Solo como Sistema - Departamento de Solos e Engenharia Agrícola
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Solo como Sistema - Departamento de Solos e Engenharia Agrícola
Fabiane Machado Vezzani João Mielniczuk O Solo como Sistema 1ª edição Curitiba | PR Edição dos autores 2011 O Solo como Sistema 1ª Edição: 2011 Tiragem: 1.000 exemplares “A vida só é possível num universo longe do equilíbrio.” Direitos reservados desta edição aos autores. Ilya Prigogine Pedidos desta obra: Fabiane Machado Vezzani Email: [email protected] 4 Capa e Design Gráfico: Silvio Lovato Revisão: Gabriela Koza 5 Foto: Flávia Fontana Fernandes Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k O Solo como Sistema Um pouco da história... Este livro iniciou a partir da minha tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, concluída em outubro de 2001 sob orientação do professor João Mielniczuk. 6 Não Equilíbrio. Neste momento, quero ressaltar a sua valiosa contribuição e agradecê-lo por isto. Desde 2001, eu e o professor João evoluímos na visão do solo como um sistema e no seu funcionamento baseado A ideia de transformar a tese em livro partiu da amiga na Termodinâmica do Não Equilíbrio. Percebemos, também, a e colega Nilvania Aparecida de Mello, a quem, neste momento, necessidade crescente de interpretarmos o solo de uma forma faço um agradecimento muito especial. Foi através do incentivo complexa, entendendo as suas relações com os sistemas com- dela que este livro se concretizou. ponentes e com o ecossistema em que ele pertence para inferir na sua qualidade. ciologia da UFRGS, durante a disciplina de Epistemologia da Neste livro, apresentamos a essência do trabalho desen- Ciência, foi fundamental para a construção da visão apresentada volvido na UFRGS durante o meu doutoramento e as reflexões neste livro. Ele foi o responsável pela luz inicial, nos questionan- subsequentes a este período, acreditando que possamos contri- do sobre a base científica do funcionamento do sistema solo. buir para a visão do solo como um sistema. No período do meu doutoramento, o professor Jacques Marre contribuiu com bibliografias e discussões valiosas em torno do tema, gerando o movimento em direção à Termodinâmica do Fabiane Machado Vezzani Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k O professor Jacques Marre, do Departamento de So- 7 Sumário O Solo como Sistema 9 Noções da Termodinâmica do Não-Equilíbrio 13 Caracterização do Sistema Solo 29 Sistema Solo 30 Fluxo de Energia e Matéria no Sistema Solo 34 Estados de Ordem do Sistema Solo 39 Funcionamento do Sistema Solo 51 Estudo de Caso: Funcionamento de Sistemas Solo em Produção Agrícola 69 Um Caminho a Percorrer 85 Bibliografia Citada 90 Apêndice 99 O Solo como Sistema O Solo como Sistema 10 agrícola, visando à sustentabilidade da agricultura e à preservação do ambiente. Em meados dos anos 90, em discussões durante a disciplina de Manejo e Conservação do Solo do Programa de PósGraduação em Ciência do Solo da UFRGS, nos sentimos estimulados a identificar atributos de solo que servissem como um A sustentabilidade ambiental depende do adequado indicador de Qualidade do Solo para as condições subtropicais funcionamento do solo, isso porque as principais relações e in- do Rio Grande do Sul. A partir daí, discussões e reflexões so- terações bióticas, e, consequentemente, a regulação dos ecossis- bre as funções do solo em sistemas de produção agrícola e no temas ocorrem no solo. ambiente nos levaram a concluir que um indicador não atingiria No ambiente, o solo funciona como um meio para o o objetivo de conhecermos o funcionamento do solo nos ecos- crescimento das plantas; regula e compartimentaliza o fluxo de sistemas e, assim, analisarmos a qualidade de um solo segundo água; estoca e promove a ciclagem de elementos químicos; e ser- Doran & Parkin (1994). ve como um tampão ambiental na formação, atenuação e degra- Partimos, então, para o estudo do sistema de produção dação de compostos prejudiciais ao ambiente (Larson & Pierce, e, para isso, foi preciso interpretar o solo como um sistema vivo, 1994; Karlen et al., 1997). que ele realmente é, e, somente dessa forma, inferir sobre o seu Se o solo funciona adequadamente, ele tem capacidade 11 funcionamento e, consequentemente, sobre a sua qualidade. Este livro é o resultado desses estudos e interpretações. aumentar a qualidade do ar e da água, e promover a saúde das Com o objetivo de apresentar um ensaio sobre a visão do solo plantas, dos animais e dos homens, o que caracteriza a Qualidade como um sistema, primeiramente, serão apresentadas noções do Solo definida por Doran & Parkin (1994). da Termodinâmica do Não Equilíbrio, ciência que fundamenta A maioria do pensamento, em âmbito mundial, de cien- os princípios de funcionamento de sistemas abertos, como é tistas, agricultores e instituições governamentais e não governa- o caso do solo, a fim de construir subsídios para interpretá-lo. mentais em relação à Qualidade do Solo centra-se na identifi- A seguir, será apresentada uma proposta de caracterização do cação de um índice, que seja capaz de servir como indicador, sistema solo e seu funcionamento com base na Termodinâmica assim como existem indicadores para qualidade do ar e da água. do Não Equilíbrio. E, para finalizar, um Estudo de Caso, que in- A intenção é obter uma ferramenta para avaliar, principalmen- terpreta o funcionamento do sistema solo na produção agrícola te, a qualidade das práticas de manejo empregadas na produção sob a luz desta proposta. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k de sustentar a produtividade de plantas e animais, de manter ou Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Noções da Termodinâmica do Não Equilíbrio 13 12 O Solo como Sistema O Solo como Sistema creve a transferência da entropia através das fronteiras do sistema, podendo ser positiva ou negativa, conforme o tipo de troca com o meio externo. O segundo princípio da termodinâmica afirma que independentemente das condições do sistema, a produção de entropia diS é sempre positiva. Em sistemas abertos, que recebem continuamente um fluxo do ambiente externo, o As noções da termodinâmica do não equilíbrio apre- termo deS é sempre positivo, e, assim, a dS também é positiva. É sentadas neste livro referem-se à interpretação feita nas obras esta energia da entropia que gera atividade aos sistemas abertos. bibliográficas de Prigogine (1996; 2002) e Prigogine & Stengers A atividade de um sistema aberto está diretamente rela- (1992; 1997). Portanto, não será citada a referência de cada afir- cionada com a energia imposta a ele, ou seja, ao fluxo que o sis- mação, exceto quando afirmações de outros autores. tema recebe. Antes de continuar, é importante ressaltar a composição dos sistemas. Os sistemas são compostos por elementos e os elementos são compostos por partículas. Portanto, quando 14 um sistema recebe determinada energia, as partículas que compõem os elementos entram em colisões. O encontro entre duas gia e matéria e, por isso, funcionam afastados do equilíbrio. O partículas de trajetórias t1 e t2 resulta em novas trajetórias t1’e equilíbrio termodinâmico é um estado característico de sistemas t2’. A princípio, uma colisão entre partículas parece reversível; fechados, no qual o sistema, após receber uma quantidade de se as trajetórias forem invertidas, as partículas voltam ao mesmo energia e matéria, tende para um estado estacionário, onde não lugar anterior à colisão. Mas, a cada colisão, ocorre o fenômeno ocorrem mais alterações nas concentrações dos reagentes nem de ressonância, e as partículas passam a interagir com o campo dos produtos. Como os sistemas abertos recebem, continuamen- energético que é produzido, criando correlações entre elas. A te, um fluxo de energia e matéria, o equilíbrio nunca é atingido. evolução das colisões cria uma corrente de correlações, aumen- A situação de não equilíbrio nos sistemas abertos se ca- tando a atividade de todo o sistema. A criação das correlações racteriza por apresentar a variação de entropia (dS) sempre po- após a colisão entre as partículas pode ser observada na Figura sitiva. A entropia é a energia dissipada por um sistema durante a 1. De colisão em colisão, cria-se uma corrente de correlações, realização de um processo. E a variação de entropia é dada pela de modo que uma mensagem recebida por uma das partículas soma de dois termos: um termo é diS, que descreve a entropia se propaga por todas as partículas do sistema, através desta produzida no interior do sistema; e o outro termo é deS, que des- corrente, alcançando distâncias macroscópicas, refletindo na 15 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Sistemas abertos recebem um fluxo contínuo de ener- O Solo como Sistema dimensão da ordem do centímetro. Este fenômeno são as cor- como demonstra a Figura 2. Nesta figura, os círculos tracejados relações de longo alcance. representam os elementos que compõem o sistema, e as linhas Essa atividade intrínseca do sistema aumenta sua sensi- dentro dos círculos, as relações dentro de cada elemento. Desse bilidade. Isso porque, quanto maior forem as flutuações no com- modo, os elementos são redes de relações não lineares embuti- portamento das partículas, em função das colisões entre as partí- dos em redes maiores. E é a partir destas relações não lineares culas provocadas pelo fluxo de energia e matéria, uma mensagem que os elementos do sistema estão interligados. Ressalta-se que recebida será mais rapidamente transmitida através da corrente os limites de cada elemento não têm importância, enquanto que de correlações de longo alcance e, assim, o sistema se torna cada as relações são fundamentais. vez mais sensível a si mesmo e às flutuações da sua própria atividade. Nessa situação, a entropia do sistema é alta e positiva e é esta energia que conduz o sistema à auto-organização, pois no meio da corrente de correlações, quando o sistema está altamente ativo e sensível, emergem espontaneamente regimes estáveis 16 de comportamento, estados de ordem mais prováveis. 17 FIGURA 2. Configuração de um sistema aberto (Capra, 1996). Círculos com linhas tracejadas representam os elementos; linhas contínuas, as relações FIGURA 1. Criação de correlações (adaptada de Prigogine & Stengers, 1992). Inicialmente, as partículas não estão correlacionadas. A colisão entre duas par- As relações não lineares entre os elementos possuem um tículas cria entre elas correlações pós-colisionais, representadas pelas linhas em vínculo de causa. Por exemplo, quando uma mensagem inicial é zigue-zague. As setas indicam a direção do movimento das partículas. recebida por um dos elementos do sistema provoca a propagação de um sinal, através das correlações de longo alcance entre A auto-organização do sistema é possível porque as cor- as partículas que o compõe, de modo que cada elemento tenha relações de longo alcance entre as partículas geram as relações efeito sobre o seguinte, pois as correlações de longo alcance afe- não lineares entre os elementos que compõem o sistema. Sendo tam as relações não lineares entre os elementos, e o sistema se assim, a estrutura de um sistema tem a configuração de uma rede auto-organiza no estado de ordem mais provável, em função da de relações não lineares entre os seus elementos componentes, mensagem recebida. Ou seja, emerge espontaneamente um es- Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k dentro dos elementos e entre eles. O Solo como Sistema tado de ordem mais provável originário da mensagem recebida. desordem e maior será a probabilidade de o sistema se encontrar A formação deste estado mais provável do sistema, que nesse estado. No caso do experimento do saco com dois tipos de são estruturas resultantes de uma condição de não equilíbrio, areia, o maior número de arranjos ocorre quando a mistura é um só existe enquanto o sistema dissipa energia e permanece em cinza uniforme, é o estado de maior desordem, ou seja, o estado interação com o mundo exterior (deS positiva). A dissipação de mais provável destes dois tipos de areia se encontrar. energia, oriunda do fluxo de energia e matéria, é fonte de energia O movimento da ordem para a desordem é um movi- ordenadora do sistema, por isso sistemas abertos são chama- mento do estado improvável para um estado provável, e, quanto dos por Prigogine de Estruturas Dissipativas, porque existe uma maior for o número de partículas, mais alta será a probabilidade estreita e paradoxal associação: estrutura e ordem de um lado, do movimento da ordem para a desordem. dissipação de energia de outro. 18 É nesse sentido que a ordem emerge espontaneamente Para facilitar o entendimento da concepção de ordem na no caos (desordem total), pois no meio da grande atividade das termodinâmica do não equilíbrio, reproduz-se aqui um experi- partículas de um sistema que recebe um fluxo contínuo de energia mento de Boltzmann, citado em Capra (1996): o enchimento de e matéria ocorre a emergência do estado mais provável de intera- um recipiente com dois tipos de areia, a metade do fundo com ção entre elas e, consequentemente, entre os elementos. Portanto, em função do fluxo, que gera correlações de de ordem elevada, há somente um arranjo possível. Em seguida, longo alcance entre as partículas que interferem nas relações agita-se o recipiente para misturar os grãos de areia. À medida que não lineares entre os elementos, o sistema se auto-organiza num a areia branca e a areia preta se misturam mais e mais, o número de estado de ordem em um determinado nível de complexidade. possibilidades de arranjos diferentes aumenta, e, com ele, o grau A complexidade do sistema é caracterizada pela quantidade de de desordem, até que se chega a uma mistura igual, na qual a areia energia e matéria retida e pelo número de elementos e relações é um cinza uniforme, e a desordem é máxima. Este é o estado não lineares que compõem o sistema. mais provável dos dois tipos de areia se arranjarem. Se o fluxo que está passando no sistema é constante, A concepção de ordem na termodinâmica do não equi- ou seja, a magnitude e a velocidade de energia e matéria não se líbrio está associada à probabilidade. O número de modos alter- alteram, o sistema se auto-organiza num estado de ordem com nativos em que as partículas podem se arranjar para constituir determinado nível de complexidade, que permanece estável en- determinado estado mede a probabilidade do sistema se encon- quanto durar a constância do fluxo. Mas, o fluxo pode alterar e trar neste estado. É assim que a probabilidade é definida. Quanto a ordem em que o sistema se encontra sofrerá transformações maior for o número de modos para um certo estado, maior será a em função deste novo fluxo. Como visto anteriormente, a ativi- 19 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k areia preta e a metade do topo com areia branca. Este é um estado O Solo como Sistema dade do sistema aumenta sua sensibilidade, e a sensibilidade do sistema está diretamente relacionada com sua instabilidade. Isso porque pequenas alterações no fluxo de energia e matéria serão transmitidas, primeiramente, pelas correlações de longo alcance, que, posteriormente, irão refletir nas relações não lineares, gerando a instabilidade do estado de ordem atual. Nesse ambiente altamente ativo, novos comportamentos estáveis surgem espontaneamente, emerge uma nova ordem, em função das alterações no fluxo. A nova ordem emergente permanece estável dependendo da manutenção da magnitude e velocidade do fluxo atual; do contrário, qualquer alteração pode conduzir o sistema para outros novos estados de comportamento. FIGURA 3. Diagrama de bifurcações de um sistema em condição de não equilíbrio (adaptada de Prigogine & Stengers, 1997). Linha contínua = estados estáveis de ordem; linha tracejada = estados de instabilidade. Os momentos em que o sistema deixa de ser estável 20 Uma propriedade notável dessas bifurcações é a sua Nos pontos de bifurcação, o comportamento do sistema se tor- sensibilidade. Nos pontos de bifurcação, surgem diversas pos- na instável e pode evoluir na direção de vários estados estáveis sibilidades de estados de ordem, que podem emergir no sistema de ordem, que surgem em diferentes níveis de complexidade. (Figura 4), e o estado que realmente irá emergir é definido por A análise da Figura 3 facilita o entendimento deste processo. um processo probabilístico. Este processo ocorre porque a al- Observa-se, inicialmente, que o sistema se encontra num estado teração no fluxo causa um distúrbio no estado de ordem atual, estável (linha contínua na Figura 3), e, à medida que ocorre o an- o qual gera uma separação (∆ na Figura 4) entre os ramos de damento do fluxo de energia e matéria, surge um ponto onde o estados de ordem estáveis. O estado de ordem estável que irá estado estável se torna instável (linha tracejada na Figura 3). Nes- emergir nos pontos de bifurcação será aquele em que esta se- te ponto, novos estados de ordem mais estáveis emergem em ou- paração (∆ na Figura 4) seja mínima. Porém, neste ponto, onde tros níveis de complexidade. Quanto mais ativo, mais sensível o ocorre a separação mínima, várias possibilidades de estado de sistema se torna, mais instável e mais dependente do fluxo atual ordem estáveis surgem, mas o estado que irá emergir será aque- para manter o mesmo estado de ordem. Qualquer alteração no le mais provável, em função das características do novo fluxo fluxo pode conduzi-lo para outro estado de ordem, em um nível que gerou a instabilidade no ponto de bifurcação. Portanto, de complexidade diferente, como demonstra a Figura 3. 21 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k para se tornar instável são definidos como pontos de bifurcação. O Solo como Sistema probabilidade e determinismo não se contrapõem, mas se com- O novo estado de ordem pode ser característico de de- plementam. A probabilidade de o sistema seguir tal caminho senvolvimento ou de decomposição. A alteração do fluxo produz é determinada pelas características do fluxo. Dessa forma, a desenvolvimento quando a magnitude de energia e matéria que partir do andamento do fluxo de energia e matéria, quando a passa pelo sistema aumenta, e, através das correlações de longo sensibilidade do sistema é alta, várias possibilidades são aber- alcance entre as partículas que afetam as relações não lineares en- tas, mesmo com alterações pequenas no fluxo, e o sistema irá tre os elementos, emergem espontaneamente novas estruturas e modificar-se para um novo estado de ordem, dependendo da formas de comportamento, conduzindo o sistema para um novo característica da flutuação que instabilizou o sistema. O fluxo estado de ordem com maior quantidade de energia e matéria vai influenciar a magnitude de energia e matéria retida no siste- retida. O andamento do fluxo resulta no surgimento de estados ma ao longo do tempo e vai determinar o nível de complexida- de ordem em níveis energéticos sucessivamente mais elevados, de do novo estado de ordem. que se caracterizam pela crescente diversidade e complexidade da estrutura e das suas formas de comportamento, resultado de relações complexas entre os elementos e da alta quantidade de energia e matéria retida. O sistema tende ao desenvolvimento. 22 Por outro lado, a alteração do fluxo pode gerar decom- 23 posição, quando a magnitude de energia e matéria que passa pelo sistema diminui e, através das correlações de longo alcance entre mentos, um novo estado de ordem emerge, porém com menor quantidade de energia e matéria retida. O andamento do fluxo resulta no surgimento de estados de ordem em níveis energéticos sucessivamente mais baixos, que se caracterizam pela crescente simplicidade da estrutura e das suas formas de comportamento, resultado de relações simples entre os elementos FIGURA 4. Diferentes possibilidades de estados de ordem estáveis de um e de baixa quantidade de energia e matéria retida. O sistema sistema em condição de não equilíbrio e definição por uma possibilidade, em tende à decomposição. função das características do fluxo (adaptada de Prigogine, 2002). Linha contínua = estados estáveis de ordem; linha tracejada = estados de instabilidade; ∆ = separação entre os ramos perturbados. Outro aspecto relevante nos sistemas em condição de não equilíbrio é a flecha do tempo. A flecha do tempo está asso- Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k as partículas que afetam as relações não lineares entre os ele- O Solo como Sistema 24 ciada à evolução dos sistemas. A energia dissipada pelo sistema tempo, a função H volta a cair. Se a inversão das trajetórias ocor- nunca pode ser recuperada, e esse sentido em direção a uma rer não mais depois de cinquenta, mas depois de cem colisões, entropia sempre crescente que ocorre nos sistemas em condi- a função H não volta ao seu valor inicial, mas a um valor mais ção de não equilíbrio define a flecha do tempo. Isso se deve ao baixo. O que se conclui é que, quanto mais numerosas tiverem caráter irreversível das colisões entre as partículas, causado pelo sido as colisões antes da inversão das trajetórias, mais difícil é andamento do fluxo de energia e matéria. Mesmo invertendo, “preparar” um sistema para subir o declive entrópico e retornar teoricamente, a trajetória das partículas é impossível voltar ao ao seu estado inicial, mesmo sendo um sistema fechado. Num estado inicial, devido à criação de ressonâncias e à corrente de sistema aberto, é impossível retornar ao estado anterior, pois o correlações de longo alcance. fluxo de energia e matéria gera um grande número de resso- Entende-se melhor a flecha do tempo observando o nâncias e correlações de longo alcance entre as partículas, que comportamento de um sistema fechado que atinge o equilíbrio afastam as suas trajetórias cada vez mais para longe do equilí- frente a uma simulação numérica (Figura 5), experiência apre- brio, e, portanto, os processos são irreversíveis. Nesse sentido, sentada em Prigogine & Sengers (1992, 118p.). A experiência a flecha do tempo domina a evolução do sistema, a diferença permite visualizar o comportamento da função H em relação entre passado e futuro é inevitável. ao tempo. A função H foi construída por Boltzmann para rela- 25 cionar a distribuição das trajetórias percorridas pelas partículas no tempo. A simulação calcula as trajetórias referentes ao movide duas dimensões, ou seja, um sistema fechado que evolui para o equilíbrio. No instante inicial, a distribuição das trajetórias é aleatória, mas corresponde a uma situação distante do equilíbrio. A função H decresce para um valor constante, que caracteriza o estado de equilíbrio do sistema. No equilíbrio, as colisões não modificam a distribuição das trajetórias, exceto algumas flutuações. Se as trajetórias das partículas são invertidas depois de cinquenta colisões, pode-se verificar que o valor da função H aumenta em vez de diminuir e atinge o valor inicial. Mas, a inversão das trajetórias tem um efeito transitório, pois, passado algum FIGURA 5. Simulação numérica da função H de um sistema que tende ao equilíbrio (Prigogine & Stengers, 1992). Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k mento de um conjunto de “discos rígidos” sobre uma superfície O Solo como Sistema 26 Observando ainda a Figura 5, os sistemas que tendem magnitude, o sistema caminha para o estado c4, em nível de ao equilíbrio independem das condições iniciais. Qualquer que complexidade baixo, estrutura simplificada e pequena quan- seja a situação inicial, o sistema fechado atinge finalmente o es- tidade de energia e matéria retida. tado de equilíbrio, onde a função H tem o valor -1. Em cada estado de ordem nos distintos níveis de com- Nos sistemas abertos, as condições iniciais não são es- plexidade, surgem as propriedades emergentes. As propriedades quecidas. À medida que ocorre o andamento do fluxo, o sistema emergentes do sistema são a manifestação das relações não li- se torna mais sensível, mais ativo, e é a partir do estado atual de neares entre os elementos que compõem cada estado de ordem. ordem em determinado nível de complexidade que novas cor- À medida que aumenta o nível de complexidade, a estrutura se relações irão ocorrer, causando o surgimento de novo estado torna mais diversificada e complexa, e maior quantidade de ener- de ordem em nível de complexidade distinto do anterior. Sendo gia e matéria é retida. O aumento no número de partículas e/ou assim, o estado atual interfere na evolução do sistema, e a nova de elementos do sistema gera aumento nas correlações de longo ordem emergente depende do estado anterior, da sua história. alcance e/ou nas relações não lineares, o que irá refletir no au- A Figura 6 representa a história de um sistema que não mento das suas propriedades emergentes. Em nível de comple- atinge o equilíbrio. As linhas descrevem os estados de ordem xidade alto, as propriedades emergentes são em maior número, onde o sistema se encontra, em função do andamento do fluxo capacitando o sistema funcionar em situações diversas e, dessa de energia e matéria. Observa-se que o sistema no estado d2, por forma, manter a sua integridade frente a perturbações. 27 exemplo, atravessou os estados b1 e c1. O sistema só se encontra estão incorporadas as propriedades dos estados anteriores. Nesse sentido, o sistema tem uma história que ocorre no tempo. O estado atual é o registro dessa história, do caminho que o sistema percorreu. As condições iniciais não são esquecidas, a evolução ocorre a partir do estado de ordem em que o sistema se encontra e evolui conforme a característica do fluxo de energia e matéria. Se o fluxo aumenta a magnitude de energia e matéria, o sistema caminha para o estado d1, em nível de complexidade alto, com estrutura diversificada e complexa e grande quantidade de energia e matéria retida. Se o fluxo diminui a FIGURA 6. História de um sistema em condição de não equilíbrio (adaptada de Prigogine, 1996). Letras e números representam estados de ordem. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k no estado d2 porque passou pelo b1 e c1, e, ressalta-se que no d2 O Solo como Sistema Ressalta-se que um sistema em estado de ordem em nível de complexidade alto é mais sensível ao fluxo, devido à diversidade das relações não lineares entre os elementos. Portanto, para manter o sistema diversificado e complexo, é necessário manter as características do fluxo atual. Quando o sistema tende a um nível de complexidade baixo, as relações não lineares diminuem, as propriedades emergentes são em menor número e mais simples, diminuindo a capacidade de o sistema exercer funções em situações diversas. Encerra-se esta parte enfatizando que os sistemas em 28 condição de não equilíbrio são Estruturas Dissipativas, que seguem a sucessão instabilidade (desordem, caos) – probabilidade – irreversibilidade. A energia dissipada pelo sistema (entropia) gera atividade, o que causa instabilidade (desordem, caos). Em babilidade) resultante das correlações de longo alcance entre as partículas que interferem nas relações não lineares entre os elementos que compõem o sistema. E como a energia dissipada nunca pode ser recuperada, o caminho que o sistema percorre é irreversível (irreversibilidade), e isso define a flecha do tempo, a história dos sistemas de não equilíbrio. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k meio ao caos, emerge a ordem, o estado mais provável (pro- Caracterização do Sistema Solo 29 O Solo como Sistema 30 cas. Estes fluxos de energia e matéria geram as Estruturas Dissipativas na dimensão dos minerais. O fluxo gera atividade nas partículas, e os minerais irão se auto-organizar no estado de ordem mais provável para as condições do meio. Neste contexto, estão inseridos os processos de dissipação e ordem e, assim, os minerais estão em constante modificação, considerando a escala O solo só é capaz de funcionar adequadamente e atingir de tempo geológica. qualidade através das relações não lineares que surgem da inte- Dessa forma, o material de origem sofre alterações na ração dos seus elementos. O solo é uma Estrutura Dissipativa, sua composição química e mineralógica. Minerais primários se resultante da interação de minerais, plantas e biota edáfica. modificam a minerais secundários, que podem interagir e originar A seguir, os minerais, as plantas e a biota edáfica são carac- novos minerais. Em função da diversidade de condições iniciais e terizados individualmente com a finalidade de construir o entendi- interações, que ocorrem durante o processo de formação do solo, mento do fluxo de energia e matéria que ocorre no sistema solo e as características dos solos resultantes são muito distintas. dos estados de ordem resultantes. O fluxo de energia e matéria e os estados de ordem no sistema solo são apresentados na sequência. Nos solos de regiões subtropicais, que é o escopo deste livro, a parte mineral é constituída, principalmente, por filossi- 31 licatos de camada 2:1 e 1:1, óxidos e hidróxidos de ferro e de alumínio, e quartzo. A fração argila é composta, principalmente, O solo é o resultado de complexas interações entre os pelos filossilicatos e óxidos de ferro e de alumínio. As frações ta- minerais, as plantas e a biota edáfica. manho silte e areia são compostas, principalmente, por quartzo. Como nesses solos o pH está numa faixa entre 4,5 a 6,5, a carga Os Minerais elétrica de superfície predominante dos filossilicatos é negativa; Os minerais do solo são produtos de eventos, que agem e dos óxidos, é positiva. sobre o material de origem e ocorrem simultaneamente ou em sequência durante um longo período de tempo (Buol et al., 1973). As Plantas Os eventos se caracterizam por influxos e efluxos de energia e As plantas se caracterizam por serem a fonte geradora matéria (Jenny, 1961), através de adições e perdas de materiais de energia e matéria do sistema solo. As plantas são Estrutu- orgânico e mineral, translocações destes materiais de um ponto ras Dissipativas; através de estruturas específicas, transformam para outro, e transformações de minerais e substâncias orgâni- energia luminosa em energia química e produzem a matéria ve- Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k 1. Sistema Solo O Solo como Sistema 32 getal. Os fótons de luz da radiação solar captados pelas plantas exsudatos solúveis, mucilagens, pelos radiculares e sistema ra- nas antenas das clorofilas excitam os elétrons, conduzindo-os dicular (Oades, 1989; Paul & Clark, 1996). A contribuição do para um nível mais alto de energia. Esta energia ativa o centro carbono derivado do tecido e dos exsudatos das raízes para os de reação das clorofilas, ocasionando a quebra da molécula de compostos orgânicos do sistema solo pode exceder à contribui- água. A energia da quebra da molécula de água desencadeia a ção da parte aérea em 1,5 vezes (Balesdent & Balabane, 1996). formação dos primeiros compostos ricos em energia. O fluxo Este fato está baseado na menor taxa de decomposição das raí- de energia vindo do sol causa o processo de dissipação (quebra zes, em função do maior teor de lignina nos tecidos radiculares, da molécula de água) e, consequentemente, a auto-organização e na introdução direta dos produtos derivados da raiz na matriz (produção dos compostos orgânicos) na dimensão de plantas. do solo. Do carbono total assimilado pelas plantas, 16 a 33% são Então, pelo processo de fotossíntese, as plantas captam liberados diretamente dentro do solo pelas raízes, contribuindo energia solar e CO2 atmosférico, além de sais e água do solo para com 30 a 60% da matéria orgânica do solo (Sanchez et al., 1989; produção dos tecidos da parte aérea e das raízes e dos exsudatos. Heal et al., 1997). A presença de microrganismos na rizosfera in- E, dessa forma, é o elemento que capta a maior porção de energia e duz a produção de exsudatos pelas plantas. matéria do ambiente externo e introduz no sistema solo na forma de compostos orgânicos, gerando atividade e auto-organização. A quantidade de matéria vegetal produzida pelas plantas depende da disponibilidade de nutrientes, de água e de ar no solo, da radiação solar, da temperatura atmosférica, das caracte- o sistema solo se dá pela adição de compostos orgânicos oriundos rísticas fenológicas e das condições físicas do solo para o cresci- da parte aérea e das raízes. A contribuição da parte aérea ocorre no mento adequado das raízes. final do ciclo vegetativo da cultura, quando a planta, após a morte, deposita-se sobre o solo e, a partir deste momento, inicia o processo A Biota Edáfica de decomposição dos seus tecidos pela biota edáfica. A biota edáfica é responsável em transformar a ener- A contribuição das raízes é contínua durante o ciclo ve- gia e a matéria geradas nas plantas em forma adequada para o getativo da planta, pois está em constante crescimento, a fim de funcionamento do sistema solo. Os organismos do solo, como aumentar a área de captação de água e de nutrientes e sustentar qualquer sistema vivo, são Estruturas Dissipativas, pois é através fisicamente a parte aérea. Dessa forma, as raízes abrangem gran- do fluxo de energia e matéria que eles mantêm a sua estrutura. de área física do sistema solo, distribuindo eficientemente ma- A biota edáfica engloba os organismos do solo classifi- terial orgânico dentro do mesmo. Enquanto a planta está viva, cados em macro, meso e microrganismos, conforme o diâme- mais de 300 g kg-1 dos fotossintatos atingem o solo na forma de tro do corpo. Os macro e mesorganismos são responsáveis pela Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k A função das plantas em fornecer energia e matéria para 33 O Solo como Sistema fragmentação física dos resíduos vegetais, redistribuição dos resíduos e depois pelos microrganismos, a CO2. Durante este processo, vegetais e dos microrganismos no perfil do solo, mistura de materiais existe a produção de uma sequência de compostos orgânicos orgânico e mineral, formação de bioporos e regulação da população intermediários com tempo variável de permanência no solo, os de microrganismos (Correia & Oliveira, 2005). A atividade destes quais servem como fonte de energia e carbono para a atividade organismos estimula a atividade dos microrganismos. da biota edáfica. Nesse sentido, os organismos realizam o fluxo Na classe dos microrganismos, estão as bactérias, os de energia e matéria no sistema solo. fungos, os actinomicetos, as algas e os protozoários. Como todo O fluxo de energia e matéria é o processo de transfor- ser vivo, eles requerem suprimento de nutrientes e de energia em mação da matéria orgânica do solo. Para construir o entendi- quantidade e em estado apropriados. mento do fluxo no sistema solo, a seguir, primeiramente, defini- A adequada atividade dos microrganismos depende de se amplamente matéria orgânica do solo e, após, caracteriza-se a fatores abióticos como temperatura, pressão atmosférica, pres- dinâmica da sua transformação, a qual é realizada pela biota edá- são hidrostática, pressão osmótica, salinidade, umidade, aeração fica e dependente da interação com os minerais do sistema solo. (potencial redox), pH, força magnética e, naturalmente, de fonte 34 de energia e carbono, que são a radiação solar e os compostos Matéria Orgânica do Solo orgânicos (Tsai et al., 1992; Paul & Clark, 1996). A matéria orgânica do solo é um espectro de material orgânico, desde compostos lábeis, que mineralizam rapidamen- compostos orgânicos e inorgânicos a fim de realizarem sua ativi- te, a compostos mais recalcitrantes, que acumulam como sub- dade e seu desenvolvimento. No sistema solo, eles obtêm energia produtos microbianos (Piccolo, 1996). A fração lábil consiste, e carbono, principalmente, pela decomposição da matéria vegetal principalmente, de resíduos de plantas nos estágios iniciais de ou da própria matéria orgânica do solo. Desse modo, os micror- decomposição e células microbianas (Piccolo, 1996). Apresenta ganismos convertem energia e matéria de uma forma para outra, alta taxa de decomposição e um curto período de permanência realizando o movimento de energia e de matéria no sistema solo. no solo (Mielniczuk, 2008). A fração mais recalcitrante represen- 2. Fluxo de Energia e Matéria no Sistema Solo ta dois terços da matéria orgânica do solo (Stevenson, 1994) e é composta de substâncias húmicas altamente polimerizadas, uma mistura de moléculas complexas de vários tamanhos e formas O fluxo de energia e matéria no sistema solo se consti- (Piccolo, 1996), produzidas através da ação microbiana sobre os tui pela matéria vegetal adicionada, via plantas, e transformada resíduos vegetais. As substâncias húmicas diferem da fração lábil, pela biota edáfica, inicialmente pelos macro e mesorganismos devido a sua estrutura molecular e sua longa persistência no solo. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Portanto, os microrganismos utilizam uma variedade de 35 O Solo como Sistema A matéria orgânica é a principal fonte de cargas negati- tegida fisicamente quanto à ação decompositora dos microrga- vas dos solos das regiões subtropicais, responsável em adsorver nismos. Em solos com mineralogia composta por minerais com nutrientes para as plantas e outros compostos orgânicos e inor- alta superfície reativa, como é o caso dos minerais filossilicatos gânicos, como agroquímicos, presentes no meio. de camada 2:1 e dos óxidos de ferro, as interações organomine- Os grupos funcionais são responsáveis pela reativida- rais são favorecidas, protegendo fisicamente a matéria orgânica e de da matéria orgânica do solo. Dentre os vários existentes, os aumentando a sua quantidade e tempo de permanência no siste- carboxílicos e os OH fenólicos são os mais abundantes e signifi- ma (Greenland et al., 1992). cativos para a reatividade das moléculas (Sposito, 1989; Canellas O efeito da proteção física da matéria orgânica, além et al., 2008). As cargas elétricas de superfície são resultado da dos processos de interação com os minerais, pode também estar associação e dissociação de H+ destes grupos funcionais (Oades, relacionado com a maior proporção de poros menores que 0,001 1989) e dependem das condições do ambiente, tais como pH e mm, que impede o acesso dos microrganismos (Greenland et al., força iônica da solução. 1992). Esta situação, geralmente, é mais pronunciada em solos A partir dos grupos reativos da matéria orgânica e dos gru- 36 com granulometria fina (Kay, 1998) e com presença de óxidos. pos reativos dos minerais, ocorrem as interações organominerais no sistema solo. Essas interações dependem da natureza intrínseca e das Sinopse do Fluxo de Energia propriedades das moléculas orgânicas; das propriedades dos mine- e Matéria no Sistema Solo rais, principalmente, do tipo de carga de superfície; do conteúdo de A entrada de energia e matéria no sistema solo se dá através da produção de matéria vegetal pelas plantas e a transformação desta pela biota edáfica. A biota edáfica, em especial, Dinâmica da Transformação da Matéria os microrganismos utilizam a matéria vegetal para sua atividade Orgânica do Solo e crescimento e, dessa forma, a convertem em outras formas de Materiais mais complexos quimicamente são mais resis- energia e matéria (espectro de compostos orgânicos que cons- tentes a transformações, porém as interações com minerais e titui a matéria orgânica do solo). A energia está associada neste íons metálicos do solo, tanto na escala coloidal como na escala processo, pois é responsável pela manutenção da estrutura dos de agregados, regem a dinâmica da transformação da matéria compostos orgânicos e da biota do solo, que realiza as trans- orgânica do solo. formações. E assim, cria-se o fluxo de energia e matéria no Em função das interações organominerais mediadas ou sistema solo, onde ocorre a adição pela matéria vegetal, a não por íons metálicos, a matéria orgânica do sistema solo é pro- transformação em matéria orgânica do solo (e subsequente Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k água e do pH do meio (Cornejo & Hermosín, 1996). 37 O Solo como Sistema 38 interação com os minerais) e a saída pela mineralização da 3. Estados de Ordem do Sistema Solo matéria orgânica do solo. A interação dos minerais, das plantas e da biota edáfi- A adição de energia e matéria no sistema solo é in- ca, em função do andamento do fluxo de energia e matéria do fluenciada pela quantidade de carbono produzida pelas plantas sistema solo, segue uma sequência de fenômenos, que resultam e pelos fatores abióticos, que influenciam a atividade dos mi- na formação de estruturas com diferentes graus de complexida- crorganismos decompositores, responsáveis pela transformação de, desde microestruturas até macroagregados. Esta sequência da energia e matéria adicionada em matéria orgânica do solo. A de fenômenos caracteriza o processo de agregação do solo. Os saída de energia e matéria depende da possibilidade de consumo agregados do solo de diferentes diâmetros são Estruturas Dissi- pelos microrganismos da matéria orgânica do solo, o que está pativas, pois o fluxo de energia e matéria na forma de compostos relacionado à composição química do material orgânico, às inte- orgânicos causa dissipação de energia e promove a auto-organi- rações organominerais e à estrutura física do sistema solo, a qual zação do sistema solo. deve ter poros de tamanho compatível com o tamanho das cé- A formação dos agregados do solo inicia numa escala lulas microbianas consumidoras de material orgânico, além dos de nanômetros (nm) e vai até milímetros (mm), onde estruturas fatores abióticos favoráveis à atividade microbiana. maiores dependem da formação anterior de estruturas menores Ressalta-se aqui que os processos de dissipação e ordem estão presentes na criação do fluxo de energia e matéria e na 39 (Figura 7), o que fica implícita a questão do tempo dos sistemas em condição de não equilíbrio. sua passagem pelo sistema solo. A luz solar causa excitação do da energia, o que gera a formação dos compostos orgânicos nas plantas. Portanto, a energia dissipada pela luz gera a formação da matéria. Essa energia e matéria, na forma de compostos orgânicos, ao entrar no sistema solo causa dissipação por aumentar a atividade da biota, alterar as cargas de superfície dos minerais e deslocar íons dos sítios de troca. Nesse processo, a energia e a matéria adicionadas pelas plantas sofrem transformações (os diferentes estágios de humificação da matéria orgânica do solo), promovendo dissipação de energia, gerando atividade e autoorganização das estruturas e do comportamento do sistema solo. FIGURA 7. Representação esquemática do processo de formação de agregados no sistema solo. MOP = Matéria Orgânica Particulada. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k elétron nas antenas das clorofilas, ou seja, ocorre a dissipação O Solo como Sistema 40 Estados de Ordem no tamanho < 0,002 mm centração eletrolítica favorecem a floculação, por diminuir a dis- Na escala de nanômetros, estão os elementos quími- tância entre as partículas de minerais filossilicatos. cos que combinados, em função das condições de temperatura, Nesta escala de agregação inicia-se a interferência das pressão e umidade, formam as rochas. Os principais minerais do plantas e dos microrganismos, pois os compostos orgânicos solo, provenientes do intemperismo das rochas, se constituem resultantes da interação de ambos influenciam as cargas de su- por minerais filossilicatos de camada 2:1 e 1:1, óxidos e hidróxi- perfície dos minerais (Figura 7). Somado a isso, os compostos dos de ferro e de alumínio e quartzo. orgânicos podem interagir com os cátions associados às superfícies dos minerais filossilicatos, alterando a carga destes cátions, das partículas minerais. Em solução, as partículas individuais de podendo aumentar ou diminuir a atração entre os minerais (Har- minerais filossilicatos carregados negativamente atraem cátions ris et al., 1966; Tisdall & Oades, 1982; Muneer & Oades, 1989). para balancear suas cargas. Estes cátions são provenientes do Essa classe de agregados foi definida por Edwards e intemperismo do material de origem do solo ou liberados na de- Bremner (1967) como C-P-OM e (C-P-OM)x, onde C é partícula composição do tecido vegetal. Os cátions possuem uma energia de mineral filossilicato; P, cátions polivalentes; OM, compostos de hidratação, portanto estão sempre associados com moléculas orgânicos; e x, o número de repetição desta interação, que varia de água, de forma que atraem o polo negativo da água, deixando de 1 a 3. Os cátions polivalentes são oriundos do intemperismo, o polo positivo na extremidade do complexo hidratado. Nessa da decomposição microbiana dos tecidos vegetais e da prática orientação, os finais positivos das moléculas de água apontados de adubação no sistema. Os compostos orgânicos são prove- em direção oposta aos cátions são atraídos pelas partículas de nientes da decomposição microbiana dos tecidos vegetais, dos minerais filossilicatos carregadas negativamente. Quando tais exsudatos das plantas e das células microbianas. Os exsudatos partículas de minerais se aproximam umas das outras, ocorre das plantas são liberados pelo sistema radicular, principalmente, repulsão entre elas, devido à parte externa positiva dos cátions durante o processo de absorção de nutrientes, a fim de balancear hidratados. Estas forças de repulsão diminuem quando a apro- o desequilíbrio na neutralidade interna dos tecidos causado pela ximação entre si é tal que forças de van der Waals se tornam entrada de íons nas membranas radiculares. Mas, também, há efetivamente fortes. Neste ponto, as forças de atração entre os exsudatos não relacionados com a absorção de nutrientes, resul- minerais filossilicatos dominam as forças de repulsão, ocorren- tantes de outros processos fisiológicos das plantas. Os exsudatos do a floculação e o início da formação dos agregados do solo. dos microrganismos são mucilagens e gomas que os mesmos A floculação vai depender do tipo de cátion e da concentração produzem para se proteger do meio ou até mesmo para se ade- eletrolítica da solução do solo. Cátions polivalentes e maior con- rir às partículas sólidas. Essas substâncias são polissacarídeos de 41 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k A auto-organização do sistema solo inicia pela interação O Solo como Sistema 42 diferentes unidades básicas estruturais. A qualidade e quantidade Estados de Ordem no tamanho 0,002 a 0,02 mm das unidades variam entre os organismos (Atlas & Bartha, 1997). A união de agregados < 0,002 mm forma os agregados A contribuição da microbiota para a quantidade de exsudatos no de diâmetro 0,002 a 0,020 mm (Figura 7). Os agentes ligantes solo é maior que a das plantas (Coleman et al., 1998). desta classe são compostos orgânicos isolados, que são adsorvi- A união dos minerais filossilicatos pode se dar também dos às superfícies dos minerais filossilicatos e óxidos, ou com- através de células bacterianas. Na faixa normal de pH dos solos postos orgânicos associados com polímeros de óxidos de ferro e agrícolas, as células de bactérias têm carga líquida negativa, em de alumínio e cátions polivalentes, fazendo a ponte entre os mi- função dos grupos carboxílicos e aminos presentes na parede nerais filossilicatos e os óxidos. Essas interações organominerais celular das mesmas. A adesão microbiana às superfícies dos mi- são muito estáveis e sua ação ligante pode se tornar persistente nerais filossilicatos segue o comportamento descrito acima para por vários anos, protegendo o material orgânico do ataque dos floculação destes minerais, considerando células como coloides microrganismos (Tisdall & Oades, 1982; Oades, 1984), caracteri- negativos (Oades, 1989). E assim, como a interação mineral-mi- zando a proteção física da matéria orgânica do solo. A atuação dos óxidos como agentes ligantes se dá por rianas, mas são fragilmente retidos. Nessa posição, o organismo, interações eletrostáticas, pontes de hidrogênio e troca de ligante a fim de se proteger do meio, excreta polissacarídeos, e algumas (Oades et al., 1989; Cornejo & Hermosín, 1996). Os óxidos são vezes na forma de fibrilas, as quais contatam com a superfície dos os agentes mais eficientes em ligar moléculas orgânicas às super- minerais filossilicatos e agem como um adesivo eficiente entre o fícies dos minerais filossilicatos (Cornejo & Hermosín, 1996). mineral e a célula (Oades, 1989). Os polissacarídeos excretados Atuam, também, como substância cimentante, quando políme- pelos microrganismos formam um filme em torno dos minerais, ros de óxido de ferro e de alumínio, na forma de gel hidratado, que, sob secamento do solo, é irreversivelmente desidratado e depositados nas superfícies dos agregados se desidratam, em cimenta partículas em agregados estáveis (Harris et al., 1966). função do regime hídrico do solo (Harris et al., 1966). Óxidos de ferro e de alumínio também formam agre- Partículas de quartzo presentes no meio podem ser en- gados < 0,002 mm, através da cristalização dos polímeros globadas durante o processo de formação dos agregados. Mes- presentes na solução do solo, e pela interação com os mine- mo não possuindo carga, as partículas de quartzo servem de nú- rais filossilicatos, através de atração eletrostática pela dife- cleo de cimentação das interações organominerais. Os óxidos de rença de carga elétrica de superfície. ferro e de alumínio, na forma de gel hidratado, depositam-se nas superfícies do quartzo e interagem com os minerais filossilicatos, com os óxidos de ferro e de alumínio e com os polissacarídeos 43 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k neral, os minerais filossilicatos se aproximam das células bacte- O Solo como Sistema das células microbianas (Harris et al., 1966). O encapsulamento de células ou colônias de bactérias dall & Oades, 1982). e hifas de fungos também forma agregados no tamanho entre 0,002 a 0,020 mm. Os polissacarídeos excretados por estes mi- Estados de Ordem no tamanho > 0,25 mm crorganismos induzem a orientação de agregados < 0,002 mm Entre os diâmetros de agregados 0,053 a 2 mm ocor- ao seu redor. A interação entre os polissacarídeos e esses agrega- rem processos paralelos de auto-organização do sistema solo dos é muito forte, resultando numa cápsula de material orgânico em direções opostas, que se complementam. Um processo protegido pelo mineral. Nesse caso, o material orgânico é alta- evolui para o aumento de diâmetro dos agregados, e, um outro, mente protegido, não sofrendo ataque químico nem microbioló- para a diminuição (Figura 7). gico (Oades, 1984; Tisdall, 1994; Tisdall, 1996). Esse processo é outra forma de proteção física da matéria orgânica do solo. 44 ligantes, os quais possuem efeito aditivo na agregação (Tis- O processo que conduz ao aumento de diâmetro consiste na união de agregados < 0,25 mm em agregados > 0,25 mm, através de raízes das plantas vivas e hifas de fungos, princi- origem no desenvolvimento do sistema radicular das plantas em palmente hifas de fungos micorrízicos do tipo vesicular-arbus- crescimento, que influencia os agregados em volta da raiz de cular e fungos saprofíticos (Tisdall & Oades, 1982; Thomas et duas maneiras. A primeira, devido à retirada de água no local, al., 1986; Gupta & Germida, 1988; Miller & Jastrow, 1992; Tis- aumentando as forças de coesão entre as partículas, associado ao dall, 1996; Jastrow et al., 1998). Raízes e hifas associadas formam efeito ligante dos exsudatos. A segunda, pelo próprio crescimen- uma rede extensa no solo, que unem mecanicamente os microa- to radicular (Tisdall & Oades, 1982), que promove a aproxima- gregados, quando se desenvolvem. Além disso, as raízes cobrem ção das partículas quando a raiz ocupa espaço no solo. os agregados com seus exsudatos, os quais se ligam aos minerais filossilicatos e aos óxidos, que compõem estes agregados, estabi- Estados de Ordem no tamanho 0,02 a 0,25 mm lizando os macroagregados formados (Muneer & Oades, 1989; A união dos agregados de diâmetro até 0,020 mm ori- Tisdall, 1994; Tisdall, 1996). Estes agentes ligantes desenvolvem- gina os agregados < 0,25 mm, denominados de microagregados se no solo durante o período de crescimento das plantas. A rede por Edwards & Bremner (1967) (Figura 7). Essa união se dá de raízes e hifas formada pode persistir por alguns meses após através de material orgânico persistente, além de óxidos amorfos a morte das raízes, devido à interação dos exsudatos com os e cristalinos de ferro e de alumínio. minerais do solo (Tisdall & Oades, 1982). Quando parte da rede Essa classe de agregados é considerada muito está- de hifas e raízes morre, este substrato orgânico está depositado vel, principalmente porque contém vários tipos de agentes dentro da estrutura dos macroagregados. Com isso, a microbiota 45 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k A indução à orientação de agregados também pode ter O Solo como Sistema 46 decompositora deste material produz mais polissacarídeos, que de nutrientes liberados na decomposição da mesma resultam na são agentes ligantes, contribuindo para a integridade da macro- produção de mais metabólitos microbianos, que são agentes li- agregação (Haynes & Beare, 1996; Six et al., 2000). Somado a gantes, os quais reforçam a interação entre MOP e as partículas isso, o processo de transpiração das plantas movimenta a água minerais vizinhas. Como a incrustação da MOP com partículas do solo em direção às raízes, o que promove fluxos dentro dos minerais do solo aumenta, devido à contínua decomposição da agregados entrelaçados pelas raízes. A água contida no interior MOP e a produção de vários agentes ligantes, a MOP forma do agregado vai em direção à superfície do mesmo, carregando um centro de intensa atividade biológica ao seu redor, o que re- cátions, que estão solúveis pelo ambiente reduzido. Na superfí- sulta na estabilização das partículas minerais agregadas à MOP, cie dos agregados, ambiente oxidado, esses cátions precipitam e devido aos polissacarídeos dos exsudatos microbianos servi- ficam depositados, atuando como cimento (Bradfield, 1937). rem como uma cola. Durante o estágio inicial da decomposição da MOP, o consiste em agregados de 0,053 a 2 mm formados a partir de qual ocorre enquanto a MOP é ainda fisicamente intacta, ela atua matéria orgânica particulada (MOP) (Oades, 1984; Beare et al., como um macroagregado estável. O tamanho deste macroagre- 1994; Golchin et al., 1994; Jastrow, 1996; Six et al., 1998; Bales- gado estável é função do tamanho, da geometria e do modo de dent et al., 2000). Nesse processo, descrito em Golchin et al. deposição da MOP no solo. Mas, o processo de decomposição (1998), ao invés de agregados menores se unirem para formar da MOP continua. E essas partículas orgânicas são quebradas agregados maiores, a quebra de macroagregados é que gera em pequenos pedaços pela ação dos macro e mesorganismos microagregados. A MOP oriunda das raízes e dos resíduos de do solo e pela decomposição microbiana nas porções expostas plantas é colonizada pela população microbiana da rizosfera, a grandes poros, onde espaço físico, oxigênio e nutrientes não que libera mucilagens e exsudatos. Estes produtos do metabo- são limitantes. A quebra resulta na produção de macroagregados lismo microbiano, produzidos sobre a superfície da MOP em menores, de microagregados e de uma combinação de ambos. A decomposição, interagem com as partículas minerais isoladas ou distribuição do tamanho de agregados liberados da quebra de agregados < 0,020 mm, formando cápsulas de material orgâni- macroagregados será uma função do tamanho da MOP residu- co incrustados com minerais e/ou agregados. Esta interação é al e do conteúdo de agentes ligantes do solo. Entretanto, com facilitada pelo íntimo contato entre os resíduos das plantas, os a contínua decomposição da MOP, a estabilidade de pequenos exsudatos e os minerais e/ou agregados do solo. Com o tempo, macroagregados formados de MOP diminui, restando somen- a colonização microbiana da MOP e a subsequente decomposi- te microagregados. ção de compostos de carbono desta MOP somado ao aumento Microagregados liberados devido à quebra de macroa- 47 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k O processo que evolui para a diminuição do diâmetro O Solo como Sistema 48 gregados formados de MOP consistem de pequenos fragmen- solo, entrelaçam agregados < 2mm. tos de resíduos de plantas parcialmente decompostos ligados a As plantas contribuem para formação dos macroagre- uma matriz de mucilagens e partículas minerais. A habilidade de gados, fornecendo energia e carbono para atividade microbiana, microagregados de MOP formar associações estáveis com par- raízes e MOP. Além disso, fornecem alimento para os macro e tículas minerais do solo está relacionada com a extensão da de- mesorganismos do solo, as quais excretam compostos orgânicos composição da MOP. Microagregados com uma fração rica em que atuam como agentes ligantes nesta classe de agregados e carboidratos, ou seja, MOP relativamente não decomposta, pode realizam a quebra física inicial dos resíduos orgânicos. exibir uma maior estabilidade, porque a MOP é quimicamen- Coprólitos de minhocas também são macroagregados te atrativa para microrganismos e sua decomposição resulta na e, geralmente, contêm maior concentração de silte e argila, com- produção de mucilagens e metabólitos capazes de interagir par- postos orgânicos e cátions em relação a solo não ingerido por tículas minerais do solo. As mucilagens e metabólitos cobrem as estes organismos, e, ainda, maior concentração de partículas mi- partículas minerais em volta da MOP e estabilizam os agregados. nerais que os coprólitos de microartrópodos, os quais se consti- Como a decomposição da MOP continua dentro dos microagre- tuem agregados com diâmetro inferior a 0,1 mm (Tisdall, 1996). gados, a porção mais lábil da MOP, como proteínas e carboidra- Partículas de quartzo, além de servir como núcleo de tos, é consumida pelos decompositores, permanecendo a fração cimentação das interações organominerais, podem também da MOP mais recalcitrante. Em microagregados contendo MOP ser englobadas por hifas e raízes, compondo a estrutura dos recalcitrante, a produção de mucilagens e metabólitos é reduzida macroagregados. na qual estes materiais são decompostos e a estabilidade dos microagregados diminui. A complementação entre os dois processos paralelos e Como visto, o processo de agregação do solo represen- opostos se dá em que os microagregados formados pela quebra ta a sequência de auto-organização do sistema solo, resultante de macroagregados de MOP são envolvidos por raízes e hifas e de complexas interações entre os minerais, as plantas e a biota formam macroagregados (Figura 7). edáfica. Os agregados nos diferentes diâmetros são Estruturas Dissipativas. A entrada de energia e matéria através dos com- Estados de Ordem no tamanho > 2 mm postos orgânicos, proveniente da decomposição do material Agregados > 2mm são formados pela ação mecânica vegetal, causa dissipação de energia no sistema, pois estimula a das raízes e hifas de fungos, que, quando se desenvolvem no atividade microbiana, altera as cargas superficiais dos minerais e Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k a um ponto onde não aumenta mais ou se mantém a uma taxa 49 O Solo como Sistema desloca íons da troca para a solução do solo. Esta energia causa instabilidade do estado de ordem atual, e o sistema, então, vai se auto-organizar em um novo estado de ordem, em função desta nova energia e matéria adicionada. A atividade da biota está constantemente transformando a matéria orgânica do solo, causando alterações e rearranjos nas interações organominerais, e, consequentemente, nos estados de ordem. As raízes das plantas e as hifas de fungos estão constantemente crescendo e sendo decompostas, ocasionando continuamente a auto-organização do sistema solo em novos estados de ordem. Portanto, dissipação e ordem ocorrem associadas em toda a sequência de formação dos agregados. E, nesta sequência, os agregados de diâmetro menor são menos diversificados e complexos, com menor quantidade 50 de energia e matéria retida, os quais representam o nível de complexidade baixo do sistema solo. Estes servem de elemento para formação de agregados de diâmetro maior, mais diversificados e complexos, com maior quantidade de energia e matéria retida, os Esse processo caracteriza a história dos sistemas em condição de não equilíbrio, quando evoluem para o desenvolvimento, onde a formação de estruturas mais complexas dependem da formação anterior de estruturas menos complexas. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k quais representam o nível de complexidade alto do sistema solo. Funcionamento do Sistema Solo 51 O Solo como Sistema formam energia luminosa em energia química e produzem a matéria vegetal, rica em energia e carbono. Na forma de parte aérea, raízes e exsudatos geram a entrada de energia e matéria dentro do sistema solo. Esta entrada se dá durante o ciclo vegetativo das plantas, através do sistema radicular, pelo processo de exsudação de compostos orgânicos e pelo desprendimento de células das Este capítulo resgata as funções, descritas anteriormente, de cada elemento (minerais, plantas, biota edáfica) do sistema raízes; e, no final do ciclo vegetativo, quando a parte aérea das plantas se deposita sobre a superfície do solo. solo, focando nas relações entre eles. O resultado destas relações A biota edáfica é responsável em transformar a energia e não lineares caracteriza o funcionamento do sistema solo, à luz a matéria geradas nas plantas em forma adequada para o funcio- da termodinâmica do não equilíbrio. namento do sistema solo. Os macro e mesorganismos realizam a fragmentação física e a redistribuição dos resíduos, misturam o material orgânico e mineral, além de formar bioporos e regular 52 o tamanho da população microbiana. Os organismos, principalmente os microrganismos heterotróficos, utilizam o tecido da de complexas interações entre os minerais, as plantas e a biota parte aérea e das raízes e os exsudatos das plantas para extrair edáfica. Processos de dissipação e ordem acontecem constante- energia e carbono que necessitam para a sua atividade e o seu mente, em função do fluxo de energia e matéria que passa pelo desenvolvimento, havendo a liberação de exsudatos no solo e de sistema solo, gerando atividade e auto-organização em estados CO2 para a atmosfera, além da formação de compostos orgâni- de ordem em níveis diferentes de complexidade. cos como subproduto deste processo. Sendo assim, convertem Os minerais compõem a matriz de partículas sólidas do sistema solo. Os minerais são produtos de eventos que agem so- a energia e a matéria de uma forma para outra, o que caracteriza o fluxo no sistema solo. bre o material de origem. Os principais minerais, nos solos de regi- Portanto, o fluxo de energia e matéria no sistema solo ões subtropicais, são os filossilicatos de camada 2:1 e 1:1 (carga de consiste na entrada de matéria vegetal e sua transformação até superfície negativa), óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio (car- CO2 pelos microrganismos. Durante este processo, existe a pro- ga de superfície positiva), e quartzo (carga de superfície neutra). dução de uma sequência de compostos orgânicos intermediários As plantas se desenvolvem na matriz do solo composta com diferentes graus de humificação e tempo variável de perma- pelos minerais. Pelo processo de fotossíntese, as plantas trans- nência no solo, os quais servem de fonte de energia e carbono 53 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k O sistema solo é uma Estrutura Dissipativa, resultante O Solo como Sistema 54 para a atividade microbiana, e participam da formação da estru- auto-organização do sistema solo. tura, ou seja, do processo de auto-organização do solo em esta- A auto-organização do sistema solo nos diferentes ní- dos de ordem em diferentes níveis de complexidade. A energia veis de complexidade tem relação com o processo de agregação está associada ao carbono, pois é responsável pela manutenção do solo, onde ocorre a formação de uma hierarquia de estruturas da estrutura dos compostos orgânicos e da biota do solo. Os flu- com tamanho e complexidade distintos (Figura 8). Este proces- xos de água, calor e nutrientes ocorrem integrados por relações so está descrito detalhadamente no capítulo Estados de Ordem não lineares ao fluxo de compostos orgânicos, sendo o fluxo de do Sistema Solo, mas de uma forma resumida: a sequência de carbono a expressão da ação dos demais. eventos inicia com a interação das partículas minerais, devido à diferença de cargas elétricas de superfície, formando agregados componentes: magnitude e velocidade. A magnitude é a quan- na escala de nanômetros. Os compostos orgânicos, provenien- tidade de carbono adicionada através da matéria vegetal. A ve- tes do fluxo de energia e matéria, interagem com os agregados locidade do fluxo é a quantidade de carbono liberada na forma minerais, resultando na formação de agregados maiores e de es- de CO2 num determinado tempo, durante o processo de de- trutura mais complexa. E à medida que os compostos orgânicos composição. Nos sistemas de produção agrícola, a magnitude entram no sistema solo, ou seja, que aumenta a magnitude do do fluxo é função dos tipos de cultura em desenvolvimento fluxo de energia e matéria, estruturas cada vez maiores e mais na área, que proporcionam diferentes quantidades produzidas complexas são formadas como resultado das interações orga- de matéria vegetal e, consequentemente, de energia e matéria nominerais, alcançando um diâmetro em torno de 0,25 mm, de- adicionada ao solo na forma de compostos orgânicos. E a velo- finido por microagregados. A partir deste tamanho, a formação cidade do fluxo é função dos tipos de preparo do solo, que acar- de estruturas maiores, mais complexas e diversificadas ocorre retam diferentes taxas de decomposição da matéria orgânica pela devido, principalmente, à ação mecânica das raízes e das hifas de ação da biota edáfica, e, assim, quantidade de carbono perdida na fungos no entrelaçamento de unidades de microagregados. Por forma de CO2 num determinado período de tempo. serem maiores que 0,25 mm, são definidos de macroagregados. Em função da magnitude e da velocidade do fluxo, Coprólitos de macrorganismos e partes do tecido vegetal incrus- os componentes do sistema solo: minerais, íons metálicos, tados com partículas minerais e microagregados também for- matéria orgânica, plantas e biota edáfica se auto-organizam mam macroagregados. A hierarquia na formação dos agregados em estados de ordem em níveis diferentes de complexidade; representa a história dos sistemas em condição de não equilíbrio, é o processo de funcionamento do solo, que está representa- no sentido de que a estrutura atual foi formada a partir de estru- do na Figura 8, onde o fluxo gera a dissipação de energia e a turas menores formadas anteriormente. 55 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k O fluxo de energia e matéria no sistema solo tem dois O Solo como Sistema Durante este caminho de auto-organização do sistema solo (Figura 8), ocorre a atuação de diferentes agentes ligantes: os agentes físico-químicos, que promovem a formação de estruturas através das interações organominerais, pelos compostos orgânicos associados a cátions polivalentes, aos óxidos e aos minerais filossilicatos; e os agentes biológicos, através da ação mecânica das raízes e das hifas de fungos. Portanto, a entrada das plantas e da biota edáfica, que interferem, respectivamente, na magnitude e na velocidade do fluxo, é essencial para que o sistema solo seja capaz de atingir estados de ordem em níveis de complexidade cada vez mais altos. A importância das plantas se dá porque elas são a fonte geradora de energia e matéria para a auto-organização do siste- 56 ma solo (Figura 8). A partir das plantas, o sistema biota edáfica 57 tem condições de desenvolver. E com a ação de ambos ocorre o fluxo de energia e matéria pelo sistema solo, que causa dissipação de energia, conduzindo à auto-organização. Para conduzir nível, é necessário o aporte ou estímulo contínuo das plantas, que, consequentemente, estimula a biota edáfica. O favorecimento de ambos é fundamental para suprir o sistema solo de FIGURA 8. Representação do funcionamento do sistema solo. resíduos de material vegetal, de compostos orgânicos, de hifas e de raízes, os quais constituem os agentes ligantes e formadores benefícios além da produção de energia e matéria. Cada planta dos agregados do solo, ou seja, a energia e a matéria necessárias possui zonas de influência diferentes, que são resultados de ca- para promover a atividade, gerando dissipação de energia e auto- racterísticas específicas das plantas, desde diferenças na compo- organização do sistema solo em estados de ordem com nível de sição dos tecidos, na conformação da parte aérea ou qualidade complexidade mais alto. e quantidade de resíduos até diferenças na arquitetura de raízes, Nesse ponto, a diversidade da comunidade vegetal traz eficiência no uso da água, absorção de nutrientes e exsudação de Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k o sistema solo ao nível de complexidade alto ou manter este Estágio 1: Interação entre partículas minerais. Estágio 2: Entrada de compostos orgânicos que interagem com os agregados minerais. Estágio 3: Entrada de compostos orgânicos promovendo a formação de microagregados, que, então, são compostos por minerais filossilicatos, óxidos, quartzo e compostos orgânicos. Estágio 4: União de microagregados pelo entrelaçamento mecânico de hifas e raízes, formando macroagregados. O Solo como Sistema 58 compostos orgânicos (Nielsen et al., 1994; Beare et al., 1995). ordem complexa se desfaz e as partículas minerais, nutrientes, A diversidade é alcançada com o cultivo de diferentes espécies compostos orgânicos e inorgânicos, que estavam fazendo parte de plantas, que determina a heterogeneidade espaço-temporal da estrutura, ficam livres, sujeitos a perdas por mineralização, em vários níveis hierárquicos do sistema (Beare et al., 1995). A lixiviação e erosão. riqueza das espécies de plantas e seus modelos de distribuição O processo mecânico de quebra dos agregados pelo re- influenciam diretamente o número e a frequência das interações volvimento do solo expõe a matéria orgânica que estava dentro da biota do solo, o que estimula as relações não lineares entre os dos agregados e aumenta a aeração, facilitando o acesso dos mi- elementos e determina direta ou indiretamente as propriedades crorganismos ao material orgânico mais protegido e estimulan- biológicas, físicas e químicas do solo (Beare et al., 1995), au- do a atividade dos agentes decompositores, aumentando, desta mentando a probabilidade de resultar propriedades emergentes forma, a velocidade do fluxo. Nesse caso, a desestruturação do importantes na regulação das funções do sistema solo. Quanto sistema solo é bastante acelerada, pois ocorre o efeito aditivo da mais complexas as interações bióticas, maior a probabilidade de destruição mecânica e microbiológica, podendo ocorrer perdas resultar propriedades emergentes importantes na regulação das muito maiores dos componentes do sistema, num período de funções do sistema solo. tempo mais curto. Portanto, o processo de auto-organização do sistema solo tínuo das plantas e da biota edáfica, a magnitude do fluxo de é dinâmico. A Figura 9 apresenta os processos de dissipação e energia e matéria diminui e o sistema solo tende à decomposição, ordem durante o funcionamento do sistema solo. A criação do ou seja, a um baixo nível de complexidade. Se a quantidade de fluxo de energia e matéria, a sua passagem pelo solo e a forma- energia e matéria adicionada, via plantas, não é suficiente para ção de estruturas com níveis diferentes de complexidade refletem suprir a demanda da biota, os microrganismos vão utilizar os a associação dos processos de dissipação e ordem em diferentes agentes ligantes e a matéria orgânica particulada como fonte de momentos do processo de funcionamento do sistema solo. energia e carbono, destruindo as estruturas complexas já forma- Ressalta-se que as Estruturas Dissipativas resultantes das (Figura 8). A macroagregação é a primeira a ser destruída, dos processos de dissipação e ordem ocorrem em toda a sequ- pois depende de agentes ligantes e de matéria orgânica particu- ência do funcionamento do sistema solo, nas dimensões dos mi- lada, que são facilmente decomponíveis, e, à medida que os mi- nerais, das plantas, da matéria orgânica e dos agregados do solo. crorganismos consomem a fonte de carbono mais acessível, os compostos orgânicos mais resistentes, que estão numa interação mais forte com a matéria mineral, são consumidos. Com isso, a 59 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Por outro lado, se não houver aporte ou estímulo con- O Solo como Sistema se à ordenação, pois a partir de moléculas pequenas, como CO2, NH3 e H2O, formam estruturas de grande peso molecular, complexas e ordenadas, diminuindo a entropia do sistema. No sentido contrário, a respiração e a decomposição de plantas referemse à dissipação, que a partir de estruturas ordenadas, com grande peso molecular, produzem pequenas moléculas, tais como, CO2, CH4, N2O e NO3-, todas indesejáveis ambientalmente, quando em excesso. Portanto, Addiscott considera que os processos de dissipação e ordem ocorrem em direções opostas. Em 2010, o autor avançou nesta reflexão (Addiscott, 2010). Neste trabalho, ele afirma que, em nível de perfil de horizontes e agregados do solo, a auto-organização ocorre baseada nos princípios da Termodinâmica do Não Equilíbrio, onde os sistemas buscam a máxima produção de entropia. E que a 60 capacidade de auto-organização é consequência da atividade da Figura 9. Processos de dissipação e ordem no funcionamento do sistema solo. 61 biota edáfica, concordando com a linha de pensamento apresentada neste livro. Contudo, em níveis hierárquicos acima do solo – plantas e ecossistemas –, permanece com a ideia de que Equilíbrio de Prigogine contrapõe a proposta de Addiscott os sistemas buscam a mínima produção de entropia. Ele confir- (1995), que considera o solo, termodinamicamente, um sistema ma esta hipótese analisando o funcionamento das plantas. Para aberto, e como tal tende para um estado estável, caracterizado o autor, durante a fotossíntese, as plantas diminuem a entropia, pela mínima produção de entropia. O princípio da Mínima Pro- quando incorporam CO2 em macromoléculas como açúcares ou dução de Entropia diz que a realização de trabalho termodinâ- amido, e aumentam a entropia, quando transpiram. Mas, a trans- mico contínuo no sistema solo-planta, a partir da energia solar, piração é um efeito colateral da fotossíntese, pois, no momento conduz à ordenação deste sistema. Em contraposição aos pro- que as plantas abrem os estômatos para realizar a captação do cessos de ordenação, há processos dissipativos, que produzem CO2, ocorre a perda de água. Somado a isso, a seleção natural entropia, dissipando energia calorífica ao acaso. Para Addiscott das plantas demonstra que houve uma busca para minimizar a (1995), a fotossíntese e seus processos correlacionados referem- perda de água pela transpiração. Portanto, considerando que a Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Essa abordagem baseada na Termodinâmica do Não O Solo como Sistema 62 transpiração é o principal contribuinte para a produção de entro- a formação de estruturas mais complexas, se a quantidade de pia e que a busca, pela seleção natural, para diminuir a perda de energia e matéria adicionada via cultivo de plantas for maior do água é verdadeira, as plantas funcionam para minimizar a produ- que a necessária para a biota ativa do sistema. Do contrário, se ção de entropia. Este comportamento das plantas reflete o que a quantidade de energia e matéria adicionada for menor que a ocorre em nível de ecossistema. Neste aspecto, Addiscott (2010) necessária para a biota ativa, a auto-organização gera a formação desconsidera o fato da existência concomitante de processos de de estruturas mais simples. Por causa disso que o estímulo ao dissipação e ordem em nível de plantas e ecossistemas. sistema deve ser contínuo, ou seja, a entrada de energia e maté- Prigogine afirma que dissipação e ordem ocorrem jun- ria pelas plantas deve ser contínua e a velocidade do fluxo deve tas. A entropia produzida em função da passagem do fluxo de ser reduzida para, no mínimo, manter o estado de ordem atual. energia e matéria que caracteriza os sistemas abertos é o que Nessa condição, fica implícita a instabilidade do sistema solo, a gera atividade ao sistema e o conduz à auto-organização. Dis- sua dependência à manutenção da magnitude e da velocidade do sipação e ordem não são opostas, e sim indissociáveis nos sis- fluxo para que o estado de ordem atual não se altere. O caminho temas abertos; ambos os processos atuando conjuntamente é o que o sistema pode percorrer vai depender das características do que gera complexidade, vida. Os avanços de Prigogine sobre o fluxo (magnitude e/ou velocidade). Quando a magnitude do fluxo é alta e a velocidade é não equilíbrio nos levam a considerar os processos dissipativos e baixa, o sistema solo tem condições de se auto-organizar em es- ordenativos ocorrendo ao mesmo tempo em todos os níveis hie- tados de ordem em níveis de complexidade sucessivamente mais rárquicos de um ecossistema. O sistema solo é um retrato dessa elevados (Figura 10). A magnitude do fluxo fornece a energia e a indissociação, como é demonstrado na Figura 9. matéria necessárias para o sistema formar estruturas mais com- A dinâmica na auto-organização do sistema solo está em plexas, e a baixa velocidade permite o tempo necessário para que que, assim como a biota edáfica utiliza a energia e a matéria adi- esta energia e matéria adicionadas interajam com os demais ele- cionada pelas plantas e os seus metabólitos promovem a auto- mentos, formando estruturas maiores e mais complexas. Essas organização do sistema solo em estruturas complexas, a biota estruturas são constituídas por minerais filossilicatos, óxidos, também utiliza a energia e a matéria do sistema solo para sua quartzo, microrganismos, compostos orgânicos e inorgânicos atividade, o que pode conduzir o sistema solo à desestruturação, e partes de tecido vegetal e de macrorganismos numa rede de se a quantidade adicionada (magnitude do fluxo) for menor que relações não lineares, com alta quantidade de energia e matéria o requerimento da biota (Figura 8). Os processos de dissipa- retida na forma de compostos orgânicos, caracterizando o nível ção e ordem estão sempre associados. A auto-organização gera de complexidade alto. 63 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k entendimento do funcionamento dos sistemas em condição de O Solo como Sistema Em sistemas que o fluxo tem alta magnitude e alta velocidade, apesar da grande quantidade de energia e matéria promover a auto-organização em estruturas mais complexas, a velocidade do fluxo não permite que as estruturas formadas se mantenham, pois os agentes ligantes e formadores são consumidos e/ou perdidos num tempo menor do que o necessário para manter a estrutura formada. Em sistemas com fluxo de baixa magnitude e baixa velocidade, a quantidade de energia e matéria não é suficiente para promover a auto-organização em nível de complexidade alto, mesmo que a baixa velocidade permita a interação da pequena quantidade adicionada com os demais elementos do sistema. Nos diferentes níveis de complexidade em que o sistema 64 FIGURA 10. Representação esquemática dos estados de ordem em diferen- solo se auto-organiza, surgem as propriedades emergentes, que tes níveis de complexidade de um sistema solo auto-organizado em função do são a expressão das relações não lineares entre os elementos que fluxo de energia e matéria (em analogia a Prigogine, 1996). compõem o sistema. Quanto mais complexo o sistema, maior 65 é o número de relações e, consequentemente, as propriedades emergentes são maiores em número e funções. e alta velocidade, o sistema solo se auto-organiza em estru- O nível de complexidade alto, caracterizado pela pre- turas menores e mais simples, pois a quantidade de energia sença expressiva de estruturas mais diversificadas e complexas, e matéria não é suficiente para conduzir o sistema a formar representadas pelos macroagregados e maior quantidade de estruturas complexas, nem a velocidade permite que a pouca energia e matéria retida na forma de compostos orgânicos, as energia e matéria adicionadas permaneçam tempo suficiente propriedades emergentes do sistema solo se destacam por: para formar estruturas complexas (Figura 10). Nessa condição, o sistema é composto, principalmente, por estruturas l melhor estrutura, aumentando a resistência do solo à erosão hídrica e eólica; pequenas e simples com baixa quantidade de energia e maté- l fluxos de água e ar adequados, em função da presença ria retida na forma de compostos orgânicos, caracterizando de microporos, responsáveis pela retenção de água, e de macro- o nível de complexidade baixo. poros, responsáveis pela drenagem da água e aeração; Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Por outro lado, quando o fluxo tem baixa magnitude O Solo como Sistema l estoque de carbono, evitando a emissão de CO2 para a atmosfera, e, assim, diminuindo o Efeito Estufa; como meio para o crescimento das plantas, regular e comparti- l capacidade de troca de cátions (CTC), principalmente mentalizar o fluxo da água no ambiente, estocar e promover a devido às superfícies reativas dos compostos orgânicos, retendo ciclagem de elementos na biosfera e servir como tampão am- nutrientes e aumentando o estoque dos mesmos, além de adsor- biental (Larson & Pierce, 1994; Karlen et al., 1997). E assim, tem ver compostos orgânicos e inorgânicos, que podem ser prejudi- capacidade de atingir Qualidade do Solo. ciais ao ambiente, e, com isso, atenuando ou até inativando seus efeitos tóxicos ou poluentes; 66 sistema solo é capaz de cumprir suas funções, que são de servir O nível de complexidade baixo, caracterizado pela presença expressiva de estruturas mais simples, representadas pelos l complexação de compostos prejudiciais ao ambiente microagregados e menor quantidade de energia e matéria retida pelos compostos orgânicos, em função da reatividade e confor- na forma de compostos orgânicos, as propriedades emergentes mação das moléculas orgânicas; do sistema solo se destacam por: l aumento de nutrientes para as plantas provenientes l maior emissão de CO2 para atmosfera do que o se- dos compostos orgânicos, os quais contêm elementos essenciais questro de carbono no solo, contribuindo para o Efeito Estufa; para as plantas na sua composição; l favorecimento da biota edáfica, pela maior quantidade de energia e carbono oriundos dos compostos orgânicos; l deterioração da estrutura do solo; l favorecimento da erosão hídrica e eólica, pela falta de estrutura do sistema, o que provoca escoamento superficial de água com arraste de partículas minerais, agregados e compostos favorecimento das condições físicas e nutricionais à atividade orgânicos e inorgânicos, provocando erosão do solo e assorea- dos microrganismos; mento de lagos e rios, além de contaminação de águas superfi- solo, em função da maior quantidade de carbono, promovendo condições para o mesmo suportar estresses e servir como filtro e tampão ambiental; ciais e subterrâneas; l perdas de nutrientes e compostos orgânicos e inorgânicos por lixiviação e erosão; l diminuição do desenvolvimento das plantas por pro- l resistência a perturbações e resiliência do sistema solo. blemas de aeração, umidade e deficiência de nutrientes no sistema; Enfim, as propriedades emergentes resultam no in- l diminuição da biota edáfica, por falta de fonte de cremento da habilidade do sistema solo produzir quantidades energia e carbono; crescentes de energia e matéria, via plantas, favorecendo a retro- l diminuição da diversidade da biota edáfica e do sis- alimentação da energia geradora de ordem. Nessa condição, o tema solo, reduzindo as condições do mesmo suportar estresse; Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k l promoção da ciclagem dos elementos químicos, pelo l aumento da diversidade da biota edáfica e do sistema 67 O Solo como Sistema l redução da resistência a perturbações e resiliência do sistema solo. Enfim, com o passar do tempo, o sistema solo diminui a capacidade de produzir energia e matéria via plantas, e retroalimentar o sistema para fornecer a energia necessária para sua auto-organização em nível de complexidade alto. Nessa condição, o sistema solo não tem habilidade de cumprir suas funções e, portanto, não atinge qualidade. 68 Estudo de Caso: Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Funcionamento de Sistemas Solo em Produção Agrícola 69 O Solo como Sistema Campo Nativo, como vegetação nativa da região, foi analisado como referência aos sistemas de produção agrícola. TABELA 1. Caracterização dos sistemas solo analisados neste estudo de caso. Culturas(3) Denominação dos Sistemas Preparo do Solo Inverno Verão pc am convencional(1) aveia milho 0,63 pc avmc convencional aveia e vica milho e caupi 1,11 pd am plantio direto(2) aveia milho 0,57 experimento de longa duração conduzido desde 1985 na Esta- pd avmc plantio direto aveia e vica milho e caupi 1,01 ção Experimental Agronômica da Universidade Federal do Rio CN PVd campo nativo campos mistos com pastejo moderado N.D. Este Estudo de Caso tem a finalidade de interpretar, com base nos princípios da Termodinâmica do Não Equilíbrio, o funcionamento de sistemas solo em diferentes situações de práticas de manejo para produção agrícola. Os sistemas de manejo estudados fazem parte de um 70 Fluxo(4) Grande do Sul. Este experimento está localizado na região fisiográfica da Depressão Central do Estado do Rio Grande do Sul sobre Argissolo Vermelho Distrófico típico (PVd), com 30,0 dag kg-1 de areia grossa e média (2,0 a 0,2 mm), 23,7 dag kg-1 de argila, na profundidade de 0 a 10 cm (Silva, 1993), textura franco argiloarenosa, sendo a caulinita (720 g kg-1) e os óxidos de ferro 0,040 0,019 N.D. 71 (1) Uma aração e duas gradagens antes da semeadura da cultura de verão e plantio direto da cultura de inverno após rolagem com rolo-faca da cultura de verão. (2) Plantio direto após rolagem com rolo-faca da cultura anterior. (3) Aveia: Avena strigosa Schreb; vica: Vicia sativa L.; milho: Zea mays L.; caupi: Vigna unguiculata (L.) Walp. (4) Dados em Bayer et al. (2006) dos 13 primeiros anos do experimento. Magnitude = quantidade de carbono na matéria seca vegetal adicionada pelas culturas multiplicada pelo k1 (preparo convencional: k1 = 0,148 ano-1; plantio direto: k1 = 0,146 ano-1);Velocidade = determinada pelo coeficiente de decomposição do carbono orgânico do solo, k2. N.D. = não determinado. (109 g Fe2O3 kg-1) os minerais dominantes na fração argila (Bayer Na Tabela 1, constam, também, a magnitude e a veloci- et al., 2001). Os sistemas estudados consistem em dois siste- dade do fluxo de energia e matéria. A magnitude do fluxo para mas de preparo e dois sistemas de culturas, que estão carac- este experimento foi determinada por Bayer et al. (2006), através terizados na Tabela 1. Os sistemas receberam 75 kg de P2O5 do modelo unicompartimental da dinâmica do carbono orgânico ha ano e 45 kg K2O ha ano na semeadura do milho. Em do solo desenvolvido por Hénin & Dupuis (1945). O coeficiente 1998, foram aplicados em torno de 2 Mg de calcário ha-1 em k1 é a taxa anual que o carbono da matéria vegetal dos sistemas -1 -1 -1 -1 superfície . Os detalhes do procedimento experimental estão (1) descritos em Lovato et al. (2004) e Bayer et al. (2006). O sistema de culturas é incorporado ao carbono orgânico do solo. Para os sistemas em preparo convencional, esta taxa foi de 0,148 ao ano; Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k areia fina (0,2 a 0,06 mm), 21,1 dag kg-1 de silte, e 25,3 dag kg-1 de VelociMagnitude dade (Mg C (Mg C ha-1ano-1) ano-1) O Solo como Sistema 72 e em plantio direto, 0,146 ao ano. Portanto, a partir da quantida- da área de contato dos resíduos com a biota decompositora, faci- de de carbono na matéria vegetal dos sistemas de culturas dos litando o consumo pela mesma. Por esse motivo, a velocidade do sistemas estudados e o coeficiente k1, obteve-se a magnitude do fluxo de energia e matéria nos sistemas em preparo convencional fluxo de energia e matéria (Tabela 1). é mais do que o dobro da velocidade nos sistemas em plantio A velocidade do fluxo nos sistemas estudados foi de- direto (Tabela 1). terminada pelo coeficiente k2 do modelo de Hénin & Dupuis O comportamento dos fluxos durante 15 anos condu- (1945) por Bayer et al. (2006) e se refere à taxa anual do carbono ziu os sistemas para estados de ordem em determinado nível de orgânico do solo perdido por mineralização. complexidade. Os estados de ordem do sistema solo são descritos pelas diferentes classes de diâmetro de agregados, nas quais los sistemas de culturas nos 13 primeiros anos do experimento os componentes se auto-organizam: 4,76 a 2,00; 2,00 a 0,25; 0,25 (dados em Bayer et al., 2006), tanto o sistema aveia/milho (am) a 0,053 e menor que 0,053 mm. A auto-organização pode estar como o aveia+vica/milho+caupi (avmc) não diferiram entre os em nível de complexidade alto ou baixo (Figura 10). O nível sistemas de preparo. A magnitude do fluxo do sistema am foi alto se caracteriza pela presença de estruturas mais complexas muito semelhante no preparo convencional e no plantio dire- e diversificadas, representadas pela maior proporção de macro- to. Assim, também, ocorreu com o sistema avmc, como pode agregados (> 0,250 mm), e maior quantidade de energia e ma- ser observado nos dados da Tabela 1. Portanto, cada sistema téria retida na forma de compostos orgânicos. O nível baixo se de culturas teve, praticamente, a mesma magnitude de fluxo, in- caracteriza pela presença de estruturas mais simples, representa- dependentemente do sistema de preparo do solo. Dentro dos das pela maior proporção de microagregados (< 0,250 mm), e sistemas de culturas, a maior magnitude do fluxo no sistema avmc menor quantidade de energia e matéria retida na forma de com- em relação ao sistema am é devido, principalmente, à adição de postos orgânicos. leguminosas, que aumentam o estoque de nitrogênio no solo Na Figura 11, está apresentada a distribuição percentual (Amado et al., 1999; Amado et al., 2000; Lovato et al., 2004) e, dos agregados livres de partículas simples(1) nas classes de diâ- consequentemente, a capacidade de produção de matéria seca do metro de cada sistema. Os sistemas com mesmo grau de revolvi- sistema (Bayer et al., 2000a; Bayer et al., 2000b). mento do solo (fluxo de energia e matéria com mesma velocida- Em relação à velocidade do fluxo, o revolvimento do solo acelera a decomposição da matéria orgânica do solo, em função do aumento da aeração do sistema, exposição da matéria orgânica protegida fisicamente dentro dos agregados e aumento de) (Tabela 1) apresentaram comportamento semelhante quanto à distribuição nos estados de ordem. (1) Metodologia para determinação dos agregados livres de partículas simples está apresentada no Apêndice. 73 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Considerando a média anual da adição de carbono pe- O Solo como Sistema 74 O revolvimento do solo exerce dois efeitos determinan- para o pd avmc não interferiu na distribuição dos diferentes estados tes que explicam estes resultados. Um deles é a quebra mecânica de ordem. Pois, a energia e matéria que entraram no sistema, mesmo dos agregados maiores, fazendo com que não haja concentração sendo menores, no caso do pd am, permaneceram tempo suficien- de agregados nas classes maiores que 2 mm. Durante o período te para interagir com os demais elementos, para o sistema se auto- vegetativo das plantas, ocorre a formação de macroagregados organizar em estruturas complexas. Com os dados, conclui-se que a pela ação do sistema radicular em desenvolvimento, prolifera- distribuição nos diferentes estados de ordem foi resultado de ambos ção de hifas (Jastrow, 1996), e pela liberação de exsudatos ra- componentes do fluxo, magnitude e velocidade. diculares, mas o revolvimento do solo quebra estas estruturas A diferença entre as velocidades do fluxo, além de ter maiores formadas recentemente, reduzindo o diâmetro dos influenciado a distribuição nos diferentes estados de ordem, re- agregados. Dessa forma, o revolvimento rompe a sequência fletiu-se, também, na quantidade de solo agregado (Figura 12). de fenômenos que conduzem o sistema à auto-organização em Os sistemas em plantio direto, com baixa velocidade de fluxo, macroagregados (Figura 9). O outro efeito do revolvimento é tiveram capacidade de agregar a maior massa de solo, equivalendo- a aceleração da decomposição da matéria orgânica do solo, já se ao sistema com vegetação nativa da região (CN PVd). Em 15 comentada acima. Como a energia e a matéria dos compostos anos, um sistema com baixo grau de revolvimento, o qual ocorre orgânicos são a fonte geradora de ordem, a perda deste agen- apenas na linha das culturas por ocasião da semeadura direta nos te ligante e formador de agregados pelo revolvimento do solo meses de abril e outubro, foi capaz de permitir que a energia e compromete o processo de auto-organização do sistema. matéria adicionadas pelas plantas permanecessem tempo suficiente para proporcionar a interação entre os elementos do sistema tados de ordem nos sistemas em preparo convencional. A maior (minerais filossilicatos, óxidos, quartzo, microrganismos, matéria magnitude do fluxo do sistema pc avmc em relação ao pc am pro- orgânica particulada, compostos orgânicos e inorgânicos), for- porcionou a formação de estruturas mais complexas, ou seja, mando agregados. Os sistemas em plantio direto, além de apresen- maior percentagem de agregados na classe > 4,76 mm e a menor tarem a maior massa de solo agregado, essa massa foi composta, percentagem na classe 0,25 a 2,00 mm (Figura 11). principalmente, por agregados com diâmetro maior que 4,76 mm Esse fato mostra que a maior magnitude pode superar a alta (Figura 11), classe característica de estrutura complexa e diversifi- velocidade do fluxo, evidenciando que a fonte geradora de ordem cada. Nesta condição de sistema complexo, teve capacidade de re- em nível de complexidade alto é a produção vegetal, a entrada de ter maior quantidade de energia e matéria na forma de compostos energia e matéria no sistema. Por outro lado, no plantio direto, como orgânicos em relação ao preparo convencional, fato demonstrado a velocidade do fluxo é baixa, o aumento da magnitude do pd am na quantidade de carbono no solo agregado na Figura 12. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k A magnitude do fluxo interferiu na distribuição dos es- 75 O Solo como Sistema Nos sistemas em preparo convencional, com maior velocidade de fluxo (Tabela 1), a energia e matéria adicionadas não permaneceram tempo suficiente para promover a auto-organização dos elementos do sistema em estruturas mais complexas. No preparo convencional, a massa de solo agregado foi menor (Figura 12) e, consequentemente, a quantidade de partículas simples foi 24% maior que no plantio direto. A massa de solo agregado dos sistemas em preparo convencional consistiu de agregados com diâmetro menor que 2 mm (Figura 11), os quais possuem estrutura mais simples, com menor capacidade de reter a energia e a matéria adicionadas. Por este motivo, somado ao efeito na aceleração da decomposição da matéria orgânica pelo revolvimento, mesmo com magnitude de fluxo equivalente aos sistemas em plantio direto (Tabela 1), os sistemas em preparo convencional tiveram menor quan- 76 tidade de carbono retida na massa de solo agregado (Figura 12). ples nas classes de diâmetro dos sistemas solo estudados. Médias de 6 repetições, coletas nos anos 1999 e 2000. CN = campo nativo; PVd = Argissolo Vermelho Distrófico típico; pc = preparo convencional; pd = plantio direto; a = aveia; m = milho; v = vica; c = caupi. FIGURA 12. Quantidades de solo agregado e de carbono retido nos sistemas solo estudados. Médias de 6 repetições, coletas nos anos 1999 e 2000. CN = campo nativo; PVd = Argissolo Vermelho Distrófico típico; pc = preparo convencional; pd = plantio direto; a = aveia; m = milho; v = vica; c = caupi. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k FIGURA 11. Distribuição percentual de agregados livres de partículas sim- 77 O Solo como Sistema Comparando os sistemas com diferentes tipos de cultu- sistema Campo Nativo (CN PVd) como referência. Sendo assim, ras com o mesmo grau de revolvimento do solo, ou seja, fluxo de o CN PVd teve valor 10 para ambos os parâmetros. O Nível de energia e matéria com mesma magnitude e velocidades distintas, Complexidade foi obtido pela multiplicação dos valores relati- a diferença na quantidade de carbono entre os tipos de culturas vos ao CN PVd de cada parâmetro. A escolha pelo produto dos quando em preparo convencional foi de 1,9 Mg ha-1, e quando valores relativos para determinar o Nível de Complexidade foi em plantio direto foi de 3,4 Mg ha (Figura 12). A maior diferen- baseada em propostas de indicadores de Qualidade do Solo, que ça para os sistemas em plantio direto evidencia que a estrutura são obtidos pela multiplicação de atributos do solo (Lal, 1993; mais complexa destes sistemas tem maior capacidade de reter Doran & Parkin, 1994; Larson & Pierce, 1994). Os valores re- energia e matéria, quando a magnitude do fluxo aumenta. lativos constam na Tabela 2 e os Níveis de Complexidade estão -1 Observa-se, então, nos dados de carbono da Figura 12, representados na Figura 13. que nos sistemas com mesma velocidade de fluxo a magnitude promoveu maior retenção de energia e matéria. E, nos sistemas com mesma magnitude, a redução da velocidade também permi- 78 TABELA 2. Valor relativo dos sistemas estudados ao sistema campo nativo quanto à quantidade de carbono total no solo e à proporção de agregados > 2 mm livres de partículas simples e o Nível de Complexidade. tiu maior retenção. Para analisar os níveis de complexidade dos sistemas, 79 Sistemas Solo(1) rentes classes de diâmetro dos agregados e à quantidade retida CN PVd 10,0 10,0 100,0 de energia e matéria, elaborou-se um valor para os Níveis de pc am 5,4 3,6 19,4 Complexidade, a fim de categorizar os sistemas. Para isso, os pa- pc avmc 6,8 4,4 29,9 râmetros escolhidos foram a percentagem de agregados nas clas- pd am 6,8 7,4 50,3 ses de diâmetro maiores que 2 mm livres das partículas simples pd avmc 8,9 7,8 69,4 e o carbono total no solo, em g 100g-1. Utilizaram-se as unidades maiores que 2 mm, devido à estrutura desta classe ser complexa Valor Relativo agregados >2mm (VR agr>2) Nível de Complexidade(2) CN = campo nativo; PVd = Argissolo Vermelho Distrófico típico; pc = preparo convencional, pd = plantio direto, a = aveia; m = milho; v = vica; c = caupi. Nível de Complexidade = (VR Ct * VR agr>2) e diversificada, pois é composta por minerais filossilicatos, óxidos, quartzo, microrganismos, hifas, raízes, partes do tecido ve- Os dados da Figura 13 possibilitam observar que getal e coprólitos de macrorganismos. O carbono total em per- houve um aumento no Nível de Complexidade à medida que centagem foi utilizado porque este representa a quantidade de aumentou a magnitude e diminuiu a velocidade do fluxo de energia e matéria que o sistema foi capaz de reter. Adotou-se o energia e matéria. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k que são relativos à auto-organização dos componentes nas dife- Valor Relativo carbono total (VR Ct) O Solo como Sistema O pc am com fluxo de magnitude baixa e velocidade alta pc avmc. Se analisarmos os valores relativos ao CN PVd des- teve o mais baixo Nível de Complexidade. O aumento na mag- ses sistemas (Tabela 2), ambos (pc avmc e pd am) possuem o nitude do fluxo, representado pelo sistema pc avmc, promoveu a mesmo Valor Relativo de Carbono Total; portanto, o que auto-organização dos elementos do sistema em estruturas maio- determinou o Nível de Complexidade diferente foi a quanti- res com maior retenção de energia e matéria, conduzindo a Nível dade de solo agregado em unidades maiores que 2 mm, fator de Complexidade mais elevado. diretamente influenciado pela velocidade do fluxo, que é determinada pelo revolvimento do solo. O pd am, por manter os agregados maiores que 2 mm, teve capacidade de reter quantidade de carbono equivalente ao pc avmc, mesmo tendo quase a metade da quantidade adicionada (Tabela 1). Os sistemas em plantio direto com a mesma distribuição nos diferentes estados de ordem tiveram Níveis de Complexidade distintos, sendo o pd avmc superior, em função da magnitude do fluxo maior. Isso é justificado porque, se a magnitude do 80 fluxo aumentar, os sistemas em plantio direto possuem estrutu- 81 ras capazes de reter maior quantidade de compostos orgânicos, = campo nativo; PVd = Argissolo Vermelho Distrófico típico; pc = preparo convencional; pd = plantio direto; a = aveia; m = milho; v = vica; c = caupi. como é o caso do pd avmc em relação ao pd am. Por esse motivo, a estrutura do pd avmc é mais complexa, pois num mesmo tamanho de agregado há mais moléculas orgânicas que estão fazendo interações com os demais elementos, aumentando a diversidade O pc avmc teve Nível de Complexidade menor que o pd das relações não lineares e, consequentemente, alterando o com- am. A maior magnitude do fluxo do pc avmc pode ter conduzido portamento do sistema. Como o nível de complexidade alto é o sistema a se auto-organizar em estruturas mais complexas, mas caracterizado pela maior complexidade das estruturas, fica evi- a velocidade do fluxo não permitiu que as estruturas formadas dente que o pd avmc é mais complexo. permanecessem no tempo. O pd am, mesmo com magnitude de Analisando a Tabela 1 e a Figura 13, observa-se que o fluxo menor, se auto-organizou em um estado de ordem que aumento da magnitude do fluxo conduziu ao aumento do Nível não foi rompido devido à baixa velocidade do fluxo, e com isso, de Complexidade nos sistemas com mesmo grau de revolvimen- conduziu o sistema a Nível de Complexidade mais alto que o to do solo. O revolvimento rompe a sequência de auto-organiza- Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k FIGURA 13. Nível de Complexidade dos sistemas solo deste estudo. CN O Solo como Sistema 82 ção em níveis de complexidade mais altos, que mesmo a maior auto-organização do sistema solo em nível de complexidade alto. magnitude de fluxo não foi suficiente para superar, como é o Para que a estrutura e o comportamento do sistema solo em ní- caso do pc avmc com Nível de Complexidade menor que o pd am. vel de complexidade alto permaneçam, é preciso que os agentes Com base na Termodinâmica do Não Equilíbrio, pres- formadores dos agregados maiores que 2 mm sejam mantidos. supõe-se que os sistemas com maior magnitude de fluxo são os Isso é possível com o aporte contínuo de energia e matéria, via mais instáveis, mais dependentes da quantidade atual adicionada cultivo de plantas. Pelo cultivo, as plantas, além de contribuírem de energia e matéria para manter o estado de ordem no mes- com a adição de energia e matéria da parte aérea, das raízes e mo nível de complexidade. Pelos valores dos Níveis de Com- dos exsudatos, contribuem com a atividade do sistema radicular. plexidade (Tabela 2), esta pressuposição é confirmada, pois a As raízes atuam mecanicamente na formação dos macroa- distribuição dos agregados nas classes de diâmetro foi muito gregados e estimulam a microbiota (Miller & Jastrow, 1992; semelhante nos sistemas com mesmo grau de revolvimento do Jastrow et al., 1998), que muitas vezes é mais determinante solo (Figura 11), tendo grande diferença entre os Níveis de na agregação do sistema que a própria planta (Foster, 1979). Complexidade devido ao teor de carbono retido, representado Através das plantas ocorre o estímulo, também, dos macro pelo Valor Relativo de Carbono Total na Tabela 2. Portanto, o e mesorganismos, que auxiliam na quebra dos resíduos ve- que conferiu complexidade à estrutura foi a quantidade retida getais para posterior consumo pela microbiota, além de for- de energia e matéria, que por sua vez está relacionada com a mar macroagregados, através dos coprólitos, e poros no solo, quantidade adicionada e as condições para que o tempo de per- quando se locomovem pelo sistema. A diversidade da comunidade vegetal é ponto essencial Qualidade do Solo está associada ao nível de complexi- para estimular o sistema solo nos seus vários níveis hierárqui- dade alto, onde as propriedades emergentes capacitam o sistema cos, pela influência direta que as plantas exercem sobre os com- solo exercer suas funções na natureza. Para o sistema funcionar ponentes do solo e suas complexas interações (Beare et al., e atingir estados de ordem em nível de complexidade alto, é ne- 1995). Num ambiente de solo diversificado biológica, física cessário ter fluxo de magnitude alta e velocidade baixa para que e quimicamente, a ciclagem biogeoquímica dos nutrientes é a grande quantidade de energia e matéria adicionada no sistema favorecida, aumentando o aproveitamento dos mesmos no conduza-o à auto-organização em estruturas complexas e que sistema e diminuindo o escape de pequenas moléculas. Além estas persistam por maior tempo possível. disso, a diversidade aumenta a capacidade de suportar es- É importante ressaltar o valor das plantas neste proces- tresse, conferindo maior resistência do sistema a perturba- so. As plantas são a fonte geradora de energia e matéria para a ções, e, consequentemente, aumentando sua resiliência. Para Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k manência no solo seja alto. 83 O Solo como Sistema que as relações não lineares entre os componentes não sejam rompidas e a estrutura quebrada, alterando as propriedades emergentes e comprometendo o funcionamento do sistema solo, o revolvimento do solo deve ser evitado. Portanto, para que um sistema atinja ou mantenha Qualidade do Solo, é preciso favorecer o nível alto de complexidade. Para isso, devem-se buscar práticas de manejo que promovam o aporte contínuo e diversificado de material vegetal, via cultivo de plantas, e o não revolvimento do solo. 84 Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Um caminho a percorrer 85 O Solo como Sistema bre o mundo complexo. Foi a partir deste “mergulho” que chegamos a um ponto de bifurcação, e o nosso sistema caminhou para um nível de complexidade mais alto. Como este processo é irreversível, não conseguimos (e nem queremos) interpretar o sistema solo de outra maneira, mas, sim, entendê-lo como um componente de um sistema, e, como tal, ativo, atuante, fazendo “Uma obra científica não pode criar uma ruptura relações, correlações de longo alcance e interferindo nos siste- que anule o caminho que a tornou possível, e, mas conectados a ele. portanto, ela está ao mesmo tempo voltada para o Mas, é preciso ir além. passado de que é herdeira e para o futuro que ela Além de pensar complexo, de interpretar com- propõe.” Prigogine, 2002, 176p. plexo, precisamos, urgentemente, praticar o complexo. O ambiente pede por isso. E a sociedade consciente 86 Esta frase de Prigogine resume a nossa visão sobre este li- exige cada vez mais que os sistemas de produção agrícola res- vro. Fizemos parte de uma história de trabalhos científicos, desafios, peitem e até melhorem o ambiente. É iminente que nós, técni- conquistas, e muitas vitórias. Só chegamos até aqui, apresentando cos da área agronômica, tenhamos alternativas aos sistemas de essas ideias porque teve um grupo de pesquisadores que trabalhou produção até agora utilizados. É preciso fazer uma agricultura arduamente, construindo a história deste livro. diferente da que se vem fazendo, e somos nós os responsáveis em oferecer as alternativas. As interações, as correlações de longo alcance, as fun- Já sabemos que a diversidade, a complexidade dos ecos- ções que o solo desempenha no ecossistema e na biosfera exi- sistemas agrícolas é o que faz a diferença para o desempenho gem que nós tenhamos um entendimento amplo, complexo e eficiente das funções do sistema solo na qualidade ambiental; profundo. O conhecimento da complexidade do sistema solo é resta, unicamente, colocarmos em prática esta complexidade. imprescindível para que, realmente, possamos inferir na influên- É o momento de ampliarmos a nossa visão e propor- cia que ele tem sobre a segurança alimentar e sobre a qualidade mos sistemas de produção agrícola complexos e criativos. Por do ar, da água e do ambiente. que não cultivar cinco grãos (ou mais) na mesma área e (aten- O mundo complexo está ao nosso redor, é preciso somente que saibamos interpretá-lo. Este livro reflete o início das nossas interpretações so- ção!) na mesma estação de crescimento? Qual é o entrave desta prática? Onde está o gargalo? Máquinas para semear e colher? Ou são as plantas cultivadas que não conseguem desenvolver Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k A partir deste ponto, não podemos mais voltar atrás. 87 O Solo como Sistema conjuntamente? Para o homem que tem a capacidade de analisar o ambiente do planeta Marte, estando no “escritório” no planeta Terra, uma máquina que colha cinco grãos simultaneamente não nos parece tão difícil. Acreditamos, também, que a biotecnologia deve resgatar a capacidade das plantas desenvolverem em parceria e estimular as relações mutualísticas. Os sistemas agroflorestais com eficiente retorno econômico para famílias que antes viviam em situação de miséria é um exemplo do uso da complexidade nos agroecossistemas, garantindo as dimensões social, econômica, cultural e ambiental na produção agrícola. Neste contexto, os sistemas de integração lavoura-pecuária, que surgem com força neste final da primeira década do milênio, são outro exemplo de sistema que busca a 88 complexidade. O novo, o complexo está na forma de olharmos o mun- 89 do. Somos responsáveis pela qualidade ambiental. Olhando, interpretando o complexo, temos condições de propor alternativas É o momento de inovar. O ambiente e a sociedade clamam pelo complexo e nós somos os responsáveis por esta mudança. Por isso, é preciso ir além. Este livro é apenas o começo. Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k de sistemas de produção agrícola que façam a diferença. O Solo como Sistema BALESDENT, J.; CHENU, C.; BALABANE, M. Relationship of soil organic matter dynamics to physical protection and tillage. Soil and Tillage Research, 53: 215-230, 2000. Bibliografia Citada ADDISCOTT, T.M. Entropy, non-linearity and hierarchy in ecosystems. Geoderma, 160: 57-68, 2010. ADDISCOTT, T.M. Entropy and sustainability. European Journal of Soil Science, 46: 161-168, 1995. 90 AMADO, T.J.C.; MIELNICZUK, J.; FERNANDES, S.V.; BAYER, C. Culturas de cobertura, acúmulo de nitrogênio total o solo e produtividade de milho. Revista Brasileira de Ciência do Solo, 23: 679-686, 1999. ATLAS R.M.; BARTHA R. Microbial ecology: fundamentals and applications. 4. ed. Memlo Park: Benjamin Cumming, 1997. 694p. 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Após 16h, a subamostra foi transferida para tubo plástico de 21 cm de comprimento e 9,5 cm de diâmetro, com tampa, contendo 500 mL de água potável. Neste tubo, a subamostra foi agitada em Metodologia para determinação de agregados livres de partículas simples agitador rotativo por 2 minutos em 16 rpm. Em seguida, o conteúdo de cada tubo foi transferido para um conjunto de peneiras de 4,76; 2,00; 0,25 e 0,053 mm de diâmetro de malha acoplado em agitador de oscilação vertical e inserido em um balde contendo água. As amostras foram agitadas verticalmente por 15 minutos a 42 oscilações por minuto. Os agregados retidos em cada peneira foram secos a 105oC por 24h. Os agregados e par- 100 Esta metodologia foi utilizada para determinar os agre- tículas de tamanho menor que 0,053 mm, que ficaram dispersos gados livres de partículas simples nas diferentes classes de diâ- na água do balde, foram obtidos por floculação com alúmen de metro, dados utilizados no Estudo de Caso. potássio a 5%. Peneiragem Via Seca Amostras indeformadas de solo foram coletadas na ca- Após a peneiragem via úmida, houve separação de par- mada de 0 a 7,5 cm de profundidade. O solo foi destorroado tículas dos agregados em função do manuseio das amostras. levemente com os dedos, respeitando os pontos de fraqueza, a Considerou-se que a separação das partículas ocorreu devido à fim de obter agregados inferiores a 9,51 mm de diâmetro. Essas frágil ligação entre as partes, portanto, não fazendo parte da es- amostras foram secas ao ar por 72h e armazenadas em recipien- trutura do agregado. Com o objetivo de determinar o peso real tes plásticos. de agregados em cada classe, realizou-se a peneiragem via seca. O processo de determinação dos agregados consistiu O processo consistiu em passar os agregados secos de em três etapas: peneiragem via úmida; peneiragem via seca dos cada uma das classes > 4,76; 4,76-2,00 e 2,00-0,25 mm, obtidos agregados de cada classe obtida na peneiragem via úmida; e se- na peneiragem via úmida, num conjunto de peneiras com malha paração das partículas simples. de 4,76; 2,00 e 0,25 mm de diâmetro e agitá-lo com as mãos. Os Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Distribuição dos Agregados em Classes de Diâmetro 101 O Solo como Sistema agregados menores que 0,25 mm foram transferidos para classe da subclasse. Para subclasse 1,00-0,25 mm, o aumento na lupa 0,25-0,053 mm. Após a peneiragem, os agregados retidos em foi de 20 vezes, e, da mesma forma, a separação foi realizada cada peneira foram pesados e armazenados. numa porção da amostra, obtendo a proporção de agregados e de partículas simples da subclasse. A partir das proporções, o Separação das Partículas Simples peso dos agregados e das partículas simples de cada subclasse A separação das partículas simples teve a finalidade de foi calculado com base nos pesos obtidos após a divisão das obter a massa de solo que o sistema foi capaz de agregar. Para mesmas. O peso dos agregados e das partículas simples da classe isso, considerou-se partícula simples toda aquela partícula de mi- 2,00-0,25 mm foi obtido pela soma dos pesos calculados das neral quartzo ou concreções de óxidos que não estava associada duas subclasses. a partículas de minerais filossilicatos e óxidos, formando agregados. O processo de separação foi distinto para cada classe. 102 Classe 0,25-0,053 mm: uma porção da amostra foi colocada sobre papel milimetrado, e as frequências de agregados Classe > 4,76 mm: toda amostra foi separada, obtendo- e de partículas simples foram contadas num campo de 2 mm2, se os pesos de agregados e de partículas simples com auxílio de com auxílio de uma lupa com aumento de 63 vezes. Considerou- uma lupa com aumento de 2 vezes e manuseio da amostra com se a mesma densidade para agregados e partículas simples, e, a instrumento pontiagudo. partir da frequência, obteve-se a proporção de ambos na classe. O peso dos agregados e das partículas simples da classe foi cal- veram-se os pesos de agregados e de partículas simples; utilizou- culado através da proporção com base no peso obtido após a se lupa com aumento de 10 vezes. peneiragem via seca. Classe de 2,00-0,25 mm: foi necessário dividir esta clas- Classe < 0,053 mm: considerou-se que partículas do ta- se em duas subclasses, devido à grande variação de tamanho manho silte (> 0,002 mm) estariam isoladas, caracterizando as das partículas. A divisão foi realizada através da peneiragem em partículas simples e as demais (< 0,002 mm: argila grossa, fina e malha de 1,00 mm de diâmetro, obtendo-se duas subclasses de muito fina) associadas, formando agregados. Para isso, a amostra agregados: 2,00-1,00 e 1,00-0,25 mm. Ambas as subclasses fo- foi dispersa e a fração silte foi separada. Para dispersão, utilizou- ram pesadas antes da separação das partículas simples. O pro- se aproximadamente 1,8 g de solo, em função de ser o menor cesso de separação foi feito individualmente para cada subclasse. peso obtido em uma amostra desta classe no processo de penei- Para a subclasse 2,00-1,00 mm, utilizou-se lupa com aumento ragem via úmida. de 10 vezes e a separação foi realizada numa porção da amostra, O processo de dispersão consistiu na adição de 1 mL de obtendo-se a proporção de agregados e de partículas simples NaOH 1 mol L-1 e 10 mL de água destilada em 1,8 g de solo. Esta Fa b i a n e M a c h a d o Ve z z a n i | J o ã o M i e l n i c z u k Classe 4,76-2,00 mm: toda amostra foi separada e obti- 103 O Solo como Sistema suspensão foi agitada horizontalmente por 1 hora. Em seguida, transferiu-se o conteúdo para uma proveta de 250 mL e o volume completado até o aferimento com água potável. Agitou-se a suspensão por 30s com um bastão de arame, tendo uma tampa plástica plana na sua extremidade inferior com diâmetro um pouco menor que o da proveta. Após 40s do término da agitação, retirou-se a suspensão até 1 cm da base da proveta, com ajuda de um sifão. Repetiu-se a operação: o volume da proveta foi completado até o aferimento com água potável, a suspensão foi agitada por 30s, e após 40s coletou-se a suspensão até 1 cm da base da proveta. A suspensão com a fração silte, a que permaneceu na proveta, foi transferida para um cadinho e seca a 105°C. Após 24 horas, obteve-se o peso de silte, que foi considerado 104 o peso das partículas simples. Com o peso de silte, calculouse a proporção das partículas simples na amostra de 1,8 g. A partir desta proporção, calculou-se o peso dos agregados e das partículas simples da classe com base no peso obtido após a peneiragem via úmida.