Características químicas do solo adubado com doses crescentes de
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Características químicas do solo adubado com doses crescentes de
CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS DE SOLO ADUBADO COM DOSES CRESCENTES DE LODO DE ESGOTO CALEADO Ronaldo Fia1, Antonio Teixeira de Matos2, Carmen Iribarren Aguirre3 RESUMO Neste trabalho, objetivou-se obter a curva de incubação do lodo de esgoto doméstico com cal hidratada, usada com a finalidade de promover a sua higienização, e observar os efeitos de diferentes doses de lodo caleado sobre características químicas do solo. A quantidade de cal hidratada utilizada para higienização foi de 75 kg.Mg-1 de lodo seco ao ar. Foram avaliadas as seguintes doses de aplicação: 0 (T1), 1 (T2), 2 (T3), 3 (T4), 4 (T5) e 5 (T6) vezes a quantidade de nitrogênio recomendada para o cultivo do milho, sendo o lodo caleado a única fonte de adubação para as plantas. As plantas de milho foram cultivadas em vasos de 5 L, em casa de vegetação. Em geral, as quantidades disponíveis ou trocáveis de N, P, K, Na, Ca, Mg, Cu, Zn, Cr, Ni, Cd e Pb aumentaram nos substratos em que o lodo caleado foi aplicado, com exceção do Al que diminuiu. Essa avaliação baseou-se nos resultados da análise química do solo efetuada após o cultivo do milho. Com base nos resultados obtidos, verificou-se que o solo teve sua fertilidade aumentada com a adição de lodo caleado. Entretanto, tendo em vista a alteração proporcionada no pH do solo e o aumento na concentração de sódio trocável, recomenda-se sua utilização como corretivo de acidez do solo e não como adubo orgânico. Palavras chave: adubação orgânica, poluição do solo, fertilizante. ABSTRACT Chemistries characteristics of soil fertilized with increasing doses of lime-treated sewage sludge This study was carried out to obtain the incubation curve of the domestic sewage sludge with limetreated used in its hygienization, as well as to observe the effects of different doses of lime-treated sludge on soil chemistry characteristics. The lime-treated amount used in hygienization was 75 kg Mg-1 air dried sludge. The following were avaliated: the application doses of: 0 (T1), 1 (T2), 2 (T3), 3 (T4), 4 (T5) and 5 (T6) multiplied the amount by the nitrogen amount recommended to maize cropping, and the lime-treated sludge was the only fertilization source for plants. The maize plants were cropped in 5 L pots, under greenhouse conditions. In general, the available or exchangeable amounts of N, P, K, Na, Ca, Mg, Cu, Zn, Cr, Ni, Cd and Pb increased in those substratum where the lime-treated sludge was applied, except Al, that was reduced. This evaluation was based on the results of the chemical analysis accomplished after maize cropping. Acording to the obtained results, the soil fertility increased by adding the lime-treated sludge. However, taking into account the change in the soil pH and the increased concentration of the changeable sodium, it is recommended as corrective of the soil acidity, but not as an organic fertilizer. Keywords: organic manuring, pollution of the soil, fertilizer. 1 Doutorando em Engenharia Agrícola/ UFV, E-mail: [email protected] Professor do Departamento de Engenharia Agrícola/UFV, E-mail: [email protected] 3 Graduanda em Engenharia Técnica Agrícola/Universidade Pública de Navarra – ESP, E-mail: [email protected] 2 Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4, 287-299, Out./Dez., 2005 287 INTRODUÇÃO Os sistemas de tratamento de esgoto domésticos geram um resíduo sólido, genericamente denominado genericamente de lodo de esgoto. Em função da origem e do processo de obtenção utilizado, o lodo de esgoto apresenta composição química muito variável, sendo um material rico em matéria orgânica (40-60%), em nitrogênio e alguns micronutrientes (Melo & Marques, 2000). O aproveitamento agrícola de lodo de esgoto apresenta-se como uma das alternativas mais viáveis para disposição final deste resíduo, em vista dos inegáveis benefícios que podem proporcionar ao solo. Em razão de sua constituição predominantemente orgânica, quando incorporado ao solo, há melhoria no estado de agregação das partículas, proporcionando diminuição na densidade e aumento em macroporosidade, o que possibilita sua maior aeração, e capacidade de retenção de água. Além disso, proporciona aumento na CTC, no pH, redução nas concentrações de Al trocável, além de ser fonte de macro e micronutrientes para as culturas e aumentar a população microbiana benéfica do solo (Melo & Marques, 2000). A aplicação de lodo de esgoto em solos agrícolas tem conduzido a aumentos na absorção de nutrientes pelas culturas, com reflexos positivos na produtividade (Silva, 1995; Lourenço et al., 1995). Entretanto, alguns fatores podem ser limitantes a esta prática, sendo os principais a presença de agentes patogênicos e metais pesados. O risco sanitário do uso do lodo pode ser minimizado por meio da adoção de técnicas de higienização, que proporcionem a eliminação dos organismos patogênicos presentes (Andreoli, 2001). Dentre os processos de higienização e estabilização do lodo de esgoto, a caleação é um dos mais difundidos, o que é decorrente, principalmente, do seu baixo custo e facilidade de aplicação (Andreoli, 2001). A caleação é um tratamento químico, em que se adiciona cal ao lodo, de forma a elevar seu pH até valores superiores a 12, 288 condição na qual ocorre a inativação ou destruição de grande parte dos agentes patogênicos, além de proporcionar a estabilização química e redução do odor do lodo (SANEPAR, 1997). Em caso de efetuar a prática da caleação, o lodo pode ser utilizado na correção da acidez do solo, necessária na maior parte dos solos brasileiros (Andreoli, 2001). A presença de metais pesados no lodo depende do tipo de efluente, que chega à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Quando a origem do efluente é essencialmente de rejeitos domésticos, o lodo contém, geralmente, pequenas concentrações de metais pesados. Entretanto, se o esgoto receber contribuição industrial, o lodo gerado na ETE pode conter altas concentrações de metais pesados, material que pode apresentar risco potencial ao solo, plantas e ao homem, quando usado na agricultura (SANEPAR, 1997). Para contribuir com o aprofundamento desta discussão, o presente trabalho tem por objetivo a obtenção da curva de caleação para higienização do lodo de esgoto doméstico gerado em lagoa de estabilização e a observação dos efeitos de diferentes doses de lodo caleado sobre características químicas do solo, quando aplicado como fertilizante no cultivo de plantas de milho. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi conduzido na Área Experimental de Hidráulica do Departamento de Engenharia Agrícola (DEA), Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG, com as coordenadas geográficas de 20º 45' S de latitude e 42º 52' W de longitude, com altitude de 650 metros. A caracterização física e química do lodo, apresentada no Quadro 1, foi realizada no Laboratório de Qualidade da Água e de Química dos Resíduos do DEA/UFV. Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4,287-299 Out./Dez., 2005 Quadro 1. Caracterização física e química do lodo de esgoto, antes da realização da caleação Atributo Concentração -1 SV* (dag kg ) 33 -1 Nitrogênio (mg kg ) 4.746 -1 Fósforo (mg kg ) 514 -1 Potássio (mg kg ) 6.600 -1 Cálcio (mg kg ) 5.023 -1 Magnésio (mg kg ) 464 -1 3.600 -1 41 Sódio (mg kg ) Cobre (mg kg ) -1 Zinco (mg kg ) 102 * SV – sólidos voláteis O trabalho foi desenvolvido em duas etapas. Na primeira etapa, fez-se a higienização do lodo obtido de uma lagoa de maturação do sistema de tratamento de águas domésticas provenientes do Condomínio Bosque do Acamari, Viçosa, MG, com cal hidratada. Na segunda etapa, foram avaliadas as características de um solo tratado com lodo higienizado, em que foram cultivadas plantas de milho. a) Higienização do lodo Para higienização do lodo, utilizou-se o processo de caleação, que consistiu em elevar o pH do lodo, por meio da adição de cal hidratada (Ca(OH)2) até valores ligeiramente superiores a 12, com a finalidade de eliminar a maior parte dos patógenos existentes no resíduo. Para obtenção da curva de caleação, o lodo de esgoto doméstico foi secado ao ar, em condições de casa de vegetação, destorroado e misturado com diferentes doses de cal hidratada adquirida no comércio local. Para cada 500 g de lodo, foram utilizados 300 mL de água destilada e 0; 3,125; 6,25; 9,37; 12,5; 25,0; 37,5; 50,0; 62,5; 75,0; 87,5; 100,0; 125,0 e 150,0 g de cal, o que correspondeu à aplicação de 0; 6,25; 12,5; 18,75; 25,0; 50,0; 75,0; 100,0; 125,0; 150,0; 175,0; 200,0; 250,0 e 300,0 kg Mg-1 de lodo. A água foi adicionada com a finalidade de homogeneizar a mistura e aumentar a reatividade do material. O material (500 g de lodo acrescido da dose de cal especificada para cada tratamento) foi mantido em sacos plásticos, que permaneceram abertos para saída dos gases gerados na reação, durante todo o período de incubação. Durante o período de incubação, o pH em água (EMBRAPA, 1999) do lodo foi monitorado, a fim de se acompanhar sua variação com o tempo e, assim, obter a curva de incubação do lodo com a cal. A partir da curva obtida, procurou-se identificar a menor quantidade de cal necessária para manter o pH do lodo acima de 12, por 72 horas, condição necessária à sua higienização. b) Utilização do lodo caleado como fonte de nutrientes para plantas de milho Para a cultura do milho, recomenda-se uma dose de nitrogênio de 160 kg ha-1 (CFSEMG, 1999). Com base nesta informação e na concentração de nitrogênio presente no lodo, foram determinadas as diferentes doses de lodo caleado, a serem misturadas ao solo, obtendo-se valores referentes a 0 (T1), 1 (T2), 2 (T3), 3 (T4), 4 (T5) e 5 (T6) vezes a quantidade de N recomendada para esta cultura, o que representou a aplicação de 0; 33,6; 67,4; 101,0; 134,7 e 168,4 Mg ha-1 de lodo caleado. Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4, 287-299, Out./Dez., 2005 289 Para formação do substrato, misturou-se com o lodo caleado, amostras de solo (Latossolo Vermelho Amarelo Distroférrico) proveniente de uma área próxima ao local denominado “Tiro de Guerra”, em ViçosaMG. Foram semeadas 3 sementes de milho em cada vaso com capacidade de 5 L, arranjados aleatoriamente em casa-devegetação, em esquema fatorial 6x4, sendo 6 diferentes doses de lodo caleado, em função da concentração de nitrogênio, com 4 repetições para cada tratamento. Após um período de 7 dias, as duas plantas apresentando menor vigor foram retiradas de cada vaso, sendo a planta remanescente em cada vaso submetida à irrigação com turno de rega de 3 dias. Após 60 dias, encerrado o período de cultivo do milho, o solo foi retirado dos vasos, peneirado (malha de 2 mm) e secado em casa de vegetação. O material seco foi empregado após trituração, para efetuar as seguintes análises químicas: P disponível (colorimetria), K e Na trocáveis (fotometria de chama), Ca, Mg, Zn, Cu, Ni, Pb, Cr e Cd trocáveis (espectrometria por emissão de plasma). Avaliou-se também a acidez trocável (titulometria), pH em água, e Ntotal (método semi-micro Kjeldahl) (EMBRAPA, 1999). As determinações da condutividade elétrica (CE) foram realizadas em extrato solo:água, na relação 1:1 (v/v), com leitura em condutivímetro de bancada. As análises químicas do solo foram realizadas no Laboratório de Qualidade da Água e de Química dos Resíduos do DEA e de Química e Fertilidade dos Solos do Departamento de Solos (DPS), pertencentes à UFV. RESULTADOS E DISCUSSÃO A concentração de sólidos voláteis no lodo, apresentada no Quadro 1, encontra-se abaixo das citadas na literatura (SANEPAR, 1997; CAESB, 1993; Andreoli, 2001) para lodo fresco, que estão entre 45 e 69,4 dag kg-1, estando porém, estão acima dos valores citados por Andreoli (2001) para um lodo de 16 anos de idade, que foi de 6,8 dag kg-1. O 290 lodo de esgoto foi retirado de uma lagoa, onde ficou retido por dois anos, tendo em sua constituição significativa contribuição de solo carreado da área próxima à lagoa. Estes fatos podem ser responsáveis pelos baixos valores de SV encontrados. Em relação às características químicas apresentadas no Quadro 1, o lodo apresentase naturalmente rico quanto aos macronutrientes nitrogênio, potássio e cálcio, porém apresenta também altas concentrações de sódio (3.600 mg kg-1), elemento que pode trazer problemas à disposição desses resíduos no solo. No que se refere à concentração de metais pesados, os valores encontrados para cobre (41 mg kg-1) e zinco (102 mg kg-1) podem ser considerados baixos, sendo característicos de lodo proveniente de esgoto de origem exclusivamente doméstica. a) Curva de incubação do lodo Os valores obtidos para curva de incubação do lodo com a cal hidratada estão apresentados na Figura 1. Observa-se que a quantidade mínima de cal hidratada utilizada para higienização do lodo, suficiente para manter o pH ligeiramente superior a 12, foi de 75 kg Mg-1 de lodo, após 3 dias de incubação. Esta quantidade de cal hidratada a ser usada na caleação do lodo de esgoto doméstico está no intervalo de 54 a 154 kg Mg-1, recomendado por Malina(1993), citado por Pinto(2001). b) Caracterização química do solo após o cultivo do milho Os valores de pH e CE das amostras de solo cultivado com milho, nos 6 tratamentos aplicados estão apresentados nas figuras 2 e 3. Conforme se observa, mesmo após o cultivo do milho, o solo apresentou crescentes valores de pH e CE com a aplicação da dose de lodo caleado. A cal presente no lodo atuou no solo de forma a promover a elevação de seu pH, tal como corretivo da acidez, o que é um ponto favorável à disposição do lodo caleado no solo, pois, os solos brasileiros são geralmente ácidos, necessitando dessa Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4,287-299 Out./Dez., 2005 condição alterada para a obtenção de O solo ácido (pH 4,7) utilizado no experimento, que era ácido (pH 4,7), teve seu pH elevado até 6,8, com a aplicação de 168,4 Mg ha-1 de lodo de esgoto doméstico caleado (dose referente à aplicação de 800 kg ha-1 de N total). O aumento de pH do solo para a faixa 5,56,5, é desejável, por proporcionar a disponibilização de muitos macro (P, Ca, S, N e K) e micronutrientes (B, Mo, Cl e outros), e reduzir, no caso de problemas de excesso, a disponibilidade de Cu, Fe, Mn, Zn e Al, os quais poderiam trazer efeitos tóxicos às plantas. Considerando-se a correção do pH até 6,0, a aplicação de uma dose de 67,4 Mg ha-1 (320 kg ha-1 de Ntotal) é suficiente para diminuir a acidez do solo até condições adequadas de cultivo agrícola. Apesar do uso da metodologia da proporção de água para análise da CE do solo, a qual foi utilizada no trabalho, subestimar o valor da CE do solo, se comparada à metodologia do extrato de maiores produtividades agrícolas. saturação, verificou-se que, mesmo com a aplicação de altas quantidades de lodo caleado, a CE do substrato não atingiu o valor limiar de salinidade, em que a cultura do milho mantém sua máxima produtividade que, segundo Ayers & Westcot (1999) é de 1,7 dS m-1, configurando condição adequada para o cultivo do milho. Os valores de nitrogênio total, encontrados nas análises das amostras de solo, estão apresentados na Figura 4. A concentração de nitrogênio total no solo apresentou menor amplitude de variação do que aquelas observadas em outros nutrientes, para as diferentes doses de lodo caleado. Tal fato pode ser decorrente da maior instabilidade de algumas formas químicas no meio, como a volatilização de formas amoniacais em pH elevado, e, principalmente, a não mineralização de todo o N orgânico aplicado, durante o curto período de cultivo do milho que foi de apenas 60 dias. Figura 1. Curva de incubação durante três dias para o lodo com a cal hidratada (* - F significativo a 1% de probabilidade) Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4, 287-299, Out./Dez., 2005 291 Figura 2. Valores médios de pH no solo, após o cultivo do milho (* - F significativo a 1% de probabilidade) Figura 3. Valores médios de CE no solo, após o cultivo do milho (* - F significativo a 1% de probabilidade; NS – F não significativo a 5% de probabilidade) 292 Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4,287-299 Out./Dez., 2005 Figura 4. Concentração média de N no solo tratado com lodo de esgoto doméstico caleado (NS – F não significativo a 5% de probabilidade) Houve aumento considerável na concentração de fósforo no solo, com o aumento das doses de lodo de esgoto caleado adicionadas (Figura 5). Esses valores podem estar acima da quantidade real de Pdisponível no solo, uma vez que foi utilizado Mehlich 1 como extrator. Segundo Novais (1999), com o uso do extrator Mehlich-1, valores superestimados do fósforo disponível são verificados em solos com domínio de P-Ca, o que pode ser decorrente de sua gênese ou da alteração das condições do meio com a aplicação de corretivos de acidez. Segundo van Raij (1991), com o uso de extratores ácidos quantifica-se como disponível a forma de fósforo ligado ao cálcio, sabidamente uma forma não-lábil. Na Figura 6, estão apresentadas as curvas de concentração de K e Na trocáveis, como função da dose de lodo caleado aplicada ao solo. Acredita-se que os pequenos decréscimos nas concentrações de K e Na, observados nas mais baixas doses estejam associados à extração efetuada pelas plantas. Por ser o lodo caleado rico nesses cátions, com o aumento das doses, ocorreu maior disponibilidade desses cátions no meio. As concentrações de potássio obtidas nos solos tratados com lodo de esgoto caleado após o cultivo do milho (Figura 6) podem ser classificadas, conforme CFSEMG (1999), como muito boas. A baixa CTC do solo possibilitou que pequenas concentrações de Na fossem suficientes para que se promovesse ocupação percentual significativa do complexo de troca com este cátion. Por esta razão, a porcentagem de sódio trocável (PST) no solo natural ficou próxima a 15%. Este valor diminui com a aplicação das doses mais baixas de lodo caleado, mas volta a aumentar nas doses mais altas. Segundo Ferreira (2001), o solo é considerado sódico quando o valor da PST for superior a 15%; entretanto, esses valores não estão muito diferentes dos obtidos no solo-testemunha, ou seja, que não recebeu lodo caleado. O excesso de sais solúveis pode levar à redução no potencial osmótico da solução do solo, dificultando a absorção de água pela planta, causando desbalanço nutricional e afetando o desenvolvimento das culturas (Amorim et al., 2002). Deste modo, as concentrações crescentes de Na, que chegaram a atingir 200 mg dm-3, conforme mostrado na Figura 6, devem servir como Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4, 287-299, Out./Dez., 2005 293 alerta de que este é um cátion que, necessariamente, deve ser considerado, quando da definição da dose de lodo caleado a ser aplicada ao solo, ou ser monitorado em solos que venham a receber aplicação contínua deste resíduo. Figura 5. Concentração média de P no solo tratado com lodo de esgoto doméstico caleado (* F significativo a 1% de probabilidade; ** - F significativo a 5% de probabilidade; NS – F não significativo a 5% de probabilidade) Figura 6. Concentração média de K ( ) e Na (Ο) no solo tratado com lodo de esgoto doméstico caleado (** - F significativo a 5% de probabilidade; NS – F não significativo a 5% de probabilidade) 294 Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4,287-299 Out./Dez., 2005 Os valores de Ca + Mg no solo permaneceram adequados para o cultivo agrícola (CFSEMG, 1999), mesmo após o cultivo do milho. Com a adição de doses de lodo caleado a partir de 33,6 Mg ha-1 (Figura 7), os teores de Ca + Mg superaram a concentração trocável ideal de 2,0 cmolc dm-3. Tal como acontece com a calagem, a adição de lodo caleado proporcionou redução nas quantidades de Al trocável no solo, devido à sua precipitação como hidróxidos e, desta forma, reduzindo sua fitotoxicidade (Figura 8). No tratamento em que não houve adição de lodo de esgoto caleado ao solo, a saturação do complexo de troca por Al atingiu 33%, reduzindo a produção de matéria seca, pois, a saturação máxima de Al tolerada pela cultura do milho é 15%, segundo CFSEMG (1999). Figura 7. Concentração média de Ca+Mg ( ) e Al (Ο) no solo tratado com lodo doméstico caleado (** - F significativo a 5% de probabilidade; NS – F não significativo a 5% de probabilidade) A concentração de micronutrientes no solo é variável, dependendo de fatores como o material de origem, estado de intemperismo, clima, conteúdo de matéria orgânica, textura do solo, potencial de oxi-redução e pH (Neves, 1994). Os teores de micronutrientes (Cu e Zn) apresentaram tendência de aumento em suas concentrações trocáveis no solo, devido à presença desses no lodo. Essas concentrações tenderam, entretanto, a decrescer no maior valor alcançado de pH no solo, o que possivelmente esteja associado à formação de precipitados não solúveis a partir da dose de aplicação de lodo caleado de 101,0 Mg ha-1 (Figura 9), a qual correspondeu a um valor de pH de 6,3 (Figura 1). O efeito do pH na disponibilidade do crômio no solo ficou ainda mais evidente, sendo observado decréscimo nessa concentração a partir do pH 6,2. Su & Wong (2003), avaliando as formas de Cu, Zn Ni e Cd em lodo de esgoto corrigido com cinza de carvão mineral, verificaram que a concentração trocável do Cu aumentou, significativamente, com a diminuição da relação entre lodo de esgoto e cinza, sendo justificada pela dissolução do Cu da fração orgânica em valores de pH superiores a 9. Ao contrário, o Zn formando óxido foi, significativamente, superior ao Zn trocável, indicando que a cinza de carvão mineral, rica em óxido de cálcio e magnésio, pode estabilizar o Zn no lodo de esgoto, deixando-o em formas não extraíveis pelas plantas. Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4, 287-299, Out./Dez., 2005 295 Figura 8. Saturação média por Al no solo tratado com lodo doméstico caleado (* - F significativo a 1% de probabilidade) Figura 9. Concentração média de Zn ( ), Cr (∆), e Cu (Ο) no solo tratado com lodo de esgoto doméstico caleado (* - F significativo a 1% de probabilidade; ** - F significativo a 5% de probabilidade; NS – F não significativo a 5% de probabilidade) 296 Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4,287-299 Out./Dez., 2005 Figura 10. Concentração média de Pb (Ο), Ni (∆) e Cd ( ) no solo tratado com lodo de esgoto doméstico caleado (** - F significativo a 5% de probabilidade; NS – F não significativo a 5% de probabilidade) As concentrações trocáveis dos metais pesados Cr, Cd, Ni e Pb no solo, após o cultivo do milho, apresentadas nas Figuras 9 e 10, estão bem abaixo dos valores admissíveis em solos agrícolas, de acordo com diretrizes da Espanha, uma das mais rigorosas do mundo (SANEPAR, 1997). O aumento na concentração de Pb no solo que recebeu 168 Mg ha-1 de lodo caleado, foi cerca de cinco vezes o obtido na testemunha, fato possivelmente justificado pela presença deste metal no lodo de esgoto doméstico, embora isso não possa ser comprovado, uma vez que sua concentração não foi quantificada no lodo. No Quadro 2 estão apresentados alguns valores de referência (ocorrência natural nos solos), alerta e intervenção em solos de áreas agrícolas, segundo a legislação do Estado de São Paulo (CETESB, 2001). Quadro 2. Valores orientadores para metais pesados em solos agrícolas segundo a legislação do Estado de São Paulo Substância (mg kg-1) Referência Alerta Intervenção (área agrícola) Cd < 0,5 3,0 10,0 Pb 17 100 200 Cu 35 60 100 Cr 40 75 300 Ni 13 30 50 V 275 - - Zn 60 300 500 Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4, 287-299, Out./Dez., 2005 297 A obtenção de concentrações relativamente baixas de metais pesados no solo, comparativamente aos valores apresentados no Quadro 2, é devido ao fato de o lodo caleado adicionado ser proveniente de Estação de Tratamento de Esgoto exclusivamente doméstico, não havendo contribuição de despejos industriais, o que poderia vir a aumentar o risco de contaminação do lodo e, conseqüentemente do solo no qual foi aplicado, além do que essa aplicação foi feita uma única vez, podendo vir a aumentar, caso uma mesma área venha a receber, continuamente, lodo de esgoto caleado. CONCLUSÃO Com base nos resultados obtidos neste trabalho, conclui-se: • o pH e a condutividade elétrica do solo aumentaram com o incremento da dose de lodo caleado, evidenciando as características deste resíduo como corretivo e de fornecedor de nutrientes para o solo; • antes da aplicação nos solos é importante o conhecimento da curva de neutralização da acidez do solo com o lodo de esgoto doméstico caleado, uma vez que esse resíduo corrige a acidez do solo; • aumentos nas doses de lodo de esgoto doméstico caleado proporcionaram aumentos nas concentrações de nutrientes, pois, com a aplicação de lodo de esgoto doméstico caleado, as concentrações de metais pesados nos solos ficaram abaixo dos limites recomendados pela legislação ambiental; • considerando que as doses de lodo caleado, consideradas adequadas para a nutrição mineral das plantas, proporcionarão aumentos não desejáveis no pH do solo, recomenda-se que, para o cálculo da dose de aplicação, o lodo seja considerado, primordialmente, um corretivo de acidez do solo e não adubo orgânico. 298 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMORIM, J.R.A.; FERNANDES, P.D.; GHEYI, H.R.; AZEVEDO, N.C. 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