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Espontaneidade: eis a meta
Orar por procuração
Os cultos são dirigidos com dignidade e precisão. O desenrolar da liturgia é suave.
Tudo está presente: decoro, voz, cerimônia. Mas falta uma coisa: VIDA. Sabe-se com
antecedência o que vai acontecer. Não haverá surpresa, não haverá aventura da
alma. Não haverá súbita efusão de devoção. Não vai acontecer nada à alma. Não vai
acontecer nada imprevisível à pessoa que ora. Ela não conseguirá transformar suas
palavras em suspiros. Não alcançará nenhuma perspectiva nova para a vida que está
levando. O lema é "monotonia". O fogo se extinguiu de sua adoração, que ficou fria,
árida, morta. É certo que coisas estão acontecendo, mas não dentro da oração, e sim
na administração dos templos. Não há templos espalhados por todo o país? Sim, os
edifícios estão se multiplicando. E a adoração, o culto, está diminuindo. Será que os
templos se tornaram os cemitérios em que a oração está sepultada? Há muitos que
trabalham na vinha da oratória; mas quem sabe orar, quem sabe inspirar outros a
orar? Há muitos que sabem executar e soltar extraordinários fogos de vista; mas
quem sabe acender uma fagulha na escuridão da alma?
Naturalmente, as pessoas ainda frequentam o culto religioso; mas o que significa
para eles a presença no templo? Uma efusão da alma? Adoração? O culto, a
frequência ao templo não se tornaram um serviço da comunidade e não um serviço
de Deus? As pessoas dão dinheiro para causas filantrópicas e um pouco de seu tempo
ao templo. O templo moderno sofre de uma frieza tremenda. Os fiéis mantêm uma
distância respeitosa entre a liturgia e eles. Dizem as palavras: "Perdoai-nos porque
pecamos", mas sem dúvida eles se excluem. Dizem: "Amarás o Senhor teu Deus com
todo o teu coração..." numa indiferença total, como se dessem uma opinião imparcial
sobre uma questão sem valor. Em nossos templos há um ar de tranquilidade, de
complacência. O que pode sair de tal atmosfera? Os atos religiosos são afetados, a voz
é seca, o templo é asseado e limpo, a alma da oração jaz em agonia. Ninguém
clamará, ninguém chorará, as palavras são natimortas. O povo espera que o rabino
dirija o culto, presida à cerimônia religiosa; que o culto seja muito bem feito. Mas
nada disso cura a esterilidade devocional.
Criamos o hábito de "orar por procuração". Muitos fiéis parecem ter adotado o
princípio de "oração vicária". O rabino e o cantor fazem oração pelos fiéis. Eles ficam
quietos, passivos.
Esta atitude é, em parte, um reflexo de nossas incertezas. A oração se tornou um
gesto vazio, uma figura de retórica. E isso, ou por causa da falsa fé ou por causa de
"timidez religiosa", Não admitimos que devamos levar a oração a sério. Pareceria
pieguice, senão hipocrisia. Nós somos muito sofisticados. Mas se a oração é tão
importante quanto o estudo, se a oração é uma ação tão preciosa quanto um ato de
caridade, não devemos ficar embaraçados ao dizer "Bendito seja Deus" com devoção.
Nossa responsabilidade é grande. Pedimos que as pessoas venham fazer oração,
em vez de jogar futebol, ganhar dinheiro ou fazer um piquenique. Por que? Nós os
desviamos? Eles gastam multo de seu precioso tempo no templo. Alguns até chegam
com grandes expectativas. Mas o que é que eles conseguem? O que é que eles
recebem?
Absenteísmo espiritual
Há outra privação: a perda da "graça". Nossas cerimônias religiosas têm pouco
encanto, pouca "graça". O que é a "graça"? É a presença da alma. Uma pessoa tem a
graça quando a pulsação de seu coração pode ser ouvida na sua voz; quando os
desejos de sua alma animam o seu rosto. Mas, como as pessoas oram? Geralmente
recitam as orações do manual como se fossem as notícias do jornal da semana
passada. Escondem-se no anonimato — como se a oração fosse um exercício
impessoal — como se a oração fosse um ato automático. As palavras estão aí, mas a
alma, que tem de sentir o sentido das palavras e absorver todo o seu significado, está
ausente. Recitam o invólucro das sílabas, mas não põem nada dentro desse
invólucro. Em nossa fala diária, ao pronunciarmos uma sentença, nossas palavras
têm uma qualidade total. Não há comunicação sem entoação. É a entoação que
indica o que nós queremos dizer com aquilo que dizemos, de modo que possamos
discernir se ouvimos uma pergunta, uma exclamação ou uma afirmação.
É a entoação que comunica graça ao que dizemos. Mas quando oramos, as
palavras apagam-se em nossos lábios. Nossas palavras não têm tom, não tem força,
não têm dimensão pessoal, como se não quiséssemos dizer o que articulamos, como
se lêssemos os parágrafos de um dicionário. É oração sem graça. Sem dúvida, há
muitas leituras inspiradoras, que exigem uma reposta da nossa parte, mas há poucas
repostas àquilo que lemos. Ninguém sabe derramar uma lágrima. Ninguém está
preparado para dar um suspiro. Não há lágrimas em nossas almas?
"Não há bálsamos em Gilead?
Não há médico lá?
Por que a filha do meu povo
Não recupera a saúde?"
Na igreja acham-se reunidos o corpo, os bancos, os livros. Mas falta uma coisa: a
alma. É como se todos nós sofrêssemos de "absenteísmo espiritual". Numa boa
oração, as palavras tornam-se uma com a alma. Mas em muitas das nossas igrejas,
pessoas que em outras circunstâncias, são sensíveis, vibrantes, entusiastas, ficam
num canto, num banco, isoladas, distraídas, sonolentas. "Os mortos não louvam o
Senhor" (Sl 115,17). Aqueles que são espiritualmente obtusos não louvam o Senhor.
Nós julgamos um problema sério a assiduidade no templo e a assistência regular
ao culto. Como faremos pata aumentar o número de fiéis que frequentam o templo?
Já se fizeram muitas sugestões, inclusive compor orações mais curtas e com uma letra
bem mais objetiva; convidar oradores famosos, comentaristas de rádio e TV,
colunistas de jornais e revistas, organizar encontros, mesas-redondas, simpósios,
conferências ecumênicas etc. etc. Muitas outras sugestões já foram apresentadas,
mas nenhuma delas vai até o âmago da questão, até o cerne do problema. É que os
"problemas espirituais" não podem ser resolvidos por "técnicas administrativas".
O problema não é encher os templos, mas inspirar os corações. E este é um
problema ao qual dificilmente se pode aplicar a técnica da psicologia comercial. O
problema não é de uma frequência ao templo, mas de uma frequência espiritual,
O problema não é como atrair os corpos a entrarem no espaço de um templo,
mas como inspirar as almas a entrarem numa hora de concentração espiritual na
presença de Deus. O problema é "tempo", não "espaço".
A oração é um fenômeno extremamente complicado, Já se fizeram muitas
tentativas de defini-la e explicá-la. Mencionarei brevemente quatro das principais
doutrinas.
1) Doutrina do agnosticismo
O agnosticismo afirma que a oração está radicada na superstição. É um dos
"maiores enganos da humanidade", "um esforço desesperado de criaturas
desnorteadas para enfrentar o mistério circundante". Assim, a oração é uma fraude.
Devemos dizer ao homem que ora: "Louco, por que procuras em vão, com orações
pueris, atingir coisas impossíveis de atingir, ontem, hoje, e amanhã?"
Uma vez que a oração é uma fraude, as igrejas e casas de oração de todas as
religiões devem ser extintas. Grande numero de pessoas eliminaram a oração de suas
vidas. Puseram um ponto final nesta ilusão.
Muitas pessoas acreditam que o único meio de revitalizar a frequência ao templo
é encurtar as cerimônias religiosas, diminuir as orações e minimizar o valor da
adoração e converter os templos a, mais ou menos, centros sociais. Encaremos a
situação com coragem. Esta lei é a lei da vida. Assim como o homem não pode viver
sem alma, a religião não pode sobreviver sem Deus. Nossa alma enlanguece sem a
oração. Um templo no qual os homens não mais aspiram à oração não é um
compromisso, é uma derrota; uma perversão, não uma concessão. Orar com
"kavanah" (devoção interior) pode ser difícil. Orar sem devoção interior é ridículo.
2) Doutrina do behaviorismo
Há pessoas que parecem acreditar que os atos religiosos podem ser feitos num
deserto espiritual, na ausência da alma, com o coração hermeticamente fechado; que
a ação externa e o modo essencial de oração, que pedanteria é o mesmo que piedade.
Como se o que importasse fosse o comportamento do homem em termos físicos,
como se a religião não tratasse da vida interior.
Tal concepção, que gostaríamos de chamar behaviorismo religioso, reduz a
religião a uma espécie de Física sagrada, desprezando inteiramente o que nela há de
imponderável, de introspectivo, de metafísico.
Como uma atitude pessoal, o behaviorismo religioso reflete geralmente uma
teologia amplamente difundida, na qual o supremo artigo da fé é o "respeito pela
tradição". As pessoas devem observar os rituais e assistir ao culto religioso por
respeito ao que nossos antepassados nos legaram. A "teologia do respeito" defende a
manutenção dos costumes herdados e transmitidos e das instituições estabelecidas e
se caracteriza pelo espírito de conformidade, moderação excessiva e desrespeito pela
espontaneidade. O ponto de vista dos behavioristas religiosos aproxima-se muito da
famosa sentença de Seneca: "Tamquam legibus iussa non tamqnam dis grata"
(observa os costumes religiosos porque eles são ordenados pela lei, não porque eles
são agradáveis aos deuses).
Embora possa parecer sábio, importante, essencial e pedagogicamente útil, o
"respeito pela tradição", é grotesco e ridículo fazê-lo artigo supremo da fé.
O behaviorismo religioso é uma doutrina que está enraizada em muitas mentes e
até certo ponto é o responsável pela crise atual da oração.
3) Oração — um ato social
Há outra definição que vem ganhando terreno em todo o país, em sermões, livros
e publicações periódicas: "A oração é a identificação do adorador com o povo de
Israel" ou, "a ocasião de nos imergir na realidade viva" de nosso povo. Ao convidar as
pessoas para a sinagoga, defende-se a ideia de que "a sinagoga é o instrumento
através do qual os judeus se identificam com o seu povo. O senso de identificação só
se consegue através do culto comum". Tal opinião se apoia numa teologia que
considera Deus como símbolo de ação social, como um epítome dos ideais do grupo,
como "o espirito da querida comunidade", como "o espírito de um povo, enquanto há
um mundo de humanidade... o Espírito do Mundo", como "Boa Vontade Criativa"
que torna possível a cooperação em nosso comportamento moral.
"Um ato de identificação com o povo e, fenomenologicamente, falando, a
definição de um ato político. Mas um fenômeno político é o mesmo que adoração?
Além disso, o ato de identificação com Israel, em si mesma, constitui a essência da
adoração? Quem é nosso modelo: Elias que se separou das congregações de seu povo,
ou os profetas de Baal que conduziam e se identificavam com o seu povo? Os profetas
de Israel não se preocupavam muito de estarem de acordo com os sentimentos
populares. Embora espiritualmente importante, essencial e sagrada, a identificação
com Israel, não devemos esquecermos de que o que empresta importância espiritual
e santidade a essa identificação com Israel é a união íntima com a vontade de Deus.
A doutrina da oração como ato social é o produto do que pode ser chamado
"falácia sociológica", segundo a qual o indivíduo só tem realidade enquanto veículo
de ideias e atitudes que provêm da existência do grupo. Aplicada à fé judaica, é um
desconhecimento total da sua natureza, enfatizar o aspecto social ou comunitário. É
verdade que o judeu nunca ora como pessoa isolada, mas como membro de Israel.
Contudo, é dentro do coração de cada indivíduo que ora que se realiza a oração. É
um dever pessoal, e o ato íntimo que não pode ser delegado a outrem, nem mesmo a
toda a comunidade. Oramos com todo Israel, e cada um por si. Contrariamente às
teorias sociológicas, a oração individual precedeu a oração coletiva na história da
religião.
Tais perspectivas sociológicas não correspondem aos aspectos únicos da adoração.
No momento da oração, nós nos concentramos no grupo? Lemos nos Salmos:
"Senhor, meu Deus, busco-vos com solicitude,
de vós tem sede a minha alma,
por vós anela o meu corpo,
languente como terra árida, sem água. Assim, já vos visitei no santuário,
para contemplar o vosso poder e a vossa glória;
porque a vossa graça é mais preciosa do que a vida, meus lábios hão de louvarvos.
Assim, vos bendirei em toda a minha vida, e em vosso nome elevarei as minhas
palmas" (Sl 63,2-5).
Pode-se aplicar a este salmo a definição sociológica da oração como um ato de
identificação com o grupo?
4) Doutrina do solipsismo religioso
Esta doutrina afirma que o "eu" individual do adorador é toda a esfera da vida de
oração. Supõe-se que Deus é uma ideia, um processo, uma fonte, um princípio, um
poder. Mas ninguém pode adorar uma ideia. Ninguém pode dirigir suas orações a
uma fonte de valores. Ninguém pode orar a "quem possa interessar". A quem
dirigimos a nossa oração? Sim, temos uma resposta positiva a esta pergunta, Um
escritor contemporâneo responde: "Dirigimos nossas orações ao bem que está dentro
de nós".
Não quero minimizar o fato de que todos nós sofremos de uma doença chamada
egocentrismo. Nossa alma tende a concentrar-se nas SUAS ideias, interesses e
emoções. Mas por que temos nós de elevar esta doença egocêntrica ao estado de
virtude? É precisamente a oração que ajuda curar esta doença, que ajuda a ver o
mundo de outro ângulo bem diferente. O "eu" não é o centro, mas o raio da roda que
gira. A função da oração é precisamente esta: mudar o centro da vida da consciência
de si mesmo para a submissão de si.
O solipsismo religioso afirma que devemos continuar a recitar nossas orações,
porque a oração é uma atividade útil. As ideias podem ser falsas. É absurdo acreditar
que Deus "dá ouvidos a orações e súplicas", mas devemos continuar a orar porque faz
bem a saúde. Faz bem à saúde? Como uma desonestidade intelectual pode fazer bem
a alma?
A separação entre a Igreja e Deus
Descendemos daqueles que ensinaram ao mundo o que é a verdadeira oração.
Nossos pais criaram a única linguagem universal, isto é, a linguagem da oração,
Todos os homens do mundo ocidental falam com Deus na linguagem dos nossos
salmos. Não devemos, pois, perguntar aos nossos antepassados o que realmente é a
oração: Mas fazemos esta pergunta? Estamos preparados e dispostos para entender a
resposta? A dificuldade de nossa situação está no fato de que herdamos algumas
características físicas de nossos antepassados, mas não herdamos suas qualidades
espirituais, nem tentamos adquiri-las. Biologicamente, somos judeus, como homens,
que somos; teologicamente, somos pagãos, até certo ponto. Nossas mãos são as mãos
de Jacó, mas nossa voz é muitas vezes a voz de Esaú.
Há problemas sérios que a religião tem de resolver: agonia, pecado, desespero. Há
uma escuridão no mundo. Há horror nas almas. O que tem a comunidade de Israel a
dizer ao mundo?
Preocupamo-nos bastante com o problema da igreja e do Estado. E com o
problema da Igreja e Deus? Às vezes parece haver uma separação maior entre a
Igreja e Deus do que entre a Igreja e o Estado. Tornou-se hábito dos movimentos
modernos truncar versículos bíblicos. Alguns destes versículos truncados tornaramse "slogans" famosos. O movimento "BILU" é uma abreviação de "Casa de Jacó,
vinde, caminhemos à luz do Senhor" (Is 2,5). A essência do versículo é "à luz do
Senhor" Este final foi truncado.
Os discípulos de Ahad Ha'am proclamavam: "Não com o poder, nem com a força,
mas com o espírito" (Zac 4,6). Mas o profeta dizia: "Com o meu espírito". O Fundo
National Judeu tem como lema oficial "A terra nunca será vendida" (Lev 25, 23); mas
o versículo continua "porque a terra é minha". Este final foi omitido. Durante a
última guerra, o "slogan" entre os judeus russos era "Não morrerei, mas viverei" (Sl
118,17). Mas o versículo continua: "e proclamarei as obras do Senhor". Esta parte foi
omitida.
A oração é o microcosmo da alma. É toda a alma em um momento. É a
quintessência de todos os nossos atos. O clímax de todos os nossos pensamentos,
Eleva-se como os nossos pensamentos. Mas se a Bíblia não passa de uma literatura
nacional de Israel; se os mistérios da revelação são desprezados como superstições,
então a oração não passa de solilóquio. Se Deus não tem poder de nos falar, como
teremos nós a força de lhe falar? Assim, a oração faz parte de um problema mais
profundo. Ela depende da situação espiritual total do homem e de uma mente dentro
da qual Deus se sente em casa. Naturalmente, se nossa vida é demasiado estéril para
produzir o espírito da oração; se nossos pensamentos e preocupações não contem
bastante substância espiritual a ser destilada dentro da oração, uma transformação
interior é assunto de emergência. É esta emergência que enfrentamos hoje. O
assunto da oração não é a oração; o assunto da oração é Deus. Ninguém pode orar, se
não tiver fé na sua capacidade de se aproximar do Deus infinito, misericordioso,
eterno.
Além disso, não devemos esquecer um principio muito profundo. Há alguma
coisa que é muito maior do que meu desejo de orar, isto é, o desejo que Deus tem de
que eu ore. Há alguma coisa que é muito maior do que meu desejo de crer, isto é, o
desejo que Deus tem de que eu creia. Como é insignificante a efusão de minha alma
no meio deste grande universo! Se Deus não desejasse que eu orasse, se Deus não
desejasse minha oração, como seria ridícula a minha prece!
Não podemos alcançar o céu construindo uma Torre de Babel. O caminho bíblico
para Deus é o caminho de Deus. O fato de Deus esperar pela nossa oração é que faz
que nossa oração tenha sentido. Como definiremos, pois, a oração? Uma vez que ela
é, antes de tudo, um fenômeno da consciência humana, devemos perguntar: De que
é que uma pessoa tem consciência num momento de oração? Há uma afirmação
clássica na literatura rabínica que expressa o mínimo espiritual de oração como um
ato da consciência do homem; "Conheça aquele diante do qual você está". Três ideias
estão compreendidas nesta definição.
Conhecer (ou compreender)
Uma certa compreensão, uma certa consciência, uma atitude definida de espírito
são condições "sine qua non" de toda oração. A oração não pode viver num vácuo
teológico, "ela provém de uma compreensão".
A oração não deve ser tratada como se fosse o resultado de uma visão intelectual
superficial, como se desse melhor no clima da vacuidade do pensamento. Temos
necessidade de compreensão, de sabedoria do espírito para saber o que significa orar
e adorar a Deus. Ou ao menos devemos procurar libertar-nos da loucura de adorar a
glória enganosa das divindades que fabricamos em nossa mente, libertar-nos do
apego incondicional aos falsos dogmas que povoam a nossa mente.
Viver sem oração é viver sem Deus, é viver sem alma. Ninguém será capaz de
pensar nele, se não aprendeu a orar a ele. Pois, é esta a maneira como o homem
aprende a pensar no verdadeiro Deus — no Deus de Israel. Primeiramente de toma
consciência da sua presença, e só depois é que pensa na sua essência. Orar é sentir a
sua presença.
Há pessoas que afirmam que a oração é uma questão de "emoção". Com o desejo
de "revitalizar" a oração, proclamam: "Que haja emoção!" Esta atitude se baseia numa
falácia, A emoção é um "componente" importante; não é a "fonte da oração". O
poder de orar não depende de ser uma pessoa de temperamento colérico ou
fleugmáiíco. Uma pessoa pode ser extremamente emocional e não ser capas de criar
este poder. Isto é decisivo; a adoração provém da compreensão. Não é o resultado de
uma visão geral superficial.
O que é mais, a oração tem o poder de criar a compreensão. Muitas vezes ela nos
dá uma compreensão que não poderíamos alcançar pela especulação.
Muitas de nossas intuições, decisões e atitudes nasceram muitas vezes num
momento de oração. Frequentemente, onde a reflexão falha, a oração triunfa. O que
o pensamento é para a filosofia, a oração é para a religião. E a oração pode ir além da
especulação. A verdade da santidade não é uma verdade de especulação — é a
verdade de adoração,
Disse o rabino: "Admiro-me de que a oração para compreensão não esteja incluída
na liturgia do Sábado. Com efeito, se não há compreensão, como é possível orar?"
"Conhece aquele diante do qual estás", Não se consegue facilmente este
conhecimento, esta compreensão. Ela "não é nem um dom que recebemos sem o
merecer, nem um tesouro que descobrimos inadvertidamente". A arte da consciência
de Deus, a arte de sentir a sua presença, em nossa vida diária, não pode ser aprendida
de improviso. "A graça de Deus ressoa em vida como um "staccato". Somente retendo
as notas aparentemente desconexas pode-se conseguir apanhar o tema".
Não procuramos mais adquirir esta compreensão, este entendimento. Nos
modernos seminários teológicos a arte de compreender o que é a oração, o que ela
implica, não faz parte do currículo. Consultam-se filósofos em vez de escritores
espirituais, em assunto de tanta transcendência.
Diante de quem
Ter dito antes o quê, teria contradito o espírito da oração. "O quê" á muito
indefinido. Quando perguntamos "O quê", estamos totalmente do ar, sem previsão
de nenhuma resposta definida. Qualquer resposta pode servir. Mas aquele que está
no ar, que não espera nenhuma resposta definida, não sabe a significação da única
interrogação essencial, não está preparado para orar. Se Deus é um "o quê", uma
força, a soma total de valores, como podemos orar a ele? Um "Eu" não pode dirigir-se
em oração a um "o quê". Se Deus não for, pelo menos, tão real quanto eu, se não
estou convencido de que Deus tem pelo menos tanta vida quanto eu tenho, como
posso eu orar?
Você está
O ato da oração é mais que um processo da mente e um movimento dos lábios. É
um ato que se realiza entre o homem e Deus, na presença de Deus. Ler ou estudar o
texto de uma oração não é o mesmo que orar. O que distingue o ato da oração é a
decisão de entrar na presença de Deus. Orar é expor-se a ele, ao seu julgamento.
Se a "oração é a expressão da sensação de estar em casa no universo" então o
salmista que exclamava: "Sou um estranho na terra, não escondas os teus
mandamentos de mim" (Sl 119,19), não entendia nada de oração. Durante muitos
séculos na história do povo judeu a verdadeira motivação para a oração não foi a
sensação de "estar em casa no universo", mas a sensação de não estar em casa no
universo. Não podíamos deixar de sentir preocupação, angústia e desabrigo espiritual
diante de tantos males e sofrimentos, diante dos exemplos sem conta dos que não
vivem segundo a vontade de Deus.
Esta experiência tornou-se cada vez mais intensa, tornou-se cada vez mais
chocante, vendo-se que o próprio Deus não se sentiu em casa no universo, onde
desafiavam a sua vontade, onde negavam o seu reino". "O Shechinah" está no exílio,
o mundo está corrompido, "o próprio universo não se sente em casa..."
Orar significa, portanto, trazer a Deus de volta ao mundo, estabelecer o seu
reinado, proclamar a sua glória. Por isso é que nos maiores momentos de nossa vida,
nos Dias da Reverência nós clamamos do mais profundo de nossas almas atribuladas,
uma oração de redenção:
"E assim, Senhor nosso Deus, concede a tua Reverência a todas as tuas obras, e o
teu temor a todos os que tu criaste, de modo que todas as tuas obras te temam e
que todos os que foram criados se prostrem diante de ti e que todos se unam
para fazer a tua vontade com todo o coração".
Grande é o poder da oração, Com efeito orar é "expandir a presença de Deus" no
mundo. Deus é transcendente, mas nossa adoração o torna imanente. Isto está
implicado na ideia de que Deus necessita do homem: o fato de ele ser imanente
depende de nós".
Quando dizemos "Bendito sejas", nós estendemos a sua glória, e comunicamos o
seu espírito ao mundo. "Engrandecido e santificado seja o nome de Deus em todo o
mundo..." Que haja mais de Deus neste mundo.
O que é decisivo não é a experiência mística de estarmos perto dele; decisivo não
é o nosso "sentimento", mas a nossa certeza de que ele está perto de nós — embora
sua presença esteja velada e além do alcance de nossas emoções. Decisiva não é a
nossa "emoção", mas a nossa "convicção". Se falta esta convicção, se a presença de
Deus é um mito, então a oração a Deus é uma ilusão, um engano. Se Deus não é
capaz de nos ouvir, então nós somos loucos em falar com ele.
A verdadeira fonte da oração, dissemos acima, não é a emoção, mas a
compreensão, a intuição. É a intuição do mistério da realidade, "o senso do inefável",
que nos capacita orar.
Se recusarmos tomar conhecimento do que está além de nossos olhos, além de
nossa razão; se formos cegos ao mistério do ser, o caminho que leva à oração estará
fechado para nós. Se o nascer do sol não passar para nós de uma rotina da natureza,
não há razão para dizermos; "Na tua misericórdia dás a luz à terra e a todos os que
nela habitam... diariamente, constantemente".
Se o pão não passa para nós de farinha molhada, fermentada, levada ao forno e
posta na mesa, não tem sentido dizer: "Bendito sejas tu... que tiras o pão da terra",
O caminho que leva à oração vai através de "atos de admiração" e
"embevecimento radical". A ilusão da inteligibilidade total, a indiferença ao mistério
que há em toda a parte, a loucura da auto-confiança são sérios obstáculos à nossa
frente. É nos momentos de enfrentar o mistério da vida e da morte, do
conhecimento e do não-conhecimento, do amor e da incapacidade de amar — que
oramos, que nos dirigimos àquele que está além do mistério.
"Por que os sábios dizem que uma pessoa que levanta a sua voz durante a oração tem
pouca fé? Porque a oração implica que o homem acredite na boa vontade de Deus de
atender as súplicas que ele lhe faz. A fé, a confiança em Deus, é uma adesão a um
reino altíssimo, ao reino do mistério. Esta é a sua essência. Nossa fé é capaz de
alcançar o reino do mistério. Talvez por isso a palavra fé em hebraico (amen,
amanah, emunah) começa com a primeira letra do alfabeto, chega até a origem de
todos os seres. "Aleph" — o nome da primeira letra do alfabeto hebraico — consiste
das mesmas letras que "pele", que é um termo tanto para admiração como para
mistério...
Uma pessoa que ora muito alto não chegou ainda ao reino altíssimo, ao reino do
mistério. Ela tem apenas o senso do óbvio, do manifesto, e tudo o que é manifesto
não está ligado ao reino altíssimo, porque tudo o que é altíssimo está oculto".
O louvor é a nossa primeira resposta. Possuído da incapacidade de dizer o que sua
presença significa, podemos apenas cantar, podemos apenas articular palavras de
adoração. Por isso é que na liturgia dos judeus ocupa o primeiro lugar o "louvor" e
não a "súplica".
É a forma mais profunda, porque envolve não tanto o senso da própria
dependência e privação, como o senso da majestade e glória de Deus:. Ao louvá-lo,
nós afastemos tudo o que é enganoso, tudo o que é falso. Elevamo-nos a um nível de
vida mais elevado:
"Porque a ti,
Senhor nosso Deus,
Deus de nossos pais, são devidos cânticos e louvores, hinos e
salmos, poder e domínio, vitória,
grandeza, potência, homenagem, beleza, santidade, reinado,
bênçãos e ações do graças".
(Liturgia diária).
Nossa adoração é humilde; nossos superlativos são insuficientes.
Polaridade da oração
Há uma dificuldade específica na oração judaica. São as leis; como orar, quando orar,
o que orar. Temos tempo determinado, maneiras fixas, textos fixos. Por outro lado, a
oração é a adoração do coração, a efusão da alma, um assunto de "kavanah" (devoção
interior). Assim, a oração judaica está determinada por dois princípios opostos:
ordem e efusão, regularidade e espontaneidade, uniformidade e individualidade, lei e
liberdade, um dever e uma prerrogativa empatia e auto-afirmação, intuição e
sensitividade, credo e fé, a palavra e aquilo que está além das palavras.
Estes princípios são os polos em volta dos quais gira a fé judaica. Como cada um
deles se move em direção oposta, só pode ser mantido o equilíbrio, se ambos são de
força igual. Contudo, o polo da regularidade é na prática mais forte que o polo da
espontaneidade e, como resultado, existe um perigo constatante de se tornar um
mero hábito, um ato mecânico, um exercício meramente repetitivo. O padrão fixo e
a regularidade de nosso culto tende a sufocar a espontaneidade da devoção. Nosso
grande problema, portanto, é não deixar que o princípio da regularidade prejudique
o poder da espontaneidade (kavanah). É um problema que diz respeito não somente
à oração, mas a toda a esfera da observância judaica. Quem não tiver consciência
desta dificuldade central demonstra muita ingenuidade. Quem lhe oferecer uma
solução superficial demonstra que é um simplório.
É um problema de significação universal. A polaridade é uma característica
essencial de todas as coisas na realidade, e na fé judaica a relação entre "halacha" (lei)
e "agada" (interioridade) é uma relação de "polaridade". Tomadas em abstrato
parecem excluirá mutuamente, contudo na vida prática incluem-se uma a outra.
A tradição judaica afirma que não há "halacha" sem "agada", nem "agada" sem
"halacha"; que não devemos nem subestimar o corpo nem sacrificar o espírito. O
corpo é a disciplina, o padrão, a lei; o espírito é a devoção interior, a espontaneidade,
a liberdade. O corpo sem o espírito é um cadáver; o espírito sem o corpo é um
fantasma.
Contudo, existe a polaridade e é uma fonte de ansiedade constante e de tensão
ocasional. Como manteremos a reciprocidade da tradição e da liberdade; como
manteremos a "keva" e a "kavanah", regularidade e espontaneidade, sem prejudicar
uma e sufocar a outra?
À primeira vista, a relação entre "halacha" e "agada" na oração parece ser muito
simples. A tradição nos dá o texto, nós criamos a "kavanah". O texto é dado uma vez
por todas, a devoção interior acontece cada vez que se ora, O texto é propriedade de
todas as épocas, "kavanah" é criação do momento, O texto pertence a todos os
homens, "kavanah" é algo particular, próprio de cada indivíduo. Entretanto, o
problema está muito longe de ser simples. O texto procede de um livro, é dado,
"Kavanah" procede do coração. Mas estará o coração sempre preparado — três vezes
por dia — para esta atmosfera de devoção? E se estiver, será a sua devoção de acordo
com aquilo que o texto encerra?
Primazia da interioridade
Com relação a muitos aspectos da observância, a tradição judaica por razões
pedagógicas, deu primazia ao princípio de "keva"; há muitos rituais sobre os quais a
lei afirma que, se uma pessoa os executa sem a própria "kavanah", deve ser
considerada "ex post facto" como tendo cumprido o seu dever. Na oração, contudo, a
"halacha" insiste sobre a primazia da interioridade, de "kavanah" sobre a realização
exterior, ao menos, teoricamente. Assim, Maimonides declara;
"A oração sem "kavanah" não é oração absolutamente. Aquele que ora sem
"kanavah" deve orar uma ves mais. Aquele cujos pensamentos estão ocupados em
outras coisas não deve orar até que recupere o seu recolhimento interior. Daí, se
alguém volta de uma viagem, ou se está muito cansado ou angustiado, não deve orar
enquanto não se achar interiormente tranquilo e recolhido. Dizem os sábios que, ao
voltar de uma viagem, deve-se esperar três dias até readquirir repouso total e ficar
com a mente calma. Só então é que deve orar".
A oração não é um culto dos lábios. É uma adoração do coração. "As palavras são
o corpo, os pensamentos são a alma da oração", Se a alma está ocupada com outros
pensamentos, enquanto a língua se movimenta incessantemente, esta oração é um
corpo sem alma, como uma concha sem pérola. Tal pessoa pode ser comparada a um
servo cujo senhor voltou para casa. O servo prepara tudo para que a esposa e os
membros da família recebam bem seu senhor e lhe façam a melhor acolhida, mas
ele, ele vai divertir-se com seus amigos por aí.
Enfaticamente, Nahmanides, contrariamente a outras autoridades, insiste que a
"oração não é um dever, mas uma prerrogativa, e que aquele que ora não está
cumprindo um mandamento da lei. Não é a lei de Deus que nos manda orar; é o
amor e "a graça de Deus Criador, bendito seja ele, que nos ouve e nos responde
sempre que nós o invocamos"
Na prática, o elemento de regularidade levou muitas vezes vantagem, sobre o
demento de espontaneidade. A oração tomou-se um culto só dos lábios, uma
obrigação que deve ser cumprida, algo de que a gente se tem de livrar.
"O Senhor diz:,.. este povo com palavras fica perto e me honra com os lábios,
mas o seu coração vai pata longe de mim e o culto que me prestam é obra de
mandamentos humanos" .
A primazia do elemento interior sobre todos os outros elementos pode ser
esclarecida por uma parábola. Havia antigamente um rei que mandou que seus
criados lhe fizessem os pratos apimentados de que ele tanto gostava. Eles
obedeceram. Prepararam os quitutes e trouxeram-lhos, e o rei os saboreou com a
mais viva satisfação.
Ora, apesar de a preparação daqueles pratos exigir diferentes espécies de trabalho,
como cortar madeira, buscar água, matar animais, acender fogo, lavar panelas e
caçarolas, estar à beira do fogão, o rei só deu uma ordem: preparar pratos
apimentados. E se fosse possível ter preparado tudo sem estas medidas, sua ordem
estaria também cumprida, Porque o rei não estava interessado nem na madeira, nem
na água, numa palavra não estava interessado na preparação do alimento nem nos
seus elementos essenciais: estava interessado no alimento preparado. Agora imagine
o que aconteceria se, tendo chegado a hora de comer, chegassem trazendo panelas e
frigideiras. E quando o rei perguntasse; "o que é isso tudo?" eles respondessem:
"Vossa Majestade nos mandou preparar comida apimentada. Aqui estão, Senhor, os
instrumentos com os quais nós preparamos os alimentos que nos ordenou Vossa
Majestade que preparássemo". Não teria o rei razão de se irritar e não lhes diria
muito justamente: "Eu só mandei que vocês me trouxessem comida apimentada. Por
acaso pedi a vocês que me trouxessem panelas e caçarolas?
O mesmo acontece com as palavras da oração, quando o coração está ausente. A
oração se toma um ato trivial quando deixa de ser uma ação da alma. A essência da
oração é "agada", interioridade, Contudo seria um fracasso trágico não levar em
conta o que o espírito de "halacha" faz para a oração, elevando-a do nível de um ato
individual ao estado de um intercâmbio eterno entre o povo de Deus e Deus,
elevando-a do nível de uma experiência ocasional ao nível de uma aliança
permanente. É através da "halacha" que pertencemos a Deus, não ocasionalmente,
intermitentemente, mas essencialmente, continuamente.
A regularidade da oração é a expressão de que eu pertenço a uma ordem, a uma
aliança entre Deus e seu povo, que permanece válida, quer eu tenha dela
consciência, quer não.
Como eu sou grato a Deus porque há para mim um dever de adotar, porque há
para mim uma lei que lembra à minha mente distraída que é hora de pensar em
Deus, que é hora de deixar de lado o meu "ego" pelo menos por um momento! E não
é pequena a felicidade de pertencer a uma ordem da vontade divina. Não estou
sempre disposto a orar. Nem sempre tenho a visão e a força de dizer uma palavra na
presença de Deus. Mas quando eu estou fraco, é a lei que me dá força. Quando
minha visão está nublada, é o dever que dá claridade.
Não devemos pensar que "kavanah" é assunto de pouca monta, é uma coisa fácil.
Ela exige esforço constante, e é maior o número de vezes que não a conseguimos do
que as ocasiões em que a experimentamos plenamente. Mas devemos continuar a
batalha para a alcançarmos. Agir diferentemente seria morrer de paralisia espiritual.
Para dar um exemplo. A fim de evitar a prática da repetição das mesmas palavras
para finalidades mágicas ou supersticiosas, o Talmude ordena que uma pessoa que diz
a palavra "Ouve" (ó Israel) ou a expressão: "Nós te agradecemos" duas vezes, deve
ficar em silêncio, Rab Pappa perguntou a Abbai: Mas talvez a pessoa repetiu a oração
porque quando ele disse as palmas pela primeira vez não tinha "kavanah". Assim ela
repetiu as palavras, para ver se adquiria "kavanah". Assim, não ha lugar para
suspeitas de práticas mágicas ou supersticiosas. Por que devemos ordenar que esta
pessoa fique em silêncio? Abbai respondeu: "Alguém tem intimidade com o céu?"
Alguém tem o direito de se dirigir a Deus impensadamente, como se dirige a um
amigo familiar? "Se esta pessoa não dispõe seu pensamento para a oração, nós o
forjaremos com um martelo em brasa, se preciso, até que ele tome a forma de quem
está orando"
A oração não existe por causa de alguma coisa mais. Oramos para orar. Este é o rei
de todos os mandamentos. Não se realiza um ato religioso em que a oração não esteja
presente. Nenhum outro mandamento está tão dentro da nossa vida, como a
majestade da oração. O primeiro tratado do Talmud, a primeira seção do Código de
Maimonides, assim como o Código de Caro, traíam da oração. Sabemos que "a
oração é maior das nossas ações". Que é "mais piedosa do que os sacrifícios..."
Para o rabino Bahya ben Asher, a esfera espiritual que a oração pode alcançar é
mais alta do que a esfera da qual flui a inspiração dos profetas.
A filosofia da vida judaica é essencialmente uma filosofia de oração, de adoração.
Com efeito, o que é o cumprimento dos mandamentos de Deus, senão uma forma de
adoração? O que significa um ato sagrado? "Uma oração em forma de ação".
Este é o modo certo de saber se servimos ou não a Deus, se servimos a Deus ou a
uma ideia de Deus — através da oração. É o teste de tudo o que fazemos, Se
esclarecemos uma ideia, se desenvolvemos um conceito, transformemos tudo isso em
oração. Deus o quer. Doutro modo, nós só temos a "sabedoria deste mundo". A
oração não tem nenhuma importância, se não tiver a máxima Importância, Ela é
uma das coisas que ficam "no cimo, no ponto mais elevado do mundo",
transcendendo o mundo e subindo até Deus, e o homem ainda a trata
superficialmente!
"A hora da oração é o cerne e o fruto maduro da vida de uma pessoa, enquanto
que as outras horas são como que canais que levam a esta hora... estão na mesma
relação com a alma como o alimento para o corpo. A oração ó para a alma o que o
alimento é para o corpo, e a bênção que se tira da oração dura até a outra oração,
assim como a força física que tiramos de uma refeição dura até fazermos a outra".
A oração é um sacrifício
A oração é mais que uma meditação. A leitura de um texto de oração implica
mais que uma reprodução vocal de palavras, mais que seguir os símbolos com os
olhos, mais que dizer maquinalmente as palavras da liturgia. Um erudito do século
III adverte que é impróprio dizer a uma pessoa que age como leitor de orações nas
congregações judaicas: "Vinde orar". Devemos antes dizer: "Vinde, karev". Com
efeito, a palavra hebraica "karev" tem quatro significações. Por isso é que o convite
que lhe é feito significa as quatro tarefas que o leitor deve cumprir. "Karev" significa:
— Oferecei nossos sacrifícios!
— Satisfazei nossas necessidades!
— Combatei nossas batalhas!
Levai-nos a ele!
Afirmar que desde a destruição do Templo de Jerusalém, a oração tomou o lugar
do sacrifício, não implica que o sacrifício foi abolido quando o culto sacrificai deixou
de existir. A oração não substitui o sacrifício. O que mudou foi a substância do
sacrifício; o "eu" tomou o lugar da coisa. O espírito é o mesmo, "Aceita as oferendas
de louvor, ó Senhor", diz o salmista (119,108). "Que a minha oração seja considerada
como o incenso diante de ri, e que o ato de elevar as minhas mãos seja para ti como o
sacrifício vespertino" (141,12).
Nos momentos de oração procuramos vencer nossa vaidade, imolar o nosso
orgulho, abandonar as vias tortuosas, a hipocrisia, a inveja. Nós pomos todas as
nossas forças diante dele. A palavra é um altar. Nós não fazemos um sacrifício.
Somos um sacrifício.
Durante o ato da oração, devemos "por-nos entre aqueles que estão dispostos a se
sacrificarem a si mesmos para a santificação do nome de Deus, recitando com a
maior devoção a confissão da unidade: "Ouve, ó Israel", Em seguida, devemos
confessar a nossa pobreza, ao batermos à porta do Altíssimo, dizendo uma oração de
humildade, e passando logo à oração silenciosa, na qual nos sentiremos contritos,
pobres, necessitados. Em seguida devemos colocar-nos entre os santos com um ato
de contrição perfeita. Tudo isso devemos fazer para chegar à mão direita de Deus,
que está sempre estendida para acolher o pecador arrependido".
Para os santos a oração é um jogo de azar, uma aventura cheia de perigos. Toda
pessoa que ora é um sacerdote no maior dos templos, Todo o universo é o templo.
Com uma boa oração ele pode purificá-lo, com uma oração mal feita ele pode
contaminá-lo, Com uma boa oração ele pode construir mundos". Com uma oração
mal feita ele pode "destruir mundos". De acordo com o rabino Ami a oração do
homem só é respondida quando ele põe nela a sua vida. "É um milagre que um
homem sobreviva a uma hora de oração", disse Baal Shem. Antes de cada oração da
manhã, o rabino Uri de Strelisk despedia-se de sua família dizendo a todos o que
poderia acontecer com seus manuscritos se ele morresse durante a oração, A
prontidão para fazer o sacrifício supremo por causa do seu santo nome, por causa da
verdade de que "Deus é um" foi por muito tempo a essência da nossa devoção ao
proclamar "Ouve, ó Israel".
Por ocasião da rebelião de Bar Koshba, o governo de Roma proibiu que se
ensinasse a Torá; o grande rabino Akiba continuou a expor as palavras de Deus e
transmiti-las a todos. Então ele foi preso e condenado a ser executado.
"Quando os romanos levaram o rabino Akiba para a execução era a hora para ler o
Shema; e embora eles estivessem rasgando as suas carnes com pente de ferro ele
continuava a tomai sobre si o jugo do reino do céu", continuava a ler as palavras do
Shema: "ouve, ó Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um. Amarás o Senhor teu
Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças". Seus
discípulos disseram-lhe: "Mestre, basta? (Embora sofrendo tais agonias vós ainda
dizeis o Shema!)". E o rabino Akiba respoodeu-lhes: "Em toda a minha vida sempre
me preocupei com este versículo ‘amarás teu Deus com rodo o teu coração e com
toda a tua alma, e com todas as tuas forças’, que significa ‘mesmo com a tua morte’.
—
Eu sempre me perguntava a mim mesmo: 'quando será que eu vou cumprir este
mandamento?’ Agora que chegou a oportunidade não o cumprirei?"
Ele prolongou a palavra "ehad" ("Um" em "Ouve, ó Israel"), Até que sua alma
deixou o corpo com a palavra ehad nos lábios. Uma voz do céu fez-se ouvir que
anunciava: "feliz és tu, ó rabino Akiba, que tua alma saiu do teu corpo com a palavra
"ehad"
Como dissemos acima a oração tem o poder de criar a intuição, ela nos
proporciona frequentemente o entendimento que não conseguimos pela
especulação. A oração é o caminho para a fé. Muitas das mais profundas inspirações
espirituais e intuições nasceram em momentos de oração. A carta seguinte pode
servir de ilustração
Uma carta sobre a fé
Lembro-me dos dias de antigamente quando o amor que tínhamos um pelo outro
era semelhante ao amor que se tem pela sua própria alma. Como poderia eu deixar de
faiar em ti?...
Ouve-me, querido irmão. Não penses que o que eu digo é heresia ou filosofia. O
que eu estou dizendo é a essência da fé que tem o poder de ressuscitar os mortos e
através da qual até os ossos secos podem sentir o Deus vivo.
Todos os "hasidim" sobretudo os discípulos do nosso grande Mestre, cuja alma está
no céu, alcançaram a espécie de fé que eu agora escrevo, É algo que nós descobrimos
e experimentamos sobretudo na "Oração Silenciosa ", seguindo todas as meditações
dos "Salmos de Louvor", e do Shema. Em seguida vêm a fé e a intuição de que "Tudo
é Deus".
E as trevas do "mundo de confusão", da confusão do bem e do mal, afastam-se de
nossa vista. Pensamos ainda que o mundo é como era, que nada externamente
mudou, mas não importa, não atinge em nada a nossa fé...
Esta intuição, esta fé puderam, ser conseguidas de dois modos diferentes. Ou com
uma contrição profundíssima, humílima em virtude da convicção do quanto somos
insensíveis à verdade que é tão clara diante de nós. Ou aquecendo-nos à luz desta fé,
mesmo se ela ainda esta muito além de nosso alcance.
Esta fé é concedida a todos os "hasidim" Nos seus contrários os "mitnagdim"... a fé
existe em sua obscuridade muito imprecisa e muito vaga. Eles tem aquela fé que os
filhos de Israel tinham quando eram escravos no Egito. Para eles, Deus é tudo para
todo o povo. Eles acreditaram em tudo sobre ele, mas não tem a capacidade de crer
que tudo é Deus.
O Hasidim sempre teve tal fé. Os hasidim de antigamente, os discípulos do rabino
Nahum de Tshernobil se transportavam em êxtases extraordinários com tal fé. Mas
isto era por causa do faro de terem eles negligenciado a via da análise e da reflexão.
Nos discípulos de nosso mestre tal fé existe com maior lucidez e maior perfeição.
Eles conseguem aquela intuição enquanto, oram como descrevemos acima, isto é, da
meditação para a experiência, Estes lampejos de intuição que nada existe a não ser
ele só, que tudo é Deus, vão e vêm, penetram e se retraem, avançam e se afastam,
mas eles sabem que este é o modo como procede toda emanação — a luz sai dele e a
luz volta perpetuamente, das alturas mais elevadas aos abismos mais profundos.
Contudo esta fé ainda num grau "inferior", é da mesma espécie que o
conhecimento que uma criança tem de seu pai. O conhecimento do adulto não tem
mais verdade do que o conhecimento da criança. Mas existe uma diferença. A
criança não sabe, por que ou por qual processo esta pessoa é seu pai. O
conhecimento da criança não é um conhecimento no sentido estrito, nem tem ela
nenhuma necessidade de um conhecimento exato. Pelo contrário o adulto sabe
claramente e distintamente como e por que processo esta pessoa o gerou. Contudo o
conhecimento exato do adulto, um conhecimento que procede da razão se
desenvolveu do conhecimento simples e infantil. Se não se tem este conhecimento
infantil que esta pessoa é seu pai, não se pode pensar que é esta pessoa de cuja
substância e essência ele procede. Consequentemente o conhecimento do adulto não
é uma realização somente da razão. O que é verdade do homem e seu pai é verdade
do homem e Deus.
As raízes desta fé mais alta em Deus não se encontram no âmbito da razão, mas na
alma divina da qual o homem é dotado, a qual, quando aperfeiçoada, se toma
consciente da sua fé com clareza e distinção. O que a divina graça consegue não é
uma intuição especulativa mas pura fé...
A espécie mais alta de fé está gravada em nossas almas como figura subtil gravada
em vidro translúcido. Àquele que olha ao acaso não ve nada. Aquele que olha
cuidadosamente vê que alguma coisa está gravado nele.
Contudo se não usar uma lente para melhorar a sua visão, não perceberá
claramente o que vê...
Segue-se portanto que duas coisas são necessárias. Uma, olhar persistentemente.
A outra, consultor um oculista competente para corrigir o defeito da visão. Tal
tratamento foi recebido ao se receber as boas e preciosas palavras da orientação
hasídica que nosso (velho) Mestre e Professor, cuja alma está no céu, pronunciou. As
suas palavras eram um remédio para a alma divina que está em nós e despertavam o
seu poder de entender a sua própria fé (mais alta e profunda) com clareza e
distinção. Este poder nos foi concedido não porque suas palavras tinham a doçura da
lucidez. Era a luz que se radiava de suas santas palavras que tornavam possível à
alma entender com clareza e distinção que tudo é Deus. Mesmo quando o mundo,
percebido no próprio momento em que ele nos estava falando, estava encoberto de
trevas, nós sentíamos; Tudo é Deus.
Para achar tal fé, eu forçava todas as fibras do meu ser e empregava todas as
minhas forças.
Nosso Mestre e Professor, cuja alma está no céu, colocou em mim a semente da fé
ao fazer o seu discurso, "dez mulheres cozinharão o seu pão em um forno" (Lev
26,26) Era ainda a espécie mais baixa da fé. Mas aquela, fé começou a germinar, a
crescer e a florescer sob a direção de seu filho e seu sucessor, nosso Mestre e
Professor. Contudo meus olhos eram bastante fracos e minhas forças insuficientes
para nutri-la, Eu desejava intensamente mais orientação pessoal e direta. Assim fiz
numerosos apelos e solicitações a ele pedindo uma entrevista pessoal, mas nosso
Mestre e Professor recusou terminantemente tal entrevista particular. Fiquei muito
triste, desolado, angustiado até que um dia minha solicitação foi atendida
finalmente... Como poderei eu transmitir o que ele disse?... Permaneci ao seu lado
mudo, esquecido do tempo e do espaço, depois que ele terminou, foi como se um
raio de luz penetrasse todo o meu ser como um dardo... Eu estava preparado para sair
as ruas e gritar: "Tudo é Deus", Contudo por algumas razões resolvi não fazê-lo. Não
me recordo que razões foram, estas... Creia-me, como Deus vive e como minha alma
vive eu não exagero no mínimo...
Delicadeza espiritual
Minha intenção não é oferecer sugestões, prescrever novas regras a não ser uma;
"a oração deve ter vida", não deve ser uma rotina, alguma coisa feita ao acaso, alguma
coisa que a gente tem que fazer para se livrar de uma obrigação. Não deve ser uma
ficção, não deve ser considerada como simples cerimônia, como ato de mero respeito
por uma tradição.
Se a finalidade principal dos mentores religiosos é aproximar os homens de seu Pai
que está no céu, então uma de suas supremas tarefas é orar e ensinar os outros a orar.
A Lei, a adoração e a caridade são as três pilastras sobre as quais se apoia o mundo.
Ser homem implica a aceitação do "privilégio de orar". Para poder levar as outras
pessoas a orar devemos amá-las, entender as suas qualidades, compreender o poder
de exaltação, purificação e santificação, que encerram as nossas belíssimas e
profundas orações. Para conseguir esta sensitividade devemos estar em comunhão
com os grandes mestres do passado e aprender a colocar nossos sonhos, desejos e
sofrimentos dentro de nossa oração. Devemos aprender a adquirir as virtudes básicas
de interioridade, as únicas que qualificam uma pessoa para ser um "mentor de
oração".
Uma destas virtudes é o senso de "delicadeza espiritual". "A vulgaridade" é a morte
da delicadeza, o pecado da incongruidade, o estado de sensibilidade à hierarquia da
vida, à separação do particular e público, do íntimo e social, do sagrado e profano, da
farsa e reverência.
Nenhum ato é vulgar em si. É a incongruidade das circunstâncias, a mistura das
esferas, a coisa certa e no concerto errado, que está fora de lugar, que geram a
vulgaridade. O uso de meios próprios de propaganda comercial para influenciar a
opinião sobre a verdade de uma teoria científica; trazer à opinião pública um assunto
que pertence à esfera da vida íntima, é vulgar.
Para nós é de vital importância nos precaver contra a "vulgaridade intelectual".
Muitas categorias, conceitos ou palavras que são empregadas com propriedade no
campo das atividades políticas, econômicas ou mesmo científicas, quando
empregadas com Deus e com a oração são uma afronta ao espírito. Não coloquemos
nunca os sapatos na Arca; procuremos reconquistar este senso de separação, esta
delicadeza espiritual, procuremos reconquistar o significado da separação. Não há
senso de santidade absolutamente sem um senso de separação. Cada semana
começamos a nossa vida com um "ato de santificação".
Uma necessidade ontológica
O problema não consiste em como revitalizar a oração. O problema está era
revitalizar a nós mesmos. Comecemos a cultivar estes pensamentos e virtudes sem os
quais a nossa oração se torne necessariamente uma oração para os mortos — para
ideias que estão monas aos nossos corações. Não devemos nos entregar à torça da
vulgaridade. Se. nossos métodos racionais são deficientes e muito fracos para sondar
as profundezas da fé, recolhamo-nos e esperemos pela idade em que a razão saberá
apreciar o espírito antes que aceitar as noções ordinárias, padronizadas que sufocam
a mente e embotam a alma. Não devemos levar muito seriamente frases ou ideias
que a história do pensamento humano deve ter pronunciado sem seriedade, como
por exemplo, que a oração é "um símbolo de ideias de valores", "uma tendência para
idealizar o mundo", "um ato de apreciação do próprio eu". Houve um tempo em que
Deus se tornou tão distante de nós que éramos quase tentados a negá-lo, se os
psicólogos e sociólogos não quisessem permitir que acreditássemos nele. E como
alguns de nós éramos gratos quando nos diziam "ex cathedra" que a oração não era
totalmente importante porque não satisfazia uma necessidade emocional.
Mas a oração não se destina a satisfazer uma necessidade emocional. A oração não
é uma necessidade emocional, mas uma necessidade "ontológica", um ato que
constitui a própria essência do homem. Aquele que nunca orou não é inteiramente
humano, A ontologia não a psicologia nem a sociologia explicam a oração.
A dignidade do homem consiste não na sua habilidade de fazer instrumentos,
máquinas, armas, mas sobretudo em ser dotado com o privilégio de se dirigir a Deus.
É este dom que faz parte da definição do homem. Devemos aprender a estudar a
vida interior das palavras que enchem o mundo de nossas orações Sem um estudo
intenso de seu significado nos sentimos pasmados quando encontramos a multidão
de seres estranhos retirados que povoam o cosmos interior do espírito cristão. Não é
bastante saber traduzir do latim para o português, não é bastante ter encontrado a
palavra no dicionário e ter tido aventuras desagradáveis com elas no estudo da
gramática. As palavras têm alma e nós devemos aprender a penetrar na sua vida.
Esta é a nossa tortura — nós não sabemos descobrir o significado profundo das
palavras. Negligenciamos descobrir o caminho que leva à palavra, fazemos pouco
caso de nos tornar íntimos com algumas passagens de nossas orações. Somos
familiares com todas as palavras, não somos íntimos de nenhuma delas. Como
resultado, dizemos muitas palavras e não tomamos nenhuma decisão, esquecendonos que na oração as palavras têm responsabilidade, compromisso, não são matéria
de reflexão estética, nem são vazias de sentido, se nós estamos conscientes daquilo
que pronunciamos, se sentimos aquilo que aceitamos. "Uma palavra de oração é uma
palavra de honra dada a Deus". Contudo perdemos o nosso senso de seriedade de
palavras, de dignidade, de pronunciamento. A vida espiritual exige a santificação da
palavra, sem uma atitude de piedade para com as palavras ainda ficamos
desorientados para orar.
Contudo as palavras não devem ser ditas para sufocar a mente ou endurecer o
coração. Elas devem abrir a mente e o coração. Uma palavra pode ser uma bênção
ou uma desgraça. Como uma bênção, ela é a intuição de um povo na forma de som,
um reservatório de significação acumulada através dos tempos. Como uma desgraça
ela é o substituto da intuição, um pretexto ou um clichê. Para aqueles que se
lembram, muitas das palavras de nossa liturgia são ainda quentes com o calor da
devoção de nossos pais. Devemos lembrar-nos deles para nos inspirar na oração.
Aqueles que não sentem este calor devemos levá-los a sentir a vida espiritual que
pulsa em todas as palavras das nossas preces.
Pregar para orar.
À luz de tal decisão sobre a preeminência da oração, o papel e a natureza do
sermão devem ser reexaminados. A proeminência dada ao sermão como se ele fosse a
pérola e a oração a concha, não é somente esgotar os recursos intelectuais do
pregador mas também um desvio sério do espírito de nossa tradição. O sermão
diferentemente da oração, nunca foi considerado como uma das supremas coisas
desce mundo. Se o tempo considerável e a energia enorme que gastamos em
procurar ideias e artifícios para a pregação; se o fogo usado sobre o altar da oratória
fosse dedicado à oração, não acharíamos muito difícil transmitir aos outros o que
significa pronunciar uma palavra na presença de Deus. A pregação é parte orgânica
do ato da oração ou uma coisa fora de lugar. Sermões que não se distinguissem muito
dos editoriais de nossos grandes jornais, que nos levam a ter fé nos destinos do Brasil,
ou que procuram instruir sobre as últimas teorias científicas, dificilmente nos
inspirarão uma oração profunda a Deus, dificilmente nos levarão a estas
exclamações:
Através de todas as gerações declaramos a tua grandeza; por toda a
eternidade proclamamos tua santidade; tua oração, ó Deus, nunca sairá
de nossa boca.
Pregar para orar. Pregar para inspirar os outros a orar. O texto de um verdadeiro
sermão é aquele que pode ser convertido em oração.
Para o comum daqueles que oram muitos textos de significação perene se
tornaram vagos, um amontoado de linhas e sílabas. É portanto um costume muito
louvável enfatizar o significado das orações aos fiéis. Infelizmente muitos rabinos
parecem pensar que a sua função é ensinar ciência popular e como resultado o culto
a que presidem se tomam programas de "educação de adultos". Demorando-se nos
aspectos históricos, discutem por exemplo a data da composição dos textos, os
peculiaridades de sua forma literária ou a suposta origem primitiva de algumas das
leis e costumes do judaísmo.
E sobre o espírito da oração? E sobre o fato de estabelecer uma relação entre o
povo e as vaidades das ideias da oração? Muito frequentemente estas explicações
sufocam e matam a Inspiração. A sugestão de que o Dia da Reconciliação se originou
de um festival pagão é, independentemente de seu mérito científico, dificilmente
compatível com o espírito, com o culto vespertino deste Dia "Kol Nidre".
A oração também não deve ser tratada como uma instituição antepassada. Ao
explicarmos as seções de um livro de oração, nossa tarefa não é fazer discursos sobre
costumes ou sobre a "maneira" como nossos pais costumavam pensar. A liturgia não
é um museu de antiguidades intelectuais e o templo não é uma casa de leitura mas
uma casa de oração. A finalidade destes comentários é inspirar a "efusão" do coração
e não satisfazer a uma curiosidade histórica; trazer a lume a importância oculta das
ideias e não elaborar hipóteses sobre origens perdidas no tempo.
O livro desconhecido
Há um livro do qual muita gente fala e o qual pouca gente realmente leu — um
livro que tem a distinção de ser um dos livros menos conhecidos em nossa literatura
religiosa. É o livro de "orações", Quantos momentos de Inspiração teríamos vivido se
estivéssemos em contato íntimo com cada uma de suas palavras. A mesma palavra
pode evocar e despertar um conhecimento novo, quando lida com o coração aberto.
Há luz em cada uma de suas palavras, mas nós desconhecemos isto. Quase cada
palavra, cada passagem tem fontes inesgotáveis de significação, belezas paradoxais e
profundeza. Quantos de nós já perderam seriamente as primeiras palavras do Salmo
145? Que orgulho intolerável dizer: "Eu te exaltarei, meu Deus e meu Rei", e
contudo nós dizemos isto tão frequentemente. Que paradoxo prometer eu elevar
aquele que é o Altíssimo. Consideremos outros exemplos,
"Cantai ao Senhor um cântico novo,
cantai ao Senhor todas as tetras" (Sl 96,1),"Louvai-o, sol e lua,
louvai-no, todas, ó estrelas fugentes"
(Sl 148,5).
Os sacerdotes egípcios não podiam evocar as estrelas para louvar os deuses. Eles
acreditavam que a alma de Isis brilhava em Silios, a alma de Horus brilhava em
Horiom, que a alma de Tífon brilhava na Ursa Maior; estava muito além da sua visão
conceder que todos os seres estão diante de Deus em reverência e adoração; em
nossa liturgia vamos além de uma esperança. Proclamamos frequentemente como
um fato: "A alma de todas as coisas que vivem bendigam o teu nome"
"Todas elas te agradecem, todas elas te louvam, todas elas dizem,
não ha nada santo como o Senhor".
Que ouvidos já ouviram como todas as árvores entoam hinos a Deus? Nossa razão
por acaso já pensou em invocar ao Senhor. Contudo o que o nosso ouvido não pode
perceber, o que a razão não pode conceber, a oração o faz para nossas almas, É uma
verdade mais sublime que só o espírito pode atingir:
"Louvem-vos, Senhor, todas as vossas obras" (Sl 145,10).
Não estamos sozinhos em nossos atos de louvor, Onde quer que haja vida, há uma
oração em silêncio, O mundo está sempre pronto a se tomar um mundo em
adoração. O homem é o cantor do universo e na sua vida se revela o segredo da
oração cósmica. O que há de difícil em nossas orações é que elas são muito elevadas
para nós, muito sublimes. É uma vez que deixamos de introduzir a nossa mente em
sua grandeza, nossas almas ficam muitas vezes perdidas no seu deserto sublime. A
liturgia se tornou uma linguagem estranha mesmo para aqueles que a estudara. Não
basta saber o vocabulário. É necessário entender o sentido verdadeiro e profundo, o
modo de pensar da liturgia. Não basta ler as palavras; o que é necessário é dar-lhes
resposta. O que é que a nossa liturgia como um todo procura expressar senão as
realidades básicas e as atitudes de nossa fé? Adorar é experimentar, não só aceitar
estas realidades e atitudes. A liturgia é o nosso credo em forma de uma "peregrinação
espiritual". Nós não confessamos nossa fé em Deus. Nós o adoramos. Nós não
proclamamos nossa fé na revelação; nós proclamamos nossa gratidão por ela. Nós
não formulamos a eleição de Israel; nós a cantamos. Assim a nossa liturgia não é
simples memorial do passado, é ato de participação num testemunho de unidade e
amor de Deus. É um ato de alegria.
Conta-se de certo rabino que depois de cada oração recitava com grande alegria as
palavras do salmista:
"Bendito Deus que não rejeitou a minha oração, nem me negou o seu favor"
(Sl 66,20).
Nosso livro de oração tende a se tornar obscuro se os mentores espirituais
pensarem que uma das suas tarefas principais é só descobrir, explicar e interpretar as
suas palavras. Necessitamos é de uma exegese sentida de nossas orações.
Os movimentos religiosos de nossa história agitam-se frequentemente em volta do
problema da liturgia. Nos movimentos modernos igualmente a liturgia tem sido um
ponto central.
Mas há uma diferença. Para Kabala e o Hasidismo o problema primário era "como
orar". Para os movimentos modernos, o problema primário é "o que dizer". O que
realizou o Hasidismo? Ele inspirou a oração a muita gente. Que conseguiram os
modernos? Eles inspiraram a purificação de grande número de orações. É muito
importante que os mestres espirituais esclarecem o que têm em vista. Dar uma
contribuição à bibliografia ou dar ao povo o senso da devoção interior? Já houve
numerosas comissões de livros de orações. Por que não houve nenhuma comissão de
oração? Os judeus modernos sofrem de uma neurose que ousaria chamar "complexo"
do livro de oração.
É certo que o livro de oração apresenta dificuldades a muitas pessoas. Mas a crise
de oração não está no problema do texto. É um problema da alma. O livro de oração
não pode ser usado como bode expiatório. Uma revisão do livro de oração não
resolverá a crise de oração. Temos, sim, mas é necessidade de uma revisão da alma, o
novo oração, e não um texto novo.
As emendas textuais não salvaram o espírito da oração. Somente uma revolução
espiritual salvará a oração do esquecimento.
A natureza de "Kavanah"
"Kavanah" é mais do que atenção, mais do que o estado de consciência daquilo
que dizemos. Se "Kavanah" fosse unicamente presença da mente poderíamos
consegui-lo facilmente por um mero recolhimento. Mas, de acordo com Mishnah
"Kavanah" significa "dirigir o coração para o texto ou para o conteúdo da oração".
"Kavanah" portanto é mais do que prestar atenção à significação literal de um texto.
É "a atenção a Deus, um ato de reconhecimento por termos sido julgados capazes de
ficar na sua presença".
Reconhecimento não é o mesmo que reflexão. É o fato de ser alguém levado para
a preciosidade de algumas coisas diante da qual se encontra. Sentir a preciosidade de
ser capaz de orar, entender a significação suprema de adorar a Deus é o começo de
um "Kavanah" mais elevado.
"Orar sem "Kavanah" é como um corpo sem alma". "Uma palavra pronunciada
sem temor e amor de Deus não se eleva ao céu". Uma vez um rabino Levi Yitzhak de
Berdythev, ao visitar uma cidade foi ter à sinagoga. Chegando ao portão recusou-se a
entrar, quando seus discípulos lhe perguntaram o que é que havia de errado na
sinagoga, receberam a resposta: "a sinagoga está cheia das palavras da Torá e de
oração". Isto pareceu a seus discípulos o mais alto louvor e mesmo uma maior razão
para que entrasse na sinagoga. Mas ao lhe perguntarem mais, o rabino explicou:
"palavras pronunciadas sem o temor de Deus, pronunciadas sem amor, não se elevam
ao céu. Eu penso que a sinagoga está cheia da lei e cheia de oração".
O judaísmo não é uma "religião de espaço". Para dizê-lo mais profundamente e
com mais verdade é melhor ter oração sem a sinagoga do que ter a sinagoga sem
oração. Contudo estamos sempre falando da frequência à "sinagoga" e não de
frequência à oração. É a palavra certa para o espírito errado. Está no espaço de uma
sinagoga, enquanto se realiza o culto não é cumprir o seu dever de religião. Muitos
dos que assistem aos cultos do Sábado chegam durante a leitura da lei semanal e
saem sem ler a "Shema" ou ter feito a "oração silenciosa" — as duas partes mais
importantes da oração.
Nem é finalidade primordial da oração "promover a unidade do povo de Deus".
Como dissemos acima, a oração é um dever pessoal e um ato íntimo que não pode ser
delegado nem ao cantor nem a toda a comunidade. Nós oramos com toda a
comunidade, e cada um de nós por si mesmo. Devemos tornar claro que o dever de
todos é orar e não ser um mero espectador de auditório.
Trinta séculos de experiência
O papel do rabino na hora sagrada da adoração vai muito mais longe do que
manter a ordem e o decoro. Sua única tarefa é ser uma fonte de inspiração, de
comunicar aos outros um senso de "Kavanah". Como dissemos "Kavanah" é mais do
que um toque de emoção. "Kavanah" é intuição, entendimento, reconhecimento.
Para adquirir esta intuição, para alcançar este conhecimento, para aprofundar este
reconhecimento devemos nos esforçar durante todos os dias de nossa vida. É algo
pelo que vale a pena viver. Devemos levar aos outros esta intuição, este
conhecimento, este reconhecimento. Pode ser difícil comunicar aos outros "o que
nós sentimos", mas não é difícíl aos outros "o que nós vivemos". Nossa tarefa é ser o
eco e refletir a luz e o espírito da oração.
Aquilo que eu defendo é a criação de uma atmosfera de oração. Tal atmosfera não
se cria com cerimônias, gestos, ou palavras, mas pelo exemplo da oração, por uma
pessoa que ora. Não se cria esta atmosfera em redor de nós, mas dentro de nós. Faço
parte de uma congregação e sei por experiência própria como é diferente a situação
quando o rabino está preocupado com a oração em vez de estar preocupado com o
número de pessoas que estão na sinagoga. A diferença entre um culto em que o
rabino vem preparado para corresponder à experiência de trinta séculos e outro no
qual ele vem para examinar o livro do mês e as novidades do dia.
Com a finalidade de produzir ordem e boa disposição em algumas sinagogas, os
rabinos e cantores resolveram ocupar a posição de frente para o povo. É inteiramente
possível que um reexame de todo o problema da adoração levaria à conclusão de que
esta inovação foi um erro. A essência da oração não é a boa disposição externa mas
algo que se passa na vida interior do homem. "Aquele que ora deve baixar os olhos e
elevar o seu coração" O que vai no coração se reflete no rosto. É embaraçoso estar
exposto aos olhos de toda a congregação em momentos em que gostaríamos de estar
a sós com Deus. Um cantos que encara a santidade da arca antes que a curiosidade
dos homens, pensará que a sua audiência é Deus. Ele pensará que a sua tarefa não é
entreter mas representar o povo de Deus. Ele será transportado a momentos nos
quais esquecerá o mundo e ignorará a congregação e será tomado pela consciência
daquele em cuja presença ele se encontra. A congregação então ouvirá e sentirá que
o cantor não está dando um recital mas adorando a Deus, que orar não significa
escurar um cantor, mas identificar-se com aquilo que está sendo proclamado em seu
nome.
"Kavanah" requer preparação. Os milagres podem acontecer mas não se deve
contar com os milagres. O espírito da oração é frequentemente decidido durante a
hora que precede o momento da oração. Negativamente não devemos empreender
certas atividades, ou mesmo conversar coisas fúteis antes da oração. E positivamente
devemos conseguir certo grau de purificação interior antes de nos aventurar a
dirigir-nos ao Rei dos reis. De acordo com Maimonides, "devemos libertar o nosso
coração de todos os outros pensamentos e considerar-nos diante da presença do
"Shechinah". Por isto antes de começar a oração o adorador deve se recolher um
pouco para se colocar numa estrutura devocional de espírito e só então deve orar
tranquilamente e com sentimentos, não como alguém que eleva um peso e lança-o
fora e continua".
Oremos como conversamos. Não pronunciemos apenas vogais e consoantes.
Aprendemos a cantar as nossas orações. É uma de nossas tragédias que não saibamos
apreciar a alma de nossa fala antiga, o canto e em vez dele adotamos uma maneira
pomposa e monótona. Procuremos alcançar os últimos traços de nosso antigo canto.
Aprendamos a "expressar" o que nós dizemos.
A finalidade da oração não é oração
Repetindo, a finalidade da oração não é oração. A finalidade da oração é Deus. Já
se disse muitas vezes nos tempos modernos que o judaísmo não tem teologia, que ele
não se incomoda com aquilo que a pessoa quer dizer com a palavra Deus, contanto
que acredite que há um Deus. Será realmente pouco importante aquilo que nós
queremos dizer quando pronunciamos a palavra Deus? O que é Deus? Uma
generalidade vazia? Um álibi? Alguma ideia que nós desenvolvemos? Eu me tenho
debatido durante toda a minha vida, com o problema do que realmente, significa
Deus, quando lhe faço uma oração, se conseguirei conhecer aquilo de que eu estou
falando e aquele com quem estou falando. Ainda não sei se sirvo a Deus ou se sirvo a
qualquer outra coisa. Infelizmente muitos de nós tomamos um termo tratado por um
filósofo qualquer, multo depois que aquela filosofia já morreu na história do
pensamento, e lhe damos o nome de Deus. Podemos perguntar qual deverá ser a
nossa atitude para com a oração daqueles que não aceitam o conceito antigo de Deus
que discutimos. A nossa finalidade não é a formulação de um conceito ou a aceitação
de uma definição. Nós não temos conceito. O que nós temos é fé. Fé na sua boa
vontade de nos ouvir. Nós não temos informações. Sentimos e acreditamos que ele
está perto de nós. O povo de Deus não é um povo de definidores de religião mas um
"povo de testemunhas" de seu interesse pelo homem.
Entregamo-nos à nossa experiência religiosa, não a distorcemos. Não estamos
dispostos a emendar o texto e começar a "oração silenciosa" dizendo: "Bendito seja o
Conceito Supremo, o Deus de Spinoza, de Dewey e de Alexandre", Realmente o
termo Deus de Abraão, Isaac e Jacó é semanticamente diferente de um termo como
"O Deus da verdade, da bondade e da beleza". Abraão, Isaac e Jacó não significam
ideias, princípios ou valores abstratos. Nem são tampouco professores e pensadores, e
o termo não deve ser entendido como o do "Deus de Spinoza, Dewey e Alexandre".
As categorias da Bíblia não são princípios a ser compreendidos mas acontecimentos
que devem ser continuados. A vida daquele que participa da aliança de Abraão
continua a vida de Abraão. Abraão permanece para sempre. Nós "somos" Abraão,
Isaac e Jacó.
Não há conceitos que possamos aplicar para designar a grandeza de Deus, ou
representá-lo à nossa mente, Ele não é um ser cuja existência pode ser provada por
silogismos. É uma realidade, na face da qual todos os conceitos se cornam clichês. A
oração genuína não deriva de conceitos. Ela procede da consciência do mistério de
Deus, e não de uma informação sobre ele. Não há ninguém que não tenha uma
teologia. São as falsas teologias que calam a respeito de Deus, que nos impedem e nos
bloqueiam em nossa resposta a ele. É nossa certeza mal dirigida, e nosso dogma
infundado que sufocou o coração da oração judaica. Todos hoje em dia concedem
que há uma divindade suprema que tem o poder supremo no âmbito do ser e dos
valores. Mas porque não é Deus que tem o poder de penetrar a vida humana? O
poder de atingir o seu povo? Será que ele é somente onipotente em geral e não de
fato? É igualmente injusto colocá-lo além de todos os aléns, como foi antigamente
vê-lo dentro de cada pedra. Aquele que afirma saber que Deus está encerrado num
sistema fechado de silêncio sem nenhuma relação externa, atrás das barras do
infinito, que ele não pode se dirigir a nós, é mais dogmático do que eu. Com esta
espécie de dogmatismo temos nós que lutar.
Como dissemos acima, se Deus não for pelo menos tão real quanto o nosso
próprio ser, se eu não estou certo de que Deus tem pelo menos tanta vida quanto eu
tenho, como é que eu posso orar? Se Deus não tem o poder de nos falar, como
possuiremos nos o poder de falar com ele? Se Deus não pode me ouvir, então é
loucura da minha parte falar com ele.
O que é muito estranho em muitos dos nossos contemporâneos é que a sua vida é
mais nobre do que a sua ideologia, é que a sua fé é profunda e os seus pontos de vista
não têm profundidade, que sufocam suas almas e proclamam seus slogans. Não
podemos continuar a alimentar uma teoria, exatamente porque a abraçamos há
quarenta anos.
A fé não é alguma coisa que adquirimos uma vez por todas. É uma intuição, uma
compreensão que deve ser adquirida a cada momento.
Tema e ore
Não pretendemos julgar aqueles que procuram Honestamente, que se esforçam e
fracassam. Que eles orem para serem capazes de orar, e se não o conseguirem, se não
tiverem lágrimas para derramar, que desejem as lágrimas, que procurem descobrir
seu coração, e ganhar força, na certeza de que esta é também uma forma válida de
oração.
Um homem intelectual perdeu todas as suas fontes de renda e estava procurando
um modo de ganhar a vida. Os membros da sua comunidade que o admiravam pelo
seu conhecimento, pela sua cultura e piedade, sugeriram-lhe que servisse de cantor
no Dia da Lamentação. Mas ele se considerava indigno de servir como mensageiro da
comunidade, como pessoa que deveria levar as orações de seus irmãos até à face do
Onipotente. Foi ter com o seu mestre, o rabino de Husiatin, e lhe contou a sua
situação difícil e o convite que lhe fizeram para servir como cantor nos Dias da
Lamentação, e que estava temeroso de aceitá-lo e de rezar pela sua congregação.
"Tema e Ore", foi a resposta do rabino.

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