a introdução e a domesticação de plantas no Brasil

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a introdução e a domesticação de plantas no Brasil
"
"-
ABOTA
CA E A POLITICA
IMPERIAL:
a introdução e a domesticação
de plantas no Brasil
WarrenDean
Bone Deus! Si Hispani et Lusitani
noscent sua bona naturae, quam
infelices essent plerique alii, qui non
possident terras exóticas.
diretamente sobre os
ecossistrmas
natu­
rais, moditicandoo()S e às vezes simplifi­
candQo()S drasticamente. O grande reino
neotropical da nature2JI foi as�im transfor­
mado para sempre.
Unnaeus
(Epistolae 1765)
Estes priu..,ires atos <Ao lembrados qua­
se sempre na> relatos históricos tio-6Ornen­
te em tennos de suas eventuais oonseqiiên­
s primeiras tentativas de coloniza­
-o portugt.esa ao longo da costa do
Brasil foram marcadas pela inlroduçáo de
um certo mlmuo de espécies de animais e
plantas domesticados que se encontravam
já aclimatados em Portugal ou nas suas
ilhas aUAnticas. Estas transferências foram
detenninadas no primeiro momento pelos
preconceitos dos invasores - eles simples­
uo:nte não gostavam da comida dos tupis.
O motivo era mesquinho, porém as conse­
qüências foram de enonne alcance. Estas
espécies exóticas domesticadas diversifi­
caram e aumentaram as fontes de nutrien­
tes disponíveis para a população humana,
pennitindo assim um eventual aumento da
sua densidade. Além disso, estas espécies,
e outras que se seguiram depois, atuaram
lo,Hisl«icos. Rio deJ.dr� Yà. 4, D."
P,cu
1991, p. 216-228
cias econOmicas. A inlroduçáo de espécie<!
de interesse co"o:mal deu illll'ulso 1 colo­
nização durante
OS
longos � em que
OS invasores, desvairados, se perdiam m'ma
busca de ouro e esmeraldas. A rentabiljd,­
de do açúcar e dos
couros
no
mercado
europeu fortaleceu os laços colonieis.
Além destes efeitos, deve ser lembrado que
a capacidade dos portugueses de detcnni­
nar
a transferência de plantas e animeis
suas
outras colônias foi uma das mais po..
do mesticados entre Portugal, o Brasil e as
dernsas
umas
do imperialismo lusitaoo.
Trata-se de um aspecto cri\ico da "conquis­
ta de culturas", na frase de George Foster,
na
qual OS e1eu>tntos culturais eram sele­
cionados pelos invasores de ,cordo com a
A IlOTÁNlCA EA POÚ11CAIMPER1AL
sua utilidade na manutenção e na amplia
po
do controle sobre a sociedade colonial.
217
mente decisivo no estabelecimento de
planJaliolls
nos climas tropicais, onde a
RecentementeAlfred Crosby desenvol­
problemática do parasitismo era muito
veu a idéia de um "imperialismo ecológi­
mais grave. Lembre-se que naqueles tem­
co".
pos nem a causa micr6bica das doenças era
Ele demonstrn que o sucesso dos
europeus nas regiões onde eles consegui­
conhecida, quanto mais as possíveis curas.
ram implantar suas colônias foi devido à
No Brasil, mesmo assim, OS exóticos en­
rápida e fácil reprodução de suas plantas,
contraram um cortejo impressionante de
animais e parasitas, que colonizavam os
invadidos mais efetivamente
inimigos nativos - a saúva, por exemplo que em muitos casos dificultou a aclimação
do que os próprios conquistadores. No
rápida. Evidentemente as condições ecoló­
Brasil, o açúcar e o gado foram instrumen­
gicas que governam a viabilidade de trans­
tos que permitiram aos portugueses inten­
ferências são complexas e especilicas.
ecossistemas
silicar a exploração dos indígenas.
En­
Em um sentido mais amplo e mais pro­
quanto o comércio permaneceu baseado
fundo, os portugueses, naqueles seus atos
no escambo de produtos nativos coletados,
de transferir plantas e animais economica­
não era possível sujeitar os índios a nenhu­
mente interessantes, estavam acelerando o
ma disciplina. Com o cultivo e a criação de
processo natural da cosmopolitização das
domesticados exóticos, sob o controle dos
floras e faunas terrestres, desvanecendo
europeus, começou porém uma coloniza­
assim a tendência à diferenciação e ao
ção base.da na ocupação lixa e segura e no
endemismo iniciada com a separação dos
processo de redução dos índios à condição
de escravos e servos?
É interessante acompanhar este proces­
continentes em tempos remotos. De fato,
a cosmopolitização já fora iniciada no con­
tinente com o surgimento do istmo do Pa­
so de reorgani2JIção da paisagem brasileira
e de desenvolvimento de novos recuJSOS
namá, uns dois milhões de anos atrás, que
ligou a América do Sul àAmérica do Nor­
agrícolas via domesticação de espécies sil­
te. E foi intensilicada quando os primeiros
vestres nativas e via aclimação de espécies
invasores humanos chegaram a este conti­
domesticadas exóticas. Ao longo da histó­
nente, uns
ria brasileira, os resultados destas experiên­
Nesta perspectiva abrangente, a segunda
cias influenciaram a posição que a colônia
invasão humana no Novo Mundo, a dos
e, mais tarde, o império independente con­
europeus, faz parte da universalização do
12 mil
anos antes do presente.
seguiram manter na economia mundial. O
domínio sobre todos os ecossistemas ter­
que é especialmente curioso é que estes
restres de um complexo humano-agro-pe­
resultados dependiam fu ndamentalmente
de p rocessos botânicos e ecológicos que
cuário acompanhado de todos os seus res­
pectivos parasitas e pragas.
No caso da
escapavam aos conhecimentos dos bomens
invasão européia da costa do Brasil, a cos­
até o presente século. Quase sempre, na
mopolitização a que se p rocedeu foi pan­
tropical. Aquelas plantas que se aclimata­
de uma planta exótica. Isto não é uma coin­
cidência, mas um fato essencial. A facilida­
de com que se aclimataram espécies exóti­
cas, livres das doenças e pragas co-evoluí­
das no seu habitat natural, diminuiu muito
os custos da produção. Se isto era impor­
tante no estabelecimento de cultivos ou
animais em c limas temperados, era real-
vam mais facilmente eram geralmente de
organização das planJations, o cultivo era
origem africana ou sul-asiática. Ass im os
portugueses atuaram como agentes da dis­
persão de floras que eram exóticas não
somente
Portugal.
fara o Brasil, mas também para
Um entrave óbvio à introdução d e n0-
vos cultivos na imensa e despovoada colô-
ESllJOOS IOSTÓRJOOS
218
nia brasileira (despovoada por causa da
destruição da população indígena com a
introdução de doenças também exóticas)
foi a possibilidade de basear a subsislência
e até o comércio no extrativismo. Uma
parte considerável do consumo da colônia
não era cultivada, e sim caçada e coletada.
Os materiais de construção e os combustí­
veis provinham de árvores silvestres. A
proteína que acompanhava o milho e a
mandioca no regime brasileiro vinha prin­
cipalmente da caça, e não de animais do­
mesticados. A pesca, a caça e a coleta de
plantas silvestres como goiaba, caju, ma­
mão e palmito forneciam boa parte da dieta
popular, inclusive dos habitantes das cida­
des. O país, afinal, foi batizado com o
nome de uma árvore da qual se extraía tinta
e que nunca chegou a ser plantada. Ocacau
e o algodão também eram, nos primeiros
séculos da colonização, produtos coleta­
dos e não plantados. Exportavam-se tam­
bém madeiras de lei, óleos de tartaruga e
peixe - que se misturavam com o breu na
construção naval -, animais vivos, peles e
penas de vários animais e pássaros, esto­
pas, cordagem, graxas, óleos e "drogas" quer dizer, plantas e essências medicinais,
.
.
. .
especlanas, ervas aromatlcas, resmas, go4
mas, ceras, cora otes e venenos.
,
Mesmo que os seus cronistas te nham
encetado o arrolamento de algumas espé­
cies cultivadas ou conhecidas pelos índios,
os esforços dos portugueses para racionali­
zar a colonização do meio ambiente não
foram impressionantes. Outros países aproveltaram as poucas lfuClallvas portuguesas.
O tabaco, por exemplo, plantado no Horto
Real de Usboa, em 1558, foi levado à
França pelo embaixador daquele país, um
certo Jean Nicot, e de lá provavelmente
•
•
•
•
•
para os países asiáticos. O relatório de Gar­
cia da Orta sobre as plantas cultivadas asiá­
ticas, publicado obscuramente em Goa em
1564, foi rapidamente tntduzido para o la­
tim também por um francês, e assim espa­
lhado entre a comunidade científica euro-
-
199118
péia. Teria sido economicamente muito
proveitosa para o reino a lransferência das
especiarias asiáticas para o Brasil: assim
leria sido reduzida a dispendiosa ad minis­
tração e transporte, para não falar do custo
em vidas! - uma oportunidade perdida ra­
ramente comentada nas histórias do impé­
rio asiático português. De fato, parece que
ao longo do século XVI sementes destas
plantas chegaram ao Brasil várias vezes. A
sua plantação, porém, foi proibida, para
manter o monopólio dos mercadores inte­
ress ados nas feitorias asiáticas. Por outro
lado, do Brasil foram transferidos para Goa
o mamão, a mandioca, a pitanga e o caju, e
para a África, a mandioca, o cará e a batata
doce. Como compensação parcial, o Brasil
receheu o dendezeiro e o i nhame , sob aus­
pícios incertos, mas possivelmente via São
s
Tomé.
A invasão do Nordeste pelos holandeses
marcou um segundo surto na dominação
colonial do meio ambiente brasileiro. Os
bolandeses trouxeram especialistas talento­
sos que produziram trabalhos sistemáticos
e detalhados de história natural. O maior
golpe da Companlúa das Índias Ocidentais,
além de transferir técnicas avançadas de
heneficiamento do açúcar para o Carihe, foi
a transferência do cacau, já cultivado em
plallla/ians na Venezuela espanhola, para o
Ceilão. A Companhia, porém, tomou a de­
cisão atrevida de plantar no Brasil as espe­
ciarias asiáticas, desafiando assim o mono­
pólio da Companhia das Índias Orientais,
que na mesma época já conquistara dos.
portugueses as feitorias cingalesas e indo­
nésias. Esta rivalidade entre as duas com­
panlúas foi uma causa indireta da derrota
dos holandeses em Pemarnbuco. Depois
da reconquista da colônia, os holandeses
ameaçaram Portugal com represálias se não
erradicasse as espécies cobiçadas, e parece
que durante algum tempo a nova e fraca
6
monarquia concordou.
Mesmo assim, a crise imperial produzi­
da pela tntnsferência dos segredos do he-
A BOTÁNlCA E A POUllCA IMPERIAL
219
neficiamento do açúcar para as ilhas do
das outras especiarias asiáticas foi rec0-
de especiarias levou os portugueses a in­
1670, a conveniência de
Macedo, o embaixador português em Pa­
ris. Ele foi avisado pelos ingleses de que
aquele momento simplesmente coletados.
As investigações de Macedo o levaram a
Caribe e pela perda do comércio asiático
vestigar, depois de
cultivar alguns dos produtos brasileiros até
O cultivo do cacau, nativo da Amazônia,
foi introduzido no Maranhão pelo jesuíta
Bettendorff em
1674.
O regente dom Pe­
dro tomou nota desta iniciativa, e também
do plantio da baunilha, e recomendou mais
esforços nesse sentido. Os governadores,
nos anos seguintes, montaram expedições
mendada em
1675, por Duarte Ribeiro de
eles já seguiam esta estratégia na Vuginia.
acreditar que não existia nenhum obstácu­
lo à aclimação no Brasil de espécies asiá­
tiOls.
a ele que devemos a primeira
É
notícia de que o café já tinha chegado ao
Brasil, bem antes de uma suposta transfe­
rência em
1727.
ra, amigo e
E o jesuíta Antônio Viei­
de Macedo,
para localizar e plantar especiarias, coran­
reclamou contra as proibições ao plantio
uma expectativa de que apareceriam plan­
tiveram seu efeito. A perspectiva deJucrar
asiáticas, um engano botânico da época
mércio dos rivais holandeses foi suficien­
tes e plantas medicinais nativas.
Houve
tas nativas com as mesmas qualidades das
muito difundido, aliás?
Já em
1671
el-rei sentiu-se suficiente­
mente seguro para encetar uma política
vigorosa em relação às especiarias asiáti­
cas, até aquele momento formalmente
proibidas no Brasil. A concorrência dos
comerciantes portugueses nas s"as poucas
colônias orientais caíra a níveis ínrunos, e
destas plantas no Brasil. Estes conselhos
com esta transferência e de arruinar o co­
temente atraente para justificar os custos e
os perigos. Desse modo, o príncipe regen­
te, em
1677,
ordenou ao governador de
Goa o envio de sementes de cravo, canela,
pimenta, noz mascada, e - curiosamente­
gengibre.9
OJidadosas remessas de sementes fo­
ram feitas nos anos seguintes a tndas as
a ameaça dos bolandeses não causava mais
capi tanias do Brasil e a Angola, Cabo Ver­
aos brasileiros enviar à metrópole o gengi­
mais prática quando a coroa permitiu esca­
te um fato consurnado - a existência da
planta proibida na colônia. O gengibre,
um rizoma subterrâneo que, ao que parece,
se aclimatou tão bem no Brasil que se
tomou quase silvestre, teria sido impossí­
vel de erradicar, e era muito comum na
colônia. Aliás, não existia um monopólio
do produto, uma vez que os espanhóis já o
de
espanto. Baixou-se um édito permitindo
bre, reconhecendo-se assim implicitamen­
haviam introduzido e comercializado na
e
de e São Tomé. Esta nova política ficou
las da frota asiática em Salvador, a partir
1671.
A canela foi especialmente difícil
de conseguir, porque os holandeses manti­
nham com desvelo o seu monopólio no
Ceilão. Em
1661 eles mandaram uma ex­
pedição à costa de Malabar, para destruir
todas as plantas dos seus concorrentes. No
Ceilão, rnantinham o preço alto, via limi­
tação da colheita. O cravo, nativo das Ilhas
Molucas, foi impossível de conseguir, lá
Quando o
os holandeses eram por demais receosos.
de Janeiro receberam a notícia da liberação
mentes, e mais as sementes de jaqueiras,
Jamaica entre
1525
1547.
governador c a Câmara Municipal do Rio
do gengibre, pois, foram diretamente à ma­
triz, para dar graças a Deus.8
É provável que o gengibre
tenha sido a
única especiaria que sobreviveu à antiga
proibição. Uma política de transferência
No Brasil, os jesuítas receberam estas se­
lnangueiras e açafrão. O cultivo da canela,
permitido finalmente a particulares em
1692,
foi difícil de iniciar. De fato, o as­
sunto não er. fácil para o governador de
Goa resolver. Lá a canela não era cultiva-
220
ESTUDOS I-DSTóRJC
da, mas oolet,da, como também o era no
Ceilão na época em que os portugueses o
,,,,,trolavam. Foram os holandeses que
rrtl"Íonalizaram o cultivo, melhorando as�
sim II produto. Alguns goenses suposta­
mente especialistas no ramo mandados à
Bahia não ajudaram muito. Uma tentativa
de contrabandear um cingalês especiali7JI­
do no ramo, empreendida por um padre
ilegalmente residente na ilha, fracassou.
Dessa forma, não foi Il'.alizado o objetivo
principal da conquista do comércio de es­
peciarias. Os morosos esforços das auto­
ridades coloniais para transferir especia­
rias gradativamente se perderam com o
descobrimento do ouro no Brasil. Uma
carta régia de 1731 oferecia isenção de
direitos alfandegários, mas não está claro
se houve alguma produção comerciali2li­
!O
vel n. época.
O começo do século XVlll, porém, foi
marcado pela emergência de novos e pode­
rosos instrumentos de intercâmbio de espé­
cies tropicais: o jardim botânico colonial e
o hcrbário. O herbário pemútiu o estudo
comparAtivo na Europa de espécimens se­
cos enviados de cada canto do mundo tro­
pical. Os jardins botânicos, formados em
redes centradas nas respectivas metrópoles,
facilitaram o intercâmbio de plantas entre
colônias tropicais e a sua aclimatação. Os
holandeses estabeleceram um jardim no
cabo da Boa Esperança em 1694, e os fran­
ceses fiuram o mesmo na ilha de Mauritius
em 1735 e na Guiana Francesa. A possibi­
lidade de gerar informações a respeito das
novas plantas para acompanhar as transfe­
rências com técilicas culturais testadas au­
mentou consideravelmente, como também
aumentou a capacidade de disseminar estas
informações entre os faundeiros poten­
ciais. Além disso, a investigação foi assim
colocada numa base científica, com maior
potencialidade de acumulação e sistemati.11
zação das informações
•
Em Portuga� sob o enérgico ministério
do marquês de Pombal, recomeçaram as
)S
-
1991J1
tentativas de aproveilCJ( mais racionalmen­
te os recursos botânicos do império, desta
vez com o apoio da ciência. Na segunda
metade do século xvrn era forte a pene­
tração em Portugal dos valores científicos
da llustração francesa, especialmente nas
ciências naturais. Em 1764 o hábil botâni­
co paduano Domenico Vandelli foi contra­
tado pela Universidade de Coimbra, onde
começou a formar a próxima geração de
naturalistas, na sua maioria brasileiros.
Passou a dirigir o Real Jardim e o Gabinete
de História Natural d'Ajuda. Entrou em
correspondência com amadores nas colô­
nias e com Linnaeus e outros botânicos na
Europa, e estimulou a organização de ex­
pedições botânicas e zoológicas. O traba­
lho de Vandelli ganhou força institucional
com a formação, em 1 n9, da Real Acade­
mia das Ciências de Lisboa. Foram orga­
nizados no Brasil alguns hortos ou jardins
botânicos - no Rio de Janeiro, em 1772,
ligado a uma sociedade científica patroci­
nada pelo vice-rei Lavradio; em São Paulo,
em 1779, mas este "não teve andamento'",
em Belém, em 1796, e em Salvado r e Ouro
Preto depois de 1802. Infelizmente, os
planos de estabelecer jardins em Macau e
Goa não foram concretizados. A socieda­
de carioca promoveu o cultivo do bicho­
da-seda, cocbonilha e índigo, e o Jardim
Botânico de Belém conseguiu da faunda
colonial La GabrieUe, na Guiana Francesa,
re messas de pimenta, canela, fruta-pão, do
muito desejado cravo, e possivelmente da
cana taitiana descoberta por Bougainville
e apelidada "caiena" no Brasil.12
Em 1786, Baltasar da Silva Lisboa, um
aluno brasileim de Vandelli, aprEsentou
uma memória sobre "a frlosofra natural por­
tuguesa'" rom "algumas reflexões" sobre o
Brasil, na qual recomendava o envio de
rraturalistas à colônia e aconselhava que
eles aprendessem com os índios, que c0nheciam plantas I1teis. Em 1789, um e_io
de Manuel Ferreira da Câmara, editado pela
Academia de Usboa, revelou os conselhos
A BOTÁNICA EA POÚ1lCA IMPEIUAL
de Duarte Ribeiro de Macedo, que até aque­
le momento nunca tinham sido publicados.
E Domingos Vandelli, na mesma época,
publicou uma revisão das informações ad­
quiridas dos seus correspondentes blllS ilei­
lOS a respeito dos produtos extrativistas
blllS ileiros,num evidente esfo� de avaliar
as vantagens de domwticá-Ios. 3
•
Olm a fundação de alguns jardins botâ­
nicos na colônia e o apoio à investigação
cient(fica oferecido pela Academia, o de­
senvolvimento botânico ganbou alguma
coordenação. Alexandre Rodrigues Ferrei­
ra foi encarregado da mis�ã o de transferir
sândalo e, nova".,nte, canela do Oriente.
José Olnêa da Serra [oi mandado a Lon­
dres, onde colheu, entre outras coisas, in­
formações a respeito de vários cultivos
coloniais dos ingleses, holandeses e fran­
ceses, e mandou para Portugal se.nentes de
várias plantas. Assim conseguiu-se uma
planta forrageira africana,já introduzida na
Jamaica, que no BllISil chegou a ser cha­
mada de "capim colonião". A pecuária no
BllISil, que sofria pela falta de g l3rníneas
nativas co-<lvoluídas com herbívolllS de
grande porte, lucrou bastante com esta in­
trodução. Introduziu-se também sementes
da teca da Índia, uma iniciativa esquecida
mas interessante, que possivelmente teria
oferecido uma fonte de madeira de lei de
rápido crescimento em regiões do BllISiI já
desmatadas. Novas remessas de canela
enviadas de Goa foram acompanhadas
desta vez com detalhados memoriais sobre
os métodos de cultivo. E uma expedição
técnica, liderada por Hipólito José da Ols­
ta Pereira, foi enviada aos Estados Unidos
para investigar todos os ramos da produ­
ção, inclusive a agricultura, e para desco­
brir melhoramento> que podiam ser trans­
feridos para Portugal e para o BllISil. De
lá chegaram, via Lisboa! s"".,nles de taba. . .
co vuguuano em 1799. 4
•
Estas iniciativas científicas caminha­
vam paralelas com outras medidas oficiais
de estímulo a produtores. Ficou abolida a
•
221
exclusividade da exportação de tabaco,an­
teriormente outorgada a Salvador. O arroz
e o trigo, já aclímatados no BllISiI, ganha­
ram isenções de direitos na esperallÇll de
que pudessem suprir a aw;trópoJe,cuja pro­
dução era sempre deficitária. O cânhamo,
que fornecia a ".,lhor qualidade de corda­
gem para a construção naval,já introduzi­
do sem sucesso mllltiplas vezes no BllISil,
finalmente vingou em Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. Agora a ciência e a atuação
oficial funcionavam juntas. O anil, deriva­
do de várias espécies delndigofera, era um
produto produzido tradicionalmellte na
América Central e na índia, e foi transferi­
do para São Domingos, Luisiana e Guiana
pelos franceses, e Jamaica e Carolina do
Sul pelos ingleses. A planta era nativa da
costa blllS ileira, e bem conhecida dos ÚI­
dios por seu uso tintorial, mas nunca foi
plantada por eles. Otriósamente esta in­
formação não chegou aos colonos, uma
vez que, em 1689, o governador da Bahia
pediu remessas de sementes do índigo da
lndi a!
A planta foi domesticada sob o pa­
trocínio da Academia Científica do Rio de
Janeiro, as técnicas de beneficiamento fo­
ram ensinadas, e a sua comercialização foi
promovida pelo vice-rei. Até 1779 as ex­
portações blllSileiras de anil satisfizeram o
1S
mercado português.
A descoberta mais curiosa daquela épo­
ca, aliás, foi a da cochonilha. Um belo dia,
UJIloficial do exército espanbol mostrou ao
seu colega português, na comissão de fron­
teira entre Paraguai e BllISiI, urna cactácea
de que ele se lembrava, dos tempos em que
estava aquartelado 00 México. Disse que
lá a planta era parasitada por u m bicho que
os inexicanos coletavam para produzir
uma tinta vermelha muito ap.eciada. O
oficial português, Mauricio da Olsta, de
volta ao Rio de Janeiro, onde era a.,mbro
da Academia, procurou este cado e encon­
trou o mesmo inseto valioso. Informou o
vice-rei Lavradio, que, entusiasmado, ore-
•
222
FSruDOS msTÓRlOOS -1991A
receu incentivos a potenciais produtores
brasileiros.!6
O cacau, o índigo e a cocbonilha ofere­
cem contrastes interessant es entre as expe­
riências de domesticação das colônias es­
panholas e portuguesas. As três plantas
eram todas nativas, mas somente os mexi­
canos as cultivavam, e parece que os tupis
nem conheciam o uso da tuceira. Eviden­
temente, os espanhóis, ao domesticar pri­
medo os povos por eles subjugados, obti­
veram uma forte vantagem na rápida co­
lne..
cia1ização de tais produtos. Por outro
lado, parece que os colonos evidenciavam
o que um botânico brasileiro mais tarde
denominou "inércia", ao fechar os olbos
"de propósito" a plantas tão ubíquas como
o índigo. O cacau continuou sendo coleta­
do na Amazônia, um procedimento dis­
pendioso que R odrigues Ferreira estra­
nhou. O cacau transferido para a Bahia no
século anterior já se havia tornado silves­
tre, e também era coletado!!7
Os esforços oficiais se multiplicarain
nas 1lltirnas décadas do século xvm. O
ministro Rodrigo de Souza Coutinho era
especialmente atento às possibilidades de
domesticar e transferir espécies. Mandou
que os governadores no Brasil enviassem
amostras das madeiras nativas com indica­
ções dos seus usos e que se contratassem
jardineiros peritos para colecionar e enviar
sell""ttes de espécies nativas de interesse
econômico, ou cultivadas ou silvestres, ao
Jardim da Ajuda. Manuel Ferreira da Câ­
mara foi mandado ao Brasil, encarregado
da coordenação destes esforços, inclusive
o de transferir os novos exóticos de Belém
para Salvador e Rio de Janeiro. Os gover­
nadores da Bahia reiniciaram as experiên­
cias do século anterior, de cultivo da pi­
mentein. e da caneleira, desta vez com
algum suresso. O plano ambicioso de
Souza Coutinho era publicar uma flora
"completa e geral do Brasil e de todos os
domínios de Portugal", porém os rccursos
humanos para empreender uma tarefa tão
imponente eram ainda escassos. As obras
botânicas mais importantes desse período
foram a Flora fluminense, do padre José
Mariano Conceição Veloso, e a viagem
amazônica feita por Rodrigues Ferreira en­
tre 1783 e 1792 Infelinnente, nem uma
nem outra destas importantes
ui
..s
chegou a ser publicada na época. 8
�
Conceição Velloso chegou a publicar,
porém, entre 1789 e 1805, uma série de
panfletos intitulada "O fazendeiro no Bra­
sil". Os textos resumiam informações em­
píricas sobre vários cultivos, e na sua maio­
ria eram traduções do inglês e do francês.
Entre OS autores brasileiros enco ntram-6C
Manuel de Arruda Câmara, que escleveu
sobre o algodão e mais tarde publicou um
estudo sobre plantas brasileiras que p0-
diam ser utilizadas como conlagem na
construção naval. Bemardo Antônio ao­
"... publicou na mesma época estudos
sobre a ipecacuanha (ou poaia -vma planta
medicinal), e sobre as caneleiras aclimata­
das no Rio de Janeiro.!9
1bdas estas iniciativas foram um mero
prelúdio ao programa de investigação em­
preendido depois da fuga da Corte para o
Rio de Janeiro. Em 1808, no terreno ocu­
pado por uma fábrica de pólvora ao lado
da lagoa Rodrigo de Freitas, foi eslllhele­
cido um jardim de aclimação. A sua fina­
lidade teria sido, além de introduzir novas
espécies, o plantio de madeiras aproveit{­
veis na construção naval e o melhoramento
das pastagens. Arruda Câmara recomen­
dou que fossem fundados jardins nas ou­
tras capitanias do Brasil. Achava que Por­
tugal já perdera muito tempo, e muito san­
gue, para manter um monopólio em favor
do seu império asiático, e insistia na supe­
rioridade da colônia sobre a metrópole em
termos de aptidão agrícola: se um pa&
podia florescer lOS
estéril como Portu
pés de uma monarquia boa, "como não
florescerá este, de sua natureza fértil!"
Uma charmosa inversão do preconceito
europeu contra a natureza neotropical, que
gal
A BOTÀNlCA liA POúnCA IMPfRIA.l...
chegou a ser considerada inferior na medi­
da em que a conquista dos seus habitantes
tomou- se mais sangrenta. Arruda Câmara
apresentou uma lista de espécies exótiOls
que seria útil transferir. A finalidade dos
janlins não era promover o meramente
agradivel; "o seu principal fim é o útil".
Possivelmente influenciado por este docu­
.!-ento, el·rei ordenou mais urnjardim, em
Pernambuco, em 1811. Para conseguir se­
m"ntes e espécimens para estas novas ins­
tituições científicas, o governo oferecia às
pessoas que as remetessem prêmios, me­
dalhas e isenção de impostos e de serviço
militar. Aparentemente, uma medida pro­
visória, talvez porque as comuniOlções
com as colônias asiitiOls e africanas se
20
encontrassem enfraquecidas.
A primeira rellKssa importante foi,
aliás, aleatória. Chegou ao Rio em 1809
um oficiai de Marinha, Luiz d' Abreu Viei­
ra e Silva. Captumdo pelos franceses nu­
ma viagem pelo Oceano fndico, fom leva­
do para a ilha Maurícia. Solto, conseguiu
obter sementes de virias espécies, inclusi­
ve de noz mosca da, diofo ra, manga,lichia,
abaOlte, e da palmeirn que viria a ser o
ornamento mais distintivo do Janlim Bo­
tânico do Rio de Janeiro. O abacate é uma
espécie centro-americana e é curioso que
tenha chegado ao Brnsil via uma ilha do
Oceano fndico -se éque esta foi realmente
a sua primeim introdução. Outro grnnde
momento foi a ocupação, em 1809, da
Guiana Fmncesa , em represilia à invasão
da metrópole. Souza Coutinbo, agora con­
de de Linbares e ministro da Guerra e
Relações Exteriores, estava decidido a pro­
mover a "ruína total" daquela colônia mes­
quinha; Arruda amara, porém, achou que
o seu janlim de aclimação em de grande
valor e devia ser preservado. De li os
portugueses trouxeram novamente a cana
caiena, a noz moscada, o cravo, a fruta­
pão, e quiçá a cammbola e a fruta-do-con­
de. É interessante que uma das remessas
tenha sido acompanhada por Paul Ger-
V3
maio, um francês que depois se tomou
diretor do Janlim Botânico de Olinda. Pa­
rece que o chi chegou ao Janlim Botânico
do Rio deJaneim em 1812, enviado porum
amigo de 1uiz d' Abreu que em senador em
Macau. Como não havia nenhuma infor­
mação a respeito do seu cultivo, o diretor
do janlim, general Carlos Antônio Napion,
procurou janlineiros chi,,= parn tomar
conta das plantas. Um grupo deles chegou
dois anos depois?!
Os diretores do Janlim Botânico do Rio
de Janeiro anima0'8m-se a conseguir espé­
cimens de plantas de potencial valor CC(}­
nômico: aparentemente contratamm cole­
tores itinemntes e publicamm, parn sua
orientação, conselhos sobre os métodos
adequados de embrulhar e despachar re­
II0'-SS8S e instruções sobre os relatórios que
deviam emitir. Estavam extremanw:nte in­
teressados em locali711r uma fonte douVs­
tiOl de quina, ou ciochona, a planta que
. .
.
22
smtehza qUlruna.
A fuga da familia real pam o Rio de
Janeiro, a chegada de diplomatas ueden­
ciados à Corte e a abertum dos portos
trouxeram como conseqüência o apareci­
mento na colônia, pela primeirn vez, de
naturalistas estrangeiros. Em contraste
dramitico com a polltiOl praticada ante­
riormente, de sigilo e exclusão, v4rios
cientistas fomm admitidos, associados a
missões diplomitiOls inglesas, austríaOls,
e, depois do término das guerras napoleô­
niOlS, até francesas. As realizações destes
naturalistas eram real"w:nte impressionan­
tes. O botânico Auguste de Saint-Hilaire,
por exemplo, durante sete anos de viagens
penosas e constantes por todo o sul e su­
deste do Brnsil, colecionou perto de mil
plantas, 2 mil pãssaros, e 6 mil insetos.
Saint-Hilaire, entre todos os "viajantes" o
mais interessado em botânica aplicada, pu­
blicou, entre outros estudos, uma lista de
plantas úteis, de potencial valor coflw:rcial,
e sugeriu o cultivo de virias espécies sil­
vestres. Parcialmente em resposta a este
•
224
ES1lJDOS lDS1ÚRIros
influxo de especialistas estrangeiros, João
VI autorizou em 1818 o restabelecimento
de um modesto museu de história natural,
predecessor do Museu Nacional, que ele
23
(echara sete anos antes.
Os incentivos reais 11 aclimação de es­
pécies exótiCJls e ao cultivo de espécies
nativas resultaram, na região da Corte pelo
numa horticultura bem mais diver­
sifiCJlda. O cultivo do chá, efetivamente
implantado pela primeira vez (ora da Chi­
na e do Japão, (oi ensaiado por vários
fazendeiros no sudeste do Brasil, mais no­
tadame/lte por José Aroucbe de Toledo
Rendon, que publicou um memorial sobre
o seu beneficiamento em 1834. Este pro­
duto, infeliwlente, não conseguiu aceita­
ção no merCJldo externo. Não se pode
alegar neste CJlSQ a concorrência de fazen­
deuos coloniais dentro dos impérios euro­
peus: o chá só veio a ser cultivado em Java
um pouco antes de 1839 e na índia em
1848. A imagem dos velozes veleiros
da épGCJl, os famosos clippers,
dobrando Cabo Frio numa busCJl desvaira­
da do chá da China, quando era possível
conseguir o mesmo produto muito mais
convenientemente, é realmente estranha.
Durante certo tempo pelo menos algumas
das especiarias - gengibre, noz mosCJlda e
cravo - chegaram a ser exportadas. O
índigo sumiu da lista de exportaÇÕes, pos­
sivelmente por CJlusa do aparecimento de
uma doença, noticiada na épGCJl -sempre
houve o perigo da explosão de algum fim­
go C<Hlvoluído nos cultivos nativos, ou
devido a muitas adulterações, que o gover­
no não sabia suprimir. Oauril A1den enfa­
tiza, porém, a enorme dificuldade que os
brasileiros experimentaram em manter os
seus novos merCJldos depois da paz de
Viena, que normalizou as rotas comerciais,
e depois da decisão da Companhia das
Índias Orientais de investir muito capital
na expansão da sua produção de índigo,
el iminando assim todos os produtores no
24
hemisfério Oeste.
-
199111
A cana ucaiena", que se mostrou bem
mais produtiva no Caribe, não foi aceita
em grande escala no Brasil, pelo menos até
o fmal do século. Possivelmente trata-se
de uma evidência de pre(erencia pela roti­
na, mas a CJliena também era di(ícil de
beneficiar nas engenhocas por causa da
grande quantidade de bagaço que produ­
zia. Como a lenha não fazia falta na maioria das fazendas brasileiras, esta qualidade
não era economiCJlmente atraente. O inte­
resse na introdução de nOvas variedades
não se apagou, porém: por volta de 1850
chegou de Java olltra variedade de CJlna, a
•
risCJlda ou batava. Curiosamente, o produ­
to mais importante na pauta de exportaÇÕes
do novo império - o café - não (oi objeto
de grandes cuidados oficiais. O café foi
transferido para o Nordeste bem antes de
qualquer iniciativa real, e durante muito
tempo foi um produto vendido à metrópole
em pequena escala. O seu peso no comér­
cio começou a aumentar somente depois
da chegada da planta ao Rio de Janeiro, nos
meados do século XVII1, mas ainda assim
demorou muitos anos a ser aceito pelos
lavradores. Há notícia da captura pela ma­
rinha portuguesa, em certa OCJlsião, de se­
mentes de café mOCJl, mas não é certo se
esta remessa chegou a ser plantada. O
sucesso que o café começou a experimen­
tar nos mercados europeu e americano evi­
dentemente compensou em grande parte
os fracassos com os outros cultivos, mas o
Brasil estava mais uma vez a caminho de
25
uma monocultura arriscada.
Os jardins hotâniros, depois da partida
dos portugueses, viraram rapidamente me­
ros passeios públicos, ainda que ao lado da
lagoa Rodrigo de Freitas os jardineircl
chineses continuassem por alguns anos
cuidando do seu chá. Estes exilados, coi­
tados, nunca conseguiam beneficiar as fo­
lhas corretamente-provavelmente não era
este o seu ofício Já na China. O diretor do
Jardim, porém, os acusou de ter fingido
ignorar o segredo, por motivos de patrio-
A BOTÃN1CA E A POÚllCA lMPERlAL
tismo saudosista. Este diretor, Leandro do
Sacramento, é mais conhecido pelo embe­
lezamento do terreno do que por suas ini­
ciativas científicas, ainda que tenha pro­
movido alguns intercâmbios importantes
de st:illentes, ioclusive a introdução do eu­
calipto. O museu de história natural, agora
chamado Museu Nacional, passou a ser
durante este período um gabinete de curio­
sidades. Os seus diretores aplicavam o seu
minúsculo orçamento no estudo da mine­
ralogia?6
Parece que, com o desligamento do
Brasil do projeto imperial mercantilista
português, o motivo do desenvolvimento
botânico também sumiu. Em todo caso, a
possibilidade de formação de uma nova
geração cientrfica ficou muito mais proble­
nútica. Alguns poucos brasileiros que iam
estudar na França conseguiam este tipo de
fonnação, mas não em número suficiente
para revivificar os estudos botânicos, um
processo que se iniciou principalmente via
contratação de europeus e americanos no
fmal do século XIX.
A transferencia de espécies exóticas e a
domesticação de espécies nativas são evi­
dentemente atividades que apresentam
significados diferentes dentro de contextos
""'lC8ntilistas e liberais, dentro de contex­
tos científicos e comerciais, e estas ativida­
des oferecem também uma perspectiva útil
para a interpretação destes contextos. Por
si SÓ, elas oferecem explicações parciais
para o sucesso ou insucesso de certos ra­
mos de desenvolvimento agropecuário e
industrial e demonstram a complexidade
do relacionamento do bomem com o resto
do mundo biótico. O surto de transferen­
cias da época de dom Jnão não foi o último
capítulo na história da domesticação. O
Brasil continuou a receber dezenas de es­
pécies e milhares de variedades e clones
n""horados, alguns de enorme importân­
cia econômica, como o gado zebu e a soja.
Simultaneamente, tem domesticado espé­
cies nativas até então caçadas ou coletadas,
225
tais como o chá-mate, o guaraná, e ainda
experimentalmente, a seringueira. A intro­
dução e a domesticação de cada nova es­
pécie ou variedade representa uma mudan­
ça, não somente na balança comercial do
pais, mas também no balanço dos elell",n­
tos que compõem os ecossistemas e a pro..
pria sociedade.
Notas
1. G. Foster, Cu/fure and conqut:St (New
York, 1960).
O
autor agradea:
à 10hn Corter
Browo Library pela boi .. de esludos que facili­
tou este estudo.
IM
2. A. Crosby, Ecological imperialirm;
biologiCDI aponsiOll ofEuropa, 900·1900(New
York, 1986). Veja lambém B .
H.
SliàJer
VID
Bath, "De kolonisatie van hei milieu: europese
flora en fauna in Latijns-Amerika", in Slicber
A. C. van Oss, Geschiedenis van
moolschappij o. cultuur (o. p. 1978), p. 194-
van 68th e
207.
3. Sobre esta perspectiva, veja
H. G.
Bater,
Pia",. ond civilizoli
Veja lambém T. C. Weiskel, • AgeolS Df empire;
•
steps lOward an eooJogy of imperialism",Envi.
1"0.,.0.'01 Review, 11 (Wio ler 1987), 275-88.
Sobre as lraruiferências feitas durante os desco·
brimentos. veja A Crosby. Tlte. Columbian a·
change: biologiCIJI anti cultural consequt:llCl!S of
1492 (Weslporl, cr,1972).
4. Veja J. Jobson de Arruda, O Brasil
no
comércio colo.iol (São Paulo, 1980), p. 479-80,
484·5,613.
5. Edgar Valles, "lolrOdução da alllura
plantas
das
de especiarias do Oriente no Brasil".
Garcia da Orla, 6 (1958), p. 712. Em coolraste,
parece que a ooroa fez mais esforços para apren­
der os oonhecimenlOs asiáticos: veja Luís
de
Pina.As ciências na hisrória do impériocolollial
porluguês (Porlo,1945), p. 53·58. WilsoD Pope­
noe, Manual Df tropical and subtropical fruÍJs
(New York, 1974 [1920]),
p. 148,286·290. C.
diCIJmefl/orum apud lruios
ntJSce
)'Ecluse,Aromatunt el simplicimum aliquol me­
(AnlUerpia, 1567).
ntium historiD
•
•
ESruDOS IIISTÓRlCOS - 199""
226
6. C. França "Os portugueses do 5tculo XVI
e 8 bistória natural do Brasil", Revista de Hist6ria, 15 (1926), 54-5; Frcderic Mauro, Ú Brisil
du XV. à laJin du XVlIle siec/e (Paris, 1977), p.
lOS, 119. De 800rdO com D. Alden, 8 coroa
autorizou o plantio de gengibre e fndigo em
1642: "The groWlh and decline of indigo pro­
duction in rolonial Brazil",Journa/ ofEconomic
History, 25 (mar., 1965), p. 46. O autor lamenta
não ter oonseguido encontrar uma cópia de J. A.
Gonsalves de Mello, Notas aarra da introdu­
ção de vegetais exóticos em Pernambuco (Reci­
fe, 1954).
7. Sobre o cultivo, comércio e transferência
das especiarias entre os impérios holandeses e
ingleses, veja H. N. Ridley, Spices (London,
1912). Sobre a dermla dos portugueses na As",
veja A. R. Disney. Twilighl oflM �pper empire
(Cambridge, MA, 1978). L. Ferrand de Almeida,
Aclimatação de plantas do Oriente no Brasil
durante os séculos XVU e XVIII", Revista Por­
tuguesa deHist6ria, I5 (1975), 337-8. L. Brock­
way,Science and colonial upansion: lhe role of
lhe BriJish Royal Botanic Gardens (New York,
1979), p. 53-4. J. R. do Amaral Lapa, "O Brasil
e 8S drogas do Oriente", Studia, 18 (agoslo
1966), 18.
8. M. J. Nogueira da Gama, Memória sobre
a Ioureira cillllamomo 'Vulgo caneleira de Cey·
100 . . para acompanhar a remessa das plantas
•
•
•
.
que pelas reaes ordens "ao ser transportadas ao
Brasil
(Usboa, 1797), p. 12-13; B. da Silva
U sboa Anaisdo Rio deJane;ro (Rio de Janeiro,
1973 [1834]), 4:247. A. Fernandes Brandão, no
seu Diálogo das grandezas do Brasil (Lisboa,
1618) já tinha sugerido a transferencia de espe­
ciarias; veja AJmeida, "Adimatação", p. 354. J.
M. Purseglove, Tropical crops: mOnDCOIyledons
(Harlow, Essex , 1988), p. 534.
9. A. de Lima Junior, Notícias hist6ricas de
norte a sul (Rio de Janeiro, 1953), p. 9·24;
Almeida, "Aclimatação', p. 358- 9.
,
10. Nogueira da Gama, Memória, p. 4; AJ·
meida, "Aclimalaçiio', p. 387, 391-2; Amaral
Lapa, "O Brasil e as drogas·, 18-25, 36n. E.
Valles, "Introdução da cultura das plantas de
especiarias do Oriente no Brasil", Garcia da
Orta, 6 (1958), 111-117.
11. Brockway, Scienu, p. 58.
12. Veja D. Vandelli, Mem6ria sobre a utili­
dade dos jardins boIânicos a respeito da agri·
cultura e principalmente da cultivaçQo das
charnecas (Usboa,
I nO). O impacto da ilustra­
ção é. uma tese de F. Novaes, Portugal e Brasil
na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)
(São Paulo, 1979), p. 224. Almeida, "Aclimala­
ção·, p. 399, 402, 413; A1den, Royal govun­
ment, p. 377; D. P. Müller, Ensaio d'um quadro
estatístico da Província de S. Paulo (São Paulo,
1923 [1837]), p. 260; F. Frei re Alemão,Mem6ria
quais são as principais plamas que hoje se
acham aclimatadas noBras;l? ([Rio de Janeiro],
1856), p. 559-60. Sobre as sociedades cienUfi­
cas, veja Moreira de Azevedo, "Sociedades fun­
dadas no Brasil desde os tempos coloniais",
Revista do Instituto Hist6rico e Geográfico [da­
qui em diante RlHGBJ, 48 (1885), pt. 2, 265332.
13. Silva üsboa, Discurso histórico, político
e econâmico dos progressos, e estado aClual da
philosophia natural portuguesa acompanhado
de algumas reflexões sobre o estado do Brasil
(Lisboa, 1786), p. 42, 67; amara, "Ensaio·, p.
304-80; Vandelli, "Memória sobre algumas pro­
duçoeos naturaes das oonquistas", Mem6rias
Econômicas, 1 (1789), 187-206. Há velSÕeS des­
tes artigos em manuscrito na Biblioteca Nacio­
nal, Rio de Janeiro [daqui em diante BN.RJ].
14. Almeida, "Aclimatação", p. 404; J. Cor­
rêa de Serra, "Cartas de... a um destinatário não
declarado fRodrigo de Souza Coutinho?], refe­
rindo-se a assuntos náutioos, botlinioos. e agri­
cultura, 1797-1798·, ms.-BN-RJ; F. da Cunha
Menezes, Mem6ria sobre a cultura do loureiro
cil1fJmomo (Usboa. 1797); Memória sobre a ca­
nel/eira, para acompaMar a remessa das plan­
tas que o Príncipe, n. senhor manda transportar
pora o Brasil (Lisboa, s.d.); Costa Pereira, "Me­
mória sobre a viagem aos Estados Unidos",
RlHGB, 21 (1858), n' 3, p. 351, 365. Sobre a
teca: Amaral Lapa, A Bahia, p. 27n; Valles,
"Introduçáo·, p. 713. Rodrigo de Souza Couti­
nho a Fernando Jo5t de Portugal, Queluz, 10
junho 1799, ms.-BN-RJ. Veja também "Catálo­
go de vários gêneros do Brazil, e mais oolOnias
porluguesas que ainda não estão no ordinário
comércio· s.d. [entre 1798-1805?J, ms.-BN-RJ.
15. J. R. do Amaral Lapa,A Bahia e a carrei­
ra da /ndia (São Paulo, 1968), p. 95, 102; D.
A1den. Royal government in colonial Brazil
(Berkeley, CA, 1968), p. 359, 363-4, 367,372-3;
Idem. "The growth and decline", p. 4O-51� Idem,
A BOTÁNlCA E A POI1"nCA IMPERIAL
"Manuel Luís Vieira: entrepreneur in Rio de
Janeiro durãog Brazil's eighteenth-century re·
naissance", Hispanic Amer;can Historielll Re­
view. 39 (agosto 1959). 521-37; M. M. Ramos
de Souza Silva, "Os produtos coloniais e a eco­
oomi, europ<!ia do s6culo XVIII" (fese de mos­
Irado. UFRJ. 19&1). p. 106-9. 110; J. Barbosa
Rodrigues, Hortus flum;nmsis (Rio de Janeiro,
1893). p. 109.
16. "Sumário da história do desoobrimento
da cochonilha no Brasil", O PaJriOllJ, 3 (jan.-fev.
1814). eitado por Alden. Royal governmelll. p.
376-l!.
17. J. M. ConQOição Velloso. O fazendeiro do
Brasil. . . 77l11ura,"o, parte I, culJura do índigo
(Lisboa, 1798). p. v. A. Rodrigues Fem:ira.
"Diário da viagem philosophica pela Capirania
de 510 José do Rio Negro". RJHGB. 48 (1885).
pt. 1:66; M. Ferreira da Clmara, "'Ensaio de
descripção frzica e eoonômica da comarca dos
IIM.us na América", Memórias Econômiou da
Academia Real das Sciências de Lisboa, 1
(1789). 316.
18. R. de Souza Coutinho Aviso de . . . que
se poblique uma flora complela e geral.. . " 12 de
novembro de 1801, ms.-BN- RJ; lbid., "Estabe­
lecimento de um jardim botlnioo", Lisboa, S de
junho de 1802. ms.-BN-RJ; "Antônio Manoel de
Mello Castro e Mendonça . Rodrigo de Souza
Cootinho. 510 P.ulo. 12 de outubro de 1802".
DoclUflerllos iIIIerossallles. 93 (1980). "Inspec­
<;lo da Mesa de Inspecçio sobre as experi!neias
a que mandara proceder para a cultura da Erva
da Gui� que era oonsiderada um magn([jco
pasto para o gado". 10 de setembro de 1803. e
-Ofiào da mesa da Inspecção para o Visconde
de Anadia sobre a cultura da herva de Guiné'\
10 de .bril de 1804. Arquivo Histórico Ultrama­
riDO, Lisboa, citado em A. L. Cardoso Dias la­
neira, et a I . , Trópico/6gicas, rdatório de
pesquisa l/(Rio de Janeiro. 1979). Amaral Lapa.
"O Brasil e .5 drogas". p. 27-32. Conceição
VeJlooo. Florafluminense (P.ris. 1835). Sobre s
história desta obra, veja M. Ferreira Lagos, "Elo­
gio histórico do padre mestre rr.José Mariano da
Conceição Velloso." RJHGB. 2 (1840). n' 8.
suplemento; p. 596. Rodrigues Ferreira, Viagem
filosóf/Cil ao Rio Negro (Beltm. s.d.). Veja •
an"ise das expedições pertuguesas por W. J.
Simon, Scientific apedirions in lhe Portuguese
overseas re"irories ( 1783- 1808) (Lisbo ••
• •
227
1983). Vej. lambém F. A. de Sampaio. "Hiatória
dos reinos vegetal, animal e minenl no Bralil,
pertencente 1 medecina-, Ana;.r da Bibüouca
Nacional. 89 (1969). 5-95. 1-91.
19. ConQOição Velloso. O fazendeiro (u.­
boa. 1798-1B05); Gomes,Plalllas m.dici.. isdo
Brasil (Sio P.ulo. 1972 [Rio de J,neiro. 1798]),
....ertaçdo sobre as plalfliU
p. 8-51; Om... ·Di
do Braz;1 quepoJDtf dar linhospara muitos UJO'
da sociedade, e suprir a falia tU cQ,w;,mo (Rio
de J.neiro. 1810).
.
20. Portugal. Código brasi/iense (Rio de Ja­
neiro. 1811). l:s.p.; M. Arruda da Om.... Dis­
curso sobre Q utilidade da instituição dejardiM
nas principaes pro\l(ncias do Brasil
(Rio de
Janeiro. 1810).
21.J. Barbos. Rodrigues.HortusflumÚtensis
(Rio de Janeiro. 1893), p. ii-vii, xx ii i. L.
d'Abreu. "Relação das pl.ntas exóticas e de
especiarias, cultivadas no Real Jardim di Lagoa
de Freitas·, O Patriota; Jomal Liller4rio, PoU­
tico, Mercanti' dc., do Rio tkJtuteiro. l (Mar­
'1'. 1813). 19-22; Almeida. "Aclimala<;lo". p.
405; Arruda da amara, Discurso sobre a utili­
dade. p. 13-14; C. F. S. Cardoso. Ec"""",", e
sodedad� em áreas coloniaisperifiricas: Guia­
nafrancesa ePará (1750-1817) (Rio deJ.neiro.
1984). p. 156. O mesmo autor ore..." mais
detalhes sobre a introdução das especiarias DI
sua tese de douto.. mento: "La Guyanne mnçal­
se (1715-1871); .speds économiques et so­
eisux" (Université de Paris X. 1971). p. 349354.
22. D·Abreu. "Relação". p. 22; "Nola sobre
plantas exóticas·, Lagoa de Freitas, 4 de outubro
de 1811. ms.-BN-RJ; [José Felieiano Castilho]
Instrução para os viajantes e empregados IUIJ
de algumas reflaõu so­
bre a hist6r;a natural doBrazil, (Rio de Janeiro,
1819); Moraes. (mons.) 1n.strucção para os v",­
jantes e empregados nas colônias sobre a ""'­
colônias... prec:düla
fieira de colher; conservar e remeller os objeclo.s
d. Hinóra
i Natural (Rio de Janeiro. 1819). Este
último � uma indicação de que as colOnias ofi­
ciais recentemente instaladas eram amsideradas
uma fonte patenaa! de informações botlnicas.
23. fncontra-se uma lista dos viajantes natu­
ralistas em J. Monteiro CaminhoA,Elemmlos de
botânica gual e miJiCil (Rio de Janeiro, 1879),
p. xiii. Saint-Hilaire, Histoire des plaltlu Ies
plus remarquables du Brisil et du Parapay
ES'IlIDOS IDSTORlOOS - 1991/8
228
(Paris, 1824), p. Ixvii; e Idem, Plo.ntes usu<lIes
du bri.siü<1IS (paris, 1824-28), s.p.
24. Andnde Arruda, O Brasil, p. 613. Sobre
o estado dos cultivos exóticos, veja "Prov(ncia de
Rio de Ianeiro [1814]", PublieaÇÕ<.ooArquivo
PrlNico Na ciOtlal, 9 (1909), 101-26. Sobre fndi­
go e adionilha: J. LIJCCOCk, Notes 011 Rio de
Jtuleil'OaM lhe.outloernp<lrts ofBrazjl (London,
1820), p. 318; R. Southey, History 01 Brazil,
(London, 1819),3:813. Sobre o eM: L do Sacn­
mento, Memória ecorlÔm.;ca sobre a plantação,
cultura e p�paração do cNi (lUa de Janeiro,
1825); ToIedo Rendon, "Pe<juena memória de
plantação e cultura de cb'", Auxiliador da IndCls­
Iria Nacional, 2 (maio 1834), 145-52, (junho
1834), 179-85; C. I. Fox Bunbury, "Narrativa de
viagem de um naturalista inglês ao Rio deJaneiro
e Minas Gerais (1833-1835)",Ana" da Bibli",<­
ea Nacional, 62 (1940), 26; A. Caldcieugh, Tra­
vels in Sou/h America during lhe years
1819-20-21 (London, 1825), 1:27-9, 30; Samuel
BaII,AII account o/lhe cu!t;1.IQIÜHt and manufac­
lIue of I<a in China (London, 1848), p. 36()'1,
25. Sobre caiena, veja J . H . Gallow8y, TN!
suggar ClJIU induslry: an historica{ geograpny
/ror. i/$ origi,.. lO 1914 (Cambridge, 1989), p.
96-97� Stuart B. Scbwartz, Sugar planta/íons ;,.
lhe forma/ion ofBTluilian society: Bahia 15501835 (Cambridge. I985), p. 431; 1. Ch. HtU'ser
e G. aaraz, "Des prinàpeux produits des pro­
vinces de Rio-de-Janeiro el de Minas-Gerais",
Flores des senes et jardiM de /'Europe, 14
(1859), p. 191. En� as tentativa. de reconstruir
a história da introdução do car�, veja: [D.J B[oc­
ges de Barros], "Memória sobre o caf�, sua
O Patriota (maio,
1813), p. 11; e Freire Alemão, M.",ória.
história, cultura e amanhos",
26.
livros
A documenlação do Museu Nacional,
1
a
9, referente aos anos 1810-1869, de­
monstra uma preocupação quase exclusiva oom
as minas. Sobre a decadência do Jardim Boti­
nioo e do cullivo do chá, veja Heusser e Oaraz,
"Dez prinàpaux produits," p.
183-189, 1900 .
368. O aJltivo do chá roi tentado sem SIJCeSSO na
de 1813; veja William
Saunders, Tea-cubure as Q probable American
iMUJ1Ty (Washington, 1879), p. 5. Alden,
"Growtb and productivity," p. 58-60.
Carolina do Sul por volta
•
.
Wa rren Dean � professor do Depa rtamenlo
de História da New York University.
'

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