caso foi a pesquisa qualitativa por envolver a utilização de documentos históricos e teóricos, como também a pesquisa quantitativa por envolver a coleta de dados quantitativos acerca dos alunos. Segundo STEVENSON (1981) As técnicas de análise de dados foram de caráter quantitativo por envolver métodos estatísticos e de caráter qualitativo por envolver análise de conteúdo documental. A pesquisa foi realizada através de questionário com os alunos no período de 12 de Dezembro de 2008 a 09 de Janeiro de 2009. O conceito estatístico utilizado foi a estatística descritiva aplicada aos índices pesquisados que foram: Idade, Sexo, Região de Moradia, Situação Trabalhista, Tipo de Atividade Trabalhista, Faixa de Remuneração, Experiência de Trabalho, Atividade Extra Trabalhista, Motivos de Escolha do IFRN, Cadastro em Agência de Emprego, Opinião da Contribuição do Curso para Formação e Expectativas para o Mercado de Trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desta pesquisa foram perceptíveis características comportamentais que permeiam a modalidade da Educação de Jovens e Adultos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN, mais exatamente no campus Natal - Zona Norte. Esta instituição possui um papel extremamente importante no desenvolvimento e modificação desta realidade. O perfil do aluno do PROEJA no IF-RN, campus Natal – Zona Norte possui características diversificadas, porém com fatores semelhantes em sua população, sua jovialidade revela expectativas de um futuro melhor em uma sociedade que possa dar oportunidade a esta modalidade de ensino que foi tão má cuidada em termos de educação. A presente pesquisa revelou fatores de grande importância, as expectativas dos alunos demonstraram um comportamento otimista em um momento econômico de crise que o Brasil se encontra. Vontade, determinação, força de vencer são características que Melquiades Pereira de Lima Júnior 1917 O Empreendedorismo como Prática Curricular: Solução Social para os Alunos do PROEJA permeiam estas pessoas e que servem de combustível para uma vida social mais justa e igualitária. Dentro destas características encontradas o Empreendedorismo tem um papel importante de promover o desenvolvimento local e sustentável capaz de mudar a vida destes indivíduos. Promovendo alavancagem social e a inserção destes indivíduos através de uma renda auto-sustentável, montando sua própria fonte de renda e de desenvolvimento. Através da pesquisa foram analisadas algumas sugestões para desenvolvimento do objetivo pedagógico além da inserção do Empreendedorismo como prática curricular, as sugestões propostas foram: Criação de alternativas adicionais de inserção no mercado de trabalho (como exemplo o Empreendedorismo); Incentivo ao estágio para alunos sem experiência profissional; Parcerias com outros agentes econômicos como empresas, sindicatos, órgãos e instituições que possam contribuir para a profissionalização; Incentivo a cursos de extensão e de pesquisas como forma de enriquecimento curricular e profissional dos alunos. Por fim o Empreendedorismo deve ser cada vez mais fomentado neste país, onde as pequenas oportunidades e a auto-organização dos excluídos são mecanismos geradores do desenvolvimento social e econômico, não só local, mas a nível Nacional. Novos trabalhos devem surgir para fomentar esta alternativa social, promovendo novas idéias e sugerindo mudanças na máquina do sistema econômico atual. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Bom Tempo Editora, 1999. P. 101-118. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA: Documento Base. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf2/proeja_medio.pdf>. Acesso 15.10.2007. DEGEN, Ronald J. O Empreendedor: Fundamentos da Iniciativa Empresarial. São Paulo: McGraw-Hill, 1989. P.03-38. 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Melquiades Pereira de Lima Júnior 1919 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E O PARADIGMA TECNOLÓGICO: UMA INTERCONEXÃO PARA UM CONHECIMENTO EMANCIPATÓRIO Raimunda de Fátima Neves Coêlho JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E O PARADIGMA TECNOLÓGICO: UMA INTERCONEXÃO PARA UM CONHECIMENTO EMANCIPATÓRIO Raimunda de Fátima Neves Coêlho1 RESUMO: Considerando o paradigma tecnológico como característica do mundo contemporâneo, o texto discute a relação entre esse modelo, a educação e o currículo. Esse estudo teórico-bibliográfico baseia-se nas reflexões de DOWBOR (2000), CASTELLS (1999), BAUMGARTEN (2001) sobre a sociedade midiatizada e seus diferentes espaços do conhecimento e, ainda, em SANTOMÉ (1998) sobre o pensar global nos currículos. A partir dessa discussão teórica o texto aponta o pensamento utópico defendido por SANTOS (1999), como base de alternativas para se pensar o currículo como espaço do conhecimento emancipatório numa sociedade midiatizada. PALAVRAS-CHAVE: Paradigma Tecnológico, Educação, Currículo, Conhecimento. Vivemos hoje o desafio que nos vem da nova fase da humanidade, a chamada sociedade do conhecimento, ou sociedade em rede, que Castells (1999, p. 17) a caracteriza pela: [...] globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista estratégico, por sua forma de organização em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e a individualização da mão de obra. Por uma cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela transformação das bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes. Esse modelo dominante exige uma redefinição do papel da educação nesse novo mundo, em que a sociedade busca novas saídas para o desenvolvimento de uma educação caracterizada pelo conhecimento e informação. Dessa forma, a sociedade da 1 Professora Adjunta da UFCG, Integrante do GIEPELPS/CNPq (Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Educação, Linguagem e Práticas Sociais – UFCG) e do GEPPC/CNPq (Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares – UFPB). Raimunda de Fátima Neves Coelho 1923 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório informação representa uma profunda mudança na organização da sociedade e da economia. Significativas transformações econômicas, geopolíticas, sociais, culturais e institucionais vêm modificando a base material da sociedade, ocasionadas por estratégias de acumulação que contêm no seu cerne processos de geração e difusão de novos conhecimentos. Castells (1999) assinala que uma revolução tecnológica, centrada nas tecnologias de informação, está remodelando a base material da sociedade em ritmo acelerado. Assim, esse autor (1999) sinaliza que o fator para a formação do paradigma da informação, foi/é o processo de reestruturação capitalista, desde os anos 1980 tendo o capital como característica central, o global e sua estruturação em redes, em que o capital financeiro depende do conhecimento e da informação gerados e aperfeiçoados pela tecnologia da informação. Estamos, pois, na era do capitalismo em rede, ou melhor, num mundo do capitalismo informacional global. A identificação dessa sociedade contemporânea reconhecida como sociedade da informação e do conhecimento justifica-se conforme Baumgarten (2001), por duas razões, a saber: pela ampliação de troca de mensagens entre os habitantes do planeta, e pela relevância que adquirem a ciência e a tecnologia no processo de produção. Baumgarten (2001) destaca que nessa síntese entre sociedade e conhecimento (ou ainda, a chamada sociedade ou era da informação) cada vez mais se torna salutar a necessidade do conhecimento ser apreendido à luz de sua dimensão social. Como bem sabemos, a informação e o conhecimento sempre se constituíram pilares dos diferentes modos de produção social, nos diferentes momentos históricos. Na sociedade atual, o conhecimento desempenha um papel importante para que os indivíduos estabeleçam suas relações integrando-se num contexto social contemporâneo cada vez mais complexo. Raimunda de Fátima Neves Coelho 1924 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório A informação, por sua vez, como produto do conhecimento, ou melhor, como conhecimento circulante, é considerada hoje a mercadoria de maior valor, ao se atribuir à carência de informação nessa contemporaneidade a questão maior da exclusão social. Nesse sentido, concordamos com Baumgarten (op. cit., p. 22) ao afirmar que uma sociedade é consciente de si quando se torna consciente do seu manancial de conhecimento; é aquela sociedade que tem consciência do conhecimento que produz. O conhecimento do conhecimento, portanto, o conhecimento autoconsciente. Concebendo, assim, a sociedade do conhecimento em um contexto onde emergem novas questões econômicas, políticas, sociais, jurídicas e educacionais, é necessário pensarmos politicamente as novas relações entre ciência, tecnologia e poder. Frente às transformações tecnológicas, a educação ganha nova centralidade no processo de transformação social, em que a informação e o conhecimento têm importante papel, como instrumentos de mudança da educação. Do ponto de vista educacional o termo educar em uma sociedade da informação e comunicação, implica não mais treinar as pessoas para o uso das tecnologias de informação e comunicação (TAKAHASHI, 2000, p. 45). É importante pois, investirmos na criação de competências suficientemente amplas, tomarmos decisões fundamentais no conhecimento, operarmos com fluência os novos meios e ferramentas no nosso trabalho e aplicarmos criativamente as novas mídias. Formar o cidadão para aprender a aprender, “[...] não significa preparar o consumidor e sim capacitar as pessoas para a tomada de decisões e para a escolha, informada sobre os aspectos na vida em sociedade, na perspectiva de não se deixar seduzir pelo poder econômico ou político”. (TAKAHASHI, op cit.). As tecnologias vistas como novos meios de aprendizagem permitem a construção interdisciplinar de informações produzidas de forma individual ou coletiva, contribuindo desse modo, para a formação continuada do cidadão porém, sem que se perca de vista que o papel da educação na sociedade da informação, não deve apenas Raimunda de Fátima Neves Coelho 1925 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório enfatizar a capacitação tecnológica em detrimento de aspectos relevantes como, a construção de uma sociedade que tenha inclusão e justiça social. Na visão de Castells (1999) o novo sistema econômico e tecnológico é caracterizado como capitalismo informacional, em que as novas tecnologias da informação difundiram-se pelo planeta de forma rápida entre meados dos anos 70 e 90, gerando uma possível transformação das sociedades. Esta totalidade de transformações em que estamos imersos, Dowbor (2000, p. 8) diz: “[...] parece estar levando a uma sinergia da comunicação, informação e formação, criando uma realidade nova, que está sendo designada como sociedade do conhecimento.” Dessa forma, a educação deixa de ser um universo em si, e se torna articuladora de diversos espaços do conhecimento, e, necessariamente, a escola segundo Dowbor (2000, p. 13) “deixa de ser um pouco lecionadora, passando a ser mais mobilizadora e organizadora de um processo em que possa envolver os pais e a comunidade.” Educação sendo articuladora dos espaços do conhecimento perde assim, seu universo simplificado da educação formal e ganha na realidade diversas formas e canais de organização e transmissão do conhecimento, a saber: um dos espaços educacionais é fornecido pela formação nas empresas, em que hoje o setor empresarial moderno passa a precisar da educação para o seu próprio desenvolvimento. Um outro espaço que surge é a reorientação da televisão e da mídia em geral. Essa reorientação seria no sentido de elevar o nível científico e tecnológico da população com possíveis feitos significativos. Um terceiro espaço em expansão é o dos cursos técnicos especializados, como resposta do surgimento de novas tecnologias, nos quais a população busca apoio técnico. Outra área que deverá interessar à educação é a organização do espaço científico domiciliar; nos tempos de internet, professores começam a se interessar em organizar o seu espaço de trabalho em casa. Raimunda de Fátima Neves Coelho 1926 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório Uma outra área de trabalho que está surgindo é o espaço do conhecimento comunitário, área essa, trabalhada pelas Organizações Não Governamentais (as ONG’s) e outras, formadas pelo universo chamado Terceiro Setor. Com a criação desse espaço vemos possibilidade de base para articulação da escola e de cada ensino específico com os problemas sentidos pela comunidade. Como outro espaço temos a área de Pesquisa e Desenvolvimento que poderá contribuir para que cada escola e cada professor possa organizar a ponte direta de comunicação com centros de pesquisa para enriquecimento de ensino. Temos também, a formação de adultos, espaço que necessita de revisão, tendo em vista a necessidade de integrar o adulto com o processo real de transformação do cotidiano, colocando a educação a serviço de uma comunidade. Um outro espaço do conhecimento passível de revisão, seria o ensino superior que deveria se tornar um agente de transformações, tornando-se um espaço permanente de atualização. Com a caracterização dos diferentes espaços do conhecimento abordados por Dowbor (2000) e, consequentemente, repensando a educação formal como atividade central organizadora desses espaços e não mais como eixo único de formação, somos forçados a exigir da escola o seu papel de integradora dos diversos espaços educacionais que existem na sociedade. Diante dessa complexa tarefa da escola, perguntaríamos: Como os professores enfrentariam suas novas funções enquanto mediadores desse processo? Que desafios superar como professores? Segundo Dowbor (2000) os desafios não são simples, destacando dentre eles a dificuldade dos professores orientarem os alunos para trabalhar no universo tecnológico, uma vez que maioria deles encontra-se como principiante no uso da tecnologia. Outro desafio consiste na competência do professor a partir da aquisição de informações, saber organizar a aprendizagem, na perspectiva de mudança nas próprias Raimunda de Fátima Neves Coelho 1927 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório formas de ensino e de conteúdo. Nesse processo as metodologias assumem papel importante. O currículo também, se traduz em desafio, quando da necessidade de adaptá-lo ao que o aluno necessita nos eixos de interação com o mundo, isto é, no sentido de orientar as novas gerações para um conhecimento competente das novas tecnologias e, dessa forma, enfrentarmos de maneira organizada seu potencial, seus perigos nas dimensões econômicas, culturais, políticas e institucionais. Diante desse mundo globalizado que apresenta múltiplos desafios para o homem, a atual sociedade, decorrente da revolução tecnológica e seus desdobramentos na produção e na área da informação, apresenta características possíveis de oferecer à educação uma autonomia ainda não alcançada. Na perspectiva de construção dessa atual sociedade baseada nas diferentes formas de comunicação e relação, Dowbor (2000) apresenta, em síntese, alguns pontos merecedores de reflexão para melhor compreensão do que ele chama de núcleos de problemas. Como primeiro ponto, esse autor destaca a gestão do conhecimento que hoje se torna um espaço mais amplo, no qual a educação terá de reconstruir o seu papel. Temos também, o desenvolvimento de novos instrumentos nas tecnologias de comunicação e informação, o que implica em mudanças de ferramentas que nos permitem lidar com o conhecimento. Com essas transformações, no universo do conhecimento e das ferramentas de trabalho, somos forçados a repensar a educação e os seus paradigmas na perspectiva de se estabelecer uma relação da educação com outros espaços do conhecimento, pois é impossível ver a educação sem compreender as suas complementaridades com outros espaços do conhecimento, como a formação nas empresas, as televisões, internet e outros. No âmbito da escola, as novas tecnologias trazem transformações nas formas de trabalhar o conhecimento, exigindo dessa maneira, novas formas de organização do Raimunda de Fátima Neves Coelho 1928 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório tempo, do espaço, das relações internas da escola, ou seja, instauram-se as mudanças organizacionais. Além dessas mudanças no nível da escola nos deparamos com outras transformações institucionais mais amplas no universo da educação como forma de enfrentarmos os novos desafios. Uma outra questão relevante está relacionada com o conhecimento e a sua interação entre a escola e seu espaço social, podendo a escola desenvolver novos papéis. E, por último, a compreensão de que o desafio das novas tecnologias não é apenas técnico e pedagógico, mas, principalmente, um desafio de poder e ao mesmo tempo, podem gerar um espaço de democratização e de reequilibramento social. Diante desses desafios apresentados, o novo paradigma tecnológico procura transformar o padrão organizacional produtivo em redes, como sinaliza Castells (1999, p. 216) ao afirmar que: [...] pela primeira vez na história, a unidade básica de organização econômica não é o sujeito individual (como o empresário ou a família empresarial) nem coletivo (como a classe capitalista, a Empresa, o Estado) [...] as unidades em rede, formadas de vários sujeitos e organizações, modificam-se continuamente conforme as redes adaptam-se aos ambientes de apoio e às estruturas de mercado. Com esse novo modelo, conforme Castells (1999) a sociedade em rede representa uma transformação qualitativa da experiência humana. No tocante aos modelos de relação da existência humana, esse autor descreve como primeiro modelo de relação a dominação da Natureza sobre a Cultura, isto é, a luta pela sobrevivência diante dos rigores incontroláveis da Natureza. O segundo modelo de relação da Era Moderna é associado à Revolução Industrial e ao triunfo da Razão, foi estabelecido pela dominação da Natureza pela Cultura, em que se formou a sociedade a partir do processo de trabalho, e pelo qual a Humanidade vive sua libertação das forças naturais quando submeteu-se à opressão e exploração. Hoje, entramos num modelo cultural de interação e organização social que justifica ser a informação o principal elemento de nossa organização social e os fluxos Raimunda de Fátima Neves Coelho 1929 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório de mensagens e imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa estrutura social. Estamos diante de uma nova era, a era da informação, marcada pela autonomia da cultura vis-à-vis às bases materiais de nossa existência. Em síntese: lutamos com a Natureza, primeiro para sobreviver, em seguida para conquistá-la e, finalmente, para alcançarmos o nível de conhecimento e organização social que, provavelmente, nos permitirá viver em um mundo mais social. Sendo assim, não podemos ignorar as transformações geradas pela sociedade do conhecimento, exigindo da educação que reconstrua o seu papel, cabendo a nós, professores, compreendermos que as novas tecnologias tanto podem servir para a elitização e o aprofundamento das contradições sociais, como, através da democratização do conhecimento, gerar uma sociedade mais justa e equilibrada. Após refletirmos sobre a educação e a sociedade do conhecimento indagamos: Qual a relação mundo globalizado e as possibilidades de currículo para o enfrentamento a essa atual condição de sociedade desigual? O currículo poderá ser compreendido como espaço do conhecimento emancipatório? Essas questões nos remetem a entender o significado das propostas curriculares integradas, que nos obrigam a levar em conta as dimensões globais da sociedade e do mundo em que vivemos. Dessa forma, não podemos dissociar o processo de globalização do currículo nas escolas, pois a partir da criação de uma consciência global passamos a compreender conforme Santomé (1998, p. 93) que “todas as áreas de conhecimento de cada um dos blocos de conteúdo necessitam levar em conta esta perspectiva global ou internacional.” Assim, esse autor defende que: [...] devem ser oferecidos novos referenciais às crianças, para ajudá-las a perceber estas dimensões; elas devem se acostumar a pensar interdisciplinar e globalmente, podendo assim chegar a desenvolver um senso de responsabilidade e de lealdade com os povos e grupos sociais marginalizados e silenciados (SANTOMÉ, op. cit, p. 93). Raimunda de Fátima Neves Coelho 1930 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório Então, a criação da consciência global nos currículos, ou melhor, o pensar interdisciplinar e global, contribuirá para aceitarmos que o mundo é um sistema interdependente. Não podemos mais ter uma visão míope da realidade pois vivemos em um mundo global, que nos obriga a repensar as tarefas escolares, cujas tarefas a que os alunos são estimulados e/ou obrigados a realizarem, raramente levam em conta as dimensões internacionais em todos e cada um dos blocos de conteúdo que formam o projeto curricular. Essa educação global poderá ajudar as novas gerações a adquirirem consciência da realidade silenciada pela educação tradicional, gerando como afirma Santomé (1998) novas formas de relações entre outros povos e culturas, cujos objetivos dessas propostas curriculares de educação global são, assim, apontadas por esse autor, a saber: aprender a obter informações, desenvolver competências para tomada de decisões, identificar as conseqüências transnacionais, considerar os interesses das futuras gerações, conscientizar-se das diferenças entre países ricos e pobres e aceitar e respeitar a diversidade cultural. Assim, com esse modelo de um mundo globalizado que gera para muitos, uma fragmentação social e um processo de exclusão, como romper esse processo que se torna cada vez mais hegemônico e concentrado? Como vencer o grande desafio da atualidade que coloca a dominação de poucos sobre a grande maioria? Diante dessas perguntas fortes e na tentativa de buscarmos respostas, também, fortes, compreendemos a importância de recorrermos ao conhecimento-emancipação proposto pelo sociólogo Santos (2006) em contraposição ao conhecimento-regulação, tendo em vista a necessidade de pensarmos um currículo que contribua para a autonomia e emancipação do sujeito. Nessa perspectiva nos ancoramos no imperativo enunciado por Santos (2006, p. 316) quando diz: “[...] temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza.” Raimunda de Fátima Neves Coelho 1931 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório De acordo com esse pensamento do autor (2006), somos convidados a reinventar possíveis caminhos, em que o currículo seja um dos fios condutores de um processo de emancipação social, ou melhor, não podemos permitir que as nossas diferenças sejam um motivo de desigualdades. Concebendo, pois, o currículo como espaço do conhecimento que emancipa, que liberta, não podemos esquecer que as nossas diferenças, por maiores que sejam, estão em permanente interação com os outros e suas diferenças, nesse mundo cada vez mais globalizado, e que, necessariamente, precisa ser compreendido e refletido para que o sujeito tenha uma visão mais realista de padrões estabelecidos pela globalização neoliberal, de modo que esses padrões de regulação possam ser desconstruídos por outros mais inclusivos e mais plurais. As conseqüências humanas, geradas pela globalização neoliberal, precisam fazer parte de políticas curriculares que se contraponham aos riscos de opressão, sofrimento humano e destruição a que os sujeitos da sociedade atual estão submetidos. Diante desse quadro social de desigualdade e fazendo do currículo esse espaço de luta, de resistência, de confronto entre conflitos da globalização neoliberal e a globalização contra-hegemônica, encontramos no pensamento de Santos (1989) vias de ruptura, de luta por políticas emancipatórias. Esse sociólogo aponta a utopia como sinal positivo diante da crise de ordem social na perspectiva de pensar a desordem verdadeiramente emancipadora quando diz que: [...] A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só por que existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece a pena lutar [...] (SANTOS, 1999, p. 323). Assim, o pensamento utópico defendido por Santos (1999) recusa a subjetividade do conformismo e cria a vontade de lutar por alternativas. Finalmente, ao compreendermos a relação entre educação, currículo e o paradigma tecnológico em tempos de globalização e ao discutirmos o currículo como Raimunda de Fátima Neves Coelho 1932 Educação, Currículo e o Paradigma Tecnológico: uma Interconexão para um Conhecimento Emancipatório espaço do conhecimento emancipatório, vislumbramos sinais de reconstrução de currículos, onde o conhecimento-regulação possa ser desconstruído pelo conhecimento-emancipação. Para tanto, é preciso acreditarmos na possibilidade de acontecer, como nos lembra tão bem o filósofo Sartre apud Santos (2006, p. 470) “[...] antes de concretizada, uma idéia apresenta uma estranha semelhança com a utopia”. É com a utopia de pensarmos o currículo como espaço do conhecimento emancipatório que permanecemos numa luta contra um sistema de desigualdade social que nega não apenas os direitos sociais mas, principalmente, o mais elementar direito à vida. REFERÊNCIAS BAUMGARTEN, M. (Org.). 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