a floresta atlântica de tabuleiros - Prefeitura Municipal de Sooretama

Transcrição

a floresta atlântica de tabuleiros - Prefeitura Municipal de Sooretama
A FLORESTA ATLÂNTICA DE TABULEIROS
DIVERSIDADE FUNCIONAL DA COBERTURA ARBÓREA
Subprojeto do PROBIO / MMA:
Conservação e Recuperação da Floresta Atlântica de Tabuleiros, em Linhares e Sooretama - ES, com
Base na Avaliação Funcional da Biodiversidade.
Coordenadora: Irene Garay
Departamento de Botânica
Instituto de Biologia
Departamento de Geografia
Instituto de Geociências
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação - SR-2
Pró-Reitoria de Extensão - SR-5
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Pesquisas de Solos
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Fundação Bionativa
Sooretama, ES
Reserva Biológica de Sooretama, ES
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis - IBAMA
Fundação Universitária José Bonifácio - FUJB
Apoio: Projeto de Conservação e Utilização da Diversidade Biológica Brasileira - PROBIO, Global Environment Facility GEF, Banco Mundial - BIRD, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
A FLORESTA ATLÂNTICA DE TABULEIROS
DIVERSIDADE FUNCIONAL DA COBERTURA ARBÓREA
Organizadores
Irene Garay & Cecilia Maria Rizzini
Autores
Irene Garay1
Cecilia M. Rizzini1
Andreia Kindel1
Fernando Vieira Agarez1
Marco Aurélio Passos Louzada1
Raphael David dos Santos2
Raul Sanchez Vincens3
1
Laboratório Integrado Vegetação - Solo
Departamento de Botânica, Instituto de Biologia, UFRJ.
E-mails: [email protected]
[email protected]
[email protected]
2
Centro de Pesquisas de Solos
EMBRAPA
E-mail: [email protected]
3
Laboratório de Geomorfologia Fluvial, Costeira e Submarina
Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, UFRJ
E-mail: [email protected]
© by Irene Garay
Direitos de publicação:
Editora Vozes Ltda
Rua Frei Luis, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Internet: http://www.vozes.com.br
Brasil
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Fotos de capa: José Caldas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
A Floresta Atlântica de Tabuleiros : diversidade
funcional da cobertura arbórea / Irene Garay,
Cecília Maria Rizzini (Organizadores) . -Petrópolis, RJ : Vozes, 2003.
Vários autores.
Bibliografia.
1. Árvores - Brasil 2. Biodiversidade
3. Florestas - Brasil 4. Florestas - Regeneração Brasil 5. Mata Atlântica (Brasil) I. Garay, Irene.
II. Rizzini, Cecília Maria.
03-5681
CDD-578.730981
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Floresta Atlântica de tabuleiros :
Cober tura arbórea : Biodiversidade : Ciências
da vida 578.730981
ISBN: 85.326.2938-5
Apresentação
Dez anos se passaram! Em junho de 1992, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento focalizava a atenção do mundo sobre os desafios da biodiversidade.
Em seguida, a Convenção sobre Diversidade Biológica era ratificada por mais de 180 Estados do
planeta.
Um dos maiores pressupostos para uma estratégia de conservação ou de utilização sustentável
da biodiversidade é, sem dúvida, o conhecimento desta diversidade de espécies e de formas vivas,
conhecimento este que deve se tornar amplamente acessível a grande parte das pessoas. Para isso, a
realização de floras e de faunas converteu-se em uma prioridade e uma urgência, permitindo tanto ao
amador como ao profissional identificar as espécies que reencontram e situá-las no contexto ecológico e climático onde se desenvolvem.
Dez anos após “Rio 92”, é particularmente simbólico que venha à luz, graças ao dinamismo de
Irene Garay e às competências que soube mobilizar ao seu redor, uma flora de espécies arbóreas de
um dos 25 “hot-spots” da biodiversidade planetária, retomando a expressão de Myers, com 20.000
espécies de plantas entre as quais 8.000 endêmicas: a Floresta Atlântica do leste do Brasil.
Estes “hot spots” da biodiversidade planetária possuem como característica congregar a maior
parte da diversidade específica do globo (44% de plantas vasculares sobre 1,4% da superfície terrestre!), sendo também a mais ameaçada.
É claro que não é possível proteger ou utilizar de forma inteligente, isto é, sustentável, aquilo que
não se conhece ou se conhece mal.
Hoje, com este notável trabalho que apresenta com vigor ilustrações e desenhos das espécies
arbóreas da flora atlântica, situadas em um contexto ecológico e sua história biogeográfica, o Brasil
aporta uma contribuição significativa ao conhecimento desta floresta e, devemos esperar, à conservação deste ecossistema excepcional, alto-lugar do patrimônio biológico do planeta.
Robert Barbault
Diretor do Departamento de Ecologia
Muséum d’Histoire Naturelle de Paris
Sumário
Sumário ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. vi
Prefácio ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ vii
Parte 1. Diversidade Funcional da Cobertura Arbórea
1. Uma História Recente ................................................................................................................................................................................................................................................................................ 3
Irene Garay
2. A região da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares e seu Entorno: das Características FísicoGeográficas ao Uso da Terra ............................................................................................................................................................................................................................................................. 7
Raul Sanchez Vincens, Fernando Vieira Agarez & Irene Garay
3. Diversidade Funcional dos Solos da Floresta Atlântica de Tabuleiros .................................................................................................... 16
Irene Garay, Andreia Kindel, Marco Aurélio Passos Louzada & Raphael David dos Santos
4. A Floresta em Pé: Heterogeneidade de Fragmentos e Conservação ..................................................................................................... 27
Fernando Agarez & Irene Garay
5. A Esclerofilia Foliar como indicador Funcional do status da Biodiversidade em Floresta
Atlântica de Tabuleiros ......................................................................................................................................................................................................................................................................... 35
Cecilia Maria Rizzini & Irene Garay
6. A Dimensão Funcional da Diversidade Biológica ............................................................................................................................................................................ 50
Irene Garay
7. No Futuro .......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 53
Bibliografia .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................. 54
Parte 2. Árvores da Floresta Atlântica de Tabuleiros: morfologia foliar e esclerofilia
Cecilia Maria Rizzini & Irene Garay
1. As Árvores da Floresta Atlântica de Tabuleiros .................................................................................................................................................................................... 59
2. Princípios Metodológicos
A escolha das espécies ........................................................................................................................................................................................................................................................................ 61
Estudo da morfologia foliar .......................................................................................................................................................................................................................................................... 63
A esclerofilia: uma propriedade das espécies arbóreas ................................................................................................................................................... 63
3. Nomenclatura Foliar ................................................................................................................................................................................................................................................................................. 66
4. Lista das Espécies Catalogadas ............................................................................................................................................................................................................................................ 69
Catálogo Foliar ..................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 73
Chave Analítica de Determinação de Espécies Arbóreas ......................................................................................................................................... 248
Bibliografia Consultada .................................................................................................................................................................................................................................................................. 253
VI
Prefácio
Recobrindo os Tabuleiros Terciários do norte de
Espírito Santo e sul da Bahia, ergue-se uma das
florestas mais ricas em biodiversidade da biosfera
porém, ainda, pouco conhecida. Ela constitui entretanto um chamado de alerta para a conservação: se por um lado, alia-se a sua diversidade a
alta taxa de endemismo, tanto de espécies animais como vegetais, por outra parte, o desenvolvimento não sustentado de épocas passadas, conseqüente à ocupação humana, confinou a existência da floresta a manchas esparsas distribuídas em paisagens fortemente antropizadas. A Floresta dos Tabuleiros Terciários tem a sua maior
expressão nas terras além do Rio Doce onde a
Reserva Biológica de Sooretama, terra dos animais da mata em língua indígena, se entrelaça
com a Reserva Florestal de Linhares e com a floresta existente em propriedades rurais, conformando o maior núcleo remanescente de Mata
Atlântica do norte do Rio de Janeiro ao sul da
Bahia. Os atuais Municípios de Sooretama e
Linhares são os detentores deste patrimônio.
Nestes ecossistemas, o estudo da diversidade de espécies, componente da biodiversidade
que emerge bem antes da diversidade genética
ou a de ecossistemas, é dificultado pela própria
abundância de táxons que eles contêm. Assim,
mais de seiscentas espécies arbóreas foram
recenseadas unicamente para a Reserva Florestal de Linhares. O problema se acentua quando
se trata de compreender o funcionamento do
ecossistema: registrar as espécies e suas densidades não conduz em geral à compreensão dos
processos sustentados pela biodiversidade e que
se expressam nos serviços que os ecossistemas
prestam para a manutenção d’água, ar e solo.
Todavia, as inúmeras espécies que compõem as
comunidades dificultam a identificação de indicadores para avaliação e monitoramento da
biodiversidade, atividades portanto essenciais à
gestão dos recursos biológicos. Frente a estas
questões, a noção de grupo funcional representa
um conceito operacional que possibilita reagrupar
as espécies segundo propriedades que lhe são
inerentes e que podem ser definidas distintamente
segundo a comunidade estudada e os objetivos
da pesquisa. Em contrapartida, a elaboração de
grupos funcionais exige um conhecimento mais
ou menos amplo da diversidade taxonômica afim
de agrupar as espécies.
Na prática, possuir uma lista de espécies é
insuficiente: interessa amiúde conhecer de maneira precisa a que espécie pertence cada um dos
indivíduos presentes no ecossistema ou numa
parcela dele. Reside aí o maior obstáculo quando se trata de identificar as espécies arbóreas das
florestas tropicais na medida que a variabilidade
fenológica se sobrepõe à diversidade taxonômica.
Poucas são as espécies que florescem todos os
anos sendo que, para algumas dentre elas, a
floração é imprevisível porque dependente de
condições climáticas particulares diferentes segundo os anos. Ora, a taxonomia clássica se baseia nas estruturas reprodutivas, isto é, nas flores
e nas inflorescências, tornando o esforço de pesquisa desmensurado quando se trata de caracterizar a diversidade taxonômica com vistas à determinação de grupos funcionais, o que, em geral, limita excessivamente o número de espécies
estudadas. Assim, a elaboração de modelos
operacionais que possibilitem relacionar a diversidade taxonômica das comunidades, o funcionamento do ecossistema e a identificação de indicadores para avaliação e monitoramento da
biodiversidade, à escala da paisagem ou da
microrregião, representa um desafio conceitual
e metodológico. Afrontar este desafio é, não
obstante, imprescindível para poder transpor o
conjunto de dificuldades ligadas ao estudo da
cobertura arbórea, sustento fundamental dos
VII
ecossistemas florestais e, portanto, suscetível de
revelar o status da biodiversidae em fragmentos
remanescentes.
Inserido neste contexto, o presente volume
apresenta, numa primeira parte, uma síntese de
nossas pesquisas sobre indicadores funcionais do
status da biodiversidade da comunidade arbórea
na Floresta Atlântica do norte de Espírito Santo.
A variabilidade taxonômica dos fragmentos florestais expressa efetivamente o grau de modificação antrópica ocasionado pelo uso o que permite, segundo nossos resultados, avaliar a
heterogeneidade dos fragmentos quanto a seu
estado de degradação à escala da região. Esta
avaliação se encontra na base de qualquer política de gestão participativa que pretenda integrar,
num modelo de conservação, o conjunto dos remanescentes existentes e propor alternativas de
manejo condizentes à recuperação e à restauração florestal. Quanto ao discutido caráter
semicaducifólio da Floresta Atlântica de Tabuleiros, ele deixava entrever, entre as árvores do
dossel, a coexistência de espécies com folhas
perenes, semicaducifólias e caducifólias, o tempo médio de permanência das folhas na copa estando correlacionado com o aumento da
esclerificação dos tecidos foliares, isto é, com o
grau de esclerofilia das espécies. Os resultados
aqui apresentados confirmam a diversidade funcional do povoamento florestal com respeito à
esclerofilia e a possibilidade de utilizar este atributo em tanto que indicador de formas de uso.
Por fim, a segunda parte deste trabalho consta de
um conjunto de informações, que suportaram
nossas pesquisas sobre as essências florestais e
que estão organizadas sob a forma de um catálogo foliar: ele objetiva não somente explicitar os
dados que levaram ao agrupamento das espécies
em categorias funcionais mas sobretudo facilitar
a identificação de um conjunto de árvores representativas destas florestas a partir do material
vegetativo.
Não podemos silenciar, nesta apresentação,
uma contribuição de fundamental importância
para o estudo de florestas tropicais, notadamente
no presente caso. Trata-se da contribuição que o
VIII
saber tradicional outorga à pesquisa científica:
acumulado durante anos, ou provavelmente séculos, ele permite que o tempo de trabalho seja
reduzido de alguns anos para poucos meses. No
meio acadêmico o saber tradicional aparece regularmente associado, nos agradecimentos, ao
“mateiro” sem o qual a identificação das espécies em tempo útil torna-se praticamente inviável.
Nesse nosso encontro com o saber tradicional foi
entrevista a possibilidade de se trabalhar com o
material foliar e sua variabilidade em relação à
esclerofilia, foram implantadas parcelas,
identificadas as árvores sem flores, recolhido o
material foliar das copas, elaboradas hipóteses
sobre os tamanhos foliares e transferida a idéia
de sistematizar conhecimento sobre o material
vegetativo para identificação das espécies
arbóreas...
É necessário, finalmente, salientar que foi
graças ao apoio das lideranças políticas e
comunitárias do Município de Sooretama e à
colaboração da Reserva Florestal de Linhares,
hoje Reserva Natural da Companhia Vale do Rio
Doce, com seu acúmulo de conhecimentos
construído ao longo de anos, que este trabalho
pode ser realizado.
Irene Garay
Parte 1
Diversidade Funcional da
Cobertura Arbórea
Irene Garay
Andreia Kindel
Cecília M. Rizzini
Fernando V. Agarez
Marco Aurélio Passos Louzada
Raphael David dos Santos
Raul Sanchez Vícens
Este trabalho foi realizado graças à colaboração de:
Prof. Dr. Jorge Marques (geomorfologia e mapeamento - UFRJ)
Prof. Dr. Mauro Argento (mapeamento - UFRJ)
Profa. Dra. Carla Madureira (tratamento de imagens satélites - UFRJ)
Profa. Dra. Edna Machado-Guimarães (etno-ecologia - UFRJ)
M. Sc. Daniel Peres (análise de solos - EMBRAPA)
M. Sc. Marcelo Saldanha (análise de material foliar e de solos - EMBRAPA)
Rejane Gomes (bolsista de iniciação científica - CNPq)
Filipe Noronha (bolsista de iniciação científica - CNPq)
Eng. Renato de Jesus (Reserva Natural da CVRD, ES)
Eng. Guanadir Gonçalves Sobrinho (Reserva Biológica de Sooretama - IBAMA, ES)
Eng. Wanderlei Fornasier Morgan (Prefeitura Municipal de Sooretama, ES)
Sr. Gilson Lopes de Farias (identificação botânica - BIONATIVA, ES)
Sr. Nivaldo del Piero (trabalho de campo - BIONATIVA, ES)
Dr. Xerxes Caliman (Fazenda Refúgio, ES)
Sr. Agostinho (identificação botânica - Reserva de Linhares, ES)
Sr. Domingos Folgi (identificação botânica - Reserva de Linhares, ES)
1. Uma história recente
Irene Garay
Entre os 25 hotspots da biosfera, as regiões que contêm
as maiores riquezas biológicas e as mais ameaçadas de
extinção do planeta (Mittermeier, 1997; Myers, 1997), a
Floresta Atlântica se caracteriza pela forte fragmentação de
seus ecossistemas, ligada essencialmente à ocupação
humana e ao desenvolvimento acelerado e não sustentável
das últimas décadas (Viana & Tabanez, 1996; SOS Mata
Atlântica et al., 1998; Conservation International et al.,
2001). Com efeito, o domínio da Floresta Atlântica alberga
70% da população brasileira cuja colonização é, em parte,
relativamente recente tal o caso da Floresta Atlântica de
Tabuleiros. Ela recobria, há quarenta anos, 30% da região
norte do Estado do Espírito Santo sendo que, atualmente,
o manto florestal se resume a 5%, dos quais 1,5% sob
status legal de preservação (Jesus, 1987; SOS Mata
Atlântica et al., 1998).
Em prelúdio
Na região norte do Estado de Espírito Santo, a história dos
fragmentos florestais existentes acompanha de fato a história
da colonização e vai de encontro aos conflitos de posse da
terra próprios de cada época. Vários foram, efetivamente, os
motivos que limitaram a ocupação humana das terras situadas
entre a margem Norte do Rio Doce e a cidade de São
Mateus, antigo porto de escravos criado em meados do
primeiro século da colonização portuguesa. A mata majestosa
estava protegida por uma dupla barreira: por um lado, o
próprio Rio Doce, com sua expressiva largura, controlado
por habitantes indígenas fortemente hostis ao colonizador;
por outra parte, os insalubres pântanos costeiros, fonte de
febres que dizimaram os primeiros colonizadores e,
posteriormente, os imigrantes do final do século XIX, vindos
do sul do Estado e recolhidos, então, nas encostas
montanhosas do interior. Todavia, o Rio Barra Seca com
seu leito intransitável defendia as árvores centenárias das
incursões predatórias provenientes, seguramente, de São
Mateus (Aguirre, 1951).
Razões político-administrativas contribuíram igualmente ao
isolamento da região: como relatado por Egler (1951), a
circulação fluvial foi praticamente proibida no baixo Rio
Doce durante a Colônia afim de evitar a perda de controle
dos minérios e pedras preciosas provenientes das Minas
Gerais. A centralização no Rio de Janeiro não se limitou ao
transporte de mercadorias: na segunda metade do século
XIX, a população do quase inabitado Estado de Espírito
Santo passou de aproximadamente 12.000 pessoas, com
cerca de dois terços de escravos, a mais de 100.000 graças
sobretudo aos imigrantes do norte da Itália e, também, à
contribuição da Pomerânia, antiga região da Polônia. Eles se
instalaram no sopé das serras, além do mar, cujos solos
eram mais propícios ao cultivo e o clima mais salutar que
nas planícies costeiras dos tabuleiros.
Entre a chegada do colonizador e o final do século XIX,
a floresta se estendia mais ou menos contínua entre a
margem esquerda da foz do Rio Doce e o percurso final do
Rio Barra Seca. No entremeio, a perseguição aos índios, a
militarização da Capitania do Espírito Santo e a criação do
povoado de Linhares - quando da resposta, em 1809, ao
ataque do Porto de Souza e à destruição do quartel de
Coutins pela tribo dos botucudos - deixavam pressagiar as
drásticas mudanças do século XX.
O esforço pioneiro
No seu livro sobre a criação da Reserva de Sooretama,
Aguirre (1951) desenha as características dos primeiros
colonos da região dentro de uma visão conservacionista
peculiar à época. Após menção à chegada de imigrantes
nordestinos acossados pela seca de 1877, ele relata as
formas de uso da terra dos novos colonos dominadas pelos
ciclos de queima e derrubadas anuais para o cultivo de
subsistência da mandioca: .."com o fácil pretexto de que
terra nova tem pouca formiga e não precisa muita capina,
o caboclo indolente aumentava anualmente a área
devastada"... "a maioria pode se incluir no rol dos fazedores
de desertos" mas "somente em 1923 com a construção de
uma ponte, com a extensão de 700 metros, ligando a cidade
de Colatina às terras do Norte, é que esta região começou
a desenvolver-se"... "Em conseqüência, assoberbado com o
aniquilamento impune desse patrimônio nacional, surgiu-nos,
espontaneamente, a idéia da criação de um parque florestal e
de refúgio de animais silvestres, com o fim de preservar a
fauna e a flora local da sanha dos caçadores, da ganância dos
madereiros e da insensatez dos colonizadores" (Aguirre, 1951).
O início da formação da atual Reserva Biológica de
Sooretama, o primeiro Parque de Reserva e Refúgio de
Animais Silvestres do Brasil, se situa em 1943 e resulta da
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
3
doação, ao Governo Federal, de uma já existente Reserva
Florestal pertencente ao Estado de Espírito Santo (Fig. 1).
Figura 1. Decreto do Interventor do Estado do Espírito
Santo instituindo a doação das terras que originaram
a criação da Reserva Biológica de Sooretama.
Na realidade, esta primeira Reserva Florestal Estadual,
objeto da doação, havia tido sua área original substituída
por outra de tamanho similar. Situadas, anteriormente, a
Oeste da antiga rodovia Linhares-São Mateus, as terras da
Reserva Estadual estavam anteriormente delimitadas a Leste
da dita rodovia, quando da criação, em 30 de setembro de
1941, pelo interventor do Estado através do Decreto-lei n°
12.958 (Fig. 2). As escrituras da doação ao Governo
Federal foram realizadas em 1965, ou seja, após mais de
vinte anos. A área original ao Oeste, outrora substituída,
isto é, a Reserva Florestal Barra Seca, será objeto de
sucessivos conflitos de posse da terra que se alastraram
até 1971 quando o Instituto Brasileiro de Florestas (IBDF)
decide, pela Portaria n° 2.015/71, a incorporação definitiva
da Reserva de Barra Seca à Reserva Biológica de
Sooretama, denominação esta última dada pela Portaria do
IBDF n° 939 de 1969 (IBDF & FBCN, 1981). Os mais
de 10.000 hectares se adicionam, então, aos 12.000 hectares
da primeira doação constituindo, junto com outras
demarcações, os cerca de 24.000 hectares da atual unidade
de conservação, a REBIO Sooretama (Fig. 3).
O conflito uso-conservação emerge de dois atores sociais
principais: por um lado, os habitantes da região, os
posseiros que conviviam com a floresta, entre os quais as
trinta ou quarenta famílias que foram obrigadas a transferirse da futura REBIO Sooretama para as terras de ninguém
(Aguirre, 1951); por outra parte, as próprias instituições
ligadas à União com marcada preocupação pelo
desenvolvimento do País e, em seguida, do Estado. Neste
último sentido, dois fatos são ilustrativos: o primeiro se
refere a uma ação do Governo do Espírito Santo que, em
1968, reivindicou a revogação da doação da Reserva
Florestal Barra Seca cuja exploração seria do interesse da
Companhia Vale do Rio Doce, nesse tempo, empresa do
Governo Federal. O segundo fato concerne a BR-101,
estrada federal que atravessa a REBIO Sooretama,
Figura 2. Traçado original da Reserva Biológica de Sooretama quando da criação do Parque de Reserva e
Refúgio de Animais Silvestres Sooretama. Segundo Aguirre (1951).
4
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
Irene Garay - BIONATIVA
Irene Garay - BIONATIVA
Figura 3. Vista aérea da Reserva Biológica de Sooretama (acima) e interior da floresta (abaixo).
A Floresta Atlântica de Tabuleiros: Diversidade Funcional da Cobertura Arbórea
5
construída à revelia da legislação ambiental, já que, na
época, uma tal construção não era permitida pelo Código
Florestal de 1965 (IBDF & FBCN, 1981); ela é construída
seguindo a linha dos antigos telégrafos. Mas,
contemporâneo à criação inicial da REBIO, ou seja, nos
anos quarenta, inicia-se um novo fluxo migratório maciço
que traz à cena outros colonos; são os habitantes da serra,
movidos pelo esgotamento da terra conseqüente aos plantios
de café. Esta imigração interna é todavia favorecida quando
da inauguração, em 1953, da ponte sobre o Rio Doce.
O drástico aumento da devastação da floresta e da
exploração madeireira surge na convergência das
necessidades deste conjunto de agentes. Para uns, o solo
da mata deveria sustentar as plantações; para os outros, a
força dos fustes devia ser transformada em telégrafos,
dormentes e, ainda, carvão. Entre ambos, o acordo nos
momentos de crise, tal o acontecido na década de 50 quando
do incentivo da retirada oficial dos pés de café resultante
da queda brutal dos preços ao nível internacional. É a
volta ao corte das árvores da floresta que possibilita a
subsistência dos habitantes da região. A década de 60 é
marcada pelos plantios de Eucalyptus, que também
atravessam o Rio Doce por meio da Florestas Rio Doce,
uma subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce, empresa
que deverá contribuir à criação da Reserva Florestal de
Linhares aportando uma efetiva continuidade, na sua porção
Leste, à floresta já protegida da REBIO Sooretama.
Nos anos 50, as barreiras que impediram a ocupação
da região haviam desaparecido: a criação de gado a Oeste,
os plantios de café ao Sul, enfim, as manchas arborizadas
dos Eucalyptus foram cercando o contorno da REBIO
Sooretama e quebrando a continuidade do manto florestal.
Ao isolamento da floresta, se contrapõe, nesse ínterim, a
formação da Reserva Florestal de Linhares, área preservada
que possibilita praticamente dobrar a superfície da REBIO
Sooretama. Parece, então, que um paciente trabalho de
reunião de diversas glebas, integrando uma única área, deu
nascimento à configuração atual da Reserva de Linhares,
ou Reserva Natural da Companhia Vale do Rio Doce
(Borgonovi, 1983). Algumas escrituras mostram terem sido
adquiridas em 1951 com a pretendida intenção de estabelecer
um estoque madeireiro para a construção da estrada de
ferro Vitória-Minas (Borgonovi, 1983; Jesus, 1988). Até
1977 foram realizados diversos levantamentos silvo-culturais
destinados fundamentalmente à avaliação do potencial
madeireiro para o uso sustentado; isto é, o extrativismo
seletivo tal como praticado nos anos 60. Porém, nenhum
plano de utilização fora implementado e a mata natural e
seus ecossistemas associados, que se estendiam sobre
19.000 hectares, não sofreram praticamente intervenção
(Jesus, 1988).
Pouco se sabe sobre os colonos que habitavam nessas
terras mas a presença atual de um cemitério e a eliminação
recente de um coreto revelam a presença passada da
6
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
comunidade de São João Batista, porém pouco populosa, e
deixam imaginar uma ocupação da área por antigos
posseiros. O certo é que progressivamente a necessidade de
conservação se integrou nos planos de atividade da
propriedade, centrados na pesquisa de restauração florestal
e na recuperação de áreas degradadas com essências nativas
(Borgonovi, 1983; Jesus, 1987,1988). No entanto, a Reserva,
chamada de "a floresta" foi fonte de emprego, até o início
dos anos noventa, para a comunidade vizinha do Distrito de
Córrego d'Água, denominação consecutiva à grande seca de
1954 quando excepcionalmente este córrego conservara o
precioso recurso. Ela representa um centro privilegiado de
desenvolvimento de conhecimentos, já acumulado durante
quatro décadas, sobre a Floresta Atlântica de Tabuleiros.
Entre o Rio Barra Seca e o Rio Doce, a floresta nativa se
havia recolhido essencialmente nos limites de ambas as
Reservas sem esquecer algumas propriedades rurais cujas
terras, contíguas à Reserva de Linhares, suavizam, ainda
hoje, seu contorno áspero que lembra a compra das
diferentes glebas. Hoje, a mancha florestal de quase 50.000
hectares é um dois maiores remanescentes de Floresta
Atlântica do Norte de Rio de Janeiro ao Sul da Bahia e
representa mais de 50% da floresta restante no Estado do
Espirito Santo.
A floresta viva
Contudo, a memória da floresta, outrora existente, ficou
enraizada na população local e os numerosos fragmentos
que aqui e acolá surgem na paisagem, entre os plantios de
café, testemunham uma certa integração uso-conservação. Se
o homem da mata, com seu cultivo itinerante incessante,
sem esgotar a terra, facilitava com certeza a cicatrização das
clareiras, o colono mais recente, que introduz o café, precisa
da madeira e aprende os diversos usos das espécies nativas.
Ele se contrapõe ao criador de gado, que fora oficialmente
incentivado no passado (Aguirre, 1947), apesar da recorrente
utilização do fogo para rebrote dos pastos e da degradação
acelerada das terras sem retorno social conseqüente. São os
numerosos descendentes destes colonos e dos antigos
homens da mata que, em 1994, fundam e instituem o
Município de Sooretama centralizado no povoado de
Córrego d'Água, assim chamado porque "é em Sooretama
que se encontra a mata ainda existente". A criação do
Município de Sooretama vem a outorgar à Floresta Atlântica
dos Tabuleiros Terciários uma identidade política e um
projeto de futuro.
As novas tecnologias agrícolas necessitam do uso racional
d'água, cuja existência está intimamente ligada à preservação
e restauração da floresta que margeia os numerosos córregos
e riachos e que fora outrora devastada, quase em totalidade.
Pode ser que aquele escrito quando do Plano de Manejo da
Reserva Biológica de Sooretama represente algo mais que
um apelo às boas intenções e que as Reservas e os
numerosos fragmentos possibilitem conciliar a proteção da
natureza com o desenvolvimento social e econômico,
transformando-se, para os que conviveram e guardam a
floresta, em fatores de bem-estar social. Assim, o recente
plantio de restauração de uma centena de hectares de bordas
de córregos e mananciais, junto aos produtores rurais, e a
criação da Fundação Bionativa, no Município de Sooretama,
destinada a apoiar as atividades futuras de restauração
florestal e de formação de jovens parecem marcar o retorno
da floresta à região ...
2. A região da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares e
seu entorno: das características físico-geográficas ao uso da terra
Raul Sanchez Vícens, Fernando V. Agarez, Irene Garay
Localização
O núcleo florestal das Reservas interage com as terras sob
jurisdição de quatro Municípios da região Norte do Estado
do Espírito Santo: Vila Valério, Jaguaré, Linhares e
Sooretama. Os dois últimos, com diferentes superfícies,
englobam quase em totalidade, respectivamente, a Reserva
de Linhares e a REBIO Sooretama; os outros, apesar de
serem simplesmente limítrofes, como Jaguaré e Vila Valério,
influem, sobre o devenir das extensas bordas da REBIO
Sooretama na sua porção Oeste e Norte. O conjunto desta
área demonstrativa se encontra, entretanto, sob jurisdição do
CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que tem
a atribuição de determinar medidas específicas de conservação num raio de 10 quilômetros do entorno de qualquer
unidade de conservação e a fortiori da REBIO Sooretama,
unidade de conservação de uso indireto (Fig. 4.1).
Figura 4.1. Localização da Área de Estudo.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
7
Do ponto de vista metodológico, a caracterização à escala
geográfica não pode ter mais que limites arbitrários, não
existindo delimitação político-administrativa ou fisiográfica
precisa que possibilite o estudo deste núcleo florestal e de
seu entorno com vistas a poder estabelecer em qual contexto
físico, climático e de uso da terra, a floresta se instala e se
mantém. A área de análise está delimitada por um retângulo
envolvente, que abrange: o Município de Sooretama, a
Reserva Biológica de Sooretama, a Reserva Florestal de
Linhares (CVRD) e as bacias hidrográficas dos tabuleiros.
hidrográficas localizadas em relevo de tabuleiros, localizadas ao Norte do Rio Doce e tributárias do Rio Barra Seca
(Fig. 4.2).
Uma história passada
Geologia
O relevo da região de tabuleiros se desenvolve sobre um
pacote de sedimentos continentais costeiros que constitui a
litologia predominante na região e que é denominado Grupo
Figura 4.2. Bacias hidrográficas da área de contribuição dos tabuleiros na vertente Sul do Rio
Barra Seca.
O retângulo é delimitado pelos paralelos 18º48' 27,66"
e 19 º21' 7,30" de latitude Sul e os meridianos 39º 50'
6,48" e 40º 24' 32,47" de longitude Oeste, ou pelas
coordenadas UTM (projeção Universal Transversa de
Mercator) 7860000 m e 7920000 m de latitude e 352000
m e 412000 m de longitude, da zona 24 Sul, latitude de
origem 0 º e longitude de origem 39 º W, Datum SAD 69
(South American 1969).
A localização geográfica das Reservas e de seu entorno
estão representadas na Figura 4.1. Dentro da área
demarcada foram delimitadas 16 pequenas bacias
8
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
Barreiras (Branner, 1902; Bigarella & Andrade, 1964). O
Barreiras se subdivide em duas seqüências sedimentares: o
Barreiras Inferior, depositado no período Terciário e uma
segunda seqüência que corresponde à deposição do Barreiras
Superior (Pleistocênico), ambas separadas por uma
discordância erosiva (Amador & Dias, 1978; Amador,
1982a,b).
A seqüência sedimentar do Barreiras Inferior, constituída
por depósitos continentais do Terciário Superior,
provavelmente do Mioceno-Plioceno, está composta
principalmente por camadas tabulares que apresentam uma
Figura 5. Distribuição das principais
litologias. Em destaque a área de
estudo. Fonte: RADAM, 1978.
certa regularidade lateral, nas quais predominam sedimentos
grosseiros, arenitos arcoseanos e cascalhos que contêm
inclusões de argilitos de forma lenticular. Esta seqüência,
definida por Amador & Dias (1978) como Formação Pedro
Canário, se estende entre os rios Mucuri e Itaúnas no
Norte do Estado e constitui a unidade basal do Grupo
Barreiras, isto é, a camada mais profunda à qual se
sobrepõem os depósitos sedimentares do Barreiras mais
recente. Estes autores sugerem que a deposição desta
unidade aconteceu em ambiente fluvial, num sistema de
drenagem anastomosante, e em condições climáticas secas,
ver semi-áridas. Como conseqüência, os sedimentos
sofreram um curto transporte, sendo a Formação Pedro
Canário constituída por sedimentos depositados
praticamente in situ.
Cobrindo o Barreiras Terciário ou Inferior encontra-se
o Barreiras Superior ou Pleistocênico, relacionável à
Formação Riacho Morno (Bigarella & Andrade, 1964).
Segundo Amador (1982a), esta Formação apresenta uma
grande heterogeneidade na composição granulométrica dos
depósitos, constituídos por camadas estreitas de material
predominantemente areno-argiloso e argilo-arenoso. O
contato do Barreiras Superior com o Barreiras Terciário
ou com o embasamento cristalino é caracterizado por uma
discordância erosiva (Amador, 1982a). Quanto a esta
descontinuidade, supõe-se que corresponde a um período
de chuvas intensas e concentradas e de fortes ventos,
situado precisamente entre o Terciário Superior e o
Quaternário. Em que pese o caráter tabular do grupo
Barreiras, que recobre, porém de forma discordante, as
estruturas pré-cambrianas, é possível evidenciar
alinhamentos estruturais mais antigos encobertos, i.e.
cristas de vales cristalinos que controlam os
morfoalinhamentos superficiais, principalmente em trechos
retilíneos de alguns rios.
A Oeste, os contatos entre o Grupo Barreiras e o
embasamento cristalino se realizam predominantemente com
as litologias de gnaisses do Complexo Paraíba do Sul,
bem que, localmente, este contato se produz com os granitos porfiróides do Complexo Medina que chegam ocasionalmente a sobressair acima dos tabuleiros, formando
um relevo residual de colinas isoladas (RADAM, 1978)
(Fig. 5). Dentre os granitos porfiróides emergentes do
Complexo Medina, destaca-se, na área de estudo, a Serra
da Pedra Roxa, com 508 metros de altitude, visualizada na
imagem de satélite pelas feições positivas e a forma
subcircular.
A Leste, o Grupo Barreiras estabelece contato com os
depósitos sedimentares quaternários, depositados após a
penúltima transgressão marinha, com uma distribuição
expressiva na foz do Rio Doce (Bittencourt et al., 1979).
A origem flúvio-marinha destes depósitos é conseqüência
do bloqueio do transporte litorâneo de sedimentos arenosos pelo fluxo fluvial resultando num avanço da linha
costeira em função dos aportes fluviais (Suguio et al.,
1985). Os depósitos quaternários fluviais correspondem aos
sedimentos holocênicos flúvio-lagunares e aluviais, distribuídos nas calhas e planícies de inundação dos rios, representados essencialmente por areias e siltes argilosos ricos
em matéria orgânica (RADAM, 1978).
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
9
Geomorfologia
As principais causas da evolução das planícies litorâneas
brasileiras encontram-se nas flutuações do nível relativo do
mar, associadas às modificações climáticas (Suguio et al.,
1985). Na área de estudo predominam os depósitos
sedimentares que formam as planícies costeiras, representadas pelos complexos deltaicos, estuarinos e praianos, e os
tabuleiros costeiros, constituídos por sedimentos do Grupo
Barreiras e inseridos dentro da encosta do Planalto Cristalino Brasileiro (IBGE & FBCN, 1981).
Os tabuleiros costeiros caracterizam-se, em geral, pela
predominância de feições aplanadas, cujas altitudes máximas
não ultrapassam os 200 metros, sendo a média de 60-70
metros. A característica tabular do relevo é mais bem
evidenciada ao Leste, nas proximidades da superfície flúviomarinha quaternária e em alturas inferiores a 100 metros,
onde predominam interflúvios de topo plano, próprios das
colinas abatidas pela sucessão de eventos erosivos,
aplanamentos e sedimentação. Ao interior, feições onduladas
de topo convexo são observadas apenas nas regiões
influenciadas pelo relevo das rochas cristalinas subjacentes,
em conseqüência da reduzida espessura local do pacote
sedimentar do Barreiras. Eventualmente as rochas cristalinas
afloram, formando colinas isoladas que mantém as maiores
cotas altimétricas.
No Holoceno, a descida do nível relativo do mar levou
à construção de terraços marinhos a partir de ilhas-barreiras,
resultando na progradação da linha de costa. A decapitação
da drenagem levou as lagunas a se transformarem gradualmente em lagoas e estas, em função do nível altimétrico, em
pântanos que foram, em grande parte, drenados artificialmente. Ao longo do litoral, a faixa de Restinga forma um
cordão de barragem e obriga os pequenos rios a percorrer
extensões paralelas à costa, como no caso do Rio Barra
Seca. A Oeste, os depósitos sedimentares limitam com a
faixa de dobramentos reativados onde o relevo montanhoso
apresenta níveis de dissecação escalonados formando patamares, delimitados por frentes escarpadas adaptadas a falhas
voltadas para Noroeste e com caimento topográfico para
Sudeste. A estrutura exerce um forte controle sobre a rede
de drenagem, que adquire um padrão subdendrítico e retangular tal como amostrado pela Figura 4.2.
A maioria das bacias apresenta um padrão de drenagem
paralelo, típico das superfícies sedimentares de tabuleiro, nas
quais os rios correm, sem controle estrutural, na direção do
mar. Acima dos 100m de altitude, a drenagem apresenta um
padrão mais dendítrico, mudando a direção do curso dos
rios em virtude do controle estrutural exercido pelo
embasamento cristalino e a provável existência de fraturas
e vales cristalinos mais antigos, orientados na direção NESW, ora recobertos pelos depósitos sedimentares terciários.
Nas partes mais baixas, as bacias, que tiveram seus canais
principais decapitados pelos depósitos marinhos quaternários,
deram lugar a lagoas ou, em alturas ligeiramente maiores,
10
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
a áreas embrejadas nos largos fundos de vales colmatados,
como as várzeas dos rios Barra Seca, Ronco Alto e João
Pedro. Os canais mostram, em geral, uma forma transversal
convexa, isto é, encostas arredondadas e o fundo plano
entulhado. Devido ao entulhamento dos canais e à
permeabilidade dos depósitos sedimentares, os fluxos
hídricos são principalmente subsuperficiais.
Condições hidroclimáticas e
uso da terra
O clima geral
O clima geral da região se caracteriza pela marcada
sazonalidade devida a uma estação chuvosa, no verão, e a
outra, seca ou menos úmida, no inverno. Em contraposição,
existe uma relativa isotermia anual, com uma temperatura
média do mês menos quente acima de 18°C, própria das
baixas latitudes. Ambas as características incluem o clima da
região no tipo Aw de Köppen.
Segundo as médias de dados climáticos dos últimos doze
anos - 1988 a 2000 -, a precipitação anual é de 1.178 mm/
ano, distribuída num período chuvoso de outubro a março,
com médias de totais mensais variando entre 130 mm a pouco
mais de 200 mm. No período mais seco, de abril a setembro,
as precipitações não excedem 25% do total anual (Fig. 6).
Figura 6. Climograma correspondente às médias
das precipitações e temperaturas mensais para o
período 1988-2000. Dados registrados na Fazenda
Experimental de Sooretama cedidos pela INCAPER,
Município de Sooretama, ES.
A evaporação média alcança os 1.246 mm/ano, também
com máximas no verão, chegando a ultrapassar quase
sempre as precipitações durante o inverno. A temperatura
média anual é de 24,6ºC, com uma pequena amplitude
térmica ao longo do ano, variando entre 22ºC e 27ºC (Fig.
6). Como em outras regiões do trópico, é o ciclo diário
que revela as maiores diferenças de temperatura,
notadamente durante o inverno seco quando a amplitude
térmica pode alcançar 15°C (Garay et al., 1995). Resultado
da cercania do Oceano Atlântico e dos ventos alísios
dominantes, a umidade relativa apresenta uma média anual
de 80,9%, mantendo-se relativamente constante ao longo
do ano. O confronto destes dados com outras séries anuais
anteriores revela uma certa estabilidade climática para
períodos da ordem de dez anos (Jesus, 1987; Garay et al.,
1995).
Porém, as médias plurianuais mascaram o traço mais
marcante do clima regional: a variação interanual das
precipitações pode ser da ordem de 50%, determinando a
existência de secas anuais recorrentes (Garay et al., 1995).
Estas secas correspondem, essencialmente, à diminuição
brutal das precipitações no período úmido estival, com
conseqüências desastrosas não somente para a agricultura
mas também para a conservação dos remanescentes
florestais. Assim, na primavera de 98 e verão-outono de
99, a seca extrema favoreceu a expansão do fogo na REBIO
Sooretama que percorreu quase 3.000 hectares e levou a
incluir a região Norte do Estado dentro da área de
abrangência da Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE).
As relações entre os recursos hídricos e
a ocupação do solo
Do mapa de ocupação do solo da área de estudo, emerge,
sobre os tabuleiros, a silhueta maciça da REBIO Sooretama
que se prolonga, ao Leste, na imagem mais recortada da
Reserva de Linhares. Ao Norte e Leste, as bordas externas
de ambas as Reservas ficam contornadas pela várzea do Rio
Barra Seca que recebe o Córrego Cupido e, em seguida,
pela Restinga e parte do sistema lacunar da planície costeira
quaternária. No oposto, marcando o isolamento do núcleo
florestal, os limites internos e Oeste apresentam uma
transição abrupta com pastagens e terras cultivadas que
Figura 7. Mapa temático de ocupação do solo na área demonstrativa.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
11
penetram na floresta da Reserva de Linhares (Fig. 7).
Os grandes tipos de uso da terra revelam as correntes de
ocupação humana da área. As pastagens que predominam o
Oeste, sobretudo no Município de Vila Valério, representam
o primeiro núcleo migratório cuja atividade principal foi e
é a pecuária, ficando em segundo plano as culturas agrícolas
(IBGE & FBCN, 1981; ver também Aguirre, 1951). Este
primeiro povoamento foi formado por uma população vinda
tanto do Norte do Estado como de Minas Gerais e, todavia,
da margem inferior esquerda do Rio Doce, buscando a
melhora das condições de vida. É esta região que ainda hoje
representa a maior ameaça para a conservação da REBIO
Sooretama como demonstrado pelo recente incêndio ou,
ainda, pela freqüência e intensidade da caça predatória na
sua porção Oeste, a outrora Reserva Florestal Barra Seca.
Quanto aos plantios de Eucalyptus, eles encontram-se mais
ou menos alinhados às margens da BR-101 e mais
concentrados na porção Norte o que se deve, sem dúvida,
à maior proximidade do Município de São Mateus onde se
situa a sede local das Florestas Rio Doce, principal
responsável atual por este cultivo. Como mencionado
anteriormente, os plantios arbóreos produtivos se
desenvolveram a partir da década de 60 e não aparecem
associados ao povoamento da região, na medida que a
instalação, manutenção e exploração dos talhões necessita
apenas de pouca e esporádica mão de obra.
No interlúdio das primeiras correntes migratórias e a atual
estrutura demográfica e agrícola, se situam as atividades
relacionadas com a exploração madeireira que se, por um
lado, devastaram a floresta, por outra parte, possibilitaram
a liberação das terras para os novos colonos. Faz cerca de
quarenta anos, algumas centenas de serrarias dispersaram as
madeiras da floresta para além da região, quase sem retorno
social para seus habitantes. Neste processo, associado à crise
da agricultura e ao intenso fluxo colonizador, nem as matas
ciliares foram preservadas, com grande risco para o desenvolvimento agrícola futuro (Jesus, 1987).
A partir da década de 40 e início dos anos 50, a expansão
demográfica devida à procura de terras virgens para o cultivo
do café originou as atividades agrícolas ligadas, no princípio,
quase exclusivamente à produção de café e, mais tarde, à
fruticultura. Ambos representam os cultivos predominantes
ao Norte e ao Sul das Reservas de Sooretama e Linhares
e o mais próspero setor da economia regional. Basta lembrar,
a título de exemplo, que o Município de Sooretama registra
mais de 600 pequenos e médios proprietários agrícolas,
dentre uma população de ao redor de 17.000 pessoas, é
que, na recente década de noventa, se intensifica a produção
de café conilon para exportação do qual a região Norte do
Espirito Santo passa a ser o principal produtor. Deve-se
ressaltar que este desenvolvimento agrícola se baseia na
12
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
difusão de novas tecnologias de produção de clones pela
EMCAPER o que, em contrapartida, exige um aumento
significativo na utilização dos recursos hídricos,
notadamente, devido à necessidade de irrigação dos plantios
clonais. No transcurso de ciclos climáticos regulares, esta
necessidade é suprida pela recente construção de numerosos
reservatórios e represas que atravessam os córregos. Porém,
os anos de seca recorrente evidenciam a fragilidade do
sistema produtivo: a falta d'água parece estar associada ao
desmatamento e a degradação das bordas de córregos, rios
e mananciais. Interessa portanto precisar qual a influência
do manto florestal sobre a regulação dos recursos hídricos.
Quanto às frutíferas, elas são igualmente destinadas, em
grande parte, à exportação e seu cultivo se encontra em
franca expansão, existindo uma significativa dominância do
mamão papaya (ver p. ex. Gazeta Mercantil, 1997).
Relações entre o ciclo sazonal das precipitações,
a disponibilidade hídrica e a cobertura vegetal
No ciclo hidrólogo das bacias dos tabuleiros, a influência
da sazonalidade climática se manifesta, de maneira geral,
pela diminuição dos recursos hídricos e o eventual déficit
durante os meses de seca, inclusive quando as precipitações
anuais alcançam os valores médios. Esta variação sazonal é
acompanhada por modificações da cobertura vegetal
evidenciadas por meio da obtenção de imagens - índices de
vegetação, geradas a partir de imagens de sensoriamento
remoto. A Figura 8 mostra imagens NDVI (Normalized
Difference Vegetation Index) correspondentes a uma seção
da área de estudo e calculadas para duas passagens do satélite
Landsat5 TM nos meses de maio e setembro de 1997, ou
seja após a época úmida e antes do início das chuvas, ou
seja no final da época seca.
Em geral, o NDVI médio calculado para a imagem de
setembro é inferior ao correspondente à imagem de maio;
porém a queda dos valores do NDVI no final da época seca
é mais ou menos pronunciada conforme os distintos tipos
de cobertura vegetal, com fortes diferenças que oscilam entre
0,01 e 0,42 (Tab. 1). Dentre os ecossistemas primários, as
maiores diferenças correspondem ao complexo de vegetação
de várzea, diretamente relacionadas com a variação dos
fluxos hídricos superficiais. A diminuição de NDVI de maio
a setembro é da mesma ordem de grandeza para o Nativo,
fácie arbustiva baixa, e para a Floresta de Tabuleiros se bem
que em valores absolutos os correspondentes à Floresta são
o dobro que os calculados para o Nativo. Quanto às
pastagens e aos plantios de cana de açúcar, eles parecem ser
os sistemas mais sensíveis à variação sazonal, com valores
de NDVI que aproximam zero no final da época seca, o que
pode estar relacionado com o fato de tratar-se de vegetações
fortemente sazonais. Os plantios de café e de Eucalyptus,
cultivos semiperenes, mostram diferenças similares entre as
Figura 8. Imagensíndice de
vegetação (NDVI)
correspondentes
aos meses de
Maio (esquerda) e
Setembro (direita)
de 1997.
duas datas do ano, caindo o NDVI do redor da metade no
final da estiagem. Entretanto, os valores correspondentes às
fruticulturas permanecem aproximadamente constantes o que
se deve seguramente à predominância do cultivo de mamão
papaya que é contínuo ao longo do ano e permanentemente
irrigado. No total, diferentes fatores podem explicar a
variabilidade das respostas evidenciadas pela diminuição
mais ou menos importante do NDVI, como por exemplo, às
particularidades fenológicas de cada cobertura, às condições
de umedecimento da paisagem, à capacidade de absorção
d'água no solo e à irrigação e ciclo das culturas, dentre
outros.
A Floresta Atlântica de Tabuleiros apresenta uma diminuição do valor médio de NDVI significativa para
Tabela 1. Valores
médios e variação
sazonal de NDVI
Δ) para diferentes
(Δ
coberturas
vegetais da
porção Oeste da
área de estudo.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
13
ecossistemas naturais, indicando modificações no dossel, o
que contrasta com resultados obtidos para outras florestas
tropicais. Com efeito, diferenças marcadas do NVDI são reportadas para florestas temperadas caducifólias cujo dossel
se reduz, no inverno, a um conjunto de feixes lenhosos sem
folhas (DeFries & Townshend, 1994), enquanto que para
florestas tropicais perenifólias são típicos os perfis anuais
de NDVI com seqüências temporais mais ou menos constantes e acima do limiar de "vegetação verde" (greennes).
Ainda, segundo Potter & Brooks (1998), em regiões quentes
sazonais de baixa latitude, o estresse hídrico não se expressa
numa variação anual significativa do NDVI devido às
supostas adaptações das espécies vegetais. No entanto,
nossos resultados mostram que os valores do NDVI podem
estar fortemente relacionados com o grau de umedecimento
da paisagem. Nicholson & Farrar (1994) estimaram uma
relação geométrica do NDVI com a precipitação, de forma
que esta relação seria forte para uma gama de valores de
precipitação mensal compreendidos entre 25mm e 200mm,
o que corresponde a amplitude das precipitações na área de
estudo. Por tanto, pode-se esperar que, na área analisada,
conseqüência da ausência de irrigação e das raízes
superficiais das gramíneas aliadas a um ciclo fenológico
anual desta vegetação, fazem com que esta cobertura possa
ser considerada um indicador da diminuição dos recursos
hídricos e do eventual déficit nestas bacias hidrográficas.
Parece interessante confrontar a dinâmica dos recursos
hídricos sob a Floresta nativa e em condições de uso
antrópico intenso. Modelos de balanço hídrico, elaborados
em função da capacidade máxima de retenção d'água para
diferentes tipos de vegetação, mostram a relação entre o
déficit hídrico e a resposta da cobertura vegetal em duas
bacias hidrográficas com diferentes padrões de uso da terra.
As Figuras 9 e 10 mostram as diferenças nos modelos de
balanço hídrico e nas imagens NDVI entre duas bacias
hidrográficas da área de estudo (ver localização das bacias
na Fig. 4.2), com coberturas vegetais diferentes. Nossos
resultados evidenciam que sob cobertura da floresta nativa,
a retenção d'água no solo é superior e que o déficit hídrico
é menos pronunciado.
Em síntese, o conjunto dos resultados aqui apresentados
apoiam a hipótese do caráter semi-caducifólio da Floresta
Figura 9. Modelos de balanço
hídrico dos Córregos Sem
Nome e Ronco Alto em 1997.
P: precipitação;
EP: evapotranspiração
potencial; ER:
evapotranspiração real.
as condições climáticas e o potencial de armazenamento
hídrico, diretamente relacionado à sazonalidade das
precipitações e ao tipo de cobertura vegetal, sejam
responsáveis pelas variações observadas nos valores médios
de NDVI. Por último, a grande diferença, nas áreas de pasto,
entre os valores sazonais de NDVI, provavelmente como
14
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
Atlântica dos Tabuleiros Terciários e evidenciam o papel
regulador do manto florestal sobre as variações do balanço
hídrico que se encontram determinadas pela sazonalidade
climática da região. Numa perspectiva de gestão dos recursos
hídricos e de conservação da biodiversidade, nossos resultados
sugerem a necessidade não somente de um planejamento
integrado mas também de priorizar a restauração da floresta
em nascentes e margens de córregos e rios.
Figura 10. Imagens de usos da terra e valores de NDVI dos Córregos Sem Nome e Ronco
Alto.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
15
3. Diversidade funcional dos solos na
Floresta Atlântica de Tabuleiros
Irene Garay, Andreia Kindel, Marco Aurélio Passos Louzada, Raphel David dos Santos
Caracterização geral dos solos
Sob a Floresta Atlântica de Tabuleiros, os solos se
desenvolvem abraçando a litologia da região, resultante dos
processos geomorfológicos passados. Nas planícies de topo
das mesetas, predominam solos cuja matriz argilo-arenosa,
com granulometria variável, é própria dos sedimentos
Barreiras; nas áreas mais baixas, em vales e à proximidade da
linha da costa, aumenta a proporção de areias quaternárias
sobre um lençol freático de profundidade variável que, quando
emerge em superfície, se entremescla com as águas do leito
de rios e córregos. Ainda, a Oeste, os afloramentos cristalinos
mais antigos proporcionam uma rocha matriz de granulometria
mais fina porém extremamente ácida e, em conseqüência, muito
pobre em nutrientes.
Todavia, as condições climáticas determinaram, no passado,
condições de forte intemperismo: chuvas seguramente intensas
e temperaturas médias elevadas levaram à lixiviação, em
Figura 11. Mapa de solos
da Reserva Florestal de
Linhares e da Reserva
Biológica de Sooretama.
Segundo Raphael David dos
Santos (no prelo).
16
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
profundidade, da fração mais fina dos sedimentos Barreiras
- as argilas e o silte - e à decomposição de seus minerais silicatos de ferro e alumínio - em seus respectivos óxidos,
com a conseguinte perda dos óxidos de silício transportados
em seguida pelas águas subterrâneas. À exceção dos solos
desenvolvidos em areias quaternárias flúvio-marítimas, tratase em geral de solos chamados de ciclo longo, em cuja
formação os processos geoquímicos, modulados pelo clima
e tempos de evolução que puderam alcançar mais de um
milhão de anos, condicionaram as características físicas e
químicas dos horizontes pedológicos que, em síntese,
conformam os atuais tipos de solos. Contrariamente aos
solos de regiões temperadas, a pedogênese está pouco
influenciada pelos aportes orgânicos advindos da cobertura
vegetal cuja decomposição é, em princípio, relativamente
rápida devido às condições climáticas de altas temperaturas
e precipitações não limitantes.
A floresta clímax, a Mata Alta ou Floresta Densa de
Cobertura Uniforme, e seus ecossistemas associados se
instalam e diferenciam em função das características
geomorfológicas, ligadas à diversidade de substratos os
quais, por sua vez, encontram-se em estreita associação
com os diferentes tipos de solos. Assim, o mapeamento
dos solos do núcleo florestal da REBIO Sooretama e da
Reserva de Linhares evidencia estas interações (Fig. 11).
Nos tabuleiros, em relevo plano ou suavemente ondulado,
e na suas encostas, mais ou menos abruptas, a Mata Alta
repousa sobre solos de tipo Podzólico cuja rocha matriz
são os sedimentos Barreiras. Ao predomínio dos solos
Podzólicos, se opõe a presença de solos tipo Podzol,
quando o substrato quaternário arenoso alcança uma certa
espessura e o lençol freático permanece em profundidades
da ordem de dois metros; a fácies florestal adquire um
aspecto mais aberto e de menor altura, menor diversidade
de espécies e abundância de elementos xerófilos, lianas e
bromélias, configurando a chamada Floresta de
Mussununga, próxima na sua fisionomia às matas de
Restinga. Fundos de vales são colonizados essencialmente
por ciperáceas e gramíneas associadas a solos tipo
Hidromórficos, com lençol freático pouco profundo, por
vezes emergente, dependendo da estação do ano e da
abundância das precipitações. Uma posição intermediária é
ocupada pela fácies com elementos graminoides e
arbustivos denominada de Nativo, relacionada à presença
de Areias Quartzosas, com um perfil do tipo AC bastante
desenvolvido, ou seja, com o horizonte superior orgânico
A, justaposto à rocha matriz arenosa C, relativamente
profundo. Ao Oeste, quando da emergência do cristalino,
os solos que sustentam a floresta são do tipo Latossolo
Vermelho-escuro.
A título de exemplo, dados de um perfil de solo
Podzólico Amarelo distrófico, ou Argissolo Amarelo,
exemplificam o tipo de solo dominante da Floresta Atlântica
de Tabuleiros na sua fácies a mais representativa, a Mata
Alta (Fig. 12A). Duas características principais definem
este tipo de solo: a primeira é a drástica diferença de
granulometria com a profundidade e a segunda se refere
à baixa fertilidade, conseqüente às pequenas concentrações
de bases de troca, estimadas pela adição de Ca2+, Mg2+,
Na+ e K+. Ele apresenta um primeiro horizonte eluvial, o
horizonte A orgânico-mineral, de textura arenosa a média
Figura 12. Características
pedológicas dos perfis de solo
em duas fitofisionomias da
Floresta Atlântica de Tabuleiros,
Mata Alta e Mata de
Mussununga, na Reserva de
Linhares, ES.
A: solo Podzólico;
B: solo Podzol.
Segundo Garay et al., 1995,
modificado.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
17
arenosa que não atinge mais que -20cm (Garay et al.,
1995a,b). Em profundidade, as argilas e o silte de
eluviação, provenientes do horizonte A, adicionam-se, com
certeza, às frações finas dos minerais formadas in situ
durante a pedogênese, constituindo um horizonte de
iluviação B textural (Bt) de estrutura homogênea, com até
60% de argilas, que alcança ao redor de -2m de espessura.
Recoberta por estes horizontes, uma camada laterítica de
cor avermelhada é produto dos processos de lixiviação
dos óxidos de ferro e alumínio e da acumulação destes na
base do perfil. Ela pode estar situada em profundidades de
até cinco metros, quando os sedimentos Barreiras são mais
profundos e, em conseqüência, os solos mais
desenvolvidos.
A baixa fertilidade, ou melhor, o caráter distrófico do
solo, é produto tanto da degradação das argilas pelo
intemperismo como da lixiviação das bases afora do
conjunto dos horizontes. A degradação das argilas pode
ser medida pelos quocientes molares Kr e Ki, sendo estes:
Kr = SiO2 / (Al2O3 + Fe2O3) e
Ki = SiO2 / Al 2O3
O valor máximo de Kr é igual a dois o que corresponde
a argilas não alteradas, nas quais dois moles de SiO2
equivalem a um mol de Al2O3 + Fe2O3. Este quociente
torna-se decrescente quando da remoção do dióxido de
silício consecutiva à ruptura dos silicatos e à oxidação de
seus componentes, levando à diminuição das cargas de
superfície inerentes à mineralogia das argilas químicas.
Desta maneira, a diminuição do Kr proporciona uma
indicação do grau de intemperismo sofrido pelas argilas
granulométricas, fração equivalente às partículas minerais
do solo de tamanho inferior a 2mμ e da qual fazem parte
os óxidos estáveis de Fe2+ e AL 3+ (Fig. 12A) (Garay et
al., 1995a). Quanto ao Ki, ele outorga uma medida mais
justa do grau de perda dos óxidos de silício devido,
notadamente, à menor mobilidade dos óxidos de alumínio.
Conseqüência lógica destes processos, as argilas
granulométricas apresentam baixa atividade, ou seja, um
número restrito de cargas de superfície, medidas por meio
da capacidade total de troca catiônica - CTC -, que é inferior
a 24 meq.100g-1 para os solos Podzólicos da região. Esta
baixa capacidade de troca catiônica do complexo de
absorção impede a retenção das bases de troca cujas
concentrações se encontram, assim mesmo, diminuídas pela
lixiviação causada pelos processos pedogenéticos de solos
de ciclo longo, sujeitos a um prolongado intemperismo.
Imagem especular do oligotrofismo dos horizontes
pedológicos, a alta acidez destes solos reflete a substituição
das bases de troca pelos íons hidrogênio no complexo de
absorção.
De evolução, sem dúvida, mais recente, os solos tipo
Podzol se alinham à cercania do mar, estando representados
sobretudo na Reserva de Linhares e associados à Floresta
ou Mata de Mussununga, nome local dos depósitos
arenosos que constituem a rocha matriz, emprestado pela
floresta. Eles representam solos azonais determinados
essencialmente por uma rocha matriz quase desprovida de
elementos finos, argilas e silte, e pelo lençol freático, pouco
profundo, que age como uma barreira à lixiviação da matéria
orgânica e dos óxidos de alumínio e ferro; óxidos que se
concentram, em seguida, à base do perfil junto ao lençol
Figura 13. Variação da capacidade de troca catiônica (CTC) em relação às porcentagens de carbono e de argila em solos
Podzólicos da Reserva Florestal de Linhares. Verifica-se que a relação é fortemente positiva em A e muito menos significativa
e com alta dispersão em B, mostrando que o complexo de absorção depende sobretudo da porcentagem de matéria
orgânica. Para C e CTC: n=188. Para CTC e argila: n=89. Dados correspondentes ao horizonte A (A11: 0-2cm; A12: -2-10cm.
Segundo, Garay et al., 1995a, b; Kindel et al., 1999 e Kindel & Garay, no prelo).
18
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
freático, formando as camadas B húmica -Bh- e B férrica
-Bfe-, típicas de um podzol. A Figura 12B mostra as
características dos horizontes pedológicos de um perfil de
solo Podzol no interior da Reserva de Linhares, sob a
Mata de Mussununga. A matéria orgânica, mais ou menos
decomposta, se acumula sobre o primeiro horizonte
pedológico A, de textura arenosa (Garay et al., 1995a,b).
A falta total de estrutura ao longo do perfil e a alta
dependência, neste solo, da matéria orgânica aportada pela
vegetação deixam prever sua total fragilidade frente a
qualquer forma de uso e a dificuldade de recolonização
pela vegetação que, ainda, parece manter características
pioneiras (Jesus, 1987).
No total, os solos dominantes na região dos tabuleiros
são relativamente homogêneos, marcados pela pobreza
nutritiva e pela fragilidade do horizonte superficial arenoso
pouco propício à retenção de nutrientes. Nestas condições,
a matéria orgânica superficial proporcionada pela cobertura
vegetal pode vir a cumprir um papel essencial tanto na
manutenção da estrutura como na fertilidade destes solos,
por causa notadamente das cargas remanentes dos colóides
orgânicos que facilitam a formação de agregados e a
retenção de nutrientes (Fig. 13). A diversidade funcional
dos solos poderá, assim, estar somente associada à
diversidade de coberturas vegetais que eles sustentam, às
suas modificações e às diferentes formas de uso; isto é,
às diferenças quantitativas e qualitativas dos aportes da
matéria orgânica de origem vegetal, que progressivamente
serão integrados ao solo mediante os processos de
decomposição.
Variação quantitativa e
heterogeneidade espacial dos aportes
foliares ao solo
Duas características principais emergem quando da análise
dos dados sobre os aportes orgânicos pela vegetação em
ecossistemas de Floresta Atlântica de Tabuleiros: a primeira
é a significativa quantidade destes aportes que é similar à
de ecossistemas da Floresta Amazônica podendo alcançar
8 t.ha-1.ano-1; a segunda é a forte sazonalidade relacionada
ao ritmo das precipitações (Tab. 2) (Louzada et al., 1997).
Com efeito, os aportes foliares que representam de 61%
a 66% da queda total se concentram no final do inverno
seco regional entre setembro e dezembro (Louzada et al.,
1997). O confronto de resultados correspondentes a um
verão com precipitações consideradas normais, em 1995,
com aqueles correspondentes ao verão seguinte,
extremadamente seco, em 1996, respectivamente com 175,4
mm e 7,3 mm de precipitações totais em janeiro e fevereiro,
sublinha ainda o papel determinante das precipitações sobre
a queda das folhas: as suas quantidades praticamente
dobram como resposta à seca estival (Tab. 3). Esta resposta
global das espécies arbóreas frente a um período seco
excepcional evidencia um certo caráter caducifólio da
cobertura florestal que resulta da plasticidade funcional das
espécies que compõem o dossel com respeito a perda do
material vegetativo (Louzada, 1997).
À variabilidade temporal se sobrepõe a heterogeneidade
espacial dos remanescentes florestais, devida em primeiro
lugar a diferenças de fitofisionomia, como no caso da Mata
Alta e da Floresta Ciliar, e, em segundo termo, aos distintos
impactos antrópicos sofridos por estes ecossistemas. Entre
eles, duas formas de impacto foram consideradas: uma
corresponde aos efeitos do extrativismo seletivo de madeira,
forma de uso que fora significativa na região e que é
peculiar na maioria dos fragmentos ora existentes. A
segunda forma de impacto se refere às conseqüências do
ciclo de queima e corte, prática generalizada no tempo
passado inclusive no interior das atuais unidades de
conservação, sobre a posterior reinstalação da floresta e
seu funcionamento. Ambos os sistemas estudados se
encontram em estado de preservação, na Reserva Florestal
de Linhares, após as perturbações acontecidas há
aproximadamente cinqüenta anos. Da comparação entre estes
quatro sistemas merece ser assinalada a quantidade menor
da queda foliar na Floresta Ciliar (MC) que na Mata Alta
(MA) o que encontra-se seguramente em relação direta com
uma menor produtividade de material vegetativo, Note-se
também a considerável quantidade de galhos que recebe o
solo do fragmento interferido pela extração, mesmo após
cinqüenta anos do corte seletivo de madeira (Tab. 2).
Tabela 2. Valores dos aportes orgânicos ao
solo para o ano de 1994, em duas fácies
florestais da Reserva Florestal de Linhares
e em florestas secundárias, Linhares e
Sooretama, ES. Valores em t.ha-1.ano-1.
Entre parêntesis: contribuição percentual
das diferentes frações orgânicas.
CE: fragmento após extração seletiva de
madeira; CQ: floresta secundária após
corte e queima. Dados correspondentes a
15 coletores de 1m2 por sítio de estudo.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
19
Tabela 3.Valores dos aportes orgânicos ao solo para o período de janeiro a abril de 1994 e de 1995, em duas fácies florestais
da Reserva Florestal de Linhares e em florestas secundárias, Linhares e Sooretama, ES. Valores em t.ha-1, para o período de
janeiro a abril. Entre parêntesis: contribuição percentual das diferentes frações orgânicas. CE: fragmento após extração
seletiva de madeira; CQ: floresta secundária após corte e queima.
Dados correspondentes a 15 coletores de 1m2 por sítio de estudo, com amostragens quinzenais.
Tabela 4. Valores dos
aportes foliares de
espécies comuns e de
espécies com maiores
índices de valor de
cobertura (IVE), em duas
fácies florestais da
Reserva Florestal de
Linhares e em florestas
secundárias, Linhares e
Sooretama, ES. Valores
em kg.ha-1.ano-1.
Dados correspondentes a
três coletores de 1m2 a
1,5m do tronco de duas
espécies comuns e de trës
espécies de alto IVE
(índice de valor de
cobertura).
Na realidade, os efeitos do impacto antrópico sobre a
floresta são precisados quando o aporte das diferentes
espécies é considerado separadamente: apesar de alcançar
valores totais da mesma ordem de grandeza nos sistemas
impactados que na Mata Alta (MA), o aporte foliar na
floresta interferida pela extração (CE) e na capoeira que
sucede à queima (CQ) é determinado pelas espécies
secundárias dominantes, Rollinia laurifolia e Micrandra
elata (Tab. 4). Nas cercanias das árvores de maior porte,
as folhas mortas de cada indivíduo podem chegar a
representar até 80% do total da queda; entretanto, esta
contribuição se reduz a valores da ordem de 10% ou menos
quando se considera a queda total nas parcelas de estudo
(Louzada, 1987). O papel da diversidade de espécies sobre
a quantidade e a qualidade dos aportes depende assim não
somente do tamanho dos indivíduos mas também da
densidade das populações que introduzem, de acordo com
20
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
suas características, uma heterogeneidade funcional do
subsistema de decomposição no interior dos fragmentos
florestais.
Porém, é a síntese do conjunto dos resultados que
possibilita identificar quatro grupos funcionais de espécies
arbóreas no que diz respeito o ritmo temporal da
contribuição dos aportes de folhas ao solo (Louzada, 1997).
Neste sentido, podem ser reconhecidos quatro tipos de
comportamento:
1) perda temporã das folhas anterior à estação seca, ou
seja no verão, o que corresponde a Neoraputia alba
(CE), Swartzia apetala (CE), Escheweilera ovata (MC),
Jacaratia spinosa (CQ), cujos máximos de queda foliar
se produzem ao início do ano;
2) máximo de caducifolia no inverno, de maneira que a
queda de folhas e o período seco encontram-se
fortemente correlacionados, isto acontece com Terminalia
kuhlmannii (MA), Micrandra elata (CE) e Rollinia
laurifolia (CQ);
3) queda tardia com respeito ao período seco invernal,
como no caso de Eugenia cf. ubensis (MA), Pterocarpus
rohrii (MA), Senefeldera multiflora (MC) e Virola
gardneri (MC), sendo que a queda de material foliar
pode prolongar-se significativamente no tempo e recobrir
os meses de primavera, o que se observa para Eugenia
cf. ubensis;
4) indiferença quanto a ocorrência da estação seca, o que
é constatado no caso da espécie Brosimum gaudichaudii
(CQ).
Esta diversidade funcional mostra tanto a origem
complexa das espécies da Floresta Atlântica de Tabuleiros
como apoia o caráter semi-caducifólio de seus ecossistemas
adaptados fundamentalmente à variabilidade de condições
hídricas. Quanto ao subsistema de decomposição, a
diversidade funcional dos ciclos fenológicos que se
superpõem no tempo possibilita uma maior continuidade
dos aportes orgânicos epígeos durante o ciclo anual; ele
encontra-se, contudo, sujeito à forte variabilidade interanual
da queda de folhas.
Heterogeneidade da paisagem e valor
indicador das formas de húmus
Com a chegada dos aportes epígeos ao solo se acelera um
processo já iniciado quando da senescência das folhas;
trata-se da decomposição da matéria orgânica que deverá
finalizar com a oxidação total dos compostos orgânicos e
a liberação dos nutrientes minerais retomados, num novo
ciclo, pela cobertura vegetal. Neste processo complexo,
intervém inúmeras espécies de animais e microrganismos
para os quais os diferentes estágios intermediários de
decomposição do substrato orgânico representam uma fonte
de recursos nutritivos e de hábitat. Do ponto de vista do
substrato orgânico, os microrganismos constituem o
principal agente de oxidação cabendo à fauna um papel
regulador.
O paradigma da decomposição em cascata resume a
dinâmica do subsistema de decomposição que leva à
formação de camadas orgânicas em diferentes estados de
transformação: empilhadas sobre a superfície do solo e,
ainda, conformando o primeiro horizonte pedológico, ao
qual se integra parte da matéria orgânica superficial, as
camadas orgânicas serão mais ou menos desenvolvidas e
numerosas quanto menor é a velocidade de transformação
dos aportes orgânicos. No transcurso do tempo e,
notadamente, para ecossistemas florestais, estas camadas e
suas características físicas e químicas permanecem estáveis
o que levou, de longa data, à classificação geral das
chamadas formas de húmus florestais ou húmus, em sentido
amplo. Consideradas como elemento diagnóstico das
relações entre a vegetação e o solo, as formas de húmus
e suas modificações foram propostas, mais recentemente,
para caracterizar a dinâmica do subsistema de decomposição
em fragmentos de Floresta Atlântica (ver por ex. Garay &
Silva, 1995; Garay & Kindel, 2001).
O esquema da Figura 14 sintetiza a estrutura das
camadas orgânicas de superfície, cuja análise quantitativa
associada às características pedológicas do horizonte A1
possibilitam a identificação das formas de húmus e suas
modificações (Malagon et al., 1989; Berthelin et al., 1994;
Garay & Silva, 1995; Garay et al., 1995a,b).
Figura 14. Esquema representativo da interação
entre a vegetação e o solo, destacando-se as
camadas orgânicas em diferentes estágios de
decomposição.
L: camada formada por folhas mortas inteiras e
pouco decompostas.
F: camada formada por folhas mortas fragmentadas
e matéria orgânica fina (< 2mμ).
H: camada formada por matéria orgânica fina
acumulada sob os restos foliares e entremeada
pelas raízes finas de absorção das árvores.
A1: primeiro horizonte do solo formado por matéria
orgânica amorfa e material mineral. (horizonte
hemiorgânico).
A11: sub-horizonte de A1 de 0-1cm a 0-3cm (interface
com as camadas orgânicas sobrepostas).
A12: sub-horizonte de A1 com menor conteúdo em
carbono orgânico e bases de troca que A11.
L, F e H são camadas holorgânicas, podendo H ou,
eventualmente, F estar ausentes.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
21
nuclear, na Mata Alta da Reserva de Linhares, evidencia
características específicas que diferenciam os húmus de tipo
mull presentes na região dos tabuleiros daqueles encontrados
em florestas temperadas e, mesmo, em outras florestas do
trópico (Garay et al., 1995a,b; Kindel et al., 1999; Garay
& Kindel, 2001). Como nas Matas de Terra Firme
amazônicas, sobre Oxisols ou solos Latossolos, o
subsistema de decomposição apresenta um funcionamento
superficial de forma que a matéria orgânica, os nutrientes
e as raízes finas das árvores se concentram quase na
superfície do solo, mais precisamente, nos poucos
centímetros do topo do horizonte A, alcançando
concentrações até cinco vezes superiores, em particular,
para o carbono orgânico e o cálcio de troca (Tab. 5). Esta
Heterogeneidade funcional do fragmento nuclear
de Floresta Atlântica de Tabuleiros
Como na maioria das florestas do trópico, em condições
de temperaturas médias elevadas e chuvas relativamente
regulares, os húmus florestais, associados aos solos
Podzólicos da Floresta Atlântica de Tabuleiros, são de tipo
mull. Eles exprimem a rápida decomposição dos aportes
orgânicos que se revela, em geral, pela ausência de
acumulação de matéria orgânica amorfa sob os detritos
foliares e pela existência de agregados orgânico-minerais
no interior do primeiro horizonte pedológico, o horizonte
A, com baixo C/N (Garay & Silva, 1995). Entretanto, o
estudo detalhado das formas de húmus no fragmento
Mata Alta
Mata Alta
REBIO
Sooretama
Reserva de
Linhares
Mata Ciliar
Mata de
Reserva de
Linhares
Mussununga
camadas holorgânicas (t.ha-1)
L
1,0 ± 0,10
0,8 ± 0,10
1,5 ± 0,10
2,9 ± 0,40
F1
4,3 ± 0,30
3,1 ± 0,20
3,8 ± 0,20
6,4 ± 0,90
F2
3,1 ± 0,60
_
_
H
_
_
1,0 ± 0,20
11,2 ± 2,00
6,3 ± 0,50
21,8 ± 2,80
total
6,9 ± 0,60
3,9 ± 0,20
_
horizonte hemiorgâncio A11
C (%)
4,0 ± 0,40
3,4 ± 0,30
4,7 ± 0,50
N (%)
0,36 ± 0,03
0,30 ± 0,03
0,29 ± 0,02
_
P (ppm)
11 ± 1xllll
12 ± 1xxl
21 ± 200
_
Ca 2+ (meq.100g-1)
8,7 ± 0,7ll
8,7 ± 0,9s
3,3 ± 0,4
_
11,4 ± 1,0l
10,9 ± 1,1x
6,1 ± 0,6
_
66 ± 2lllll
70 ± 2xxl
34 ± 20
_
5,6xxxx
6,1xxxx
4,70.0
_
11 ± 1lx
12 ± 0xx
15 ± 00
_
SB (meq.100g-1)
% SB
pH (H2O)
C/N
_
horizonte hemiorgâncio A12
C (%)
0,85 ± 0,07
0,72 ± 0,06
1,21 ± 0,06
1,16 ± 0,27
N (%)
0,15 ± 0,03
0,08 ± 0,00
0,09 ± 0,00
0,07 ± 0,01
2,2 ± 0,20
2,4 ± 0,20
5,6 ± 0,40
3,0 ± 0,40
2,2 ± 0,20
1,8 ± 0,20
0,3 ± 0,00
0,4 ± 0,20
2,97 ± 0,23
2,39 ± 0,26
0,89 ± 0,06
0,96 ± 0,16
61 ± 400
56 ± 300
14 ± 100
16 ± 300
5,6000
5,8000
7,6 ± 0,70
8,9 ± 0,30
Mull
mesotrófico
tropical
Podzólico
P (ppm)
Ca
2+ (meq.100g-1)
SB
(meq.100g-1)
% SB
pH (H2O)
C/N
Forma de
húmus
Classe de solo
22
4,5
4,60l00
13,1 ± 0,40
16,9 ± 1,1
Mull
mesotrófico
tropical
Mull
oligotrófico
tropical
Eumoder
Podzólico
Podzólico
Podzol
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
Tabela 5. Caracterização das
Formas de Húmus em diferentes
fácies florestais do núcleo de
Floresta Atlântica de Tabuleiros,
em Linhares e Sooretama, ES.
Note-se a significativa diferença
nos conteúdos de matéria
orgânica e de nutrientes entre o
horizonte A12 e o horizonte de
interface A11.
interface, onde parece realizar-se o essencial da
decomposição dos aportes epígeos, pode ser considerada
uma adaptação que limita a lixiviação de nutrientes e matéria
orgânica em profundidade, facilitada, nestes solos, pela
textura arenosa do horizonte A. Porém, em contraposição
a outras florestas tropicais, pequenos agregados de alguns
milímetros de diâmetro se distribuem no interior do
horizonte A, agregados que mantém conteúdos de matéria
orgânica e de nutrientes significativos quando comparados
com a matriz arenosa na qual estão imersos (Garay et al.,
1995a,b; Kindel et al., 1999). Frente ao ritmo sazonal das
precipitações e as secas recorrentes interanuais, a ação de
térmitas humívoras parece substituir a típica função das
minhocas na estruturação do primeiro horizonte orgânicomineral e, notadamente, na construção destes agregados.
Pode-se, em síntese, considerar que esta forma específica
de húmus mull tropical representa o principal reservatório
de nutrientes disponível que assegura a riqueza da vegetação
da floresta clímax, a Mata Alta.
O mull tropical da Floresta de Tabuleiros apresenta
determinadas variações ligadas a diferenças nas
fitofisionomias, tal a Floresta Ciliar, ou relacionadas, em
princípio, à diferentes distâncias do mar e a topografia,
como no caso da Mata Alta da REBIO Sooretama quando
comparada com a floresta clímax da Reserva de Linhares
(Garay & Kindel, 2001; Kindel & Garay, no prelo). A
Tabela 5 precisa estas variações que são mais acentuadas
no caso da Floresta Ciliar cuja forma de húmus é um mull
oligotrófico contraposto ao mull mesotrofico tropical da
Mata Alta (Fig. 15). Este caráter oligotrófico encontra-se
determinado fundamentalmente pelas baixas concentrações
de Ca2+ o que conduz a uma diminuição da porcentagem
de saturação em bases, pelo menos da metade, quando
comparada com as porcentagens estimadas para a Mata
Alta da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares, com
valores respectivamente de 34%, 70% e 66% (Tab. 5).
Uma menor velocidade de decomposição, neste tipo de
floresta que na Mata Alta da Reserva de Linhares, se deduz
da maior quantidade de restos foliares acumulados sobre
o solo, com valores respectivos de 6,3 t.ha-1 e 3,9 t.ha 1, e de uma relação C/N superior, igual a 15 versus 12
para a Mata Alta, o que indica a menor evolução da matéria
Figura 15. Perfis húmicos e estoques de
Nitrogênio sob um solo Podzólico (Mata
Alta) e um Podzol (Mata de Mussununga),
na Reserva de Linhares, ES.
L: folhas mortas inteiras.
F: folhas fragmentadas e matéria orgânica fina
(< 2mμ).
Fff: matéria orgânica fina.
F1: folhas fragmentadas misturadas a menos de
20% de matéria orgânica fina.
F2: folhas muito fragmentadas misturadas a
mais de 20% de matéria orgânica fina.
A1: primeiro horizonte do solo formado por
matéria orgânica amorfa e material mineral.
(horizonte hemiorgânico).
A11: sub-horizonte de A1 de 0-1cm a 0-3cm
(interface com as camadas orgânicas
sobrepostas).
A12: sub-horizonte de A1 com menor conteúdo
em carbono orgânico e bases de troca que A11.
Segundo Garay et al., 1995a, modificado.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
23
orgânica contida no horizonte A (Garay & Silva, 1995).
Entretanto, a menor velocidade de decomposição dos
aportes foliares na Floresta Ciliar que na Mata Alta é
corroborada pelo índice K de Olson que é igual ao
quociente entre a queda de folhas e os restos foliares
depositados sobre o solo; esta velocidade é de 9 meses
para a Mata Alta e de 1 ano e 7 meses para a Floresta
Ciliar, ou seja, do dobre de tempo (ver Tab. 2 e Tab. 5).
Pode-se supor que o oligotrofismo do húmus esteja
relacionado à lixiviação lateral concomitante à subida
sazonal do córrego mas os, relativamente, baixos conteúdos
de nitrogênio do folhiço menos descomposto apoiam a
hipótese de um grau de esclerofilia superior das árvores
que compõem o dossel da Floresta Ciliar que das espécies
arbóreas da Mata Alta (Garay & Kindel, 2001; Kindel &
Garay, no prelo). Nestas fácies florestais, as diferentes
velocidades de decomposição parecem estar determinadas
pelas características qualitativas dos aportes foliares.
Quanto ao húmus presente no solo da Mata Alta da
REBIO Sooretama, a maior diferença consiste na
acumulação de restos foliares misturados à matéria orgânica
fina na base das camadas de folhas, somente no período
invernal, sendo que as outras variáveis pedológicas
apresentam valores similares aos obtidos para o mull
mesotrófico da Mata Alta da Reserva de Linhares que,
contrariamente, manifesta uma marcada estabilidade de todos
seus parâmetros, à vez sazonal e interanual (Tab. 5) (Garay
et al., 1995a,b; Kindel et al., 1999; Kindel & Garay, no
prelo). Esta acumulação temporária no mull da REBIO
Sooretama poderia indicar uma maior incidência do período
seco sobre o processo de decomposição ocasionada pelo
aumento da distância do mar e a conseqüente diminuição
de umidade.
Contrariamente ao mull tropical dos solos
Podzólicos, o Podzol recoberto pela Floresta de
Mussununga induz a formação de um húmus tipo
moder, determinado sobretudo pela rocha matriz
arenosa que limita a vida no solo e impossibilita,
portanto, a formação de agregados (Fig. 15)(Garay et
al., 1995a,b). Ele apresenta, tanto do ponto de vista de
sua estrutura como dos valores das variáveis pedológicas,
o conjunto das características próprias de um moder
florestal: presença de uma camada H de matéria orgânica
amorfa, alto valor de C/N no horizonte A, baixa saturação
em bases e baixo pH, entre outras (Tab. 5) (Garay et al.,
1995a,b; Kindel & Garay, 2001). A matéria orgânica
acumulada sobre o solo alcança valores de 11t.ha, mais
que dobrando as quantidades estimadas para o mull da
Mata Alta, com 3,9 t.ha na Reserva de Linhares (Fig. 15).
A lenta decomposição desta matéria orgânica, acumulada
sobre o solo e no interior do horizonte A, impedida de
estabilizar-se mediante a formação de agregados no
24
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
horizonte A, atravessa os horizontes pedológicos para
finalmente conformar um horizonte húmico Bh em
profundidade (ver Fig. 12). Como corolário, parte da
matéria orgânica e, sobretudo, dos nutrientes nela contidos,
são subtraídos do subsistema de decomposição.
Moduladas pelo clima e determinadas ora pelas
características qualitativas dos aportes, ora pelas classes
de solos ou pelas condições mesológicas, as formas de
húmus na área nuclear da Floresta Atlântica de Tabuleiros
revelam uma diversidade funcional dos ecossistemas que
compõem o núcleo e chamam a atenção sobre a
necessidade de preservação desta diversidade, acentuando
a importância da gestão racional dos estoques orgânicos e
de nutrientes altamente dependentes da cobertura vegetal.
A integridade dos fragmentos e o uso do solo
Espalhados na região dos Tabuleiros Terciários, numerosos
fragmentos florestais se elevam sobre a linha homogênea
do horizonte formada pelos arbustos de café. Quando do
desmatamento passado e, por vezes até hoje, eles
representam uma fonte de recursos para a população local
o que impõe o conhecimento do grau de sustentabilidade
destes restos de floresta, requisito primeiro para um futuro
manejo. À escala do ecossistema, trata-se, em geral, de
remanescentes da Mata Alta ou da Mata Ciliar submetidos
às praticas extrativistas seletivas de madeira, mais intensas
nas décadas de 50 a 70. Uma outra forma de uso florestal
deixou suas marcas na região, em particular, no interior
das Reservas onde, por causa do status de preservação, a
regeneração do manto florestal tornou-se possível
cicatrizando os claros resultantes do uso tradicional do
solo, com seus ciclos de queima e roça itinerantes, rligados
aos antigos cultivos de sobrevivência.
Neste contexto, a pesquisa de indicadores funcionais à
escala do ecossistema, entre os quais devem ser
consideradas as formas de húmus e suas modificações,
podem vir a subsidiar uma gestão integrada para a
conservação dos remanescentes florestais (Kindel et al.,
1999; Garay, 2001; Garay & Kindel, 2001; Kindel & Garay,
no prelo). Resultados já publicados mostram efetivamente
que as modificações evidenciadas no mull sobre solo
Podzólico em sistemas que sofreram ambos os tipos de
perturbação acima citados, há quase 50 anos, podem ser
quantificadas de forma relativamente simples (Kindel et al.,
1999; Kindel & Garay, no prelo). Estas modificações se
referem, em primeiro termo, ao acúmulo de restos foliares
sobre o solo, bem mais significativo em ambas as florestas
secundárias que na floresta primária, dando lugar a uma
mudança no perfil orgânico que apresenta um sub-horizonte
F2 no qual a matéria orgânica amorfa se mistura aos
fragmentos das folhas (Fig.16). Em segundo termo,
diferenças são observadas no primeiro horizonte do solo
Figura 16. Estoques húmicos no conjunto
das camadas holorgânicas de solos tipo
Podzólico na Área Nuclear e em fragmentos
da Floresta Atlântica de Tabuleiros, Linhares
e Sooretama, ES.
MA: Mata Alta da Reserva Florestal de Linhares.
MC: Floresta Ciliar.
CE: fragmento após extração seletiva de madeira.
CQ: floresta secundária após corte e queima.
SO: Mata Alta da REBIO Sooretama.
FR1, FR2 e FR3: fragmentos florestais em
propriedades agrícolas. FR1: fragmento de Mata
Alta de 80ha; FR2: fragmento de Mata Alta de 5ha;
FR3: fragmento de Floresta Ciliar. de 20ha.
Figura 17. Características pedológicas do
horizonte de interface A11 de solos tipo
Podzólico na Área Nuclear e em fragmentos
da Floresta Atlântica de Tabuleiros, Linhares
e Sooretama, ES.
Ver legenda da Fig. 16.
quando comparado com o da floresta primária: se o sistema
submetido a extração apresenta quantidades de nutrientes
superiores à Mata Alta, a floresta secundária consecutiva
ao corte e queima mantém valores inferiores de fertilidade
mesmo após quase 50 anos, sugerindo a dificuldade do
ecossistema de compensar a lixiviação de nutrientes
propiciada pelo fogo (Fig. 17). Em face a esta aparente
contradição dos efeitos do impacto antrópico sobre a
floresta, o traço em comum de ambos os sistemas é a
diminuição da velocidade de decomposição dos aportes
orgânicos que é quase duas vezes superior à da floresta
primária: 16 meses para as florestas secundárias versus 9
meses para a Mata Alta. Desta forma, na floresta interferida,
os valores superiores dos conteúdos de nutrientes podem
ser interpretados como a conseqüência de um certo
bloqueio dos mecanismos de decomposição e não como
um acréscimo da fertilidade.
De fato, o verdadeiro indicador funcional destas formas
de impacto antrópico é a estimativa da velocidade de
decomposição da matéria orgânica do solo que possibilita
sintetizar os resultados obtidos: ela explica tanto a
acumulação orgânica em superfície como as diferenças de
conteúdos nutritivos do solo que nem são o resultado de
uma rápida ciclagem de nutrientes nem expressam uma
maior fertilidade nas florestas secundárias. Contudo, o
simples acúmulo dos restos foliares ligado a aparição de
uma camada de folhiço mais profunda, a camada F2 ,
fornece, em primeira aproximação, uma indicação sobre a
perturbação do ecossistema, na medida em que esta
modificação na estrutura da forma de húmus parece estar
diretamente relacionada com a diminuição da velocidade
de decomposição. Isso é o que corroboram os primeiros
resultados relativos a fragmentos florestais conservados em
propriedades agrícolas.
A dinâmica da decomposição das camadas holorgânicas
de três diferentes tipos de fragmentos, seja pelo menor ou
maior tamanho, como FR1 e FR2, seja pela fitosisionomia,
que corresponde em FR1 e FR2 à Mata Alta e em FR3
à Floresta Ciliar, pode ser inferida dos resultados
apresentados nas Figuras 16 e 17. Em todos os casos,
existe uma diminuição da velocidade de decomposição dos
aportes orgânicos que se manifesta pela significativa
quantidade de matéria orgânica depositada sobre o solo,
acumulada, essencialmente, na base das camadas de folhiço
conformando o sub-horizonte F2 (Fig. 16). Não obstante,
às diferenças no perfil orgânico se contrapõem a
homogeneidade dos parâmetros pedológicos do horizonte
hemiorgânico A, os quais mantêm valores similares aos
estimados para a Mata Alta da Reserva de Linhares e da
REBIO Sooretama; os baixos valores da relação C/N e a
elevada saturação em bases, nos fragmentos FR1 e FR2,
demonstram que as características do mull tropical
mesotrófico, próprio da floresta clímax, se conservam no
interior dos fragmentos, independentemente do tamanho.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
25
Figura 18. Comparação das características
pedológicas (A11) de solos tipo Podzólico
entre duas formas de uso da terra e a
Floresta Atlântica de Tabuleiros (Mata Alta).
Experimento: corresponde a áreas de
pastagens degradados de antiga Mata Ciliar
onde foram implantados experimentos de
restauração florestal; E. grandis : plantio
florestal de Eucalyptus grandis com sete
anos de idade; M. primária: Mata Alta da
Reserva Florestal de Linhares. C: conteúdo
de carbono orgânico em % de peso seco; N:
conteúdo de nitrogênio em % de peso seco;
SB: soma de bases (Ca2+, Mg2+, Na+ e K+) em
meq 100g -1. Os dados correspondem aos
quatro primeiros centímetros do solo para o
A11 das pastagens degradadas e da plantação
de E. grandis e aos dois primeiros centímetros
para a Mata Alta.
Da mesma forma, no solo do fragmento FR3 de Floresta
Ciliar, o horizonte A possui características similares às
estimadas para a Floresta Ciliar preservada da Reserva de
Linhares onde a pobreza nutritiva define o caráter
oligotrófico deste mull.
Por fim, resultados referentes ao primeiro horizonte
pedológico em áreas degradadas de bordas de córregos e
em plantio de Eucalyptus grandis, espécie utilizada na
região para produção de celulose, evidenciam as drásticas
diferenças nos conteúdos de nutrientes e de matéria
orgânica ocasionados por estes usos do solo: a matéria
orgânica e os nutrientes mostram valores entre cinco e
sete vezes inferiores aos estimados para os remanescentes
florestais (Fig. 18). Responsável pela manutenção e
liberação de nutrientes, a perda da matéria orgânica
superficial constitui certamente a principal razão da pobreza
nutritiva do solo nestas áreas. Quanto ao plantio de
Eucalyptus, os sete anos de implantação parecem ser
insuficientes para a reconstituição dos horizontes orgânicos
de superfície e da sua diversidade biológica (Pellens &
Garay, 1999a,b), o que não exime de contrapor estes
plantios à situação extrema de bordas degradadas de
córregos e rios, submetidas a intensos processos erosivos.
O estudo dos húmus florestais dos remanescentes da
Floresta Atlântica de Tabuleiros do Norte de Espirito Santo
porta consigo alguns aprendizados e levanta questões para
26
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
o futuro. A necessidade de preservação do núcleo florestal
da Reserva de Linhares e da REBIO Sooretama,
complementado por propriedades agrícolas, é uma
evidência tão mais marcante que perturbações acontecidas
há décadas são, ainda hoje, visíveis. Todavia, é com certeza
a significativa extensão deste fragmento nuclear que
possibilita a conservação da diversidade funcional da
floresta revelada, em parte, pelas diversas formas de
húmus e associada à diversidade de seus ecossistemas.
No referente aos fragmentos que se propalam à vista na
paisagem, eles parecem manter a sustentabilidade funcional
apesar de uma certa perda de integridade biológica, devida
às formas de uso extrativista. Ademas, eles representam,
assim mesmo, os últimos remanescentes da floresta clímax
suscetíveis de fornecer e multiplicar a riqueza genética da
floresta para a manutenção dos serviços ambientais da
biodiversidade, entre os quais, a disponibilidade dos
recursos hídricos e o controle da erosão do solo. Porém,
a sua conservação, nas condições atuais, significa um
enorme desafio digno de ser enfrentado. À escala da
região, o extenso deserto nutritivo dos solos, produto do
desaparecimento da floresta, impõe repensar formas de
uso da terra alternativas que priorizem a recuperação da
matéria orgânica e dos nutrientes, numa perspectiva de
sustentabilidade do solo e de compromisso entre as
práticas agrícolas e a conservação e restauração da floresta
nativa.
4. A floresta em pé: conservação da biodiversidade nos
remanescentes de Floresta Atlântica de Tabuleiros
Fernando V. Agarez, Irene Garay, Raul Sanchez Vicens
A classificação botânica do núcleo florestal do Norte do
Espirito Santo e Sul da Bahia foi objeto de debates e
controvérsias originados pelas características únicas da
vegetação que recobre os Tabuleiros Terciários. Se do
ponto de vista geral ela pode ser assimilada ao complexo
florestal que acompanha a costa Leste brasileira, a sua
estrutura e composição florística levam a diferenciá-la tanto
da Floresta Atlântica da Serra do Mar como da Floresta
Amazônica de Terra Firme. Já nos anos setenta, Rizzini
inseriu a Floresta dos Tabuleiros na Província Atlântica,
Subprovíncia Austro-oriental devido a seu caráter litorâneo,
ressalvando, contudo, a sua originalidade de estrutura,
notadamente em relação às características geomorfológicas,
edáficas e climáticas, que foram resumidas então por relevo
relativamente plano, solo mais pobre e clima
constantemente quente e úmido (Rizzini, 1979).
Contraposta à Floresta Atlântica da Serra do Mar pela
ausência quase total de formas vegetais complementares,
tais como epífitos, musgos, liquens, aráceas e
polipodiáceas, entre outras, a Floresta de Tabuleiros
assombra pela sua semelhança com a Hiléia de Terra Firme
Amazônica de vez pela imponência dos fustes das árvores
que emergem do dossel e pela abertura do soto-bosque
que facilita a circulação e a visão do conjunto vegetal,
sustentado igualmente por planícies tabulares (Rizzini,
1963). Contrariamente à Hiléia Amazônica, as árvores
emergentes não superam os quarenta metros de altura
e aparecem amiúde entrelaçadas a abundantes lianas;
ambos os traços estruturais indicando condições de
menor disponibilidade hídrica, o que conduz a uma
certa semelhança fisionômica com as florestas africanas
de baixas latitudes (Peixoto & Gentry, 1990; Peixoto
et al., 1995).
A composição florística tem uma origem múltipla, sendo
constituída da mistura de três elementos fitogeográficos:
o primeiro é peculiar da Floresta de Tabuleiros, com sete
gêneros comuns, representando um componente endêmico;
o segundo corresponde às espécies típicas da Floresta
Atlântica vizinha que, instalada sobre a cadeia cristalina,
contorna o limite Oeste dos tabuleiros. O terceiro elemento
fitogeográfico está formado por espécies vindas da Floresta
Amazônica: “relíquias de uma passada migração da Hiléia
pelo litoral” sobre o Grupo Barreiras que, da Bacia
Amazônica, desce pela costa até o Rio de Janeiro, em
relação sem dúvida com outras épocas mais úmidas
(Rizzini, 2000). Apesar da presença de quase 100 gêneros
de plantas arbóreas comuns em ambas as florestas (Ruschi,
1950), a dominância da familia Myrtaceae, própria da
Floresta Atlântica, distancia a Floresta de Tabuleiros da
Floresta Amazônica que conta com uma predominância de
espécies de Moraceae ou, ainda, de Lecythidaceae.
Entretanto, a alta riqueza de espécies de Leguminosae e
Sapotaceae são um traço em comum destas florestas
neotropicais (Rizzini et al., 1999).
Diferentes denominações foram dadas à Floresta de
Tabuleiros: algumas tais como Floresta Alta de Terra Firme
(Heinsdijk et al., 1965) ou Floresta Ombrófila Hileiana
(Lima, 1966) marcam as similitudes com a Floresta
Amazônica. Outras terminologias apelam às condições
geomorfológicas e inserem a floresta do Norte do Espirito
Santo na Região de Floresta Ombrófila Densa de Terras
Baixas (Radambrasil, 1978; Jesus, 1988). Porém, aspectos
funcionais associados à sazonalidade hídrica foram assim
mesmo tomados em consideração, qualificando-a de
Floresta Estacional Semi-Decidual de Terras Baixas ou
também de Floresta Ombrófila Semi-decídua (Jesus, 1988;
Peixoto & Gentry, 1990). Quer que seja a denominação
adotada, o fato é que a Floresta Atlântica de Tabuleiros
revela uma originalidade de estrutura e composição
florística devido à qual merece ser considerada como uma
formação singular.
As espécies arbóreas que simbolizam a imponência e
a diversidade da Floresta Atlântica de Tabuleiros
pertencem, notadamente, a diversas famílias: o jequitibá
rosa, Cariniana legalis, é uma Lecythidaceae; o jacarandá
caviuna, Dalbergia nigra, o pau sangue, Pterocarpus
rohrii, o óleo de copaíba, Copaifera langsdorffii e a
braúna preta, Melanoxylon brauna, são Leguminosae como
também os diferentes ingás, Inga spp., ou ainda o angico
rosa, Pseudopiptadenia contorta; o gonçalo alves,
Astronium concinnum, uma Anacardiaceae; a peroba osso,
Aspidosperma cylindrocarpon, uma Apocynaceae; os
cedros entre os quais se destaca o cedro rosa, Cedrela
odorata, integram a família Meliaceae, sendo que as
diferentes batingas, Eugenia spp., as jabuticabas, Myrciaria
jaboticaba e Myrciaria sp., assim como o jambre, Plinia
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
27
involucrata, são Myrtaceae; o parajú, Manilkara bella, e
a maçaranduba, Manilkara salzmannii, se incluem nas
Sapotaceae e os ipês amarelo e rosa, Tabebuia riodocensis
e T. roseoalba, fazem parte da família Bignoniaceae. Não
obstante, é a análise taxonômica detalhada que revela a
alta riqueza de espécies de determinadas famílias: sobre
um total de 614 espécies arbóreas recenseadas unicamente
na Reserva Florestal de Linhares até 1997, a família
Myrtaceae engloba 90 espécies; a família Leguminosae,
86, enquanto que 35 espécies estão incluídas na família
Lauraceae e 33 e 28 espécies, em Sapotaceae e Rubiaceae,
respectivamente. Todavia, mais de 15 espécies por família
foram registradas para Chrysobalanaceae, Euphorbiaceae
e Moraceae (Jesus, com. pess.).
Na realidade, um trecho de floresta equivalente a 1 hectare
está constituído por 1.000 a 1.600 árvores adultas, ou
seja por indivíduos que têm um diâmetro à altura do peito
- o DAP - superior a 5 cm, cota utilizada pelos técnicos
florestais; esses indivíduos fazem parte de pelo menos
200 populações de espécies diferentes, ora 250 ou mais,
que representam da ordem de 40 a 50 famílias botânicas
(Jesus & Rolim, 2000; Rizzini, 2000). A Floresta Atlântica
de Tabuleiros possui assim uma diversidade de árvores
por vezes superior à Floresta Amâzonica (Rizzini, 1999).
Quando se inclui o conjunto de espécies vegetais do piso
da floresta, ou seja, as formas arbustivas e herbáceas, a
riqueza específica aproxima um patamar de quase 400
espécies por hectare repartidas em 30.000 indivíduos
(Jesus & Rolim, 2000). Frente às constatações acima, não
é difícil concluir que a Floresta Atlântica de Tabuleiros é
um dos ecossistemas florestais mais diversificado e rico
em espécies vegetais da biosfera. Na atualidade, ele se
encontra fortemente fragmentado ou modificado pelas
diversas formas de uso passadas - mesmo no interior de
unidades de conservação - sem que portanto uma avaliação
precisa do status da biodiversidade possibilite a
conservação e restauração do manto florestal à escala
da região.
Ainda há tempo ...
Em 31 de março de 1994, o antigo Distrito de Córrego
d’Água conquista sua emancipação do Município de
Linhares. Convocada a comunidade para dar nome ao novo
Município, a escolha de Sooretama, a casa dos animais
da mata em tupí-guaraní, faz referencia à Reserva Biológica
e, indiretamente, à floresta que a circunda: “porque é em
Sooretama que se encontra a maioria da mata que ainda
existe”. O novo Município de Sooretama se instala
definitivamente em primeiro de janeiro de 1997, com a
vontade institucional e política de estar associado à
floresta. Ele iria conter nos seus limites administrativos a
quase totalidade da Floresta Atlântica de Tabuleiros da Reserva
Biológica de Sooretama e os numerosos fragmentos que
conformam a paisagem agrícola ocupando ambos praticamente
a metade da área do Município (Tab. 6 e Fig. 19).
Figura 19. Distribuição
espacial dos remanescentes
florestais no Município de
Sooretama, ES. Imagem digital
LANDSAT5 TM (9-97) processada
pelo SPRING/INPE e IDRISI/Clark
University.
28
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
Tabela 6. Ocupação da terra no Município de
Sooretama, ES. Os dados foram extraídos da classificação
digital do mapa de Uso da Terra (ver Fig. 7).
superfície
(ha)
superfície relativa
(%)
floresta
25.793
44,11
várzea
2.551
4,36
nativo
282
0,48
espelho d'água
509
0,87
Eucalyptus sp
2.594
4,44
558
0,95
café
9.940
17,01
fruticultura
1.916
3,28
pastagem
11.499
19,67
cana-de-açúcar
1.162
1,99
espaço urbano
370
0,63
35
0,06
1.259
2,15
58.468
100,00
seringueira
afloramentos
não classificado
área do Município
Se a importância do núcleo florestal ao qual a REBIO
Sooretama contribui com mais de 24.000 hectares foi e é
indiscutível, as ilhas florestais rodeadas essencialmente
pelos plantios de café representam a priori uma incógnita
do ponto de vista do grau de conservação de sua
diversidade. Até puderam ser entrevistas como um escolho
ao desenvolvimento das atividades agrícolas apesar das
diferentes formas de uso que, no passado e, ainda, hoje,
justificam a sua existência. Porém, comparados com a
superfície da REBIO Sooretama, o conjunto dos
remanescentes, com 2.861 hectares, correspondem a mais
de 10% desta superfície e sobretudo podem ser
considerados um capital biológico suscetível de outorgar
um retorno ao custo social da conservação através da
utilização sustentável de seus componentes. Em princípio,
o estudo destes fragmentos está assim diretamente
associado à gestão de seus recursos, razão pela qual os
resultados referentes à avaliação do status da
biodiversidade nos remanescentes florestais e a pesquisa
sobre indicadores se enquadram nos limites políticoadministrativos do Município de Sooretama.
A riqueza em biodiversidade do
sistema fragmentado
Uma ampla gama de tamanhos que se situa entre escassos
hectares e algumas centenas caracteriza as mais de 200
ilhas florestadas existentes no Município de Sooretama: a
uma maioria de pequenos fragmentos, com áreas
compreendidas entre 1 e 5 hectares, se opõe a presença
de significativos remanescentes que possuem desde 100
até quase 500 hectares de superfície. Entretanto,
praticamente a metade dentre eles apresentam tamanhos
maiores que 5 hectares (Fig. 20). A forma em geral
alongada que apresentam os fragmentos faz com que
mesmo os de menor tamanho sejam caracterizados por
limites relativamente importantes (Fig. 21).
Figura 20. Distribuição em classes de área dos remanescentes florestais, no Município de Sooretama, ES.
O limite inferior de área considerada é de 1 hectare. Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (997).
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
29
Figura 21. Distribuição em classes de perímetro
dos remanescentes florestais, no Município de
Sooretama, ES.
O limite inferior de área considerada é de 1 hectare. Dados
obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (997).
A riqueza biológica dos remanescentes florestais é
evidenciada quando da análise da estrutura da comunidade
arbórea realizada em fragmentos previamente escolhidos
seja pela diferença de tamanho, seja pela distância ao
núcleo florestal das Reservas ou, inclusive, pelo estado
aparente de modificação do dossel. A maioria dos
fragmentos conservam densidades de árvores da mesma
ordem de grandeza que na REBIO Sooretama, sendo que
a riqueza em espécies é, em todos os casos, considerável;
numerosas, ainda, são as famílias às quais pertencem estas
espécies cujas populações aparecem repartidas na paisagem
fragmentada (Tab. 7). Em contrapartida, poucas são aquelas
espécies exclusivas de tal ou qual fragmento; no entanto,
as diferenças mais notáveis se revelam quando se considera
conjuntamente não somente a presença ou ausência das
respectivas espécies, em cada fragmento, mas também o
número de indivíduos que corresponde a cada uma delas,
tal como mostrado pelo dendrograma de similaridade (Fig. 22).
Tabela 7. Características da cobertura arbórea em fragmentos florestais do Municipio de Sooretama, ES.
Os dados correspondem a 4 parcelas de 25x100m2 por fragmento, totalizando 1 hectare. Para o Bioparque, as parcelas são de
50x100m2 totalizando 1 hectare em dois sítios distintos. H: índice de Shannon-Weaver em logaritmo neperiano (ln). A Taxa de
Cobertura ou VCE (ver parte 2) corresponde às primeiras 25 espécies; são indicados também o número de indivíduos destas 25
espécies.
Ressalta do conjunto dos resultados, a situação do
fragmento situado na Fazenda Santa Helena, seja pelas
baixas densidades e o número restrito de espécies,
sintetizados na baixa diversidade, seja pelo pequeno valor
da área ocupada pelos troncos, isto é, pela reduzida área
basal total (Tab. 7). No oposto, a semelhança das duas
30
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
amostragens realizadas no fragmento Bioparque da
Fundação Bionativa se mantém independentemente das
significativas diferenças tanto de densidade como do
número de espécies. Por outra parte, nem o tamanho dos
fragmentos nem a distância ao núcleo da REBIO
Sooretama parecem determinar a maior ou menor similitude
Figura 22. Dendrograma de
similaridade da cobertura
arbórea entre fragmentos
florestais, Município de
Sooretama, ES.
SOO: REBIO Sooretama;
FPN: fragmento da Fazenda Pasto
Novo;
SSP: fragmento do Sítio São Pedro;
FRE: fragmento da Fazenda Refúgio;
BBP1: Bioparque da Fundação
Bionativa, área 1;
BBP2: Bioparque da Fundação
Bionativa, área 2;
FSH: fragmento da Fazenda Santa
Helena.
entre a cobertura arbórea dos remanescentes (ver Tab. 7
e Fig. 22). Uma atenção particular deve ser dada ao
fragmento da Fazenda Refúgio: ele corresponde à fácies
de Floresta Ciliar e possui, portanto, uma estrutura de
comunidade diferente à floresta que recobre o topo dos
tabuleiros (Rizzini, 2000). Excluído este fragmento, o
conjunto dos resultados permite classificar, em primeira
aproximação, os fragmentos selecionados de acordo à
riqueza em espécies, densidade e área basal total, ou seja
à superfície ocupada pela projeção dos troncos em 1 hectare.
Assim, as diferenças e similitudes entre eles levam a
formular a hipótese de um maior ou menor grau de
modificação de origem antrópica que se expressa em
mudanças da estrutura da cobertura arbórea.
Conservação do status da
biodiversidade à escala da paisagem
Objetivando a geração de uma tipologia de fragmentos
que possibilite integrar a avaliação do status da
biodiversidade ao conjunto dos fragmentos florestais do
Município de Sooretama, foi gerada uma imagem-índice
de vegetação, a partir do índice de vegetação da diferença
normalizada (NDVI - Normalized Difference Vegetation
Index) aplicado à classe de floresta (Agarez et al., 2001;
Vicens et al., 2001). Tal índice, é baseado em uma
combinação aritmética que focaliza o contraste entre os
modelos de respostas da vegetação nas faixas do
vermelho e do infravermelho próximo. Assim, o NDVI
está relacionado com a densidade de vegetação e é
obtido pela equação (Rouse et al., 1973):
NDVI = (NIR-RED) / (NIR+RED)
onde NIR corresponde aos valores de reflectância na
banda do infravermelho próximo e RED ao valores de
reflectância na banda do vermelho.
Excluído o fragmento da Fazenda Refúgio devido às
suas características peculiares, foram calculados os valores
médios de NDVI afim de separar os fragmentos estudados
(Tab. 8). Os valores médios obtidos variam entre 0,23 e
0,47 e se distinguem igualmente pelas diferenças de
amplitude e pelos seus desvios: nos extremos, a REBIO
Sooretama apresenta os maiores valores e as menores
amplitudes e desvios, o que expressa uma menor
heterogeneidade da cobertura arbórea ligada à maior
densidade da vegetação; no oposto, os menores valores
de NVDI e as maiores amplitudes correspondem ao
fragmento da Fazenda Santa Helena, devido seguramente
Tabela 8. Caracterização de fragmentos florestais
segundo estimativas dos paramêtros do NDVI,
Município de Sooretama, ES.
à heterogeneidade do dossel e à reduzida área basal total,
conseqüentes a claros produzidos por um intenso
extrativismo. Para os fragmentos restantes, as estimativas
dos paramêtros de NVDI - média, desvio padrão e
amplitude - se encontram compreendidas entre os dois
extremos representados pela REBIO Sooretama e o
fragmento da Fazenda Santa Helena.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
31
É por meio da análise de correlação múltipla que se
revela a associação entre as variáveis fitossociológicas,
que dizem respeito ao status da biodiversidade da cobertura
arbórea nos fragmentos escolhidos como padrão, e os valores
do índice de vegetação - NDVI - (Tab. 9).
Tabela 9. Matriz de correlação entre os valores
médios e os desvios de NDVI e a avaliação da
biodiversidade da cobertura arbórea em fragmentos
florestais do Município de Sooretama, ES.
∗∗∗: α< 0,002; ∗∗: α < 0,01; ∗: α < 0,05; 0: ∗∗∗: α > 0,05. A Taxa
de Cobertura, ou TC, corresponde à adição dos valores das
25 espécies com maior taxa de cobertura ou VCE (ver Parte
2).
média
NDVI
desvio
NDVI
diversidade
no
no
H
indivíduos espécies
1,00
desvio
NDVI
∗∗∗
-0,97
diversidade
H
0,95
-0,94
∗∗
∗∗
1,00
no
indivíduos
0
0,69
0
-0,68
0
0,53
1,00
no
espécies
∗∗∗
0,98
-0,92
0,89
∗
0
0,79
taxa
cobertura
0
-0,80
0
0,73
0
-0,62
-0,90
b) classe entre 0,34 - 0,42, onde estão incluídos os
fragmentos do Sítio São Pedro (SSP) e o Bioparque
da Fundação Bionativa (BBP1);
d) classe inferior a 0,26, que engloba o fragmento da
Fazenda Santa Helena (FSH).
1,00
∗
∗
1,00
∗
-0,94
As relações mais significativas se estabelecem entre a
média do NDVI e a diversidade H ou a riqueza em
espécies dos fragmentos; quanto ao desvio, seus valores
se correlacionam negativamente tanto com a diversidade
H como com a riqueza específica. As variáveis relacionadas
à densidade não apresentam correlação significativa com
respeito ao NDVI: fragmentos bastante interferidos podem
estar constituídos por numerosos indivíduos, porém de
caules reduzidos e copas pouco desenvolvidas já que, neste
tipo de remanescente, as espécies de maior taxa de
cobertura correspondem a espécies pioneiras e secundárias,
com grande densidade populacional. Como corolário, as
taxas de cobertura - TC - ou VCE das 25 espécies às
quais correspondem os maiores VCE alcançam valores
significativos em áreas florestais interferidas (ver Parte 2).
O conjunto de resultados acima permite concluir a
existência de um gradiente de diversidade arbórea nos
fragmentos selecionados, evidenciando a heterogeneidade
espacial do status da biodiversidade na paisagem,
heterogeneidade que pode ser avaliada através da análise
digital da imagem satélite, notadamente, por meio do NDVI.
32
a) classe entre 0,42 - 0,50, onde se incluem o fragmento
da Fazenda Pasto Novo (FPN) e a Reserva Biológica
de Sooretama (SOO);
c) classe compreendida entre 0,26 - 0,34;
média
NDVI
∗∗
∗∗
Estabelecida a relação entre a avaliação da diversidade
arbórea e a classificação digital nos fragmentos escolhidos,
o que interessa é a classificação do conjunto dos 214
fragmentos de superfície superior a 1 hectare que existem
no Município de Sooretama, incluída a própria Reserva
Biológica que integra o fragmento ou área nuclear. Para
isso, os valores médios de NDVI são agrupados em quatro
classes:
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
O tratamento da imagem-índice de vegetação para a
totalidade dos remanescentes e sua reclassificação a partir
dos intervalos definidos acima permite de gerar uma
tipologia de fragmentos em função das classes de NDVI.
Consideramos, então, como hipótese de base que existe
uma relação direta entre o grau de interferência antrópica,
associado às diferenças evidenciadas na cobertura arbórea,
e os valores de NDVI (Fig. 23).
Por outro lado, a partir das conclusões da análise de
regressão múltipla é possivel gerar uma imagem-índice de
biodiversidade para o conjunto dos fragmentos do
Município de Sooretama, através de um modelo que
considera como variáveis independentes a média e o desvio
padrão do NDVI. Ele responde à equação:
H = 2,54073 + 4,96162 . X NDVI - 4,03141 . S NDVI
sendo
X NDVI igual à média do NDVI
S NDVI igual ao desvio padrão do NDVI
e
H = - Σ p i ln p i
i = 1, 2, ...., S
onde
pi = ni / N
n i é o número de indivíduos da espécie i
N é o número total de indivíduos
S é o número de espécies.
A equação inicial é aquela que define a informação de Shannon
(Shannon & Weaver, 1949), utilizando, no lugar de logaritmos de
base 2, os logaritmos neperianos.
A aplicação deste modelo possibilita a geração de uma
imagem-índice de diversidade para o conjunto de
fragmentos do Município de Sooretama (Fig. 24).
Nesta imagem distinguem-se três grupos de fragmentos:
1) 45 fragmentos podem ser considerados de alta
diversidade ou pouco interferidos; 2) 120 fragmentos são
avaliados como de média diversidade ou relativamente
interferidos; 3) 49 fragmentos são considerados de reduzida
biodiversidade ou bastante interferidos. Os resíduos obtidos
para os fragmentos analisados em campo com a aplicação do
modelo foram inferiores a 4%, exceto para a REBIO
Sooretama cujo valor é de 6,4%, o que é explicado pelo fato
de que a área amostrada, próxima às instalações, parece ter
sofrido os efeitos de uma certa interfêrencia.
Figura 23. Classificação do conjunto de remanescentes florestais segundo intervalos do NDVI estabelecidos
a partir de fragmentos selecionados, Município de Sooretama, ES. 1: fragmento SOO; 2: fragmento FPN; 3:
fragmento BBP1; 4: fragmento SSP; 5: fragmento FSH. Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM
(9-97) utilizando os sistemas SPRING/INPE e IDRISI/Clark University.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
33
Figura 24. Imagem-índice de biodiversidade para o sistema de fragmentos do Município de Sooretama, ES.
Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (9-97) utilizando os sistemas SPRING/
INPE e IDRISI/Clark University.
Nos dias atuais, a avaliação da biodiversidade e, em
conseqüência, as estimativas do grau de preservação de
remanescentes de Floresta Tropical se limitam em geral
a identificar a só presença do manto florestal com a
conservação da floresta. Não existe de fato uma real
relação entre a existência de uma cobertura arbórea,
supostamente intocada, e o status real da biodiversidade
nas ilhas florestadas. Um tal vazio de conhecimento
impede no planejamento regional propor formas adequadas
de manejo, assim como modelos integrados de
conservação dos fragmentos que englobem as populações
locais, portanto, responsáveis pela conservação e utilização
sustentável dos recursos biológicos. A dificuldade maior
consiste na passagem de escala: a análise da diversidade
34
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
biológica necessita ser realizada no detalhe de uma escala
suficientemente pequena. Pelo contrário, resultados que
respondam aos imperativos de manejo e conservação dos
remanescentes florestais exigem uma escala relativamente
ampla que possa corresponder à região ou, pelo menos,
ao Município, unidade político-administrativa capacitada
para implementar uma gestão integrada desses
remanescentes. A riqueza das ilhas florestadas - que
permanecem em geral esquecidas dos modelos de
conservação - e a emergência de modelos conceituais
ligados às novas tecnologias - que possibilitam a elaboração
de ferramentas destinadas à gestão da biodiversidade constituem a principal conclusão do estudo do sistema de
fragmentos presentes no Município de Sooretama.
5. A esclerofilia foliar como indicador funcional do status da
biodiversidade em Floresta Atlântica de Tabuleiros
Cecilia Maria Rizzini e Irene Garay
O grau de esclerofilia das espécies
arbóreas como propriedade funcional
Explicitando a noção de grupo funcional
Desde longa data, as espécies foram reagrupadas em
categorias com o intuito de se compreender a organização
das comunidades biológicas que integram os ecossistemas.
Segundo os objetivos desejados, o agrupamento das espécies em categorias ecológicas foi baseado em distintas
propriedades. Assim, por exemplo, a noção de guilda
utilizada a partir dos anos 70, focalizava a partilha de um
mesmo recurso entre espécies aparentadas taxonomicamente. Mais recentemente, aparece a noção de grupo
funcional em relação à formulação dos estudos em
biodiversidade. Ela adquire valor operacional frente à
existência da redundância funcional das comunidades tropicais, i.e., as numerosas espécies que desempenham uma
determinada função ecológica e que são, em teoria, equivalentes na realização desta função.
Com efeito, a organização e a composição de uma comunidade podem ser não apenas bem compreendidas como
também manejadas se as espécies componentes são classificadas sob uma base funcional. É possível assim definir tipos funcionais com respeito às propriedades
morfológicas e fisiológicas inerentes às espécies, particularmente quando estas estão ligadas à utilização de recursos e às interações entre espécies ou, ainda, às interações
entre diferentes comunidades (Barbault et al., 1991). Os
grupos de espécies classificadas com base nestas propriedades podem englobar igualmente populações que atuam
de forma similar no ecossistema ou que possuem características comuns, sejam estas estruturais ou relacionadas
a determinados processos.
Reagrupar as espécies em grupos funcionais representa um leque infinito de possibilidades: a escolha de critérios reflete, em definitivo, uma visão específica destinada à resolução de um determinado problema. A título
de exemplo, citemos alguns critérios que permitem estabelecer grupos funcionais de espécies vegetais tais como
forma de vida, tipos de história de vida, tamanho, estrutura foliar, profundidade da raiz, associações simbióticas,
sensibilidade fotoperiódica e resistência ao fogo
(Korner,1994; Baruch et al., 1996).
Frente à impossibilidade do estudo exaustivo da função
de todas as espécies que compõem uma dada comunidade,
a noção de grupo funcional representa um intento de
síntese. Na medida que as espécies que o compõem
reflitam modificações desta ou de outras comunidades, ou
de processos essenciais do ecossistema, o grupo funcional
possui um caráter indicador. Segundo o caso, far-se-á
necessário considerar seja o número de grupos funcionais, seja a riqueza em espécies ou as densidades das
populações que integram cada grupo. Quando das comparações entre diferentes ecossistemas, a análise de grupos
funcionais possibilita avançar na compreensão do
funcionamento. Todavia, grupos funcionais podem apresentar respostas diretas ou indiretas a distintas formas e
intensidade de impactos antrópicos. Nesta última perspectiva, a identificação de grupos funcionais e das espécies
que os constituem é um instrumento para a avaliação da
integridade do ecossistema (Garay, 2001a).
A esclerofilia: uma propriedade complexa
Pesquisas em formações vegetais do trópico, tais como
savanas, caatingas e florestas, demonstram que a caducidade se encontra associada ao caráter mais ou menos esclerófilo das diversas populações vegetais. O grau de caducidade do ecossistema como um todo obedece à proporção
dos diferentes tipos de espécies arbóreas, ou arbustivas,
que coexistem. Na realidade, a propriedade da esclerofilia
resulta das características morfológicas e fisiológicas das
espécies: as folhas de árvores sempre-verdes são mais
duras, pesadas e grossas, enquanto que as folhas adultas
de árvores decíduas possuem características opostas.
Os aspectos anatômicos típicos das espécies esclerófilas
se expressam por longa série de características
morfológicas que abrangem a totalidade do organismo
vegetal, evidenciadas no acentuado espessamento das
paredes celulares de vários tecidos como epiderme, súber,
esclerênquima e lenho (Rizzini, 1976; Turner et al., 1993).
As folhas esclerófilas possuem cutícula e parede celular
externa da epiderme grossas e abundante esclerificação,
particularmente, do revestimento dos feixes vasculares e
da margem da folha (Esau, 1977; Fahn, 1982). Entretanto, alguns parâmetros físicos, notadamente o peso espeDiversidade Funcional em Floresta Atlântica
35
cífico foliar e a superfície específica foliar, têm sido
utilizados para caracterizar a estrutura foliar de espécies
em termos ecológicos, em particular, quando do estudo
de árvores decíduas e sempre-verdes (ver por exemplo
Montes & Medina, 1977; Sobrado & Medina, 1980;
Medina, 1981; Marín & Medina, 1981; Medina & Klinge,
1983; Medina et al., 1985; Goldstein et al., 1990). Estas
características físicas auxiliam na determinação do grau
de esclerofilia foliar, sendo que o peso específico foliar
possui uma relação direta com a esclerofilia e a superfície
específica foliar, inversa.
secos do final do inverno (Engel & Jesus, com. pess.).
Louzada et al. (1997) registram que a maior intensidade
de queda foliar corresponde igualmente ao período que
antecede as chuvas da primavera. Adiciona-se, ainda, a
existência da marcada variabilidade interanual de maneira
que se sucedem anos extremamente secos, nos quais a
diminuição brusca das precipitações afeta a estação chuvosa (Garay et al., 1995). Nestes casos, se produz um
aumento significativo da queda de folhas que acompanha
o período de seca estival, dobrando os aportes foliares
(Louzada et al., 1997).
A importância da propriedade da esclerofilia foi reconhecida no último século, mas seu significado funcional
ainda é controverso (Seddon, 1974; Cody & Mooney,
1978; Grubb, 1986). Medina (1981) indica as seguintes
características fisiológicas associadas ao caráter esclerófílo
das espécies: resistência ao déficit hídrico, estabilidade
térmica, baixa capacidade fotossintética, folhas em geral
perenes ou de longa duração e com baixo conteúdo de
nutrientes. Segundo Turner et al. (1994), são três as
principais hipóteses explicativas sobre o significado desta
propriedade: adaptações para a conservação da água;
conservação de nutrientes em solos oligotróficos e, por
último, prevenção contra possíveis perdas foliares em
decorrência tanto de agentes como o vento, sol e chuva,
quanto de patógenos e herbívoros. Porém, o preço da
manutenção anual do dossel se traduz em uma produtividade neta menor nas espécies esclerófilas que nas de
folhas caducas (Eamus, 1999).
Em função destes fatos, pode-se formular a hipótese
de que a estação seca marcada e a variabilidade interanual,
às quais encontra-se submetida a Floresta de Tabuleiros
do Norte do Espírito Santo, determinam pelo menos dois
mecanismos adaptativos essenciais frente ao estresse
hídrico: a esclerofilia e a deciduidade das espécies arbóreas
que a compõem. Com efeito, a manutenção de folhas
altamente adaptadas às perdas por evapotranspiração, o
que é próprio da esclerofilia, representa um mecanismo
importante na redução do estresse hídrico da planta tanto
quanto a perda da totalidade das folhas.
Espécies esclerófilas são encontradas em numerosas
comunidades sob condições climáticas e geográficas muito
contrastantes: em ecossistemas do Mediterrâneo, submetidos a prolongada estação seca e verão cálido; em pântanos, ou brejos; em florestas de clima temperado e temperado-frio; em formações do clima tropical seco do
Caribe e, mesmo, das altas montanhas úmidas dos trópicos (Medina, 1981). A Floresta de Tabuleiros do Norte
do Espírito Santo caracteriza-se igualmente pela presença
de espécies com escleroxilia, i. e., lenho secundário duro,
e esclerofilia, como possível rasgo adaptativo à radiação
solar intensa e à existência de estação seca marcada
(Rizzini, 1976; Jesus, 1987).
A característica semidecidual da Floresta de Tabuleiros, que pressupõe a coexistência de espécies perenes,
semicaducifólias e caducifólias, pode ser relacionada à
sazonalidade climática (Jesus, 1987; Peixoto et al., 1995).
O estudo da fenologia de 40 espécies arbóreas, realizado
na Reserva de Linhares num período de dez anos de
amostragem, mostrou que cerca de 50% das espécies
perdem total ou parcialmente as folhas no fim da estação
seca e que a proporção do número de indivíduos
desfolhados aumenta consideravelmente nos meses mais
36
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
Paralelamente, espécies arbóreas esclerófilas produzem
aportes foliares mais pobres em nitrogênio e ricos em
compostos orgânicos complexos de difícil decomposição
que espécies arbóreas não esclerófilas, cujos aportes mais
ricos em nutrientes possibilitam uma maior velocidade de
decomposição. Uma menor velocidade de decomposição
age a favor de um maior acúmulo de matéria orgânica no
solo, imprescindível à retenção dos nutrientes essenciais.
Como imagem especular, as maiores velocidades de decomposição, associadas à maior riqueza nestes nutrientes,
determinam uma reciclagem mais eficiente da
mineralomassa retida no piso da floresta. O caráter misto
da Floresta de Tabuleiros em relação à caducidade das
espécies arbóreas vai ao encontro da variação qualitativa
dos aportes foliares ao solo e, em seguida, da variabilidade da dinâmica da decomposição.
Em síntese, a existência de grupos funcionais, com
base no grau de esclerofilia das árvores, representa uma
estratégia adaptativa global da floresta, relacionada à caducidade das espécies. Em resposta sobretudo aos problemas de regime hídrico, ele é fator determinante da velocidade de mineralização da matéria orgânica e da disponibilidade de nutrientes. Frente a estas hipóteses, várias questões merecem ser testadas: existe realmente um
grau de esclerofilia que pode ser mensurado no
ecossistema de Floresta de Tabuleiros? Ele é variável em
função das condições mesológicas e notadamente das
condições hídricas? Como diferentes formas de uso
antrópico eventualmente incidem sobre o grau de
esclerofilia do ecossistema? É por meio da avaliação da
biodiversidade, se utilizando da análise de grupos
funcionais, que, em primeira aproximação, estas perguntas foram respondidas. Estas são as questões tratadas a
seguir.
A elaboração de indicadores
funcionais na prática
A escolha dos sistemas e das espécies
Foram escolhidos, no total, quatro sistemas com fins de
comparação: a Mata Alta ou Floresta Densa, a Mata Ciliar
e dois trechos florestais consecutivos a atividades
antrópicas: o primeiro corresponde a uma floresta secundária instalada após queima e corte ou capoeira após
queimada, tratando-se de um verdadeiro estágio
sucessional com 50 anos de evolução. O segundo trecho,
denominado capoeira após extração, é de fato um fragmento submetido a intenso extrativismo seletivo até a
década de 50, quando a parcela pertencente ao Ministério
de Minas e Energia provia madeiras de Lei para construção; ele é paradigmático da situação de impacto sofrida
pela quase totalidade dos numerosos remanescentes florestais em propriedades rurais. A partir de então, ambos
os atuais trechos de floresta foram protegidos de novas
intervenções antrópicas de forma que hoje possibilitam
avaliar o grau de recuperação da floresta.
Os quatro sistemas estudados se localizam na Reserva
Natural da Companhia Vale do Rio Doce - ES, ou Reserva de Linhares, que recobre uma área aproximada de
22.000 ha, representando cerca de 25% da cobertura florestal remanescente no Estado do Espírito Santo. Entre as
fisionomias vegetais de Floresta de Tabuleiros, a de maior
extensão percentual é a Floresta Densa de Cobertura
Uniforme, a Mata Alta, que representa em torno de 63%
da área da Reserva, sendo que a Floresta Ciliar que
margeia os cursos d’água ocupa somente 4%. Quanto à
Floresta interferida no passado pelo extrativismo seletivo,
ela representa, em superfície, 5% (Jesus, 1988). As fácies
florestais escolhidas encontram-se a distância similar da
linha da costa, sobre o mesmo tipo de solo, o Argissolo
Amarelo. Quanto à situação topográfica, ela é semelhante
para os sítios de Mata Alta, capoeira após queimada e
capoeira após extração: os três sistemas situam-se no topo
aplanado de tabuleiros. Diferentemente, a Mata Ciliar
margeia o córrego João Pedro.
Para a determinação dos grupos funcionais, optou-se
pela escolha das espécies quantitativamente mais importantes em cada um dos quatro sistemas de estudo. Para
isso, foram estabelecidas parcelas permanentes na Mata
Alta, na Mata Ciliar e nas duas capoeiras supracitadas. O
número de parcelas permanentes foi de três em cada sítio
e a superfície unitária de 25x50m2, perfazendo um total
de 1,5 ha. Como é clássico nas pesquisas relativas à
estrutura da comunidade arbórea em florestas tropicais,
foram tomados em consideração tanto o tamanho das
árvores como as suas densidades, sendo que ambos os
parâmetros são sintetizados na taxa de cobertura. O conjunto dos métodos de estudo encontram-se detalhados na
Parte 2 deste volume; lembremos aqui que foram estudadas todas as árvores cujo tronco à altura do peito é maior
que 20cm de circunferência, i.e., 6,3cm de diâmetro
(DAP). A análise da estrutura do estrato arbóreo permitiu
selecionar as espécies às quais correspondem os 25 maiores
valores de taxa de cobertura (IVE) em cada sistema, ou
seja, aquelas cujas densidade relativa e dominância relativa adicionadas são as mais relevantes na comunidade
(Rizzini et al., 1997; Rizzini, 2000). Considerando o
conjunto dos quatro sistemas, foram selecionadas, no total,
73 espécies arbóreas para as quais foram estimadas as
propriedades físicas e químicas das folhas ou folíolos e
estudada a morfologia foliar (ver Parte 2).
Numa primeira etapa, merece ser explicitado o universo no qual estas espécies estão inseridas o que equivale
a precisar as características gerais da comunidade arbórea
e analisar o comportamento das diversas famílias botânicas, que reagrupam as espécies em questão, face às
condições mesológicas e às formas de uso.
Um povoamento florestal não
recuperado
O quadro geral
A primeira constatação geral que surge da análise comparativa do povoamento florestal é a extrema riqueza
taxonômica não somente de famílias botânicas mas sobretudo de espécies presentes em área relativamente restrita:
se para a totalidade da Reserva foram recenseadas mais
de 600 espécies, quase a metade se encontram nas parcelas de estudo que totalizam apenas 1,5 ha (Tab. 10). Na
região, a elevada coexistência das populações arbóreas
parece representar um traço marcante da organização desta
comunidade cuja riqueza alcança da ordem de 200 espécies num único hectare (Agarez, 2001). A densidade de
indivíduos adultos é de 1100 árvores por hectare, resultado um pouco inferior ao obtido para a Reserva Biológica de Sooretama, com 1300 indivíduos, o que se deve
seguramente a diferenças no critério de inclusão utilizado
(6,3 cm e 5 cm, de diâmetro à altura do peito, ou DAP,
respectivamente). Merece especial menção a importância
quantitativa da área basal, i. e., a projeção dos troncos
em superfície, cujo valor é da ordem de 40 m2 por hectare,
o que resulta da imponência dos fustes das árvores,
característica distintiva de certos trechos de mata na Floresta de Linhares quando se compara com a REBIO
Sooretama, com 30 m2, ou com outras florestas tropicais.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
37
Tabela 10. Características gerais da comunidade arbórea em diferentes sistemas de Floresta Atlântica de
Tabuleiros.
Médias e erro padrão (n=3). MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada.
Teste U; * : α < 0,05; 0: α > 0,05. Estão indicadas somente as H1 das diferenças significativas.
o
n famílias
mata
alta
mata
ciliar
capoeira
capoeira
após extração
após queimada
26 + 2
27 + 2
26 + 2
27 + 3
o
n total de famílias
( n = 3)
o
n espécies
37
37
37
37
73 + 3
69 + 3
65 + 3
55 + 2
146
139
141
110
o
n total de espécies
teste U
0
-0
MA > CQ*
-
(n = 3)
densidade
1150 + 40
1020 + 50
1150 + 40
990 + 50
MA > CQ*
área basal
38,1 + 3,5
39,7 + 4,2
23,6 + 0,9
32,8 + 1,3
MA > CE*
volume
820 + 110
940 + 120
370 + 70
560 + 30
MA > CE*
MA > CQ*
3,79 + 0,09
3,73 + 0,10
3,65 + 0,09
3,49 + 0,12
0MA > CQ*
0,91 + 0,01
0,88 + 0,02
0,89 + 0,01
(ind. / ha)
(m2 / ha)
(m3 / ha)
diversidade H’
equitabilidade
0,92 + 0,01
Os trechos de floresta em recuperação evidenciam sinais de perturbação porém diferenciadas segundo o tipo
de capoeira: transcorridos mais de 50 anos após a queimada, o número de espécies por unidade de superfície e
as densidades das árvores, neste sítio, permanecem inferiores aos da Mata Alta. De maneira sintética, o menor
índice de diversidade (H’) revela uma maior dominância
das espécies mais abundantes, o que é próprio de sistemas secundários em regeneração. Para o trecho de floresta onde houve extração seletiva, a área basal do conjunto
das árvores adultas encontra-se ainda reduzida em 40%
em relação aos valores correspondentes à Mata Alta. Esta
redução é da mesma ordem de grandeza que nos diferentes fragmentos florestais do Município de Sooretama nos
quais se constata apenas metade da área basal que na
REBIO Sooretama, área de preservação integral (Agarez,
2001). Contudo, o parâmetro que mostra as maiores
diferenças é o volume dos troncos: os trechos de floresta
após os dois tipos de impacto estão desprovidos de árvores emergentes e a luz incidente no piso florestal marca
as aberturas do dossel e favorece a proliferação de lianas.
As famílias e as espécies dominantes
As famílias botânicas às quais pertencem as populações
de árvores são numerosas porém, de desigual importância. Somente três dentre elas reagrupam mais de 30% das
espécies da Mata Alta e da Mata Ciliar. Trata-se de
38
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
00
Leguminosae, Myrtaceae e Sapotaceae, famílias que se,
no presente, expressam a singularidade da Floresta Atlântica de Tabuleiros, remetem à história evolutiva da floresta neotropical e especificamente ao maciço florestal que
se estende frente ao Oceano Atlântico. Elas dominam pela
sua riqueza nas pequenas parcelas de estudo, na Reserva
em totalidade e, inclusive, em restos de floresta inseridos
em terras de cultivo. Na Reserva de Linhares, existem 90
espécies de Myrtaceae, 86 de Leguminosae e 33 de
Sapotaceae; em somente um hectare da REBIO Sooretama
estão, respectivamente, presentes 42, 25 e 15 espécies
(Agarez, 2001).
Para os sítios de estudo, as riquezas destas três famílias estão representadas na Figura 1; elas predominam
inclusive em cada uma das parcelas permanentes da Mata
Alta. Um segundo conjunto reagrupa famílias com riqueza intermediária em espécies mas com populações amplamente repartidas e que identificam a pertença da Floresta
de Tabuleiros às florestas neotropicais sul-americanas, em
particular, à Amazônica. Citemos, entre elas, as
Euphorbiaceae, Moraceae, Lecythidaceae, Flacourtiaceae,
Rutaceae, Anacardiaceae, Annonaceae, Apocynaceae,
Burseraceae, Chrysobalanaceae e Lauraceae. Um terceiro
grupo consta de famílias relativamente pobres em espécies, nem por isso menos representativas do núcleo florestal dos Tabuleiros, tais como Bignoniaceae,
Combretaceae, Myristicaceae, Sterculiaceae, Tiliaceae ou
mata alta
MYR T
23
S AP O
S AP O
6
EU PH
LEC Y
6
0
L E GU
VIOL
9
FL AC
Figura 25. Riqueza específica e taxa
de cobertura correspondentes às
cinco famílias da comunidade arbórea
com os respectivos maiores valores.
MYR T
18
L E GU
5
10
15
0
20
40
60
0
20
40
60
20
40
20
40
mata ciliar
MYR T
MOR A
16
S AP O
S AP O
14
MO R A
EU PH
9
LEGU
L E GU
12
EU PH
MYR T
5
0
5
10
15
capoeira após extração
L E GU
EU PH
MYR T
31
8
EU PH
S AP O
8
S AP O
5
B O MB
0
LEGU
R U TA
6
AN AC
5
10
0
15
60
capoeira após queimada
L E GU
AN N O
12
MOR A
AR E C
7
FL AC
LEGU
6
BU R S
5
EU PH
EU PH
5
MO R A
0
Valores médios e erro padrão (n=3); os
rótulos à direita indicam o número total
de espécies nas amostras.
MYRT: Myrtaceae;
LEG: Leguminosae;
VIOL: Violaceae;
SAPO: Sapotaceae;
LECY: Lecythidaceae;
EUPH: Euphorbiaceae;
ANAC: Anacardiaceae;
BOMB: Bombacaceae;
FLAC: Flacourtiaceae;
ANNO: Annonaceae;
RUTA: Rutaceae;
MORA: Moraceae;
BURS: Burseraceae;
AREC: Arecaceae.
5
10
o
15
riquez a es pec ífic a ( n d e sp p . )
0
60
taxa de c obertura (200% )
Violaceae. Contrastando com estes três grupos, as famílias restantes, com apenas 1 a 3 espécies, totalizam quase
40 espécies no 1,5 ha da área de estudo. Este último
conjunto de famílias, não menos importante do ponto de
vista taxonômico, mostra a notável diversificação das plantas lenhosas nos ecossistemas florestais do trópico úmido.
Em síntese, a distribuição do número de espécies por
família adquire a forma típica de um J invertido sinalizando a preponderância das famílias mais ricas em espécies. A análise das taxas de cobertura, das densidades e
das áreas basais corroboram esta afirmação. Em geral, as
famílias mais diversificadas possuem as maiores taxas de
cobertura e também as densidades e áreas basais superiores (Fig. 25 e Fig. 26). Uma exceção merece ser destacada: Violaceae, representada por uma única espécie com
alta densidade e significativa área basal, alcança uma das
mais elevadas taxas de cobertura. As cinco famílias às
quais correspondem as maiores riquezas e as taxas de
cobertura mais elevadas recobrem da ordem de 70% dos
efetivos e de 70 a 80% da área basal do total de árvores
recenseadas em cada sítio. Com vistas a uma análise comparativa entre os sistemas selecionados, parece assim válido deter-se no estudo destas famílias.
A primeira grande diferença entre os trechos de floresta preservada e os que sofreram impactos antrópicos
no passado é a drástica redução da riqueza em espécies
da família Myrtaceae e, em menor intensidade, de Sapotaceae
e Leguminosae sobretudo na capoeira após queimada.
Esta perda de diversidade, consecutiva a impactos de
índole diversa, e a dificuldade de recuperação dos trechos
perturbados, após 50 anos, chama a atenção sobre a
pertinência de uma efetiva preservação integral de, pelo
menos, parte dos remanescentes. A segunda diferença
marcante refere-se aos valores máximos de taxa de cobertura que evidenciam não somente uma substituição das
três famílias mais representativas da Floresta Atlântica de
Tabuleiros mas, igualmente, uma maior dominância daquelas que as substituíram. As Moraceae e Sapotaceae, na
Mata Ciliar, as Euphorbiaceae, na capoeira após extração,
as Annonaceae e Arecaceae, na capoeira após queimada,
tomam os lugares de Myrtaceae e Sapotaceae ou
Leguminosae segundo o sistema considerado (Fig. 25).
A análise comparativa das principais famílias é
aprofundada quando da consideração das respectivas
densidades e áreas basais (Fig. 26). Os quatro sistemas
de estudo se diferenciam nitidamente pela organização
espacial da comunidade arbórea; em particular, a Mata
Ciliar constitui um sistema favorável à expansão das
Sapotaceae e de formas de vida quase inexistentes na
Mata Alta, como palmeiras (Arecaceae) e figueiras
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
39
mata alta
mata ciliar
capoeira após extração capoeira após queimada
MYRT
LEGU
VIOL
SAPO
LECY
EUPH
ANAC
BOMB
FLAC
ANNO
RUTA
MORA
BURS
AREC
0
100
200
300
400
0
100
200
300
0
100
12,0 0,0
4,0
200
300
0
100
200
300
densidade (ind. / ha)
MYRT
LEGU
VIOL
SAPO
LECY
EUPH
ANAC
BOMB
FLAC
ANNO
RUTA
MORA
BURS
AREC
0,0
4,0
8,0
0,0 12,0
4,0
8,0
8,0
0,0
4,0
8,0
12,0
2
área basal (m / ha)
Figura 26. Densidade e área basal correspondentes às cinco famílias da cobertura arbórea com maiores
taxas de cobertura. Valores médios e erro padrão (n=3).
MYRT: Myrtaceae; LEG: Leguminosae; VIOL: Violaceae; SAPO: Sapotaceae; LECY: Lecythidaceae;
EUPH: Euphorbiaceae; ANAC: Anacardiaceae; BOMB: Bombacaceae; FLAC: Flacourtiaceae;
ANNO: Annonaceae; RUTA: Rutaceae; MORA: Moraceae; BURS: Burseraceae; AREC: Arecaceae.
(Moraceae). Quanto às capoeiras, prevalece aí um empobrecimento marcado das famílias características da Floresta de Tabuleiros -como é o caso das Myrtaceae,
Lecythidaceae, Combretaceae, Violaceae, Sapotaceae e
Flacourtaceae- e a presença maciça de espécies secundárias
que se comportam como invasoras. São espécies pertencentes às famílias Euphorbiaceae, Anacardiaceae,
Annonaceae, Rutaceae, Moraceae, Arecaceae e ainda algumas das Leguminosae (ver Fig. 26).
Para o conjunto das famílias supracitadas, as diferenças
entre a Mata Alta e os outros sítios de estudos são significativas, às vezes, para as densidades, outras, para a área
basal, sendo que diferenças em todos os parâmetros e de
um sítio em relação aos três restantes são observadas
unicamente para Annonaceae (teste U; α<0,05). Estas diferenças não devem obscurecer o fato de que ambas as
40
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
capoeiras representam sistemas distintos: dez famílias apresentam diferenças significativas entre a capoeira após a queimada e o fragmento após extração seletiva de madeira (teste
U; α<0,05). Assim, por exemplo, as Annonaceae, Moraceae,
Arecaceae, Rutaceae e Burseraceae estão ausentes nas
amostras de uma das florestas secundárias e as
Euphorbiaceae, Leguminosae e Anacardiaceae são mais
abundantes na capoeira após extração (Fig. 26). Uma ressalva merece ser explicitada: a ausência localizada de certas
famílias não permite concluir à exclusividade destas em um
ou outro sistema, já que o número restrito de pequenas
parcelas pode eliminar da amostragem populações de baixa
densidade distribuídas espacialmente ao acaso.
Resultados relativos a diferentes fragmentos remanescentes submetidos a extrativismo seletivo confirmam as
conseqüências maiores deste tipo de uso, i. e., as popula-
Leguminosae
Myrtaceae
Sapotaceae
Lecythidaceae
densidade (%)
60
40
Moraceae
Euphorbiaceae
Anacardiaceae
60
40
20
20
0
0
REBIO
FR1
FR2
FR3
FR4
REBIO
FR5
FR1
FR2
FR3
FR4
FR5
intensidade do extrativismo
intensidade do extrativismo
Figura 27. Densidade relativa das principais famílias arbóreas num sistema fragmentado de Floresta Atlântica
de Tabuleiros, Sooretama-ES. REBIO: Reserva Biológica de Sooretama; FR1, FR2, FR3, FR4, FR5: fragmentos
remanescentes submetidos a extrativismo seletivo, em propriedades agrícolas. Os dados correspondem a 1 hectare
por sítio. As densidades relativas foram calculadas com base no total de indivíduos por família. Segundo Agarez, 2001.
mata alta
mata ciliar
capoeira após extração
capoeira após queimada
EUGUBE:
Eugenia cf. ubensis (MYRT);
EUGUBE
PTEROR
PTEROR:
Pterocarpus rohrii (LEG);
RINBAH
CARLEG
RINBAH:
Rinorea bahiensis (VIOL);
ESCOVA
JOAPRIN
SENMUL
CARLEG:
Cariniana legalis (LECY);
MICELA
ASTCON
ESCOVA:
Eschweilera ovata (LECY);
ROLLAU
NEOALB
JOAPRI:
Joannesia princeps (EUPH);
BROGAU
FICGOM
SENMUL:
Senefeldera multiflora (EUPH);
ASTACU
POLCAU
MICEA:
Micrandra elata (EUPH);
TERKUL
0
50
100
150
0
200
50
250
100
0
150
50
200
100
250
150
200
0250 50
100
150
200 ASTCON:
Astronium concinnum (ANAC);
densidade (ind./ha)
ROLLAU:
Rollinia laurifolia (ANNO);
EUGUBE
NEOALB:
Neoraputia alba (RUTA);
PTEROR
RINBAH
CARLEG
BROGAU:
Brosimum gaudichaudii (MORA);
ESCOVA
JOAPRIN
FICGOM:
Ficus gomelleira (MORA);
SENMUL
MICELA
ASTACU:
Astrocaryum aculeatissimum (AREC);
ASTCON
ROLLAU
POLCAU:
Polyandrococos caudescens (AREC);
NEOALB
BROGAU
TERKU
Terminalia aff. kuhlmannii (COMB).
FICGOM
ASTACU
POLCAU
TERKUL
0,0
2,5
5,0
7,5
10,0
0,0
12,5
2,5
5,0
7,5
10,0
0,0
12,5
2,5
5,0
0,0
7,5
2,5
10,0
5,0
12,5
7,5
10,0
2
área basal (m /ha)
Figura 28. Densidade e área basal correspondentes às espécies arbóreas com as cinco maiores taxas de
cobertura em sistemas primários e secundários de Floresta Atlântica de Tabuleiros. Valores médios e erro
padrão (n=3). Entre parêntese: abreviatura das famílias, ver legenda da figura 2. COMB: Combretaceae.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
41
ções das famílias principais da Floresta de Tabuleiros são
severamente prejudicadas, sendo que a maioria das espécies de Myrtaceae podem ser consideradas extintas localmente. Em contrapartida, a substituição das famílias principais pelas populações de famílias pioneiras e secundárias de Euphorbiaceae, Moraceae e Anacardiaceae se encontra favorecida mas, em cada fragmento, as famílias,
ou seja, as populações dominantes, diferem (Fig. 27).
A consistência das diferenças observadas ao nível
taxonômico de família são corroboradas pela análise comparativa das populações que predominam em cada sistema
de estudo, i. e., apresentam os cinco maiores valores de
taxa de cobertura. Elas pertencem às famílias mais representativas (Fig. 28). Várias espécies caracterizam a Mata
Alta: Eugenia cf. ubensis Cambess., a batinga casca grossa; Rinorea bahiensis (Moric.) Kuntze, o tambor;
Pterocarpus rohrii Vahl., o pau sangue; Cariniana legalis
(Mart.) Kuntze, o jequitibá rosa, e Terminalia aff.
kuhlmannii Almayah et Stace, a pelada (Combretaceae).
Na Mata Ciliar, as populações dominantes são outras: uma
figueira, o mata pau Ficus gomelleira Kunth et Bouché;
a palmeira brejaúba, espécie pioneira heliófila, Astrocaryum
aculeatissimum (Schott) Burret; a sucanga, Senefeldera
multiflora Mart., e a imbiriba, Eschweilera cf. ovata
(Cambess.) Miers.
A comunidade da capoeira após extração se caracteriza
pela abundância das populações de Euphorbiaceae, sobretudo de Micrandra elata Muell. Arg., a mamoninha, espécie pioneira que domina no banco de sementes do solo.
A arapoca, Neoraputia alba (Nees et Mart.) Emerich,
distingue igualmente esta comunidade na qual o conjunto
das árvores apresentam pequenas áreas basais e significativas abundâncias. Na capoeira após queimada, a
Annonaceae Rollinia laurifolia Schldl., ou pinha da mata,
domina fortemente a comunidade, com 22% de taxa de
cobertura, acompanhada por Joannesia princeps Vell., a
boleira, que junto às palmeiras brejaúba e palmito
amargoso, A. aculeatissimum e Polyandrococos caudescens
(Mart.) Barb. Rodr., constituem um conjunto de populações pioneiras e secundárias. Para todas estas espécies
existem diferenças significativas entre os sítios de estudo, seja em densidade, seja em área basal ou em ambos
os parâmetros (teste U; α < 0,05). As populações dominantes se comportam como verdadeiros indicadores ecológicos do estado da floresta: na Mata Alta, apresentando
as árvores de maior porte, o que se traduz pela importância das taxas de cobertura não somente das espécies
climácicas mas também das pioneiras ou secundárias e,
nas capoeiras, pela expressiva dominância das espécies
não climácicas. Todavia, cada capoeira é marcada distintamente de acordo a seu respetivo histórico, seja pelos
numerosos e pequenos indivíduos naquela onde foi extraída madeira seletivamente, seja pela presença maciça de
pioneiras e secundárias onde a floresta successional seguiu
à queimada.
42
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
A validação das estimativas dos
parâmetros físicos foliares e dos
índices de esclerofilia
As espécies selecionadas
Para as 25 espécies selecionadas pelas maiores taxas de
cobertura, não existem diferenças significativas nem na
riqueza média por amostra nem nas densidades entre os
diferentes sistemas. Existe, portanto, uma certa
homogeneidade destes parâmetros não somente no interior
de cada sítio de estudo mas também entre eles (teste U;
α > 0,05). Os valores correspondentes de riqueza são de
22 + 0 spp. por parcela, para a Mata Alta, e de 20 + 1spp.,
para a Mata Ciliar e as capoeiras, e os de densidade são
em média de 600 ind./ha. Se as espécies escolhidas
representam da ordem de 30% da riqueza total das parcelas
permanentes em cada área, esta proporção se eleva a mais
de 50% para as densidades e entre 60% e 85% para as
respectivas áreas basais. Em taxa de cobertura, a
contribuição das espécies selecionadas flutua ao redor de
60%. Duas diferenças entre os sistemas são observadas,
correlatas ao tipo de impacto em cada capoeira: na capoeira
após extração, a área basal das 25 espécies mais
representativas é quase metade que nos sítios restantes,
em proporção direta com a diminuição da área basal total
(ver Tab. 10). A taxa de cobertura do total das espécies
selecionadas é superior na capoeira após queimada, devido
essencialmente à diminuição da diversidade própria do
estágio successional em questão. Qualquer que sejam estas
diferenças, o fato da representatividade das espécies
escolhidas em relação à comunidade arbórea dos sítios de
estudo deve ser aferido.
As medidas de esclerofilia
Para quantificar o grau de esclerofilia é necessário estimar dois parâmetros: a área ou superfície foliar e os
respectivos pesos secos; ambos referem-se a folíolos no
caso de folhas compostas. Os valores de área foliar divididos pelos respectivos valores de peso expressam a
superfície correspondente a um peso unitário, ou superfície específica foliar (SEF); a relação inversa possibilita
estimar o peso de uma superfície unitária, ou peso específico foliar (PEF1). Os mesmos valores são utilizados no
quociente SEF e seu inverso, o PEF1, existindo portanto
uma total simetria entre o SEF e o PEF1. Uma outra
forma de quantificar o grau de esclerofilia é, do início,
recortar dos limbos pequenas unidades amostrais de superfície fixa e obter os pesos secos correspondentes, o
que exime das medidas de área foliar e possibilita eliminar as nervuras mais grossas, fonte freqüente da grande
dispersão de valores. Este segundo procedimento leva
igualmente a estimativas de peso específico foliar ou PEF2.
O Índice de Esclerofilia –IE- de Müller-Stoll (1947,
1948) representa uma simples padronização do peso es-
1,0
0,016
y = 0,80x + 0,04
r = 0,84****
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
índice de esclerofilia IEs (g/dm 2)
y = - 0,0057 ln (x) + 0,0339
r = 0,85****
0,012
0,008
0,004
0,000
0
100
200
300
r = 0,179
O
0,012
0,008
0,004
0,000
0
50
100
150
200
área foliar (cm2 )
0,016
peso específico foliara(g/cm2 )
das do material foliar de espécies esclerófilas,
intermédiarias e não esclerófilas, ou com folhas “leves”, a
fim de realizar comparações. Diga-se de passagem que o
estabelecimento de valores fixos não dispensa de uma certa
arbitrariedade.
O diagrama de dispersão de pontos de IEp em função
de IEs (Fig. 29), pode ser ajustado pela equação da reta:
y = 0,798x + 0,041;
de maneira que para:
x = 0,60 g/dm 2 ⇒ y = 0,52 g/dm 2,
sendo 0,60 g/dm2 o valor limite inferior de IEs para espécies consideradas esclerófilas e 0,52 g/dm 2 o valor
correspondente de IEp.
peso específico foliara(g/cm2 )
índice de esclerofilia IEpa(g/dm2)
pecífico foliar com fins de facilitar a comparação de resultados. Ele é igual ao peso específico foliar, ou PEF,
calculado com o valor dobrado da superfície foliar no
denominador e expresso em unidades de grama por dm2.
Como conseqüência da introdução da constante 1/2, todas
as medidas são reduzidas a metade e a mudança de unidade
de cm2 para dm2 elimina dois dígitos geralmente nulos,
o que permite visualizar melhor as comparações. Logo, as
estimativas do peso específico foliar por meio do IE ficam
compreendidas, fora de raras exceções, entre 0,2 e 1. O
valor limite do IE igual ou superior a 0,60g/dm2 é proposto para separar as espécies consideradas esclerófilas em
formações florestais (De Sloover et al., 1965; Rizzini, 1976).
400
Figura 29. Diagramas de dispersão de pontos
representando as relações entre os índices de
esclerofilia, IEs e IEp, e a superfície específica
foliar, a área foliar e o peso específico foliar PEF2
para espécies arbóreas de Floresta Atlântica de
Tabuleiros.
IEs: índice de esclerofilia com base no peso seco
foliar e na área foliar; IEp: índice de esclerofilia com
v
base no peso específico foliar de amostras
padronizadas PEF2 (ver texto).****: α <10-7; 0: α >0,05. N=72.
superfície específica foliar (cm 2/g)
É evidente que a possibilidade de calcular distintamente o PEF, tanto por meio das áreas foliares e seus pesos,
tal como nos trabalhos mencionados, quanto se utilizando
dos pesos secos de pequenas amostras padronizadas dos
limbos, conduz a duas formas de calcular o IE, respectivamente denominados de IEs e IEp. Ou seja:
IEs = 1/2 peso seco foliar / área foliar (g/dm2) = 50 PEF1 (g/dm2);
IEp = 1/2 peso seco da amostra / área da amostra (g/dm2) =
50 PEF2 (g/dm2).
A extrema simplicidade em estimar a esclerofilia por
meio de pequenas unidades amostrais de área circular
extraídas dos limbos, autoriza rever qual a equivalência
entre IEs e IEp. Por outro lado, é de fundamental importância estabelecer limites fixos de valores para as medi-
O valor limite calculado de IEp é inferior ao valor
estabelecido de IEs, conseqüência, sem dúvida, da eliminação das nervuras mais proeminentes quando da obtenção das amostras. O valor inferior limite do IEs para as
folhas membranáceas pode ser estabelecido tomando como
base a morfologia das espécies estudadas. Ele corresponde
a 0,36 g/dm2 para IEs o que equivale, segundo a equação
da reta teórica proposta, a 0,33 g/dm 2 para IEp. Esta
pequena diferença de 0,03 g/dm 2 entre os índices é esperada, já que as folhas membranáceas possuem nervuras
mais finas que as folhas coriáceas, aproximando as estimativas do peso específico foliar por ambos os procedimentos. O grupo de espécies com folhas membranáceas
é denominado de espécies com folhas leves ou não
esclerófilas. As espécies às quais correspondem valores
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
43
de IEp < 0,52 g/dm 2 e IEp > 0,33 g/dm 2, ou seja valores
inferiores que para as esclerófilas e superiores que para
as de folhas leves, são denominadas intermediárias com
respeito ao grau de esclerofilia.
O diagrama de dispersão de pontos representando o PEF2
em função da SEF pode ser ajustado a uma equação do
tipo logaritmo-inversa (r = 0,852; α = 10-9) (Fig. 29). Para
baixos valores de SEF, i. e., para as espécies mais esclerófilas, as diferenças de SEF são menores que os respectivos
intervalos de PEF2. Os valores da variável PEF2 separam
melhor as distintas espécies. Este resultado indica que as
estimativas de SEF e PEF2 não são totalmente equivalentes,
podendo ser o PEF2 uma medida mais justa do grau de
esclerofilia. Pelo contrário, não existe relação entre as áreas
foliares e o peso específico foliar: espécies tanto com
folhas pequenas como de significativo tamanho podem
apresentar um grau de esclerofilia semelhante (Fig. 29).
de (73 cm2/g a 177 cm 2/g), e inferiores para a Floresta
Amazônica sobre oxisol e a Caatinga alta (75 cm2/g) foram
registrados por Medina (1981). À vista destes resultados,
as espécies da Floresta Atlântica de Tabuleiros apresentam uma maior gama de variação do grau de esclerofilia
e evidenciam, globalmente, um caráter menos esclerófilo
que as árvores da Floresta Amazônica.
Quando da comparação entre sistemas, se constata uma
certa homogeneidade dos valores médios de esclerofilia e
uma ampla gama de variação para cada um deles. De fato,
as únicas diferenças médias significativas correspondem
à Mata Ciliar que apresenta valores superiores de
esclerofilia, com respeito aos sítios de estudo restantes
(Tab. 11). A variabilidade das propriedades físicas das
folhas nos distintos sistemas sugere a coexistência de
espécies acentuadamente distintas no interior dos mesmos
e sublinha a necessidade de aprofundar a análise.
Tabela 11. Parâmetros físicos foliares de espécies arbóreas da Floresta Atlântica de Tabuleiros.
Médias e erro padrão; n = 25. IEs: Índice de Esclerofilia com base no peso seco foliar e na área foliar; IEp: Índice de
Esclerofilia com base no peso de amostras foliares de superfície padronizada. MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar;
CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada. Teste t com dados normalizados; ∗∗: α<0,01, diferença
muito significativa; ∗: α<0,05, diferença significativa; 0: diferença não significativa. As diferenças indicadas são
referentes à comparação com a Mata Ciliar.
mata alta
parâmetros físicos
foliares
mata ciliar
capoeira após
extração
capoeira após
queimada
média + erro padrão
111 ± 7**
superfície específica
2
(cm /g)
83 ± 80
0106 ± 6**
IEs
2
(g/dm )
0,45 ± 0,03*
0,60 ± 0,06
000,46 ± 0,03*
00,47 ± 0,03i
IEp
2
(g/dm )
00,43 ± 0,03*
0,51 ± 0,03
000,38 ± 0,03**
000,41 ± 0,02**
37 ± 600
50 ± 80
32 ± 6
45 ± 80
área foliar
2
(cm )
Em conclusão, as espécies podem ser reagrupadas em
três grupos funcionais: o primeiro corresponde às esclerófilas, com valores de IEp iguais ou superiores a 0,52 g/dm2;
o segundo reagrupa as espécies não esclerófilas ou de
folhas membranáceas, com valores de IEp iguais ou inferiores a 0,33 g/dm2. Entre estes limites, um terceiro grupo
funcional reúne espécies com valores de IEp intermediários.
Os diferentes parâmetros físicos foram estimados para
a Floresta de Tabuleiros (Tab. 11). Nos sistemas primários, o valor médio da SEF, correspondente às 25 espécies selecionadas por sítio, é de 111+7 cm2/g, para a Mata
Alta, e 83+8 cm2/g, para a Mata Ciliar, sendo que o conjunto das medidas varia entre 27 cm 2/g e 317 cm 2/g. Valores médios próximos para as florestas tropicais
semidecíduas (125 cm2/g), porém com menor variabilida44
00109 ± 7**
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
0
Os valores estimados de área foliar apresentam igualmente uma pronunciada variação que se estende entre 0,4 cm2 e
164 cm2, mesmo que com valores médios similares para
todos os sítios de estudo (Tab. 11). Apesar da amplitude
no tamanho das folhas, predominam as folhas ou folíolos
maiores que 20cm2., como em outras florestas tropicais
pluviais (Rizzini, 1976; Hamann, 1979). A análise que
segue considera três categorias de tamanho foliar:
mesófilas grandes (≥ 70cm2), mesófilas menores (entre
21cm2 e 69cm 2) e pequenas (< 20cm2), segundo a classificação de Haunkier que inclui na categoria de pequenas
as folhas leptófilas, nanófilas e micrófilas (ver em Rizzini,
1976). Quando se trata de folhas compostas, esta classificação corresponde aos folíolos.
Grupos funcionais em Floresta
Atlântica de Tabuleiros
Relação entre esclerofilia e qualidade
do material foliar
RUTA
LECY
ANNO
LEGU
ANAC
FLAC
EUPH
BOMB
MORA
0,0
VIOL
1,0
MYRT
FLAC
LEGU
ANAC
EUPH
BURS
RUTA
ANNO
VIOL
MORA
LECY
BOMB
AREC
0,00
MYRT
0,20
2,0
BURS
0,40
3,0
SAPO
0,60
AREC
conteúdo de nitrogênio (%)
0,80
SAPO
2
índice de esclerofilia (g/dm )
Nenhuma informação direta sobre as características químicas das folhas é susceptível de ser obtida unicamente
pelo peso específico foliar. Outros descritores devem ser
tomados em consideração tal como a concentração de
nitrogênio orgânico, maneira indireta de estimar os conteúdos protéicos celulares em relação ao acúmulo de
compostos orgânicos estruturais, pobres em nutrientes.
Para as principais famílias do povoamento florestal estu-
O diagrama de dispersão de pontos da Figura 31 evidencia uma relação inversa entre os conteúdos de
nitrogênio orgânico e o caráter esclerófilo das espécies
arbóreas. As folhas mais espessas contêm compostos de
carbono relativamente mais pobres em nitrogênio que
folhas mais leves, o que é evidenciado pela relação entre
os valores do quociente carbono sobre nitrogênio –C/Ne os respectivos índices de esclerofilia. O quociente lignina
sobre nitrogênio -L/N- considera somente a fração de
carbono que forma compostos cíclicos orgânicos altamente resistentes à hidrólise e, posteriormente, quando da
senescência e morte das folhas, à decomposição. Este
quociente evidencia uma menor relação com o grau de
Figura 30. Grau de esclerofilia e conteúdo de nitrogênio foliar de espécies arbóreas pertencentes às
principais famílias de Floresta Atlântica de Tabuleiros. Valores médios e erro padrão. Para as diversas famílias,
foram selecionadas as espécies de cada sistema com maior taxa de cobertura (ver texto).
SAPO: Sapotaceae (n=8); AREC: Arecaceae (n=2); MYRT: Myrtaceae (n=4); LECY: Lecythidaceae (n=4);
BOMB: Bombacaceae (n=2); MORA: Moraceae (n=7); VIOL: Violaceae (n=1); ANNO: Annonaceae (n=1);
RUTA: Rutaceae (n=3); BURS: Burseraceae (n=1); EUPH: Euphorbiaceae (n=6); ANAC: Anacardiaceae (n=2);
LEG: Leguminosae (n=10); FLAC: Flacourtiaceae (n=3).
dado, a significativa variabilidade do grau de esclerofilia
denota a existência de distintos grupos funcionais e,
globalmente, a relação inversa entre esclerofilia e conteúdo de nitrogênio do material foliar (Fig. 30).
esclerofilia que o C/N, o que indica que o acúmulo de
compostos orgânicos, à base da propriedade da esclerofilia,
não se faz de maneira proporcional sob a única forma de
compostos tipo lignina (Fig. 31).
Dentre as três famílias características da Floresta Atlântica, Myrtaceae e Sapotaceae revelam uma nítida tendência à esclerofilia, contrariamente a Leguminosae cujo
material vegetativo é menos esclerófilo e com maiores
conteúdos de nitrogênio porém, com forte variabilidade.
As palmeiras –Arecaceae- mostram igualmente um caráter
esclerófilo e, em menor grau, Lecythidaceae que parece
reunir tanto espécies esclerófilas como medianamente
esclerófilas. Em linhas gerais, as famílias que congregam
espécies pioneiras e secundárias mostram propriedades
intermediárias tanto do grau de esclerofilia como da riqueza em nitrogênio. Na maioria dos casos, a ampla
dispersão de valores médios, que indica uma certa variabilidade funcional, demonstra que não existe uma associação estreita entre cada família e um determinado grupo
funcional. Isto justifica a análise aprofundada do grau de
esclerofilia no nível específico.
Quando do reagrupamento das espécies em esclerófilas,
intermediárias e não esclerófilas ou de folhas leves, segundo as três categorias funcionais preestabelecidas, as
respectivas características químicas diferenciam com clareza cada grupo funcional (Tab. 12). O grau de esclerofilia
está associado tanto aos conteúdos de nitrogênio e lignina
como aos quocientes C/N e L/N: o grupo funcional das
esclerófilas apresenta o menor conteúdo de nitrogênio e,
no outro extremo, aquelas espécies com folhas
membranáceas concentram as maiores quantidades relativas de nitrogênio e as menores de compostos tipo lignina.
A meio termo entre ambos os grupos funcionais, o terceiro apresenta características intermediárias. Note-se que,
embora os conteúdos de lignina sejam fortemente variáveis, as diferenças são significativas para as espécies
intermediárias e não esclerófilas, assim como os quocientes L/N, para os três grupos funcionais.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
45
conteúdo de N (%)
5,0
50
y = -2,71x + 3,51
r = 0,64***
4,0
y = 31,09x + 7,76
r = 0,68***
40
C/N
3,0
2,0
30
20
10
1,0
0
0,0
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
0,0
1,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
2
2
índice de esclerofilia IEp (g/dm )
índice de esclerofilia IEp (g/dm )
25,0
y = 17,54x + 0,87
r = 0,54***
L/N
20,0
Figura 31. Relações entre a esclerofilia e os
conteúdos de nitrogênio foliar e entre esclerofilia e
os quocientes C/N e L/N para espécies arbóreas de
Floresta Atlântica de Tabuleiros.
C: carbono orgânico; N: nitrogênio; L: lignina; IEp: índice
de esclerofilia com base no peso específico foliar de
amostras padronizadas PEF2 .∗∗∗: α < 0,0001. N=73
15,0
10,0
5,0
0,0
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
2
índice de esclerofilia IEp (g/dm )
Tabela 12. Valores do índice de esclerofilia IEp, conteúdos de nitrogênio e lignina e relações C/N e L/N dos
grupos funcionais segundo o grau de esclerofilia de espécies arbóreas da Floresta Atlântica de Tabuleiros.
Médias e erro padrão. IEp: índice de esclerofilia; C: carbono orgânico; N: nitrogênio; L: lignina. ES: espécies esclerófilas;
IN: espécies intermediárias; NE: espécies não esclerófilas. ES: n=21; IN: n=34; NE: n=17. Teste t com dados
normalizados. ∗∗∗: α < 0,001; ∗∗: α < 0,01; ∗: α < 0,05; 0: α > 0,05.
grupos funcionais
parâmetros
foliares
espécies
esclerófilas
espécies
intermediárias
espécies não
esclerófilas
IEp (g/dm )
0,61 + 0,02
0,42 + 0,01
0,24 + 0,01
-
-
nitrogênio (%)
1,84 + 0,09
2,24 + 0,09
2,91 + 0,13
ES<IN
***
IN<NE
**
lignina (%)
21,0 + 1,70
16,8 + 1,30
14,1 + 1,80
0
IN>NE
*
C/N
27,1 + 1,40
21,7 + 0,90
15,4 + 0,80
ES>IN
***
IN>NE
**
L/N
11,8 + 1,00
8,0 + 0,8
5,1 + 0,8
ES>IN
**
N>NE
**
2
A classificação das espécies arbóreas segundo o grau
de esclerofilia se corresponde efetivamente a diferenças
funcionais no nível das espécies. A maior ou menor consistência das folhas, uma aparente propriedade física,
reflete distintas intensidades no acúmulo de polímeros
orgânicos de outra natureza que proteínas e diversas
substâncias nitrogenadas, com as quais se encontra em
relação inversa. No geral, os três grupos funcionais representam um gradiente diferenciado da riqueza em
nitrogênio das folhas inversamente proporcional a quantidade de compostos estruturais e de difícil biodegradação
como a celulose e a lignina.
46
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
teste t
A riqueza de grupos funcionais nos diferentes
sistemas
Consideradas globalmente, 21 das espécies arbóreas
selecionadas pertencem ao grupo funcional das esclerófilas,
34 são consideradas intermediárias e 17 integram o grupo
das não esclerófilas. A abundância de espécies intermediárias resulta essencialmente da forte diminuição da riqueza dos grupos restantes nos sítios outros que a Mata
Alta (Tab. 13). O maior contraste se observa entre a Mata
Alta, por um lado, e a Mata Ciliar e a capoeira após
extração, por outra parte: se, na Mata Ciliar, o número
de espécies com folhas membranáceas é extremamente
Tabela 13. Riqueza específica dos grupos funcionais segundo o grau de esclerofilia e o tamanho foliar em
Floresta Atlântica de Tabuleiros.
Médias e erro padrão; n=3. MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada.
Teste U; ∗ : α < 0,05., diferença significativa. Estão indicadas somente as hipóteses H1 das diferenças significativas.
grupos funcionais
mata alta
mata ciliar
capoeira
capoeira
após extração após queimada
teste U
o
riqueza segundo esclerofilia (n spp./0,125 ha)
espécies esclerófilas
7+0
10 + 0
2+0
4+1
MA < MC*
MA > CE*
MA > CQ*
espécies intermediárias
9+0
9+1
11 + 1
13 + 1
MA < CE*
MA < CQ*
espécies não esclerófilas
6+1
1+0
7+1
4+1
MA > MC*
o
riqueza segundo tamanho foliar (n spp./0,125 ha)
espécies de folhas pequenas*
6±1
4±1
9±0
7±1
MA < CE*
espécies mesófilas menores
13 ± 0
12 ± 1
10 ± 1
7±1
MA > CE*
MA > CQ*
espécies mesófilas grandes
2±0
5±0
1±0
6±0
MA < MC*
MA > CE*
MA < CQ*
baixo, nos sistemas secundários, é a riqueza de espécies
esclerófilas que diminui. De fato, a diferença fundamental
entre os sistemas primários e secundários reside na extrema pobreza do grupo funcional das árvores esclerófilas
nas capoeiras. Neste sentido, a riqueza apenas superior
na capoeira após queimada obedece à presença de duas
espécies de palmeiras -Arecaceae-, compartilhadas com a
Mata Ciliar, sistema que pelo contrário, apresenta a maior
diversidade de espécies esclerófilas (Tab. 13).
As diferenças entre sítios não concernem apenas a riqueza mas também a composição taxonômica dos grupos
funcionais. Não existe nenhuma espécie esclerófila que,
simultaneamente, domine em todos os sítios; no máximo,
poucas delas são comuns a dois dentre eles. Assim, os
trechos de floresta secundária possuem somente uma
espécie em comum: a única Leguminosae esclerófila,
Lonchocarpus guilleminianus (Tul.) Malme, entre as nove
estudadas. Sobre um total de 17 espécies, somente três
dominam tanto na Mata Alta como na Mata Ciliar. Em
linha geral, as diferenças entre os sistemas primários se
expressam assim mesmo no nível de família: na Mata
Ciliar, grande parte das espécies não compartilhadas são
Moraceae e Arecaceae e, na Mata Alta, Myrtaceae e
Lecythidaceae. Adiciona-se o fato de uma distribuição
relativamente homogênea das espécies no interior de cada
sistema tal como indicado pelos valores das medidas de
dispersão, amiúde nulos, e pela alta freqüência das mesmas espécies dominantes em todas as amostras (Tab. 13).
O grupo funcional das espécies não esclerófilas parece,
em princípio, menos afetado pelas formas de uso que originaram os sistemas secundários; em particular, na capoeira após extração seletiva de madeira, existe uma significativa riqueza. Com efeito, as situações extremas dizem
respeito aos sistemas primários e notadamente à Mata Ciliar,
sítio no qual das somente duas espécies deste grupo, uma
é da família Moraceae (Tab. 13). A pesar da riqueza similar
entre a Mata Alta e a capoeira após extração, a composição taxonômica difere: Euphorbiaceae e Leguminosae são
preponderantes na capoeira sendo que, na Mata Alta, as
sete espécies presentes pertencem a sete famílias diferentes, com uma única Leguminosae. Ora, os índices de
esclerofilia das distintas espécies desta família abarcam
uma ampla gama de variação que vai de 0,08 g/dm2 a
0,32 g/dm2, contrapondo-se à uma certa homogeneidade de
valores registrada para as Euphorbiaceae e Flacourtiaceae,
que oscilam apenas ao redor de 0,25-0,26 g/dm2. Na Mata
Alta, a forte amplitude de valores observada, de 0,15 g/dm2
até 0,31g/dm2, provem das espécies de famílias distintas.
Como no caso precedente, não existem espécies dominantes comuns aos quatro sistemas; somente três dentre elas
estão tanto em um dos sistemas primários como nas duas
capoeiras; as 14 espécies restantes predominam exclusivamente seja num sítio, seja em outro.
Em oposição aos dois grupos funcionais extremos,
aquele das espécies de esclerofilia intermediária possui
maior riqueza nas capoeiras que nos sistemas primários
sem que por isso esta riqueza seja aí pouco expressiva
(Tab. 13). Ele congrega igualmente mais de um terço de
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
47
espécies comuns pelo menos a dois sítios, sendo que,
pela sua vez, R. bahiensis, o tambor, e J. princeps, a
boleira, predominam nos quatro sistemas e em quase todas
as amostras. Quando da comparação taxonômica, novas
diferenças distinguem, por um lado, os sistemas secundários, e, por outro, a Mata Ciliar e a Mata Alta: no
primeiro caso, porque, na floresta perto d’água, a riqueza
é praticamente determinada pelas Moraceae e Sapotaceae
cujas espécies evidenciam um grau de esclerofilia
homogêneo e relativamente elevado para este grupo funcional (0,46 a 0,51 g/dm2). Entretanto, na Mata Alta, somente três espécies não são comuns aos outros sistemas
versus nove na capoeira queimada, onde as 15 espécies
correspondem a 15 famílias diferentes. Uma notável diversidade de famílias e poucas espécies comuns com os
sítios restantes é também a característica principal da
capoeira após extração.
Em definitivo, diferenças registradas na riqueza dos
grupos funcionais são moldadas pela diversidade de espécies e famílias que variam de um sistema ao outro.
Tanto uma acentuada riqueza como o empobrecimento de
um dado grupo pode ser utilizado como indicador da
diversidade funcional do sistema. Porém, o aumento da
diversidade de um grupo funcional parece se relacionar
com a respectiva diminuição de outro de forma que a
consideração conjunta das três categorias faz mais consistentes as comparações. Mas, a riqueza de espécies
pouco informa sobre a importância relativa das populações no ecossistema, informação sem a qual uma interpretação funcional se torna impossível.
No que diz respeito ao tamanho das folhas, os resultados indicam uma certa afinidade entre a mata Ciliar e
a capoeira após queimada, com significativa presença de
espécies arbóreas com folhas mesófilas grandes (Tab. 13).
No oposto, um maior número de espécies da Mata Alta
e da capoeira após extração se caracterizam pelas folhas
mesófilas menores, em um caso, e por uma abundância
relativa elevada de folhas pequenas, no outro. A interpretação destes resultados é delicada mas pode fundar-se na
hipótese de uma maior insolação na proximidade do
córrego e na capoeira em sucessão que favorece as espécies
com amplos limbos foliares, entre as quais, as palmeiras.
O grau de esclerofilia da comunidade arbórea
Para um determinado povoamento florestal, a importância
quantitativa do grau de esclerofilia das populações é
responsável, em último termo, das propriedades funcionais da comunidade. A floresta Densa de Cobertura
Uniforme, a Mata Alta, é o sistema onde existe a repartição mais homogênea de grupos funcionais, analisando
tanto as densidades, as áreas basais ou as taxas de cobertura. Ela se diferencia da Mata Ciliar pela abundância
e o porte das populações não esclerófilas; da capoeira
após extração, sobretudo pela nítida relevância das árvo48
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
res esclerófilas e, por fim, da capoeira após queimada,
pelas áreas basais superiores dos indivíduos de folhas
“leves” (Tab. 14). Somente as primeiras cinco espécies
dominantes representam mais de 50% da área basal total
e os únicos troncos de R. bahiensis e de C. legalis
recobrem mais de 8m2, com alturas máximas respectivas
de 40m e 28m. Entre estas cinco espécies, se encontram
também indivíduos de grande porte das populações de T.
kuhlmannii, P. rohrii e A. concinnum, com áreas basais
entre 2 e 3m2 e alturas de até 36m. Não cabe dúvida de
que trata-se das árvores maiores da Floresta de Tabuleiros entre as quais, as emergentes do dossel. Elas pertencem aos três grupos funcionais identificados e dão conta
por si só da diversidade funcional da própria floresta.
Uma imagem bem diferente resulta da síntese dos resultados correspondentes à floresta que margeia o córrego,
a Mata Ciliar. Frente à falta total de dominância das
populações arbóreas de folhas “leves”, as esclerófilas e
de folhas intermediárias predominam (Tab. 14). Com uma
área basal total próxima aos 7m2, F. gomelleira é a espécie de maior taxa de cobertura, porém S. multiflora a
sucede devido a seus numerosos indivíduos, mais de 100
por ha, o que é característico de populações de início de
sucessão. Completando a listagem das cinco espécies com
maior taxa de cobertura, as duas palmeiras, A. aculeatissimum e P. caudescens, e E. ovata representam populações
esclerófilas e R. bahiensis, uma população de propriedade intermediária. Elas não possuem nem abundâncias extremas nem um porte considerável, indicando mais bem -ver
o caso das palmeiras- uma certa abertura do dossel, o
que possibilita, assim mesmo, a instalação de espécies
secundárias tal S. multiflora. No total, a Mata Ciliar se
comporta como um sistema relativamente esclerófilo.
Em aberta oposição com as florestas primárias, a capoeira após extração mostra ainda os efeitos de um
extrativismo predatório. Baste lembrar que as populações
esclerófilas são aquelas de lenho duro e contempladas,
em geral, como madeiras de “Lei”, ou seja, as mais
cobiçadas. Passados 50 anos, elas parecem não haver
recuperado suas densidades e ainda menos seu porte,
expresso pela estimativa de área basal (Tab. 14). O grupo
funcional das espécies intermediárias se caracteriza igualmente pela baixa área basal que representa metade do
valor observado para a Mata Alta. Quanto ao grupo de
folhas membranáceas, ou não esclerófilas, a considerável
densidade de M. elata, com perto de 200 ind./ha, compensa seguramente a inexistência de grandes árvores, contribuindo com cerca de 50% da área basal total das 25
espécies selecionadas. Exceto M. elata, as quatro populações predominantes são consideradas de esclerofilia intermediária e em nenhum caso a área basal destas espécies excede 1m2 , Entre elas, J. princeps é uma espécie
pioneira e S. multiflora, uma secundária inicial. A análise
das taxas de cobertura dos grupos funcionais mascara o
Tabela 14. Densidade, área basal e taxa de cobertura dos grupos funcionais segundo o grau de esclerofilia em
Floresta Atlântica de Tabuleiros.
Médias e erro padrão; n=3. MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada.
Teste U; 0: α> 0,05, diferença não significativa; ∗: α<0,05., diferença significativa. Estão indicadas somente as
hipóteses H1 das diferenças significativas.
grau de esclerofilia
mata alta
mata ciliar
capoeira
capoeira
após extração
após queimada
teste U
densidade (ind. / ha)
espécies esclerófilas
187 + 32
240 + 49
21 + 5
144 + 32
MA > CE *
espécies intermediárias
288 + 32
267 + 41
275 + 54
408 + 12
MA < CQ *
espécies não esclerófilas
128 + 14
235 + 19
301 + 15
493 + 15
MA > MC *
MA < CE *
área basal (m2 / ha)
espécies esclerófilas
18,5 + 1,5
16,2 + 4,2
21,7 + 0,8
26,1 + 1,0
MA > CE *
espécies intermediárias
12,9 + 1,1
12,5 + 2,4
26,8 + 1,2
20,3 + 2,3
MA > CE *
MA < CQ *
espécies não esclerófilas
15,0 + 1,6
21,6 + 1,1
25,7 + 0,5
21,4 + 0,5
0
taxa de cobertura (200%)
espécies esclerófilas
38 + 1
64 + 12
10 + 4
33 + 6
MA < MC *
MA > CE *
espécies intermediárias
61 + 2
59 + 12
54 + 6
104 + 6
MA < CQ *
espécies não esclerófilas
24 + 5
7+4
50 + 2
14 + 2
MA < CE *
fato de que a área basal total deste sistema encontra-se
reduzida a metade mas salienta o maior impacto sofrido
pelas populações esclerófilas (Tab. 14).
Como no caso do sistema após extrativismo, na capoeira após queimada mais da metade da taxa de cobertura
das 25 espécies selecionadas provem de populações do
início da sucessão, pioneiras e secundárias inicias, entre
as quais as cinco com maior dominância. Contudo, elas
estão incluídas seja no grupo das intermediárias, seja no
grupo funcional das esclerófilas, tratando-se aqui de
palmeiras e não de espécies arbóreas em sentido estrito.
Mas, o traço principal da comunidade é a alta dominância
de R. laurifolia, com 160 ind./ha e 9m2 de área basal, que
junto a J. princeps, contribuem para as altas densidade e
área basal de espécies de esclerofilia intermediária (Tab. 14).
O procedimento empregado para a queima pode, em parte,
explicar a significativa área basal deste grupo: a dificuldade que representa extrair as raízes, é contornada pelo
corte dos troncos que rebrotam. O que representou uma
dificuldade de amostragem é de fato uma sinal particular
deste tipo de impacto no passado.
Em conclusão, a taxa de cobertura dos grupos funcionais
estima a importância quantitativa das diferentes populações
arbóreas que compõem cada grupo, representando um
indicador tanto de diferenças relacionadas com
determinantes mesológicos, tal o caso da proximidade de
um curso d’água, como de modificações da comunidade
arbórea conseqüentes a impactos antrópicos. Ela é,
portanto, um indicador ecológico de caráter funcional que,
a este título, sintetiza fatores evolutivos, ecológicos e
antrópicos que se manifestam na organização da
comunidade arbórea. Em paralelo, considerar o valor
indicador da riqueza em espécies dos grupos funcionais
constitui um complemento de informação que permite
avaliar as diferenças e impactos sobre a diversidade
taxonômica, resultante da evolução recente das plantas
lenhosas na região neotropical.
Outros indicadores podem ser propostos. O primeiro
se baseia no Índice de Diversidade de Simpson e considera conjuntamente a taxa de cobertura das espécies que
compõem cada grupo funcional e o Índice de Esclerofilia
de cada espécie, i. e., o peso específico foliar padronizado.
A Importância Funcional da espécie i é definida como
IFi= TC/100 x IEi;
a probabilidade é expressa por
pi= IFi / ∑ IFi para cada espécie pertencente a um grupo;
e a Diversidade do Grupo Funcional:
IDF = 1 / ∑pi 2.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
49
Tabela 15. Valores de Diversidade Funcional (IDF) da cobertura arbórea da Floresta Atlântica de Tabuleiros.
IDF: (ver texto).
mata alta
mata ciliar
capoeira após
extração
capoeira após
queimada
IDF
spp. esclerófilas
5,48
7,47
2,72
3,06
IDF
spp. intermediárias
IDF
spp. não esclerófilas
6,64
7,08
10,53
4,62
4,20
1,96
3,73
3,08
16,32
16,51
16,98
10,76
grupos funcionais
IDF
total
A vantagem do IDF aplicado aos grupos funcionais
reside no fato de diminuir a importância relativa das
espécies extremamente abundantes. Ao contrário da única
utilização das taxas de cobertura, ele evidencia a maior
pobreza em espécies da capoeira após queimada e a riqueza das populações de esclerofilia intermediária na
capoeira após extração (Tab. 15).
Um segundo indicador aplicado a cada grupo funcional pode ser utilizado: trata-se das médias dos distintos
parâmetros físicos e químicos que caracterizam o material
foliar ponderadas pelas taxas de cobertura. Ele possibilita
obter estimativas médias do sistema.
6. A dimensão funcional da diversidade biológica
Irene Garay
Nas baixas latitudes, as florestas tropicais se encontram
entre os ecossistemas mais produtivos do planeta. Inúmeras espécies arbóreas respondem pela surpreendente
biomassa que, produzida ano após ano, triplica em geral
aquela das florestas temperadas. Entretanto, uma parte da
produtividade irá se acumular nos troncos das diversas
espécies que conformam o dossel e nos fustes das poucas e imponentes árvores que o coroam; outra, não menos
importante, corresponde à produção de folhas, flores e
frutos ou, ainda, raízes. No cerne deste processo, emerge
o paradoxo de estarem sustentadas pelos solos mais antigos
e mais pobres da biosfera submetidos à acentuada perda
de nutrientes minerais que são transportados em profundidade por chuvas continuadas e violentas. Os caminhos
da evolução conduziram a adaptações tais que a
mineralomassa imprescindível ao processo produtivo se
concentra e permanece essencialmente nos próprios seres
vivos, ou seja fora dos horizontes pedológicos.
Mas, quando grande parte da matéria orgânica produzida alcança a superfície do solo inicia-se um processo
complementar: a decomposição dos restos vegetais que
progressivamente vão liberar os nutrientes, os quais,
absorvidos novamente pelas plantas, possibilitam reiniciar
um outro ciclo produtivo. Eles se acumulam, sobretudo,
no topo do solo onde transita uma mineralomassa que é
50
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
rapidamente reciclada. Existe, em conseqüência, uma estreita relação entre o subsistema de produção e o
subsistema decompositor cujo nexo, por excelência, são
as folhas das espécies arbóreas. Quando verdes, elas
representam uma parte significativa da produtividade florestal; quando mortas, são recebidas pelo solo sendo seu
destino final liberar os nutrientes nelas contidos.
Para as florestas de regiões temperadas e temperadas
frias, uma abundante literatura científica informa como a
quantidade e a qualidade dos aportes foliares ao solo
determinam a modalidade da decomposição da matéria
orgânica. Deste ponto de vista, as espécies florestais são
catalogadas em três grupos funcionais, sendo os extremos constituídos por espécies denominadas acidificantes
e melhoradoras. As primeiras correspondem a árvores cujo
folhiço é pobre em nitrogênio e demais nutrientes e, por
conseguinte, com velocidade de decomposição lenta. As
outras, que produzem aportes foliares ricos em nutrientes
minerais e de rápida decomposição, podem por sua vez
melhorar a qualidade do solo. Entre ambos os extremos,
uma terceira categoria de espécies aporta folhas mortas
de qualidade intermediária cujo efeito benéfico ou não
para a fertilidade vai depender do tipo do solo: são as
espécies indiferentes. Força é constatar que a questão da
diversidade de espécies sobre os mecanismos de decomposição carece, em geral, de significação: a maioria dos
ecossistemas de floresta temperada e temperada fria são
constituídos por somente uma espécie ou, no máximo,
por duas espécies arbóreas. Assim, considerar as características qualitativas dos aportes foliares possibilita comparar diferentes tipos de floresta ou manejar maciços
florestais distintos com objetivo de produção e corte de
madeira. Uma analogia com plantios arbóreos mono-específicos de regiões tropicais merece ser entrevista.
Nada se conhecia praticamente sobre estes aspectos para
os ecossistemas de Floresta Atlântica. Ainda menos, qual
o papel da diversidade de espécies arbóreas sobre a modalidade da decomposição da matéria orgânica. Alguns trabalhos focalizaram a pesquisa num número extremamente
restrito de espécies visto a dificuldade maior que representa a altíssima diversidade da comunidade arbórea em
qualquer que seja a floresta tropical. Assim, concluir sobre
o funcionamento do ecossistema como um todo é uma
extrapolação abusiva. Em contrapartida, o estudo detalhado de centenas de espécies mostrou-se impossível na
prática. A meio caminho, nossos resultados demonstram
que a elaboração de indicadores funcionais, a partir de
um certo número de espécies escolhidas com critério
objetivo, representa uma alternativa. A diversidade de
grupos funcionais ou das características ecológicas de cada
grupo funcional expressa como a diversidade de espécies,
propriedade fundamental das florestas tropicais, se organiza em uma diversidade funcional que determina a estrutura e o funcionamento do ecossistema. Eis a questão
tratada a seguir para a Floresta Atlântica de Tabuleiros
do norte do Espirito Santo.
vegetação graminóide que, assentada no substrato
quaternário, constitui as verdadeiras várzeas da região.
Hoje, tal imagem encontra-se praticamente restrita ao
maciço florestal formado sobretudo pela Reserva Biológica de Sooretama e a Reserva Florestal de Linhares, no
interior das quais predomina a Mata Alta e, secundariamente, a Mata ou Floresta Ciliar. Se a importância da
Mata Alta reside na qualidade de ser o ecossistema mais
representativo do núcleo florestal dos Tabuleiros Terciários,
a relevância da Floresta Ciliar resulta essencialmente dos
serviços ambientais ligados à regulação e manutenção dos
recursos hídricos, o que é fundamental na região percorrida por numerosos córregos cujas águas possibilitam a
sobrevivência da floresta e a produção agrícola.
As fácies de floresta primária: Mata Alta e Mata
Ciliar
A Floresta de Tabuleiros é uma floresta semidecidual
na qual coexistem populações perenes semi-caducifólias e
caducifólias em relação direta com três grupos funcionais: o primeiro reagrupa as árvores esclerófilas; o segundo, aquelas de folhas intermediárias e o terceiro grupo funcional está constituído por espécies não esclerófilas
ou de folhas membranáceas. Quando instalada sobre os
Tabuleiros Terciários, um certo equilíbrio dos grupos
funcionais, inclusive representados pelos indivíduos que
emergem do dossel, caracteriza a Floresta Densa de
Cobertura Uniforme. Quando ela se instala na proximidade de um curso d’água, se acentua o caráter esclerófilo
da cobertura arbórea e os claros resultantes de uma certa
discontinuidade das copas favorece a vida das palmeiras
e de populações secundárias. Globalmente, as folhas das
árvores são mais esclerófilas na Mata Ciliar que na Mata
Alta e consequentemente mais pobres em nitrogênio e mais
ricas em lignina (Fig. 32). Com a chegada do período
invernal, relativamente mais seco, a queda foliar torna-se
mais intensa, de forma que no final do ano a necromassa
originada pela cobertura arbórea totaliza da ordem de 7
t/ha, ou seja entre dois e três vezes mais que os aportes
em florestas temperadas e temperadas-frias. Estes aportes,
que correspondem a uma parte significativa da produtividade, são entretanto menores na Mata Ciliar que na Mata
Alta. A esclerofilia parece ir de par com uma menor
produtividade.
A Floresta Densa de Cobertura Uniforme, a Mata Alta,
surge na paisagem instalada sobre os amplos topos aplanados dos tabuleiros terciários e abraçando as encostas
suaves, que conformam os antigos vales abertos e rasos
pelos quais correm ainda numerosos córregos e rios. Na
proximidade dos cursos d’água, a mata modifica sua
fisionomia que aparece ao olhar mais aberta e semeada de
numerosas palmeiras; trata-se aí da denominada Mata
Ciliar a qual, apesar de sujeita às flutuações de profundidade do lençol freático, nunca é totalmente inundada.
Fica por conta dos fundos de vale o permanecer mais ou
menos alagados; mas a floresta é substituída aí por uma
Os solos pobres e profundos da Formação Barreiras,
sujeitos ao intemperismo prolongado das condições tropicais, são recarregados em nutrientes e matéria orgânica
pelos aportes epígeos da vegetação. As folhas mortas
inteiras se depositam sobre o piso da floresta e, apesar
das mudanças ocasionadas pela senescência e a rápida
decomposição de compostos solúveis de fácil degradação,
estão marcadas pelas propriedades físicas e químicas de
quando vivas. Elas são proporcionalmente mais ricas em
nitrogênio na Mata Alta que na Mata Ciliar e, pelo contrário, mais esclerófilas na Mata Ciliar que na Mata Alta.
A quantidade e a qualidade dos aportes foliares ao solo
Esboçando um modelo conceitual do
funcionamento da Floresta Atlântica
de Tabuleiros
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
51
espelha a importância relativa dos grupos funcionais do
estrato arbóreo, fator determinante das velocidades de
decomposição (Fig. 32).
De fato, a velocidade de decomposição se manifesta
pela intensidade do acúmulo orgânico de origem vegetal
no topo do solo. Ele resulta fundamentalmente da modalidade de dois processos biológicos cujos componentes,
microorganismos e fauna, se encontram em estreita
interação: o primeiro, corresponde à fragmentação das
folhas inteiras e o segundo, à transformação dos restos
foliares em matéria orgânica amorfa. Como resultado final, camadas orgânicas empilhadas recobrem os horizontes pedológicos. Estas são mais conspícuas na Mata Ciliar
que na Mata Alta apesar das diferenças contrárias na
queda de folhas: a Mata Ciliar apresenta um acúmulo,
notadamente, de matéria orgânica amorfa que, comparado
com a Mata Alta, aumenta em mais de um terço o estoque
superficial. A velocidade de decomposição dos aportes
foliares é de nove meses para a Mata Alta e de 19 meses
para a Mata Ciliar.
Quais as características pedológicas que acompanham
a evolução dos aportes foliares nos dois sistemas? A
diferenciação de um pequeno horizonte de interface, onde
matéria orgânica e nutrientes se concentram em uníssono
com as raízes finas das árvores, é traço em comum tanto
da Mata Alta como da Mata Ciliar. Porém, ao se comparar
ambas as fácies florestais, este horizonte apresenta propriedades contrastantes para a maioria dos parâmetros: na
Mata Alta, a matéria orgânica é mais rica em nitrogênio,
a quantidade de bases de troca é maior, o acúmulo orgânico é menor e, logicamente, a saturação em bases é
superior. À base, o horizonte A12 ainda conserva características distintas: por exemplo, sob a Mata Alta, há um
menor conteúdo de carbono orgânico e maiores quantidades de bases de troca que na Mata Ciliar. Além os primeiros dez centímetros, o horizonte A se empobrece
bruscamente em matéria orgânica e nutrientes que ficam
diluídos primeiro, numa matriz arenosa e, em seguida,
argilosa, com predomínio de argilas tipo caulinita com
baixa capacidade de retenção de nutrientes. Em profundidade, um horizonte laterítico evidencia a deposição dos
óxidos de ferro liberados pela degradação das argilas. Tudo
indica que a reciclagem de nutrientes e a mineralização da
matéria orgânica ocorrem no topo do solo.
O conjunto das características dos horizontes orgânicos de superfície, o que possibilita classificar as formas
Figura 32. Esquema sintetizando a dinâmica da decomposição da matéria orgânica em sistemas primários e
secundários de Floresta Atlântica de Tabuleiros. C/N: relação entre carbono orgânico e nitrogênio; IE: índice de
esclerofilia; AF: aportes foliares; AT: aportes totais; E: estoques orgânicos das camadas húmicas superficiais; VD:
velocidade de decomposição. O IEp das folhas mortas foi calculado segundo Kindel, 2001.
52
Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)
de húmus em mull mesotrófico tropical para a Mata Alta
e mull oligotrófico tropical para a Mata Ciliar, sintetizam
a dinâmica da decomposição da matéria orgânica oriunda
da vegetação. Sob as mesmas condições climáticas gerais
e dada a similitude de Classe de Solo, o Argissolo
Amarelo, as diferenças na velocidade de decomposição
devem ser atribuídas ao caráter mixto com respeito à
esclerofilia da comunidade arbórea e a sua variabilidade.
Aportes mais pobres em nitrogênio e mais ricos em
compostos de difícil degradação ocasionam menores velocidades de decomposição, um acúmulo orgânico superficial e uma maior oligotrofia dos horizontes superficiais.
Em ambos os casos aqui sintetizados, o funcionamento e
a sustentabilidade do ecossistema depende estreitamente
da organização das populações arbóreas.
As florestas secundárias: a mata após a queima e o
fragmento interferido pelo extrativismo
As “matas após a queima”, significado estrito de capoeira, não são um elemento dominante na região dos Tabuleiros Terciários; elas representam apenas vestígios da
utilização tradicional da terra dentro mesmo da floresta
limitada pelas Reservas cujo status de conservação não
remonta mais que a poucas décadas. No oposto, a floresta foi amiúde interferida pela extração de madeira, atividade
que se perpetua nos dias atuais. Se no passado foi privilegiado o corte das madeiras de lei, inclusive utilizadas
com vistas ao desenvolvimento econômico do estado do
Espírito Santo e do País, progressivamente, os usos dos
remanescentes florestais acompanharam as atividades
econômicas da região, em particular, a agricultura e as
necessidades domésticas. Em teoria, a avaliação de capoeiras e de fragmentos interferidos por extração parece ser
um problema menor; na prática, esta avaliação é fundamental para a utilização sustentável dos recursos florestais, notadamente porque os fragmentos submetidos a
extrativismo seletivo constituem, em geral, os únicos
restos acessíveis à população da floresta outrora existente.
Confrontado com os ecossistemas primários, as capoeiras diferem essencialmente no seu funcionamento pelas
velocidades menores de decomposição da matéria orgânica do solo, o que não pode ser explicado pelas diferenças dos grupos funcionais da cobertura arbórea. Pelo contrário, a esclerofilia e os conteúdos médios de nitrogênio
são similares à Mata Alta. Neste sentido, os efeitos da
intervenção antrópica sobre a dinâmica da decomposição
são contrastantes nos dois tipos de capoeira. Uma provável lixiviação de nutrientes foi ocasionada pela queimada
de sorte que ainda atualmente, o solo é relativamente
oligotrófico. Na floresta que sofreu extração seletiva,
existe acúmulo de matéria orgânica e nutrientes nos horizontes de superfície, resultado sem dúvida da alteração
direta do solo e do acúmulo de galhos mortos e cipôs.
Em ambos os casos, os restos foliares e os galhos ficam
acumulados sobre os horizontes pedológicos devido sem
dúvida à lenta decomposição do material vegetal que é de
15 a 16 meses no lugar de nove para a Mata Alta (Fig.
32). As alterações ocasionadas há cinqüenta anos perduram tanto na organização da comunidade arbórea e sua
diversidade funcional que no funcionamento do subsistema
decompositor.
O conjunto dos resultados possibilita avaliar as modificações da diversidade funcional ocasionadas pela utilização dos recursos florestais nos remanescentes, evidenciando a necessidade de se elaborar respostas adequadas
de manejo florestal junto aos diferentes segmentos da comunidade local.
7. No futuro
Recortado no horizonte da Região dos Tabuleiros, o maciço florestal das Reservas de Sooretama e Linhares representa mais uma lembrança dos tempos passados, que
guarda de maneira velada os mistérios da vida de árvores
e animais, que uma real riqueza destinada a melhorar a
qualidade da vida da presente e futuras gerações humanas. No quotidiano, a diversidade da vida dá as costas à
considerável diversidade social e cultural que rodeia a
Floresta.
Portanto, entre as terras cultivadas reaparecem vestígios
da Terra dos Animais da Mata sob a forma de numerosos
e pequenos fragmentos disseminados na paisagem. São
os remanescentes florestais sujeitos a atividades
extrativistas. A Floresta bravia persiste e oferece ainda
diferentes recursos aos agricultores e à comunidade porém
com risco de serem esgotados. Avaliar a intensidade destes
impactos e propor alternativas de recuperação e restauração
florestal torna-se premente não somente para conservar a
floresta mas também para facilitar uma partilha eqüitativa
dos benefícios dos recursos biológicos às comunidades
locais e a melhora efetiva da qualidade de vida. Nesta
perspectiva, novas tecnologias de avaliação da
biodiversidade dos remanescentes e os avanços no
conhecimento da floresta primária representam uma
contribuição frente à necessária economia de recursos
humanos e materiais.
Em outra esfera, os Homens da Floresta que sobreviveram às drásticas mudanças sociais e econômicas da
região possuem os segredos que a natureza foi entregando a seus antepassados. A elaboração científica do conhecimento encontra seu lugar enlaçada ao saber tradicional
e as expectativas sócio-culturais da região. No cruzamento das dimensões biológicas e humanas da biodiversidade,
o patrimônio da região dos Tabuleiros Terciários necessita com urgência ser preservado. Ele vai ao encontro da
vocação florestal e agrícola do Norte do Espírito Santo
e ao desejado processo de Desenvolvimento Sustentável.
Diversidade Funcional em Floresta Atlântica
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