Instalações elétricas em piscinas

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Instalações elétricas em piscinas
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Instalações elétricas em piscinas
Instalações elétricas
em piscinas – aspectos
de segurança
Elaborado por Ricardo Pereira de Mattos
Não são poucos, infelizmente, os acidentes relacionados
às instalações elétricas em piscinas. Embora a normalização
técnica seja específica e clara quanto às prescrições para
esse tipo de ambiente, a desobediência é flagrante. Basta
conhecer o relato de alguns desses acidentes para constatar
que essas prescrições ou são desconhecidas ou propositadamente desrespeitadas. E não se trata apenas das instalações
residenciais, mas de locais de afluência de público, como é
o caso de clubes, hotéis e parques.
Entre os acidentes graves e fatais, apresentam-se a seguir
alguns relatos para nos servir de alerta sobre a importância
desse tema. Os nomes das vítimas e dos locais foram omitidos
propositadamente, uma vez que o objetivo do artigo é tratar do
assunto de forma a estimular a prevenção de acidentes. Alguns
desses relatos encontram-se disponíveis no portal da Abracopel.
Em 1999, em um clube, em São Paulo, um menino de 14 anos
saiu da piscina e encostou em um andaime que estava próximo.
Esse andaime estava eletrificado por causa de um contato com
a fiação da iluminação de Natal do clube. O choque elétrico
fez com que a vítima sofresse severos danos neurológicos,
ficando definitivamente incapacitado para o trabalho. Tanto o
clube quanto os engenheiros responsáveis técnicos pelas suas
instalações elétricas foram condenados pela justiça. Em 2006,
no julgamento de recurso das partes, manteve-se a condenação
do clube não só ao pagamento das despesas médicas, mas a
indenização por danos morais e estéticos, pagamento de pensão de dez salários mínimos à vítima e de indenização à sua
mãe, que foi obrigada a parar de trabalhar para cuidar do filho.
A manutenção da condenação, segundo o Superior Tribunal de
Justiça, ocorreu porque o clube não teria tomado as medidas
necessárias para garantir a segurança dos frequentadores.
Em 2004, durante uma festa em um clube, no interior de Minas
Gerais, dois jovens sofreram choque elétrico quando entraram
na piscina e se apoiaram em sua borda, sendo que para um
deles a ocorrência foi fatal. A causa identificada pelos peritos
da Delegacia de Homicídios foi a precária instalação da tenda
de bebidas, cujos fios estavam com isolamento danificado,
passando na área molhada no entorno da piscina. O Ministério
Público denunciou, por homicídio culposo, o então presidente
do clube, os dois diretores sociais, o engenheiro eletricista, o
gerente, o eletricista e o chefe da segurança. A vítima fatal era
um jovem de 20 anos, estudante de engenharia. O processo
judicial relativo à indenização ainda está em andamento.
Em 2006, em um resort do litoral baiano, uma criança de 6
anos recebeu um choque elétrico na piscina e não resistiu, vindo a falecer no local. Além dessa informação, não se encontra
disponível na imprensa ou em processos judiciais quaisquer
outros dados. O que nos leva a crer que as ações tenham se
transcorrido mediante acordo entre as partes.
Sob o ponto de vista da segurança do trabalho, as instalações elé-
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SXC.hu
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Instalações elétricas em piscinas
Código
Classificação
Características
Aplicações e exemplos
BB1
Alta
Condições secas
Circunstâncias nas quais a pele está seca (nenhuma umidade, inclusive suor)
BB2
Normal
Condições úmidas
Passagem da corrente elétrica de uma mão à outra ou de uma mão a um
pé, com a pele úmida de suor, sendo a superfície de contato significativa.
BB3
Baixa
Condições molhadas
Passagem da corrente entre as duas mãos e os dois pés,
estando as pessoas com os pés molhados a ponto de se poder
BB4
Muito baixa
Condições imersas
desprezar a resistência elétrica da pele e dos pés.
Pessoas imersas na água, por exemplo, em banheiras e piscinas.
Tabela 1: Resistência elétrica do corpo humano (fonte: NBR 5410)
tricas em piscinas e suas proximidades também expõem os empregados dos clubes, hotéis, parques e escolas, e até mesmo empregados
domésticos, cuja atividade esteja vinculada à operação e manutenção
das piscinas. Os casos seguintes exemplificam essas situações.
Em 2007, no interior de São Paulo, o empregado de um clube
morreu eletrocutado quando realizava a limpeza de uma das
piscinas, manuseando equipamento elétrico. Ele foi socorrido,
levado ao hospital mais próximo, onde faleceu logo depois de
chegar. A ocorrência foi registrada pela Delegacia da Polícia Civil
como acidente de trabalho com vítima fatal, sendo instaurado
um inquérito policial para apuração. Segundo divulgado na
época, a vítima era o empregado mais antigo do clube.
Em 2009, um jovem de 16 anos morreu eletrocutado quando
ajudava o caseiro de uma chácara a fazer a limpeza da piscina.
De acordo com a imprensa local, a Polícia Militar identificou
que havia fios com o isolamento danificado sobre o chão, para
alimentação de uma luminária, e que o jovem pisou sobre eles.
Com o intuito de dar destaque às prescrições mais importantes
sobre essas instalações, registre-se logo de início que a norma
brasileira de instalações elétricas de baixa tensão (ABNT NBR 5410)
aborda com detalhes esse assunto. Em uma seção específica, a
referida norma descreve as características das instalações nesses
locais. O fundamento desses requisitos especiais de segurança
está no fato de a resistência da pele tornar-se extremamente
baixa quando molhada e quase desprezível quando o corpo está
imerso. Dados quantitativos sobre essa característica estão apre-
sentados na especificação técnica internacional IEC TS 60479, que
trata dos efeitos da corrente elétrica no organismo humano. Em
termos qualitativos, essa característica da resistência elétrica do
corpo humano está descrita na NBR 5410, ao incluir esse aspecto
entre as influências externas que afetam as prescrições de uma
instalação elétrica, conforme pode ser observado na tabela 1.
Essa tabela, caracterizando a resistência elétrica do corpo
humano em função da presença da água, é uma das influências
externas previstas na norma para o projeto das instalações.
Cabe ao projetista analisar cada uma das influências externas
previstas, identificar as que se aplicam ao seu projeto e selecionar os requisitos específicos que deverão ser obedecidos. Isso
diz respeito tanto ao aspecto conceitual do projeto quanto à
escolha dos componentes e método de instalação. No caso das
instalações elétricas de piscinas e do seu entorno, identificam-se
claramente nesta tabela os códigos BB3 (condições molhadas) e
BB4 (condições imersas), quanto à utilização.
Essas condições, combinadas com a influência externa de
serem pessoas leigas (frequentadores das piscinas – BA1, BA2)
e em contato contínuo com o potencial da terra (BC4), direcionam o projetista para adotar as medidas de proteção contra
choque elétrico de forma a atender a seção 9.2 da NBR 5410,
que trata especificamente de instalações em piscinas, bem
como do seu anexo C (influências externas e proteção contra
choques elétricos). Antes de apresentar essas medidas de proteção, é importante ficar claro que, mesmo para quem ainda não
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Instalações elétricas em piscinas
Figura 1: Delimitação de volumes em piscinas e lava-pés
tenha tido a oportunidade de realizar projetos ou serviços de
manutenção em instalações dessa natureza, a norma brasileira
apresenta praticamente um passo a passo para que esse projeto
seja realizado de forma a garantir a segurança das pessoas.
Para caracterizar a instalação, a norma considera a existência de
3 volumes, conforme a figura 1, denominando-os de volume 0,1
e 2. O volume 0 corresponde ao interior do reservatório (piscina
ou lava-pés) e os volumes 1 e 2 estão em suas adjacências de
acordo com as distâncias horizontais e verticais especificadas.
Essa mesma figura está presente em diversas normas e até mesmo em legislações específicas de alguns países.
Para os volumes 0 e 1, é admitida apenas a instalação em
extra-baixa tensão, com separação elétrica, em tensão não superior a 12 V, em corrente alternada, e 30 V, em corrente contínua. A norma utiliza a denominação SELV, do inglês “separated
extra low voltage”. E, para o volume 2, caso não seja aplicado
o mesmo tipo de instalação em extra-baixa tensão, admite-se a
instalação em baixa tensão, desde que os circuitos contenham
ligações equipotenciais e estejam protegidos por dispositivos DR
(corrente diferencial residual não superior a 30mA).
Além disso, prescrevem-se os graus de proteção dos componentes
a serem instalados dentro desses volumes, desde as luminárias
subaquáticas até os interruptores e tomadas de corrente, estes,
por exemplo, com pelo menos a proteção contra aspersão de
água (IP X4). Constata-se, então, que nas proximidades da piscina
todos os componentes devem ser específicos, não cabendo em
nenhum caso, interruptores e tomadas de uso geral.
Em todos os acidentes relatados, dispensável é a perícia
para constatarmos que essas prescrições mínimas não foram
observadas. Como a mensagem principal deste artigo é a
preocupação e atenção com os requisitos de segurança, não
entramos em muitos detalhes técnicos sobre as características
especiais dessas instalações, exceções aplicáveis, opções e recursos adicionais. Cabem aos responsáveis técnicos por essas
instalações a consulta e o estudo das normas mencionadas, em
especial da NBR 5410 (instalações elétricas de baixa tensão),
NBR 13570 (instalações elétricas em locais de afluência de público – requisitos específicos), NBR IEC 60529 (graus de proteção
para invólucros de equipamentos elétricos – código IP) e IEC
60598-2-18 (luminárias para piscinas e instalações similares).
Nos últimos anos, aumentou o interesse dos engenheiros eletricistas quanto ao tema da segurança. Boa parte desse interesse
surgiu a partir da revisão da norma regulamentadora do Ministério
do Trabalho e Emprego que trata do assunto, a NR-10. Entretanto,
além de a NR-10 ter por objetivo a prevenção de acidentes do
trabalho, ela não detalha os requisitos técnicos aplicáveis para
garantir a segurança. O seu texto recomenda a obediência às
normas técnicas nacionais ou internacionais.
Compreendendo a lacuna deixada pela regulamentação trabalhista, a ABNT já está trabalhando na elaboração de uma
norma técnica nacional voltada à segurança em eletricidade, tal
qual foi feito em alguns países. Aliás, esse será um dos temas
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Disjuntores residenciais
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Instalações elétricas em piscinas
do ESW Brasil 2011, evento promovido
pelo IEEE a cada dois anos, que será
realizado em São Paulo, em novembro.
Acidentes podem e devem ser evitados, exigindo-se e cumprindo-se as
recomendações técnicas existentes. É
bom saber que as normas técnicas nacionais para as instalações elétricas são
equivalentes às normas internacionais,
portanto a comunidade técnica brasileira
pode ter acesso às melhores práticas
em língua portuguesa, e o cumprimento
dessas recomendações permitirá que o
seu projeto esteja compatível com os
requisitos adotados internacionalmente
para instalações em piscinas. Isso é um
instrumento de proteção para os projetistas, executantes, mantenedores, para
os proprietários e dirigentes de clubes e
hotéis e principalmente para todos nós e
nossos filhos, na condição de frequentadores de piscinas. Entretanto, é preciso
que esses requisitos sejam cumpridos e
que a negligência seja punida de forma
exemplar, para que vidas não permaneçam expostas a riscos desnecessários,
uma vez que as medidas de proteção
existem e são conhecidas.
Ricardo Pereira de Mattos é engenheiro eletricista
e engenheiro de segurança. Atua como professor
de cursos de pós-graduação em engenharia de
segurança do trabalho, no Rio de Janeiro, e mantém
um blog sobre prevenção de acidentes no endereço
www.enderecodaprevencao.blogspot.com.

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