Experiência de Millikan

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Experiência de Millikan
DETERMINAÇÃO DA CARGA ELEMENTAR DO ELÉTRON: O
EXPERIMENTO DE MILLIKAN
INTRODUÇÃO:
Foi no fim do século XIX que se realizaram importantes descobertas que conduziriam a
novos caminhos para a física do século XX. Quando John Clerk Maxwell sintetizou, em 1865, as
leis do eletromagnetismo em sistema de equações diferenciais, ele foi capaz de deduzir dessas
equações a existência de ondas eletromagnéticas. E vinte anos mais tarde, Heinrich Hertz
identificou essas ondas com as ondas luminosas, de diferentes frequências, mas capazes, como
estas, de serem refletidas por corpos metálicos e dielétricos e de se propagarem com a mesma
velocidade no vácuo. Em 1887, ainda Hertz descobriu o efeito fotoelétrico enquanto que um pouco
antes, em 1879, W. Crookes descobriu os raios catódicos e W. Roentgen, em 1895, os raios X. Em
1896, H. Becherel estabeleceu que sais de urânio, mesmo não dispostos previamente aos raios
solares, são fluorescentes – “nasceu” então a radioatividade. Finalmente, em 1897, Joseph John
Thomson, baseado em experiências de vários físicos e de sua própria equipe, mostrou que os raios
catódicos são constituídos de partículas com carga elétrica negativa, batizados por G. Stoney como
elétrons em 1891. Neste período, pleno de notáveis descobertas que rasgaram novos horizontes
para conhecimento físico, seguiram-se pesquisas para determinar as propriedades do elétron, sua
massa e sua carga.
Em 1897, o físico inglês J. J. Thomson mostrou que os raios catódicos eram partículas
menores e mais leves do que os átomos. Ele conseguiu criar feixes estreitos de raios catódicos e
mediu seu desvio em presença de campos elétricos e magnéticos. Thomson raciocinou que o valor
do desvio dependia da massa das partículas e de sua carga elétrica. De que maneira? Quanto maior
for a massa de cada partícula, maior sua inércia e menor será o desvio produzido. Quanto maior for
a carga de uma dessas partículas, maior será força e o correspondente desvio. E quanto maior
velocidade, menor será desvio. A partir das medições cuidadosamente feitas do desvio do feixe,
Thomson conseguiu calcular a razão entre a massa e a carga das partículas que formavam o raio
catódico, que foram chamados de elétrons. J. J. Thomson recebeu o Prêmio Nobel de Física em
1906.
Doze anos mais tarde, em 1909, o física norte-americano Robert Millikan realizou um
experimento que possibilitou calcular o valor numérico de uma carga elétrica elementar. Millikan
borrifou gotículas de óleo no interior de uma câmara, entre duas placas eletricamente carregadas –
no interior do campo elétrico. Quando o campo era suficientemente forte, algumas gotículas
passavam a subir, indicando que possuíam carga negativa. Millikan ajustou o campo de modo que
as gotículas ficassem flutuando imóveis. Ele sabia que a força da gravidade, orientada para baixo,
era exatamente equilibrada pela força elétrica gerada, orientada para cima. A pesquisa revelou que
a carga de cada gotícula era sempre um múltiplo do mesmo e único valor muito pequeno, que
Millikan propôs que fosse a carga elementar portada por cada elétron. Usando esse valor e a razão
massa–carga determinado por J. J. Thomson, ele calculou o valor da massa de um elétron como
cerca de 1/2000 da massa do átomo mais leve, o do hidrogênio. Isso confirmou a suposição de J. J.
Thomson de que o elétron fosse uma unidade quântica leve de carga bem definida. Estritamente
relacionado ao experimento da gota de óleo, e que será objeto desta prática, vale mencionar como
suas principais características: a precisão na determinação da carga elétrica elementar, e a
demonstração de que esta é quantizada.
OBJETIVOS:
! Determinar a carga elétrica elementar a partir da análise estatística das cargas de um
número de diferentes gotículas.
! Determinar os raios e as cargas elétricas das gotículas analisadas e verificar a quantização
da carga.
! Verificar o caráter discreto da magnitude da carga elétrica.
! Analisar a distribuição de cargas elementares presentes nas gotículas de óleo investigadas.
! Analisar e discutir criticamente as principais fontes de erro do experimento, tendo em
mente o valor atualmente aceito para a carga elementar do elétron.
O EQUIPAMENTO:
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Aparato de Millikan (contendo borrifador, reservatório de óleo, sistema de alimentação de
óleo, capacitor, microscópio de observação, lâmpada, suporte, etc);
Fonte de tensão;
Voltímetro;
Escala micrométrica de calibração;
lâminas de vidro;
Comutador elétrico;
Cabos de conexão;
Cronômetro;
Nível de bolha de ar;
Monitor e câmara de vídeo.
Figura 01: Montagem do aparato com microscópio de observação
Figura 02: Montagem do aparato com câmara de vídeo e monitor
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:
Lista de símbolos e valores das constantes:
R = raio da gotícula, suposta esférica.
V = volume da gotícula, suposta esférica: V = (4/3)π R3
ρsil = densidade do óleo de silicone: ρsil = 1,075 × 103 kg/m3
ρar = densidade do ar à temperatura ambiente: ρar = 1,293 kg/m3
η = coeficiente de viscosidade do ar à temperatura ambiente: η = 1,82 × 10-5 kg/m.s
g = aceleração da gravidade local: g = 9,79 m/s
v = velocidade da gotícula (constante).
q = carga elétrica da gotícula.
U = tensão entre as placas do capacitor.
d = distância entre as placas do capacitor: d = (2,50 ± 0,01) mm.
E = campo elétrico entre as placas do capacitor: E = U / d
1. O movimento das gotículas pode ser totalmente descrito pela análise das forças que atuam sobre
ela e aplicação da segunda lei de Newton:
Força peso: Fpeso = ρsilVg
Força de empuxo (do ar): Femp = −ρarVg
Força de viscosidade: Fvisc = −6πRηv (lei de Stokes para um corpo esférico)
Força elétrica: Fel = qE
2. Após a aplicação da força elétrica, em um ou outro sentido, o movimento da gotícula torna-se
rapidamente uniforme (velocidade constante). Assim a aplicação da segunda lei de Newton implica
em que a soma das forças acima deve ser zero.
3. Observe que, nas condições da experiência, a força elétrica possui o mesmo sentido da força
peso no movimento de descida da gotícula e o sentido oposto ao da força peso no movimento de
subida.
4. Por outro lado, a força de viscosidade possui sempre sentido oposto ao movimento da gotícula e
a força de empuxo possui sempre sentido oposto ao da força peso.
5. A partir da aplicação da segunda lei de Newton ao equilíbrio das gotículas (em movimento
uniforme) e utilizando as expressões acima, obtemos então as seguintes equações para a magnitude
das velocidades de subida ( vs ) e de descida ( vd ):
6. A manipulação dessas equações permite a obtenção de expressões para a carga e o raio da
gotícula:
7. Com essas expressões é possível determinar a carga e o raio de cada gotícula analisada na
experiência, a partir de parâmetros medidos diretamente em laboratório – tensão elétrica e
velocidades de subida e descida das gotículas (obtidas a partir das distâncias percorridas e dos
tempos gastos nesses percursos) – e de parâmetros fornecidos (aceleração da gravidade, densidades
do óleo de silicone e do ar, viscosidade do ar, distância entre as placas do capacitor).
PROCEDIMENTOS:
Cuidados que devem ser tomados em laboratório:
1. Não permita jamais que a tensão aplicada ao capacitor ultrapasse 500 V.
2. Mantenha sempre as gotículas a serem observadas em foco, de modo a evitar
erros de paralaxe na análise do movimento das gotículas.
3. Evite tocar nas superfícies das lentes ou das placas transparentes no aparato de
Millikan.
4. Opere o comutador com cuidado, uma vez que estão sendo aplicadas tensões
elevadas.
1. A montagem experimental pode ser vista nas Figuras 1 e 2. A fonte de alimentação fornece
as tensões necessárias para o aparato Millikan. O sistema de iluminação é ligado às saídas
de 6,3 V – AC.
2. Calibra-se inicialmente o micrômetro da ocular. Liga-se a saída de tensão fixa (300 V-DC)
em série com a de tensão variável (0...300 V-DC) de modo a se obter tensões superiores a
300 V-DC. A chave comutadora é usada para inverter as polaridades do capacitor.
2. Ajuste a tensão do capacitor para um valor entre 300 e 500 V.
3. Antes do início das medidas de tempo, o sistema deve ser nivelado, de modo que as
gotículas se movimentem sempre verticalmente. Fazer alguns testes antes, verificar se as
gotículas estão subindo e/ou descendo verticalmente. Para isto, bombeie gotículas de óleo e
faça alguns testes para verificar esta condição variando o nivelador até obter boa condição
para o experimento.
4. Para uma melhor visualização, acople uma câmera CCD à ocular do microscópio e a
conecte a um monitor de vídeo. Selecione uma gotícula em particular e, atuando com a
chave comutadora, faça a gotícula se mover entre as graduações mais alta e mais baixa do
micrômetro ocular. Corrija o foco do microscópio se necessário.
5. Uma vez encontrada a bolha ideal, realize 10 pares de medidas de tempo de subida e decida
para diferentes potenciais. Monte uma tabela.
6. Calcule as velocidades de subida e decida da bolha para cada potencial. Para calcular as
velocidades, faça os devidos ajustes da distancia tomando como referencia o fator de
calibração da escala do micrômetro ocular. 30 div = 0,89 mm
8. Determine também, o(s) raio(s) da(s) bolha(s) e, de posse desse valor determine o valor da
carga elétrica presente em cada bolha para os diferentes potenciais adotados.
9. Calcule a razão entre os valores das cargas elétricas das gotículas dividindo todos os valores
pelo menor valor encontrado. Este resultado é o fator multiplicador da carga e, de acordo
com as regras de arredondamento, ajuste o resultado para o inteiro mais próximo.
10.
Construa um gráfico da carga elétrica em função de n (Q× n), onde n é o valor do
número inteiro mais próximo ao valor encontrado para a razão entre os valores das cargas
das diferentes gotículas.
"
Observe os seguintes critérios ao selecionar uma gotícula:
# A gotícula não deve se mover muito rapidamente (deve se deslocar 30 div. em 1 ou 3 s),
ou seja, deve possuir uma pequena carga.
# A gotícula não deve se mover muito lentamente e não exibir movimentos enviesados.
Aumente a tensão do capacitor nessas situações.
# Some os tempos de algumas subidas com o primeiro cronômetro.
# Some os tempos de algumas descidas com o segundo cronômetro.
# Os tempos somados devem ser superiores a 5s em ambos os casos.
QUESTÕES E PROBLEMAS.
•
Deduza as expressões para o cálculo da carga elétrica do elétron e do raio da bolha.Monte
um gráfico de Q x R (carga em função do raio das gotículas). Fisicamente que este gráfico
representa? Indique nesse gráfico (com linhas horizontais) os valores de cargas médios
obtidos para cada grupo de cargas com diferentes valores de n.
•
Encontre o coeficiente angular do gráfico Q x n. Compare este valor com o encontrado
teoricamente. Compare ainda esses resultados com o valor encontrado na literatura. Que
conclusão podemos tirar?
•
Descreva quais foram as principais dificuldades encontradas na execução do experimento
de Millikan e quais os principais cuidados tomados a fim de minimizar os erros percentuais
na determinação do valor da carga elementar.
•
Apresente em uma tabela todos os valores medidos em laboratório para tempos de subida,
tempos de descida e distâncias percorridas por cada gotícula analisada. Inclua na tabela os
valores de tensão utilizada em cada caso assim como os valores calculados para vs e vd.
Identifique cada gotícula com um número ou outro código que achar conveniente.
•
Apresente em uma outra tabela os valores de carga e raio de cada gotícula analisada.
Explique claramente qual foi o método utilizado para a determinação desses valores a partir
das equações apresentadas; mencione (e em caso afirmativo descreva) se foi utilizado
algum algoritmo computacional para a realização desses cálculos.
•
Na experiência original de Millikan, foram analisadas mais de mil gotículas em um trabalho
de longa duração, o que permitiu a realização de um tratamento estatístico minucioso para
verificação da hipótese de quantização da carga e determinação da carga elementar. Um
tratamento similar é inviável nas condições desta experiência, dado o número relativamente
baixo de gotículas analisadas. Pode-se entretanto obter uma percepção da quantização da
carga a partir da montagem de um histograma, onde os valores das cargas elétrica das
diversas gotículas são representados num gráfico de barras com largura fixa e altura
proporcional à freqüência com que o valor de carga correspondente a cada barra foi
encontrado. Assim, uma barra posicionada ao longo do eixo das abscissas entre as
coordenada q e q + ∆q possuirá altura proporcional ao número de vezes em que uma carga
dentro desse intervalo foi obtida na coleção de gotículas analisadas. Tome ∆q na faixa de
0,1 a 0,5 × 10-19 C e monte um histograma como descrito acima, representando todas as
gotículas analisadas.
•
Interprete o histograma à luz da hipótese de quantização da carga elétrica, verificando a
formação de grupos de cargas centrados em determinados valores discretos. Indique esses
grupos no histograma, utilizando (se necessário) o valor atualmente aceito para a carga
elementar (1,60 × 10-19 C) como orientação para discriminar os diversos grupos. (Esse
artifício não foi obviamente empregado por Millikan, mas o elevado número de gotículas
analisadas lhe permitiu distinguir claramente os grupos de cargas encontrados.
•
Determine o valor médio da carga de cada grupo, tomando as médias ponderadas das várias
cargas encontradas ou ajustando uma distribuição apropriada (gaussiana, por exemplo).
Determine também a incerteza nesse valor médio, através de um cálculo de desvio padrão
ou da semi-largura da curva ajustada.
BIBLIOGRAFIA:
1. José Leite Lopes, A Estrutura Quântica da Matéria do Átomo Pré-Socrático às Partículas
Elementares (Ed. UFRJ, 1993) – 2ª edição,
2. Paul Tipler, Física Moderna (Guanabara Dois, 1981)
3. Robert Eisberg e R. Resnick, Física Quântica (Ed. Campus, 1979)
4. A. C. Melissinos and J. Napolitano, Experiments in Modern Physics (Academic Press,
2003) – 2ª edição
5. M. Alonso, E. J. Finn, Física: um curso universitário, Ed. Edgar Blücher, São Paulo, 1972.
6. H. Vuolo, Fundamentos da Teoria dos Erros, Ed. Edgar Blücher, 2a ed., São Paulo, 1996.
7. Maximo F. da Silveira ,Experimento de Millikan – determinação da carga do eletro, Roteiro
elaborado com base na documentação que acompanha o conjunto,UFRJ, disponível em:
<http://www.plnciencia.com.br/html/roteiros.htm#>
8. R. A. Millikan, “On the elementary electrical charge and the Avogadro constant”, Physical
Review, Vol. 2, pp. 109-143, 1913.
9. H. Fletcher, “My work with Millikan on the oil-drop experiment”, Physics Today, June
1982, pp. 43-47.

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