No último 22 de julho, ficamos distantes da sádica e brutal morte de
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No último 22 de julho, ficamos distantes da sádica e brutal morte de
CALABAR No último 22 de julho, ficamos distantes da sádica e brutal morte de Domingos Fernandes Calabar, trezentos e setenta e um anos. Calabar foi uma das figuras mais polêmicas de Alagoas não só porque foi o primeiro alagoano a ser o alvo, em 1º de abril de 1634, da primeira tentativa de crime de mando, mas, principalmente, devido à posição que tomou entre 20 de abril de 1632 e 22 de julho de 1635, durante a guerra da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais contra a União Ibérica. Quase quatro séculos se passaram e a mudança “de lado” de Calabar ainda continua uma incógnita porque as explicações existentes (“traidor”, “se vendeu”, “apenas mudou de patrão” e “nem herói nem traidor, mas fundador de povos”) longe estão do bom senso e da lógica. Sei que o tema dessa discordância é certamente daqueles um tanto proibitivos para quantos que entre eles pretendam posicionar-se porque o assunto, que se situou em Pernambuco e Alagoas é, infelizmente, uma página do passado que está muito mais para servir a fantasia do que a realidade. São incontáveis os livros que cuidam da questão do posicionamento de Calabar. Entretanto, especificamente sobre os lances finais e reais, de todos os autores, excluindo-se Frei Manuel Calado, que gostava de falar além do limite, seria impossível exigir uma reprodução ou reconstituição irremissivelmente fática e mecânica. É preciso reconhecer que em que pese a mais justa exaltação que se faça da contribuição de Calabar para a edificação deste País, não será nunca pela exacerbação poética. Deve-se observar que as matrizes de comportamentos similares, em muito ainda permanecem desconhecidas. Longe de diminuir a grandeza e sacrifício daquele mulato impávido que sucumbiu após uma guerra que durou, para ele, quase quatro anos, a verdade é que ainda não nos chegou, e acredito que não nos chegará jamais, de forma documentada a contento, o verdadeiro motivo de sua oscilação próflamengo. Este fato impede de nos aprofundar nos detalhes épicos, mas, de forma alguma, impede que tentemos fornecer uma versão que se aproxime do cerne do problema. Não aceitar esta possibilidade, é sustar a imaginação criadora que, em muitos casos, nos conduz a concepções muito próximas do que realmente houve. Minha sugestão, portanto, se enquadra dentro de uma possibilidade advinda da leitura de bibliografia geral e, principalmente, da realidade da época que, em leituras comparativas, procurei interpretar. Faço questão de ressaltar que em matéria tão controversa e sujeita a debates quanto esta não pretendo sustar a criatividade de ninguém, mas apenas fornecer minha modesta colaboração. Calabar se orgulhava de ser um brasileiro, alagoano, porto calvense que amava a tranqüilidade de nossos bosques, a fartura de nossa fauna, a fragosidade da nossa flora, a fertilidade de nosso solo e a exuberância de nossos rios. Era respeitado, considerado de muita importância e corajoso, porque lutava com bravura e não tinha medo de se expor e ser ferido, como ocorreu em 14 de março de 1630 quando, com poucos combatentes, lutava para defender o Forte Real do Bom Jesus. Após a invasão holandesa Calabar, como exímio militar, tinha conhecimento da situação gravíssima da Capitania de Pernambuco, pois sendo amigo de Matias de Albuquerque, sabia da precariedade bélica-contingencial das forças ibéricas e que sem resposta ficavam os repetidos pedidos de socorro enviados a metrópole. Como homem de caráter férreo, não admitia este descaso e, a partir daí, começou a pensar em tomar uma atitude que forçasse as autoridades da União Ibérica a defender sua Pátria. Não interessava se com esta atitude teria sua reputação manchada, sua família perseguida, seus bens confiscados ou perderia a própria vida. Como cristão, conhecia a célebre frase de Caifás sobre a morte de Jesus: “Vós de nada entendeis. Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?”. Decidido a morrer pela Pátria e forçar a União Ibérica a valorizar o Brasil, em 20 de abril de 1632, Domingos Fernandes Calabar, profundo conhecedor das intrincadas veredas da vastíssima região cobiçada pelos invasores, mudou de lado e decidiu ajudar a até então inerte máquina de guerra holandesa a conquistar a nova Terra Prometida. Devemos, então, manter Calabar onde está, isto é, não considerá-lo autor e agente de um plano sem precedentes, ou beatificá-lo e canonizá-lo politicamente, ou seja, reconhecer a beleza heróica de sua atitude? Com a palavra, as autoridades políticas e culturais de Alagoas. ALOISIO VILELA DE VASCONCELOS Professor da UFAL 31.07.2011