Revista Visão Acadêmica

Transcrição

Revista Visão Acadêmica
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Revista Visão Acadêmica
Universidade Estadual de Goiás
Unidade de Goiás
nº 2 - maio de 2011
Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276
Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br
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Dados da Publicação
Revista Visão Acadêmica
Ano 2 - nº 2 – Maio de 2011
Revista Eletrônica - Periodicidade Semestral
ISSN 21777276
Contato e Acesso
Principal: [email protected]
Alternativo: [email protected]
Acesso Via sítio
http//:www.coracoralina.ueg.br
Expediente
Universidade Estadual de Goiás ( UEG)
Reitor: Luiz Antônio Arantes
Unidade Universitária de Goiás
Diretor da Unidade: Flávio Antônio dos Santos
Av. Deusdete Ferreira de Moura S/N Centro
Cidade de Goiás- GO - CEP 76.600
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Ieda Maria do Carmo - UEG Goiás
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Raquel Miranda Barbosa - UEG Goiás/UEG Jussara
Conselho Consultivo
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Ana Paula Purcina Baumman (UFG - GO/UNESP-SP)
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Célia Sebastiana Silva (UFG - Goiânia)
Deis Elucy Siqueira (Universidade de Brasília - UnB)
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Edição
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Rodrigo Bastos Daúde (UEG - GO)
Rosane Maria de Castilho (UEG-GO/UEG - Ap. de Goiânia)
Rosangela Patriota (UFU - Uberlândia)
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Administração
Alair Di Silva Peres (UEG - cidade de Goiás).
Correção Gramatical e Ortográfica Pelos Graduandos
Cristiane Aparecida Guimarães de Moraes (UEG - Letras - cidade de Goiás)
Humberto Moreira Barros Filho (UEG - Letras - cidade de Goiás)
Ivani Peixoto dos Santos (UEG - Letras - cidade de Goiás)
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Formatação e Diagramação
Heloísio Mendes (UEG - cidade de Goiás).
Itelvides José de Morais (UEG - cidade de Goiás)
Informações Gerais
A revista é especializada na publicação de artigos científicos escritos por graduandos. Sendo
restrito a esse tipo de pesquisadores o direito de publicação nesse periódico.
O conteúdo dos artigos não necessariamente representa as posições dos organizadores da Revista
Editorial
Ser meio de divulgação da produção científica de graduandos dos diferentes ramos é o principal
motivo da organização da Revista Visão Acadêmica. De fato não faltam revistas científicas
dispostas a abrir algum espaço para publicações de graduandos. Porém, frente ao volume das
produções este espaço é aquém do necessário e nem sempre trabalhos de boa qualidade escritos
por graduandos conseguem ser divulgados. Por isso é intenção da Visão Acadêmica se voltar
apenas para este segmento. Contribuindo para que as universidades continuem a ser local de
formação e divulgação de ideias de pensadores com senso crítico em relação às suas crenças e
crenças de outros indivíduos.
Cidade de Goiás, maio de 2011, Conselho Editorial
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Sumário
Artigos
O Revés da Poesia Expressionista Alemã 7 -21.
Patrícia Sheyla Bagot de Almeida
O (i)embondeiro e a jindiba: a representação das árvores nas Literaturas Lusófonas....22 - 33
Roselaine Silva Martinez
Em Estado de Sítio: uma análise sobre a peça Moço em Estado de Sítio, de Vianninha, e a ditadura
militar 34 - 44
Samita Vieira Barbosa Martins
Caracterização Geoambiental da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, Ituiutaba/Prata (MG)
45 - 64
Giliander Allan da Silva
A Espacialização da Folia de Reis no Município de Faina nos Anos de 2009 A 2010 65.- 86
Eulália Maíra Alves Ferreira
O Ensino de Geografia e Conceitos Geográficos: a percepção dos educandos das escolas do campo do
município de Iporá-Goiás sobre os conceitos de Meio Ambiente e Cidadania 87 - 104
Silvaci Gonçalves Santiano Rodrigues
Educação Patrimonial: leitura da paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado nas aulas de Geografia
105 - 125
Angélica de Oliveira Ribeiro Xavier
Avaliação do Ensino Aprendizagem por Meio do Material Concreto Geoplano: um estudo de caso
com alunos do 6º do ensino fundamental 126 - 137
Adriana Ítala Magri
Traçando Novos Caminhos Para a Formação Docente: A União Entre a Universidade e a Escola.
Subprojeto PIBID/UNISINOS Ciências Biológicas 138 - 148
João Alberto Leão Braccini
Mariane Cenira Padilha Brizolla
Subsídios metodológicos para o Ensino de Ciências - Uma experiência prática 149 - 161
Renan Alves Conceição
Thaís Soares Monero
Ceci Erci Rodrigues
Aplicação dos Conceitos de Medidas de Posição e Dispersão: um Estudo de caso em uma Indústria de
Embalagens Plásticas Flexível 162 - 170
Thiago George das Dores
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A Timidez Como Entrave Emocional Patológico: levantamento quanti-qualitativo dos relatos de
pacientes atendidos na clínica-escola de Psicologia em uma faculdade da rede privada 171 - 185
Keila Cristina Carlos de Souza
Havaianas: Além do Imperativo “Recuse Imitações” Dialogismo e Papéis Desempenhados na
Campanha Publicitária 186 - 200
Carolina Di Assis
Pentecostalismo e Sociedade: estudo sobre similaridades e diferenças entre católicos carismáticos e
protestantes pentecostais 201 - 218
Rafael Damião Carmo Rosa de Almeida
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O Revés da Poesia Expressionista Alemã
Patrícia Sheyla Bagot de Almeida1
A nossa doença é a de vivermos no declinar dum dia
universal, num entardecer que se tornou tão
sufocante que mal conseguimos já suportar os
vapores da sua decomposição... Mas algo existe que
é a nossa saúde: dizer três vezes apesar disso, cuspir
três vezes nas mãos como velho soldado, e continuar,
seguir a nossa estrada, como nuvens puxadas a
vento, em direção ao desconhecido... (Georg Heym).
Resumo: A poesia expressionista alemã foi mais do que poderíamos compreender com
teoria críticas. O expressionismo não foi mais um movimento de vanguarda, mesmo
porque os primeiros poetas expressionistas nem assim se autodenominavam e nem houve
um movimento sistemático e uniforme. Acreditavam somente fazer poesia dentro de um
campo de dissolução e de uma muda contestação, na qual, a palavra não era um
apanhado material somente, mas principalmente, uma mostração da falência dos grandes
projetos sociais políticos.
Palavras-chave: Poesia Expressionista Alemã. Realidade. Linguagem. Resistência.
Introdução:
Acusados de desproporção e de não possuírem uma consciência histórica engajada
num forte materialismo marxista e de uma dor da perda pequeno burguesa, os
expressionistas domaram a linguagem com uma mão e, com a outra, deixaram a
materialidade da vida concretamente política fugir. Acusados desta inapreensão e
incompreensão, suas poesias parecem deixar a folha em branco e, por vezes, fazer apenas
um balbuciar messiânico, místico, didático, exortatório e sem concretude e beleza
possíveis. Suas fragilidades estão em suas carências e suas utopias2. Entretanto, se como
1
Patrícia Sheyla Bagot de Almeida é Aluna do sexto período da Faculdade de Letras da Universidade Federal
de Goiás.
Professora indicadora Doutora Célia Sebastiana Silva, Universidade Federal de Goiás/CEPAE
2
As críticas esplanadas acima fazem parte de uma crítica mais severa elaborada por Georg Lukács, de
posição antivanguardistas. No realismo socialista não havia espaço para as artes de vanguarda, denunciadas
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pensa Heidegger, onde reside o perigo reside também o maior bem, corramos para a boca
do dragão.
Para além das críticas que foram realizadas sobre estes poetas, vale mostrar que
eles criaram exatamente pelo o que lhes faltou e pelo o que não apreenderam, foi
exatamente por onde suas poesias aconteceram, e fez-se poesia como acontecimento
historial. Em outras palavras, os poetas expressionistas deram conta do que se revelou
enquanto acontecimento, a poesia expressionista desvelou no que estruturalmente velou.
Um círculo preciso que põe o entendimento, a vida e a linguagem em movimento.
Secunda o pesquisador João Barrento, que a poesia expressionista está assim, “longe de
ser uma poesia atuante”, porém, ela segue uma trajetória que é inevitável, a do fim dos
dualismos, das quimeras morais, econômicas e das certezas cartesianas. Ao pensar, o
pensamento é ação, é somente desta forma que pode dar-se. Naquilo que silencia é onde
se realiza o melhor diálogo. A onto-epifania destes poetas não é puramente mística, mas
sim, de tempo historial que parece deflagrar uma forte percepção do poder da linguagem
em tempos de barro.
O que se passa depois da morte de Nietzsche em 1900? A morte de deus, mas os
alemães já amarguravam sua ausência muito antes de sua morte, o desencanto e a
banalidade puseram a linguagem fortemente atenta em sua auto defesa, uma defesa
contra o mar de corrosão que passava assolando os modos de ser dos homens e da arte.
Neste contexto, os poetas expressionistas impuseram-se como linguagem vigilante e
como um novo projeto estético em que unem a intensidade do sentimento e a da
expressão. Eis a torção e a tensão que ela fez de si, uma fratura irreconciliável do tempo,
do ser e da história. A linguagem passa a ser a secreta moradia e execução da mais
perfeita revolução já pensada por algum movimento ultra materialista ou vanguardista.
como burguesas e anti-revolucionárias. O que objeta Lukács é que o expressionismo alemão não passa de
uma experimentação irracionalista, não crítica e chega, por vezes, a relacionar expressionismo e fascismo.
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O expressionismo pode ser desproporção com os movimentos sociais, porém, é a
plena confluência com o pensamento tido na sua mais profunda atividade, uma arte
sombria, mas resplandecente, que traça em risco cinza os tons azuis de paisagens
esquecidas, e que tem na metáfora a munição necessária para a luta da sobrevivência da
humanidade do ser.3 Isto é fazer poesia no turbilhão das águas.
A consciência do expressionista está no plano individual e não numa ação estética
de conjunto. Eles intuíam, vivenciavam seus acontecimentos e mergulhavam em seus
interiores como tempo necessário para aclaramento de sua arte. Isto animava os poetas,
era este comportamento que era geral e os faziam produzir numa forma semelhante, era
urgente encontrar o homem para poder transfigurá-los em arte universal. E isto foi
realizado por um conjunto de vozes com variados modos de entoar seus cantos.
O expressionismo é resistência à própria realidade, ao mundo obcecado no
progresso, disposto a pagar com a vida as edificações da burguesia e dos centros urbanos
faraonicamente erguidos. Neste sentido é que podemos considerar que o expressionismo
é a entrada da lírica alemã na modernidade, pois o que é o expressionismo alemão senão
a ruptura com o passado, oposição a beleza clássica da métrica, do alvo marfim e da
proporcionalidade, oposição a burguesia, compreensão trágica do homem, da existência e
o que, aqui neste trabalho, chamamos de apreensão, despretensiosa ou pretensiosa, do
paradoxo da linguagem, isto é, uma profunda desconfiança da linguagem usual,
impessoal, inautêntica, mas sendo esta mesma a ponte para a linguagem autêntica,
aquela que em sua estrutura fundamental nomeia na poesia? É o que nos fala Alfred
Wolfenstein no formidável poema A felicidade da comunicação: braços suportam a
3
Apenas um olhar ingênuo pode considerar a poesia expressionista como uma profunda descrição
nostálgica da natureza e de uma profunda introspecção humana. Hamburguer exemplifica o típico caso do
poeta Ungaretti e de Trakl, no qual, o primeiro espraia-se num subjetivismo, por vezes confessional e Trakl
cuja principal preocupação não é mais consigo mesmo, mas com o futuro da Humanidade. Cf.
HAMBURGUER, M. A verdade da poesia. Trad. de Alípio Correia de Franca Neto. Cosac & Naify, 1968. p.
216-217.
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palavra, que é levada/ Para os nossos irmãos de face ensoleirada-/ E um mal se apaga: o
do silêncio. Doravante/ O homem chega ao homem mais distante.//. 4
Provocar é a natureza do grito de negação, portanto, resistência da poesia
expressionista alemã. Resistir, três vezes apesar disso, resistir nos diz Heimy, mas resistir
ao que? Ao brilhante positivismo da linguagem que alarga os horizontes burgueses de sua
época. O necessário é voltar à nomeação existencial do ser, e isto pode ser feito por um
sussurro, um grito, um silêncio criptográfico, um enigma, mas precisará sempre ser feito à
revelia da linguagem mecânica e ideologizante. Negar-se pela linguagem para firmar-se na
linguagem. Desta forma, o expressionismo é a experiência vivida e sentida na morte de
muitos poetas na guerra e pela guerra. Ernst Stadler, Georg Heimy e Georg Trakl não são
casos isolados.
Trakl consegue seu suicídio depois de uma tentativa frustrada com arma de fogo,
mas antes disso, perturba-se em definitivo pela visita em um pavilhão, no setor em que
servia, de corpos mutilados na guerra. Seu último poema Grodek lamenta: Oh, dor
orgulhosa! Vós, brônzeos altares,/ Uma dor portentosa alimenta hoje a chama escaldante
do espírito,/ os filhos ainda hão de nascer.//.5 Engano, eles não nasceram. A primeira
guerra era apenas uma gestação de um filho cuja fome seria infinda. Secunda Hamburguer
que “a segunda guerra mundial foi a continuação militar dos conflitos ideológicos que a
precederam. (...) Essa é uma razão porque a segunda guerra produziu bem menos poetas
de atrocidades.” (HAMBURGUER, 1968, p. 213).
Este é o maior diferencial desta lírica, seus poetas não são somente escritores,
dândis ou profissionais de algum saber, são antes, indivíduos criadores que possuem
como matéria a realidade que os fere, não importa se direta ou indiretamente. A isto a
crítica pouco ou quase nada compreendeu, ou no mais, acreditou ser a poesia destes uma
consequência natural na criação da poética de resistência, afirmando que tudo era visão
de mundo, interpretação e crise de mundo.
4
Extraído da obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p.
45.
5
Idem, p. 185.
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Entretanto, não se trata de visar o mundo como o biólogo faz com seus objetos de
estudo e, sim, de ser mundo e isto quer dizer; ser profundamente mundo, com abertura
potencializada, e o inevitável ocorre, a saber; o choque, a queda, a dor, o sofrimento.
Como estou atrelado/ À carroça de carvão de minha dor!/ Repelente como uma aranha/
Rasteja sobre mim o tempo./ Cai-me o cabelo,/ Encanece-me a cabeça para o campo,/
Para lá do qual ceifa/ O último segador./ O sono ensombra-me os ossos./ Morri no sonho
já,/ Erva nascia do meu crânio,/ De negra terra a minha cabeça.//. 6 É este o canto
Sofrimento de Albert Ehrenstein.
Encarnado mundo, modos de experienciar que vasa pela existência na qual o poeta
é ser, isto é, abertura inconteste que jamais pode ser apreendida em sua totalidade. Como
afirma Heidegger em sua carta Sobre o humanismo de 1946: “O ser enquanto destino que
destina verdade permanece oculto. Mas o destino do mundo se anuncia na poesia, sem
que ainda se torne manifesto como história do ser.” (HEIDEGGER, 1973, p. 359). O que
assegura o filósofo é que mesmo que seja constituição própria do mundo e da verdade
ocultar-se para não ser objetificada, na poesia, ela salta como a leveza mais pesada, com o
brilho mais escuro e implode o que deseja fugir de si próprio. É da sua essência re-velar
sem que faça do re-velado um conhecimento objetificável, penetrar na verdade como
evento, aberto, descerrado e, por consequência, fundar o historial. Por mais que os poetas
expressionistas pudessem resistir à realidade que os oprimia, o fariam, mesmo na recusa,
pois se encontravam no pensamento mais abissal da concretude do mundo e com a
profunda crença e confiança na existência do acontecer humano.
Todavia, a existência hipostasiada ou postulada por verdades sempiternas, pouco
conta no momento das escolhas e das vivências práticas da vida. A existência que criam
esses poetas era a existência que se erguia de lutas e das dores cotidianas e,
consequentemente, sofriam por outra existência mágica que se arrefeceu, a natureza.
Assim revela a poesia do poeta e tenente médico da frente ocidental na primeira guerra
mundial, Wilhelm Klemm, “não queremos poesia de gênero algum,/ Queremos truques
6
Idem, p. 207.
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mágicos de saco,/ Procuramos tapar na existência um fatal buraco./ E apesar de esforço
insano não tapamos nenhum.//.7 Tapar o buraco da existência, mesmo sabendo não fazêlo, é o ápice da mais profunda abertura, aquele do evento iluminador do próprio poeta,
que mesmo no mais profundo conforto e sorriso, jamais esquece que as covas correm
sempre o risco de serem reabertas.
Eis o revés, o oposto que pela estética firmou as forças que se ergueram em
tempos de profunda crise social e espreitaram o homem na sua mais profunda abertura,
era preciso resistir. É neste contexto, que a poesia expressionista materializava o grotesco,
a natureza, a linguagem hermética, patológica e dissoluta. Havia no expressionismo
alemão uma provocação não meramente panfletária 8, que se firmou nas ervas daninhas
da linguagem usual, portanto linguagem decaída. Numa suposta negação do mundo por
ausência de luta, estava a criatividade e afirmação dos expressionistas, pois um
estranhamento de mundo, um estar fora de casa, um canto solitário, angustiado,
nostálgico e melancólico é o mais profundo ato de autenticidade. Vejamos a poesia O
poeta e a guerra do alemão Albert Ehrenstein, canta o poeta:
Eu cantei os cânticos de vingança em vermelho
[rasgada,
E cantei o silêncio do lago de baías arborizadas;
Mas ninguém, solitário
Como a cigarra canta,
Cantei o meu canto para mim.
Os meus passos vão-se desvanecendo, extenuados
Na areia do meu esforço.
Os olhos caem-me de cansaço,
7
Extraído da obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p.
51.
8
Fragoso constata a falta de quaisquer definições programáticas ou de manifestos, ao contrário de outros
movimentos vanguardistas, futurismo, dadaísmo, assim como uma inconsistência completa do
expressionismo nos seus primórdios. Cf. FRAGOSO. A viagem mítica na lírica de Georg Heym. Fundação
Calouste, 2004, p. 32-33.
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Estou cansado dos desconsolados vaus,
De atravessar rios, mulheres e ruas.
Á beira do abismo, não penso
No escudo e na lança.
Assoprado pelas bétulas,
Ensombrado pelo vento,
Adormeço ao som da harpa
De outros,
Para quem ela escorre alegremente.
Não me mexo,
Porque todos os pensamentos e ações
Turvam a pureza do mundo. 9
A profunda evasão e a descrição da paisagem parecem subtrair o canto em
confessionalismo e falta de ação, não fosse o canto de um eu-lírico inconformado que
pensa o mundo em sua angústia e, ao interrogá-lo sem perguntas e a cantá-lo sem hinos,
diz; cantei o silêncio, e mostra que toda ação macula a pureza do mundo. Como podemos
compreender a ação referida? Não mais na guerra, mas na falta de uma materialidade
perspicaz e sensível do ser mundo. A melancolia do eu-lírico parece dizer-nos que todas as
ações e o próprio pensamento já realizados, fragmentaram demais o ser do mundo.
Passos, esforços, olhos, travessias, pensamentos, lanças. Não me mexo.
Em tempos de entulhos, estes poetas não acreditavam mais na ação redentora, no
conhecimento, nos movimentos sociais meramente engajados e, muito menos, na função
do poeta, porém, acreditavam na recondução do homem ao próprio do homem. Daí a
grotesca afirmação de Werner Mittenzwei, 1968, de que o expressionismo é, em seus
traços essenciais, humanista. Porém, acertada é a colação de Claudia Cavalcante para
quem “o expressionismo morria porque queria ser mãe da revolução em nome da
9
Op. cit., p.213.
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humanidade, (...) nosso apelo é l’homme pour l’homme ao invés de l’art pour l’art.”
Acreditavam os expressionistas. (CAVALCANTI, 2002, p. 50).
Eis o denominador comum da poesia expressionista e seu maior revés, um todo e a
parte, a maior preocupação; o homem, ou melhor, a decadência do homem. De um
pessimismo trágico eram por isto mesmo, contraditório em suas formas. O pessimismo
trágico é aquele em que a deliberação não é atenuante da fatalidade, mas pode pesá-la
mais. Agir é mover os olhos dos deuses, é ser visto, logo é correr um alto risco.
Insistentemente, o poeta expressionista escolhe deliberar sobre uma humanidade
perdida. É assim com o poema O novo Orfeu de Iwan Goll, único poeta que se
autodenominava expressionista, que terá que ser exposto em sua inteireza.
Orfeu
Músico de outono
Ébrio de mosto estelar
Ouves a rotação da terra
Ranger hoje mais fortemente do que é hábito?
O eixo do mundo enferrujou
À tardinha e pela manhã cotovias disparam para o céu
Procuram em vão o infinito
Leões envelhecem
E os miosótis pensam em suicídio
Está cansada a boa natureza
Rarefeito o oxigênio de eternas florestas
Sufoca-se no ozone dos cumes
Nuvem chove e sente a nostalgia da lama
Homem acaba sempre por voltar aos homens
Eterno permanece para nós o destino
Eurídice:
A mulher a vida incompreendida
Todos são Orfeu
Orfeu: quem o não conhece:
1 m 78 de altura
68 quilos
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Olhos: castanhos
Testa: estreita
Chapéu entretelado
Certidão de nascimento no bolso do casaco
Católico
Sentimental
Pela democracia
E músico de profissão
A Grécia, esqueceu-a
E o canto matutino do alcíone
A sombria tristeza dos cedros
O casamento das flores
E tanta amizade de riachos menineiros
De que lhe servem hoje genciana e camurça
Os homens estão na miséria
Prisioneiros nas profundezas de um submundo
Em cidades de argamassa
De lata e de papel
São estes que ele tem de libertar
Os pobres de lua de vento e de pássaros
Senhor, pára
Tu aí, de fraque impecável
Alto: mostra o coração!
Cultura da Europa Central
Com corações imperiais
Sociedades construtoras
Combates de boxe
Oh, contemporâneo, excelentíssimo senhor!
Orfeu veio até junto de ti
Das colinas gregas
Para a vereda do quotidiano
Desceu o novo poeta
Encontrá-lo em todo o lado onde lábios procuram
[sofregamente
Onde corações passam fome
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Ele cobre com música, como abafo quente,
Todo o teu desengano do mundo
Orfeu canta a primavera para os homens
Quarta-feira entre o meio-dia-e-meia e a uma-e-meia
No papel de tímido professor de piano
Liberta uma jovem da avareza da mãe
À noite nas variedades mundanas
Entre a moça Yankee e o encantador de serpentes
O seu couplet sobre o amor humano é o terceiro
[número
À meia-noite um palhaço
No circo de ouro luminoso
Acorda com um grande tambor os que já dormem
Aos domingos em frente às ligas de combatentes
No salão de dança com painéis de carvalho
O maestro dos cantos de liberdade
Definhado organista
Em silenciosas sacristias
Toca docemente órgão para menino Jesus
Em todos os concertos de assinatura
Com Gustav Mahler
Trespassa horrivelmente os corações
No animatógrafo de bairro, sentado ao martírio do
[piano
Deixa que o coro dos peregrinos
Lamente a morte virgem –
Gramofones
Pianolas
Órgãos
Espalham a música de Orfeu
Na Torre Eiffel
A 11 de setembro
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Dá um concerto para telefonia
Orfeu torna-se um gênio;
De pais para país
Sempre em carruagem-cama
A sua assinatura
Em facsimile para álbuns de poesia
Custa vinte marcos
E de Atenas viaja para Berlim
Através da aurora alemã
Lá está à espera na estação da Silésia
Eurídice! Eurídice!
Lá está a amada da saudade
Com o seu velho chapéu de chuva
E luvas amarrotadas
Tule sobre o chapéu de inverno
E bâton a mais nos lábios
Como outrora
Sem música
Pobre de alma
Eurídice: a humanidade não libertada!
E Orfeu volta-se para trás – e já quer abraçá-la
Libertá-la definitivamente do seu arco
Estende a mão
Levanta a voz
Em vão! A multidão já não o ouve
Regressa ao submundo ao quotidiano e à dor!
Orfeu só na sala de espera
Estoura o coração com uma bala.10
É no outono que o novo Orfeu desce. Outono, estação do ano que fica entre o
verão e o inverno, uma ponte entre o fim do dia quente e o início da noite gélida, tempo
10
Extraído da obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p.
221- 229.
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de decadência. A terra range mais fortemente porque perdeu o seu eixo, leões perderam
a sua natureza bravia, envelhecimento, fim da natureza mágica, a sua perda total. Em
tempos de derrocadas todos buscam algo que ficou para trás, esquecido ou abandonado.
Somente desta forma, a perspectiva de futuro pôde possuir a força que tem, querer,
desejar, ir em frente, sem o conhecimento de que somos impulsionados ao que foi
perdido de nós em sua inteireza. Por esta razão, o futuro é apenas uma quimera de pés
virados para trás, um tempo de ser perdido. Por isto são todos Orfeus, diz o poeta. Nossa
Eurídice pode ser a natureza, o encontro, a dimensão perdida.
Orfeu, o andarilho comum que sobrevive no cotidiano, longe e esquecido da
primeira intimidade com a natureza. A metáfora mais forte esqueceu o canto matutino do
alcíone, ou seja, acostumou-se distante dos turbilhões e seus ninhos não podem mais
serem feitos sobre as águas mansas, mas sim, sobre concretos e, assim, vagueia pacato e
conformado pelo mundo oposto de si.
A quem Orfeu tem de libertar? Aos prisioneiros do submundo. Os pobres de lua de
vento e de pássaros. Portanto, aqueles que se perderam de si, homem e natureza sem
distinções do mundo e do ser. Mas percebamos que o próprio Orfeu é o desencantado,
profissional banal, e homem comum. 1 m 78 de altura/ 68 quilos/ Olhos: castanhos/ Testa:
estreita/ Chapéu entretelado/ Certidão de nascimento no bolso do casaco/ Católico/
Sentimental/ Pela democracia/ E musico de profissão//. Teria que ser de outra forma?
Não. Como mandar luz para cegos? Orfeu é ninguém, o impessoal que não é visto e nada
pode significar para seres que, somente pelas obras, se sentem gloriosos, com corações
imperiais.
Interpela o eu-lírico, como louco a balbuciar palavras, Oh, contemporâneo,
excelentíssimo senhor!/ Orfeu veio até junto de ti/ Das colinas gregas/Para a vereda do
cotidiano/ desceu o novo poeta//. Palavras vãs. É de um passado portentoso que o poeta
faz de Orfeu o cantor que atravessa o tempo como arauto e guardião e põe-lhe
totalmente decaído na nova modernidade. Fim da aurora, fim do tempo. O músico de
profissão comum, homem de vida ordinária. Somente mutilado pode chegar a vida do
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homem bestial. Onde está este novo poeta? Nos lábios que procuram, onde corações
passam fome, cobrindo com música todo desengano do mundo. Mesmo com horário
marcado, quarta-feira entre o meio dia e meia e uma e meia ele ainda, ele ainda liberta.
Orfeu está no submundo, sua autorização de entrada foi tornar-se banal, estreito,
tacanho, ele que também faz espetáculo para os anômalos da existência e junta sua
encenação sobre o olvidado amor humano aos números de atração vulgar. Ainda na hora,
À meia noite, ele é o palhaço a acordar a tamboriladas os que dormem, é maestro, toca
em concertos, desafinado organista, toca numa igreja qualquer, possivelmente sem deus.
Tantas funções precisa ter este novo Orfeu. Entretanto, mais um golpe lhe assaltará a
existência. Em tempos de novas tecnologias será diminuído, seu trabalho será amenizado
e o contato humano subsumido. Quem tocará e cantará aos homens esquecidos? Eles os
gramofones/ pianolas/ órgãos/ espalham a música de Orfeu//. Sua lira perde a aura.
Orfeu poderá estar agora em muitos lugares, sem que a sua presença seja necessária e, ao
mesmo tempo, experimenta da fama que alguns egos insistem em possuir para idolatria
de suas próprias ruínas. Músico pago, profissional e glorioso em fama. “Orfeu torna-se um
gênio:/ Viaja de país para país/ Sempre em carruagem – cama// A sua assinatura/ Em
facsimile para álbuns de poesia/ Custa vinte marcos//. E assim sendo, ele quase se
esqueceu de si, quase esqueceu sua Eurídice, como finalização deste vagar inoportuno.
Orfeu desembarca em Berlim, é lá que lembrará sua busca e verá sua Eurídice. Mais do
que otimismo alemão, é neste país que o hades está erguido. Podemos observar que o
olhar do poeta sobre a Alemanha e a Europa é de um pessimismo contundente, o mundo
dos mortos é este que se ergueu imperiosamente decaído. Lá está Eurídice, transfigurada
“com seu velho chapéu de chuva/ E luvas amarrotadas/ Tule sobre o chapéu de inverno/ E
bâton a mais nos lábios/ Como outrora/ Sem música/ Pobre de alma//. Mas esta Eurídice é
a própria humanidade e, é nela que o poeta fracassa.
Eurídice é a humanidade irresoluta, inflexível em suas profundas aparências, ela
não responde mais a evocação do poeta, a lira de Orfeu perde as cordas, o piano desafina
por mais que o canto seja belo. Orfeu, o poeta que ama a humanidade quer possuí-la
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novamente, “volta-se para trás – e já quer abraçá-la/ Libertá-la definitivamente do seu
Orco:/ Estende a mão/ levanta a voz/ Em vão! Eurídice, feia, muda e cega não vê seu
amado Orfeu, mas o ouve e, mesmo assim, não se move, a resposta vem em bafos de
embriagada indiferença. Esta Eurídice quer permanecer no submundo, regressa ao
submundo ao cotidiano e a dor! A humanidade desfeita de si, impessoalidade definitiva
quer permanecer no mundo dos mortos. A Orfeu, o peso mais pesado, a escolha no
desespero, a fatídica falha do poeta que, ainda em espera, estoura o coração com uma
bala. Fim do canto, hora das marcas, agora, no verso de Becher, o poeta evita acordes
radiosos. Este é o canto que compreende o poeta expressionista no mundo, preocupação
com o destino do homem, a decadência da humanidade e a impossibilidade de retorno.
E o que nos diz Trakl? Bebi da fonte do bosque/ o silêncio de Deus/ Sobre a minha
fronte cai o frio metal. / Aranhas procuram o meu coração. / Há uma luz que se apaga na
minha boca. // Diz ainda: esgotou-se a fonte de ouro dos dias, / os tons da tarde, azuis e
outonais: / Morreram doces flautas pastorais/ Os tons da tarde, azuis e outonais/ Esgotouse a fonte de ouro dos dias.//.11 Atordoado outono da humanidade.
Se é na frágil carência e transmutação dos valores que a poesia se ergue deve ser
cautelosa para que este crescimento não pareça uma breve gravidez, mas que esteja lá
sem ser vista e possa, profundamente, ser sentida e possa provocar e deflagrar, em dias
de alegres e abundantes ofertas, os fossos e as feridas que existem para além dos olhos.
Nisto o expressionismo é constante e não pode resumir-se em mera vanguarda, mas uma
pergunta persiste: em tempos ‘sem trevas’, mudamos o modo de dar passos ou trocamos
de rua? A obviedade - da resposta - é a marca do nosso pensamento. Falta-nos a margem
da turbulenta fecundidade. Afinal, quem fala de vitória? Suportar é tudo.
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Extraído da obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p.
155.
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CAVALCANTI, C. O Cabaré do Novo Homem. Cult. São Paulo, n. 39, p. 47-50. 2000.
____________, Poesia Expressionista Alemã. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
FRAGOSO, M. A Viagem Mítica na lírica de Georg Heym. Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.
HAMBURGUER, M. A Verdade da Poesia. Trad. Alípio Correia de Franca Neto. Cosac & Naify, 1968.
HEIDEGGER, M. Sobre o Humanismo. São Paulo. Abril cultural, 1973.
MACHADO, C. Debate Sobre o Expressionismo: um capítulo da história da modernidade estética,
Lukács, Bloch, Brecht, Benjamim e Adorno. São Paulo, Unesp, 1998.
SCHEIDL. L. O pré-expressionismo na Literatura Alemã. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade
Coimbra, 1985.
___________, A Renovação da Literatura de Expressão Alemã na Primeira Década do Pós-guerra.
Colibri, 1998.
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O (i)embondeiro e a jindiba: A representação das árvores nas Literaturas Lusófonas
Roselaine Silva Martinez12
Resumo: Este estudo pretende analisar a simbologia das árvores ‘(i)embondeiro’ e
‘jindiba’ em obras representativas do imaginário africano presentes nas literaturas em
língua portuguesa. A metodologia partiu da (re)leitura do romance Luanda Beira Bahia
(1982), do sul-baiano Adonias Filho, do conto ‘O embondeiro que sonhava pássaros’ do
livro intitulado Cada homem é uma raça (1990), do escritor moçambicano Mia Couto, e do
romance Niketche: uma história de poligamia (2004), da escritora moçambicana Paulina
Chiziane. Para tal análise, consideramos algumas lendas africanas que abarcam a
simbologia das árvores, o Dicionário de símbolos, organizado por Sérgio Biagi Gregório, o
Dicionário de mitos literários (2005) organizado por Pierre Brunel, o Dicionário de termos
literários (2004), de Massaud Moisés e o Novo dicionário banto do Brasil: contendo mais
de 250 propostas etimológicas acolhidas pelo Dicionário Houaiss (2003), de Nei Lopes.
Concluímos nossa análise enfatizando que a simbologia das árvores ‘(i)embondeiro’ e
‘jindiba’, além de aproximar as culturas africana e brasileira, representa o social e o
sagrado e, principalmente, a relação homem/natureza, em que a tradição oral e a cultura
africana são o pano de fundo desse universo mítico/místico presente nas literaturas
lusófonas.
Palavras-chave: Literaturas Lusófonas. Simbologia das árvores (i)embondeiro e jindiba.
Cultura africana. Relação homem/natureza.
Introdução
O presente estudo pretende analisar a simbologia das árvores ‘(i)embondeiro’ e
‘jindiba’ em obras representativas do imaginário africano presentes nas literaturas em
língua portuguesa, a partir da (re)leitura do romance Luanda Beira Bahia (1982), do sulbaiano Adonias Filho, do conto ‘O embondeiro que sonhava pássaros’ do livro intitulado
12
Roselaine Silva Martinez é Graduanda em Letras Português/Espanhol e respectivas Literaturas pela
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Unidade Universitária Cidade de Bagé.
Professora Indicadora: Doutora Miriam Denise Kelm, da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA);
Unidade Universitária Cidade de Bagé; Curso Superior de Licenciatura em Letras Português/Espanhol e
respectivas Literaturas.
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Cada homem é uma raça (1990), do escritor moçambicano Mia Couto, e do romance
Niketche: uma história de poligamia (2004), da escritora moçambicana Paulina Chiziane.
As obras referidas nos foram apresentadas ao longo das disciplinas de Literaturas
Lusófonas I, II e III do Curso Superior de Licenciatura em Letras Português/Espanhol e
respectivas Literaturas da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA).
Durante as leituras realizadas nas disciplinas mencionadas anteriormente foi
perceptível a simbiose entre o homem e os elementos da natureza. Essa relação nos
enfeitiçou de certa forma, desvendamos a magia de uma literatura pouco difundida nas
instituições de ensino, no entanto, discutida, valorizada e focalizada no curso de formação
de professores de língua e literatura da UNIPAMPA.
Após nosso primeiro contato com essas obras, além do encantamento pela
diversidade cultural e pelo comprometimento dos autores com a linguagem e a
imaginação, compreendemos que a presença das árvores é um dado recorrente nas
literaturas lusófonas, as quais simbolizam o misticismo, a força da terra, das raízes, da
alma e, principalmente, do imaginário de um povo.
Esse encantamento é resultante da imersão nesse universo repleto de
significações, originárias da tradição oral e do imaginário africano, que buscam resgatar
histórias, mitos e crenças da tradição do povo moçambicano, sobretudo, no que diz
respeito às obras dos escritores Mia Couto e Paulina Chiziane, sendo esta a primeira
mulher moçambicana a escrever um romance.
No que se refere à obra Luanda Beira Bahia (1982), de Adonias Filho, percebemos
não só a presença do ‘embondeiro’, mas especialmente da ‘jindiba’, esta última sendo
apresentada com um tom poético desde o início até o desfecho do romance, como sendo
a testemunha cíclica dos acontecimentos.
Portanto, partimos da (re)leitura das obras citadas para este estudo, buscando
analisar alguns excertos que apresentam a figura da árvore sob diferentes prismas,
inclusive, considerando algumas lendas africanas que abarcam a simbologia das árvores.
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Finalmente, pretendemos destacar a relevância desta análise para uma melhor
compreensão da relação homem/natureza presente nas literaturas lusófonas.
A Simbologia das Árvores e as Lendas Africanas
De acordo com o Dicionário de Símbolos, organizado por Sérgio Biagi Gregório, a
árvore é o tema simbólico mais rico e mais difundido. Símbolo da vida, em perpétua
evolução e em ascensão para o céu, ela evoca todo o simbolismo da verticalidade.
A árvore põe ao mesmo tempo em comunicação os três níveis do cosmo: o
subterrâneo, através de suas raízes sempre a explorar as profundezas onde se enterram; a
superfície da terra, através de seu tronco e de seus galhos inferiores; as alturas, por meio
de seus galhos superiores e de seu cimo, atraídos pela luz do céu. Nessa perspectiva, a
árvore é universalmente considerada como símbolo das relações que se estabelecem
entre a Terra e o Céu.
No que se refere ao (i)embondeiro (Baobá), percebemos que essa árvore é
considerada sagrada por representar a africanidade, inspirando poemas, ritos, lendas,
crenças, mitos, romances, etc. De acordo com uma antiga lenda africana, o (i)embondeiro,
nome científico Adansonia digitata, por ter inveja das outras árvores, foi castigado pelos
deuses e posto de cabeça para baixo, ou seja, a copa foi enterrada e as raízes ficaram para
cima.
Outra lenda africana diz ainda que uma vez que um morto seja sepultado no
interior de um (i)embondeiro, a sua alma irá viver enquanto a árvore existir, inclusive, que
a alma dos mortos se pendura nos seus ramos. Curiosamente, essa árvore tem uma vida
muito longa, podendo chegar até seis mil anos.
Igualmente de origem africana, a árvore ‘jindiba’ que perpassa a obra Luanda Beira
Bahia (1982), possui um tronco colossal, suas raízes são profundas e a copa é imensa.
Segundo Nei Lopes em o Novo dicionário banto do Brasil, a ‘jindiba’ é conceituada da
seguinte forma: “Certa árvore africana (BH) – de provável origem banta. Cp. O quícongo,
ngindiba, nzindiba, pesado, gordo.” (p. 122)
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A partir desses aspectos simbólicos, lendários e conceituais, destacamos que a
representação das árvores nas literaturas lusófonas constitui um elemento mítico/místico
que aproxima as culturas africana e brasileira.
O Elemento Mítico/Místico na Literatura Africana e Algumas Curiosidades
Conforme o Dicionário de mitos literários, organizado por Pierre Brunel, a
importância do mito nas sociedades africanas tradicionais, caracteriza-se pela ligação do
social e do sagrado. “O mito define as origens, funda a crença, explica e legitima as
instituições sociais, dá sentido às realidades cotidianas, constitui o fundo de
conhecimentos úteis aos membros da comunidade étnica.” (p. 677). Além disso, afirma
que o mito literário possui algumas peculiaridades, vejamos:
[...] o mito não é assunto pessoal de alguém, mas de um grupo, de uma
coletividade. Na criação literária, o mito intervém na relação do escritor com sua
época e seu público: um escritor exprime sua experiência ou suas convicções
através das imagens simbólicas que repercutem um mito já ambientado e/ou
são reconhecidas pelo público como exprimindo uma imagem fascinante. (p.
731-732)
Da mesma forma, segundo o Dicionário de termos literários, Massaud Moisés
define mito da seguinte maneira: “Mito – Gr. mythos, fábula*, lenda, narrativa, ação*” (p.
298), além de expor que:
[...] o mito resulta das projeções de um povo; é substancialmente coletivo. Se
desde Freud, se admite que o distúrbio neurótico é um mito pessoal, o mito da
coletividade significa que a visão objetiva da realidade cede lugar às pulsões do
inconsciente coletivo, a um só tempo fruto da história, das tendências estéticas
e das práticas religiosas de um povo. De onde o mito não se reduzir apenas a
uma narrativa, uma vez que é “sobretudo o intercâmbio do pensamento,
sentimento, imaginação e linguagem [...] (p. 302)
Após considerarmos que o mito representa a coletividade, e dessa forma, o
imaginário e a religiosidade/espiritualidade de um povo, focalizamos a simbologia das
árvores mediante a presença do ‘embondeiro’ no conto ‘O embondeiro que sonhava
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pássaros’, um dos contos integrantes do livro Cada homem é uma raça (1990),
mencionado e escrito da mesma forma em Luanda Beira Bahia (1982). Entretanto, essa
árvore é referida como ‘imbondeiro’ na obra Niketche: uma história de poligamia (2004).
Cabe salientar que essa diferença na escrita foi um fato que também nos instigou,
deste modo, buscamos algumas informações a respeito dessa curiosidade, e descobrimos
que há quem escreva ‘embondeiro’, mas em Angola é geralmente escrito ‘imbondeiro’.
Etimologicamente, tem origem na palavra mbondo, do idioma Kimbundu.
A Representação das Árvores (i)embondeiro e jindiba nas Literaturas Lusófonas
Na obra Luanda Beira Bahia, Adonias Filho apresenta como cenário as cidades de
Ilhéus e Salvador (Bahia), Luanda (Angola) e Beira (Moçambique). Os personagens
refletem a miscigenação e o hibridismo característicos dos países colonizados. Além disso,
mostra detalhadamente distintas paisagens, resgatando histórias ligadas à natureza, tais
como o mar, o céu, a terra e a árvore.
Nessa perspectiva, o autor consegue aproximar as culturas brasileira e africana, excolônias portuguesas, que possuem características em comum, principalmente pela
mistura racial originária dessa relação colonizador/ colonizado.
Adonias Filho faz uma constante alusão simbólica ao mar e à árvore ‘jindiba’. O
primeiro é percebido como elemento de ligação entre um território e outro, e a segunda,
de origem africana, foi plantada no Pontal (Bahia), sendo apresentada da seguinte forma
no início da obra:
IDADE IMPOSSÍVEL DE SABER-SE, talvez cem ou duzentos anos, teria visto a praia
ainda selvagem, o Pontal com três choupanas e Ilhéus sem o porto. Canoas,
remos nas mãos de escravos e índios, o mar com a serenidade de um lago. [...].
Os sinos chamavam, pouco antes do anoitecer, para a reza dos padres. Quem a
trouxe, simples muda em pedaço de bambu, e a plantou assim tão perto da
praia, jamais se saberá. E ali já estava, alta e forte, quando se fez a casa.
Uma jindiba, aquela árvore. As raízes vinham do chão, espalhavam-se como
suportes, bases do tronco imenso que, muito encima, se abria em galhos e na
copa gigante. [...] (FILHO, 1982: 3)
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Além disso, a ‘jindiba’ é a testemunha cíclica dos acontecimentos, “A testemunha,
assim de pé e sem voz, a dez metros da casa, mas a testemunha”. (p. 9). Simboliza a
harmonia do homem com a natureza:
AS FOLHAS SECARAM, DEPOIS CAÍRAM, e quando isso aconteceu a jindiba
pareceu um homem. Corpo era o tronco com os galhos secos abertos como cem
braços. Nua, de repente ficara nua, culpa do sol ou do mormaço, talvez uma
praga nas raízes. Aquele seu lugar, a dez metros do jardim, conhecendo a casa
desde o começo, há anos, muito maior então o capinzal. Em cima, bem no alto,
o céu não mudava. Outras nuvens, verdade, com o mesmo vento e as mesmas
estrelas. Difícil dizer – para o menino – quem primeiro chegara, se a árvore ou a
casa. (FILHO, 1982: 7)
A partir do seguinte excerto, percebemos que a ‘jindiba’ também representa a
distância dos homens em relação a sua pátria, lembrar da ‘jindiba’ quando se estava
longe, era de certa forma resgatar suas raízes, suas origens, a família, portanto, simboliza
a tradição e o lugar de reencontro:
– Somos amigos, o Sardento e eu. E ele pediu, dona, pediu um ramo de jindiba.
Um pedido maluco, sei lá!
Não pôde deixar de rir-se. João Joanes pedia um ramo da jindiba, lembrava-se
da árvore, era o que estava vendo. Uma coisa viva, que talvez plantasse como
muda em uma lata com terra de Ilhéus, com a recordação na casa, na mulher e
no filho. Levaria aquilo pelos mares afora, parte de sua bagagem, para não
esquecer o que ficara. (FILHO, 1982: 15)
Além da ‘jindiba’, destacamos a presença do ‘embondeiro’ em Luanda Beira Bahia (1982).
Essa árvore faz parte da paisagem angolana, e é citada mediante um cenário mítico/místico
próprio desse meio, representando a religiosidade/espiritualidade de um povo:
Em Luanda, porém, quando o vermelho do céu se desmancha em escuro, a noite
africana começa. [...] Há terreiros e neles se reúnem para os massembas e os
cantos que não chegam à cidade. Deitam-se muitas vezes na terra, e dormem
debaixo dos embondeiros, parte da noite como o mormaço e o silêncio.
Fogueiras, se existem, podem retirar as mulheres das trevas. Quase nuas,
mostrando os seios e os ventres, apenas de tangas, com jingondos nos pescoços,
negras tão lindas são que as quiandas – as sereias de Luanda – estremecem de
ciúme no fundo do mar. (FILHO, 1982: 40)
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Através dos elementos simbólicos, mítico-místicos e religiosos destacados,
compreendemos que principalmente a ‘jindiba’, a árvore testemunha desde o início até o
desfecho trágico do romance de Adonias Filho, representa a vida e a morte, pois foi
cortada e transformada em caixão para abrigar os corpos dos amantes e irmãos Caúla e
Iuta, e do pai de ambos, João Joanes. Vejamos:
Os mortos na sala, deitados, esperando. Todos escutavam as pancadas do
machado e poderiam ver Pé-de-Vento, nu da cintura para cima, o suor na cara e
nos peitos, a derribar a jindiba. O machado cortara as velas que também eram
raízes e já feria o tronco. Desequilibrava-se a árvore. Pé-de-Vento a inclinara
para que caísse com os galhos no mar. E, quando estremeceu, caindo, o Pontal
soube.
[...] Trouxeram as ferramentas, serraram o tronco, cavaram fundo a jeito de um
grande caixão. [...] João Joanes e seus filhos nela embarcariam para sempre. [...]
(FILHO, 1982: 138)
Passamos à análise da simbologia do embondeiro presente no conto ‘O
embondeiro que sonhava pássaros’, um dos contos que compõe a obra Cada homem é
uma raça (1990), do escritor moçambicano Mia Couto.
O conto mencionado apresenta uma história fascinante, a história de João
Passarinheiro, um vendedor de pássaros, que encantava e alegrava todas as crianças com
seus pássaros coloridos. No entanto, essas crianças eram filhas (os) dos colonizadores, e
“Por trás das cortinas, os colonos reprovavam aqueles abusos”. (p. 29)
Percebemos novamente a relação colonizador/colonizado, pois a aldeia dos
brancos é transformada pela presença do passarinheiro, alguém que vem de outro
espaço, ou seja, o vendedor de pássaros descaracteriza o espaço do colonizador, por esse
motivo:
[...] Ensinavam suspeitas aos seus pequenos filhos – aquele preto quem era?
Alguém conhecia recomendações dele? Quem autorizara aqueles pés descalços
a sujarem o bairro? Não, não e não. O negro que voltasse ao seu devido lugar.
[...] (COUTO,1990: 29)
Entretanto, “Tiago, criança sonhadeira”, desobedecia às ordens dos pais mais do
que qualquer criança, e sempre seguia os passos do misterioso vendedor de pássaros, cuja
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“residência dele era um embondeiro, o vago buraco do tronco. Tiago contava: aquela era
uma árvore muito sagrada, Deus a plantara de cabeça para baixo”. (p. 30)
Nesse sentido, a moradia do passarinheiro está ligada simbolicamente às lendas do
‘embondeiro’ apresentadas no item 2.1 deste estudo, as quais representam o imaginário
africano, uma vez que “Aquela árvore é capaz de grandes tristezas. Os mais velhos dizem
que o embondeiro, em desespero, se suicida por via das chamas. Sem ninguém por fogo”.
[...] (p. 30)
Além disso, o passarinheiro evoca uma lenda que revela a harmonia do homem
com os espíritos, com a natureza e com o embondeiro:
[...] Olhou a enorme árvore, conforme lhe pedisse protecção
– Está a ver a flor? – perguntou o velho.
E lembrou a lenda. Aquela flor era moradia dos espíritos. Quem que fizesse mal
ao embondeiro seria perseguido até o fim da vida. (COUTO, 1990: 32)
A presença do passarinheiro na aldeia incomodava os colonizadores, entretanto,
enfeitiçava as crianças, até que o “vendedeiro” foi impedido de vender seus pássaros. A
partir desse momento, ocorrem algumas situações um tanto sobrenaturais:
Em casa dos Silvas:
– Quem abriu este armário?
Ninguém, ninguém não tinha sido. [...]
Em casa dos Peixotos:
– Quem espalhou alpista na gaveta dos documentos?
O qual, ninguém, nenhum, nada. [...]
No lar do presidente do município:
– Quem abriu a porta dos pássaros?
Ninguém abrira. O governante, em desgoverno de si: ele tinha surpreendido
uma ave dentro do armário. Os sérios requerimentos municipais cheios de
caganitas.
– Vejam este: cagado mesmo na estampilha oficial. (COUTO, 1990: 31).
A partir desses episódios estranhos, os colonos procuram o passarinheiro e “Logo
procederam pancadas, chambocos, pontapés. O velho parecia nem sofrer, vegetável, não
fora o sangue. *...+” (p. 32). Em seguida, levam-no para a prisão, mas o passarinheiro
conseguiu fugir. Essa fuga representa um ato de resistência e podemos relacioná-la ao
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“mito” das forças vivas da natureza, que sempre foram desprezadas pelo
branco/colonizador.
A seguir, o menino Tiago dirige-se até o embondeiro, a morada de João
Passarinheiro, e o desfecho de ‘O embondeiro que sonhava pássaros’ torna-se ainda mais
mítico/místico, já que no final o menino não morre, ele se incorpora a essa natureza,
vejamos:
As tochas se chegaram ao tronco, o fogo namorou as velhas cascas. Dentro, o
menino desatara um sonho: seus cabelos se figuravam pequenitas folhas, pernas
e braços se madeiravam. Os dedos, lenhosos, minhocavam a terra. O menino
transitava de reino: arvorejado, em estado de consentida impossibilidade. E do
sonâmbulo embondeiro subiam as mãos do passarinheiro. Tocavam as flores, as
corolas se envolucravam: nasciam espantosos pássaros e soltavam-se,
petalados, sobre a crista das chamas. As chamas? De onde chegavam elas,
excedendo a lonjura do sonho? Foi quando Tiago sentiu a ferida das labaredas, a
sedução da cinza. Então, o menino, aprendiz da seiva, se imigrou inteiro para
suas recentes raízes. (COUTO, 1990: 33-34)
No que se refere ao romance Niketche: uma história de poligamia, a escritora
moçambicana Paulina Chiziane apresenta a história de Rami, a narradora-protagonista e a
primeira esposa de um marido polígamo chamado Tony. Nesse romance, Chiziane expõe a
cultura de seu povo, apresentando um universo no qual se confrontam os costumes da
sociedade africana com a modernidade.
Além disso, a protagonista Rami tenta refletir sobre o seu próprio eu, buscando
encontrar respostas para seus conflitos existenciais e para as dualidades em oposição
homem/mulher, esposa/amante, tradição/ruptura, e no ritmo da dança Niketche procura
resgatar a sua própria identidade.
A simbologia do ‘imbondeiro’ no romance é representada pelo desejo de mudança
e pela tentativa de resgatar a dignidade perdida, pois Rami e as demais esposas são
desprezadas por Tony. Dessa forma, a alusão à árvore sagrada dá-se com um tom de
esperança e liberdade:
Há um lance de setas envenenadas sobre os nossos peitos. E o nosso sangue
corre em coágulos negros nos caminhos do mundo. Todas ficamos encolhidas
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como avestruzes. Com a cabeça debaixo da asa. Chegou o dia de soltar da terra
a raiz do imbondeiro. Queda-se a árvore da fruta boa. Sobram as fruteiras que
dão frutos azedos como o limão. [...] (CHIZIANE, 2004: 270-271)
No entanto, Rami teme pelo seu destino, porque o seu universo gira em torno do
marido polígamo, e ao mesmo tempo em que avalia sua situação, não consegue libertarse dessa cultura opressora, vejamos:
Apetece-me abandonar este lar, agora! Viajar sem rumo por esta vida fora.
Procurar novos solos. Mas dizem que as árvores maltratadas morrem quando
são transplantadas. Eu tenho as asas quebradas, eu tenho medo de voar:
(CHIZIANE, 2004: 271)
Nessa perspectiva, Paulina Chiziane, mulher moçambicana, contadora de histórias
provenientes da tradição oral e do imaginário africano, menciona o ‘imbondeiro’ como um
símbolo de esperança e libertação. Além de representar o elo mítico/místico entre a
mulher e a natureza, comparando as mulheres desprezadas com as árvores maltratadas.
Em
Niketche:
uma
história
de
poligamia
percebemos
a
relação
colonizador/colonizado a partir da posição cultural de Rami, a esposa submissa e oprimida
que suporta as artimanhas do marido polígamo, visto que “A corda rebenta sempre do
lado mais fraco. É o ciclo da subordinação. O branco diz ao preto: a culpa é tua. O rico diz
ao pobre: a culpa é tua. O homem diz à mulher: a culpa é tua.” (p. 272)
Cabe ressaltar que durante a (re)leitura dessas histórias, sentimos a mesma
sensação da primeira leitura, e a partir de uma imersão no universo literário lusófono,
conseguimos apreender que os elementos da cultura africana estão especialmente ligados
aos elementos do mito.
Conclusão:
Após analisar os fragmentos das obras Luanda Beira Bahia (1982), do conto ‘O
embondeiro que sonhava pássaros’, conto integrante do livro Cada homem é uma raça
(1990), e do romance Niketche: uma história de poligamia (2004), e relacioná-las às
lendas, mitos e crenças oriundas da cultura africana, entendemos que as árvores
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‘(i)embondeiro’ e ‘jindiba’ simbolizam o imaginário coletivo de um povo resgatado e
valorizado nas literaturas lusófonas.
Embora o foco deste estudo fosse a representação das árvores nas três obras
analisadas, destacamos brevemente a condição da África e do Brasil como ex-colônias.
Condição esta que é abordada pelos autores Adonias Filho, Mia Couto e Paulina Chiziane,
uma vez que tanto África quanto o Brasil suportaram e suportam as intensas marcas de
sujeição, inclusive, depois de passarem pelo processo de independência.
Concluímos
nossa
análise
enfatizando
que
a
simbologia
das
árvores
‘(i)embondeiro’ e ‘jindiba’, além de aproximar as culturas africana e brasileira, representa
o social e o sagrado, e principalmente, a relação homem/natureza, em que a tradição oral
e a cultura africana são o pano de fundo desse universo mítico/místico presente nas
literaturas lusófonas.
Referências:
BRUNEL, P (Org.). Dicionário de Mitos Literários. Tradução: Carlos Sussekind; prefácio à
edição brasileira Nicolau Sevcenko; capa e ilustrações Victor Burton]. – 4ª ed. – Rio de
Janeiro: José Olympio, 2005.
CHIZIANE, P. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.
COUTO, M. O Embondeiro que Sonhava Pássaros. In:_______Cada homem é uma raça.
Lisboa: Editorial Caminho S.A., 1990.
FILHO, A. Luanda Beira Bahia. São Paulo: DIFEL Difusão Editorial S.A., 1982.
Outras Fontes
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etimológicas acolhidas pelo Dicionário Houaiss – R. Janeiro: Pallas, 2003. Disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=eTggc86Q91UC&pg=PA122&lpg=PA122&dq=orige
m+da+jindiba&source=bl&ots=Wky2qTbUOL&sig=vGuy1aFhVBgF2IQ6hh137Y2VW8Y&hl=
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MOISÉS, M. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix, 2004. Disponível em:
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tureza&source=bl&ots=3p_UAvUGPs&sig=UEuMSqFHlQfmpm1FW88tzF_HMek&hl=ptBR&ei=RFwvTNDFIH7lwfF5_nbCQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=10&ved=0CD4Q6AEwCQ#v=
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Em Estado de Sítio: uma análise sobre a peça Moço em Estado de Sítio, de Vianninha, e a
ditadura militar
Samita Vieira Barbosa Martins13
Resumo: O presente artigo tem como foco principal desenvolver uma análise sobre a
importância das manifestações artísticas que se verifica durante a ditadura militar, e a
maneira como estas se inserem no contexto histórico de sua produção, oferecendo-nos
um repertório para análise desta época. O artigo trata em específico da peça Moço em
Estado de Sítio, do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, por meio da qual se pretende
estruturar este estudo sobre a relação entre o teatro e a conjuntura política do país.
Palavras-chave: Teatro. Vianninha. Ditadura militar.
Introdução
O golpe militar que acontece no ano de 1964, através do qual se instaura o período
de governo ditatorial no Brasil que viria a se manter pelos próximos 21 anos, é sem
dúvidas um momento extremamente marcante para o contexto histórico do país.
Tendo apresentado grande repercussão em todas as vertentes sociais, sendo que
no campo intelectual ressalta-se a forma de resposta que se apresentará a partir dessas
mudanças implementadas no Estado, e as formas de resistência para a maneira opressora
com a qual se colocava essa coerção por parte do governo, principalmente no que se
refere às manifestações que apresentassem posições contrárias ao regime instaurado.
Nesse sentido, ao nos voltarmos para o campo artístico, percebemos a procura por
parte dos representantes dessa vertente da sociedade, de maneiras alternativas para o
desenvolvimento de uma contra-resposta ao novo regime vigente.
Partindo desses pressupostos e voltando-se mais especificamente para o campo
teatral, será tomado como referencial para a análise que desejo desenvolver sobre esse
13
Samita Vieira Barbosa Martins é graduanda do sexto período do curso de História da Universidade
Federal de Uberlândia – UFU, cidade de Uberlândia, campus Santa Mônica.
Professora Indicadora: Doutora Rosangela Patriota, curso de História da Universidade Federal de Uberlândia.
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período a obra do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho (Vianninha); mais especificamente a
peça Moço em Estado de Sítio, escrita em 1965, através da qual é possível desenvolver
uma compreensão de diversos aspectos sobre os acontecimentos neste contexto tanto
político, quanto social e, principalmente, histórico.
Como dramaturgo, observa-se em suas peças a preocupação com questões
politico-sociais sempre se colocando presentes, e é de grande importância chamar a
atenção para o âmbito e o contexto teatral que se tem neste momento em que Oduvaldo
Vianna Filho irá se formar e começar a despontar realmente tanto como ator quanto
como dramaturgo. Isto significa ressaltar o panorama que se tinha na época, – década de
1950 basicamente - destacando-se em essência todo o trabalho que vinha sendo
desempenhado pelo Teatro de Arena, pelo Teatro Oficina (1958-atual), e também pelo
grupo Opinião (1964-1982) que irá brotar deste contexto. E pode-se dizer que desta
mobilização dentro do contexto repressivo e de grande censura que todo o setor artístico
estava sofrendo, a partir da apresentação da Primeira Feira Paulista de Opinião.
Todos estes grupos supracitados, mesmo antes do golpe de 1964, já apresentavam
preocupações em fazer um teatro que se diferenciasse da estética básica que se tinha em
outros teatros brasileiros, apresentando abordagens mais voltadas às produções de cunho
nacionalistas e que interagissem mais com o público. Como destaca Isaías Almada sobre o
Teatro de Arena:
(...) Era natural que nesse período buscasse a cada momento orientar-se estética
e politicamente de acordo com os ideais dos seus principais integrantes, homens
e mulheres de esquerda, de origem pequeno-burguesa, alguns dos quais ligados
ao Partido Comunista Brasileiro. (Almada, 2004, p 94)
Vianninha se inseria neste contexto, e dessa forma, sua trajetória como um todo
vai se estruturando na perspectiva de um teatro engajado, sempre pautado na
preocupação e na participação política. Assim, com o golpe de 1964, essa sua forma de
abordagem irá se voltar bastante para o foco na realidade brasileira daquele momento.
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Ao tomar-se de uma maneira abrangente a trajetória de Oduvaldo Vianna Filho e a
maneira como sua dramaturgia vai se desenvolvendo, a peça Moço em Estado de Sítio se
encontra inserida em uma perspectiva de ruptura de certa forma; um período no qual
Vianninha mudará seu foco de abordagem. E pode-se dizer que essa mudança se dará no
momento em que o país está passando por certa transição, incluindo a mudança de
regime de governo. E isso não apenas torna propícia a forma por meio da qual o autor
estará produzindo seu trabalho, assim como possibilita uma diferente maneira deste agir
na sociedade. Ou seja, é possível perceber como o contexto histórico do período
influenciava na produção, assim como a peça também irá atuar na sociedade
modificando-a e influenciando-a dessa mesma forma.
A Dramaturgia de Vianninha
É importante ressaltar primeiramente, num panorama mais geral, o fato de que
Oduvaldo Vianna Filho (Rio de Janeiro 4 de Junho de 1936 – 16 de julho de 1974) iniciou
suas atividades no teatro propriamente. Primeiro como ator, por volta de 1955,
participando do grupo do Teatro Paulista do Estudante, e como dramaturgo ele estrea no
ano de 1959 com a peça Chapetuba Futebol Clube. No entanto, Vianinha se encontra
inserido no mundo teatral desde muito antes, sendo filho de Oduvaldo Vianna,
dramaturgo que se destacou muito no teatro e no cinema brasileiros principalmente entre
as decadas de 20 e 30. Além disso, as suas preocupações de cunho politico também serão
algo que Vianinha traz de casa, já que seu pai também fazia parte do Partido Comunista
Brasileiro, sendo que dessa forma, tais aspectos estarão presentes em suas obras de
maneira muito marcante.
Detendo-se na discussão sobre a formação de Oduvaldo Vianna Filho, podemos
verificar estes aspectos relacionados a engajamento político no desenvolvimento de sua
arte quando da própria inserção do dramaturgo no mundo teatral. Primeiramente no
Teatro de Arena, onde participa dos Seminários de Dramaturgia que são organizados por
este, e vai realmente iniciar a estruturação dessa visão. Nele, Vianninha irá consolidar em
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um primeiro momento estas preocupações com a estreia de Chapetuba Futebol Clube, a
qual já apresenta enorme repercussão. Porém, segundo nos apresenta Rosângela Patriota,
apesar de compartilhar o mesmo projeto político e estético do Arena, ele discorda da
maneira como este estava sendo realizado, e acaba se desligando do Teatro de Arena,
indo para o Rio de Janeiro (Patriota, 2004).
A saída de Oduvaldo Vianna Filho do Teatro de Arena por divergências de ideais, o
leva à estruturação, juntamente a outros intelectuais da época que também partilhavam
dessa mesma perspectiva de engajamento artístico no sentido de ser necessária postura
que atingisse mais diretamente a população sem muito contato com as ideias, do Centro
Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes - UNE, no qual se terá essa
atuação voltada entre outros problemas do país para a política. Com isso se voltando para
o que Vianninha almejava e que estava além das possibilidades por ele vislumbradas no
Arena.
Dessa forma, a proposta do CPC em si, apresentava a preocupação no
desenvolvimento de um teatro engajado voltado para a questão popular realmente, e
será, de certa maneira, onde Vianninha encontrará maior espaço para desenvolver e
concretizar suas intenções. Intenções estas voltadas para a discussão acerca da atuação
dos intelectuais na sociedade em que se encontram inseridos. A seguinte reflexão de
Rosângela Patriota nos elucida bastante sobre isso:
A partir da construção de que o intelectual deve exercer sua atividade, apesar
das condições em que ele vive, Vianinha elaborou textos dramáticos,
procurando refletir sobre o engajamento artístico e acerca dos limites da
atividade crítica no mercado de trabalho. O primeiro resultado dessa incursão
foi Moço em Estado de Sítio. (Patriota, 2007, p 32)
A Dramaturgia em Estado de Sítio
A peça Moço em Estado de Sítio narra a história de Lúcio, rapaz de classe média,
formado em direito, que participa de um grupo de teatro com os amigos, se apresentando
em bairros do subúrbio, com peças que levam mensagens de cunho político e de ênfase
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no alerta, por assim dizer, sobre a condição do proletariado. Porém, Lucio possui muitas
divergências com as atividades do grupo, principalmente com Bahia, um dos integrantes, e
que é quem escreve e dirige as apresentações. Suas divergências aparecem não apenas no
sentido das opiniões diferentes a respeito do trabalho que está sendo realizado, mas
também de cunho sentimental, já que Bahia namora Suzana, personagem à qual Lucio
também demonstra ter afeto. Além disso, Lucio também possui divergências com seu pai,
Cristovão, que procura arrumar emprego para o filho em um escritório de advocacia
mesmo contra a vontade deste. A mãe, Cota, é dona de casa e se dedica a cuidar desta e
dos filhos. Lucia, irmã de Lucio, está grávida de Estelita, amigo deles, e que não se mostra
muito inclinado a assumir um filho.
Uma figura que merece destaque é a do personagem Jean Luc, amigo deles, a qual
está sempre mostrando um lado um tanto cômico das situações. Tem-se também a
personagem Noemia, com quem Lucio mantém um caso e a qual sempre procura em seus
momentos de “fuga”.
Na segunda parte da peça, Lucio resolve aceitar as propostas do pai e vai trabalhar
no escritório de advocacia do seu amigo mesmo contra sua vontade. Ele apresenta uma
proposta de uma peça teatral escrita por ele ao grupo, a qual acaba não sendo muito bem
aceita. Apesar disso, Suzana auxilia Lucio a convencer Bahia e os outros integrantes do
grupo a montar a peça. Porém, após conseguirem organizar a montagem da peça, Lucio
desmente toda a situação, e diz para Bahia e para os companheiros do grupo que não
possuía conhecimento de que Suzana estava organizando-a.
Depois de todos estes problemas com o grupo, Lucio resolve buscar emprego em
um jornal, por meio de indicações de Estelita, que também trabalha neste mesmo. Lucio
resolve manter-se trabalhando nas publicações deste jornal, apesar de não lidar muito
bem com as ideias e opiniões com as quais ele lidava e disseminava. Ele se torna amante
da esposa do patrão, Bandeira, e na terceira parte da peça, este decide demitir Estelita e
colocar Lucio ocupando o posto em seu lugar. Apesar de inicialmente não se sentir bem
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com essa decisão, Lucio acaba não fazendo nada para evitar que Estelita seja mandado
embora do emprego no jornal.
Algo interessante que podemos ressaltar, é que o personagem de Jean Luc irá ao
longo da peça, realmente destacar o contexto e o que estava se passando naquela
situação como um todo. Exemplo disso é no momento no qual ele diz:
Jean Luc: Eu disse pro Lucio – pára antes da indignidade... eu disse... Fui na casa
dele, com telefone... 27-8737... me olhou com pena... Aquele pobre coitado,
sitiado, me olhando com pena... Cabe? Dei dinheiro pra ele, quantas vezes ficou
na minha casa? Ele quer ser alguém de qualquer jeito. Pra ter mulher, não entrar
em fita, receber convite de avant-premiére... Humanidade filha da mãe que não
confia nela mesma... Só tem confiança em eleitos... (Vianna Filho, 1965, p 31)
Posteriormente, mais ao final da peça, tem-se um dos pontos bastante chocantes
da mesma, quando Jean Luc é encontrado morto em casa, tendo cometido suicídio. Em
um momento seguinte, Lucio volta a participar do grupo de teatro junto à Bahia e Suzana,
e discutem sobre a adesão ou não à greve de estudantes que está ocorrendo. Lucio
defende que o grupo vá se apresentar e participe da greve. Durante a greve, a polícia
chega, há grande reviravolta, e Lucio acaba por fugir, indo embora para casa e deixando
Suzana no meio da confusão.
Assim, pode-se dizer que Vianninha, com esta peça, irá desenvolver “um amargo
mergulho nas vicissitudes do trabalho intelectual dentro de uma sociedade de classes”
(Ramos, 2004, p 03), e que o protagonista Lúcio, apesar de inicialmente se mostrar um
jovem cheio de sonhos e ambições, acaba se deixando levar pelas exigências do sistema e
deixando de lado seu engajamento e sua visão repleta de idealismo e confiança no
engajamento político, visto como possibilidade de se conseguir mudanças na sociedade.
Moço em Estado de Sítio e a Ditadura
A peça Moço em Estado de Sítio é vista como um divisor de águas na obra de
Vianninha. Muitos críticos da época como Yan Michalski e Sábato Magaldi, irão ressaltar
tão fato, no sentido de que a partir desta peça, Vianninha mostrará amadurecimento
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como dramaturgo, e tal amadurecimento é visto de maneira concreta na própria estrutura
da peça, a qual “em termos de construção narrativa, seria uma de suas mais arrojadas e
inventivas obras. Em três atos, ele estruturou nada menos que 50 breves sequências,
sugerindo locais os mais diversos, numa dinâmica verdadeiramente cinematográfica.”
(Carvalho, 1991, p 150). Essa maturidade como autor irá se comprovando nas sucessivas
obras que virão sendo apresentadas, sendo que Rasga Coração – sua ultima peça, e a qual
será concluída já no hospital pouco antes de seu falecimento – é considerada pela crítica
realmente a sua obra de maior destaque.
Assim, é a partir de Moço, nesse período logo após o golpe de 1964, que ele irá
começar a desenvolver peças que se voltam para a realidade, já que o regime militar se
encontrava instaurado, e assim, a partir desse novo fato, era verdadeiramente necessário
que fossem aplicadas novas questões e propostas com relação à isso. Rosangela Patriota,
em sua abrangente análise sobre a dramaturgia de Vianninha deixa tal fato bastante claro:
Os acontecimentos de 1964 apresentam para Vianinha importantes questões
acerca de sua própria atividade profissional, embora, naquelas circunstâncias,
muitas possibilidades poderiam ser aventuradas. No entanto, para alguém tão
envolvido com a instrumentalização da arte, em favor de uma transformação
social, os novos rumos do país colocaram-lhe, de maneira contundente, a
indagação: o que é ser intelectual e/ou artista em uma sociedade de classes?
(Patriota, 2007, p 30)
Nesse sentido, tentar entender a correlação existente entre a peça que se
encontra como foco deste estudo e o seu contexto, traz a imprescindível necessidade de
se pensar como o ano de 1965, no qual a peça foi produzida, sendo o ano imediatamente
após o golpe militar no Brasil; se articula com as produções e manifestações artísticas que
estavam se dando naquele momento, mais especificamente na dramaturgia. Sobre isso,
vale destacar as palavras do próprio Vianninha a respeito da situação que se enfrentava
naquele momento na conjuntura teatral.
As perspectivas do teatro para 1965 não podem ser desligadas da perspectiva
geral do Brasil em 1965. (...) Não é mais preciso explicar a importância e o que é
a democracia. Sentimos na carne a sua falta. Não é mais preciso explicar o que é
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teatro participante: peças “difíceis” – Moratória, Andorra, Pequenos Burgueses,
Depois da Queda, Tartufo, e o espetacular sucesso de Opinião - explicam tudo.
(...) Então o teatro brasileiro em 1965 ou se empenha na sua libertação,
participando do processo de redemocratização da vida nacional, na consagração
dos sentimentos de soberania e vigor do povo brasileiro – ou, então – alheio a
um dos momentos capitais de nossa história – poderá ficar incluído entre os que
tiveram a responsabilidade de descer sobre o Brasil a mais triste e estúpida de
suas noites. (Peixoto, 2008, p 142)
Um fato muito interessante, ainda pensando nessa relação entre a obra e o seu
contexto de produção e inter-relacionando-os, é o de que a peça só virá a ser encenada
pela primeira vez no ano de 1981, quando ela finalmente passa pela censura; sendo que é
montada uma primeira encenação sua em 1977, mas esta é proibida. Ela passa doze anos
sem vir a público, e até mesmo muitas pessoas próximas de Vianninha também não
tinham conhecimento desta obra. A respeito deste acontecimento, o diretor Aderbal
Júnior que dirigiu uma das montagens da peça no ano de 1981 apresenta informações
nesse sentido, esclarecendo que Moço em Estado de Sítio pode ter sido apresentada para
alguns companheiros e amigos, mas não foi bem aceita devido a sua história, posto que o
protagonista exprime uma crítica afiada aos próprios artistas que vivam aquele momento
e até a si mesmo. E tem-se ainda a questão estrutural de montagem da peça considerada
muito arrojada, o que pode não ter trazido uma grande inclinação em montá-la naquele
momento (Carvalho, 1991).
Além destas reflexões acerca das maneiras como o contexto histórico e as
expressões artísticas conseguem se relacionar e estabelecer um diálogo, na obra,
aprofundando o enfoque na narrativa desenvolvida na peça Moço em Estado de Sítio, é
possível pensar como as ações e o desenrolar da trama em cada personagem se dão e
constituem a totalidade da peça.
Para início desta proposta, pode-se apreender a maneira como o protagonista
Lucio, no decorrer da história, vai perdendo sua busca pelo desenvolvimento de um teatro
engajado e uma atuação na sociedade, e se tornando mais propenso a integrar-se e
compactuar com ideais os quais ele não defendia ou nem mesmo concordava; pensando
na maneira de agir, nas relações que ele estabelece com os outros personagens, com o
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grupo de teatro ao qual ele está vinculado inicialmente e que estabelece influências
bastante fortes na sua ação ao longo de todo o texto, assim como a sua relação com a
família e com os amigos.
Tem-se aí, essencialmente na figura do personagem de Lucio, um caráter bastante
metalinguístico que esta obra traz, pois ela de certa maneira mostra como “o dramaturgo
internalizou, na personagem Lúcio, esses conflitos, isto é, como autor, o protagonista não
tinha ideias bem definidas (...) e essa fragilidade (...) tem seus desdobramentos no
trabalho. Nesse caso, a não consistência temática e narrativa de sua escrita refletia-se na
conduta social e política.” (Patriota, 2007, p 36)
Ainda sobre isso, deve-se refletir no destaque dado ao personagem de Jean Luc,
amigo de Lucio, o qual além de dar à peça tom cômico que destoa da linha mestra da obra
tem também a intenção de analisar de todo o contexto no qual a obra está inserida.
Percebendo as ações de Lucio e enfocando nesse sentido a maneira como se dará o
desenvolver da peça.
Enfim, englobando de forma mais geral as relações que o protagonista estabelece
com todos os personagens que o vão cercando ao longo da trama, podemos perceber que
há destaque para a cobrança de posicionamento mais contundente da parte de Lucio com
relação a suas ações e acontecimentos ao seu redor. E isso é algo que ele não consegue
apresentar. Isso se dá de maneira clara quando a personagem de Suzana resolve se opor
ao restante do grupo para montar a peça de Lucio, e este acaba não conseguindo ele
mesmo defender sua obra quando é posto a prova sobre isso, deixando Suzana sozinha
nesse próprio intento de ajudá-lo. Ou seja, são atos extremamente contraditórios que
permeiam toda a história e as práticas de Lucio, e tal fato é um aspecto que Vianninha nos
deixa nesta obra: a indecisão, o titubear, a dúvida diante das situações. Fatos que de certa
forma estavam permeando os sentimentos de muitos com relação ao desenvolvimento de
seu trabalho nesta conjuntura que o Brasil se encontrava. O que se pode dizer, é que
“Lucio é o anti-herói ou o herói negativo, que, sabendo o caminho certo, se desvirtua por
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interesses menores e desmedida ambição. Aquele que, pela queda, aponta a direção certa
a ser seguida.” (Carvalho, 1991, p 151)
Reflexões Conclusivas
A vasta obra de Vianninha, tanto na dramaturgia quanto também nas suas
incursões na televisão, nos leva inevitavelmente, pensando-se historicamente, a refletir
acerca da conjuntura que permeou toda a sua vida, tanto nos aspectos sociais, como
políticos e, obviamente, culturais; as quais atuaram e influenciaram a estruturação de
tudo que ele produziu, assim como toda a sua produção trouxe irrefutáveis influencias nas
produções artísticas daquele momento, porque não até da atualidade; e não apenas no
âmbito apenas teatral ou artístico, mas no campo cultural do Brasil verdadeiramente.
O que a peça Moço em Estado de Sítio trará como tema central é uma abordagem
que estará presente na dramaturgia de Vianninha em geral: “o indivíduo esmagado por
uma engrenagem hostil ao seu pleno desenvolvimento. A medição de forças o
desfavorece e fragiliza diante de um sistema no qual prevalecem a busca da ascensão
social, os preconceitos e falsos valores morais.” (Carvalho, 1991, p 150)
Dessa forma, Oduvaldo Vianna Filho era integrante de toda uma geração que
apresentava inúmeros anseios e aspirações para uma atuação na sociedade de maneira
efetiva, por meio da cultura, do teatro, e que partilhava do intuito de tentar atingir a
população por meio disso com objetivos de transformação coletiva. Anseios de
transformação estes, que acabaram sendo sitiados com o golpe de 1964. Tem-se uma
geração sitiada, e que verá suas ambições se tornando ao mesmo tempo em que ainda
mais distantes, também ainda mais necessárias do que eram anteriormente.
É importante, por fim, pensar na significância da atuação dessas pessoas
politicamente por meio de sua arte, continuando, apesar das dificuldades e a opressão
cada vez maiores, na tentativa de implementar as mudanças que eram necessárias
naquela conjuntura. Agora não apenas mais de cunho social, de atingir a população e
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conscientizá-la, mas agora é indispensável agir contra um empecilho ainda maior, e buscar
pela mudança de todo um regime político.
Referências:
ALMADA, I. Teatro de Arena: uma estética de resistência. São Paulo: Boitempo, 2004.
MORAES, D. de. Vianinha: cúmplice da paixão. Rio de Janeiro: Nordica, 1991.
PATRIOTA, R. A Crítica de um Teatro Crítico. São Paulo: Perspectiva, 2007.
_______, R. História - Teatro – Política: Vianinha, 30 anos depois. Fênix – Revista de
História e Estudos Culturais, Uberlândia, v. l, ano I, n. 1, p. 3 Out./ Nov./ Dez. 2004.
Disponível em: www.revistafenix.pro.br, acesso em 25 de Novembro de 2010.
PEIXOTO, F. (org.) Vianninha: Teatro, Televisão, Política. Rio de Janeiro: Funarte, 2008, 2ª
Ed.
RAMOS, A. Oduvaldo Vianna Filho e o Cinema Novo: apontamentos em torno de um
debate estético-político. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais, Uberlândia, v. l,
ano I, n. 1, p. 3 Out./ Nov./ Dez. 2004. Disponível em: www.revistafenix.pro.br. acesso em
25 de Novembro de 2010.
VIANNA FILHO, O. Moço em Estado de Sítio. cópia digitalizada pelo acervo de peças
teatrais da biblioteca da Universidade Federal de Uberlândia. Enciclopédia Itaú Cultural –
Teatro, 1965. Disponível em
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=
cias_biografia&cd_verbete=657. Acesso em 15 de Março de 2011.
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Caracterização Geoambiental da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço,
Ituiutaba/Prata (MG)
Giliander Allan da Silva14
Resumo: A presente pesquisa objetivou elaborar uma caracterização geoambiental da
bacia hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, situada nos municípios de Ituiutaba e Prata MG, além de discorrer sobre procedimentos metodológicos adotados para se realizar um
estudo de Fragilidade Ambiental. Esta bacia hidrográfica tem grande importância para a
população de Ituiutaba, pois é fonte de abastecimento primordial para a SAE
(Superintendência de Água e Esgoto de Ituiutaba) (SAE, 2010). A metodologia utilizada na
pesquisa se fundamentou em Tricart (1977), através do conceito de Ecodinâmica. Esse
conceito serviu de base para que Ross, em 1994 escrevesse "Análise empírica da
Fragilidade dos Ambientes Naturais e Antropizados", cuja obra atribui ao ambiente, de
acordo com a correlação de dados naturais e econômicos, diferente classes de fragilidade
frente aos processos degradacionais (erosão) e agradacionais (deposição). Assim sendo, a
caracterização hidrográfica teve apoio em Christofoletti (1980). Obteve-se como
resultado, uma série de mapas (produzidos a partir de análise de Imagens de Satélites,
Consultas Bibliográficas e Trabalhos de Campo, etc.) que foram fundamentais para a
caracterização geoambiental da bacia do Ribeirão São Lourenço. Além disso, pode-se
afirmar que, esta pesquisa servirá de subsídio para a implantação do Plano de
Gerenciamento da bacia, principalmente, devido à sua importância para a cidade de
Ituiutaba – MG.
Palavras-chave: Fragilidade Ambiental. Processos Erosivos. Ribeirão São Lourenço.
Ituiutaba. Prata.
14
Giliander Allan da Silva é graduando do nono período do curso de Geografia da Universidade Federal de
Uberlândia - Campus Pontal, na cidade de Ituiutaba-MG.
Professor Indicador: Doutor Rildo Aparecido Costa, curso de Geografia da Universidade Federal de
Uberlândia - Campus Pontal, na cidade de Ituiutaba-MG.
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Introdução
Nos
dias
atuais,
o
desenvolvimento
científico-tecnológico
atrelado
ao
aperfeiçoamento das técnicas e ao crescimento econômico, possibilita o homem realizar
tarefas jamais presenciadas ao longo de sua história. Estas atividades culminam com a
modificação no ambiente, seja no campo ou na cidade e, consequentemente com
exploração dos recursos naturais.
Em função disto, a cada dia torna-se mais importante conhecer melhor o meio
natural em que se vive, a fim de planejar e orientar as intervenções geridas pela própria
dinâmica econômica, baseada no desenvolvimento. Como salientou Gerasimov (1980,
apud ROSS, 1991, p. 15), ao se trabalhar com a questão ambiental, o primeiro problema
que o cientista se depara é com a contradição que emerge entre utilizar os recursos
naturais ou proteger a natureza.
Nesse bojo, a técnica e as tecnologias, além de subsidiar a dinâmica econômica,
devem ser elementos auxiliadores para a análise e planejamento das intervenções
humanas na natureza. Este estudo teve as geotecnologias 15 como instrumental
indispensável para analisar e espacializar os dados obtidos.
A área dedicada à pesquisa se refere à bacia hidrográfica do Ribeirão São
Lourenço. A escolha desta bacia se deu pela sua importância para a cidade de Ituiutaba,
pois, a água do Ribeirão São Lourenço e do Rio Tijuco que suprem as necessidades hídricas
da cidade. O primeiro tem função constante no abastecimento e o segundo auxilia nos
períodos de estiagem.
A figura 1 ilustra os locais de captação de água.
15
Para Silva (2003), fazem parte da geotecnologia o Processamento Digital de Imagens (PDI), a
Geoestatística e os SIG's (Sistema de Informação Geográfica).
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Figura 1: a) Posto de captação de água no Ribeirão São Lourenço; b) Posto de captação de água no Rio
Tijuco. Fonte: SAE - Ituiutaba, 2010.
As características econômicas da cidade também tendem a depender grandemente
deste recurso natural. Ituiutaba possui economia voltada para as atividades agrícolas. É
marcante a presença de frigoríficos e usinas sucroalcooleiras no município. Neste sentido,
o Ribeirão São Lourenço se torna um recurso hídrico importante para estas atividades,
seja na dessedentação de animais e/ou na irrigação de culturas.
A pesquisa faz um paralelo às ideias de Portes et al (2009, p. 2), os quais destacam
que "[...] o conhecimento da fragilidade ambiental presentes no sistema de uma bacia
hidrográfica possibilita compreender a realidade dinâmica da relação homem/natureza e
obter informações relevantes de problemas para subsidiar ações futuras".
Contudo, o desígnio primordial se ateve em tecer uma caracterização
geoambiental (hidrografia, geologia, geomorfologia, climatologia, morfometria –
quantificação das formas da bacia – uso e ocupação, etc.) da bacia hidrográfica e destacar
os procedimentos metodológicos para um estudo sobre a sua fragilidade ambiental.
Metodologia: Várias fontes foram utilizadas na pesquisa. O IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) colaborou com bases cartográficas digitais do Brasil
(formato "shp") e cartas topográficas (Serra de São Lourenço (SE-22-Z-D-I), 1970 e
Ituiutaba (SE-22-Z-B-IV), 1973).
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O site GeoMINAS também contribui substancialmente com a pesquisa. Através
dele, se realizaram o download das bases cartográficas digitais do estado de Minas Gerais
e de solos em formato "shp".
A EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) prestou auxílio
também pelo seu site. A plataforma "EMBRAPA - Brasil em relevo" dispõe de imagens de
radar da missão SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), as quais possuem dados
numéricos de relevo e topografia do Brasil. Estas imagens possibilitaram, entre outras
análises, a confecção de mapas morfométricos (hipsometria e declividade).
A assistência dada pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) se ateve às
imagens de satélite. Este órgão forneceu imagens do satélite LANDSAT 5 TM, cuja
resolução é de 30 metros. As datas foram: 02/fev./2010 para órbita/ponto 222/73 e
02/mai./2010 para órbita/ponto 221/73.
O software Google Earth contribuiu por meio de suas imagens orbitais. Os satélites
Quick Bird (Digital Globe) e Spot forneceram dados amostrais de grande valia,
especialmente, pela boa resolução das imagens (0,60 e 2,5 metros) utilizadas durante a
interpretação e confecção do mapa de uso e ocupação do terreno. As datas das imagens
foram: Quick Bird (20/Nov./2006 e 26/mar./2007) e Spot (16/fev./2010 e 16/jul./2010).
O armazenamento, tratamento e cartografação dos dados se realizaram através de
SIG (Sistema de Informação Geográfica) cujo software é o ArcMap, versão 9.2. A
composição colorida (RGB) das imagens do satélite LANDSAT 5 foi realizada pelo mesmo
programa. Já para confeccionar o modelo em três dimensões, utilizou-se o software
ArcScene, versão 9.2.
Também se realizou trabalhos de campo na área. Portando, as cartas topográficas
supracitadas, mapas previamente confeccionados e GPS (Sistema de Posicionamento
Global), realizaram visitas a campo com o intuito de conflitar os dados mapeados à
realidade local, para que, se houvesse necessidade de novas adequações cartográficas que
estas fossem realizadas.
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Quanto às metodologias para estudo da fragilidade ambiental da área pesquisada,
utilizaram-se basicamente dois autores. O primeiro deles é Jean Tricart, cuja obra
"Ecodinâmica" de 1977, deu bases para que, o segundo, Jurandyr Ross, em 1994
escrevesse "Análise empírica da Fragilidade dos Ambientes Naturais e Antropizados".
Posteriormente, Amaral e Ross (2009, p. 60) empregaram o conceito de Unidades
Ecodinâmicas de Instabilidade Potencial e de Instabilidade Emergente, as quais classificam
o ambiente a partir dos diferentes graus de fragilidade que cada área apresenta.
Assim, Ross (1994) considera que as Unidades Ecodinâmicas de Instabilidade
Potencial (estáveis), são aquelas que estão em equilíbrio dinâmico 16, devido ao seu estado
natural, porém, traz consigo a possibilidade de mudança caso haja qualquer intervenção
antrópica.
As Unidades Ecodinâmicas de Instabilidade Emergente (instáveis) denotam os
ambientes alterados pelo homem através do desmatamento, plantio, urbanização,
industrialização, entre outros, representando as áreas antropizadas. A correlação entre os
dados naturais e econômicos possibilitaram a Amaral e Ross (2009) atribuir ao ambiente,
classes de fragilidade. Estas se distinguem em: Muito Baixo, Baixo, Médio, Alto e Muito
Alto grau de fragilidade. Nesta pesquisa indica-se este procedimento. Os dados utilizados
para estabelecer a correlação são pedologia, uso e ocupação e declividade.
Caracterização da Área de Estudo
A delimitação da área de estudo é tarefa prioritária em pesquisas de cunho
geográfico-ambiental. Segundo Spörl (2001), a bacia hidrográfica 17 possibilita uma análise
integrada das inúmeras variáveis que interferem na potencialidade dos recursos naturais.
No entanto, este estudo torna possível uma melhor visão da realidade local, indicando
suas características e facilitando opções mais adequadas de uso e ocupação.
16
Considera-se como equilíbrio dinâmico um ambiente em que os processos naturais ocorrem em sintonia,
ou seja, de forma equilibrada.
17 Para Suguio (1998, p. 76) bacia hidrográfica e bacia de drenagem são sinônimos. Representam uma "[...]
parte da superfície terrestre que é ocupada por um sistema de drenagem ou contribui com água superficial
para aquele sistema".
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A bacia hidrográfica do Ribeirão São Lourenço está presente nos municípios de
Ituiutaba e Prata, os quais se localizam na Mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba, no Pontal do Triângulo Mineiro. As coordenadas geográficas para localização
da área são: 19º 04’ 22” de latitude Sul e 49º 20' 06" de longitude Oeste. (figura 2) O mapa
de localização a seguir apresenta imagem de satélite da área da bacia hidrográfica. Podese notar a proximidade do ponto de captação de água, no Ribeirão São Lourenço à malha
urbana da cidade, o que denota menor custo para o deslocamento da água.
Figura 2: Localização da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, 2010. Autor Giliander A. Silva.
O canal principal da bacia hidrográfica se desloca no sentido SE - NW. Suas
nascentes principais estão a N/NW do município de Prata, a uma altitude de 750 m. Sua
foz se dá no Rio Tijuco, com altitude média de 500 m., contudo, verifica-se uma
declividade próxima de 280 m ao longo dos 36 quilômetros de extensão. A área da bacia é
de 295 km². Baseando-se nas classificações de Christofoletti (1980), o padrão de
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drenagem que melhor caracteriza a bacia em questão é o dentrítico ou arborescente 18. Os
canais afluentes/tributários correm em várias direções e ao se unirem formam ângulos
agudos e não retos.
Quanto aos tipos de canais fluviais, observaram-se duas distinções: retilíneo e
meandrante. Os canais retilíneos predominam em quantidade sendo, sobretudo,
tributários. Já os meandros ocorrem principalmente no curso principal, particularmente
no médio o baixo curso.
Os canais retos são caracterizados por Christofoletti (1980, p. 88) sendo "[...]
aqueles em que o rio percorre um trajeto retilíneo, sem se desviar significativamente de
sua trajetória normal em direção à foz".
No caso dos meandros, Christofoletti (1980, p. 88) acrescenta que consistem nos
rios que "[...] descrevem curvas sinuosas, largas, harmoniosas e semelhantes entre si [...]".
Comumente ocorre escavação/erosão na margem côncava e deposição/sedimentação na
margem convexa (figura 3), este processo configura a sinuosidade do canal.
Figura 3: Processo erosão/deposição em um meandro. Fonte: Adaptado de Press, F. & Siever, R. (1997)
Opina Christofoletti (1980, p. 115) que, calcular a densidade de rios (Dr) é
relevante já que consiste na relação entre o número de rios e a área da bacia. Esta
atividade denota o comportamento hidrográfico de determinada área, sobretudo, seu
18
Christofoletti (1980) utiliza este termo para representar o padrão de drenagem que tem semelhança à
galhada de árvore.
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aspecto primordial: "a capacidade de gerar novos cursos de água", ou seja, a
potencialidade de surgir novos canais. Sendo assim, a bacia hidrográfica do Ribeirão São
Lourenço apresenta uma:
Dr = 0,2915 rios/km²
Tratando do cálculo da densidade da drenagem (Dd), este apresenta diferenças
com o conceito anterior e também colabora com outras análises. Este cálculo correlaciona
o comprimento de todos os canais com a área da bacia hidrográfica. Ademais, possui
relação inversa ao comprimento dos rios, ou seja, se aumenta o valor numérico da
densidade, diminui o tamanho dos canais. Sendo assim, a bacia estudada detém uma:
Dd = 0,85 km/km²
Para Sucupira et al (2006, p. 8), ocasiões em que o valor de (Dd) é superior ao valor
de (Dr), revela elevado controle estrutural, com canais em menor número e mais
alongados. Ademais, "uma área com índice elevado de densidade de drenagem é
resultante de baixa transmissibilidade do terreno e, portanto, mais sujeita à erosão".
A hierarquização da drenagem19 foi realizada com base em Strahler (1952, apud
CHRISTOFOLETTI, 1980, p. 106-107). Neste sentido, a tabela 1 apresenta o ordenamento
dos canais, os quais ocorrem até a 4ª ordem. Auxiliando a apresentação dos dados
hidrográficos, a figura 4 ilustra a hierarquização do sistema de drenagem da Bacia
Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço.
19
Segundo Crhistofoletti (1980, p. 106), é o processo de se estabelecer a classificação de determinado curso
de água (ou da área drenada que lhe pertence) no conjunto total da bacia hidrográfica na qual se encontra. Isso
é realizado com a função de facilitar e tornar mais objetivo os estudos morfométricos (análise linear, areal e
hipsométrica) sobre as bacias hidrográficas.
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Tabela 1: Quantidade de rios e suas ordens na Bacia Hidrográfica do Ribeirão São
Lourenço, em 2011.
Ordem dos canais
(Strahler, 1952)
1ª
2ª
3ª
4ª
Número de canais
86
34
22
26
Fonte: IBGE - Cartas topográficas Serra de São Lourenço (SE-22-Z-D-I), 1970 e Ituiutaba (SE-22-Z-B-IV), 1973.
Org. ALLAN-SILVA, G. (2011).
Figura 4: Hierarquização do sistema de drenagem da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço. Autor
Giliander A. Silva.
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Pela imagem nota-se que as nascentes do Ribeirão São Lourenço possuem uma
cabeceira principal com canais de pequena extensão, sendo de primeira e segunda ordem.
Outros canais se unem a este sistema de drenagem no médio curso, com maior número
de nascentes e canais de até terceira ordem. Ainda no médio curso, o canal principal
recebe o atributo de maior nível hierárquico (4º nível). Por toda a extensão do canal
principal, há grande número de afluentes, diferindo das proximidades da foz, a qual
recebe pequena quantidade de tributários.
Examinando o clima da região, Köppen o classificou como Aw (megatérmico:
tropical com verão chuvoso e inverno seco). A estação chuvosa se distribui de Outubro a
Abril e o período seco ocorre de Maio a Setembro. As temperaturas oscilam entre 14º C,
comum no mês de Junho, a 31ºC em Dezembro. A distribuição pluviométrica na
mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba apresenta diferenças significativas,
sendo que, na direção sudeste - noroeste a média de chuvas tendem a diminuir. (PRADO e
SOUZA, 2010).
Ainda caracterizando o clima, Prado e Souza (2010) apresentam um mapa
pluviométrico o qual aborda os índices de chuva acumulado entre os anos de 2002 a 2008
(figura 5). Como se pode observar, os municípios que abrangem a bacia hidrográfica do
Ribeirão São Lourenço, Ituiutaba (22) e Prata (28), possuem um dos maiores acúmulos
pluviométricos da região. Compreendem-se no intervalo de 11.800 a 10.200 mm (média
de 1.685 a 1.457 mm/ano), decrescendo na direção sudeste - noroeste, de Prata para
Ituiutaba. Analisando as isoietas especificamente na área da bacia hidrográfica, o índice de
chuvas acumuladas para os sete anos (2002 a 2008) variou de 11.000 a 10.600 mm (média
de 1.570 a 1.515 mm/ano).
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1-Água Comprida, 2-Araguari, 3-Araporã, 4-Cachoeira Dourada, 5-Campina Verde, 6-Campo Florido, 7Canápolis, 8-Capinópolis, 9-Carneirinho, 10-Cascalho Rico, 11- Centralina, 12-Comendador Gomes, 13Conceição das Alagoas, 14-Conquista, 15-Delta, 16- Fronteira, 17-Frutal, 18-Gurinhatã, 19-Indianópolis,
20-Ipiaçu, 21-Itapagipe, 22-Ituiutaba, 23-Iturama, 24-Limeira do Oeste, 25-Monte Alegre de Minas, 26Pirajuba, 27-Planura, 28-Prata, 29-Santa Vitória, 30-São Francisco de Sales, 31-Tupaciguara, 32-Uberaba,
33-Uberlândia, 34-União de Minas e 35- Veríssimo.
Figura 5: Mapa pluviométrico do Triângulo Mineiro, MG de 2002 a 2008. Fonte: Prado e Sousa (2010, p. 15).
Segundo Fernandes e Coimbra, (1996 apud Oliveira et al (2010), os estudos
geológicos mostram que esta região situa-se sobre o basalto da Formação Serra Geral da
Bacia do Paraná (Supersequência Gondwana III) e sedimentos da Formação Marília do
Grupo Bauru (figura 6).
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Figura 6: Bacia Sedimentar do Paraná. Fonte: Ecoturismo/Turismo de Aventura - Brasil, 2011.
A figura apresenta locais de afloramento do basalto na bacia estudada. Material
oriundo de vulcanismo ocorrido entre 127 e 137 milhões de anos e encontra-se
sotoposto/abaixo aos arenitos do Grupo Bauru, e aflora onde o processo erosivo é mais
intenso.
Figura 7: Mapa de Substrato Rochoso da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, 2010. Autor Giliander
A. Silva
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O Grupo Bauru é dividido em três formações: Adamantina, Marília e Uberaba. A
região do Pontal Triângulo Mineiro apresenta os sedimentos das formações Adamantina e
Marília. Sendo que, estes estão sobrepostos às rochas vulcânicas da Formação Serra Geral,
da Bacia do Paraná. (OLIVEIRA et al, 2010). Ainda de acordo com Oliveira et al (2010), os
sedimentos característicos da formação Marília se constituem em arenitos de origem
flúvio-lacustre (rios e lagos), com granulométrica fina a média e de coloração vermelhoclaro. Estas particularidades são notadas nos morros testemunhos 20 com uma grande
quantidade de cascalho e seixos rolados.
Uma característica peculiar desta bacia é a existência de inúmeros relevos
residuais de altimetria acentuada ao longo de sua extensão (foto 1). Estas formações,
denominadas de Serra do Saltador, Serra de São Lourenço e Serra da Caieira são os
interflúvios (divisores de água) da bacia, delimitando-a, sobretudo ao Sul. Esta morfologia
caracteriza a formação de anfiteatros 21, os quais abrigam as principais nascentes do
Ribeirão São Lourenço.
Foto 1: Município de Ituiutaba (MG): Visão parcial do relevo residual. Autor: ALLAN-SILVA, G., out./2009.
20
Termo utilizado para representar áreas de relevos residuais que por algum tipo de cimentação ainda
resistem ao processo erosivo, portanto, não foram dissecados por completo e testemunham o processo erosivo.
21 Forma de morros com aparência arredondada, que abriga as nascentes de um sistema de drenagem.
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Santos e Baccaro (2004) consideram que os variados modelos de cabeceiras de
drenagem em forma de anfiteatros e diferentes níveis de sedimentação são resultados de
ações morfogenéticas oriundas do Terciário e Quaternário. As alternâncias entre clima
úmido e seco favoreceram o rebaixamento do relevo, porém, algumas áreas, mais
resistentes ao processo erosivo se conservaram. Estas feições que permaneceram são os
relevos residuais (figura 6).
Observando a figura 8, podem-se notar com nitidez as áreas de maior elevação do
relevo. Contudo, destacam-se em cores mais quentes, os relevos residuais com altitude de
700 a 760 metros. Por outro lado, no baixo curso do Rib. São Lourenço fica claro o nível de
dissecação empreendido pelo sistema de drenagem, onde as águas correm sobre o
basalto.
Figura 8: Hipsometria da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, 2010. Autor Giliander A. Silva.
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Ainda de acordo com os estudos de Santos e Baccaro (2004) o local se caracteriza
por vertentes convexas de média a baixa declividade e relevos residuais com bordas
escarpadas, cuja sustentação é determinada por rochas cimentadas (arenitos e arenitos
conglomeráticos).
Em escala regional, Santos e Baccaro (2004) dizem que a área se insere nos
“Domínios dos Chapadões Tropicais do Brasil Central” de AB’SABER (1971) ou nos
“Planaltos e Chapadas da Bacia Sedimentar do Paraná”, de acordo com o RADAM (1983).
Nos dias atuais, o clima mais úmido com chuvas bem distribuídas dá novas
características à região. Predominam o processo de dissecação do relevo com maior
incisão das drenagens e erosão com retrabalhamento nas vertentes. É sob estas
configurações da paisagem que a rede de drenagem do Ribeirão São Lourenço se instala
(SANTOS e BACCARO, 2004).
Resultados
As bibliografias consultadas mostram que a metodologia proposta por Jurandyr
Ross (1994) tem sido amplamente empregada em estudos ambientais (SPÖRL, 2001;
SPÖRL e ROSS, 2004; SILVEIRA e OKA-FIORI, 2007; SILVA e RODRIGUES, 2009) e
apresentando bons resultados.
As bases digitais disponibilizadas para download pelo IBGE e GEOminas foram de
grande importância para a confecção dos mapas temáticos. Ademais, com auxílio das
cartas topográficas foi possível digitalizar a drenagem.
A análise de imagens de satélite colaborou em grande medida na pesquisa,
sobretudo, no mapeamento das características de uso e ocupação do terreno. A alta
resolução das imagens do satélite Quick Bird, possibilitou verificar os distintos tipos de
usos do solo na área da bacia, inclusive identificar processos erosivos como voçorocas.
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Necessário destaque à colaboração das imagens SRTM (Shuttle Radar Topography
Mission), sobretudo, o Modelo Digital de Elevação (MDE) gerado a partir destas. Este
recurso digital possibilita melhor visão e interpretação da geomorfologia, uma vez que
oferece maior riqueza de detalhes e, por conseguinte melhor percepção do relevo e suas
formas. Além disso, auxiliou na delimitação mais precisa da área da bacia hidrográfica
(figura 9).
Figura 9: Modelo Digital de Elevação: Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, 2010. Autor Giliander A.
Silva
Portanto, no caso desta pesquisa, indica-se para a elaboração do mapa de
fragilidade ambiental, a sobreposição de três mapas temáticos: declividade, pedologia e
uso e ocupação, exemplificados pela figura 10.
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Figura 10: Mapas temáticos sugeridos para sobreposição no mapeamento de fragilidade ambiental, 2010.
Conclusão
Sem pretensões de esgotar as discussões sobre a área pesquisada, pode-se
considerar que, uma contribuição substancial foi dada para a implantação do Plano de
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Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço. A caracterização
geoambiental e o estudo da fragilidade ambiental da área são os procedimentos iniciais
para o gerenciamento da bacia.
Espera-se que a partir desta pesquisa outras novas, poderão se desenvolver, no
sentido de favorecer melhor acompanhamento dos processos naturais e antrópicos
envolvidos nesta área de abrangência, já que, este recurso natural é de extrema
importância para o abastecimento da cidade de Ituiutaba - MG.
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A Espacialização da Folia de Reis no Município de Faina nos Anos de 2009 a 2010.
Eulália Maíra Alves Ferreira.22
RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de conhecer a espacialização da Folia de Reis no
município de Faina nos anos de 2009 a 2010, investigando a religiosidade da população,
suas crenças, a relação do sagrado e do profano em sua cultura. Retrata o espaço
percorrido pela folia, falando da cultura que emana deste povo, cheio de fé e devoção. A
consciência humana é pouco espiritualizada, então o ser humano precisa se apegar a algo
superior, divino, para se contentar, mas acaba misturando as manifestações divinas com
as profanas, em meio a festividades religiosas. A folia faz uma ligação entre a religiosidade
e as festas profanas, misturando a história e transformando o lugar por onde passa.
Devido a essa manifestação religiosa o trabalho foi pautado em conhecer um pouco o
processo de movimentação da Folia, onde foi utilizado o processo de coleta de dados,
como as entrevistas de áudio e vídeo, foi aplicado questionários, a pesquisa em si é de
natureza qualitativa, mas com introduções quantitativas no decorrer do trabalho, pois
investiga as influências da festa na vida do povo Fainense e do município. Com isso,
procura-se mostrar um pouco da religiosidade que envolve a folia, nota-se o perfil dos
foliões, a faixa etária dos participantes e o movimento que os leva a participar deste
evento, dessa forma podem presenciar essa manifestação de fé e devoção a Santo Reis
por este povo simples do povo do interior.
Palavras-chave: Espaço. Paisagem. Cultura. Fé. Sagrado. Folia. Significados.
Introdução
Aqui o objetivo é apresentar os resultados da pesquisa sobre a espacialização da
Folia de Santo Reis no município de Faina - GO, nos anos de 2009 a 2010. Faina está
localizada no Centro-Oeste do país, no noroeste goiano, distante 69 km da cidade de
Goiás, pela GO-164 e 201 km da capital Goiânia, pela GO-070.
22
Graduanda do quarto ano de Geografia da Universidade Estadual de Goiás - Unidade de Goiás. Texto
elaborado a partir da Monografia “A Espacialização da Folia de Reis no Município de Faina nos Anos de
2009 a 2010”,
Com orientação da monografia e indicação para publicação da professora Dominga Correia Pedroso Moraes.
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A finalidade do trabalho foi a de compreender esta “manifestação cultural, cheia
de fé, amor e devoção a um ser Divino, que possui um importante fator histórico religioso
para o povo fainense”. Pessoa (1993) acredita que a folia se faz presente, como um
movimento sócio religioso, cheio de significados culturais para a sociedade.
Acredita–se que a Folia de Reis é uma festa que não pode ficar apenas na memória
do povo, há a necessidade de divulgá-la, deixando documentos para comprovação dessa
manifestação cultural de fé que vem atravessando gerações no município de Faina.
Entende-se que a valorização das crenças e costumes ainda presentes nos
sentimentos do povo é que mantenham viva esta tradição - que é a Folia. As
transformações culturais e religiosas na folia evidenciam a necessidade de compreender
um pouco mais sobre as percepções dos moradores sobre este assunto.
Para Eliade (1996), é de suma importância esta questão das representações
simbólicas, pois é aplicada devido as crenças e os credos das pessoas em relação a festas
religiosas, sendo assim, a folia faz parte deste movimento que ao longo dos anos faz uma
mistura das tradições e dos costumes. Devido à era da globalização e as transformações
tecnológicas, as pessoas deixam de lado as suas tradições e costumes para se conectar e
viver em um mundo virtual, devido a essa nova era os jovens não se importam com a sua
cultura e perdem a sua essência e com isso tudo se torna corrido, as coisas passam
despercebidas diante dos olhos. Por isso é preciso ater-se às mudanças que acontecem a
cada dia no mundo, no país, estado, região e na cidade, para que não se perca a conexão
global e ao mesmo tempo se valorize as manifestações locais. A Folia de Reis tem sua
peculiaridade, pois está repleta de símbolos e significados e, por isso, não se deve deixar
esta tradição morrer.
Origem da Folia de Santos Reis
A folia de Santo Reis iniciou em Portugal, antes do descobrimento do Brasil, pois
naquela época em Portugal já havia homenagens aos três Reis Magos, que eram
organizadas em grupos, fundados no cancioneiro do catolicismo ibérico, como cita
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Moreira (1983, p.136): “*...+ as folias começaram a aparecer nos cancioneiros ibéricos a
partir dos primeiros anos do século XVI, ainda com instabilidade de ritmo ora binário, ora
ternário”.
A folia de Santo Reis foi introduzida no Brasil, pelos jesuítas, em forma de liturgia,
como forma de catequizar os pagãos. Moreira (1983, p.137-138), ressalta que:
A folia entrou no Brasil como uma dança de fundo religioso, mais uma
manifestação paralitúrgica que profana. Seguindo o mesmo costume, as danças
foram incorporadas ao teatro e as procissões promovidas pelos padres jesuítas
mencionando a folia como uma dessas danças.
Quando se fala em folia no Brasil a população entende como apenas um folclore,
não compreendendo que a folia é a expressão da cultura do povo do interior. Para Pessoa
(1993), “a folia se constitui em uma forma própria de saber popular essencial, a
sustentação e reprodução de uma forma subalterna da vida”. Com isso a folia expõe seu
próprio estilo, introduzindo os saberes populares de uma forma simples, mantendo essa
tradição viva, nas paisagens do interior, traduzindo essa expressão religiosa, expondo a
simplicidade da vida interiorana e tornando a folia um movimento social e religioso.
Brandão (1985, p.138), diz:
As folias de reis são a viagem ritual mais difundida no Brasil e a mais rica de
ritmos e crenças próprias .Os devotos e promesseiros saem na noite de Natal ou
Ano Novo é percorrido um território de estradas e casas pré-determinadas até a
tarde do dia 06 de janeiro, a “ Festa dos Três Reis Santos ”, no imaginário
popular. È difícil haver um município ou povoado [...] onde não haja pelo menos
um, ``as vezes alguns “ternos de Folia de Reis” no exercício devoto de “
cumprimento a missão”.
Este ritual faz parte do catolicismo popular, onde as pessoas demonstram sua fé e
devoção, esta festa cria uma ligação com as pessoas transformando suas vidas, seus
costumes, fazendo uma ligação dos indivíduos com a história.
O Centro-Oeste é citado como a segunda região do Brasil com maior concentração
de companhias de Folias. Isto aconteceu devido à influência do movimento das Bandeiras,
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que saiam de São Paulo, em direção ao interior do sertão do país, vindo para Goiás por
volta dos séculos XVI ao século XVIII.
No Estado de Goiás, essa tradição continua presente em várias cidades do interior
como em Itaguaí, Jaraguá, Mossâmedes, Pirenópolis, Itaberaí, Lages em Itapuranga, e em
várias outras cidades do estado, como também em alguns bairros da capital goiana, como
no setor Universitário entre outros, mostrando que o costume e a fé não se extinguem
devido a sua localidade, permanecendo viva nos corações dos foliões.
A folia de Santo Reis em Faina não é diferente das outras; acontece a folia de Reis
duas vezes ao ano, nos meses de maio e de dezembro.
A folia de maio gira do dia 1º ao dia 06 e é feita como um pagamento de voto, ou
seja, a graça alcançada se paga por meio de um pouso ou almoço, e assim vai se
estendendo essa tradição. Já a folia de dezembro, que percorre o espaço da cidade e seus
arredores, começa no dia 27 de dezembro e sua entrega é no dia 06 de janeiro, que é o
dia de Santo Reis.
Os devotos ajudam como podem na realização desta festa, devido à jornada dos
pousos que se estende pela cidade e fazendas vizinhas. O povo, incansavelmente propaga
sua fé na folia, que acontece há mais de cinco décadas, nesta região, tornando a religião
como um sistema mediador entre o sagrado e o profano. Porque nessa mediação implica
uma concepção religiosa, como expõe Raffestin (1993, p.119-120):
Toda concepção religiosa do mundo implica a destinação do sagrado e do
profano, é oposta ao mundo no qual o fiel se dedica livremente as suas
ocupações, exerce uma atividade sem conseqüência para sua salvação, um
domínio no qual o temor e a esperança o paralisam alternadamente, onde como
a beira de um abismo o menor gesto um pouco exagerado pode,
irremediavelmente, faze-lo cair.
Esta tradição que percorre gerações, traz uma manifestação religiosa de
peregrinação e devoção durante um determinado período, onde os devotos saem para
propagar sua fé em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
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Brandão (1985), diz que as folias são como grupos de pessoas errantes, mas são
devotos e cheios de fé, elas cantam e tocam instrumentos em homenagem a Santo Reis.
Os Três Reis Magos viajaram a procura do Deus Menino, para adorá-lo, trazendo consigo
presentes, como ouro, incenso, mira; representando as riquezas do mudo.
Então, os foliões fazem este trajeto de peregrinação, para seguir os passos dos Três
Reis Magos, em adoração a Jesus Cristo. Os foliões sabem que o Santo é Jesus, mas
mesmo assim adoram os Três Reis Magos, por crença, fé e devoção. As pessoas os
homenageiam mesmo durante este tempo festivo, pois é a eles que o povo recorre no
momento de desespero, pedindo ajuda, proteção.
Quando suas graças são alcançadas, as pessoas se tornam pagadoras de
promessas: elas podem girar na folia, dar pouso ou almoço, ou pode ser até mesmo o
festeiro daquele ano.
A manifestação da Folia de Santos Reis em Faina – GO
A Folia de Reis em Faina tem todo um ritual, onde se incorporou aos costumes do
lugar, tornando essa festa em uma tradição familiar, cheia de amor, fé, devoção aos Reis
Magos, que já dura mais de 50 anos, como conta Dona Nenzinha (informação verbal) 23
E nossa senhora, põe cinquenta anos nisso, só que meu marido e meu pai
morreu já tem quase cinquenta anos. [...] Tinha folia lá do outro lado do rio e
nesse tempo chovia de mais, ai o rio enchia e não tinha como passar pra lá, meu
marido, ainda nesse tempo não tinha casado ainda, juntou mais meu pai e
parente nosso, e foram assistir a folia, Zé Ramos, mas rodiou por caiçara, pra
chegar lá, não tinha jeito de passar por aqui. Quando meu pai voltou de lá falou
com meu avô e o cumpadre Mane Pedroso (mestre da Folia), o Lua aprendeu
com ele.
Percebe-se que no depoimento de Dona Nenzinha, como é conhecida por todos da
região, ela não consegue lembrar-se da data certa da criação da folia, mas sabe que veio
para ajudar a população, pois quando queria prestigiar a folia tinha que viajar muito para
23
Maria Celestina Ferreira de Brito 85 anos, Foliã, depoimento recolhido em 10 de maio de 2010.
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outro local, então devido à fé e a ideia de alguns homens, resolveram criar a folia no
Município. Mas isso veio e continua até hoje com a família Felix de Brito e mesmo com
tantas dificuldades de manter viva esta tradição, ela ainda faz com que as pessoas possam
demonstrar sua fé e amor a Jesus Cristo e a Santo Reis.
A folia é composta por diferentes momentos como a saída, o giro, os almoços, os
pousos e a chegada ou entrega da Folia. Contudo Pessoa (1993, p.116), diz que:
[...] a folia de Reis é uma representação do cotidiano de trabalho, sofrimento,
investividade e alegrias da gente do campo. Ê um ritual organizado e vivido com
uma grande diversidade de funções que influem todas as pessoas circunscritas
no giro.
Na visão do autor, a folia mostra rotina de fé e devoção, onde os devotos de Santo
Reis homenagear, pois a folia é uma forma de sair da rotina do trabalho, trocando os seus
afazeres costumeiros para se divertirem e com isso homenagearem a Santo Reis.
Entretanto, uma coisa que não pode se esquecer é que o embaixador seja o
conhecedor do espaço a ser percorrido, deve saber algo de geografia, como argumenta
Pessoa e Felix (2007, p.200):
Na saída da folia, é necessário que o embaixador e o gerente façam um pequeno
exercício de geografia. A casa da saída e a casa do arremate, a definição do
conjunto todo do trajeto por onde se vai passar tem de obedecer a uma regra
fundamental. A Folia precisa sair à direita.
De acordo com os autores, é necessário ter pelo menos uma noção geográfica do
espaço percorrido, pois é preciso sair sempre à direita da casa da entrega, fazendo com
Santo Reis, pois se não sair à direita o giro pode dar todo errado e isso acaba com o giro
da folia, fazendo com que uma doença caísse sobre os foliões ou simplesmente eles não
conseguiram terminar o percurso.
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A Folia é vista como a revelação do sagrado, ela destaca um local, tornando-o
diferente e cheio de significado, com um altar erguido na sala, para o terço, durante a
comemoração.
Brandão (1985) expõe que a reza do terço é um momento de participação conjunta
das pessoas na folia, é o momento da louvação e adoração aos Três Reis Magos. Ergue-se
um altar para colocar a Bandeira, com a imagem do Santo e duas velas. Perante este altar
reza-se o terço, para agradecer a graça alcançada. O terço é rezado como uma obrigação
na festa, pois é um dos momentos em que a mulher participa ativamente, à frente do
homem.
Durante o giro a folia não deixa de visitar ninguém, não importa se é rico ou pobre,
o importante é a visita dos Reis Magos a todas as casas. Pessoa (1993, p.137), argumenta
que “a folia não tem separação. Do jeito que trata um pobrezinho que não pode dar café,
trata um rico”. Por que a situação financeira não interessa, pois Jesus nasceu pobrezinho e
não descriminou ninguém.
Para os foliões o giro é uma peregrinação, onde eles revivem a viagem dos Três
Reis Magos, para visitar o Menino Jesus em Belém. Essa Viagem, ou giro, é feita em forma
de agradecimento a Santo Reis, pela sua graças. Essa caminhada é feita durante o dia, em
maio e à noite, em dezembro, onde os foliões passam de casa em casa, cantando e
pedindo esmola e donativos para a realização da festa. O giro acontece até chegar a hora
do almoço ou do pouso, para o descanso.
Após uma longa viagem, os foliões param para descansar e almoçar. Quando
chegam nas casas, pedem para entrar e depois começam a cantar. Uma coisa que se
percebe é a abundância e a diversidade de comida na folia, isso vem quebrando os
costumes simples das pessoas do interior, como é citado por Pessoa (2005 p.32):
Nas festas populares, nas quais a comida é servida coletivamente, como é o caso
das folias de reis, estas incrustam nas pessoas um sentido de comunidade da
comida da festa. Explico melhor. Aquele exagero da comida e a sua gratuidade
vivenciada em um só dia do ano formam um contraste muito acentuado com os
outros trezentos e sessenta e quatro dias do ano. Parece haver ai uma vontade
nas pessoas de estenderem ao Máximo aquele dia e fazem por meio de
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fotografias e filmagens de vídeos, mas também através da comida. Nestas festas
estas ficando cada vez mais difícil de inibir ou cobrir esta pratica – a de
improvisar qualquer vasilha ou recipiente para levar para casa alguma porção da
comida da festa. Essa hipótese explicativa impõem –se pelo fato de que os
sujeitos desta pratica nem sempre são pessoas carentes não é uma questão de
necessidades material da comida, mas um prolongamento simbólico da festa.
De acordo com o autor o almoço adquire uma característica simbólica e algumas
pessoas até carregam a comida para ter mais tempo para se dedicar a esta festa. A comida
é apreciada por todos e com isso acaba sendo levada para casa.
Pouso é uma prévia da festa, não é muito diferente do almoço, pois tem todo
aquele cerimonial como a comida, a reza do terço, o agradecimento da mesa e, em
algumas, casas tem um bom forrozinho.
Pessoa e Felix (2007, p.204), argumentam que há “um grande número de pessoas
na procura pelo puro prazer da festa e da comida – “às custas do santo”, não escondem -,
o que transforma cada pouso em uma previa da festa de encerramento”. Na visão dos
autores, esta prévia da festa, faz com que as pessoas se interajam umas com as outras,
nesta demonstração de fé e tradição.
No encerramento da folia, essa ligação é bem forte, pois é onde se concentra o
fervor de todo o giro. Além de os foliões reproduzirem todas as situações rituais de
chegada em cada pouso, eles fazem outras, cerimônias: “passagem da Coroa e do galho e
adoração do menino Jesus na Lapinha”.
A Coroa é um objeto simbólico, utiliza-se a coroa na festa devido à posição do
ritual, pois tem o mesmo peso das flores e fitas que enfeitam os instrumentos da folia. A
coroa para os foliões é um símbolo da festividade de Reis durante o ano.
Como foi supracitado faz-se uma grande roda, onde os foliões rodam e cantam
passando por debaixo da Bandeira e após todos terem passado, a roda para e o festeiro
que tem uma coroa na cabeça, a pega e gira na roda passando-a de cabeça em cabeça,
para ver quem vai ser o próximo festeiro.
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O Sagrado e o Profano se misturam na Festa.
O sagrado e o profano são manifestações populares, onde se percebe uma ligação
entre as coisas de Deus (sagrado) e as coisas do mundo (profano), pois ambos estão
inseridos na vida dos seres humanos, sendo que o sagrado é um tempo mítico, cheio de
festas religiosas, onde o homem se relaciona diretamente com Deus. Já o profano é
conhecido como o tempo destinado ao lazer, com isso as pessoas vão viver em ritmos
variados, conhecendo tempo e festas diferentes das sagradas, pois o profano é visto como
não sendo o ser absoluto, como é encarado no sagrado. Sendo assim pode- se dizer que o
tempo sagrado é onde Deus se manifesta na suas criações divinas e o tempo profano é
onde acontece o desenrolar da existência humana.
A manifestação do sagrado é conhecida como hierofania, revela-se como um local
sagrado, que assume um dom uma forma de carisma que acaba tomando uma dimensão
espacial, que impõe ao um determinado espaço. O espaço sagrado é o lugar onde se
define o ponto central de sua manifestação.
O ritual da construção do espaço sagrado implica um duplo simbolismo.
Primeiramente na construção do “centro do mundo”, este se constrói em
referencial, cujo prestigio esta bem determinado. Em segundo lugar a
construção do espaço sagrado impõe uma interpretação simbólica da
materialização do centro. (ROSENDALH,1997, p.121.)
O espaço sagrado se forma como o centro do mundo; todo o tempo o ritual se
esbarra com o tempo mítico, assim o sagrado forma um tempo sagrado. Ao seu redor se
vincula o espaço profano, sendo o centro a divindade e ao redor, as festas não religiosas,
voltadas para diversão.
O espaço sagrado coloca o homem em contato direto com Deus. Esta experiência é
o oposto do profano, pois ele é o espaço ao redor, onde ocorrem as manifestações
privadas dos significados religiosos.
O sagrado aflora, criando um caráter, onde tudo se torna algo especial, sem
perder seu valor e sua identidade; tudo toma um ar diferente perante o sagrado. Este
sistema mediador pode definir o sagrado e o profano, como relações que definem uma
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pela outra, como define Eliade, apud Oliveira (2003, p.67), que “só se pode falar do
sagrado a partir e em oposição ao profano. Ora o profano é o normal, o corriqueiro, o que
não tem um significado particular, nada comum, transcendente, absoluto, definitivo”.
O sagrado é visto em sua organização espacial, onde os devotos integram esta
forma entre o tempo e a religião, podendo perceber que os espaços sagrados e profanos
se juntam. O espaço sagrado é onde o Santo está, onde ocorrem os cerimoniais e o
contato do povo diretamente com os santos. Já o espaço profano é geralmente destinado
ao lazer, o comércio, entre outros, tornando estas atividades profanas.
O sagrado é um elemento de uma qualidade absolutamente especial que se
coloca fora de tudo àquilo que chamamos de racional constituindo assim algo
inefável. Este “algo inefável” também é chamado pelo temo latino numen, isto
é, a força divina manifestada na ação pessoal de uma ou de outra divindade. [...]
assim diante do transcendente, do divino, do sagrado, que se manifesta. [...] a
hierofania ou teofania, ou seja, a manifestação do divino em meio ao profano.
(OTTO apud REIMER, 2004, p.79).
De acordo com o autor, estas manifestações são percebidas de uma forma meio
simbólica, pois o homem coloca o sagrado, como algo encantador, divino, ou seja, a
manifestação do sagrado ultrapassa as manifestações profanas, colocando-se como algo
superior e divino.
Na Folia de Reis o momento do sagrado é a peregrinação que os devotos
cumprem até chegar ao pouso, e depois vem o terço, os cânticos para agradecer a mesa, a
dona da casa e o Santo Reis, por mais um ano de festa.
Na folia, o sagrado se aflora transmitindo a sua sacralidade em seus eventos, pois
dá um ar de mistério, de sobrenatural. Sendo assim, ele se mostra através dos ritos, como
por exemplo, a reza do terço ou as canções baseadas na vida de Jesus. O ser humano
busca algo sagrado, no espaço, para se agarrar a ele e, com o tempo tentar transformá-lo
em função do seu próprio benefício.
Vale ressaltar que Silva (2001, p. 24), relata que: “*...+ festas costumavam confundir
as práticas sagradas com as profanas, tanto nas comemorações externas como nas
realizadas dentro da igreja”. No entanto, esta confusão é normal, e por isso o ser humano
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acaba interpretando esta manifestação equivocada e certas expressões, sendo que é
preciso rezar muito para a sociedade. Na visão de Brandão (1985, p.140), os “cultos de
canto e dança e alegria invadem os ritos de fé. O corpo que salvar a alma de ser tão
sagrada que esquece de ser humana”. Torna-se, em meio a esta manifestação, pessoas
mais desligadas da sua religiosidade, querendo apenas se divertir.
Representações do povo sobre a Folia de Santos Reis em Faina
Para Moscovici, apud Moraes (2002 p.74): a representação e a informação são
partes do conhecimento humano de determinados grupos, segundo o autor:
[...] os grupos ou segmentos socioculturais podem variar bastante quando ao
grau e consciência da informação que tenha sobre um dado assunto, quando á
estruturação visualizável, unidade hierarquização desse conhecimento em um
campo de representação, quanto a altitude ou orientação global – favorável/
desfavorável, por exemplo –em relação ao objeto de representação.
Na folia também é assim; as pessoas de um determinado grupo (foliões,
cozinheiras, etc.); tem uma relação diferente uns dos outros com a Folia e com os Santos.
A partir da coleta de dados, foi feito um estudo dos questionários aplicados a 120 pessoas,
com perguntas semiestruturadas, sobre a Folia de Santo Reis no município de Faina. Os
questionários tiveram a intenção de captar, de maneira simples, os conhecimentos e
sentimentos do povo fainense em relação a esta a festa tradicional.
Todas as pessoas pesquisadas são residentes no município de Faina. Contudo há
uma diversidade de idade entre os participantes, autoridades públicas e autoridades
eclesiásticas. Há pessoas que participam da folia por vários motivos, mas principalmente,
pela fé “que move montanha” faz as pessoas não terem medo de pedir ou de se arriscar
por amor a Deus.
Ao analisar os questionários, percebe-se que há certa semelhança nas respostas
dos foliões, dos participantes, e de outros pesquisados. Através das perguntas, as pessoas
demonstram seu jeito simples de adorar Jesus e aos Reis Magos. Percebeu-se, na
pesquisa, que as pessoas entendem o significado da folia de várias formas, como mostra o
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depoimento do Senhor Benedito Ferraz (59)
24
. “Pra mim significa muita coisa, por ter
muita fé, pois ano passado eu estava com câncer e com muita dor, então eu pedi pro Três
Reis me dar saúde e eu faria a festa e graças a Deus eu estou realizando a festa”.
O depoimento traz uma forma de demonstrar o amor, onde o sentimento
transmite algo muito forte como uma prestar homenagens aos Reis Magos, repassando
este ato de devoção, mostrando a fé deste povo, que mesmo no sofrimento se faz
presente na folia. A maioria dos pesquisados diz que o significado da folia é “muita coisa”,
pois não sabem ao certo como expressar esse sentimento de pertencimento a esta
tradição.
Pessoa e Felix (2007), Moreira (1983), entre outros autores, acreditam que a
representação da folia está presente no significado adquirido ao longo dos anos. O
significado atribuído pelas pessoas faz parte do cotidiano de cada um, eles criam sua
própria forma de representar perante a comunidade, pois tem raízes enterradas na
tradição, onde as pessoas apreciam a companhia umas das outras, curtindo uma liberdade
durante o giro da folia, livre de preocupações.
Algumas pessoas gostam da folia, acreditando no sentido de que ela possa
preparar o caminho para a chegada do Menino Jesus, com isso cria-se um sentido de
pregar o nascimento de Jesus Cristo e assim fazer com que o objetivo, conscientização
seja feita demonstrando para tosos os corações de todos que Jesus vem para nos salvar,
Adquirindo então um sentido diferente.
Ao notar que a folia possui seu próprio jeito, onde seus devotos são reconhecidos
pela fé, sendo pessoas simples em meio a um mundo em transição, isso não influencia
diretamente na folia, mas a força e a criatividade dos foliões ajudam a definir o seu lugar
na história. Pessoa (2005, p.34-35), discorre que a:
*...+ “Cultura Goiana”, muito bem caracterizada nas manifestações populares,
especialmente nas festas religiosas, que podem, por isso mesmo, ser
compreendidas como representações sociais. Mas a fé popular tem revelado
24
Benedito Ferraz de Lima 59 anos, depoimento recolhido em 04 de Janeiro de 2010.
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historicamente uma instigante e criativa indisciplina religiosa, atraindo a
ritualidade para o meio da rua.
Uma das indagações feitas durante a pesquisa aos foliões e demais participantes
foi a questão da participação da família na folia, onde quase todas as respostas foram
iguais, sendo que 55% dos entrevistados falaram a respeito de ser uma tradição que é
passada de pai para filho e por isso trazem consigo a sua família; enquanto 38% falam
que já nasceram dentro da folia, em meio a esta tradição de muita fé; porém, uma
mínima parcela de 7% de pessoas, disseram que frequentam a folia por que gostam de ver
os festejos a Santo Reis.
Devido essa vontade de fazer parte deste universo mágico, de fé, as famílias
participam dos eventos e acabam se tornando muitas vezes colaboradores da festa, sendo
assim, todos trabalham para que esta tradição não se perca ao longo da história.
Contudo, foliões pesquisados falam que a cada ano que passa fica mais difícil girar
com a folia, pois não é como antigamente. A vida na cidade está ficando muito cara e
muitas vezes as pessoas estão passando por dificuldades e não tem condição de ajudar.
Entretanto, se for pedido um pouso ou almoço, eles não podem negar um pedido de
Santo Reis, porque a festa tem que continuar, então os foliões vão em busca das pessoas
que fizeram votos, promessas para conseguir montar o giro da folia, não importando com
a distância e nem com as dificuldades.
Percebe-se que nesses depoimentos, há uma escolha que gira primeiramente em
volta das promessas das pessoas, que de alguma forma se dispõem em realizar a festa.
Todavia “o que é mais usual nas folias, que realizam o pouso ou pousada *...+ é o giro o dia
e a noite”. (PESSOA, 2007, p.204).
A folia que gira em maio faz sua caminhada durante o dia, e à noite eles
descansam. Já a de Dezembro é ao contrário; ela costuma girar durante a noite e
descansam durante o dia e fazem uma troca de rotina durante os meses, pois em maio a
folia é feita pelos votos das pessoas e a de dezembro é feita em homenagem aos Reis
Magos, fazendo a peregrinação de acordo com a deles.
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Antigamente, quando se oferecia o pouso, realmente era um pouso onde os foliões
dormiam nas casas dos pousos, mas isso foi acabando quando a modernidade chegou aos
nossos meios, pois quase todos hoje têm condições de usufruir algum meio de transporte,
então eles retornam para suas casas e no dia seguinte começam tudo novamente.
Quando se fala do giro da folia fica complicado, pois ela era realizada nas fazendas
e com a expulsão dos camponeses de seu hábitat natural, a folia veio acompanhando-os.
Mas de uns tempos pra cá, o sertanejo está voltando para o campo e com ele a folia segue
rente nesse caminho. Santos, apud Oliveira (2003 p.24), ressalta que:
Cada homem vale o lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor,
cidadão, depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando,
incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças, de
acessibilidade (tempo, freqüência, preço) independentes de sua própria
condição. Pessoas, com as mesmas virtudes.
Devido a isso, pode-se dizer que a folia vai onde está o seu devoto, para fazer
sempre essa ligação do homem, campo e cidade sem desvalorizar nenhum, pois com isso
valoriza-se a cultura local. Os pesquisados demonstram que isso faz com que o espaço
urbano e o espaço rural permaneçam juntos, cultivando essa manifestação de fé, pois “no
mundo rural, os grupos humanos, são regidos por sistemas próprios e mais ou menos
uniformes de valores, leis e costumes *...+ com certa flexibilidade”. (OLIVEIRA, 2003, p.56).
A folia faz com que as formas do conhecimento humano, sejam baseadas no seu
cotidiano, onde os foliões valorizam suas crenças e costumes, valorizando uns aos outros,
mesmo longe, como dona Maria Celestina de 85 anos, que conta que a folia girava
antigamente nas fazendas e com o passar do tempo foi para cidade, e que agora está
voltando novamente para o campo porque quase todos os foliões estão residindo em
fazendas, então a folia precisa visitá-los. Devido a essa nova valorização do campo, ele
acaba sendo visto como a extensão da cidade, pois incorporou novos valores, e assim a
folia volta a fazer parte dessas mudanças,
Uma prática que já foi falada é a esmola, então os foliões foram indagados para
que serve a esmola recolhida durante o giro da folia. Eles disseram que é para ajudar o
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festeiro do ano na realização da festa. Para Vigilato, apud Silva (2006, p.62), a esmola
possui “duplo sentido: material que são gêneros em grande quantidade para a
propagação da festa. E o sentido religioso: significa presentes ofertados pelos Magos ao
Menino Jesus”.
A festa em si envolve muitas pessoas, a esmola é recolhida justamente para ajudar
na elaboração do evento, pois tudo que é recolhido é usado. E no final do giro da folia é
uma forma de agradecer por todas as graças recebidas durante o ano e o que é recolhido
durante o giro ajuda o festeiro, onde tudo é bem vindo. Como a folia conta a vida de
Jesus, foi perguntado aos foliões se a Igreja Católica ajuda de alguma forma - as respostas
foram unânimes ao dizerem que não.
No final do ano de 2009 surgiu uma rixa entre os foliões e a igreja, pois dona
Nenzinha, juntamente com outros membros da folia ficaram decepcionados com a atitude
da igreja em relação à esmola. De acordo com os foliões, o Bispo da diocese de Rubiataba,
Mozarlândia, veio pedir para que os foliões doassem toda a esmola recolhida durante o
giro para a igreja.
Isso gerou grande discussão entre os membros da folia com os
representantes da igreja no município, pois de acordo com alguns depoimentos, a igreja
nunca ajudou e agora vem e quer tudo e isso não é bom para o festeiro, que muita vezes é
pobre e não consegue fazer a festa sozinho e a esmola o ajuda.
Os foliões reclamaram da falta de bom senso da igreja em pedir tal coisa, pois
todos são católicos e participam da igreja. Com isso, a rivalidade estabelecida acaba
afastando uma tradição de décadas de sua morada santa e devido a isso Brandão (1985,
p.133), diz que: “a história das trocas de ações de serviços e artimanhas de poder entre a
hierarquia católica no Brasil e a massa dos fiéis não fugiu a alguns padrões que a história
das religiões teima em repetir”. Isso não é bem visto, pois os foliões valorizam sua fé,
devoção e amor aos Reis Magos e não aceitam tal imposição, pois a festa é de cunho
religioso e é abençoada por Deus, juntamente com os Três Reis Magos, assim, acredita-se
que eles não permitiram o fim desta tradição.
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Uma coisa que sempre esteve presente na folia é a bebida alcoólica, com os foliões
se embriagando e cantando louvores aos Reis. Muitos foliões trabalham muito e para
aguentar o pique tomam goles de pinga.
[...] muito difícil mandar uma folia quando tá muito desorganizado, muita
cachaça, [...] a pinga é um dos itens mais pesados [...] ao longo do giro, muitos
moradores já esperavam a folia com um litro ou garrafa (600 ml) do produto
para agradar os foliões. (PESSOA, 1993, p.144).
De acordo com o autor, não é só os foliões que são culpados pela bebedeira, mas
também a população, que os recepciona com os goles de pinga.
A Folia de Reis de Faina sabe bem como é esse problema, mas de acordo com dona
Maria Celestina (85) 25, o álcool já não faz mais parte da rotina da folia do povo fainense.
“[...] o álcool já tem dois anos que não tem! Porque os foliões não podem, mas beber,
falavam que a folia dos Pretos só andava bebo e ai pego e dano com eles, e eles
conformaram com as regras”.
Então, este hábito já não é mais parte constante do giro da folia. No entanto,
sempre tem aquela casa que teima em oferecer aguardente - vai de cada um. Mas devido
a pinga, muitos foliões estão doentes ou estão ficando doentes por causa da “branquinha”
e isso foi mais um dos motivos para a sua suspensão. É preciso lembrar que não são
apenas os foliões que gostam da pinga. Ao analisar os questionários dos foliões e de
alguns participantes pode-se notar a relação que as pessoas têm com a folia - algo de
muita fé, devoção e acima de tudo muito amor ao nosso senhor Jesus Cristo e aos Reis
Magos.
Na visão de Dom Adair José de Guimarães, bispo da diocese de Rubiataba e
Mozarlândia, a igreja está tentando reviver esta fé na folia:
A igreja que ajudar a incrementar nossas folias. Elas podem ser uma importante
ferramenta de evangelização em nossos tempos. As folias nem sempre andaram
em comunhão com a igreja, apenas de sua inspiração e efetivação serem
eminentemente católicas. Isso se deve ao fato das folias serem expressões
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(idem)
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religiosas populares, advindas do próprio povo, sem a tutela eclesiástica. Há na
folia um misto de folclore, símbolos religiosos e devoção. Cabe a igreja valorizar
e nunca quere suplantar tais expressões. ( Dom Adair José, 49 anos.) ( sic).
Percebe-se que a igreja está tentando demonstrar um interesse pela folia, valoriza
e incentiva esta tradição, buscando assim interagir com o povo nas suas trocas de saberes,
onde as crenças e os valores estão inseridos na cultura local, pois existe uma ligação do
universo festivo como os rituais religiosos.
Sendo assim, D’Abadia (2003), fala que o fator predominante nestes movimentos
humanos demonstra que as decisões são baseadas no social e são feitas a partir da
influência religiosa. Porque a sociedade em si, não demonstra seus sentimentos de um
único modo, ela usa de artifícios culturais e também religiosos, para representá-los no
espaço.
Moraes (2002, p.71), diz que: “*...+ o lugar vivido é o ponto de partida para
apreender as representações que as pessoas têm do espaço. Estas representações são
reveladoras do significado que os lugares têm para cada individuo e |ou para a
coletividade”. Na visão da autora, esse espaço se torna algo representativo para a pessoa,
possui um significado próprio, onde eles interagem uns com os outros. É o caso da folia,
pois as pessoas, estranhas uma das outras, se interagem normalmente, sem receio ou
preconceito, numa demonstração coletiva de fé e devoção. Devido à representação da
encarnação de Jesus na terra, demonstra uma expressão religiosa que permeia a
população. A folia que gira em Faina demonstra uma fé de décadas, pois é guiada pelo
amor a Jesus Cristo e aos Reis Magos. Com base nisso foram indagados sobre qual seria a
importância da Folia para o município de Faina. A cada pergunta uma resposta
envolvendo a tradição e a fé deste povo simples do interior, como conta Caio Velasco (22)
26
·. “È muito importante, pois é uma tradição e traz várias pessoas de fora, para conhecer
um pouco da cultura do povo fainense.
26
Prefeito de Faina,22 anos depoimento recolhido em 15 de maio de 2010.
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Nota-se certa peculiaridade em falar desta tradição tão importante para este povo,
que bravamente conduz este evento com muito amor, para o senhor João Batista(55) 27, a
folia; “É uma tradição, onde o Faina é ainda guerreiro nesta arte, é um folclore, alegria.
Sendo assim, pode-se perceber a determinação por parte deste povo, que tem
uma necessidade inconsciente de divulgar a festa, como conta a senhora Juciara
Castelo(40)28.“Eu acho que é divulgar a cultura local e regional.
Com base na pesquisa, pode-se afirmar que a folia fainense é considerada como
uma cultura de caráter guerreiro, como foi expresso pelo senhor João Batista, pois
mesmo com as transformações, ainda continua de pé, pois a sua origem sobrenatural é
revelada durante a viagem dos Reis Magos. Contudo, não se conhece nenhum documento
oficial que registra a folia de Reis, nem na igreja e nem nos órgão públicos, apenas os
depoimentos verbais e alguns arquivos de fotos particulares de pessoas relacionadas a
esta manifestação.
O povo de Deus vive no mundo humano[...] com a mesma tarefa que cristo
ensinou no sermão da Montanha: vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo
que há de brilhar diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e
glorifiquem vosso Pai, que está nos Céus [...](MT,5.13,16)ser testemunha de
cristo pela vida é condição inerente a graça de ser escolhido como discípulo:
quem der testemunho de mim, diante dos homens, também eu darei
testemunhos dele diante do meu Pai. (LEERS, apud OLIVEIRA 2003,p.27)
Na concepção do autor, o testemunho faz parte da vida do ser humano, na terra,
com a chegada de Cristo Salvador, isso se tornou mais frequente, pois os foliões cantam e
testemunham as boas novas, e a igreja assume o papel de elo entre o sagrado e o
profano..
A Folia de Faina é conhecida regionalmente, é uma festa tradicional do município,
aonde vem pessoas de várias cidades para prestigiar esta festa, assim, foi questionado a
alguns políticos, o que eles estão fazendo para ajudar a propagar esta mensagem de amor
e fé que é a folia e a maioria disse que a folia deveria fazer uma parceria com os órgãos
27
28
Vereador municipal,55 anos, depoimento recolhido em 20 de maio de 2010.
Vereadora Municipal, 40 anos, depoimento recolhido em 18 de maio de 2010.
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públicos para sua divulgação regional. A partir disso se poderia elevar a importância do
turismo religioso.
Devido à divulgação a festa poderia acarretar para si mais seguidores e
participantes onde eles iriam demonstrar sua religiosidade, e com o auxilio dos
governantes essa tradição continuaria, por muito tempo, onde os órgão públicos
poderiam ajudar na sua divulgação, ajudando no transporte da população, conservando as
estradas, nas zonas rurais e com isso esta sempre a disposição das necessidades do povo.
De acordo com os depoimentos dos governantes municipais, a base para que a
festa não venha acabar é a divulgação dela, pois traria benefícios para a mesma e também
para o município. Pois as pessoas iriam conhecer melhor a cidade e assim contemplariam
um pouco desta tradição, que surgiu bem antes do arraial de Faina, estas experiências
religiosas tocam na alma do povo, onde eles transmitem a sua gratidão em forma de
homenagens e da festa, porque o ser humano é guiado pelo amor Divino sagrado, algo
que esta além da sua compreensão.
Então, ao término da pesquisa, todos foram indagados e responderem o que
poderiam fazer para que está festa de mistérios e tradições não se percam na história e
permaneça na vida e na cultura local. Esta festa está na memória das pessoas, invadindoas com recordações dos festejos e, devido a isso, pode-se notar uma semelhança na
resposta. “Simplesmente apoiando e acompanhado a pratica da folia. Essa é a intenção
nossa, como igreja, apoiar a prática cultural e religiosa das folias. A humanização e a
seriedade precisam ser propositivas nas praticas de nossas folias”. (Dom Adair José, 49) 29
Sendo assim, a igreja irá apoiar cada vez mais a folia e a sua tradição, no entanto, é
preciso que a própria população ajude nesta prática, não é o único apoio que a folia
precisa como conta no depoimento da missionária Deolinda Oliveira(38) 30 abaixo:
“Acompanhar, além disso celebrar quando for solicitado mas é preciso mais apoio do
governo municipal”.
29
30
Bispo da Diocesano de Rubiataba /Mozarlândia.
Missionária da Comunidade Nova Aliança.
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A igreja tem uma visão simples desta manifestação, onde o apoio faz toda a
diferença na hora da realização do evento, os foliões mais antigos, precisam entender que
os jovens de hoje tem outro tipo de cultura, mas mesmo assim devem investir neles, para
que esta festa não acabe devido à falta de interesse da juventude do lugar.
Então, precisa-se ter uma formação para os jovens foliões, onde se conte a
histórias as folias, criando assim um movimento cheio de cultura, história, fé e devoção
aos Reis Magos.
Os vereadores juntamente com o prefeito, acreditam que a divulgação é um dos
caminhos, que pode ajudar o povo, pois com isso pode-se fazer uma propagação da festa,
ajudando também financeiramente na realização dos eventos, como os almoços, pousos
ou até mesmo a festa de encerramento da folia.
Contudo, a folia precisa de registros, em arquivos municipais, para que se possa ter
fácil acesso a este documento, onde a população pode ter um registro maior desta festa, o
ensinamento da folia deve ser passado para frente para as futuras gerações para que a
tradição não se perca no esquecimento.
A folia é formada a partir dos saberes populares, onde os foliões dedicam boa
parte das suas vidas na realização dela, eles tentam transmitir uma moral religiosa, social,
ética e produtiva, onde todos se respeitam e possuem as suas obrigações de dar e
retribuir tudo aquilo que lhe foi oferecido.
A folia de Santo Reis do município de Faina é movida pela fé de homens, mulheres
e crianças simples, que acima de tudo acreditam em um Deus vivo, que veio ao mundo
para redimir os pecados da humanidade - se fez carne, pobre e humilde, pois foi através
de seus ensinamentos que mudou o mundo e até hoje muda a vida de muita gente.
Pode-se dizer que a folia é um novo processo de evangelização, neste mundo
globalizado, onde maioria das pessoas não valoriza mais as tradições, e com isso a folia
torna possível uma aproximação maior da festa com o seu público alvo, juntando-os com
as cerimônias religiosas.
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Conclusão
O objetivo do trabalho foi analisar a espacialização da Folia de Reis no município,
conhecendo um pouco da cultura local, desvendando os mistérios da festa de Reis. Podese perceber, através da pesquisa, que o povo fainense se orgulha da sua origem e da sua
Folia de Reis e eles não irão deixar esta tradição acabar, por que ela está impregnada na
vida das pessoas.
Ao acompanhar a folia percebeu-se que esta manifestação de fé, promessa e
devoção, está ligada ao amor aos Três Reis Magos e à fé que o povo tem em Deus.
A folia está presente, na memória cultural do povo fainense, essa mistura de
ritmos, crenças, religiosidade se instala no imaginário popular ganhando novas formas e
arranjos ao longo do tempo. Para que se possa fazer uma separação entre o sagrado e o
profano, precisa-se realizar a materialização do espaço.
A folia faz parte da cultura fainense, o povo trabalhador e devoto propaga sua fé,
não apenas nas igrejas, pois a religião tem sua história e sua tradição, que remontam
acontecimentos bíblicos passados. Na folia é assim, durante um longo período os foliões
fazem a peregrinação como se fosse os Três Reis Magos a caminho do encontro do
Menino Jesus. A folia é uma manifestação cultural que se mantém viva, os devotos
propagam sua fé, fazendo uma peregrinação em homenagem aos Três Reis Magos.
Sabe-se que uma pesquisa tem limitações, assim esta não conseguiu, nem teve a
pretensão de esgotar o assunto, sendo a Folia de Reis em Faina uma fonte de
conhecimentos para outros estudos científicos.
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O Ensino de Geografia e os Conceitos Geográficos: a percepção dos educandos das escolas
do campo do município de Iporá Goiás sobre os conceitos de Meio Ambiente e Cidadania
31
Silvaci Gonçalves Santiano Rodrigues
Resumo: O componente curricular de Geografia tem sido considerado como privilegiado
no tratamento das questões ambientais, contudo ocorre certa dificuldade tanto de
educadores como de educandos em compreender o espaço geográfico como campo de
relações entre ser humano/ser humano e deste com a natureza no processo de
transformação da mesma. A questão ambiental é um problema mundial e
constantemente discutido pela sociedade, principalmente nas últimas décadas.
Entretanto, por mais que haja discussões nesse sentido, os problemas ambientais
continuam existindo e alguns se tornando mais graves e irreversíveis. Portanto, as atitudes
para resolução dos problemas ambientais dependem do exercício da cidadania em seu
sentido pleno. Nesse contexto a Geografia escolar, caracterizada como um componente
curricular que busca formar cidadão crítico, reflexivo e participativo, pode ser uma grande
aliada para auxiliar os educandos na construção dos conceitos acima citados. A orientação
do Ministério da Educação e Cultura – MEC – para ensino de Geografia em relação ao
conceito de Meio Ambiente é que este seja trabalhado como tema transversal, para que
os educandos possam ter uma visão global da questão, porém estes nem sempre ou
raramente são trabalhados de acordo com as orientações do MEC. A efetivação destas
propostas para o ensino de Geografia poderia contribuir consideravelmente para que o
educador saísse das bases tradicionais da educação geográfica, incorporando em seu
trabalho a relação teoria/prática, que pensamos ser essencial para que a Geografia possa
cumprir seu papel de componente curricular formadora de cidadãos.
Palavras-chave: Ensino de Geografia. Cidadão. Questões ambientais. Educação do Campo
Introdução
Se atentarmos para o espaço geográfico, veremos mais claramente o tipo de
transformação que meio ambiente tem sofrido a partir da ação de atores sociais e
entendemos que esta transformação do espaço como meio ambiente onde vive o ser
humano, depende do modo de sentir de pensar e de agir de cada cidadão. Pensamos que
1
Silvaci Gonçalves Santiano Rodrigues é Graduanda em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás - Unidade
Universitária de Iporá, sendo esta pesquisa realizada para fim de conclusão de curso.
Indicadora do artigo para publicação e orientadora da monografia professora Jackeline Silva Alves do curso de Geografia
da UEG Morrinhos-GO.
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estas transformações, dependendo do interesse de cada pessoa podem ocorrer em maior
ou em menor grau. Podendo também ter impacto positivo ou negativo. Ao nosso
entendimento infere-se que atitudes e práticas ambientais corretas dependem da
educação. Não nos referimos aqui apenas à educação escolar, embora seja esta o foco
principal desta pesquisa.
Entendemos que para que ocorra construção do conhecimento é necessária uma
inter-relação entre todos os tipos de educação, o formal e o não formal. Nesse contexto o
ambiente imediato, ou seja, o lugar de vivência deve ser privilegiado para que ocorra a
aprendizagem significativa. Assim poderemos obter uma educação para a formação do
cidadão critico e reflexivo que estão presentes nas propostas educacionais.
O tema “meio ambiente”, no contexto educacional deve ser visto como tema
transversal segundo propostas do Ministério da Educação e Cultura - MEC -, ou seja, deve
abranger todas as áreas do conhecimento.
Nesse sentido o componente curricular de Geografia tem a oportunidade de
trabalhar e cumprir seu papel na formação do cidadão. O propósito da transversalidade
para alguns temas se faz necessário, considerando a preocupação das discussões de
alguns teóricos da educação, cuja preocupação está relacionada com a formação do
educando para vida, o que entendemos como uma formação para o exercício da
cidadania.
Segundo o PCN, 2001, os componentes curriculares não contemplam temas como:
saúde; sexo; meio ambiente; etc. Pensando nestes aspectos, o MEC instituiu os temas
transversais objetivando o estudo desses assuntos em todos os componentes curriculares,
para que se tenha uma visão global das questões.
O debate ambiental parece ser um tema fácil, por envolver o espaço de vivência do
educando, porém o educador ao propor uma educação ambiental, deve estar disposto a
assumir a tarefa de sair das bases tradicionais que ainda caracterizam o ensino de
Geografia, a fim de construir um conhecimento geográfico que permita a compreensão
ambiental de forma que meio ambiente não seja reduzido ao meio natural e que não seja
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apenas pautado na definição de conceitos, como o que é preservar, o que é conservar, o
que é meio ambiente, mas indo além destes.
Acreditamos que para que ocorra a preservação socioambiental é necessário
mudanças de hábitos, atitudes, e também do exercício de cidadania, pois a partir deste
último aspecto, seremos capazes de cobrar o que nos garante a legislação, que é o direito
de viver em ambientes não degradados32.
Trabalhar para esta mudança social é também papel da Geografia enquanto
componente curricular. Este pode contribuir de forma significativa na formação do
cidadão, haja vista que abrange o estudo do espaço e as relações sociais existentes no
mesmo.
Com a intenção de perceber como a geografia escolar tem contribuído para a
construção dos conceitos de Meio Ambiente e Cidadania, a pesquisa aqui apresentada
ocorreu nas escolas do campo do município de Iporá-Goiás, com estudantes do 2º ao 5º
ano do ensino fundamental. Sendo as escolas: Escola Municipal Vilma Batista Teixeira,
localizada na comunidade Jacuba; Escola Mangelo Pedro Borges, localizada na
comunidade Cruzeirinho; Escola Municipal do Bugre, na comunidade do Bugre e Escola
Boaventura Domingues de Araújo33, localizada na comunidade do Buriti.
Para que pudéssemos construir o referencial teórico e também para embasar
nossas ideias fizemos pesquisa bibliográfica. Fizemos ainda entrevistas com nove
educandos do 2º ano, cinco do 3º, um do 4º e nove do 5º, sendo um total de 24
educandos. Entre os educandos apenas uma educanda da Escola Vilma Batista Teixeira
não foi entrevistada 34. E o fato de haver somente um educando do quarto ano durante a
pesquisa se deve à forma de organização destas escolas em classes multisseriadas.
2
Capítulo VI, artigo 225 “Todos têm direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo
para as presentes e futuras gerações”.
3
Quando iniciamos a pesquisa a estava em funcionamento, foi fechada no ano de 2008.
4
Por não estar presente no dia em que os questionários foram aplicados.
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Foram feitos questionários fechados para os educandos do 2º e 3º, exceto um
estudante do 2º ano da Escola Mangelo Pedro Borges, que segundo a professora este teria
condições para responder as questões abertas. Fizemos também entrevistas com roteiros
dirigidos às educadoras e para a coordenadora, baseadas em conversa informal.
A todos os educandos pedimos que por meio de desenhos representassem seus
entendimentos sobre meio ambiente, com o objetivo de perceber se as concepções por
meio da representação por imagem e por representação escrita, sobre meio ambiente se
equiparavam.
Por meio dos documentos oficiais do MEC, como exemplo o Projeto Base 35
fornecido pela Secretaria Municipal de Educação, pudemos analisar o que ocorre na
prática e o que estão nos documentos do MEC, e entendemos que existe uma digressão
entre o que se propõe e o que se pratica no setor educacional em relação ao tratamento e
ao trabalho com estes conceitos por meio do componente curricular de Geografia.
Assim, ancorados em alguns teóricos que tratam o tema, apresentamos este
trabalho com fim de contribuir para a melhoria do ensino de geografia, em especial no
tratamento dos conceitos de Meio ambiente e Cidadania.
O que motivou o interesse por esta pesquisa foi o fato de participar de um projeto
de pesquisa semelhante, porém em escolas urbanas. Além disso, pensando na
possibilidade de em outro momento realizar um paralelo entre os resultados da pesquisa
nas escolas do campo e na escola urbana onde realizamos a mesma.
Desenvolvimento
As discussões ambientais no século XXI se tornaram motivos de debates em vários
seguimentos sociais. No setor educacional formal escolar, esse tema tem sido
constantemente debatido. Mesmo havendo estes debates, entendemos que ainda não é
5
Projeto Político Pedagógico do Programa Escola Ativa, sendo que o objetivo deste material é estabelecer bases
para o programa, preparando gestores e educadores para atuação na Educação do Campo, assim como uma
compreensão mais ampliada da escola e dos processos de ensino aprendizagem. (Projeto Base, 2010)
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bem compreendido e constantemente o meio ambiente é considerado como sinônimo de
natureza.
E parte das dificuldades enfrentadas pelos educadores quando trabalham com
esses temas, têm a ver com a falta do material necessário para a correta ministração
destes conteúdos; Além de muitas vezes, na grade curricular, o tempo destinado a eles ser
aquém do que seria necessário. A partir disso, esses temas, muitas vezes são tratados
superficialmente.
Tendo como ferramenta base para o trabalho docente, o livro didático, o educador
deixa de contemplar os temas propostos para a transversalidade, entre eles o meio
ambiente, considerando que para as realidades brasileiras e as diversidades das regiões e
até mesmo intra-regiões, em muitos lugares quando se tem muito, é o livro didático, ou
por vezes, o uso de outros recursos não é permitido pela pouca flexibilidade dos
programas. Podemos perceber na reflexão de Soares que:
A contemporaneidade e reduzido acúmulo de experiências em Educação
Ambiental, associado à não-implementação de uma efetiva política de Educação
Ambiental, refletem-se na formação do professor que se gradua com pouco
conhecimento sobre a temática ambiental e precisando, na prática cotidiana,
tratar desse tema, conforme preconiza a política educacional. Os profissionais
da educação tentam preencher essa lacuna com o auxílio do livro didático,
muitas vezes sua única referência, o que acaba transformando o conteúdo do
livro no próprio currículo. (SOARES, 2005, p. 2)
A Geografia escolar por ser um componente curricular que aborda tanto os
aspectos físicos como os humanos, tem privilégio no tratamento das questões ambientais.
Para compreender o papel da educação e da Geografia em especial na formação do
sujeito capaz de resolver problemas ambientais é necessário que se faça a leitura das
propostas educacionais, e em especial as propostas para o ensino de Geografia, ao
entendê-las como pilares para o papel da educação geográfica em relação à educação
ambiental. Um dos objetivos do ensino de Geografia é capacitar o educando a:
Identificar e avaliar as ações dos homens em sociedade e suas consequências,
em diferentes espaços e tempos, de modo a construir referenciais que
possibilitem
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uma participação propositiva e reativa nas questões socioambientais locais.
(PCN, 1997 p. 89)
Porém o ensino de geografia pautado no tradicionalismo, numa prática
memorativa de conceitos, não se adéqua às propostas feitas pelo MEC, e isto é constatado
na pesquisa, pois o que percebemos a partir da análise dos desenhos foi uma visão de
meio ambiente, relacionado ao entendimento mais aproximado de meio natural (visão
tradicional).
Embora alguns dos estudantes pesquisados apresentem o ser humano como parte
do meio ambiente, ele não é tido nos desenhos e nas respostas escritas como alguém que
possui responsabilidade em relação aos problemas ambientais existentes, aparecendo em
alguns desenhos como mero expectador do meio, como apreciador destes espaços, e ao
mesmo tempo alguns desenhos demonstram a preocupação humana com a natureza.
Isso é passado e repassado no setor educacional escolar há muito tempo e
pensamos que isto deve ser mudado. A ideia de natureza está sempre presente quando se
fala em meio ambiente, e isso não ocorre apenas na escola, mas na sociedade em geral.
Quando falamos em meio ambiente, muito frequentemente essa noção logo
evoca as ideias de “natureza”, “vida biológica”, “vida selvagem”, “fauna e flora”.
Tal percepção é reafirmada em programas de TV como os tão conhecidos
documentários de Jacques Cousteau ou da National Geographic e em tantos
outros sobre a vida selvagem que moldaram nosso imaginário sobre a natureza.
[...] Essas imagens de natureza, não são como pretendem se apresentar, um
retrato objetivo e neutro, um espelho do mundo natural, mas traduzem certa
visão de natureza que termina influenciando bastante o conceito de meio
ambiente disseminado no conjunto da sociedade. (CARVALHO, 2008, p. 35)
Identificamos estas características durante a pesquisa. Acreditamos que
concepções por meio das imagens e as representações escritas pelos educandos são
caracterizadas pelo ambiente natural pelo fato não haver a construção do conhecimento
sobre este conceito, que só é possível a partir de uma aprendizagem significativa.
A partir das figuras a seguir podemos ver exemplos da concepção de meio
ambiente dos educandos destas escolas.
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Figura 1: Alguns dos desenhos confeccionados pelos educandos das escolas do campo do município de Iporá
De acordo com a figura 1, percebemos que predomina a visão naturalista de meio
ambiente, em alguns desenhos se percebe a figura humana, em outros casos o ser
humano não está presente. Quando analisamos as respostas dos educandos do 2º e 3º
ano, quando perguntamos o que é meio ambiente para eles, todos os educandos acham
que meio ambiente é o lugar onde vivem homens, animais e plantas.
Para os educandos do 4º e 5º anos, quando questionados sobre o que entendem
por meio ambiente, em apenas dois questionários encontramos respostas mais
elaboradas, onde o ser humano aparece também como elemento do meio. Eles dizem que
meio ambiente é onde mora os animais e que nós também fazemos parte dele.
Nos demais questionários as respostas muito se aproximam de um meio ambiente
enquanto natural. Segundo eles meio ambiente são: os rios; os peixes; as plantas; lugares
onde vivem os animais; etc. Quando observamos que a ideia de lugar está posta, podemos
compreender que há no entendimento do educando uma separação entre “seu meio e o
meio ambiente”.
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Para compreendermos se veem o ambiente modificado – casas, ruas, praças etc. –
como sendo meio ambiente e se percebem o ser humano como transformador deste,
perguntamos a eles o que consideram fazer parte do meio ambiente. Responderam com
as mesmas palavras que usaram para conceituar Meio Ambiente. Fazem referência ao
homem, aos animais, às plantas, aos rios, às pessoas, etc. Sabemos que como afirma
Penteado:
O meio ambiente é formado pelos elementos pertencentes ao reino mineral,
vegetal, animal que compõem um determinado espaço; [...] Estes elementos são
todos inter-relacionados; destes elementos destaca-se o homem (pertencente
ao reino animal) pela capacidade que tem de interferir em todos estes
elementos, alterando-os, consciente e/ou inconscientemente através das
dimensões econômicas e políticas, das organizações sociais que constroem.
(PENTEADO, 2001, p. 73)
Enquanto elemento e transformador do meio ambiente, o ser humano prejudica
seu espaço de vivência em defluência dessa transformação, que deve ser compreendida
dialeticamente, de modo a entender que ao beneficiar a si e até mesmo outros elementos
do meio, podem ao mesmo tempo, dependendo de suas atitudes, acarretar o
desequilíbrio ambiental e consequentemente degradá-lo.
Percebemos que estas análises não são feitas com os educandos por meio dos
educadores ao ministrar as aulas de Geografia, pois se assim fosse, a visão destes
educandos em relação ao meio ambiente se diferiria do que constatamos na pesquisa.
Segundo a pesquisa, assim como as educadoras, eles se isentam da responsabilidade
de serem causadores de problemas ao meio ambiente em que vivem. Eis as questões e
respostas dos mesmos:
Figura 2: Parte do questionário elaborado aos educandos.
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A exemplo da figura 2, inferimos que na concepção dos mesmos, alguém é
responsável por poluir, queimar e matar os animais, por isso existem problemas
ambientais. Podemos perceber que “alguém polui”. Na figura 3 percebemos que uma
forma deste educando (a) resolver problemas ambientais seria pedir às pessoas para não
fazer queimadas. Ou seja, existe alguém, que não ele, responsável pelos danos
ambientais. É comum entre nós, não nos responsabilizarmos por danos que causamos ao
nosso ambiente, embora seja isto um erro.
Figura 3: Parte do questionário elaborado aos educandos.
Embora a maioria dos entrevistados entenda que meio ambiente é o lugar onde
vivem homens, animais e plantas e que estes consideram sua comunidade como sendo
meio ambiente, quando questionados sobre a existência de problemas ambientais neste
espaço (sua comunidade), a maioria deles desconhecem. Para eles não existem problemas
ambientais no lugar onde vivem.
De acordo com as respostas para as perguntas acima, dizem que são capazes de
resolver problemas ambientais, porém os problemas mencionados nos questionários são
referentes: ao lixo; às queimadas; à poluição ambiental pelo lançamento de fumaça e
matança de animais. Nesse contexto, percebemos que a Geografia escolar não tem
cumprido seu papel de formadora de cidadãos críticos.
Segundo a maioria destes educandos, nas aulas de Geografia sempre falam sobre
meio ambiente e sobre os problemas ambientais e dizem que gostam das aulas de
Geografia. Mas o que percebemos a partir dos materiais analisados é que este
componente curricular é trabalhado de forma tradicional, com ensino baseado apenas no
livro didático, fazendo com que ocorra apenas a transmissão dos conteúdos que nada tem
a ver com a vida do educando. Assim,
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O professor vem atestando o desinteresse, o enfado, a desatenção de crianças e
adolescentes quando colocados diante das exigências do estudo calcado apenas
no ensino livresco; as respostas decoradas que daí resulta para as provas e para
agradar o professor, encerrando na própria escola o ato de aprender. Pouco se
leva para a vida. E assim vai se repetindo, se conservando. Perpetuando e
multiplicando seus problemas. (PENTEADO, 2001, p. 54)
Percebemos os educandos aprendem o que lhes é ensinado, no entanto o que se
ensina, a maneira como se ensina, não corresponde à necessidade do educando. Isso
pode ser observado também a partir da avaliação escrita aplicada por uma das
professoras desta escola. As questões são baseadas no tradicionalismo. Os conceitos são
definidos mecanicamente.
Carvalho (2008) aponta uma educação ambiental, não importa a disciplina,
portanto aconselha que se trabalhe a partir da interdisciplinaridade. Para ela isto significa
ousar. Diz não ser cômodo, nem fácil, porém para ela é a forma de se conseguir uma
sociedade que pense nos problemas socioambientais, de forma a ter condições de
solucioná-los.
Embora as educadoras nos informem que trabalham a geografia a partir também
de aulas campo. Entendemos que se as teorias forem baseadas nos conhecimentos
advindos apenas dos meios de comunicação ou livro didático, pouco adiantará.
É de suma importância que o educador conheça as propostas para o ensino de
Geografia e para o tratamento que o MEC e as Orientações Curriculares dão aos temas
abordados, para proceder na intenção de adaptar estas propostas às realidades destas
escolas.
Todavia o que se identifica ao perguntar sobre as propostas para o ensino de
Geografia, é que estas propostas são desconhecidas por elas. A professora “B” declarou
não conhecer nenhuma das propostas para o ensino de geografia, enquanto a professora
“C”, afirmou conhecer tais propostas, porém ao responder a pergunta refere-se à horta da
escola, aos projetos relacionados ao lixo, poluição do meio ambiente, etc. Eis sua
resposta:
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Olha, nós temos uma que eu acho que vai né...? Você deve é... talvez vai
perguntar mais a frente, mas é a questão aqui da nossa horta, que nós temos na
escola. É uma proposta do MEC, de acordo pela Escola Ativa, já incentivando a
questão de é...cidadania, porque é uma questão em conjunto, cada um vai tá
fazendo sua parte e pra isso vendo a questão do meio ambiente também. [...]
olha das outras tem a questão de... nós fizemos até um projeto em relação a
essa questão do lixo, da jogada do lixo no meio ambiente, então são várias as
atividades de acordo que vem pela proposta do MEC.(informação verbal)
36
Assim, podemos afirmar que quando não desconhecem não sabem de fato explicar
quais são estas propostas.
O MEC, por meio dos PCNs diz que:
Desde as primeiras etapas da escolaridade, o ensino de Geografia pode e deve
ter como objetivo mostrar ao aluno que cidadania é também sentimento de
pertencer a uma realidade na qual as relações entre a sociedade e a natureza
formam um todo integrado – constantemente em transformação – do qual ele
faz parte e, portanto, precisa conhecer e sentir-se como membro participante,
efetivamente ligado, responsável e comprometido historicamente. (PCN, 2001,
p. 113)
Subentendemos que os educandos, desde as primeiras séries consigam aprender
Geografia de maneira a apreender seu espaço de vivência, sentindo-se participante, pois
somente desta forma haverá possibilidades deste educando interferir de maneira a
transformar a realidade social por meio de mudanças de hábitos e atitudes
socioambientais corretas.
Pensamos que a forma como estes conceitos são tratados nestas escolas, a
proposta para o ensino de Geografia se torna quase impossível, pois é feito baseado na
educação tradicional. A foto que segue refere-se a uma avaliação feita por um (a)
educando (a) do 5º ano, no terceiro semestre de 2010 (ocultamos o nome para preservar
a identidade do educando (a)).
Podemos perceber por meio da foto, impregnada tanto no educando como no
educador das instituições escolares pesquisadas, a ideia de apenas o lixo como problema
ambiental.
6
Entrevista formal, gravada com a professora “C”.
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Constatamos também a forma mecânica de se ministrar os conteúdos, ilustrado
também pela foto a seguir.
Foto: RODRIGUES, Silvaci Gonçalves Santiano.
Fonte: Avaliação referente ao terceiro bimestre em uma das escolas realizada por educando (a) do 5º ano.
As concepções dos educandos estão intimamente relacionadas às concepções das
educadoras. Podemos observar a partir das diversas questões. Por exemplo, quando
interessamos saber o que poderia ser feito para melhorar o meio ambiente, a professora
“B” responde que:
“Uma das principais atitudes de todos nós seria essa reciclagem do lixo. Eu
acredito que se a gente aprendesse a usar tudo mesmo assim, e reaproveitar,
nós poderíamos é... estar diminuindo esse impacto que está tendo na natureza”.
37
(informação verbal)
A partir da foto e das falas das educadoras, concluímos que estas veem o lixo como
um problema, mas não estabelecem o entendimento dialético com o fim de perceber que
este tem sua origem no consumo, que nem todas as pessoas podem consumir e muitas
vezes consumimos o que não temos necessidade, e também que a classe dominante
(ricos) sobrevive nas regalias, enquanto a classe subordinada (pobres) sobrevive de um
7
Entrevista formal gravada com a professora “B”
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tímido consumo. E que também esta última classe (pobres) é explorada para que a
segunda classe (ricos) possa consumir.
O problema do lixo é dado como um fato, parte de uma atividade corriqueira. Se
fosse enfocado nos seus múltiplos aspectos, poderia repercutir melhor na
conduta das crianças e adolescentes das escolas. A abordagem de seu sentido
mais abrangente, de reflexão de uma cultura shopping center dominante,
extremamente consumista, rápida na produção e lenta na recuperação do meio
ambiente que desgasta e destrói, dentro de uma perspectiva estritamente
economicista poderia desenvolver princípios mais sustentáveis. (TRISTÃO, 2004,
p. 129)
Nesse contexto, não podemos classificar o problema do lixo como um pequeno
problema ambiental, pois consideramos importante o tratamento dado a este tema.
Todavia não concordamos com trabalhos sobre meio ambiente e resolução de problemas
ambientais restritos a gerenciamento de resíduos sólidos.
Educar para cidadania exige pessoas críticas, que saibam qual seu papel na
sociedade. Que saibam tomar decisões ante os desafios postos pela complexidade
existente
no
espaço
geográfico,
que
surge
da
dinâmica
existente
entre
sociedade/sociedade e também da relação entre sociedade e natureza.
Portanto, uma tarefa importante para o professor, associada ao tema Meio
Ambiente, é a de favorecer ao aluno o reconhecimento de fatores que
produzam o real bem-estar; ajudá-lo a desenvolver um espírito de crítica às
induções ao consumo e o senso de responsabilidade e solidariedade no uso dos
bens comuns e recursos naturais, de modo a respeitar o ambiente e as pessoas
de sua comunidade. (PCN, 2001, p. 49)
Com relação à proposta de educar para cidadania nestas escolas, segundo a
coordenadora das escolas do campo, é uma prioridade para a secretaria, pois buscam
base nos materiais do Programa Escola Ativa38, que segundo ela, é todo voltado para o
tratamento dos temas, meio ambiente e cidadania.
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Programa Escola Ativa é a proposta do MEC, para as escolas do campo, adotado pelas escolas do campo em
Iporá no ano de 2008.
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As escolas municipais do campo em Iporá se apoiam em um projeto que dá bases
para preparar o educando para a vida, para o exercício da cidadania plena. Segundo as
educadoras, todos os educandos e educandas destas escolas conseguem se organizar a
partir de uma gestão democrática dentro e fora da sala de aula 39.
Ao observar algumas aulas e em conversa informal com as educadoras, notamos
que sempre selecionam os educandos responsáveis por algumas atividades diárias na
escola, tais como: determinar quem distribui o lanche; lembrar o horário de regar a horta
da escola; pedir aos responsáveis para regar a horta, entre outras atividades
desenvolvidas no dia-a-dia pelos próprios educandos. São eles que determinam estas
práticas diárias. Pressupomos então, que existam bases para o exercício da cidadania
plena, portanto se a parte teórica não estiver relacionada à prática, não surtirá efeito,
pois,
[...] o desenvolvimento da cidadania e a formação da consciência ambiental tem
na escola um lugar adequado para sua realização através de um ensino ativo,
participativo, capaz de superar os impasses e insatisfações vividas de modo geral
pela escola na atualidade, calcado em modos tradicionais. (PENTEADO, 2001, p.
54)
Quando questionados sobre o entendimento deles sobre o conceito de Cidadania,
a concepção de alguns está relacionada apenas aos direitos e deveres, outros não
conseguem defini-lo. Dentro das salas de aula existem cartazes que mostram quais são
seus deveres. No entanto, não vimos nenhum cartaz com seus direitos. É assim no Brasil,
os deveres sempre são explícitos enquanto os direitos são camuflados.
A concepção destes educandos sobre cidadania está ligada ao direito de votar (que
no Brasil vai além do direito, se tornando quase uma obrigação 40), direito de ter carteira
de identidade, enfim, suas concepções sobre cidadania não tem a amplitude que se deve
9
Informações adquiridas a partir da observação das aulas no decorrer da pesquisa. Embora não esteja contida na
metodologia a proposta de observação das aulas, achei por bem a prática da observação para melhor
compreenção de como ocorrem as aulas de geografia.
10
Exemplo dessa obrigação: para ocupar cargos públicos, ingressar nas universidades públicas, temos que ter
documentos que comprovem que votamos, portanto, o que é direito acaba se tornando uma obrigação.
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ter ao pensar este conceito. A maioria dos educandos não tem noção do que seja
cidadania, percebemos que não é dada a importância e a dimensão necessária, quando se
trabalha o referido conceito nestas escolas.
Quando T. H. Marshall em 1950 estrutura o conceito de cidadania, a partir dos
direitos sociais – século XX – surge o conceito de cidadania plena, que é o direito de ter
direitos. Por exemplo: o direito não somente ao meio ambiente, mas de tê-lo saudável e
se isso não é concedido ao cidadão este tem direito de reivindicá-lo. Nesse momento
entendemos que há grande avanço no conceito de cidadania, pois reivindicar os direitos
civis, políticos e também os direitos sociais, faz parte do exercício de cidadania e agora de
uma cidadania plena.
Portanto nenhuma das respostas acima se aproxima desta concepção, por isso a
base pedagógica para a prática da cidadania, que ocorre na escola – mesmo se limitando
aos direitos básicos do cidadão – deveria ser aproveitada por estes educadores a fim de
estabelecer relação entre teoria (conceito de cidadania) e prática (exercício de cidadania),
haja vista que este é um conceito tão caro à Geografia escolar.
Quando pensamos nas propostas dos PCNs para o ensino de Geografia e a
digressão entre o que se propõe o que se pratica, entendemos que os resultados não
poderiam ser diferentes. Teoria e prática estão bem distantes.
As concepções simplistas de meio ambiente e cidadania são reflexos da
inexistência de condições suficientes para efetivação dessas propostas, que afetam
diretamente educadores, educandos e a sociedade como um todo. Quando fazemos
avaliações dos documentos oficiais do MEC, percebemos que são ótimas as propostas,
porém ao avaliar a prática dos educadores e a apreensão dos educandos, percebemos que
existem falhas do sistema educacional brasileiro.
Nesse contexto educacional será quase impossível a formação destes cidadãos
críticos, conscientes de suas realidades e prontos para intervir socialmente, que propõe os
PCNs, para o ensino de Geografia.
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Acreditamos que se houver uma mudança nas práticas pedagógicas destas
educadoras, mais formação adequada, para o exercício da função. Assim estes educadores
poderão se tornar cidadãos e consequentemente auxiliar estes educandos a se tornarem
os cidadãos, capazes de resolver problemas socioambientais, e consequentemente
exercer sua cidadania. No entendimento de (Somma, 2003, p. 165)
[...] Nós, professores de Geografia, temos a oportunidade de transformar
essas percepções desordenadas, baseadas em uma dinâmica funcional,
em categorias de conteúdos e habilidades significativas para o
desenvolvimento da inteligência.
Assim, pensamos que uma das formas de mudar esta realidade seria buscarmos os
meios corretos de se trabalhar com estes conceitos, adotando procedimentos
metodológicos adequados. Buscar formação continuada, assim como conhecimentos
científicos específicos para o tratamento dos conceitos com o objetivo de conhecer a visão
de vários autores sobre os temas, o que possibilitaria a transversalidade e também
relacioná-los à vivência diária dos educandos.
Conclusão
Ao concluirmos a pesquisa, observamos quão grande o grau de dificuldade dos
educandos em compreender conceitos que fazem parte de seu dia-a-dia. As escolas do
campo do município de Iporá possuem um projeto relevante estabelecido pelo Programa
Escola Ativa, que se bem trabalhado pela Secretaria Municipal de Educação e pelas
educadoras poderia obter grandes sucessos. Com exceção de uma, estas escolas possuem
boa estrutura física compatível com a quantidade de estudantes, porém os materiais
utilizados pelas educadoras são materiais não suficientes para cumprir o que os PCNs
propõem para o ensino de Geografia.
Percebemos que ano após ano as escolas do campo neste município estão sendo
extintas e para reverter estes e outros problemas socioambientais, é necessário que haja
pessoas aptas a atuar em prol da melhoria destas comunidades nas quais estas escolas se
encontram localizadas.
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Ao mesmo tempo em que enxergamos essa necessidade, vemos também que se
não houver mudanças na forma de trabalhar este componente curricular – Geografia –
nem a médio e longo prazo, isto será possível, pois atitudes para transformação
dependem de pessoas críticas, que sejam capazes de reivindicar direitos, pessoas cientes
de seus direitos e deveres e também comprometidas com a sociedade.
Diagnosticamos que a Geografia escolar pouco tem contribuído para a construção
destes conceitos nas escolas do campo no município de Iporá-Goiás. Pensamos que o
conhecimento referente aos conceitos de Meio Ambiente e Cidadania não podem ser
construídos a partir de noções em nível de senso comum, e/ou a partir de bases científicas
deficientes como o que vimos durante o estudo.
O fato de, as orientações educacionais estabelecerem políticas nacionais com o
objetivo de auxiliar na elaboração de políticas locais é meio que mais atrapalham do que
ajudam, pois o ensino se pauta apenas nessas diretrizes, tomando-as como referência
para balizar seu ensino (como por exemplo, o uso do Projeto do Programa Escola Ativa,
como único projeto a ser seguido), acarretando prejuízo para o educando, educadores e
para a comunidade como um todo.
Notamos que a educação para a cidadania, que o sistema propõe fica quase que
apenas nas teorias. Detectamos que os efeitos obtidos a partir das práticas pedagógicas
ainda são bem são tímidos. Entre os educandos pesquisados não encontramos educandos
que tenham conhecimento razoavelmente elaborado sobre os temas tratados.
No entanto percebemos que se o ensino de Geografia fosse elaborado e abordado
mais responsavelmente por todos os componentes do sistema educacional, poderíamos
solucionar alguns problemas a curto e médio prazo e em longo prazo ter cidadãos de fato
comprometidos com as questões socioambientais, aptos ao exercício da cidadania plena.
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Educação Patrimonial: leitura da paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado nas aulas
de Geografia
Angélica de Oliveira Ribeiro Xavier41
RESUMO: O estudo objetivou compreender a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, que
está inserida no centro histórico da cidade de Goiás. Foram feitas considerações sobre a
paisagem cultural, pois a Praça Dr. Brasil Ramos Caiado é rica histórica e culturalmente,
portanto deve ser preservada. Isso será possível se as pessoas conhecerem a história dessa
Praça e de seus monumentos, para que se desperte o sentimento de pertencimento, e,
consequentemente, o de valorização. Assim, é relevante trabalhar a Educação Patrimonial nas
escolas para que crianças e adolescentes possam ter contato direto e conhecer melhor esse
Patrimônio que é de todos. O estudo propõe algumas sugestões de como abordar a paisagem
dessa Praça nas aulas de Geografia através da Educação Patrimonial, para que o Patrimônio
Histórico e Cultural da cidade seja preservado e sua existência seja garantida para o usufruto
de atuais e futuras gerações.
Palavras-chave: Geografia. Paisagem. Educação Patrimonial. Ensino.
Introdução
A pesquisa propôs uma abordagem da paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado
e seu entorno, inseridos na área considerada centro histórico da Cidade de Goiás. Fez-se
uma análise qualitativa fenomenológica, sendo um estudo de caso da paisagem da Praça
Dr. Brasil Ramos Caiado.
Partiu-se da compreensão da categoria paisagem, desenvolvendo um estudo sobre
paisagem cultural, pois se acredita que é preciso, inicialmente, buscar alguns conceitos
para que se possa fazer a leitura da paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado.
Fizeram-se considerações sobre a paisagem no ensino de geografia e possibilidades
de inserir a paisagem dessa Praça nas aulas de Geografia para alunos de Ensino
41
Graduanda do IV ano do Curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás – UEG da cidade de Goiás. O artigo
aqui apresentado é parte da pesquisa de conclusão de curso intitulada Praça Dr. Brasil Ramos Caiado: paisagem como
fonte de estudos para aulas de Geografia no ano de 2010, que culminou numa monografia orientada pela professora
Dominga Correia Pedroso Moraes, que é a indicadora deste artigo.
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Fundamental, trabalhando a paisagem e inserindo-a como espaço vivido pelos alunos da
cidade de Goiás. Isso pode ser feito através de Educação Patrimonial.
A paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado já foi bastante modificada, desde a
construção de seus primeiros monumentos e residências até os dias atuais. Todas essas
mudanças ocorreram para atender necessidades de pessoas diferentes, em diferentes
momentos da história. Por isso, sua paisagem possui marcas de um passado, que está
representada em cada elemento que a constitui. Portanto, ela é histórica e cultural e deve
ser preservada. Preservando os elementos que constitui sua paisagem também estará
sendo preservada parte da história e da memória do povo da cidade de Goiás.
Paisagem
Na perspectiva da Geografia Crítica, a paisagem tem sido tomada como um
primeiro foco de análise para aproximação do seu objeto de estudo que é o espaço
geográfico. Sendo a paisagem o domínio do visível, ela está na dimensão da percepção e
essa percepção é sempre um processo seletivo de apreensão.
Nessa perspectiva, Santos (1997, p.61), ao definir paisagem afirma que “Tudo
aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança é a paisagem. Esta pode ser definida
como, o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes,
mas também de cores, movimentos, odores e sons, etc.”
Geralmente, quando ouvimos falar de paisagem, a primeira ideia que temos é de
um lugar bonito, principalmente relacionado à natureza. No entanto, a paisagem deve ser
vista e compreendida não só como uma imagem, ou uma vista “bela” e “bonita”, mas
também como algo que pode ser “feio” e que está sujeito a um constante processo de
transformação. Além disso, a paisagem é caracterizada não apenas pela natureza e pelos
elementos que a compõe, mas também, por tudo aquilo que é construído pelo homem.
Sobre paisagem, Santos (1997, p. 65), salienta:
A paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais; é
formada por frações de ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor, utilidade,
ou por qualquer outro critério. A paisagem é sempre heterogênea. A vida em
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sociedade supõe uma multiplicidade de funções e quanto maior o número
destas, maior a diversidade de formas e de atores. Quanto mais complexa a vida
social, tanto mais nos distanciamos de um mundo natural e nos endereçamos a
um mundo artificial.
Assim, pode se afirmar que a proporção entre os elementos naturais e artificiais
que estão presentes na paisagem, depende da complexidade da sociedade que a constitui,
porque quanto mais complexa é a organização da sociedade, maior será a presença dos
elementos artificiais na paisagem, e, quanto menor a complexidade maior é a presença de
elementos naturais no meio.
De acordo com Santos a paisagem não se cria de uma só vez, mas sim através de
acréscimos e substituições. “Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de
objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos”
(1997, p.66). Sendo assim, a paisagem é objeto de constante mudança. À medida que a
sociedade passa por mudanças, seja na economia, na política, nas relações sociais, entre
outras, a paisagem também muda.
Nesse sentido, Carlos (1994, p. 49) defende a ideia que “a paisagem é uma forma
histórica específica que se explica através da sociedade que a produz, um produto da
história das relações materiais dos homens que a cada momento adquire uma nova
dimensão.” Ainda de acordo com Carlos, dependendo da hora do dia, ou do dia da
semana, a observação de uma determinada paisagem vai mostrar um determinado
momento do cotidiano da vida das pessoas que moram, trabalham e se locomovem num
determinado lugar.
Uma paisagem está sempre sujeita a receber atribuições carregadas de valores,
pois está ligada diretamente à vida do ser humano. Assim podemos dizer que, o ser
humano é o seu agente construtor e transformador. Uma mesma paisagem pode ser
observada e interpretada de forma diferenciada, afinal cada um pode ter sua maneira de
observá-la, atribuindo a ela, novos significados.
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Paisagem Cultural
A ação do homem na paisagem é marcante e transformadora. Através da
observação de uma paisagem é possível conhecer seu processo histórico e sua dimensão
cultural. De acordo com Sauer (apud Ribeiro, R., 2007, p. 22), “a paisagem cultural
expressa o trabalho do homem sobre o espaço e, dessa forma, ela não é estática, está
sujeita a mudar, tanto pelo desenvolvimento da cultura, como pela substituição desta.”
Wagner e Mikesell (2007, p.36), sobre o processo de mudança da paisagem
cultural afirmam:
Poucas paisagens culturais atuais são inteiramente produtos do trabalho de
comunidades contemporâneas. A evolução de uma paisagem é um processo
gradual e cumulativo – tem uma história. Os estágios nessa história têm
significados para paisagem atual, assim como para as do passado. Além disso, as
paisagens culturais atuais do mundo refletem não apenas evoluções locais, mas
também grande número de influências devido a migrações, difusão, comércio e
trocas. Subjacente à maioria das áreas culturais de hoje está uma longa sucessão
de diferentes culturas e desenvolvimentos culturais.
Uma paisagem traz a marca da atividade produtiva dos homens, que a modificam e
adaptam-na de acordo com suas necessidades. Ela é marcada pelas técnicas materiais que
a sociedade domina, e contribui desta maneira, para a compreensão das culturas.
As paisagens constituem um importante objeto de estudo, no entanto, sua
interpretação é complexa, na medida em que revela informações dos homens que a
modelam e que as habitam atualmente e daqueles que lhes precederam; revelam as
necessidades do presente e aquelas de um passado muitas vezes difícil de datar.
A paisagem cultural é modelada a partir de uma paisagem natural por um grupo
cultural. Assim, a paisagem natural tem grande importância por fornecer os materiais com
os quais a paisagem cultural é formada. Nesse sentido, Sauer (apud Ribeiro, J., 2006,
p.16), ressalta:
A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural o resultado.
Sob a influência de uma determinada cultura, ela própria muda através do
tempo. A paisagem apresenta um desenvolvimento, passando por fases e
provavelmente atingindo no final o término do seu ciclo de desenvolvimento.
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Com a introdução de uma cultura diferente, isto é, estranha, estabelece-se um
rejuvenescimento da paisagem cultural ou uma nova paisagem se sobrepõe
sobre o que sobrou da antiga.
Assim, a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, que é o objeto de estudo da
pesquisa, é cultural, pois reflete a cultura do povo, conta a história das pessoas que vivem
e viveram, trabalham e trabalharam, contribuem e contribuíram para a construção dela.
Por isso, é uma paisagem carregada de símbolos e significados para as pessoas que
participaram e participam da sua construção.
Percebe-se que a Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, tem, além do seu valor histórico, o
valor cultural. Esses valores se encontram em sua paisagem que é constituída não só pelos
seus monumentos, mas também pelas ruas que a cercam, as casas construídas paredemeia, as pessoas que residem e as que trabalham neste espaço, bem como, toda a
dinâmica existente ali cotidianamente. Faz-se necessário ressaltar também a bela
paisagem natural desta Praça, que é composta por uma vegetação diversificada, inclusive
oitizeiros centenários.
De acordo com o que foi explanado anteriormente, uma paisagem pode nos
revelar marcas de tempos diferenciados, pois é formada por acréscimos e substituições de
diferentes agentes culturais. A paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado é formada por
elementos que tem grande importância para a história da cidade e do Estado de Goiás.
Praça Dr. Brasil Ramos Caiado – Representações Diferenciadas
A Cidade de Goiás no ano de 2001 recebeu o título de Patrimônio Histórico da
Humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (UNESCO). Isso aconteceu devido à preservação do traçado do núcleo urbano
original e de seu harmonioso conjunto arquitetônico. Além disso, a arquitetura da Cidade
de Goiás apresenta particularidades regionais e uma fisionomia cultural específica, que
merecem destaque e preservação.
Esse Patrimônio Histórico de Goiás, hoje é da Humanidade, mas é em primeiro
lugar das pessoas que moram na Cidade, que vivem e relacionam-se cotidianamente com
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esse espaço e tem sentimentos por ele. Segundo Fonseca (apud Moraes, 2002) um
Patrimônio Histórico não vale por si mesmo, o valor dele é atribuído pelos sujeitos que o
construíram e constroem.
Desta forma, pode se afirmar que o valor de uma paisagem que constitui um
Patrimônio Histórico, como é o caso da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, que está inserida
no centro histórico da cidade de Goiás, é atribuído pelas pessoas e varia de acordo com
preferências e de acordo com a perspectiva de cada observador.
Por isso, justifica-se um estudo para apreender as representações que os
moradores, frequentadores e turistas que visitam os monumentos têm da Praça, pois os
mesmos participam do cotidiano dela, trabalhando, estudando, morando e divertindo-se.
É fundamental conhecer a sensibilidade desses segmentos, com esse intuito foram
aplicados questionários, pois a leitura das representações dessas pessoas pode indicar
alternativas de Educação Patrimonial nas aulas de Geografia para alunos de Ensino
Fundamental.
A particularidade e a beleza do Patrimônio Histórico e Cultural da Cidade de Goiás
fazem com que os turistas visitem constantemente a cidade, movimentando o comércio
local e visitando os museus e monumentos de Goiás. Na Praça Dr. Brasil Ramos existem
alguns monumentos históricos e por isso, os turistas frequentam essa Praça. Desse modo,
é importante compreender a leitura que eles fazem da paisagem desse local.
Foi perguntado aos turistas sobre a importância de se preservar os elementos que
constituem a paisagem da Praça. Diante das respostas, fica claro que ela deve ser
preservada em respeito à história, tanto daqueles que contribuíram para sua construção,
como da história da cidade como um todo, na medida em que preservando os elementos
paisagísticos da Praça, também estará sendo preservada parte da história da cidade de
Goiás. Além disso, cada elemento tem sua importância e história.
A paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, sobretudo os seus arvoredos
seculares, retratam o caráter histórico da própria cidade de Goiás, portanto, a
preservação desses elementos paisagísticos contribui para a preservação da
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cidade como um todo, eis que denota um ambiente mais primitivo e natural.
(Walter de Paiva Araújo, advogado, 2010)
A principal importância de se preservar a Praça em apreço situa-se no esforço
contínuo dos moradores e visitantes de resgatar fatos que marcaram a história,
legados estes, que além de reforçar as marcas do tempo, atraem o turismo na
região. (Cristiane Dias de Oliveira, Escrivã Judiciária, 2010).
Foi pedido aos entrevistados que apresentassem sugestões para que essa Praça
fosse preservada. Algumas das sugestões foram:
- Conscientizar toda a população sobre a importância dessa Praça na cidade;
- Investimento público na manutenção dos elementos da Praça;
- Implantação de lixeiras seletivas;
- Restauração periódica de seus elementos;
- Trabalhar a Educação Patrimonial com os cidadãos;
- Conscientização das crianças nas escolas, para que elas saibam a importância desses
monumentos para a história da cidade;
- Propor aulas onde o aluno pudesse visitar os monumentos que compõem a paisagem da
Praça e conhecer sua história.
A Praça também é frequentada diariamente, por estudantes, trabalhadores,
crianças e jovens de vários lugares da cidade. Essas pessoas têm sentimentos por essa
Praça, que também são importantes de serem analisados.
Aos frequentadores foi perguntado sobre a importância de se preservar os
elementos que constituem a paisagem dessa Praça. Entre as respostas podemos citar:
É importante a preservação, pois além do fato histórico, que nos remete todos
os dias à nossa formação, tem o fator ambiental que também está em destaque
nessa praça. (André Café Carvalho, funcionário público federal, 2010).
É importante porque ao preservar os elementos constituintes dessa praça,
preserva-se também a história desse lugar e também de nossa cidade. Preservase principalmente, características arquitetônicas dos monumentos que estão
inseridos nessa paisagem. (Jane Dias de Oliveira, auxiliar de coordenação, 2010).
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Também foi questionado se a pessoa considerava importante preservar as
características da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado e de que forma ela acha que isso pode ser
feito. Todos os entrevistados responderam que as características da Praça devem ser
mantidas.
Sim, isso pode ser feito conscientizando os moradores da cidade do valor
histórico dessa praça, da importância que ela tem pra gente entender a história
de Goiás. Porque aí as pessoas vão gostar dela e querer preservar. (Fernanda
Oliveira Ribeiro, estudante, 2010).
Penso que cada pessoa que frequenta a praça ou que é morador ou turista que
passa por essa paisagem precisa preservá-la, respeitando cada monumento,
cada detalhe, sua história e seu cotidiano. A partir do momento que se preserva
essa paisagem, preserva-se também sua história. (Jane Dias de Oliveira, auxiliar
de coordenação, 2010).
Os moradores da Praça possuem forte sentimento de pertencimento a esse lugar.
Eles desempenham um importante papel na sua preservação. Isso acontece, porque
existem laços afetivos dos moradores com suas residências o que contribui para a
preservação das mesmas. Além disso, os moradores reconhecem a importância dos
monumentos e defendem sua proteção. Por isso, também se torna relevante perceber a
leitura que eles fazem da paisagem dessa Praça e de que forma eles contribuem para sua
conservação.
Inicialmente, foi perguntado se eles gostavam de morar nessa Praça. Houve
unanimidade nas respostas, que foram sim. Entre as justificativas pode se ressaltar fatores
em comum, como por exemplo, a boa vizinhança que se tem na Praça. Isso mostra que
existe afetividade entre os moradores desse lugar.
É um lugar tranquilo, de boa vizinhança. (Elizete Matos Ribeiro, professora,
2010).
Melhor lugar da cidade para se viver. Amplo, seguro, bonito, boa vizinhança,
histórico, silencioso, [...] (Abner Curado, comerciante, 2010).
É um lugar tranquilo, arejado, sem poluição sonora. (Sebastião Curado,
professor, 2010).
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Foi interrogado aos moradores sobre o que a Praça representa para eles. Entre as
respostas pode ser ressaltado que os entrevistados mantêm muitas lembranças desse
lugar:
Como falei, ela faz parte da história da minha vida. Se eu contar a minha
história, não tem como não falar dessa praça. (Antônio Carlos, professor, 2010).
Para mim, ele representa uma parte da minha infância, trazendo-me fartas e
vivas recordações e saudades desse período. (Rafael Bueno de Passos, estudante
universitário, 2010).
Também foi discutido sobre qual a importância de se preservar os elementos que
constituem a paisagem dessa Praça e de que forma eles colaboram para que isso seja
feito.
A importância da aludida preservação refere-se à boa qualidade de vida dos seus
moradores, bem ainda, concerne à manutenção deste lugar para as futuras
gerações vilaboenses e para todos os visitantes da nossa cidade. Quanto a essa
preservação, eu colaboro não jogando lixo na praça, nem permitindo que
ninguém jogue, e informo sobre a praça e seus monumentos históricos para que
os turistas os visitem. (Rafael Bueno de Passos, estudante universitário, 2010).
Quando falamos em patrimônio cultural devemos lembrar que o patrimônio
imaterial exerce um papel muito forte na preservação do patrimônio edificado.
Alterar a praça, fazer intervenções, com certeza afetará a relação dos moradores
com seu bem material. Colaboro de forma ativa, tanto na preservação quanto na
manutenção do conjunto. (Sebastião Curado, professor, 2010).
Na última pergunta, foi questionado se as pessoas acreditam que é preciso haver
consciência dos moradores sobre a importância dessa Praça, para que ela seja preservada,
e todos responderam que sim, que a partir do momento que algo é conhecido é que ele
pode ser preservado.
A análise das entrevistas revela que a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado,
além do seu valor histórico, tem também valor cultural e afetivo. Há uma preocupação em
preservá-la, porque se trata de um espaço de referência e de importância para estas
pessoas.
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Desta forma, serão feitas algumas considerações sobre a paisagem no ensino de
Geografia, sobre Educação Patrimonial, bem como, serão propostas sugestões de como
incluir a paisagem desta Praça nas aulas de Geografia.
A Paisagem no ensino de Geografia
A Geografia utiliza algumas categorias de análise, para desenvolver a leitura da
espacialidade. Essas categorias de análise dão identidade à Geografia e foram sendo
construídas ao longo da sua história. As categorias: lugar, paisagem, território, região,
espaço, natureza, sociedade, são importantes para a análise geográfica.
De acordo com Puntel (2007), percebe-se no ensino da Geografia Escolar a quase
ausência, das categorias e das reflexões espaciais. Muitas vezes, falta relação entre os
temas abordados e as categorias geográficas. Portanto, faz-se necessário articular os
assuntos trabalhados na Geografia Escolar com esses conceitos básicos para, com isso,
relacioná-los com a vida do aluno.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Geografia do Ensino Fundamental
estabelecem que a categoria paisagem:
Tem um caráter específico para a Geografia, distinto daquele utilizado pelo
senso comum ou por outros campos do conhecimento. É definida como sendo
uma unidade visível, que possui uma identidade visual, caracterizada por fatores
de ordem social, cultural e natural, contendo espaços e tempos distintos; o
passado e o presente. A paisagem é o velho no novo e o novo no velho. (1998, p.
28)
Os PCNs (1998), também indicam que a Geografia estuda as relações entre o
processo histórico de formação das sociedades humanas e o funcionamento da natureza,
através da leitura do espaço geográfico e da paisagem. A abordagem dos conteúdos da
Geografia insere-se na perspectiva da leitura da paisagem, o que permite aos alunos
conhecerem os processos de construção do espaço geográfico.
A paisagem é considerada um instrumento importante de leitura e de
aprendizagem no ensino da Geografia porque através do seu estudo é possível
compreender, em parte, a complexidade do espaço geográfico em um determinado
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momento. A análise da paisagem deve focar as dinâmicas de suas transformações e não a
descrição e o estudo de um mundo estático.
Para tanto, é preciso observar, buscar explicações para aquilo que numa
determinada paisagem, permaneceu ou foi transformado, isto é, os elementos do passado
e do presente que nela convivem.
Para que o educando veja sentido no estudo da paisagem, é importante trabalhá-la
como algo presente na vida de cada um, algo dinâmico, que está em constante
modificação pelas pessoas que ocupam determinado espaço e interagem constantemente
com ele, e cada um, direta ou indiretamente, ajuda a construir a paisagem que ocupa.
Entende-se que, a partir do estudo da paisagem, é possível vivenciar um primeiro plano de
identificação do lugar, criar elos afetivos e sentir-se parte integrante daquele espaço.
Por isso, para o ensino na cidade de Goiás é importante desenvolver a Educação
Patrimonial nas escolas, para despertar nos estudantes o sentimento de valorização da
paisagem que constitui o Patrimônio Histórico e Cultural existente na cidade.
Educação Patrimonial
A cidade de Goiás tem nos diferentes lugares do seu espaço urbano, testemunhos
materiais e imateriais que lhe conferem singularidade e permitem a compreensão de sua
história e dos modos de vida que a construíram em espaços e tempos diversos. A
existência desses testemunhos dá a cidade relevância cultural e histórica em relação às
outras cidades goianas. (MORAES, 2002).
Diante do exposto é notório que a cidade de Goiás tem elementos que justificam
trabalhar a Educação Patrimonial com os estudantes da cidade, por isso, cabe à escola
desenvolver a consciência patrimonial nas crianças e adolescentes.
Nosso país, inclusive a cidade de Goiás, possui um rico patrimônio histórico e
cultural que deve ser preservado. Para que aconteça a preservação é necessário que haja
inicialmente a valorização desse patrimônio e a valorização depende do conhecimento
que é adquirido através de ações que envolvem a comunidade e principalmente a escola.
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Pontes (2007, p. 72) salienta:
Conhecer com mais propriedade nossa herança cultural é a forma mais viável
para trilhar o caminho da preservação, saber que esse patrimônio é parte de sua
história e entender o significado que isso tem para si próprio é de uma grande
relevância para sua afetividade para com o patrimônio cultural.
Vasques e Valio (1994) na cartilha “Para Preservar” lembram que o Patrimônio
Cultural de uma sociedade, de um país, diz respeito à sua cultura. Trata-se de um conjunto
de objetos ou bens de valor, com significado e importância para um grupo de pessoas. Ele
é um produto coletivo, formado pelo conjunto das realizações de uma sociedade e que
vem sendo construído ao longo de sua história. Pertence desta forma, a todos os
cidadãos.
Lamentavelmente, nem todos possuem plena consciência da importância do seu
patrimônio cultural, levando à destruição e à perda de uma grande quantidade de bens de
incalculável valor, por serem testemunhos insubstituíveis da memória de um povo.
Desta forma, a Educação Patrimonial tem grande importância, na medida em que
capacita as pessoas a exercerem a prática da cidadania, se sentindo mais preparadas para
usufruir o que o nosso país tem enquanto Patrimônio Cultural. (PONTES, 2007).
Segundo Horta (apud Queiroz, 2010), a Educação Patrimonial é interpretada como
um processo permanente de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como
fonte primária de conhecimento. Isto significa tomar os objetos e expressões do
Patrimônio Cultural como ponto de partida para a atividade pedagógica, observando-os,
questionando-os e explorando todos os seus aspectos, que podem ser traduzidos em
conceitos e conhecimentos.
A Educação Patrimonial torna-se, assim, um processo constante de
ensino/aprendizagem que tem por objetivo central e foco de ações, o Patrimônio. Através
de ações voltadas à preservação e compreensão do Patrimônio Cultural, a Educação
Patrimonial torna-se um veículo de aproximação, integração e aprendizagem, objetivando
que as pessoas (re)conheçam e (re)valorizem a herança cultural que a elas pertence,
proporcionando a elas uma postura mais atuante na (re)construção de sua identidade.
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É através da Educação Patrimonial:
Que o ser humano passa a valorizar o seu meio e as riquezas que fazem parte de
sua vida e da sociedade, sentindo-se parte desse patrimônio pelo amor que lhe
foi despertado através da pesquisa, do contato direto, de troca de saberes e das
informações recebidas de um modo em geral, proporcionando o conhecimento
e gerando o espírito de preservação. (PONTES, 2007, p. 68)
Segundo Horta (2003), a metodologia da Educação Patrimonial pode ser aplicada a
qualquer manifestação da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento
ou um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, uma paisagem cultural, um
centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, tecnologias e saberes
populares, e qualquer outra expressão resultante da relação entre os indivíduos e seu
meio ambiente. Outro aspecto de fundamental importância no trabalho da Educação
Patrimonial é que ele pode ser aplicado em várias disciplinas.
É importante ressaltar que para haver uma boa relação entre o indivíduo e a
metodologia aplicada nesse processo educacional, é necessário que o educador tenha a
compreensão sobre patrimônio. Para isso, ele precisa estudar e conhecer o tema a ser
trabalhado, de forma que possa embasar os alunos rumo a novos caminhos do saber e do
conhecimento.
Horta (2003), também aponta que é preciso que o educador defina seus objetivos
educacionais e os resultados pretendidos, além de decidir que habilidades, conceitos e
conhecimentos querem que os educandos adquiram. Também é importante verificar que
outras disciplinas poderiam estar envolvidas na exploração do tema, para realizarem
estudos interdisciplinares.
A Educação Patrimonial pode ser desenvolvida através de aulas expositivas,
iniciando com uma abordagem sobre o tema, para que o aluno tenha uma noção do que
será trabalhado.
O educador poderá prosseguir o trabalho educacional despertando a curiosidade e
o interesse sobre o Patrimônio que o cerca através da aproximação, do contato direto
com o objeto. Pontes (2007, p.71) afirma que “Para valorização do patrimônio é
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necessário que desenvolva um trabalho de aproximação entre o patrimônio e a pessoa,
possibilitando o acesso ao conhecimento a respeito do que está sendo investigado”.
Para isso, o trabalho de campo poderá contribuir muito para o aprofundamento do
tema a ser trabalhado, pois a observação direta do objeto de estudo pode ajudar na
compreensão sobre a sua utilidade e o seu real valor. Através do trabalho de campo e da
pesquisa, o processo de ensino e aprendizagem será enriquecido, pois serão extrapoladas
as barreiras da escola e se buscará novas descobertas.
A Educação Patrimonial seria importante para a cidade de Goiás, pois poderia
ajudar no reconhecimento e valorização da singularidade da paisagem da cidade de Goiás
enquanto cidade tombada e protegida pela União; poderia promover um contato dos
alunos com conceitos como: patrimônio, tombamento e preservação; poderia desenvolver
uma atitude consciente de responsabilidade quanto à preservação desse patrimônio
histórico-cultural; identificar a cidade enquanto cenário de fatos históricos de grande
relevância; compreender que a história pessoal de cada um está relacionada ao passado
da cidade, de tal forma que a salvaguarda do patrimônio local associa-se à preservação e
valorização da identidade de cada um.
Desta forma, trabalhando a Educação Patrimonial nas escolas da cidade de Goiás,
despertará nos alunos a consciência e o entendimento destes com seu patrimônio, no
sentido de conhecer a história e a cultura, para despertar o desejo de preservar o
patrimônio de sua cidade.
Praça Dr. Brasil Ramos Caiado: paisagem como fonte de estudos para as aulas de
Geografia
A Geografia sendo uma ciência social, ao ser estudada precisa considerar o aluno e
a sociedade em que vive. Deve ser uma disciplina interessante, que tenha a ver com a vida
e não só fornecer dados e informações que pareçam distantes da realidade do aluno.
A partir do entendimento do mundo em que vive, que é uma parte de um todo
maior e que representa características desse todo, o educando pode ver mais sentido no
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estudo do espaço geográfico, interessando-se pelo assunto por sentir que ele é um agente
participante, um sujeito vivo.
A categoria paisagem pode contribuir nessa compreensão do espaço geográfico,
pois sua leitura se bem conduzida levará à aprendizagem da complexidade da relação da
sociedade com a natureza.
Existem alguns aspectos a serem considerados segundo Cavalcanti (1998), para a
construção do conceito de paisagem no ensino de Geografia. Um deles é considerar esse
conceito como primeira aproximação do lugar, afinal ela é a chave inicial para apreender
as diversas determinações desse lugar. Outro aspecto seria considerar a dimensão estética
da paisagem, porque muitos alunos e até mesmo os professores, fazem forte relação
entre paisagem e beleza. Portanto, este poderia ser um caminho inicial para construção
no ensino do conceito de paisagem pelos alunos.
As orientações atuais para o ensino de Geografia têm dado ênfase para a
necessidade de trabalhar com os conhecimentos prévios dos alunos (CAVALCANTI, 2002).
Nesse sentido, poderiam ser feitas com os alunos algumas reflexões que auxiliariam na
aprendizagem. Essas reflexões poderiam levar os mesmos a pensarem, por exemplo,
porque é tão forte a referência que muitas pessoas fazem de paisagem e beleza; se
paisagem tem a ver com aparência; e ainda, quais seriam as diferenças entre uma
paisagem ideal e uma real; quem constrói a paisagem e para quem ela é construída;
porque as paisagens mudam com o tempo, entre outras.
Cavalcanti (1998, p. 100), salienta que “Parece que esse conceito fica associado a
algo distante de seus lugares, de suas vidas, de suas realidades, pertencendo mais a um
mundo de sonhos”. Percebe-se, desta forma, que não encontrar paisagem no lugar onde
vivem, pode influenciar na atitude em relação a esse lugar, tendendo a desvalorizá-lo, já
que associam paisagem à beleza e não percebem beleza no seu espaço vivido. Segundo
Cavalcanti (1998) isso mostra que a paisagem é transmitida como conteúdo de ensino,
não como algo vivo e construído pelo homem, mas como um conceito, não importando
sua correspondência com o real.
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Nesse sentido, caberia ao ensino, trazer a paisagem para o universo do aluno, para
o lugar vivido por ele, trazendo a paisagem conceitualmente como instrumento que o
ajude a compreender o mundo que vive.
É importante considerar o ensino como um processo de construção de
conhecimentos onde o aluno seja um sujeito ativo. Portanto, é preciso dar ênfase para
atividades de ensino que permitam a construção de conhecimentos a partir da interação
do aluno com os objetos de conhecimento, potencializando oportunidades de um
trabalho que possibilite um envolvimento real dos alunos com as atividades de ensino.
A construção do conhecimento geográfico pelo aluno ocorre na escola, mas
também fora dela. Para trabalhar a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, o
professor deverá realizar o procedimento de leitura da paisagem. Para que seja feita a
leitura da paisagem dessa Praça, podem ser utilizadas observações indiretas e diretas. Nas
observações indiretas podem ser utilizadas representações da sua paisagem, através da
observação de fotografias antigas e recentes, para que os alunos possam perceber as
transformações que essa paisagem já sofreu, observando o que mudou e porque mudou
com o passar do tempo.
Também podem ser utilizados prospectos antigos da cidade de Goiás que mostram
como era ocupado o espaço urbano da cidade antigamente, para que os alunos possam
estabelecer comparações de como a Praça foi sendo povoada com o passar dos anos e de
que forma esse povoamento influenciou na mudança de sua paisagem.
Na observação direta, o professor poderá propor uma aula de campo na Praça Dr.
Brasil Ramos Caiado, para observar sua paisagem e analisá-la. O aluno deverá perceber a
paisagem de uma forma dinâmica, como algo que está em constante modificação, numa
perspectiva histórica, em que num mesmo espaço se encontram marcas e testemunhos
que registram diferentes tempos. Seria interessante que o trajeto da escola até o local
fosse feito a pé pelas ruas que fazem parte do Centro Histórico, para que os alunos
percebessem as diferentes paisagens urbanas presentes em uma mesma cidade. Além
disso, poderiam identificar os elementos constituidores dessa parte da cidade, as
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edificações, os aspectos arquitetônicos e urbanísticos, os diferentes espaços do cotidiano,
entre outros.
Ao chegar à Praça o professor pode pedir aos alunos que observem e registrem de
forma escrita e através de registros fotográficos o que mais chamou atenção na paisagem
dessa Praça, percebendo quais as características das casas, prédios e monumentos que
compõem essa paisagem; como são as ruas que dão acesso a essa Praça; quais são os
monumentos históricos que estão inseridos nessa paisagem, entre outros.
Também seria importante que os alunos visitassem os monumentos históricos os
quais fazem parte dessa Praça e constituem sua paisagem cultural, para assim, os alunos
conhecerem a história desses monumentos e reconhecerem a sua importância histórica,
lembrando que é a partir do momento que se conhece algo, que pode ser despertado o
sentimento de valorização e consequentemente o de preservação. Seria interessante o
contato direto dos alunos com os bens patrimoniais locais dentro de um processo criativo
de reconhecimento e reinterpretação desses bens. As informações sobre os imóveis, os
acervos, bem como o significado desse patrimônio seriam de grande relevância nesse
processo.
Em seguida, o professor pode propor aos alunos que produzam textos falando
sobre o que foi observado, suas descobertas, não só no que diz respeito à paisagem da
Praça, mas daquilo que foi constatado ao longo do trajeto, e dar sugestões de como
preservar a Praça Dr. Brasil Ramos Caiado. O professor também pode solicitar aos alunos
que elaborem painéis através de desenhos e fotos que foram obtidas no trabalho de
campo. Esses painéis irão ajudar a despertar a criatividade dos alunos e tornar a aula mais
dinâmica. Além disso, poderá ser organizada uma exposição dos trabalhos desenvolvidos
pelos alunos para mostrar para alunos de outras séries o quanto é rica a paisagem da
Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, que constitui parte do patrimônio histórico e cultural da
cidade de Goiás.
Demo (2002, p. 6,7) destaca:
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A base da educação escolar é a pesquisa [...] Tendo se tornado cada vez mais
evidente a proximidade entre conhecer e intervir, porque conhecer é a forma
mais competente de intervir, a pesquisa incorpora necessariamente a prática ao
lado da teoria, assumindo marca política do inicio até o fim. A marca política não
aparece apenas na presença inevitável da ideologia, mas, sobretudo, no
processo de formação do sujeito crítico e criativo, que encontra no
conhecimento a arma mais potente de inovação, para fazer e se fazer
oportunidade histórica através dele. Nesse sentido, a cidadania que se elabora
na escola não é por sua vez, qualquer uma. Pois é especificamente aquela que
sabe fundar-se em conhecimento, primeiro para educar o conhecimento, e
segundo, para estabelecer com competência inequívoca uma sociedade ética,
mais equitativa e solidária.
Levando em consideração a importância que a pesquisa tem para o ensino, o
professor pode pedir aos alunos que realizem pesquisas em diferentes fontes, como por
exemplo, prospecto de como a cidade era antigamente; obras literárias que mencionem
algo sobre o tema de estudo; entrevistas com moradores e frequentadores da Praça Dr.
Brasil Ramos Caiado, para que através de relatos os estudantes possam obter dados
importantes que não estão registrados de forma escrita, mas apenas na memória de
quem os tem, como por exemplo, como era o cotidiano dessa praça em épocas passadas;
reportagens em jornais recentes e antigos, que tragam alguma informação sobre a Praça,
entre outros.
Cavalcanti (2002) salienta que, entre os conteúdos procedimentais da Geografia
Escolar, que dizem respeito àqueles temas trabalhados nas aulas com o intuito de
desenvolver habilidades e capacidades para se operar com o espaço geográfico, cabe
destacar a cartografia. De acordo com ela os alunos podem construir mapas e
representações de realidades que foram estudadas, através de esquemas já adquiridos,
como nos mapas mentais. Nesse sentido, Simielli (apud Cavalcanti 2002, p. 39):
Traz uma proposta para a cartografia no ensino fundamental e médio, em que
destaca como objetivo fundamental ajudar o aluno a tornar-se um leitor crítico e
um mapeador consciente, por meio de trabalho com o produto cartográfico já
pronto, indo da alfabetização cartográfica à leitura crítica, em que se trabalha
com um conjunto de correlações e por meio de sua participação efetiva na
confecção de maquetes, croquis e elaboração de mapas mentais.
Para trabalhar a cartografia nas aulas de Geografia, abordando a paisagem da
Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, o professor poderia ainda, propor aos alunos que
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mapeassem o percurso que realizaram da escola até a Praça, além de confeccionar
maquetes representando a paisagem da Praça em algum momento da sua história.
Se o trabalho com base nessas e outras propostas for bem realizado, os alunos
poderão compreender com mais facilidade o conceito paisagem, que para alguns é tão
complexo. Isso será possível, porque será trabalhado com algo que faz parte da realidade
deles, seja enquanto moradores ou frequentadores. Será possível identificar a importância
histórica e cultural que essa Praça tem, não só para os moradores dessa cidade, mas para
todos aqueles que conheceram sua paisagem e se encantaram com ela. A partir do
momento que isso acontecer, será despertado um sentimento de pertencimento e
consequentemente de valorização.
Conclusão
A Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, também conhecida como Largo ou Praça do
Chafariz, surgiu por decreto do Governador Luiz de Mascarenhas, em 1739, com o
objetivo de ser o principal logradouro da Vila Boa, inclusive comportando o pelourinho.
Com o decorrer dos anos passou por várias modificações e também recebeu vários
nomes. Constituem a paisagem dessa Praça, vários monumentos históricos, como o
Chafariz de Cauda, o Museu das Bandeiras, o Quartel do XX, o Colégio Sant’Ana, além de
residências que advém do período colonial. É importante também destacar a bela
paisagem natural que a Praça tem, lembrada por muitos, pela existência de oitizeiros
centenários. Tudo isso, faz com que a Praça tenha valor histórico e cultural.
Um dos meios para que haja a preservação é desenvolver a consciência dos
moradores da cidade de Goiás sobre o valoroso patrimônio histórico e cultural que a
cidade tem e está representado na sua paisagem. A valorização depende
necessariamente, do conhecimento, do pertencimento das pessoas ao patrimônio que é
delas. Por esse motivo, foram feitas considerações sobre Educação Patrimonial e
apresentadas sugestões de como a paisagem dessa Praça pode ser trabalhada no ensino
de Geografia, para que os alunos de nossa cidade possam ter contato direto com tudo que
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constitui o Patrimônio e possam sentir orgulho de serem vilaboenses. A Educação
Patrimonial é de suma importância para que os Vilaboenses (re)conheçam, participem e
preservem o patrimônio local que é de todos.
Portanto, longe de qualquer análise conclusiva, esta pesquisa é apenas um ponto
de partida para trabalhar a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado e a mesma abre
possibilidades para o desenvolvimento de outros trabalhos que ajudarão a despertar nos
moradores o sentimento de valorização do Patrimônio da cidade de Goiás.
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Avaliação do Ensino-aprendizagem por Meio do Material Concreto Geoplano: um estudo de caso
com alunos do 6º do Ensino Fundamental
Adriana Itala Magri42
Resumo: O ensino-aprendizagem de geometria é um assunto que está sendo tratado há
anos, pois envolve conceitos dos quais os alunos têm muitas dificuldades. Na tentativa de
tornar o ensino-aprendizagem de geometria uma tarefa mais simples, tanto para os
alunos como para os professores, diversas atividades com materiais concretos têm sido
propostas. Dentre esses materiais concretos, existem vários estudos que propõem
atividades ou avaliam a aprendizagem a partir do geoplano. A posposta deste estudo foi
verificar se os alunos de 6º ano, de uma escola pública de uma cidade do interior de São
Paulo, saberiam calcular o perímetro e área de figuras planas por meio do Geoplano. Os
resultados indicaram que os alunos não conseguiriam relacionar as figuras observadas no
material concreto com a forma de se calcular seu perímetro e área.
Palavras-chave: Ensino-aprendizagem de geometria. Material concreto. Geoplano.
Perímetro e área de figuras planas.
Introdução:
Nas últimas décadas, o ensino da geometria no ensino fundamental tem sido
deixado de lado, seja pelas dificuldades que os alunos encontram para entender seus
conceitos e abstrair as figuras, seja por não entenderem os conceitos e as propriedades
que compõe o conteúdo de geometria. Segundo Grando, Nacarato e Gonçalves. (2008), é
urgente a necessidade de discutir as atuais tendências didáticas e pedagógicas para o
ensino de geometria, de tal forma, que este ensino seja mais eficaz. Ainda segundo os
autores, apesar da existência de muitas pesquisas e discussões teóricas sobre este tema,
os conteúdos associados à geometria ainda são deficientes ou mesmo ausentes na
maioria das salas de aula.
42
Adriana Itala Magri é graduanda do terceiro ano do Curso de Matemática da Faculdade de Administração
e Artes de Limeira - FAAL, da cidade de Limeira
Professora indicadora do artigo Maria Célia de Oliveira Papa, curso de Licenciatura em Matemática da
Faculdade de Administração e Artes de Limeira – FAAL, da cidade de Limeira.
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Os primeiros estudos sobre Geometria Plana foram verificados na Grécia Antiga e
datados de 360 a.C. a 295 a.C. Nesta época, esses estudos eram também denominados de
Geometria Euclidiana em homenagem a Euclides de Alexandria, que foi um grande
matemático educado na cidade de Atenas e frequentador da escola fundamentada nos
princípios de Platão (NOÉ, 2010).
De acordo com Lorenzatto (1995) e Lamonato e Passos (2007), verifica-se, em
muitos casos, que a geometria é ensinada como um tópico específico da matemática,
desta forma, não permite estabelecer relações com os demais conteúdos. Essa forma de
ensino prejudica o desenvolvimento do raciocínio dos alunos.
Segundo Grando et al. (2008), o ensino da geometria até a década de 60 estava
pautado no Formalismo, porém, quando o Movimento da Matemática Moderna se
acentuou, a geometria tornou-se um conteúdo com menos destaque, ficando em segundo
plano tanto no currículo escolar como nos livros didáticos.
Este fato resultou no panorama do ensino de geometria que perdura até os
tempos atuais, em que a geometria é pouco trabalhada tanto no ensino fundamental
como no ensino médio. Apesar de o ensino de geometria ocorrer, ele não supre as
necessidades dos alunos, pois ocorre de forma precária e ineficiente. Um dos problemas
do ensino de geometria pode ser atribuído ao fato de que, na maioria das vezes, as aulas
de geometria são expositivas, baseadas somente na utilização de fórmulas e teoremas.
Esse tipo de aula mecanizada, em que os alunos são instruídos a seguir um modelo para a
resolução dos exercícios, é o que impede que ele seja capaz de construir uma
aprendizagem significativa.
De acordo com Lamonato e Passos (2007) pesquisas mostram as potencialidades
decorrentes de realizar trabalhos, com tarefas exploratórias e investigativas, porém, é
importante que este tipo de trabalho seja desenvolvido de forma planejada. As atividades
devem ser bastante elaboradas, caso contrário, esta forma de se trabalhar não terá
resultados satisfatórios e o tempo despendido, tanto do professor como dos alunos, será
desperdiçado.
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Já na década de 70, Freudenthal (1973) afirmou que a geometria deve estar
essencialmente relacionada com a compreensão do espaço que o aluno tem, para que ele
possa relacionar, conquistar e explorar este espaço enquanto assimila os conceitos de
geometria. A fala desse autor é pertinente desde aquela década, pois está estritamente
relacionada com a possibilidade dos alunos conseguirem conectar a geometria com seu
dia a dia, o que facilitaria, por exemplo, a compreensão do aluno sobre figuras, sólidos e
desenhos geométricos. Neste sentido, levanta-se também a problemática de que a
geometria deve ser ensinada a partir de exemplos do cotidiano dos próprios alunos, o que
facilitaria sua compreensão.
Segundo Abrantes (1999) existe uma estreita ligação da geometria com tarefas
exploratórias investigativas que, intuitivamente, permitem aos alunos visualizarem e
manipularem materiais concretos. Isso permite, dentre outras coisas, descobertas e
resoluções de problemas, que podem ocorrer desde os primeiros níveis de escolaridade.
Para Fiorentini (2006), as aulas exploratórias investigativas, que mobilizam e
desencadeiam em sala de aula, tarefas e atividades abertas, exploratórias e não diretivas
do pensamento do aluno, apresentam múltiplas possibilidades de alternativa de
tratamento e significação. Estas aulas podem, após a exploração e problematização,
desencadear investigações matemáticas devido à elaboração de questões, conjecturas e
pela busca de confirmações ou refutações.
Quando se trabalha com um material de manipulação ou desenvolve-se uma
atividade diferenciada, dá-se ao aluno a oportunidade de agir e de refletir sobre suas
ações. Podendo reviver, em pensamento, o que acabou de desenvolver, antecipando o
que poderia vir a acontecer e procurando prever resultados (BERDINNEAU et al., 2001).
Segundo Serrazina e Matos (1988), a formação de conceitos é a essência da
aprendizagem da matemática e ela deve ser baseada na experiência. O geoplano é um
material que pode oferecer excelentes oportunidades no aprendizado da geometria e das
medidas por meio de experiências.
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Desta forma e a partir dos autores apresentados neste estudo, observa-se que a
geometria, apesar de ser um conteúdo de grande importância, tem-se a impressão de que
ela não está sendo trabalhada de forma completa e adequada com os alunos. Diversos
estudos, como por exemplo, Marques, Barbosa, Borbadilha e Tauber.(2007), Tiggemann,
Borbadilha, Marques, Cabrera e Barbosa (2006), Pires, Gomes e Koch .(2006), Grando,
Nacarato e Gonçalves (2008), entre outros, apresentam sobre a utilização de materiais
concretos no auxílio do
ensino aprendizagem de geometria e afirmam que esta
metodologia é importante e traz benefícios tanto para os alunos quanto para o professor.
A partir destes estudos e considerando o crescente número de trabalhos que propõe
utilizar materiais concretos em sala de aula, particularmente no ensino de geometria, o
objetivo deste estudo é verificar se alunos do ensino fundamental têm familiaridade com
o cálculo de perímetro e área de figuras planas mais comuns usando o material concreto
geoplano.
Desse modo, o artigo discute temas ligados à Geometria Plana, Geoplano e ensinoaprendizagem a partir de materiais concretos; descreve o desenvolvimento do estudo e
apresenta o resultado das discussões.
O Ensino-aprendizagem a Partir de Materiais Concretos e a Importância do
Geoplano.
A principal motivação deste estudo é verificar se os alunos conseguem reconhecer
e entender conceitos básicos de geometria plana, como perímetro e área, a partir de
materiais concretos. Em sala de aula, é comum observarmos, que muitos alunos
demonstram pouco ou nenhum conhecimento sobre conceitos geométricos elementares.
Em muitos casos, apesar deles conhecerem as definições e enunciados dos teoremas, eles
não conseguem aplicá-los na resolução de problemas, isso porque, o aluno não consegue
relacionar os elementos concretos do problema às questões teóricas do teorema,
impossibilitando-o de construir qualquer relação entre ambos.
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Segundo Pavanello (1989), a geometria é praticamente excluída do currículo
escolar ou passa a ser, em alguns casos restritos, desenvolvida de uma forma muito
formal, este problema se agrava quando aliado a grande dificuldade de percepção espacial
que a maioria dos alunos possui. Esse problema não é verificado somente no ensino
fundamental ou médio, mas também nos cursos superiores de matemática, no qual, os
alunos apresentam muita dificuldade em compreender os processos de demonstração ou
mesmo de utilizar qualquer tipo de representação geométrica para a visualização de
conceitos matemáticos.
A utilização de materiais diferenciados como materiais concretos, softwares, entre
outros, destina-se a auxiliar no processo de ensino-aprendizagem de geometria. O
geoplano é um material didático-pedagógico dinâmico e manipulativo, o mesmo contribui
para explorar problemas geométricos e algébricos, possibilitando a aferição de
conjecturas e podendo registrar o trabalho em papel ou reproduzi-lo em papel
quadriculado (MACHADO, 2010).
Dentre as habilidades que podem ser desenvolvidas com o uso do geoplano,
destacam-se as habilidades espaciais, relações, simetria, reflexão, rotação, perímetro,
área, translação dentre outros. Além disso, sua utilização auxilia no desenvolvimento de
representações mentais e da abstração, que facilitam o entendimento de alguns conceitos
geométricos.
Desta forma, o desenvolvimento deste estudo, deu-se a partir de duas aulas de
matemática, na qual os alunos conheceram e manipularam o Geoplano. Para garantir que
todos os alunos tivessem acesso às mesmas informações sobre o material e às mesmas
condições de utilização, as aulas foram aplicadas pelo mesmo professor, que usou o
mesmo geoplano e as mesmas atividades em todas as séries que seriam avaliadas. O
próximo Capítulo descreve a atividade aplicada, o método usado para sua aplicação e a
forma de avaliar os resultados.
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Desenvolvimento da Proposta
A atividade proposta neste estudo foi aplicada aos alunos do 6º ano do Ensino
Fundamental de uma escola estadual, situada em uma cidade no interior de São Paulo.
Esta escola conta com duas turmas deste ano, dessa forma, as atividades foram propostas
para ambas as turmas.
A atividade foi aplicada em quatro horas aula. Nas duas primeiras aulas, geoplano
foi apresentado a todos os alunos de ambas as turmas. Nessa apresentação, foram
apresentados os conceitos e aplicações do geoplano. Após a explicação, os alunos foram
agrupados em equipes de 5 ou 6 membros para explorar e entender o geoplano. Nessa
atividade, os alunos tiveram total liberdade para explorar o geoplano e construir formas
geométricas diversas, com o auxílio de pequenos elásticos, como, triângulo quadrado,
retângulo, paralelogramo, trapézio e losango, que foram construídos no geoplano.
Após a construção de todas as figuras no geoplano, os alunos desenharam as
mesmas figuras em papel quadriculado. A partir desses desenhos, os alunos calcularam o
perímetro e a área de cada figura, cujos conceitos teóricos eles estudam e aplicam desde
os anos anteriores.
Apesar da exploração do geoplano ter sido realizada em grupos, os desenhos e os
cálculos do perímetro e área foram realizados individualmente. Além disso, todo o
trabalho foi conduzido pela autora deste estudo, assim, o professor de matemática das
turmas, apenas cedeu as aulas, e observou o desenvolvimento, sem se envolver na
atividade.
Para análise dos resultados, atribuiu-se o valor máximo de 1,67 pontos para cada
figura. Assim, para o caso em que o aluno acertou o resultado e a lógica para o cálculo do
perímetro ou da área, ele teve 1,67 pontos para a respectiva figura. A nota total
corresponde à soma de todas as notas de cada figura do perímetro e área. Como
resultado, tem-se uma análise descritiva dos dados, com gráficos boxplot para análise da
mediana e variabilidade das notas dos alunos, para a área e perímetro de cada uma das
figuras, além da nota geral, que corresponde à soma da nota de todas as figuras, para
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cada aluno. Para verificar se houve diferença estatisticamente significativa entre as notas
médias dos alunos das duas turmas, aplicou-se um método não paramétrico para
comparação de médias. Também foi possível verificar se existe relação entre a
aprendizagem dos conceitos de perímetro e área, ou seja, se o aluno que sabe calcular o
perímetro também sabe calcular a área.
Resultados e Discussões
A Figura 1 permite avaliar a mediana e a dispersão das notas dos alunos para o
cálculo do perímetro, de cada uma das figuras, além da nota total, que representa a soma
das notas obtidas por cada aluno, para cada uma das figuras.
Figura 1: Boxplot para as notas do perímetro para cada figura e para a nota total.
Observa-se na Figura 1 que a nota mediana para o cálculo do perímetro do
quadrado, retângulo e paralelogramo é aproximadamente 0,8 que corresponde à nota
máxima atribuída. Já para o trapézio, triângulo e losango, a nota mediana foi zero. Deste
resultado pode-se dizer que, para as figuras, cujo perímetro é dado por quadrados na
malha do geoplano (vide Anexo A), os alunos conseguiram notas maiores, já para os
perímetros, cujo cálculo envolveu a soma de triângulos, os alunos tiveram mais
dificuldades, pois as notas foram menores. A nota mediana total dos alunos foi de
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aproximadamente 3,2 pontos num total de 10 pontos. A distribuição dos dados é
assimétrica à direita, pois os valores estão mais concentrados entre aproximadamente 1,5
pontos e 3 pontos. Outra observação importante é que a nota máxima foi de
aproximadamente 5 pontos, ou seja, metade do valor máximo atribuído para a atividade.
Como resultado geral, observa-se que a maioria dos alunos não conseguiu calcular o
perímetro das figuras, a partir do geoplano.
Figura 2: Boxplot para as notas da área para cada figura e para a nota total.
As notas observadas para o cálculo da área das figuras é similar aos resultados
observados para as notas do cálculo do perímetro das mesmas figuras. A nota mediana
para o quadrado, retângulo, triângulo e paralelogramo foi de aproximadamente 0,8
pontos de 1,67. Já para o trapézio e losango, a nota mediana foi zero. A nota mediana
geral foi de aproximadamente 3,2 pontos de 10 pontos.
Para verificar se existe diferença estatisticamente significativa entre as notas
obtidas para cada figura, usou-se o teste Kruskal-Wallis que avalia a variabilidade entre os
dados, a partir da mediana. Os resultados são observados na Tabela 1
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Tabela 1: Resultado do Teste de Kruskal-Wallis
para as notas
Variáveis
Área
Perímetro
Nota Total (área e perímetro)
P-valor
0,001969
0,001220
0,01893
Os resultados da Tabela 1 mostram que as notas dos alunos para o cálculo da área
e do perímetro são diferentes para cada uma das figuras, isso porque, o p-valor para cada
uma das variáveis é menor que o nível de significância de 0,05 do teste. O mesmo
resultado é observado para a nota total dos alunos, que não foi significativa ao nível de
5%, indicando que existe diferença significativa entre as notas observadas para os alunos.
Para finalizar, a Tabela 2 apresenta o resultado do teste de correlação entre as
notas do cálculo do perímetro e área para cada figura e para a nota total.
Tabela2: Resultado do Teste de Correlação
Variáveis
Quadrado
Retângulo
Trapézio
Triângulo
Paralelogramo
Losango
Nota Total (perímetro vs área)
Coeficiente de Correlação
0,4166
0,5120
0,3896
0,3032
0,5006
0,3157
0,5483
Para interpretar os resultados da Tabela 2, os valores dos coeficientes entre 1 e 0,7
(positivo ou negativo) indica forte correlação entre as variáveis, para valores entre 0,7 e
0,3 (positivo e negativo) indica correlação moderada e valores entre 0,3 e 0 (positivo e
negativo) indica fraca correlação. Desta forma, os resultados da Tabela 2indicam que
existe correlação moderada entre todas as notas obtidas pelos alunos para o cálculo do
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perímetro e da área, para todas as figuras avaliadas. Além disso, a nota total obtida no
cálculo da área possui correlação moderada com as notas obtidas pelos alunos no cálculo
do perímetro. Do ponto de vista prático, pode-se dizer que as notas que os alunos
obtiveram para o cálculo do perímetro estão relacionadas com as suas notas para o
cálculo da área.
Considerações Finais
Para avaliar o ensino aprendizagem dos alunos do 6º ano do ensino fundamental
de uma escola do interior de São Paulo, aplicou-se uma atividade na qual deveriam ser
calculados o perímetro e a área de algumas figuras planas convencionais, como por
exemplo, o quadrado. Os resultados indicaram que os alunos, de forma geral, obtiveram
notas baixas, indicando que os mesmos não conseguiram realizar as atividades, a partir do
material concreto geoplano.
Desse modo, observa-se que mesmo com todo discurso sobre a importância de
utilizar materiais concretos para o ensino de matemática, este estudo, deu indícios de
que, mesmo o material sendo apresentado e manipulado pelos alunos antes da realização
da atividade, eles não conseguiram bons resultados. Assim, pode-se dizer dos resultados
deste estudo que os alunos não conseguiram perceber as figuras no material concreto e
conectar os conceitos teóricos com a atividade, ou então, eles não conseguiram observar
as figuras a partir do geoplano.
Observou-se ainda que o aluno que não sabia calcular o perímetro da figura,
também não soube calcular a área. Sendo assim, este estudo deu indícios da dificuldade
que os alunos possuem diante da utilização de materiais concretos. Porém, a amostra
estudada neste trabalho não pode ser generalizada, pois representa uma pequena parcela
dos alunos de 6º ano de uma cidade, mas serve de base para uma pesquisa mais ampla,
que poderá considerar várias cidades, inclusive avaliar o ensino aprendizagem dos alunos
de escolas da periferia e central.
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Referências:
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de Aula e no Currículo, Projeto MPT e APM, p. 153 – 167, Portugal, 1999.
GRANDO, R; NACARATO, A; GONCALVES, L, Compartilhando Saberes em Geometria: investigando
e aprendendo com nossos alunos, Cadernos do CEDES UNICAMP, v. 28, p. 39-56, 2008
LAMONATO, M; PASSOS, C. Tarefas Exploratório-investigativas de Geometria na Formação
Contínua do Professor da Educação Infantil, In: VIII Encontro de Pesquisa em Educação da Região
Sudeste, Vitória, p. 01-07, 2007.
LIMA, C; NACARATO, A. A investigação da Própria Prática: mobilização e apropriação de saberes
profissionais em Matemática. Educ. rev. [online], v.25, n.2, pp. 241-265, 2009.
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Explorando
o
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http://www.bien.asbm.ufba.br/M11pdf , Acesso em: 21-10-10.
Disponível
em:
MARQUES, M; BARBOSA, R; BOBADILHA, K; et al. Segmentos e Cordas: atividades propostas para
geoplano triangular isométrico, para geoplano circular ou para redes de pontos impressas em
papel. In: IX Encontro Nacional de Educação Matemática- ENEM, Belo Horizonte, 2007.
NOÉ, M. Disponível em ,http://www.brasilescola.com/matematica/geometria-plana.htm Acessado
em 10/11/2010.
PAVANELLO, R. M. O Abandono do Ensino da Geometria: uma visão histórica, Dissertação,
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1989.
PIRES, M; GOMES, M; KOCH, N. Prática Educativa do Pensamento Matemático, 2ed. Curitiba:
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Disponível
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Acesso em 15-10-10.
TIGGEMANN, I; BOBADILHA, K; MARQUES, et al., Jogos com uso do Geoplano: uma discussão
sobre a possibilidade e conveniência de adaptações”, In: IX Encontro Gaucho de Educação
Matemática, Caxias do Sul, 2006.
Anexo
A Figura 3 apresenta um exemplo com figuras planas que foram sugeridas na
atividade deste estudo para serem construídas no geoplano e posteriormente no papel
quadriculado.
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Figura 3: Exemplos de figuras planas construídas na malha quadriculada do geoplano
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Traçando Novos Caminhos Para a Formação Docente: A União Entre a Universidade e a
Escola. Subprojeto PIBID/UNISINOS Ciências Biológicas.
João Alberto Leão Braccini43
Mariane Cenira Padilha Brizolla44
Resumo: A formação inicial de professores enfrenta grandes dificuldades atualmente, pois
há falta de conectividade entre teoria e prática. Poucos são os momentos em que os
licenciandos se inserem na realidade escolar. Buscando melhorias na formação inicial dos
professores e na formação continuada dos profissionais que exercem o magistério, foi
lançado o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Neste texto,
serão apresentadas narrativas de experiências de dois bolsistas do Subprojeto Ciências
Biológicas do PIBID UNISINOS – Universidade e Escola na Qualificação da Docência na
Educação Básica. Objetiva-se evidenciar a importância do projeto, uma vez que colabora
para a melhoria da aprendizagem dos licenciandos. Após seis meses de bolsa, conclui-se
que a vivência da realidade da escola torna mais fácil o entendimento da importância da
teoria recebida nas atividades acadêmicas cursadas na universidade. Por sua vez, a escola
também se beneficia com a presença do acadêmico, pois ele traz o conhecimento
científico, fazendo a ponte entre a escola básica e a universidade. Consequentemente,
estes saberes não ficam apenas dentro da escola, os alunos divulgam para a comunidade,
que aos poucos, também se apropria dos conhecimentos.
Palavras-chave: Formação inicial. Formação continuada. Ensino por projetos. Narrativas.
Escola básica.
Introdução
O processo de formação de professores atualmente enfrenta dificuldades, pois a
falta de conectividade entre teoria e prática é muito grande, poucos são os momentos em
que os licenciandos se inserem na realidade escolar. Segundo Perrenoud (2002), as
43
João Alberto Leão Braccini é graduando do 6º semestre do curso de Ciências Biológicas da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS da cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Bolsista de Iniciação à
Docência – PIBID/CAPES.
44
Mariane Cenira Padilha Brizolla é graduanda do 5º semestre do curso de Ciências Biológicas da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS da cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Bolsista de
Iniciação à Docência – PIBID/CAPES.
Professora Indicadora: Cristiane Fensterseifer Brodbeck, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS; Curso de Ciências Biológicas.
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atividades práticas exercidas durante a formação dos professores são inferiores à sua
formação conteudista. Não basta apenas saber o conteúdo, é necessário haver articulação
com a prática, mas vale ressaltar que a prática não deve ser apenas mecânica, e sim
reflexiva,
A ação reflexiva é um importante componente na construção do conhecimento
no processo de formação de professores, possibilita a eles verificarem as
dificuldades que enfrentam ao se inserir no mercado de trabalho, de modo a
encontrar alternativas que contribuam para minimizar os desconfortos
provenientes desta nova experiência (ARAUJO, 2010, p. 1).
As ações reflexivas são fundamentais também na formação inicial docente, pois o
licenciando que já realiza as suas práticas na escola passa a atuar como investigador das
ações que desenvolve. Na maioria dos cursos de licenciatura, os acadêmicos primeiro têm
toda a teoria sobre a docência ficando a prática, o “chão” da escola, para o final do curso.
Visando amenizar estas dificuldades, o Ministério da Educação (MEC), em parceria
com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,
desenvolveu o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, que iniciou
seu projeto nas Universidades públicas em 2009, estendendo seu trabalho às
Universidades Particulares em 2010. O PIBID tem como foco a valorização do magistério e
a melhoria da qualidade da educação, promovendo a integração da universidade com a
comunidade.
Entende-se que o PIBID, através desta articulação, busca tornar os novos docentes
mais reflexivos em suas práticas pedagógicas, se tornando profissionais realmente
preocupados com a educação. Inserir-se na realidade escolar é vivenciar todo o seu
mundo e entender tudo que está por trás dele e com isso construir aprendizagens.
“Despir-se de concepções prévias sobre o professor/a, a escola, os alunos/as é nos
desarmarmos para aprendermos aspectos da realidade que não conseguiremos ver, pois
não constituem nossos desejos” (AMORIM, 2000, p. 140).
Na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, o projeto PIBID UNISINOS –
Universidade e Escola na Qualificação da Docência na Educação Básica teve início em
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agosto de 2010. A universidade foi contemplada com 100 bolsas para alunos dos cursos
das seguintes licenciaturas: Ciências Biológicas, Física, Letras, Matemática e Pedagogia. Os
alunos bolsistas são orientados por cinco professores coordenadores da universidade,
cada um da sua respectiva área, e por vinte professores bolsistas supervisores que atuam
nas escolas públicas. Os acadêmicos realizam uma carga horária mínima de trinta horas
mensais, em quatorze escolas públicas, municipais e estaduais dos municípios de São
Leopoldo e Novo Hamburgo (município vizinho à São Leopoldo, sede da universidade).
Neste texto, serão apresentadas narrativas de experiências de dois bolsistas do
Subprojeto Ciências Biológicas do PIBID UNISINOS, em uma escola da rede municipal de
ensino, de São Leopoldo, RS. O Subprojeto Ciências Biológicas é coordenado na
universidade pela professora Cristiane Fensterseifer Brodbeck e na escola tem a
supervisão da professora bolsista Vitória Regina Casagrande Viel.
Atividades Realizadas Pelo Subprojeto Ciências Biológicas na Escola Municipal de
Ensino Fundamental Professor Emílio Meyer
Durante os seis meses de atividades do subprojeto Ciências Biológicas, foram
realizadas diferentes atividades. Primeiramente, foi proposta a realização do diagnóstico
da escola, no qual teria que ser observada toda a escola, no período de 14 de agosto a 14
de outubro de 2010. Essa construção foi feita, sendo analisado o espaço físico, o setor
administrativo da escola, setor técnico-pedagógico, o ensino de ciências, as aulas das
professoras de ciências e os alunos. Os critérios de análise foram pré-estabelecidos pela
coordenação do Subprojeto Ciências Biológicas. O diagnóstico, em um primeiro momento,
foi realizado apenas pelos bolsistas, após pela professora supervisora e, por fim, pela
coordenação do Subprojeto. A partir da conclusão do diagnóstico, com seus pontos
positivos e negativos, foi estruturado um Plano de Ação. Os planos foram diferentes para
cada escola onde ocorre o PIBID. Nelas foram construídos projetos que unem a teoria à
prática de ciências, integrados com o contexto no qual a escola está inserida e de acordo
com as suas necessidades.
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No Plano de Ação, levaram-se em consideração as atividades práticas no ensino de
ciências, a participação da comunidade e a apropriação das atividades desenvolvidas na
escola, a existência de uma sala exclusiva para experimentos de ciências, e de atividades
diferenciadas às séries finais do ensino fundamental. Uma vez que é preciso, além dos
conteúdos escolares,
Desenvolver nos estudantes as habilidades práticas e intelectuais necessárias à
compreensão das ciências biológicas; apresentar aos alunos o conhecimento
biológico através da investigação de seres vivos e do estudo do trabalho dos
cientistas (neste processo, os estudantes consideram o trabalho de investigação
e as implicações da biologia para a sociedade); desenvolver nos jovens a
capacidade para empreender estudo independente e sobretudo dar a eles os
meios para fazerem uma avaliação crítica dos dados e dos fatos, em lugar de
simplesmente os memorizar. (Nuffield 1966, p. 9-10)
Nos relatos, foram fundamentais as observações impressas em “cadernos de
campo”, sendo estas ferramentas essenciais para a construção de um trabalho sólido e de
qualidade. É sabido que as memórias escolares, para os futuros docentes, os constroem
como profissionais, uma vez que a profissão professor se aprende dentro da escola. “O
memorial da vida escolar é um registro. Registro de caderno. Registro em papel, com
lápis, caneta. Registro que desenha a escola” (AMORIM, 2000, 137).
A escolha do desenvolvimento de projetos na escola surgiu como uma forma de
contato com os alunos sem assumir a regência das turmas, pois o PIBID não é estágio, mas
sim uma Bolsa de Iniciação à Docência. Segundo Barcelos (2001), o ensino por projetos
exige uma visão diferenciada da escola e dos alunos, tendo a necessidade de se planejar,
aplicar e avaliar as atividades. Todos esses passos são separados em momentos
diferentes: primeiro, a percepção de problemáticas, sendo possível através do diagnóstico
da escola; o segundo, o planejamento dos projetos, onde é negociado com a escola: datas,
turmas envolvidas, etc.; o terceiro, a aplicação e avaliação.
Após a aplicação dos projetos, são elaborados relatórios de desenvolvimento, a
partir dos “cadernos de campo”. Os relatórios são entregues à coordenação do PIBID na
UNISINOS. A avaliação parte do pressuposto da relevância da atividade para a
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aprendizagem dos alunos. Ela é realizada por todos os que participaram da atividade,
como: bolsistas, professora supervisora e alunos da escola.
Seguem os principais projetos iniciados, as experiências e alguns resultados que
puderam ser percebidos após a implementação dos mesmos:
Mostra Multidisciplinar
A ideia deste projeto teve início em uma das primeiras reuniões com a direção da
escola, quando os bolsistas questionaram quais as atividades extracurriculares que a
escola desenvolvia. Para surpresa deles, a escola, há muito tempo, não proporcionava aos
alunos momentos em que pudessem buscar novos conhecimentos além dos
proporcionados pelos professores em sala de aula. Também não havia nenhuma atividade
que mostrasse o trabalho realizado pela escola para a comunidade escolar.
Pensando nessa problemática, foi decidido implantar uma Feira de Ciências. Os
bolsistas fizeram todo o projeto, falaram com os docentes da disciplina e todos
concordaram. Porém, com o passar do tempo, os professores não deram mais força ao
projeto e ficou claro que apenas os bolsistas não conseguiriam validá-lo. Então eles
mudaram o foco do trabalho e o ampliaram, deixando-o com uma nova estrutura. Foi
decidido que trabalhariam com a multidisciplinaridade para deixar os alunos livres para a
escolha dos temas, não focando apenas em assuntos que envolvessem ciências e para que
os bolsistas tivessem maior apoio do corpo docente.
Infelizmente, esta atividade não pôde ser efetivada. A direção da escola alegou não
haver tempo suficiente para a sua realização e havia poucos trabalhos para serem
apresentados. Acredita-se que por não “valer nota” não tenha havido interesse dos alunos
em participar da feira. Talvez, a própria desmotivação dos professores tenha contagiado
os alunos.
Neste ano de 2011, os bolsistas pretendem, efetivamente, realizar esta atividade,
pois:
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Feira de Ciências é uma forma de a escola criar oportunidades para os alunos
integrarem conteúdos de diferentes disciplinas curriculares, além de abrir espaço
para o estudo e trabalho de conteúdos extracurriculares, ocultos no currículo
(BARCELOS; JACOBUCCI e JACOBUCCI 2010, p. 231).
Desta forma, se o nome do projeto vai continuar sendo “Mostra Multidisciplinar”
ou “Feira de Ciências” não fará diferença, o que importa é que as crianças e adolescentes
tenham esta oportunidade.
Feira das Profissões
O trabalho é um fenômeno intrinsecamente dotado de grande complexidade.
Considerado como conduta humana, vem acompanhando as notáveis
mudanças da vida contemporânea e, consequentemente, vem sofrendo
profundas modificações ao longo do último século (BARRETO e AIELLOVAISBERG 2007, s/p).
No momento em que o professor está na escola, ele não analisa e aprende apenas
como dar aula, ou como se portar em frente às turmas. Começa a compreender melhor as
dificuldades das crianças e adolescentes, participa de rodas de conversas, pergunta e é
perguntado sobre vários assuntos e também é questionado sobre o porquê decidiu ser
professor, principalmente pelos alunos dos anos finais do ensino fundamental, os quais já
começaram a preocupar-se com a profissão que desenvolverão no futuro. Assim surgiu a
ideia de organizar uma Feira das Profissões, a qual se tornou um excelente projeto.
Em meados de outubro de 2010, foi iniciada a organização da feira. Os bolsistas
tentaram se colocar no lugar dos alunos e pensar em como poderiam deixar a feira mais
interessante e que fizesse mais sentido para eles. Chegou-se a uma conclusão: o segredo
para este mistério era escolher bem os palestrantes, os quais deveriam ser jovens,
moradores do mesmo bairro da escola, que tivessem estudado em escolas públicas e
trabalhado muito para alcançar seus objetivos profissionais.
Partindo dessas características, foram escolhidas seis pessoas, que, de boa vontade
e voluntariamente, abraçaram a causa e se tornaram palestrantes. Foi realizada uma
reunião na qual eles assinaram um documento assegurando o trabalho voluntário e a
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presença no dia da feira. A Feira de Profissões ocorreu no dia 16 de dezembro de 2010, no
turno da manhã.
Enquanto os palestrantes eram escolhidos, ficou decidido que se focaria o projeto
em uma única série, porque a escola possuía um auditório com capacidade para até 110
pessoas. Dessa forma, foi escolhida a 8ª série, que tinha três turmas com média de 35
alunos cada uma. Essa decisão foi tomada levando em consideração o fato de estes alunos
estarem se formando e era preciso orientá-los. Os regentes das turmas foram avisados,
uma data foi marcada e o convite enviado para todos os alunos participarem.
Os temas das palestras e os devidos ministrantes foram os seguintes: Vantagens
entre ensino médio comum e ensino médio técnico – Regina Reitter, professora convidada
da escola; Mundo gastronômico – Érico Rabelo, consultor gastronômico; Realidade digital
– Robson Machado Rosa, técnico em eletroeletrônica, bolsista de iniciação tecnológica e
estudante do curso superior em jogos digitais pela UNISINOS 1; Enfrentando dificuldades –
Cilene Lourdes de Oliveira, estudante do curso normal pelo Colégio Estadual de Ensino
Médio Professor Pedro Schneider; Meio ambiente e suas áreas – João Alberto Leão
Braccini, bolsista de iniciação científica, bolsista de iniciação à docência e estudante do
curso superior em Biologia – Licenciatura pela UNISINOS; Mercado de trabalho – Bianca
Brum de Oliveira, gestora de recursos humanos, estudante do curso de Tecnólogo em
Recursos Humanos pela FEEVALE2.
O foco das apresentações não era em si a profissão que cada um exercia, e sim o
que os levou a chegar onde estão quais os caminhos seguiram, dúvidas, escolhas, o que
deixaram pra trás, do que se arrependem de não ter feito quando tiveram oportunidades.
A intenção era mostrar a realidade da vida de pessoas da comunidade, gente como eles,
para que percebessem que é possível exercer bem qualquer função, sendo importante
gostar de trabalhar na profissão escolhida, sentir prazer em exercê-la.
1
2
Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Universidade FEEVALE.
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O evento foi um grande sucesso. Foram confeccionados certificados e uma turma
da 6ª série fez alguns brindes que foram oferecidos em nome da escola para os
palestrantes. Os alunos fizeram muitas perguntas e foi nítida a empolgação e interesse
deles. Infelizmente, o período de matrículas das escolas públicas do município de São
Leopoldo já havia encerrado, portanto, aqueles que passaram a se interessar mais pelo
ensino técnico concomitante com o médio teriam que aguardar as matrículas do ano de
2011.
De mais significativo, ficou a experiência vivenciada pelos palestrantes e pelos
bolsistas. Essa atividade será desenvolvida no ano de 2011, porém será escolhida uma
data antes das matrículas das escolas públicas.
Revitalização da Horta e Jardins
Analisando o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, descobriu-se que nas
suas dependências já teve uma horta escolar. O espaço utilizado anteriormente
permanece, mas sem os devidos cuidados.
Próximo às grades e em canteiros, no meio do pátio da escola haviam espaços
destinados à jardinagem, porém pouco cuidado com esses vegetais. Os alunos
normalmente pisoteavam e jogavam resíduos sobre eles.
Partindo desse contexto, foi elaborado pelos bolsistas o projeto: “Revitalização da
horta e jardins”, em função da importância do contato direto com a terra e da percepção
da influência de cada organismo no ecossistema.
O objetivo foi a reativação das atividades da horta escolar, que eram
desempenhadas no Projeto de Educação Ambiental: Diversidade, Identidade e
Sociabilidade1, buscando sensibilizar as crianças, adolescentes e docentes de que a vida
depende do ambiente e o ambiente depende de cada um.
Além disso, tiveram-se como metas: despertar o interesse das crianças e
adolescentes para o cultivo de horta e o conhecimento do processo de germinação; dar
1
Iniciado em 2007 pelo corpo docente da escola, mas, com o passar dos anos, não teve continuidade.
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oportunidades aos alunos de aprender a cultivar plantas utilizadas como alimentos;
conscientizar da importância de saborear um alimento saudável e nutritivo; degustar o
alimento semeado, cultivado e colhido.
O projeto também objetivou criar na escola uma área verde produtiva, em que
todos se sintam responsáveis, estimular os alunos a construírem seu próprio
conhecimento no contexto interdisciplinar; relacionar os conteúdos aos problemas
cotidianos; construir a noção de que o equilíbrio do ambiente é fundamental para a
sustentação da vida em nosso planeta.
Dialogando com o corpo docente da escola, percebeu-se que quando o projeto já
estava em via de ser aplicado, o ano letivo estava próximo do fim e não haveria tempo
suficiente para plantar, ver as hortaliças crescerem e as crianças se alimentarem delas.
Sendo assim, ficou decidido que era melhor deixar os trabalhos relativos à horta para o
ano seguinte (2011). Já se iniciaram as atividades no pátio da escola, mais precisamente,
nos canteiros centrais.
A professora do 4º ano do ensino fundamental auxiliou os bolsistas, e, com sua
turma, foi possível dar início ao projeto. Ela pediu que os alunos trouxessem de casa
plantas que considerassem bonitas e o plantio foi iniciado com esses vegetais. Enquanto
eles eram plantados, eram explicados os seus processos fisiológicos e a importância de
cuidar das plantas e regá-las para a manutenção da vida.
Considerações Finais
Estar dentro da escola proporciona experiências e, com esse conhecimento, as
disciplinas que discutem práticas e teorias pedagógicas passam a adquirir maior sentido
para quem as estuda, pois essa prática faz com que o aluno tenha em que se basear para
refletir. E por estar inserido na realidade escolar, sente-se mais seguro em realizar um
estágio em docência e se torna mais qualificado como futuro docente.
Por sua vez, a escola também se beneficia com a presença do acadêmico, pois ele
traz o conhecimento científico, fazendo a ponte entre a escola básica e a universidade.
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Consequentemente, estes saberes não ficam apenas dentro da escola, os alunos divulgam
para a comunidade, que aos poucos, também se apropria dos conhecimentos.
Apesar do pouco tempo como bolsistas, percebeu-se que os professores da escola
estavam solitários em suas práticas pedagógicas. Algumas dificuldades que foram relatas,
já estão resolvidas, pois foram compartilhadas. Essa interação se torna uma “bola de
neve”, pois não apenas os professores ganham, mas os alunos também, tanto da
educação básica quanto do ensino superior. Com propostas diferenciadas, as aulas
passam a ser mais prazerosas e com isso o ensino se torna mais fácil e agradável, o
ambiente escolar passa a ser mais acolhedor e uma série de índices ruins tende a diminuir
na comunidade, uma vez que o aluno fica mais tempo dentro das dependências escolares.
Como podemos perceber, muito pouco foi realizado na escola, mas houve um bom
aprendizado, e os projetos continuarão e outras propostas serão implementadas ao longo
de mais um ano meio de bolsa.
Como referido na Feira de Profissões, é preciso trabalhar com gosto, ter seriedade,
respeito e honestidade sempre, e levar estes valores para a vida. Há muito ainda para ver,
aprender, pensar, refletir e ouvir, ainda mais na profissão docente em que a formação é
um processo contínuo.
Agradecimentos: À mestranda Marja Braccini, pela ajuda com conhecimento e referências
bibliográficas. À professora mestre Vitória Regina Casagrande Viel, pela paciência e atenção com
que sempre se dispôs a nos ajudar. À professora mestre Cristiane Fensterseifer Brodbeck, pela
indicação da revista e por ter concedido a bolsa de Iniciação à Docência. Aos colegas bolsistas da
escola, que sempre estão ao nosso lado nos apoiando em momentos em que se precisa de um
ombro amigo, e a toda equipe diretiva pela abertura e acolhimento.
Referências:
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Ijuí, p.123-160, 2007.
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ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, Belo Horizonte, 2010, p.1-11.
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BARRETO, M; AIELLO-VAISBERG, T. Escolha Profissional e Dramática do Viver Adolescente. Psicol.
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1, Apr.
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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822007000100015&lng=e
n&nrm=iso. Acesso em 19-01-11.
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Projeto da Feira de Ciências “vida em sociedade” se Concretiza. Ciência & Educação, Bauru, v. 16,
n. 1, p. 215-233, 2010.
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Travessia das Reformas Educacionais. Dissertação, Faculdade de Educação, Universidade de São
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2010,
art.
n°
156.
Disponível
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http://www.pg.cefetpr.br/sinect/anais2010/artigos/Ens_Cien/art156.pdf. Acesso em 26-01-11.
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Subsídios metodológicos para o Ensino de Ciências - uma experiência prática
45
Renan Alves Conceição
46
Thaís Soares Monero
47
Ceci Erci Rodrigues
Resumo: Diante do desafio de trabalhar Botânica no Ensino Fundamental, o presente
trabalho, vinculado ao Programa Institucional de Bolsa Iniciação a Docência (PIBID)/CAPES,
teve como escopo a criação de um eixo metodológico fundamentado na visão sistêmica a
partir de uma aula prática centralizada na diversidade e importância da Botânica, bem
como nas suas relações com o meio ambiente e outros organismos, inclusive o homem,
utilizando uma trilha ecológica da UNISINOS como ferramenta pedagógica, deixando de
lado o paradigma mecanicista/cartesiano. Esse estudo foi desenvolvido junto com a Escola
Municipal de Ensino Fundamental Paul Harris, do município de São Leopoldo, região
metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Este artigo revelou que as aulas
práticas desempenham papel importante no desenvolvimento e na construção do
conhecimento dos alunos e, sobretudo destacou-se a necessidade de uma escolha
criteriosa da metodologia empregada nas aulas práticas de Botânica e, principalmente,
que esta escolha considere a heterogeneidade de elementos que possam ser abordados
na prática.
Palavras-chave: Botânica. Aulas práticas. Visão sistêmica. Educação Ambiental.
Ferramentas pedagógicas.
45
Renan Alves Conceição é graduando do sexto semestre do Curso de Ciências Biológicas Licenciatura, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS da cidade de São Leopoldo, RS.
46
Thaís Soares Monero é graduanda do sexto semestre do Curso de Ciências Biológicas Licenciatura, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS da cidade de São Leopoldo, RS.
47
Ceci Erci Rodrigues é graduanda quinto semestre do Curso de Ciências Biológicas Licenciatura, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS da cidade de São Leopoldo, RS.
Professora Indicadora Cristiane Fensterseifer Brodbeck, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unidade
Universitária Sede de São Leopoldo; Curso Ciências Biológicas.
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Introdução
Para muitos professores de Ciências e Biologia do Ensino Fundamental e Médio, é
um desafio despertar em seus alunos algum interesse pela Botânica, principalmente pelo
fato das plantas geralmente não serem dotadas do carisma da movimentação concebida
aos animais (MINHOTO, 2002). O principal aliado no despertar do interesse pela Botânica
são as aulas práticas, que devem fazer parte do cotidiano escolar.
As aulas práticas devem permitir ao aluno observar, vivenciar e discutir um
conjunto de experimentos, fenômenos biológicos e físico-químicos. Este momento
privilegiado no ensino deve ser aproveitado para o aprofundamento de conceitos, tendo
um caráter muito mais qualitativo e formativo (MAJEROWICZ, 2001).
Desse modo, temas tais como Botânica, por exemplo, não deveriam ser estudados
apenas sob o ponto de vista técnico, sim tendo outra dimensão. Segundo Freire (1994), o
treinamento supostamente técnico não é suficiente para compor a formação integral dos
alunos.
Geralmente as aulas práticas de Botânica não atingem a dimensão desejada, pois
são desenvolvidas pelos professores de forma que não visa buscar novos sentidos para a
abordagem dessa ferramenta, restringindo o estudo dos vegetais ao ponto de vista
técnico. Essa ideia aponta para um equívoco fundamental, visto que os temas abordados
nas discussões de estudo de Botânica não podem se pautar apenas no conhecimento
morfológico, estrutural e fisiológico de um determinado grupo vegetal. A verdadeira aula
prática de vegetais precisa instituir condições de rescindir com o paradigma
mecanicista/cartesiano. Segundo Grün (1996), esse modelo é reducionista, fragmentário,
sem vida e mecânico. Em diversas localidades do mundo demanda-se que educadores
abdiquem deste modelo.
Nesta tentativa, optou-se pela trilha interpretativa como ferramenta pedagógica.
Nas trilhas o aluno tem a oportunidade de vivenciar, interpretar e registrar todas as
interações que ocorrem na natureza sejam ecológicas, sociais ou históricas.
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Segundo Andrade (2003), de simples meio de deslocamento, as trilhas surgem
como novo meio de contato com a natureza. Além disso, consoante Saul (2002), as trilhas
são caminhos preexistentes que favorecem a observação de diferentes aspectos do
ambiente. As trilhas interpretativas guiadas levam o visitante, com estímulo do guia, a
observar e interpretar o local e os fatos relacionados à atividade proposta. Sendo assim,
as trilhas são um recurso didático que permitem o processo de ensino e aprendizagem, o
contato organizado do público com o ambiente natural, estabelecendo o vínculo
sociedade-natureza e corroborando para a Educação Ambiental.
É fundamental criar estratégias práticas de aprendizagem no estudo de Botânica a
fim de estabelecer a relação harmônica entre o ser humano e o ambiente. As trilhas,
segundo Saul (2002), valorizamas relações entre os seres vivos e o meio ambiente, bem
como a investigação dos fenômenos naturais, a necessidade de praticar a observação de
forma sistemática e organizada, e o desenvolvimento de habilidades associadas à
investigação científica, tais como: comparação, classificação, obtenção de dados,
formulação de hipóteses, detecção e resolução de problemas.
No entanto, esse universo ambiental e, sobretudo, o universo “vegetal”, muitas
vezes se reduz a conhecimentos morfológicos, fisiológicos e taxonômicos, uma vez que o
conteúdo sobre a cobertura vegetal no ensino básico é abordado de forma superficial,
sem um merecido destaque.
Em virtude disso, esse artigo está vinculado ao Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação a Docência – PIBID/CAPES, no qual somos alunos bolsistas e um dos objetivos
deste projeto é contribuir com a melhoria do Ensino de Ciências e Biologia na escola onde
atuamos.
Tendo como escopo uma metodologia fundamentada na visão sistêmica, o
presente trabalho objetiva realizar aulas práticas centralizadas na diversidade e
importância da Botânica, bem como nas suas relações com o meio ambiente e outros
organismos - inclusive o ser humano - utilizando as trilhas ecológicas como ferramenta
pedagógica. O trabalho também pretende buscar a harmonização da relação sociedade-
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natureza a partir do reconhecimento pelo ser humano do seu ambiente, auxiliar na
construção de valores e atitudes voltadas para o respeito a todas as formas de vida e a
melhoria da qualidade desta, e fornecer a conexão entre o conhecimento científico e a
vivência da comunidade.
Desenvolvimento
Esse estudo foi desenvolvido no Campus da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
– UNISINOS, em parceria com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Paul Harris,
localizada no Bairro Vila Tereza, município de São Leopoldo, região metropolitana de
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. A UNISINOS é uma instituição que se preocupa
com a gestão do meio ambiente e possui um Sistema de Gestão Ambiental – SGA, o que
lhe garante a certificação do ISO 14001. Abriga alguns sistemas lacustres e uma vasta área
verde que é extremamente relevante para determinadas espécies e para o ciclo da vida.
Por essa característica, a instituição possui trilhas ecológicas demarcadas pelo seu Grupo
de Educação Ambiental148, favorecendo o incremento pedagógico na área de Ciências e
Biologia. Dentre essas, a atividade prática foi realizada na trilha do Muro, localizada a
sudoeste do prédio “Redondo” (Centro Comunitário) do Campus.
Construção e aplicação das atividades
a) Planejamento das atividades
As atividades a serem desenvolvidas foram previamente planejadas sob a supervisão
da coordenadora do Subprojeto Ciências Biológicas do PIBID – UNISINOS.
O planejamento da atividade foi dividido em objetivo e Metodologia:
48
Desde 1993, o projeto de Educação Ambiental conhecido como Caminhos do Campus, que visa à
formação de multiplicadores ambientais através de trilhas interpretativas, vem sendo desenvolvido
por um Grupo de Educação Ambiental, conhecido atualmente como o Grupo EA da UNISINOS
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Objetivo:
Interagir permanentemente com o ambiente externo; buscar a harmonização da
relação sociedade-natureza a partir do reconhecimento pelo ser humano do seu
ambiente; incluir a conexão entre o conhecimento científico e a vivência da comunidade e
compreender que o estudo de vegetais não se restringe somente a estrutura anatômica,
fisiologia, e taxonomia.
Metodologia:
Realização de um diagnóstico dos conhecimentos prévios sobre a região a ser trabalhada e
os temas a serem abordados, tais como composição vegetal, relação da cobertura vegetal
com o meio ambiente e os outros organismos (inclusive o ser humano), assim como sobre
preservação ambiental; sondagem do que os alunos entendem por atividade prática, a fim
de caracterizar os sentidos para o termo; instruções de segurança em trilhas, a fim de
minimizar acidentes; entrega de lupa de bolso e monóculos para facilitar a observação dos
dados; entrega de Quadro de Referências para nortear os dados a serem coletados;
realização da atividade “Meditação dos Sentidos”; realização da trilha; coleta de materiais
de vestígio antrópico e de vestígio natural; diálogo sobre os materiais coletados e sobre a
experiência vivenciada; aplicação da atividade “Teia da Vida” realização da atividade
“Meditação dos Sentidos”, para finalização do trabalho.
b) Aplicação da Atividade
Antes de iniciar a atividade, os alunos receberam instruções e regras de segurança
básica e conforto em trilhas, bem como informações sobre atividades que seriam
desenvolvidas durante o percurso. Foram distribuídos materiais de apoio para a
observação e a caracterização dos vegetais e dos organismos que com eles se relacionam
– pranchetas, lupas de bolso e monóculos.
Um quadro de referências foi entregue para cada participante, servindo como eixo
norteador, para que o apontamento dos dados observados durante o percurso da trilha
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não se restringisse à visão técnica e naturalizada. Nele constavam os seguintes itens a
serem preenchidos: “FLORA”, “INTERAÇÕES ENTRE A FLORA E OUTROS ORGANISMOS”, e
“PRINCÍPIOS ANTRÓPICOS”.
A atividade foi realizada no dia 20 de novembro de 2010, com uma turma de
alunos de 5ª série do Ensino Fundamental, dividida em dois momentos:
b.1) Momento I
No inicio e no término da trilha foi realizado um momento de reconhecimento do
ambiente com os alunos, intitulada Meditação dos Sentidos, a fim de perceberem, por
meio dos seus sentidos – principalmente visão, olfato, tato e audição – o local da
atividade.
b.2) Momento II:
Do início ao final do percurso, os alunos observaram as atribuições da trilha e
anotaram nos quadros de referência os dados relevantes.
Por se tratar de uma trilha linear, onde o retorno é realizado pelo mesmo caminho,
na volta ao ponto inicial, os alunos foram orientados a coletar um vestígio natural e um
vestígio antrópico. Ao final da trilha, foi discutida a origem e composição dos vestígios
coletados.
Os participantes dialogaram sobre os materiais coletados e sobre a experiência
vivenciada. Para a finalização da atividade, foi realizada a atividade da teia da vida, na qual
em círculo, de mãos dadas, cada aluno torna-se um dos elementos trabalhados no
encontro. A partir daí, a teia começa a se emaranhar ao máximo e, depois, lentamente,
retorna ao ponto inicial. Esta é uma atividade de integração que possibilita que os
conceitos abordados possam ser experienciados através do corpo.
O planejamento é a previsão de uma ação a ser desenvolvida, com o objetivo de
atingir os fins desejados de maneira eficiente. O planejamento da atividade proporcionou
à aula prática o alcance dos objetivos gerais propostos.
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O diagnóstico do comportamento de entrada dos alunos participantes, ou seja, o
conhecimento prévio dos assuntos que foram abordados era reduzido. Os alunos sabiam
pouco sobre a composição vegetal, sobre a importância real da vegetação – e sua
influência na qualidade de vida, assim como havia muitas dúvidas sobre a interação da
composição vegetal com outras formas de vida. Este último assunto causou maior euforia
e interesse nos educandos. Como se tratava de assuntos já abordados em sala de aula
pôde-se perceber que os alunos constroem o conhecimento a partir da significância
particular atribuída ao assunto, assim como a atratividade da aula auxilia na criação de
hipóteses e de comportamento investigativo, despertando a curiosidade do aluno.
Conforme Barzano (2006) existem quatro tipos de sentido para o termo “prática”:
I) visão pragmática, onde a aula prática é mais valorizada do que a teórica; II)
contraposição à teoria, onde a aula começa por uma atividade prática e posteriormente
por meio do material ou observações tudo pode ser analisado à luz da teoria; III)
exemplificação ou demonstrativa, nessa categoria, o aluno é um mero espectador daquilo
que o professor demonstra e IV) visão diversificada, onde essa categoria abrange a visão
ampliada do termo “prática”, na qual o aluno, de uma só vez, apresenta os vários sentidos
dessa palavra. Por meio dos depoimentos dos alunos sobre a concepção de aula prática de
Botânica, foram encontradas duas categorias baseadas na classificação de Barzano (2006):
exemplificação ou demonstrativa, caracterizada por uma aula prática em que o professor
demonstra exemplos em que ele comentou na aula teórica. Foi percebida também a
presença da visão pragmática, onde, conforme já referido, valoriza-se mais a aula prática,
visto que a prática trata-se de uma visão funcionalista, isto é, serve a um fim utilitário e
determinado, que pode até sobrepor a teoria, inclusive a ponto de gerá-la.
Alguns autores como Barcelos e Noal (1998) criticam atividades práticas e de
Educação Ambiental fora da sala de aula como, por exemplo, em zoológicos, parques e
trilhas, visto que sustentam a ideia de que utilizar somente esse tipo de aula pode
conduzir a um conceito puramente naturalista, assim como a uma atividade de contato
eventual com a ‘natureza’.
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Decerto utilizar exclusivamente essa tipologia de aula prática pode gerar apenas
um pensamento naturalizado. Isso pode ocorrer somente se não forem planejadas
atividades que proporcionem ao aluno a concepção de visão sistêmica e de estimulação
do desenvolvimento do seu espírito crítico e senso de investigação. Ademais, a vida
moderna, mais do que nunca, transforma-se em ritmo acelerado, e diante disso, é cada
vez mais raro o contato com o ambiente natural, tornando-se relevante a adoção de
ferramentas que possam reintegrar o ser humano à natureza, desde que sejam bem
planejadas.
Durante a atividade prática da trilha, os alunos preencheram quadros de referência
sobre o ambiente investigado, produzindo assim conhecimentos. Ao atuar como
investigadores, o estudo dos vegetais não se reduziu a estudos fragmentados, mas
integrados no ciclo natural. A utilização de vários recursos e instrumentos didáticos para
Ensino de Ciências pode possibilitar aos alunos a percepção holística e integrada do
ambiente. Foi possível estabelecer um pensamento sistêmico, pois segundo Krasilchik
(1996), a aula prática confere ao aluno significados próprios, pois a aula dita tradicional
não desenvolve o senso crítico e criativo, constituindo-se apenas em instrução e
treinamento.
O termo “investigadores” justifica-se pelo fato de que experimentar é mais que
aplicar receitas, segundo Clement (1999). Esta afirmação é séria e importante, pois muitas
vezes o professor, ao impor que o aluno siga uma receita em uma aula prática, o impede
de aprender com seus próprios erros e, assim, evoluir em seu aprendizado. Nas aulas
práticas e de experimentação, é fundamental a participação ativa do aluno.
Atualmente, os textos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais 49 (PCN)
(BRASIL, 1999), incentivam a formação de alunos críticos e capazes de raciocinar
cientificamente com autonomia. Para que ocorra tal evolução, as aulas práticas são
Os PCN,s foram elaborados pelo Ministério da Educação – MEC, em 1998. Há inúmeras críticas a estes,
indo de sua concepção até a sua implementação nas escolas.
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essenciais, a fim de facilitar a compreensão dos conteúdos e de fazer desenvolver nos
alunos as capacidades do saber fazer experimental (PIOCHON, 2002).
Em virtude dos resultados da pesquisa, é importante fazer um resgate histórico,
visto que nas últimas décadas, diversos artigos foram publicados sobre o Ensino de
Ciências e, em sua maioria, sugeriam aulas práticas e experimentação como
fundamentais. Ao encontro das publicações, os PCN também sugerem que o Ensino de
Biologia e de Ciências seja fundamentado sobre o raciocínio científico e o procedimento
experimental. Assim, segundo Piochon (2005), o aluno é levado a aprender dados, bem
como outros procedimentos para desenvolver seu espírito crítico e o senso de
investigação. A autora ressalta, ainda, que as aulas práticas permitem a diversificação do
trabalho pedagógico e, ao mesmo tempo, possibilitam ao aluno o contato com as novas
tecnologias.
A respeito da importância do ensino experimental, Piochon (2002) apontou que as
aulas práticas são decisivas para o aprendizado das Ciências, salientando que elas
contribuem nos procedimentos da formação científica, como a observação, a manipulação
e a construção de modelos, entre outros. Esta realidade estranha e desconhecida ao
discente, que pela primeira vez entra em contato com um estudo mais aprofundado e
interessante, pode ocasionar dificuldades ou até mesmo frustrações em relação ao seu
conhecimento construído, e pode não estar preparado para administrar a diversidade
existente na classe.
Ainda mediante aos resultados, a professora de Ciências responsável pela turma
observou que os alunos nesta aula prática questionaram mais comparativamente às aulas
expositivas, concordando com Bastos (1994) que as aulas práticas promovem e
intensificam a interação entre professor e aluno fora e dentro da sala de aula. O aumento
do nível de participação e questionamento geral da turma aponta que a metodologia
empregada despertou nos alunos um maior interesse nos assuntos abordados, tornando
assim, a atividade atrativa sob a perspectiva dos participantes, auxiliando assim,
provavelmente no processo de ensino e aprendizagem.
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Um grande número de alunos pode não ter ainda participado de aulas práticas de
laboratório, ou vivenciado processos de investigação científica no campo, ainda que em
nível de baixa complexidade, devido ao atual planejamento educacional, ou pelo fato de a
instituição, muitas vezes, não oferecer os recursos e a infra-estrutura adequados para tal.
Porém, as práticas de Ciências e Biologia, mais especificamente de Botânica, visam
incentivar uma avaliação que valorize a compreensão e a interpretação da natureza
(KRASILCHIK, 1996).
A complexidade da tarefa educativa exige dispor de instrumentos e recursos que
favoreçam a tarefa de ensinar. A aprendizagem dos conteúdos de Botânica exige
atividades práticas que permitam aos alunos vivenciar os conteúdos teóricos previamente
trabalhados de forma contextualizada (KRASILCHIK, 1996). Para que o pensamento
sistêmico se faça presente no Ensino de Ciências, o professor deve ter um conhecimento
integrado. Nessa linha, as preocupações sobre a formação docente aproximam-se da
concepção de Comênio, na sua Didática Magna, no qual o “bom professor” seria aquele
capaz de dominar a “arte de ensinar tudo a todos” (AZANHA, 2004). Neste sentido, cabe
ao docente o dever de captar a realidade cotidiana de cada aluno e tentar fazê-lo integrar
essa realidade aos conhecimentos adquiridos durante sua vida, chegando ao
conhecimento formalizado e significativo (HAMBÚRGUER E LIMA, 1989). Como dizem os
nossos pensadores na educação, Delizoicov & Angotti (1994), Krasilchik (1987), Pereira
(1998): “pensar a ciência como um conjunto de fatos científicos socialmente produzidos
numa sociedade historicamente determinada”.
Conclusão
As aulas práticas desempenham papel importante no desenvolvimento e na
construção do conhecimento dos alunos. Sua utilização no ensino e na formação do aluno
pesquisador é preciosa, por isso uma aula prática seja ela na natureza ou na própria sala
de aula, admite a visualização de fenômenos reais que permite ao aluno várias formas de
leituras de sua realidade. Sobretudo, o investimento do professor em uma metodologia
com uma abordagem sistêmica, ou seja, uma visão holística e integrada do mundo pode
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instituir condições de rescindir com o paradigma mecanicista/cartesiano que tudo
fragmenta.
Diante disto, sublinha-se a necessidade de uma escolha criteriosa das aulas
práticas de Botânica e, principalmente, que esta escolha considere a heterogeneidade de
elementos que possam ser abordados na prática, ou seja, a visão integradora deve estar
presente. Esta preparação, segundo Piochon (2002), visa combinar a motivação dos alunos
com a interação destes entre si, assim como destes com o professor em sala de aula ou
fora dela.
A disponibilidade para modificar a organização do conteúdo deve existir,
superando a fragmentação existente, criando novos espaços nos cronogramas,
reestruturando disciplinas/atividades, promovendo o diálogo entre estas, associando mais
intimamente teoria e prática e, principalmente, integrando ensino e pesquisa,
despertando o olhar crítico dos estudantes no Ensino Fundamental, com o objetivo de
superar um dos maiores desafios: dinamizar o ensino de botânica, principalmente no que
toca a visão sistêmica.
Enfim, pode-se afirmar que a abordagem dos conhecimentos científicos por meio
de definições que devem ser decoradas pelo estudante contraria as principais concepções
de aprendizagem humana. Podemos exemplificar através da abordagem que foca a
construção de significados pelo sujeito da aprendizagem, debatida nos Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998). Quando há aprendizagem
significativa, a memorização de conteúdos debatidos e compreendidos pelo estudante é
completamente diferente daquela que se reduz à mera repetição automática de textos
cobrados em instrumentos de avaliação.
Considerando a importância ambiental e a visão integrada do mundo, no tempo e
no espaço, a escola deve oferecer meios efetivos para que cada aluno compreenda os
fenômenos naturais não somente por meio de visão reducionista, já que escola é o espaço
social e o local onde o aluno dará sequência ao seu processo de socialização.
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Aplicação dos Conceitos de Medidas de Posição e Dispersão: um Estudo de caso em uma
Indústria de Embalagens Plásticas Flexível
Thiago George das Dores50
Resumo: O grande desafio de professores das disciplinas teóricas, especialmente, as que
envolvem cálculo é responder a seus alunos a antiga questão de onde aplicar o conteúdo
aprendido. Sendo um dos objetivos do artigo demonstrar mais uma possibilidade de
aplicação dos conceitos da estatística. E para isto este estudo apresenta uma aplicação
dos conceitos de medidas de posição e dispersão, da disciplina de Estatística I, que faz
parte da grade curricular da maioria dos cursos de graduação. Estes conceitos foram
aplicados em um estudo de caso para avaliar a variabilidade de um processo de produção
de embalagens plásticas flexíveis. Os resultados indicam que o processo avaliado é
instável e encontra-se fora de controle estatístico. Além disso, se tem como objetivo
verificar a viabilidade de aplicações práticas de conceitos que, na maioria das vezes, não
fazem sentido para os alunos de graduação, pois são ensinados apenas de forma
conceitual e isolado da prática.
Palavras-chave: Estatística. Produção. Embalagens.
Introdução
Um dos maiores questionamentos dos alunos que ingressam em cursos superiores é
sobre a aplicabilidade dos conteúdos que eles aprendem no decorrer do curso, entre eles
os relacionados às disciplinas de matemática, estatística e física. Além deste
questionamento, alguns alunos do curso de licenciatura em matemática, por exemplo,
buscam aplicações destes conteúdos que vão além de sua área acadêmica, seja porque
estes almejam uma colocação no mercado, diferente da acadêmica, seja para entender o
fenômeno físico que é representado pelo conteúdo gerador do questionamento.
50
Thiago George das Dores é graduando do terceiro ano do Curso de Matemática da Faculdade de
Administração e Artes de Limeira - FAAL, da cidade de Limeira.
Professora indicadora: Maria Célia de Oliveira Papa, do curso de Licenciatura em Matemática da Faculdade
de Administração e Artes de Limeira – FAAL, da cidade de Limeira.
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Este estudo propõe aplicar conceitos sobre medidas de posição e de dispersão que
fazem parte do conteúdo estudado na disciplina de estatística, que compõe o rol de
disciplinas da maioria dos cursos superiores, para analisar as possibilidades de aplicação
do aprendido na sala de aula com as práticas do processo produtivo. Nesse caso de uma
indústria de Embalagem Plástica Flexível. Para atender aos objetivos aqui propostos, este
trabalho está organizado em quatro seções, a segunda seção apresenta as questões
teóricas sobre Controle Estatístico de Processo (CEP) e suas aplicações, a terceira seção
mostra o desenvolvimento do estudo, que compreende o processo produtivo aqui
avaliado e a aplicação do CEP a este processo, os resultados e discussões são
apresentados na seção 4 e finalmente as considerações finais sobre o estudo.
Conceitos Teóricos sobre CEP e suas Aplicações
No caso específico de um processo de fabricação de um determinado produto, tal
variabilidade pode ser devida, por exemplo, a matéria prima, as condições ambientais que
o processo está submetido, aos operadores, entre outros fatores. Em alguns casos, tal
variabilidade pode provocar diferença importante entre os produtos por ele produzidos,
sendo causa de prejuízos financeiros para a indústria, uma vez que os produtos podem
não atender as especificações desejadas. Para avaliar a variabilidade de um processo, e
assim, conhecer e tratar as suas causas, o CEP – Controle Estatístico de Processo é uma
ferramenta poderosa. Sendo o CEP uma ferramenta que pode ser aplicada em vários
setores, especialmente na indústria, com o objetivo de avaliar a variabilidade dos
processos, proporcionando melhorias na qualidade dos produtos, redução dos custos de
produção por meio da diminuição de perdas.
A literatura apresenta diversos estudos de caso que utilizam o CEP, tais estudos
podem ser verificados em diferentes áreas, como por exemplo, Lopes et al (2005) que
realizou um estudo para verificar a variabilidade de filmes plásticos para embalagens
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flexíveis, Souza et al. (2010) que faz uma aplicação do CEP para avaliar a capacidade de
produção de uma empresa siderúrgica, Oliveira et al. (2010), que utilizam o CEP para
monitorar a graduação alcoólica na produção de álcool, dentre outros estudos.
De acordo com Montgomery e Runger (2003), as cartas de controle usadas nos
estudos de CEP somente são capazes de detectar as causas da variabilidade, porém, para
que essa variabilidade seja minimizada necessita de ações do gerente, operadores,
engenheiros, dentre outros responsáveis pelo processo, que deverão ser feitas por meio
de um plano de ação para avaliar e corrigir os pontos indicados nos gráficos de controle.
Existem vários tipos de cartas de controle, cuja utilização depende da aplicação
prática, ou seja, do tipo de processo e dos dados que ele fornece. Porém, segundo
Montgomery e Runger (2003), a análise de um processo deve ser feita considerando dois
tipos de cartas de controle, uma que possibilita avaliar o valor médio das diferentes
observações da mesma amostra ou de observações consecutivas de um mesmo lote e
outra para avaliar a variabilidade entre os valores médios observados, dados pela carta de
amplitude ou de desvio padrão.
De acordo com Martins e Laugeni (2005), um gráfico de controle pode ser
construído nas cinco etapas seguintes:
Determinar os limites de controle inferior (LCI) e superior (LCS) dos gráficos da
amplitude ou desvio padrão;
 Estabelecer um plano para a coleta dos dados do processo;
 Calcular a média e o desvio padrão para os vários valores observados para a
mesma variável ou para medições consecutivas de variáveis do mesmo lote;
 Colocar os valores observados no gráfico de controle;
 Verificar se os valores observados no gráfico da média e desvio padrão estão
dentro dos limites de controle e consequentemente, verificar se o processo está
sob controle estatístico, caso não estejam, devem ser tomadas as ações.
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Segundo Montgomery e Runger (2003), existem dois tipos de causas que provocam
variabilidade no processo: causas especiais e causas aleatórias. As causas aleatórias são
inerentes ao processo, mas não geram problemas na produção, mesmo porque, esta
variabilidade está sempre entre os limites de controle do processo. As causas especiais
são indicadas pelos pontos que estão fora dos limites de controle inferior ou superior, e
indicam algum tipo de problema no processo.
De forma sucinta, um estudo de CEP permite avaliar e quantificar a variabilidade
de um processo, que consequentemente, possibilita corrigir ou amenizar as causas desta
variabilidade, que em geral, resulta em ganhos financeiros para as empresas. Sendo
também uma ferramenta de implantação simples que fornece informações importantes
para tomadas de decisões. A próxima Seção apresenta um estudo de caso, em que o CEP
foi aplicado, na tentativa de avaliar o processo em si, porém, com objetivo maior de
aplicar em uma situação real, alguns dos conceitos vistos no curso de Licenciatura em
Matemática.
Desenvolvimento
Este estudo foi desenvolvido em uma empresa de pequeno porte, localizada na
região de Campinas, que produz embalagens flexíveis de plástico. Para que o processo de
produção de embalagens flexíveis, ilustrado na Figura 1 se inicie, primeiramente, uma
ordem de produção é emitida pela diretoria da empresa. Nesta ordem constam as
informações importantes do processo, como o tipo de material a ser utilizado, a
quantidade [kg] que será produzida, as dimensões da embalagem [mm] e a sua espessura
[µ], entre outras características específicas da embalagem que será produzida.
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F
Figura 1: Fluxograma Básico de um Processo de Produção de Embalagens Plástica Flexível. Fonte Lopes et al (2005)
Conforme observado na Figura 1, este processo de produção se inicia com a separação e a
mistura da matéria-prima, que é formada por resina de polímeros granulados. Em seguida, esta
matéria-prima é misturada e colocada na extrusora, que mistura a matéria-prima, a qual
posteriormente será utilizada em diferentes proporções, dependendo do tipo de embalagem a ser
produzida. Na extrusora, a matéria-prima é submetida a temperaturas que variam entre 100º C e
250° C, transformando-a em uma massa homogênea. Desta massa são produzidos filmes plásticos
em forma de bobinas.
Após este processo, as embalagens que deverão ser impressas vão para as impressoras,
que posteriormente são rebobinadas ou cortadas, dependendo do tipo de embalagem, já as que
não possuem impressão vão diretamente para o corte ou são rebobinadas. Após estas etapas, elas
são embaladas, faturadas e finalmente despachadas. Porém, antes disso, o próprio operador da
maquina faz uma inspeção nas embalagens para verificar se elas atendem aos requisitos de
qualidade, especialmente, se elas estão dentro das medidas solicitadas.
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Além das informações do processo que já foram descritas, as máquinas do setor de corte e
solda funcionam em uma velocidade determinada pelo próprio operador, e esta velocidade está
relacionada com o tipo de matéria-prima, com a temperatura ambiente, e com a tensão da
máquina. A temperatura ambiente deve ser monitorada, pois a temperatura de funcionamento da
máquina, que varia entre 140°C e 400°C é estabelecida em função desta temperatura ambiente.
Além da temperatura ambiente, outras características devem ser controladas, como a
velocidade de corte, o ar guia e a temperatura de corte, pois também são fontes potenciais de
variabilidade do processo produtivo de embalagens flexíveis.
Para verificar se as embalagens atendem aos requisitos de qualidade especificados na
ordem de produção, os operadores do setor de corte e solda medem o comprimento [mm] e a
largura [mm], usando uma trena graduada. A próxima seção descreve os dados que foram
coletados, os resultados dos gráficos de CEP e a discussão de cada uma das etapas da análise.
Resultados e Discussões
Neste estudo, verificou-se a estabilidade do processo em longo prazo, para isso, foram
retiradas cinco embalagens seguidas, de manhã e outras cinco embalagens à tarde, durante 15
dias. O gráfico da Figura 2 ilustra os valores médios e os desvios padrão das larguras, observados
amostras com cinco medições consecutivas de embalagens do mesmo lote, para 30 amostras.
121.0
UCL
CL
120.0
Média [mm]
Gráfico de Média para a Largura
LCL
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
Amostra
0.8
UCL
0.4
CL
0.0
Desvio Padrão [mm]
Gráfico de Desvio Padrão para a Largura
LCL
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
Amostra
Figura 2: Gráfico de Média para a Variável Largura [mm] da Embalagem Plástica Flexível.
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Observa-se no gráfico de média da Figura 2, que existem vários pontos fora de
controle, que estão indicados pelos pontos vermelhos nos gráficos. Estes pontos estão
fora do limite inferior e superior. Nota-se neste gráfico, que a maioria dos valores médios
observados varia entre os valores de aproximados, de 119 mm e 121 mm, porém, existem
cinco valores acima do limite superior. Desta forma, pode-se dizer que o processo está
fora de controle estatístico. O gráfico de desvio padrão da Erro! Fonte de referência não
ncontrada. também indica pontos fora do limite inferior e superior, Desta forma, pode-se
dizer que existem causas especiais agindo no processo, indicando a necessidade de
tomada de ações para correção de tais causas.
A Figura 3 apresenta os gráficos de controle para a variável comprimento [mm] da
embalagem plástica flexível, para os valores médios e os desvio padrão.
270.5
UCL
269.5
CL
LCL
268.5
Média [mm]
Gráfico de Média para o Comprimento
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
Amostra
0.8
UCL
0.4
CL
0.0
Desvio Padrão [mm]
1.2
Gráfico de Desvio Padrão para o Comprimento
LCL
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
Amostra
Figura 3: Gráfico de Média e Desvio Padrão para a variável Comprimento [mm] das Embalagens Plásticas
Flexíveis.
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O gráfico das médias dos comprimentos [mm] indica que existem 10 pontos fora
dos limites de controle, o que significa dizer que existem causas especiais agindo no
processo, assim, estes resultados também indicam que ele está instável, ou seja, fora de
controle estatístico. Porém, a variabilidade observada no gráfico do desvio padrão mostra
que não existem causas especiais agindo no processo e interferindo nos comprimentos
medidos para as cinco medições de cada amostra. Então, de forma análoga aos resultados
da largura das embalagens, existem causas especiais agindo no processo, que necessitam
de avaliações e ações.
Considerações Finais
Pode se dizer que a aplicação dos conceitos de variabilidade, estudados na
disciplina de estatística, pode ser realizado com sucesso, consequentemente,
respondendo a uma das questões mais comuns feita pelos alunos de graduação em geral,
que se refere ao fato deles desejarem saber onde aplicarão os conceitos teóricos
aprendidos e a demonstração de possibilidades de aplicação é um caminho para isso. Com
relação aos objetivos do estudo de caso da aplicação de CEP para avaliar a variabilidade de
um processo de produção de embalagens plásticas flexíveis, os resultados indicam que o
processo avaliado é instável, pois possuem vários pontos fora de controle.
Com relação às ações que podem ser tomadas, basicamente, o processo pode ser
considerado em duas partes, o processo de produção das embalagens em si, que
eventualmente pode ter algum problema referente ao corte das embalagens, que
eventualmente está cortando tais embalagens em tamanhos diferentes. Ou então, a
variabilidade pode ser devido ao processo de medição destas embalagens. Para uma
avaliação completa deste processo, poderia ser realizada uma análise do sistema de
medição, para verificar se a variabilidade do processo está relacionada a ele, como por
exemplo, variação causada pelo fato de que diferentes operadores realizaram a medição
das embalagens no decorrer do estudo.
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Nacional de Engenharia de Produção, 2010.
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A Timidez Como Entrave Emocional Patológico: levantamento quanti-qualitativo dos
relatos de pacientes atendidos na clínica-escola de Psicologia em uma faculdade da rede
privada
Keila Cristina Carlos de Souza51
Resumo: O presente estudo tem como objetivo contribuir para a compreensão da timidez
como entrave emocional patológico em indivíduos chamados de tímidos, e prejuízos na
interação social. Tendo como referencial teórico a psicanálise, abordará a timidez
patológica como decorrente do confronto pulsional do Id com o Ego, portanto um
fenômeno na esfera do inconsciente do sujeito, que impede a ação diante do seu desejo.
Propõe também a revisitar os conceitos sobre o assunto e ressignificar a timidez, com
vistas a uma melhora da qualidade de vida para os participantes. A realização da pesquisa
se fará por meio de revisão bibliográfica e análise documental dos protocolos de triagens
realizadas na clínica-escola de pessoas com a queixa de timidez. A pesquisadora
acompanhará a evolução dos casos atendidos por meio dos prontuários de atendimento,
os quais tiverem queixa de timidez.
Palavras chave: Timidez patológica . Recalque . Desejo . Resistência.
Introdução
De acordo com pesquisa realizada recentemente, um estudo da faculdade de
Windson, no Canadá, aponta que cerca da metade da população sofre com a timidez e
esse número aumenta consideravelmente, a timidez não é uma doença, mas traz
sofrimento como se fosse uma. Segundo o psicólogo René Schubert o indivíduo até
apresenta fenômenos físicos desta retração, dores musculares e sensações de mal-estar
generalizado. (2009).
A timidez pode ser definida como desconforto e a inibição em situações de
interação pessoal que interferem na realização dos objetivos pessoais e
profissionais de quem a sofre, caracterizando-se pela obsessiva preocupação
com as atitudes, reações e pensamentos dos outros (Soares, 2008).
51
Keila Cristina Carlos de Souza Graduanda em Psicologia pela Faculdade Anhanguera de Anápolis/GO Anhanguera Educacional.
Professor indicador Márcio Luppi do Curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera de Anápolis/GO.
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A timidez é um fenômeno pouco estudado pelos psiquiatras, ao passo que há
extensa literatura sobre o tema elaborado por psicólogos. Apesar de ser um
construto mal definido, de origem leiga, pode ser útil uma vez que a timidez
parece ser altamente prevalente, causando silencioso e devastador sofrimento.
Revemos as conseqüências da timidez subdivididas em somáticas, cognitivas,
comportamentais, sociais e seu papel como fator de risco para doenças mentais
(Camisão, Carlos et al.) ,1994.
Segundo Motta Filho em seu ensaio sobre a timidez: "Todo esforço que o indivíduo
emprega como ser-no-mundo, reduz-se para o tímido numa incapacidade e numa
frustração.” (pag.54, 1969). Assim, pode-se dizer que toda tentativa do indivíduo tímido
resulta num desconforto de querer ir além, o desejo de superação por fim acaba em
frustrações e sentimento de derrota frente à timidez. O indivíduo acometido por timidez
que o impeça de agir, torna sua vida um acúmulo de fracassos angustiantes que o
impossibilita de tentar agir resultando num comportamento do chamado tímido. Ainda
sobre esse estudo feito por Motta Filho, onde cita Cassier que “No homem encontramos
uma sociedade de pensamento e de sentimento, acontece que essa sociedade não
funciona regularmente para o tímido, pois o resultado de suas atividades é uma sequência
de déficits." em que o tímido não vivencia essa sociedade torna-se incompleta e
desajustada voltada para frustrações e angustias principalmente no campo emocional.
Na tentativa de encontrar um nexo causal da timidez buscou-se como referencial
teórico o psicanalítico, pelo qual acredita-se que se possa esclarecer a origem da timidez.
Possivelmente algo que tenha marcado a infância do indivíduo que o impeça de agir uma
castração algo tratado mais adiante.
De acordo com Freud (ano), o recalque ocorre na fronteira entre os sistemas
Inconsciente (Ics), Pré-consciente (Pcs) e Consciente (Cs), que podem se de ordem
primária e recalque de ordem secundária, (ao experenciar algo doloroso no qual o
indivíduo não consegue lidar com a situação, ocorre um recalque que é transformado em
algo inconsciente não percebido pela consciência), levando em consideração a forma
dinâmica do aparelho psíquico, onde as forças entrariam em conflito, fundamentado num
dualismo (antagonismo) instintual. Ele frisa que para descrever esse mecanismo de
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recalque é necessário adotar a ideia econômica de catexia, conceito que se refere ao
quantum de energia psíquica se deposita numa ideia ou grupo de ideias, o recalque
secundário já seria a retração (da energia necessária para a ação reprimida) (Freud apud
Bock ET AL, 1999).
Esse processo de vir ou não à consciência foi o que levou Freud a chamar essa
força psíquica de Resistência e, a este processo de acobertar ou encobrir foi chamado de
Repressão, não deixado que se tornasse cônscias representações insuportáveis e
dolorosas de onde se origina o sintoma, chamando esses conteúdos psíquicos de
inconsciente, surgindo assim uma estrutura do aparelho psíquico e o funcionamento da
personalidade, no qual ele teoriza a existência de três sistemas ou entidades psíquicas sua
primeira tópica que ele chamou de Inconsciente (ICS), Pré-consciente, (PCS) e Consciente
(CS). O inconsciente seria repleto de conteúdos de ordem inconsciente, por vezes
reprimidos pela ação de censuras internas que num dado momento na vida do indivíduo
podem ter sido conscientes, mas que foram enviados para o inconsciente ou podem ser
que nunca foram conscientes e desde a priori sempre foi inconsciente mesmo, aos quais
não se tem acesso aos outros dois sistemas, o Consciente e o Pré-Consciente, (Freud,
1915)
Já o Pré-Consciente diz respeito a aqueles conteúdos que não estão presentes na
consciência, mas que a qualquer momento podem se tornar acessíveis.
O consciente é a parte do aparelho psíquico que está em contato com o mundo
exterior, a realidade no qual o fenômeno da percepção se acha presente, sobretudo o
raciocínio, a atenção. Apud Bock ET AL (1999).
Freud afirmava que o que vai determinar o caráter do indivíduo é a maneira que
ele canaliza a sua libido, ou é governado por ela e frisa que a contenção, a retenção da
libido pode causar histeria, angustia ou a erupção de distúrbios psíquicos, os instintos
podem aparecer mais tarde como um grande problema. (apud OSBORNE, 2001).
Freud define inibições como sendo restrições do Ego que, em dado momento,
foram impostas como medidas de precaução ou, se acarretaram como resultado de um
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empobrecimento de energia, o que a difere de um sintoma, que seria um sinal e um
substituto de uma satisfação instintual que permaneceu posicionado em algum lugar, em
estado jacente é uma consequência do processo de repressão, ocorrendo a partir do Ego
quando este pode ser por ordem do superego, se recusa a associar-se com uma catexia
instintual que foi provocada no Id em forma de desejo ou algo parecido e que não lhe foi
permitido se manifestar (Freud, 1926]1925).
Em Simoda (2009) podemos encontrar a citação:
Em muitos casos, o medo de se relacionar com figuras de autoridade (professor,
chefe, juiz, etc.) está relacionado profundamente com a forma que você reagia
no relacionamento com seus pais. Se o seu pai era muito autoritário, exigente,
severo, crítico, desvalorizante e você reagiam com muito medo e inibição, a
tendência é transferir essa forma de relacionamento subserviente com as
pessoas que ocupam cargos de autoridade ou que tenham um perfil de
personalidade semelhante ao do seu pai.
Freud, o pai da psicanálise chamava este tipo de relacionamento com essas
pessoas, de ‘relação transferencial’.
Desta forma, se você - quando criança - tinha muito medo de fazer uma
pergunta ao seu pai, é provável que vá transferir esse mesmo temor na fase
adulta ao fazer uma pergunta ao seu chefe ou ao seu professor. Em verdade, sua
dificuldade em fazer uma simples pergunta é um mecanismo de defesa contra a
atitude autoritária de seu pai.
Portanto, em muitos casos a timidez é o resultado de uma educação rígida,
severa e desvalorizante por parte dos pais que contribuem para a formação da
auto-imagem negativa da criança. (Osvaldo Shimoda (2009).
Para isso, regras foram instituídas que possibilitem a vida em sociedade, e,
segundo Freud seriam essas regras, paradoxalmente, as responsáveis pelos maiores
sofrimentos, assim constituído seria inevitável, o que pode ser compreendido como sendo
a condição pática (sofrimento, dor, aflição). E que a partir de Freud a civilização trata-se
da regulação pulsional, propondo uma relação intrínseca entre o processo civilizador e o
desenvolvimento pulsional do indivíduo. Segundo Freud o que determina a constituição
do prazer-desprazer será a relação entre a variação da excitação e o tempo.
(Freud1930[1929] apud Zavaroni; Celes, 2004.
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Pode-se fazer um paralelo entre o que diz Shimoda (2009) e Zavorani e Celes
(2004), o receio de se relacionar com pessoas que demonstre autoridade citado por
Simoda (2009), no presente esta relacionado à forma que o indivíduo reagia com inibição
quando criança, e agora na vida adulta trata-se de um mecanismo de defesa em resposta
a identificação daquela pessoa que demonstrou autoridade na infância, contribuindo para
uma autoimagem negativa e até uma autoestima baixa. Por sua vez Zavaroni (2004),
também cita Freud
que diz das regras que enquadraria o indivíduo na sociedade um
processo civilizador controlando a pulsão transformando o prazer em desprazer, os dois
autores fala das regras impostas, do modelo que era preciso ser seguido (mas como todos
passamos por este processo civilizador possivelmente um individuo tímido o vivenciou
mais intensamente).
Segundo Freud (1914) o que sugere é que , quando algum incidente fortuito na
vida posterior inibe o desenvolvimento normal da sexualidade, a conseqüência
pode ser o ressurgimento da sexualidade “infantil” indiferenciada, ou seja, há
uma regressão. Ai foi possível compreender o efeito da frustração como causa
da regressão da libido para alguém, ponto de fixação anterior. De acordo com
Freud a regressão seria dividida em três formas: a temporal, a formal e a
material, mas acrescenta em 1914 á Interpretação dos sonhos, como sendo
todos esses tipos de regressão o mesmo, ocorrendo simultaneamente, pois a
que é mais antiga no tempo é a mais primitiva na forma, e na topografia
psíquica situa-se mais próxima da extremidade perceptual.
Pode-se perceber na fala de Freud sobre narcisismo que a parte mais importante,
contudo pode ser isolada sob a forma do complexo de castração (nos meninos, a
ansiedade em relação ao pênis, nas meninas, a inveja do pênis, e tratada em conexão com
o efeito da coerção inicial da atividade sexual.
Sabemos que os impulsos instintuais libidinais sofrem a vicissitude da repressão
patogênica se entram em conflito com as ideias culturais e éticas do indivíduo, a repressão
provém do ego, poderíamos dizer com maior exatidão que provém do amor próprio do
ego. (Freud, 1914). *1
Assim, pode-se dizer que o individuo acometido por Timidez em algum momento
em sua biografia possivelmente passou por um tipo de castração, proibição ou retenção
da energia libidinal, embasando-se que o Ego causa ansiedade para opor-se às vontades
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instintivas do Id, haveria uma catexia e que com a colaboração do Superego através do
meio, cultura, família imposição de regras ascenderia o percurso da Timidez, ou seja, algo
inconsciente impediria o indivíduo de se socializar, tomar atitudes frente a outrem em
consequência á castração inconsciente sofrida em outro momento.
No campo da fantasia, a repressão permanece toda poderosa, ela ocasiona a
inibição de ideias in status nascendi antes que possam ser notadas pela consciência, se a
catexia destas tiver probabilidade de ocasionar uma liberação de desprazer. (Freud, 1911).
Percebe-se na fala de Freud que a repressão age na formação das ideias antes
mesmo que a consciência possa perceber produzindo inibição que no caso dos indivíduos
tímidos poderá causar um não conseguir agir frente às circunstâncias da vida causando
um desprazer no individuo pela energia contida não liberada, energia essa disponível na
Psique.
Percebe-se nesta fala que a repressão em estado de formação, não é percebida
pela consciência, podendo provocar uma liberação de desprazer dependendo da
quantidade e intensidade de energia. Para o indivíduo tímido esse desprazer causa um
desconforto social no qual não consegue agir “normalmente” como outros não
acometidos pela Timidez provocando um entrave emocional que lhe impeça de agir
podendo até provocar patologias, somatizações.
Freud conta a história do homem de areia, que arranca os olhos das crianças, mais
ao final quando fala do sentimento de estranheza, do medo de castração, e fala que, o
que é estranho é familiar, que o que é estranho é repressão, e essa repressão fora vivida
na infância, complexo de castração da infância. Freud (1919).
Possivelmente houve em dado momento a vivência de castração inconsciente pelo
indivíduo tímido que ocasiona inibição ao seu desejo de agir, satisfazer seu desejo que
pulsa sua consciência.
Possibilita-se um link entre o que diz Freud e Dolto (2001):
Na verdade, é a superação da história de cada um e da angústia da mutilação,
ou seja, a angústia de castração que é uma angústia de mutilação, porque não se
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tem confiança naquele que impõe o fracasso do imaginário, fracasso necessário
para que haja sucesso na realidade Dolto (2001) p. 201.
A angústia de castração desencadeada pelo Ego diante do Id citado acima, pode
impossibilitar ao chamado tímido, de ir ao encontro do outro, de agir dentro da sua
realidade tentando evitar o desprazer vivido em outro momento da sua história
promovendo assim todos os sintomas e inibições vividos por pessoas tímidas.
Parafraseando o que Freud diz: que durante o período de latência total ou parcial
erigem-se forças as forças anímicas que mais tarde, surgirão como entraves no caminho
da pulsão sexual e estreitarão seu curso á maneira de diques (o asco, o sentimento de
vergonha as exigências dos ideais estéticos e morais. Freud, 1905.
Objetivos:
- Investigar a relação entre timidez e possíveis incapacidades do Ego.
- Descrever aspectos psíquicos dos chamados tímidos na interatividade com outros
indivíduos e possíveis psicopatologias associadas, baseando-se no modelo estrutural
proposto por Freud, nas instâncias Id, Ego e Superego enquanto determinantes nas suas
ações e reações.
- Realizar um levantamento na clínica-escola de Psicologia em uma faculdade
particular onde se pretende constatar quanti-qualitativamente a procura de indivíduos
com queixa de timidez na clínica-escola, promovendo um estudo local.
Metodologia:
Partindo do referencial presente na teoria psicanalítica, realizar uma revisão
bibliográfica da obra freudiana, buscando a compreensão de como funciona o desejo do
Id em confronto com o Ego, o balizamento de interdição/satisfação dado pelo Super-Ego e
sua correlação com a timidez e suas inibições ocasionadas nos sujeitos.
A pesquisa possui um elemento quantitativo, pois se realizou pesquisas descritivas
que possibilite descobrir e classificar no que se refere à procura de indivíduos com queixa
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de timidez na clínica-escola da Faculdade citada acima e, posteriormente, o quanto a
timidez interfere na vida dos que se sentem incomodados por tal queixa no âmbito social.
Dada a natureza subjetiva do objeto em estudo, a pesquisa se baseia também na
perspectiva qualitativa, na medida em que buscará elementos biográficos,
para compreender aspectos psicológicos, cujos dados não podem ser coletados
de modo completo por outros métodos devido á complexidade que envolve a
pesquisa, neste caso temos estudos á analise de atitudes, motivações,
expectativas, valores, opinião, etc. (Tratado de metodologia cientifica pag.117,
Silvio Luiz de Oliveira).
Instrumento de coleta de dados:
Coleta de dados bibliográficos fundamentando-se em estudos já realizados e
compreensão da teoria.
Análise dos protocolos de triagens realizadas na clínica-escola com a queixa de
timidez no período de Agosto a Dezembro de 2010.
Participante: pacientes em atendimento na clínica-escola com queixa de timidez e
déficit nas habilidades sociais, de ambos os sexos, de faixa etária que compreenda desde
crianças até adultos que se queixe de timidez.
Os dados foram coletados junto ao Setor de Arquivos da clínica-escola onde a
autora fez a seleção de todos os prontuários dos pacientes cujas queixas incluíam a de
timidez.
Logo após categorizou-se as ocorrências descrevendo a relação desses pacientes
no aspecto social, familiar, profissional, emocional, situação socioeconômica, sexo e idade
com possíveis transtornos. E por fim as conclusões teóricas e análises dos dados.
Local de pesquisa: Clínica-Escola da faculdade referida anteriormente.
Deu inicio a algumas atividades em caráter de estágio básico supervisionado no
primeiro semestre de 2008, com atendimento na modalidade de avaliações não
interventivas, e, em 2009, dando continuidade a essas atividades, também
foram acrescentados os atendimentos clínicos com intervenção com a
psicoterapia.
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Sua equipe é composta por: um Supervisor Geral e Coordenador da Clínica; um
Professor Assistente; 12 Professores Supervisores; um Recepcionista.
Funcionando de segunda á sexta-feira de 13h00 ás 22h00 e aos sábados de
08h00 ás 12h00.
Os atendimentos estão distribuídos em modalidades como: psicoterapia Breve
Adulta e Infantil, psicodiagnóstico Adulto e Infantil, Psicoterapia de Grupo
Infantil e Psicoterapia Suportiva (nomeada no contexto desta instituição como
Clínico-Hospitalar) e Aconselhamento Psicológico. Dentro das perspectivas de
cada abordagem, sendo elas: Psicanálise, Sócio-Histórica, Cognitivo
Comportamental, Comportamental e Gestalt-terapia/Fenomenologia. (Silva
2009).
Foram utilizados recursos como análise documental como prontuários dos
pacientes atendidos, sendo que esta vem respaldada pelo termo de consentimento, onde
o paciente também autoriza pesquisa referente aos dados coletados, desde que haja
manutenção do sigilo de sua história e identificação, observam-se nesta análise variáveis
como: faixa etária, sexo, estado civil, escolaridade, ocupação, renda familiar e a queixa.
No que se refere aos materiais utilizados foram: prontuários de triagem.
Por fim, vale esclarecer que todos os documentos como prontuários utilizados na
pesquisa estão arquivados na clínica-escola em questão e são mantidos trancados e com
acesso restrito aos profissionais que realizam o atendimento e ao supervisor da clínica.
Resultados – Quanti-qualitativos:
A pesquisa em questão demonstra dados sob forma de amostragem da população
atendida na Clínica-Escola de Psicologia, parte integrativa do Curso de Psicologia,
localizada ou inserida em uma Faculdade privada. Especificamente a população
participante será a clientela desta clínica, portanto uma amostra de 463 usuários ou
pacientes nos quais foram evidenciadas 27 queixas de timidez.
Como principal característica a clínica-escola tem como público em seus
atendimentos pessoas da comunidade de baixa renda, sem outro meio de acesso ao
serviço de Psicologia Clínica. A Tabela 1 contém informações sobre o nível de renda
familiar que possibilita a análise dessa categoria.
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No presente estudo verifica-se que de acordo com amostragem de 463 prontuários
analisados encontrou-se 27 queixas de timidez equivalendo á seis por cento entre outras
queixas.
Clínica Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez - 2008-10
Quantidade (amostra)
Queixas encontradas
Incidência
463
27
6%
Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular
Na tabela a seguir pode-se analisar que não houve diferença significativa entre
gênero e renda familiar, provavelmente não há relação entre Timidez, gênero ou camada
social abarcando todas as categorias.
Tabela 1:Clínica Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez -renda familiar 2008-10
Renda Familiar
Masculino
Feminino
600,00 – 2.000,00
06
05
600,00 – 4.200,00
07
09
Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular
As informações contidas na Tabela 2 evidenciam que a timidez abarca uma faixa
etária que vai desde crianças até a idade adulta, todavia podemos inferir que nessa
amostra, a timidez mostrou-se significativamente prevalente no segmento de 6 a 28 anos.
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Tabela 2: Clínica – Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez faixa etária- 2008-10
Faixa Etária
Masculino
Feminino
06 I----------- 28
14
10
29 I----------- 51
01
02
Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular
Os dados dispostos na Tabela 3 possibilitam a análise da variável Escolaridade, dos
pacientes que se queixam de timidez sendo mais frequente entre homens com menor
escolaridade e, entre as mulheres concentrou-se a ocorrência de timidez, com formação
apenas no Ensino Médio.
Tabela 3: Clínica – Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez escolaridade - 2008-10
Escolaridade
Masculino
Feminino
Ensino Fundamental
08
01
Ensino Médio
05
10
Ensino Superior
02
01
Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular
A Tabela 4 contém informações coletadas na amostragem no que se refere ao
estado civil dos pacientes comumente tímidos participantes da pesquisa, o que permite
sugerir uma investigação futura acerca do quanto a timidez interferiu inibindo a vida
afetiva-relacional dessas pessoas.
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Tabela 4: Clínica – Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez estado civil- 2008-10
Estado civil
Masculino
Feminino
Solteiro
16
10
Casado
---
1
Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular
Na Tabela 5 é possível verificar informações de natureza qualitativa, nos quais os
dados referidos na pesquisa possibilitam analise subjetiva dos participantes que sentem
uma “perda” particular em sua vida causada pela timidez, nomeada como prejuízo nas
áreas afetivas, labor-ativo, biopsicossocial e desenvolvimento intelectual por não terem
uma atitude de iniciativa própria causada inconscientemente. Os dados formam lançados
pelo Entrevistador que realizou a triagem com base na percepção que os sujeitos tinham
de si mesmos ou foram depreendidos pelo entrevistador e apontam para as inibições
sofridas pelo sujeito dito tímido.
Tabela 5: Clínica – Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez 2008-10
Área prejudicada
Nº Indivíduos
Déficits Afetivos
03
Dificuldade Falar em público
06
Déficit Profissional
03
Déficit Escolar
06
Dificuldade em se expressar
03
Relacionamento Pessoal
06
Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular
Percebe-se pela amostragem da pesquisa na população da clínica-escola que as
queixas de timidez no referido estudo é um número considerável sendo um assunto
relevante que merece uma atenção maior na área de Psicologia, devendo ser tratada de
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forma a suprimir ou amenizar os efeitos nos sujeitos comumente tímidos para uma
melhor qualidade de vida possibilitando uma resiliência em suas vidas.
Considerações Finais
Atendendo aos objetivos propostos no presente estudo - investigar a relação entre
timidez e possíveis incapacidades do ego, encontramos no aporte teórico revisado na
bibliografia que a fragilidade do ego em suportar uma crítica, o medo do
autoconhecimento pode ter seu substrato no confronto do Id com o Ego, criando-se
inibições frente a situações relacionadas á outrem.
Freud define as inibições como sendo restrições do Ego que, em dado momento,
foram impostas como medidas de precaução ou se como resultado de um
empobrecimento de energia, o que a difere de um sintoma, que seria um sinal e um
substituto de uma satisfação instintual que permaneceu posicionado em algum lugar em
estado jacente. É, uma consequência do processo de repressão, ocorrendo a partir do Ego
quando este, por ordem do superego, se recusa a associar-se com uma catexia instintual
que foi provocada no Id em forma de desejo ou algo parecido, e que não lhe foi permitido
se manifestar. (Freud, ([1926]1925).
Visando elucidar que a timidez decorre do confronto do Id e Ego, fundamentandose na teoria freudiana que evidencia que o ego, para evitar futuras frustrações não
permite que o desejo do Id se manifeste, causando assim sintomas somáticos no indivíduo
tímido resultando uma vivência de Ego fragilizado, se mostrando incapaz de receber
críticas alheias frente suas atitudes, ações, resultando num entrave emocional que
dependendo da cronicidade pode lhe causar futuras patologias como perdas sócio afetivas
e laborais, na interatividade com outros indivíduos e possíveis psicopatologias, baseandose no método estrutural proposto por Freud, nas instâncias Id, Ego e Superego nos quais
determinam as ações e reações. Assim sendo, o indivíduo tímido pode ser regido por um
Superego rígido confrontando-se com o Ego não permitindo que o desejo e ação do Id se
concretize.
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A proposta da descrição do aparelho psíquico de um sujeito com sintomas de
timidez seria: o Ego criaria um mecanismo de defesa juntamente com o superego para
refutar o desejo do Id evitando assim que ele se manifeste ficando toda sua pulsão de
energia instintiva retida.
Percebe-se a necessidade de que se haja novos estudos específicos sobre Timidez
de natureza mais profunda, haja vista das limitações do presente estudo no que se refere
ao tempo limitado para sua execução talvez ligados ao Ideal de Ego, Id, Ego e Superego,
um estudo histórico sobre Timidez , como foi tratado por diversas áreas , abordagens,
comparando passado e contemporaneidade, por parte de pesquisadores ligados a Psique
para que haja uma melhor qualidade de vida dos indivíduos tímidos resultando de
maneira tal num ganho social, cognitivo, labor-ativo e ideoafetivo e mais aporte cientifico
para futuros profissionais que saberiam como lidar melhor com esse público e não
deixando de mencionar claro os resultados de psicoterapias que desencadeiam mais
vitalidade.
PARECER DE APROVAÇÃO DE COMITÊ
Pesquisa autorizada pelo CEP - Comitê de Ética Profissional da Anhanguera Educacional s/a –
CEP/AESA- em . 1 de abril de 2010 19:11:48 por meio do parecer: no.: 058/2010
Título: A Timidez Como Entrave Emocional Patológico
Resultado aprovado nos termos do CEP.
Referências:
BOCK et al. Psicologias Uma Introdução ao Estudo de Psicologia .13 ed. São Paulo .Saraiva 2002
p.368
COMISÃO, C. et AL O Sofrimento Silencioso da Timidez, 1994.disponível em: http;www.bvspsi.org.br. Acesso em: abril 2010.
DOLTO, F. Solidão. 2ª ed. São Paulo. Martins Fontes. 2001 p.502
FILHO, C. Ensaio Sobre a Timidez. Editora Martins. 1969,p.161
FREUD, S. Apêndice A: O uso do conceito de regressão. Rio de Janeiro: Imago, 1996 495 p. vol. 1
FREUD, S. Sobre o Narcisismo: uma Introdução. Rio de Janeiro: Imago, 1996 396 p. Vol. XIV. 1914
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FREUD, S. Formulações Sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental. Rio de Janeiro:
Imago. 1996, 406p. Vol. XII 1911.
FREUD, S. Inibições, Sintomas e Ansiedade. Rio de Janeiro: Imago1996, 301 p. (1926[1925]) vol.
XX
FREUD, S. O Estranho. Rio de Janeiro: Imago1996, 325p. Vol. XVII 1919.
FREUD, S. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Rio de Janeiro: Imago1905. Vol. VII
LAKATOS; M. Metodologia do Trabalho Científico.7 ed. São Paulo. Atlas. 2008 p.225
OLIVEIRA, S. Tratado de Metodologia Cientifica. 2ª Ed. São Paulo; Pioneira Thomsom Learning,
2004.320p.
OSBORNE, R. Freud Para Principiantes. Rio de Janeiro; Objetiva 2001,131p.
SHIMODA, O. (In: Vencendo a Timidez, disponível em http://somostodosum.ig.com.br acesso
Agosto 2010
SILVA, R. Caracterização da Clientela da Clínica-Escola de Psicologia 27 de Agosto. 2009
SOARES, W. Hipnose. disponível em www.experimentehipnose.com.br
ZAVARONI; D, CELES, L. O Processo Civilizador: uma leitura da pulsão de morte como excessivo.
na compreensão freudiana da cultura. Pulsional; revista de Psicanálise ano XVII, n. 179, 2004.
1
Entende-se que se tratando de um estudo na área da Psicologia se faz necessário a busca como referencial
nas obras clássicas. Visto que a obra de Freud como sendo de fundamental importância estudá-la, pois esta
se mostra em dias atuais, uma teoria que com o passar dos tempos evidencia-se como atual, buscada como
base para vários estudos.
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Havaianas: Além do Imperativo “Recuse
Desempenhados na Campanha Publicitária
Imitações”
Dialogismo
e
Papéis
52
Carolina Di Assis
Resumo: Este artigo objetiva analisar uma propaganda das sandálias Havaianas,
transmitida pela televisão em 2009, a fim de depreender os discursos e os valores
presentes na conversa entre avó e neta. Além disso, objetiva-se mostrar os papéis
desempenhados pelas duas personagens, explicitando o dialogismo existente na
propaganda. Para tanto, foram abordados os conceitos da Análise do Discurso de linha
francesa. Espera-se que este trabalho contribua com as indagações levantadas e motive
futuras pesquisas na área.
Palavras-chave: Discurso. Ideologia. Memória discursiva. Dialogismo. Ethos.
Introdução
O presente trabalho pretende fazer uma análise de uma propaganda das sandálias
Havaianas, transmitida pela televisão no ano de 2009, com base em alguns teóricos da
Análise do Discurso. Essa propaganda criou polêmica com o público e foi retirada do ar,
sendo substituída por outra que continha uma “justificativa” para a “censura”.
Para desenvolver este artigo, os dois comerciais serão utilizados, sendo que ambos
foram obtidos da internet, no site de vídeos www.youtube.com. Desta forma, objetiva-se
depreender os discursos gerados na conversa entre as protagonistas da campanha
publicitária: uma avó e sua neta. Mais especificamente, pretende-se explicitar os papéis
desempenhados pelas duas personagens – representantes de duas gerações diferenciadas
- e, como consequência, os valores surpreendentes difundidos por meio de suas falas.
A fim de desenvolver os objetivos apresentados, os conceitos bakhtinianos serão
ressaltados, assim como as definições apresentadas por outros pensadores da mesma
linha teórica, tais como Michel Pêcheux e Dominique Maingueneau. Além disso, na
52
Carolina Di Assis é graduanda do sétimo período do curso de Letras da Universidade Federal de Goiás na
cidade de Goiânia.
Professora Indicadora - Doutora Eliane Marquez da Fonseca Fernandes, da Universidade Federal de Goiás;
Campus Samambaia da cidade de Goiânia; Curso de Letras.
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análise, serão considerados tanto os elementos verbais quanto os não-verbais, pois o
objeto escolhido é um recurso audiovisual.
A escrita do artigo se explica devido à curiosidade despertada pela quebra de
expectativa na primeira propaganda e pela intervenção do público, que provocou a
censura. Ademais, o objeto de análise escolhido é riquíssimo na produção de conteúdos
implícitos.
Espera-se, então, que este trabalho contribua com as indagações levantadas e que
tente mostrar um lado diferente, não-dito, da campanha publicitária de uma das
mercadorias mais vendidas e valorizadas no Brasil: as sandálias Havaianas.
Discussões Iniciais
Há várias possibilidades de abordar o estudo da língua. A abordagem que
colocaremos em foco para a fundamentação deste trabalho é a da Análise do Discurso.
Para tanto, as concepções sintetizadas por Ingedore V. Koch (1992) nos parecem bastante
relevantes, mesmo que a autora, aparentemente, não diferencie “língua” de “linguagem”.
Assim, vemos: língua/linguagem como representação do pensamento e do conhecimento
de mundo do homem; língua como um código para comunicação; e língua/linguagem
como forma de (inter)ação.
A partir do que foi sintetizado por Koch (1992), percebemos uma nítida relação e o
aprofundamento teórico, no que tange à língua, por meio de Mikhail Bakhtin. Em Bakhtin
(2006), há alguns apontamentos que melhor esclarecem o nosso mote imediato. Para o
autor, a língua é uma atividade concreta por se constituir na interação de locutores. Ela
sofre um processo constante de evolução, a qual é regida por leis sociológicas, instauradas
pela relação “mundo/sujeito e sujeito/mundo”, isto é, pelo ato de enunciação. Além disso,
Bakhtin (2006) frisa: as características listadas conferem à língua o aspecto da criatividade,
que não pode ser entendido separadamente das ideologias a ela ligadas.
De acordo com esse autor, a língua serve às necessidades enunciativas concretas
do locutor, ou seja, está orientada no sentido de um ato enunciativo. Dessa maneira, a
língua só estabelece sentidos num dado contexto concreto, quando se realiza sob a forma
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de texto. Esse texto, depois de produzido, estabelecerá relações com outros – anteriores
ou posteriores - numa interação dita “dialógica”. O conceito de dialogismo também foi
proposto por Bakhtin (2006).
Retomando o filósofo russo, Orlandi e Lagazzi-Rodrigues (2006) defendem o texto
como uma unidade significativa passível de análise, logo ele é possuidor de
“textualidade”. Tal conceito é apresentado por M. A. K. Halliday (Halliday, 1976 apud
Orlandi e Lagazzi-Rodrigues, 2006) para se referir às relações que o texto apresenta com
ele mesmo e ainda com a exterioridade.
Em Orlandi (2004), há a ampliação do conceito de texto, tendo-o como um objeto
com começo, meio e fim – o que facilitaria a análise – se observado do ponto de vista de
sua “apresentação empírica”, de sua materialidade. Entretanto, o texto visto como
discurso instaura sua incompletude, levando em conta novamente a definição bakhtiniana
de dialogismo que será estudada adiante.
Mikhail Bakhtin e sua Relação com a Análise do Discurso
Para o desenvolvimento de um trabalho coerente na área pretendida, faz-se
indispensável recorrer a Mikhail Bakhtin (2006) e aos conceitos por ele defendidos,
cruciais para o entendimento da análise que será feita neste trabalho.
Primeiramente, o filósofo discute o conceito de ideologia e desta forma o
entendemos: a “elaboração ideológica” se constitui por meio da “atividade mental do
nós”, que assim é nomeada por se referir à coletividade. Logo, a ideologia teria caráter
social. Tal posição se contrapõe à “atividade mental do eu”, voltada para o indivíduo.
Esses dois polos de atividade mental correspondem aos limites da interação entre emissor
e ouvinte no ato de enunciação.
Bakhtin (2006, p. 126) resume seus apontamentos com a afirmação de que “*T+oda
palavra é ideológica e toda utilização da língua está ligada à evolução ideológica”, ou seja,
todo dizer carrega valores que se modificam, influenciando a interação verbal. Numa
forma mais simples, a ideologia é, nas palavras de Cleudemar A. Fernandes (2005, p. 29),
“uma concepção de mundo de determinado grupo social em uma circunstância histórica”,
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pois os valores não podem ser vistos independentemente do contexto social em que eles
se encontram.
Além da ideologia, outra contribuição bakhtiniana diz respeito à ampliação do
conceito de diálogo. Antes, de acordo com José Luiz Fiorin (2008), tal noção era
considerada apenas como a comunicação entre duas pessoas feita em voz alta. Depois, o
diálogo em Bakhtin se transforma em dialogismo. O dialogismo se refere às relações que
podem ser estabelecidas entre enunciados – dizeres veiculadores de discursos e que
podem se repetir, apesar de o ato de enunciação não poder – por causa da abertura de
espaço para a réplica.
Pensando na obra do teórico russo, Fiorin (2008) destaca três definições básicas
para dialogismo. A primeira diz respeito ao fato de todo enunciado ser atravessado por
discursos de outrem, por vozes alheias, sendo possível afirmar, portanto, que todo dizer é
dialógico, ainda que implicitamente. A segunda definição se refere à marcação explícita do
aparecimento das vozes alheias. A terceira retoma o que Bakhtin (2006) comenta sobre
“atividade mental do eu” e “atividade mental do nós”. Para o filósofo russo, ambas as
concepções entrecruzadas levariam a uma terceira, a “atividade mental para si”, na qual o
indivíduo se reconhece como integrante de uma sociedade. Assim, como atesta Fiorin
(2008), o sujeito vai se constituindo na relação com o outro e com a realidade em que se
encontra.
Por último, não podemos ignorar outro princípio-chave da obra de Bakhtin (2006):
a polifonia. De certa maneira, ela já foi discutida neste trabalho, porque a polifonia está
ligada às vozes que atravessam todo dizer e têm origem na consciência social. Segundo
Fernandes (2005), é possível perceber na voz de um sujeito discursivo, isto é, em seu
dizer, vozes provindas de diversos discursos. Seriam elas as responsáveis pela
heterogeneidade do sujeito, pois as vozes não só se conciliam, como também podem se
refutar. Finalmente, polifonia e dialogismo se articulam entre si e também com o conceito
de Michel Pêcheux acerca de memória discursiva, a ser comentada a seguir.
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Michel Pêcheux: primeiras formulações
Como se pôde notar, todas as ideias apresentadas até aqui se voltam para o
mesmo aspecto teórico: o conceito de discurso. Todavia, tal conceito não foi exposto com
mais profundidade por não termos abordado ainda o teórico responsável pelo termo:
Michel Pêcheux. Logo, todos os apontamentos feitos até então nos conduzem à pergunta:
o que a Análise do Discurso concebe como discurso?
Fernandes (2005) discute essa noção, inicialmente, pelo que ela não representa.
Conforme o autor, discurso não é língua, nem texto nem fala, mas necessita da linguagem
para se materializar. Visto isso, o conceito se refere às ideologias veiculadas pelas palavras
num determinado contexto social. O discurso estaria, então, relacionado às escolhas
lexicais feitas pelo sujeito discursivo – voz que se constitui no discurso – a fim de produzir
efeitos de sentido, segundo Fernandes (2005).
Orlandi e Lagazzi-Rodrigues (2006) citam Pêcheux para apresentar a definição de
discurso. Segundo as autoras, Pêcheux criticava o “esquema elementar da comunicação”
que via o discurso como uma simples “transmissão de informação” (Orlandi e LagazziRodrigues, 2006, p. 14) e defendia a relevância dos sentidos produzidos entre os locutores
envolvidos na enunciação. Além disso, para Pêcheux, o ato de dizer é importante na
medida em que compreende os locutores, os sentidos produzidos e as condições de
produção, aspectos que remetem para muito além da simples comunicação.
As autoras ainda argumentam, como já dito anteriormente, acerca da
incompletude do discurso, recordando implicitamente o dialogismo de Bakhtin. Tais ideias
estão imbricadas no princípio da memória discursiva, também discutida por Pêcheux.
Segundo Orlandi e Lagazzi-Rodrigues (2006), a memória discursiva está ligada ao
interdiscurso, ou seja, ao que já foi dito antes em outros contextos. Tal noção é marcada
pelo esquecimento porque, conforme as autoras, o sujeito não sabe em quais outras
enunciações o enunciado que produz apareceu.
Podemos concluir, então, que a memória discursiva é formada na coletividade por
acontecimentos que antecederam a enunciação. Agora, diante de todas as informações
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explicitadas, faz-se necessário retomar outra definição de Pêcheux, essencial para o
desenvolvimento deste trabalho: a formação discursiva (FD).
Fernandes (2005) trata a formação discursiva como aquilo que pode ser dito em
determinado contexto sócio histórico. Ou seja, é aquilo que se permite enunciar devido à
presença de determinados valores em uma conjuntura dada e específica. Nas palavras de
Pêcheux (PÊCHEUX, 1990 apud Fernandes 2005, p. 51): “(...) uma FD não é um espaço
estruturalmente fechado, pois é constitutivamente ‘invadido’ por elementos que vêm de
outro lugar (isto é, de outras FD) que se repetem nela, fornecendo-lhe suas evidências
discursivas fundamentais”.
Por estarem estritamente relacionadas com o exterior, as formações discursivas
trazem arraigadas outro conceito que nos remete a Bakhtin: formação ideológica. De uma
forma simples, de acordo com Orlandi e Lagazzi-Rodrigues (2006), a formação ideológica
se projeta, na linguagem, por meio das FD. Assim, toda FD pertence a uma formação
ideológica. Como o discurso é atravessado por muitas FDs, ele também abrange muitas
ideologias e claro, diversas vozes, as quais reinstalam o diálogo com outros enunciados.
Ethos: a investigação de Dominique Maingueneau
A fim de encerrar a primeira etapa deste trabalho no que concerne às formulações
teóricas arroladas até o momento, é indispensável apresentar as reflexões de Dominique
Maingueneau (2008) acerca de ethos. Esse conceito é fundamental para o entendimento
da análise a ser feita adiante, já que nos propusemos a analisar os papéis desempenhados
por uma senhora de idade e por uma jovem numa campanha publicitária.
Maingueneau (2008) inicia sua reflexão afirmando a dificuldade em lidar com a
definição de “ethos”, pois esse termo possui um sentido mais prático. No entanto,
algumas ideias nos são apresentadas. De acordo com Maingueneau (2008), que fez sua
pesquisa com base em outros teóricos, o ethos refere-se ao caráter, ao retrato, ao
comportamento, à imagem emitida pelo locutor no ato de enunciação. O autor defende
não ser possível dizer o ethos no enunciado, pois ele é mostrado no ato de dizer, que é
mais amplo.
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Diante dessas considerações, Maingueneau (2008) enfatiza: produz-se uma
imagem do enunciador antes mesmo que ele fale. Isso se dá por meio da observação de
características não-verbais, tais como as roupas do locutor, sua postura, seus gestos, seu
olhar, a modulação de sua voz, entre outros. Esse “exame” inicial conduz à construção do
ethos pré-discursivo por ser antes da fala. Com a concretização do discurso, outro ethos é
traçado e não necessariamente distinto do primeiro: o discursivo.
É possível perceber que o ethos tem sua razão de ser, conforme Maingueneau
(2008), no contexto social. Primeiro, porque toda a situação (“o aqui e agora”) é levada
em conta e não apenas os dizeres. Segundo, o enunciador imagina um retrato de si
mesmo, mas esse retrato pode ser diferente do que é feito pelo interlocutor. De maneira
resumida: em um ato de enunciação, quem fala faz uma imagem de si próprio e de quem
ouve, e vice-versa.
Ressaltamos ainda um fenômeno comum, atualmente, no meio publicitário e
descrito por Maingueneau (2008): o deslocamento da “propaganda” para a “publicidade”.
Se antes o importante era exibir no comercial as qualidades do produto, atualmente os
argumentos estão voltados para a promoção da marca. Na propaganda a ser analisada
aqui, isso se comprova, como veremos adiante.
A Campanha Publicitária em Foco
Diante de tudo o que foi exposto, é possível perceber ideias-chave que foram
apresentadas na teoria e serão, neste momento, explicitadas na prática. Torna-se
imprescindível, dessa maneira, considerar que o desenvolvimento da interação entre
sujeitos é repleto de “ecos”, ou seja, ditos e não-ditos que vagueiam pelos discursos. Cada
palavra tem, assim, o poder de carregar em si significados outros que não o previsto pelo
locutor enunciativo. Temos então uma arena em que a palavra/texto dá forma a
ideologias e essas perfazem todo o ambiente de disputas. Essa construção de sentidos a
partir de outros e a partir de certas conjecturas será tópico essencial para o trabalho em
questão.
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Como já dito, o objeto de estudo deste artigo diz respeito a duas campanhas
publicitárias das sandálias Havaianas transmitidas na televisão em 2009. A fim de facilitar
a análise nas próximas seções, exporemos agora a transcrição do diálogo oral realizado
pelas protagonistas:
Avó: - Eu não acredito que você veio pro restaurante de chinelo.
Neta: - Deixa de ser atrasada, né vó! Isso não é chinelo, é havaianas, oh,
Havaianas Fit. Dá pra usar em qualquer lugar.
Avó: - Que é bonitinha, é.
(Cauã Reymond aparece e diz para quem o atendeu: “Boa tarde, tudo bem?”)
Neta: - Olha lá, vó!
Avó: - É aquele menino da televisão! Você tinha que arrumar um rapaz assim pra
você.
Neta: - Ah, mas deve ser muito chato casar com famoso, né?
Avó: - Mas quem falou em casamento? Eu tô falando de sexo.
Neta: - Vó!
Avó: - E depois eu é que sou atrasada?!
A campanha publicitária acabou censurada e, no lugar dela, uma nova foi
transmitida: a mesma avó aparece alegando que houve reclamações de algumas pessoas
e, por isso, a empresa responsável pela venda das sandálias Havaianas decidiu retirar do
ar o comercial anterior. No entanto, ela acrescenta, alguns adoraram tal propaganda e,
por conseguinte, ela foi mantida na internet.
É imprescindível observar os papéis desempenhados pelas personagens do
comercial, pois esse aparece num momento em que ainda se tem, no Brasil, uma
concepção mais ortodoxa e conservadora em relação às pessoas idosas e,
simultaneamente, uma perspectiva mais liberal no que concerne aos jovens. Essas
ideologias, ainda vigentes no país, estabelecem uma relação dialógica com a propaganda
analisada. Por isso, este trabalho partirá desse ponto, a fim de fazer uma investigação dos
implícitos presentes na conversa transcrita anteriormente.
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“Havaianas. Todo Mundo usa. Recuse Imitações.”
O slogan feito título desta seção criou raízes na memória discursiva da população
brasileira devido ao reconhecimento que a mercadoria anunciada ganhou com o passar
dos anos. No início, esse reconhecimento era provavelmente justificado pela qualidade
das sandálias, pois vídeos de propagandas antigas – também encontrados no site
www.youtube.com – ressaltam que as havaianas não tinham cheiro e não soltavam as
tiras. Hoje, o comercial do referido produto trabalha mais com a marca em si: a pessoa é
incentivada a comprar havaianas e não outras, tidas como “imitação”.
Maingueneau (2008) comenta justamente sobre esse fenômeno ao citar o
deslocamento de “propaganda” (ênfase no produto) para “publicidade” (ênfase na
marca). Ou seja, tem ocorrido uma mudança de valor no que diz respeito às mercadorias
atuais: agora, é crucial que a propaganda veicule uma boa imagem do produto/marca; o
ethos deve ser minuciosamente pensado.
Na campanha publicitária analisada neste artigo, por exemplo, pouco se fala acerca
do produto; o único comentário direto é feito por apenas uma das personagens, a avó,
que diz “Que é bonitinha, é” sobre o novo modelo. Assim, há alguma menção sobre a
beleza das sandálias, mas as antigas características que as diferenciavam de outras marcas
não são nem mencionadas.
Os principais argumentos, responsáveis por convencer o telespectador, são ditos
pela outra protagonista, a neta: “Isso não é chinelo, é havaianas, oh, Havaianas Fit, dá
para usar em qualquer lugar”. Ou seja, se ela diz que não é chinelo, houve uma
hipervalorizarão das Havaianas, logo seria possível usar o calçado em qualquer ambiente.
Nesse contexto, o slogan é interessante porque “todo mundo usa” não é um fato;
afinal de contas, nenhuma pesquisa foi feita para se comprovar isso. Tal afirmação
configura-se como um argumento utilizado para convencer o telespectador: se todos
usam, independentemente da classe social à qual se pertence e do local onde se está,
ninguém deveria rejeitar essa moda. Concluímos, então, que há uma tentativa de
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persuadir
os
consumidores
de
que
todos
podem
ter
acesso
ao
produto,
independentemente da renda de cada um.
Nesse instante, o conceito bakhtiniano de ideologia começa a aparecer: a
sociedade brasileira preza muito pelo “estar de acordo com a moda” – um valor
estabelecido socialmente.
Papéis Desempenhados
A propaganda ora em análise é muito significativa para se fazer uma discussão
acerca de desempenho de papéis, especialmente se estamos comparando gerações
diferenciadas. Podemos considerar a avó como uma representante das pessoas mais
idosas e a neta representante da juventude como um todo. Temos ainda um diálogo (em
seu conceito mais corrente) entre as protagonistas, o que facilita a identificação de
tomadas de turno, fim de um enunciado e início do outro, alternância de sujeitos.
Portanto, a cada momento que uma delas para de falar, temos um novo dizer, sob o
ponto de vista de outro sujeito.
Considerando essas condições, temos no princípio um comentário conservador por
parte da senhora: ela faz uma reclamação devido ao fato de a neta estar usando “chinelo”
no restaurante. Essa atitude é, frequentemente, esperada de pessoas dessa idade, que
foram acostumadas a sair muito bem arrumadas. No comercial, por exemplo, a
personagem mais velha usa uma roupa sofisticada e séria – por causa da cor escura - salto
alto, colar de pérolas. O traje elegante parece mais adequado ao local onde elas se
encontram, pois é possível ver que o restaurante é de bom gosto: não há copos sobre as
mesas e sim taças, além de um arranjo floral e, por isso, delicado e sutil; o guardanapo é
de pano e não de papel; as cadeiras são maiores e parecem confortáveis; o garçom usa
camisa e gravata; o ator Cauã Reymond frequenta o restaurante e usa, na ocasião, uma
camisa gola polo, e não uma simples camiseta, por exemplo.
A jovem, por sua vez, veste uma roupa colorida e descontraída, afora as Havaianas.
Ela responde à crítica feita pela avó, chamando-a antiquada em “Deixa de ser atrasada, né
vó!”. Essa rotulação é feita de forma implícita, pois o verbo “deixa” pressupõe que, para a
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menina, a mulher de idade avançada tem a característica. Até esse momento, o comercial
evolui normalmente, sem causar surpresa. Porém, a chegada do ator de novelas Cauã
Reymond provoca uma sequência de diálogo responsável pela quebra de expectativa. É
exatamente essa quebra o aspecto mais chamativo e talvez o “culpado” pela censura.
É interessante, antes de tudo, observar um detalhe: a senhora não se lembra do
nome do artista – o chama de “menino” -, esquecimento típico nessa idade. Essa visão nos
conduz à definição de formação discursiva, proposta por Michel Pêcheux. Em relação à
personagem citada, podemos depreender muitas formações discursivas na nossa
sociedade: a FD da saúde (idoso é esquecido, fica doente facilmente, tem dificuldade de
locomoção), a FD do comércio (idoso necessita de muitos remédios), a FD da família
(idoso exige tempo, cuidados e despesas), a FD do trabalho (idoso não tem mais
capacidade para trabalhar), a FD da beleza (idoso perdeu a beleza ao envelhecer), a FD da
moral (idoso é moralista, conservador), e muitas outras.
Cada uma dessas FDs traz consigo uma formação ideológica: pessoas mais velhas
são um fardo para a família e para a sociedade, não têm mais “serventia” em relação ao
aspecto econômico e não acompanham as mudanças sociais. Além disso, cada um desses
pontos de vista constitui uma voz nesse discurso, o que estabelece a polifonia, conceito
bakhtiniano.
É necessário afirmar também que, em geral, ao vermos a imagem de alguém mais
senil, nós nos remetemos a todas aquelas formações discursivas. Isso ocorre porque
estamos inseridos num contexto que propicia tais ideologias. Os valores possuídos pela
sociedade brasileira, infelizmente, mostram que o idoso não tem tanto valor para os
outros, é desrespeitado, abandonado e às vezes sofre maus tratos.
Retomando a propaganda, é relevante nos determos um momento na palavra
“arrumar”, presente em “Você tinha que arrumar um rapaz assim pra você”. Nota-se que
tal verbo constitui, nesse contexto, diferentes interpretações. Foi explicitado
anteriormente o fato de os sentidos serem gerados socialmente, dentro de determinadas
possibilidades promovidas pelas condições de produção (contexto, situação, locutores,
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ethos). Assim, o dizer da senhora já previa um sentido, provavelmente relacionado a sexo.
Todavia, a jovem fez outra suposição e a verbalizou: “arrumar” como sinônimo de casar.
Talvez a menina estivesse apenas tentando dar continuidade ao assunto iniciado. Desta
forma, ao construir um ethos mais ortodoxo da avó, a neta tendeu a desenvolver uma fala
sobre casamento. A outra possibilidade é que ela seja realmente menos “liberal” do que o
esperado.
Pensando nisso, podemos perceber conteúdos implícitos naquela fala da avó. Se a
moça é aconselhada a “arrumar” alguém parecido com o ator Cauã Reymond é porque ela
não tem namorado ou porque o homem que está com ela não é tão bom quanto o ator da
Rede Globo. Além disso, “um rapaz assim” deixa subentendido, por exemplo, que o
escolhido deve ter dinheiro, ser bonito e famoso, assim como o artista mencionado.
Todos os apontamentos feitos até aqui nos conduzem novamente a Maingueneau
(2008) e sua pesquisa acerca de ethos. Nesse sentido, há o ethos pré-discursivo que a avó
constrói da neta antes que essa fale algo, e vice-versa. Esse retrato prévio é justificado
pela observação das roupas e acessórios usados pelas personagens; pela aparência de
cada uma, o que denuncia a idade; pelo olhar de reprovação por causa da escolha de um
calçado dito inadequado; pelo tom de reclamação na voz. Os pormenores citados
contribuem para com os estereótipos preconceituosos estabelecidos na sociedade.
Antes do diálogo, por conseguinte, a mulher idosa faz uma imagem “moderninha”
da menina e essa faz uma imagem antiquada da outra, juntamente com quem assiste à
propaganda. O assunto inicial também comprova as primeiras impressões. Após o diálogo,
entretanto, ocorre a inversão de valores/papéis, surpreendendo as duas e,
simultaneamente, os telespectadores/consumidores. Não é por acaso que, ao final, a
moça mostra espanto e grita “Vó!”, enquanto a senhora diz “E depois eu é que sou
atrasada?!”.
A
pergunta/exclamação
da
protagonista
deixa
transparecer
um
subentendido: “a atrasada é você”.
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A Censura: constituição de ecos sociais
Provavelmente, o aspecto mais fascinante de toda a análise se trate da recepção
da campanha publicitária pelo público. Como já foi dito anteriormente, houve a censura e
uma nova propaganda foi transmitida na televisão no lugar da primeira. Nesse contexto, o
questionamento central seria: por quê?
Pudemos observar que há uma inversão de valores/papéis no que se refere à avó e
à neta, personagens representantes de gerações distintas. Foram relatadas aqui as
formações discursivas e ideológicas que atravessam os discursos veiculados no comercial.
Cada ideologia representaria uma voz social: a voz moral de que pessoas mais velhas têm
um comportamento mais recatado; a voz da Igreja Cristã que condena o sexo fora do
casamento; a voz da família que teme o aparecimento precoce desse assunto na vida dos
filhos e também a voz do erotismo que incentiva uma discussão mais aberta do tema.
Todas essas vozes constituem a polifonia, conceito bakhtiniano.
Se a empresa responsável pela venda de Havaianas se viu obrigada a retirar o
comercial do ar, provavelmente a reclamação do público atingiu uma quantidade
significativa. Assim, se houve descontentamento, os valores presentes nas falas da avó e
da neta e analisados no decorrer deste trabalho perturbaram uma parte da população. O
incômodo da inversão de papéis deve ter sido gerado pelos conteúdos recuperados na
memória discursiva, sendo que tais informações estabelecem dialogismo com os discursos
presentes na propaganda, refutando-os.
As ideologias são criadas na sociedade e “internalizadas” durante o nosso
desenvolvimento por causa da interação social, passando a constituir a memória
discursiva de cada ser humano. Desta forma, uma parte da população vivenciou um
estranhamento ao ver na televisão o assunto “sexo” exposto de maneira tão livre e com
tanta naturalidade. Isso ocorreu pelo fato de a memória discursiva ter mostrado que, há
alguns anos, esse tema era tabu para ser tratado em qualquer lugar, ainda mais
publicamente.
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Considerando esses apontamentos, é possível perceber que antes havia um
interdiscurso: “sexo” é um tópico que não deve ser discutido de maneira tão aberta,
principalmente em público e por pessoas idosas. Esse já-dito dialoga com a situação
explicitada na campanha publicitária, sendo por ela rejeitado devido à ruptura do ethos da
avó. Portanto, o dialogismo de Mikhail Bakhtin (2006) marca presença nesse momento: as
diversas vozes sociais dialogam entre si, resgatando discursos antes em voga e indignando
uma parcela dos brasileiros.
No novo comercial transmitido na televisão, há uma breve reprise do que foi
censurado. Não há menção ao motivo, porém o comentário “Eu tô falando de sexo” não é
mostrado. Isso indica que deve ser exatamente essa fala a “culpada”. Por outro lado, a avó
diz que alguns adoraram a propaganda das Havaianas Fit (sendo que, na verdade, o
produto perdeu o posto de centro das atenções) e por isso ela foi mantida na internet. Há
uma ironia provocada pelo enunciado “Democrático, né?” já que não deve ter sido um
processo democrático, e sim imposto, o banimento da propaganda da televisão.
A ressalva de que a campanha publicitária estaria disponível na internet é decisiva
no contexto porque na rede digital há, por convenção, mais liberdade e “democracia”,
talvez por ser uma criação mais recente. A avó encerra ao dizer “Viu como eu sou
moderninha?”, referendando um ethos que corresponderia ao ethos do produto: a
mulher idosa demonstra uma imagem moderna (até mesmo por ter no colo um notebook)
assim como o produto o faz, por causa da presença da internet na promoção das sandálias
Havaianas.
Conclusão
Este artigo foi desenvolvido com a finalidade de investigar a campanha publicitária,
transmitida em 2009, de uma mercadoria bastante conhecida no Brasil: as Havaianas. O
que motivou a pesquisa foi o interesse despertado em relação aos conteúdos implícitos
presentes na propaganda, além da admirável inversão de papéis protagonizada pelas
personagens. Também a censura constituiu-se como um fecho fascinante e intimamente
ligado aos valores veiculados na conversa entre avó e neta.
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Para atingir nossos propósitos, consideramos desde as falas das protagonistas, até
elementos aparentemente secundários, como suas roupas, seus acessórios e o cenário.
Isso se explica pelo fato do nosso objeto se tratar de um recurso audiovisual (vídeos).
Além disso, o fio mestre responsável por guiar o presente estudo foi a Análise do Discurso
de linha francesa, pois nos aproveitamos das definições de dialogismo, ideologia,
polifonia, discurso, formações discursivas, memória discursiva e ethos.
Esperamos que este trabalho dê alguma contribuição para futuras investigações na
mesma área, apesar de termos consciência de que a leitura aqui apresentada é apenas
uma possibilidade, dentre tantas. Outras interpretações podem e devem ser realizadas a
fim de expandir as discussões acerca da constituição de discursos dentro da sociedade.
Referências:
BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. M. Lahud e Y. F. Vieira. 12.
ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
FERNANDES, C. A. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas, 2005.
FIORIN, J. Introdução ao Pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008.
KOCH, I. A Inter-ação Pela Linguagem. São Paulo: Contexto, 1992.
MAINGUENEAU, D. A Propósito do Ethos. In: MOTTA e SALGADO (Orgs.). Ethos Discursivo. São
Paulo: Contexto, 2008. p. 11-29.
ORLANDI, E. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 4ª ed. Campinas:
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http://www.youtube.com/watch?v=KxgTJMZo8Kg. Acesso em 20 ago. 2010.
Havaianas – Vovó pede desculpas (2009). Disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=eRajwoZmc1U. Acesso em 20 ago. 2010.
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Pentecostalismo e Sociedade: Estudo Sobre Similaridades e Diferenças Entre Católicos
Carismáticos e Protestantes Pentecostais.
Rafael Damião Carmo Rosa de Almeida53
Resumo A principal proposta desta pesquisa é observar as similaridades e diferenças das
práticas pentecostais dentro de duas vertentes do pentecostalismo, Renovação
Carismática Católica (RCC) e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) desde 1979-2009,
na cidade de Inhumas, Goiás. Com essa análise de similaridades e diferenças se quer
compreender principalmente o grau de proximidade dessas práticas religiosas. Práticas
que ao serem analisadas a partir de “olhares apressados” parecem ter menos em comum
do que de fato tem. Durante as pesquisas, concluiu-se que a partir de certos prismas pode
haver mais proximidade entre catolicismo carismático e protestantismo pentecostal do
que as similaridades existentes entre os catolicismos carismático e tradicional, ou
existentes entre os protestantismos tradicional e pentecostal.
Palavras-chave: Religião. História. Católico. Carismático. Protestante. Pentecostalismo.
Religião, História e Sociedade
Pensar os seres humanos inserido numa sociedade traz consigo questionamentos e
dificuldades quando pesquisadas a partir do ponto de vista e do conceito da religião.
Observar as ações desse “homem” a partir de questões ligadas à religiosidade contribuirá
para o campo das Ciências Humanas. E a partir dessas ações humanas discutiram-se
alguns termos como religião, fé, rito.
Nessa perspectiva de Piazza, a religião é dada como manifestações espirituais do
homem, porém reconstruídas a cada geração de forma diferente. Deve-se ao fato que, em
cada época o contexto histórico influenciará bastante os seres humanos e suas práticas
espirituais as mudanças necessárias para tal período ou contexto.
Para Durkheim (1912), a religião é um aspecto “essencial e permanente da
humanidade”, a partir daí, a religião é estabelecida, em um plano geral, elementos dentro
53
Rafael Damião Carmo Rosa de Almeida é aluno do 4º ano do curso de História da UEG Goiás.
Professor Indicador do artigo Doutor Itelvides José de Morais do Curso de História da Universidade Estadual
de Goiás da cidade de Goiás
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destes segmentos religiosos que são permanentes e comparáveis. Schlesinger e Porto
definem a religião como algo concreto e visível inserido socialmente, tendo
relacionamento do homem com Deus através de práticas ritualísticas, palavras culturais e
um acervo patrimonial escriturístico (Schlesinger & Porto, 1982).
Em seguida ao conceito de religião, podemos abordar neste trabalho a questão da
fé e rito. Tais questões são importantes para o desenvolvimento deste, pois ao ver na
pesquisa as diferenças e similaridades de dois movimentos pentecostais; um baseado
ainda nos dogmas católicos e outro classificado como evangélico, perceberá que há
diferenças, distanciamentos entre opiniões sobre determinados assuntos.
A RCC (Renovação Carismática Católica) segue uma forma diferenciada de fé, se
comparada ao que de repente seja fé para os grupos adeptos do protestantismo. Segundo
Prandi (1997), a fé pregada na RCC é extremamente valorizada, visto que, é utilizada em
todos os grupos de oração e nos grandes encontros realizados pelos carismáticos. É
importante observar que, a fé é diferenciada de acordo com a doutrina, seja cristã,
islâmica, ou qualquer outra. A fé para muitos é necessária e importante, pois como Prandi
(1997) expõe, é expressa a fé, a reza do terço, mesmo sendo de tradição antiga, mas que
ainda vigora nos tempos atuais.
Para Schlesinger e Porto (1982), a questão dá fé é a principal fonte da vida de um
religioso, onde o indivíduo enfrenta com segurança o medo, sua fraqueza e preguiça, e de
acordo com estes autores, a fé é o que faz crer em Deus. Assim, a fé é essencial tanto para
os católicos quanto aos evangélicos. Isto é relacionado na crença total em Deus, nas
bênçãos e conquistas que o indivíduo possa vir a ter conquistado fazendo acreditar mais
em Deus e que o retorno mesmo sendo demorado, vem a qualquer hora. A intenção da fé
seria então, a confiança e segurança em Deus para ter uma resposta esperada pelo
indivíduo.
Tanto a fé e o rito fazem parte de muitas religiões, tanto no catolicismo e
protestantismo, porém, observados aqui no movimento carismático católico e na
denominação pentecostal IURD, estas fazem os seus adeptos florescerem ainda mais a fé,
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explorando o lado sensitivo e emotivo deles, transmitindo assim no final, um resultado
esperado pelos líderes.
O Pentecostalismo
O termo evangélico, muito utilizado na contemporaneidade para afirmar que uma
pessoa é de uma determinada Igreja ou de tal denominação religiosa, ganhou espaço
entre os termos crente e protestante. Tal como explica Morais (2007, p. 15) que, “também
oriundo do latim evangelicus, significa aquele que crê nos evangelhos. Entre outros
motivos a projeção do termo, justifica-se pela busca de uma maneira de designar que
causasse menor impressão de radicalismo”. Os termos aqui abordados serão retomados a
todo instante, visto que haverá um envolvimento entre seguidores da linha evangélica,
porém muitos talvez vão se declarar protestantes ou até mesmo crentes.
Sendo assim, facilitando o entendimento dos conceitos acima expostos, Morais diz
a respeito do pentecostalismo surgido no século XX,
[...] surgiu como referência que em muitos aspectos parecia se aproximar do
termo evangélico. Assim como esse, sua maior ligação seria com as igrejas que
chegaram ou foram fundadas no século XX, em países como Brasil. Além dessa,
outra de suas características é aliar aos rituais já comuns no protestantismo,
como a crença em dois sacramentos, com práticas tais como o batismo pelo
Espírito Santo. (MORAIS, 2007, p. 29)
Baseado em Morais, o termo evangélico está ligado com o movimento pentecostal,
pois tal movimento teve primeiramente influência dentro do “universo” evangélico. Mas
no final da década de 1960, este movimento pentecostal ganhou adeptos católicos.
Em análise à Maria das Dores Campos Machado, observa-se que o
pentecostalismo:
comum a elas seria também o estímulo à participação emocionada e
espontânea nos rituais, ao proselitismo religioso e à rigidez moral, levando os
fiéis a ocuparem lugares separados nos cultos, de acordo com o sexo, e
encarregando toda a comunidade religiosa da vigilância constante de seus
membros. (MACHADO, 1996, p. 45)
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Já Machado (1996), expõe que o pentecostalismo como sistema rígido da moral
tem como objetivo a busca da participação do lado emocional e espontânea, além da
prática nos seus rituais. Neste sentido seria um movimento resgatando os sentidos da
Igreja Primitiva, virtudes mais rígidas.
Perbont (1994) e Morais (2007), afirmam que o batismo no Espírito Santo são
características importantes deste movimento. Se em certos aspectos as características sob
os termos evangélico e pentecostal são de similaridades, por outros aspectos esses
termos podem ser pensados a partir de seu distanciamento. Morais (2007) faz algumas
observações que os separam,
O batismo seria uma das diferenças, somado à constante busca de curas físicas e
espirituais, à oração em voz alta, e na maioria dos casos à preocupação em
estabelecer regras para vestes, adereços e comportamentos de homens e
mulheres, que quando comparadas com os padrões dos demais protestantes,
acabam por se mostrar mais rígidas. (MORAIS, 2007, p. 29)
Como já observado, o batismo é a chave principal e norteadora do
pentecostalismo, mas vale ressaltar aqui uma observação importante de Wrege (2001), o
pentecostalismo se expandiu na classe mais pobre, principalmente entre os de baixa
renda e escolaridade. Torna-se importante esta observação feita por Werge porque
desses segmentos sociais que surgirão os maiores propagadores do movimento
pentecostal no Brasil.
O pentecostalismo se organiza no Brasil por volta de 1910 e 1911 com a fundação
das Igrejas Congregação Cristã do Brasil em São Paulo e Assembleia de Deus no Pará, que
fazem parte da chamada Primeira Onda Pentecostal (Araújo, 2008). Ao longo dos anos, o
pentecostalismo passou por algumas divisões, e é caracterizado em três ondas ou três
fases, de acordo com Morais (2007) apresenta-as da seguinte forma,
[...] a primeira dessas subdivisões é normalmente chamada primeira onda
pentecostal. No caso do Brasil, sob esse termo estaria a maioria das igrejas
surgidas na primeira metade do século XX, tais como a Congregação Cristã do
Brasil, e a Assembléia de Deus (MACHADO, 1996 apud MORAIS, 2007, p. 31).
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A segunda onda pentecostal, o movimento é caracterizado da seguinte forma: é
similar a primeira onda pentecostal, porém surgiu na metade do século XX com outras
igrejas e com aspectos mais radicais. De acordo com Morais (2007),
[...] essa segunda onda pentecostal, além desses pontos de aproximação com as
igrejas da primeira onda, tem como características próprias o radicalismo ainda
maior a respeito da sobriedade e recato das vestimentas e a tendência de maior
distanciamento de outras igrejas. (MORAIS, 2007, p.32)
Já a partir da década de 1970 surgiria a chamada Terceira Onda Pentecostal ou
igrejas neopentecostais. Estando entre as igrejas surgidas neste período a Igreja Universal
do Reino de Deus (1977), Internacional da Graça de Deus (1980), Renascer em Cristo
(1986) e Comunidade Sara Nossa Terra (1992). Sendo assim, definida por Silva:
*...+ iniciada nos anos de 1970, *...+ Pelo acréscimo do prefixo latino “neo”,
pretendeu-se expressar algumas ênfases que as igrejas identificadas nessa fase
assumiram em relação ao campo do qual, em geral, faziam parte: abandono (ou
abrandamento) do ascetismo, valorização do pragmatismo, utilização de gestão
empresarial na condução dos templos, ênfase na teologia da prosperidade,
utilização da mídia para o trabalho de proselitismo em massa e de propaganda
religiosa (por isso chamadas de “igrejas eletrônicas”) e centralidade da teologia
da batalha espiritual contra as outras denominações religiosas, sobretudo as
afro-brasileiras e o espiritismo. (SILVA, 2005, p.152)
A RCC também faz parte deste movimento neopentecostal, porém na dimensão
católica, conhecido como Movimento Carismático Católico (Araújo, 2008). Nela, assim
como nas demais denominações pentecostais surgidas neste período há maior ênfase do
que nas igrejas surgidas nas duas ondas pentecostais anteriores dos chamados meios de
comunicação de massa; com destaque para rádio, jornais, internet e canais de televisão. E
assim como as demais igrejas do período valoriza os cantos, o milagre e o culto baseado
na ligação com o Espírito Santo e o que se considera serem seus dons.
Esses conceitos sobre pentecostalismo são relevantes porque parecem se
aproximar daquilo que provavelmente encontraremos nas manifestações religiosas
pesquisadas, ou seja, essas definições se aproximam do que os fiéis carismáticos e
evangélicos pentecostais acreditam e defendem. Portanto, esses conceitos facilitarão a
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compreensão do nosso objeto de estudo, visto que as definições conceituais apresentadas
estão em sintonia com as práticas diárias dessas formas de expressão religiosa.
Católicos Carismáticos e Protestantes Pentecostais: Similaridades e Diferenças
Nas pesquisas que embasam essa parte do trabalho, utilizou-se de entrevista com
indivíduos adeptos a esses dois fenômenos religiosos, Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD) e Renovação Carismática Católica (RCC). Portanto, as fontes orais são elementos
importantes para fazer a análise das semelhanças e diferenças entre a IURD e RCC. E como
essas práticas religiosas são carregadas de símbolos, Bourdieu afirma que “os símbolos
são os instrumentos por excelência da <<integração social>>: enquanto instrumentos de
conhecimento e de comunicação” (BOURDIEU, 1989, p. 10).
Percebe-se que os símbolos são muito utilizados na IURD e RCC, estes símbolos
legitimam parte do poder sobre os adeptos a estes grupos, “é enquanto instrumentos
estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os <<sistemas
simbólicos>> cumprem sua função política de instrumentos de imposição ou de
legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe
sobre outra. (BOURDIEU, 1989, p. 11)”.
Essa busca por legitimação do grupo religioso se dá nos âmbito de proporção de
número de fiéis. Os símbolos servem também como apoio nos momentos de oração, na
IURD percebe mais o uso de símbolos, pois nos momentos de ofertórios e do dízimo, o
líder da igreja com a ajuda da sua equipe (obreiros) traz o óleo, a água para aspersão e
abençoam os fiéis que estão em dias com seu dízimo e através das ofertas destes, a igreja
consegue estar em dias com suas despesas. Foi notado ainda grande uso do sal tanto
como símbolo de purificação, pois em alguns cultos da IURD foi utilizado o sal para
purificar os fiéis, e também é usado com mais frequência na sextas, pois este é o Dia da
Libertação, e, além disso, é utilizado nos momentos em que se aborda ou se coleta
dízimos e ofertas. Essa prática de uso de símbolos é apresentada na IURD, “porque assim
é e porque não há sujeito social que possa ignorá-lo praticamente, as propriedades
(objetivamente) simbólicas, mesmo as
mais
negativas, podem
ser utilizadas
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estrategicamente em função dos interesses materiais e também simbólicos do seu
portador”. (BOURDIEU, 1989, p. 112)
No grupo de oração da carismática que foi visitado não há uma ênfase em pedir
oferta e dízimo. E quando isto acontece, os carismáticos só fazem nos grandes encontros
anuais (Encontrão e Rebanhão) 54, quando se encerram os eventos é celebrada uma missa,
e neste momento como ritual da missa, é pedido dinheiro no momento de ofertório. E
quando se tem uma passagem bíblica envolvendo o tema dízimo, o celebrante (padre) faz
uma maior apresentação sobre a importância da contribuição tanto da oferta quanto do
dízimo. Mas esses dois momentos não fazem parte da teologia da Igreja Católica, pois há
cobranças na Igreja Católica que não são presentes em outras igrejas, como batismo,
casamento, missa de sétimo dia, cumprimento dos sacramentos e outras celebrações
especiais. Essa diferença é observada na teologia de cada religião, a IURD segue a
tendência da Teologia da Prosperidade, e a religião católica segue a tendência da Teologia
da Libertação. Em que a primeira é observada a grande presença da questão do
enriquecimento econômico e financeiro do fiel, e já a segunda é presente a questão de
libertação da vida mundana, envolve mais o assunto da salvação. Interessante observar a
Teologia da Prosperidade apresentada em Mariano (2005), em que, para ele,
A Teologia da Prosperidade subverte radicalmente o velho ascetismo
pentecostal. Promete prosperidade material, poder terreno, redenção da
pobreza nesta vida. Ademais, segundo ela, a pobreza significa falta de fé, algo
que desqualifica qualquer postulante à salvação. (MARIANO, 2005, p. 159)
É interessante observar que as igrejas de tendência a Teologia da Prosperidade,
como no caso a IURD, tem um público de grande participação oriunda da classe baixa,
muitos não tem escolaridade concluída. Essas pessoas provavelmente buscam nesta igreja
uma solução de seus problemas financeiros e econômicos, pois se não há escolaridade
concluída (mesmo que seja o ensino fundamental), os participantes desta teologia tem
54
Rebanhão e Encontrão: dois grandes encontros realizados pela RCC, praticamente todo ano se tem esses
dois encontros. O primeiro as pessoas se reúnem para louvar ao Senhor Deus nos quatro dias de carnaval. O
segundo é uma forma de reunir mais uma vez todos os grupos de oração da cidade.
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empregos em que a remuneração é baixa, e os problemas econômicos são a grande
dificuldade para ascensão e status. Essa questão da Teologia da Prosperidade é complexa,
mais na IURD, atribui – se o que Mariano (2005) diz, “Daí advêm parte da insistência dos
pastores em dizer que somente prosperam os que mantêm fidelidade no pagamento do
dízimo. Os demais são merecedores apenas de graças pontuais, similares à sua
inconstância no “dar”.” (MARIANO, 2005, p. 164).
De acordo com Santana (2001), “o fiel não pode se contentar com a miséria e com
a desgraça. Viver na presença de Deus é ter vida abundante. Portanto, suas reuniões e
rituais são marcados por uma visão teológica de prosperidade.” (SANTANA, 2001, p. 82). E
depois ela nos traz que os discursos que os líderes das duas vertentes religiosas fazem
para seu público alvo são semelhantes. Os discursos para pedirem a oferta e estar em dias
com o dízimo são sempre para fins sociais. Daí tem-se que no dízimo e no ofertório para
esses segmentos religiosos até certo ponto são importantes, mas analisando a forma que
os líderes fazem, torna-se diferente dos carismáticos. Os iurdianos (membros da Igreja
Universal) pedem de forma diferente dos carismáticos, pois há certa cobrança maior no
pagamento do mesmo, e nas ofertas, os iurdianos são mais cobrados em sempre estar
ofertando, principalmente em época de campanha de prosperidade.
Mas em entrevista feita com Antonieta (pioneira da IURD)55 , a questão do dízimo
para ela é o que se percebe na maioria dos fiéis, há uma defesa por parte dela em relação
à contribuição do dízimo e ofertório,
“... A Igreja Universal visa muito assim, que ela pede muito dinheiro. Mas tem as
campanhas, que o povo visa que não está na Bíblia, que não fala sobre dá oferta.
Eles leem na palavra de Deus, fala olha tal lugar foi mandado que dava isso que
dava aquilo, mas não, eles têm as “campanhas”, agora faz a campanha se a
pessoa quiser livre espontânea vontade, o pastor não obriga ninguém, se passa
55
Antonieta Ferreira Oliveira, 76 anos, casada, aposentada. Pioneira da Igreja Universal do Reino de Deus,
mas atualmente frequenta a Igreja Maanaim de Inhumas.
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o envelope, passou o envelope. Eu quero pegar eu pego eu não quero não pego.
Se tive necessidade de fazer uma campanha eu faço. Lá também eles não visam
assim: ó você dá porque a pessoa fala: o fulano você pode dá tanto nessa
campanha?...” (entrevista realizada no dia 18/09/10 em Inhumas).
Para dona Antonieta, a questão da contribuição da oferta e do dízimo é algo já
aceito por parcela das pessoas da Igreja, pode - se analisar essa fala como uma forma de
defesa por toda a polêmica que a Igreja Universal tem em relação a suas estratégias de
trabalhos com dízimo e ofertório. Ela elenca também a questão da espontaneidade das
contribuições nas campanhas de orações. A polêmica que a IURD tem em relação a essa
arrecadação e exploração não faz parte desta pesquisa, o que faz parte da pesquisa é a
prática religiosa da igreja e o uso dos símbolos como forma de legitimação desta prática
da igreja.
Chega-se a um ponto de diferença e semelhança neste assunto do dízimo e oferta.
Os iurdianos e carismáticos pedem para o mesmo objetivo: social. Mas os meios
alternativos e criativos que os dois movimentos usam são diferentes. Para os iurdianos a
utilização dos símbolos: passagens bíblicas no boleto do dízimo e a purificação através do
sal vão legitimar e dar condições para os líderes chegarem ao objetivo principal que é a
totalização dos fiéis em cumprimento do pagamento do dízimo e a maior participação na
oferta. Mesmo que os carismáticos pedem para o mesmo objetivo que é o social, não
fazem tanto uso da simbologia para conseguir mais ofertas e cumprimentos do dízimo.
Conclui-se que a IURD e a RCC pedem para a mesma finalidade que é a social,
pautada nas atividades sociais. Mas diferenciam na forma de pedir, e também de
apresentar a importância do dízimo e da oferta, já que a IURD aproveita-se de certa
simbologia para conseguir mais dizimistas e ofertas na perspectiva de quem contribui com
a igreja, terá seu retorno garantido.
No campo carismático, e em algumas visitas aos grupos de oração, percebe-se que
há um segmento linear nos dias de orações. Diferentemente da IURD, os iurdianos, aliás, o
líder da igreja não segue uma linearidade no ritual religioso, porém a cada dia da semana
é trabalhado um tema pertinente e que envolve também os dons carismáticos. Nos
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momentos de participação nos grupos carismáticos, percebe-se que há uma “entrega”
maior dos fiéis durante o período de oração. Diferente dos iurdianos que elevam o tom de
voz quando fazem este tipo de pedido. Em uma das visitas, observou-se que uma parcela
dos pastores praticamente esbravejava com os braços nas orações. Os cânticos das
músicas também eram muito altos. Estes dois aspectos podem ser considerados também
simbólicos exercidos para que seus fiéis tenham maior participação nas orações e
cânticos.
Segundo Santana, “tanto para os pentecostais quanto carismáticos conservam o
apelo à tradição denominacional ou religiosa. Procuram evitar rupturas ou cisões. O
objetivo dos dois grupos é a renovação espiritual de cada fiel per si.”. (SANTANA, 2001, p.
80). Para Santana (2001, p. 79) o que seria o marco tanto para o “Pentecostalismo no
Protestantismo, quanto do movimento Carismático na Igreja Católica” é o batismo de
fogo, em que através deste batizado, os dons carismáticos poderiam desenvolver com
mais praticidade. Este objetivo que Santana expõe, foi notado em algumas participações
tanto nos grupos de oração da RCC e cultos da IURD, pois nos momentos de oração,
pregação os líderes destes grupos apresentavam propostas para uma renovação espiritual
das pessoas que estavam com algum tipo de problema: familiar e/ou financeiro. Estes
problemas são os mais comuns, em que as pessoas procuram estes movimentos
religiosos. Santana (2001) pontua vários assuntos que assemelham e diferenciam os
pentecostais (protestantes) dos carismáticos. A utilização da Bíblia é observada em boa
parte dos grupos evangélicos, protestantes, mas é mais recente e usado com mais vigor
para os católicos quando estes seguem o movimento pentecostal de linha católica. Os
católicos tradicionais por muito tempo não era grande utilizador da Bíblia, por mais que
nas missas, terços, rezas é utilizada para fazer liturgia, só teve maior ênfase após o
surgimento do movimento carismático católico.
Santana levanta outra semelhança, “os grupos religiosos, tanto os pentecostais,
quanto os carismáticos, buscam a cura divina, fruto dos dons do espírito.” (SANTANA,
2001, p. 81). Segundo Prandi, “*...+ ricos, pobres, católicos carismáticos, pentecostais,
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homens, mulheres... procuravam assistência material e espiritual: paz, melhoria nos
relacionamentos pessoais e nos problemas de adaptação e identidade, curas de males
físicos e mentais melhorias financeiras, etc. (PRANDI, 1997, p. 125)”. Os indivíduos em si
parecem buscar certa religião quando estão precisando de ajuda, no campo espiritual,
amoroso, familiar e inclui também o financeiro. Na IURD foi mais notável a participação de
alguns fiéis quando o líder (pastor) começa a tocar nos assuntos aqui destacados, pois são
os pontos chaves que a IURD trabalha para abarcar mais fiéis.
Na pesquisa em campo, percebem-se também diferenças na questão sobre Maria.
Para os carismáticos católicos há uma maior aproximação e divulgação do amor à Maria.
Bem diferente dos carismáticos, os iurdianos não a consideram tão importante quanto
Jesus. Para Santana (2001), em sua observação também entre os pentecostais
(protestantes) e carismáticos católicos, os protestantes consideram Maria como “uma
mulher que recebeu uma graça especial e que deve ser lembrada como exemplo de
conduta, nada mais.” (SANTANA, 2001, p. 80).
Nessa mesma análise ainda de Santana, segundo a autora, “Maria é uma fronteira
instransponível entre os dois territórios, que de outro modo, poderia ser um só”
(SANTANA, 2001, p. 80). E esta fronteira é observada também na entrevista com Maria
Helena (M. H.) - membro da RCC - quando ela comenta sobre a IURD, “Nunca participei da
Igreja Universal, mas pelo pouco que sei, penso que ela não é completa, pois não acredita
na intercessão da Mãe do Filho de Deus, não foi instituída claramente por Deus como a
Igreja Católica e parece se deixar levar muito por interesses humanos” Entrevista realizada
no dia 25/09/10 em Inhumas.
Esta barreira de territórios religiosos, fazendo uma análise da entrevista com M. H.
(membro da RCC). Para a entrevistada a RCC e a IURD são muito diferentes e não é Maria
que as separam, é a constituição das denominações, pois a RCC como movimento
religioso dentro da Igreja Católica, e esta considera a Igreja fundada por Jesus Cristo,
consequentemente qualquer outra religião que não seja a católica não é constituída e
sagrada, pois são fundadas por interesses do “homem”.
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A questão da “reza do terço” é outro marco radical que separam os carismáticos
dos pentecostais (protestantes), em que há uma aversão e condenação, mas que “seria
uma forma de assegurar a presença católica na vida carismática.” (SANTANA, 2001, p. 80).
Em entrevista com M. H. sobre a influência da RCC na vida de seus seguidores ela
diz: “A Renovação influencia totalmente a vida da pessoa que a segue. Ela eleva nossa fé e
proporciona conhecimento sobre a lei de Deus e confiança na misericórdia e no amor de
Deus. Assim nos tornamos pessoas mais seguras” (Entrevista de 25/09/10), deixa nos
claramente que a RCC contribui bastante para ter um contato com Deus.
Um pouco diferente da resposta dada por outra entrevistada da RCC sobre a
influência que a RCC faz na vida dos seus participantes, Aparecida Siqueira (A. S.) membro da RCC - considera que “Quando se busca uma experiência pessoal com Espírito
Santo, Ele eleva a pessoa a um desejo de profunda mudança em suas condutas, desperta
para o desejo de sair do egoísmo e ir servir” (Entrevista de 30/09/10). Nesta perspectiva, o
Espírito Santo é importante e influencia bastante na vida de quem o busca.
Sobre os dons carismáticos e o uso deles nesses segmentos religiosos, há
diferenças nas respostas das entrevistadas. Para dona Antonieta (IURD)
“Porque a Igreja Universal, a prática dela que ela traduz pra gente assim, é pela
Bíblia, o que está escrito na Bíblia que eles transmitem pra gente... Eles recebem
também os sete dons né... É usado porque agente tem o ensinamento né, eles
nos ensina dentro da palavra de Deus, dá o estudo pra gente sobre a palavra de
Deus né, dos mais tudo que está baseado dentro da Bíblia. (Entrevista de
18/09/10)”
Portanto, na Igreja Universal, boa parte dos ensinamentos e uso dos dons
carismáticos está no ensinamento da Bíblia. E segundo a outra entrevistada da IURD,
Jéssica da Silva (J. S.) - obreira da IURD -, o uso dos dons possui naturalidade, “É algo
natural, pois é o momento que a pessoa está se libertando, ela abriu o coração para Deus
e o mal que estava dentro dela está saindo” (Entrevista de 05/10/10).
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Já dessemelhante da resposta da M. H. (RCC) que,
“Com a vinda do Pentecostes, Deus nos deu a graça de estar conosco através do
Espírito Santo, nos dando uma imensa intimidade de filhos com o Pai. Para isso
ele nos concede os dons carismáticos que nos conduzem e nos capacitam a
fazermos a sua vontade... e utiliza os dons carismáticos proporcionando aos seus
participantes uma vida movida pelo Espírito Santo.” (Entrevista realizada no dia
25/09/10)
Destaca-se que para a RCC, os dons carismáticos são concessões de Deus para seus
filhos, e estes dons capacitam proporcionando uma vida movida pelo Espírito Santo. Esta
resposta nos leva a entender que os dons carismáticos são sagrados, pois praticando o uso
deles, os fiéis terão maior contato com Deus. E estes dons também são usados com
frequência, segundo A.S. (membro da RCC), pois “fazemos uso dos dons em todas as
nossas atividades, procuramos deixarmos ser conduzidos pelo Espírito Santo” (Entrevista
de 30/09/10).
Quando as entrevistadas são perguntadas sobre as práticas religiosas de seus
segmentos, há novamente diferenças em seus discursos. De acordo com dona Antonieta
(pioneira da IURD),
“Não, eu não digo assim que influencia para seguir ali, porque a Igreja Universal
ela recebe pessoas de toda religião, ela não exclui assim de uma religião de
outra não, lá participa toda pessoa, pode ser um espírita, católica ou pode ser
quem for, procuro a Igreja eles atendi...” (Entrevista de 18/09/10)
E na RCC, as práticas religiosas são vistas novamente como concessões de Deus, e
M. H. (membro da RCC) afirma que,
“Acredito que todos os meios concedidos por Deus para que tenhamos
comunhão com Ele são importantes. As práticas do Pentecostes são os mais uns
desses meios concedidos por Deus, que nos dá condições para vivermos filhos de
Deus, ou seja, para que tenhamos uma vida plena.” (Entrevista de 25/09/10).
Analisando a resposta de A. S. (membro da RCC) sobre as práticas religiosas, “sem
dúvida quem busca exercer os dons, ser conduzido pelo Espírito Santo, realmente estará
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sendo carismático, fazendo a vontade de Deus em todas as áreas de sua vida,
consequentemente viverá com paz e alegria, mesmo nas dificuldades” (Entrevista de
30/09/10). Dessa forma, na RCC, através dos grupos de oração, o exercício e uso dos dons
carismáticos, além de servir como contato com o Espírito Santo, serve também como base
para se viver em paz e alegria.
Percebe-se que a segunda entrevistada da IURD não considera a Igreja Universal
como a melhor, mas na IURD o participante desta igreja terá um encontro real com Deus.
Para ela “o que faz as pessoas irem para IURD é o encontro real e verdadeiro com Deus é o
que Deus faz na vida dela dentro da Igreja Universal”. Então, neste segmento religioso, as
pessoas poderão ter este encontro verdadeiro com Deus, segundo J. S. (obreira da IURD)
(Entrevista de 05/10/10).
Sobre a contribuição que o individuo terá em fazer parte da RCC, M. H. diz que “Ao
participar de um grupo de oração, o sujeito vive uma experiência tão sublime de contato
com Deus, que se torna uma pessoa mais completa e feliz, buscando sempre viver em
intimidade com Deus e também compartilhar essa graça com os outros, evangelizando o
próximo” (Entrevista de 25/09/10). Há uma defesa e uso de um discurso de que na RCC a
pessoa terá felicidade e também intimidade com Deus.
As práticas religiosas dessas manifestações são semelhantes em alguns aspectos
não apresentados pelas entrevistadas. Exemplo destas semelhanças destacou através de
Santana (2001, p. 87), em que ela considera “a percepção do incondicional amor de Deus;
busca de santificação; experiência no Espírito Santo; ideal de igualdade espiritual entre
homens e mulheres; busca da cura divina; emocionalismo e o falar em línguas
(glossolalia)”.
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Tabela 01 - Semelhanças e Diferenças Entre A Renovação Carismática Católica (RCC) e Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD).
Características
IURD
Maior uso de símbolos nos momentos de oração.
Dízimo e oferta: discurso com a mesma finalidade: fins sociais.
RCC
X
X
Discurso mais visível e incisivo sobre a importância e a
X
necessidade de dizimar.
Forma de pedir dízimo e oferta.
X
Linearidade na oração.
X
Maior participação dos fiéis.
X
Apelo à tradição religiosa ou denominacional.
X
Busca por renovação espiritual, melhoria financeira, e familiar.
X
Uso da Bíblia* .
X
Busca pela cura divina.
X
Importância dos santos e da figura de Maria.
X
A prática da reza do terço.
X
Maior uso dos dons carismáticos
X
Autor: Rafael Damião Carmo Rosa de Almeida, 2010
* No caso dos carismáticos a utilização da “Bíblica Católica” com 73 livros enquanto os evangélicos utilizam
versões da “Bíblia Protestante” com 66 livros
Considerações Finais
O trabalho pautou-se na busca de pontos os quais poderiam ter essa aproximação
e observando o outro lado, catalogaram-se também as características que distanciavam
esses dois fenômenos crescentes que pudessem ser utilizados também para outras
regiões do Brasil, mas que fossem analisados a partir de acontecimentos da cidade de
Inhumas - Goiás.
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Ao decorrer das pesquisas foi observado que o catolicismo e protestantismo têm
em suas linhas pentecostais (no caso a RCC e o pentecostalismo protestante) semelhanças
em número maior do que a princípio a maioria parece perceber. Ao final das pesquisas,
notou-se que o ambiente e as práticas dos cultos da RCC e da IURD, têm semelhanças em
tal quantidade, que em determinados prismas parecem aproximar a RCC quase na mesma
medida, tanto do catolicismo tradicional quanto do pentecostalismo chamado de Neo
pentecostal ou Terceira Onda Pentecostal. Talvez em parte porque o meio no qual a RCC
se originou é o mesmo do protestantismo pentecostal. Em comunidades com muitas
similaridades do Sul dos Estados Unidos.
Então, em muitos aspectos os carismáticos são semelhantes aos iurdianos. Os
carismáticos seguem a linha pentecostal, que primeiramente surgiu no âmbito
protestante. O avivamento, a imposição das mãos, o uso do “falar em línguas” são
aspectos que na ministração das cerimônias se mostraram praticamente idênticos.
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Entrevistas
Nome
Profissão
Data
Cidade
Igreja
Pensionista
25/09/10
Inhumas
Igreja Católica e membro
da
Renovação
Carismática Católica
Antonieta Ferreira
Oliveira, 76 anos,
casada.
Aposentada
18/09/10
Inhumas
Pioneira
da
Igreja
Universal do Reino de
Deus, mas atualmente
frequenta
a
Igreja
Maanaim.
Aparecida Siqueira,
47 anos, casada.
Enfermeira
30/09/10
Inhumas
Igreja Católica e atual
Coordenadora
da
Renovação Carismática
Católica de Inhumas.
Jessica da Silva, 26
anos, solteira.
Cabeleireira
05/10/10
Inhumas
Obreira da Igreja
Universal do Reino de
Deus.
Maria Helena
Paula Sousa,
anos, viúva.
de
50
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