Cooperação e Desenvolvimento Local

Transcrição

Cooperação e Desenvolvimento Local
Cooperação
e Desenvolvimento Local
Mitos e Realidades
09
08
ABR. MAI. JUN.
director: António Realinho
publicação trimestral
distribuição gratuita
Estatuto Editorial
Caracterização
e princípios:
A revista VIVER – Vidas e Veredas da Raia
é uma publicação trimestral, propriedade
da ADRACES – Associação para o Desenvolvimento da Raia Centro Sul, para a informação, formação para o Desenvolvimento e
promoção da qualidade e nível de vida das
pessoas que habitam a sub-região em que
estamos inseridos.
Em cada trimestre é desenvolvido um tema
central, complementado por conteúdos que
abrangem os diferentes temas relacionados
com os objectivos da publicação.
A “VIVER” é independente de quaisquer
poderes políticos e/ou económicos, não
estando ao serviço de qualquer orientação
pública ou doutrinária.
É, antes, um espaço aberto às pessoas que
se preocupam com o exercício da cidadania,
da coesão social e da promoção do desenvolvimento local e rural.
A “VIVER” está aberta à colaboração e intervenção dos seus leitores, quer através de
artigos de opinião, envio de documentos,
estudos ou trabalhos dentro do seu objecto,
ou através de sugestões sobre temas a tratar
nas suas páginas.
A “VIVER” pretende contribuir de forma
especializada e credível para a formação de
uma opinião pública esclarecida e crítica
em questões de desenvolvimento local em
meio rural, condição indispensável para
se conseguir uma realidade (rural) social e
economicamente mais justa e integrada.
A “VIVER” aborda territorialmente as questões específicas da área de intervenção da
ADRACES e, tematicamente, as relacionadas
com o Desenvolvimento Local em espaços
rurais, numa perspectiva nacional e europeia.
A “VIVER” tem circulação sistemática por
entrega directa entre as populações da Beira
Interior SUL e selectiva a nível nacional e
europeu, por envio postal, sobretudo ao nível
das Instituições públicas regionais, centrais
e europeias.
A sua difusão internacional é assegurada online através dos sites da ADRACES e da rede
das Universidades Rurais Europeias (APURE).
www.adraces.pt e www.ure-apure.org.
Objectivos:
De incidência principal a nível
regional – local:
• divulgar e promover os concelhos de
intervenção, sua identidade, história,
património e cultura;
• divulgar e promover iniciativas locais e
rurais de sucesso que encorajem outras
iniciativas;
• destacar e divulgar vidas exemplares, terras,
costumes e tradições;
• promover e divulgar as produções locais,
artesanato e turismo de qualidade;
• assegurar a divulgação de entidades, colectividades e eventos regionais;
De incidência geral, nacional
e internacional:
• privilegiar a discussão dos possíveis
“caminhos” e estratégias que o desenvolvimento local e rural pode adoptar;
• divulgar projectos inovadores, demonstrativos e transferíveis que revelem as
novas vias e possibilidades do desenvolvimento local e rural;
• divulgar e promover experiências internacionais adaptáveis às nossas realidades;
• contribuir para a divulgação de trabalhos
de investigadores nacionais e internacionais
na área do desenvolvimento local e rural;
• promover a reflexão especializada e alargada sobre as práticas de desenvolvimento local e rural;
Contribuir para um maior conhecimento
e compreensão mútua entre as diferentes
culturas rurais da EU. •
Estatuto Redactorial
Selecção
de Conteúdos:
Artigos de opinião
e trabalhos assinados:
• A selecção dos temas trimestrais centrais é
da exclusiva responsabilidade do Director,
ouvido o Conselho Editorial
• Os conteúdos de cada número e seu alinhamento são da responsabilidade do
Editor Geral, com prévia aprovação do
Conselho Editorial.
São da responsabilidade dos respectivos
autores; a sua publicação apenas envolve, por
parte da revista, um juízo sobre o interesse
informativo dos mesmos e se estão de acordo
com o objecto da revista e tema definido,
não significando necessariamente concordância com as opiniões neles expostas. Os
sumários, notas marginais, anotações extra-texto e artigos não assinados são da responsabilidade do Director e Conselho Editorial.
• A reprodução total ou parcial dos originais
carece de prévia autorização do Director
da revista.
• A Direcção não faz comentários sobre
artigos de opinião e outros trabalhos de
autor.
• A revista reserva-se o direito de publicar
ou não os trabalhos recebidos e de sugerir
qualquer alteração que se lhe afigure
necessária, por razões de paginação.
Depois de aprovados para publicação, os
originais já não poderão ser substancialmente modificados. •
António Realinho
ADRACES
Nascida e criada para cooperar
Director da ADRACES
FISHEYE
COOPERAÇÃO… é a palavra forte desta edição.
Mas não é simplesmente uma palavra… é a razão
própria da nascença e existência da ADRACES.
Ao escolher para grande tema a “COOPERAÇÃO”,
no sentido mais abrangente do termo, quisemos
ouvir diferentes opiniões sobre o acto de cooperar, a
todos os níveis: da família, das relações de proximidade
e de amizade, da comunidade, da BIS, da Região, do
País, da Europa e de toda a HUMANIDADE com que
nos possamos relacionar.
Gostaríamos de ter contado com mais contribuições,
mas nem todos os convidados puderam dispor de
ocasião para tal; a todos agradecemos a gentileza de
nos terem escutado e incentivado a continuar com o
trabalho que temos vindo a desenvolver, e de trazer
para a reflexão colectiva temas que são determinantes
das nossas condições de viver e de vida.
A ADRACES nasceu dum acto de Cooperação entre
as quatro autarquias da BIS e de mais um punhado de
cidadãos empenhados em cooperar para bem desta
sub-região da Beira Interior Sul – BIS.
Assim nascida, não podia fugir, como popularmente
se diz, à sua sina.
Por isso, ao longo destes 16 anos de actividade, temos
dedicado especial atenção a esta dimensão da nossa
prática, consubstanciada em iniciativas e acções que
aqui resumimos:
• Celebração em 1993 de um protocolo de cooperação entre a ADRACES e a ADISGATA (ES) e
PATRONATO PEDRO DE IBARRA (ES), com
base no qual se instituiu a denominação de “LA
RAYA/A RAIA”. Em 1995, aderiram ao projecto
mais 3 entidades espanholas e 1 portuguesa, cujas
zonas de intervenção são contíguas à zona de intervenção circunscrita pelas “entidades fundadoras”.
As actividades desenvolvidas foram:
• Edição de folheto bilingue caracterizador das zonas;
• Criação de uma base de dados sócio-económicos
das várias zonas;
• Participação conjunta em feiras e exposições;
• Desenvolvimento de um programa estratégico de
desenvolvimento para as zonas de abrangência das
associações, bem como a promoção do intercâmbio sócio-cultural entre as populações;
• Realização de uma feira anual, rotativa, transfronteiriça;
• Criação da associação internacional “LA RAYA/A
RAIA”;
• Prestação de serviços de apoio técnico a pequenas
empresas.
• Associação de Direito Internacional DELOS – Constellation. Tratou-se de uma rede europeia para o
desenvolvimento local sustentado dos 15 estados-membros da UE. A ADRACES foi um dos membros
fundadores.
• Meios de comunicação em zonas rurais (Portugal,
França, Espanha);
• A sustentabilidade dos sistemas agrários nas zonas
deprimidas da bacia do Mediterrâneo (Portugal,
Itália, Espanha);
• A integração do meio natural no desenvolvimento
do território (Itália, Espanha, Portugal);
• RISE – Emergir (Alemanha, Itália, Portugal);
• O desenvolvimento sustentado na Europa do Séc.
XXI (Portugal, Espanha).
• GEIE – Grupo Europeu de Interesse Económico,
para a comercialização de produtos locais (Portugal,
Itália, França, Espanha, Chipre, Grécia).
• Secretariado Permanente da APURE – Associação
para as Universidades Rurais Europeias, Associação
da qual a ADRACES é Vice-Presidente do Conselho
de Administração e com o pelouro da Tesouraria.
• Através da APURE, a ADRACES está igualmente
associada a um grande número de Plataformas e
Redes Europeias de Cooperação para o Desenvolvimento Rural, em representação da qual participa
regularmente do Grupo Consultivo para o Desenvolvimento Rural, da Comissão Europeia.
• Na secção “Os Nossos Parceiros”, esta revista tem
dado conta de algumas das nossas actividades mais
relevantes.
Estas são apenas algumas das acções ou iniciativas
desenvolvidas. Como alguém disse: COOPERAR é
como SEMEAR. Semear, não na terra, mas no coração
das pessoas com que cooperamos. Como na agricultura, colheremos ou não, conforme os tempos
decorrerem, mas, duma coisa há sempre a certeza,
sem semeadura não pode haver colheita… A ADRACES
semeia, mesmo sabendo que nem sempre se colhe, e
quase nunca no momento previsto! Os nossos Pais
também assim fizeram… “cooperaram” na esperança
incerta de que nós nascêssemos! •
O Director
Dê a sua opinião. Este artigo pode ser comentado no blogue da Revista VIVER através do
endereço electrónico http://revistaviver.blogspot.com
Rio Tejo
01 DO DIRECTOR
Adraces – Nascida e criada para cooperar
03 DO EDITOR
É a vida que está cara…
Ou nós é que não sabemos comprar?
04 TRIBUNA DA CIDADANIA
Virgínia Sereno:
A Cidadania exercida com alegria…
08 ONDAS CURTAS EUROPEIAS
11 GRANDE TEMA
Cooperação e Desenvolvimento Local
– Mitos e Realidades
31 AO SABOR DA PENA
PEDRO MARTINS
34 TEM A PALAVRA
Entrevista ao Presidente da Junta de Freguesia
dos Escalos de Cima
35 OS NOSSOS PARCEIROS
39 TEORIAS E PRÁTICAS
DE DESENVOLVIMENTO LOCAL
40 NÓS ADRACES
41 SENTIR A BEIRA
Raia de Solidariedade e Afectos
43 QUIOSQUE DA BIS
45 DO LADO DE LÁ
Zarza la Mayor
Director: António Realinho ¶ Director-Adjunto: Teresa Magalhães ¶ Editor-Geral: Camilo Mortágua ¶ Conselho Editorial: António Realinho, Teresa Magalhães, Camilo Mortágua, Celso Lopes, Rui
Miguel e Filipa Minhós ¶ Coordenação da Redacção: Teresa Magalhães, Filipa Minhós, Celso Lopes, Rui Miguel e Margarida Cristóvão ¶ Director Comercial: Luís Andrade
Produção Gráfica (Paginação / Impressão): Isto é, comunicação visual, lda · Rua Santos Pousada, 157 - 3º - Sala 15 · 4000-485 Porto ¶ Capa: Isto É ¶ Colaboradores: Abel Cuncas, Aida Rechena, Ana Paula
Fitas, António Salvado, Armindo Jacinto, Carlos Rosa, Celso Lopes, Clarisse Santos, Domingos Santos, Fernando Paulouro Neves, Fernando Raposo, Guilherme Pereira, Inês Pedrosa, João Mário Amaral,
Joaquim Alberto, Jorge Brandão, José Lopes Nunes (Jolon), José Portela, Lopes Marcelo, Luís Domingo Sabonete, Marco Domingues, Margarida Cristóvão, Maria José Martins, Mário Moutinho, Marta
Alves, Paulo Pinto, Pedro Lino, Rui Morais, Sandra Vicente, Victor Santiago
Depósito Legal: 243365/06 ¶ Registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) 124952 ¶ Propriedade: ADRACES – Associação para o Desenvolvimento da Raia Centro-Sul ·
Rua de Santana, 277 · 6030-230 Vila Velha de Ródão · Telef. +351-272540200 · Fax. +351-272540209 ¶ Número de Identificação Fiscal (NIF): 502706759 ¶ Sede da Redacção: Rua de Santana,
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É a vida que está cara…
Ou nós é que não sabemos comprar?
Mas a vida também se compra!? Claro… a todas as horas e todos
os dias compramos coisas boas e más para vida. Escolher as compras que alimentam e prolongam a duração da vida ou as que, pelo
contrário, só a agridem e diminuem, deviam ser opções livres e responsáveis… mas não são. Neste mundo, existem multidões de seres
humanos que são obrigados a comprar, apenas e tão só, aquilo que
os seus parcos rendimentos lhes permitem, quer em qualidade,
quer em quantidade.
Mas também existem os que, sem necessidade, compram o que
agride a própria vida, por simples “opção de vida”!
Destes últimos não nos ocuparemos nesta reflexão que nos propomos
partilhar com os leitores destas páginas do número 9 da nossa revista.
Todos ouvimos, vemos e lemos as notícias da crise alimentar, do
aumento dos preços dos produtos básicos da nossa alimentação.
“A vida está tão cara” que os pobres não a conseguem alimentar!
Mas… será mesmo assim?
O que é um produto caro? – É um produto que sendo essencial à
manutenção da vida, não está ao alcance da maioria, ou é um produto, produto da intoxicação “marketingueira” em favor do crescimento do consumismo/produtivismo ad infinitum, comprado por
ignorância ou simples tentativa de aquisição de status social?
Caro é um quilo de arroz pelo qual cheguemos a pagar 2 ou 3 euros,
ou uns bilhetes para o futebol ou para ver a Madonna a 60 euros?
Caro é um quilo de bom peixe por 6 ou 8 euros, ou mais; ou 2 decilitros de creme para fazer caracóis brilhantes no cabelo, pelos mesmos
6 euros? (São apenas alguns exemplos).
Bem sei, é subjectivo, e nem só de estômago é feito o Homem! Cada
pessoa tem as suas necessidades, etc. e tal. Pois é, mas, normalmente,
a cabeça não funciona com estômago vazio! E, também normalmente, sucede acontecer o que aconteceu ao burro do cigano, quando
estava habituado a não comer… morreu.
Muitas das vozes, que agora mais se ouvem a defender os pobrezinhos que não podem comprar a comida ao preço que está ou vai ficar,
pertencem às mesmas pessoas, às mesmas organizações e interesses,
que ao longo destes últimos 25 anos aproximadamente, obrigaram
os produtores de bens alimentares, sobretudo os mais pequenos – e
menos competitivos em relação aos grandes grupos internacionais
agro-alimentares –, a terem de produzir abaixo dos custos reais de
produção, condenando-os à miséria ou a abandonar as suas explorações, a emigrar para os centros industriais, para aí trabalharem para
quem objectivamente os tinha “escorraçado” dos campos!
Quiseram habituar-nos a uma alimentação “abundante e barata” (há
60 anos uma família gastava o dobro para se alimentar), sem olhar
à qualidade, para que dos rendimentos das famílias sobrasse o suficiente para lhes comprarmos todas as “bugigangas mais ou menos
supérfluas” que o seu grande espírito empreendedor e a ânsia de
lucros iam produzindo.
A partir dos “famosos gloriosos anos” que se seguiram por três curtas
décadas à última grande guerra, o poder político passou definitiva
e radicalmente de mãos, saiu dos campos e concentrou-se nas mãos
dos grandes senhores da indústria manufactureira e da banca, sua
intermediária na captação dos recursos financeiros necessários à
sua expansão.
Controlado o poder político e financeiro, ainda por cima apoiados
por políticas subsidiárias geridas pelos próprios e pagas por todos
nós, foi-lhes fácil apoderar-se dos meios de produção, de transformação e distribuição agro-alimentar, concentrando nas suas mãos
o controle do mercado; quando o conseguiram, bastou-lhes provocar a escassez para aumentar os preços e os lucros próprios, mas
não para dar o justo pagamento a quem possa produzir em pequena
escala e com a garantia de qualidade que é dada pela relação directa
entre produtor e consumidor.
Hoje, querem convencer-nos de novo que os responsáveis por
alimentar os pobres deste Mundo são quem produz alimentos. Na
Camilo Mortágua
Editor-geral
[email protected]
opinião deste sábios economistas: os trabalhadores agrícolas, os pequenos e médios
agricultores, as pessoas que se esforçam por
cuidar da terra mãe e da qualidade do que
comemos, é que têm que vender a perder o
produto do seu trabalho, para que os pobres
gerados pela lógica da competitividade sem
limites se possam alimentar!
Que se acabem os subsídios e se criem as
condições para que quem produz possa viver
dignamente do seu trabalho, sem estar à
mercê de esmolas condicionantes da liberdade de opções e de opinião.
Em última análise, a questão dos pobres
poderem ou não adquirir o essencial da sua
alimentação não é um problema agrário, é
uma questão social. Subsidiem-se os consumidores pobres e pague-se a quem produz
o justo preço pelo seu trabalho!
Caros leitores, pode parecer-vos estranho
que, sendo “A cooperação e o Desenvolvimento Local” o Grande Tema desta edição,
tenha derivado para estes ligeiros comentários sobre o tema da crise alimentar. Por
estranho que vos pareça, penso que uma coisa
tem tudo que ver com a outra, a valorização
dos nossos produtos locais e a reanimação
dos nossos campos e aldeias dependem da
evolução que vier a ser dada a estas questões.
Se estas breves linhas tiverem servido para
despertar em vós algum interesse pela discussão destes assuntos, dou-me por satisfeito.
Boas férias, se possível cá dentro, em segurança rodoviária e alimentar. •
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VIVER através do endereço electrónico http://revistaviver.blogspot.com
Sempre fui uma pessoa do verbo ir.
Sempre tive apetência pelo que é novo.
Se é novo… então vamos lá a ver no que
é que dá! Claro, é preciso ir, a gente vai!
Virgínia Sereno
A Cidadania exercida
com alegria…
Todo este trabalho comunitário a que se dedica... também o faria
se não fosse Assistente Social?
Fazia! É claro que fazia!
Um dia podemos falar da associação que dirige, mas, por agora, o
que interessa é a sua história.
Ai, eu nem posso contar a minha história toda... Isso era um escândalo
aí, se as pessoas soubessem a minha vida... (risos).
Queremos saber o seu passado e as suas lutas, que nos dê exemplos para continuarmos a ter força para fazermos coisas fora do
comum. Colocando-me numa posição muito incómoda, tenho que
perguntar-lhe a sua idade.
Não me importo nada de dizer a minha idade. Eu sou ao contrário
das outras pessoas, porque quando fiz 65 anos fiquei muito contente e
disse a toda a gente a idade que tinha alcançado. Porque é uma idade
que eu nunca pensei que lá chegaria. A partir desse dia, deu-me na
gana de fazer tudo o que me apetecia, viver a vida sem preocupações, gozar a vida sem me conseguir preocupar com nada, porque
eu achava que nunca chegaria aos 65 anos.
Conseguiu viver sem preocupações?
Tenho conseguido. Portanto, se eu até aqui poderia não dizer a minha
idade, agora alegro-me de cada ano que faço. Pode ser uma ideia
um bocado ambígua, mas de facto é assim. Vou fazer 66 anos em
Novembro deste ano, se lá chegar.
De onde é natural?
Sou natural do Salgueiro do Campo, onde fiz a quarta classe, depois
vim para o Liceu de Castelo Branco estudar. Filha de comerciantes,
uma família na altura considerada com algum poder económico,
depois de ter estudado em Castelo Branco, fui tirar o curso de Auxiliar
de Serviço Social para São Pedro de Alcântara, em Lisboa. Depois
fui para África, para Angola. Emigrei completamente sozinha, deixando cá os meus pais e fui trabalhar para Angola, porque na altura
cá ganhávamos 1500 escudos, ao passo que lá o ordenado era de
Tribuna da Cidadania
Tinham-nos dito que havia uma senhora
“duma certa idade” que, pela sua devoção
a uma causa, pelo seu percurso de vida,
merecia ser apontada como exemplo
de cidadã. Numa destas últimas tardes dos
primeiros dias de Maio, de céu cinzento,
chuvosos e frio, lá fomos à procura da Dona
Virgínia, na Sede da Associação
de Apoio à Criança ali na Rua Conselheiro
Albuquerque, 21, em Castelo Branco.
Numa vivenda discreta, por onde se passa
sem sequer suspeitar da grandeza da gesta
humana que aquelas paredes resguardam!
A personagem existia… encontrámo-la no
seu acanhado “escritório”com ar de quem
não está no seu ambiente favorito, com ar
de quem está ali de passagem para ir ao
encontro de outra coisa que não os “papéis”,
ir ao encontro de quem se sente Mãe ou Irmã,
ao encontro das pessoas/“seus” pacientes
e protagonistas daquela partilhada luta
pela saúde e, tanto quanto possível,
por uma vida digna e respeitada.
E, logo que fitamos o seu olhar,
o tempo aqueceu! O cinzento do céu abriuse, surgiu a luz e sentimos que a alegria
contagiante da nossa interlocutora nos
inundava de optimismo…
O dia estava ganho!
A partir desse sentimento de alegria
partilhada, a conversa
decorreu ininterruptamente,
salpicada de expressivos gestos, sublinhados
por sorrisos desdramatizadores
das recordações menos alegres.
4050 escudos. Portanto, embarquei sozinha de avião, com o consentimento dos
meus pais, que sempre foram pessoas muito
abertas. Apenas me perguntaram se sabia
o que ia fazer. E eu sabia perfeitamente.
Queria ir para uma terra onde havia calor
e onde podia ajudar pessoas. Na altura
encontrava-me a trabalhar na Santa Casa
da Misericórdia de Lisboa, prestes a fazer
contrato para passar a efectiva, mas decidi largar tudo e ir para Angola. Claro que chegada
lá, passados uns tempos senti-me muito
abandonada, mas nunca transmiti para a
família que estava sozinha. Sempre pensei
para comigo mesma: “Já que vim, venci”.
E acabei por gostar muito de lá estar, porque lá fazia-se trabalho comunitário a sério.
Trabalhava-se junto da população, era um
trabalho de terreno, e aquilo bastava-me.
Ainda namorei por lá, mas não casei. Fiquei
em Angola dois anos e meio, depois fui para
Lourenço Marques, onde os meus pais se
encontravam. O meu pai era funcionário
no Ministério da Agricultura, penso eu, na
altura não sei bem como se chamava,
estava ligado à Junta de Povoamento de
Moçambique. E então eu fui de Angola
para Lourenço Marques para trabalhar na
Junta Provincial de Povoamento. Dei por
ali muitas voltas. Passeei, trabalhei muito,
fui até à Manhiça, às Ilhas Josina Machel, e
de Angola também conheço muita coisa.
A pessoa retorna…
porque já foi!
Tribuna da Cidadania
Voltei como retornada com o 25 de Abril, e
nunca tive problema nenhum em me chamarem retornada. Sempre disse que se eu
retorno é porque tive a coragem que muitos
na altura não tiveram de ir para lá. A pessoa
retorna porque já foi.
Sentiu dificuldades nesse período?
Dificuldades económicas não posso dizer
que passei, porque eu trazia o meu vencimento, na altura recebia lá 5750 escudos.
Ao vir para cá, no Quadro Geral de Adidos
tínhamos uma redução, mas como fui viver
para a aldeia, para casa dos meus pais, onde
viviam também a minha irmã, o meu
cunhado e os meus sobrinhos, não senti
grandes dificuldades de dinheiro. Embora
tivesse ficado com o cargo do IARN em
Lisboa, pedi transferência para ficar junto
da família. É claro que ganhar em África
cinco contos e vir para cá com bastante menos, fez alguma diferença. Mas eu também
não sou daquelas pessoas que se queixam.
Desde que a pessoa tenha o básico para
viver no dia-a-dia, não tem de que se queixar. Não preciso de ganhar três mil contos
para poder viver. Consigo ter uma vida
agradável com muito menos.
Economicamente não foi muito mau, embora
tenha vindo de lá sem nada. Só que vivendo
na aldeia com aquilo que recebia, conseguia
viver tranquilamente. A minha grande dificuldade foi a adaptação a Portugal. Senti foi
a diferença de vida que lá tinha. Não falo de
luxos que perdi, mas sim das mentalidades
fechadas de cá em comparação às de lá. Eu
estava habituada a uma vida de falar sem
receios e cá não tenho essa liberdade. Senti
alguma dificuldade de adaptação.
Foi importante ter ido a Angola? Sente
que a retornada era uma pessoa diferente
daquela que foi?
Muito importante. As minhas vivências durante a passagem por Angola e Moçambique,
e apesar de ser uma pessoa já com uma
mente aberta, contribuíram muito para a
pessoa humana que hoje sou. O tipo de vida
que se levava junto daquelas pessoas, a amizade que havia, o desprendimento em relação às preocupações banais, fez de mim uma
pessoa muito melhor e muito mais aberta.
Hoje tem família?
Sim, tenho dois filhos, sou viúva, reformei-me da Segurança Social em 2004 e agora estou aqui na Associação de Apoio à Criança.
Este projecto nasceu como?
Este projecto não nasceu comigo, nasceu
de uma Associação de Pais que, na altura,
tentou dar resposta às necessidades dos filhos a frequentar o ensino regular. Nessa
data, as escolas funcionavam a meio tempo,
ou no tempo da manhã ou no tempo da
tarde, e havia a necessidade de ocupação
dos tempos livres das crianças. Como os
miúdos estavam integrados no ensino regular, era necessário ocupar aqueles que não
eram aceites no OTL no período em que
estavam livres. Então os pais criaram esta
associação com este objectivo de dar apoio
extra-escolar aos filhos. Depois a instituição
foi crescendo, as solicitações da comunidade em relação à instituição aumentaram
e viraram-se mais para as pessoas adultas
com deficiência, pelo que a instituição instintivamente foi reorientando os seus objectivos. Portanto, hoje recebemos crianças e
adultos. Crianças, neste momento, só temos uma, que nos foi entregue pelo tribunal. Os outros 42 são jovens e adultos com
deficiência, que pode ser ainda associada
de doença mental. Trabalhamos muito em
parceria com a psiquiatria no Centro de
Actividades Ocupacionais, que tem sido
muito elogiado por eles.
Quando se reformou da Segurança Social,
já tinha este projecto em mente?
Não. Ficar aqui como estou todo o dia, não.
Quando me reformei da Segurança Social,
pensei em várias hipóteses: ou ia para a
Universidade Sénior como fizeram as minhas
outras colegas, cheguei mesmo a matricular-me, mas acabei por desistir e por ficar aqui
a tempo inteiro. Mas a ideia no início era vir
aqui, dar o apoio necessário como assistente
social em termos de voluntariado durante
algumas horas. No entanto, acabei por desistir de tudo e fiquei aqui.
Já não como voluntária?
Não, continuo como voluntária. Estou aqui
como voluntária o tempo todo.
Os filhos já são grandes? Já não chamam
pela mãe?
Já, mas ainda chamam por mim. Mas quando
é preciso a gente também lá vai. O tempo
chega para os filhos e para todos os utentes
da associação. Tudo bem dividido chega
para todos.
Aqui não fazemos
assistência social…
Fazemos acção social
com técnica.
Aqui não fazemos assistência social. Nós
aqui fazemos Acção Social com Técnica. Ou
seja, temos objectivos a atingir para cada
um deles. Isto não é fazer caridade. Isto faz-se de acordo com objectivos específicos
para cada utente. Para os promover, para os
inserir, para os apoiar e apoiar as respectivas
famílias para que eles progridam. Não é dar
para aparecer no jornal ou porque parece
bem. É essencialmente ajudá-los a inserirem-se na sociedade.
Na sua opinião, quanto é que vale por mês
a satisfação que dá trabalhar aqui?
Não há dinheiro que pague. Eu saio daqui
contente por estar com eles. Saio daqui
cheia. Não estou a pensar no dinheiro; se
pensasse no dinheiro, não estava cá.
E a saúde?
A saúde conta muito. Mas, por enquanto,
eu tenho saúde q.b. O que conta em primeiro
é a minha saúde e a saúde dos meus, mas
também nesse bolo todo está o bem-estar
deles. Eles estão quase equiparados aos
meus filhos.
Saiu do Salgueiro do Campo e por aqui
ficou. E tendo estado em Luanda e Lourenço
Marques, duas grandes capitais africanas,
aqui fixou-se numa capital de província!
E de que nunca gostei quando era miúda, é
engraçado. Sempre disse ao meu pai que tinha de ir tirar um curso para sair de Castelo
Branco. Mas, por destino, cá vim de novo
parar. E fiquei colocada em Lisboa quando
vim de África, no IARN, mas acabei por vir
para o IARN do distrito de Castelo Branco.
Quando se vêem por aí tantas casas a guardar a terceira idade, daquelas que
mal se entra dá imediatamente vontade de sair, que diabo de Acção Social é
esta que temos em Portugal?
As instituições de terceira idade vão ter sempre de existir. O grande problema dessas instituições está no elevado número de idosos que elas albergam,
para poderem “rentabilizar” os custos fixos, onde é quase impossível haver tratamentos de cuidados individualizados. Uma instituição, para prestar
cuidados individualizados, tem de ser pequena ou dispor de muitos recursos humanos especializados. E hoje os recursos humanos especializados têm
de ser bem pagos. Na maior parte das IPSS há apenas uma assistente social
para 200 idosos.
Já gosta de Castelo Branco?
Aceito viver em Castelo Branco. Não aceito muitas coisas
que a sociedade de Castelo Branco tem, como por exemplo, a formação de certos grupos elitistas por acharem que
são senhores doutores. Em Castelo Branco ainda há muito
a mania do doutor. É o novo riquismo e alguns velhos que
mantêm certo tipo de preconceitos. Olhe, são aqueles que
dizem que eu não sou ninguém, porque não adoptei o
nome do marido. Isso para mim não conta nada. Mas se as
pessoas vivem felizes, porque não deixá-las viver assim?
Mas isso ainda persiste?
Sim. Nota-se perfeitamente a delimitação de certos grupos.
Basta ir às docas, por exemplo, para nos apercebermos
disso.
Então vai ficar por cá?
Sim... Quer dizer, se um dia me der na real veneta... depende...
Eu não sou uma daquelas pessoas certinhas. Eu sou capaz
de estar em casa, e se me apetecer às seis da tarde ir para
Espanha ou para Lisboa, eu vou. Já me aconteceu.
Não tenho coisas destinadas para o dia seguinte, do género
“amanhã faço isto”. Não, amanhã faço o que me apetecer!
Mas é isso que lhe mantém a saúde!
Pois, se calhar também é verdade. Se amanhã me passar
pela cabeça que quero ir para o Porto, vou. Só digo aos
meus filhos que me vou embora, porque têm de saber
minimamente onde é que eu ando. Agora os outros não.
Aliás, o que os outros pensam não me importa, nem nunca
me importou.
Embora o que pensam os outros, quando a gente precisa
de emprego, conta!
Sim, conta. Mas eu penso que, no meio de tudo isto, há
sempre meia dúzia que pensa como nós e que aprecia o
nosso trabalho, baseado em honestidade e sinceridade.
Acha que as assistentes sociais que são formadas hoje
são diferentes das que eram formadas no seu tempo?
São. Pela experiência que tenho de trabalho com algumas
assistentes sociais formadas recentemente, noto que já não
dão tanto valor à parte humanitária. Eu não sei se não a
recebem na escola, desconheço o ensino actual, mas olhar
para cada pessoa como um indivíduo como nós olhávamos antigamente, buscar soluções assentes sobretudo no
humanismo, já não se faz da mesma maneira. Essa parte
está mais descurada hoje em dia.
Mas a Virgínia formou-se em...?
Eu tirei primeiro o Bacharelato em Auxiliar de Serviço Social e depois, mais
tarde, já no pós-25 de Abril, quando regressei a Portugal, tirei o Curso de Assistente Social. O primeiro tirei em Lisboa no Instituto de São Pedro de Alcântara,
porque na altura, tal como acontece com as auxiliares de enfermagem, também havia auxiliares de assistentes sociais. Depois esse curso terminou, e eu
quando regressei a Portugal tirei no Instituto Superior de Serviço Social de
Coimbra a licenciatura de Assistente Social, na altura ainda era particular, que
é hoje o actual Miguel Torga. Tirei o curso já casada e com dois filhos. Ia eu e
mais três colegas da Covilhã para Coimbra fazer o curso duas vezes por semana
a Coimbra. Ainda não existia o IC8, fazíamos o caminho pela Serra.
Será que hoje há muito menos disponibilidade para investir em si próprio,
para investir numa carreira, para investir na sua própria formação? As pessoas hoje são mais materialistas, só frequentam formações se lhes pagarem
para aprender?
Pois, mas eu sempre fui uma pessoa do verbo ir. Nasceu a linha de emergência
da segurança social, quem é que se oferece? “Eu”! Também sempre tive esta
apetência e, por isso, a minha cabeça mantém esta atracção pelo que é novo…
se é novo… então vamos ver no que é que dá.
Quando não há leviandade na cabeça, a cabeça pesa e a gente anda sempre
a olhar para o chão. E quando se olha sempre para o chão, não se consegue
ver o que se passa cá em cima… será isso?
Claro. É preciso ir, a gente vai.
O que é que gostava de reviver daquilo que já viveu?
Bem... não me arrependo nada daquilo que fiz. Se fosse hoje voltava a ir para
África. Acho que o tempo que lá passei, o que trabalhei e o que aprendi, valia
a pena voltar a viver.
Não sente falta de espaço?
Muita falta do espaço. Quando voltei, até as ruas achava estreitas.
Pareceu-lhe que aqui havia gente a mais?
Sim. E ainda hoje, se puder, quando escolho uma casa para viver, não pode ter
prédios à frente. Faz-me falta esse espaço. Por isso, quando saio daqui escolho
sempre um sítio onde haja mar, menos o Algarve. Onde eu possa estender a
vista até perder o alcance.
Até à próxima D. Virgínia, conserve essa alegria e essa coragem, e, como diz
a canção: VIVA A VIDA.
Fique descansadinho, enquanto gostar tanto dela, não a deixo por conta de
ninguém… vivo-a EU. •
Tribuna da Cidadania
E hoje o que sente?
Hoje não me arrependo.
E quantas não têm sequer assistente social?
Hoje em dia, também é frequente que muitas instituições não admitam assistentes sociais; antes admitem outros profissionais da área social que, não tirando
o valor destes de modo algum, não conseguem, no entanto, desempenhar o
papel dos primeiros. Cada um tem a sua especificidade em termos de tratamento. Se eu tivesse outra formação, eu não trabalharia tão bem nesta área,
que conheço pela formação que tive, como os profissionais formados em História
ou Sociologia, por exemplo. Alguns dos erros passam por aí.
O Voto
da Irlanda
e o futuro
do Tratado
de Lisboa
Certezas ainda há poucas. Parece certo que o tratado não entrará
em vigor, como previsto, a 1 de Janeiro de 2009.
Portanto, a importante decisão sobre o “Balanço de Saúde” da Política
Agrícola Comum, ainda será tomada unicamente pelo Conselho de
Ministros, e não por co-decisão como previa o novo tratado.
Enquanto se aguarda pela reflexão dos políticos sobre as soluções
possíveis para o problema, tudo indica a vai ser exercida sobre a
Irlanda a máxima pressão política.
Até agora, os Parlamentos de 19 Países rectificaram o Tratado, entre
eles: Bulgária, Roménia, Eslovénia, Hungria, Eslováquia, Finlândia,
Lituânia, Letónia, Dinamarca, Alemanha, Luxemburgo, República
Checa, França, Grécia e Portugal.
Propostas legislativas da Comissão
Europeia, relativas ao “Balanço
de Saúde” da PAC
Supressão dos pousios obrigatórios. A Comissão propõe acabar
com a obrigatoriedade de manter 10% das terras aráveis em pousio,
permitindo assim a cabal utilização das áreas de cada proprietário.
Supressão progressiva das cotas leiteiras: As cotas leiteiras deverão
desaparecer até Abril de 2015, através dum aumento progressivo
das cotas actuais, à média de 5% anualmente.
Transferência de fundos entre o orçamento para as ajudas directas
e o fundo de apoio ao desenvolvimento rural.
Actualmente todos os agricultores que recebam anualmente
mais de 5.000 euros têm uma redução de 5% nos pagamentos. As
diferenças correspondentes são transferidas para o orçamento
de apoio ao Desenvolvimento Rural. A Comissão propõe passar
dos actuais 5% para 13% até 2012. Reduções suplementares serão
aplicadas às grandes explorações, de 3%, 6% e 9% para quem
receba 100.000, 200.000 e 300.000 euros anuais de ajudas directas.
Os fundos provenientes da aplicação destas medidas poderão ser
utilizados pelos Estados Membros para reforçar Programas relativos às mudanças climáticas, às energias renováveis, ou à melhor
gestão da água e da biodiversidade.
Para mais informação:
http://ec.europa.eu/regionalpolicy/sources/docoffic/official/communic/
negociation/com2008 301annexen.Pdf
Política de Emprego
É possível reduzir o número de pessoas vivendo na Europa com
baixos rendimentos?
Pensa-se que, à medida que os novos Países membros consigam
anular o seu atraso em termos de desenvolvimento económico e
aumento dos seus rendimentos, tanto em termos absolutos, como
em relação à média comunitária, haverá uma
rápida redução do número de pessoas vivendo
com rendimentos muito baixos!
Actualmente, aproximadamente 100 milhões
de Europeus (22% da população total) dispõem
de menos de 60% do rendimento médio da
U.E., ou seja, cerca de 8.000 € por ano e por
pessoa só, o equivalente a 22€ por dia.
Estes montantes são ponderados em função do
poder de compra e do tamanho de cada agregado familiar, por isso, os montantes exactos
podem variar de país para país dependendo
sempre da composição do agregado. Mas…
cerca de 23,5 milhões de pessoas são obrigadas
a sobreviver com menos de 10 euros por dia.
Portugal, cuja população deve escassamente
rondar os 3% da população europeia, com
cerca de 2 milhões de pessoas incluídas nessas
faixas de rendimentos e muito abaixo, goza do
“privilégio” de contar com 5% do total de
europeus pobres!
Política de Pescas
Para mais informação:
http://ec.europa.eu/employmentsocial/spsi
/reports_social_situation_en.htm
Para mais informação:
http://ec.europa.eu/fisheries/press releases/2008/com08 39
fr.htm •
Observação:
Será que as grandes “indústrias pesqueiras multinacionais”
obrigam a maioria dos pequenos e médios pescadores a
vender as suas pescarias por preços que não dão para o
gasóleo?
Ondas Curtas Europeias
O Comissário encarregado das políticas de pesca
disse-se pronto a cooperar com os Estados Membros
para encontrar soluções para a crise do sector devida
ao galopante aumento do gasóleo, mas preveniu contra
as falsas soluções e as ajudas ilegais, afirmando que:
“Ao contrário do que alguns pensam, as medidas avulsas
de emergência só serviriam para eternizar os problemas
do sector e ampliar os efeitos de uma eventual crise futura.
Temos que agir em favor de uma verdadeira reestruturação do sector.
As grandes dificuldades do sector residem na inadequação
entre a grandeza da frota e o nível sustentável das possibilidades de pesca” – acrescentou Joe Borg.
Ondas Curtas Europeias
Carta
de Paris
10
As relações entre as pessoas, ou os diversos
grupos de pessoas, são relações de Cooperação/Colaboração (em pé de igualdade), ou
de Domínio/Submissão (em pé de desigualdade). As relações de Domínio/Submissão
são muito comuns, as relações de Cooperação
são muito raras. Por isso é tão difícil fazer e
desenvolver as cooperativas.
A Revolução Francesa foi há mais de 200
anos. Desde essa altura que as palavras
IGUALDADE, LIBERDADE, FRATERNIDADE estão escritas em todos os edifícios
públicos de França. Para que toda a gente
se lembre que, enquanto esses objectivos
não fizerem parte da vida de todos os dias,
a Revolução não está feita. Todas as acções,
públicas ou privadas, que ajudarem a fazer
MAIS Igualdade, Liberdade e Fraternidade,
vão no sentido começado pela Revolução
Francesa há mais de dois séculos. Todas as
acções, públicas ou privadas, colectivas ou
individuais, que vão no sentido de desenvolver
as relações de Domínio ou de Submissão,
são contra a Igualdade, a Liberdade e a Fraternidade que a Revolução Francesa pretendia atingir, e de que ainda está tão longe.
No ano passado foi eleito um novo presidente da república francesa. Nas ideias
que apresentou durante a campanha eleitoral, uma que sobressaiu foi a luta contra
a imigração dita ilegal. Isto é, toda a gente
que vier para França, sem ter sido para cá
chamada, deve ser reenviada para os países
de origem. O governo francês quer escolher os imigrantes antes de eles entrarem
em França, mas não aceita as pessoas que
querem vir para cá trabalhar. E a verdade é
que esta ideia lhe valeu muitos milhares de
votos, talvez os suficientes para ser eleito.
O que significa que muitos milhares de
franceses estão de acordo com isto. Foi até
criado, pela primeira vez em França, um
ministério especial para tratar destes casos.
E a primeira meta que fixou foi a de conseguir expulsar, todos os anos, um mínimo de
25.000 estrangeiros.
Nos anos 60, quando a maior parte dos portugueses veio para França, não era assim.
Quando chegávamos, a polícia dava-nos
uma autorização de residência para, durante
seis meses, podermos procurar trabalho.
Quem arranjasse trabalho, voltava à polícia
com o contrato e as folhas de salário e passava
ter autorização de residência, primeiro anual,
depois de 5 anos, etc.
Durante os anos 70 começaram as dificuldades
e o governo francês chegou a indemnizar os
estrangeiros que voluntariamente quisessem
voltar à sua terra. Muitos portugueses, que
queriam voltar mesmo sem indemnização,
aproveitaram e assim voltaram a Portugal
com mais alguns cobres no bolso.
Só que, não havendo, desde essa altura,
legalização fácil dos estrangeiros que vinham
chegando a França, começou a ser difícil
arranjar mão-de-obra suficiente, sobretudo
para os trabalhos mais duros. E esses trabalhos começaram a ser feitos por pessoas sem
documentação, ou com documentos falsos.
Não só fazem os trabalhos mais difíceis,
como são obrigados a aceitar fazê-los sem
nenhuma segurança. E nos trabalhos mais
duros é que há sempre mais acidentes,
incluindo acidentes mortais. As pessoas
que trabalham nestas condições vivem como
escravos.
Claro que todos aqueles que são contra as
relações de colaboração, são a favor das relações de domínio/submissão. E conseguiram
espalhar a ideia que são estes trabalhadores
a causa de haver tanta gente desempregada.
Afinal saiu-lhes o tiro pela culatra. A criação
do novo ministério e a expulsão em massa
contribuiu para que, pela primeira vez em
França, mesmo ilegais, as pessoas dessem
um primeiro passo para sair da escravatura.
De facto, alguns milhares de trabalhadores
clandestinos conseguiram organizar-se nos
sindicatos e conseguiram fazer greve. A
grande maioria já trabalha há mais de 10
anos aqui em França, tem os seus filhos
na escola, sem nunca conseguir trabalhar
legalmente. Mas se eles não fizessem cá falta
não tinham trabalho. Agora o governo começou a legalizá-los, embora um a um.
Espero que esta greve seja só o início desta
luta necessária pela libertação destes novos
escravos. Infelizmente, quem tem algum
poder só aceita a relação de cooperação se for
obrigado a isso. Se não for obrigado, faz tudo
para dominar os outros. Porque quem tem
poder, tem sempre medo de o perder. •
Joaquim Alberto
Cooperação
e Desenvolvimento Local Mitos e Realidades
A cooperação de proximidade (Local)
Grande Tema
12
COOPERAÇÃO dentro e entre pessoas e instituições
da BIS a todos os níveis, mas também com as pessoas
e instituições de outras regiões, de outros Países.
Cooperar é como SEMEAR ou PLANTAR… só semeando ou plantando se PODE colher, independentemente da época da colheita.
É o que pretendemos fazer… semear, plantar, até que
as forças e os meios permitam.
“Cooperação entre “desiguais”
“Quem tem poder, tem sempre medo de o perder!”
(diz o Joaquim Alberto na sua “carta de Paris”)
PEDRO MARTINS
É um facto. A Grande maioria da Humanidade está
mais interessada na riqueza material do que na ética
ou na moral!
Assim sendo, a diferença entre “o que é e o que devia
de ser” (se fosse como nós achamos que devia) é como da noite para o dia.
O que devia de ser resta sendo a nossa utopia, mas,
até por isso, – “para que o Mundo pule e avance como bola colorida nas mãos duma criança” – é nosso
dever permitir que eles, os sonhos, nos mostrem caminhos para a vida.
Isto para tornar claro que, embora saibamos que as
boas práticas de cooperação estão longe de ser uma
realidade generalizada nas intervenções de Desenvolvimento Local (e por isso), defendemos a necessidade
de continuamente insistir na pedagogia da acção conjugada, na importância de combater o protagonismo
individualista, nas vantagens decisivas de agrupar,
juntar, unir, coordenar esforços, e… evitar os perigos fatais do isolamento, da acção pessoal isolada pelo
segredo, da tentativa de desunir para reinar, da falta de
concepção, programação e execução conjuntas, etc.
Ao falar de COOPERAÇÃO, queremos dar a esta
palavra a maior abrangência possível. Queremos,
em última análise, falar da capacidade de cada um,
para encontrar em si o respeito e o reconhecimento
pelos outros.
É, quem tem poder, qualquer poder, pequeno ou
grande, real ou imaginado, em primeiro lugar preocupa-se em o conservar e, para tal, sente “naturalmente” a necessidade de controlar constantemente
o uso que do “seu poder” fazem aqueles com quem
se relaciona, não vá esse poder diluir-se ou passar-se
para mãos alheias!
A obsessão da conservação dos poderes pessoais é um
“vírus” que ataca com muita frequência os “líderes”
de pequenas ou grandes equipas em todas as áreas da
actividade humana (subserviência para cima, arrogância para baixo), provocando lentamente, mas quase
sempre irremediavelmente, a progressiva destruição
da capacidade e auto-confiança colectivas, e, por fim,
o desaparecimento daquilo sobre o qual o “líder pretendia exercer o poder”.
Raramente se encontram Líderes capazes de compreender que a mais segura e duradoura forma de
conservar “naturalmente” o seu poder é fazer da
permanente partilha de poderes, a base da cooperação solidária indispensável ao fortalecimento das
próprias lideranças.
Esta talvez seja a mais difícil e importante forma de
cooperar, a cooperação entre situações de desigualdade
de poderes. Embora os fins das diferentes formas de
cooperação sejam idênticos (atingir o mais eficazmente possível os objectivos previamente definidos),
nesta cooperação, os meios utilizados alteram a qualidade e a natureza social do produto dela resultante.
Nestas circunstâncias, pratica-se uma forma superior
de cooperação, porque quem a proporciona e pratica
é suposto poder impor uma relação de submissão,
e não o faz. Não o fazendo, por defesa inteligente e
esclarecida dos seus interesses e respeito pelos que
com ele partilham a luta pelos objectivos em questão,
revela superior compreensão das virtualidades duma
relação de cooperação, preferindo-a a uma relação de
imposição.
Nesta situação, já não se trata de cooperar por necessidade evidente de juntar forças para ser mais forte ou
competitivo, trata-se, isso sim, de partilhar saberes
e responsabilidades capazes de gerar motivações partilhadas e lideranças democraticamente consentidas
pelo reconhecimento consensual dos seus genuínos
valores. •
Dê a sua opinião. Este artigo pode ser comentado no blogue da Revista VIVER através do
endereço electrónico http://revistaviver.blogspot.com
Pois… era bom saber
onde é que a roda
emperra do lado de cá…
Entrevista a Álvaro Rocha,
Presidente da Câmara de
Idanha-a-Nova,
sobre as relações de
cooperação transfronteiriça
ADRACES
A Feira Raiana realiza-se todos os anos?
Ano sim, em Portugal, ano não, em Espanha, com algumas interrupções como aconteceu no ano passado e talvez venha a acontecer
este ano. Vamos ver se ainda se realiza este ano, mas, por aquilo que
temos vindo a verificar, não vemos do lado de Espanha interesse na
realização da presente edição.
E onde se realiza a Feira Raiana do outro lado?
Não tem local certo. O evento salta de município em município,
porque enquanto cá a Idanha assumiu o papel e negociou este tipo
de acordo, do lado de lá, o acordo foi feito entre as associações de
desenvolvimento local e elas englobavam vários municípios. Logo,
em Espanha o evento tem passado pelas várias associações. O que
eu pensava é que, uma vez que já passou por todas, agora o evento se
centralizasse num só município e fixasse um sítio certo para a sua
realização em Espanha. Então seria realizado um ano em Idanha e
outro ano nessa localidade fixa, mas até agora nada se concretizou
nesse sentido. Tinha-se chegado a um certo entendimento de que
deveria ser Moraleja a representar a Feira no país vizinho, mas de
facto até agora essa decisão não se concretizou, pelo que a Feira regressará em 2009 a Idanha-a-Nova. Era para ser realizada já este ano
aqui na vila, mas devido a um outro acontecimento a decorrer na
mesma altura, é impossível a Idanha-a-Nova conseguir pôr de pé
dois acontecimentos de tal dimensão no mesmo ano e, sobretudo, no
mesmo mês. Moraleja até se dispôs para levar por diante a organização
do evento este ano, mas as restantes associações espanholas não aceitaram bem o facto de Moraleja ter feito essa proposta primeiro à Câmara
de Idanha e só depois consultar as associações espanholas. Encararam
este voluntarismo como uma afronta aos poderes instituídos.
Em que mês se realiza a Feira Raiana?
Já teve diversas opções em Portugal, sendo que o maior número de
edições se realizou no mês de Setembro, que era o que tinha ficado
determinado. Mas tanto em Espanha como em Portugal já se fizeram
ligeiras alterações. A última que se realizou no nosso país foi em Julho,
porque era o mês que nos garantia maior estabilidade em termos de
meteorologia, porque não temos sido muito felizes com o Setembro
– já tivemos duas ou três edições estragadas pelo mau tempo. Penso
que a próxima edição a ser realizada em 2009 se vai manter na mesma
ordem de ideias e que Julho será o mês eleito para a sua realização.
13
Grande Tema
Idanha-a-Nova tem tido iniciativas de cooperação com o outro lado da Raia?
Sim, podemos falar de cooperação entre Portugal e Espanha, sobretudo
no âmbito do Programa INTERREG 3. É um processo já antigo, com
várias iniciativas de sucesso. Uma das mais importantes foi a própria construção do Centro Cultural Raiano, erguido aqui na Idanha
de comum acordo entre portugueses e espanhóis.
Mas, já antes disso, a ponte sobre o Rio Erges nas Termas de Monfortinho tinha sido uma obra levada a bom termo pelo entendimento existente entre nós, os responsáveis autárquicos de um e de
outro lado, com o apoio do Governo da Extremadura.
A própria FEIRA RAIANA que se realiza desde 1994, também é
uma iniciativa resultante desta nossa cooperação.
Acha que haveria vantagem em conhecer melhor o que
se passa do outro lado, de como as coisas funcionam do
lado de lá?
Nós somos vizinhos, a vizinhança traz alguma proximidade e aquilo que é importante é que se perceba porquê,
sendo a Província de Cáceres uma província que liga
muito com o nosso concelho, com a nossa Região, e que
não é muito privilegiada, com praticamente as mesmas
condições que nós, e que não sendo das províncias que
mais acompanhou o desenvolvimento do país espanhol,
conseguiu, no entanto, crescer duas ou três vezes mais
em relação ao nosso País. Ou seja, é importante perceber
isto. E nós, mesmo aqui tão vizinhos não conseguimos
perceber. Os nossos vizinhos não são quem mais cresce
em Espanha e ainda assim conseguem crescer mais que
o nosso País. Era bom que tivéssemos uma ligação mais
forte, porque conseguiríamos agarrar-nos a um crescimento que não temos conseguido. Só por esse factor merece a pena cooperar e saber como as coisas se processam
na realidade no lado de lá.
Grande Tema
Pois... era bom saber onde é que a roda emperra do
lado de cá...?
Exacto. Como é que o Interior espanhol, que não é a zona
que cresce mais em Espanha, ainda assim consegue crescer
mais que o nosso litoral. Alguma coisa se passa.
14
Tem uma opinião sobre isso?
Certamente que as dinâmicas de lá são diferentes das nossas para as realidades serem tão distintas! Ainda ontem
esteve aqui na Câmara um político espanhol que nos fez
compreender o cenário, mesmo ele sendo de uma área
económica e de desenvolvimento tão específica como a
energia. Dizia ele que, em Espanha, estavam muito virados para a energia fotovoltaica. De tal forma que já têm
problemas de aprovisionamento de componentes para
esta indústria. Logo por aí se pode ver que tem de haver
um certo apoio do Governo para que esta situação aconteça. Se o Governo está a apoiar os empresários na fotovoltaica, logicamente que há ali um forte investimento
das empresas no sentido de procurar captar todo o apoio
que o Estado fornece. Eu tinha tido aqui há bem pouco
tempo empresários portugueses que se queixavam que os
15 anos que o Estado Português se comprometia a apoiar,
em Espanha eram 25! Isto já é razão suficiente para que
o investimento marchasse para Espanha com apoios
durante 25 anos e não de 15, como acontece em Portugal.
Os empresários portugueses consideram que 15 anos é
pouco, que 25 anos é que são adequados para permitir
recuperar e refazer os investimentos.
Confrontei então o político espanhol que esteve aqui ontem
com esta situação. Ele mostrou-me as diferenças: a burocracia de lá é pouca, a única coisa que exigem do empresário
espanhol que pretende uma licença para produzir energia
com apoio do Governo é que, por cada megawatt produzido,
o empresário tem de garantir três postos de trabalho.
Ou seja, por cada megawatt de autorização, o empresário
tem de arranjar três postos de trabalho seja em que área
for, tem é de garantir três postos de trabalho para ter autorização para cada megawatt. Tão simples quanto isso.
Esta foi a resposta dada por um político espanhol. Se nós
não conseguimos ir atrás dos espanhóis, é porque os
espanhóis são capazes de ter este tipo de estratégias muito
mais facilitadas do que as nossas. Três postos de trabalho
em troca duma autorização.
ADRACES
Então quer dizer-nos que quanto menos burocracia, mais transparentes,
directas e práticas as coisas se tornam?
Dá-me ideia que qualquer empresário ou qualquer empresa em Portugal
recebe a custosa autorização para produzir megawatts, mas sem se comprometer a nada.
A Espanha facilita todo o processo inicial, não beneficia A, B ou C, antes vê a
coisa como um negócio: a quem dá garantia de três empregos por megawatt
ser-lhe-á concedida a autorização. É uma visão prática, que me parece que
resulta certamente.
Eles dão 25 anos e em troca querem três postos de trabalho por cada megawatt
produzido. Penso que até é uma forma de a Espanha resolver o seu problema
do desemprego. Não sei quantos megawatts é que eles têm disponíveis para
negociar... mas se aplicarem o mesmo critério a outras áreas é uma forma de
combaterem o desemprego.
Temos alguma informação sobre se as Aldeias do outro lado da Raia conseguem fixar mais população do que nós?
Temos. Nós sabemos que eles conseguem fixar mais população, porque todo
o espanhol desempregado tem um subsídio. E muitas vezes eles não fazem
nada para procurar emprego. Não há ninguém na Estremadura Espanhola
que não tenha um subsídio para estar apenas obrigado, salvo erro, a qualquer
coisa como cerca de um mês de trabalho anual. Durante todo o ano, a pessoa
recebe o subsídio, vê-se apenas obrigada a trabalhar e a descontar para a Segurança Social durante um mês. E isto é muito fácil de conseguir, porque os empresários procuram, com os seus interesses também, ter apenas empregados
temporários durante esse período. Qualquer empresário com algum trabalho
contrata as pessoas nesta situação e dão-lhe quatro ou cinco dias de trabalho,
mais tarde dão-lhe mais dois ou três e as pessoas satisfazem com alguma
facilidade esses 30 dias de trabalho obrigatórios. Dentro deste esquema sei
que também ficam obrigados a um certo regime de trabalho público e comunitário, como prevenção de incêndios, por exemplo, e depois ainda são capazes
de vir concorrer com os portugueses em desigualdade. Ou seja, recebendo lá
Centro Cultural Raiano
Este regime de protecção social é do Estado espanhol, ou
tem uma complementaridade da Junta da Estremadura?
Esta é uma situação apenas e só controlada pela Junta da
Estremadura, não tem nada que ver com o Estado, é um
esforço suplementar da Junta da Estremadura.
Ou seja, temos do outro lado um “Governo Regional”
que faz um esforço suplementar por ser um território
fragilizado?
Do lado de cá não se consegue fazer, porque não temos
qualquer forma de suportar essa despesa. Basta compararmos a nossa Salvaterra do Extremo à espanhola Zarza
la Mayor, que há uns aninhos estavam as duas nas mesmas
condições. Partiram as duas do mesmo ponto, e, hoje em
dia, as diferenças são notórias. Do lado de cá, Salvaterra
conta com cerca de 300 pessoas, já Zarza conta com uma
população equivalente à de Idanha-a-Nova. E porquê? A
maior parte das pessoas com assento naquela terra estão a
receber o abono por desemprego. A primeira grande diferença é que se vêem muito mais crianças, muito mais gente,
muito mais movimento pelas ruas. Na altura até pensei
que era como em Idanha, que vinham crianças de muitos
outros Ayuntamientos para ter aulas ali em Zarza, ao que
me responderam logo que não. Todas aquelas crianças são
mesmo naturais de Zarza la Mayor. É totalmente diferente
quando comparada com o nosso lado. Eu vi uma população com muita gente jovem do lado de lá e com muitos
idosos do lado de cá. A gente jovem existe, porque os pais
recebem subsídios, mantêm-se ali, têm filhos e fazem a
sua vida por lá. Aqui não mantemos os jovens, porque não
temos fixação de população. Não conseguimos dar condições para que as pessoas estabeleçam vida por aqui.
Temos de tentar perceber onde reside este abismo. Afinal,
onde é que eles empregam as suas gentes? Cheguei à conclusão que parte deles trabalham em Portugal no lugar
dos portugueses que não estão cá. Eles ocupam este espaço,
porque a nossa mão-de-obra não existe. Ainda assim é
uma concorrência desleal, porque eles recebem subsídio
de desemprego de lá e ainda vêm receber dinheiro pelo
trabalho que fazem cá, uma vez que não há forma de serem
controlados. Trabalhando em Portugal, conseguem tornear uma série de questões impossíveis de contornar se
trabalhassem em Espanha.
Mas acredito que o mesmo aconteça em relação a portugueses a trabalhar em Espanha.
O que é que se pode fazer mais e melhor?
Penso que aquilo que deve ser a nossa obrigação é saber
como é que a nossa vizinhança cresce e nós aqui logo ao
lado não crescemos. Penso que consiste na forma prática
e negocial com que eles encaram as áreas. Exemplo disso
é o já referido negócio das energias fotovoltaicas. 25 anos
de apoio em troca de três empregos por megawatt produzido. É um negócio. Uns realizam sem grandes burocracias projectos rentáveis; os outros estão a empatar. Será que
a grande diferença está no facto de eles aceitarem correr
os riscos inerentes a toda a actividade humana e nós não
querermos correr risco nenhum? •
Dê a sua opinião. Este artigo pode ser comentado no blogue da Revista VIVER através do endereço
electrónico http://revistaviver.blogspot.com
15
Grande Tema
um subsídio do desemprego, ainda podem vir a trabalhar
em Portugal, que não é controlado.
ADRACES
Victor Santiago Tabares
Concejal de Innovación
y e-Gobierno
Ayuntamiento de Cáceres
Na Extremadura espanhola
não há milagres, há boas
políticas e trabalho!
ADRACES
Grande Tema
No dia marcado, havia festa em Cáceres, pelo menos assim me
pareceu, é possível que me tenha enganado,
talvez haja ali uma festa permanente, ou então é assim que se
vive na Capital da Extremadura espanhola!
Após alguns desencontros iniciais, encontrei Victor Santiago,
“El concejal”, como todos o designavam (com uma reverência
nada parecida com a que por estas bandas se presta a um
vereador Municipal, porque um “Concejal Municipal de um
território governado autonomamente” não
é a mesma coisa que um vereador de uma Câmara Municipal
de um território governado de maneira centralizada.
Pelo menos, assim parece, e, como em política (como dizia
Salazar) “o que parece é”, não nos surpreenderíamos
se, aprofundado o assunto, viéssemos a constatar que a
proximidade dos centros de poder de decisão política conferem
aos agentes desse poder maior autoridade e reconhecimento.
Feitas as apresentações, colocados à vontade
pelo caloroso acolhimento, começou a conversa:
16
Em Portugal é voz corrente que em Espanha se vive melhor,
mas poucos são os que sabem explicar concretamente
porquê. A primeira questão que queremos colocar é a
seguinte: é verdade ou não que na Extremadura há melhor
protecção social do que no resto de Espanha?
Os 7 anos que passei como assessor do Presidente da Junta
da Extremadura permitiram-me ter um contacto directo
muito amplo e detalhado com as políticas relativas à protecção social. É verdade que, em Espanha, cada um dos
À conversa
com
D. Victor
Santiago
Governos autonómicos apostou nas suas próprias linhas
estratégicas de desenvolvimento. Agora mesmo, estamos
vivendo o paradoxo de que a Catalunha, que é a região
mais desenvolvida de Espanha, está com dificuldades de
abastecimento de água e de infra-estruturas, porque talvez tenham feito uma grande aposta no desenvolvimento
económico e menos na criação de infra-estruturas sociais,
assim como a Comunidade de Castilla y Léon, que também é uma Comunidade fronteiriça com Portugal mais a
norte, fez apostas muito fortes na concentração urbana,
gerou grandes pólos de desenvolvimento económico
como Valladolid, Salamanca etc. Contudo, geraram igualmente um processo de despovoamento humano do território. A Extremadura diferencia-se por isso, a aposta foi
a de criar igualdade de condições de bem-estar e de qualidade de vida lá onde viviam as pessoas. Isto pressupôs
um esforço muito importante em matéria de políticas
sociais e de igualdade de infra-estruturas em detrimento
de um maior desenvolvimento económico.
A Extremadura esteve durante muitos anos em último
lugar em relação aos indicadores de desenvolvimento
económico, contudo melhorou muito em protecção social.
La Junta de Extremadura (Governo autonómico de
Extremadura) complementou os fundos europeus e do
Estado com um grande conjunto de políticas territoriais,
tentando tratar o conjunto das comunidades existentes
como um único território, onde todos tivessem os mesmos benefícios sociais e de desenvolvimento. Nesse sentido, os investimentos foram muitas vezes superiores à
própria capacidade da Comunidade Autónoma, mas isso
permitiu que, de alguma forma, a população se fixasse
no território. Quer dizer, se não se tivessem aplicado
essas políticas territorializadas, provavelmente, nestes
últimos 20 anos, o mapa da localização da população
teria acusado muito maior concentração nos meios
urbanos e maior despovoamento do meio rural.
Mas os investimentos feitos no âmbito dessas políticas,
para muitos economistas e governantes, são investimentos de fraco e lento retorno, são pouco aceleradores
do desenvolvimento global, por falta de densidade e
escala para se auto-reproduzirem..!
O retorno não é menor nem talvez maior, mas isso
não é importante. O que é importante é a natureza
do retorno; nós produzimos coesão social, que, numa
segunda fase, proporcionará o desenvolvimento económico. A grande diferença é que, chegada a segunda fase, o
desenvolvimento económico dá-se aqui mesmo e não
nos lugares para onde teriam partido as pessoas!
Se o mais importante de tudo são as pessoas, é delas que
temos de cuidar em primeiro lugar!
Com idênticos custos, talvez pudéssemos ter tido
maior desenvolvimento económico, se tivéssemos
investido em cidades como Placência, Mérida e
Badajoz, que é o que ocorreu em Castilla y Léon. Essa
é uma forma de fazer política. No nosso caso, criámos infra-estruturas de alto nível, do mesmo nível
que as que podem ter essas cidades, em comunidades
rurais de pequena dimensão, muito abandonadas,
muito degradadas e com grandes problemas de marginalidade e, apesar disso, estas comunidades assim
apoiadas tiveram recursos suficientes para desenvolver os seus próprios projectos, até para aproveitar
melhor as políticas europeias de apoio ao desenvolvimento rural. O apoio das políticas da Comunidade
Autónoma e do Governo Autonómico, conjugadas
com as políticas europeias de apoio ao desenvolvimento rural, como por exemplo o LEADER, permitiram criar condições favoráveis à fixação das populações nas suas aldeias.
Isto não quer dizer que não tenham continuado a
existir emigrações internas, que pessoas das comarcas
mais isoladas não tenham procurado alternativas nas
cidades. Contudo, estas políticas de coesão territorial
ajudaram. Nada se pode impor administrativamente,
frente aos mecanismos liberais de mercado de deixar
crescer e incentivar o crescimento das grandes cidades.
No entanto, aplicámos mecanismos de regulação social,
contidos na política socialista, que ajudam a manter o
equilíbrio. Por esta mesma razão, o próprio Governo
Regional identifica como fundamentais as “Mancomunidades de Municípios” que têm a sua origem nos grupos
de desenvolvimento rural dos anos 90.
Foi grande a conversa, fica aqui um breve resumo que,
apesar disso, julgamos ser esclarecedor de alguns dos
porquês das diferenças entre os dois lados duma fronteira fisicamente inexistente. •
Dê a sua opinião. Este artigo pode ser comentado no blogue da Revista VIVER através do
endereço electrónico http://revistaviver.blogspot.com
ADRACES
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Grande Tema
Camilo Mortágua
“A fronteira no nevoeiro” sobre o rio Erges, em Salvaterra do Extremo
ADRACES
Grande Tema
Afrontar nuevos retos
en las relaciones transfronterizas
18
Desde el año 2007, el Ayuntamiento de
Cáceres está abordando un proceso de interacción y diálogo sobre el papel de las ciudades en el espacio transfronterizo tras más
de diez años de profundizar en el conocimiento mutuo y de compartir experiencias
durante una década.
En esta nueva etapa, partimos de una nueva
forma de entender las relaciones territoriales, considerando la especial correspondencia entre las ciudades y de éstas con el
territorio comprendido entre ellas: municipios, comarcas y mancomunidades con las
que las ciudades tienen una relación económica, social y cultural indisociable.
Consideramos que los proyectos comunes
emprendidos durante el año 2008, trascienden el mero reparto de recursos económicos, para buscar el desarrollo de actuaciones conjuntas impulsoras de identidad y
unidad del territorio de cooperación transfronteriza. Una gestión compartida con
otras ciudades del espacio transfronterizo
que debe favorecer la interacción humana,
el tejido territorial y la eficacia de las relaciones institucionales.
Para Cáceres y sus socias transfronterizas,
la celebración durante el 2009 del Año Europeo de la Creatividad y la Innovación
promovido por la Comisión Europea, debe
fomentar la presencia de las ciudades en
este evento, convirtiéndolo en el eje de
actuación prioritaria y de todas las actividades que organicen sus socios, pues el
espacio transfronterizo europeo, al igual que
el conjunto de Europa, “necesita un planteamiento estratégico para crear un entorno
favorable a la innovación, en el cual el conocimiento sea transformado en productos y
servicios innovadores”. (Conclusiones de la
Presidencia – Bruselas, 14 y 15 de diciembre
de 2006).
Es un objetivo prioritario de Cáceres, compartir conocimientos y experiencias entre
los agentes de la innovación y la creatividad
en el territorio transfronterizo y en nuestros
respectivos municipios, a través de las propuestas presentadas a los Fondos Estructurales y mediante iniciativas propias surgidas de
la alianza que representa nuestra asociación.
Establecemos como preferencia, en este
mismo sentido, difundir la cultura de la
innovación entre toda la población, mediante la organización de un programa
abierto de actividades que fomente la sensibilización de la ciudadanía, promueva el
conocimiento de las buenas prácticas y se
estimule el debate político.
Entre nuestras estrategias de colaboración
institucional, consideramos prioritario:
• El fortalecimiento de las relaciones institucionales para la creación de una Agrupación Europea de Cooperación Territorial (AECT), conformadora de un
modelo más avanzado de espacio común
transfronterizo articulador del territorio.
Especialmente en lo relacionado con la
creatividad y la innovación y apoyada
en una comunidad de trabajo territorial
transfronterizo.
• La búsqueda de colaboración con las administraciones regionales de Alentejo,
Beira y Extremadura, para la promoción
de las ciudades transfronterizas en Europa,
en el ámbito se las acciones innovadoras
y de creatividad.
• Promover una estrategia de innovación y
creatividad urbana en cada ciudad con la
que tenemos establecidas relaciones de cooperación, desarrollando una metodología
común y un programa de impulso durante
el año 2009, facilitando la complementariedad entre las ciudades y dotándola de
recursos económicos para su diseño. •
Víctor Santiago Tabares
Concejal de Innovación y e-Gobierno
Cuarto Teniente Aldalde
Ayuntamiento de Cáceres
Prof. Luís Domingo Sabonete
Sobre a Cooperação
Transnacional
Cooperar
para quê?
Que ganho eu
com isso?
FISHEYE
— Este gajo ou é parvo ou julga que os outros o são!
— Isto não passa de pretensiosa grandiloquência a boiar em água
benta!
— O costume! Perdem-se lá pelas “nuvens” porque sobre o “simples e
concreto” cá de baixo nada têm para dizer.
Tenham paciência, deixem lá atracar a minha velha canoa ao vosso
cais da fertilidade das ideias e dos debates. Como não podia deixar
de ser, num “ancoradouro” dessa terra onde (disseram-no!) é o Povo quem mais ordena.
A cooperação com Mulheres e Homens de muitas idades, credos,
cores, etnias e culturas, todas e todos da raça humana, com tradições
e inovações que se transformarão em novas tradições, ensinou-me,
entre outras coisas, que: —“é o mal dos nossos burrinhos que faz de
nós alveitar” — como dizia o meu padrinho branco António Salsa,
Europeu, lavrador Beirão e Regedor de Freguesia, que viveu na longínqua época dos Burros e dos “Alveitares” — veterinários (naquele
tempo e lugar, ninguém sabia o que isso fosse)!
— “A prática é o termómetro da consciência” — dizia o pedagogo
Samora Machel, preto, Africano, meu conterrâneo, muito pragmático,
enfermeiro, combatente pela independência deste país e nosso ex-Presidente da República.
Também na COOPERAÇAO assim devia ser:
Devia ser obrigatório “conhecer e sentir os males dos outros como se
fossem nossos” para poder ser cooperante “Alveitar”.
Pois devia! Temos que cooperar para conhecer... porque só conhecendo, encontraremos quem aceite a nossa cooperação, o que nos
dará a oportunidade de adquirir novos conhecimentos, e por aí
adiante até ao inimaginável!
Como o papel está caro, tanto este como o outro, e agora mais do
que nunca – tempo é dinheiro (desculpem, queria dizer “Time
is money”, mas não quero ir por aí e já se faz tarde), deixemos os
“entretantos” e abordemos os “finalmentes”.
Tenho a convicção, sem pretender generalizar, que cada vez que ouvimos ou utilizamos a palavra COOPERAÇÃO, na grande maioria
dos casos, não estamos habituados nem preparados para objectivar,
visualizar, identificar acções e ou actos concretos a ela ligados,
ficando-nos o seu concreto significado a flutuar num imenso emaranhado de associações possíveis, sem contornos definidos, nem
natureza determinada.
Ao falar de COOPERAÇÃO, podemos estar a falar de tantas coisas
tão diversas e até contraditórias que, como com outra palavra que
lhe é tantas vezes associada: – DESENVOLVIMENTO – querendo
dizer tanto..., não conseguimos dizer nada, ideia ou coisa, que seja
facilmente identificável pela forma ou conteúdo próprios.
É por isso que, pela importância que dou à DISPONIBILIDADE
PARA COOPERAR, não me pareceu displicente começar por conceptualizar a palavra COOPERAÇÃO na sua dimensão mais abrangente
e, no presente caso, contextualizante.
Sobre a designação de “Cooperação Transnacional” podem caber
muitos tipos de Cooperação:
19
Grande Tema
Sempre que alguém se interrogue sobre os ganhos a retirar da sua
cooperação com outros, sejam eles quem forem, é bem melhor que
continue envolvido pela bruma do seu ignorado egoísmo até compreender o absurdo da pergunta.
Quem assim se interrogue, certamente que é por ainda não ter compreendido que, sem cooperação, cada um de nós seria e saberia, neste
século XXI da nossa era, apenas aquilo que descobrisse por si próprio acerca da vida e da sua condição! Como diz meu Avô Januário
– “um tribalzinho!”.
Sem cooperação, cada pessoa teria que descobrir e acumular por si
e para si, durante o seu átomo de tempo de vida, o conhecimento
acumulado ao longo de milénios através da cooperação entre tudo e
todos os que nos precederam na procura da evolução Humana!
Sem cooperação, na mais abrangente acepção da palavra, até a reprodução da vida, de toda a vida existente neste planeta, seria impossível.
Até parece que estou a ouvir um pragmático amigo meu à conversa
com o seu director:
Grande Tema
20
a)A cooperação bilateral de Estado a Estado (entre organismos ou
instituições das administrações públicas), com execução própria
ou subcontratada a instituições públicas e ou privadas;
b)A cooperação multilateral, com diferentes Países a contribuírem para um mesmo fundo, depois administrado e gerido por
estruturas técnicas de gestão, controlo e avaliação, mais ou
menos controladas e tuteladas pelos Estados contribuintes.
Casos dos projectos FAO, PNUD, FIDA, BAD, BM, da Cooperação da EU com países terceiros, para mencionar apenas alguns
dos mais importantes.*
Também nestes casos é comum que a implementação dos
Projectos financiados seja confiada a ONGs nacionais ou internacionais, baseadas quase sempre num “tripé” de funções exercidas
por diferentes entidades: 1 – execução, 2 – assistência técnica,
3 – avaliação.
Para além destas, muitas mais variantes e composições são possíveis, sempre chamadas de APOIO a qualquer coisa, no âmbito de
“Programas de Cooperação”.
Claro que, no universo das Associações de Desenvolvimento Local portuguesas, a designação de Cooperação Transnacional tem mais que ver
com as chamadas “Parcerias Transnacionais” compostas por grupos
locais de natureza idêntica, pertencentes a pelo menos três países da U.E..
Mas, este tipo de cooperação, embora útil ao conhecimento mútuo entre os povos e culturas da U.E., não é, de maneira nenhuma,
aquele que mais significado tem a nível internacional em geral.
Cada um destes tipos de “Cooperação Transnacional” merece uma
análise que não nos é possível fazer no espaço e no tempo reservados
a este simples intróito ao tema. Contudo, parece-me útil que, desde
já, se atente num aspecto que me parece ser ainda muito confusamente interpretado.
c)A cooperação dita territorializada, esta de carácter infra-nacional ou transnacional, directamente entre Associações de actores
locais e as Administrações Públicas Locais e Regionais, de um
ou mais países, em que as Associações exercem quase sempre
o papel de entidades gestoras de uma “subvenção global” para
aplicar território a território, com relativa autonomia de acção
e intermediações dos organismos públicos, devidamente convencionadas entre as partes, como é o caso dos Projectos de
Iniciativa Comunitária como LEADER, EQUAL, INTERREG,
URBAN, etc.
d)A cooperação concebida e executada por ONGs e/ou grupos
privados, de âmbito territorial local ou supra local, com financiamentos nacionais ou supra nacionais, no âmbito de Projectos
ou Programas multinacionais de carácter sectorial.
e)A cooperação bilateral privada, quando entidades ou movimentos privados de âmbito nacional e internacional se dispõem
a mutuamente financiar ou executar projectos, com fundos e
recursos próprios ou atribuídos por terceiros, por administração
directa ou subcontratada.
É o caso da diferenciação entre financiadores, gestores/controladores
dos programas e projectos financiados, aplicadores/executantes desses
mesmos projectos e acções, e os ditos públicos-alvo beneficiários finais
dessas iniciativas.
Normalmente, de todos os intervenientes, pessoas e instituições,
se diz serem organismos de COOPERAÇÃO, pessoas ou entidades
COOPERANTES!
Se tivermos em conta o que diz o dicionário consultado – cooperar é
igual a operar simultaneamente, trabalhar em comum, colaborar – e
a maneira como está escrito, pouca é a contribuição para que possamos fazer a distinção da natureza e das funções de cada um(a) entre
todas as entidades genericamente chamadas de COOPERAÇÃO.
Contudo, os que praticam estas coisas sabem que entre a função de
financiador ou de seu representante e a de executante directo junto
das “pessoas alvo”, para falar apenas destas duas categorias, existem
tamanhas diferenças que me é muito difícil aceitar designá-las a
ambas como COOPERANTES!
Parece-me que, embora o conceito de COOPERAÇÃO se possa
relacionar com um vasto leque de entidades, pessoas e atitudes de
natureza muito diversa, sem COOPERANTES – pessoas que operem e trabalhem simultaneamente em
comum para idênticos objectivos – dificilmente
existirá COOPERAÇÃO.
É bom que se diga que operar e trabalhar em simultâneo e em conjunto para idênticos objectivos não
exige igualdade absoluta de situações de partida nem
de objectivos intermédios; mas exige, isso sim, a partilha de princípios e valores capazes de integrar cada
parte do todo COOPERANTE numa estratégia convergente com o interesse geral, embora de concretização desfasada no tempo e, como é próprio de cada
tempo, também no modo de fazer.
Para mim, COOPERANTE é tão só quem se interrelaciona directamente para trabalhar em comunhão
nos, mas não só, cujos efeitos visíveis foram agravar a
pobreza existente nesses países e aumentar a concentração de riqueza nas mãos das vorazes oligarquias
governantes!
Na situação actual e à luz das experiências das últimas
décadas da “cooperação entre ditos desenvolvidos e
não desenvolvidos”, não me restam dúvidas sobre
as enormes vantagens que poderemos encontrar na
Cooperação sujeita a uma abordagem descentralizada, territorializada e directa entre Pessoas e Comunidades, sem intermediação parasitária, território a
território, numa lógica de beneficiar Pessoas e Comunidades concretas, e não acções justificadas por
genéricos e vagos objectivos de apoio a um desenvolvimento “sem rosto nem morada”.
de princípios e em convergência de interesses, para
lutar pelos seus objectivos.
Preto no branco ou branco no preto, porque não?
Quando estou a “cooperar” com pessoas duma
Comunidade rural, cá ou em qualquer país ou continente, essas pessoas também têm de ser cooperantes,
se possível tanto como eu.
Se só eu é que sou o COOPERANTE, não poderá
haver cooperação, e, sem ela, a minha função não faz
sentido nem tem utilidade.
Convenhamos que estas minhas reflexões só fazem
sentido enquanto estivermos falando de COOPERAÇÃO entre PESSOAS e os seus territórios, com o
objectivo de através do conhecimento mútuo encontrar formas de potenciar o nosso comum desenvolvimento humano e material.
É bom não esquecer que existiram e existem muitos
Programas e Projectos de Cooperação para apoio ao
Desenvolvimento de muitos países, sobretudo Africa-
Esta nova maneira de pensar e agir em COOPERAÇÃO começa a fazer as primeiras demonstrações das
suas potencialidades e limites. É uma cooperação muito
mais exigente, com a qualidade dos recursos humanos
que a queiram exercer, mas, seguramente, muito menos
sujeita a desvios e desvirtuamentos de toda a ordem.
Os próprios financiadores internacionais começam a
estar, embora lentamente, muito atentos e expectantes
a estas novas práticas. Estou convicto que estas serão
as características dominantes da cooperação supralocal e transnacional do futuro. •
* FAO – Fundo das Nações Unidas para a Agricultura;
FIDA – Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola;
BAD – Banco Africano de Desenvolvimento;
BM – Banco Mundial.
21
Grande Tema
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento;
Ana Paula Fitas
Doutora em Ciências Sociais – Estudos Portugueses – Cultura Portuguesa do Século XX
Cooperar… para evitar
A Crueldade
na Construção do Futuro
Grande Tema
À entrada de Auschwitz, a cínica legenda – “O trabalho liberta”
22
Na Polónia ainda se não usa gel de duche em todos os hotéis, especialmente nos da província… Na Polónia ainda se não usam pacotinhos de açúcar para adoçar o café… nem garrafas em miniatura
para imitar galheteiros… A Polónia é um país acolhedor, generoso,
simpático onde o asseio prima e a qualidade é tida como regra de
educação cívica… apesar disso, não se usam imitações comerciais
de galheteiros, nem pacotes de açúcar para os cafés, o chá ou o leite…
Na Polónia podemos ainda comer bolinhos, pãezinhos caseiros, feitos à vista pelas mãos das mulheres, beber água em copos servidos
por jarros de vidro sem manchas e chá de ervas em jarros mergulhados nos recipientes onde as tisanas e infusões se preparam ou
retirar de açucareiros de loiça uma ou mais colheres de açúcar para
adoçar o que se bebe…
Porém, na Polónia já todas as estradas estão em obras e as pessoas
esperam da União Europeia um impacto no desenvolvimento de
que desconhecem os efeitos… e já se queixam na Polónia… da crise
na agricultura, dos lobbies na economia… outros que não os que
pensavam próprios do seu tipo de governo ditado pelas alianças
com a ex-União Soviética, há três décadas atrás… hoje, já depois do
movimento sindical do “Solidariedade” de Lech Walesa, depois do
Papa João Paulo II, a Polónia está perplexa, ainda com esperança no
futuro, mas com medo…
Os jovens aguardam uma liberdade de que ouvem falar e que, num
misto de curiosidade e estranheza, os faz interrogar-se sobre o que
significará para eles e para a sua vida, essa liberdade… eles que se
interrogam e tocam música clássica desde a infância e a adolescên-
SANDRA VICENTE
cia e para quem o teatro, o canto, a literatura e a representação são
lugares-comuns, divertidos e sentidos desde sempre…
Os adultos desconfiam… de promessas que levaram já à queda de
um regime político e à sua substituição por modelos autoritários
que a própria Europa condena… e à vivência de uma crise económica prenunciada no risco de desaparecimento dos modos de
vida tradicionais, agrícolas e empresariais e no desemprego que não
imaginaram vir a conhecer…
A realidade torna-se mais complexa do que seria suposto… afinal,
a liberdade não é, simplesmente, o lado oposto de uma moeda que
vão trocar por euros… sim, na Polónia ainda se utiliza a moeda
nacional, o zelote, e a cultura económica dos cidadãos torna visível
a desconfiança do euro…
A Polónia tem um passado de guerras; entre Impérios poderosos foi
sempre terra de conquista, caminho e sangue… da velha Prússia a
Napoleão, dos alemães aos austríacos e aos russos… em meados do
século XX, esteve mesmo dividida entre a Alemanha nazi e a Rússia
estalinista…
… Foi aliás no sul da Polónia que os alemães instalaram Auschwitz
e Birkenau, os campos da morte, lugar onde se procedeu a um dos
maiores – senão o maior! – genocídios da História: o Holocausto…
Visitei Auschwitz e Birkenau, os campos de extermínio de judeus,
ciganos, polacos, checos, russos, húngaros e até franceses… em Auschwitz, entre 1939 e 1944, durante o curto período de quatro anos,
foi assassinado um milhão de pessoas… estão lá os cerca de 30 blocos
de alvenaria dispostos lado a lado, entre estreitas ruas de terra batida
Espaços para o “trabalho libertador” dos nazis: Auschwitz – Birkenau
Porta de entrada para Birkenau
FOTOS: SANDRA VICENTE
23
Grande Tema
onde os nazis destituíram de dignidade a condição humana…
… 30 blocos rodeados de um impressionante complexo eléctrico
que reduzia a cinzas quem se aproximasse do arame fardado de um
campo que tinha, a título de recepção, uma sarcástica frase que apelava às virtudes terapêuticas do trabalho… sarcástica sim porque ali
nem para trabalhos forçados havia espaço… pior que gado amontoado cruelmente, as pessoas foram obrigadas a pensar e a sentir as
mais dolorosas sensações imagináveis…
… Porque ao lado desses blocos onde foram feitas torturas e experiências medonhas sobre o sofrimento humano, havia crematórios
que foram sucessivamente cheios de pessoas vivas e mortas para
queimar… o maior desses crematórios é um conjunto de salas sem
portas, de paredes queimadas, enorme, inacreditável… onde, sob o
pretexto de irem tomar duche, os prisioneiros, homens, mulheres e
crianças eram conduzidos e despidos para serem mortos com gás…
devem ter morrido abraçados, homens, mulheres e crianças, desconhecidos entre si, unidos no medo e na dor da morte colectiva…
De tanto horror e tanta crueldade programada, calculada ao milímetro, resulta que, perante o chamado “Paredão da Morte” onde
eram fuzilados sumariamente prisioneiros, se tem uma sensação
de alívio… quem poderia suportar tanta maldade, tanta crueldade,
tanto sofrimento?...
Os homens e as mulheres de Auschwitz morreram de dor, de fome,
de frio, de doença, de medo e horror… um milhão! – Só neste
pequeno campo chamado Auschwitz que sobrevive como um aviso
para a História… para que não esqueça!
A violência e a crueldade são o reflexo de situações humanamente
criadas…não o podemos esquecer… e não podemos, também por
isso ou melhor, antes de mais, exactamente por isso, esquecer a crueldade a que as realidades sócio-económicas e políticas podem conduzir
os seres humanos em qualquer lugar ou tempo em que vivam… Evitar
o colapso social, evitar a emergência das ditaduras, evitar a fome, a
guerra, o desemprego, a pobreza e o sofrimento são o único modo de
evitar a produção da crueldade… disso é exemplo o passado… disso
é necessário dar conta no presente para o evitar no futuro…
Na História quase tudo se repete de um ou de outro modo com
alterações pouco significativas: os personagens, os motivos, as soluções… Contudo, o sofrimento e a crueldade são sempre da mesma
natureza… É urgente cuidar dos nossos países, dos nossos povos,
das nossas culturas, das pessoas – acima de tudo, é urgente cuidar
das pessoas, dar prioridade incondicional à protecção da vida e da
Grande Tema
Fim da linha da vida – Birkenau
24
… Ao lado de Auschwitz, a cerca de quatro quilómetros, está o designado Auschwitz II, o campo de concentração chamado Birkenau…
onde o horror se repete num cenário que lembra a banalização do
crime, a vulgaridade dos assassinatos em massa, a indiferença completa e radical face ao sofrimento, a dor e a morte…
Em Birkenau sucedem-se dezenas e dezenas de barracões (sim, já
nem de blocos de alvenaria se trata mas de elementares estruturas
rectangulares, compridas) que se enchiam de pessoas para matar…
e, horror dos horrores, uma linha de caminho-de-ferro sem apeadeiros ou paisagem possível de ser pensada, feita de propósito para
ali chegar e não deixar partir, atravessa os campos desertos para
entrar nos portões principais desse 2º campo da morte…
… Dói ao ponto de se tornar incompreensível… como foi possível
pensar, prever, preparar, programar tanto assassinato? … Como pode
a Humanidade produzir pessoas capazes de tanta crueldade?... De
que massa, de que matéria se fazem seres humanos que tão desumanamente executam tanta crueldade?...
Por muito que nos doa, também os carrascos de Auschwitz e Birkenau
eram pessoas… com famílias, sentimentos, pensamento… capazes
de atrocidades quase indizíveis…
Também a guerra leva a extremos impensados os comportamentos
humanos… que o digam os soldados que voltam mudos com a
consciência a gritar-lhes surda para toda a vida nas imagens que o
cérebro não esquece…
FOTOS: SANDRA VICENTE
existência digna das pessoas… para que Auschwitz e Birkenau se
não repitam em local algum do nosso planeta…
Ensinemos as nossas crianças a ser conscientes e capazes de pensar,
criticar e discernir o certo e o errado… para que nunca possam ser
manipuladas… para que nunca possam colaborar na construção da
crueldade… Auschewitz e Birkenau existiram e estão lá as provas
materiais da existência… lá, aqui tão perto, no sul da Polónia… Auschewitz e Birkenau podiam ter sido instalados num outro qualquer
país, em qualquer outro território… ninguém o evitou… cabe-nos
por isso a todos nós, cidadãos europeus no seu conjunto e a cada um
em particular, evitar o futuro de mais vivências como esta… mantendo a consciência desperta, estando vigilantes e sempre atentos aos
atentados contra a liberdade e os direitos humanos! Sempre!
Quando falamos de paz ou do combate à pobreza, ao desemprego,
à miséria, à desertificação, ao medo… quando falamos de desenvolvimento, de justiça, de liberdade, de igualdade, de respeito, de
democracia… quando reivindicamos melhorias nas condições de
vida… é disto que falamos: da construção do futuro… onde tudo
permanece em aberto mas em relação ao que teremos de manter
aceso, presente e inviolável um único princípio: evitar o sofrimento
e a crueldade!
Auschewitz e Birkenau foram feitos por pessoas! Auschewitz e
Birkenau, Nunca Mais! •
Um exemplo de cooperação
O Programa de bolsas de estudo
da Universidade Lusófona
para jovens dos Palop’s:
uma responsabilidade Social
Nunca as Universidades em Portugal tiveram a possibilidade de
ocupar um lugar de tanto destaque no desenvolvimento do País por
efeito certamente da relação de Portugal com a União Europeia, no
âmbito da qual se têm alterado os modelos e os paradigmas de funcionamento das Universidades.
Da Universidade fechada sobre si própria, alheia ao mundo onde
está inserida, tem-se passado para um contexto social onde a Universidade em geral necessita e, nalguns casos deseja, envolver-se
com o desenvolvimento.
Hoje em dia existe, aliás, um enquadramento legal que “obriga” as Instituições universitárias a abrirem-se sobre a sociedade. Estamos a falar
em particular da nova lei da “Qualidade” que tem como parâmetros:
É neste contexto que podemos compreender o carácter pioneiro da
Universidade Lusófona quando iniciou em 1994 um Programa de
Apoio à formação de recursos humanos dos Palop’s, o qual permite,
anualmente, a cerca de 1200 alunos beneficiarem de isenções parciais ou totais das propinas relativas aos cursos a que finalmente
têm acesso. É, certamente, o maior e mais continuado programa
nacional de bolsas de estudo dirigido aos Palop’s, o qual é financiado
na sua totalidade pela nossa Universidade.
Actualmente os novos alunos chegam-nos, em grande parte, por intermédio das Câmaras Municipais de diferentes países com os quais
foram estabelecidos protocolos que englobam a questão do ensino.
Assim são essas Câmaras que recebem os pedidos dos futuros alunos e de acordo com as necessidades e os entornos familiares orientam as propostas para a Lusófona.
É neste quadro que devemos mencionar o processo em curso de
reorganização do serviço especificamente orientado para gerir os
bolseiros que beneficiam de bolsas COFAC/Lusófona. Acautelando
em particular as seguintes áreas:
ADRACES
• A orientação vocacional;
• O acompanhamento dos resultados escolares dos bolseiros;
• Promoção de eventos culturais em particular em colaboração
com o NEAL;
• Acompanhamento dos diplomados no retorno aos seus países.
Isso dá-nos a garantia de trabalhar em consonância com as necessidades de cada região, ilha ou País.
Trata-se, pois, de um programa com os pés no chão e que actua em
conformidade com as necessidades locais.
Estes alunos estão distribuídos por todas as áreas científicas e o
aproveitamento é em tudo idêntico ao dos alunos portugueses. Esta
avaliação e estes procedimentos garantem naturalmente a sua continuidade. Neste sentido, as bolsas que eram atribuídas para o nível do
1º ciclo (antiga licenciatura) estão já no ano 2008/2009 a ser processadas para os níveis de Mestrado e de Doutoramento. Sem grande
alarde, a Lusófona procura assumir a sua “Responsabilidade Social”
num mundo onde a formação é cada vez mais a base da inclusão
social e, naturalmente, do desenvolvimento em geral. •
Prof. Doutor Mário Moutinho
Reitor da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
25
Grande Tema
a)O ensino ministrado, nomeadamente o seu nível científico, as
metodologias de ensino e de aprendizagem e os processos de
avaliação dos estudantes;
b)A qualidade do corpo docente e a sua adequação à missão da
instituição;
c)A estratégia adoptada para garantir a qualidade do ensino e a
forma como a mesma é concretizada;
d)A actividade científica, tecnológica e artística devidamente avaliada e reconhecida, adequada à missão da instituição;
e)A cooperação internacional;
f)A colaboração interdisciplinar, interdepartamental e interinstitucional;
g)A eficiência de organização e de gestão;
h)As instalações e o equipamento didáctico e científico;
i)Os mecanismos de acção social.
OS GANSOS
AH...!
SE ENTRE AMIGOS
FÔSSEMOS
GANSOS...!!!
Aovoarem
formaçãode“V”...
Napróximatemporada,
quandoviresosgansosemigrar,
dirigindo-separaumlugarmaisquente
parapassaroinverno,
reparaquevoamemformade“V“.
talvezteinteressesaber
porqueelesofazemassim.
Quandoumgansosai
daformação...
sentearesistência
doareadificuldade
devoarsozinho.
G
G
G
...muda-separa
ofinaldaformação.
Enquantooutro
assumeadianteira.
Edevesairdaformação
Lição3:
compartilharaliderança.
Respeitar-nosmutuamente
otempotodo.Dividiros
problemaseostrabalhosmais
difíceis.Reunirhabilidades
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ENSINAM-NOS A COOPERAR
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Lição2:
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Lição4:
Quandohácoragemealento,
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dosbenefícios.
Lição1:
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resultadossãomelhores.
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secansa...
Quandoumganso
adoece,ficaferido
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Senosmantivermosumaoladodooutro,apoiando-noseunidos;
Setornarmosrealidadeoespíritodeequipa;
Seentendermosoverdadeirovalordaamizade;
Setivermosconsciênciadosentimentodepartilha;
Avidaserámaissimpleseovôodosanosterámaisprazer!
Lição5:
Estejamosunidos
umaoladodooutro
apesardasdiferenças,
tantonosmomentos
difíceis,comonas
horasdetrabalho.
AMIGOS...
SEJAMOS GANSOS!!!
Jorge Brandão
Director de Serviços de Desenvolvimento Regional
Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro
Grande Tema
A Cooperação:
Um instrumento essencial
para o Desenvolvimento
Regional
28
A cooperação interregional e internacional é hoje consensualmente
vista como um factor de enriquecimento para as organizações, para as
pessoas e para os territórios. Actividades de cooperação de baixa intensidade, como a troca de experiências ou a divulgação de boas práticas,
e, principalmente, actividades de cooperação de elevada intensidade,
como a concepção conjunta de novas metodologias e instrumentos de
trabalho e o seu teste, por exemplo, através de projectos piloto, constituem-se como instrumentos muito relevantes para qualificar as políticas, as estratégias e os actores do desenvolvimento regional.
No que se refere à cooperação transfronteiriça, acresce o facto da
contiguidade física possibilitar, desde logo, o alargamento dos mercados de proximidade, mas também o aumento da capacidade de
oferta de serviços e bens (através do efeito de escala) para mercados
mais vastos e longínquos. Por arrastamento, aumenta também a
capacidade de influência (ou visto de outro modo, diminui a dependência) sobre mercados e sobre estruturas supraregionais e mesmo
supranacionais, que desenham as modas, lideram as dinâmicas,
definem as políticas, asseguram os financiamentos…
A CCDRC tem procurado integrar-se em diferentes processos de
cooperação, de natureza bilateral ou multilateral, nalguns casos
com objectivos e prazos bem limitados, mas noutros de natureza
mais perene e objectivos de âmbito estratégico, que constituíssem
uma mais valia para a própria organização e, principalmente, para
a região e os seus actores.
Neste contexto, a aproximação às regiões vizinhas de Castilla y
León e Extremadura, de Espanha, assumiu sempre um carácter
prioritário na dinâmica de cooperação internacional promovida
pela CCRC/CCDRC.
Esta visão teve expressão na Declaração Conjunta assinada entre a
Junta de Castilla y León e a CCRC, em 29 de Maio de 1990, e nos
protocolos constitutivos das Comunidades de Trabalho Transfronteiriças Centro – Castilla y León (3 de Março de 1995) e Centro
– Extremadura (27 de Maio de 1994).
Estas Comunidades de Trabalho Transfronteiriças, enquanto espaços
de reflexão, de articulação de actuações e de promoção de projectos
e iniciativas conjuntas, procuraram incentivar a cooperação nos
mais variados temas e sectores de actividade destas regiões, com
particular enfoque sobre os respectivos territórios fronteiriços.
Os Gabinetes de Iniciativas Transfronteiriças, estruturas técnicas
criadas para apoiar e dinamizar as actividades daquelas Comunidades,
foram determinantes para os resultados conseguidos, quer em
termos quantitativos (número de iniciativas de cooperação transfronteiriça) quer em termos qualitativos (aproximação e conhecimento mútuo das regiões).
A Iniciativa Comunitária INTERREG desempenhou um papel da
maior relevância, enquanto instrumento de suporte e financiamento
da cooperação transfronteiriça. Com três edições (1989-1993; 1994-1999 e 2000-2006) os diversos Programas de Cooperação Portugal/
Espanha disponibilizaram para o território de fronteira da Região
Centro, globalmente, mais de 76 milhões de Euros do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).
Na primeira edição (1989-1993) tratou-se, quase exclusivamente,
de financiar projectos de infraestruturas básicas, de que o território
de fronteira se encontrava extremamente carente.
Na segunda edição (1994-1999) alargou-se o leque de intervenções
e foram já significativos os projectos de animação sócio-económica
com alguma componente de cooperação (ainda que se tratassem de
iniciativas e eventos relativamente pontuais).
Mas esta equiparação da cooperação territorial (transfronteiriça,
transnacional e interregional) aos principais objectivos da política
europeia de desenvolvimento regional acarretou novas consequências. Antes de mais, a necessidade de alinhar a estratégia da cooperação com as prioridades europeias relacionadas com as agendas de
Lisboa e Gotemburgo. Depois porque passaram também a ser imperativos da política europeia de coesão, a concentração temática e
geográfica das intervenções para assegurar resultados com impacto
relevante sobre as regiões e as suas dinâmicas de desenvolvimento.
Esta mesma necessidade foi percepcionada pelas Comunidades de
Trabalho, depois de mais uma década de animação e promoção da
cooperação transfronteiriça. Com efeito, o trabalho desenvolvido
por estas estruturas transfronteiriças, globalmente positivo, apresentava resultados desiguais em diferentes áreas, pois estava muito
dependente do empenho de algumas pessoas dentro das organizações
(o que a longo prazo se torna insustentável para um processo onde
a acumulação de experiência e conhecimento é determinante para
alavancar novos patamares de colaboração). Assim, a partir de 2006,
as Comunidades de Trabalho Transfronteiriças, lançaram um processo de reflexão com o objectivo de encontrar novos caminhos para a
cooperação, tendo como referência o novo quadro estratégico criado
pela União Europeia, mas também com o objectivo de dar coerência
às dinâmicas de cooperação, focalizando--as em temas âncora.
Partindo do quadro territorial partilhado por aquelas regiões vizinhas, procurou-se identificar os recursos ou os elementos territoriais que partilham e que são consensualmente estratégicos para
todas as regiões.
No caso da área de cooperação Centro – Castilla y León, emergiu
com naturalidade o Corredor Irun-Portugal (Eixo Multimodal
29
Grande Tema
Com a terceira edição (2000-2006), que se encontra em fase de
encerramento, dá-se uma viragem importante em termos de concepção programática e de montagem de projectos. Se nas anteriores
edições os projectos executados em cada um dos lados da fronteira
eram autónomos, assim como a gestão do programa (segregada
entre Espanha e Portugal), com esta edição surgem importantes
novidades. Desde logo, ao nível da concepção do programa: foi
criado um grupo de trabalho transfronteiriço, com representantes
das Regiões e dos Governos Nacionais, portugueses e espanhóis,
que trabalharam numa proposta de programa única. Este programa
passou a ter estruturas de gestão conjuntas (Comité de Acompanhamento, Comité de Gestão Conjunto, Sub-comités de Gestão).
E os projectos passaram a ser apresentados, obrigatoriamente, por
parcerias luso-espanholas, assentando em planos de acção que
incorporam um conjunto articulado de iniciativas, com um âmbito
temporal que permitia ultrapassar algum atomismo, garantindo a
perenidade dos resultados. Ao mesmo tempo, alargou-se substancialmente o leque de promotores e a natureza dos projectos, a que
não foi alheia a acção das Comunidades de Trabalho Transfronteiriças existentes ao longo de toda a fronteira luso-espanhola.
Este período constituiu uma fase de grande aprendizagem pelo que
significou de mudança face às práticas do passado, que ao nível da
gestão do programa, quer ao nível da execução dos projectos.
E não temos dúvida de que foi uma experiência bem sucedida (trata-se
do maior programa de cooperação territorial em toda a Europa), que
a Comissão Europeia e os Estados Membros souberam reconhecer
quando elevaram a cooperação territorial a um dos três objectivos
da política europeia de coesão para o período 2007-2013 (a par dos
objectivos convergência e competitividade regional e emprego).
Grande Tema
Tejo Internacional
30
Portugal/Espanha – Europa) da Rede Transeuropeia de Transportes
enquanto elemento territorial unificador.
Foi com base neste recurso partilhado pelas duas regiões – uma posição estratégica e infraestruturas de transportes de nível internacional
– que foi concebido o projecto «MIT - Mobilidade, Inovação e Território». Este projecto tem por objectivo promover a valorização
desta realidade territorial através do desenvolvimento da cadeia de
valor das infraestruturas e equipamentos de mobilidade e transportes
que estão construídos ou em vias de construção.
O projecto, actualmente em desenvolvimento, está ancorado em
diversas vertentes, complementares e interligadas entre si, que lhe
dão substância: transportes e logística, ordenamento do território,
indústria, comércio e serviços, inovação e desenvolvimento tecnológico, turismo, ambiente e desenvolvimento sustentável.
No caso da área de cooperação Alentejo – Centro – Extremadura (a
colaboração tripartida vem sendo uma experiência bem sucedida
em muitas áreas da cooperação), emergiu facilmente o rio Tejo como
elemento estruturador do território e também polarizador das
dinâmicas de cooperação. Neste sentido, as três regiões assumiram
na sua estratégia conjunta o objectivo de valorizar os territórios
próximos da fronteira marcados pela presença do rio Tejo, onde é
necessário articular as políticas de ordenamento e de desenvolvimento regional. Este projecto procura explorar diferentes temáticas
que dão coerência a uma visão estratégica para o território fronteiriço: a conservação da natureza, o desenvolvimento local, o turismo
da natureza e a economia rural. Em ambos contextos transfronteiriços estes elementos territoriais eram já objecto de intervenção de
diferentes actores e de diferentes iniciativas (mesmo no quadro do
INTERREG III). Por assumirem uma maior centralidade na estratégia das Comunidades de Trabalho Transfronteiriças foram incorporados na estratégia do novo Programa de Cooperação Transfronteiriça Portugal/espanha 2007-2013. por outro lado foi alargado o
leque de actores e de abordagens, fundamentais para a concretização da estratégia.
É neste contexto que estão criadas elevadas expectativas sobre o futuro próximo da cooperação transfronteiriça da Região Centro com
as regiões vizinhas espanholas: os actores, as estruturas de cooperação e o programa financiador confluem para uma mesma estratégia
e os mesmos objectivos. Ao mesmo tempo, estão também alinhados
com as estratégias e os objectivos para o desenvolvimento regional
do Centro, do Alentejo, de Castilla y León e da Extremadura. •
A Economia Solidária é uma diversidade de práticas promotora
de novos valores, novas atitudes e novas formas de funcionamento
perante o mercado, estabelecendo redes de intervenção colectiva
e de cooperação entre os vários sectores das sociedades. Segundo
Laville (2005), a Economia Solidária estabelece as bases e fundamentos para uma outra globalização, mais equilibrada e mais solidária com os outros, e com a natureza.
A Economia Solidária, a par da Economia Social (geralmente associadas, embora distintas), tem sido uma alternativa às práticas
económicas dominantes, desde o séc. XIX, enquanto resposta aos
problemas sociais gerados pela revolução industrial, pelo capitalismo
e, actualmente, pelo neoliberalismo (conjunto de ideias políticas e
económicas que defende a não participação do estado na economia
e a total liberdade do comércio, garantindo, assim, o crescimento
económico e o desenvolvimento social dos países) dos mercados.
A Economia Solidária é uma prática associada a várias designações
Marco Domingues
Associação EcoGerminar
ciedade. Exemplos desse diálogo são a responsabilidade social das
empresas, o marketing social, as finanças éticas (ex: microcrédito),
as empresas de inserção social, o comércio justo e o consumo responsável e aquele que considero o mais recente – os softwares
livres ou wikis (promotores do acesso gratuito à tecnologia e conhecimento, ex: wikipédia).
O que é a Economia Solidária?
Podemos definir teoricamente a Economia Solidária, segundo o
conceituado autor Laville (2005), como um conjunto de actividades
económicas geridas democraticamente de resposta aos problemas
sociais, onde os interesses humanos prevalecem sobre os interesses materiais e económicos. Reforçando esta ideia, complemento
aos interesses humanos, os interesses ambientais, onde também
Amaro e Madelino (2004) acrescentam que a palavra “solidária”
surge “não no sentido social restrito, mas no sentido sistémico, de interdependência e integração com a
Vida e, portanto, com todas as dimensões em que esta se exprime
(…)”. Assim, estes autores destacam na Economia Solidária cinco vertentes fundamentais: Uma
actividade económica (uma forma de produção e/ou distribuição
de bens e serviços, de criação de
empregos, de rendimentos e de
satisfação de necessidades), promotora de coesão social, respeitadora e valorizadora do meio
ambiente, respeitadora e valorizadora da diversidade cultural,
sustentada numa gestão eficiente, acrescentando-se, ainda, ser
territorializada e promotora de
desenvolvimento local e assente numa lógica de investigação-acção, que lhe permita uma
constante criatividade e adaptação a novos desafios.
A Economia Solidária
localizadas geopoliticamente, tais como Economia Social em Portugal,
Terceiro Sector (Non-Profit Sector) da tradição Anglo-Saxónica
(próximo da filantropia), de Economia Solidária e Social já num
contexto Europeu Continental, onde a França desempenhou um
forte estímulo (através de experiências de mutualismo e associativismo muito grandes, substituindo o papel do Estado na procura
de soluções para os problemas sociais gerados pelo capitalismo) e
no contexto Latino-Americano, apresenta-se, entre outras designações, como uma Economia Popular. No entanto, parece-me importante o papel determinante que a Economia Solidária assume nas
sociedades, distanciando-se, por exemplo, do tradicional modelo
da Economia Social em Portugal, associado à grande dependência
da subsidiariedade do Estado para a execução dos seus serviços e/
ou actividades.
É através da identificação de novos problemas, tais como os problemas ambientais, a necessidade de um diálogo intercultural, a nova
pobreza e exclusão social e a crescente desigualdade mundial que a
designação de Economia Solidária assume maior importância nos
últimos 30 anos (distanciando-se do conceito original de Economia
Social), promovendo a procura de novas e inovadoras respostas
sociais e solidárias, de um novo diálogo entre a economia e a so-
A Economia Solidária poderá ser encarada como a lógica sustentável
do mercado? Nós (Associação EcoGerminar) acreditamos que sim,
onde o acesso ao conhecimento e à informação será fundamental
para o seu desenvolvimento, onde a cooperação e a parceria serão
os seus suportes de intervenção, onde a responsabilidade social de
empresas e cidadãos serão os seus apoios financeiros e humanos,
onde a produção de bens e serviços gera emprego e riqueza sustentável, para o desenvolvimento comum, integrado e justo.
A Economia Solidária é um conceito em evolução que apresenta
modelos e propostas sustentadas em experiências bem sucedidas
e sustentáveis, por agir transversalmente nas diferentes dimensões
do desenvolvimento, a economia, o social, o ambiental, o territorial e o cultural. A Associação EcoGerminar contempla nos seus
princípios, e em primeiro pilar de desenvolvimento, a Economia
Solidária, enquanto estratégia de intervenção local, de modo a promover a sua missão “Gerar Valor Sustentável no Local (no mundo rural, na BIS), para o Global”. As práticas de Economia Solidária representam um outro caminho, um caminho alternativo,
para uma outra globalização, a globalização da acção colectiva, dos
valores humanos, dos valores ambientais, dos valores do desenvolvimento sustentável. •
31
Ao Sabor da Pena
Uma “outra” Economia para o
Desenvolvimento Sustentável
Explicar porque motivo algumas pessoas frequentam museus
durante toda a vida e outras nunca chegam a entrar em nenhum,
é tarefa inglória e aqueles que o tentaram não conseguiram uma
resposta conclusiva. Como diz um dos meus professores de
doutoramento mais brilhantes e incisivos, a maioria das pessoas entra nos museus “porque a porta está aberta”!
Não me lembro como começou o meu fascínio pelos museus,
nem me lembro do primeiro que visitei – acho contudo que
foi o Museu Nacional dos Coches em Lisboa.
Em criança eram para mim um lugar mágico onde nos é
permitido ver e sentir o passado em primeira-mão, olhar
os objectos sobreviventes de culturas desaparecidas, numa
espécie de adoração/idolatração em fila contínua, contida
por cordões vermelhos, perante artefactos intocáveis.
Na presente época de globalização em que cada lugar já
não é mais caracterizado por uma população homogénea
com profundas raízes no passado daquele lugar, nem por
uma única cultura, mas pela sobreposição e fusão culturais, pela diversidade de populações, em que os fluxos de
relações constroem novas identidades, novas culturas e
novos patrimónios, temos de questionar qual o papel que
os museus podem assumir neste contexto.
Podem continuar a ser museus onde se preserva e interpreta o património, o lugar privilegiado de contacto do
ser humano com a herança patrimonial. Podem optar por
privilegiar as acções educativas, lúdicas, de animação, de
inclusão, de desenvolvimento local/regional numa auto-exclusão do movimento global. Ou poderão assumir uma
Para onde
caminham
os Museus?
Aida Rechena
Monsantina
Mestre em Museologia
Directora do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior
Ao Sabor da Pena
ADRACES
32
A introdução dos “novos” patrimónios no espaço museal e a
possibilidade de desenvolvimento de actividades educativas
e lúdicas nos museus fez com que ganhassem um interesse
acrescido: são um espaço de convívio, de sociabilidade, em
estreita conexão com a comunidade onde se inserem.
Vamos ao museu para ouvir concertos, ver desfiles de moda,
peças de teatro, participar em tertúlias, conferências e
debates, realizar workshops, ateliers e oficinas, fazer peddy
papers ou circuitos de descoberta, degustar gastronomias
exóticas, mostrar a cultura do nosso longínquo país de origem, fazer cursos rápidos de restauro de cerâmica, ganhar
campeonatos de jogos tradicionais, num grande à-vontade
com aqueles espaços.
Na euforia de realização destas múltiplas actividades o improvável tornou-se o habitual: vamos aos museus numa atitude participativa mas o nosso contacto com os bens patrimoniais, apesar deles continuarem lá expostos, é muito mais
informal para não dizer distante, distraídos como estamos
com o fervilhar de iniciativas.
vertente universal/global tratando temáticas de interesse
mundial: as grandes dinâmicas ambientais e energéticas,
os movimentos sociais, os problemas raciais e étnicos,
as questões de género e igualdade, num plano supra territorial mas que interligam todo o planeta numa mesma
preocupação.
Não sei qual o modelo ideal nem para onde caminham
os museus. Mas sinto que, muito mais do que um lugar
de memória, os museus são um espaço de relação multisensorial e intelectual com a herança patrimonial, a que
recebemos e a que estamos a constituir para o futuro.
Servem para nos fazer recordar mas também alertar para os votados ao esquecimento e à exclusão. Servem para
nos divertir mas também para nos deixar preocupados.
Servem para nos ensinar mas também para questionarmos e discordarmos. Servem para interpretar e desenvolver o território local mas conseguem pensar e agir
globalmente.
A solução será continuar experimentando caminhos… •
32
Vivemos uma época em que, cada vez mais, o tempo supera o espaço. O que conta, actualmente, é mais a distância-tempo e não tanto
a distância-geográfica. Para os territórios isso implica que o indispensável e verdadeiramente crítico é estar conectado, mais do que
estar perto. Conectividade, mais do que contiguidade.
Para os territórios rurais, a escassa dimensão económica, a desconexão, o distanciamento aos centros de poder, têm-se vindo a traduzir-se em fenómenos de desestruturação social, constituindo
elementos de grande fragilidade face às novas coordenadas internacionais. Neste cenário, a sobrevivência destes territórios passa por
romper com o tradicional isolamento, aumentando a sua massa crítica e alcançando dimensões que lhes permitam incrementar a sua
presença nos quadros de acção e de decisão. Daí a importância de
cooperar com outros territórios e abrir-se ao mundo. A cooperação
planos e estratégias para se reposicionarem à escala internacional.
É necessário que todos os actores sociais se adaptem à globalização,
globalizando-se, também, na sua acção. É importante que os territórios se abram ao mundo, mas de forma organizada e inteligente.
Diferenciada. O que quer, desde logo, significar a definição de uma
estratégia e de um projecto claro com prioridades estruturadas. A
ideia não é apanhar o primeiro autocarro que passe. Pode muito
bem ir numa direcção que não sirva o nosso interesse. Se a cooperação é, manifestamente, uma porta aberta para uma ruralidade
renovada, importa, de igual modo perceber, que, para isso, é fundamental, paralelamente, colocar as áreas rurais em posições que lhes
permitam filtrar as oportunidades que vão surgindo.
Face às situações de bloqueio que se verificam em muitos espaços
rurais, torna-se imprescindível avançar e procurar saídas mediante
Pontes para uma
ruralidade renovada
Domingos Santos
de base inter-territorial deve, claramente, ser entendida como um
instrumento de renovação das bases competitivas em que assenta
o desenvolvimento rural, assim sejamos capazes de reconhecer a
sua heterogeneidade e a diversidade de situações e problemáticas
que enfrenta.
Entendo o desenvolvimento rural, cada vez mais, como um espaço
de encontro entre localidade e regiões, baseado no diálogo de diversidades (biofísicas, sociais e económicas) colocadas ao serviço da
qualificação dos territórios e das comunidades. Há tudo a ganhar
com relações de troca de experiências e de conhecimentos – na verdade, o objectivo estratégico da cooperação não deve ser outro senão o da gestão partilhada de conhecimento. Colocar em prática
verdadeiras estratégias de cooperação no quadro do desenvolvimento rural pode trazer benefícios a todos os actores. Para que isso
se concretize é preciso que tal decorra, não de projectos tomados
isoladamente, mas antes de estratégias e acções coordenadas.
A interacção de carácter cooperativo e estratégico é, a este nível,
um instrumento fundamental. No fundo, a globalização torna ainda mais premente a necessidade de os actores locais se dotarem de
o estabelecimento de novos nexos de inter-relação que reforcem e
consolidem o sistema rural. A cooperação não é senão a edificação de pontes que se podem consubstanciar em parcerias de valor
acrescentado, criando mais fluxos de relação e inserindo melhor os
territórios rurais na sociedade do conhecimento e na economiamundo. Pontes com áreas rurais vizinhas mas, também, pontes com
áreas urbanas e com áreas rurais geograficamente distantes mas
funcionalmente ou identitariamente próximas.
Agora que, com o Quadro de Referência Estratégico Nacional, os programas de cooperação deixam de ser iniciativas comunitárias, cuja
governação ocorria externamente ao Quadro Comunitário de Apoio,
para passarem a ser programas operacionais com regras idênticas às
restantes intervenções, abre-se uma ampla janela de oportunidades
que privilegia a cooperação territorial como dimensão decisiva da
política de desenvolvimento rural, permitindo mobilizar recursos
para complementar e maximizar os financiamentos europeus. E que
importa saber aproveitar. Pena seria que uma visão limitada de combate à ruralidade de ontem levasse a não perceber as oportunidades e
desafios que a ruralidade de amanhã já deixa adivinhar. •
33
Ao Sabor da Pena
Docente do Instituto Politécnico de Castelo Branco
Como surge a Junta?
Muito antes de ser presidente de Junta, nesta mesma freguesia, passei por várias colectividades. Passei pela colectividade da caça e pesca, da qual fui fundador e ainda sou sócio. Estive seis anos como
membro dos corpos directivos. Depois, integrei o Clube Desportivo
e Recreativo durante seis anos, sendo que em dois assumi a presidência. Sempre gostei de fazer parte de equipas que façam algo em
prol da comunidade. Daí que tenha sido quase natural o convite do
Sr. Presidente Joaquim Morão para fazer uma lista candidata à Junta.
Aceitei e são já três mandatos à frente dos destinos desta freguesia.
concretamente um Lar de terceira idade ou um Centro de Noite.
Penso que esta freguesia tem todas as condições para chegar lá. Seria
um sonho bonito, se, ainda com a nossa colaboração, conseguíssemos erguer uma obra que albergasse os nossos idosos e os idosos
das freguesias em redor.
De que outras obras carece a freguesia?
Estamos numa fase de dar manutenção e a devida assistência às infra-estruturas já realizadas. Hoje, devemo-nos virar mais para as pessoas
do que para as obras, porque as obras básicas já estão ao serviço da
Freguesia de Escalos de Cima
Afonso Baptista, 55 anos
“Hoje, devemo-nos
virar mais para as
pessoas do que
para as obras”
Natural da Póvoa do Rio de Moinhos, desde muito
pequeno foi morar para Alcains, radicando-se na
vila até aos 23 anos. Enamorou-se por uma rapariga
dos Escalos de Cima, casou e a freguesia adoptou
mais este filho já lá vão 35 anos. Ergueu uma
empresa de construção civil na freguesia e
envolveu-se na luta pelas causas da terra que
já não troca por nenhuma outra. Há 11 anos
que assume o comando da autarquia local.
ADRACES
Pode-se falar em estabilidade populacional nesta freguesia?
Somos cerca de 1200 habitantes, 1100 eleitores. Temos tido a preocupação de que toda a gente que habite ou esteja ligada à freguesia se
recenseie nos Escalos de Cima. Embora seja uma aldeia pequenina,
possui uma vida empresarial forte. As empresas de construção civil
são as de maior dimensão e actividade. A agricultura tem também
um papel ainda importante. O conjunto empresarial oferece cerca
de 400 a 500 postos de trabalho à população residente.
A freguesia tem ainda a vantagem de ser um sítio de passagem e
ligação para dois concelhos, Idanha-a-Nova e Penamacor, e para a
Espanha, mas não posso descurar a fibra desta gente, que é muito
activa e dinâmica. Temos tido gente empreendedora capaz de apostar
na implementação de negócios próprios na freguesia.
A escola primária ainda existe e ronda as 25/30 crianças e o jardim-de-infância acolhe sensivelmente 22 crianças. O equilíbrio tem-se
mantido ao longo de todos estes anos.
34
E quanto à qualidade de vida dos idosos?
O Centro de Dia tem sido a colectividade, com grande valor, responsável por esta área, mas penso que tem assumido uma postura
algo fechada perante a Junta de Freguesia.
Se uníssemos os esforços da Junta, da Câmara Municipal e das forças
vivas desta freguesia, poderíamos ter já um projecto mais ambicioso,
população. Um dos papéis muito importantes destas autarquias é
ajudar na manutenção das colectividades no activo, porque é uma
forma de manter a juventude ligada à terra. Temos cinco colectividades: duas de associativismo juvenil – Guardiões da Luz e Escalar –,
o Clube Desportivo, a Associação de Caça e Pesca que traz pessoas
de fora à nossa freguesia, e o Centro de Dia. Criámos sedes próprias,
e algumas das suas despesas estão a ser suportadas pela Junta de
Freguesia, além do apoio prestado na realização de eventos.
As festividades populares da aldeia têm sido uma forma de atrair
visitantes?
Actualmente, temos três eventos assinaláveis em termos de festas
populares. É a festa de Maio, que tem sempre grandes dificuldades
de realização, porque as pessoas recusam-se cada vez mais a integrar a comissão de festas que é nomeada anualmente. Este ano não
se realizou. O São João é também uma festa muito interessante e
activa, realizada pela juventude da terra. E surgiu, no último ano,
um evento novo – a Festa das Sopas, através da colectividade juvenil
Guardiões da Luz, no Pavilhão Multiusos, e que teve grande sucesso
logo no primeiro ano de edição. Penso que, se conseguirmos continuar a ter sustentabilidade para estes três eventos, a aldeia se assume
como um forte chamariz para atrair muita gente de fora. •
Filipa Minhós
Pensar o Desenvolvimento
Rural entre a Tradição
e Modernidade
SANDRA VICENTE
Paradoxalmente, os grandes espaços rurais
ficam abandonados, sem economia que aí
sustente o desenvolvimento social, dado o
abandono generalizado da agricultura e a
subalternização política a que estes territórios estão condenados, fruto de prioridades
financeiras ditadas pelos mercados que se
organizam em dinâmicas insustentáveis no
médio prazo por desprezarem a força humana que os alimenta.
O constatar desta realidade permite-nos já
afirmar que as actuais condições organizativas dos modelos de desenvolvimento dominantes prosseguem um rumo incompatível
com os anseios de uma sociedade mais justa e equitativa, fomentando injustiças e processos exclusórios que vêm ditando, cada vez
mais, explosões colectivas de revolta, com
elevados custos sociais para os cidadãos e,
particularmente, para as gerações vindouras.
Neste sentido, é efectivamente urgente repensar a lógica organizacional do mundo
em que vivemos e, neste contexto, discutir
o seu futuro numa perspectiva não-conformista relativamente à previsível extinção da
diversidade dos seus modos de vida, contrariando de forma sustentada a secundarização para que são remetidos estes territórios.
Exemplo claro de que a alternativa é possível
é a quantidade de exemplos, experiências e
reflexões que podemos já encontrar quando
se reúnem pessoas que tomam o problema
em mãos e o analisam e debatem de forma
construtiva. Foi isso que aconteceu em Sucha
Beskidzka, no 20º aniversário da APURE,
onde 166 pessoas de 10 nacionalidades diferentes equacionaram, com seriedade, rigor
e pluralismo temático e de opinião, problemáticas diversificadas que puseram em
confronto os problemas suscitados pelas
tendências económicas e sociais contemporâneas e a política da União Europeia
em relação ao desenvolvimento rural, face
às especificidades e potencialidades que os
territórios rurais oferecem no quadro da
construção de uma sociedade mais saudável, integradora e ecológica capaz de, por
um lado, preservar as lições aprendidas ao
longo da História da Humanidade, conservadas na cultura e no património das sociedades e, por outro lado, promover a inovação e a modernidade através, quer do
incentivo ao empreendedorismo económico de homens e mulheres, quer do estímulo
à criação de políticas, metodologias e estratégias de intervenção em termos locais, regionais e nacionais empenhadas no desenvolvimento eficaz dos territórios rurais.
A educação, o conhecimento e a valorização das especificidades rurais emergem
hoje, sem sombra de dúvida, aos olhos de
todos os especialistas, como um reduto da
esperança na viabilidade de uma revitalização dos espaços rurais capaz de garantir a
atracção e fixação populacional essenciais
à sobrevivência digna e preciosa de formas
de vida mais saudáveis para todos os cidadãos onde a dignidade e a alegria de viver
sejam uma realidade. Para isso, é urgente
despertar as consciências e investir com firmeza em mecanismos e processos susceptíveis de promover uma reflexão concertada capaz de se reflectir em formas de acção
úteis ao desenvolvimento de um mundo
que nos garanta a humanização da vida em
sociedade. Antes que seja tarde demais! •
Ana Paula Fitas
35
Os Nossos Parceiros
Cidadãos, homens e mulheres de saber,
especialistas, intelectuais, agentes de desenvolvimento, animadores culturais e outras
personalidades que demonstram o discernimento da sensatez e a consciência dos
requisitos da qualidade de vida no âmbito
de um projecto social que valoriza os territórios rurais como parte fundamental da
existência humana em pleno século XXI,
reuniram-se na primeira quinzena de
Junho, em Sucha Beskidzka, na Polónia. O
encontro decorreu sob a égide da APURE
– Associação para as Universidades Rurais
Europeias a que Portugal, meritória e justamente preside, dadas as reconhecidas competências sociológicas, políticas, cívicas e
culturais do seu Presidente, Camilo Mortágua, cujo dinamismo desenvolveu esta Instituição Europeia tornando-a uma entidade
inequivocamente relevante no que respeita
à reflexão orientadora dos modelos de desenvolvimento do mundo rural.
O processo de globalização que caracteriza hoje o desenvolvimento social tende a
reforçar um modelo de desenvolvimento
urbano que implica a concentração populacional em cidades e a terciarização do emprego, factores que concorrem para o aumento de problemáticas de difícil resolução
como o desemprego, a pobreza e a exclusão,
enquanto consequências de um mercado de
trabalho marcado pela flexibilidade e a precariedade cuja dinâmica não coincide com
as necessidades inerentes à integração social
da generalidade dos cidadãos.
Contrariamente ao que seria de esperar, o
processo de globalização atinge de forma
desigual os vários territórios do mundo, da
Europa à Ásia, África, América ou Oceânia
com reflexos assimétricos em termos da
igualdade de oportunidades para as populações que assistem ao seu progressivo isolamento e afastamento da esfera do que consideramos mundo desenvolvido, remetidos
à desertificação dos espaços interiores e rurais dos seus países, denominados já periféricos ou ultra-periféricos e destituídos de
capacidade de competição e concorrência
relativamente aos espaços urbanos onde
se aglomeram bairros sociais e tecnologias
que, dispensando mão-de-obra, conduzem
à desestruturação das famílias e à insegurança existencial dos indivíduos.
Museu das tradições rurais polonesas ao ar livre
SANDRA VICENTE
Os Nossos Parceiros
Intervenção de
abertura da 9ª URE
36
Companheiras e companheiros destas jornadas em que celebramos
os primeiros 20 anos da nossa existência como plataforma e rede
europeia ao serviço das pessoas e dos territórios rurais europeus, a
todos, mulheres e homens, vos saúdo e agradeço a vossa presença.
Como sabeis, é possível traduzir para os nossos diferentes idiomas
o sentido das palavras que usamos, mas… infelizmente, ainda não
há tradutores para os sentimentos!
Ainda não há quem possa traduzir, para vós, este meu profundo
sentimento de alegria por poder partilhar com todas e todos, mais
estes momentos de confraternização, reflexão e busca comum, de
melhores e mais justas condições de vida, solidariamente, para todos os rurais da Europa e do Mundo.
O tempo que estamos vivendo ficará para a história da evolução
das nossas sociedades, como o tempo em que, pela primeira vez em
mais de meio século, se vislumbram sinais de mudança para a vida
daqueles que produzem os produtos básicos da nossa alimentação.
Uma mudança que signifique pagar os seus produtos pelo preço
justo e necessário à manutenção de um nível de vida equiparado à
de outros actores económicos e sociais dum mesmo território.
Uma mudança que signifique deixar de depender da “esmola dos
subsídios” dados ao “sabor e ritmo” de quem manda, sem a estabilidade necessária à planificação de médio/longo prazo.
Desde os anos 50 do século passado, interesses estranhos ao mundo
rural impuseram políticas que obrigaram, na maioria dos casos,
a que os produtos agrícolas fossem comercializados abaixo dos
custos de produção.
Essas políticas influenciaram de forma determinante o desaparecimento de centenas
de milhar de pequenas e médias explorações
agrícolas, “empurrando” milhões de rurais
europeus para as periferias das grandes
cidades em busca de alternativas de vida e
de emprego, provocando o despovoamento
dos campos e a hiper-concentração demográfica nestes universos desenraizados e
socialmente instáveis das periferias urbanas.
Com o desaparecimento da grande maioria
dos pequenos e médios agricultores, foi-se
a maioria da população activa e em idade
reprodutiva, sucedendo-lhe inevitavelmente
o despovoamento.
Para tentar evitar que o desaparecimento
dessa maioria de pequenos e médios agricultores não afectasse a produção global de
alimentos, inventaram a “política agrícola
comum”.
Esta política, apesar das apregoadas boas
intenções, objectivamente serviu para “encorajar” os grandes produtores a investir na
massificação da produção, ajudando assim
à hiper-concentração e à industrialização
da produção e da transformação dos produ-
tos alimentares, numa pura lógica empresarial de obtenção do maior lucro possível, sem respeito ou sensibilidade
alguma por se tratarem de produtos essenciais à manutenção
da vida humana.
Foi através desta política subsidiária que foi mantida a
dopagem redutora dos preços agrícolas em benefício dos
milhares de novos produtos manufacturados (quantas
vezes supérfluos, poluentes e inúteis).
Foi através destas políticas que o consumidor final, e sobretudo os mais frágeis economicamente, foi induzido
a sentir e comprar novas “necessidades”, a gastar o que
poupavam com os preços baixos da alimentação, noutras
“inovações” socialmente prestigiantes, segundo padrões
impostos pelos “ poderosíssimos medias dominantes”.
A hiper-concentração da produção e transformação
agro-alimentares, a mercantilização pura e dura da alimentação humana, submetida à lei do maior lucro possível, trouxeram-nos a “insegurança alimentar”.
Trouxeram-nos a insegurança sobre a natureza e qualidade daquilo que comemos, a loucura de uns quantos
grandes empresários muito competitivos, gananciosos e
“inovadores”, levou os bovinos à loucura e muitos espaços rurais à desertificação e ao despovoamento.
Esta pseudo-racionalização da competitividade da actividade agrícola e a consequente concentração em grandes
cartéis distribuidores do agro-alimentar podem levar a
rica Europa em que vivemos à condição de cúmplice da
morte de milhões de excluídos dessa nossa suposta riqueza, habitando noutros continentes; ao mesmo tempo que,
paradoxalmente, se tornará dependente daquilo que outros
produzam, por falta de europeus que ainda queiram ou
saibam tirar da terra europeia o seu sustento!
Companheiras e companheiros, a situação é complexa e,
seguramente, presta-se às mais diversas abordagens.
Na Europa, há muitas Europas. Nos espaços rurais europeus, de País para País, e dentro de cada País, de território
para território, são diferentes as situações.
Não pretendemos interpretar aqui o pensamento unânime
SANDRA VICENTE
da APURE, o meu propósito é apenas o de vos incitar a
reflectir sobre estas questões durante estas jornadas.
Em minha opinião, e segundo o que me tem sido dado
observar ao longo destes últimos 20 anos em diferentes
países, sobretudo nos países da Europa Ocidental, uma
das causas da fragilidade reivindicativa dos rurais, uma
das fraquezas do poder negocial dos rurais face às instituições nacionais e europeias é, sem dúvida, a própria
“desestruturação” das sociedades rurais.
Agricultores e não agricultores têm estado voltados de
costas uns para os outros… Tem prevalecido a desconfiança e a análise imediatista de que os interesses de uns e
de outros são opostos.
Penso ser indispensável trabalhar afincadamente para
mudar esta forma de pensar.
Estrategicamente, a médio e longo prazo, agricultores e
não agricultores, se habitando e vivendo nas mesmas comunidades, têm interesses convergentes.
O estrangulamento da economia e das condições de vida nas pequenas comunidades rurais significa também a
desvalorização do património de uns e de outros, seja ele
de que tipo for; o contrário também é válido.
Daqui lanço o meu apelo, para que das nossas reflexões
conjuntas surjam contribuições para o debate em torno
da necessidade de dar muito maior coesão de pensamento
e acção ao relacionamento entre rurais, de todas as condições e profissões.
O aumento da capacidade de luta dos rurais pelos seus
justos direitos a melhores condições de vida e a contribuição da APURE para o trabalho das Instituições Europeias
no aperfeiçoamento e correcção das políticas de Desenvolvimento Rural da U. E. assim o exige. •
Camilo Mortágua
Sucha Beskidzka – Polónia
Junho de 2008
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Os Nossos Parceiros
Visita a oficina local produtora de móveis IKEA
Descida da ribeira Dunajec entre a Polónia e a República Checa
Representante Dinamarquesa das Universidades Rurais
SANDRA VICENTE
Declaração Final da URE de Sucha Beskidzka
Compreender para
melhor resistir e viver
Os Nossos Parceiros
Nós, os participantes nesta sessão das Universidades Rurais europeias, reunidos em
Sucha Beskidzka, Voivódia de Malaposka,
no Sul da Polónia, de 12 a 15 de Junho de
2008, vindos de Portugal, Espanha, França,
Itália, Bélgica, Dinamarca, Inglaterra, Hungria, Roménia, Eslováquia, Polónia e da longínqua Ilha da Reunião… em representação
das mais diversas instituições públicas e privadas de nível local, regional, nacional e europeu, e de Redes de actores, as mais diversas agindo directamente nos seus territórios
em favor de transformações positivas para a
vida das comunidades rurais europeias:
38
• Declaramo-nos conscientes e preocupados com as dificuldades encontradas para
dar continuidade à construção do Grande Projecto Europeu capaz de vencer o
desafio das transformações necessárias
para assegurar um futuro com o essencial
à vida dos Povos: a paz e a alimentação!
• Declaramo-nos decididos a tudo fazer para mobilizar os nossos concidadãos e as
nossas organizações, para que todos ganhem consciência plena do seu lugar e das
suas responsabilidades neste combate civilizacional pela manutenção da Paz e da
Liberdade de cada um, tão perigosamente
ameaçadas na actual situação do Mundo.
• Declaramos o nosso apoio pessoal e o
das nossas organizações às instituições
europeias na procura de alternativas
adaptadas à governação democrática da
Europa e ao desenvolvimento de políticas capazes de sustentar com equidade os
esforços dos rurais para manter vivas as
populações, as culturas e os espaços rurais essenciais à vida no Planeta.
• Reafirmamos a nossa convicção de que
a participação activa e responsável dos
rurais é indispensável para a valorização
durável e vivida das culturas rurais e da
dignidade humana daqueles e daquelas
que as vivem e transmitem.
• Em consequência, agiremos para reafirmar o papel dos rurais na conquista e dinamização de dinâmicas sociais, políticas
e culturais, participativas e democráticas.
• Reafirmamos ainda que os territórios rurais e as suas culturas são certamente a
memória das nossas sociedades, mas, para
além disso, os seus valores são ao mesmo
tempo vectores de inovação e de modernidade, indispensáveis à concretização do
projecto europeu na sua globalidade.
• Declaramo-nos prontos a promover e
apoiar as reivindicações dos rurais europeus por um justo e equitável desenvolvimento em plano de equivalência e
complementaridade com as cidades e as
populações urbanas.
• Insistimos e reafirmamos a nossa vontade de reforçar a nossa Rede / Plataforma
– APURE, para que, com a sua experiência e o seu saber intervir em territórios
rurais, portadores dos valores da Educação Popular para todos e ao longo da
tvida, possamos continuar a agir em favor da maior compreensão mútua possível entre europeus.
• Reafirmamos a nossa decisão de redobrar
os nossos esforços para que as Universidades Rurais Europeias continuem a acontecer junto das populações que as acolhem,
para construir sobre os seus territórios saberes colectivos e desenvolver redes de informação e de formação, para que todos
nós possamos ser, sobre cada um dos nossos territórios, mobilizadores esclarecidos
para os caminhos do futuro. •
Sucha Beskidzka
Junho de 2008
Como reconhecer
onde e como acontece
o Desenvolvimento Local
PEDRO MARTINS
Há quem diga que o Desenvolvimento Local – “DL” anda... por aí!
Muito disfarçado, utilizando muitos e variadíssimos nomes, sem
nunca ser identificado pelo que lhe é próprio. Ao que parece, porque os próprios que o praticam e defendem, só evocam o seu nome
na intimidade dos “concílios de iniciados” sem ousar fazê-lo publicamente, com o entusiasmo e persistência que ELE, o DL, merece.
Por vezes, pelo que “vemos, ouvimos e lemos” pressentimos que
ELE, o “DL,” deve ter passado por ali, que é a sua filosofia, são os
seus os princípios e valores que estão na origem das iniciativas
divulgadas com louvores. Por uma espécie de intuição, parece-nos
que esta ou aquela iniciativa de que se fala é, deve ser, obra de Desenvolvimento Local. Puro engano... afinal, quando se lêem as notícias,
aquilo nada tem que ver com o que nos parecia… segundo afirmam
os órgãos da comunicação social, são obras de outros personagens.
Aquilo que nos pareciam iniciativas de Desenvolvimento Local, afinal, segundo a dita “comunicação social” são projectos e intervenções cujos padrinhos e autores são muito mais ricos e mediáticos
que esse pobre e mal querido “DL”!
Ao contrário daquilo que nos parece, dizem os tais órgãos de comunicação social que os autores e protagonistas das boas iniciativas
louvadas chamaram-se, ou continuam a chamar-se, vejam bem:
feder, feoga, fse, leader, interreg, now, adapt, integrar, integra, rim, sir,
pro – isto e aquilo – rafael, pessoa, leonardo, euclides, equal, horizonte, avô, regis e “tuti quanti”, referindo, uma vez por outra, lá muito
de quando em quando e timidamente, o nome de uma das Associações de Desenvolvimento Local “ADLs” como obreira associada às
iniciativas, sem referência alguma, nenhuma mesmo, à essência da
pedagogia que caracteriza a abordagem cultural, social e económica
do “DL” (figura sempre inconsequentemente invocada, mas nunca
identificada e relacionada com o resultado concreto das acções que
se divulgam).
Assim o “DL” e as suas práticas, muitos evocados e teorizados, continuam na “abstracção”, raramente utilizados como marca distintiva das
iniciativas desenvolvidas segundo os seus princípios e fundamentos.
Por esta consentida despersonalização, o Desenvolvimento Local –
DL passa a ser, na prática, e em termos de opinião pública geral, qual-
quer coisa muito difusa e obscura, talvez a designação de alguma nova
seita composta por meia dúzia de lunáticos, só compreendidos por
umas quantas centenas de idealistas utópicos que ainda acreditam na
possibilidade de construir um mundo mais equitativo e justo.
Se os adeptos e praticantes dessa suposta utopia que é o DESENVOLVIMENTO LOCAL (precipitadamente reduzido a “DL”) não
saírem das suas “capelas e conciliábulos internos” para as “praças
públicas” para explicar e defender os métodos e as práticas do “DL”,
então, a utopia nunca deixará de o ser!
Então, os governados nunca perceberão a sua importância para assegurar um futuro com dignidade; e os Governantes, sempre mais
preocupados em manter o poder do que em desenvolver políticas
justas mas ainda incompreendidas por quem vota, não terão quem
os “pressione” para adoptarem iniciativas legislativas e económicas
capazes de favorecer a evolução das nossas Sociedades para as práticas do DL e da Democracia Participativa. Democracia Participativa, fundamento e suporte das iniciativas de Desenvolvimento Local
e, por agora, a mais promissora das alternativas para assegurar a
sobrevivência das Liberdades e Direitos inerentes ao exercício da
própria Democracia Representativa.
Pensamos que todas as práticas inspiradas e desenvolvidas segundo
os princípios básicos do “DL” devem ser ostensiva e sistematicamente divulgadas sob a marca comum de “acções “DL”, sejam elas desenvolvidas em meio Rural ou Urbano, embora, em minha opinião, mais
facilmente identificáveis quando levadas a cabo em meios rurais.
Todos quantos trabalham em e para o “DL”, todos quantos já compreenderam os méritos das suas práticas, devemos incansavelmente divulgar e valorizar o trabalho que está a ser feito, um pouco por
todo o Mundo, em favor do “DL”, como práticas prospectivas de
novas alternativas comportamentais e organizativas para o futuro
da Humanidade.
É necessário tirar o “DL” da semi-clandestinidade em que se encontra,
definir-lhe “o rosto e o perfil” e apontá-lo à opinião pública como inspirador de práticas benfeitoras para as nossas vidas e territórios. •
Inês Pedrosa
39
Bordado de Castelo Branco na Venezuela
ADRACES
O Bordado de Castelo Branco ocupou um lugar de privilegiado
relevo na visita oficial de três dias do primeiro-ministro, José Sócrates,
à Venezuela, que se iniciou no passado dia 13 de Maio. No segundo
dia de estadia, o Governo português contou na agenda com a inauguração de uma exposição de tapeçarias e bordados portugueses de
prestígio no Parque Del Este, onde diversas colchas de Bordado de
Castelo Branco marcaram presença. Em representação deste ex-libris
de elevado valor patrimonial esteve António Realinho, director da
ADRACES, associação que tem liderado o projecto de valorização e
promoção do produto regional. No mesmo local, decorreu, posteriormente, uma recepção à comunidade portuguesa na Venezuela, estimada em cerca de 600 mil pessoas, que puderam conhecer a mostra.
A visita ministerial portuguesa consistiu ainda na assinatura de vários acordos comerciais para a criação de uma plataforma privilegiada para as exportações portuguesas para a Venezuela. Também
a exposição foi uma forma de dar a conhecer e angariar encomendas das produções nacionais de artesanato de excelência no país da
América Latina. •
A Estratégia de Desenvolvimento Local para a BIS
Assinatura de protocolo de parceria
ADRACES
40
A estratégia de desenvolvimento integrado local para a Beira
Interior Sul, assente na metodologia LEADER, faz a sinopse entre
a concentração e a concertação de esforços e a diversificação das
actividades do território, no sentido de se contribuir com mais-valias
precisas e indicativas e com a criação de formas de melhoramento
das condições de vida das populações locais, dando continuidade
ao processo de inversão do êxodo rural registado.
Foi com base nestas premissas que se definiu a Estratégia Local
de Desenvolvimento (ELD), no âmbito do PRODER. A Estratégia
Local de Desenvolvimento é o modelo de desenvolvimento para o
território de intervenção, sustentado na participação dos agentes
locais, com vista a dar resposta às suas necessidades através da valorização dos seus recursos endógenos, assente num conjunto de
prioridades e objectivos fixados a partir de um diagnóstico, privilegiando uma abordagem integrada, inovadora e com efeitos multiplicadores. Elaborada de forma participada e activa por uma parceria ampla e representativa dos actores e sectores mais relevantes do
território e tendo por base as orientações e prioridades da política
europeia e nacional para o Desenvolvimento Rural, a Estratégia tem
como objectivo central a valorização dos produtos tradicionais de
qualidade, o desenvolvimento do turismo em espaço rural e a dinamização e diversificação económica. A preocupação central foi a de
definir um modelo de desenvolvimento assente nas características
específicas do território e das suas necessidades de desenvolvimento,
tendo por base os seguintes pressupostos: i) a implicação dos agentes
e das instituições; ii) a integração dos vários sectores de actividade
numa lógica multifuncional; iii) os recursos do território numa óptica integrada e iv) a cooperação e a articulação com as políticas regionais, nacionais e europeias.
Estas iniciativas deverão contribuir para a criação e desenvolvimento de actividades diversificadas e criadoras de riqueza e de emprego,
contribuindo para a competitividade e crescimento económico do
território, factores indispensáveis para fixar população.
Com o objectivo de envolver as forças vivas do território no delineamento da estratégia de desenvolvimento para a BIS, a ADRACES tem realizado reuniões por todo o território com os diversos
sectores de actividade da zona de intervenção, para esclarecimento
de dúvidas e apresentação de projectos, e com uma equipa técnica
alargada para definição das grandes linhas estratégicas e orientadoras de todo o plano de desenvolvimento local.
No passado dia 14 de Julho, as entidades parceiras reuniram no
Salão Nobre da Câmara Municipal de Castelo Branco para assinar o acordo de parceria da Estratégia. A sessão, que marcou o
momento de corolário do documento, serviu ainda para esclarecimento das derradeiras dúvidas, num debate envolvente e participado pelos presentes. •
Los Barruecos, Espanha
PEDRO MARTINS
Raia de Solidariedade
e Afectos
1. Raia, traço de união. Os territórios, na sua lógica produtiva,
ambiental e até pela humanização resultante da acção de sucessivas
gerações, se apresentam fronteiras físicas, tanto separam como
unem os povos. Um curso de água ou uma montanha, podendo
como acidente natural ser difícil de transpor, por outro lado podem
ser eixos de ecossistemas ambientais e mosaicos de actividades que
unem mais do que separam as populações. De facto, o que é decisivo
é a história, a cultura, as actividades produtivas, a maneira de ser e
de estar das populações na sua capacidade de diálogo.
Assim, na longa fronteira com Espanha, a raia foi sempre mais uma
linha político-administrativa, definida e imposta pelos poderes
centrais, do que uma real divisão e separação das populações, actividades e culturas. Contudo, até Abril de 1974, os esforços de controlo fiscal e policial nos dois lados da fronteira eram muito fortes
e evidentes. Os dois lados da fronteira eram face da mesma moeda
que se traduzia no atraso e esquecimento de ambos os Governos em
relação às áreas de fronteira, raia do subdesenvolvimento.
2. O Contrabando. Para as populações havia vantagens comparativas em existir um e outro lado. Vantagens nas diferenças produtivas. E, diferenças e variedade nos produtos sempre alimentou o
comércio. De facto, para a economia fechada no sector primário, os
interesses e as oportunidades ligadas ao comércio na vida prática do
dia-a-dia, a colaboração e cumplicidade de um e de outro lado da
fronteira. Nas sociedades rurais até à ruptura da forte emigração,
de economia de subsistência, quem obtivesse dinheiro fresco com
os lucros do comércio clandestino ocupava o vértice da pirâmidedo
poder social. E as redes do contrabando foram tão fortes e lucrativas que se impuseram apesar do controlo policial. Aliás, como sempre, os interesses económicos eram por um lado a válvula de escapar da miséria dos campos e, por outro lado, o argumento de peso
que comprava o fechar de olhos, contribuindo para que tal rede de
cumplicidades e negócios funcionasse com eficácia. No interior das
povoações de um e outro lado da raia, as pessoas eram vítimas dos
regimes opressores, pela acção controladora da elite balofa do funcionalismo administrativo e policial. Perante as propagandeadas
culturas e discursos oficiais, nas barbas do patriotismo e nacionalismo
balofos de quem mandava, o sentimento enraizado entre as populações era de solidariedade e de entreajuda decorrentes da igualdade
na miséria e no infortúnio. A maneira de ser e de estar, de um e de
outro lado da raia, era muito semelhante, já que forjado em relações
de trabalho e de cooperação social e cultural sedimentadas em tantas
gerações de relacionamento descomplexado e próximo.
3. Os Moinhos da Baságueda, desempenharam um papel importante nas rotas do contrabando. De facto, as pequenas comunidades
41
FISHEYE
Sentir a beira
dos moinhos acrescentavam à realidade da produção rural a maisvalia de transformarem o grão em farinha e o conhecimento das
veredas e caminhos. Ir buscar o grão e entregar a farinha, era um
permanente vaivém com os burros carregados de taleigos. Tem
um grande significado social o testemunho vivo que recebi e vivi
no moinho dos meus avós paternos, o moinho do “Maneio”, entre
Penamacor e Valverde del Fresno. A principal figura era a de minha
avó Maria de Jesus que, com a sua postura matriarcal, retinha num
dos palheiros os guardas fiscais bem alimentados, enquanto libertava os contrabandistas que ali tinham passado a noite escondidos.
Era a solidariedade e cumplicidade com o elo mais fraco e com raízes no povo. Foi a acção notável e sempre generosa das mulheres,
tão importante na sociedade rural e decisiva na luta pela sobrevivência, luta afectuosa de heroísmo silencioso.
Nas décadas de trinta e quarenta do século passado, as dificuldades alimentares vividas em Espanha, derivadas da Guerra Civil,
levaram a um aumento de contrabando de farinha, o que originou
um período de prosperidade e algum desafogo para as famílias dos
moleiros. Mas, não era só a nível da troca e comércio de produtos,
também a nível social, dos laços familiares e de entreajuda se sedimentavam as relações de colaboração.
42
4. Partilha e afectos. Nos tempos conturbados da Guerra Civil de
Espanha, refugiaram-se nos moinhos pessoas de todas as condições
sociais, cansados da fuga e até feridos. Os seus relatos angustiados
das perseguições, morte de pessoas indefesas, famílias dilaceradas
por razões e acusações ideológicas, causaram o maior impacto e
uma reacção humana de total solidariedade. Muitas dezenas de es-
panhóis foram acolhidos nos moinhos, recuperando das feridas do
corpo e da alma, consolidando-se os laços de entreajuda e novas
relações que vieram até aos nossos dias. No campo da geografia
humana, marcada pelos sentimentos, vontades e emoções, a fronteira não dividia, ela nem sequer existia.
Mais tarde, nas décadas de cinquenta e sessenta, eram as pessoas
dos moinhos que recorriam ao médico do lado de Espanha, sendo
famoso em Valverde del Fresno D. Pedro que até tinha equipamento
de radiologia. Tinha nomeada, também, um agricultor D. Quico
que, agradecido pela ajuda, recebia os portugueses sempre de braços abertos.
Com a evolução democrática dos dois países na década de setenta,
o intercâmbio cultural e económico desenvolveu-se. Começou pela
vertente dos acontecimentos festivos, com destaque para a presença
de espanhóis na festa de Nossa Senhora do Bom Sucesso (Festa da
Ribeira da Baságueda), e dos portugueses na festa e feira de Santo
Isidoro, padroeiro dos agricultores em Valverde del Fresno e com
tourada em San Martin de Trevejo. Deu-se, também, um salto enorme nas relações económicas, em que se manifesta maior pujança
e capacidade de iniciativa do lado espanhol. Mais recentemente, a
fronteira política e controlo de bens e pessoas foi abolida como fruto
da União Europeia e a pauta da cooperação e intercâmbio cultural
e económico aí está disponível e cheia de oportunidades. Importa
que o relacionamento seja descomplexado e fundado nas já comprovadas relações afectuosas e solidárias. •
Lopes Marcelo
Quiosque da “BIS”
“Nenhum recanto da Beira Baixa representa mais ao vivo a ancestralidade do povo lusitanoque esta região raiana”
Provérbios · rezas · lendas · crenças · mezinhas · adivinhas · músicas · poesia popular · hábitos e costumes
Monfortinho
Vêm cá uma vez por ano e pronto
Deseja continuar
a receber a Revista?
burros, cavalos, etc., e todos os terrenos eram cultivados. Terrenos
que, há muitos, muitos anos, no tempo dos seus avós, pertenceram
ao conde João Filipe de Proença-a-Nova e que 72 casais, rendeiros,
adquiriram – uma parcela para cada – por um total de 300 contos
de réis. “Eu ainda semeio batata e faço a horta. Tenho um burrito,
dos poucos que ainda cá há”.
Mas, de tudo, o que mais os impressiona é o facto de “noutros tempos
não havia água, luz, casas de banho. Nada. As casas estavam todas
ocupadas. Hoje há boas casas e estão fechadas. As pessoas vêm cá
uma vez por ano e pronto”. •
Jolon
A partir da presente edição, os interessados em continuar a
receber a Revista VIVER devem manifestar a sua vontade através do endereço electrónico [email protected] ou por contacto
telefónico – 272540200. Agradecemos, desde logo, a vossa
compreensão pelo transtorno causado.
43
Quiosque da BIS
Sentados num banco de pedra, junto da casa que foi de seu pai,
António Mendes e a esposa, Isabel Maria de Jesus, assistiam ao desenrolar das festividades em louvor da padroeira da Aldeia, Nossa
Senhora da Consolação, à qual está agregado o famoso bodo de
Monfortinho. Nascido, criado e sempre residente na terra natal,
há 84 anos que “vive” as festas. A esposa há menos tempo, pois é
natural da vizinha Toulões e, porque o seu pai era GNR, fartou-se de
percorrer terras para onde o progenitor era destacado em serviço.
Até que este enviuvou, se enamorou de uma senhora em Monfortinho,
com quem se casou, fixando-se ali definitivamente.
Gente de trabalho. O António trabalhou muitos anos na horticultura das termas. Mas também cortou muita lenha para alimentar os
fogões dos Hotéis Astória e Fonte Santa. E “ganhei bom dinheiro
com dois contratos que fiz com os CTT para colocação dos postes
telefónicos desde a Zebreira”, recorda.
A esposa, com menos um ano de idade, foi trabalhadora na Companhia da Fonte Santa. “Trabalhei na lavandaria durante 42 ou 43
anos, mas só fizeram 18 anos de desconto, por isso tenho uma reforma muito pequena”, lamenta.
O bodo leva muita gente de todo o lado à terra. É uma forma de as
casas da freguesia registarem algum movimento.
Dizem-nos que também já fizeram parte das comissões de festas, como de resto quase todos os cerca de 150 habitantes da Aldeia. “Os
mordomos perdem muito dinheiro com a festa. São pelo menos 15
dias em que não se faz mais nada senão andarem a pedir aqui e nas
terras vizinhas. Mas vale a pena”, concluem.
No decurso da agradável conversa, vão relembrando os tempos em
que havia inúmeros rebanhos de cabras, ovelhas, juntas de bois,
ADRACES
CENTA
Por um lado, o tradicional artesanato, com
fortes ligações culturais ao território e reflexo genuíno da identidade do povo. Por
outro, o urbanizado design, ligado às indústrias e à produção em massa nas sociedades de consumo. Da tentativa de fusão destas duas áreas tão distintas nasce o
projecto “Experimenta o Campo”, uma iniciativa assente na parceria entre o Centro
de Novas Tendências Artísticas (CENTA)
em Vila Velha de Ródão, a Escola de Artes e Design de Caldas da Rainha e os Artesãos da Beira Interior Sul e Alto Alentejo.
Artesanato e Design juntos em
projecto “Experimenta o Campo”
Retirar o maior partido das mais-valias de
ambas as práticas, num processo de ajuda e
partilha mútuas, para um maior equilíbrio
das culturas urbanas, apostando no forte
suporte da tecnologia aos ‘saber-fazer’ tradicionais, foi a estratégia escolhida para o
desenvolvimento de um projecto integrado
de revalorização do artesanato, baseado na
inovação e experimentação de novas soluções para territórios de parcos recursos, essencialmente humanos.
A exposição é o resultado já avançado do
projecto iniciado em 2006 e visa mostrar ao
público todo o processo criativo envolvido,
através de fotografias e vídeos, e os objectos,
na sua maioria protótipos, produzidos. A experiência pretende ser o motor de arranque
para a abertura de novos mercados, demonstrando que existe procura justificada para a
implantação real e sustentável de novos negócios e investimentos baseados nesta metodologia de simbiose entre os dois universos.
A exposição passou ou vai passar até final
deste ano por locais como Vila Velha de
Ródão, Castelo Branco, Fundão, Nisa, Caldas da Rainha, Porto e Lisboa. •
ADRACES
Quiosque da BIS
Idanha-a-Nova
44
Os três dias que anteciparam o feriado do
dia 25 de Abril marcaram a comunidade
escolar do concelho de Idanha-a-Nova. Pelo segundo ano consecutivo, o Agrupamento de Escolas de Idanha-a-Nova realizou o
Festival da Primavera, uma iniciativa que
permite a abertura da escola a toda a população idanhense, no sentido de divulgar o
trabalho desenvolvido entre alunos e professores ao longo do ano lectivo e, simultaneamente, proporcionar momentos lúdicos
e pedagógicos aos educandos do concelho.
À entrada da Escola EB 2,3/S José Silvestre Ribeiro, sede do agrupamento, ouve-se
Festival da Primavera mostra
dinâmica escolar do concelho
de imediato a frescura dos risos infantis.
Ao longo de todo o pátio banhado pelo sol
primaveril, dezenas de crianças divertemse com brincadeiras de antigamente e jogos
tradicionais. Experimentam as andas, lançam o pião ou jogam à malha.
No interior de um dos pavilhões escolares,
as actividades são mais sérias. Cada escola do agrupamento está representada por
uma barraquinha, desde a primeira classe
ao último ano de ensino secundário. Para os visitantes é possível comprar pequenas lembranças elaboradas pelos alunos ou
simplesmente observar as actividades de-
senvolvidas em cada disciplina.
Os mais petizes puderam ainda mostrar os
seus dotes, com a preciosa ajuda dos professores, nas artes do espectáculo. Não faltaram as canções acompanhadas de belas
coreografias ou a expressão dramática bem
ensaiada nas peças de teatro.
A edição deste ano apostou na cooperação transfronteiriça, contando com a visita de algumas escolas espanholas. Uma
boa oportunidade para mostrar aos nossos
vizinhos a dinâmica escolar que ainda se
consegue imprimir no nosso território de
baixa densidade. •
A partir do presente número, incluiremos esta nova secção em cada edição, dando a conhecer como
se vive do outro lado da raia e como nos vêem os nossos vizinhos. Embora a ausência de barreiras
físicas, alfandegárias e/ou fiscais permita a livre circulação de pessoas e bens, as barreiras culturais,
essas permanecem, impedindo-nos, por vezes, instintivamente, de ousar ir para além da antiga linha
de demarcação! Será que existe verdade e razão no velho ditado popular que diz que: – “a galinha da
vizinha é sempre melhor que a minha”?
POR LÁ,
como por cá,
mas com
ALEGRIA!
Entrevista a Ester Moran,
Alcaldesa (Presidente
do Ayuntamiento)
da Comunidade de Zarza
La Mayor, Espanha
Há quanto tempo é que esta jovem mulher é Alcaldesa?
Vai fazer agora em Junho um ano. Antes disso estive quatro anos
como Vice para ganhar experiência. Tenho 31 anos, solteira com
noivo de ascendência portuguesa, natural de Zarza, com muito gosto
e amor pela terra onde nasci.
Por falta de comida e trabalho, as pessoas tiveram que procurar outras regiões com mais oportunidades.
Muitas delas mantêm aqui as suas casas e voltam no Verão e nas
épocas festivas. Também há quem compre casa para vir passar férias
ou descansar.
Porque Partido foi eleita?
Zarza, desde a implantação da democracia, sempre foi sempre
governada pelo Partido Socialista, tal como a Região Autónoma
da Extremadura. A Junta da Extremadura sempre foi socialista, eu
também fui eleita na lista do Partido Socialista.
Então acontece o mesmo que em Portugal?
Sim, acontece o mesmo. Temos culturas e problemas muito
parecidos.
Qual é a população de Zarza?
Hoje somos uma pequena povoação com 1570 pessoas, nos últimos cinco anos perdemos 150 pessoas. Nos últimos 50, descemos
de cerca de 4500 para os números actuais, ou seja, a perda ronda as
3000 pessoas em meio século. A grande debandada deu-se nos 60.
Eu pensava que aqui era muito melhor. Pelo menos é o que se diz lá
do outro lado… “em Espanha a situação está muito melhor”.
Não, também temos as nossas dificuldades. O que temos é um
sistema sanitário muito bom, tanto nas cidades como nas mais
pequenas aldeias. O grande problema aqui em Zarza, como na maioria dos pequenos povoados, é a falta de empresas e trabalho, porque
os jovens hoje querem bons trabalhos, e isso, Zarza não oferece.
45
Do Lado de Lá
ADRACES
Portanto, os jovens partem?
Sim. Parte dos jovens vão-se embora. Mas agora a situação estabilizou-se. A maior facilidade em deslocar-se permitiu que mais jovens
vão trabalhar a Cáceres e regressem à noite, porque preferem residir
aqui por causa da facilidade de acesso aos serviços sociais que temos.
A nível social temos muitos serviços e as pessoas estão satisfeitas.
Dispomos de médico, advogado, assistente social para a terceira idade ou jovens carenciados, dinamizador cultural e desportivo, etc.
Mas há apoio para quem não tem trabalho?
Sim, existem vários tipos de apoio. Também existe o que chamamos
de salário mínimo interprofissional. Mas quem não tem trabalho,
nem recursos, sobretudo por aqui nos campos, tem de trabalhar
pelo menos 35 dias por ano para ter direito ao subsídio.
Para além disso, mesmo nos meses em que estão desempregados, todos
têm que pagar um selo de uns 60 euros por mês para garantir o subsídio
de 300 euros mensais durante o máximo de seis meses por ano.
Em sua opinião, a protecção social na Extremadura é igual, melhor
ou pior, do que no resto da Espanha?
Penso que é um pouco melhor que no resto de Espanha, porque este
tipo de ajudas não existe em certos sítios, pela simples razão de que
não precisam delas. São zonas que têm indústrias, que estão desenvolvidas. Na Extremadura esse arranque está apenas começar. Estão
a abrir muitas empresas de energia eólica, solar e outras.
Noutras Comunidades autónomas não precisam destes tipos de
apoios, agora a Extremadura juntamente com a Andaluzia são zonas
de nível um em termos de necessidades a nível europeu.
E existem oportunidades de empreender?
Necessitamos é de empreendedores, de gente que se lance e crie
emprego privado, sobretudo a nível turístico onde Zarza tem muitas
oportunidades, mas há que ter “um empurrão” e uma impulsão para
a partir daí crescer para criar a sua própria empresa.
Sei que há possibilidades de comprar casa para viver, mas há possibilidade de adquirir terrenos para instalar negócio?
Sim. Temos um polígono industrial onde se pode adquirir terreno
para desenvolver actividade industrial. Quanto a casa, a Junta da
Estremadura fez 10 vivendas sociais aqui para gente carenciada que
não tem possibilidades para comprar uma vivenda. Serve sobretudo
para os jovens.
E os recursos para essas casas são da Junta da Estremadura ou do
Ayuntamiento?
Há uma parte que foi suportada pelo Ayuntamiento. São 20 casas,
10 foram pelo Ayuntamiento e as restantes 10 pela Junta da Estremadura. Isto em terrenos do Ayuntamiento; nós facilitámos os terrenos para que isto pudesse ser feito.
Do lado de Lá
O Ayuntamiento tem muitos terrenos?
Sim. Mas estamos a tentar não criar mais terrenos para vivendas.
Queremos que as vivendas antigas sejam reabilitadas, porque neste
momento estão a criar-se duas Zarzas: uma antiga e uma moderna.
A antiga está a ficar sem pessoas, porque toda a gente está a querer
ficar na zona moderna. E isto porque uma casa antiga custa tanto
dinheiro como uma moderna.
46
O que pensa das aldeias do lado de lá?
Penso que têm muitas coisas em comum com as nossas. Estivemos
durante muito tempo distanciados, apesar da proximidade em quilómetros. Agora temos esta nova estrada que nos une muito mais.
O que eu acho é que temos de trabalhar e aproveitar os recursos
mútuos conjuntamente. Zarza tem uma boa relação com Portugal,
mas, sobretudo no sector do turismo e da indústria, devem unir-se
as forças para desenvolver ambos os países.
Quem são os vossos interlocutores do outro lado?
Os que estão mais próximos de nós é Salvaterra do Extremo, mas as
nossas relações fazem-se sobretudo com a Câmara de Idanha-a-Nova.
Está optimista, porquê?
Estou muito optimista. Mas necessitamos de mais diálogo entre
ambos os países. Eu tenho força e muita ilusão e, sendo jovem, não
posso ser pessimista, tenho de ser optimista. Penso que com a força
de vontade dos jovens se conseguem muitos projectos.
Coisas concretas para fazer?
Programado há de momento um raly português que está a contar
com a nossa colaboração, porque o percurso também vai passar por
Zarza. Temos realizado muitas actividades, tivemos um dia de convivência com Portugal que se celebrou dia 17 de Maio, fizemos uma
descida do Rio Erges em piraguismo desportivo numa distância de
17 quilómetros, que contou com 200 participantes portugueses e
espanhóis. Temos muitas actividades culturais conjuntas. Agora,
um projecto que é muito importante para o futuro, que vai custar imenso, mas que é mesmo importante fazê-lo é a construção
de uma ponte a sério de ligação ao vosso país. A que existe neste
momento não permite que os grandes camiões passem e logo as
relações comerciais ficam condicionadas. Precisamos então de uma
nova ponte, ali no mesmo local.
Não havia uma iniciativa chamada a Feira Raiana... que se passa
com o evento?
Eu penso que se confundiu o enfoque da iniciativa. Converteu-se numa
feira de venda, quando nasceu para ser uma feira de turismo. Portanto,
desvirtuou-se. Eu creio que se tem de procurar outro tipo de eventos,
mas organizados de diferente modo. Esta feira, no seu final, tinha custos elevadíssimos de organização e não teve uma boa repercussão.
Porquê?
Era uma feira que misturava muita coisa. Havia gado, havia turismo, havia venda e comércio de produtos, o que acabou por desvirtuar a verdadeira essência da feira. Penso que se fazemos uma feira
O que é que têm dito do lado de Portugal?
Não sei o que dizem do vosso lado, porque não tenho falado recentemente deste tema com ninguém, mas não se podia suportar
economicamente a despesa com a feira. A solução seria em Espanha encontrar um edifício, onde se situe a Associação Raiana entre
Espanha e Portugal para criar actividades conjuntas. Já está a fazer-se,
mas ainda não está terminado, é um plano de futuro.
Há gente de Portugal que vem instalar-se aqui deste lado? Há portugueses que atravessam o rio para vir trabalhar aqui ou mesmo
morar aqui?
Neste último ano, vieram para Zarza dois ou três casais portugueses. Uma das famílias abriu um bar aqui, são duas raparigas, logo os
familiares também têm vindo a trabalhar para Zarza, cerca de 15 a
20 dias por ano com o Ayuntamiento. E há muitos casos em que há
muitos portugueses que casam com espanholas ou portuguesas que
casam com espanhóis.
Qual é a sua formação?
Sou Técnica Especialista Administrativa e Professora de Educação
Física.
Por isso tem toda essa energia?!?
(Risos). Sim, também por isso.
Há associações cá em Zarza?
Sim, há bastantes. E o Ayuntamiento colabora muito com elas, assim
como elas colaboram imenso connosco.
Em Espanha funcionamos de maneira diferente de Portugal. Zarza,
Ceclavín, todas as aldeias se unem e isso forma uma Mancomunidad
que partilha os serviços. Aqui a nossa mancomunidad é Ribera de
Fresnedosa e que engloba 13 povoados.
São povoados de diferentes tamanhos?
Sim. Há as povoações de 30 habitantes, de 200 habitantes, até outras
que têm 13 mil habitantes.
E como se exerce a presidência da Mancomunidad?
Elege-se um alcaide que será o presidente. Neste momento está
nas mãos de um povoado pequenino que tem pouco mais de 200
habitantes. Reunimo-nos uma vez em cada mês e abordamos diversos assuntos, dividindo por cada povoado uma quantia monetária e
compartilhando-se os serviços.
A ajuda monetária vem da Junta da Extremadura e do Estado
directamente para a Mancomunidad?
O Estado não entra, apenas a Junta da Extremadura. A Junta da
Extremadura tem apoiado este projecto para unificar todos os serviços, para que todas as aldeias possam manter esses serviços. Há
povoados muito pequenos que não tinham forma de contratar certos serviços se estivessem isolados. Assim partilham-se os serviços
entre todos. Esta foi uma iniciativa da Junta da Extremadura. Em
Castilla e Leon, os povoados pequenos estão a acabar, porque se
leva os serviços apenas para as grandes cidades. Aqui não. Aqui
tenta-se dar os serviços tanto aos pequenos como aos grandes, para
que não tenhamos de ir a outros sítios.
Como estão as escolas primárias? Estão a fechar nas aldeias
pequenas?
Na Extremadura ainda não.
Mesmo quando não há crianças?
Não. Têm de ter um mínimo de crianças. Quando não existem mais
do que quatro crianças nessa escola, ela encerra.
E até agora sempre tiveram o mínimo de alunos para manter a
escola aberta?
Aqui em Zarza temos mantido 115/120 crianças na escola.
Para uma população total de 1500 pessoas?
Sim, à volta disso. A média não é muito alta por família, cerca de
0.3 por família, mas as nossas crianças ficam aqui a estudar até aos
12 anos. A partir dessa idade há um autocarro que as transporta
para um Instituto Maior em Ceclavín. Queríamos abrir uma creche
dos 0 aos 3 anos, mas para isso era necessário que nascessem mais
crianças.
47
Do Lado de Lá
cultural é uma feira cultural, se fazemos uma feira de turismo é uma
feira de turismo, se é uma feira de gado é uma feira de gado, onde se
mantenha sempre a qualidade.
No entanto é preciso saber como se luta. Porque uns na sua luta
conseguem mais do que os outros. Até porque a convicção em Portugal é que a vossa luta dá mais frutos. Que passando a fronteira,
tudo é melhor. É sempre o mesmo – a casa do vizinho é sempre
melhor do que a minha?
É verdade que também temos muitos dos mesmos problemas, mas o
Governo “Autonómico” ajuda-nos muito, e há muita ciência e muito
controle sanitário de todos os produtos que se vendem, sobretudo
os comestíveis, queijo, fiambres, etc. Em Portugal há menos controle, então há maneiras de fugir à lei. Aqui há muito menos comércio
clandestino, aqui tudo é reconhecido, seriado, controlado.
Que é que aqui se produzia antes e já não se produz mais hoje
em dia?
A seda. Isto era uma Real Fábrica da Seda, num total de três em
toda a Espanha. Zarza era rica naquele tempo. Mais recentemente,
Zarza também era uma boa produtora de azeite. Até há bem poucos
anos havia um lagar em funcionamento, hoje ele lá está, mas encerrado por má gestão e porque se manteve maquinaria muito antiga.
O lagar era de todo o povo da aldeia, as mais distintas pessoas o
utilizavam. Hoje, já não se produz azeite. A azeitona colhida actualmente aqui na aldeia segue para Ceclavín, Alcantara e outros locais
para ser transformada em azeite. Antes havia também um oleiro
que trabalhava o barro, hoje já não existe. Os ofícios tradicionais
perderam-se.
Como têm os serviços essenciais as pessoas partem menos?
Há até muitos portugueses a usufruir dos nossos serviços, sem viver
aqui em Zarza. Para ter direito à Segurança Social, para ir ao médico
e outros serviços, registam-se no nosso sistema.
Pode explicar-me isso mais em detalhe?
Há portugueses que, mesmo não vivendo em Zarza, registam-se
aqui para poderem ter melhores serviços. Ou seja, eles registam-se como vivendo em Zarza porque dispõem de casa cá de algum
familiar, é mais um habitante para Zarza, mas depois não vivem cá.
Vivem entre Espanha e Portugal, mas beneficiam dos serviços de
cá, porque dizem que são melhores do que os de Portugal.
Têm ciganos cá?
Poucos, mas temos.
Do lado de Lá
E se vierem mais?
Temos muito boas relações com eles. É gente que está em Madrid,
que vem algumas temporadas para cá, são educados, não se metem
com ninguém. Mas sei que em Portugal são um problema. Aqui
não. Pelo contrário, são os ciganos que movimentam aqui dinheiro.
48
E como passou dos 15 aos 30 anos cá na aldeia? Onde estavam as
discotecas?
Há aqui muito movimento. Temos duas discotecas de Inverno e duas
discotecas de Verão. Bem, mas durante essa idade, eu estive até aos
24 anos em Cáceres a estudar, fiz todos os meus estudos lá. Só vinha
aos fins-de-semana, e estava sempre desejosa para regressar à minha terra. Ademais, a festa é fantástica em toda a Espanha, há muita
alegria. No Verão muitos portugueses vêm à festa, principalmente
na Semana Santa. Se os jovens pensassem todos em ir embora, só
ficavam os velhos na aldeia. Então eu penso que temos de lutar para
continuar na nossa terra.
E se eu vier para Zarza e quiser instalar um lagar que tipo de
apoios encontraria aqui?
Bem, não seriam do Ayuntamiento, ou melhor do Ayuntamiento
seria o terreno, mas os apoios económicos proviriam da Junta da
Extremadura para a criação da empresa.
Pode falar-me um pouco da origem de Zarza?
Pensa-se que a origem de Zarza é anterior à época romana. O nome
da aldeia provém do nome de uma espécie de matas compostas
essencialmente por plantas espinhosas que há muito aqui nos nossos campos. Mas Zarza la Mayor teve outro nome que era Zarza la
Quemada, porque em tempos essas matas foram queimadas e só
mais tarde se adoptou o nome de Zarza la Mayor.
Então e a actividade que deu nome e dinâmica à economia de Zarza
foi o azeite?
Não, foi mesmo a seda.
E as amoreiras, que é feito delas?
Tiveram a infeliz ideia de pensar que as amoreiras não eram rentáveis. Então cortaram-nas todas e plantaram oliveiras e outras árvores em seu lugar. Foi um erro tremendo. Desde então a economia de Zarza decresceu imenso, porque aqui vivia-se da seda. Foi
uma pena.
Então boa sorte para Zarza!
Olhe, pelo menos que possamos viver e morrer na aldeia onde havemos nascido. Eu gosto muito de viajar, mas não gostava de regressar e ver a minha aldeia acabada ou com muito poucos habitantes.
E há que dar um apoio condigno à terceira idade, há que atender a
toda a gente.
Gostaria de nos dizer mais alguma coisa?
Sim, gostava de dizer que estamos muito optimistas, porque o grupo todo é composto por gente muito jovem com muita força de
vontade, temos muitas e boas relações com Portugal. Maria, a nossa
tenente-alcaide fala perfeitamente o português, o que nos é bastante
útil para dialogar com Portugal. •
atirando pedrinhas na poça
Atirando pedrinhas na poça
1. Nós @s Cuncas, (igualdade de género
e modas são coisas a que damos muito valor). Esta da @rroba poder ser igualmente
masculina, cá os Cunc@s gostamos! Gostamos e passamos a usar, sim senhor@. Ao
menos assim cada qual pode ser coiso ou
coisa sem andarem “ p’raí “ a criticar a falta
de coerência entre a designação de género e
o género propriamente praticado.
Sempre que a “língua” acompanhe as tendências da evolução da sociedade, será
uma língua viva e, como agora se diz, activa e pronta a desbravar as mais recôndit@s
e inacessíveis cavernas da Humanidade.
Bem-haja por tal facilitação.
2. Ai querid@s (estão a ver como é práti-
co) neste tempo em que vos escrevo, neste
mês de Abril do ano d@ Senhor@ de 2008,
como é folgadamente do vosso conhecimento, (estamos na sociedade dele não é?)
a Páscoa veio cedo e o Carnaval seguiu-se
sem atrasos. São duas comemorações inseparáveis que devem ter sido inventadas
por algum político que precisava dos votos
“d´uns e d´outros”, beat@s e folgaz@es.
Vai daí, logo após o período austero do jejum, da abstinência e da concentração e reza, para compensar, venha a exposição da
carne bem despida e a alegria desinibidora
de preconceitos pecaminosos diluídos em
vapores inebriantes de álcool, ritmo e cor;
venha a libertação das penitências da Páscoa, venha o Carnaval!
3. Cá para o Abel, tal como já vos disse o
ano passado, este é um período enevoado,
rolo por estas ravinas e vales meio zonzo,
aos encontrões com a “concaria” cá destes
leitos húmidos em que vamos existindo. As
comezainas encadeiam-se umas nas outras,
ainda os alívios da última não chegaram, já
abarroto com outra! O que nos vale, são os
arezinhos frescos desta quadra; celebrações
religiosas, pagãs e outras assim-assim, todas
elas pretexto para beber mais uns líquidos
e esquecer o que p´raí vai e vem… dizem
tanta coisa que até nós, sólidos e rij@s como somos, andamos muito aflitinh@s com
os rumores… coisas difíceis de entender.
Ora ponham lá o vosso “callcenter”para
funcionar e matutem nas nossas aflições:
As ameaças são muitas, parece que, segundo pude ler num dos mais oficiais
órgãos de comunicação da paróquia, cá
pelas terras do falecido Wamba até o futebol já anda com a “corda ao pescoço”!
Já pensaram… se este nobre desporto fosse jogado com umas “cuncas” bem redondinhas, a consistência das ditas acabaria
por ser muito mais eficaz que os papelinhos vermelhos enviando para fora dos
campos, “ desta para melhor”, muito mais
praticantes, proporcionando espectáculos
mais apelativos, com mais daquilo que até
arrepia os pelinhos, com maiores receitas
e uma muito maior rotação de artistas, o
que ajudaria em muito, a combater a taxa
de desemprego!
4. Por outro lado, andamos aflitos com as
incertezas das obras ali p´rós lados do Vale
Morão, nem sabemos para onde mudar, para nos livrarmos do afogamento anunciado… Alvito para cima, Alvito para baixo, e
@s cuncas da tribo dos Ocreza, nossos parentes, rolam em sobressaltos, sem descanso. Um dia destes (já anunciaram) querem
ir entulhar as docas, para ver se encontram
um pagador das promessas feitas, capaz de
explicar o entaramelanço da coisa.
5. Depois, aparecem coisas que nem aos
Cuncas se nos vêm ao toutiço, o aluno
preso ao aquecimento da escola pelo professor – disseram que era “para derreter”,
como medida contra a obesidade! E lá no
“Entroncamento” da BIS, mais conhecido
por Alcains, segundo o mesmo “Órgão”, há
mais fenómenos…
Por ali nem só os cereais aumentam, veja-se
a tal couve gigante, mais de 5 metros de talo…
que grande talo!
Já me vou, rio acima, até à sombrinha da
ponte do Ponsul, que estamos a chegar
ao Verão. Alevanta-se o Sol e nós ficamos
p´ráqui capazes de estrelar ovinhos.
Até Junho. Andem pela sombra e talvez nos
encontremos.
Sempre devotadamente vosso, só para algumas coisas, já se vê.
Abel Cuncas
Castelo de Peña Fiel - Espanha
Nesta edição destaca-se:
Tribuna da Cidadania
Virgínia Sereno: A Cidadania exercida com alegria…
04
“Sempre fui uma pessoa do verbo ir. Sempre tive apetência pelo que é novo. – Se é novo… então vamos lá a ver no
que é que dá! Claro, é preciso ir, a gente vai!”
Grande Tema
Cooperação e Desenvolvimento Local – Mitos e Realidades
11
“[...] embora saibamos que as boas práticas de cooperação estão longe de ser uma realidade generalizada nas intervenções de Desenvolvimento Local, e por isso, defendemos a necessidade de continuamente insistir na pedagogia da acção conjugada, na importância de combater o protagonismo individualista, nas vantagens decisivas de
agrupar, juntar, unir, coordenar esforços, e… evitar os perigos fatais do isolamento, da acção pessoal isolada pelo
segredo, da tentativa de desunir para reinar, da falta de concepção, programação e execução conjuntas, etc”.
Ao Sabor da Pena
Pontes para uma ruralidade renovada
33
“É importante que os territórios se abram ao mundo, mas de forma organizada e inteligente. Diferenciada. O que
quer, desde logo, significar a definição de uma estratégia e de um projecto claro com prioridades estruturadas. A
ideia não é apanhar o primeiro autocarro que passe. Pode muito bem ir numa direcção que não sirva o nosso interesse. Se a cooperação é, manifestamente, uma porta aberta para uma ruralidade renovada, importa, de igual
modo perceber, que, para isso, é fundamental, paralelamente, colocar as áreas rurais em posições que lhes permitam filtrar as oportunidades que vão surgindo” – Domingos Santos
Teorias e Práticas do Desenvolvimento Local
Como reconhecer onde e como acontece o Desenvolvimento Local
39
Do Director
Assim o “DL” e as suas práticas, muitos evocados e teorizados, continuam na “abstracção”, raramente utilizados
como marca distintiva das iniciativas desenvolvidas segundo os seus princípios e fundamentos.