Neuroquímica dos sentidos

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Neuroquímica dos sentidos
A QUÍMICA E OS SENTIDOS 1 – PALADAR E OLFATO
INTRODUÇÃO
Olá! Nossa viagem começa por dois sentidos fundamentais para os
seres humanos: o paladar e o olfato. Quem não se maravilha diante do odor
de uma fruta madura, do sabor de um prato bem temperado, do aroma de
um bom vinho? Todas estas sensações são provocadas por moléculas que
ativam células do nosso sistema nervoso, e essa ativação depende da
estrutura química dessas moléculas e de suas propriedades físico-químicas,
como a volatilidade e a solubilidade em água.
Então, aproveitaremos esse tema para conhecer e aprofundar nossos
saberes sobre a Química Orgânica: vamos estudar como as características
estruturais determinam as propriedades físico-químicas e relembrar como
dar nome aos compostos orgânicos. Mas, acima de tudo, buscaremos
contextualizar os temas abordados, para que a Química Orgânica, ao invés
de ser uma sucessão chata de conceitos abstratos, possa ser relacionada
com
nosso
cotidiano.
Buscaremos
mostrar
a
você
as
múltiplas
oportunidades de combinar os saberes da Química com os de outras
disciplinas, desde Física até Artes e Religião. Na verdade, não há disciplina
que não possa interagir com a Química, pois esta é, como diz o título de um
livro, a ciência central.
Você verá, ao longo do curso, que as aulas possuem muitos links,
alguns de receitas (que você pode usar em sala de aula!), outros de
informações adicionais e alguns de textos científicos. Leia o máximo que
puder, mas você é que decide até que ponto irá se aprofundar. O caminho é
seu! No final, teremos também uma aula sobre experimentos que você
pode realizar com seus alunos para despertar neles a mesma paixão pela
Química
que
eu
e
você
compartilhamos.
Química
é
uma
ciência
experimental, e só o experimento pode revelar sua natureza... não tenha
medo de ousar!
Espero que os temas abordados despertem seu interesse e que
possam ser levados para a sua sala de aula. E não deixe de nos dar o
retorno do que você achou do nosso curso. Siga em frente e... bom
apetite!!!
NEUROQUÍMICA DOS SENTIDOS
OBJETIVOS
Os objetivos desta aula são:
•
apresentar a neuroquímica dos sentidos clássicos (paladar,
olfato, audição, visão e tato);
•
apresentar
os
mecanismos
de
transmissão
do
nervoso;
•
propor temas interdisciplinares para desenvolvimento.
impulso
OS CINCO SENTIDOS
Você, todo dia, entra em contato com o mundo externo, ou seja, tudo
aquilo que está além dos limites do seu eu. Esse contato é feito através dos
sentidos, que nos seres humanos são definidos classicamente, desde
Aristóteles, como cinco: olfato, paladar, visão, tato e audição. É através das
sensações captadas por eles que nos relacionamos com o ambiente ao
nosso redor, permitindo que nos adaptemos e sobrevivamos.
No Museu da Idade Média, também conhecido como Museu de Cluny,
em Paris (França), há uma série de seis tapeçarias, datadas do século XV,
denominadas A Dama e o Unicórnio. Cinco delas são dedicadas aos cinco
sentidos, uma para cada um.
Observe cada uma delas:
O olfato é o mais primitivo dos cinco
sentidos, uma vez que o rinencéfalo
(rhino, nariz, en, dentro, cephalos,
cabeça),
que
contém
as
estruturas
responsáveis pelas sensações do olfato
e do paladar e pelo controle de funções
vegetativas, faz parte do paleocéfalo.
Diretamente
límbico,
http://www.museemoyenage.fr/homes/home_id20393_u1l2.htm
associados
que
controla
ao
as
sistema
respostas
emocionais do indivíduo, os odores
promovem reações instintivas muito
fortes
–
normalmente
respostas
binárias, como sim ou não (atração ou
repulsão).
O
olfato
é
menos
desenvolvido nos humanos do que em
outros animais, como os cães, que por
isso são empregados na detecção de
substâncias
locais
químicas
públicos
transporte.
e
proibidas
em
meios
em
de
O paladar é o sentido do sabor dos
materiais que entram em contato com
as papilas gustativas localizadas na
língua. É um sentido extremamente
associado
quando
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ao
olfato;
estamos
com
muitas
vezes,
esse
sentido
comprometido (por exemplo, durante
uma gripe), fica alterada a sensação do
sabor dos alimentos. Tanto o olfato
quanto
o
paladar
podem
ser
classificados como sentidos químicos,
porque ocorre uma interação direta
entre as substâncias químicas e os
receptores presentes no nariz e na
língua.
A visão é, na verdade, um conjunto de
dois sentidos: o sentido de percepção
da cor e o sentido da percepção da
luminosidade. Ainda que não seja um
sentido
químico,
por
não
haver
interação entre substâncias químicas e
receptores protéicos específicos, este
sentido
http://www.museemoyenage.fr/homes/home_id20393_u1l2.htm
depende
das
propriedades
eletrônicas dos compostos presentes
naquilo que é visto, pois estas irão
determinar
as
propriedades
de
absorção de radiação luminosa desses
objetos
e,
conseqüentemente,
irão
determinar as propriedades da radiação
que emitem ou refletem – que é o que
os olhos detectam.
O tato é um sentido de mecanocepção,
ou seja, de percepção de estímulos
mecânicos, especialmente de pressão,
sobre o maior órgão do corpo humano:
a
pele.
Existem
diversos
tipos
de
receptores do tato, cada qual capaz de
diferenciar sensações específicas, como
toques leves e toques fortes, entre
outros.
http://www.museemoyenage.fr/homes/home_id20393_u1l2.htm
Há
ainda
temperatura,
a
percepção
com
de
receptores
específicos para as sensações de calor
e frio. Embora classicamente incluída
no sentido do tato, esta percepção de
temperatura é hoje considerada um
sentido diferente, a termocepção.
Assim
como
a
visão
e
o
tato,
a
audição é um sentido físico, ou seja,
independe da interação entre moléculas
e receptores no organismo. Ela consiste
na percepção da alteração da pressão
que as ondas mecânicas do som fazem
sobre
membranas
presentes
nas
estruturas dos ouvidos. O som também
é percebido pelo sentido do tato; sons
http://www.museemoyenage.fr/homes/home_id20393_u1l2.htm
que não estimulam a audição humana
(fora da faixa entre 9 a 22.000 Hz)
podem ser percebidos pelo sentido da
mecanocepção.
Atualmente, essa definição clássica de cinco sentidos é contestada.
Nos humanos, por exemplo, existem outros sentidos, como a nocicepção
(percepção da dor) e a propiocepção, que é a percepção de seu próprio
corpo e da localização espaço-temporal de cada uma de suas partes. Outros
animais
possuem
sentidos
inexistentes
em
humanos,
como
a
magnetocepção (percepção do campo magnético terrestre), de aves e
insetos, e a eletrodetecção (percepção de campos elétricos), encontrada em
peixes e em mamíferos da ordem Monotremata, como o ornitorrinco.
ESTRUTURA DO NEURÔNIO
Você já viu que existem seis tapeçarias da série “A Dama e o
Unicórnio”. Enquanto cinco delas tratam dos cinco sentidos clássicos, a
sexta tapeçaria foge a essa proposta. Ela é denominada Meu único desejo, é
a frase que está escrita na tapeçaria. Seu significado tem despertado
inúmeros debates, e uma das propostas para explicar seu significado é de
que ela trata da capacidade humana de ir além dos sentidos, ou seja, da
capacidade de integrar essas sensações primárias e criar aquilo que
denominamos conhecimento. Assim, conhecer é apreender a realidade
externa a nós e criar modelos do mundo real em nossas mentes.
http://www.musee-moyenage.fr/homes/home_id20393_u1l2.htm
Esta integração das sensações é realizada no encéfalo, que é parte do
sistema nervoso central. Clique na figura a seguir para aprender mais sobre
a estrutura do sistema nervoso dos mamíferos.
O tipo de célula presente em todo o sistema nervoso é o neurônio.
Conheça mais sobre a estrutura desta célula clicando na figura a seguir:
Como você pode observar, o neurônio transmite a informação através
de uma corrente elétrica que se propaga ao longo de sua membrana
plasmática. Relembrar a estrutura da membrana plasmática:
Em células eletricamente excitáveis, como os neurônios, a membrana
plasmática é capaz de conduzir um impulso elétrico pela geração de uma
diferença de potencial entre o meio interno e o meio externo (intra e
extracelular). Essa diferença de potencial é gerada pela acumulação de íons
de cargas opostas em cada uma das faces da membrana, o que é possível
devido à permeabilidade seletiva da membrana para os diferentes íons.
TRANSMISSÃO DO IMPULSO NERVOSO
Como você já viu, a transmissão do impulso nervoso ao longo da
membrana plasmática depende de etapas subseqüentes de despolarização e
repolarização. Observe esse processo com mais detalhes:
Esse processo se propaga ao longo da membrana plasmática até
chegar à sinapse. Veja como é a sua estrutura:
Nesse ponto, não há contato físico direto entre o neurônio présináptico e a célula pós-sináptica (outro neurônio ou uma célula efetora).
Como essas duas células irão se comunicar?
Nos organismos vivos, a conversação entre duas células é de
natureza química, e o vocabulário empregado são os mediadores químicos.
Observe os tipos de diálogos que as células podem ter:
Repare que o diálogo entre o neurônio pré-sináptico e a célula póssináptica é feita pela liberação de um neurotransmissor, que se difunde na
fenda sináptica até se ligar ao seu receptor pós-sináptico, que é uma
proteína
capaz
neurotransmissor.
de
De
reconhecer
que
forma
seletivamente
a
mensagem
a
estrutura
carreada
por
desse
este
neurotransmissor atinge o interior da célula pós-sináptica, se essa ligação
com o receptor se dá na face externa da sua membrana celular?
Essa mensagem pode ser passada para o interior da célula através de
dois processos diferentes. O primeiro deles envolve a formação de segundos
mensageiros intracelulares, promovida pela ligação do neurotransmissor ao
seu receptor. Veja como isso ocorre:
O segundo tipo de processo que pode ocorrer para levar a informação
do neurônio pré-sináptico para a célula pós-sináptica é através da mudança
da concentração de certos íons nesta última. Isso é mediado pela abertura
ou fechamento de canais iônicos acoplados aos receptores:
É dessa forma que as sensações percebidas nos órgãos dos sentidos
são conduzidas até o nosso cérebro: elas geram um impulso nervoso, que
será conduzido por neurônios até o SNC, onde a informação será
processada e, caso necessário, uma resposta será enviada aos diversos
órgãos do organismo, agora seguindo o caminho inverso: um impulso será
disparado do SNC e será conduzido por neurônios até as células efetoras.
Por exemplo, quando sentimos o odor e o sabor dos alimentos, esta
informação, depois de processada pelo cérebro, disparará a secreção salivar
e a secreção de suco gástrico, entre outros efeitos.
Os neurotransmissores podem ser excitatórios, ou seja, podem
excitar a célula pós-sináptica, ou podem ser inibitórios. É o balanço entre
esses
neurotransmissores
que
regula
o
funcionamento
normal
do
organismo; o desequilíbrio na produção de algum deles pode gerar doenças
muito severas, como o Mal de Parkinson.
NEUROTRANSMISSORES
Um grande número de neurotransmissores localizados no SNC
pertence
à
classe
das
aminas
biogênicas,
como
a
norepinefrina
(noradrenalina), a dopamina, a histamina e a serotonina. A biossíntese
desses
compostos
se
dá
principalmente
pela
descarboxilação
de
aminoácidos, podendo ocorrer também oxidação de anéis aromáticos, com
conseqüente introdução de hidroxilas fenólicas. Todos os receptores de
aminas biogênicas são acoplados a proteínas G.
OH
NH2
HO
NH2
HO
HO
HO
Norepinefrina
Dopamina
NH2
NH2
HO
HN
N
N
H
Serotonina
Histamina
A serotonina, também conhecida como 5-hidroxitriptamina (5-HT), é
biossintetizada a partir do aminoácido L-triptofano. Até o momento, foram
identificadas
sete
subfamílias
de
receptores
serotoninérgicos;
essas
subfamílias podem ser divididas em diferentes populações de receptores.
Por exemplo, a subfamília 5HT1 é constituída por 10 subtipos de receptores.
Os receptores 5HT1A estão localizados em alta densidade no hipocampo,
amígdala, septo e sistema límbico. Esses receptores estão envolvidos no
controle
da
ansiedade,
depressão,
agressividade,
impulsividade
e
alcoolismo. Outros receptores serotoninérgicos parecem estar envolvidos
com o controle da depressão e de quadros de psicose, como os subtipos 2A,
3, 5, 6 e 7, enquanto o subtipo 4 parece estar envolvido com os processos
de aprendizagem e memória e presente em baixo número em pacientes
portadores do Mal de Alzheimer.
Desde o final da década de 1920 havia indícios de que a adenosina e
seus nucleotídeos (AMP, ADP e ATP) atuavam como neurotransmissores no
SNC e em órgãos periféricos, modulando ações como o controle da pressão
arterial e contração intestinal. Somente na década de 1970 foram
identificados dois tipos de receptores purinérgicos, os receptores P1 (maior
afinidade para adenosina) e P2 (maior afinidade para ATP). Atualmente são
conhecidos quatro receptores de adenosina (A1, A2A, A2B e A3), acoplados a
proteínas G, sete receptores para nucleotídeos (AMP, ADP, ATP e UTP) do
tipo P2X (P2X1 a P2X7), acoplados a canais iônicos, e pelo menos sete
receptores do tipo P2Y, acoplados a proteínas G. Os receptores purinérgicos
têm demonstrado um papel fundamental no controle de diversas funções do
SNC, atuando nos processos epilépticos e neurodegenerativos, na indução
do sono, na doença de Parkinson e nos quadros de psicose; nestes dois
últimos, seus efeitos demonstram ser indiretos, através da modulação de
receptores dopaminérgicos.
A acetilcolina (Ach) é um neurotransmissor envolvido nos processos
cognitivos e de manutenção da atenção no SNC. Seus efeitos são mediados
por dois tipos de receptores: um acoplado à proteína G, de alta afinidade
pela muscarina (receptor muscarínico), e outro ionotrópico e de alta
afinidade pela nicotina (receptor nicotínico).
O
O
N
+
HO
Cl
N
+
Cl
H
N
Acetilcolina
(cloreto)
Nicotina
(cloridrato)
N
+
O
Muscarina
(cloreto)
Átomos e ligações que se correspondem em cada estrutura
encontram-se marcados com cores específicas: em azul, átomo de
nitrogênio quaternário; em vermelho, sítio doador de elétrons para
ligação hidrogênio; em verde, cadeia espaçadora entre eles.
Cl
Três aminoácidos desempenham um papel fundamental nos processos
de transmissão sináptica rápida: o glutamato (excitatório), o ácido gamaaminobutírico (ou GABA) e a glicina (inibitória).
H
CO2H
CO2H
N
H
H
H
H
H
Ácido glutâmico
GABA
CO2H
N
CO2H
N
Glicina
O ácido glutâmico (glutamato) é um neurotransmissor excitatório
amplamente distribuído, presente em mais de 50% do tecido nervoso.
Possui papel fundamental no desenvolvimento do tecido nervoso e é
responsável por sua plasticidade no sistema nervoso amadurecido. Está
diretamente relacionado aos processos de aprendizado e memória, bem
como no desenvolvimento de diversas patologias neurodegenerativas. Já o
GABA e a glicina são neurtotransmissores inibitórios, e estão envolvidos
com a ansiedade e a epilepsia.
Um
grande
número
de
neuropeptídeos
também
atua
como
neurotransmissores no SNC, como os opiáceos endógenos, os hormônios
hipotalâmicos,
as
taquicininas
e
as
melanocortinas.
Vários
destes
neuropeptídeos demonstram estar associados a certas patologias do SNC e
ligantes específicos de seus receptores vêm sendo desenvolvidos como
candidatos a novos fármacos. Por exemplo, antagonistas do receptor NK1
da
substância
P
apresentam
atividade
antidepressiva
e
ansiolítica.
Receptores de colecistoquinina e de melanocortinas também têm sido
estudados devido a seus papéis no controle da depressão endógena. Este é
um campo rico e ainda relativamente pouco explorado no tratamento de
distúrbios e patologias do SNC.
O OLFATO
Como você já viu, o olfato é provavelmente o sentido mais primitivo
dos animais. A sensação do odor surge quando moléculas voláteis, que são
carreadas pelo ar até o interior do nariz, dissolvem-se no muco presente na
cavidade
nasal
e
então
interagem
com
receptores
localizados
nas
terminações nervosas do epitélio olfativo, que difere do epitélio respiratório;
este não é inervado nem participa da aquisição das sensações olfativas.
Clique na figura abaixo para ver um vídeo sobre o olfato.
Os receptores do epitélio olfativo possuem alta especificidade de
interação com as moléculas (ligantes) que causam a sensação de odor; essa
interação promove a produção de AMP cíclico no neurônio, mas, neste caso,
esse segundo mensageiro não irá fosforilar proteínas citoplasmáticas, mas
promoverá a abertura de um canal iônico, o que levará à despolarização
desse neurônio. Esse impulso elétrico será conduzido pelo axônio neuronal
até o encéfalo, chegando a áreas como a amígdala (envolvida com a
resposta emocional ao odor) e o hipocampo (envolvido com a memória).
Os seres humanos, ao longo da evolução, tiveram diminuição da sua
capacidade olfativa, em comparação com outros animais. Os cães, por
exemplo, possuem uma área de epitélio olfativo aproximadamente 10 vezes
maior, além de possuir um maior número de receptores por área. Mesmo
outros primatas possuem o sentido do olfato mais desenvolvido que os
humanos; parece que mutações em genes específicos são a causa dessa
diferença. Os estudos sobre a evolução dos primatas indicam que o olfato
perdeu, para a visão, o lugar de principal sentido para permitir realizar as
tarefas que garantiriam a manutenção da espécie, ou seja, obter alimento e
acasalar.
Os cães são animais macrosmáticos, enquanto os primatas, como os
gorilas, são microsmáticos. Os cetáceos, como a baleia, são
anosmáticos, por não possuírem aparelho olfativo.
Como ocorre com tantos outros temas, o sentido do olfato também se
tornou alvo de experimentos pseudocientíficos. Algumas pessoas afirmam
possuir “habilidade” paranormal de sentir odores de lugares distantes
(olfato remoto), não só no espaço, mas também no tempo! Entretanto,
quando submetidos a ensaios controlados, não conseguem provar esta
“capacidade”. Este é um bom tema para você discutir com seus alunos: a
diferença entre ciência e pseudociência.
O PALADAR
O paladar é o sentido que detecta o sabor daquilo que comemos, ou,
de forma mais geral, daquilo que entra em contato com as papilas
gustativas presentes na língua. Essas papilas são formadas por células
sensoriais
que
interagem
com
moléculas
presentes
no
alimento
e
dissolvidas na saliva ou nos líquidos presentes na boca, gerando um
impulso
que
será
conduzido
até
o
encéfalo.
Existem
quatro
tipos
comprovados de papilas gustativas, responsáveis pelas sensações de doce,
salgado, amargo e azedo (ácido), mas há discussões sobre a existência de
outros tipos, que seriam responsáveis pela sensação de sabor de carne
(umami) e pelo sabor associado a ácidos graxos como o ácido linoleico
(presente no óleo de girassol, na forma de triglicerídeo). O umami, por sua
vez, seria provocado por ácido glutâmico, um aminoácido dicarboxílico que
também atua como neurotransmissor no SNC, além de ser empregado
como tempero para carnes (glutamato sódico). Os vários tipos de papilas
gustativas estão distribuídos por toda a língua, sendo pequena a diferença
de concentração desses diferentes tipos em cada região da língua.
Língua humana
Papilas gustativas de língua de macaco
(micrografia eletrônica de varredura)
Vários fatores afetam a sensação do paladar, como a idade, variações
hormonais, variações genéticas e sensoriais (olfato e visão). Um exemplo
de variação genética é a capacidade de sentir o sabor amargo da
feniltiouréia: cerca de 70% da população mundial é capaz de sentir seu
sabor, enquanto para os outros 30% ela é praticamente insípida. Essa taxa,
entretanto, varia em função da etnia da população; os ameríndios são os
mais sensíveis (98%). As mulheres também são, de modo geral, mais
sensíveis que os homens ao sabor desse composto.
X
H
NH2
N
X = S Feniltiouréia
X = O Dulcina (Feniluréia)
Entretanto, uma simples modificação na sua estrutura – a troca do
átomo de enxofre por oxigênio – gera a dulcina, um composto de sabor
doce. Isso parece estar envolvido com o tipo de interação entre esses
compostos e os receptores para sabores doce e amargo:
o
2,5 a 4 A
{
Y*
X H
Y
X H
Y
H X*
H
O
N
H
N
H
Y
X H
H
S
N
H
N
H
Modelo da interação entre o
Na dulcina, o
Na feniltiouréia, o
receptor (azul) e o ligante
oxigênio da
sítio complementar
(vermelho). O sítio X-H do
carbonila atua como
a X-H é uma
receptor atua como doador de
doador de elétrons,
tiocarbonila (C=S).
hidrogênio para ligação de
complementar ao
Como a interação
hidrogênio, enquanto o sítio Y
sítio X-H do
entre X-H e S é mais
atua como doador de elétrons.
receptor, enquanto
fraca que aquela
Quando as interações de X-H e
o NH2 atua como
entre N-H e Y, o
Y com seus sítios
doador de
sabor é percebido
complementares no ligante
hidrogênio
como amargo.
possuem forças semelhantes, o
complementar a Y
composto é sentido como doce;
no receptor. A
se uma delas é mais fraca que a
distância correta
outra, o sabor é percebido
entre esses grupos
como amargo.
e a igual força de
interação deles com
o receptor faz com
que a dulcina ative
a sensação de doce.
A necessidade de dissolução do composto em água para que seu
sabor possa ser sentido permite que possamos alterar a solubilidade de
uma substância para modificar seu sabor. Por exemplo, o cloranfenicol, um
antibiótico muito utilizado, é extremamente amargo, sendo, assim, difícil o
seu uso por via oral. Sua conversão em um éster de ácido palmítico
(palmitato de cloranfenicol) faz com que ele se torne insolúvel em água, e
assim seu sabor amargo praticamente não é percebido, o que permite seu
uso em formulações orais.
O
Cl
H N
Cl
11
O
O2N
OH
O
Palmitato de cloranfenicol
O paladar, como vimos, é bastante associado ao olfato. Além dos
receptores do paladar e do olfato, o sabor de um alimento também
dependerá da estimulação de receptores de frio, calor e dor, que são
atribuições
sensitivas
do
nervo
trigêmeo.
Assim,
é
o
conjunto
da
estimulação de receptores olfativos, papilas gustativas e receptores do
ramo mandibular do nervo trigêmeo que irá criar no cérebro a sensação do
sabor de um alimento. O uso contínuo de estimuladores dos nociceptores do
trigêmeo levará à sua dessensibilização, como ocorre quando usamos
continuamente pimenta na alimentação: depois de algum tempo, não
sentimos mais seu sabor. Em certas culturas, como a iorubá (da África
Ocidental), é comum dar pimenta às crianças desde a fase de colo, o que
permite que consumam grandes quantidades de pimenta quando adultos,
muito acima do que outras pessoas podem suportar.
O acarajé é uma comida de origem iorubá,
e bem temperado com pimenta!
Essa ativação do nervo trigêmeo explica também por que a pimenta
faz os olhos arderem: é a estimulação dos nociceptores do ramo oftálmico
do trigêmeo. Neste caso, a defesa do organismo é fechar os olhos, numa
resposta reflexa a essa estimulação do trigêmeo, para diminuir o acesso da
substância irritante ao órgão que está sendo agredido.
Isso também explica por que fechamos os olhos ao comermos algo muito
temperado com pimenta: a estimulação do ramo mandibular é registrada pelo
encéfalo, que responde com ações para as diversas regiões inervadas pelo
trigêmeo, como a dos olhos, onde a resposta é fechá-los.
O mentol e a cânfora, substâncias presentes em diversas plantas, são
capazes de ativar os receptores de frio do trigêmeo, o que justifica o seu
emprego em balas, outros alimentos e em pastas de dentes, visando a
causar a conhecida sensação de ”refrescância”.
OH
(-)-Mentol
O
Cânfora

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