Características químicas do solo adubado com doses crescentes de

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Características químicas do solo adubado com doses crescentes de
CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS DE SOLO ADUBADO COM DOSES CRESCENTES DE
LODO DE ESGOTO CALEADO
Ronaldo Fia1, Antonio Teixeira de Matos2, Carmen Iribarren Aguirre3
RESUMO
Neste trabalho, objetivou-se obter a curva de incubação do lodo de esgoto doméstico com cal
hidratada, usada com a finalidade de promover a sua higienização, e observar os efeitos de
diferentes doses de lodo caleado sobre características químicas do solo. A quantidade de cal
hidratada utilizada para higienização foi de 75 kg.Mg-1 de lodo seco ao ar. Foram avaliadas as
seguintes doses de aplicação: 0 (T1), 1 (T2), 2 (T3), 3 (T4), 4 (T5) e 5 (T6) vezes a quantidade de
nitrogênio recomendada para o cultivo do milho, sendo o lodo caleado a única fonte de adubação
para as plantas. As plantas de milho foram cultivadas em vasos de 5 L, em casa de vegetação. Em
geral, as quantidades disponíveis ou trocáveis de N, P, K, Na, Ca, Mg, Cu, Zn, Cr, Ni, Cd e Pb
aumentaram nos substratos em que o lodo caleado foi aplicado, com exceção do Al que diminuiu.
Essa avaliação baseou-se nos resultados da análise química do solo efetuada após o cultivo do
milho. Com base nos resultados obtidos, verificou-se que o solo teve sua fertilidade aumentada com a
adição de lodo caleado. Entretanto, tendo em vista a alteração proporcionada no pH do solo e o
aumento na concentração de sódio trocável, recomenda-se sua utilização como corretivo de acidez
do solo e não como adubo orgânico.
Palavras chave: adubação orgânica, poluição do solo, fertilizante.
ABSTRACT
Chemistries characteristics of soil fertilized with increasing doses of lime-treated sewage
sludge
This study was carried out to obtain the incubation curve of the domestic sewage sludge with limetreated used in its hygienization, as well as to observe the effects of different doses of lime-treated
sludge on soil chemistry characteristics. The lime-treated amount used in hygienization was 75 kg Mg-1
air dried sludge. The following were avaliated: the application doses of: 0 (T1), 1 (T2), 2 (T3), 3 (T4), 4
(T5) and 5 (T6) multiplied the amount by the nitrogen amount recommended to maize cropping, and
the lime-treated sludge was the only fertilization source for plants. The maize plants were cropped in 5
L pots, under greenhouse conditions. In general, the available or exchangeable amounts of N, P, K,
Na, Ca, Mg, Cu, Zn, Cr, Ni, Cd and Pb increased in those substratum where the lime-treated sludge
was applied, except Al, that was reduced. This evaluation was based on the results of the chemical
analysis accomplished after maize cropping. Acording to the obtained results, the soil fertility
increased by adding the lime-treated sludge. However, taking into account the change in the soil pH
and the increased concentration of the changeable sodium, it is recommended as corrective of the soil
acidity, but not as an organic fertilizer.
Keywords: organic manuring, pollution of the soil, fertilizer.
1
Doutorando em Engenharia Agrícola/ UFV, E-mail: [email protected]
Professor do Departamento de Engenharia Agrícola/UFV, E-mail: [email protected]
3
Graduanda em Engenharia Técnica Agrícola/Universidade Pública de Navarra – ESP, E-mail: [email protected]
2
Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4, 287-299, Out./Dez., 2005
287
INTRODUÇÃO
Os sistemas de tratamento de esgoto
domésticos geram um resíduo sólido,
genericamente denominado genericamente
de lodo de esgoto. Em função da origem e
do processo de obtenção utilizado, o lodo
de esgoto apresenta composição química
muito variável, sendo um material rico em
matéria orgânica (40-60%), em nitrogênio e
alguns micronutrientes (Melo & Marques,
2000).
O aproveitamento agrícola de lodo de
esgoto apresenta-se como uma das
alternativas mais viáveis para disposição
final deste resíduo, em vista dos inegáveis
benefícios que podem proporcionar ao solo.
Em
razão
de
sua
constituição
predominantemente
orgânica,
quando
incorporado ao solo, há melhoria no estado
de
agregação
das
partículas,
proporcionando diminuição na densidade e
aumento em macroporosidade, o que
possibilita sua maior aeração, e capacidade
de retenção de água. Além disso,
proporciona aumento na CTC, no pH,
redução nas concentrações de Al trocável,
além de ser fonte de macro e
micronutrientes para as culturas e aumentar
a população microbiana benéfica do solo
(Melo & Marques, 2000).
A aplicação de lodo de esgoto em solos
agrícolas tem conduzido a aumentos na
absorção de nutrientes pelas culturas, com
reflexos positivos na produtividade (Silva,
1995; Lourenço et al., 1995). Entretanto,
alguns fatores podem ser limitantes a esta
prática, sendo os principais a presença de
agentes patogênicos e metais pesados.
O risco sanitário do uso do lodo pode ser
minimizado por meio da adoção de técnicas
de higienização, que proporcionem a
eliminação dos organismos patogênicos
presentes (Andreoli, 2001). Dentre os
processos de higienização e estabilização
do lodo de esgoto, a caleação é um dos
mais difundidos, o que é decorrente,
principalmente, do seu baixo custo e
facilidade de aplicação (Andreoli, 2001).
A caleação é um tratamento químico, em
que se adiciona cal ao lodo, de forma a
elevar seu pH até valores superiores a 12,
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condição na qual ocorre a inativação ou
destruição de grande parte dos agentes
patogênicos, além de proporcionar a
estabilização química e redução do odor do
lodo (SANEPAR, 1997).
Em caso de efetuar a prática da
caleação, o lodo pode ser utilizado na
correção da acidez do solo, necessária na
maior parte dos solos brasileiros (Andreoli,
2001).
A presença de metais pesados no lodo
depende do tipo de efluente, que chega à
Estação de Tratamento de Esgoto (ETE).
Quando a origem do efluente é
essencialmente de rejeitos domésticos, o
lodo
contém,
geralmente,
pequenas
concentrações
de
metais
pesados.
Entretanto,
se
o
esgoto
receber
contribuição industrial, o lodo gerado na
ETE pode conter altas concentrações de
metais pesados, material que pode
apresentar risco potencial ao solo, plantas
e ao homem, quando usado na agricultura
(SANEPAR, 1997).
Para contribuir com o aprofundamento
desta discussão, o presente trabalho tem
por objetivo a obtenção da curva de
caleação para higienização do lodo de
esgoto doméstico gerado em lagoa de
estabilização e a observação dos efeitos de
diferentes doses de lodo caleado sobre
características químicas do solo, quando
aplicado como fertilizante no cultivo de
plantas de milho.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi conduzido na Área
Experimental
de
Hidráulica
do
Departamento de Engenharia Agrícola
(DEA), Universidade Federal de Viçosa,
Viçosa-MG,
com
as
coordenadas
geográficas de 20º 45' S de latitude e 42º
52' W de longitude, com altitude de 650
metros.
A caracterização física e química do
lodo, apresentada no Quadro 1, foi
realizada no Laboratório de Qualidade da
Água e de Química dos Resíduos do
DEA/UFV.
Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4,287-299 Out./Dez., 2005
Quadro 1. Caracterização física e química do lodo de esgoto, antes da realização da
caleação
Atributo
Concentração
-1
SV* (dag kg )
33
-1
Nitrogênio (mg kg )
4.746
-1
Fósforo (mg kg )
514
-1
Potássio (mg kg )
6.600
-1
Cálcio (mg kg )
5.023
-1
Magnésio (mg kg )
464
-1
3.600
-1
41
Sódio (mg kg )
Cobre (mg kg )
-1
Zinco (mg kg )
102
* SV – sólidos voláteis
O trabalho foi desenvolvido em duas
etapas. Na primeira etapa, fez-se a
higienização do lodo obtido de uma lagoa de
maturação do sistema de tratamento de
águas
domésticas
provenientes
do
Condomínio Bosque do Acamari, Viçosa,
MG, com cal hidratada. Na segunda etapa,
foram avaliadas as características de um solo
tratado com lodo higienizado, em que foram
cultivadas plantas de milho.
a) Higienização do lodo
Para higienização do lodo, utilizou-se o
processo de caleação, que consistiu em
elevar o pH do lodo, por meio da adição de
cal hidratada (Ca(OH)2) até valores
ligeiramente superiores a 12, com a
finalidade de eliminar a maior parte dos
patógenos existentes no resíduo.
Para obtenção da curva de caleação, o
lodo de esgoto doméstico foi secado ao ar,
em condições de casa de vegetação,
destorroado e misturado com diferentes
doses de cal hidratada adquirida no comércio
local. Para cada 500 g de lodo, foram
utilizados 300 mL de água destilada e 0;
3,125; 6,25; 9,37; 12,5; 25,0; 37,5; 50,0; 62,5;
75,0; 87,5; 100,0; 125,0 e 150,0 g de cal, o
que correspondeu à aplicação de 0; 6,25;
12,5; 18,75; 25,0; 50,0; 75,0; 100,0; 125,0;
150,0; 175,0; 200,0; 250,0 e 300,0 kg Mg-1 de
lodo. A água foi adicionada com a finalidade
de homogeneizar a mistura e aumentar a
reatividade do material. O material (500 g de
lodo acrescido da dose de cal especificada
para cada tratamento) foi mantido em sacos
plásticos, que permaneceram abertos para
saída dos gases gerados na reação, durante
todo o período de incubação.
Durante o período de incubação, o pH em
água (EMBRAPA, 1999) do lodo foi
monitorado, a fim de se acompanhar sua
variação com o tempo e, assim, obter a curva
de incubação do lodo com a cal. A partir da
curva obtida, procurou-se identificar a menor
quantidade de cal necessária para manter o
pH do lodo acima de 12, por 72 horas,
condição necessária à sua higienização.
b) Utilização do lodo caleado como fonte
de nutrientes para plantas de milho
Para a cultura do milho, recomenda-se
uma dose de nitrogênio de 160 kg ha-1
(CFSEMG, 1999). Com base nesta
informação e na concentração de nitrogênio
presente no lodo, foram determinadas as
diferentes doses de lodo caleado, a serem
misturadas ao solo, obtendo-se valores
referentes a 0 (T1), 1 (T2), 2 (T3), 3 (T4), 4
(T5) e 5 (T6) vezes a quantidade de N
recomendada para esta cultura, o que
representou a aplicação de 0; 33,6; 67,4;
101,0; 134,7 e 168,4 Mg ha-1 de lodo
caleado.
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Para formação do substrato, misturou-se
com o lodo caleado, amostras de solo
(Latossolo Vermelho Amarelo Distroférrico)
proveniente de uma área próxima ao local
denominado “Tiro de Guerra”, em ViçosaMG. Foram semeadas 3 sementes de milho
em cada vaso com capacidade de 5 L,
arranjados aleatoriamente em casa-devegetação, em esquema fatorial 6x4, sendo 6
diferentes doses de lodo caleado, em função
da concentração de nitrogênio, com 4
repetições para cada tratamento. Após um
período de 7 dias, as duas plantas
apresentando menor vigor foram retiradas de
cada vaso, sendo a planta remanescente em
cada vaso submetida à irrigação com turno
de rega de 3 dias.
Após 60 dias, encerrado o período de
cultivo do milho, o solo foi retirado dos vasos,
peneirado (malha de 2 mm) e secado em
casa de vegetação. O material seco foi
empregado após trituração, para efetuar as
seguintes análises químicas: P disponível
(colorimetria), K e Na trocáveis (fotometria de
chama), Ca, Mg, Zn, Cu, Ni, Pb, Cr e Cd
trocáveis (espectrometria por emissão de
plasma). Avaliou-se também a acidez
trocável (titulometria), pH em água, e Ntotal
(método semi-micro Kjeldahl) (EMBRAPA,
1999). As determinações da condutividade
elétrica (CE) foram realizadas em extrato
solo:água, na relação 1:1 (v/v), com leitura
em condutivímetro de bancada.
As análises químicas do solo foram
realizadas no Laboratório de Qualidade da
Água e de Química dos Resíduos do DEA e
de Química e Fertilidade dos Solos do
Departamento de Solos (DPS), pertencentes
à UFV.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A concentração de sólidos voláteis no
lodo, apresentada no Quadro 1, encontra-se
abaixo das citadas na literatura (SANEPAR,
1997; CAESB, 1993; Andreoli, 2001) para
lodo fresco, que estão entre 45 e 69,4 dag kg-1,
estando porém, estão acima dos valores
citados por Andreoli (2001) para um lodo de
16 anos de idade, que foi de 6,8 dag kg-1. O
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lodo de esgoto foi retirado de uma lagoa,
onde ficou retido por dois anos, tendo em sua
constituição significativa contribuição de solo
carreado da área próxima à lagoa. Estes
fatos podem ser responsáveis pelos baixos
valores de SV encontrados.
Em relação às características químicas
apresentadas no Quadro 1, o lodo apresentase
naturalmente
rico
quanto
aos
macronutrientes nitrogênio, potássio e cálcio,
porém
apresenta
também
altas
concentrações de sódio (3.600 mg kg-1),
elemento que pode trazer problemas à
disposição desses resíduos no solo. No que
se refere à concentração de metais pesados,
os valores encontrados para cobre (41 mg kg-1)
e zinco (102 mg kg-1) podem ser
considerados baixos, sendo característicos
de lodo proveniente de esgoto de origem
exclusivamente doméstica.
a) Curva de incubação do lodo
Os valores obtidos para curva de
incubação do lodo com a cal hidratada estão
apresentados na Figura 1. Observa-se que a
quantidade mínima de cal hidratada utilizada
para higienização do lodo, suficiente para
manter o pH ligeiramente superior a 12, foi de
75 kg Mg-1 de lodo, após 3 dias de
incubação. Esta quantidade de cal hidratada
a ser usada na caleação do lodo de esgoto
doméstico está no intervalo de 54 a 154 kg Mg-1,
recomendado por Malina(1993), citado por
Pinto(2001).
b) Caracterização química do solo após o
cultivo do milho
Os valores de pH e CE das amostras de
solo cultivado com milho, nos 6 tratamentos
aplicados estão apresentados nas figuras 2 e
3.
Conforme se observa, mesmo após o
cultivo do milho, o solo apresentou
crescentes valores de pH e CE com a
aplicação da dose de lodo caleado. A cal
presente no lodo atuou no solo de forma a
promover a elevação de seu pH, tal como
corretivo da acidez, o que é um ponto
favorável à disposição do lodo caleado no
solo, pois, os solos brasileiros são
geralmente ácidos, necessitando dessa
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condição alterada para a obtenção de
O solo ácido (pH 4,7) utilizado no
experimento, que era ácido (pH 4,7), teve
seu pH elevado até 6,8, com a aplicação de
168,4 Mg ha-1 de lodo de esgoto doméstico
caleado (dose referente à aplicação de 800
kg ha-1 de N total).
O aumento de pH do solo para a faixa 5,56,5, é desejável, por proporcionar a
disponibilização de muitos macro (P, Ca, S, N
e K) e micronutrientes (B, Mo, Cl e outros), e
reduzir, no caso de problemas de excesso, a
disponibilidade de Cu, Fe, Mn, Zn e Al, os
quais poderiam trazer efeitos tóxicos às
plantas. Considerando-se a correção do pH até
6,0, a aplicação de uma dose de 67,4 Mg ha-1
(320 kg ha-1 de Ntotal) é suficiente para
diminuir a acidez do solo até condições
adequadas de cultivo agrícola.
Apesar do uso da metodologia da
proporção de água para análise da CE do
solo, a qual foi utilizada no trabalho,
subestimar o valor da CE do solo, se
comparada à metodologia do extrato de
maiores
produtividades
agrícolas.
saturação, verificou-se que, mesmo com a
aplicação de altas quantidades de lodo
caleado, a CE do substrato não atingiu o
valor limiar de salinidade, em que a cultura
do milho mantém sua máxima produtividade
que, segundo Ayers & Westcot (1999) é de
1,7 dS m-1, configurando condição adequada
para o cultivo do milho.
Os
valores
de
nitrogênio
total,
encontrados nas análises das amostras de
solo, estão apresentados na Figura 4. A
concentração de nitrogênio total no solo
apresentou menor amplitude de variação do
que aquelas observadas em outros
nutrientes, para as diferentes doses de lodo
caleado. Tal fato pode ser decorrente da
maior instabilidade de algumas formas
químicas no meio, como a volatilização de
formas amoniacais em pH elevado, e,
principalmente, a não mineralização de
todo o N orgânico aplicado, durante o curto
período de cultivo do milho que foi de
apenas 60 dias.
Figura 1. Curva de incubação durante três dias para o lodo com a cal hidratada (* - F
significativo a 1% de probabilidade)
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Figura 2. Valores médios de pH no solo, após o cultivo do milho (* - F significativo a 1% de
probabilidade)
Figura 3. Valores médios de CE no solo, após o cultivo do milho (* - F significativo a 1% de
probabilidade; NS – F não significativo a 5% de probabilidade)
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Figura 4. Concentração média de N no solo tratado com lodo de esgoto doméstico caleado
(NS – F não significativo a 5% de probabilidade)
Houve
aumento
considerável
na
concentração de fósforo no solo, com o
aumento das doses de lodo de esgoto
caleado adicionadas (Figura 5). Esses
valores podem estar acima da quantidade
real de Pdisponível no solo, uma vez que foi
utilizado Mehlich 1 como extrator. Segundo
Novais (1999), com o uso do extrator
Mehlich-1, valores superestimados do fósforo
disponível são verificados em solos com
domínio de P-Ca, o que pode ser decorrente
de sua gênese ou da alteração das
condições do meio com a aplicação de
corretivos de acidez. Segundo van Raij
(1991), com o uso de extratores ácidos
quantifica-se como disponível a forma de
fósforo ligado ao cálcio, sabidamente uma
forma não-lábil.
Na Figura 6, estão apresentadas as
curvas de concentração de K e Na trocáveis,
como função da dose de lodo caleado
aplicada ao solo. Acredita-se que os
pequenos decréscimos nas concentrações
de K e Na, observados nas mais baixas
doses estejam associados à extração
efetuada pelas plantas. Por ser o lodo
caleado rico nesses cátions, com o aumento
das doses, ocorreu maior disponibilidade
desses cátions no meio.
As concentrações de potássio obtidas nos
solos tratados com lodo de esgoto caleado
após o cultivo do milho (Figura 6) podem ser
classificadas, conforme CFSEMG (1999),
como muito boas.
A baixa CTC do solo possibilitou que
pequenas concentrações de Na fossem
suficientes para que se promovesse
ocupação
percentual
significativa
do
complexo de troca com este cátion. Por esta
razão, a porcentagem de sódio trocável
(PST) no solo natural ficou próxima a 15%.
Este valor diminui com a aplicação das doses
mais baixas de lodo caleado, mas volta a
aumentar nas doses mais altas. Segundo
Ferreira (2001), o solo é considerado sódico
quando o valor da PST for superior a 15%;
entretanto, esses valores não estão muito
diferentes dos obtidos no solo-testemunha,
ou seja, que não recebeu lodo caleado.
O excesso de sais solúveis pode levar à
redução no potencial osmótico da solução do
solo, dificultando a absorção de água pela
planta, causando desbalanço nutricional e
afetando o desenvolvimento das culturas
(Amorim et al., 2002). Deste modo, as
concentrações crescentes de Na, que
chegaram a atingir 200 mg dm-3, conforme
mostrado na Figura 6, devem servir como
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alerta de que este é um cátion que,
necessariamente, deve ser considerado,
quando da definição da dose de lodo caleado
a ser aplicada ao solo, ou ser monitorado em
solos que venham a receber aplicação
contínua deste resíduo.
Figura 5. Concentração média de P no solo tratado com lodo de esgoto doméstico caleado (* F significativo a 1% de probabilidade; ** - F significativo a 5% de probabilidade; NS –
F não significativo a 5% de probabilidade)
Figura 6. Concentração média de K ( ) e Na (Ο) no solo tratado com lodo de esgoto doméstico
caleado (** - F significativo a 5% de probabilidade; NS – F não significativo a 5% de
probabilidade)
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Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4,287-299 Out./Dez., 2005
Os valores de Ca + Mg no solo
permaneceram adequados para o cultivo
agrícola (CFSEMG, 1999), mesmo após o
cultivo do milho. Com a adição de doses de
lodo caleado a partir de 33,6 Mg ha-1 (Figura 7),
os teores de Ca + Mg superaram a
concentração trocável ideal de 2,0 cmolc dm-3.
Tal como acontece com a calagem, a
adição de lodo caleado proporcionou redução
nas quantidades de Al trocável no solo, devido
à sua precipitação como hidróxidos e, desta
forma, reduzindo sua fitotoxicidade (Figura 8).
No tratamento em que não houve adição de
lodo de esgoto caleado ao solo, a saturação do
complexo de troca por Al atingiu 33%,
reduzindo a produção de matéria seca, pois, a
saturação máxima de Al tolerada pela cultura
do milho é 15%, segundo CFSEMG (1999).
Figura 7. Concentração média de Ca+Mg ( ) e Al (Ο) no solo tratado com lodo doméstico
caleado (** - F significativo a 5% de probabilidade; NS – F não significativo a 5% de
probabilidade)
A concentração de micronutrientes no solo
é variável, dependendo de fatores como o
material de origem, estado de intemperismo,
clima, conteúdo de matéria orgânica, textura
do solo, potencial de oxi-redução e pH (Neves,
1994). Os teores de micronutrientes (Cu e Zn)
apresentaram tendência de aumento em suas
concentrações trocáveis no solo, devido à
presença
desses
no
lodo.
Essas
concentrações tenderam, entretanto, a
decrescer no maior valor alcançado de pH no
solo, o que possivelmente esteja associado à
formação de precipitados não solúveis a partir
da dose de aplicação de lodo caleado de
101,0 Mg ha-1 (Figura 9), a qual correspondeu
a um valor de pH de 6,3 (Figura 1). O efeito do
pH na disponibilidade do crômio no solo ficou
ainda mais evidente, sendo observado
decréscimo nessa concentração a partir do pH
6,2.
Su & Wong (2003), avaliando as formas de
Cu, Zn Ni e Cd em lodo de esgoto corrigido
com cinza de carvão mineral, verificaram que
a concentração trocável do Cu aumentou,
significativamente, com a diminuição da
relação entre lodo de esgoto e cinza, sendo
justificada pela dissolução do Cu da fração
orgânica em valores de pH superiores a 9. Ao
contrário, o Zn formando óxido foi,
significativamente, superior ao Zn trocável,
indicando que a cinza de carvão mineral, rica
em óxido de cálcio e magnésio, pode
estabilizar o Zn no lodo de esgoto, deixando-o
em formas não extraíveis pelas plantas.
Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4, 287-299, Out./Dez., 2005
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Figura 8. Saturação média por Al no solo tratado com lodo doméstico caleado (* - F significativo
a 1% de probabilidade)
Figura 9. Concentração média de Zn ( ), Cr (∆), e Cu (Ο) no solo tratado com lodo de esgoto
doméstico caleado (* - F significativo a 1% de probabilidade; ** - F significativo a 5% de
probabilidade; NS – F não significativo a 5% de probabilidade)
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Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4,287-299 Out./Dez., 2005
Figura 10. Concentração média de Pb (Ο), Ni (∆) e Cd ( ) no solo tratado com lodo de esgoto
doméstico caleado (** - F significativo a 5% de probabilidade; NS – F não significativo
a 5% de probabilidade)
As concentrações trocáveis dos metais
pesados Cr, Cd, Ni e Pb no solo, após o
cultivo do milho, apresentadas nas Figuras 9
e 10, estão bem abaixo dos valores
admissíveis em solos agrícolas, de acordo
com diretrizes da Espanha, uma das mais
rigorosas do mundo (SANEPAR, 1997).
O aumento na concentração de Pb no
solo que recebeu 168 Mg ha-1 de lodo
caleado, foi cerca de cinco vezes o obtido na
testemunha, fato possivelmente justificado
pela presença deste metal no lodo de esgoto
doméstico, embora isso não possa ser
comprovado, uma vez que sua concentração
não foi quantificada no lodo.
No Quadro 2 estão apresentados alguns
valores de referência (ocorrência natural nos
solos), alerta e intervenção em solos de
áreas agrícolas, segundo a legislação do
Estado de São Paulo (CETESB, 2001).
Quadro 2. Valores orientadores para metais pesados em solos agrícolas segundo a
legislação do Estado de São Paulo
Substância (mg kg-1)
Referência
Alerta
Intervenção (área agrícola)
Cd
< 0,5
3,0
10,0
Pb
17
100
200
Cu
35
60
100
Cr
40
75
300
Ni
13
30
50
V
275
-
-
Zn
60
300
500
Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.4, 287-299, Out./Dez., 2005
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A
obtenção
de
concentrações
relativamente baixas de metais pesados no
solo,
comparativamente
aos
valores
apresentados no Quadro 2, é devido ao fato
de o lodo caleado adicionado ser
proveniente de Estação de Tratamento de
Esgoto exclusivamente doméstico, não
havendo
contribuição
de
despejos
industriais, o que poderia vir a aumentar o
risco de contaminação do lodo e,
conseqüentemente do solo no qual foi
aplicado, além do que essa aplicação foi
feita uma única vez, podendo vir a
aumentar, caso uma mesma área venha a
receber, continuamente, lodo de esgoto
caleado.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados obtidos neste
trabalho, conclui-se:
• o pH e a condutividade elétrica do solo
aumentaram com o incremento da dose de
lodo
caleado,
evidenciando
as
características deste resíduo como corretivo
e de fornecedor de nutrientes para o solo;
• antes da aplicação nos solos é
importante o conhecimento da curva de
neutralização da acidez do solo com o lodo
de esgoto doméstico caleado, uma vez que
esse resíduo corrige a acidez do solo;
• aumentos nas doses de lodo de esgoto
doméstico
caleado
proporcionaram
aumentos nas concentrações de nutrientes,
pois, com a aplicação de lodo de esgoto
doméstico caleado, as concentrações de
metais pesados nos solos ficaram abaixo
dos limites recomendados pela legislação
ambiental;
• considerando que as doses de lodo
caleado, consideradas adequadas para a
nutrição mineral das plantas, proporcionarão
aumentos não desejáveis no pH do solo,
recomenda-se que, para o cálculo da dose de
aplicação, o lodo seja considerado,
primordialmente, um corretivo de acidez do
solo e não adubo orgânico.
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