Ministério da Ciência e Tecnologia

Transcrição

Ministério da Ciência e Tecnologia
Ministério da
Ciência e Tecnologia
ÍNDICE
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVIMENTO ................
1
1. INTRODUÇÃO À DISCIPLINA .........................................
3
2. A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA ...............................
11
3. O USO MULTIPLO DA ÁGUA .........................................
23
3.1
3.2
Vantagens do uso múltiplo integrado ...................................
Desvantagens do uso múltiplo integrado ..............................
28
30
4. O MODELO ATUAL DE GESTÃO
DE RECURSOS HÍDRICOS ..............................................
35
5. A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA ..............................
45
5.1
5.2
5.3
5.4
5.5
Custo, Valor e Preço da Água ..............................................
Motivações para a Cobrança ...............................................
Referências para a Cobrança ...............................................
A Determinação do Valor a ser Cobrado ..............................
47
53
54
58
5.4.1 Abordagem da análise custo-Benefício (ACB) ......................
5.4.1.1 Objeções à Análise Custo-Benefício .......................
5.4.1.2 Objeções específicas ao uso da Análise
Custo-Benefício na esfera ambiental ......................
5.4.2 Abordagem Análise Custo-Efetividade (ACE) .......................
58
61
Experiências brasileiras de Cobrança
pelo Uso da Água ................................................................
5.5.1 Estrutura e preços praticados no Estado do Ceará ...............
5.5.2 Estrutura e preços praticados no comitê
de integração da Bacia Hidrográfica
do Paraíba do Sul - CEIVAP ................................................
5.5.3 Estrutura e valores praticados na bacia do
Piracicaba, Capivari e Jundiaí - PCJ ....................................
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
62
62
65
65
67
68
i
6. A SUSTENTABILIDADE HÍDRICA .....................................
75
7. BIBLIOGRAFIA................................................................
81
ii
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
INTRODUÇÃO À DISCIPLINA
Recursos hídricos e desenvolvimento
Jaildo Santos Pereira
Dr. Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, IPH/UFRGS
Valmir de Albuquerque Pedrosa
Dr. Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, IPH/UFRGS
Esta disciplina foi desenvolvida utilizando como material de apoio
os conteúdos elaborados para o Curso de Especialização em Gestão
de Recursos Hídricos UFSC/UFAL, com financiamento do CNPq,
no ano de 2005.
INTRODUÇÃO À
DISCIPLINA
OBJETIVOS DA DISCIPLINA
• Revisar os instrumentos de apoio à implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e discutir sua
inter-relação.
• Discutir sobre a relação direta entre o uso das águas e o
desenvolvimento econômico e social sociedade.
• Apresentar as categorias de demandas e a classificação dos
tipos de uso de água.
• Conceituar o uso múltiplo e apresentar as classes de conflitos
dos usos múltiplos das águas.
• Apresentar conceitos de custo, de valor e de preço da água.
• Apresentar e discutir aspectos da determinação do valor a ser
cobrado pela água.
OBJETIVO DE APRENDIZADO:
Relacionar o desenvolvimento com a Gestão dos recursos
hídricos, compreendendo os conceitos, instrumentos e
métodos existentes para sustentação da Política Nacional
dos Recursos Hídricos.
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
1
INTRODUÇÃO À DISCIPLINA
A disciplina de Recursos Hídricos e Desenvolvimento estrutura-se em 6 capítulos
que tratam dos instrumentos de apoio à implementação da Política Nacional de
Recursos Hídricos, no que diz respeito à construção de caminhos para a
sustentabilidade econômica da gestão das águas no Brasil.
Os 6
•
•
•
•
•
•
capítulos da disciplina Recursos Hídricos e Desenvolvimento
A água como recurso para o desenvolvimento
A água e os tipos de demanda
O uso múltiplo da água
O modelo atual de gestão de recursos hídricos
A cobrança pelo uso da água
A sustentabilidade hídrica
Nos três primeiros capítulos estaremos conceituando os aspectos de demanda e usos
das águas. Nos demais capítulos, explicitaremos o modelo atual de gestão das águas
que está em desenvolvimento no Brasil, detalhando os instrumentos de cobrança da
água, com apresentação de exemplo e considerações críticas.
A disciplina, a partir de sua interação pedagógica com o Curso, também utiliza três
instrumentos de apoio para sua construção de sínteses, de conhecimento teóricoprático e de sistematização dos aprendizados.
Igualmente nesta direção, em cada capítulo você encontrará o tópico final que
destaca os Principais Temas Estudados. Esses elementos de síntese são importantes
guias de apoio à revisão de seus registros e para a sistematização de seu processo de
estudo.
Mais uma vez recordamos que ao final de cada capítulo estão as folhas específicas
para a realização de suas anotações cotidianas de estudo e composição de seu
"Caderno de estudos e práticas".
Bons estudos e boas práticas virtuais!
2
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A ÁGUA COMO RECURSO PARA O DESENVOLVIMENTO
1
A ÁGUA COMO
RECURSO PARA O
DESENVOLVIMENTO
OBJETIVOS DO CAPÍTULO
• Introduzir a temática da gestão dos recursos naturais, em
especial a da água, em relação ao desenvolvimento
econômico.
• Discutir sobre a relação direta entre o uso das águas e o
desenvolvimento econômico e social sociedade.
OBJETIVO DE APRENDIZADO:
Compreender os desafios atuais da implementação da
Gestão de Recursos Hídricos no Brasil.
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
3
A ÁGUA COMO RECURSO PARA O DESENVOLVIMENTO
A oferta de bens naturais, em si, não é suficiente para explicar o grau de
desenvolvimento econômico das regiões. A história está repleta de exemplos de locais
com muita água e baixo desenvolvimento econômico (região amazônica) e também o
contrário (Califórnia nos Estados Unidos da América, Israel, etc.).
No entanto, é notório que para assegurar o desenvolvimento econômico, a oferta de
bens naturais, com grande destaque para a água, é fundamental.
Seja o caso de uma região historicamente rica na oferta desses bens, cuja
preocupação maior será preservar e disciplinar o uso, seja o caso de uma região que
tenha oferta bastante limitada desses bens e cuja preocupação seja voltada para a
ampliação dessa oferta, os temas disponibilidade de recursos naturais e
desenvolvimento econômico vão estar sempre associados.
Nos últimos anos o Brasil, em sintonia com as preocupações mundiais, tem envidado
grandes esforços para melhor cuidar de seus recursos naturais e da água, mais em
particular, e, assim, buscar assegurar o desenvolvimento sustentável para todo seu
território.
Figura 1.1
4
Revitalização do Córrego Vila Velha, localizado no município de Luz/
MG, 2008.
Fonte: Ione Lamounier, Banco de Imagens ANA.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A ÁGUA COMO RECURSO PARA O DESENVOLVIMENTO
É neste contexto, como já estudado anteriormente, que foi definida a Política Nacional
e instituído o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que prima,
entre outras coisas, por assegurar à atual e às futuras gerações a necessária
disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos
(Lei 9.433, de 08 de janeiro de 1997).
No entanto, apesar da própria legislação estabelecer, em suas diretrizes gerais de ação
para implementação da política, que deve ser considerada a adequação da gestão de
recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e
culturais das diversas regiões do País, existem, pelo menos dúvidas, se o arcabouço
institucional e os instrumentos previstos na referida legislação são convenientes e/ou
adequados para todas as regiões do País.
Alguns especialistas defendem que o atual modelo de gerenciamento de recursos
hídricos é adequado para as características das regiões do Centro-Sul e duvidam de
que este possa ser aplicado às regiões com as particularidades da Amazônia ou
mesmo do Semiárido brasileiro.
O semiárido brasileiro é cortado por várias bacias, sendo a principal a do rio São
Francisco, que nasce na serra da Canastra (MG) e atravessa 2.700 km em sete
Estados. Esta rede, no entanto, é muito frágil, pois a maioria dos afluentes que a
compõem são intermitentes tornando o aspecto de oferta de água dramático para
uma área densamente povoada.
Além do aspecto quantitativo, pouco se conhece sobre as características físicas e
químicas das águas do semiárido, da flora e da fauna associadas e, especialmente, as
maneiras de utilização sustentada desses recursos. Vale ainda observar que a maioria
dos rios da região perdeu praticamente todas suas matas ciliares e, em consequência,
encontra-se em estágio avançado de assoreamento.
LIGANDO AS IDEIAS
Qual é a contribuição da água para o desenvolvimento econômico de seu município
ou região?
Procure identificar as principais contribuições e anote as informações e suas
considerações no "Caderno de Estudo e Práticas".
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
5
A ÁGUA COMO RECURSO PARA O DESENVOLVIMENTO
Figura 1.2
Recursos hídricos do Alto Rio São Francisco, 2004.
Fonte: Paulo Virgílio Moreira Monteiro, Banco de Imagens ANA.
Muitos rios, cujas áreas coletoras encontram-se em zonas de mineração, possuem
risco de poluição por metais pesados, como é o caso, por exemplo, do rio de Contas,
na Bahia.
Nesta disciplina estaremos estudando e discutindo os marcos legais e os
institucionais que de alguma forma poderão contribuir para a construção da relação
entre os recursos hídricos, sua gestão e o desenvolvimento da sociedade brasileira.
6
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A ÁGUA COMO RECURSO PARA O DESENVOLVIMENTO
D E S TAQ U E S D O S T E M A S E S T U DA D O S
1.- A oferta de bens naturais, em si, não é suficiente para explicar o grau de
desenvolvimento econômico das regiões.
2.- Nos últimos anos o Brasil tem realizado esforços para cuidar de seus
recursos naturais e da água, visando assegurar o desenvolvimento
sustentável para todo seu território.
3.- Embora as diretrizes gerais da legislação brasileira de recursos hídricos
possuam em suas diretrizes a orientação para que seja considerada a
adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades regional
(ambiental, social e econômica), existem dúvidas se o arcabouço
institucional e os instrumentos previstos são suficientes para atender às
especificidades de todas as regiões do Brasil.
4.- Alguns especialistas defendem que o atual modelo de gerenciamento é
adequado para as características das regiões do Centro-Sul, mas duvidam
de que possa ser aplicado às regiões da Amazônia e/ou ao Semiárido
brasileiro.
CONSTRUINDO CONCEITOS
Depois de ler este texto de introdução, procure refletir sobre a realidade de seu
município, ou região, no que diz respeito à relação que existe entre os recursos
naturais e o desenvolvimento local.
Organize suas reflexões e anote no "Caderno de estudos e práticas".
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
7
A ÁGUA COMO RECURSO PARA O DESENVOLVIMENTO
8
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
CADERNO DE ESTUDO
E PRÁTICAS
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
9
A ÁGUA COMO RECURSO PARA O DESENVOLVIMENTO
10
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
2
A ÁGUA E OS TIPOS DE
DEMANDA
OBJETIVOS DO CAPÍTULO
• Apresentar as categorias de demandas de água.
• Apresentar a classificação dos tipos de uso da água.
• Inter-relacionar as categorias de demanda e os tipos de uso
da água.
OBJETIVO DE APRENDIZADO:
Conhecer as diferentes categorias de demandas e seus
tipos de usos da água para compreender os desafios e
limites da tomada de decisão na aplicação dos
instrumentos para gestão das águas.
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
11
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
As demandas relacionadas às águas são intensificadas com o desenvolvimento da
sociedade, tanto no que se refere ao aumento da quantidade exigida para
determinada utilização, quanto no que se refere à variedade dessas utilizações.
Originalmente, a água era usada principalmente para dessedentação e outros usos
domésticos, criação de animais e outros usos agrícolas a partir da chuva e, menos
frequentemente, com suprimento irrigado.
Na medida em que a civilização se desenvolveu, outros tipos de necessidades foram
surgindo, disputando águas muitas vezes escassas e estabelecendo conflitos entre
usuários.
Segundo as Nações Unidas (1976), essas categorias de demandas de água estão
inseridas em três grandes classes:
• a infraestrutura social: refere-se às demandas gerais da sociedade nas quais a água é
um bem de consumo final;
São exemplos das demandas gerais da sociedade por água: a dessedentação de
animais, a navegação, os usos domésticos, o uso para recreação e os usos públicos.
Figura 2.3
12
Demanda de água para a infraestrutura social: abastecimento de
água. PROÁGUA - Mossoró/RN, 2006.
Fonte: Eraldo Peres, Banco de Imagens ANA.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
• a agricultura e a aquicultura: referem-se às demandas de água como bem de
consumo intermediário visando à criação de condições ambientais adequadas para o
desenvolvimento de espécies animais ou vegetais de interesse para a sociedade;
São exemplos das demandas de água como bem de consumo intermediário: a
agricultura, a piscicultura, a pecuária, o uso de estuários, a irrigação e a conservação
de banhados.
• a industrial: demandas para atividades de processamento industrial e energético nas
quais a água entra como bem de consumo intermediário.
São exemplos das demandas para atividades de processamento industrial: o uso para
o arrefecimento de processos com geração de calor, a mineração, a hidroeletricidade,
o processamento industrial, a termoeletricidade e o transporte hidráulico.
Figura 2.4
Demanda de água na agricultura e na aquicultura: Piscicultura em
tanques-rede nos açudes públicos Pereira de Miranda, em Pentecoste
e, Ayres de Souza, em Jaibaras, 2006.
Fonte: Viviane dos Santos Brandão, Banco de Imagens ANA.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
13
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
Se observarmos essas demandas quanto à natureza de sua utilização, poderemos
destacar três possibilidades:
• seu uso consuntivo: refere-se aos usos que retiram a água de sua fonte natural
diminuindo suas disponibilidades quantitativas, espacial e temporalmente.
Exemplos de USO CONSUNTIVO da água: a dessedentação de animais e o uso para
fins domésticos, a agricultura, a pecuária, a irrigação, o arrefecimento de processos
com geração de calor, a termoeletricidade e transporte hidráulico.
• seu uso não-consuntivo: refere-se aos usos que retornam à fonte de suprimento,
praticamente a totalidade da água utilizada, podendo haver alguma modificação no
seu padrão temporal de disponibilidade quantitativa.
Exemplos de USO NÃO-CONSUNTIVO da água: a navegação, a recreação, a
piscicultura, a mineração e o transporte, diluição e depuração de efluentes.
• seu uso local: refere-se aos usos que aproveitam a disponibilidade de água em sua
fonte sem qualquer modificação relevante, temporal ou espacial, de disponibilidade
quantitativa.
A conservação de banhados é um exemplo de USO LOCAL da água.
LIGANDO AS IDEIAS
Qual é a natureza de utilização da água mais importante em seu município?
Faça um breve levantamento e anote as informações e suas considerações no
"Caderno de Estudo e Práticas".
Na Tabela 1.1 apresenta-se uma síntese das principais categorias de demandas de
água e a natureza de seu uso.
14
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
CATEGORIAS
DEMANDAS
NATUREZA DO USO
Infraestrutura social
- dessedentação;
- navegação;
- usos domésticos;
- recreação;
- usos públicos;
- amenidades.
-
consuntivo;
não-consuntivo;
consuntivo;
não-consuntivo;
ambos;
não-consuntivo.
Agricultura e aquicultura
- agricultura;
- piscicultura;
- pecuária;
- uso de estuários;
- irrigação;
- conservação de banhados.
-
consuntivo;
não-consuntivo;
consuntivo;
não-consuntivo e local;
consuntivo;
local.
Industrial
- arrefecimento;
- mineração;
- hidroeletricidade;
- processamento industrial;
- termoeletricidade;
- transporte hidráulico.
-
consuntivo;
não-consuntivo;
não-consuntivo;
consuntivo;
consuntivo;
consuntivo.
Em todas as categorias acima
- transporte, diluição e depuração
de efluentes.
- não-consuntivo.
Proteção (Preservação,
Conservação e Recuperação).
- consideração de valores de opção
- não-consuntivo e local.
de uso, de existência ou intrínseco.
Tabela 1.1
Principais categorias de demandas de água. Adaptado de Nações
Unidas (1976).
Cada uma dessas demandas de água possui peculiaridade própria. Esse fato irá exigir
tratamentos diferenciados para a gestão dessa água, seja por aspectos ligados a sua
quantidade ou a sua qualidade.
A demanda da navegação relaciona-se aos sistemas hidroviários. Estes sistemas têm
por objetivo permitir o transporte fluvial. A capacidade de transporte é técnica e
economicamente estabelecida pela largura do canal de navegação e, principalmente,
pela sua profundidade.
Para atender às demandas da navegação, a largura e profundidade natural dos rios
podem ser ampliadas por dragagens e derrocamentos do leito dos rios.
Como o regime de vazões dos rios é variável, a profundidade em cada seção fluvial
varia ao longo do tempo, sendo crítica durante a estiagem. Para aumentá-la pode-se
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
15
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
implantar a montante da seção crítica reservatórios de regularização, visando ao
aumento das vazões de estiagem.
Outra alternativa é a construção de barragens de navegação a jusante da seção crítica,
objetivando elevar o nível de água. Ambas as obras exigem a construção de eclusas de
navegação para permitir que os barcos as ultrapassem.
A qualidade das águas não é relevante para as demandas da navegação.
Já no caso de recreação e amenidades ambientais a qualidade das águas é tão ou
mais importante que a quantidade. Mesmo nas situações em que não haja contato
direto, como na apreciação cênica, as exigências qualitativas são muito estritas.
Figura 2.5
Reservatório em Santa Maria da Serra/SP, 2007.
Fonte: Tomás May, Banco de Imagens ANA
As demandas de água na agricultura e pecuária ocorrem em estabelecimentos rurais,
podendo determinar a implantação de pequenos sistemas de abastecimento com
nenhum ou com sistema de tratamento simplificado.
A quantificação da demanda pode ser realizada em função da intensidade da
atividade agrícola, número de pessoas envolvidas e de cabeças de gado.
16
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
A irrigação é estabelecida para suplementar a disponibilização natural de água para
os cultivos, realizada pelas chuvas. Em regiões áridas ou semiáridas a irrigação pode
ser a única fonte hídrica na estação de cultivo.
O dimensionamento das demandas de água para irrigação é um processo complexo
que exige a realização de balanços hidroagrícolas que levam em consideração o
clima, o solo, as culturas, métodos de irrigação e área cultivada. Devido às grandes
demandas resultantes não é, em geral, economicamente eficiente cogitar-se o
tratamento de água.
A piscicultura, o uso de estuários e a preservação de pântanos e banhados
correspondem aos usos não-consuntivo e local, nos quais são criadas ou preservadas
condições para o desenvolvimento de espécies com valor comercial.
No caso de piscicultura, pode ser explorado o ambiente natural, ou implantado lago
ou tanque de peixes que reproduza as condições ideais.
O uso de estuários aproveita as condições especiais do contato entre água doce e
salgada. A preservação de pântanos ou banhados visa à manutenção da
diversidade biológica destes ambientes para propiciar o desenvolvimento de espécies
de interesse econômico.
A demanda industrial da água decorre de seu aproveitamento para arrefecimento de
processos com geração de calor, como fonte de energia hidráulica ou para geração de
vapor com altas pressões, objetivando a geração de energia elétrica, como elemento
de desagregação ou diluição de partículas minerais, como insumo de processo
industrial e, finalmente, como meio fluido para transporte.
Com exceção da geração de energia em hidrelétricas, existe comprometimento de
água no processo, seja por evaporação ou por diluição de substâncias, que fazem
consuntivos os usos industriais por tornarem a disponibilidade quantitativa reduzida
ou a qualitativa degradada. A demanda hídrica depende da produção.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
17
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
As restrições qualitativas podem estar presentes nos processos de arrefecimento e
geração de vapor, e quando a água entra como insumo de processo industrial.
Em grande parte das atividades humanas e, especificamente, naquelas que usam a
água, existe a geração de resíduos. A água pode ser usada como meio de transporte
destes resíduos, e para suas diluições e depurações. Nestes processos de depuração a
água entra como veículo para substâncias como o oxigênio, fundamental para o
desenvolvimento de microorganismos aeróbicos, que transformam os resíduos em
substâncias estáveis.
Figura 2.6
18
Usos da água. PROÁGUA. Águas Vermelhas/MG, 2006.
Fonte: Eraldo Peres, Banco de Imagens ANA
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
D E S TAQ U E S D O S T E M A S E S T U DA D O S
1.- As demandas relacionadas às águas são intensificadas com o
desenvolvimento, tanto no que se refere ao aumento da quantidade quanto
à variedade dessas utilizações.
2.- As categorias de demandas de água estão inseridas em três classes: a
infraestrutura social, a agricultura e a aquicultura e a industrial.
3.- São classificados três tipos de uso: o uso consuntivo, o não-consuntivo e o
uso local.
4.- Para cada categoria de demanda existe uma particularidade quanto ao seu
uso, tanto pela quantidade quanto pela qualidade.
5.- A qualidade das águas não é relevante para as demandas da navegação.
6.- Para a recreação e amenidades ambientais, a qualidade das águas é
fundamental.
7.- Na demanda industrial por água, as restrições qualitativas podem estar
presentes nos processos de arrefecimento e geração de vapor, e quando a
água entra como insumo de processo industrial.
CONSTRUINDO CONCEITOS
Faça a revisão de seus aprendizados na disciplina e realize a seguinte
atividade:
Identifique as demandas mais importantes de água em sua região
categorizando-as quanto à natureza dos usos predominantes.
Faça um breve levantamento e classifique os resultados relacionando as
demandas de água e as naturezas de seus usos. Construa um quadro como o
apresentado na tabela 1.1 e registre suas considerações em seu "Caderno de
estudos e práticas".
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
19
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
20
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
CADERNO DE ESTUDO
E PRÁTICAS
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
21
A ÁGUA E OS TIPOS DE DEMANDA
22
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
3
O USO MÚLTIPLO DA
ÁGUA
OBJETIVOS DO CAPÍTULO
• Apresentar as classes de conflitos dos usos múltiplos das
águas.
• Conceituar o uso múltiplo integrado das águas.
• Discutir sobre as vantagens e desvantagens do uso múltiplo
integrado das águas.
OBJETIVO DE APRENDIZADO:
Compreender os desafios de implementação e gestão do
uso múltiplo integrado das águas no contexto das
demandas hídricas da sociedade em constante
desenvolvimento e da gestão desse recurso natural.
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
23
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
No passado, as pequenas necessidades hídricas podiam ser atendidas pelas
disponibilidades naturais sem maiores investimentos que aqueles necessários para a
captação da água. De uma forma geral, o desenvolvimento social e econômico foi
mais intenso nas regiões de relativa abundância de água. O aumento populacional
associado ao desenvolvimento econômico acabou por reduzir as disponibilidades de
água em alguns locais. Por outro lado, tornaram atraentes outras regiões carentes de
água e esse fato acabou exigindo maiores investimentos para obtê-la.
Na sociedade moderna, ampliou-se consideravelmente a diversidade de usos das
águas.
O quadro tornou-se complexo com o aparecimento de demandas conflitantes.
O fato é que nas regiões industrializadas, de exploração mineral e/ou de maior
concentração populacional, ocorre um processo mais intenso de degradação das
águas, o que acaba por estabelecer conflitos com usuários que necessitem condições
qualitativas adequadas aos seus usos. As disponibilidades de água podem ser
inicialmente aproveitadas para o suprimento de demandas singulares através de
projetos que visem ao atendimento de um único propósito. Por exemplo, uma região
na qual é estabelecido um projeto de agricultura irrigada. Devido ao efeito
multiplicador destes projetos, é possível que, após algum tempo, haja necessidade de
satisfação de diversas demandas hídricas de outras naturezas, induzidas pelo projeto
inicial.
O abastecimento doméstico, a navegação, o controle de cheias, de estiagem e da
poluição são exemplos da diversificação da demanda hídrica no caso do projeto de
agricultura irrigada.
Logo, em um estágio mais avançado de desenvolvimento local, existirão pressões
para que o sistema seja utilizado atendendo a múltiplos propósitos. Isso não impede,
porém, que um projeto pioneiro de desenvolvimento regional contemple, desde o
início, diversos usos.
LIGANDO AS IDEIAS
Quais são as pressões para o uso múltiplo da água que você pode identificar em seu
município ou região?
Faça um breve levantamento sobre essa questão e registre no seu "Caderno de
Estudo e Práticas".
24
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
Por exemplo, um projeto de irrigação que preveja uma via navegável para escoamento
da produção, uma pequena hidrelétrica para fornecer energia para as bombas de
recalque, um parque industrial, de primeira geração, para processar a produção
agrícola. Isso tudo, sem esquecer o abastecimento doméstico de água e energia
elétrica aos agricultores.
Mais rotineiramente, no entanto, e por vício de estruturas institucionais organizadas
por setores da economia, as diversas finalidades poderão ser contempladas
independentemente por sistemas de recursos hídricos não integrados.
Figura 3.7
Plantação de cana e irrigação de lavoura em Campinas/SP, 2007.
Fonte: Tomás May, Banco de Imagens ANA.
No caso que estamos usando como exemplo, o setor energético implementaria suas
hidrelétricas, o agrícola seus distritos de irrigação, o de transporte suas hidrovias, e
assim por diante.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
25
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
A operação desses sistemas não-integrados será desenvolvida sem contratempos até
um estágio de utilização intensificada em que serão estabelecidos conflitos entre os
diversos usos da água.
Nesta situação de conflito surgirá a necessidade de harmonização dos diversos usos e
sistemas, seja por regulamentações, seja pela expansão da oferta, já em uma base de
gerenciamento integrado, de forma a ampliar ou adequar as disponibilidades
hídricas com as diversas demandas.
Os conflitos de uso das águas podem ser classificados como:
• Conflitos de destinação de uso: esta situação ocorre quando a água é utilizada para
destinações outras que não aquelas estabelecidas por decisões políticas,
fundamentadas ou não em anseios sociais, que as reservariam para o atendimento de
necessidades sociais, ambientais e econômicas; por exemplo, a retirada de água de
reserva ecológica para a irrigação.
• Conflitos de disponibilidade qualitativa: situação típica de uso em corpos de água
poluídos.
• Conflitos de disponibilidade quantitativa: situação decorrente do esgotamento da
disponibilidade quantitativa devido ao uso intensivo.
Existe um aspecto vicioso nestes conflitos, pois o consumo excessivo reduz a vazão de
estiagem deteriorando a qualidade das águas já comprometidas pelo lançamento de
poluentes. Esta deterioração, por sua vez, torna a água ainda mais inadequada para
consumo.
Veja os exemplos:
1. O uso intensivo de água para irrigação impedindo outro usuário de captá-la,
ocasionando em alguns casos esgotamento das reservas hídricas.
2. Este conflito pode ocorrer também entre dois usos não-consuntivos: operação
de hidrelétrica estabelecendo flutuações nos níveis de água acarretando
prejuízos à navegação.
Em conjunto com esses conflitos podem ocorrer incrementos das demandas hídricas
devido ao aumento populacional, agravando o problema de abastecimento,
particularmente nas regiões semiáridas.
26
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
Outro problema que podemos identificar, é o controle de inundações que se tornou
imperativo nas regiões que sofreram o efeito simultâneo da urbanização não
planejada (com impermeabilização do solo e invasão do leito maior dos rios), e do
manejo do solo não adequado, que provoca o assoreamento dos cursos de água.
O estágio de apropriação dos recursos hídricos no Brasil atingiu um nível em que
conflitos de uso são fartamente detectados nas regiões mais desenvolvidas ou nas
mais carentes de água.
É importante ressaltar que, além daqueles conflitos relacionados com a qualidade de
água, notados que nas bacias urbanizadas e industrializadas, existem também
conflitos quantitativos.
Na bacia hidrográfica do rio São Francisco, por exemplo, ocorrem problemas dessa
natureza entre a geração de energia e a irrigação, entre a geração de energia e a
navegação, etc. Mais recentemente, a bacia hidrográfica do rio Paraguaçu, onde está
instalada a barragem de Pedra do Cavalo, tem sido palco de conflitos entre a geração
de energia e o abastecimento doméstico, entre a geração de energia e o setor da
pesca.
Conclui-se que o uso múltiplo das águas pode ser uma opção inicial, mas é também
uma consequência natural do desenvolvimento econômico e social. A integração
harmônica destes usos é a opção existente e que se coloca como alternativa para os
conflitos entre usuários.
Figura 3.8
A água como meio de transporte cotidiano. Amazônia, Bacia
Amazônica, 2006.
Fonte: Autor desconhecido, Banco de Imagens ANA.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
27
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
3.1
VANTAGENS DO USO MÚLTIPLO
INTEGRADO
Ao implantar ou expandir um sistema de recursos hídricos com atendimento
integrado a múltiplos usos a capacidade final do sistema pode não ser,
necessariamente, igual à soma das capacidades individuais daqueles sistemas, que
seriam projetados para atender a um único uso cada um.
GESTÃO INTEGRADA DE RECURSOS HÍDRICOS
A gestão integrada de recursos hídricos é um processo que promove o
desenvolvimento e gestão coordenados da água, solo e recursos relacionados, com o
objetivo de maximizar o bem-estar econômico e social resultante de uma forma
equitativa sem comprometer a sustentabilidade de ecossistemas vitais (GWP, 2000).
Isso decorre da própria natureza das demandas hídricas. Com frequência, o padrão
diário ou sazonal da demanda de um tipo de uso pode ser tal que o sistema de
suprimento trabalhe com folga em determinados períodos. Durante estes períodos
pode ser previsto, sem qualquer expansão, o atendimento a outro uso.
EXEMPLO
Suponha que um sistema dever abastecer de água um distrito de agricultura irrigada.
Apenas durante certos períodos do ano ocorrem déficits agrícolas que necessitem ser
atenuados pela irrigação. O sistema estaria sem uso no restante do tempo. Seria
possível, neste caso, prever um uso alternativo nestes períodos de ociosidade. Deve ser
notado, porém, que o sistema de abastecimento agrícola, durante o período sem uso,
pode estar na fase de formação de reservas hídricas essenciais para garantir o
abastecimento futuro. Não há nesta situação possibilidade de se dar um uso
alternativo à água em acumulação.
Outro tipo de possibilidade ocorre quando a captação e retorno de água destinada a
um uso não-consuntivo se faça de forma a permitir o seu uso alternativo. Neste caso
não existirão conflitos e o sistema pode atender a ambos os usos sem aumento de
capacidade. Porém, na medida em que os padrões temporais das demandas hídricas
alternativas não sejam coincidentes entre si e com o padrão temporal das
disponibilidades, pode haver conflitos.
28
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
EXEMPLO
Suponha que um sistema seja composto por um reservatório que ajusta o padrão
temporal da disponibilidade com o padrão temporal da demanda hídrica para a
geração de energia elétrica, um uso não-consuntivo. Caso se pretenda incluir o
atendimento ao abastecimento agrícola, o padrão temporal da demanda agrícola
dever ser sintonizado com o da demanda de energia elétrica. Em outras palavras, a
demanda de energia em qualquer instante deve exigir um turbinamento de água cujo
volume seja pelo menos igual à demanda agrícola. Na situação em que isso não
ocorra, o atendimento ao abastecimento agrícola pode ser feito apenas de forma
parcial.
A promoção do uso conjunto sem expansão de sistemas de recursos hídricos pode
ser referida como compartilhamento do sistema. No exemplo apresentado, o
compartilhamento foi realizado sobre a própria descarga hídrica. Em outros casos
poder haver o compartilhamento das estruturas.
EXEMPLO
Um reservatório dever ter um vertedor para escoar grandes cheias. A dimensão do
vertedor depende da hidrologia da bacia de drenagem e não da capacidade do
reservatório atender a uma dada demanda hídrica. Assim, seja para promover o
atendimento a uma demanda singular ou a várias demandas, o vertedor terá a mesma
dimensão e possivelmente o mesmo custo. Ao serem agregadas ao sistema diversas
demandas, o custo deste vertedor poder ser rateado entre elas.
A segunda vantagem do uso múltiplo integrado está na economia de escala captada
na implantação do sistema. Essa economia ocorre quando os custos de investimento,
operação e manutenção por unidade da dimensão do projeto, diminuem com a
dimensão total. Isso faz com que a construção de um projeto que atenda a vários usos
seja mais vantajosa do que se construir vários projetos isolados que atendam a usos
singulares.
Esta vantagem de projeto é obtida em função de outro tipo de compartilhamento
decorrente da obtenção de uma maior produtividade do trabalho, por meio da
especialização, da maior diluição dos custos fixos que independem do número de
usuários e de um maior poder de barganha com a aquisição de grandes quantidades
de insumos.
Como este efeito decorre da escala maior do empreendimento, ele é denominado
economia de escala.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
29
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
3.2
DESVANTAGENS DO USO MÚLTIPLO
INTEGRADO
As desvantagens do uso múltiplo integrado dos recursos hídricos são de caráter
gerencial.
O compartilhamento dos recursos hídricos por diversos usuários dever exigir o
estabelecimento de regras operacionais frequentemente complexas para que a
apropriação da água seja realizada de forma harmônica. Além disso, haverá
necessidade de centralização das decisões, com a possibilidade de serem estabelecidas
entidades multissetoriais de porte considerável e difícil administração. Ou a previsão
da articulação das políticas de entidades setoriais, através, por exemplo, de colegiados
administrativos.
Em uma administração pública grandemente centralizada e organizada por setores
econômicos, a constituição destes tipos de arranjos apresenta grandes dificuldades
políticas e institucionais.
Não obstante, neste aspecto é importante frisar que o uso múltiplo dos recursos
hídricos não é uma opção que faz o planejador, mas sim uma realidade que ele
enfrenta com o desenvolvimento econômico e social.
As alternativas existentes são integrar estes usos de uma forma harmônica, em que
pese a complexidade da administração, ou deixá-los de uma forma desarticulada
enfrentando, como consequência, conflitos entre os usuários que comprometerão a
eficiência do uso.
A integração dos usos múltiplos da água de forma harmônica é uma alternativa para
enfrentamento dos conflitos entre seus usuários e uma opção, administrativa, técnica
e de planejamento para enfrentar os possíveis comprometimentos à eficiência do uso
desse recurso natural.
30
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
D E S TAQ U E S D O S T E M A S E S T U DA D O S
1.- A sociedade moderna ampliou consideravelmente a diversidade de usos das
águas (os usos múltiplos) que podem entrar em conflito de uso.
2.- Pelo efeito multiplicador de projetos de fomentos ao desenvolvimento é
possível que se crie novas demandas hídricas no espaço local.
3.- Pelas práticas viciadas de ação setorial, as diversas finalidades de uso da
água poderão ser contempladas independentemente por sistemas de
recursos hídricos não integrados, acirrando os possíveis conflitos de uso.
4.- Os tipos de conflito gerados pelo uso múltiplo das águas são: os conflitos de
destinação de uso; os conflitos de disponibilidade qualitativa e os conflitos
de disponibilidade quantitativa.
5.- A integração harmônica destes usos é a opção existente e que se coloca
como alternativa para os conflitos entre usuários.
6.- São vantagens do uso múltiplo integrado: uso conjunto da água em seus
diversos usos sem necessidade de expansão de sistemas de recursos hídricos
e a economia de escala quanto aos custos de investimento, aos de operação
e aos de manutenção.
7.- Na economia de escala em projetos de uso múltiplo integrado, se incluem o
aumento da produtividade do trabalho, por meio da especialização, a maior
diluição dos custos fixos e um maior poder de barganha com a aquisição de
grandes quantidades de insumos.
8.- As desvantagens do uso múltiplo integrado dos recursos hídricos são de
caráter gerencial.
9.- O uso múltiplo dos recursos hídricos não é uma opção que poderá ou não
fazer o planejador, mas sim uma realidade que ele enfrenta na gestão dos
recursos hídricos em uma situação de desenvolvimento econômico e social.
CONSTRUINDO CONCEITOS
Faça a revisão de seus aprendizados na disciplina e realize a seguinte
atividade:
Reveja seu levantamento sobre as demandas de água e as naturezas de
seus usos em sua região e identifique os possíveis conflitos de uso
classificando-os em: conflitos de destinação de uso, conflitos de disponibilidade
qualitativa e conflitos de disponibilidade quantitativa.
Registre essa atividade em seu "Caderno de estudos e práticas" e
compartilhe com seus colegas no fórum da disciplina.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
31
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
32
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
CADERNO DE ESTUDO
E PRÁTICAS
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
33
O USO M LTIPLO DA ÁGUA
34
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
O MODELO ATUAL DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
4
O MODELO ATUAL DE
GESTÃO DE RECURSOS
HÍDRICOS
OBJETIVOS DO CAPÍTULO
• Revisar os instrumentos de apoio à implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e discutir sua
inter-relação.
• Apresentar a composição do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos – SINGREH e discutir
sobre seu papel na PNRH.
• Discutir o papel do Plano de Bacia da qualificação do
SINGREH e da PNRH.
OBJETIVO DE APRENDIZADO:
Refletir sobre a importância da integração dos
instrumentos da PNRH como elementos de apoio à
efetivação da Gestão de Recursos Hídricos no Brasil.
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
35
O MODELO ATUAL DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
Para trabalharmos sobre o modelo de gestão de Recursos hídricos no Brasil, é
necessário retomar as bases que instituíram a Política Nacional de Recursos Hídricos
- PNRH, instituída pela Lei 9.433/97.
Conforme já estudado, a PNRH tem como objetivos:
- assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água em
padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
- a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte
aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; e
- a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou
decorrente do uso inadequado dos recursos naturais.
Da mesma forma, vemos nessa breve revisão que a Lei 9.433/97 definiu, em seu Art.
33, um ordenamento institucional para a gestão compartilhada do uso da água – O
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SINGREH, do qual
fazem parte:
- o Conselho Nacional de Recursos Hídricos;
- a Agência Nacional de Águas;
- os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;
- os Comitês de Bacia Hidrográfica;
- os órgãos dos poderes públicos federais, estaduais e municipais, cujas competências
se relacionem com a gestão de recursos hídricos;
- as Agências de Água; e
- as organizações civis de recursos hídricos.
A Agência Nacional de Águas - ANA foi incluída no Sistema quando de sua criação em
2000 pela Lei nº 9.984/00, tendo como competência a implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos.
Na Figura 4.1, ilustramos a estrutura dessa composição do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos – SINGREH.
36
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
O MODELO ATUAL DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
Figura 4.1
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos SINGREH.
Sabemos ainda que, para os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos
serem alcançados, a Lei 9.433/97 define, em seu Art. 5, seis instrumentos:
• os Planos de Recursos Hídricos (Plano de Bacia);
• o Enquadramento dos corpos de água em classes, segundo seus usos preponderantes;
• a Outorga dos direitos de uso de recursos hídricos;
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
37
O MODELO ATUAL DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
• a Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos;
• a Compensação a Municípios; e
• o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos - SNIRH.
A Figura 4.2 apresenta os instrumentos previstos na Política Nacional de Recursos
Hídricos, bem como suas inter-relações.
Figura 4.2
Os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos.
No esquema acima pode-se perceber que o Sistema Nacional de Informações de
Recursos Hídricos – SNIRH fornecerá as informações fundamentais para o
desenvolvimento dos Planos de Recursos Hídricos e, por sua vez, à medida que os
Planos são implementados, haverá alimentação de informações no SNIRH.
Nesse sentido, parece que o legislador, ao colocar o SIRH como o último da lista dos
instrumentos (Art. 5, VI), cometeu um equívoco.
O Plano de Recursos Hídricos (Planos de Bacia), assim como o SNIRH é um
instrumento fundamental na implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos.
Conforme estabelece a própria Lei 9.433/97, esses são planos diretores que visam
fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional do setor e o
gerenciamento dos recursos hídricos. Estes são planos de longo prazo, com horizonte
38
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
O MODELO ATUAL DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e
projetos.
Em sua estruturação, o Plano de Recursos Hídricos deverá ter, entre outros temas, o
seguinte conteúdo mínimo:
- metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade
dos recursos hídricos disponíveis;
- prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos; e
- diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.
Com este escopo, o Plano de Bacia é um documento estratégico. O Plano deverá
traduzir, sob a forma de metas quantitativas e qualitativas, os objetivos que a
sociedade da bacia pretende alcançar. E, será com base nesses objetivos que se
definirá como o enquadramento, a outorga e a cobrança serão aplicados.
Neste contexto de planejamento, é mister, que todos os instrumentos previstos na
Política Nacional sejam utilizados em conjunto, uma vez que existe uma forte
ligação entre eles.
A integração dos instrumentos permitirá que os objetivos da Política Nacional de
Recursos Hídricos sejam alcançados.
Entende-se que a aplicação dos instrumentos da Política de Recursos Hídricos,
dentro dos parâmetros propostos de gestão descentralizada com a participação do
Poder Público, dos usuários e das comunidades, deverá contribuir para a mudança
de comportamento da sociedade, promovendo um aumento da conscientização de
que a água é um bem precioso, limitado e dotado de valor econômico e social.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
39
O MODELO ATUAL DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
Figura 4.3
Mobilização social na bacia Rio Verde Grande - MG/BA.
Fonte: SANTOS, 2004.
Por outro lado, a utilização dos instrumentos promoverá a proteção do meio
ambiente e do capital natural, colaborará para mitigar os conflitos pelo uso da água,
criando condições para que o desenvolvimento sustentável, no âmbito da bacia
hidrográfica, seja assegurado.
LIGANDO AS IDEIAS
Para saber mais sobre o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
visite os sítios na INTERNET da Agência Nacional de Águas (www.ana.gov.br), da
Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio
Ambiente (www.mma.gov.br).
40
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
O MODELO ATUAL DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
D E S TAQ U E S D O S T E M A S E S T U DA D O S
1.- São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: os Planos de
Recursos Hídricos; o Enquadramento dos corpos de água; a Outorga dos
direitos de uso de recursos hídricos; a Cobrança pelo Uso de Recursos
Hídricos; a Compensação a Municípios; e o Sistema Nacional de
Informações sobre Recursos Hídricos - SNIRH.
2.- Fazem parte do SINGREH: o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; a
Agência Nacional de Águas; os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados
e do Distrito Federal; os Comitês de Bacia Hidrográfica; os órgãos dos
poderes públicos federais, estaduais e municipais, relacionados com a
gestão de recursos hídricos; as Agências de Água; e as organizações civis de
recursos hídricos.
3.- O SNIRH fornece informações fundamentais para o desenvolvimento dos
Planos de Recursos Hídricos (Plano de Bacia) e esses Planos alimentam o
SNIRH na medida em que são implementados.
4.- Os Planos de Bacia são planos diretores que fundamentam e orientam a
implementação da PNRH e o gerenciamento dos recursos hídricos sendo
planos de longo prazo, com um horizonte de planejamento condizente com
a implantação de seus programas e projetos.
5.- O escopo mínimo de um Plano de bacia contém: metas de racionalização de
uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos
disponíveis; prioridades para outorga de direitos de uso de recursos
hídricos; e diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos
hídricos.
6.- A aplicação dos instrumentos, dentro dos parâmetros propostos de gestão
descentralizada e participativa, deverá contribuir para a mudança de
comportamento da sociedade.
CONSTRUINDO CONCEITOS
Na biblioteca da disciplina, no Campus Virtual, há um documento que
apresenta os termos de referência para a elaboração do Plano de Recursos
Hídricos da Bacia do Rio Verde Grande.
Como atividade de revisão deste capítulo, leia este documento e analise como
está estruturado esse termo de referência.
Essa bacia drena uma área aproximada de 31.000 km2, sendo que desse total
87% pertencem ao Estado de Minas Gerais e o restante, 13%, ao Estado da Bahia.
Conheça detalhes da caracterização dessa bacia visitando o endereço: http://
www.ana.gov.br/cbhverdegrande/Bacia/caracterizacao.asp
Não se esqueça de anotar suas ideias e reflexões no "Caderno de estudos e
práticas".
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
41
O MODELO ATUAL DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
42
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
CADERNO DE ESTUDO
E PRÁTICAS
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
43
O MODELO ATUAL DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
44
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
5
A COBRANÇA PELO
USO DA ÁGUA
OBJETIVOS DO CAPÍTULO
• Apresentar os conceitos de custo, de valor e de preço da
água.
• Relacionar as motivações para a cobrança.
• Descrever as referências para a cobrança utilizada da gestão
de recursos hídricos.
• Apresentar e discutir os aspectos da determinação do valor a
ser cobrado pela água.
OBJETIVO DE APRENDIZADO:
Compreender os principais aspectos ligados ao processo
de cobrança pelo uso da água para esclarecimento dos
principais
benefícios,
entraves
e
desafios
de
implementação desses instrumentos para a da Gestão de
Recursos Hídricos no Brasil.
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
45
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
As recentes legislações brasileiras que tratam dos recursos hídricos, em harmonia
com o disposto na Agenda 21 e com os Princípios de Dublin, situaram a água como
um bem econômico e social.
Em janeiro de 1992 realizou-se, em Dublin, a "Conferência Internacional sobre a Água e
o Meio Ambiente" resultando na Declaração de Dublin. Esta declaração estabelece os
“Princípios de Dublin” que norteiam a gestão e as políticas públicas para as águas em
todo o mundo.
PRINCÍPIOS DE DUBLIN
I. A água potável é um recurso finito e vulnerável, essencial para manter a vida,
desenvolvimento e o ambiente.
II. O desenvolvimento e gestão da água deverão basear-se numa abordagem
participativa, envolvendo usuários, planificadores e formuladores de políticas a
todos os níveis.
III. As mulheres desempenham um papel principal na provisão, gestão e
salvaguarda da água.
IV. A água tem um valor econômico em todos os seus usos competitivos e deve ser
reconhecida como um bem econômico.
A Declaração de Dublin foi entregue aos dirigentes participantes da "Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento", também conhecida como
Rio-92. Dada a sua importância, a declaração sendo incluída na Agenda 21, no
capítulo 18: “Proteção da Qualidade e do Abastecimento dos Recursos Hídricos”.
(FAGANELLO et al., 2006)
Entretanto, existe uma confusão substancial sobre o significado exato de alguns dos
princípios envolvidos nessa definição de princípios, em particular o que significa a
água como ‘bem econômico."
Neste sentido, compreende-se que entre os instrumentos da Política Nacional de
Recursos Hídricos, a cobrança pelo uso da água tem uma maior interação com o
desenvolvimento econômico, uma vez que sua utilização pode impactar os usuários
de forma a interferir em seu processo de tomada de decisões e, no limite, podendo
influir na escolha do local a ser instalado um dado empreendimento.
Em função dessa importância, a seguir será apresentada a base fundamental para
aplicação da cobrança pelo uso da água, juntamente com a experiência nacional na
aplicação deste instrumento.
46
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
5.1
CUSTO, VALOR E PREÇO DA ÁGUA
A definição de bem econômico está baseada nos princípios de escassez de um
recurso, que ocorre quando esse recurso não tem quantidade suficiente para
satisfazer a totalidade da demanda.
Nesse contexto, a disponibilidade de água para satisfação das necessidades de um
dado utilizador implica custos.
Por sua vez, a água, como bem econômico, tem um valor para esse utilizador, que
corresponde ao valor que este está disposto a pagar por esse bem. Nesse sentido, a
análise econômica do recurso ‘água’ deverá ser realizada por meio da interação
desses dois fatores, que servirão de base ao estabelecimento do preço da água.
A avaliação dos custos da água constitui uma tarefa complexa, mas factível, devido
ao fato de seu cálculo estar baseado em variáveis quantificáveis em termos
econômico-financeiros. Já o cálculo do valor da água é uma tarefa mais complexa,
para a qual é necessário recorrer a metodologias da economia do ambiente e dos
recursos naturais.
Nesse caso, os resultados da avaliação econômica estão sujeitos a um maior grau de
subjetividade, pois ao contrário dos bens de mercado (no sentido microeconômico da
oferta e procura), esse cálculo baseia-se no estabelecimento de um mercado
hipotético utilizando variáveis acessórias (por exemplo, a predisposição a pagar pelo
benefício, a despesa realizada para poder usufruir do benefício, entre outros
elementos).
Os custos a estimar no setor de água podem dividir-se em custos econômicofinanceiros (ou custo econômico total) e custos ambientais.
Os custos financeiros incluem, em um primeiro nível, os custos de investimentos ou
de capital (recuperação do investimento), bem como os custos de exploração,
manutenção e custos administrativos. No seu segundo nível se incluem os custos de
oportunidade e as externalidades econômicas (custos de escassez ou de recurso).
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
47
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Os custos financeiros da água incluem, além dos custos de investimento, exploração,
manutenção e administração, os custos de oportunidade e as externalidades
econômicas.
Para determinar o custo total da água, acrescentam-se as externalidade ambientais.
Essas externalidades ambientais ou custos ambientais representam os impactos no
ambiente resultante das diversas utilizações da água.
A Figura 5.1 apresenta, de forma esquemática, os vários componentes que compõem
o custo da água.
Figura 5.4
48
Princípios gerais do custo da água.
Fonte: Baseado em Rogers et. al. (1998).
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Pode-se compreender desta forma que o valor da água varia em função do usuário e
do tipo de uso. Esquematicamente, o valor da água pode ser obtido pela soma dos
componentes que representam o valor econômico com o seu valor intrínseco.
COMPONENTES DO VALOR ECONÔMICO DA ÁGUA
•
•
•
•
o valor de uso da água;
o benefício líquido devido à vazão de retorno;
o benefício líquido devido ao uso indireto; e
o ajuste aos objetivos sociais.
A seguir detalhamos cada um dos componentes representativos do valor econômico
da água:
• Valor de uso da água – para usos industriais ou agrícolas, o valor de uso reflete o
valor adicional para o consumidor (ou sociedade) de uma unidade adicional de água.
Para uso doméstico, a disposição a pagar pela água representa a fronteira superior
desse valor.
Existem numerosos estudos que tentam estimar o valor marginal da água utilizada na
indústria e agricultura e disposição a pagar para usuários domésticos, por exemplo,
Briscoe (1996), Gibbons (1986), Caballer e Guadalajara (1998).
• Benefício líquido da vazão de retorno – o retorno da água captada para uso
industrial, agrícola ou doméstico constitui um elemento vital de muitos sistemas
hidrológicos. Dessa forma, os efeitos desses fluxos devem ser considerados na ocasião
de avaliar o valor e o custo da água.
Por exemplo, parte da água utilizada na irrigação alimenta o aquífero e retorna para o
leito do rio. Entretanto, os benefícios dos fluxos de retorno dependerão, criticamente,
da proporção de água que é perdida por evaporação.
• Benefício líquido do uso indireto – o exemplo típico desses benefícios ocorre com
esquemas de irrigação que fornecem a água para o uso doméstico e criação de animais,
que podem resultar em melhoria da saúde e elevação de renda da população rural.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
49
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
• Ajuste a objetivos sociais – para uso da água em residências e setores da agricultura,
existem muitos ajustes feitos para atingir objetivos sociais como: redução da pobreza,
emprego, segurança alimentar.
Particularmente em áreas rurais, em que o preço dos alimentos tende a se elevar na
ausência dos alimentos adicionais produzidos com a agricultura irrigada, há
necessidade de se realizar ajustes econômicos para atingir os objetivos sociais.
Finalmente, o valor intrínseco vem representar aquelas parcelas que o valor
econômico não consegue representar, por exemplo, o valor de existência da água.
SOBRE O VALOR DE EXISTÊNCIA
O conceito de "valor de existência" aplica-se aos métodos utilizados pela economia
ambiental. Considera a irreversibilidade de um dano ambiental, a partir da noção de
que a Natureza ou bens dotados de valor histórico, étnico e cultural, jamais se
repetem.
Embora possa ter a impressão de que há algum tipo de regeneração natural ou a
reversão de processos de poluição, dentro de certos limites, na realidade esses
elementos são únicos, possuem um valor intrínseco, irreversíveis e irrecuperáveis, em
caso de perda.
Por exemplo: o desaparecimento de um manancial hídrico ou de qualquer
espécie de animal (sua extinção) é um fato que possui, para alguns autores,
um conteúdo ético, moral e ambiental que não pode ser indenizável pelo
pagamento de qualquer valor de mercado aplicado àquele bem natural.
(NOGUEIRA E MEDEIROS,1997)
É importante saber ainda que o "valor de existência" foi incorporado à legislação
brasileira pelo Decreto 4339/2002 (que instituiu os princípios e as diretrizes para a
implementação da Política Nacional da Biodiversidade) a partir do seu princípio XIV,
qual seja:
Princípio XIV - o valor de uso da biodiversidade é determinado pelos valores culturais e
inclui valor de uso direto e indireto, de opção de uso futuro e, ainda, valor intrínseco,
incluindo os valores ecológico, genético, social, econômico, científico, educacional,
cultural, recreativo e estético.
Conheça mais sobre este tema lendo o artigo "Quanto vale aquilo que não tem valor?
Valor de existência, economia e meio ambiente" de Nogueira e Medeiros (1997).
Consulte a biblioteca da disciplina no Campus Virtual.
Esquematicamente, o valor da água pode ser obtido pela soma dos componentes que
representam o valor econômico com seu valor intrínseco, conforme ilustrado na
Figura 5.2.
50
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Figura 5.5
Componentes do valor da água. Fonte: Baseado em Rogers et. al.
(1998).
Agora, com relação ao preço da água, é importante identificar os quatro usos
passíveis de precificação:
1. uso da água disponível no ambiente (água bruta) como fator de produção ou
bem de consumo final;
2. uso de serviços de captação, regularização, transporte, tratamento e distribuição
de água (serviços de abastecimento);
3. uso de serviços de coleta, transporte, tratamento e destinação final de esgotos
(serviços de esgotamento); e
4. uso da água disponível no ambiente como receptor de resíduos.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
51
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Observe que os usos para os serviços de abastecimento e os de esgotamento são
comumente cobrados pelas companhias de saneamento sob a denominação de
“tarifas”. Também, o uso de serviços de abastecimento é cobrado pelas entidades que
gerenciam projetos públicos de irrigação.
Já a retirada de água bruta para fins de produção ou de bem de consumo final, uso
número 1, assim como o lançamento de efluentes no ambiente, uso número 4, são
usos historicamente livres de cobrança na maioria das sociedades. A Figura 5.3
ilustra os usos da água e os respectivos preços.
Figura 5.6
Os preços da água.
Na teoria econômica clássica, para os bens correntes num mercado livre, os custos
são crescentes com a quantidade produzida e os benefícios são decrescentes, podendo
ser medidos por meio dos custos e dos benefícios marginais. Os preços mais
adequados são os obtidos pela interseção da função da oferta e da procura.
No entanto, para o produto “água”, a situação é bem diferente, principalmente
devido às características específicas do recurso “água”:
52
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
• ser um bem insubstituível e imprescindível para a maioria dos usos;
• não poder ser apropriada em regime de exclusividade por um determinado
utilizador;
• a natureza, como produtor exclusivo de água na origem, não se comporta como um
agente;
• em alguns casos, os serviços de água serem prestados no regime que se assemelha ao
de monopólio.
Dessa forma, os mecanismos correntes de livre mercado não são apropriados para
fixar os preços da água a níveis corretos, implicando a necessidade de intervenção do
Estado, normalmente por meio de entidades reguladoras, que procuram
compatibilizar os interesses da sociedade com os interesses privados.
5.2
MOTIVAÇÕES PARA A COBRANÇA
Segundo Lanna (1995a), existem quatro motivações para a cobrança:
1. Financeira:
(a) recuperação de investimentos e pagamento de custos operacionais e de
manutenção;
(b) geração de recursos para a expansão dos serviços.
2. Econômica: estímulo ao uso produtivo do recurso.
3. Distribuição de renda: transferência de renda de camadas mais privilegiadas
economicamente para as menos privilegiadas.
4. Equidade social: contribuição pela utilização de recurso ambiental para fins
econômicos.
Nesse ponto, Garrido (1996) chama a atenção para o que se convencionou
denominar cobrança e rateio de custos das obras.
A cobrança funciona tanto mais como elemento indutor do desenvolvimento, e tem
cunho acentuadamente educativo, pois também se presta para sinalizar o usuário na
direção do uso racional dos recursos hídricos ficando, portanto, clara sua ligação com
a motivação 2 (econômica). Quanto ao rateio dos custos decorrentes das obras que se
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
53
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
vão realizar, mediante programa aprovado para uma bacia, trata-se de um acordo a
ser feito pelos interessados na execução e manutenção dessas obras, em base
negociadas por eles mesmos, e, portanto, relacionada com a motivação 1 (financeira)
e usos 2 e 3.
Finalmente, sob o ponto de vista social, a cobrança pode cumprir duplo papel de
agente de distribuição de renda, de acordo com uma sistemática de onerar mais
alguns segmentos da sociedade que outros. E como um instrumento, pelo qual o
usuário de um recurso ambiental de uso comum de todos contribui financeiramente
em função do uso econômico desse recurso, gera fundos de investimento a serem
idealmente empregados em projetos de interesse social.
5.3
REFERÊNCIAS PARA A COBRANÇA
As possíveis referências para a cobrança são (Lanna, 1995a):
• a capacidade de pagamento do usuário: método de transferência de renda adotado
ao se quantificar a cobrança tendo por referência a renda do pagante. Refere-se à
motivação 3;
MOTIVAÇÃO 3
Distribuição de renda: transferência de renda de camadas mais privilegiadas
economicamente para as menos privilegiadas.
• o custo do serviço: a referência é o custo de oferta do serviço; refere-se à motivação
1(a);
MOTIVAÇÃO 1 - FINANCEIRA
(a) recuperação de investimentos e pagamento de custos operacionais e de
manutenção.
• o custo marginal ou incremental: a referência é o custo de oferta da última unidade
do produto ou serviço; possibilita o financiamento da expansão do serviço, referindose, portanto, à motivação 1(b);
MOTIVAÇÃO 1 - FINANCEIRA
(b) geração de recursos para a expansão dos serviços.
54
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
• o custo de oportunidade: a referência é o valor econômico da água para a sociedade;
busca atender à motivação 2;
• o custo de mercado: a referência é o preço de mercado livremente formado para a
oferta do produto ou serviço; em certos (pouco frequentes) casos de concorrência
perfeita atende à motivação 2; e
MOTIVAÇÃO 2
Econômica: estímulo ao uso produtivo do recurso.
• o custo incremental médio: a referência é o custo médio por unidade de serviço (por
exemplo, m3) acrescentada ao sistema de oferta, na próxima expansão.
Vejamos agora o detalhamento dessas referências para a cobrança:
A CAPACIDADE DE PAGAMENTO DO USUÁRIO
Em geral a capacidade de pagamento do usuário é sempre adotada, mesmo que
parcialmente, condicionando a cobrança ao impacto financeiro e econômico sobre o
pagante.
No primeiro caso, a questão é se ele terá como pagar com a renda que recebe. No
segundo, é se, com o pagamento, permanecerão os atrativos que fizeram com que o
agente se estabelecesse no local ou, ao contrário, se ela o induzirá a mudar de
atividade ou a realizá-la em outra localidade.
Essa possibilidade poderá até ser considerada favorável ao, por exemplo, induzir
atividades com grande consumo ou com grande grau de deterioração de água a se
deslocarem para outras bacias onde ela tem maior disponibilidade ou capacidade de
assimilação.
Em outras situações, porém, poderá ser política, social ou legalmente indesejável ou
inviável, implicando na necessidade de adequação do sistema de cobrança. Isso pode
estabelecer subsídios à cobrança, situação em que ela é denominada no jargão
jurídico como preço político.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
55
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
O CUSTO DO SERVIÇO
Em conjunto com a capacidade de pagamento, é a mais adotada. Nela, o objetivo é a
recuperação do capital investido na implementação do serviço, incluindo principal e
juros, e dos custos de operação, manutenção e reposição.
Quando as restrições de capacidade de pagamento são violadas, pode-se estabelecer
um esquema de subsídios cruzados no qual a cobrança incidirá de forma mais
intensa sobre as partes com maior capacidade de pagamento, sendo atenuadas para as
partes com menor capacidade.
O CUSTO MARGINAL OU INCREMENTAL
Esta referência adota como diretriz gerar recursos para os investimentos
demandados para a expansão do serviço.
A justificativa para isso é de ordem econômica: ao fazer incidir no usuário os custos
marginais de expansão, controla-se e racionaliza-se a expansão da demanda de água,
retardando-se necessidades de investimentos. Quando os investimentos na expansão
forem necessários, a própria cobrança gerará os recursos financeiros para promovêlos. Quando não forem necessários, a cobrança será baixa, estimulando o uso do
serviço.
O CUSTO DE OPORTUNIDADE
Esta referência raramente é adotada. Ela busca introduzir mais algumas
considerações de eficiência econômica e considera todos os quatro usos da água.
No caso, o valor da água incremental ofertada ao sistema é o maior entre duas
parcelas: o custo marginal de sua oferta, conforme estimado pela referência anterior,
ou o benefício que poderia ser gerado para a sociedade dirigindo-se o capital de
investimento para a melhor alternativa disponível.
O CUSTO DE MERCADO
Esta é uma referência que supõe que a oferta e a procura pelo serviço possam ser
realizadas em mercado de livre negociação e os preços fixados de forma automática
pelas leis de mercado. Nesse caso, as partes usuárias poderiam negociar livremente,
ou de acordo com determinado regulamento entre si ou com os fornecedores, sendo
suprida demanda de quem oferecesse o maior preço.
56
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
CUSTO INCREMENTAL MÉDIO (Average Incremental Cost)
Nesse caso, a referência estaria estimando o custo necessário para a próxima
expansão do sistema, de acordo com um plano de investimentos adotado.
Por exemplo, resultantes da implantação de um reservatório em um sistema de
suprimento de água ou de uma estação de tratamento de esgotos em um sistema de
controle ambiental. Da infraestrutura hidráulica seria obtido o incremento da oferta
em m3/mês de oferta de água ou de capacidade de tratamento.
O custo de implantação seria diluído em um período de “recuperação” de capital, a
dada taxa de desconto, e somados aos custos globais de operação, manutenção e
reposição correntes ou futuros, importando em um montante mensal em unidades
monetárias. A divisão desse montante pelos m3 de incremento mensal da oferta de
água ou de tratamento resultaria no custo incremental médio do m3.
O termo “recuperação” acha-se entre aspas, pois o que se busca não é a recuperação
do capital, mas a sua captação para promover a expansão definida. O período de
recuperação de capital e a taxa de desconto podem estar associados a empréstimos a
serem usados para financiar os investimentos ou serem arbitrados. Essa referência de
cobrança, ao contrário da do custo marginal, não estimularia o uso de capacidade
ociosa. Ela parece ser a mais adequada já que geraria os recursos necessários para
financiar a expansão do sistema de oferta de água e de controle de poluição.
RELEMBRANDO
As referências para a cobrança são: a capacidade de pagamento do usuário; o custo
do serviço; custo marginal ou incremental; o custo de oportunidade; o custo de
mercado; custo incremental médio.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
57
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
5.4
A DETERMINAÇÃO DO VALOR A SER
COBRADO
Adotada a cobrança pelo uso da água como instrumento de gestão, a questão
seguinte é como definir os valores a serem cobrados. Trata-se, portanto, de
monetarizar o recurso “água bruta”, incluindo o seu uso para a diluição de efluentes.
As dificuldades envolvidas nesse processo se relacionam com as características
singulares que tem a água. Ela é, por exemplo, usada para diversas finalidades e sua
quantidade e qualidade são variáveis no tempo e no espaço.
Além disso, muitas vezes, as informações de oferta e de demanda são incompletas e
as interações com os ecossistemas e com as atividades econômicas não são totalmente
conhecidas.
A definição do valor a ser cobrado pelo uso da água pode ser analisada segundo duas
grandes abordagens, Análise Custo-benefício (ACB) ou a Análise Custo-efetividade
(ACE), que serão discutidas a seguir.
5.4.1
ABORDAGEM DA ANÁLISE CUSTO-BENEFÍCIO (ACB)
Para que a autoridade gestora dos recursos hídricos possa fazer uso dessa abordagem,
é necessário conhecer as curvas dos Custos Totais (CT) e dos Benefícios Totais
(BT).
A curva dos Custos Totais (CT) é uma curva que registra o custo anual equivalente
do valor dos investimentos mais o valor atual dos custos de operação e manutenção
de cada nível de abatimento (ou nível de armazenamento, no caso de regularização
de vazões). Essa curva tem, por razões tecnológicas, uma inclinação (declividade)
crescente, de caráter exponencial, correspondendo ao custo marginal de longo prazo.
A determinação dessa curva, evidentemente, é relativamente trabalhosa, mas, ao
menos conceitualmente, não apresenta grandes problemas.
A curva dos Benefícios Totais (BT), bem mais complexa, expressa a "disposição de
pagar" do conjunto das pessoas afetadas (ou beneficiadas).
58
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Em primeiro lugar, levam-se em consideração, nos níveis iniciais de abatimento (ou
ampliação das disponibilidades hídrica), as despesas que podem ser evitadas (em
saúde, higiene, conservação e reposição de materiais, etc.) - a chamada "variação
compensatória" dos consumidores.
Depois leva em conta, à medida que se encaminha para níveis mais elevados de
abatimento, as despesas que os indivíduos estão dispostos a fazer diante das
amenidades ambientais que resultam de um curso d'água mais purificado
(balneabilidade, pesca, turismo, etc.) - e que resultam de outros tipos de avaliação,
tais como "variação equivalente", "valor de opção", "valor de existência", etc.
Essa curva, para ser comparável com a de custos totais, registra o valor anual
equivalente do fluxo de benefícios futuros, dentro do mesmo horizonte de tempo dos
custos.
A forma dessa curva - crescente, mas com declividade decrescente - resulta de um
dado comportamental: incrementos constantes nos níveis de abatimento (ou
ampliação das disponibilidades) ocasionam benefícios incrementais cada vez menores.
Para ilustrar a utilização dessa abordagem, a seguir, será comentado o exemplo
apresentado por Cánepa et al. (1999).
EXEMPLO
Seja o caso de uma bacia hidrográfica hipotética e um poluente hídrico qualquer como referência será considerada a DBO5, por exemplo - cujo montante de emissões
totaliza uma certa quantidade de toneladas/ano. Considere-se, agora, a possibilidade
de cotejar os custos e os benefícios de vários níveis possíveis de abatimento das
emissões, variando entre 0% e 100% do total.
Quanto mais níveis (pontos) puderem ser estimados, tanto melhor será a
aproximação das curvas contínuas da Figura 5.4.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
59
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Figura 5.7
Custos e Benefícios Totais e Marginais de Controle.
Fonte: Cánepa et al., 1999.
De posse dessas informações (CT e BT), a autoridade gestora dos recursos hídricos
tem então uma orientação global sobre a política de otimização, ou seja,
estabelecidas as duas funções, a autoridade gestora pode tentar maximizar o
Benefício Social Líquido (BT-CT). Esse ponto corresponde ao nível de abatimento
associado à distância máxima entre as curvas.
Supondo curvas contínuas e bem comportadas matematicamente, o cálculo
elementar diz que esse ponto está associado à igualdade entre as declividades das
duas curvas. Isso, por sua vez, implica a igualdade das derivadas das duas curvas.
Essa abordagem, na qual não são examinadas diretamente as funções originais (ou
60
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
primitivas), mas suas derivadas (ou funções marginais), está expressa na parte
inferior da Figura 5.4, na qual se vê a interseção da curva de Benefício Marginal
(positiva mas decrescente) com a curva de Custo Marginal (também positiva, mas
crescente).
As duas figuras, evidentemente, por construção, dão a mesma informação: o nível de
abatimento ótimo. Atingido esse ponto, a autoridade pode estar razoavelmente
segura de que a comunidade não está nem desperdiçando recursos (abatendo
poluição num ponto em que o custo marginal excede o benefício marginal), nem
perdendo oportunidades de melhoria (onde o benefício marginal excede o custo
marginal). Além do mais, na hipótese de todos os demais setores da economia
estarem ajustados à condição de eficiência, o abatimento da poluição no ponto F
asseguraria o atingimento de um máximo de eficiência para o sistema, ou seja, um
ótimo de Pareto.
Com base nas informações disponíveis (curvas CT e BT), a autoridade gestora dos
recursos hídricos pode utilizar um instrumento econômico (cobrança pelo uso da
água) para consecução do objetivo de abatimento ótimo, que caracteriza a aplicação
do Princípio Poluidor-Pagador na sua versão Análise Custo-Benefício.
5.4.1.1
Objeções à Análise Custo-Benefício
Consideram-se dois aspectos como objeção à análise custo-benefício:
1. as dificuldades práticas de implementação operacional, em grande escala pelo
órgão ambiental, resultante principalmente, dos enormes problemas de
mensuração dos benefícios;
2. as dificuldades teóricas e conceituais relativos à curva BT:
-
Second Best (o problema teórico da não-convexidade que impossibilita a
existência de única solução ótima);
-
uso demasiado abrangente da ACB, levantando problemas de equilíbrio
geral não abordáveis por um instrumento típico de análise de equilíbrio
parcial;
-
controvérsias sobre a taxa social de desconto a ser aplicada no fluxo de
benefícios;
-
controvérsias sobre a questão da valoração de vidas humanas nas
estimativas de benefícios resultantes de diminuição de perdas de vida.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
61
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
5.4.1.2
Objeções específicas ao uso da Análise Custo-Benefício na esfera
ambiental
Os principais aspectos considerados com objeções específicas ao uso da Análise
Custo-Benefício (ACB) na esfera ambiental são:
1. a disposição de pagar depende do nível e da distribuição de renda dos
indivíduos afetados; onde essa é muito baixa ou desigualmente distribuída, os
resultados podem se traduzir num ótimo com abatimento desprezível, ou
mesmo nulo, embora necessário;
 a incerteza quanto à possibilidade da "disposição de pagar" captar os reais
benefícios, ainda mais considerando a deficiência de informações por parte da
população em geral, deficiência essa, agravada pelas controvérsias científicas
pelos efeitos sinergéticos dos vários poluentes;
 a situação na qual, mesmo que se possam determinar os custos e os benefícios
do abatimento, o ponto ótimo (BMg=CMg), embora seja eficiente do ponto
de vista estático, pode, ainda assim, ser inadequado do ponto de vista dinâmico.
Isso pode acontecer quando o ponto eficiente, sob a ótica ACB, é superior à
capacidade assimilativa do corpo receptor, desencadeando processos dinâmicos
de comprometimento crescente dessa capacidade e afetando essa ou gerações
vindouras.
5.4.2
ABORDAGEM ANÁLISE CUSTO-EFETIVIDADE (ACE)
As objeções, tanto de caráter prático, quanto às de caráter teórico-conceitual, levaram
a uma formulação do Princípio Usuário-Pagador (PUP) num contexto mais
limitado, o da Análise Custo-Efetividade.
A primeira versão dessa abordagem foi proposta por W. J. Baumol e W. E. Oates
(Baumol e Oates, 1971). Segundo essa abordagem, a tarifa procura induzir os
agentes poluidores a internalizar as externalidades geradas até que determinado
padrão de qualidade no corpo receptor seja atingido (diferente da abordagem ACB
que procura induzir os agentes poluidores a internalizar os custos de controle até se
atingir um ponto ótimo com BMg=CMg).
Novamente, para ilustrar a utilização da abordagem Análise Custo-Efetividade será
comentado o exemplo apresentado por Cánepa et al. (1999).
62
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
EXEMPLO
Suponha-se que, num determinado trecho de um rio, localizem-se vários agentes
poluidores (cidades vertendo esgotos cloacais, indústrias despejando efluentes, etc.),
de tal modo que o total de lançamentos, por exemplo, em relação à DBO5, supere a
capacidade assimilativa do rio, degradando-se a sua qualidade e comprometendo
atividades tais como pesca, recreação, etc.
Tendo sido determinado um nível de qualidade para esse trecho do rio (mediante o
chamado "enquadramento") e que possibilite novamente todos os usos do passado,
um modelo de dispersão foi aplicado sobre as cargas poluidoras atuais e chegou-se à
conclusão de que, para se atingir o objetivo de qualidade colimado, será necessário
abater 65% da carga poluidora atual.
Explorando novos caminhos em matéria de política ambiental, o órgão gestor decide
usar a tarifação (PPP - Princípio do Poluidor-Pagador) como meio de se atingir esse
resultado. Para tanto, constrói-se uma curva de custo marginal de abatimento,
ordenando os setores e agentes conforme a ordem crescente e se obtém, se o número
de agentes for muito grande, uma curva como a AEC, da Figura 5.4 apresentada
anteriormente.
Deslocando-se sobre a curva de custo marginal até o ponto correspondente a 65% de
abatimento, o órgão ambiental fixa a tarifa - $ por ton. de poluente, em t1. Se os
agentes quiserem continuar despejando todo efluente produzido, terão que pagar a
quantia correspondente à área OBKL, veja na Figura 5.4 apresentada anteriormente.
Entretanto, se os agentes de menor custo marginal se empenharem em tratamento,
para evitar o gasto em tarifa, OJ (65%) de efluente será tratado, lançando-se o
remanescente, JB (35%), minimizando-se os gastos totais (área AJI+JBKI). O
padrão de qualidade desejado é alcançado.
Dos comentários anteriores, pode-se observar que não são necessárias informações
sobre a curva de benefícios, pois o que se busca é um nível que minimize o custo
total para se atingir um certo objetivo de qualidade e não um nível ótimo de
lançamento (meta ambiental socialmente acordada).
Depois de comentados os contrastes entre as duas abordagens ACB e ACE, convém
fazer alguns comentários sobre os pontos em comum.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
63
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Inicialmente, destaca-se que a cobrança pelo uso da água, tanto num contexto como
noutro, mantém a vantagem de economicidade e de estímulo à inovação
tecnológica.
Outra observação importante é que, nos dois contextos, a cobrança pelo uso da água
presta-se a uma interpretação como imposto, cobrado pelo poder público e que vai
ao seu caixa geral, tendo, portanto, apenas função alocativa (provisão de bem
público).
Observamos ainda que outra possibilidade de utilização da abordagem ACE é para o
caso em que os fundos arrecadados pela cobrança retornam ao sistema para o
financiamento das intervenções na bacia em que foram gerados. A Figura 5.5 ilustra
o esquema de funcionamento.
Figura 5.8
64
Esquema de funcionamento da Cobrança pelo uso da água no
Contexto da Análise Custo-Efetividade (segunda versão – os recursos
obtidos com a cobrança financiam intervenções na bacia).
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Apesar da falta de regulamentação das leis que tratam da cobrança pelo uso da água,
existem fortes indicativos de que essa ocorrerá segundo a abordagem Análise CustoEfetividade (ACE) em sua segunda versão, conforme explicado anteriormente. Para
corroborar com esse ponto de vista, o Artigo 22 da Lei 9.433/97 define que:
"Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados
prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados:
I - no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de
Recursos Hídricos;
II - no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e
entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos."
5.5
EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS DE
COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
A experiência brasileira em aplicação da cobrança pelo uso da água é ainda
incipiente. Entretanto, o País já conta com a experiência do Estado do Ceará e das
Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul – CEIVAP, dos Rios Piracicaba, Capivari
e Jundiaí.
A seguir iremos detalhar esses casos com objetivo de oferecer elementos práticos para
fortalecer a compreensão teórica-conceitual que viemos trabalhando até aqui.
5.5.1
ESTRUTURA E PREÇOS PRATICADOS NO ESTADO DO
CEARÁ
A tarifa a ser cobrada pelo uso dos recursos hídricos no Estado do Ceará, conforme
estabelecido pelo art. 2o do Decreto 27.271/2003, é calculada utilizando a seguinte
Equação:
T(u) = T * Vef
Em que:
T(u) - tarifa do usuário,
T - tarifa padrão sobre o volume consumido;
Vef - Volume mensal consumido pelo usuário.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
65
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
O Decreto 28.074, de 29 de dezembro de 2005 apresenta os novos valores da tarifa
padrão sobre o consumo de água no Estado do Ceará, que está apresentado na Tabela
5.1.
Tarifa Padrão
(R$/1.000 m3)
Tipo de Uso
Abastecimento Público
Região Metropolitana
69,30
Interior do Estado
32,77
Indústria
1.036,63
Piscicultura
Em tanques escavados
15,60
Em tanques rede
31,20
Carcinicultura
31,20
Água Mineral e água potável de mesa
Irrigação (em função do
consumo mensal)
Demais Categorias
Tabela 5.2
1.036,63
1.441 m3/mês até 5.999 m3/mês
3,00
6.000 m3/mês até 11.999 m3/mês
6,72
12.000 m3/mês até 18.999 m3/mês
7,30
19.000 m3/mês até 46.999 m3/mês
8,40
A partir de 47.999 m3/mês
9,60
69,30
Valores da Tarifa a ser cobrada pelo Uso dos Recursos Hídricos no
Ceará.
Fonte: Decreto 28.074/95.
Verifica-se, portanto, que o Estado do Ceará cobra tanto os usos mais comuns,
abastecimento público, industrial e irrigação, quanto outros menos comuns, como
piscicultura e carcinicultura. No entanto, não cobra pelo lançamento de efluentes
nem pela geração de energia elétrica, entre outros. Uma das características mais
marcantes deste sistema de cobrança é a grande diferenciação entre os preços
unitários para cada classe de usuário, com a indústria, em geral e de água mineral ou
potável, sendo fortemente onerada em relação aos demais usuários. Já a irrigação é
desonerada por preços bastante inferiores aos demais usuários, especialmente para os
pequenos usuários de água.
66
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
5.5.2
ESTRUTURA E PREÇOS PRATICADOS NO COMITÊ DE
INTEGRAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO PARAÍBA
DO SUL - CEIVAP
Os mecanismos e os valores para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia
do rio Paraíba do Sul foram propostos pela Deliberação CEIVAP nº 08, de 6 de
dezembro de 2001 e aprovados pela Resolução CNRH no 19, de 14 de março de 2002,
sendo posteriormente complementados pela Resolução CNRH no 27 de 29 de
novembro de 2002.
As Tabela 5.2 e 5.3 apresentam a sistemática da cobrança com os preços para os
diferentes tipos de usuários, praticados na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul.
TIPO DE USO
FÓRMULA
Captação
C = QCAP x K0 x PPU
Consumo
C = QCAP x K1 x PPU
Lançamento
C = QCAP x (1 – K1) x (1 – K2 K3) ] x PPU
Setor Elétrico
C = GH x TAR x P
C - valor da conta (R$/mês)
Preços
PPU – Preço Público Unitário (R$/m3)
TAR – Tarifa Atualizada de Referência definida com base na Resolução da ANEEL
n.º 66, de 22/02/ 2001, em R$/MWh
K0 – Multiplicador de preço unitário para captação (<1)
K1 - Coeficiente de consumo para a atividade em questão
Coeficientes
K2 - % do volume de efluente tratado em relação ao total produzido
K3 - Nível de eficiência de redução de DBO na ETE
P – percentual definido pelo CEIVAP a título de cobrança sobre a energia gerada
Quantidades
Tabela 5.3
QCAP - Volume de água captada durante um mês (m3/mês)
GH – total da energia gerada por uma PCH em um determinado mês, em MWh
Estrutura de Cobrança pelo Uso da Água no CEIVAP.
Fonte: baseado nas Deliberações 8 e 15 do CEIVAP (2001 e 2002).
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
67
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
TIPO DE USO
PPU (R$/m3)
TAR (R$/MWh)
Ko (Adim.)
P (%)
Industrial
0,02
------------
0,40
------------
Saneamento
0,02
------------
0,40
------------
Agropecuária
0,0005
------------
0,40
------------
Aquicultura
0,0004
------------
0,40
------------
------------
39,43
------------
0,75
PCHs
Tabela 5.4
Preços praticados na Bacia do Paraíba do Sul.
Fonte: baseado nas Deliberações nos 8 e 15 do CEIVAP (2001 e 2002).
A estrutura de cobrança do CEIVAP onera o meio industrial, urbano, agropecuário, a
aquicultura e a geração de energia elétrica em pequenas centrais hidrelétricas. Tendo
por base um cálculo do volume gerado de esgotos, função do volume derivado de
água, do percentual de seu tratamento e da eficiência de tratamento, e baseado
unicamente no indicador DBO, são também cobrados os lançamentos de efluentes.
Essa estrutura de cobrança buscou um tratamento equânime aos usuários urbanos e
industriais – a mesma fórmula e os mesmos coeficientes são aplicados a um usuário,
indiferentemente se ele é uma concessionária de saneamento, ou uma indústria. No
entanto, ao cobrar pelos lançamentos tendo por base unicamente o indicador DBO,
as indústrias pesadas poderão ser desoneradas, em relação à situação em que outros
indicadores de poluição fossem considerados, em especial os inorgânicos.
A agropecuária e a aquicultura são também desoneradas, como pode ser verificado
pelo PPU que lhes é aplicado. O uso de água para geração de energia elétrica é
cobrado de uma forma especial, devido à sua natureza diferenciada em relação aos
demais.
5.5.3
ESTRUTURA E VALORES PRATICADOS NA BACIA DO
PIRACICABA, CAPIVARI E JUNDIAÍ - PCJ
Os mecanismos e os valores para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos nas bacias
dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ, foram estabelecidos pela Resolução
CNRH nº 52, de 28 de novembro de 2005.
68
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Assim como ocorre no CEIVAP, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos no PCJ
considera: os volumes anuais captados e consumidos, o lançamento de efluentes, os
volumes transpostos para outra bacia, e geração de energia elétrica.
A sistemática da cobrança com os valores para os diferentes tipos de usuários estão
apresentados nas Tabelas 5.4, 5.5 e 5.6. Como a estrutura da cobrança considera os
volumes outorgados e medidos, na ausência de medição, adota-se Kout = 1 e Kmed
= 0. Quando Qcapmed / Qcapout > 1, será adotado Kout = 0 e Kmed = 1.
TIPO DE USO
FÓRMULA
Captação
Valorcap = (Kout x Qcapout + Kmed x Qcapmed) x PUBcap x Kcapclasse
Se Qcapmed / Qcapout = 0,7
Valorcap = (0,2 x Qcapout + 0,8 x Qcapmed) x PUBcap x Kcapclasse
Se Qcapmed / Qcapout < 0,7
Valorcap = [0,2 x Qcapout + 0,8 x Qcapmed + 1,0 x (0,7xQcapout - Qcapmed)]
x PUBcap x Kcapclasse
Consumo
Valorcons = (QcapT – QlançT) x PUBcons x (Qcap/QcapT)
Consumo para Irrigação
Valorcons = Qcap x PUBcons x Kretorno
Captação
e
Consumo
Usuários do Setor Rural
para
ValorRural = (Valorcap + Valorcons) x KRural
Transposição
Valortransp = (Kout x Qtranspout + Kmed x Qtranspmed) x PUBtransp x Kcapclasse
Lançamento
ValorDBO = CODBO x PUBDBO x Klançclasse
CODBO = CDBO x QlançFed
Setor Elétrico
ValorPCH = GHefetivo x TAR x Kgeração
Valor Total da Cobrança
ValorTotal = (Valorcap + Valorcons + ValorDBO + ValorPCH + ValorRural +
Valortransp) x KGestão
ValorCap – pagamento anual pela captação de água
ValorCons – pagamento anual pelo consumo de água
ValorTransp - pagamento anual pela transposição de água
ValorDBO – pagamento anual pelo lançamento de carga de DBO5,20
ValorPCH – pagamento anual pelo uso da água para geração hidrelétrica em
PCHs
Preços
PUBCap – Preço Unitário Básico para captação superficial, em R$/m3
PUBCons – Preço Unitário Básico para o consumo de água, em R$/m3
PUBTransp – Preço Unitário Básico para a transposição de bacia, em R$/m3
PUBDBO – Preço Unitário Básico da carga de DBO5,20 lançada, em R$/m3
TAR – Tarifa Atualizada de Referência definida com base em Resolução da
ANEEL, em R$/MWh
Tabela 5.5
Sistema de Cobrança pelo Uso da Água no PCJ.
Fonte: baseado na Resolução CNRH 52, de 28 de novembro de 2005.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
69
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
TIPO DE USO
FÓRMULA
Kout = peso atribuído ao volume anual de captação outorgado
Kmed = peso atribuído ao volume anual de captação medido
Kcapclasse = coeficiente que leva em conta a classe de enquadramento do
corpo d´água no qual se faz a captação
Coeficientes
Kretorno = coeficiente que leva em conta o retorno, aos corpos d´água, de
parte da água utilizada na irrigação (Kretorno = 0,5)
KRural = coeficiente que leva em conta as boas práticas de uso e conservação
da água no imóvel rural onde se dá o uso de recursos hídricos (Durante os
dois primeiros anos da cobrança, KRural = 0,1)
Kgeração = adotado igual a 0,01
KGestão - leva em conta o efetivo retorno às Bacias PCJ dos recursos
arrecadados pela cobrança do uso da água (KGestão =1 ou KGestão = 0)
Qcapout - volume anual de água captado, segundo valores da outorga, ou
estimados pela ANA, se não houver outorga
Qcapméd - volume anual de água captado, segundo dados de medição;
QcapT - volume anual de água captado total (igual ao Qcapmed ou igual ao
Qcapout, se não existir medição mais aqueles captados diretamente em redes
de concessionárias dos sistemas de distribuição de água)
QlançT - volume anual de água lançado total (em corpos d´água de domínio
dos Estados, da União ou em redes públicas de coleta de esgotos)
Quantidades
Qcap - volume anual de água captado (igual ao Qcapmed ou igual ao Qcapout,
se não existir medição)
Qtranspout - volume anual de água captado, nas Bacias PCJ, para
transposição para outras bacias, segundo valores da outorga
Qtranspmed - volume anual de água captado nas Bacias PCJ, para
transposição para outras bacias, segundo dados de medição
CDBO - carga anual de DBO5,20 efetivamente lançada, em kg
QlançFed - Concentração média anual de DBO5,20 lançada, em kg/m3
GHefetivo – energia anual efetivamente gerada, em MWh, pela PCH
Tabela 5.6
70
Sistema de Cobrança pelo Uso da Água no PCJ - Continuação.
Fonte: baseado na Resolução CNRH 52, de 28 de novembro de 2005.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Tipo de Uso
PUB
Unidade
Valor
Captação de água bruta
PUBCap
Consumo de água bruta
PUBCons
R$/m
0,02
Lançamento de carga orgânica
PUBBDO
R$/kg
0,10
PUBTransp
R$/m3
0,015
Transposição de bacia
Tabela 5.7
3
0,01
3
R$/m
Valores Praticados no CPCJ.
Fonte: baseado na Resolução CNRH 52, de 28 de novembro de 2005.
Esses valores serão aplicados de forma progressiva: em 2006, 2007 e 2008, serão
cobrados, respectivamente, 60%, 75% e 100% dos Preços Unitários Básicos – PUBs,
apresentados (Art. 3º, da Resolução CNRH 52/2005). Os valores do coeficiente, que
levam em conta a classe de enquadramento do corpo de água no qual se faz a
captação (Kcapclasse), estão apresentados na Tabela 5.7. Entretanto, para a fórmula
da cobrança pelo lançamento de efluentes esse coeficiente será igual a 1 (um)
durante os dois primeiros anos da cobrança nas bacias do PCJ (Art. 5, § 1º da
Resolução CNRH 52/2005).
Classe de uso do curso d’água
Tabela 5.8
Valor de Kcapclasse
1
1
2
0,9
3
0,9
4
0,7
Valores do Kcapclasse.
Fonte: baseado na Resolução CNRH 52, de 28 de novembro de 2005.
A estrutura de cobrança adotada, embora similar, é mais completa do que a do
CEIVAP em diversos aspectos, pois: (a) considera o volume outorgado de água e o
volume efetivamente utilizado ou medido; (b) considera no caso dos lançamentos a
carga efetiva lançada em um ano, e a carga média de DBO; (c) considera a classe de
qualidade em que o local da captação acha-se enquadrado; e (d) considera no caso da
irrigação as práticas de uso e conservação de água.
Para saber mais sobre a cobrança pelo uso da água no Brasil, visite o site
http://www.ana.gov.br/GestaoRecHidricos/CobrancaUso/default2.asp
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
71
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
D E S TA Q U E S D O S T E M A S E S T U D A D O S
1.- A definição de bem econômico está baseada nos princípios de escassez de
um recurso.
2.- Os custos a estimar no setor de água podem dividir-se em custos
econômico-financeiros (ou custo econômico total) e custos ambientais.
3.- Os custos financeiros da água incluem, além dos custos de investimento,
exploração, manutenção e administração, os custos de oportunidade e as
externalidades econômicas.
4.- Os componentes do valor econômico da água são: o valor de uso da água.
5.- O benefício líquido devido à vazão de retorno; o benefício líquido devido ao
uso indireto; e o ajuste aos objetivos sociais.
6.- As referências para a cobrança são: a capacidade de pagamento do
usuário; o custo do serviço; custo marginal ou incremental; o custo de
oportunidade; o custo de mercado; custo incremental médio.
7.- A definição dos valores a serem cobrados é uma questão importante na
definição da cobrança pelo uso da água como instrumento de gestão.
8.- São abordagens para cálculo do valor de cobrança: a Abordagem análise
custo-benefício (ACB) e a Abordagem Análise Custo-Efetividade (ACE).
9.- A experiência brasileira em aplicação da cobrança pelo uso da água já
conta com a experiência do Estado do Ceará e das Bacias Hidrográficas do
Rio Paraíba do Sul – CEIVAP, dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.
CONSTRUINDO CONCEITOS
Faça a revisão dos temas tratados nesse capítulo, anotando suas ideias e
reflexões no "Caderno de estudos e práticas".
Complemente suas notas a partir da seguinte atividade:
Identifique como está a questão da cobrança pelo uso da água em sua
região e analise que tipos de entraves ou benefícios essa situação representa
para o desenvolvimento local.
72
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
CADERNO DE ESTUDO
E PRÁTICAS
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
73
A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
74
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A SUSTENTABILIDADE HÍDRICA
6
A SUSTENTABILIDADE
HÍDRICA
OBJETIVOS DO CAPÍTULO
• Apresentar as considerações finais sobre a temática do
desenvolvimento e a gestão dos recursos hídricos no Brasil.
OBJETIVO DE APRENDIZADO:
Compreender os aspectos relacionados entre os processos
de cobrança da água e a sustentabilidade da Gestão dos
Recursos hídricos no Brasil.
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
75
A SUSTENTABILIDADE HÍDRICA
O Brasil, nos últimos anos, tem envidado importantes esforços para melhor cuidar de
suas águas. Foi definido um modelo de gerenciamento de recursos hídricos pautado
em fundamentos, tais como: gestão descentralizada e participativa; o
reconhecimento de que a água é um bem finito e dotado de valor econômico; entre
outros. Entre as diretrizes gerais de ação estabeleceu que deve ser considerada a
adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas,
demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País.
Figura 5.9
Os usos da água. Campanha de vistoria ao rio São Francisco, desde a
barragem de Sobradinho até a Foz, 2006.
Fonte: Aloysio Martins Fernandes Júnior, Banco de Imagens ANA
De forma coerente aos esforços da União, os Estados têm adotado medidas
importantes para implementarem seus respectivos sistemas de gestão de recursos
hídricos, particularmente, no Nordeste onde o problema da escassez de água assume
proporções alarmantes, chegando a criar fortes entraves para o desenvolvimento
econômico e social.
Nesse contexto, a cobrança pelo uso da água, um dos instrumentos da Política
Nacional de Recursos Hídricos, pode ser utilizada para induzir a um uso mais
racional dos recursos hídricos e uma alocação mais eficiente desse precioso recurso.
76
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
A SUSTENTABILIDADE HÍDRICA
Figura 2.10
Campanha de fiscalização dos usos de recursos hídricos em
carcinicultura na bacia do rio Piranhas-Açu (Rio Grande do Norte e
Paraíba),2008.
Fonte: Paulo Celso Maistro Spolidorio, Banco de Imagens ANA
Particularmente, no caso de regiões semiáridas a aplicação desse instrumento pode
gerar recursos financeiros que servirão para fazer face as despesas de operação de
manutenção dos equipamentos de infraestrutura hídrica, bem como financiar sua
construção.
Associado a essas possibilidades está o grande desafio de não ampliar as
desigualdades regionais, no que se refere ao estágio de desenvolvimento econômico,
que no caso brasileiro já é bem marcante.
A sustentabilidade hídrica, através do balanço favorável da oferta e demanda de
água, condição indispensável para o desenvolvimento sustentável, que vem sendo
buscada há mais de um século na região do semiárido, só poderá ser alcançada com a
participação da sociedade em geral e das várias esferas do Governo – Federal,
Estadual e Municipal, redundando no funcionamento pleno dos Sistemas Estaduais
de Recursos Hídricos, acoplado harmoniosamente ao Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
77
A SUSTENTABILIDADE HÍDRICA
D E S TA Q U E S D O S T E M A S E S T U D A D O S
1.- Entre as diretrizes gerais de ação da Política de Recursos Hídricos se
considera a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades
físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas
regiões do País.
2.- A cobrança pelo uso da água, um dos instrumentos da Política Nacional de
Recursos Hídricos, pode ser utilizada para induzir a um uso mais racional e
a alocação mais eficiente dos recursos hídricos brasileiros.
3.- Considera-se sustentabilidade hídrica o balanço favorável da oferta e
demanda de água. Está é uma condição indispensável para o
desenvolvimento sustentável.
CONSTRUINDO CONCEITOS
Este capítulo encerra a disciplina de Recursos hídricos e desenvolvimento. Por
essa razão agora é a hora de você fazer uma revisão geral nos conteúdos desta
disciplina e, principalmente, em suas notas de estudo.
Depois de finalizada a atividade de revisão, faça uma breve síntese de seus
aprendizados. Como indicação, incentivamos você a construir um texto que
relacione os temas tratados na disciplina e o processo de desenvolvimento
local da bacia hidrográfica em que seu município está situado.
Anote as ideias, reflexões e comentários em seu "Caderno de estudos e práticas".
78
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
CADERNO DE ESTUDO
E PRÁTICAS
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
79
A SUSTENTABILIDADE HÍDRICA
80
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO
BIBLIOGRAFIA
[1]
BAUMOL, W. J.; OATES, W. E. 1971. The Use of Standards
and Prices for Protection of Environment. Swedish Journal
Economics. Março, p. 42-54.
[2]
BRISCOE, J. Water Resources Management In Chile:
Lessons Learned From a World Bank Study Tour. The World
Bank. Washington, DC, 1996.
[3]
CABALLER, V.; GUADALAJARA, N. Valoración Económica
del Agua de Riego. Madri: Ediciones Mundi-Prensa, 1998,
192p.
[4]
CÁNEPA, E. M.; LANNA, A. E. L.; PEREIRA, J. S. 1999. A
Política de Recursos Hídricos e o Princípio UsuárioPagador (PUP). Revista Brasileira de Recursos Hídricos, Porto
Alegre, v. 4, p. 103-118, jan./mar.
[5]
FAGANELLO, C. R. F et al. Fundamentos de educação
ambiental e efetivação do princípio da participação na
Microbacia do Ribeirão dos Marins - Piracicaba/SP,
como ferramentas orientadoras do uso racional da
água. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação
Ambiental, Rio Grande do Sul, v. 16, p.47-58, janeiro-junho/
2006. Simestral. Trabalho apresentado no III Encontro de
Pesquisa em Educação Ambiental – III EPEA 10 a 13 de julho
de 2005 – Ribeirão Preto - SP. Disponível em:
<http://www.remea.furg.br/edicoes/vol16/art04v16.pdf>.
Acesso em: 18 fev. 2009.
[6]
GARRIDO, R. J. S. 1996. A importância da cobrança pelo
uso da água como instrumento de gestão. In: Notas para
debate no seminário nacional de gerenciamento de recursos
hídricos - Seção Ceará. Fortaleza: ABES.
[7]
GIBBONS, D. C. The Economics Value of Water. Resources
for the Future. Washington, DC. 1986.
RECURSOS H ÍDRICOS E D ESENVOLVIMENTO
81
[8]
GWP (2000), Integrated Water Resources Management.
Global Water Partnership. Technical Advisory Committee
Paper 4. Stockholm, Sweden
[9]
LANNA, A. E. Cobrança pelo uso da água. In: ___.
Simulação de uma proposta de gerenciamento dos Recursos
Hídricos da Bacia do Rio dos Sinos, RS: Relatório interno.
Porto Alegre: Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS.
36F, 1995.
[10]
NAÇÕES UNIDAS. The Demand for Water.
Resources. Water Series nº 3. NEW YORK, 1976.
[11]
NOGUEIRA, Jorge Madeira; MEDEIROS, Marcelino A. A. de.
Quanto vale aquilo que não tem valor? Valor de existência,
economia e meio ambiente. XXV Encontro Brasileiro de
Economia (ANPEC). Recife, dezembro, 1997, 20p.
[12]
ROGERS, P., BHATIA, R., HUBER, A. Water as a Social and
Economic Good: How to Put the Principle into Practice.
Stockolm: Global Water Partnership, 1998.
[13]
SANTOS, D. G. dos. Plano de Recursos Hídricos da Bacia
Hidrográfica do Rio Verde Grande: Documento para
discussão. Superintendência de Conservação de Água e Solo
(SAS)/ANA. 2004. Disponível em:
Natural
http://www.ana.gov.br/cbhverdegrande/Documentos/apresentacoes/
Apresenta_plano_sem_mapa_23_11_04.zip. Acesso em 26/06/2009
[14]
82
SENDIM, J. de S. C. Responsabilidade civil por danos
ecológicos: da reparação do dano através da restauração
natural. Coimbra: Coimbra Editora, 1998,p. 90.
RECURSOS HÍDRICOS E DESENVOLVI MENTO

Documentos relacionados