a floresta atlântica de tabuleiros - Prefeitura Municipal de Sooretama
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a floresta atlântica de tabuleiros - Prefeitura Municipal de Sooretama
A FLORESTA ATLÂNTICA DE TABULEIROS DIVERSIDADE FUNCIONAL DA COBERTURA ARBÓREA Subprojeto do PROBIO / MMA: Conservação e Recuperação da Floresta Atlântica de Tabuleiros, em Linhares e Sooretama - ES, com Base na Avaliação Funcional da Biodiversidade. Coordenadora: Irene Garay Departamento de Botânica Instituto de Biologia Departamento de Geografia Instituto de Geociências Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação - SR-2 Pró-Reitoria de Extensão - SR-5 Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Pesquisas de Solos Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Fundação Bionativa Sooretama, ES Reserva Biológica de Sooretama, ES Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis - IBAMA Fundação Universitária José Bonifácio - FUJB Apoio: Projeto de Conservação e Utilização da Diversidade Biológica Brasileira - PROBIO, Global Environment Facility GEF, Banco Mundial - BIRD, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq A FLORESTA ATLÂNTICA DE TABULEIROS DIVERSIDADE FUNCIONAL DA COBERTURA ARBÓREA Organizadores Irene Garay & Cecilia Maria Rizzini Autores Irene Garay1 Cecilia M. Rizzini1 Andreia Kindel1 Fernando Vieira Agarez1 Marco Aurélio Passos Louzada1 Raphael David dos Santos2 Raul Sanchez Vincens3 1 Laboratório Integrado Vegetação - Solo Departamento de Botânica, Instituto de Biologia, UFRJ. E-mails: [email protected] [email protected] [email protected] 2 Centro de Pesquisas de Solos EMBRAPA E-mail: [email protected] 3 Laboratório de Geomorfologia Fluvial, Costeira e Submarina Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, UFRJ E-mail: [email protected] © by Irene Garay Direitos de publicação: Editora Vozes Ltda Rua Frei Luis, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Programação visual: Claudio Bastos Fotos de capa: José Caldas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) A Floresta Atlântica de Tabuleiros : diversidade funcional da cobertura arbórea / Irene Garay, Cecília Maria Rizzini (Organizadores) . -Petrópolis, RJ : Vozes, 2003. Vários autores. Bibliografia. 1. Árvores - Brasil 2. Biodiversidade 3. Florestas - Brasil 4. Florestas - Regeneração Brasil 5. Mata Atlântica (Brasil) I. Garay, Irene. II. Rizzini, Cecília Maria. 03-5681 CDD-578.730981 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Floresta Atlântica de tabuleiros : Cober tura arbórea : Biodiversidade : Ciências da vida 578.730981 ISBN: 85.326.2938-5 Apresentação Dez anos se passaram! Em junho de 1992, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento focalizava a atenção do mundo sobre os desafios da biodiversidade. Em seguida, a Convenção sobre Diversidade Biológica era ratificada por mais de 180 Estados do planeta. Um dos maiores pressupostos para uma estratégia de conservação ou de utilização sustentável da biodiversidade é, sem dúvida, o conhecimento desta diversidade de espécies e de formas vivas, conhecimento este que deve se tornar amplamente acessível a grande parte das pessoas. Para isso, a realização de floras e de faunas converteu-se em uma prioridade e uma urgência, permitindo tanto ao amador como ao profissional identificar as espécies que reencontram e situá-las no contexto ecológico e climático onde se desenvolvem. Dez anos após “Rio 92”, é particularmente simbólico que venha à luz, graças ao dinamismo de Irene Garay e às competências que soube mobilizar ao seu redor, uma flora de espécies arbóreas de um dos 25 “hot-spots” da biodiversidade planetária, retomando a expressão de Myers, com 20.000 espécies de plantas entre as quais 8.000 endêmicas: a Floresta Atlântica do leste do Brasil. Estes “hot spots” da biodiversidade planetária possuem como característica congregar a maior parte da diversidade específica do globo (44% de plantas vasculares sobre 1,4% da superfície terrestre!), sendo também a mais ameaçada. É claro que não é possível proteger ou utilizar de forma inteligente, isto é, sustentável, aquilo que não se conhece ou se conhece mal. Hoje, com este notável trabalho que apresenta com vigor ilustrações e desenhos das espécies arbóreas da flora atlântica, situadas em um contexto ecológico e sua história biogeográfica, o Brasil aporta uma contribuição significativa ao conhecimento desta floresta e, devemos esperar, à conservação deste ecossistema excepcional, alto-lugar do patrimônio biológico do planeta. Robert Barbault Diretor do Departamento de Ecologia Muséum d’Histoire Naturelle de Paris Sumário Sumário ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. vi Prefácio ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ vii Parte 1. Diversidade Funcional da Cobertura Arbórea 1. Uma História Recente ................................................................................................................................................................................................................................................................................ 3 Irene Garay 2. A região da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares e seu Entorno: das Características FísicoGeográficas ao Uso da Terra ............................................................................................................................................................................................................................................................. 7 Raul Sanchez Vincens, Fernando Vieira Agarez & Irene Garay 3. Diversidade Funcional dos Solos da Floresta Atlântica de Tabuleiros .................................................................................................... 16 Irene Garay, Andreia Kindel, Marco Aurélio Passos Louzada & Raphael David dos Santos 4. A Floresta em Pé: Heterogeneidade de Fragmentos e Conservação ..................................................................................................... 27 Fernando Agarez & Irene Garay 5. A Esclerofilia Foliar como indicador Funcional do status da Biodiversidade em Floresta Atlântica de Tabuleiros ......................................................................................................................................................................................................................................................................... 35 Cecilia Maria Rizzini & Irene Garay 6. A Dimensão Funcional da Diversidade Biológica ............................................................................................................................................................................ 50 Irene Garay 7. No Futuro .......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 53 Bibliografia .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................. 54 Parte 2. Árvores da Floresta Atlântica de Tabuleiros: morfologia foliar e esclerofilia Cecilia Maria Rizzini & Irene Garay 1. As Árvores da Floresta Atlântica de Tabuleiros .................................................................................................................................................................................... 59 2. Princípios Metodológicos A escolha das espécies ........................................................................................................................................................................................................................................................................ 61 Estudo da morfologia foliar .......................................................................................................................................................................................................................................................... 63 A esclerofilia: uma propriedade das espécies arbóreas ................................................................................................................................................... 63 3. Nomenclatura Foliar ................................................................................................................................................................................................................................................................................. 66 4. Lista das Espécies Catalogadas ............................................................................................................................................................................................................................................ 69 Catálogo Foliar ..................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 73 Chave Analítica de Determinação de Espécies Arbóreas ......................................................................................................................................... 248 Bibliografia Consultada .................................................................................................................................................................................................................................................................. 253 VI Prefácio Recobrindo os Tabuleiros Terciários do norte de Espírito Santo e sul da Bahia, ergue-se uma das florestas mais ricas em biodiversidade da biosfera porém, ainda, pouco conhecida. Ela constitui entretanto um chamado de alerta para a conservação: se por um lado, alia-se a sua diversidade a alta taxa de endemismo, tanto de espécies animais como vegetais, por outra parte, o desenvolvimento não sustentado de épocas passadas, conseqüente à ocupação humana, confinou a existência da floresta a manchas esparsas distribuídas em paisagens fortemente antropizadas. A Floresta dos Tabuleiros Terciários tem a sua maior expressão nas terras além do Rio Doce onde a Reserva Biológica de Sooretama, terra dos animais da mata em língua indígena, se entrelaça com a Reserva Florestal de Linhares e com a floresta existente em propriedades rurais, conformando o maior núcleo remanescente de Mata Atlântica do norte do Rio de Janeiro ao sul da Bahia. Os atuais Municípios de Sooretama e Linhares são os detentores deste patrimônio. Nestes ecossistemas, o estudo da diversidade de espécies, componente da biodiversidade que emerge bem antes da diversidade genética ou a de ecossistemas, é dificultado pela própria abundância de táxons que eles contêm. Assim, mais de seiscentas espécies arbóreas foram recenseadas unicamente para a Reserva Florestal de Linhares. O problema se acentua quando se trata de compreender o funcionamento do ecossistema: registrar as espécies e suas densidades não conduz em geral à compreensão dos processos sustentados pela biodiversidade e que se expressam nos serviços que os ecossistemas prestam para a manutenção d’água, ar e solo. Todavia, as inúmeras espécies que compõem as comunidades dificultam a identificação de indicadores para avaliação e monitoramento da biodiversidade, atividades portanto essenciais à gestão dos recursos biológicos. Frente a estas questões, a noção de grupo funcional representa um conceito operacional que possibilita reagrupar as espécies segundo propriedades que lhe são inerentes e que podem ser definidas distintamente segundo a comunidade estudada e os objetivos da pesquisa. Em contrapartida, a elaboração de grupos funcionais exige um conhecimento mais ou menos amplo da diversidade taxonômica afim de agrupar as espécies. Na prática, possuir uma lista de espécies é insuficiente: interessa amiúde conhecer de maneira precisa a que espécie pertence cada um dos indivíduos presentes no ecossistema ou numa parcela dele. Reside aí o maior obstáculo quando se trata de identificar as espécies arbóreas das florestas tropicais na medida que a variabilidade fenológica se sobrepõe à diversidade taxonômica. Poucas são as espécies que florescem todos os anos sendo que, para algumas dentre elas, a floração é imprevisível porque dependente de condições climáticas particulares diferentes segundo os anos. Ora, a taxonomia clássica se baseia nas estruturas reprodutivas, isto é, nas flores e nas inflorescências, tornando o esforço de pesquisa desmensurado quando se trata de caracterizar a diversidade taxonômica com vistas à determinação de grupos funcionais, o que, em geral, limita excessivamente o número de espécies estudadas. Assim, a elaboração de modelos operacionais que possibilitem relacionar a diversidade taxonômica das comunidades, o funcionamento do ecossistema e a identificação de indicadores para avaliação e monitoramento da biodiversidade, à escala da paisagem ou da microrregião, representa um desafio conceitual e metodológico. Afrontar este desafio é, não obstante, imprescindível para poder transpor o conjunto de dificuldades ligadas ao estudo da cobertura arbórea, sustento fundamental dos VII ecossistemas florestais e, portanto, suscetível de revelar o status da biodiversidae em fragmentos remanescentes. Inserido neste contexto, o presente volume apresenta, numa primeira parte, uma síntese de nossas pesquisas sobre indicadores funcionais do status da biodiversidade da comunidade arbórea na Floresta Atlântica do norte de Espírito Santo. A variabilidade taxonômica dos fragmentos florestais expressa efetivamente o grau de modificação antrópica ocasionado pelo uso o que permite, segundo nossos resultados, avaliar a heterogeneidade dos fragmentos quanto a seu estado de degradação à escala da região. Esta avaliação se encontra na base de qualquer política de gestão participativa que pretenda integrar, num modelo de conservação, o conjunto dos remanescentes existentes e propor alternativas de manejo condizentes à recuperação e à restauração florestal. Quanto ao discutido caráter semicaducifólio da Floresta Atlântica de Tabuleiros, ele deixava entrever, entre as árvores do dossel, a coexistência de espécies com folhas perenes, semicaducifólias e caducifólias, o tempo médio de permanência das folhas na copa estando correlacionado com o aumento da esclerificação dos tecidos foliares, isto é, com o grau de esclerofilia das espécies. Os resultados aqui apresentados confirmam a diversidade funcional do povoamento florestal com respeito à esclerofilia e a possibilidade de utilizar este atributo em tanto que indicador de formas de uso. Por fim, a segunda parte deste trabalho consta de um conjunto de informações, que suportaram nossas pesquisas sobre as essências florestais e que estão organizadas sob a forma de um catálogo foliar: ele objetiva não somente explicitar os dados que levaram ao agrupamento das espécies em categorias funcionais mas sobretudo facilitar a identificação de um conjunto de árvores representativas destas florestas a partir do material vegetativo. Não podemos silenciar, nesta apresentação, uma contribuição de fundamental importância para o estudo de florestas tropicais, notadamente no presente caso. Trata-se da contribuição que o VIII saber tradicional outorga à pesquisa científica: acumulado durante anos, ou provavelmente séculos, ele permite que o tempo de trabalho seja reduzido de alguns anos para poucos meses. No meio acadêmico o saber tradicional aparece regularmente associado, nos agradecimentos, ao “mateiro” sem o qual a identificação das espécies em tempo útil torna-se praticamente inviável. Nesse nosso encontro com o saber tradicional foi entrevista a possibilidade de se trabalhar com o material foliar e sua variabilidade em relação à esclerofilia, foram implantadas parcelas, identificadas as árvores sem flores, recolhido o material foliar das copas, elaboradas hipóteses sobre os tamanhos foliares e transferida a idéia de sistematizar conhecimento sobre o material vegetativo para identificação das espécies arbóreas... É necessário, finalmente, salientar que foi graças ao apoio das lideranças políticas e comunitárias do Município de Sooretama e à colaboração da Reserva Florestal de Linhares, hoje Reserva Natural da Companhia Vale do Rio Doce, com seu acúmulo de conhecimentos construído ao longo de anos, que este trabalho pode ser realizado. Irene Garay Parte 1 Diversidade Funcional da Cobertura Arbórea Irene Garay Andreia Kindel Cecília M. Rizzini Fernando V. Agarez Marco Aurélio Passos Louzada Raphael David dos Santos Raul Sanchez Vícens Este trabalho foi realizado graças à colaboração de: Prof. Dr. Jorge Marques (geomorfologia e mapeamento - UFRJ) Prof. Dr. Mauro Argento (mapeamento - UFRJ) Profa. Dra. Carla Madureira (tratamento de imagens satélites - UFRJ) Profa. Dra. Edna Machado-Guimarães (etno-ecologia - UFRJ) M. Sc. Daniel Peres (análise de solos - EMBRAPA) M. Sc. Marcelo Saldanha (análise de material foliar e de solos - EMBRAPA) Rejane Gomes (bolsista de iniciação científica - CNPq) Filipe Noronha (bolsista de iniciação científica - CNPq) Eng. Renato de Jesus (Reserva Natural da CVRD, ES) Eng. Guanadir Gonçalves Sobrinho (Reserva Biológica de Sooretama - IBAMA, ES) Eng. Wanderlei Fornasier Morgan (Prefeitura Municipal de Sooretama, ES) Sr. Gilson Lopes de Farias (identificação botânica - BIONATIVA, ES) Sr. Nivaldo del Piero (trabalho de campo - BIONATIVA, ES) Dr. Xerxes Caliman (Fazenda Refúgio, ES) Sr. Agostinho (identificação botânica - Reserva de Linhares, ES) Sr. Domingos Folgi (identificação botânica - Reserva de Linhares, ES) 1. Uma história recente Irene Garay Entre os 25 hotspots da biosfera, as regiões que contêm as maiores riquezas biológicas e as mais ameaçadas de extinção do planeta (Mittermeier, 1997; Myers, 1997), a Floresta Atlântica se caracteriza pela forte fragmentação de seus ecossistemas, ligada essencialmente à ocupação humana e ao desenvolvimento acelerado e não sustentável das últimas décadas (Viana & Tabanez, 1996; SOS Mata Atlântica et al., 1998; Conservation International et al., 2001). Com efeito, o domínio da Floresta Atlântica alberga 70% da população brasileira cuja colonização é, em parte, relativamente recente tal o caso da Floresta Atlântica de Tabuleiros. Ela recobria, há quarenta anos, 30% da região norte do Estado do Espírito Santo sendo que, atualmente, o manto florestal se resume a 5%, dos quais 1,5% sob status legal de preservação (Jesus, 1987; SOS Mata Atlântica et al., 1998). Em prelúdio Na região norte do Estado de Espírito Santo, a história dos fragmentos florestais existentes acompanha de fato a história da colonização e vai de encontro aos conflitos de posse da terra próprios de cada época. Vários foram, efetivamente, os motivos que limitaram a ocupação humana das terras situadas entre a margem Norte do Rio Doce e a cidade de São Mateus, antigo porto de escravos criado em meados do primeiro século da colonização portuguesa. A mata majestosa estava protegida por uma dupla barreira: por um lado, o próprio Rio Doce, com sua expressiva largura, controlado por habitantes indígenas fortemente hostis ao colonizador; por outra parte, os insalubres pântanos costeiros, fonte de febres que dizimaram os primeiros colonizadores e, posteriormente, os imigrantes do final do século XIX, vindos do sul do Estado e recolhidos, então, nas encostas montanhosas do interior. Todavia, o Rio Barra Seca com seu leito intransitável defendia as árvores centenárias das incursões predatórias provenientes, seguramente, de São Mateus (Aguirre, 1951). Razões político-administrativas contribuíram igualmente ao isolamento da região: como relatado por Egler (1951), a circulação fluvial foi praticamente proibida no baixo Rio Doce durante a Colônia afim de evitar a perda de controle dos minérios e pedras preciosas provenientes das Minas Gerais. A centralização no Rio de Janeiro não se limitou ao transporte de mercadorias: na segunda metade do século XIX, a população do quase inabitado Estado de Espírito Santo passou de aproximadamente 12.000 pessoas, com cerca de dois terços de escravos, a mais de 100.000 graças sobretudo aos imigrantes do norte da Itália e, também, à contribuição da Pomerânia, antiga região da Polônia. Eles se instalaram no sopé das serras, além do mar, cujos solos eram mais propícios ao cultivo e o clima mais salutar que nas planícies costeiras dos tabuleiros. Entre a chegada do colonizador e o final do século XIX, a floresta se estendia mais ou menos contínua entre a margem esquerda da foz do Rio Doce e o percurso final do Rio Barra Seca. No entremeio, a perseguição aos índios, a militarização da Capitania do Espírito Santo e a criação do povoado de Linhares - quando da resposta, em 1809, ao ataque do Porto de Souza e à destruição do quartel de Coutins pela tribo dos botucudos - deixavam pressagiar as drásticas mudanças do século XX. O esforço pioneiro No seu livro sobre a criação da Reserva de Sooretama, Aguirre (1951) desenha as características dos primeiros colonos da região dentro de uma visão conservacionista peculiar à época. Após menção à chegada de imigrantes nordestinos acossados pela seca de 1877, ele relata as formas de uso da terra dos novos colonos dominadas pelos ciclos de queima e derrubadas anuais para o cultivo de subsistência da mandioca: .."com o fácil pretexto de que terra nova tem pouca formiga e não precisa muita capina, o caboclo indolente aumentava anualmente a área devastada"... "a maioria pode se incluir no rol dos fazedores de desertos" mas "somente em 1923 com a construção de uma ponte, com a extensão de 700 metros, ligando a cidade de Colatina às terras do Norte, é que esta região começou a desenvolver-se"... "Em conseqüência, assoberbado com o aniquilamento impune desse patrimônio nacional, surgiu-nos, espontaneamente, a idéia da criação de um parque florestal e de refúgio de animais silvestres, com o fim de preservar a fauna e a flora local da sanha dos caçadores, da ganância dos madereiros e da insensatez dos colonizadores" (Aguirre, 1951). O início da formação da atual Reserva Biológica de Sooretama, o primeiro Parque de Reserva e Refúgio de Animais Silvestres do Brasil, se situa em 1943 e resulta da Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 3 doação, ao Governo Federal, de uma já existente Reserva Florestal pertencente ao Estado de Espírito Santo (Fig. 1). Figura 1. Decreto do Interventor do Estado do Espírito Santo instituindo a doação das terras que originaram a criação da Reserva Biológica de Sooretama. Na realidade, esta primeira Reserva Florestal Estadual, objeto da doação, havia tido sua área original substituída por outra de tamanho similar. Situadas, anteriormente, a Oeste da antiga rodovia Linhares-São Mateus, as terras da Reserva Estadual estavam anteriormente delimitadas a Leste da dita rodovia, quando da criação, em 30 de setembro de 1941, pelo interventor do Estado através do Decreto-lei n° 12.958 (Fig. 2). As escrituras da doação ao Governo Federal foram realizadas em 1965, ou seja, após mais de vinte anos. A área original ao Oeste, outrora substituída, isto é, a Reserva Florestal Barra Seca, será objeto de sucessivos conflitos de posse da terra que se alastraram até 1971 quando o Instituto Brasileiro de Florestas (IBDF) decide, pela Portaria n° 2.015/71, a incorporação definitiva da Reserva de Barra Seca à Reserva Biológica de Sooretama, denominação esta última dada pela Portaria do IBDF n° 939 de 1969 (IBDF & FBCN, 1981). Os mais de 10.000 hectares se adicionam, então, aos 12.000 hectares da primeira doação constituindo, junto com outras demarcações, os cerca de 24.000 hectares da atual unidade de conservação, a REBIO Sooretama (Fig. 3). O conflito uso-conservação emerge de dois atores sociais principais: por um lado, os habitantes da região, os posseiros que conviviam com a floresta, entre os quais as trinta ou quarenta famílias que foram obrigadas a transferirse da futura REBIO Sooretama para as terras de ninguém (Aguirre, 1951); por outra parte, as próprias instituições ligadas à União com marcada preocupação pelo desenvolvimento do País e, em seguida, do Estado. Neste último sentido, dois fatos são ilustrativos: o primeiro se refere a uma ação do Governo do Espírito Santo que, em 1968, reivindicou a revogação da doação da Reserva Florestal Barra Seca cuja exploração seria do interesse da Companhia Vale do Rio Doce, nesse tempo, empresa do Governo Federal. O segundo fato concerne a BR-101, estrada federal que atravessa a REBIO Sooretama, Figura 2. Traçado original da Reserva Biológica de Sooretama quando da criação do Parque de Reserva e Refúgio de Animais Silvestres Sooretama. Segundo Aguirre (1951). 4 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) Irene Garay - BIONATIVA Irene Garay - BIONATIVA Figura 3. Vista aérea da Reserva Biológica de Sooretama (acima) e interior da floresta (abaixo). A Floresta Atlântica de Tabuleiros: Diversidade Funcional da Cobertura Arbórea 5 construída à revelia da legislação ambiental, já que, na época, uma tal construção não era permitida pelo Código Florestal de 1965 (IBDF & FBCN, 1981); ela é construída seguindo a linha dos antigos telégrafos. Mas, contemporâneo à criação inicial da REBIO, ou seja, nos anos quarenta, inicia-se um novo fluxo migratório maciço que traz à cena outros colonos; são os habitantes da serra, movidos pelo esgotamento da terra conseqüente aos plantios de café. Esta imigração interna é todavia favorecida quando da inauguração, em 1953, da ponte sobre o Rio Doce. O drástico aumento da devastação da floresta e da exploração madeireira surge na convergência das necessidades deste conjunto de agentes. Para uns, o solo da mata deveria sustentar as plantações; para os outros, a força dos fustes devia ser transformada em telégrafos, dormentes e, ainda, carvão. Entre ambos, o acordo nos momentos de crise, tal o acontecido na década de 50 quando do incentivo da retirada oficial dos pés de café resultante da queda brutal dos preços ao nível internacional. É a volta ao corte das árvores da floresta que possibilita a subsistência dos habitantes da região. A década de 60 é marcada pelos plantios de Eucalyptus, que também atravessam o Rio Doce por meio da Florestas Rio Doce, uma subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce, empresa que deverá contribuir à criação da Reserva Florestal de Linhares aportando uma efetiva continuidade, na sua porção Leste, à floresta já protegida da REBIO Sooretama. Nos anos 50, as barreiras que impediram a ocupação da região haviam desaparecido: a criação de gado a Oeste, os plantios de café ao Sul, enfim, as manchas arborizadas dos Eucalyptus foram cercando o contorno da REBIO Sooretama e quebrando a continuidade do manto florestal. Ao isolamento da floresta, se contrapõe, nesse ínterim, a formação da Reserva Florestal de Linhares, área preservada que possibilita praticamente dobrar a superfície da REBIO Sooretama. Parece, então, que um paciente trabalho de reunião de diversas glebas, integrando uma única área, deu nascimento à configuração atual da Reserva de Linhares, ou Reserva Natural da Companhia Vale do Rio Doce (Borgonovi, 1983). Algumas escrituras mostram terem sido adquiridas em 1951 com a pretendida intenção de estabelecer um estoque madeireiro para a construção da estrada de ferro Vitória-Minas (Borgonovi, 1983; Jesus, 1988). Até 1977 foram realizados diversos levantamentos silvo-culturais destinados fundamentalmente à avaliação do potencial madeireiro para o uso sustentado; isto é, o extrativismo seletivo tal como praticado nos anos 60. Porém, nenhum plano de utilização fora implementado e a mata natural e seus ecossistemas associados, que se estendiam sobre 19.000 hectares, não sofreram praticamente intervenção (Jesus, 1988). Pouco se sabe sobre os colonos que habitavam nessas terras mas a presença atual de um cemitério e a eliminação recente de um coreto revelam a presença passada da 6 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) comunidade de São João Batista, porém pouco populosa, e deixam imaginar uma ocupação da área por antigos posseiros. O certo é que progressivamente a necessidade de conservação se integrou nos planos de atividade da propriedade, centrados na pesquisa de restauração florestal e na recuperação de áreas degradadas com essências nativas (Borgonovi, 1983; Jesus, 1987,1988). No entanto, a Reserva, chamada de "a floresta" foi fonte de emprego, até o início dos anos noventa, para a comunidade vizinha do Distrito de Córrego d'Água, denominação consecutiva à grande seca de 1954 quando excepcionalmente este córrego conservara o precioso recurso. Ela representa um centro privilegiado de desenvolvimento de conhecimentos, já acumulado durante quatro décadas, sobre a Floresta Atlântica de Tabuleiros. Entre o Rio Barra Seca e o Rio Doce, a floresta nativa se havia recolhido essencialmente nos limites de ambas as Reservas sem esquecer algumas propriedades rurais cujas terras, contíguas à Reserva de Linhares, suavizam, ainda hoje, seu contorno áspero que lembra a compra das diferentes glebas. Hoje, a mancha florestal de quase 50.000 hectares é um dois maiores remanescentes de Floresta Atlântica do Norte de Rio de Janeiro ao Sul da Bahia e representa mais de 50% da floresta restante no Estado do Espirito Santo. A floresta viva Contudo, a memória da floresta, outrora existente, ficou enraizada na população local e os numerosos fragmentos que aqui e acolá surgem na paisagem, entre os plantios de café, testemunham uma certa integração uso-conservação. Se o homem da mata, com seu cultivo itinerante incessante, sem esgotar a terra, facilitava com certeza a cicatrização das clareiras, o colono mais recente, que introduz o café, precisa da madeira e aprende os diversos usos das espécies nativas. Ele se contrapõe ao criador de gado, que fora oficialmente incentivado no passado (Aguirre, 1947), apesar da recorrente utilização do fogo para rebrote dos pastos e da degradação acelerada das terras sem retorno social conseqüente. São os numerosos descendentes destes colonos e dos antigos homens da mata que, em 1994, fundam e instituem o Município de Sooretama centralizado no povoado de Córrego d'Água, assim chamado porque "é em Sooretama que se encontra a mata ainda existente". A criação do Município de Sooretama vem a outorgar à Floresta Atlântica dos Tabuleiros Terciários uma identidade política e um projeto de futuro. As novas tecnologias agrícolas necessitam do uso racional d'água, cuja existência está intimamente ligada à preservação e restauração da floresta que margeia os numerosos córregos e riachos e que fora outrora devastada, quase em totalidade. Pode ser que aquele escrito quando do Plano de Manejo da Reserva Biológica de Sooretama represente algo mais que um apelo às boas intenções e que as Reservas e os numerosos fragmentos possibilitem conciliar a proteção da natureza com o desenvolvimento social e econômico, transformando-se, para os que conviveram e guardam a floresta, em fatores de bem-estar social. Assim, o recente plantio de restauração de uma centena de hectares de bordas de córregos e mananciais, junto aos produtores rurais, e a criação da Fundação Bionativa, no Município de Sooretama, destinada a apoiar as atividades futuras de restauração florestal e de formação de jovens parecem marcar o retorno da floresta à região ... 2. A região da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares e seu entorno: das características físico-geográficas ao uso da terra Raul Sanchez Vícens, Fernando V. Agarez, Irene Garay Localização O núcleo florestal das Reservas interage com as terras sob jurisdição de quatro Municípios da região Norte do Estado do Espírito Santo: Vila Valério, Jaguaré, Linhares e Sooretama. Os dois últimos, com diferentes superfícies, englobam quase em totalidade, respectivamente, a Reserva de Linhares e a REBIO Sooretama; os outros, apesar de serem simplesmente limítrofes, como Jaguaré e Vila Valério, influem, sobre o devenir das extensas bordas da REBIO Sooretama na sua porção Oeste e Norte. O conjunto desta área demonstrativa se encontra, entretanto, sob jurisdição do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que tem a atribuição de determinar medidas específicas de conservação num raio de 10 quilômetros do entorno de qualquer unidade de conservação e a fortiori da REBIO Sooretama, unidade de conservação de uso indireto (Fig. 4.1). Figura 4.1. Localização da Área de Estudo. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 7 Do ponto de vista metodológico, a caracterização à escala geográfica não pode ter mais que limites arbitrários, não existindo delimitação político-administrativa ou fisiográfica precisa que possibilite o estudo deste núcleo florestal e de seu entorno com vistas a poder estabelecer em qual contexto físico, climático e de uso da terra, a floresta se instala e se mantém. A área de análise está delimitada por um retângulo envolvente, que abrange: o Município de Sooretama, a Reserva Biológica de Sooretama, a Reserva Florestal de Linhares (CVRD) e as bacias hidrográficas dos tabuleiros. hidrográficas localizadas em relevo de tabuleiros, localizadas ao Norte do Rio Doce e tributárias do Rio Barra Seca (Fig. 4.2). Uma história passada Geologia O relevo da região de tabuleiros se desenvolve sobre um pacote de sedimentos continentais costeiros que constitui a litologia predominante na região e que é denominado Grupo Figura 4.2. Bacias hidrográficas da área de contribuição dos tabuleiros na vertente Sul do Rio Barra Seca. O retângulo é delimitado pelos paralelos 18º48' 27,66" e 19 º21' 7,30" de latitude Sul e os meridianos 39º 50' 6,48" e 40º 24' 32,47" de longitude Oeste, ou pelas coordenadas UTM (projeção Universal Transversa de Mercator) 7860000 m e 7920000 m de latitude e 352000 m e 412000 m de longitude, da zona 24 Sul, latitude de origem 0 º e longitude de origem 39 º W, Datum SAD 69 (South American 1969). A localização geográfica das Reservas e de seu entorno estão representadas na Figura 4.1. Dentro da área demarcada foram delimitadas 16 pequenas bacias 8 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) Barreiras (Branner, 1902; Bigarella & Andrade, 1964). O Barreiras se subdivide em duas seqüências sedimentares: o Barreiras Inferior, depositado no período Terciário e uma segunda seqüência que corresponde à deposição do Barreiras Superior (Pleistocênico), ambas separadas por uma discordância erosiva (Amador & Dias, 1978; Amador, 1982a,b). A seqüência sedimentar do Barreiras Inferior, constituída por depósitos continentais do Terciário Superior, provavelmente do Mioceno-Plioceno, está composta principalmente por camadas tabulares que apresentam uma Figura 5. Distribuição das principais litologias. Em destaque a área de estudo. Fonte: RADAM, 1978. certa regularidade lateral, nas quais predominam sedimentos grosseiros, arenitos arcoseanos e cascalhos que contêm inclusões de argilitos de forma lenticular. Esta seqüência, definida por Amador & Dias (1978) como Formação Pedro Canário, se estende entre os rios Mucuri e Itaúnas no Norte do Estado e constitui a unidade basal do Grupo Barreiras, isto é, a camada mais profunda à qual se sobrepõem os depósitos sedimentares do Barreiras mais recente. Estes autores sugerem que a deposição desta unidade aconteceu em ambiente fluvial, num sistema de drenagem anastomosante, e em condições climáticas secas, ver semi-áridas. Como conseqüência, os sedimentos sofreram um curto transporte, sendo a Formação Pedro Canário constituída por sedimentos depositados praticamente in situ. Cobrindo o Barreiras Terciário ou Inferior encontra-se o Barreiras Superior ou Pleistocênico, relacionável à Formação Riacho Morno (Bigarella & Andrade, 1964). Segundo Amador (1982a), esta Formação apresenta uma grande heterogeneidade na composição granulométrica dos depósitos, constituídos por camadas estreitas de material predominantemente areno-argiloso e argilo-arenoso. O contato do Barreiras Superior com o Barreiras Terciário ou com o embasamento cristalino é caracterizado por uma discordância erosiva (Amador, 1982a). Quanto a esta descontinuidade, supõe-se que corresponde a um período de chuvas intensas e concentradas e de fortes ventos, situado precisamente entre o Terciário Superior e o Quaternário. Em que pese o caráter tabular do grupo Barreiras, que recobre, porém de forma discordante, as estruturas pré-cambrianas, é possível evidenciar alinhamentos estruturais mais antigos encobertos, i.e. cristas de vales cristalinos que controlam os morfoalinhamentos superficiais, principalmente em trechos retilíneos de alguns rios. A Oeste, os contatos entre o Grupo Barreiras e o embasamento cristalino se realizam predominantemente com as litologias de gnaisses do Complexo Paraíba do Sul, bem que, localmente, este contato se produz com os granitos porfiróides do Complexo Medina que chegam ocasionalmente a sobressair acima dos tabuleiros, formando um relevo residual de colinas isoladas (RADAM, 1978) (Fig. 5). Dentre os granitos porfiróides emergentes do Complexo Medina, destaca-se, na área de estudo, a Serra da Pedra Roxa, com 508 metros de altitude, visualizada na imagem de satélite pelas feições positivas e a forma subcircular. A Leste, o Grupo Barreiras estabelece contato com os depósitos sedimentares quaternários, depositados após a penúltima transgressão marinha, com uma distribuição expressiva na foz do Rio Doce (Bittencourt et al., 1979). A origem flúvio-marinha destes depósitos é conseqüência do bloqueio do transporte litorâneo de sedimentos arenosos pelo fluxo fluvial resultando num avanço da linha costeira em função dos aportes fluviais (Suguio et al., 1985). Os depósitos quaternários fluviais correspondem aos sedimentos holocênicos flúvio-lagunares e aluviais, distribuídos nas calhas e planícies de inundação dos rios, representados essencialmente por areias e siltes argilosos ricos em matéria orgânica (RADAM, 1978). Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 9 Geomorfologia As principais causas da evolução das planícies litorâneas brasileiras encontram-se nas flutuações do nível relativo do mar, associadas às modificações climáticas (Suguio et al., 1985). Na área de estudo predominam os depósitos sedimentares que formam as planícies costeiras, representadas pelos complexos deltaicos, estuarinos e praianos, e os tabuleiros costeiros, constituídos por sedimentos do Grupo Barreiras e inseridos dentro da encosta do Planalto Cristalino Brasileiro (IBGE & FBCN, 1981). Os tabuleiros costeiros caracterizam-se, em geral, pela predominância de feições aplanadas, cujas altitudes máximas não ultrapassam os 200 metros, sendo a média de 60-70 metros. A característica tabular do relevo é mais bem evidenciada ao Leste, nas proximidades da superfície flúviomarinha quaternária e em alturas inferiores a 100 metros, onde predominam interflúvios de topo plano, próprios das colinas abatidas pela sucessão de eventos erosivos, aplanamentos e sedimentação. Ao interior, feições onduladas de topo convexo são observadas apenas nas regiões influenciadas pelo relevo das rochas cristalinas subjacentes, em conseqüência da reduzida espessura local do pacote sedimentar do Barreiras. Eventualmente as rochas cristalinas afloram, formando colinas isoladas que mantém as maiores cotas altimétricas. No Holoceno, a descida do nível relativo do mar levou à construção de terraços marinhos a partir de ilhas-barreiras, resultando na progradação da linha de costa. A decapitação da drenagem levou as lagunas a se transformarem gradualmente em lagoas e estas, em função do nível altimétrico, em pântanos que foram, em grande parte, drenados artificialmente. Ao longo do litoral, a faixa de Restinga forma um cordão de barragem e obriga os pequenos rios a percorrer extensões paralelas à costa, como no caso do Rio Barra Seca. A Oeste, os depósitos sedimentares limitam com a faixa de dobramentos reativados onde o relevo montanhoso apresenta níveis de dissecação escalonados formando patamares, delimitados por frentes escarpadas adaptadas a falhas voltadas para Noroeste e com caimento topográfico para Sudeste. A estrutura exerce um forte controle sobre a rede de drenagem, que adquire um padrão subdendrítico e retangular tal como amostrado pela Figura 4.2. A maioria das bacias apresenta um padrão de drenagem paralelo, típico das superfícies sedimentares de tabuleiro, nas quais os rios correm, sem controle estrutural, na direção do mar. Acima dos 100m de altitude, a drenagem apresenta um padrão mais dendítrico, mudando a direção do curso dos rios em virtude do controle estrutural exercido pelo embasamento cristalino e a provável existência de fraturas e vales cristalinos mais antigos, orientados na direção NESW, ora recobertos pelos depósitos sedimentares terciários. Nas partes mais baixas, as bacias, que tiveram seus canais principais decapitados pelos depósitos marinhos quaternários, deram lugar a lagoas ou, em alturas ligeiramente maiores, 10 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) a áreas embrejadas nos largos fundos de vales colmatados, como as várzeas dos rios Barra Seca, Ronco Alto e João Pedro. Os canais mostram, em geral, uma forma transversal convexa, isto é, encostas arredondadas e o fundo plano entulhado. Devido ao entulhamento dos canais e à permeabilidade dos depósitos sedimentares, os fluxos hídricos são principalmente subsuperficiais. Condições hidroclimáticas e uso da terra O clima geral O clima geral da região se caracteriza pela marcada sazonalidade devida a uma estação chuvosa, no verão, e a outra, seca ou menos úmida, no inverno. Em contraposição, existe uma relativa isotermia anual, com uma temperatura média do mês menos quente acima de 18°C, própria das baixas latitudes. Ambas as características incluem o clima da região no tipo Aw de Köppen. Segundo as médias de dados climáticos dos últimos doze anos - 1988 a 2000 -, a precipitação anual é de 1.178 mm/ ano, distribuída num período chuvoso de outubro a março, com médias de totais mensais variando entre 130 mm a pouco mais de 200 mm. No período mais seco, de abril a setembro, as precipitações não excedem 25% do total anual (Fig. 6). Figura 6. Climograma correspondente às médias das precipitações e temperaturas mensais para o período 1988-2000. Dados registrados na Fazenda Experimental de Sooretama cedidos pela INCAPER, Município de Sooretama, ES. A evaporação média alcança os 1.246 mm/ano, também com máximas no verão, chegando a ultrapassar quase sempre as precipitações durante o inverno. A temperatura média anual é de 24,6ºC, com uma pequena amplitude térmica ao longo do ano, variando entre 22ºC e 27ºC (Fig. 6). Como em outras regiões do trópico, é o ciclo diário que revela as maiores diferenças de temperatura, notadamente durante o inverno seco quando a amplitude térmica pode alcançar 15°C (Garay et al., 1995). Resultado da cercania do Oceano Atlântico e dos ventos alísios dominantes, a umidade relativa apresenta uma média anual de 80,9%, mantendo-se relativamente constante ao longo do ano. O confronto destes dados com outras séries anuais anteriores revela uma certa estabilidade climática para períodos da ordem de dez anos (Jesus, 1987; Garay et al., 1995). Porém, as médias plurianuais mascaram o traço mais marcante do clima regional: a variação interanual das precipitações pode ser da ordem de 50%, determinando a existência de secas anuais recorrentes (Garay et al., 1995). Estas secas correspondem, essencialmente, à diminuição brutal das precipitações no período úmido estival, com conseqüências desastrosas não somente para a agricultura mas também para a conservação dos remanescentes florestais. Assim, na primavera de 98 e verão-outono de 99, a seca extrema favoreceu a expansão do fogo na REBIO Sooretama que percorreu quase 3.000 hectares e levou a incluir a região Norte do Estado dentro da área de abrangência da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). As relações entre os recursos hídricos e a ocupação do solo Do mapa de ocupação do solo da área de estudo, emerge, sobre os tabuleiros, a silhueta maciça da REBIO Sooretama que se prolonga, ao Leste, na imagem mais recortada da Reserva de Linhares. Ao Norte e Leste, as bordas externas de ambas as Reservas ficam contornadas pela várzea do Rio Barra Seca que recebe o Córrego Cupido e, em seguida, pela Restinga e parte do sistema lacunar da planície costeira quaternária. No oposto, marcando o isolamento do núcleo florestal, os limites internos e Oeste apresentam uma transição abrupta com pastagens e terras cultivadas que Figura 7. Mapa temático de ocupação do solo na área demonstrativa. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 11 penetram na floresta da Reserva de Linhares (Fig. 7). Os grandes tipos de uso da terra revelam as correntes de ocupação humana da área. As pastagens que predominam o Oeste, sobretudo no Município de Vila Valério, representam o primeiro núcleo migratório cuja atividade principal foi e é a pecuária, ficando em segundo plano as culturas agrícolas (IBGE & FBCN, 1981; ver também Aguirre, 1951). Este primeiro povoamento foi formado por uma população vinda tanto do Norte do Estado como de Minas Gerais e, todavia, da margem inferior esquerda do Rio Doce, buscando a melhora das condições de vida. É esta região que ainda hoje representa a maior ameaça para a conservação da REBIO Sooretama como demonstrado pelo recente incêndio ou, ainda, pela freqüência e intensidade da caça predatória na sua porção Oeste, a outrora Reserva Florestal Barra Seca. Quanto aos plantios de Eucalyptus, eles encontram-se mais ou menos alinhados às margens da BR-101 e mais concentrados na porção Norte o que se deve, sem dúvida, à maior proximidade do Município de São Mateus onde se situa a sede local das Florestas Rio Doce, principal responsável atual por este cultivo. Como mencionado anteriormente, os plantios arbóreos produtivos se desenvolveram a partir da década de 60 e não aparecem associados ao povoamento da região, na medida que a instalação, manutenção e exploração dos talhões necessita apenas de pouca e esporádica mão de obra. No interlúdio das primeiras correntes migratórias e a atual estrutura demográfica e agrícola, se situam as atividades relacionadas com a exploração madeireira que se, por um lado, devastaram a floresta, por outra parte, possibilitaram a liberação das terras para os novos colonos. Faz cerca de quarenta anos, algumas centenas de serrarias dispersaram as madeiras da floresta para além da região, quase sem retorno social para seus habitantes. Neste processo, associado à crise da agricultura e ao intenso fluxo colonizador, nem as matas ciliares foram preservadas, com grande risco para o desenvolvimento agrícola futuro (Jesus, 1987). A partir da década de 40 e início dos anos 50, a expansão demográfica devida à procura de terras virgens para o cultivo do café originou as atividades agrícolas ligadas, no princípio, quase exclusivamente à produção de café e, mais tarde, à fruticultura. Ambos representam os cultivos predominantes ao Norte e ao Sul das Reservas de Sooretama e Linhares e o mais próspero setor da economia regional. Basta lembrar, a título de exemplo, que o Município de Sooretama registra mais de 600 pequenos e médios proprietários agrícolas, dentre uma população de ao redor de 17.000 pessoas, é que, na recente década de noventa, se intensifica a produção de café conilon para exportação do qual a região Norte do Espirito Santo passa a ser o principal produtor. Deve-se ressaltar que este desenvolvimento agrícola se baseia na 12 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) difusão de novas tecnologias de produção de clones pela EMCAPER o que, em contrapartida, exige um aumento significativo na utilização dos recursos hídricos, notadamente, devido à necessidade de irrigação dos plantios clonais. No transcurso de ciclos climáticos regulares, esta necessidade é suprida pela recente construção de numerosos reservatórios e represas que atravessam os córregos. Porém, os anos de seca recorrente evidenciam a fragilidade do sistema produtivo: a falta d'água parece estar associada ao desmatamento e a degradação das bordas de córregos, rios e mananciais. Interessa portanto precisar qual a influência do manto florestal sobre a regulação dos recursos hídricos. Quanto às frutíferas, elas são igualmente destinadas, em grande parte, à exportação e seu cultivo se encontra em franca expansão, existindo uma significativa dominância do mamão papaya (ver p. ex. Gazeta Mercantil, 1997). Relações entre o ciclo sazonal das precipitações, a disponibilidade hídrica e a cobertura vegetal No ciclo hidrólogo das bacias dos tabuleiros, a influência da sazonalidade climática se manifesta, de maneira geral, pela diminuição dos recursos hídricos e o eventual déficit durante os meses de seca, inclusive quando as precipitações anuais alcançam os valores médios. Esta variação sazonal é acompanhada por modificações da cobertura vegetal evidenciadas por meio da obtenção de imagens - índices de vegetação, geradas a partir de imagens de sensoriamento remoto. A Figura 8 mostra imagens NDVI (Normalized Difference Vegetation Index) correspondentes a uma seção da área de estudo e calculadas para duas passagens do satélite Landsat5 TM nos meses de maio e setembro de 1997, ou seja após a época úmida e antes do início das chuvas, ou seja no final da época seca. Em geral, o NDVI médio calculado para a imagem de setembro é inferior ao correspondente à imagem de maio; porém a queda dos valores do NDVI no final da época seca é mais ou menos pronunciada conforme os distintos tipos de cobertura vegetal, com fortes diferenças que oscilam entre 0,01 e 0,42 (Tab. 1). Dentre os ecossistemas primários, as maiores diferenças correspondem ao complexo de vegetação de várzea, diretamente relacionadas com a variação dos fluxos hídricos superficiais. A diminuição de NDVI de maio a setembro é da mesma ordem de grandeza para o Nativo, fácie arbustiva baixa, e para a Floresta de Tabuleiros se bem que em valores absolutos os correspondentes à Floresta são o dobro que os calculados para o Nativo. Quanto às pastagens e aos plantios de cana de açúcar, eles parecem ser os sistemas mais sensíveis à variação sazonal, com valores de NDVI que aproximam zero no final da época seca, o que pode estar relacionado com o fato de tratar-se de vegetações fortemente sazonais. Os plantios de café e de Eucalyptus, cultivos semiperenes, mostram diferenças similares entre as Figura 8. Imagensíndice de vegetação (NDVI) correspondentes aos meses de Maio (esquerda) e Setembro (direita) de 1997. duas datas do ano, caindo o NDVI do redor da metade no final da estiagem. Entretanto, os valores correspondentes às fruticulturas permanecem aproximadamente constantes o que se deve seguramente à predominância do cultivo de mamão papaya que é contínuo ao longo do ano e permanentemente irrigado. No total, diferentes fatores podem explicar a variabilidade das respostas evidenciadas pela diminuição mais ou menos importante do NDVI, como por exemplo, às particularidades fenológicas de cada cobertura, às condições de umedecimento da paisagem, à capacidade de absorção d'água no solo e à irrigação e ciclo das culturas, dentre outros. A Floresta Atlântica de Tabuleiros apresenta uma diminuição do valor médio de NDVI significativa para Tabela 1. Valores médios e variação sazonal de NDVI Δ) para diferentes (Δ coberturas vegetais da porção Oeste da área de estudo. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 13 ecossistemas naturais, indicando modificações no dossel, o que contrasta com resultados obtidos para outras florestas tropicais. Com efeito, diferenças marcadas do NVDI são reportadas para florestas temperadas caducifólias cujo dossel se reduz, no inverno, a um conjunto de feixes lenhosos sem folhas (DeFries & Townshend, 1994), enquanto que para florestas tropicais perenifólias são típicos os perfis anuais de NDVI com seqüências temporais mais ou menos constantes e acima do limiar de "vegetação verde" (greennes). Ainda, segundo Potter & Brooks (1998), em regiões quentes sazonais de baixa latitude, o estresse hídrico não se expressa numa variação anual significativa do NDVI devido às supostas adaptações das espécies vegetais. No entanto, nossos resultados mostram que os valores do NDVI podem estar fortemente relacionados com o grau de umedecimento da paisagem. Nicholson & Farrar (1994) estimaram uma relação geométrica do NDVI com a precipitação, de forma que esta relação seria forte para uma gama de valores de precipitação mensal compreendidos entre 25mm e 200mm, o que corresponde a amplitude das precipitações na área de estudo. Por tanto, pode-se esperar que, na área analisada, conseqüência da ausência de irrigação e das raízes superficiais das gramíneas aliadas a um ciclo fenológico anual desta vegetação, fazem com que esta cobertura possa ser considerada um indicador da diminuição dos recursos hídricos e do eventual déficit nestas bacias hidrográficas. Parece interessante confrontar a dinâmica dos recursos hídricos sob a Floresta nativa e em condições de uso antrópico intenso. Modelos de balanço hídrico, elaborados em função da capacidade máxima de retenção d'água para diferentes tipos de vegetação, mostram a relação entre o déficit hídrico e a resposta da cobertura vegetal em duas bacias hidrográficas com diferentes padrões de uso da terra. As Figuras 9 e 10 mostram as diferenças nos modelos de balanço hídrico e nas imagens NDVI entre duas bacias hidrográficas da área de estudo (ver localização das bacias na Fig. 4.2), com coberturas vegetais diferentes. Nossos resultados evidenciam que sob cobertura da floresta nativa, a retenção d'água no solo é superior e que o déficit hídrico é menos pronunciado. Em síntese, o conjunto dos resultados aqui apresentados apoiam a hipótese do caráter semi-caducifólio da Floresta Figura 9. Modelos de balanço hídrico dos Córregos Sem Nome e Ronco Alto em 1997. P: precipitação; EP: evapotranspiração potencial; ER: evapotranspiração real. as condições climáticas e o potencial de armazenamento hídrico, diretamente relacionado à sazonalidade das precipitações e ao tipo de cobertura vegetal, sejam responsáveis pelas variações observadas nos valores médios de NDVI. Por último, a grande diferença, nas áreas de pasto, entre os valores sazonais de NDVI, provavelmente como 14 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) Atlântica dos Tabuleiros Terciários e evidenciam o papel regulador do manto florestal sobre as variações do balanço hídrico que se encontram determinadas pela sazonalidade climática da região. Numa perspectiva de gestão dos recursos hídricos e de conservação da biodiversidade, nossos resultados sugerem a necessidade não somente de um planejamento integrado mas também de priorizar a restauração da floresta em nascentes e margens de córregos e rios. Figura 10. Imagens de usos da terra e valores de NDVI dos Córregos Sem Nome e Ronco Alto. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 15 3. Diversidade funcional dos solos na Floresta Atlântica de Tabuleiros Irene Garay, Andreia Kindel, Marco Aurélio Passos Louzada, Raphel David dos Santos Caracterização geral dos solos Sob a Floresta Atlântica de Tabuleiros, os solos se desenvolvem abraçando a litologia da região, resultante dos processos geomorfológicos passados. Nas planícies de topo das mesetas, predominam solos cuja matriz argilo-arenosa, com granulometria variável, é própria dos sedimentos Barreiras; nas áreas mais baixas, em vales e à proximidade da linha da costa, aumenta a proporção de areias quaternárias sobre um lençol freático de profundidade variável que, quando emerge em superfície, se entremescla com as águas do leito de rios e córregos. Ainda, a Oeste, os afloramentos cristalinos mais antigos proporcionam uma rocha matriz de granulometria mais fina porém extremamente ácida e, em conseqüência, muito pobre em nutrientes. Todavia, as condições climáticas determinaram, no passado, condições de forte intemperismo: chuvas seguramente intensas e temperaturas médias elevadas levaram à lixiviação, em Figura 11. Mapa de solos da Reserva Florestal de Linhares e da Reserva Biológica de Sooretama. Segundo Raphael David dos Santos (no prelo). 16 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) profundidade, da fração mais fina dos sedimentos Barreiras - as argilas e o silte - e à decomposição de seus minerais silicatos de ferro e alumínio - em seus respectivos óxidos, com a conseguinte perda dos óxidos de silício transportados em seguida pelas águas subterrâneas. À exceção dos solos desenvolvidos em areias quaternárias flúvio-marítimas, tratase em geral de solos chamados de ciclo longo, em cuja formação os processos geoquímicos, modulados pelo clima e tempos de evolução que puderam alcançar mais de um milhão de anos, condicionaram as características físicas e químicas dos horizontes pedológicos que, em síntese, conformam os atuais tipos de solos. Contrariamente aos solos de regiões temperadas, a pedogênese está pouco influenciada pelos aportes orgânicos advindos da cobertura vegetal cuja decomposição é, em princípio, relativamente rápida devido às condições climáticas de altas temperaturas e precipitações não limitantes. A floresta clímax, a Mata Alta ou Floresta Densa de Cobertura Uniforme, e seus ecossistemas associados se instalam e diferenciam em função das características geomorfológicas, ligadas à diversidade de substratos os quais, por sua vez, encontram-se em estreita associação com os diferentes tipos de solos. Assim, o mapeamento dos solos do núcleo florestal da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares evidencia estas interações (Fig. 11). Nos tabuleiros, em relevo plano ou suavemente ondulado, e na suas encostas, mais ou menos abruptas, a Mata Alta repousa sobre solos de tipo Podzólico cuja rocha matriz são os sedimentos Barreiras. Ao predomínio dos solos Podzólicos, se opõe a presença de solos tipo Podzol, quando o substrato quaternário arenoso alcança uma certa espessura e o lençol freático permanece em profundidades da ordem de dois metros; a fácies florestal adquire um aspecto mais aberto e de menor altura, menor diversidade de espécies e abundância de elementos xerófilos, lianas e bromélias, configurando a chamada Floresta de Mussununga, próxima na sua fisionomia às matas de Restinga. Fundos de vales são colonizados essencialmente por ciperáceas e gramíneas associadas a solos tipo Hidromórficos, com lençol freático pouco profundo, por vezes emergente, dependendo da estação do ano e da abundância das precipitações. Uma posição intermediária é ocupada pela fácies com elementos graminoides e arbustivos denominada de Nativo, relacionada à presença de Areias Quartzosas, com um perfil do tipo AC bastante desenvolvido, ou seja, com o horizonte superior orgânico A, justaposto à rocha matriz arenosa C, relativamente profundo. Ao Oeste, quando da emergência do cristalino, os solos que sustentam a floresta são do tipo Latossolo Vermelho-escuro. A título de exemplo, dados de um perfil de solo Podzólico Amarelo distrófico, ou Argissolo Amarelo, exemplificam o tipo de solo dominante da Floresta Atlântica de Tabuleiros na sua fácies a mais representativa, a Mata Alta (Fig. 12A). Duas características principais definem este tipo de solo: a primeira é a drástica diferença de granulometria com a profundidade e a segunda se refere à baixa fertilidade, conseqüente às pequenas concentrações de bases de troca, estimadas pela adição de Ca2+, Mg2+, Na+ e K+. Ele apresenta um primeiro horizonte eluvial, o horizonte A orgânico-mineral, de textura arenosa a média Figura 12. Características pedológicas dos perfis de solo em duas fitofisionomias da Floresta Atlântica de Tabuleiros, Mata Alta e Mata de Mussununga, na Reserva de Linhares, ES. A: solo Podzólico; B: solo Podzol. Segundo Garay et al., 1995, modificado. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 17 arenosa que não atinge mais que -20cm (Garay et al., 1995a,b). Em profundidade, as argilas e o silte de eluviação, provenientes do horizonte A, adicionam-se, com certeza, às frações finas dos minerais formadas in situ durante a pedogênese, constituindo um horizonte de iluviação B textural (Bt) de estrutura homogênea, com até 60% de argilas, que alcança ao redor de -2m de espessura. Recoberta por estes horizontes, uma camada laterítica de cor avermelhada é produto dos processos de lixiviação dos óxidos de ferro e alumínio e da acumulação destes na base do perfil. Ela pode estar situada em profundidades de até cinco metros, quando os sedimentos Barreiras são mais profundos e, em conseqüência, os solos mais desenvolvidos. A baixa fertilidade, ou melhor, o caráter distrófico do solo, é produto tanto da degradação das argilas pelo intemperismo como da lixiviação das bases afora do conjunto dos horizontes. A degradação das argilas pode ser medida pelos quocientes molares Kr e Ki, sendo estes: Kr = SiO2 / (Al2O3 + Fe2O3) e Ki = SiO2 / Al 2O3 O valor máximo de Kr é igual a dois o que corresponde a argilas não alteradas, nas quais dois moles de SiO2 equivalem a um mol de Al2O3 + Fe2O3. Este quociente torna-se decrescente quando da remoção do dióxido de silício consecutiva à ruptura dos silicatos e à oxidação de seus componentes, levando à diminuição das cargas de superfície inerentes à mineralogia das argilas químicas. Desta maneira, a diminuição do Kr proporciona uma indicação do grau de intemperismo sofrido pelas argilas granulométricas, fração equivalente às partículas minerais do solo de tamanho inferior a 2mμ e da qual fazem parte os óxidos estáveis de Fe2+ e AL 3+ (Fig. 12A) (Garay et al., 1995a). Quanto ao Ki, ele outorga uma medida mais justa do grau de perda dos óxidos de silício devido, notadamente, à menor mobilidade dos óxidos de alumínio. Conseqüência lógica destes processos, as argilas granulométricas apresentam baixa atividade, ou seja, um número restrito de cargas de superfície, medidas por meio da capacidade total de troca catiônica - CTC -, que é inferior a 24 meq.100g-1 para os solos Podzólicos da região. Esta baixa capacidade de troca catiônica do complexo de absorção impede a retenção das bases de troca cujas concentrações se encontram, assim mesmo, diminuídas pela lixiviação causada pelos processos pedogenéticos de solos de ciclo longo, sujeitos a um prolongado intemperismo. Imagem especular do oligotrofismo dos horizontes pedológicos, a alta acidez destes solos reflete a substituição das bases de troca pelos íons hidrogênio no complexo de absorção. De evolução, sem dúvida, mais recente, os solos tipo Podzol se alinham à cercania do mar, estando representados sobretudo na Reserva de Linhares e associados à Floresta ou Mata de Mussununga, nome local dos depósitos arenosos que constituem a rocha matriz, emprestado pela floresta. Eles representam solos azonais determinados essencialmente por uma rocha matriz quase desprovida de elementos finos, argilas e silte, e pelo lençol freático, pouco profundo, que age como uma barreira à lixiviação da matéria orgânica e dos óxidos de alumínio e ferro; óxidos que se concentram, em seguida, à base do perfil junto ao lençol Figura 13. Variação da capacidade de troca catiônica (CTC) em relação às porcentagens de carbono e de argila em solos Podzólicos da Reserva Florestal de Linhares. Verifica-se que a relação é fortemente positiva em A e muito menos significativa e com alta dispersão em B, mostrando que o complexo de absorção depende sobretudo da porcentagem de matéria orgânica. Para C e CTC: n=188. Para CTC e argila: n=89. Dados correspondentes ao horizonte A (A11: 0-2cm; A12: -2-10cm. Segundo, Garay et al., 1995a, b; Kindel et al., 1999 e Kindel & Garay, no prelo). 18 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) freático, formando as camadas B húmica -Bh- e B férrica -Bfe-, típicas de um podzol. A Figura 12B mostra as características dos horizontes pedológicos de um perfil de solo Podzol no interior da Reserva de Linhares, sob a Mata de Mussununga. A matéria orgânica, mais ou menos decomposta, se acumula sobre o primeiro horizonte pedológico A, de textura arenosa (Garay et al., 1995a,b). A falta total de estrutura ao longo do perfil e a alta dependência, neste solo, da matéria orgânica aportada pela vegetação deixam prever sua total fragilidade frente a qualquer forma de uso e a dificuldade de recolonização pela vegetação que, ainda, parece manter características pioneiras (Jesus, 1987). No total, os solos dominantes na região dos tabuleiros são relativamente homogêneos, marcados pela pobreza nutritiva e pela fragilidade do horizonte superficial arenoso pouco propício à retenção de nutrientes. Nestas condições, a matéria orgânica superficial proporcionada pela cobertura vegetal pode vir a cumprir um papel essencial tanto na manutenção da estrutura como na fertilidade destes solos, por causa notadamente das cargas remanentes dos colóides orgânicos que facilitam a formação de agregados e a retenção de nutrientes (Fig. 13). A diversidade funcional dos solos poderá, assim, estar somente associada à diversidade de coberturas vegetais que eles sustentam, às suas modificações e às diferentes formas de uso; isto é, às diferenças quantitativas e qualitativas dos aportes da matéria orgânica de origem vegetal, que progressivamente serão integrados ao solo mediante os processos de decomposição. Variação quantitativa e heterogeneidade espacial dos aportes foliares ao solo Duas características principais emergem quando da análise dos dados sobre os aportes orgânicos pela vegetação em ecossistemas de Floresta Atlântica de Tabuleiros: a primeira é a significativa quantidade destes aportes que é similar à de ecossistemas da Floresta Amazônica podendo alcançar 8 t.ha-1.ano-1; a segunda é a forte sazonalidade relacionada ao ritmo das precipitações (Tab. 2) (Louzada et al., 1997). Com efeito, os aportes foliares que representam de 61% a 66% da queda total se concentram no final do inverno seco regional entre setembro e dezembro (Louzada et al., 1997). O confronto de resultados correspondentes a um verão com precipitações consideradas normais, em 1995, com aqueles correspondentes ao verão seguinte, extremadamente seco, em 1996, respectivamente com 175,4 mm e 7,3 mm de precipitações totais em janeiro e fevereiro, sublinha ainda o papel determinante das precipitações sobre a queda das folhas: as suas quantidades praticamente dobram como resposta à seca estival (Tab. 3). Esta resposta global das espécies arbóreas frente a um período seco excepcional evidencia um certo caráter caducifólio da cobertura florestal que resulta da plasticidade funcional das espécies que compõem o dossel com respeito a perda do material vegetativo (Louzada, 1997). À variabilidade temporal se sobrepõe a heterogeneidade espacial dos remanescentes florestais, devida em primeiro lugar a diferenças de fitofisionomia, como no caso da Mata Alta e da Floresta Ciliar, e, em segundo termo, aos distintos impactos antrópicos sofridos por estes ecossistemas. Entre eles, duas formas de impacto foram consideradas: uma corresponde aos efeitos do extrativismo seletivo de madeira, forma de uso que fora significativa na região e que é peculiar na maioria dos fragmentos ora existentes. A segunda forma de impacto se refere às conseqüências do ciclo de queima e corte, prática generalizada no tempo passado inclusive no interior das atuais unidades de conservação, sobre a posterior reinstalação da floresta e seu funcionamento. Ambos os sistemas estudados se encontram em estado de preservação, na Reserva Florestal de Linhares, após as perturbações acontecidas há aproximadamente cinqüenta anos. Da comparação entre estes quatro sistemas merece ser assinalada a quantidade menor da queda foliar na Floresta Ciliar (MC) que na Mata Alta (MA) o que encontra-se seguramente em relação direta com uma menor produtividade de material vegetativo, Note-se também a considerável quantidade de galhos que recebe o solo do fragmento interferido pela extração, mesmo após cinqüenta anos do corte seletivo de madeira (Tab. 2). Tabela 2. Valores dos aportes orgânicos ao solo para o ano de 1994, em duas fácies florestais da Reserva Florestal de Linhares e em florestas secundárias, Linhares e Sooretama, ES. Valores em t.ha-1.ano-1. Entre parêntesis: contribuição percentual das diferentes frações orgânicas. CE: fragmento após extração seletiva de madeira; CQ: floresta secundária após corte e queima. Dados correspondentes a 15 coletores de 1m2 por sítio de estudo. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 19 Tabela 3.Valores dos aportes orgânicos ao solo para o período de janeiro a abril de 1994 e de 1995, em duas fácies florestais da Reserva Florestal de Linhares e em florestas secundárias, Linhares e Sooretama, ES. Valores em t.ha-1, para o período de janeiro a abril. Entre parêntesis: contribuição percentual das diferentes frações orgânicas. CE: fragmento após extração seletiva de madeira; CQ: floresta secundária após corte e queima. Dados correspondentes a 15 coletores de 1m2 por sítio de estudo, com amostragens quinzenais. Tabela 4. Valores dos aportes foliares de espécies comuns e de espécies com maiores índices de valor de cobertura (IVE), em duas fácies florestais da Reserva Florestal de Linhares e em florestas secundárias, Linhares e Sooretama, ES. Valores em kg.ha-1.ano-1. Dados correspondentes a três coletores de 1m2 a 1,5m do tronco de duas espécies comuns e de trës espécies de alto IVE (índice de valor de cobertura). Na realidade, os efeitos do impacto antrópico sobre a floresta são precisados quando o aporte das diferentes espécies é considerado separadamente: apesar de alcançar valores totais da mesma ordem de grandeza nos sistemas impactados que na Mata Alta (MA), o aporte foliar na floresta interferida pela extração (CE) e na capoeira que sucede à queima (CQ) é determinado pelas espécies secundárias dominantes, Rollinia laurifolia e Micrandra elata (Tab. 4). Nas cercanias das árvores de maior porte, as folhas mortas de cada indivíduo podem chegar a representar até 80% do total da queda; entretanto, esta contribuição se reduz a valores da ordem de 10% ou menos quando se considera a queda total nas parcelas de estudo (Louzada, 1987). O papel da diversidade de espécies sobre a quantidade e a qualidade dos aportes depende assim não somente do tamanho dos indivíduos mas também da densidade das populações que introduzem, de acordo com 20 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) suas características, uma heterogeneidade funcional do subsistema de decomposição no interior dos fragmentos florestais. Porém, é a síntese do conjunto dos resultados que possibilita identificar quatro grupos funcionais de espécies arbóreas no que diz respeito o ritmo temporal da contribuição dos aportes de folhas ao solo (Louzada, 1997). Neste sentido, podem ser reconhecidos quatro tipos de comportamento: 1) perda temporã das folhas anterior à estação seca, ou seja no verão, o que corresponde a Neoraputia alba (CE), Swartzia apetala (CE), Escheweilera ovata (MC), Jacaratia spinosa (CQ), cujos máximos de queda foliar se produzem ao início do ano; 2) máximo de caducifolia no inverno, de maneira que a queda de folhas e o período seco encontram-se fortemente correlacionados, isto acontece com Terminalia kuhlmannii (MA), Micrandra elata (CE) e Rollinia laurifolia (CQ); 3) queda tardia com respeito ao período seco invernal, como no caso de Eugenia cf. ubensis (MA), Pterocarpus rohrii (MA), Senefeldera multiflora (MC) e Virola gardneri (MC), sendo que a queda de material foliar pode prolongar-se significativamente no tempo e recobrir os meses de primavera, o que se observa para Eugenia cf. ubensis; 4) indiferença quanto a ocorrência da estação seca, o que é constatado no caso da espécie Brosimum gaudichaudii (CQ). Esta diversidade funcional mostra tanto a origem complexa das espécies da Floresta Atlântica de Tabuleiros como apoia o caráter semi-caducifólio de seus ecossistemas adaptados fundamentalmente à variabilidade de condições hídricas. Quanto ao subsistema de decomposição, a diversidade funcional dos ciclos fenológicos que se superpõem no tempo possibilita uma maior continuidade dos aportes orgânicos epígeos durante o ciclo anual; ele encontra-se, contudo, sujeito à forte variabilidade interanual da queda de folhas. Heterogeneidade da paisagem e valor indicador das formas de húmus Com a chegada dos aportes epígeos ao solo se acelera um processo já iniciado quando da senescência das folhas; trata-se da decomposição da matéria orgânica que deverá finalizar com a oxidação total dos compostos orgânicos e a liberação dos nutrientes minerais retomados, num novo ciclo, pela cobertura vegetal. Neste processo complexo, intervém inúmeras espécies de animais e microrganismos para os quais os diferentes estágios intermediários de decomposição do substrato orgânico representam uma fonte de recursos nutritivos e de hábitat. Do ponto de vista do substrato orgânico, os microrganismos constituem o principal agente de oxidação cabendo à fauna um papel regulador. O paradigma da decomposição em cascata resume a dinâmica do subsistema de decomposição que leva à formação de camadas orgânicas em diferentes estados de transformação: empilhadas sobre a superfície do solo e, ainda, conformando o primeiro horizonte pedológico, ao qual se integra parte da matéria orgânica superficial, as camadas orgânicas serão mais ou menos desenvolvidas e numerosas quanto menor é a velocidade de transformação dos aportes orgânicos. No transcurso do tempo e, notadamente, para ecossistemas florestais, estas camadas e suas características físicas e químicas permanecem estáveis o que levou, de longa data, à classificação geral das chamadas formas de húmus florestais ou húmus, em sentido amplo. Consideradas como elemento diagnóstico das relações entre a vegetação e o solo, as formas de húmus e suas modificações foram propostas, mais recentemente, para caracterizar a dinâmica do subsistema de decomposição em fragmentos de Floresta Atlântica (ver por ex. Garay & Silva, 1995; Garay & Kindel, 2001). O esquema da Figura 14 sintetiza a estrutura das camadas orgânicas de superfície, cuja análise quantitativa associada às características pedológicas do horizonte A1 possibilitam a identificação das formas de húmus e suas modificações (Malagon et al., 1989; Berthelin et al., 1994; Garay & Silva, 1995; Garay et al., 1995a,b). Figura 14. Esquema representativo da interação entre a vegetação e o solo, destacando-se as camadas orgânicas em diferentes estágios de decomposição. L: camada formada por folhas mortas inteiras e pouco decompostas. F: camada formada por folhas mortas fragmentadas e matéria orgânica fina (< 2mμ). H: camada formada por matéria orgânica fina acumulada sob os restos foliares e entremeada pelas raízes finas de absorção das árvores. A1: primeiro horizonte do solo formado por matéria orgânica amorfa e material mineral. (horizonte hemiorgânico). A11: sub-horizonte de A1 de 0-1cm a 0-3cm (interface com as camadas orgânicas sobrepostas). A12: sub-horizonte de A1 com menor conteúdo em carbono orgânico e bases de troca que A11. L, F e H são camadas holorgânicas, podendo H ou, eventualmente, F estar ausentes. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 21 nuclear, na Mata Alta da Reserva de Linhares, evidencia características específicas que diferenciam os húmus de tipo mull presentes na região dos tabuleiros daqueles encontrados em florestas temperadas e, mesmo, em outras florestas do trópico (Garay et al., 1995a,b; Kindel et al., 1999; Garay & Kindel, 2001). Como nas Matas de Terra Firme amazônicas, sobre Oxisols ou solos Latossolos, o subsistema de decomposição apresenta um funcionamento superficial de forma que a matéria orgânica, os nutrientes e as raízes finas das árvores se concentram quase na superfície do solo, mais precisamente, nos poucos centímetros do topo do horizonte A, alcançando concentrações até cinco vezes superiores, em particular, para o carbono orgânico e o cálcio de troca (Tab. 5). Esta Heterogeneidade funcional do fragmento nuclear de Floresta Atlântica de Tabuleiros Como na maioria das florestas do trópico, em condições de temperaturas médias elevadas e chuvas relativamente regulares, os húmus florestais, associados aos solos Podzólicos da Floresta Atlântica de Tabuleiros, são de tipo mull. Eles exprimem a rápida decomposição dos aportes orgânicos que se revela, em geral, pela ausência de acumulação de matéria orgânica amorfa sob os detritos foliares e pela existência de agregados orgânico-minerais no interior do primeiro horizonte pedológico, o horizonte A, com baixo C/N (Garay & Silva, 1995). Entretanto, o estudo detalhado das formas de húmus no fragmento Mata Alta Mata Alta REBIO Sooretama Reserva de Linhares Mata Ciliar Mata de Reserva de Linhares Mussununga camadas holorgânicas (t.ha-1) L 1,0 ± 0,10 0,8 ± 0,10 1,5 ± 0,10 2,9 ± 0,40 F1 4,3 ± 0,30 3,1 ± 0,20 3,8 ± 0,20 6,4 ± 0,90 F2 3,1 ± 0,60 _ _ H _ _ 1,0 ± 0,20 11,2 ± 2,00 6,3 ± 0,50 21,8 ± 2,80 total 6,9 ± 0,60 3,9 ± 0,20 _ horizonte hemiorgâncio A11 C (%) 4,0 ± 0,40 3,4 ± 0,30 4,7 ± 0,50 N (%) 0,36 ± 0,03 0,30 ± 0,03 0,29 ± 0,02 _ P (ppm) 11 ± 1xllll 12 ± 1xxl 21 ± 200 _ Ca 2+ (meq.100g-1) 8,7 ± 0,7ll 8,7 ± 0,9s 3,3 ± 0,4 _ 11,4 ± 1,0l 10,9 ± 1,1x 6,1 ± 0,6 _ 66 ± 2lllll 70 ± 2xxl 34 ± 20 _ 5,6xxxx 6,1xxxx 4,70.0 _ 11 ± 1lx 12 ± 0xx 15 ± 00 _ SB (meq.100g-1) % SB pH (H2O) C/N _ horizonte hemiorgâncio A12 C (%) 0,85 ± 0,07 0,72 ± 0,06 1,21 ± 0,06 1,16 ± 0,27 N (%) 0,15 ± 0,03 0,08 ± 0,00 0,09 ± 0,00 0,07 ± 0,01 2,2 ± 0,20 2,4 ± 0,20 5,6 ± 0,40 3,0 ± 0,40 2,2 ± 0,20 1,8 ± 0,20 0,3 ± 0,00 0,4 ± 0,20 2,97 ± 0,23 2,39 ± 0,26 0,89 ± 0,06 0,96 ± 0,16 61 ± 400 56 ± 300 14 ± 100 16 ± 300 5,6000 5,8000 7,6 ± 0,70 8,9 ± 0,30 Mull mesotrófico tropical Podzólico P (ppm) Ca 2+ (meq.100g-1) SB (meq.100g-1) % SB pH (H2O) C/N Forma de húmus Classe de solo 22 4,5 4,60l00 13,1 ± 0,40 16,9 ± 1,1 Mull mesotrófico tropical Mull oligotrófico tropical Eumoder Podzólico Podzólico Podzol Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) Tabela 5. Caracterização das Formas de Húmus em diferentes fácies florestais do núcleo de Floresta Atlântica de Tabuleiros, em Linhares e Sooretama, ES. Note-se a significativa diferença nos conteúdos de matéria orgânica e de nutrientes entre o horizonte A12 e o horizonte de interface A11. interface, onde parece realizar-se o essencial da decomposição dos aportes epígeos, pode ser considerada uma adaptação que limita a lixiviação de nutrientes e matéria orgânica em profundidade, facilitada, nestes solos, pela textura arenosa do horizonte A. Porém, em contraposição a outras florestas tropicais, pequenos agregados de alguns milímetros de diâmetro se distribuem no interior do horizonte A, agregados que mantém conteúdos de matéria orgânica e de nutrientes significativos quando comparados com a matriz arenosa na qual estão imersos (Garay et al., 1995a,b; Kindel et al., 1999). Frente ao ritmo sazonal das precipitações e as secas recorrentes interanuais, a ação de térmitas humívoras parece substituir a típica função das minhocas na estruturação do primeiro horizonte orgânicomineral e, notadamente, na construção destes agregados. Pode-se, em síntese, considerar que esta forma específica de húmus mull tropical representa o principal reservatório de nutrientes disponível que assegura a riqueza da vegetação da floresta clímax, a Mata Alta. O mull tropical da Floresta de Tabuleiros apresenta determinadas variações ligadas a diferenças nas fitofisionomias, tal a Floresta Ciliar, ou relacionadas, em princípio, à diferentes distâncias do mar e a topografia, como no caso da Mata Alta da REBIO Sooretama quando comparada com a floresta clímax da Reserva de Linhares (Garay & Kindel, 2001; Kindel & Garay, no prelo). A Tabela 5 precisa estas variações que são mais acentuadas no caso da Floresta Ciliar cuja forma de húmus é um mull oligotrófico contraposto ao mull mesotrofico tropical da Mata Alta (Fig. 15). Este caráter oligotrófico encontra-se determinado fundamentalmente pelas baixas concentrações de Ca2+ o que conduz a uma diminuição da porcentagem de saturação em bases, pelo menos da metade, quando comparada com as porcentagens estimadas para a Mata Alta da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares, com valores respectivamente de 34%, 70% e 66% (Tab. 5). Uma menor velocidade de decomposição, neste tipo de floresta que na Mata Alta da Reserva de Linhares, se deduz da maior quantidade de restos foliares acumulados sobre o solo, com valores respectivos de 6,3 t.ha-1 e 3,9 t.ha 1, e de uma relação C/N superior, igual a 15 versus 12 para a Mata Alta, o que indica a menor evolução da matéria Figura 15. Perfis húmicos e estoques de Nitrogênio sob um solo Podzólico (Mata Alta) e um Podzol (Mata de Mussununga), na Reserva de Linhares, ES. L: folhas mortas inteiras. F: folhas fragmentadas e matéria orgânica fina (< 2mμ). Fff: matéria orgânica fina. F1: folhas fragmentadas misturadas a menos de 20% de matéria orgânica fina. F2: folhas muito fragmentadas misturadas a mais de 20% de matéria orgânica fina. A1: primeiro horizonte do solo formado por matéria orgânica amorfa e material mineral. (horizonte hemiorgânico). A11: sub-horizonte de A1 de 0-1cm a 0-3cm (interface com as camadas orgânicas sobrepostas). A12: sub-horizonte de A1 com menor conteúdo em carbono orgânico e bases de troca que A11. Segundo Garay et al., 1995a, modificado. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 23 orgânica contida no horizonte A (Garay & Silva, 1995). Entretanto, a menor velocidade de decomposição dos aportes foliares na Floresta Ciliar que na Mata Alta é corroborada pelo índice K de Olson que é igual ao quociente entre a queda de folhas e os restos foliares depositados sobre o solo; esta velocidade é de 9 meses para a Mata Alta e de 1 ano e 7 meses para a Floresta Ciliar, ou seja, do dobre de tempo (ver Tab. 2 e Tab. 5). Pode-se supor que o oligotrofismo do húmus esteja relacionado à lixiviação lateral concomitante à subida sazonal do córrego mas os, relativamente, baixos conteúdos de nitrogênio do folhiço menos descomposto apoiam a hipótese de um grau de esclerofilia superior das árvores que compõem o dossel da Floresta Ciliar que das espécies arbóreas da Mata Alta (Garay & Kindel, 2001; Kindel & Garay, no prelo). Nestas fácies florestais, as diferentes velocidades de decomposição parecem estar determinadas pelas características qualitativas dos aportes foliares. Quanto ao húmus presente no solo da Mata Alta da REBIO Sooretama, a maior diferença consiste na acumulação de restos foliares misturados à matéria orgânica fina na base das camadas de folhas, somente no período invernal, sendo que as outras variáveis pedológicas apresentam valores similares aos obtidos para o mull mesotrófico da Mata Alta da Reserva de Linhares que, contrariamente, manifesta uma marcada estabilidade de todos seus parâmetros, à vez sazonal e interanual (Tab. 5) (Garay et al., 1995a,b; Kindel et al., 1999; Kindel & Garay, no prelo). Esta acumulação temporária no mull da REBIO Sooretama poderia indicar uma maior incidência do período seco sobre o processo de decomposição ocasionada pelo aumento da distância do mar e a conseqüente diminuição de umidade. Contrariamente ao mull tropical dos solos Podzólicos, o Podzol recoberto pela Floresta de Mussununga induz a formação de um húmus tipo moder, determinado sobretudo pela rocha matriz arenosa que limita a vida no solo e impossibilita, portanto, a formação de agregados (Fig. 15)(Garay et al., 1995a,b). Ele apresenta, tanto do ponto de vista de sua estrutura como dos valores das variáveis pedológicas, o conjunto das características próprias de um moder florestal: presença de uma camada H de matéria orgânica amorfa, alto valor de C/N no horizonte A, baixa saturação em bases e baixo pH, entre outras (Tab. 5) (Garay et al., 1995a,b; Kindel & Garay, 2001). A matéria orgânica acumulada sobre o solo alcança valores de 11t.ha, mais que dobrando as quantidades estimadas para o mull da Mata Alta, com 3,9 t.ha na Reserva de Linhares (Fig. 15). A lenta decomposição desta matéria orgânica, acumulada sobre o solo e no interior do horizonte A, impedida de estabilizar-se mediante a formação de agregados no 24 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) horizonte A, atravessa os horizontes pedológicos para finalmente conformar um horizonte húmico Bh em profundidade (ver Fig. 12). Como corolário, parte da matéria orgânica e, sobretudo, dos nutrientes nela contidos, são subtraídos do subsistema de decomposição. Moduladas pelo clima e determinadas ora pelas características qualitativas dos aportes, ora pelas classes de solos ou pelas condições mesológicas, as formas de húmus na área nuclear da Floresta Atlântica de Tabuleiros revelam uma diversidade funcional dos ecossistemas que compõem o núcleo e chamam a atenção sobre a necessidade de preservação desta diversidade, acentuando a importância da gestão racional dos estoques orgânicos e de nutrientes altamente dependentes da cobertura vegetal. A integridade dos fragmentos e o uso do solo Espalhados na região dos Tabuleiros Terciários, numerosos fragmentos florestais se elevam sobre a linha homogênea do horizonte formada pelos arbustos de café. Quando do desmatamento passado e, por vezes até hoje, eles representam uma fonte de recursos para a população local o que impõe o conhecimento do grau de sustentabilidade destes restos de floresta, requisito primeiro para um futuro manejo. À escala do ecossistema, trata-se, em geral, de remanescentes da Mata Alta ou da Mata Ciliar submetidos às praticas extrativistas seletivas de madeira, mais intensas nas décadas de 50 a 70. Uma outra forma de uso florestal deixou suas marcas na região, em particular, no interior das Reservas onde, por causa do status de preservação, a regeneração do manto florestal tornou-se possível cicatrizando os claros resultantes do uso tradicional do solo, com seus ciclos de queima e roça itinerantes, rligados aos antigos cultivos de sobrevivência. Neste contexto, a pesquisa de indicadores funcionais à escala do ecossistema, entre os quais devem ser consideradas as formas de húmus e suas modificações, podem vir a subsidiar uma gestão integrada para a conservação dos remanescentes florestais (Kindel et al., 1999; Garay, 2001; Garay & Kindel, 2001; Kindel & Garay, no prelo). Resultados já publicados mostram efetivamente que as modificações evidenciadas no mull sobre solo Podzólico em sistemas que sofreram ambos os tipos de perturbação acima citados, há quase 50 anos, podem ser quantificadas de forma relativamente simples (Kindel et al., 1999; Kindel & Garay, no prelo). Estas modificações se referem, em primeiro termo, ao acúmulo de restos foliares sobre o solo, bem mais significativo em ambas as florestas secundárias que na floresta primária, dando lugar a uma mudança no perfil orgânico que apresenta um sub-horizonte F2 no qual a matéria orgânica amorfa se mistura aos fragmentos das folhas (Fig.16). Em segundo termo, diferenças são observadas no primeiro horizonte do solo Figura 16. Estoques húmicos no conjunto das camadas holorgânicas de solos tipo Podzólico na Área Nuclear e em fragmentos da Floresta Atlântica de Tabuleiros, Linhares e Sooretama, ES. MA: Mata Alta da Reserva Florestal de Linhares. MC: Floresta Ciliar. CE: fragmento após extração seletiva de madeira. CQ: floresta secundária após corte e queima. SO: Mata Alta da REBIO Sooretama. FR1, FR2 e FR3: fragmentos florestais em propriedades agrícolas. FR1: fragmento de Mata Alta de 80ha; FR2: fragmento de Mata Alta de 5ha; FR3: fragmento de Floresta Ciliar. de 20ha. Figura 17. Características pedológicas do horizonte de interface A11 de solos tipo Podzólico na Área Nuclear e em fragmentos da Floresta Atlântica de Tabuleiros, Linhares e Sooretama, ES. Ver legenda da Fig. 16. quando comparado com o da floresta primária: se o sistema submetido a extração apresenta quantidades de nutrientes superiores à Mata Alta, a floresta secundária consecutiva ao corte e queima mantém valores inferiores de fertilidade mesmo após quase 50 anos, sugerindo a dificuldade do ecossistema de compensar a lixiviação de nutrientes propiciada pelo fogo (Fig. 17). Em face a esta aparente contradição dos efeitos do impacto antrópico sobre a floresta, o traço em comum de ambos os sistemas é a diminuição da velocidade de decomposição dos aportes orgânicos que é quase duas vezes superior à da floresta primária: 16 meses para as florestas secundárias versus 9 meses para a Mata Alta. Desta forma, na floresta interferida, os valores superiores dos conteúdos de nutrientes podem ser interpretados como a conseqüência de um certo bloqueio dos mecanismos de decomposição e não como um acréscimo da fertilidade. De fato, o verdadeiro indicador funcional destas formas de impacto antrópico é a estimativa da velocidade de decomposição da matéria orgânica do solo que possibilita sintetizar os resultados obtidos: ela explica tanto a acumulação orgânica em superfície como as diferenças de conteúdos nutritivos do solo que nem são o resultado de uma rápida ciclagem de nutrientes nem expressam uma maior fertilidade nas florestas secundárias. Contudo, o simples acúmulo dos restos foliares ligado a aparição de uma camada de folhiço mais profunda, a camada F2 , fornece, em primeira aproximação, uma indicação sobre a perturbação do ecossistema, na medida em que esta modificação na estrutura da forma de húmus parece estar diretamente relacionada com a diminuição da velocidade de decomposição. Isso é o que corroboram os primeiros resultados relativos a fragmentos florestais conservados em propriedades agrícolas. A dinâmica da decomposição das camadas holorgânicas de três diferentes tipos de fragmentos, seja pelo menor ou maior tamanho, como FR1 e FR2, seja pela fitosisionomia, que corresponde em FR1 e FR2 à Mata Alta e em FR3 à Floresta Ciliar, pode ser inferida dos resultados apresentados nas Figuras 16 e 17. Em todos os casos, existe uma diminuição da velocidade de decomposição dos aportes orgânicos que se manifesta pela significativa quantidade de matéria orgânica depositada sobre o solo, acumulada, essencialmente, na base das camadas de folhiço conformando o sub-horizonte F2 (Fig. 16). Não obstante, às diferenças no perfil orgânico se contrapõem a homogeneidade dos parâmetros pedológicos do horizonte hemiorgânico A, os quais mantêm valores similares aos estimados para a Mata Alta da Reserva de Linhares e da REBIO Sooretama; os baixos valores da relação C/N e a elevada saturação em bases, nos fragmentos FR1 e FR2, demonstram que as características do mull tropical mesotrófico, próprio da floresta clímax, se conservam no interior dos fragmentos, independentemente do tamanho. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 25 Figura 18. Comparação das características pedológicas (A11) de solos tipo Podzólico entre duas formas de uso da terra e a Floresta Atlântica de Tabuleiros (Mata Alta). Experimento: corresponde a áreas de pastagens degradados de antiga Mata Ciliar onde foram implantados experimentos de restauração florestal; E. grandis : plantio florestal de Eucalyptus grandis com sete anos de idade; M. primária: Mata Alta da Reserva Florestal de Linhares. C: conteúdo de carbono orgânico em % de peso seco; N: conteúdo de nitrogênio em % de peso seco; SB: soma de bases (Ca2+, Mg2+, Na+ e K+) em meq 100g -1. Os dados correspondem aos quatro primeiros centímetros do solo para o A11 das pastagens degradadas e da plantação de E. grandis e aos dois primeiros centímetros para a Mata Alta. Da mesma forma, no solo do fragmento FR3 de Floresta Ciliar, o horizonte A possui características similares às estimadas para a Floresta Ciliar preservada da Reserva de Linhares onde a pobreza nutritiva define o caráter oligotrófico deste mull. Por fim, resultados referentes ao primeiro horizonte pedológico em áreas degradadas de bordas de córregos e em plantio de Eucalyptus grandis, espécie utilizada na região para produção de celulose, evidenciam as drásticas diferenças nos conteúdos de nutrientes e de matéria orgânica ocasionados por estes usos do solo: a matéria orgânica e os nutrientes mostram valores entre cinco e sete vezes inferiores aos estimados para os remanescentes florestais (Fig. 18). Responsável pela manutenção e liberação de nutrientes, a perda da matéria orgânica superficial constitui certamente a principal razão da pobreza nutritiva do solo nestas áreas. Quanto ao plantio de Eucalyptus, os sete anos de implantação parecem ser insuficientes para a reconstituição dos horizontes orgânicos de superfície e da sua diversidade biológica (Pellens & Garay, 1999a,b), o que não exime de contrapor estes plantios à situação extrema de bordas degradadas de córregos e rios, submetidas a intensos processos erosivos. O estudo dos húmus florestais dos remanescentes da Floresta Atlântica de Tabuleiros do Norte de Espirito Santo porta consigo alguns aprendizados e levanta questões para 26 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) o futuro. A necessidade de preservação do núcleo florestal da Reserva de Linhares e da REBIO Sooretama, complementado por propriedades agrícolas, é uma evidência tão mais marcante que perturbações acontecidas há décadas são, ainda hoje, visíveis. Todavia, é com certeza a significativa extensão deste fragmento nuclear que possibilita a conservação da diversidade funcional da floresta revelada, em parte, pelas diversas formas de húmus e associada à diversidade de seus ecossistemas. No referente aos fragmentos que se propalam à vista na paisagem, eles parecem manter a sustentabilidade funcional apesar de uma certa perda de integridade biológica, devida às formas de uso extrativista. Ademas, eles representam, assim mesmo, os últimos remanescentes da floresta clímax suscetíveis de fornecer e multiplicar a riqueza genética da floresta para a manutenção dos serviços ambientais da biodiversidade, entre os quais, a disponibilidade dos recursos hídricos e o controle da erosão do solo. Porém, a sua conservação, nas condições atuais, significa um enorme desafio digno de ser enfrentado. À escala da região, o extenso deserto nutritivo dos solos, produto do desaparecimento da floresta, impõe repensar formas de uso da terra alternativas que priorizem a recuperação da matéria orgânica e dos nutrientes, numa perspectiva de sustentabilidade do solo e de compromisso entre as práticas agrícolas e a conservação e restauração da floresta nativa. 4. A floresta em pé: conservação da biodiversidade nos remanescentes de Floresta Atlântica de Tabuleiros Fernando V. Agarez, Irene Garay, Raul Sanchez Vicens A classificação botânica do núcleo florestal do Norte do Espirito Santo e Sul da Bahia foi objeto de debates e controvérsias originados pelas características únicas da vegetação que recobre os Tabuleiros Terciários. Se do ponto de vista geral ela pode ser assimilada ao complexo florestal que acompanha a costa Leste brasileira, a sua estrutura e composição florística levam a diferenciá-la tanto da Floresta Atlântica da Serra do Mar como da Floresta Amazônica de Terra Firme. Já nos anos setenta, Rizzini inseriu a Floresta dos Tabuleiros na Província Atlântica, Subprovíncia Austro-oriental devido a seu caráter litorâneo, ressalvando, contudo, a sua originalidade de estrutura, notadamente em relação às características geomorfológicas, edáficas e climáticas, que foram resumidas então por relevo relativamente plano, solo mais pobre e clima constantemente quente e úmido (Rizzini, 1979). Contraposta à Floresta Atlântica da Serra do Mar pela ausência quase total de formas vegetais complementares, tais como epífitos, musgos, liquens, aráceas e polipodiáceas, entre outras, a Floresta de Tabuleiros assombra pela sua semelhança com a Hiléia de Terra Firme Amazônica de vez pela imponência dos fustes das árvores que emergem do dossel e pela abertura do soto-bosque que facilita a circulação e a visão do conjunto vegetal, sustentado igualmente por planícies tabulares (Rizzini, 1963). Contrariamente à Hiléia Amazônica, as árvores emergentes não superam os quarenta metros de altura e aparecem amiúde entrelaçadas a abundantes lianas; ambos os traços estruturais indicando condições de menor disponibilidade hídrica, o que conduz a uma certa semelhança fisionômica com as florestas africanas de baixas latitudes (Peixoto & Gentry, 1990; Peixoto et al., 1995). A composição florística tem uma origem múltipla, sendo constituída da mistura de três elementos fitogeográficos: o primeiro é peculiar da Floresta de Tabuleiros, com sete gêneros comuns, representando um componente endêmico; o segundo corresponde às espécies típicas da Floresta Atlântica vizinha que, instalada sobre a cadeia cristalina, contorna o limite Oeste dos tabuleiros. O terceiro elemento fitogeográfico está formado por espécies vindas da Floresta Amazônica: “relíquias de uma passada migração da Hiléia pelo litoral” sobre o Grupo Barreiras que, da Bacia Amazônica, desce pela costa até o Rio de Janeiro, em relação sem dúvida com outras épocas mais úmidas (Rizzini, 2000). Apesar da presença de quase 100 gêneros de plantas arbóreas comuns em ambas as florestas (Ruschi, 1950), a dominância da familia Myrtaceae, própria da Floresta Atlântica, distancia a Floresta de Tabuleiros da Floresta Amazônica que conta com uma predominância de espécies de Moraceae ou, ainda, de Lecythidaceae. Entretanto, a alta riqueza de espécies de Leguminosae e Sapotaceae são um traço em comum destas florestas neotropicais (Rizzini et al., 1999). Diferentes denominações foram dadas à Floresta de Tabuleiros: algumas tais como Floresta Alta de Terra Firme (Heinsdijk et al., 1965) ou Floresta Ombrófila Hileiana (Lima, 1966) marcam as similitudes com a Floresta Amazônica. Outras terminologias apelam às condições geomorfológicas e inserem a floresta do Norte do Espirito Santo na Região de Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas (Radambrasil, 1978; Jesus, 1988). Porém, aspectos funcionais associados à sazonalidade hídrica foram assim mesmo tomados em consideração, qualificando-a de Floresta Estacional Semi-Decidual de Terras Baixas ou também de Floresta Ombrófila Semi-decídua (Jesus, 1988; Peixoto & Gentry, 1990). Quer que seja a denominação adotada, o fato é que a Floresta Atlântica de Tabuleiros revela uma originalidade de estrutura e composição florística devido à qual merece ser considerada como uma formação singular. As espécies arbóreas que simbolizam a imponência e a diversidade da Floresta Atlântica de Tabuleiros pertencem, notadamente, a diversas famílias: o jequitibá rosa, Cariniana legalis, é uma Lecythidaceae; o jacarandá caviuna, Dalbergia nigra, o pau sangue, Pterocarpus rohrii, o óleo de copaíba, Copaifera langsdorffii e a braúna preta, Melanoxylon brauna, são Leguminosae como também os diferentes ingás, Inga spp., ou ainda o angico rosa, Pseudopiptadenia contorta; o gonçalo alves, Astronium concinnum, uma Anacardiaceae; a peroba osso, Aspidosperma cylindrocarpon, uma Apocynaceae; os cedros entre os quais se destaca o cedro rosa, Cedrela odorata, integram a família Meliaceae, sendo que as diferentes batingas, Eugenia spp., as jabuticabas, Myrciaria jaboticaba e Myrciaria sp., assim como o jambre, Plinia Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 27 involucrata, são Myrtaceae; o parajú, Manilkara bella, e a maçaranduba, Manilkara salzmannii, se incluem nas Sapotaceae e os ipês amarelo e rosa, Tabebuia riodocensis e T. roseoalba, fazem parte da família Bignoniaceae. Não obstante, é a análise taxonômica detalhada que revela a alta riqueza de espécies de determinadas famílias: sobre um total de 614 espécies arbóreas recenseadas unicamente na Reserva Florestal de Linhares até 1997, a família Myrtaceae engloba 90 espécies; a família Leguminosae, 86, enquanto que 35 espécies estão incluídas na família Lauraceae e 33 e 28 espécies, em Sapotaceae e Rubiaceae, respectivamente. Todavia, mais de 15 espécies por família foram registradas para Chrysobalanaceae, Euphorbiaceae e Moraceae (Jesus, com. pess.). Na realidade, um trecho de floresta equivalente a 1 hectare está constituído por 1.000 a 1.600 árvores adultas, ou seja por indivíduos que têm um diâmetro à altura do peito - o DAP - superior a 5 cm, cota utilizada pelos técnicos florestais; esses indivíduos fazem parte de pelo menos 200 populações de espécies diferentes, ora 250 ou mais, que representam da ordem de 40 a 50 famílias botânicas (Jesus & Rolim, 2000; Rizzini, 2000). A Floresta Atlântica de Tabuleiros possui assim uma diversidade de árvores por vezes superior à Floresta Amâzonica (Rizzini, 1999). Quando se inclui o conjunto de espécies vegetais do piso da floresta, ou seja, as formas arbustivas e herbáceas, a riqueza específica aproxima um patamar de quase 400 espécies por hectare repartidas em 30.000 indivíduos (Jesus & Rolim, 2000). Frente às constatações acima, não é difícil concluir que a Floresta Atlântica de Tabuleiros é um dos ecossistemas florestais mais diversificado e rico em espécies vegetais da biosfera. Na atualidade, ele se encontra fortemente fragmentado ou modificado pelas diversas formas de uso passadas - mesmo no interior de unidades de conservação - sem que portanto uma avaliação precisa do status da biodiversidade possibilite a conservação e restauração do manto florestal à escala da região. Ainda há tempo ... Em 31 de março de 1994, o antigo Distrito de Córrego d’Água conquista sua emancipação do Município de Linhares. Convocada a comunidade para dar nome ao novo Município, a escolha de Sooretama, a casa dos animais da mata em tupí-guaraní, faz referencia à Reserva Biológica e, indiretamente, à floresta que a circunda: “porque é em Sooretama que se encontra a maioria da mata que ainda existe”. O novo Município de Sooretama se instala definitivamente em primeiro de janeiro de 1997, com a vontade institucional e política de estar associado à floresta. Ele iria conter nos seus limites administrativos a quase totalidade da Floresta Atlântica de Tabuleiros da Reserva Biológica de Sooretama e os numerosos fragmentos que conformam a paisagem agrícola ocupando ambos praticamente a metade da área do Município (Tab. 6 e Fig. 19). Figura 19. Distribuição espacial dos remanescentes florestais no Município de Sooretama, ES. Imagem digital LANDSAT5 TM (9-97) processada pelo SPRING/INPE e IDRISI/Clark University. 28 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) Tabela 6. Ocupação da terra no Município de Sooretama, ES. Os dados foram extraídos da classificação digital do mapa de Uso da Terra (ver Fig. 7). superfície (ha) superfície relativa (%) floresta 25.793 44,11 várzea 2.551 4,36 nativo 282 0,48 espelho d'água 509 0,87 Eucalyptus sp 2.594 4,44 558 0,95 café 9.940 17,01 fruticultura 1.916 3,28 pastagem 11.499 19,67 cana-de-açúcar 1.162 1,99 espaço urbano 370 0,63 35 0,06 1.259 2,15 58.468 100,00 seringueira afloramentos não classificado área do Município Se a importância do núcleo florestal ao qual a REBIO Sooretama contribui com mais de 24.000 hectares foi e é indiscutível, as ilhas florestais rodeadas essencialmente pelos plantios de café representam a priori uma incógnita do ponto de vista do grau de conservação de sua diversidade. Até puderam ser entrevistas como um escolho ao desenvolvimento das atividades agrícolas apesar das diferentes formas de uso que, no passado e, ainda, hoje, justificam a sua existência. Porém, comparados com a superfície da REBIO Sooretama, o conjunto dos remanescentes, com 2.861 hectares, correspondem a mais de 10% desta superfície e sobretudo podem ser considerados um capital biológico suscetível de outorgar um retorno ao custo social da conservação através da utilização sustentável de seus componentes. Em princípio, o estudo destes fragmentos está assim diretamente associado à gestão de seus recursos, razão pela qual os resultados referentes à avaliação do status da biodiversidade nos remanescentes florestais e a pesquisa sobre indicadores se enquadram nos limites políticoadministrativos do Município de Sooretama. A riqueza em biodiversidade do sistema fragmentado Uma ampla gama de tamanhos que se situa entre escassos hectares e algumas centenas caracteriza as mais de 200 ilhas florestadas existentes no Município de Sooretama: a uma maioria de pequenos fragmentos, com áreas compreendidas entre 1 e 5 hectares, se opõe a presença de significativos remanescentes que possuem desde 100 até quase 500 hectares de superfície. Entretanto, praticamente a metade dentre eles apresentam tamanhos maiores que 5 hectares (Fig. 20). A forma em geral alongada que apresentam os fragmentos faz com que mesmo os de menor tamanho sejam caracterizados por limites relativamente importantes (Fig. 21). Figura 20. Distribuição em classes de área dos remanescentes florestais, no Município de Sooretama, ES. O limite inferior de área considerada é de 1 hectare. Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (997). Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 29 Figura 21. Distribuição em classes de perímetro dos remanescentes florestais, no Município de Sooretama, ES. O limite inferior de área considerada é de 1 hectare. Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (997). A riqueza biológica dos remanescentes florestais é evidenciada quando da análise da estrutura da comunidade arbórea realizada em fragmentos previamente escolhidos seja pela diferença de tamanho, seja pela distância ao núcleo florestal das Reservas ou, inclusive, pelo estado aparente de modificação do dossel. A maioria dos fragmentos conservam densidades de árvores da mesma ordem de grandeza que na REBIO Sooretama, sendo que a riqueza em espécies é, em todos os casos, considerável; numerosas, ainda, são as famílias às quais pertencem estas espécies cujas populações aparecem repartidas na paisagem fragmentada (Tab. 7). Em contrapartida, poucas são aquelas espécies exclusivas de tal ou qual fragmento; no entanto, as diferenças mais notáveis se revelam quando se considera conjuntamente não somente a presença ou ausência das respectivas espécies, em cada fragmento, mas também o número de indivíduos que corresponde a cada uma delas, tal como mostrado pelo dendrograma de similaridade (Fig. 22). Tabela 7. Características da cobertura arbórea em fragmentos florestais do Municipio de Sooretama, ES. Os dados correspondem a 4 parcelas de 25x100m2 por fragmento, totalizando 1 hectare. Para o Bioparque, as parcelas são de 50x100m2 totalizando 1 hectare em dois sítios distintos. H: índice de Shannon-Weaver em logaritmo neperiano (ln). A Taxa de Cobertura ou VCE (ver parte 2) corresponde às primeiras 25 espécies; são indicados também o número de indivíduos destas 25 espécies. Ressalta do conjunto dos resultados, a situação do fragmento situado na Fazenda Santa Helena, seja pelas baixas densidades e o número restrito de espécies, sintetizados na baixa diversidade, seja pelo pequeno valor da área ocupada pelos troncos, isto é, pela reduzida área basal total (Tab. 7). No oposto, a semelhança das duas 30 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) amostragens realizadas no fragmento Bioparque da Fundação Bionativa se mantém independentemente das significativas diferenças tanto de densidade como do número de espécies. Por outra parte, nem o tamanho dos fragmentos nem a distância ao núcleo da REBIO Sooretama parecem determinar a maior ou menor similitude Figura 22. Dendrograma de similaridade da cobertura arbórea entre fragmentos florestais, Município de Sooretama, ES. SOO: REBIO Sooretama; FPN: fragmento da Fazenda Pasto Novo; SSP: fragmento do Sítio São Pedro; FRE: fragmento da Fazenda Refúgio; BBP1: Bioparque da Fundação Bionativa, área 1; BBP2: Bioparque da Fundação Bionativa, área 2; FSH: fragmento da Fazenda Santa Helena. entre a cobertura arbórea dos remanescentes (ver Tab. 7 e Fig. 22). Uma atenção particular deve ser dada ao fragmento da Fazenda Refúgio: ele corresponde à fácies de Floresta Ciliar e possui, portanto, uma estrutura de comunidade diferente à floresta que recobre o topo dos tabuleiros (Rizzini, 2000). Excluído este fragmento, o conjunto dos resultados permite classificar, em primeira aproximação, os fragmentos selecionados de acordo à riqueza em espécies, densidade e área basal total, ou seja à superfície ocupada pela projeção dos troncos em 1 hectare. Assim, as diferenças e similitudes entre eles levam a formular a hipótese de um maior ou menor grau de modificação de origem antrópica que se expressa em mudanças da estrutura da cobertura arbórea. Conservação do status da biodiversidade à escala da paisagem Objetivando a geração de uma tipologia de fragmentos que possibilite integrar a avaliação do status da biodiversidade ao conjunto dos fragmentos florestais do Município de Sooretama, foi gerada uma imagem-índice de vegetação, a partir do índice de vegetação da diferença normalizada (NDVI - Normalized Difference Vegetation Index) aplicado à classe de floresta (Agarez et al., 2001; Vicens et al., 2001). Tal índice, é baseado em uma combinação aritmética que focaliza o contraste entre os modelos de respostas da vegetação nas faixas do vermelho e do infravermelho próximo. Assim, o NDVI está relacionado com a densidade de vegetação e é obtido pela equação (Rouse et al., 1973): NDVI = (NIR-RED) / (NIR+RED) onde NIR corresponde aos valores de reflectância na banda do infravermelho próximo e RED ao valores de reflectância na banda do vermelho. Excluído o fragmento da Fazenda Refúgio devido às suas características peculiares, foram calculados os valores médios de NDVI afim de separar os fragmentos estudados (Tab. 8). Os valores médios obtidos variam entre 0,23 e 0,47 e se distinguem igualmente pelas diferenças de amplitude e pelos seus desvios: nos extremos, a REBIO Sooretama apresenta os maiores valores e as menores amplitudes e desvios, o que expressa uma menor heterogeneidade da cobertura arbórea ligada à maior densidade da vegetação; no oposto, os menores valores de NVDI e as maiores amplitudes correspondem ao fragmento da Fazenda Santa Helena, devido seguramente Tabela 8. Caracterização de fragmentos florestais segundo estimativas dos paramêtros do NDVI, Município de Sooretama, ES. à heterogeneidade do dossel e à reduzida área basal total, conseqüentes a claros produzidos por um intenso extrativismo. Para os fragmentos restantes, as estimativas dos paramêtros de NVDI - média, desvio padrão e amplitude - se encontram compreendidas entre os dois extremos representados pela REBIO Sooretama e o fragmento da Fazenda Santa Helena. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 31 É por meio da análise de correlação múltipla que se revela a associação entre as variáveis fitossociológicas, que dizem respeito ao status da biodiversidade da cobertura arbórea nos fragmentos escolhidos como padrão, e os valores do índice de vegetação - NDVI - (Tab. 9). Tabela 9. Matriz de correlação entre os valores médios e os desvios de NDVI e a avaliação da biodiversidade da cobertura arbórea em fragmentos florestais do Município de Sooretama, ES. ∗∗∗: α< 0,002; ∗∗: α < 0,01; ∗: α < 0,05; 0: ∗∗∗: α > 0,05. A Taxa de Cobertura, ou TC, corresponde à adição dos valores das 25 espécies com maior taxa de cobertura ou VCE (ver Parte 2). média NDVI desvio NDVI diversidade no no H indivíduos espécies 1,00 desvio NDVI ∗∗∗ -0,97 diversidade H 0,95 -0,94 ∗∗ ∗∗ 1,00 no indivíduos 0 0,69 0 -0,68 0 0,53 1,00 no espécies ∗∗∗ 0,98 -0,92 0,89 ∗ 0 0,79 taxa cobertura 0 -0,80 0 0,73 0 -0,62 -0,90 b) classe entre 0,34 - 0,42, onde estão incluídos os fragmentos do Sítio São Pedro (SSP) e o Bioparque da Fundação Bionativa (BBP1); d) classe inferior a 0,26, que engloba o fragmento da Fazenda Santa Helena (FSH). 1,00 ∗ ∗ 1,00 ∗ -0,94 As relações mais significativas se estabelecem entre a média do NDVI e a diversidade H ou a riqueza em espécies dos fragmentos; quanto ao desvio, seus valores se correlacionam negativamente tanto com a diversidade H como com a riqueza específica. As variáveis relacionadas à densidade não apresentam correlação significativa com respeito ao NDVI: fragmentos bastante interferidos podem estar constituídos por numerosos indivíduos, porém de caules reduzidos e copas pouco desenvolvidas já que, neste tipo de remanescente, as espécies de maior taxa de cobertura correspondem a espécies pioneiras e secundárias, com grande densidade populacional. Como corolário, as taxas de cobertura - TC - ou VCE das 25 espécies às quais correspondem os maiores VCE alcançam valores significativos em áreas florestais interferidas (ver Parte 2). O conjunto de resultados acima permite concluir a existência de um gradiente de diversidade arbórea nos fragmentos selecionados, evidenciando a heterogeneidade espacial do status da biodiversidade na paisagem, heterogeneidade que pode ser avaliada através da análise digital da imagem satélite, notadamente, por meio do NDVI. 32 a) classe entre 0,42 - 0,50, onde se incluem o fragmento da Fazenda Pasto Novo (FPN) e a Reserva Biológica de Sooretama (SOO); c) classe compreendida entre 0,26 - 0,34; média NDVI ∗∗ ∗∗ Estabelecida a relação entre a avaliação da diversidade arbórea e a classificação digital nos fragmentos escolhidos, o que interessa é a classificação do conjunto dos 214 fragmentos de superfície superior a 1 hectare que existem no Município de Sooretama, incluída a própria Reserva Biológica que integra o fragmento ou área nuclear. Para isso, os valores médios de NDVI são agrupados em quatro classes: Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) O tratamento da imagem-índice de vegetação para a totalidade dos remanescentes e sua reclassificação a partir dos intervalos definidos acima permite de gerar uma tipologia de fragmentos em função das classes de NDVI. Consideramos, então, como hipótese de base que existe uma relação direta entre o grau de interferência antrópica, associado às diferenças evidenciadas na cobertura arbórea, e os valores de NDVI (Fig. 23). Por outro lado, a partir das conclusões da análise de regressão múltipla é possivel gerar uma imagem-índice de biodiversidade para o conjunto dos fragmentos do Município de Sooretama, através de um modelo que considera como variáveis independentes a média e o desvio padrão do NDVI. Ele responde à equação: H = 2,54073 + 4,96162 . X NDVI - 4,03141 . S NDVI sendo X NDVI igual à média do NDVI S NDVI igual ao desvio padrão do NDVI e H = - Σ p i ln p i i = 1, 2, ...., S onde pi = ni / N n i é o número de indivíduos da espécie i N é o número total de indivíduos S é o número de espécies. A equação inicial é aquela que define a informação de Shannon (Shannon & Weaver, 1949), utilizando, no lugar de logaritmos de base 2, os logaritmos neperianos. A aplicação deste modelo possibilita a geração de uma imagem-índice de diversidade para o conjunto de fragmentos do Município de Sooretama (Fig. 24). Nesta imagem distinguem-se três grupos de fragmentos: 1) 45 fragmentos podem ser considerados de alta diversidade ou pouco interferidos; 2) 120 fragmentos são avaliados como de média diversidade ou relativamente interferidos; 3) 49 fragmentos são considerados de reduzida biodiversidade ou bastante interferidos. Os resíduos obtidos para os fragmentos analisados em campo com a aplicação do modelo foram inferiores a 4%, exceto para a REBIO Sooretama cujo valor é de 6,4%, o que é explicado pelo fato de que a área amostrada, próxima às instalações, parece ter sofrido os efeitos de uma certa interfêrencia. Figura 23. Classificação do conjunto de remanescentes florestais segundo intervalos do NDVI estabelecidos a partir de fragmentos selecionados, Município de Sooretama, ES. 1: fragmento SOO; 2: fragmento FPN; 3: fragmento BBP1; 4: fragmento SSP; 5: fragmento FSH. Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (9-97) utilizando os sistemas SPRING/INPE e IDRISI/Clark University. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 33 Figura 24. Imagem-índice de biodiversidade para o sistema de fragmentos do Município de Sooretama, ES. Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (9-97) utilizando os sistemas SPRING/ INPE e IDRISI/Clark University. Nos dias atuais, a avaliação da biodiversidade e, em conseqüência, as estimativas do grau de preservação de remanescentes de Floresta Tropical se limitam em geral a identificar a só presença do manto florestal com a conservação da floresta. Não existe de fato uma real relação entre a existência de uma cobertura arbórea, supostamente intocada, e o status real da biodiversidade nas ilhas florestadas. Um tal vazio de conhecimento impede no planejamento regional propor formas adequadas de manejo, assim como modelos integrados de conservação dos fragmentos que englobem as populações locais, portanto, responsáveis pela conservação e utilização sustentável dos recursos biológicos. A dificuldade maior consiste na passagem de escala: a análise da diversidade 34 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) biológica necessita ser realizada no detalhe de uma escala suficientemente pequena. Pelo contrário, resultados que respondam aos imperativos de manejo e conservação dos remanescentes florestais exigem uma escala relativamente ampla que possa corresponder à região ou, pelo menos, ao Município, unidade político-administrativa capacitada para implementar uma gestão integrada desses remanescentes. A riqueza das ilhas florestadas - que permanecem em geral esquecidas dos modelos de conservação - e a emergência de modelos conceituais ligados às novas tecnologias - que possibilitam a elaboração de ferramentas destinadas à gestão da biodiversidade constituem a principal conclusão do estudo do sistema de fragmentos presentes no Município de Sooretama. 5. A esclerofilia foliar como indicador funcional do status da biodiversidade em Floresta Atlântica de Tabuleiros Cecilia Maria Rizzini e Irene Garay O grau de esclerofilia das espécies arbóreas como propriedade funcional Explicitando a noção de grupo funcional Desde longa data, as espécies foram reagrupadas em categorias com o intuito de se compreender a organização das comunidades biológicas que integram os ecossistemas. Segundo os objetivos desejados, o agrupamento das espécies em categorias ecológicas foi baseado em distintas propriedades. Assim, por exemplo, a noção de guilda utilizada a partir dos anos 70, focalizava a partilha de um mesmo recurso entre espécies aparentadas taxonomicamente. Mais recentemente, aparece a noção de grupo funcional em relação à formulação dos estudos em biodiversidade. Ela adquire valor operacional frente à existência da redundância funcional das comunidades tropicais, i.e., as numerosas espécies que desempenham uma determinada função ecológica e que são, em teoria, equivalentes na realização desta função. Com efeito, a organização e a composição de uma comunidade podem ser não apenas bem compreendidas como também manejadas se as espécies componentes são classificadas sob uma base funcional. É possível assim definir tipos funcionais com respeito às propriedades morfológicas e fisiológicas inerentes às espécies, particularmente quando estas estão ligadas à utilização de recursos e às interações entre espécies ou, ainda, às interações entre diferentes comunidades (Barbault et al., 1991). Os grupos de espécies classificadas com base nestas propriedades podem englobar igualmente populações que atuam de forma similar no ecossistema ou que possuem características comuns, sejam estas estruturais ou relacionadas a determinados processos. Reagrupar as espécies em grupos funcionais representa um leque infinito de possibilidades: a escolha de critérios reflete, em definitivo, uma visão específica destinada à resolução de um determinado problema. A título de exemplo, citemos alguns critérios que permitem estabelecer grupos funcionais de espécies vegetais tais como forma de vida, tipos de história de vida, tamanho, estrutura foliar, profundidade da raiz, associações simbióticas, sensibilidade fotoperiódica e resistência ao fogo (Korner,1994; Baruch et al., 1996). Frente à impossibilidade do estudo exaustivo da função de todas as espécies que compõem uma dada comunidade, a noção de grupo funcional representa um intento de síntese. Na medida que as espécies que o compõem reflitam modificações desta ou de outras comunidades, ou de processos essenciais do ecossistema, o grupo funcional possui um caráter indicador. Segundo o caso, far-se-á necessário considerar seja o número de grupos funcionais, seja a riqueza em espécies ou as densidades das populações que integram cada grupo. Quando das comparações entre diferentes ecossistemas, a análise de grupos funcionais possibilita avançar na compreensão do funcionamento. Todavia, grupos funcionais podem apresentar respostas diretas ou indiretas a distintas formas e intensidade de impactos antrópicos. Nesta última perspectiva, a identificação de grupos funcionais e das espécies que os constituem é um instrumento para a avaliação da integridade do ecossistema (Garay, 2001a). A esclerofilia: uma propriedade complexa Pesquisas em formações vegetais do trópico, tais como savanas, caatingas e florestas, demonstram que a caducidade se encontra associada ao caráter mais ou menos esclerófilo das diversas populações vegetais. O grau de caducidade do ecossistema como um todo obedece à proporção dos diferentes tipos de espécies arbóreas, ou arbustivas, que coexistem. Na realidade, a propriedade da esclerofilia resulta das características morfológicas e fisiológicas das espécies: as folhas de árvores sempre-verdes são mais duras, pesadas e grossas, enquanto que as folhas adultas de árvores decíduas possuem características opostas. Os aspectos anatômicos típicos das espécies esclerófilas se expressam por longa série de características morfológicas que abrangem a totalidade do organismo vegetal, evidenciadas no acentuado espessamento das paredes celulares de vários tecidos como epiderme, súber, esclerênquima e lenho (Rizzini, 1976; Turner et al., 1993). As folhas esclerófilas possuem cutícula e parede celular externa da epiderme grossas e abundante esclerificação, particularmente, do revestimento dos feixes vasculares e da margem da folha (Esau, 1977; Fahn, 1982). Entretanto, alguns parâmetros físicos, notadamente o peso espeDiversidade Funcional em Floresta Atlântica 35 cífico foliar e a superfície específica foliar, têm sido utilizados para caracterizar a estrutura foliar de espécies em termos ecológicos, em particular, quando do estudo de árvores decíduas e sempre-verdes (ver por exemplo Montes & Medina, 1977; Sobrado & Medina, 1980; Medina, 1981; Marín & Medina, 1981; Medina & Klinge, 1983; Medina et al., 1985; Goldstein et al., 1990). Estas características físicas auxiliam na determinação do grau de esclerofilia foliar, sendo que o peso específico foliar possui uma relação direta com a esclerofilia e a superfície específica foliar, inversa. secos do final do inverno (Engel & Jesus, com. pess.). Louzada et al. (1997) registram que a maior intensidade de queda foliar corresponde igualmente ao período que antecede as chuvas da primavera. Adiciona-se, ainda, a existência da marcada variabilidade interanual de maneira que se sucedem anos extremamente secos, nos quais a diminuição brusca das precipitações afeta a estação chuvosa (Garay et al., 1995). Nestes casos, se produz um aumento significativo da queda de folhas que acompanha o período de seca estival, dobrando os aportes foliares (Louzada et al., 1997). A importância da propriedade da esclerofilia foi reconhecida no último século, mas seu significado funcional ainda é controverso (Seddon, 1974; Cody & Mooney, 1978; Grubb, 1986). Medina (1981) indica as seguintes características fisiológicas associadas ao caráter esclerófílo das espécies: resistência ao déficit hídrico, estabilidade térmica, baixa capacidade fotossintética, folhas em geral perenes ou de longa duração e com baixo conteúdo de nutrientes. Segundo Turner et al. (1994), são três as principais hipóteses explicativas sobre o significado desta propriedade: adaptações para a conservação da água; conservação de nutrientes em solos oligotróficos e, por último, prevenção contra possíveis perdas foliares em decorrência tanto de agentes como o vento, sol e chuva, quanto de patógenos e herbívoros. Porém, o preço da manutenção anual do dossel se traduz em uma produtividade neta menor nas espécies esclerófilas que nas de folhas caducas (Eamus, 1999). Em função destes fatos, pode-se formular a hipótese de que a estação seca marcada e a variabilidade interanual, às quais encontra-se submetida a Floresta de Tabuleiros do Norte do Espírito Santo, determinam pelo menos dois mecanismos adaptativos essenciais frente ao estresse hídrico: a esclerofilia e a deciduidade das espécies arbóreas que a compõem. Com efeito, a manutenção de folhas altamente adaptadas às perdas por evapotranspiração, o que é próprio da esclerofilia, representa um mecanismo importante na redução do estresse hídrico da planta tanto quanto a perda da totalidade das folhas. Espécies esclerófilas são encontradas em numerosas comunidades sob condições climáticas e geográficas muito contrastantes: em ecossistemas do Mediterrâneo, submetidos a prolongada estação seca e verão cálido; em pântanos, ou brejos; em florestas de clima temperado e temperado-frio; em formações do clima tropical seco do Caribe e, mesmo, das altas montanhas úmidas dos trópicos (Medina, 1981). A Floresta de Tabuleiros do Norte do Espírito Santo caracteriza-se igualmente pela presença de espécies com escleroxilia, i. e., lenho secundário duro, e esclerofilia, como possível rasgo adaptativo à radiação solar intensa e à existência de estação seca marcada (Rizzini, 1976; Jesus, 1987). A característica semidecidual da Floresta de Tabuleiros, que pressupõe a coexistência de espécies perenes, semicaducifólias e caducifólias, pode ser relacionada à sazonalidade climática (Jesus, 1987; Peixoto et al., 1995). O estudo da fenologia de 40 espécies arbóreas, realizado na Reserva de Linhares num período de dez anos de amostragem, mostrou que cerca de 50% das espécies perdem total ou parcialmente as folhas no fim da estação seca e que a proporção do número de indivíduos desfolhados aumenta consideravelmente nos meses mais 36 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) Paralelamente, espécies arbóreas esclerófilas produzem aportes foliares mais pobres em nitrogênio e ricos em compostos orgânicos complexos de difícil decomposição que espécies arbóreas não esclerófilas, cujos aportes mais ricos em nutrientes possibilitam uma maior velocidade de decomposição. Uma menor velocidade de decomposição age a favor de um maior acúmulo de matéria orgânica no solo, imprescindível à retenção dos nutrientes essenciais. Como imagem especular, as maiores velocidades de decomposição, associadas à maior riqueza nestes nutrientes, determinam uma reciclagem mais eficiente da mineralomassa retida no piso da floresta. O caráter misto da Floresta de Tabuleiros em relação à caducidade das espécies arbóreas vai ao encontro da variação qualitativa dos aportes foliares ao solo e, em seguida, da variabilidade da dinâmica da decomposição. Em síntese, a existência de grupos funcionais, com base no grau de esclerofilia das árvores, representa uma estratégia adaptativa global da floresta, relacionada à caducidade das espécies. Em resposta sobretudo aos problemas de regime hídrico, ele é fator determinante da velocidade de mineralização da matéria orgânica e da disponibilidade de nutrientes. Frente a estas hipóteses, várias questões merecem ser testadas: existe realmente um grau de esclerofilia que pode ser mensurado no ecossistema de Floresta de Tabuleiros? Ele é variável em função das condições mesológicas e notadamente das condições hídricas? Como diferentes formas de uso antrópico eventualmente incidem sobre o grau de esclerofilia do ecossistema? É por meio da avaliação da biodiversidade, se utilizando da análise de grupos funcionais, que, em primeira aproximação, estas perguntas foram respondidas. Estas são as questões tratadas a seguir. A elaboração de indicadores funcionais na prática A escolha dos sistemas e das espécies Foram escolhidos, no total, quatro sistemas com fins de comparação: a Mata Alta ou Floresta Densa, a Mata Ciliar e dois trechos florestais consecutivos a atividades antrópicas: o primeiro corresponde a uma floresta secundária instalada após queima e corte ou capoeira após queimada, tratando-se de um verdadeiro estágio sucessional com 50 anos de evolução. O segundo trecho, denominado capoeira após extração, é de fato um fragmento submetido a intenso extrativismo seletivo até a década de 50, quando a parcela pertencente ao Ministério de Minas e Energia provia madeiras de Lei para construção; ele é paradigmático da situação de impacto sofrida pela quase totalidade dos numerosos remanescentes florestais em propriedades rurais. A partir de então, ambos os atuais trechos de floresta foram protegidos de novas intervenções antrópicas de forma que hoje possibilitam avaliar o grau de recuperação da floresta. Os quatro sistemas estudados se localizam na Reserva Natural da Companhia Vale do Rio Doce - ES, ou Reserva de Linhares, que recobre uma área aproximada de 22.000 ha, representando cerca de 25% da cobertura florestal remanescente no Estado do Espírito Santo. Entre as fisionomias vegetais de Floresta de Tabuleiros, a de maior extensão percentual é a Floresta Densa de Cobertura Uniforme, a Mata Alta, que representa em torno de 63% da área da Reserva, sendo que a Floresta Ciliar que margeia os cursos d’água ocupa somente 4%. Quanto à Floresta interferida no passado pelo extrativismo seletivo, ela representa, em superfície, 5% (Jesus, 1988). As fácies florestais escolhidas encontram-se a distância similar da linha da costa, sobre o mesmo tipo de solo, o Argissolo Amarelo. Quanto à situação topográfica, ela é semelhante para os sítios de Mata Alta, capoeira após queimada e capoeira após extração: os três sistemas situam-se no topo aplanado de tabuleiros. Diferentemente, a Mata Ciliar margeia o córrego João Pedro. Para a determinação dos grupos funcionais, optou-se pela escolha das espécies quantitativamente mais importantes em cada um dos quatro sistemas de estudo. Para isso, foram estabelecidas parcelas permanentes na Mata Alta, na Mata Ciliar e nas duas capoeiras supracitadas. O número de parcelas permanentes foi de três em cada sítio e a superfície unitária de 25x50m2, perfazendo um total de 1,5 ha. Como é clássico nas pesquisas relativas à estrutura da comunidade arbórea em florestas tropicais, foram tomados em consideração tanto o tamanho das árvores como as suas densidades, sendo que ambos os parâmetros são sintetizados na taxa de cobertura. O conjunto dos métodos de estudo encontram-se detalhados na Parte 2 deste volume; lembremos aqui que foram estudadas todas as árvores cujo tronco à altura do peito é maior que 20cm de circunferência, i.e., 6,3cm de diâmetro (DAP). A análise da estrutura do estrato arbóreo permitiu selecionar as espécies às quais correspondem os 25 maiores valores de taxa de cobertura (IVE) em cada sistema, ou seja, aquelas cujas densidade relativa e dominância relativa adicionadas são as mais relevantes na comunidade (Rizzini et al., 1997; Rizzini, 2000). Considerando o conjunto dos quatro sistemas, foram selecionadas, no total, 73 espécies arbóreas para as quais foram estimadas as propriedades físicas e químicas das folhas ou folíolos e estudada a morfologia foliar (ver Parte 2). Numa primeira etapa, merece ser explicitado o universo no qual estas espécies estão inseridas o que equivale a precisar as características gerais da comunidade arbórea e analisar o comportamento das diversas famílias botânicas, que reagrupam as espécies em questão, face às condições mesológicas e às formas de uso. Um povoamento florestal não recuperado O quadro geral A primeira constatação geral que surge da análise comparativa do povoamento florestal é a extrema riqueza taxonômica não somente de famílias botânicas mas sobretudo de espécies presentes em área relativamente restrita: se para a totalidade da Reserva foram recenseadas mais de 600 espécies, quase a metade se encontram nas parcelas de estudo que totalizam apenas 1,5 ha (Tab. 10). Na região, a elevada coexistência das populações arbóreas parece representar um traço marcante da organização desta comunidade cuja riqueza alcança da ordem de 200 espécies num único hectare (Agarez, 2001). A densidade de indivíduos adultos é de 1100 árvores por hectare, resultado um pouco inferior ao obtido para a Reserva Biológica de Sooretama, com 1300 indivíduos, o que se deve seguramente a diferenças no critério de inclusão utilizado (6,3 cm e 5 cm, de diâmetro à altura do peito, ou DAP, respectivamente). Merece especial menção a importância quantitativa da área basal, i. e., a projeção dos troncos em superfície, cujo valor é da ordem de 40 m2 por hectare, o que resulta da imponência dos fustes das árvores, característica distintiva de certos trechos de mata na Floresta de Linhares quando se compara com a REBIO Sooretama, com 30 m2, ou com outras florestas tropicais. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 37 Tabela 10. Características gerais da comunidade arbórea em diferentes sistemas de Floresta Atlântica de Tabuleiros. Médias e erro padrão (n=3). MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada. Teste U; * : α < 0,05; 0: α > 0,05. Estão indicadas somente as H1 das diferenças significativas. o n famílias mata alta mata ciliar capoeira capoeira após extração após queimada 26 + 2 27 + 2 26 + 2 27 + 3 o n total de famílias ( n = 3) o n espécies 37 37 37 37 73 + 3 69 + 3 65 + 3 55 + 2 146 139 141 110 o n total de espécies teste U 0 -0 MA > CQ* - (n = 3) densidade 1150 + 40 1020 + 50 1150 + 40 990 + 50 MA > CQ* área basal 38,1 + 3,5 39,7 + 4,2 23,6 + 0,9 32,8 + 1,3 MA > CE* volume 820 + 110 940 + 120 370 + 70 560 + 30 MA > CE* MA > CQ* 3,79 + 0,09 3,73 + 0,10 3,65 + 0,09 3,49 + 0,12 0MA > CQ* 0,91 + 0,01 0,88 + 0,02 0,89 + 0,01 (ind. / ha) (m2 / ha) (m3 / ha) diversidade H’ equitabilidade 0,92 + 0,01 Os trechos de floresta em recuperação evidenciam sinais de perturbação porém diferenciadas segundo o tipo de capoeira: transcorridos mais de 50 anos após a queimada, o número de espécies por unidade de superfície e as densidades das árvores, neste sítio, permanecem inferiores aos da Mata Alta. De maneira sintética, o menor índice de diversidade (H’) revela uma maior dominância das espécies mais abundantes, o que é próprio de sistemas secundários em regeneração. Para o trecho de floresta onde houve extração seletiva, a área basal do conjunto das árvores adultas encontra-se ainda reduzida em 40% em relação aos valores correspondentes à Mata Alta. Esta redução é da mesma ordem de grandeza que nos diferentes fragmentos florestais do Município de Sooretama nos quais se constata apenas metade da área basal que na REBIO Sooretama, área de preservação integral (Agarez, 2001). Contudo, o parâmetro que mostra as maiores diferenças é o volume dos troncos: os trechos de floresta após os dois tipos de impacto estão desprovidos de árvores emergentes e a luz incidente no piso florestal marca as aberturas do dossel e favorece a proliferação de lianas. As famílias e as espécies dominantes As famílias botânicas às quais pertencem as populações de árvores são numerosas porém, de desigual importância. Somente três dentre elas reagrupam mais de 30% das espécies da Mata Alta e da Mata Ciliar. Trata-se de 38 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) 00 Leguminosae, Myrtaceae e Sapotaceae, famílias que se, no presente, expressam a singularidade da Floresta Atlântica de Tabuleiros, remetem à história evolutiva da floresta neotropical e especificamente ao maciço florestal que se estende frente ao Oceano Atlântico. Elas dominam pela sua riqueza nas pequenas parcelas de estudo, na Reserva em totalidade e, inclusive, em restos de floresta inseridos em terras de cultivo. Na Reserva de Linhares, existem 90 espécies de Myrtaceae, 86 de Leguminosae e 33 de Sapotaceae; em somente um hectare da REBIO Sooretama estão, respectivamente, presentes 42, 25 e 15 espécies (Agarez, 2001). Para os sítios de estudo, as riquezas destas três famílias estão representadas na Figura 1; elas predominam inclusive em cada uma das parcelas permanentes da Mata Alta. Um segundo conjunto reagrupa famílias com riqueza intermediária em espécies mas com populações amplamente repartidas e que identificam a pertença da Floresta de Tabuleiros às florestas neotropicais sul-americanas, em particular, à Amazônica. Citemos, entre elas, as Euphorbiaceae, Moraceae, Lecythidaceae, Flacourtiaceae, Rutaceae, Anacardiaceae, Annonaceae, Apocynaceae, Burseraceae, Chrysobalanaceae e Lauraceae. Um terceiro grupo consta de famílias relativamente pobres em espécies, nem por isso menos representativas do núcleo florestal dos Tabuleiros, tais como Bignoniaceae, Combretaceae, Myristicaceae, Sterculiaceae, Tiliaceae ou mata alta MYR T 23 S AP O S AP O 6 EU PH LEC Y 6 0 L E GU VIOL 9 FL AC Figura 25. Riqueza específica e taxa de cobertura correspondentes às cinco famílias da comunidade arbórea com os respectivos maiores valores. MYR T 18 L E GU 5 10 15 0 20 40 60 0 20 40 60 20 40 20 40 mata ciliar MYR T MOR A 16 S AP O S AP O 14 MO R A EU PH 9 LEGU L E GU 12 EU PH MYR T 5 0 5 10 15 capoeira após extração L E GU EU PH MYR T 31 8 EU PH S AP O 8 S AP O 5 B O MB 0 LEGU R U TA 6 AN AC 5 10 0 15 60 capoeira após queimada L E GU AN N O 12 MOR A AR E C 7 FL AC LEGU 6 BU R S 5 EU PH EU PH 5 MO R A 0 Valores médios e erro padrão (n=3); os rótulos à direita indicam o número total de espécies nas amostras. MYRT: Myrtaceae; LEG: Leguminosae; VIOL: Violaceae; SAPO: Sapotaceae; LECY: Lecythidaceae; EUPH: Euphorbiaceae; ANAC: Anacardiaceae; BOMB: Bombacaceae; FLAC: Flacourtiaceae; ANNO: Annonaceae; RUTA: Rutaceae; MORA: Moraceae; BURS: Burseraceae; AREC: Arecaceae. 5 10 o 15 riquez a es pec ífic a ( n d e sp p . ) 0 60 taxa de c obertura (200% ) Violaceae. Contrastando com estes três grupos, as famílias restantes, com apenas 1 a 3 espécies, totalizam quase 40 espécies no 1,5 ha da área de estudo. Este último conjunto de famílias, não menos importante do ponto de vista taxonômico, mostra a notável diversificação das plantas lenhosas nos ecossistemas florestais do trópico úmido. Em síntese, a distribuição do número de espécies por família adquire a forma típica de um J invertido sinalizando a preponderância das famílias mais ricas em espécies. A análise das taxas de cobertura, das densidades e das áreas basais corroboram esta afirmação. Em geral, as famílias mais diversificadas possuem as maiores taxas de cobertura e também as densidades e áreas basais superiores (Fig. 25 e Fig. 26). Uma exceção merece ser destacada: Violaceae, representada por uma única espécie com alta densidade e significativa área basal, alcança uma das mais elevadas taxas de cobertura. As cinco famílias às quais correspondem as maiores riquezas e as taxas de cobertura mais elevadas recobrem da ordem de 70% dos efetivos e de 70 a 80% da área basal do total de árvores recenseadas em cada sítio. Com vistas a uma análise comparativa entre os sistemas selecionados, parece assim válido deter-se no estudo destas famílias. A primeira grande diferença entre os trechos de floresta preservada e os que sofreram impactos antrópicos no passado é a drástica redução da riqueza em espécies da família Myrtaceae e, em menor intensidade, de Sapotaceae e Leguminosae sobretudo na capoeira após queimada. Esta perda de diversidade, consecutiva a impactos de índole diversa, e a dificuldade de recuperação dos trechos perturbados, após 50 anos, chama a atenção sobre a pertinência de uma efetiva preservação integral de, pelo menos, parte dos remanescentes. A segunda diferença marcante refere-se aos valores máximos de taxa de cobertura que evidenciam não somente uma substituição das três famílias mais representativas da Floresta Atlântica de Tabuleiros mas, igualmente, uma maior dominância daquelas que as substituíram. As Moraceae e Sapotaceae, na Mata Ciliar, as Euphorbiaceae, na capoeira após extração, as Annonaceae e Arecaceae, na capoeira após queimada, tomam os lugares de Myrtaceae e Sapotaceae ou Leguminosae segundo o sistema considerado (Fig. 25). A análise comparativa das principais famílias é aprofundada quando da consideração das respectivas densidades e áreas basais (Fig. 26). Os quatro sistemas de estudo se diferenciam nitidamente pela organização espacial da comunidade arbórea; em particular, a Mata Ciliar constitui um sistema favorável à expansão das Sapotaceae e de formas de vida quase inexistentes na Mata Alta, como palmeiras (Arecaceae) e figueiras Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 39 mata alta mata ciliar capoeira após extração capoeira após queimada MYRT LEGU VIOL SAPO LECY EUPH ANAC BOMB FLAC ANNO RUTA MORA BURS AREC 0 100 200 300 400 0 100 200 300 0 100 12,0 0,0 4,0 200 300 0 100 200 300 densidade (ind. / ha) MYRT LEGU VIOL SAPO LECY EUPH ANAC BOMB FLAC ANNO RUTA MORA BURS AREC 0,0 4,0 8,0 0,0 12,0 4,0 8,0 8,0 0,0 4,0 8,0 12,0 2 área basal (m / ha) Figura 26. Densidade e área basal correspondentes às cinco famílias da cobertura arbórea com maiores taxas de cobertura. Valores médios e erro padrão (n=3). MYRT: Myrtaceae; LEG: Leguminosae; VIOL: Violaceae; SAPO: Sapotaceae; LECY: Lecythidaceae; EUPH: Euphorbiaceae; ANAC: Anacardiaceae; BOMB: Bombacaceae; FLAC: Flacourtiaceae; ANNO: Annonaceae; RUTA: Rutaceae; MORA: Moraceae; BURS: Burseraceae; AREC: Arecaceae. (Moraceae). Quanto às capoeiras, prevalece aí um empobrecimento marcado das famílias características da Floresta de Tabuleiros -como é o caso das Myrtaceae, Lecythidaceae, Combretaceae, Violaceae, Sapotaceae e Flacourtaceae- e a presença maciça de espécies secundárias que se comportam como invasoras. São espécies pertencentes às famílias Euphorbiaceae, Anacardiaceae, Annonaceae, Rutaceae, Moraceae, Arecaceae e ainda algumas das Leguminosae (ver Fig. 26). Para o conjunto das famílias supracitadas, as diferenças entre a Mata Alta e os outros sítios de estudos são significativas, às vezes, para as densidades, outras, para a área basal, sendo que diferenças em todos os parâmetros e de um sítio em relação aos três restantes são observadas unicamente para Annonaceae (teste U; α<0,05). Estas diferenças não devem obscurecer o fato de que ambas as 40 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) capoeiras representam sistemas distintos: dez famílias apresentam diferenças significativas entre a capoeira após a queimada e o fragmento após extração seletiva de madeira (teste U; α<0,05). Assim, por exemplo, as Annonaceae, Moraceae, Arecaceae, Rutaceae e Burseraceae estão ausentes nas amostras de uma das florestas secundárias e as Euphorbiaceae, Leguminosae e Anacardiaceae são mais abundantes na capoeira após extração (Fig. 26). Uma ressalva merece ser explicitada: a ausência localizada de certas famílias não permite concluir à exclusividade destas em um ou outro sistema, já que o número restrito de pequenas parcelas pode eliminar da amostragem populações de baixa densidade distribuídas espacialmente ao acaso. Resultados relativos a diferentes fragmentos remanescentes submetidos a extrativismo seletivo confirmam as conseqüências maiores deste tipo de uso, i. e., as popula- Leguminosae Myrtaceae Sapotaceae Lecythidaceae densidade (%) 60 40 Moraceae Euphorbiaceae Anacardiaceae 60 40 20 20 0 0 REBIO FR1 FR2 FR3 FR4 REBIO FR5 FR1 FR2 FR3 FR4 FR5 intensidade do extrativismo intensidade do extrativismo Figura 27. Densidade relativa das principais famílias arbóreas num sistema fragmentado de Floresta Atlântica de Tabuleiros, Sooretama-ES. REBIO: Reserva Biológica de Sooretama; FR1, FR2, FR3, FR4, FR5: fragmentos remanescentes submetidos a extrativismo seletivo, em propriedades agrícolas. Os dados correspondem a 1 hectare por sítio. As densidades relativas foram calculadas com base no total de indivíduos por família. Segundo Agarez, 2001. mata alta mata ciliar capoeira após extração capoeira após queimada EUGUBE: Eugenia cf. ubensis (MYRT); EUGUBE PTEROR PTEROR: Pterocarpus rohrii (LEG); RINBAH CARLEG RINBAH: Rinorea bahiensis (VIOL); ESCOVA JOAPRIN SENMUL CARLEG: Cariniana legalis (LECY); MICELA ASTCON ESCOVA: Eschweilera ovata (LECY); ROLLAU NEOALB JOAPRI: Joannesia princeps (EUPH); BROGAU FICGOM SENMUL: Senefeldera multiflora (EUPH); ASTACU POLCAU MICEA: Micrandra elata (EUPH); TERKUL 0 50 100 150 0 200 50 250 100 0 150 50 200 100 250 150 200 0250 50 100 150 200 ASTCON: Astronium concinnum (ANAC); densidade (ind./ha) ROLLAU: Rollinia laurifolia (ANNO); EUGUBE NEOALB: Neoraputia alba (RUTA); PTEROR RINBAH CARLEG BROGAU: Brosimum gaudichaudii (MORA); ESCOVA JOAPRIN FICGOM: Ficus gomelleira (MORA); SENMUL MICELA ASTACU: Astrocaryum aculeatissimum (AREC); ASTCON ROLLAU POLCAU: Polyandrococos caudescens (AREC); NEOALB BROGAU TERKU Terminalia aff. kuhlmannii (COMB). FICGOM ASTACU POLCAU TERKUL 0,0 2,5 5,0 7,5 10,0 0,0 12,5 2,5 5,0 7,5 10,0 0,0 12,5 2,5 5,0 0,0 7,5 2,5 10,0 5,0 12,5 7,5 10,0 2 área basal (m /ha) Figura 28. Densidade e área basal correspondentes às espécies arbóreas com as cinco maiores taxas de cobertura em sistemas primários e secundários de Floresta Atlântica de Tabuleiros. Valores médios e erro padrão (n=3). Entre parêntese: abreviatura das famílias, ver legenda da figura 2. COMB: Combretaceae. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 41 ções das famílias principais da Floresta de Tabuleiros são severamente prejudicadas, sendo que a maioria das espécies de Myrtaceae podem ser consideradas extintas localmente. Em contrapartida, a substituição das famílias principais pelas populações de famílias pioneiras e secundárias de Euphorbiaceae, Moraceae e Anacardiaceae se encontra favorecida mas, em cada fragmento, as famílias, ou seja, as populações dominantes, diferem (Fig. 27). A consistência das diferenças observadas ao nível taxonômico de família são corroboradas pela análise comparativa das populações que predominam em cada sistema de estudo, i. e., apresentam os cinco maiores valores de taxa de cobertura. Elas pertencem às famílias mais representativas (Fig. 28). Várias espécies caracterizam a Mata Alta: Eugenia cf. ubensis Cambess., a batinga casca grossa; Rinorea bahiensis (Moric.) Kuntze, o tambor; Pterocarpus rohrii Vahl., o pau sangue; Cariniana legalis (Mart.) Kuntze, o jequitibá rosa, e Terminalia aff. kuhlmannii Almayah et Stace, a pelada (Combretaceae). Na Mata Ciliar, as populações dominantes são outras: uma figueira, o mata pau Ficus gomelleira Kunth et Bouché; a palmeira brejaúba, espécie pioneira heliófila, Astrocaryum aculeatissimum (Schott) Burret; a sucanga, Senefeldera multiflora Mart., e a imbiriba, Eschweilera cf. ovata (Cambess.) Miers. A comunidade da capoeira após extração se caracteriza pela abundância das populações de Euphorbiaceae, sobretudo de Micrandra elata Muell. Arg., a mamoninha, espécie pioneira que domina no banco de sementes do solo. A arapoca, Neoraputia alba (Nees et Mart.) Emerich, distingue igualmente esta comunidade na qual o conjunto das árvores apresentam pequenas áreas basais e significativas abundâncias. Na capoeira após queimada, a Annonaceae Rollinia laurifolia Schldl., ou pinha da mata, domina fortemente a comunidade, com 22% de taxa de cobertura, acompanhada por Joannesia princeps Vell., a boleira, que junto às palmeiras brejaúba e palmito amargoso, A. aculeatissimum e Polyandrococos caudescens (Mart.) Barb. Rodr., constituem um conjunto de populações pioneiras e secundárias. Para todas estas espécies existem diferenças significativas entre os sítios de estudo, seja em densidade, seja em área basal ou em ambos os parâmetros (teste U; α < 0,05). As populações dominantes se comportam como verdadeiros indicadores ecológicos do estado da floresta: na Mata Alta, apresentando as árvores de maior porte, o que se traduz pela importância das taxas de cobertura não somente das espécies climácicas mas também das pioneiras ou secundárias e, nas capoeiras, pela expressiva dominância das espécies não climácicas. Todavia, cada capoeira é marcada distintamente de acordo a seu respetivo histórico, seja pelos numerosos e pequenos indivíduos naquela onde foi extraída madeira seletivamente, seja pela presença maciça de pioneiras e secundárias onde a floresta successional seguiu à queimada. 42 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) A validação das estimativas dos parâmetros físicos foliares e dos índices de esclerofilia As espécies selecionadas Para as 25 espécies selecionadas pelas maiores taxas de cobertura, não existem diferenças significativas nem na riqueza média por amostra nem nas densidades entre os diferentes sistemas. Existe, portanto, uma certa homogeneidade destes parâmetros não somente no interior de cada sítio de estudo mas também entre eles (teste U; α > 0,05). Os valores correspondentes de riqueza são de 22 + 0 spp. por parcela, para a Mata Alta, e de 20 + 1spp., para a Mata Ciliar e as capoeiras, e os de densidade são em média de 600 ind./ha. Se as espécies escolhidas representam da ordem de 30% da riqueza total das parcelas permanentes em cada área, esta proporção se eleva a mais de 50% para as densidades e entre 60% e 85% para as respectivas áreas basais. Em taxa de cobertura, a contribuição das espécies selecionadas flutua ao redor de 60%. Duas diferenças entre os sistemas são observadas, correlatas ao tipo de impacto em cada capoeira: na capoeira após extração, a área basal das 25 espécies mais representativas é quase metade que nos sítios restantes, em proporção direta com a diminuição da área basal total (ver Tab. 10). A taxa de cobertura do total das espécies selecionadas é superior na capoeira após queimada, devido essencialmente à diminuição da diversidade própria do estágio successional em questão. Qualquer que sejam estas diferenças, o fato da representatividade das espécies escolhidas em relação à comunidade arbórea dos sítios de estudo deve ser aferido. As medidas de esclerofilia Para quantificar o grau de esclerofilia é necessário estimar dois parâmetros: a área ou superfície foliar e os respectivos pesos secos; ambos referem-se a folíolos no caso de folhas compostas. Os valores de área foliar divididos pelos respectivos valores de peso expressam a superfície correspondente a um peso unitário, ou superfície específica foliar (SEF); a relação inversa possibilita estimar o peso de uma superfície unitária, ou peso específico foliar (PEF1). Os mesmos valores são utilizados no quociente SEF e seu inverso, o PEF1, existindo portanto uma total simetria entre o SEF e o PEF1. Uma outra forma de quantificar o grau de esclerofilia é, do início, recortar dos limbos pequenas unidades amostrais de superfície fixa e obter os pesos secos correspondentes, o que exime das medidas de área foliar e possibilita eliminar as nervuras mais grossas, fonte freqüente da grande dispersão de valores. Este segundo procedimento leva igualmente a estimativas de peso específico foliar ou PEF2. O Índice de Esclerofilia –IE- de Müller-Stoll (1947, 1948) representa uma simples padronização do peso es- 1,0 0,016 y = 0,80x + 0,04 r = 0,84**** 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 índice de esclerofilia IEs (g/dm 2) y = - 0,0057 ln (x) + 0,0339 r = 0,85**** 0,012 0,008 0,004 0,000 0 100 200 300 r = 0,179 O 0,012 0,008 0,004 0,000 0 50 100 150 200 área foliar (cm2 ) 0,016 peso específico foliara(g/cm2 ) das do material foliar de espécies esclerófilas, intermédiarias e não esclerófilas, ou com folhas “leves”, a fim de realizar comparações. Diga-se de passagem que o estabelecimento de valores fixos não dispensa de uma certa arbitrariedade. O diagrama de dispersão de pontos de IEp em função de IEs (Fig. 29), pode ser ajustado pela equação da reta: y = 0,798x + 0,041; de maneira que para: x = 0,60 g/dm 2 ⇒ y = 0,52 g/dm 2, sendo 0,60 g/dm2 o valor limite inferior de IEs para espécies consideradas esclerófilas e 0,52 g/dm 2 o valor correspondente de IEp. peso específico foliara(g/cm2 ) índice de esclerofilia IEpa(g/dm2) pecífico foliar com fins de facilitar a comparação de resultados. Ele é igual ao peso específico foliar, ou PEF, calculado com o valor dobrado da superfície foliar no denominador e expresso em unidades de grama por dm2. Como conseqüência da introdução da constante 1/2, todas as medidas são reduzidas a metade e a mudança de unidade de cm2 para dm2 elimina dois dígitos geralmente nulos, o que permite visualizar melhor as comparações. Logo, as estimativas do peso específico foliar por meio do IE ficam compreendidas, fora de raras exceções, entre 0,2 e 1. O valor limite do IE igual ou superior a 0,60g/dm2 é proposto para separar as espécies consideradas esclerófilas em formações florestais (De Sloover et al., 1965; Rizzini, 1976). 400 Figura 29. Diagramas de dispersão de pontos representando as relações entre os índices de esclerofilia, IEs e IEp, e a superfície específica foliar, a área foliar e o peso específico foliar PEF2 para espécies arbóreas de Floresta Atlântica de Tabuleiros. IEs: índice de esclerofilia com base no peso seco foliar e na área foliar; IEp: índice de esclerofilia com v base no peso específico foliar de amostras padronizadas PEF2 (ver texto).****: α <10-7; 0: α >0,05. N=72. superfície específica foliar (cm 2/g) É evidente que a possibilidade de calcular distintamente o PEF, tanto por meio das áreas foliares e seus pesos, tal como nos trabalhos mencionados, quanto se utilizando dos pesos secos de pequenas amostras padronizadas dos limbos, conduz a duas formas de calcular o IE, respectivamente denominados de IEs e IEp. Ou seja: IEs = 1/2 peso seco foliar / área foliar (g/dm2) = 50 PEF1 (g/dm2); IEp = 1/2 peso seco da amostra / área da amostra (g/dm2) = 50 PEF2 (g/dm2). A extrema simplicidade em estimar a esclerofilia por meio de pequenas unidades amostrais de área circular extraídas dos limbos, autoriza rever qual a equivalência entre IEs e IEp. Por outro lado, é de fundamental importância estabelecer limites fixos de valores para as medi- O valor limite calculado de IEp é inferior ao valor estabelecido de IEs, conseqüência, sem dúvida, da eliminação das nervuras mais proeminentes quando da obtenção das amostras. O valor inferior limite do IEs para as folhas membranáceas pode ser estabelecido tomando como base a morfologia das espécies estudadas. Ele corresponde a 0,36 g/dm2 para IEs o que equivale, segundo a equação da reta teórica proposta, a 0,33 g/dm 2 para IEp. Esta pequena diferença de 0,03 g/dm 2 entre os índices é esperada, já que as folhas membranáceas possuem nervuras mais finas que as folhas coriáceas, aproximando as estimativas do peso específico foliar por ambos os procedimentos. O grupo de espécies com folhas membranáceas é denominado de espécies com folhas leves ou não esclerófilas. As espécies às quais correspondem valores Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 43 de IEp < 0,52 g/dm 2 e IEp > 0,33 g/dm 2, ou seja valores inferiores que para as esclerófilas e superiores que para as de folhas leves, são denominadas intermediárias com respeito ao grau de esclerofilia. O diagrama de dispersão de pontos representando o PEF2 em função da SEF pode ser ajustado a uma equação do tipo logaritmo-inversa (r = 0,852; α = 10-9) (Fig. 29). Para baixos valores de SEF, i. e., para as espécies mais esclerófilas, as diferenças de SEF são menores que os respectivos intervalos de PEF2. Os valores da variável PEF2 separam melhor as distintas espécies. Este resultado indica que as estimativas de SEF e PEF2 não são totalmente equivalentes, podendo ser o PEF2 uma medida mais justa do grau de esclerofilia. Pelo contrário, não existe relação entre as áreas foliares e o peso específico foliar: espécies tanto com folhas pequenas como de significativo tamanho podem apresentar um grau de esclerofilia semelhante (Fig. 29). de (73 cm2/g a 177 cm 2/g), e inferiores para a Floresta Amazônica sobre oxisol e a Caatinga alta (75 cm2/g) foram registrados por Medina (1981). À vista destes resultados, as espécies da Floresta Atlântica de Tabuleiros apresentam uma maior gama de variação do grau de esclerofilia e evidenciam, globalmente, um caráter menos esclerófilo que as árvores da Floresta Amazônica. Quando da comparação entre sistemas, se constata uma certa homogeneidade dos valores médios de esclerofilia e uma ampla gama de variação para cada um deles. De fato, as únicas diferenças médias significativas correspondem à Mata Ciliar que apresenta valores superiores de esclerofilia, com respeito aos sítios de estudo restantes (Tab. 11). A variabilidade das propriedades físicas das folhas nos distintos sistemas sugere a coexistência de espécies acentuadamente distintas no interior dos mesmos e sublinha a necessidade de aprofundar a análise. Tabela 11. Parâmetros físicos foliares de espécies arbóreas da Floresta Atlântica de Tabuleiros. Médias e erro padrão; n = 25. IEs: Índice de Esclerofilia com base no peso seco foliar e na área foliar; IEp: Índice de Esclerofilia com base no peso de amostras foliares de superfície padronizada. MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada. Teste t com dados normalizados; ∗∗: α<0,01, diferença muito significativa; ∗: α<0,05, diferença significativa; 0: diferença não significativa. As diferenças indicadas são referentes à comparação com a Mata Ciliar. mata alta parâmetros físicos foliares mata ciliar capoeira após extração capoeira após queimada média + erro padrão 111 ± 7** superfície específica 2 (cm /g) 83 ± 80 0106 ± 6** IEs 2 (g/dm ) 0,45 ± 0,03* 0,60 ± 0,06 000,46 ± 0,03* 00,47 ± 0,03i IEp 2 (g/dm ) 00,43 ± 0,03* 0,51 ± 0,03 000,38 ± 0,03** 000,41 ± 0,02** 37 ± 600 50 ± 80 32 ± 6 45 ± 80 área foliar 2 (cm ) Em conclusão, as espécies podem ser reagrupadas em três grupos funcionais: o primeiro corresponde às esclerófilas, com valores de IEp iguais ou superiores a 0,52 g/dm2; o segundo reagrupa as espécies não esclerófilas ou de folhas membranáceas, com valores de IEp iguais ou inferiores a 0,33 g/dm2. Entre estes limites, um terceiro grupo funcional reúne espécies com valores de IEp intermediários. Os diferentes parâmetros físicos foram estimados para a Floresta de Tabuleiros (Tab. 11). Nos sistemas primários, o valor médio da SEF, correspondente às 25 espécies selecionadas por sítio, é de 111+7 cm2/g, para a Mata Alta, e 83+8 cm2/g, para a Mata Ciliar, sendo que o conjunto das medidas varia entre 27 cm 2/g e 317 cm 2/g. Valores médios próximos para as florestas tropicais semidecíduas (125 cm2/g), porém com menor variabilida44 00109 ± 7** Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) 0 Os valores estimados de área foliar apresentam igualmente uma pronunciada variação que se estende entre 0,4 cm2 e 164 cm2, mesmo que com valores médios similares para todos os sítios de estudo (Tab. 11). Apesar da amplitude no tamanho das folhas, predominam as folhas ou folíolos maiores que 20cm2., como em outras florestas tropicais pluviais (Rizzini, 1976; Hamann, 1979). A análise que segue considera três categorias de tamanho foliar: mesófilas grandes (≥ 70cm2), mesófilas menores (entre 21cm2 e 69cm 2) e pequenas (< 20cm2), segundo a classificação de Haunkier que inclui na categoria de pequenas as folhas leptófilas, nanófilas e micrófilas (ver em Rizzini, 1976). Quando se trata de folhas compostas, esta classificação corresponde aos folíolos. Grupos funcionais em Floresta Atlântica de Tabuleiros Relação entre esclerofilia e qualidade do material foliar RUTA LECY ANNO LEGU ANAC FLAC EUPH BOMB MORA 0,0 VIOL 1,0 MYRT FLAC LEGU ANAC EUPH BURS RUTA ANNO VIOL MORA LECY BOMB AREC 0,00 MYRT 0,20 2,0 BURS 0,40 3,0 SAPO 0,60 AREC conteúdo de nitrogênio (%) 0,80 SAPO 2 índice de esclerofilia (g/dm ) Nenhuma informação direta sobre as características químicas das folhas é susceptível de ser obtida unicamente pelo peso específico foliar. Outros descritores devem ser tomados em consideração tal como a concentração de nitrogênio orgânico, maneira indireta de estimar os conteúdos protéicos celulares em relação ao acúmulo de compostos orgânicos estruturais, pobres em nutrientes. Para as principais famílias do povoamento florestal estu- O diagrama de dispersão de pontos da Figura 31 evidencia uma relação inversa entre os conteúdos de nitrogênio orgânico e o caráter esclerófilo das espécies arbóreas. As folhas mais espessas contêm compostos de carbono relativamente mais pobres em nitrogênio que folhas mais leves, o que é evidenciado pela relação entre os valores do quociente carbono sobre nitrogênio –C/Ne os respectivos índices de esclerofilia. O quociente lignina sobre nitrogênio -L/N- considera somente a fração de carbono que forma compostos cíclicos orgânicos altamente resistentes à hidrólise e, posteriormente, quando da senescência e morte das folhas, à decomposição. Este quociente evidencia uma menor relação com o grau de Figura 30. Grau de esclerofilia e conteúdo de nitrogênio foliar de espécies arbóreas pertencentes às principais famílias de Floresta Atlântica de Tabuleiros. Valores médios e erro padrão. Para as diversas famílias, foram selecionadas as espécies de cada sistema com maior taxa de cobertura (ver texto). SAPO: Sapotaceae (n=8); AREC: Arecaceae (n=2); MYRT: Myrtaceae (n=4); LECY: Lecythidaceae (n=4); BOMB: Bombacaceae (n=2); MORA: Moraceae (n=7); VIOL: Violaceae (n=1); ANNO: Annonaceae (n=1); RUTA: Rutaceae (n=3); BURS: Burseraceae (n=1); EUPH: Euphorbiaceae (n=6); ANAC: Anacardiaceae (n=2); LEG: Leguminosae (n=10); FLAC: Flacourtiaceae (n=3). dado, a significativa variabilidade do grau de esclerofilia denota a existência de distintos grupos funcionais e, globalmente, a relação inversa entre esclerofilia e conteúdo de nitrogênio do material foliar (Fig. 30). esclerofilia que o C/N, o que indica que o acúmulo de compostos orgânicos, à base da propriedade da esclerofilia, não se faz de maneira proporcional sob a única forma de compostos tipo lignina (Fig. 31). Dentre as três famílias características da Floresta Atlântica, Myrtaceae e Sapotaceae revelam uma nítida tendência à esclerofilia, contrariamente a Leguminosae cujo material vegetativo é menos esclerófilo e com maiores conteúdos de nitrogênio porém, com forte variabilidade. As palmeiras –Arecaceae- mostram igualmente um caráter esclerófilo e, em menor grau, Lecythidaceae que parece reunir tanto espécies esclerófilas como medianamente esclerófilas. Em linhas gerais, as famílias que congregam espécies pioneiras e secundárias mostram propriedades intermediárias tanto do grau de esclerofilia como da riqueza em nitrogênio. Na maioria dos casos, a ampla dispersão de valores médios, que indica uma certa variabilidade funcional, demonstra que não existe uma associação estreita entre cada família e um determinado grupo funcional. Isto justifica a análise aprofundada do grau de esclerofilia no nível específico. Quando do reagrupamento das espécies em esclerófilas, intermediárias e não esclerófilas ou de folhas leves, segundo as três categorias funcionais preestabelecidas, as respectivas características químicas diferenciam com clareza cada grupo funcional (Tab. 12). O grau de esclerofilia está associado tanto aos conteúdos de nitrogênio e lignina como aos quocientes C/N e L/N: o grupo funcional das esclerófilas apresenta o menor conteúdo de nitrogênio e, no outro extremo, aquelas espécies com folhas membranáceas concentram as maiores quantidades relativas de nitrogênio e as menores de compostos tipo lignina. A meio termo entre ambos os grupos funcionais, o terceiro apresenta características intermediárias. Note-se que, embora os conteúdos de lignina sejam fortemente variáveis, as diferenças são significativas para as espécies intermediárias e não esclerófilas, assim como os quocientes L/N, para os três grupos funcionais. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 45 conteúdo de N (%) 5,0 50 y = -2,71x + 3,51 r = 0,64*** 4,0 y = 31,09x + 7,76 r = 0,68*** 40 C/N 3,0 2,0 30 20 10 1,0 0 0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 0,0 1,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 2 2 índice de esclerofilia IEp (g/dm ) índice de esclerofilia IEp (g/dm ) 25,0 y = 17,54x + 0,87 r = 0,54*** L/N 20,0 Figura 31. Relações entre a esclerofilia e os conteúdos de nitrogênio foliar e entre esclerofilia e os quocientes C/N e L/N para espécies arbóreas de Floresta Atlântica de Tabuleiros. C: carbono orgânico; N: nitrogênio; L: lignina; IEp: índice de esclerofilia com base no peso específico foliar de amostras padronizadas PEF2 .∗∗∗: α < 0,0001. N=73 15,0 10,0 5,0 0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 2 índice de esclerofilia IEp (g/dm ) Tabela 12. Valores do índice de esclerofilia IEp, conteúdos de nitrogênio e lignina e relações C/N e L/N dos grupos funcionais segundo o grau de esclerofilia de espécies arbóreas da Floresta Atlântica de Tabuleiros. Médias e erro padrão. IEp: índice de esclerofilia; C: carbono orgânico; N: nitrogênio; L: lignina. ES: espécies esclerófilas; IN: espécies intermediárias; NE: espécies não esclerófilas. ES: n=21; IN: n=34; NE: n=17. Teste t com dados normalizados. ∗∗∗: α < 0,001; ∗∗: α < 0,01; ∗: α < 0,05; 0: α > 0,05. grupos funcionais parâmetros foliares espécies esclerófilas espécies intermediárias espécies não esclerófilas IEp (g/dm ) 0,61 + 0,02 0,42 + 0,01 0,24 + 0,01 - - nitrogênio (%) 1,84 + 0,09 2,24 + 0,09 2,91 + 0,13 ES<IN *** IN<NE ** lignina (%) 21,0 + 1,70 16,8 + 1,30 14,1 + 1,80 0 IN>NE * C/N 27,1 + 1,40 21,7 + 0,90 15,4 + 0,80 ES>IN *** IN>NE ** L/N 11,8 + 1,00 8,0 + 0,8 5,1 + 0,8 ES>IN ** N>NE ** 2 A classificação das espécies arbóreas segundo o grau de esclerofilia se corresponde efetivamente a diferenças funcionais no nível das espécies. A maior ou menor consistência das folhas, uma aparente propriedade física, reflete distintas intensidades no acúmulo de polímeros orgânicos de outra natureza que proteínas e diversas substâncias nitrogenadas, com as quais se encontra em relação inversa. No geral, os três grupos funcionais representam um gradiente diferenciado da riqueza em nitrogênio das folhas inversamente proporcional a quantidade de compostos estruturais e de difícil biodegradação como a celulose e a lignina. 46 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) teste t A riqueza de grupos funcionais nos diferentes sistemas Consideradas globalmente, 21 das espécies arbóreas selecionadas pertencem ao grupo funcional das esclerófilas, 34 são consideradas intermediárias e 17 integram o grupo das não esclerófilas. A abundância de espécies intermediárias resulta essencialmente da forte diminuição da riqueza dos grupos restantes nos sítios outros que a Mata Alta (Tab. 13). O maior contraste se observa entre a Mata Alta, por um lado, e a Mata Ciliar e a capoeira após extração, por outra parte: se, na Mata Ciliar, o número de espécies com folhas membranáceas é extremamente Tabela 13. Riqueza específica dos grupos funcionais segundo o grau de esclerofilia e o tamanho foliar em Floresta Atlântica de Tabuleiros. Médias e erro padrão; n=3. MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada. Teste U; ∗ : α < 0,05., diferença significativa. Estão indicadas somente as hipóteses H1 das diferenças significativas. grupos funcionais mata alta mata ciliar capoeira capoeira após extração após queimada teste U o riqueza segundo esclerofilia (n spp./0,125 ha) espécies esclerófilas 7+0 10 + 0 2+0 4+1 MA < MC* MA > CE* MA > CQ* espécies intermediárias 9+0 9+1 11 + 1 13 + 1 MA < CE* MA < CQ* espécies não esclerófilas 6+1 1+0 7+1 4+1 MA > MC* o riqueza segundo tamanho foliar (n spp./0,125 ha) espécies de folhas pequenas* 6±1 4±1 9±0 7±1 MA < CE* espécies mesófilas menores 13 ± 0 12 ± 1 10 ± 1 7±1 MA > CE* MA > CQ* espécies mesófilas grandes 2±0 5±0 1±0 6±0 MA < MC* MA > CE* MA < CQ* baixo, nos sistemas secundários, é a riqueza de espécies esclerófilas que diminui. De fato, a diferença fundamental entre os sistemas primários e secundários reside na extrema pobreza do grupo funcional das árvores esclerófilas nas capoeiras. Neste sentido, a riqueza apenas superior na capoeira após queimada obedece à presença de duas espécies de palmeiras -Arecaceae-, compartilhadas com a Mata Ciliar, sistema que pelo contrário, apresenta a maior diversidade de espécies esclerófilas (Tab. 13). As diferenças entre sítios não concernem apenas a riqueza mas também a composição taxonômica dos grupos funcionais. Não existe nenhuma espécie esclerófila que, simultaneamente, domine em todos os sítios; no máximo, poucas delas são comuns a dois dentre eles. Assim, os trechos de floresta secundária possuem somente uma espécie em comum: a única Leguminosae esclerófila, Lonchocarpus guilleminianus (Tul.) Malme, entre as nove estudadas. Sobre um total de 17 espécies, somente três dominam tanto na Mata Alta como na Mata Ciliar. Em linha geral, as diferenças entre os sistemas primários se expressam assim mesmo no nível de família: na Mata Ciliar, grande parte das espécies não compartilhadas são Moraceae e Arecaceae e, na Mata Alta, Myrtaceae e Lecythidaceae. Adiciona-se o fato de uma distribuição relativamente homogênea das espécies no interior de cada sistema tal como indicado pelos valores das medidas de dispersão, amiúde nulos, e pela alta freqüência das mesmas espécies dominantes em todas as amostras (Tab. 13). O grupo funcional das espécies não esclerófilas parece, em princípio, menos afetado pelas formas de uso que originaram os sistemas secundários; em particular, na capoeira após extração seletiva de madeira, existe uma significativa riqueza. Com efeito, as situações extremas dizem respeito aos sistemas primários e notadamente à Mata Ciliar, sítio no qual das somente duas espécies deste grupo, uma é da família Moraceae (Tab. 13). A pesar da riqueza similar entre a Mata Alta e a capoeira após extração, a composição taxonômica difere: Euphorbiaceae e Leguminosae são preponderantes na capoeira sendo que, na Mata Alta, as sete espécies presentes pertencem a sete famílias diferentes, com uma única Leguminosae. Ora, os índices de esclerofilia das distintas espécies desta família abarcam uma ampla gama de variação que vai de 0,08 g/dm2 a 0,32 g/dm2, contrapondo-se à uma certa homogeneidade de valores registrada para as Euphorbiaceae e Flacourtiaceae, que oscilam apenas ao redor de 0,25-0,26 g/dm2. Na Mata Alta, a forte amplitude de valores observada, de 0,15 g/dm2 até 0,31g/dm2, provem das espécies de famílias distintas. Como no caso precedente, não existem espécies dominantes comuns aos quatro sistemas; somente três dentre elas estão tanto em um dos sistemas primários como nas duas capoeiras; as 14 espécies restantes predominam exclusivamente seja num sítio, seja em outro. Em oposição aos dois grupos funcionais extremos, aquele das espécies de esclerofilia intermediária possui maior riqueza nas capoeiras que nos sistemas primários sem que por isso esta riqueza seja aí pouco expressiva (Tab. 13). Ele congrega igualmente mais de um terço de Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 47 espécies comuns pelo menos a dois sítios, sendo que, pela sua vez, R. bahiensis, o tambor, e J. princeps, a boleira, predominam nos quatro sistemas e em quase todas as amostras. Quando da comparação taxonômica, novas diferenças distinguem, por um lado, os sistemas secundários, e, por outro, a Mata Ciliar e a Mata Alta: no primeiro caso, porque, na floresta perto d’água, a riqueza é praticamente determinada pelas Moraceae e Sapotaceae cujas espécies evidenciam um grau de esclerofilia homogêneo e relativamente elevado para este grupo funcional (0,46 a 0,51 g/dm2). Entretanto, na Mata Alta, somente três espécies não são comuns aos outros sistemas versus nove na capoeira queimada, onde as 15 espécies correspondem a 15 famílias diferentes. Uma notável diversidade de famílias e poucas espécies comuns com os sítios restantes é também a característica principal da capoeira após extração. Em definitivo, diferenças registradas na riqueza dos grupos funcionais são moldadas pela diversidade de espécies e famílias que variam de um sistema ao outro. Tanto uma acentuada riqueza como o empobrecimento de um dado grupo pode ser utilizado como indicador da diversidade funcional do sistema. Porém, o aumento da diversidade de um grupo funcional parece se relacionar com a respectiva diminuição de outro de forma que a consideração conjunta das três categorias faz mais consistentes as comparações. Mas, a riqueza de espécies pouco informa sobre a importância relativa das populações no ecossistema, informação sem a qual uma interpretação funcional se torna impossível. No que diz respeito ao tamanho das folhas, os resultados indicam uma certa afinidade entre a mata Ciliar e a capoeira após queimada, com significativa presença de espécies arbóreas com folhas mesófilas grandes (Tab. 13). No oposto, um maior número de espécies da Mata Alta e da capoeira após extração se caracterizam pelas folhas mesófilas menores, em um caso, e por uma abundância relativa elevada de folhas pequenas, no outro. A interpretação destes resultados é delicada mas pode fundar-se na hipótese de uma maior insolação na proximidade do córrego e na capoeira em sucessão que favorece as espécies com amplos limbos foliares, entre as quais, as palmeiras. O grau de esclerofilia da comunidade arbórea Para um determinado povoamento florestal, a importância quantitativa do grau de esclerofilia das populações é responsável, em último termo, das propriedades funcionais da comunidade. A floresta Densa de Cobertura Uniforme, a Mata Alta, é o sistema onde existe a repartição mais homogênea de grupos funcionais, analisando tanto as densidades, as áreas basais ou as taxas de cobertura. Ela se diferencia da Mata Ciliar pela abundância e o porte das populações não esclerófilas; da capoeira após extração, sobretudo pela nítida relevância das árvo48 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) res esclerófilas e, por fim, da capoeira após queimada, pelas áreas basais superiores dos indivíduos de folhas “leves” (Tab. 14). Somente as primeiras cinco espécies dominantes representam mais de 50% da área basal total e os únicos troncos de R. bahiensis e de C. legalis recobrem mais de 8m2, com alturas máximas respectivas de 40m e 28m. Entre estas cinco espécies, se encontram também indivíduos de grande porte das populações de T. kuhlmannii, P. rohrii e A. concinnum, com áreas basais entre 2 e 3m2 e alturas de até 36m. Não cabe dúvida de que trata-se das árvores maiores da Floresta de Tabuleiros entre as quais, as emergentes do dossel. Elas pertencem aos três grupos funcionais identificados e dão conta por si só da diversidade funcional da própria floresta. Uma imagem bem diferente resulta da síntese dos resultados correspondentes à floresta que margeia o córrego, a Mata Ciliar. Frente à falta total de dominância das populações arbóreas de folhas “leves”, as esclerófilas e de folhas intermediárias predominam (Tab. 14). Com uma área basal total próxima aos 7m2, F. gomelleira é a espécie de maior taxa de cobertura, porém S. multiflora a sucede devido a seus numerosos indivíduos, mais de 100 por ha, o que é característico de populações de início de sucessão. Completando a listagem das cinco espécies com maior taxa de cobertura, as duas palmeiras, A. aculeatissimum e P. caudescens, e E. ovata representam populações esclerófilas e R. bahiensis, uma população de propriedade intermediária. Elas não possuem nem abundâncias extremas nem um porte considerável, indicando mais bem -ver o caso das palmeiras- uma certa abertura do dossel, o que possibilita, assim mesmo, a instalação de espécies secundárias tal S. multiflora. No total, a Mata Ciliar se comporta como um sistema relativamente esclerófilo. Em aberta oposição com as florestas primárias, a capoeira após extração mostra ainda os efeitos de um extrativismo predatório. Baste lembrar que as populações esclerófilas são aquelas de lenho duro e contempladas, em geral, como madeiras de “Lei”, ou seja, as mais cobiçadas. Passados 50 anos, elas parecem não haver recuperado suas densidades e ainda menos seu porte, expresso pela estimativa de área basal (Tab. 14). O grupo funcional das espécies intermediárias se caracteriza igualmente pela baixa área basal que representa metade do valor observado para a Mata Alta. Quanto ao grupo de folhas membranáceas, ou não esclerófilas, a considerável densidade de M. elata, com perto de 200 ind./ha, compensa seguramente a inexistência de grandes árvores, contribuindo com cerca de 50% da área basal total das 25 espécies selecionadas. Exceto M. elata, as quatro populações predominantes são consideradas de esclerofilia intermediária e em nenhum caso a área basal destas espécies excede 1m2 , Entre elas, J. princeps é uma espécie pioneira e S. multiflora, uma secundária inicial. A análise das taxas de cobertura dos grupos funcionais mascara o Tabela 14. Densidade, área basal e taxa de cobertura dos grupos funcionais segundo o grau de esclerofilia em Floresta Atlântica de Tabuleiros. Médias e erro padrão; n=3. MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada. Teste U; 0: α> 0,05, diferença não significativa; ∗: α<0,05., diferença significativa. Estão indicadas somente as hipóteses H1 das diferenças significativas. grau de esclerofilia mata alta mata ciliar capoeira capoeira após extração após queimada teste U densidade (ind. / ha) espécies esclerófilas 187 + 32 240 + 49 21 + 5 144 + 32 MA > CE * espécies intermediárias 288 + 32 267 + 41 275 + 54 408 + 12 MA < CQ * espécies não esclerófilas 128 + 14 235 + 19 301 + 15 493 + 15 MA > MC * MA < CE * área basal (m2 / ha) espécies esclerófilas 18,5 + 1,5 16,2 + 4,2 21,7 + 0,8 26,1 + 1,0 MA > CE * espécies intermediárias 12,9 + 1,1 12,5 + 2,4 26,8 + 1,2 20,3 + 2,3 MA > CE * MA < CQ * espécies não esclerófilas 15,0 + 1,6 21,6 + 1,1 25,7 + 0,5 21,4 + 0,5 0 taxa de cobertura (200%) espécies esclerófilas 38 + 1 64 + 12 10 + 4 33 + 6 MA < MC * MA > CE * espécies intermediárias 61 + 2 59 + 12 54 + 6 104 + 6 MA < CQ * espécies não esclerófilas 24 + 5 7+4 50 + 2 14 + 2 MA < CE * fato de que a área basal total deste sistema encontra-se reduzida a metade mas salienta o maior impacto sofrido pelas populações esclerófilas (Tab. 14). Como no caso do sistema após extrativismo, na capoeira após queimada mais da metade da taxa de cobertura das 25 espécies selecionadas provem de populações do início da sucessão, pioneiras e secundárias inicias, entre as quais as cinco com maior dominância. Contudo, elas estão incluídas seja no grupo das intermediárias, seja no grupo funcional das esclerófilas, tratando-se aqui de palmeiras e não de espécies arbóreas em sentido estrito. Mas, o traço principal da comunidade é a alta dominância de R. laurifolia, com 160 ind./ha e 9m2 de área basal, que junto a J. princeps, contribuem para as altas densidade e área basal de espécies de esclerofilia intermediária (Tab. 14). O procedimento empregado para a queima pode, em parte, explicar a significativa área basal deste grupo: a dificuldade que representa extrair as raízes, é contornada pelo corte dos troncos que rebrotam. O que representou uma dificuldade de amostragem é de fato uma sinal particular deste tipo de impacto no passado. Em conclusão, a taxa de cobertura dos grupos funcionais estima a importância quantitativa das diferentes populações arbóreas que compõem cada grupo, representando um indicador tanto de diferenças relacionadas com determinantes mesológicos, tal o caso da proximidade de um curso d’água, como de modificações da comunidade arbórea conseqüentes a impactos antrópicos. Ela é, portanto, um indicador ecológico de caráter funcional que, a este título, sintetiza fatores evolutivos, ecológicos e antrópicos que se manifestam na organização da comunidade arbórea. Em paralelo, considerar o valor indicador da riqueza em espécies dos grupos funcionais constitui um complemento de informação que permite avaliar as diferenças e impactos sobre a diversidade taxonômica, resultante da evolução recente das plantas lenhosas na região neotropical. Outros indicadores podem ser propostos. O primeiro se baseia no Índice de Diversidade de Simpson e considera conjuntamente a taxa de cobertura das espécies que compõem cada grupo funcional e o Índice de Esclerofilia de cada espécie, i. e., o peso específico foliar padronizado. A Importância Funcional da espécie i é definida como IFi= TC/100 x IEi; a probabilidade é expressa por pi= IFi / ∑ IFi para cada espécie pertencente a um grupo; e a Diversidade do Grupo Funcional: IDF = 1 / ∑pi 2. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 49 Tabela 15. Valores de Diversidade Funcional (IDF) da cobertura arbórea da Floresta Atlântica de Tabuleiros. IDF: (ver texto). mata alta mata ciliar capoeira após extração capoeira após queimada IDF spp. esclerófilas 5,48 7,47 2,72 3,06 IDF spp. intermediárias IDF spp. não esclerófilas 6,64 7,08 10,53 4,62 4,20 1,96 3,73 3,08 16,32 16,51 16,98 10,76 grupos funcionais IDF total A vantagem do IDF aplicado aos grupos funcionais reside no fato de diminuir a importância relativa das espécies extremamente abundantes. Ao contrário da única utilização das taxas de cobertura, ele evidencia a maior pobreza em espécies da capoeira após queimada e a riqueza das populações de esclerofilia intermediária na capoeira após extração (Tab. 15). Um segundo indicador aplicado a cada grupo funcional pode ser utilizado: trata-se das médias dos distintos parâmetros físicos e químicos que caracterizam o material foliar ponderadas pelas taxas de cobertura. Ele possibilita obter estimativas médias do sistema. 6. A dimensão funcional da diversidade biológica Irene Garay Nas baixas latitudes, as florestas tropicais se encontram entre os ecossistemas mais produtivos do planeta. Inúmeras espécies arbóreas respondem pela surpreendente biomassa que, produzida ano após ano, triplica em geral aquela das florestas temperadas. Entretanto, uma parte da produtividade irá se acumular nos troncos das diversas espécies que conformam o dossel e nos fustes das poucas e imponentes árvores que o coroam; outra, não menos importante, corresponde à produção de folhas, flores e frutos ou, ainda, raízes. No cerne deste processo, emerge o paradoxo de estarem sustentadas pelos solos mais antigos e mais pobres da biosfera submetidos à acentuada perda de nutrientes minerais que são transportados em profundidade por chuvas continuadas e violentas. Os caminhos da evolução conduziram a adaptações tais que a mineralomassa imprescindível ao processo produtivo se concentra e permanece essencialmente nos próprios seres vivos, ou seja fora dos horizontes pedológicos. Mas, quando grande parte da matéria orgânica produzida alcança a superfície do solo inicia-se um processo complementar: a decomposição dos restos vegetais que progressivamente vão liberar os nutrientes, os quais, absorvidos novamente pelas plantas, possibilitam reiniciar um outro ciclo produtivo. Eles se acumulam, sobretudo, no topo do solo onde transita uma mineralomassa que é 50 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) rapidamente reciclada. Existe, em conseqüência, uma estreita relação entre o subsistema de produção e o subsistema decompositor cujo nexo, por excelência, são as folhas das espécies arbóreas. Quando verdes, elas representam uma parte significativa da produtividade florestal; quando mortas, são recebidas pelo solo sendo seu destino final liberar os nutrientes nelas contidos. Para as florestas de regiões temperadas e temperadas frias, uma abundante literatura científica informa como a quantidade e a qualidade dos aportes foliares ao solo determinam a modalidade da decomposição da matéria orgânica. Deste ponto de vista, as espécies florestais são catalogadas em três grupos funcionais, sendo os extremos constituídos por espécies denominadas acidificantes e melhoradoras. As primeiras correspondem a árvores cujo folhiço é pobre em nitrogênio e demais nutrientes e, por conseguinte, com velocidade de decomposição lenta. As outras, que produzem aportes foliares ricos em nutrientes minerais e de rápida decomposição, podem por sua vez melhorar a qualidade do solo. Entre ambos os extremos, uma terceira categoria de espécies aporta folhas mortas de qualidade intermediária cujo efeito benéfico ou não para a fertilidade vai depender do tipo do solo: são as espécies indiferentes. Força é constatar que a questão da diversidade de espécies sobre os mecanismos de decomposição carece, em geral, de significação: a maioria dos ecossistemas de floresta temperada e temperada fria são constituídos por somente uma espécie ou, no máximo, por duas espécies arbóreas. Assim, considerar as características qualitativas dos aportes foliares possibilita comparar diferentes tipos de floresta ou manejar maciços florestais distintos com objetivo de produção e corte de madeira. Uma analogia com plantios arbóreos mono-específicos de regiões tropicais merece ser entrevista. Nada se conhecia praticamente sobre estes aspectos para os ecossistemas de Floresta Atlântica. Ainda menos, qual o papel da diversidade de espécies arbóreas sobre a modalidade da decomposição da matéria orgânica. Alguns trabalhos focalizaram a pesquisa num número extremamente restrito de espécies visto a dificuldade maior que representa a altíssima diversidade da comunidade arbórea em qualquer que seja a floresta tropical. Assim, concluir sobre o funcionamento do ecossistema como um todo é uma extrapolação abusiva. Em contrapartida, o estudo detalhado de centenas de espécies mostrou-se impossível na prática. A meio caminho, nossos resultados demonstram que a elaboração de indicadores funcionais, a partir de um certo número de espécies escolhidas com critério objetivo, representa uma alternativa. A diversidade de grupos funcionais ou das características ecológicas de cada grupo funcional expressa como a diversidade de espécies, propriedade fundamental das florestas tropicais, se organiza em uma diversidade funcional que determina a estrutura e o funcionamento do ecossistema. Eis a questão tratada a seguir para a Floresta Atlântica de Tabuleiros do norte do Espirito Santo. vegetação graminóide que, assentada no substrato quaternário, constitui as verdadeiras várzeas da região. Hoje, tal imagem encontra-se praticamente restrita ao maciço florestal formado sobretudo pela Reserva Biológica de Sooretama e a Reserva Florestal de Linhares, no interior das quais predomina a Mata Alta e, secundariamente, a Mata ou Floresta Ciliar. Se a importância da Mata Alta reside na qualidade de ser o ecossistema mais representativo do núcleo florestal dos Tabuleiros Terciários, a relevância da Floresta Ciliar resulta essencialmente dos serviços ambientais ligados à regulação e manutenção dos recursos hídricos, o que é fundamental na região percorrida por numerosos córregos cujas águas possibilitam a sobrevivência da floresta e a produção agrícola. As fácies de floresta primária: Mata Alta e Mata Ciliar A Floresta de Tabuleiros é uma floresta semidecidual na qual coexistem populações perenes semi-caducifólias e caducifólias em relação direta com três grupos funcionais: o primeiro reagrupa as árvores esclerófilas; o segundo, aquelas de folhas intermediárias e o terceiro grupo funcional está constituído por espécies não esclerófilas ou de folhas membranáceas. Quando instalada sobre os Tabuleiros Terciários, um certo equilíbrio dos grupos funcionais, inclusive representados pelos indivíduos que emergem do dossel, caracteriza a Floresta Densa de Cobertura Uniforme. Quando ela se instala na proximidade de um curso d’água, se acentua o caráter esclerófilo da cobertura arbórea e os claros resultantes de uma certa discontinuidade das copas favorece a vida das palmeiras e de populações secundárias. Globalmente, as folhas das árvores são mais esclerófilas na Mata Ciliar que na Mata Alta e consequentemente mais pobres em nitrogênio e mais ricas em lignina (Fig. 32). Com a chegada do período invernal, relativamente mais seco, a queda foliar torna-se mais intensa, de forma que no final do ano a necromassa originada pela cobertura arbórea totaliza da ordem de 7 t/ha, ou seja entre dois e três vezes mais que os aportes em florestas temperadas e temperadas-frias. Estes aportes, que correspondem a uma parte significativa da produtividade, são entretanto menores na Mata Ciliar que na Mata Alta. A esclerofilia parece ir de par com uma menor produtividade. A Floresta Densa de Cobertura Uniforme, a Mata Alta, surge na paisagem instalada sobre os amplos topos aplanados dos tabuleiros terciários e abraçando as encostas suaves, que conformam os antigos vales abertos e rasos pelos quais correm ainda numerosos córregos e rios. Na proximidade dos cursos d’água, a mata modifica sua fisionomia que aparece ao olhar mais aberta e semeada de numerosas palmeiras; trata-se aí da denominada Mata Ciliar a qual, apesar de sujeita às flutuações de profundidade do lençol freático, nunca é totalmente inundada. Fica por conta dos fundos de vale o permanecer mais ou menos alagados; mas a floresta é substituída aí por uma Os solos pobres e profundos da Formação Barreiras, sujeitos ao intemperismo prolongado das condições tropicais, são recarregados em nutrientes e matéria orgânica pelos aportes epígeos da vegetação. As folhas mortas inteiras se depositam sobre o piso da floresta e, apesar das mudanças ocasionadas pela senescência e a rápida decomposição de compostos solúveis de fácil degradação, estão marcadas pelas propriedades físicas e químicas de quando vivas. Elas são proporcionalmente mais ricas em nitrogênio na Mata Alta que na Mata Ciliar e, pelo contrário, mais esclerófilas na Mata Ciliar que na Mata Alta. A quantidade e a qualidade dos aportes foliares ao solo Esboçando um modelo conceitual do funcionamento da Floresta Atlântica de Tabuleiros Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 51 espelha a importância relativa dos grupos funcionais do estrato arbóreo, fator determinante das velocidades de decomposição (Fig. 32). De fato, a velocidade de decomposição se manifesta pela intensidade do acúmulo orgânico de origem vegetal no topo do solo. Ele resulta fundamentalmente da modalidade de dois processos biológicos cujos componentes, microorganismos e fauna, se encontram em estreita interação: o primeiro, corresponde à fragmentação das folhas inteiras e o segundo, à transformação dos restos foliares em matéria orgânica amorfa. Como resultado final, camadas orgânicas empilhadas recobrem os horizontes pedológicos. Estas são mais conspícuas na Mata Ciliar que na Mata Alta apesar das diferenças contrárias na queda de folhas: a Mata Ciliar apresenta um acúmulo, notadamente, de matéria orgânica amorfa que, comparado com a Mata Alta, aumenta em mais de um terço o estoque superficial. A velocidade de decomposição dos aportes foliares é de nove meses para a Mata Alta e de 19 meses para a Mata Ciliar. Quais as características pedológicas que acompanham a evolução dos aportes foliares nos dois sistemas? A diferenciação de um pequeno horizonte de interface, onde matéria orgânica e nutrientes se concentram em uníssono com as raízes finas das árvores, é traço em comum tanto da Mata Alta como da Mata Ciliar. Porém, ao se comparar ambas as fácies florestais, este horizonte apresenta propriedades contrastantes para a maioria dos parâmetros: na Mata Alta, a matéria orgânica é mais rica em nitrogênio, a quantidade de bases de troca é maior, o acúmulo orgânico é menor e, logicamente, a saturação em bases é superior. À base, o horizonte A12 ainda conserva características distintas: por exemplo, sob a Mata Alta, há um menor conteúdo de carbono orgânico e maiores quantidades de bases de troca que na Mata Ciliar. Além os primeiros dez centímetros, o horizonte A se empobrece bruscamente em matéria orgânica e nutrientes que ficam diluídos primeiro, numa matriz arenosa e, em seguida, argilosa, com predomínio de argilas tipo caulinita com baixa capacidade de retenção de nutrientes. Em profundidade, um horizonte laterítico evidencia a deposição dos óxidos de ferro liberados pela degradação das argilas. Tudo indica que a reciclagem de nutrientes e a mineralização da matéria orgânica ocorrem no topo do solo. O conjunto das características dos horizontes orgânicos de superfície, o que possibilita classificar as formas Figura 32. Esquema sintetizando a dinâmica da decomposição da matéria orgânica em sistemas primários e secundários de Floresta Atlântica de Tabuleiros. C/N: relação entre carbono orgânico e nitrogênio; IE: índice de esclerofilia; AF: aportes foliares; AT: aportes totais; E: estoques orgânicos das camadas húmicas superficiais; VD: velocidade de decomposição. O IEp das folhas mortas foi calculado segundo Kindel, 2001. 52 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.) de húmus em mull mesotrófico tropical para a Mata Alta e mull oligotrófico tropical para a Mata Ciliar, sintetizam a dinâmica da decomposição da matéria orgânica oriunda da vegetação. Sob as mesmas condições climáticas gerais e dada a similitude de Classe de Solo, o Argissolo Amarelo, as diferenças na velocidade de decomposição devem ser atribuídas ao caráter mixto com respeito à esclerofilia da comunidade arbórea e a sua variabilidade. Aportes mais pobres em nitrogênio e mais ricos em compostos de difícil degradação ocasionam menores velocidades de decomposição, um acúmulo orgânico superficial e uma maior oligotrofia dos horizontes superficiais. Em ambos os casos aqui sintetizados, o funcionamento e a sustentabilidade do ecossistema depende estreitamente da organização das populações arbóreas. As florestas secundárias: a mata após a queima e o fragmento interferido pelo extrativismo As “matas após a queima”, significado estrito de capoeira, não são um elemento dominante na região dos Tabuleiros Terciários; elas representam apenas vestígios da utilização tradicional da terra dentro mesmo da floresta limitada pelas Reservas cujo status de conservação não remonta mais que a poucas décadas. No oposto, a floresta foi amiúde interferida pela extração de madeira, atividade que se perpetua nos dias atuais. Se no passado foi privilegiado o corte das madeiras de lei, inclusive utilizadas com vistas ao desenvolvimento econômico do estado do Espírito Santo e do País, progressivamente, os usos dos remanescentes florestais acompanharam as atividades econômicas da região, em particular, a agricultura e as necessidades domésticas. Em teoria, a avaliação de capoeiras e de fragmentos interferidos por extração parece ser um problema menor; na prática, esta avaliação é fundamental para a utilização sustentável dos recursos florestais, notadamente porque os fragmentos submetidos a extrativismo seletivo constituem, em geral, os únicos restos acessíveis à população da floresta outrora existente. Confrontado com os ecossistemas primários, as capoeiras diferem essencialmente no seu funcionamento pelas velocidades menores de decomposição da matéria orgânica do solo, o que não pode ser explicado pelas diferenças dos grupos funcionais da cobertura arbórea. Pelo contrário, a esclerofilia e os conteúdos médios de nitrogênio são similares à Mata Alta. Neste sentido, os efeitos da intervenção antrópica sobre a dinâmica da decomposição são contrastantes nos dois tipos de capoeira. Uma provável lixiviação de nutrientes foi ocasionada pela queimada de sorte que ainda atualmente, o solo é relativamente oligotrófico. Na floresta que sofreu extração seletiva, existe acúmulo de matéria orgânica e nutrientes nos horizontes de superfície, resultado sem dúvida da alteração direta do solo e do acúmulo de galhos mortos e cipôs. Em ambos os casos, os restos foliares e os galhos ficam acumulados sobre os horizontes pedológicos devido sem dúvida à lenta decomposição do material vegetal que é de 15 a 16 meses no lugar de nove para a Mata Alta (Fig. 32). As alterações ocasionadas há cinqüenta anos perduram tanto na organização da comunidade arbórea e sua diversidade funcional que no funcionamento do subsistema decompositor. O conjunto dos resultados possibilita avaliar as modificações da diversidade funcional ocasionadas pela utilização dos recursos florestais nos remanescentes, evidenciando a necessidade de se elaborar respostas adequadas de manejo florestal junto aos diferentes segmentos da comunidade local. 7. No futuro Recortado no horizonte da Região dos Tabuleiros, o maciço florestal das Reservas de Sooretama e Linhares representa mais uma lembrança dos tempos passados, que guarda de maneira velada os mistérios da vida de árvores e animais, que uma real riqueza destinada a melhorar a qualidade da vida da presente e futuras gerações humanas. No quotidiano, a diversidade da vida dá as costas à considerável diversidade social e cultural que rodeia a Floresta. Portanto, entre as terras cultivadas reaparecem vestígios da Terra dos Animais da Mata sob a forma de numerosos e pequenos fragmentos disseminados na paisagem. São os remanescentes florestais sujeitos a atividades extrativistas. A Floresta bravia persiste e oferece ainda diferentes recursos aos agricultores e à comunidade porém com risco de serem esgotados. Avaliar a intensidade destes impactos e propor alternativas de recuperação e restauração florestal torna-se premente não somente para conservar a floresta mas também para facilitar uma partilha eqüitativa dos benefícios dos recursos biológicos às comunidades locais e a melhora efetiva da qualidade de vida. Nesta perspectiva, novas tecnologias de avaliação da biodiversidade dos remanescentes e os avanços no conhecimento da floresta primária representam uma contribuição frente à necessária economia de recursos humanos e materiais. Em outra esfera, os Homens da Floresta que sobreviveram às drásticas mudanças sociais e econômicas da região possuem os segredos que a natureza foi entregando a seus antepassados. A elaboração científica do conhecimento encontra seu lugar enlaçada ao saber tradicional e as expectativas sócio-culturais da região. No cruzamento das dimensões biológicas e humanas da biodiversidade, o patrimônio da região dos Tabuleiros Terciários necessita com urgência ser preservado. Ele vai ao encontro da vocação florestal e agrícola do Norte do Espírito Santo e ao desejado processo de Desenvolvimento Sustentável. Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 53 Referências Bibliográficas Agarez, F.V. 2001. Contribuição para gestão de fragmentos florestais com vista à conservação da biodiversidade em Floresta Atlântica de Tabuleiros. Tese de Doutorado em Geografia, PPGG/UFRJ, Rio de Janeiro, 237p. Agarez, F.V., Vincens, R.S., Cruz, C.B.M., Nogueira, C.R. & Garay, I. 2001. Utilização de índice de vegetação na classificação integrada de fragmentos florestais em Mata Atlântica de Tabuleiros no Município de Sooretama, ES. Anais do X Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Foz do Iguaçu, Paraná. CD-ROM. Aguirre, A. 1947. 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