EDUCAÇÃO FISICA ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL

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EDUCAÇÃO FISICA ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL
EDUCAÇÃO FISICA ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL: AMPLIANDO AS
POSSIBILIDADES DE PARTICIPAÇÃO
Clayton da Silva Carmo1
Luiz Gonçalves Junior (O)2
Resumo
O meu recente ingresso na rede estadual de ensino público, como professor de Educação
Física, fez com que surgissem algumas inquietações durante minha prática profissional.
Diversas foram às dificuldades enfrentadas neste início de carreira, dentre elas posso ressaltar
o baixo índice de participação e interesse dos alunos e alunas com relação às aulas de
Educação Física. Outras reflexões que venho realizando remetem à questão dos conteúdos que
devem ser trabalhados, pois tenho notado que por mais que se tente selecionar os conteúdos
mais adequados nunca se consegue atingir todas as crianças, sempre alguns ficam fora da
atividade, com sua intencionalidade voltada para outra coisa que não a aula, ou ainda participa
da atividade sem sua intencionalidade dirigida a ela. Baseado nestas reflexões e inquietações
objetivei com este estudo a realização um planejamento participativo, e de conseqüentes
intervenções em aulas regulares de Educação Física Escolar sob a ótica da pedagogia
dialógica, com intuito de desenvolver aulas de Educação Física que possibilitem as crianças,
de uma turma de 3ª série do ensino fundamental, uma maior participação e conseqüentemente
uma melhor significação das atividades por elas realizadas durante as mesmas. A metodologia
adotada foi a pesquisa qualitativa com inspiração fenomenológica na modalidade fenômeno
situado. As intervenções foram registradas em diários de campo e posteriormente analisadas.
Após a identificação das unidades de significado emergiram cinco categorias de análise, a
saber: A) “Escolhendo o tema gerador”, B) “Dialogicidade nas aulas de Educação Física”, C)
“Contribuições da professora de sala para desenvolvimento da intervenção dialógica”, D)
“Atividades originadas nas aulas de Educação Física a partir da dialogicidade” e E)
“Resistência na realização das tarefas”. Dentre as dificuldades encontradas nos processos de
intervenção uma das mais preocupantes foi a resistência das crianças em realizarem as tarefas
de casa e as atividades em aula. A dificuldade de diálogo nas aulas também foi constante, pois
as crianças dispersavam e começavam com brincadeiras e conversas paralelas, revelando
condutas que não favoreciam o diálogo em diversos momentos das intervenções. Alguns
pontos positivos também foram destacados: 1) é o rompimento da resistência das crianças em
realizar atividades nas aulas. 2) foi a mudança no comportamento de alguns educandos/as,
gerando situações de cooperação, responsabilidade, preocupação coletiva e de justiça. As
intervenções foram baseadas em uma Educação Física na Escolar que busca uma educação
comprometida com a comunidade, garantindo as crianças possíveis entendimentos sobre a
realidade por meio de uma experiência autônoma com exercício da reflexão crítica, nas
escolhas e nas tomadas de decisões dentro do próprio processo educativo.
Palavras Chaves: Educação Física; Escola; Diálogo; Participação.
1
Professor de Educação Física da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, Diretoria Regional de Ensino de
Araraquara; aluno do II Curso de Especialização em Educação Física Escolar do DEFMH/UFSCar.
2
Professor Associado e Coordenador do Curso de Especialização em Educação Física Escolar do
DEFMH/UFSCar.
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Introdução
O meu recente ingresso na rede estadual de ensino público, como professor de
Educação Física, fez com que surgissem algumas inquietações durante minha prática
profissional. Diversas foram às dificuldades enfrentadas neste início de carreira, dentre elas
posso ressaltar o baixo índice de participação e interesse dos alunos e alunas com relação às
aulas de Educação Física. O/a professor/a de Educação Física é sempre esperado por alunos e
alunas, mas acredito que isso não ocorre devido ao interesse nas aulas propriamente ditas. O
que tenho notado é que a satisfação que as crianças sentem e demonstram para com a aula de
Educação Física é referente à sensação de liberdade e a saída da sala de aula, é o
distanciamento do “escrever”, do ficar imóvel nas carteiras durante horas e da obrigatoriedade
de realizar tarefas propostas pelas professoras.
Outras reflexões que venho realizando remetem à questão dos conteúdos que
devem ser trabalhados. O que tenho notado é que por mais que se tente selecionar conteúdos
diversos dificilmente se consegue atingir todas as crianças de turmas com aproximadamente
35 alunos, sempre alguns ficam fora da atividade, com sua intencionalidade voltada para outra
coisa que não a aula, ou ainda participa da atividade sem sua intencionalidade dirigida a ela.
Juntamente a isso soma-se a impossibilidade de dar conta de todos os conteúdos possíveis de
serem abordados pela Educação Física durante o período de escolarização.
Seguindo esta linha de raciocínio, a escolha do conteúdo torna-se algo com
uma importância relativa se considerarmos esta baseada apenas na opinião do educador ou
educadora, pois na maioria das vezes os alunos e alunas não se interessam pelo conteúdo, e
em outras vezes a maneira como o mesmo é abordado não os atingem da maneira esperada.
Baseado nestas reflexões e inquietações optei por realizar esta pesquisa tendo
como principal objetivo a realização de um planejamento participativo, e de conseqüentes
intervenções em aulas regulares de Educação Física Escolar sob a perspectiva dialógica
proposta por Freire (2005b). Buscando desenvolver aulas de Educação Física que possibilitem
as crianças uma maior participação e consequentemente uma melhor significação das
atividades por elas realizadas durante as mesmas.
Ainda coerente com o objetivo apresento duas questões de pesquisa: 1- É
possível trabalhar nesta perspectiva considerando a realidade de ensino público atual? 2Haverá maior interesse e participação nas aulas se trabalharmos em uma perspectiva
dialógica, onde todos participam do processo?
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Revisão de Literatura
ESCOLA, EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO FÍSICA
Cabe discutir um pouco sobre o sistema escolar que, segundo João Batista
Freire, utilizam métodos de confinamento e engorda, aplicando-o indiferentemente a porcos,
vacas, galinhas e crianças. As crianças ficam confinadas, imóveis, em salas e carteiras como
“... se para aprender, fosse necessário o contato permanente do traseiro com a carteira.”
(FEIRE, 1993, p.114)
Ainda seguindo com as reflexões do mesmo autor, o corpo tem que se
conformar com os métodos de controle, caso contrario as idéias não podem ser controladas,
pois o fascismo, assim como o sistema escolar, sabe que idéias e ações corporais são a mesma
coisa e, para controlar as idéias, basta controlar os corpos.
Segundo Betti (1992) as instituições escolares, ao que parece, são escolas de
disciplina extrínseca, que tendem a tratar o corpo dos educando e educandas como um fardo
inexpressivo.
A mesma autora encontrou em seus estudos dados interessantes que podem
ilustrar, de maneira restrita, porém suficiente, como a Educação Física vem sendo percebida
pelas crianças nas escolas. Durante as entrevistas para realização de sua pesquisa, foi
perguntado as crianças quais eram as disciplinas que eles mais gostavam, e a principio a
Educação Física não esteve entre as mais votadas e sim a matemática. A autora estranhando
as respostas obtidas, solicitou, em uma segunda questão, que as crianças numerassem as
disciplinas por ordem de preferência de primeira a quinta incluindo a Educação Física e então
cerca de 64% das crianças mudaram de opinião e colocaram a Educação Física como
disciplina favorita. Com isso foi possível verificar que muitas crianças não compreendiam a
Educação Física enquanto disciplina ou matéria.
João Batista Freire (1993) afirma que não é por acaso que a Educação Física não tem
grande importância nas escolas, e que continuará assim enquanto mantiver como paradigma o
estereótipo militar ou o palavrório inócuo e alérgico às práticas. Ela só incomodará e será
incomodada quando aprender a praticar a liberdade dos corpos, e denunciar o universo
pedagógico como um universo do fracasso, em que as pessoas vão à escola, porém, quase
ninguém aprende nada de significativo, apesar de tanto tempo nela.
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Ainda segundo este mesmo autor:
... as pessoas não aprendem aquilo que está declarado nos programas
pedagógicos porque aquele é um ensino que não se dirige a pessoas,
principalmente quando se trata de crianças. É um ensino que se dirige a
crianças ideais e não a crianças reais. Que criança pode ser somente polida,
imóvel, dócil, inteligente, bondosa, silenciosa, enfim, dotada de todas as
virtudes que compõem o modelo ideal de aluno? (FREIRE, 1993. p.115)
A Educação Física também sempre fez sua parte, imobilizou, desesperançou,
enrijeceu, esterilizou, disciplinou os corpos e controlou as pessoas. E o fez com eficiência,
como a sala de aula lhe ensinou, aprendendo a vender a ilusão do gesto deu as suas aulas o
aparente poder de exercer a motricidade, mas na verdade nunca aprendeu a compreender a
motricidade humana, a humanizar o gesto, ou seja, nunca descobriu a receita da liberdade
(FREIRE, 1993, p.116).
É possível educar sem confinar. É mentira que criança só aprende se ficar
imóvel. O fato concreto é que nós não sabemos ensinar de outro jeito. O
fato é que não sabemos como ensinar o sujeito complexo.(...)A lição, tão
bem aprendida por nós, do panóptico, dos campos de prisioneiros, da
servidão voluntária, terá que ser esquecida. (FREIRE, 1993, p.119)
E é na busca por uma melhor maneira de ensinar que decidi realizar esta
pesquisa me apoiando na pedagogia dialógica e acreditando que quando todos e todas
participam de todo o processo da construção do conhecimento este se faz mais rico, atrativo e
significativo para os participantes.
Assim como Casco (2001) “Penso que a cada qual dos participantes do
processo. Crianças, adolescentes e adultos, cada um destes, possui uma experiência, um
fragmento do que pode ser trocado dentro do espaço de atividade.”
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PEDAGOGIA DIALÓGICA OU LIBERTADORA
Como já disse anteriormente algumas inquietações permeiam minha prática
profissional, dentre elas gostaria de destacar neste capítulo o baixo índice de participação nas
aulas. Muitas crianças, apesar de comemorarem muito minha chegada a sala de aula, não
participam das atividades da aula alegando diversos motivos como: não gostar da brincadeira
ou atividade, queixas de mal estar, não gostar de Educação Física entre outras.
Normalmente noto este desinteresse pelas aulas, nos/as alunos/as que pedem
para beber água e não retornam para atividade, ou simplesmente saem da mesma para realizar
alguma outra atividade que seja de seu interesse como jogar futebol usando alguma garrafa de
refrigerante, batendo figurinha, jogando bolinha de gude, dançando etc. Também não são
raras as vezes que notei crianças, aparentemente, participando da atividade, mas na verdade,
quando observadas com atenção, estão realizando brincadeiras ou jogos paralelos, sem
interesse pela atividade na qual deveriam estar inseridas.
Diante deste cenário senti muitas dificuldades, assim como Correa (1996, p.44)
em como justificar e legitimar uma proposta de ensino de Educação Física na escola,
elaborando adequadamente os objetivos e selecionando temas e conteúdos, uma vez que
sempre notava alunos e alunas desinteressados das atividades. O mesmo autor em seu estudo
opta pela realização de um planejamento participativo com as turmas de 2º grau, atualmente
denominada de ensino médio, porém este se restringia a participação dele e de seus alunos e
alunas não considerando não contemplando o restante das pessoas que compõem a
comunidade escolar. Acredito principalmente trabalhar com crianças de 1ª a 4ª séries do
ensino fundamental, que a participação dos pais, mães ou responsáveis seja de fundamental
importância para tomada de decisões que interfiram na formação de seus filhos e filhas.
Também considero que os funcionários e funcionárias da escola possuem uma vasta
experiência no contexto escolar e poder contribuir significativamente nas decisões referentes
ao ambiente escolar, já que fazem parte deste assim como auxiliam no processo de formação
dos envolvidos no mesmo.
Portanto, tentando compreender e, principalmente, transformar minhas aulas,
inspirei-me na a pedagogia dialógica ou libertadora fundada nos escritos de Paulo Freire.
A pedagogia dialógica afirma ter o homem vocação para sujeito da história, e
não para objeto, e no caso brasileiro esta vocação não se explicitava, pois o povo foi vítima do
autoritarismo e do paternalismo correspondente à sociedade herdeira de uma tradição colonial
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e escravista. Nesta perspectiva a educação e a escola colaboravam com a situação de mutismo
do povo (GHIRADELLI JUNIOR. 1990, p.122).
A pedagogia dialógica busca uma educação comprometida com a comunidade,
onde
a
relação
educador-educando baseia-se
no
diálogo
amoroso,
partindo
da
problematização de uma situação comum ao grupo e caminhando para a conscientização.
Este paradigma de educação propõe que educadores e educadoras substitua o
“falar para pelo falar com” (FREIRE, 2005b, p.28) educandos e educandas para que em
comunhão verdadeiramente aprendam, construam e reconstruam o saber.
... nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se
transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber
ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim
podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado é
aprendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.
(FREIRE, 1996, p.26)
Preocupado com o processo, e em incluir todos os envolvidos, fiz a opção de
trabalhar com planejamento participativo, na esperança de que educandos e educandas
percebam e valorizem sua participação no processo de ensino.
É preciso, (...) que o formando, desde o principio mesmo de sua experiência
formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se
convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento,
mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.
(FREIRE, 1996, p.22)
Para elaboração de um planejamento realmente participativo, faz-se necessário
que educadores e educadoras estimulem a curiosidade, participação e autonomia de educando
e educandas, com o intuito de construir um plano de ensino e de aulas de maneira
compartilhada com a comunidade escolar (pais, mães ou responsáveis, educandos/as,
educadores/as, diretores/as, coordenadores/as, cozinheiros/as, zeladores/as e demais
envolvidos) de modo compromissado e respeitoso e também descontraído e afetuoso
(GONÇALVES JUNIOR, RAMOS e COUTO, 2003).
Esta relação de comunhão é de extrema importância para o desenvolvimento
do grupo e conseqüentemente das pessoas que dele fazem parte, estas se educam em uma
relação dialógica que possibilita um continuo vir a ser, uma vez que nos apresentamos como
seres incompletos e inconclusos, e nos transformamos a cada novo dialogo mediatizado pelo
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mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando na relação eu-tu, como nos apontam Freire
(2005a, 2005b), Merleau-Ponty (1996) e Sérgio (1994).
“Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo
pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles
novo pronunciar” (FREIRE, 2005a, p.90). Assim sendo existência humana encontra-se
intimamente ligada à práxis, que é a reflexão e ação dos homens sobre o mundo, e é este
movimentar-se produzido pela práxis que resulta em experiências e conseqüentemente no
aprendizado do ser.
Investigar um tema gerador, tema este considerado como ponto de partida, em
determinado grupo, é investigar o pensar dos homens e das mulheres referindo à realidade em
que se encontram assim como seu atuar sobre a mesma, ou seja é investigar sua práxis. Esta
investigação é fundamental, pois por meio dela o/a educador/a conhecerá os educandos/as e
suas relações com o mundo, e poderá, em uma relação respeitosa, e dialógica, com os/as
mesmos/as, aproveitar as experiências dos/as educandos/as, e da comunidade escolar, para
associá-las a realidade das aulas, respeitando assim o “saber de experiência feito” (FREIRE,
1996 e 2005b), que nada mais é do que o conhecimento que cada um traz com sigo, e que é
proveniente de experiências já vividas.
A base para um verdadeiro programa educativo está em educando/aeducadores/as e educadores/as-educandos/as conjugarem suas ações investigativas sobre o
mesmo objeto, fundando-se na reciprocidade da ação.
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que,
enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em
que crescem juntos e em que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem.
Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo
com as liberdades e não contra elas. (FREIRE, 2005a, p.79)
Retomando a questão da baixa participação dos/as educandos/as nas aulas de
Educação Física, percebo que quando a intencionalidade da criança não está dirigida para a
atividade, não adianta estar participando da mesma. E o índice de participação é sempre muito
baixo independendo do conteúdo, pois sempre haverá crianças com sua inteligibilidade
voltada para outra coisa que lhe seja mais significativa do que “...aquelas ilustradas por quem
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ensina, em função de vivências, experiências, problemas pessoais...” (GONÇALVES
JUNIOR, RAMOS e COUTO, 2003, p.29).
Neste sentido é prioritário que o conteúdo seja significativo para todos/as, e
que o/a educador/a fale com e não para eles/as, estabelecendo a intersubjetividade e abrindo
um cominho de possibilidades. E para abrir este cominho é fundamental o diálogo
compromissado entre educador/a-educando/a e educando/a-educador/a, pois somente com
esta via de mão dupla entorno de um mesmo objeto cognoscível é que conseguirão que o
mesmo conteúdo seja significativo a todos e todas.
EDUCAÇÃO FISICA E A PEDAGOGIA DIALÓGICA
Segundo Sérgio (2007) uma aula deve sempre principiar com a pergunta: “Que
tipo de pessoa eu quero que nasça desta aula?”(p.9) e foi respondendo a esta questão que me
aproximei da pedagogia dialógica de Paulo Freire, da educação motora proposta por Manuel
Sérgio, da Fenomenologia existencial de Merlau-Ponty e também da pedagogia críticoemancipadora de Elenor Kunz, e tento, neste capítulo, relacioná-las, pois a meu ver muitos
são os pontos comuns entre as mesmas. Diante da atual discussão sobre qual deveria ser
objeto de estudo da Educação Física, nos deparamos com diversas teorias, porém foram estes
autores que me inspiraram na realização deste trabalho, pois com seus escritos transcendem a
discussão a respeito de determinado componente curricular e denunciam a necessidade de um
“redimensionamento da educação escolar do jovem de hoje” (KUNZ, 2003, p.151).
Sendo assim o objetivo de ampliar a participação dos/as alunos/as nas aulas,
pode não ser tão significativo se não nos preocuparmos com o tipo de aulas que fazemos para
que incentivemos a participação das crianças. Pessoalmente acredito que conhecimento
válido:
... é aquele que é capaz de ampliar minha visão de mim mesma, minha visão
sobre a sociedade e as leis que a regem, minha visão sobre o funcionamento
das coisas, dos seres vivos e do universo, no entanto, um conhecimento que
não me condene à imobilidade, mas que torne capaz de agir, detectar os
limites impostos à minha ação no sentido de ser mais feliz (SILVA, 1996,
p.23).
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Concordando
com
Sérgio
(1994)
entendo
a
motricidade
como
“intencionalidade operante: partindo do corpo-próprio, ela suscita e sublinha não haver
significação que não se refira a um corpo, nem sentido que o corpo não realize e manifeste”
(p.94).
Nesta perspectiva a intenção ou intencionalidade está, ou é o próprio ser.
Portanto, as pessoas só significam as coisas a partir de suas experiências já vividas, e como
cada individuo é único, uma mesma situação pode gerar diferentes experiências em diferentes
pessoas.
Assim como Paulo Freire fala da relevância do saber de experiência feito em
sua pedagogia dialógica, Larrosa Bondía (2002) também nos traz algumas notas importantes
sobre o saber de experiência:
Por isso, o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo,
contingente, pessoal. (...) O saber da experiência é um saber que não pode
separar-se do indivíduo concreto em que encarna. (...) Por isso também, o
saber de experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer,
ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa
experiência seja de algum modo revivida e tornada própria (p.27).
Como só aprendemos partindo do conhecido, o dialogo é fundamental para
conhecer a relação que cada educando/da tem com o mundo para propiciar vivências que o/a
permita essa práxis.
Diante disto uma aula de Educação Física deve privilegiar a intencionalidade
de cada ser que, aproveitando das experiências particulares, poderá experiênciar uma nova
situação de maneira única e significante. Está é a única maneira de se produzir conhecimento,
e é somente assim que as pessoas verdadeiramente aprendem, pois só aprendemos o que nos
faz sentido, ou em outras palavras, só aprendemos o que nos interessa.
Nesta linha de pensamento, Kunz (2004) indica sua concepção de movimento
humano como “experiências significativas e individuais, onde pelo seu Se-movimentar o
indivíduo realiza sempre um contato e um confronto com o Mundo material e social, bem
como com sigo mesmo” (p.165). Desta maneira o autor dá maior relevância ao ser que se
movimenta do que do movimento propriamente dito, considerando o indivíduo como um
todo.
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Kunz traz em seus estudos influência de uma teoria antropológica para o
movimento humano, denominada de “Concepção Dialógica” (Tamboer citado por KUNZ,
2004), que entende o movimento do homem como dialogo do mesmo com o mundo.
O Se-movimentar, entendido como diálogo entre Homem e Mundo, envolve
o Sujeito deste acontecimento, sempre na sua Intencionalidade. E é através
desta intencionalidade que se constitui o Sentido/significado do Semovimentar. Sentido/significado e Intencionalidade têm assim uma relação
muito estreita na concepção dialógica do movimento (KUNZ, 2004, p.174).
Seguindo nas reflexões do mesmo autor, o movimento humano funda-se na
intencionalidade do Se-movimentar, e somente por esta é possível superar um mundo já
conhecido e penetrar num mundo desconhecido, o que nos mostra a importância de
considerarmos todo saber que o individuo carrega, pois é este que move a intencionalidade do
Se-movimentar de cada ser.
Como pudemos notar, ao longo desta revisão, muitos são os pontos comuns
entre a concepção problematizadora ou dialógica de Paulo Freire, e a concepção do Semovimentar exposta por Kunz. O respeito ao Ser, e consequentemente, ao saber de
experiência que este carrega consigo, emerge como ponto fundamental para o ato de
educar(se).
Kunz (2004), assim como eu, acredita em aulas com caráter aberto desde a
estruturação de seu planejamento, pois a inclusão das experiências de movimentos realizados
fora do contexto escolar pela criança, no ensino da Educação Física, pode fomentar a
participação de alunos e alunas.
Neste sentido, o/a educador/a, no ensino da Educação Física deve preocupar-se
com o processo do vir-a-ser, objetivando o uso pleno das capacidades e potencialidades de
cada educando/da, e, em uma concepção fenomenológica (GONÇALVES JUNIOR, RAMOS
e COUTO, 2003), indicar diretrizes para que educandos/as, através de seus próprios meios
descubram como atingir os objetivos propostos. Pois somente conhecendo a si mesmo e
compreendendo seu desenvolvimento global, o/a educando/a poderá compreender e
interpretar sua relação com o mundo, tornando-se protagonista de seu conhecimento, podendo
então construir e transformar sua realidade.
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Trajetória Metodológica
Este estudo teve como principal objetivo a realização um planejamento
participativo, e de conseqüentes intervenções em aulas regulares de Educação Física Escolar
sob a perspectiva dialógica proposta por Freire (2005b).
As intervenções foram desenvolvidas em aulas regulares de Educação Física
Escolar, com uma classe de 3ª série do ensino fundamental, em uma escola pertencente à rede
estadual de ensino localizada na periferia da cidade de Araraquara, no interior do estado de
São Paulo.
De acordo com o objetivo do trabalho organizei a elaboração de um
planejamento participativo, envolvendo toda comunidade escolar, que direcionaria a
elaboração dos planejamentos das aulas, assim como o encaminhamento das mesmas, durante
o quarto bimestre letivo do ano de 2007.
As intervenções iniciaram-se na reunião de pais que é realizada
tradicionalmente ao final de cada bimestre letivo, neste caso específico o segundo bimestre do
ano de 2007, porém devido ao período de férias escolares foi adiada para o início do terceiro
bimestre. Aproveitei este momento, um dos poucos em que os familiares entram na escola, e
que se restringe normalmente a informar aos pais, mães e responsáveis sobre o rendimento
escolar de seus/as filhos/as, para comunicar meu interesse em realizar o estudo, solicitar a
autorização dos mesmos, e no caso afirmativo, como ocorreu nesta ocasião iniciar o processo
de investigação do “tema gerador” com parte da comunidade escolar lá reunida.
Posteriormente o processo de investigação temática continuou, porém, desta
vez foi realizado juntamente com os educandos e educandas que compunham a turma
participante do estudo. Nesta mesma ocasião foi solicitado que as crianças escolhessem um
nome fictício, para ser utilizado na pesquisa com intuito de preservar a identidade dos
participantes, como foi acordado no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo 01)
assinado pelos responsáveis no dia da reunião, e pelas crianças no inicio deste encontro
quando aceitaram participar da pesquisa. Com o mesmo intuito optei por denominar a turma
em questão de 3ª série “X”.
A turma em questão possuía 35 alunos/as, porém, durante as intervenções a
freqüência média foi de aproximadamente 32 alunos/as por aula, havendo dois dias em que
ocorreu presença abaixo da média, sendo que um deles foi um dia em que choveu muito no
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horário da entrada, por isso compareceram apenas 28 crianças, e o outro vieram apenas 21,
pois já estávamos próximos do final do ano e muitas crianças já não iam mais à escola.
Finalmente encerramos a busca do tema gerador com os funcionários da escola
para, condizente com a pedagogia dialógica proposta por Freire, incluirmos toda comunidade
escolar no processo de elaboração do planejamento, e consequentemente, no processo de
aprendizagem mútua.
Solicitei sugestões temáticas, de todos/as os/as funcionários/as que mantêm
contado direto com as crianças da turma em questão, com exceção do jardineiro, que estava
afastado, de uma secretária que estava de férias e da professora de Educação Artística que
encontrava-se em licença médica na ocasião.
As aulas tiveram os conteúdos selecionados com base nas sugestões que as
crianças fizeram em um de nossos encontros iniciais, onde informei a eles que a temática a ser
estudada no quarto bimestre seria o “respeito”. Perguntei a educandos e educandas, que
conteúdos nos auxiliariam a trabalhar a temática do respeito em nossas aulas de Educação
Física. Na busca por resposta a esta indagação emergiram sugestões que serviram como o
ponto de partida para o planejamento das aulas, assim como em discussões com as crianças e
em observações pessoais, surgiram elementos que indicaram necessidade de alteração nos
planos.
Foram 17 aulas ministradas após o período de investigação do tema gerador.
Porém esta divisão possui apenas a função de facilitar a organização do trabalho, pois de
acordo com a pedagogia dialógica, a parte inicial do processo, neste caso o planejamento,
deve ter a participação de todos, e fundamental para o aprendizado pela experiência. Portanto
não pode ser desconsiderado da prática educativa.
Para coleta de dados, todos os passos anteriormente citados foram registrados
em diários de campo (BOGDAN e BIKLEN, 1994) desde a caracterização da escola, a
reunião com pais, mães ou responsáveis, a coleta com funcionários/as e alunos/as e
posteriormente as aulas propriamente ditas. Foram feitos 23 diários de campo no total (anexo
02), estes foram posteriormente analisados.
Segundo Bogdan e Biklen (1994) o diário de campo “é o relato escrito daquilo
que o investigador ouve, vê, experiência e pensa no decurso da recolha e reflectindo sobre os
dados de um estudo qualitativo” (p.150).
A metodologia adotada foi a pesquisa qualitativa com inspiração
fenomenológica (MERLEAU-PONTY, 1996), modalidade fenômeno situado de acordo com
Martins e Bicudo (1989).
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Para análise dos dados foram realizadas as seguintes fases, descritas por
Martins e Bicudo (1998): Identificação das Unidades de Significado e Redução
Fenomenológica, Organização das Categorias e Construção dos Resultados.
Redução fenomenológica: após realizar a leitura e releitura dos diários de
campo, levantou-se as asserções que foram significativas para o estudo, no que se refere a
interrogação empreendida. Seguidamente, foi realizada a redução fenomenológica, com rigor
de não distorcer as idéias expressas nos diários de campo, ao perceber convergências nas
observações realizadas são construídas categorias que agrupam as unidades de significado
objetivando a essência das observações dos diários de campo.
Após a identificação das unidades de significado, a partir das convergências,
divergências e idiossincrasias, e emersão das categorias, os dados foram organizados em uma
matriz nomotética.
Matriz Nomotética: refere-se a uma análise psicológica do geral, na qual
buscou-se uma normatividade através da comparação das várias observações registradas nos
diários de campo.
Construção dos Resultados: fase final da pesquisa em que buscou-se uma
compreensão do fenômeno, baseando-se diretamente nos dados da matriz nomotética.
Independente da saturação ou não das categorias, todas as proposições foram
consideradas, pois, ainda que estas perspectivas do fenômeno não estejam saturadas, dão
existência ao fenômeno em questão e suas diversas perspectivas, devido a inesgotável
abrangência do mesmo.
Construção dos Resultados
Neste estudo foi possível perceber que algumas categorias foram recorrentes
nas observações dos diários de campo. Por se tratar de uma pesquisa de caráter qualitativo,
tanto as categorias saturadas como as posições individuais foram levadas em consideração,
fato que difere da metodologia empregada em estudos pautados nas ciências naturais que
primam pela representatividade quantitativa.
Apresento no quadro a seguir a Matriz Nomotética. Para a construção da
mesma foi necessária a disposição da identificação dos diários de campo que foi realizada
através da numeração dos mesmos, com algarismos romanos de I à XXIII, os quais ficam
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dispostos na parte superior da matriz em uma seqüência horizontal. A coluna à esquerda
expõe as categorias que emergiram do estudo, classificando-as com letras maiúsculas de “A”
à “E”.
Abaixo da seqüência dos diários de campo e do lado direito das categorias,
estabeleceram-se as caselas, onde se dispuseram os números arábicos da unidade de redução
fenomenológica correspondente àquela categoria e discurso, não se perdendo assim, a origem
da referida unidade.
As divergências são indicadas pela letra “d” ao lado direito do número arábico
correspondente à unidade de significado em questão, que indicando haver ocorrência de
posicionamento diferenciado, ou seja, divergente dos demais, porém que se relaciona com a
categoria em que está alojado.
A construção dos resultados buscou a compreensão do fenômeno interrogado e
foi baseada diretamente na Matriz Nomotética, uma vez que esta nos permite observarmos, de
maneira clara, as convergências e divergências nos registros dos diários de campo.
Quadro 01 - Matriz Nomotética
Diários
Categorias
I
A - Escolhendo o Tema 1; 2d;
1
Gerador
3
B - Dialogicidade nas
aulas de Educação
Física
II
III
1; 2d;
1
3
IV
V
VI
VII VIII IX
X
XI
XII XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX XXI XXII XXIII
1
1
2; 3d; 1; 2d; 1; 4d;
1
5; 6d 4d 6; 8
1; 4d;
3
5; 7
2; 3d;
4
2d
2d
2d
2d;
3d; 5; 1;2d; 2;4d;
6d;8 6d; 7; 1;5
6d; 7 3
5
8d
C - Contribuições da
professora de sala para
desenvolvimento da
intervenção dialógica
1; 8 5
D - Atividades
originadas nas aulas de
Educação Física a partir
da dialogicidade
4; 7 3
5; 7
2;6
1
5; 7;
1; 3; 1; 3; 1; 4;
1; 4
1
9
4
5; 7 6
3; 6
2; 4;
4
7
6
2; 3
3
2; 4
1; 6;
3
8
1; 7
1; 3; 1; 3;
3
5
5; 9
E - Resitência na
realização das tarefas
2
4; 6 3; 5 2; 4
2; 4
122
Abaixo analiso cada uma das cinco categorias (“A” à “E”), fazendo uso de
alguns fragmentos das unidades significativas das observações registradas em diário de
campo, as quais desvelam suas perspectivas do fenômeno interrogado.
A – Escolhendo o Tema Gerador
Esta primeira categoria refere-se aos momentos de diálogos em busca da
identificação de um tema gerador, ou seja, uma temática significativa para comunidade
escolar para que fosse abordada nas aulas de Educação Física da turma 3ª série “X”.
Observando a Matriz Nomotética, pode-se notar que apenas os cinco primeiros
diários trazem asserções a esta categoria. Isso ocorreu, pois estes registros descrevem as
reuniões e conversas com membros da comunidade, e estas foram realizadas com o objetivo
da escolha temática.
A seguir alguns fragmentos extraídos dos diários ilustrarão como ocorreram os
diálogos, e logo abaixo destes encontram-se os quadros dos assuntos sugeridos que auxiliaram
na identificação do tema gerador.
Estes primeiros trechos correspondem à reunião de primeiro contato com as
crianças pra saber se elas aceitariam participar na intervenção proposta, pois a reunião de pais
estava se aproximando e eu gostaria de saber a posição deles antes de conversar com os
responsáveis.
Expliquei como seria realizado o trabalho, dizendo que iríamos organizar as
aulas de acordo com temas ou assuntos que fossem escolhidos por eles, pelos
pais, professores e funcionários da escola, temas estes que acreditassem
serem importantes para abordá-los nas aulas de Educação Física. (...) assim
o tema que tivesse maior número de ocorrências, ou seja, mais “votos”
seriam abordados em nossas aulas. (I, 1-A)
Após estes esclarecimentos acerca do projeto perguntei se aceitariam
participar e experimentar essa forma de trabalho. Após alguns segundos de
conversas entre as crianças elas decidiram aceitar a proposta e participar.
Avisei que conversaria com os pais, mães ou responsáveis na reunião para
pedir a autorização de participação e recolher as sugestões de temáticas. (I,
3-A)
O diálogo com os pais, mães ou responsáveis apresentou momentos
interessantes, pois inicialmente não ocorreram muitas sugestões, porém em conversas
individuais as temáticas foram surgindo como podemos notar nos fragmentos que seguem.
123
Iniciei a coleta das temáticas de interesse dos pais, mães ou responsáveis
dizendo para que eles sugerissem temáticas que gostariam que fossem
trabalhadas com as crianças durante o próximo bimestre. (...) o pai de
Dulce Maria entendendo o significado sugeriu a temática “saúde e as
relações com as atividades físicas”. Os demais presentes disseram que não
tinham nenhuma sugestão e outros apenas ficaram em silêncio. (...) de
carteira em carteira fui conversando com os pais e perguntando novamente
se eles tinham alguma sugestão, e durante as conversas individuais os pais
em suas falas percebiam temáticas e me sugeriam. Duas pessoas
concordaram com a temática “saúde”(...) Outra mãe sugeriu a temática
“drogas”(...)(...) a mãe do Fontão abordou a mesma temática enfatizando a
questão do corpo(...) Um pai sugeriu que se tratasse da questão da amizade
nas brincadeiras e esportes(...) (...) a mãe de Willian disse que seria
importante tratar da “união de grupos para evitar as panelinhas que
excluem muitas crianças”. Prostituição, pedofilia e prevenção de gravidez
foram temas sugeridos pela mãe da Ana Paula, mas a mesma se perguntava
se seria cedo demais para tratar deste assunto. Eu disse a ela que se mais
pais levantassem a questão talvez fosse a hora para trabalhar esta
temática. (II, 1-A)
Quadro 02 - Assuntos sugeridos pelos pais, mães ou responsáveis agrupados por Tema
Gerador
Assuntos
Tema Gerador
Convergência
Prostituição; Prevenção de Sexualidade
1
gravidez
Amizade;
Relacionamento
6
Companheirismo;
Interpessoal (Respeito)
Formação de Panelinhas;
Timidez;
Vergonha;
Respeito aos familiares,
respeito as regras e amigos
Ação global; Aquecimento Meio Ambiente
1
Global; Preocupação com o
Meio Ambiente
Jogos do Pan
Esporte
1
Drogas,
obesidade, Saúde
5
benefícios das atividades
físicas a saude
Os diálogos com as crianças, em busca de um tema gerador, trouxeram muitas
sugestões, apesar da dificuldade inicial da compreensão do que seria uma temática, como
poderemos observar a seguir.
Solicitei aos educandos e educandas que sugerissem temas ou assuntos
interessantes para abordarmos durante as nossas aulas. Ocorreram
124
inúmeras e simultâneas sugestões de modalidades esportivas(...)Expliquei
que o tema ou assunto que estávamos tratando ali poderia ser algo não
relacionado diretamente com a Educação Física, e que na verdade pode ser
abordado por qualquer componente curricular. Então Dulce Maria (...)
disse: “Esporte e Estudante”, então (...) ela exemplificou dizendo que
enquanto estivessem praticando esporte poderiam estar estudando e
aprendendo outra coisa. Utilizei a idéia (...) para esclarecer o significado
de temática, (...) dizendo que as sugestões que eu estava pedindo nada mais
eram do que um assunto que poderíamos discutir e aprender durante as
aulas sem que este fosse a atividade propriamente dita. Rodrigo disse na
seqüência: “Campanha contra as drogas!” e logo foi complementado por
Raika: “... e álcool professor!”. Ainda Raika, agora acompanhada por
Kelvin, sugeriram o tema “Educação Física sem violência”. Este tema logo
sofreu intervenções de Rodrigo dizendo que o Karatê e a Capoeira são
lutas, e que nem sempre são violentas. Willian pediu para que
realizássemos um campeonato de futebol entre as terceiras séries, onde não
poderia ter brigas. Fontão falou de Jogos Educativos como forma de
trabalho contra a violência. (III, 1-A)
Quadro 03 - Assuntos sugeridos por educandos e educandas agrupados por Tema Gerador
Assuntos
Tema Gerador
Convergência
Jogos sem violência, jogos Relacionamento
7
educativos,
violência, Interpessoal (Respeito)
respeito
Plantar Árvores, Economia Meio Ambiente
5
de energia, Cuidados com o
lixo, Aquecimento global
Esportes que ensinam
Esporte
3
Drogas e álcool, dengue
Saúde
3
O dialogo com funcionários/as foi tranqüilo todos com quem conversei
colaboraram, no entanto as inspetoras de alunos e a funcionária de serviços gerais disseram
não ter idéias. Já os demais contribuíram bastante, no que se refere a sugestões temáticas,
como podemos ver no dialogo com merendeiras que segue:
(...) pedi sugestões sobre assuntos, e as três, um pouco sem jeito disseram
não ter idéias. Insisti dizendo que poderia ser qualquer assunto que elas
acreditassem ser importante tratar com as crianças na escola e nas aulas
de Educação Física. Então uma das inspetoras disse: “Vocês, (referindo-se
a mim e ao outro professor de Educação Física), já fazem tantas coisas
diferentes com as crianças, que, o que vocês decidirem pra mim esta bom.”
As outras concordaram e uma complementou dizendo: “Eu acho tão bom o
trabalho que vocês fazem que não tem mais o que falar.” (IV, 1-A)
O intervalo de recreio das crianças já havia ocorrido e as merendeiras
tinham acabado de limpar o refeitório. Os temas sugeridos pelas
125
cozinheiras foram “organização”, “respeito” e “responsabilidade”. Elas
disseram que os(as) alunos(as) deveriam preservar melhor o espaço
escolar, tanto na conservação da limpeza, quanto no mobiliário e evitar o
desperdício de alimento, pois muitas crianças além de fazerem “guerra de
comida” utilizam as maçãs servidas na merenda para jogar futebol. (V, 1A)
Quadro 04 - Assuntos sugeridos pelos/as funcionários/as agrupados por Tema Gerador
Assuntos
Tema Gerador
Convergência
Prevenção sexual
Sexualidade
1
Sociabilização,
violência, Relacionamento Interpessoal 6
segurança, apelidos, família, (Respeito)
preconceito e racismo,
Jogos do Pan
Esporte
1
Drogas
Saúde
2
É importante ressaltar que dentro desta categoria ocorreram dois momentos de
divergências nas observações. Como eu e as crianças não estávamos acostumados com
trabalho em uma perspectiva dialógica apresentamos dificuldades durante a realização das
aulas nas situações como as transcritas abaixo.
Este primeiro trecho referente ao primeiro contato evidencia uma posição
antidialógica, de minha parte, no momento em que pergunto sobre o interesse de participação
de educandos/as.
Deixei claro para esta turma que as nossas aulas seriam diferentes das
demais turmas, e que não poderia haver reclamações caso aceitassem
participar, e que estariam assumindo esta responsabilidade até o final deste
ano. (I, 2d-A)
Já este fragmento demonstra uma postura de antidialogicidade das crianças,
que adotam uma postura que não permite escutar dos/as demais colegas.
Os alunos dispersaram e começaram com brincadeiras e conversas entre si,
atiravam pedras, gravetos e folhas uns nos outros e não ouviam mais as
sugestões dos amigos. (III, 2d-A)
126
B – Dialogicidade nas aulas de Educação Física
Nesta categoria estão presentes as unidades de significado que apresentam
momentos de diálogo, entre educador-educandos/as, educandos/as-educador e educandos/aseducandos/as, que ocorreram durante as aulas de Educação Física.
Segue trechos da seleção de conteúdos realizada com as crianças. Nesse
encontro surgiram sugestões que foram fundamentais para o planejamento das atividades,
como podemos observar.
Iniciei a aula informando às crianças sobre os resultados da coleta de
sugestões. Ao saberem que seria a temática “respeito” a ser estudada,
muitos resmungaram, e então (re)lembrei as crianças com algumas
sugestões que eles haviam feito em reunião anterior, e então concordaram
em dar andamento aos trabalhos. (...)Questionei novamente as crianças: “e
aqui na escola como é o respeito?”. Eles e elas em coro responderam:
“tem pouco respeito na escola”. Complementei a pergunta dizendo: “por
que vocês acham isso?” Entre os educandos e educandas apresentaram
respostas como: “os alunos não respeitam os professores”, “os alunos não
respeitam nem os próprios alunos”, “não respeitam a fila da merenda e
nem da cantina”, “tem professor que não respeita os alunos”.
(...)“Pensando em tudo que falamos aqui, como poderíamos trabalhar o
respeito durante as nossas aulas?” perguntei. E obtive as seguintes
sugestões: Futebol, Karatê, Capoeira, Pega-pega, Esconde-esconde e
Queimada. Retomei uma sugestão dada por um aluno, em reunião
anterior, e acrescentei na lista os Jogos Cooperativos. (VI, 1-A)
Não foram raras as vezes que paramos para dialogar sobre as atividades
realizadas. Estes momentos foram importantes para reorganizarmos as atividades, quando
sentíamos necessidade, e para aprofundar mais algum assunto que julgássemos necessário.
Após uma série de apresentações teatrais criadas e apresentadas, sobre a
temática “respeito”, por grupos de educandos/as, sentamos para discutirmos o que
acabávamos de assistir, e relembramos que brigas e discussões foram pontos comuns a todas.
A conversa com as crianças continuou como podemos observar:
Aproveitei a oportunidade e indaguei se era preciso que ocorra o
desrespeito para depois respeitarmos. Novamente responderam
negativamente.Perguntei se era possível refazer as cenas mostrando
respeito antes mesmo de começarem as brigas. Com uma resposta positiva
da maioria complementei a pergunta dizendo “como?”. As crianças
tiveram dificuldade para responder e pediram um exemplo. Tomei como
127
referência a peça do Grupo 1 e disse: “o que aconteceu quando as duas
mulheres trombaram na rua?” “Elas brigaram”, responderam. “E por
quê?” Indaguei. “Porque uma xingou a outra”, responderam. “Qual seria
outra maneira de realizar essa cena sem que elas brigassem?” Perguntei.
“Uma pedindo desculpas para a outra”, responderam. “Muito bem”, disse
eu, “viu como não é necessário ter uma briga para que sejamos respeitosos
com as pessoas?”, complementei. Desta maneira ficou combinado para
aula seguinte a reconstrução das cenas de maneira que não fosse
representado o desrespeito. (VII, 5-B)
Em outra aula, após um jogo de queimada, uma das equipes, que havia sido
derrotada, estava discutindo com o garoto que escolheu o time culpando-o pela derrota, e
também reclamava da equipe vencedora, pois estavam provocando e se vangloriando da
vitória. Senti neste momento a necessidade de conversar com as crianças e esclarecer alguns
pontos, como podemos observar:
Perguntei porque todo o jogo da turma termina em discussão, e eles
disseram que é por que as pessoas roubam. Então perguntei por que as
pessoas roubam e mentem nos jogos, e disseram que é por que eles querem
ganhar. “Muito bem”, disse, e, questionei-os novamente por que temos
aulas de Educação Física, e obtive as seguintes respostas: Aprender,
brincar, participar . “E o ganhar é objetivo das aulas?” indaguei, e um
coro respondeu “não”. (...)Antes de sair combinei com eles que faríamos
um jogo de queimada diferente, a qual eu traria, para compararmos e
discutirmos na próxima aula. (XI, 7-B)
Na aula seguinte, a esta acima descrita, realizamos uma queimada cooperativa3
e ao final da atividade retomamos a discussão ocorrida na aula anterior.
(...) iniciei perguntando o que eles acharam do jogo, Juliana disse: “esse
jogo não tem vencedor!”, “mais alguém acha isso?” indaguei. O silencio
foi a resposta, então questionei “quem ganhou o jogo?”, alguns alunos
responderam que ninguém. Disse a eles que os jogos cooperativos não
enfatizam a competição em equipes, tanto que as equipes começaram com
uma formação e terminaram com participantes diferentes, isto não permite
a definição de uma equipe vencedora, e com isso as brigas por pontos para
ver quem vai vencer não ocorreram naquela aula. (XII, 3-B)
3
BROTO, Fábio O. Jogos cooperativos: se o importante é competir, o fundamental é cooperar!. Santos: Projeto
Cooperação, 1997.
128
Como estava, já a algumas aulas observando muito desinteresse por parte dos
educandos/as e, na aula em questão no trecho posteriormente citado, os mesmos/as estavam
dispersos e bagunçando muito decidi parar para tentar descobrir o que estava ocorrendo.
Rodrigo disse que o pessoal estava desinteressado da capoeira, mas como os citados
problemas não ocorreram apenas durante o trabalho com capoeira aproveitei o momento para
investigar.
Perguntei na sala quem gostava de capoeira e aproximadamente 13
levantaram a mão. Então Rodrigo disse: “você viu quantas pessoas não
gostam de capoeira?”, respondi que havia notado. Então continuei a
pesquisa e perguntando quem gostava de karatê e obtive então 16 pessoas,
continuei ainda citando o futebol, o voleibol e a dança e obtive margens
semelhantes. Disse ao aluno que se fôssemos fazer o que todos querem não
faríamos nada, pois em nenhum dos exemplos consegui uma grande
margem de pessoas interessadas. Rodrigo disse então que todos deveriam
chegar em um acordo, concordei e me despedi, pois já havia passado do
horário e disse que continuaríamos a conversa na próxima aula.(XVIII, 7B)
Na aula seguinte o diálogo continuou:
Rodrigo disse então que deveríamos fazer o que a maioria decidisse.
Continuei a discussão perguntando como iríamos garantir que quem não se
interessasse pela atividade determinada participaria da aula, uma vez que
isso não aconteceu em nenhuma das aulas anteriores, as quais sempre
tiveram alunos que ficaram de fora. (...) Juliana levantou a mão, pedi para
que falasse e ela disse que tem coisas que as pessoas não gostam, mas que
tem que serem feita para aprender. Willian e Raika disseram então para
que eu deixasse quem queria jogar bola na quadra e as outras pessoas
jogando vôlei ou fazendo outra coisa que gostassem. (...) Raika levantou a
mão, e passei-a a palavra. Ela propôs que todos fizessem a aula, pois no
dia que fosse realizado futebol, todos fariam, quando fosse o vôlei, todos
fariam também, mesmo não gostando, assim, todos teriam oportunidade de
fazer alguma coisa que goste. (XIX, 1-B)
Outro diálogo que merece destaque ocorreu na ultima intervenção, quando
após um jogo de queimada em que os times foram selecionados por duas meninas, e ao chegar
na sala perguntei se durante a escolha dos times todos tinham sido escolhidos com respeito. A
resposta das crianças traz à tona a questão de gênero que, comumente observada em aulas de
129
Educação Física, é colocada em pauta na discussão assim como outras formas de
preconceitos, sugerindo mais possibilidade para o trabalho com a temática do respeito. A
resposta à pergunta segue abaixo:
Rodrigo, Bianca e Lais Monique levantaram a mão, respectivamente.
Seguindo a ordem estabelecida Rodrigo falou que teve um pouco de
bagunça, mas, acredita que houve respeito. Bianca disse que não, pois teve
muita bagunça e Lais Monique disse não ter havido respeito por que tem
gente que escolhe pela aparência e jeito de vestir. Neste momento Joice
Tamisa concordou com Lais Monique e complementou dizendo que os
meninos não gostam de escolher meninas só por que elas não sabem jogar
direito. E Fontão disse que tem gente que não escolhe as pessoas que não
correm muito. (XXIII, 5-D)
Nesta categoria também é possível perceber, observando a Matriz Nomotética,
que existem muitas unidades de significado apresentando divergências (18 registros), ou seja,
muitos momentos foram adotadas, na tentativa da construção do diálogo, condutas que não
favoreciam o mesmo por mim e pelos/as educandos/as. É importante salientar que tanto eu
quanto as crianças não estávamos acostumados às aulas na perspectiva dialógica, isso indica
uma possibilidade de justificar estas divergências.
Grande parte destas divergências são momentos de dispersão em que as
crianças, com conversas e brincadeiras paralelas não favoreciam o diálogo e eu em muitos
destes momentos intervinha na tentativa de controlar a situação e restabelecer o diálogo.
As crianças saíram com grande agitação, e após chegarem no pátio
ficaram correndo, brincando de pega-pega, dançando, conversando, dentre
outras coisas. Haviam apenas cinco (Juliana, Kelvin, Miguel, Lais Monique
e Ana Paula) alunos próximos a mim esperando para iniciarmos a aula.
Chamei as crianças dizendo: “vamos lá pessoal!” E nenhum sinal de
mudança na situação. Então tentei novamente: “vamos lá pessoal!”
“Vamos começar a atividade!”. E nenhuma alteração. Aguardei alguns
instantes esperando que toda agitação passasse e a espera também foi em
vão. Mais uma tentativa, desta vez com o tom de voz alterado: “vamos
começar a atividade pessoal!” E a situação continuou como estava. As
crianças que estavam comigo esperando o início das atividades disseram:
“vamos começar nós, deixa eles pra lá”. Chamei a atenção de todos com o
tom de voz muito elevado, ordenei a formação de duas filas, uma de
meninos e outra de meninas, para dividir a turma de modo rápido. Só
assim as crianças começaram a se organizar para realização da
atividade.(XVI, 2d-B)
130
A esta altura a conversa e a agitação já havia tomado conta do ambiente
novamente, e eu tentava conversar com as crianças, porém não estava
sendo ouvido, e falava em vão: “pessoal atenção!”, “vamos colaborar pois
preciso conversar com vocês!” Alguns gritos dizendo: “Agora chega!” e
“Vamos parar com esta conversa!” foram as soluções que encontrei para
resolver momentaneamente o problema.(XVIII, 6d-B)
Após sentarmos, antes mesmo de iniciarmos o diálogo, vários alunos se
levantaram e começaram com conversas paralelas e brincadeiras, uns
mexendo com os outros ou mesmo se batendo e algumas meninas dançavam
(Vitória, Bruna e Camila). (XIII, 3d-B)
Momentos como os descritos foram algumas das maiores dificuldades
encontradas por mim durante a intervenção, pois a conduta dos/as educandos/as não favorecia
o diálogo e como estava lidando com um grande número de crianças, muitas vezes sentia
limitações para solucionar o problema de maneira dialógica.
Interessante destacar que em alguns momentos foi possível perceber que as
crianças sentiam necessidade, e cobravam de mim, uma postura mais rígida para restabelecer
a ordem durante as aulas, talvez por estarem acostumados a este tipo de tratamento dentro da
escola, como podemos notar no fragmento seguinte:
As conversas e brincadeiras paralelas não cessavam, e alguns alunos
começaram a se irritar. Lais Monique pediu para que eu desse um grito
para que parassem e pudéssemos começar. Rodrigo na mesma condição
disse que eu não tinha autoridade, pois eu deveria gritar com eles para que
parassem logo com a bagunça.(6d-B)
Como foi possível notar, estes diálogos anteriormente representados por
fragmentos dos diários de campo, foram de extrema relevância para o trabalho com o tema
gerador “respeito”. Estes possibilitaram grandes aprofundamentos durante as discussões
desencadeadas nas aulas, uma vez que as crianças se envolviam e participavam das mesmas,
dialogando, normalmente, sobre uma situação real vivenciada na aula, tentado superar os
problemas advindos desta em comunhão.
131
C – Contribuições da professora de sala para desenvolvimento da intervenção dialógica
Apesar de apenas quatro unidades, a formação desta categoria revela a
importância do trabalho em comunhão, pois descreve situações onde a professora de sala,
PEB-I (professor de educação básica I), auxilia o desenvolvimento da intervenção dialógica.
Em algumas aulas as crianças deveriam elaborar representações teatrais relacionadas ao tema
respeito, porém como o tempo da aula é relativamente pequeno, e diante da dificuldade que as
crianças apresentaram para organizarem sozinhas para ensaiar, determinou alguns períodos de
suas aulas para que pudessem realizar os ensaios.
Cheguei a sala de aula e os(as) alunos(as) comemoraram animados.
Perguntei como estavam as encenações teatrais e as crianças disseram que
estavam prontos, pois a professora havia deixado-os ensaiar no dia
anterior. (VII, 1-C)
A professora da sala combinou com eles ainda em minha presença que na
sexta-feira ela sairia com eles durante um tempo para que eles ensaiassem
as reconstruções teatrais. (VII, 8-C)
A professora percebendo a situação disse que na sexta-feira disponibilizou
um tempo da aula para que as crianças ensaiassem as peças, mas, que
muitas em vez de ensaiar ficaram brincando e por isso muitos grupos não
conseguiram apresentar. (VIII, 5-C)
(...) muitos se sentiam tímidos e tinham que ser incentivados por mim, pela
professora, (...)(XIV, 2-C)
A participação da professora facilitou e complementou as intervenções quando,
cedendo espaço em suas aulas, incentivou as crianças e valorizou a atividade que estava sendo
realizada, mostrando-se preocupada e consequentemente pertencente ao grupo.
D – Atividades originadas nas aulas de Educação Física a partir da dialogicidade
As atividades realizadas nas aulas, originadas a partir dos diálogos entre
educador/a-educandos/as e vice-versa, deram origem a está categoria de análise. Fragmentos
dos diários estão expostos a seguir ilustram a realização das atividades.
Apresentações teatrais foram elaboradas apresentadas, em grupo, pelos/as
educandos/as tendo como pano de fundo o tema gerador respeito:
132
O Grupo 1, cuja temática era respeito na rua, representou um encontro
entre duas mulheres na rua que começaram a discutir e se agredirem
verbalmente até que outras pessoas que passavam por perto viessem para
ajudar a resolver o conflito. O Grupo 2, respeito e meio ambiente,
representou um garoto que cortava uma árvore enquanto uma turma
passeava por perto e viu a ação do mesmo, e indignados vão tirar
satisfação e inicia-se uma grande confusão que termina com o
convencimento do garoto de que derrubar árvores não é bom para a
natureza. (VII, 4-D)
Como todas as apresentações abordaram o respeito sempre depois de ter
ocorrido o desrespeito, solicitei que os grupos reestruturassem as apresentações para a
próxima aula, tentando elaborar uma encenação diretamente relacionada com o respeito.
Alguns grupos conseguiram:
O Grupo 1 – tema respeito na rua - apresentou uma cena diferente da aula
anterior, no entanto, cumpriram o objetivo de representar o respeito, pois
realizaram uma cena onde duas pessoas desconhecidas ajudam uma
senhora idosa a atravessar a rua. O Grupo 2 – tema respeito e natureza com apenas dois integrantes, representaram um garoto plantando uma
árvore e, sua amiga surpresa com tal gesto vindo de um garoto que
adorava destruir árvores. O garoto diz que só esta fazendo aquilo por que a
mãe mandou e a garota diz que ele não deve fazer só por que a mãe manda,
mas sim por que é importante para a natureza plantar árvores, pois já
existe muito desmatamento.(VIII, 3-D)
Outra atividade interessante originou-se após um jogo tradicional de queimada,
pois com os conflitos e desinteresses gerados neste jogo foi possível discutir alguns pontos e
pedi para que as crianças mudassem as regras para tentar diminuir os conflitos do jogo, e
trouxessem na aula seguinte para apresentar a turma. Segue alguns dos jogos apresentados:
(...) Kelvin, Raika e Juliana trouxeram um jogo que eles chamaram de
“queima queima” e que as regras apresentadas foram: não pode mentir e
se alguém sair do jogo a equipe perde ponto (...) Fontão, Davi e Willian
apresentaram um jogo chamado “queimada maluca” onde a queimada
deveria ser jogada com os pés e em forma de campeonato, ou seja quatro
times, um jogando contra o outro para ver quem seria o melhor.(...) Vitória
133
(...) mostrou (...) um jogo chamado “queima e passa” com as regras
semelhantes a da queimada tradicional possuindo apenas duas alterações:
1) quem fosse queimado teria que passar a bola para outra pessoa ao invés
de jogar ela mesma como de costume e 2) a pessoa que está com a bola no
morto pode dar três passos dentro da quadra adversária na tentativa de
queimar alguém, porém ela não pode passar a bola para seu time quando
estiver se utilizado desses passos. (XI, 2-D)
Após as apresentações votamos e praticamos o último jogo, porém os conflitos
continuaram, então resolvi trazer uma queimada cooperativa para as crianças pudessem ao
final da aula comparar com as que já haviam sido vivenciadas. Segue registro desta atividade:
Iniciei a apresentação das regras da “queimada cooperativa” (...)
expliquei as duas alterações que diferenciavam a queimada cooperativa da
tradicional, que eram: as pessoas queimadas iriam para o morto onde
ficariam até que três pessoas fossem queimadas e então poderiam sair(...);
as pessoas que saíssem do morto deveriam entrar no time “adversário”.
(...) Em um momento do jogo, Joice Tamisa pegou a bola antes que ela
ultrapassasse para seu campo e Miguel, integrante da mesma equipe, parou
o jogo e disse “você pegou a bola no campo deles, a bola é deles” e
devolveu a bola para o outro time. Dulce Maria foi queimada duas vezes, a
cada momento estava em um lado da quadra. Rodrigo não aceitou as
regras do jogo, pois foi queimado e quando a terceira pessoa após ele foi
queimada ele não quis entrar no time adversário. (XII, 1-D)
A conduta de Miguel durante este jogo merece atenção, pois é possível que
esta tenha sido estimulada em virtude do trabalho com o tema respeito, uma vez em nenhum
momento das aulas de Educação Física havia presenciado uma cena como esta.
A capoeira também foi conteúdo de nossas aulas, buscando relacioná-la com
respeito enfatizando questões históricas como escravidão, perseguição e preconceitos.
Para isso utilizamos jogos lúdicos como “escravo e capitão do mato”:
Recomecei a atividade solicitando que duas pessoas que fizessem parte do
trio ficassem de frente uma para a outra e dessem as mãos e que o terceiro
integrante entrasse no meio. Escolhi um aluno para ser pegador, no caso,
“capitão do mato”. As pessoas de mãos dadas seriam a “capoeira”, ou
seja, o mato ralo e os integrantes no meio das capoeiras seriam os escravos
fujões. Cada vez que um escravo entrasse em uma capoeira o outro já
descansado, que lá estivesse, deveria sair. (XIII, 7-D)
134
Com todos entendendo a dinâmica da brincadeira ampliei para todo o
bosque, onde cada árvore seria uma capoeira onde só poderia ficar um
escravo e coloquei mais um capitão do mato. Reuni os(as) alunos(as) já
cansados de correr, disse a eles(as) que a situação dos escravos era como
aquela, ou seja, ficavam presos nas fazendas e quando conseguiam fugir
tinham que lutar sempre contra os capitães do mato para continuar livres e
que a capoeira foi fundamental nessa luta pela liberdade. (XIII, 9-D)
Atividades com ladainhas, músicas utilizadas nas rodas de capoeira, também
fizeram parte aulas e possibilitaram discussões que contribuíram bastante para o resgate
histórico da capoeira.
Coloquei para tocar a música chamada de “navio negreiro”.
(...)
Navio negreiro
De Angola chegou
Trazendo dinheiro
Escravo que é valor
(...)
Trazendo dinheiro
Trazendo o meu amor
Ao término da canção (...) “O que esta música nos fala?”, perguntei. “Fala
que os escravos vinham de Angola”, responderam. “E o que mais?,
perguntei. “Fala também que os navios traziam dinheiro”, responderam.
“E que dinheiro é esse?” Questionei. “É o escravo que seria vendido para
trabalhar na cana.” (...) continuei indagando se havia mais alguma coisa
que queriam comentar (...) Disseram que o navio também trazia amor do
escravo, então perguntei que amor era este. Lais Monique respondeu-me
dizendo que poderia ser uma namorada ou mulher do escravo. Jack Sparow
disse que poderia ser o filho dele também. Complementei falando que
realmente poderia ser isso, pois muitas vezes vinham famílias inteiras nos
navios e que, quando chegavam, eram vendidos para compradores
diferentes. “E a expressão ‘escravo que é valor’ o que significa?”
Perguntei continuando a discussão. “Dinheiro!” Responderam. Indaguei se
o valor comercial era o único valor que os escravos tinham. Miguel disse
que não, que eles trouxeram coisas como a capoeira. Complementei
dizendo que eles trouxeram sua cultura e que as influências delas estão
evidentes em nosso país.(XIV, -D)
Depois iniciamos uma pequena roda de capoeira onde:
Jack Sparow e Miguel auxiliaram com exemplos, pedi para que um
representasse o capitão do mato e o outro ou escravo fugitivo, que se
135
encontravam e que tinha que lutar para defender seus interesses, um o
dinheiro por recuperar o escravo fujão e o outro sua liberdade.
Então os meninos começaram um jogo de capoeira em câmera lenta, para
que os outros vissem e tentassem posteriormente realizar algo semelhante.
Coloquei (...) canção do marinheiro para que os meninos acelerassem um
pouco o jogo e convidei que se sentisse à vontade para escolher um
parceiro e entrar na roda para vivenciar. Aos poucos as crianças foram
tomando coragem, vencendo a vergonha e entrando na roda. Rodrigo me
convidou para entrar na roda e jogar com ele e eu aceitei. Então aumentou
o número de crianças querendo entrar na roda. Quando saí da roda notei
que já haviam três pares jogando juntos de uma só vez.(XIV, 4-D)
Outros jogos lúdicos, como “senzala e quilombo” e “duro ou mole de
capoeira”, também fizeram parte das aulas.
Após construir juntamente com educandos/as a senzala e o quilombo iniciamos
a brincadeira:
(...) reuni todos e reiniciei a explicação do jogo, disse que a senzala seria o
local, onde ficariam presos os escravos capturados pelos capitães do mato,
e os mesmos ficariam ali aprisionados até que um escravo livre tocasse
nele para que este pudesse fugir. Disse que o quilombo seria o local onde
ficar os escravos fujões poderiam se abrigar com segurança. Falei também
que este quilombo é pequeno e só cabem três escravos por vez(um em cada
arco), ou seja, quando um escravo chega para se abrigar o que esta aqui
tem que sair. O jogo termina quando todos os escravos forem presos ou os
capitães cansarem e desistirem da perseguição. (XV, 3-D)
E na mesma aula realizamos o duro ou mole de capoeira que:
(...) consiste em um pega-pega onde quem foi pego fica como estátua em
uma posição de capoeira e para salvá-lo seria necessário que outra pessoa
realizasse um outro movimento de capoeira. Definimos como posição de
duro a “cocorinha” um posicionamento de defesa, e para salvar deveria
realizar o movimento chamado de “queixada”, sugerido por Jack Sparow e
Raika, que consiste em passar a perna por cima do oponente e caracterizase como movimento de ataque.(XV, 4-D)
136
Nas unidades de significado classificadas para esta categoria, nota-se a
presenças de importantes diálogos durante as atividades como podemos observar na situação
de aprendizado do movimento “Aú”(estrela na capoeira) descrita no fragmento abaixo:
Após algumas tentativas Lais Monique conseguiu realizar a estrelinha com
as pernas ainda flexionadas, elogiei o movimento, e ela perguntou
“consegui?”, então respondi “já conseguiu realizar o movimento, porém as
pernas ainda estão flexionadas, mas com mais algumas tentativas você já
conseguirá estender”. Jack Sparow que estava por perto e ouviu a conversa
interrompeu e disse: “mas para o jogo de angola já esta bom!” Concluí
dizendo: “realmente o jogo de angola, pelo que eu conheço, é mais rasteiro
e os movimentos são mais próximos do chão”. (XVI, 7-D)
O trecho acima descrito ilustra um momento de educação em comunhão, onde
o aluno Jack Sparow, a partir de seu saber de experiência feito com a capoeira, faz asserções
sobre o movimento realizado por sua colega dizendo que este pode ser considerado adequado.
Outro diálogo interessante ocorreu durante a brincadeira do “corre cutia Aú”
(que difere do tradicional, pois ao invés das crianças ficarem “chocando” no meio da roda elas
tinha que realizar o movimento Aú), quando chegou a vez de Kelvin e ...
(...) ele não quis, estava com vergonha e disse que não sabia realizar o Aú.
De fato ele ficava conosco na atividade, mas não me lembrei dele treinando
o movimento com as outras crianças. Então pedi para que realizasse
qualquer outro movimento da capoeira que já havíamos feito ou que
conhecesse, mesmo assim não quis. Então pedi para que Raika
demonstrasse um movimento que fosse fácil de realizar para que ele
pudesse fazer, ela então realizou uma “benção” e ele perguntou: “é só
isso?” e eu respondi: “sim. E aí, topa fazer?” , ele concordou, entrou na
roda, realizou de maneira apressada e saiu.(XVII, 6-D)
Este diálogo possibilitou que Kelvin participasse da atividade, pois por meio
de sugestões de sua amiga conseguiu realizar um movimento mais simples, porém ainda
contextualizado com o universo da capoeira.
Ainda no trabalho com o conteúdo capoeira, outros diálogos demonstram a
importância de considerar o saber que educandos/as trazem com sigo. Como podemos ver no
memento em que solicitei auxilio para determinarmos os movimentos que iríamos realizar.
137
Perguntei quem poderia nos mostrar um movimento de capoeira, e Miguel
se manifestou interessado e chamou Raika para ajudá-lo na demonstração.
Ele me perguntou qual movimento, e disse um movimento que ele
acreditasse ser fácil de aprender e que todos pudessem realizar. Ele disse a
“Benção”, então (...) perguntei sobre um movimento para a Raika de se
defender. Ela perguntou se poderia ser a “esquiva” e eu acenei
positivamente com a cabeça. Solicitei que (...) prestassem atenção nos
colegas que fariam a demonstração, pedi para que começasse um
realizando a Benção e o outro a Esquiva e invertendo o papel, após a
Esquiva responderia com a Benção e vice-versa.(XVIII, 1-D)
Durante o desenvolvimento do conteúdo futebol, dois diálogos chamaram a
atenção. O primeiro mostra a reação de alguns educandos mediante a divulgação dos
resultados da votação realizada para definirmos os conteúdos de aula, na qual o futebol ficou
em primeiro lugar. Um educando queria separar meninos e meninas, porém, como vinha
sendo combinado de todos/as fazerem tudo juntos, Fontão lembra seus colegas que não deve
separar a turma.
Com o anúncio da apuração, Rafael, Rodrigo, Davi, Willian e Vitor
pediram para que eu pegasse a bola para que eles jogassem. Antes que eu
me pronunciasse a respeito Willian disse: “ai você deixa as meninas
jogando na quadra e os meninos jogando no campo!” Fontão respondeu a
Willian dizendo: “não! Tem que jogar todo mundo junto, não lembra!”
Respondi concordando com Fontão e dizendo que começaríamos o trabalho
com o futebol apenas na próxima aula. (XX, 3-D)
O segundo mostra um comprometimento da aula com sua tarefa, algo que não
estava sendo comum durante as aulas como poderemos notar durante a discussão da próxima
categoria.
Raika, que tinha faltado na aula anterior, faltou novamente, porém
foi à escola para entregar, a seu grupo, sua parte do trabalho.(XXI,
4-D)
138
É importante ressaltar que todo trabalho com o tema gerador respeito foi
realizado durante o desenvolvimento de conteúdos específicos da Educação Física como:
brincadeiras populares (pega-pega, corre cotia, duro ou mole, queimada), modalidades
esportivas (futebol, vôlei), lutas (capoeira), Dança (música e a ginga de capoeira), expressão
corporal (encenações teatrais); mantendo, portanto, a identidade deste componente curricular.
E – Resistência na realização das tarefas
Outra grande dificuldade que encontrei durante as intervenções foi a
resistência dos/as educandos/as para realização das tarefas propostas. Com auxilio da Matriz
Nomotética podemos observar a existência 26 unidades de significado nesta categoria, todas
convergentes, ou em outras palavras, muitas crianças não realizavam ou realizavam
parcialmente as tarefas e atividades propostas.
As tarefas solicitadas para serem feitas em casa tinham um índice muito baixo
de retorno. Isso fica evidente quando analisamos os trechos abaixo transcritos:
Quanto à tarefa solicitada em aula anterior, apenas 6 crianças trouxeram.
Ficou combinado para próxima aula que os grupos pendentes se
apresentariam e que será o último prazo para entrega das entrevistas. A
discussão sobre as apresentações também seria realizada na próxima aula.
(VIII, 6-E)
Perguntei também sobre a entrevista que a maioria da turma ficou devendo
na aula anterior e percebi que mais ninguém havia feito a tarefa. (XI, 3-E)
Ainda com relação às tarefas de casa, muitas foram feitas de qualquer maneira
revelando pouco comprometimento por parte dos/as educandos/as com as mesmas.
As crianças tinham como tarefa, trazer na aula seguinte uma notícia ou foto (de
jornais ou revistas) que relacionassem futebol com respeito, para que em grupo de 4 ou 5
pessoas elegessem, entre as notícias que cada um trouxe, a mais interessante e apresentassem
para turma. Um grupo de meninos teve apenas um integrante que trouxe a notícia, pedi para
que apresentassem e ...
Não sabiam dizer do que se tratava a notícia e muito menos a relação dela
com o respeito. Perguntei sobre o que era a notícia e ele não soube dizer.
139
Perguntei como ele escolheu a notícia se não sabia sobre o que se tratava.
Respondeu dizendo: “Não sei, precisa ler pra saber!”. Perguntei se ele ou
o restante do grupo tinha lido e responderam negativamente.(XXI, 5-E)
Outro ponto de resistência foi a realização das tarefas (participação das
atividades) em aula, os registros dos diários mostram ter ocorrências desta natureza em quase
todas as aulas. Normalmente está resistência se apresentava de três formas:
A primeira refere-se às conversas e brincadeiras paralelas por parte de
Educandos/as durante as atividades.
(...) as meninas ainda não haviam voltado do bebedor, procurei saber onde
estavam e observei que as mesmas encontravam-se no brinquedo de parque
recém construído no bosque da escola e junto com elas haviam mais
algumas crianças que saíram do jogo sem que eu percebesse. (...) pedi para
que voltassem para aula, pois a mesma estava sendo realizada na quadra e
que o brinquedo elas devem utilizar no horário do intervalo. As alunas não
retornaram à quadra(...)(XII, 2-E)
Novamente conversas e brincadeira paralelas voltaram a fazer parte da
aula, tinham crianças correndo durante a atividade com o intuito de bater
no outro como forma de brincadeira, outros alunos aproveitaram que não
estava chovendo e foram para um brinquedo de parque instalado no bosque
e um outro número grande de crianças ficaram sentadas nos bancos que
rodeiam o pátio.(XVI, 4-E)
Ariadne e Amanda ficaram, no fundo do campo brincando paralelamente à
atividade, de pega-pega entre elas e fugiam de Carlos.(XXIII, 3-E)
Notei que apenas três ou quatro duplas estavam atentas, o restante não
estava prestando atenção nos colegas que faziam a demonstração: algumas
crianças dançavam, outras estavam envolvidas com provocações que
culminavam em perseguições, as quais atrapalhavam as pessoas que
estavam tentando realizar a atividade ao ponto de fazer com que estas se
desmotivassem e saíssem da atividade, e ainda havia uma grande
quantidade de crianças sentadas que estavam conversando ou brincado de
empurrar a outra até que esta caísse do banco (...)(XVIII, 2-E)
A segunda trata das crianças que se negavam a participar sem justificativa
alguma, ou então sob justificativas de não querer sujar a roupa ou de não gostar da atividade.
140
Notei que poucos alunos(as) se atentavam a minha fala, muitos estavam
conversando outros assuntos e Ana Paula, Vitória, Camila e Bruna estavam
dançando e cantando funk. (...) Pedi para que elas se juntassem ao grupo e
elas disseram que não queriam. Perguntei o porque e disseram que não
gostavam daquela brincadeira. Indaguei se elas sabiam que brincadeira
era, responderam que não. Perguntei como podem não gostar de uma coisa
que não sabem nem o que é, então ficaram em silêncio. Disse à elas para
que se sentassem no banco e assistissem a atividade caso não fossem
mesmo participar. (XIII, 6-E)
(...) um pequeno grupo de meninas onde algumas ficaram dançando
(Bruna, Vitória, Mariana) e outras sentadas (Paula, Bianca, Rafaela, Ana)
com a desculpa de que não gostavam da atividade ou de que não
conseguiam fazer estrela. Disse que quanto ao fazer o movimento de
estrela, era o momento de aprender, pois o objetivo da aula era justamente
esse, e dei exemplos das colegas que também não sabiam, mas que estavam
tentando, e já estavam realizando movimentos bem parecidos. Mesmo assim
estas continuaram sem participar.(XVI, 6-E)
Percebi que Amanda, Mariana e Marcela não trocaram de lugar com os
outros que estavam jogando, levantaram do banco de espera, andaram
pelas cadeiras, cochicharam no ouvido de outras crianças, as quais
voltaram para o jogo, e elas retornaram ao banco.(XXII, 9-E)
A terceira forma foi a desmotivação ocorrida por conta do longo tempo de
espera em uma das atividades realizadas, talvez esta tenha sido inadequada para trabalhar com
o número de crianças em questão.
As crianças começaram a reclamar, pois não estavam sendo escolhidas,
porém tinha cerca de 29 crianças brincando, por mais que não se
repetissem os jogadores, o tempo de espera seria grande e isso desmotivou
quatro crianças (Vitor, Isadora, Gilberto, Davi) que saíram da brincadeira.
Pedi um pouco de paciência, mas não resolveu.(XVII, 5-E)
O próximo fragmento merece uma atenção especial, pois momentos como o
que será descrito não foram muitos, porém existiram e indicam possibilidade de vencer a
resistência dos/as educandos/as para com a realização das atividades.
Muitos alunos ficaram de fora da brincadeira no inicio, apenas 18 crianças
de 34 começaram na atividade, o restante ficou apenas observando. Com o
passar do tempo às crianças foram entrando, inclusive duas das meninas
que estavam dançando, e logo apenas quatro crianças estavam fora da
atividade. (XIII, 8-E)
141
Considerações
O diálogo com a comunidade escolar foi fundamental para elaboração do
planejamento participativo, pois possibilitou a identificação do tema gerador “relacionamento
interpessoal”, o qual, para efeito dos trabalhos com as crianças foi denominado “respeito”.
Como foi possível notar este tema foi o que teve maior ocorrência nas sugestões registradas
entre as crianças, entre funcionários/as e entre pais, mães ou responsáveis, o que mostra a
relevância do trabalho com o mesmo.
Este tema foi intensamente estudado durante aulas, como pôde ser observado
nos diálogos que ilustraram este trabalho. Concordando com Freire (2005a) buscamos durante
as aulas o exercício da verdadeira práxis, ou seja, da reflexão e ação dos homens e mulheres
sobre o mundo. Promovendo durante as atividades discussões que possibilitassem ao grupo
diagnosticar um problema a partir de uma situação real, e procurar uma solução para tentar
transformar aquela realidade em outra desejável e conseqüentemente se educavam em
comunhão.
A Categoria “atividades originadas nas aulas de Educação Física” mostra em
seus resultados, que conteúdos como: brincadeiras populares, modalidades esportivas, lutas,
dança, expressão corporal, específicos da Educação Física Escolar foram efetivamente
desenvolvidos nas intervenções, o que preserva a identidade deste componente curricular.
Além disso foi possível perceber no decorrer deste estudo, a grande contribuição do saber de
educandos e educandas para elaboração e seleção de atividades realizadas em aula, pois estas
foram originadas durante as discussões promovidas pelo grupo ou em sugestões feitas por
educandos e educandas durante a fase de planejamento. No inicio deste trabalho diversos
foram os autores (FREIRE, 1996 e 2005b; LAROSSA BONDÍA, 2002; KUNZ, 2003), que
enfatizam o saber do/a educando/a como sendo de grande importância para o processo
educativo.
Dentre as dificuldades encontradas nos processos de intervenção uma das mais
preocupantes foi a resistência das crianças em realizarem as tarefas de casa e as atividades em
aula. A desvalorização da Educação Física, dentre outros fatores, pode justificar essa
resistência, pois segundo estudo realizado por Betti (1992) algumas crianças não
compreendem a Educação Física enquanto disciplina ou matéria.
A dificuldade de diálogo nas aulas também foi constante, principalmente
durante os momentos de discussão, onde as crianças dispersavam e começavam com
brincadeiras e conversas paralelas, e a todo momento eu tinha que chamar a atenção do grupo
142
na tentativa de retomar o diálogo. O grande número de crianças nas turmas assim como a falta
de hábito de trabalho na perspectiva dialógica, por parte minha e das crianças, pode justificar
parte desta dificuldade. É relevante destacar que entendo estas dificuldades como parte
integrante do processo de busca do dialogo, ou seja, a construção de uma relação dialógica
perpassa por este exercício do diálogo, uma vez que a cada tentativa percebemos novos
elementos para reflexão podendo assim traçar novos caminhos rumo ao dialogicidade.
A conversa com os pais mães ou responsáveis, apesar de tranqüila, permite
observarmos a falta de diálogo entres estes e a escola, acostumados a freqüentá-la apenas para
ser informados sobre rendimento dos/as filhos/as, quando solicitados em sugestões sobre o
que deveria ser ensinado a seus filhos/as, muitos não tinham idéia do que falar, e só o fizeram
quando conversei individualmente com estes.
Como foi possível notar as reuniões no espaço escolar são muito pouco
aproveitada, a presença dos pais e mães na verdade representam a ausência, uma vez que estes
e estas não participam das decisões administrativas e pedagógicas da escola que está
formando seus filhos e filhas, sendo chamados apenas ser informado sobre o rendimento
escolar, principalmente o baixo rendimento, e o comportamento, normalmente criticando o
“comportamento inadequado”, das crianças. Sendo assim estes pais e mães acabam por não se
reconhecerem enquanto comunidade escolar, e desta maneira não percebem os problemas da
escola e quando os percebe acredita ser este um problema apenas da escola não se sentindo
responsável nas cobranças e exigências por melhores condições educacionais para seus filhos
e filhas.
Situação semelhante foi encontrada entre as inspetoras de alunos que disseram
não ter idéias para sugerir, e que o que eu fizesse estaria bom. Estas não costumam ser
consultadas nas decisões da instituição. Semelhante ocorre com os demais funcionários e
funcionárias da escola, uma vez que, com exceção de professores e professoras, nenhum deles
participam das reuniões pedagógico-adminstrativas da escola como Horários de Trabalho
Pedagógico Coletivo (HTPC) e Planejamento, tornando irrelevantes as experiências destas
pessoas apesar destas manterem grande e valioso contato com educandos e educandas.
Outros dois pontos que merecem destaque foram observados no decorrer das
intervenções:
O primeiro deles é o rompimento da resistência das crianças em realizar
atividades nas aulas. Algumas crianças que diziam não querer participar da atividade,
mudavam de idéia após o inicio da mesma e entravam no jogo ou brincadeira que estava
sendo realizado na ocasião.
143
O segundo foi às mudanças no comportamento de alguns educandos/as, que
foram observadas nos registros dos últimos diários de campo. Como foi apontado por Freire
(2005a, 2005b), Merleau-Ponty (1996) e Sérgio (1994) no inicio desta pesquisa, a relação de
comunhão é de extrema importância para o desenvolvimento do grupo e das pessoas que dele
fazem parte, sendo assim, as situações de cooperação, responsabilidade, preocupação coletiva
e de justiça descritas no decorrer do estudo, nos revela que o trabalho desenvolvido com a
temática respeito, pode ter sido responsável pela inspiração de tais condutas entre educandos e
educandas.
Quanto à participação das crianças nas aulas, posso dizer que, assim como na
situação inicialmente descrita na introdução desta pesquisa, ainda houveram alunos/as que
não participavam das atividades, porém, a participação dos que se envolveram foi mais
efetiva, uma vez que estes tiveram nas aulas verdadeiras possibilidades de exercício da práxis
e se integraram no processo de construção do conhecimento assumindo-se, segundo Freire
(1996), como sujeito da produção do saber.
Uma Educação Física Escolar que busca uma educação comprometida com a
comunidade deve garantir a criança possíveis entendimentos sobre a realidade, ou seja, os
conhecimentos, e para tanto elas necessitam de um “...processo e de uma experiência
autônoma que implique no exercício da reflexão critica, nas escolhas e nas tomadas de
decisões dentro do próprio processo educativo, sendo esta condição indispensável para que
uma educação pela e para cidadania ocorra.” (CORREIA, 1996, p.46)
Estas pequenas mudanças ilustram como o processo de transformação das
práticas educativas é lento, porém indicam a existência da possibilidade de transformá-las.
Contudo é preciso lembrar, que apesar de envolver toda comunidade escolar, estas
intervenções foram realizadas apenas dentro do componente curricular Educação Física, e só
“existe uma formação crítico-emancipadora da escola e não de uma disciplina.”(KUNZ,
2003, p.151)
144
Referências
BETTI, Irene C. R. O prazer em aulas de educação física escolar: a perspectiva discente.
1992. 92 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1992.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução
à teoria e aos métodos. Porto, Portugal: Porto Editora, 1994.
CASCO, P. O esporte escolar e a experiência democrática. In: Efdeportes, revista digitalBuenos Aires - Ano7 - Nº36 - Maio de 2001. Disponível em: <http://www.efdeportes.com>
Acessado em Dez. 2006.
CORREIA, Walter R. Planejamento participativo e o ensino de educação física no 2º grau.
Revista Paulista de Educação Física, supl. 2, São Paulo, p.43-48, 1996.
FREIRE, João Batista. Métodos de confinamento (como fazer render mais porcos, galinhas,
crianças...). In: MOREIRA, W. W. (org) Educação física e esportes: perspectivas para o
século XXI. Campinas: Papirus, p.109-122, 1993.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33ªed.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia do oprimido. 43ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005a.
______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12ªed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2005b.
GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. História da Educação. São Paulo: Cortez, 1990.
GONÇALVES JUNIOR, Luiz; RAMOS, Glauco N. S.; COUTO, Yara A. A motricidade
humana na escola: da abordagem comportamental à fenomenológica. Revista
Corpoconsciência, Santp André, v. 12, p.23-37, 2003.
KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. 5ªed. Rio Grande do Sul:
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KUNZ, Elenor. Educação física: ensino e mudanças. 3ªed. Ijuí: Unijui, 2004.
LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista
brasileira de educação. Nº 19, p.20-28, 2002.
MARTINS, J.; BICUDO, M. A. V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e
recursos básicos. São Paulo: Moraes, 1989.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 2ªed. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
SÉRGIO, Manuel. Para uma epistemologia da motricidade humana. Lisboa:
Compendium, 1994.
145
SÉRGIO, Manuel. Motricidade humana: uma nova ciência para um novo homem. I
Seminário internacional de motricidade humana. São Paulo: Assembléia Legislativa, p.910, 2007.
SILVA, S. A. P. dos S. Educação Física no 1 grau: conhecimento e especificidade. Revista
Paulista de Educação Física, Supl. 2, São Paulo, p.29-25, 1996.
146
Anexo 01 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÂO FÍSICA E MOTRICIDADE HUMANA
PROGRAMA DE DIVULGAÇÃO E ATUALIZAÇÃO NA ÁREA DE
MOTRICIDADE HUMANA
II CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
(LATO-SENSU)
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você, ______________________________________________, está sendo convidado para participar
da pesquisa “Educação física escolar no ensino fundamental: ampliando as possibilidades de
participação”, a qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento, sua
recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição. O objetivo
deste estudo é realizar intervenções em aulas regulares de educação física com intuito de possibilitar
aos alunos maior significação das atividades que serão realizadas por eles, partindo de um
planejamento participativo, que devera ser desenvolvido em conjunto com as crianças, os pais e
funcionários da escola. Sua participação neste estudo consistira em participar das aulas regulares no
período da intervenção desta pesquisa, concedendo a possibilidade de realização de registro
sistemático das observações em diários de campo e entrevistas gravadas para uso exclusivamente
acadêmico-ciantífico. Não há qualquer risco com sua participação e poderá haver benefícios com a
mesma no sentido de melhoria das aulas de educação física, particularmente em termos de estratégias
e procedimentos. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação, pois os
nomes dos participantes e da unidade escolar serão alterados. Você receberá uma cópia deste termo
onde constam os dados documentais e o telefone do pesquisador principal, podendo tirar suas dúvidas
sobre o projeto agora ou a qualquer momento.
_____________________________________
Clayton da Silva Carmo
( RG:_________________/ CPF:___________________/ Tel.:_________________/ Aluno regular do
Curso de Especialização em Educação Física Escolar desta Universidade, orientado pelo Prof. Dr.
Luiz Gonçalves Junior)
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em
participar.
Araraquara, ___/ ___/ 2007.
_______________________________________
Nome do sujeito da pesquisa
(RG:______________/ Tel.: ______________)
_______________________________________
Nome do responsável pelo sujeito da pesquisa
(RG:________________/ CPF:_____________/ Tel.;_______________)
(quando o sujeito da pesquisa for menor de idade ou pessoa com discernimento prejudicado)
147
Anexo 02 - Diários de Campo
Diário de Campo I
Dia 06/08/07
Descrição da escola
A escola em questão, faz parte da rede pública de ensino, pertencente ao estado de São
Paulo, localizada na periferia da cidade de Araraquara. Sua disposição no bairro assemelha-a
com uma ilha, só que ao invés de água, ela é cercada de ruas, pois é construída em um terreno
com forma circular toda cercado por um muro com aproximadamente 2 metros de altura.
A unidade possui três estruturas de alvenaria, a primeira, localizada na parte anterior
do terreno, é composta por diretoria, sala de coordenação, sala dos professores, secretaria,
almoxarifado e banheiro dos professores. A segunda, localizada na parte central, é bem longa
e atravessa quase toda a extensão do diâmetro do terreno e abriga a sala do dentista, o
quartinho de ferramentas, a cozinha, o refeitório, a biblioteca (que também funciona como
sala de vídeo, de computação e cantina) e cinco salas de aula. A terceira é construída
paralelamente a anterior, com cinco metros de distância entre elas, e com aproximadamente a
mesma extensão, está é composta por quatro banheiros para alunos (sendo dois de meninos e
dois de meninas), um pátio coberto e seis salas de aula.
Na porção anterior do terreno temos um jardim com flores, arbustos, um grande
gramado e algumas árvores frutíferas. As crianças não têm acesso a esta parte durante o
período de aulas, apenas passam por ali nos horários de entrada e saída. Na porção posterior
do terreno encontra-se o bosque, área com grandes árvores e alguns espaços gramados com
aproximadamente 2500 metros quadrados, logo depois do bosque temos a quadra
poliesportiva e ao lado o campinho de terra batida. Há ainda, em um dos cantos do bosque
próximo ao pátio da escola, uma pequena quadra de areia e um brinquedo de parque (escada
horizontal). As crianças têm acesso a toda esta última área descrita durante algumas aulas de
educação física e também durante os intervalos (recreio).
A escola conta com o trabalho de 43 funcionários(as), sem considerar as professoras
substitutas e de auxílio do reforço escolar. São estes distribuídos nos seguintes cargos:
01 Diretor de Escola
01 Vice-Diretora
01 Coordenadora Pedagógica
03 Secretários de Escola (1 secretário e 2 secretárias)
03 Professoras PI readaptadas (duas bibliotecárias e uma auxiliar da direção da escola)
22 Professoras PI
02 Professoras de Educação Artística
02 Professores de Educação Física
02 Inspetoras de Alunos
03 Serviços Gerais
02 Merendeiras
01 Jardineiro
148
Reunião com os(as) alunos(as) da turma para definição da aplicação de minha proposta de
projeto de pesquisa/intervenção. Das 14:35 às 14:50.
Terminei as atividades da aula um pouco antes do horário para que pudesse conversar
com as crianças em classe. Ao término da atividade que havia sido realizada no bosque, os(as)
alunos(as) voltaram para sala após beberem água.
Iniciei a conversa explicando que eu participo de um programa de pós-graduação em
Educação Física (especialização) e que neste curso eu estava desenvolvendo um projeto de
pesquisa e que tinha a intenção de desenvolver uma intervenção com a turma deles.
Expliquei como seria realizado o trabalho, dizendo que iríamos organizar as aulas de
acordo com temas ou assuntos que fossem escolhidos por eles, pelos pais, professores(as) e
funcionários(as) da escola, temas estes que acreditassem serem importantes para abordá-los
nas aulas de Educação Física.
Comentei que primeiramente conversaria com seus pais, mães ou responsáveis para
perguntar qual tema acreditavam ser importante, e, posteriormente faria esta mesma pergunta
para eles, para as professoras de arte e da sala e também para os(as) funcionários(as) da
escola. Sendo assim o tema que tivesse maior número de ocorrências, ou seja, mais “votos”
seriam abordados em nossas aulas. (1-A)
Deixei claro para esta turma que as nossas aulas seriam diferentes das demais turmas,
e que não poderia haver reclamações caso aceitassem participar, e que estariam assumindo
esta responsabilidade até o final deste ano. (2d-A)
Após estes esclarecimentos acerca do projeto perguntei se aceitariam participar e
experimentar essa forma de trabalho. Após alguns segundos de conversas entre as crianças
elas decidiram aceitar a proposta e participar. Avisei que conversaria com os pais, mães ou
responsáveis na reunião para pedir a autorização de participação e recolher as sugestões de
temáticas. (3-A)
149
Diário de Campo II - 09/08/07 - 16:10 às 17:10
Neste dia a escola realizou uma das reuniões bimestrais de pais e mestres. Tais
reuniões costumam ocorrer ao final de cada bimestre letivo, onde são entregues aos pais, mães
ou responsáveis, os boletins dos(as) seus(suas) filhos(as), e realizados informes sobre o
rendimento e comportamento deles(as). Ocorrem também comunicações sobre as normas da
escola.
Quando cheguei à sala da 3ª série “X” já havia pelo menos vinte pais, mães e
responsáveis sentados(as) nas cadeiras, a professora PEB I (Professor de Educação Básica I),
normalmente chamada de professora de sala, se encontrava em pé na frente aos presentes
juntamente com o diretor da escola que passava algumas informações e recados aos mesmos.
Entrei na sala cumprimentando a todos(as) com um aceno e me sentei na cadeira da
professora para esperar o final da fala do diretor.
As crianças não estavam presentes na sala de reunião, elas foram dispensadas da aula e
aguardavam seus pais, mães ou responsáveis brincando no pátio, na quadra ou no bosque da
escola.
Ao final da fala do diretor a professora disse aos presentes que eu conversaria um
pouco com eles(as) antes que ela começasse a entregar os boletins e comentar sobre o
rendimento da turma. Iniciei minha fala cumprimentando-os(as) novamente e apresentandome, embora muitos(as) já me conhecessem de reuniões anteriores.
Informei a eles (as) sobre a intenção de realizar um projeto de pesquisa, envolvendo
intervenção, contextualizei sobre o porquê do mesmo, explicando que estava cursando uma
Pós-Graduação em Educação Física Escolar (Especialização) e que estaria realizando esse
estudo como trabalho para o citado curso e, principalmente, como tentativa de melhorar as
aulas de Educação Física na escola.
Descrevi como seria realizado o trabalho informando que pretendia atuar numa
perspectiva de um planejamento participativo, onde todos os membros da comunidade escolar
como: Professores(as), Diretores(as), Coordenadores(as), Funcionários(as), Alunos(as), Pais,
Mães ou Responsáveis, participariam do processo de escolha da temática que seria abordada
nos próximos bimestres. Disse aos presentes que, se concordassem, já iniciaríamos naquela
reunião a coleta das temáticas, que seriam assuntos que eles(as), enquanto responsáveis pelas
crianças, julgavam ser importantes de serem abordados nas aulas de Educação Física daquela
turma.
Disse também que o registro deste trabalho seria necessário, pois poderia tornar-se um
importante subsídio metodológico tanto para mim quanto para outros(as) professores(as) e
pesquisadores(as) interessados(as) em trabalhar com a Educação Física Escolar.
Falei com os pais, mães e responsáveis sobre as condições de trabalho encontradas nas
escolas públicas (falta de materiais, grande número de crianças por sala), e relacionei com a
dificuldade de trazer para essa realidade escolar as novas teorias e metodologias de trabalho
existentes, e novamente procurei demonstrar a relevância da pesquisa em questão.
Após esta fala, perguntei aos pais se aceitariam que realizasse este trabalho, e não
obtive resposta verbal, apenas um silêncio. Interrompi o silêncio após alguns segundos e pedi
aos presentes uma resposta positiva ou negativa. Então surgiram duas perguntas:
1) - Isso vai ser feito durante as aulas normais de Educação Física?;
2) - Vai ter aulas todos os dias?
Esclareci que continuaria havendo duas aulas por semana com 50 minutos cada e que a única
alteração seria a maneira de trabalhar com os educandos e educandas.
Um pai indagou sobre o retorno dos resultados e eu respondi dizendo que inicialmente
tinha pensado em retornar na próxima reunião, mas que se eles achassem interessante uma
reunião antes deste período para obter informações preliminares que eu me comprometeria a
150
organizar. Nesse momento vários pais se pronunciaram dizendo que seria melhor discutirmos
os resultados só na reunião do próximo bimestre.
Então uma mãe disse: “ Por mim tudo bem, eu acho uma boa idéia.” e os demais
também concordaram, uns balançando com a cabeça outros concordando verbalmente. Então,
diante do ocorrido, comecei a distribuir aos pais, mães ou responsáveis,os “Termos de
Consentimento Livre e Esclarecido” (anexo I), que já havia sido lido e comentado com os
mesmos no momento em que informei os objetivos da pesquisa.
Iniciei a coleta das temáticas de interesse dos pais, mães ou responsáveis dizendo para
que eles sugerissem temáticas que gostariam que fossem trabalhadas com as crianças durante
o próximo bimestre. Novamente o silêncio tomou conta da sala, a professora perguntou a mim
se eu não tinha algumas temáticas para sugerir, e eu disse que seria interessante ouvi-los antes
que eu sugerisse algum tema. Percebendo o silêncio como uma dificuldade de entendimento,
esclareci novamente, pois já havia feito isso enquanto explicava como seria a pesquisa, que
temática era um tema para trabalhar durante as aulas que não se restringiria apenas a
Educação Física e que os pais, mães ou responsáveis julgassem importantes ser abordado
durante essas aulas. Ainda permaneceu o silêncio e desta vez eu interrompi dando como um
exemplo de temática a “Violência” e disse aos pais que isso não era um tema da educação
física, de português e nem da história, mas que se a discussão desta temática interessasse ela
seria possível em todas estas disciplinas.
Com isso, o pai de Dulce Maria entendendo o significado sugeriu a temática “saúde e
as relações com as atividades físicas”. Os demais presentes disseram que não tinham nenhuma
sugestão e outros apenas ficaram em silêncio. Disse aos pais que fossem pensando e pedi à
professora que iniciasse sua fala e comecei a tratar com os pais individualmente. Passando de
carteira em carteira fui conversando com os pais e perguntando novamente se eles tinham
alguma sugestão, e durante as conversas individuais os pais em suas falas percebiam
temáticas e me sugeriam.
Duas pessoas concordaram com a temática “saúde” sugerida inicialmente, uma terceira
pessoa, mãe de Juliana, sugeriu que fosse tratado sobre a questão da obesidade e os benefícios
das atividades físicas.
Outra mãe sugeriu a temática “drogas”, enquanto prevenção, e, a mãe do Fontão
abordou a mesma temática enfatizando a questão do corpo e o uso de anabolizantes.
Um pai sugeriu que se tratasse da questão da amizade nas brincadeiras e esportes, um
outro sugeriu que fosse falado do companheirismo e a mãe de Willian disse que seria
importante tratar da “união de grupos para evitar as panelinhas que excluem muitas crianças”.
A mãe de Kesley não sugeriu nenhum tema, mas em suas palavras se mostrou muito
preocupada, pois seu filho é muito tímido e sente vergonha ou medo de errar e não aproveita
as aulas como poderia.
Duas outras temáticas foram sugeridas por uma mãe, “os jogos do Pan”, justificando
que sua filha havia ficado muito envolvida assistindo os jogos e que gostou bastante, e “ação
global”, justificando a “importância em preservar o meio ambiente para evitar o aquecimento
global”.
Prostituição, pedofilia e prevenção de gravidez foram temas sugeridos pela mãe da
Ana Paula, mas a mesma se perguntava se seria cedo demais para tratar deste assunto. Eu
disse a ela que se mais pais levantassem a questão talvez fosse a hora para trabalhar esta
temática.
“Respeito às regras” foi um tema citado pela mãe de Mariana, ela mostrou-se muito
preocupada com isso, disse trabalhar o assunto com a sua filha em casa, mas quando a menina
vem à escola as crianças roubam o lanche e o material escolar dela. Disse nesse contexto que
é muito importante mostrar os limites às crianças tanto na escola quanto em casa.
151
“Família”, a última temática citada, foi enfatizada por uma mãe dizendo que é
importante as crianças aprenderem a “respeitar e valorizas suas famílias e as pessoas”.
Algumas mães pediram para levar o termo de compromisso para casa para conversar
com os maridos para decidir se iriam autorizar e para decidir alguma sugestão de temática.
Permiti que elas levassem, mas orientei para que mesmo que não autorizassem me enviassem
de volta o termo de compromisso em branco.
A professora iniciou a entrega dos boletins e alguns pais foram indo embora e outros
ficaram para falar em particular com a professora. O pai de Dulce Maria, ao final da reunião,
veio falar em particular comigo. Disse que gostou da idéia, que achou importante esse contato
com os professores e perguntou se poderia falar comigo em outro horário caso tivesse mais
alguma idéia de temática para sugerir. Respondi a ele que poderia vir qualquer dia de segunda
a quinta-feira que receberia sem problema algum. (1-A)
Os últimos pais, mães e responsáveis foram saindo e juntamente com eles saímos eu e a
professora, encerrando a reunião.
Assuntos sugeridos pelos pais, mães ou responsáveis agrupados por Tema Gerador
Assuntos
Prostituição; Prevenção de
gravidez
Amizade; Companheirismo;
Formação de Panelinhas;
Timidez;
Vergonha;
Respeito aos familiares,
respeito as regras e amigos
Ação global; Aquecimento
Global; Preocupação com o
Meio Ambiente
Jogos do Pan
Drogas,
obesidade,
benefícios das atividades
físicas a saude
Tema Gerador
Sexualidade
Convergência
1
Relacionamento
Interpessoal (Respeito)
6
Meio Ambiente
1
Esporte
Saúde
1
5
152
Diário de campo III
Dia 13/08/07 das 14:00 às 14:50
Determinação do nome fantasia e coleta das sugestões temáticas dos educandos e educandas.
Cheguei na sala às 14 horas, horário comum das aulas de educação física nesta turma,
e as crianças comemoraram minha chegada como de costume. Perguntaram-me o que
faríamos naquela aula, e eu respondi que começaríamos nosso planejamento participativo
recolhendo as sugestões de temas que eles gostariam de estudar nas próximas aulas. Duas
crianças vieram me entregar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que suas mães
levaram para estudar melhor em casa junto com seus maridos.
Perguntei aos educandos e educandas se preferiam fazer a reunião dentro da sala ou
sentar-se à sombra das árvores num trecho gramado do bosque da escola. Optaram por uma
reunião ao ar livre, mas questionaram se não haveria brincadeiras na aula, pois a outra sala
estava realizando um jogo na quadra. Disse a eles que aquela aula seria para iniciar o
planejamento de nossas atividades e relembrei que já havíamos combinado isso na aula
anterior durante a exposição do projeto de pesquisa, onde deixei claro que em muitas aulas
teríamos momentos de diálogos para discutir as atividades, as aulas e o planejamento. Após
alguns resmungos saímos da sala, uns levando cadeiras e outros, como eu, dispostos a sentar
na grama mesmo.
Sentados dispostos em forma de círculo comecei pedindo para que cada um pensasse
um nome fictício para constar na pesquisa, um nome que gostariam de ter caso pudessem
escolher. As crianças adoraram a idéia e logo começaram a falar nomes, todos de uma só
vez. Eu, sem conseguir entender o que estava sendo falado, pedi para que falassem os nomes
de acordo com a lista de chamada, e assim prossegui registrando os nomes um a um até
terminar a lista.
Reestruturando a forma de círculo na qual havíamos iniciado a reunião, pois a esta
altura já estavam as crianças amontoadas em cima de mim, comentei um pouco da reunião
que realizei com os pais, mães e responsáveis sem, no entanto, citar as sugestões colhidas em
tal evento. Solicitei aos educandos e educandas que sugerissem temas ou assuntos
interessantes para abordarmos durante as nossas aulas. Ocorreram inúmeras e simultâneas
sugestões de modalidades esportivas, e eu não conseguia nem observar quem falava o que, só
escutava os gritos tumultuados: “Vôlei!”, “Futebol!”, “Corrida!”, “Basquete!”. Pedi para que
se acalmassem e disse que não era bem aquilo que eu estava solicitando. Expliquei que o tema
ou assunto que estávamos tratando ali poderia ser algo não relacionado diretamente com a
Educação Física, e que na verdade pode ser abordado por qualquer componente curricular.
Então Dulce Maria, filha do pai que iniciou as sugestões na reunião de pais, disse:
“Esporte e Estudante”, então pedi para que explicasse melhor a idéia, então ela exemplificou
dizendo que enquanto estivessem praticando esporte poderiam estar estudando e aprendendo
outra coisa.
Utilizei a idéia de Dulce Maria para esclarecer o significado de temática, que parecia
um tanto confuso, dizendo que as sugestões que eu estava pedindo nada mais eram do que um
assunto que poderíamos discutir e aprender durante as aulas sem que este fosse a atividade
propriamente dita.
Rodrigo disse na seqüência: “Campanha contra as drogas!” e logo foi complementado
por Raika: “... e álcool professor!”.
Ainda Raika, agora acompanhada por Kelvin, sugeriram o tema “Educação Física sem
violência”. Este tema logo sofreu intervenções de Rodrigo dizendo que o Karatê e a Capoeira
são lutas, e que nem sempre são violentas. Willian pediu para que realizássemos um
153
campeonato de futebol entre as terceiras séries, onde não poderia ter brigas. Fontão falou de
Jogos Educativos como forma de trabalho contra a violência. (1-A)
Os(as) alunos(as) dispersaram e começaram com brincadeiras e conversas entre si,
atiravam pedras, gravetos e folhas uns nos outros e não ouviam mais as sugestões dos
amigos.(2d-A)
Por conta disso chamei a atenção da sala lembrando que, para que as aulas dessem certo, seria
preciso cumprir com a parte deles, então as crianças retomaram seus lugares e voltamos a
reunião.
Outro tema surgiu com a educanda Juliana: “Esporte e Atitude”. Complementou a
idéia dizendo que quando fazem educação física têm que entender o que estão fazendo assim
como é na sala de aula, prestar atenção e entender o que estão fazendo para aprender.
A idéia de Juliana (Juliana) desencadeou nas educandas Joice Tamisa e Lais Monique
sugestões seguidas falando sobre “responsabilidade”. Uma dizia que as crianças deviam ser
mais responsáveis e outra que deveriam ter atitudes responsáveis durante as aulas e parar com
as “gracinhas”. As mesmas garotas sugeriram o tema “esporte estudantil”, e complementaram
dizendo que estes são esportes que ensinam.
Novamente tive que chamar a atenção da turma que se encontrava dispersa e com
brincadeiras que atrapalhavam as tentativas de exposição das demais crianças.
Vitória sugeriu “obedecer aos professores” como tema para as aulas.
Fontão contribuiu com a discussão com preocupações sobre temas como “Dengue”,
“Plantar Árvores”, “Redução do CO2”, “Não utilização de linhas com Cerol” e “Leitura de
livros educativos durante as aulas”.
Bianca fala sobre “respeitar o mundo” e “combater a violência”. Rodrigo levantou a
questão do “aquecimento global”. Raika sugere o “consumo consciente da água” e retoma a
questão “violência” juntamente com Juliana, Willian e Joice Tamisa que nos lembram da
“violência no trânsito”, da “campanha do desarmamento” e da “violência urbana” como um
todo. E finalmente as sugestões terminaram com as de Lais Monique que giravam em torno
da “economia de energia elétrica” e dos “cuidados com o lixo e o meio ambiente”.
Liberei os(as) alunos(as) para irem ao banheiro e beber água e fomos para a sala de
aula logo em seguida, onde fizemos um levantamento sobre as temáticas sugeridas e
terminamos a aula cantando parabéns para Raika que estava fazendo aniversário neste dia. (3A)
Assuntos sugeridos por educandos e educandas agrupados por Tema Gerador
Assuntos
Jogos sem violência, jogos
educativos, respeito, violência,
Plantar Árvores, Economia de
energia, Cuidados com o lixo,
Aquecimento global
Esportes que ensinam
Drogas e álcool, dengue
Tema Gerador
Relacionamento
Interpessoal (Respeito)
Meio Ambiente
Esporte
Saúde
Convergência
7
5
3
3
154
Diário de campo IV
Dia 15/08/07 das 12:00 às 13:00
Coleta de sugestões de assuntos ou temáticas entre funcionários(as) da escola
Aproveitando meu horário de almoço sai para coletar sugestões de temáticas para
desenvolver com os educandos e educandas da terceira série “X”. Primeiramente fui a sala da
direção mas não havia ninguém, notei que o Diretor e a Vice Diretora estavam na sala dos
professores conversando. Entrei na sala e iniciei a conversa com eles a respeito do projeto,
lembrando da participação deles na definição da temática, e então perguntei quais eram as
sugestões que tinham para me dar.
O Diretor disse que seria importante trabalhar com os educandos e educandas a
questão da “prevenção às drogas” e sobre “questões de segurança”. Já a Vice Diretora sugeriu
que fosse dada mais atenção à questão da “sociabilização” das crianças na escola, pois
segundo ela têm ocorrido muitos atos violentos.
Anotadas estas sugestões segui para secretaria para pedir a opinião ao secretário da
escola, chegando lá encontrei ele e a coordenadora pedagógica. Novamente expliquei do que
se tratava o projeto, pois o secretário ainda não sabia sobre a realização do mesmo, e pedi
sugestões de temas para abordar nas aulas de Educação Física. A coordenadora propôs que eu
trabalhasse com o projeto da escola chamado “Prevenção também se ensina” abordando a
questão da violência que vem aumentando a cada dia nas escolas, e que ela acredita ser
importante mostrar para os(as) alunos(as) que existem diversas formas de violência além da
agressão física, como exemplo ela citou humilhações, apelidos e o Bullying. O secretário
enumerou diversos temas a serem discutidos com as crianças como: “Drogas”, “prevenção
sexual”, “família”, “racismo” e “preconceito”.
Fui para o refeitório para conversar com as duas inspetoras de alunos e as encontrei
preparando-se para almoçar junto com a moça que trabalha com serviços gerais. Desculpeime pelo momento talvez inoportuno, e aproveitei-o para interrogá-las, mas como já havia
alertado-as antes sobre essa conversa fui bem recebido.
Expliquei o motivo e como seria realizada a pesquisa e pedi sugestões sobre assuntos,
e as três, um pouco sem jeito disseram não ter idéias. Insisti dizendo que poderia ser qualquer
assunto que elas acreditassem ser importante tratar com as crianças na escola e nas aulas de
Educação Física. Então uma das inspetoras disse:
-Vocês, (referindo-se a mim e ao outro professor de Educação Física), já fazem tantas coisas
diferentes com as crianças, que, o que vocês decidirem pra mim esta bom.
As outras concordaram e uma complementou dizendo:
-Eu acho tão bom o trabalho que vocês fazem que não tem mais o que falar.
Agradeci a todas pela colaboração, me despedi e fui pra sala dos professores guardar minhas
anotações. (1-A)
155
Diário de campo V
Dia 17/08/07 das 16:00 às 17:00.
Continuação da coleta de assuntos ou temáticas entre funcionários(as) da escola
Neste dia continuei a pesquisa com os(as) funcionários(as) que ainda não haviam sido
consultados. Saí pela escola procurando momento oportuno para conversar e pedir sugestões
de temas para abordar nas aulas.
Minha primeira parada foi na cozinha da escola, onde se encontravam as duas
merendeiras. Perguntei se elas estavam muito ocupadas, disseram que não e então contei que
estava realizando uma pesquisa, expliquei como seria o trabalho, e disse que a opinião delas
era fundamental para o andamento do mesmo. Perguntei que assunto elas achavam importante
que fosse abordado durante as aulas de Educação Física.
O intervalo de recreio das crianças já havia ocorrido e as merendeiras tinham acabado
de limpar o refeitório. Os temas sugeridos pelas cozinheiras foram “organização”, “respeito” e
“responsabilidade”. Elas disseram que os(as) alunos(as) deveriam preservar melhor o espaço
escolar, tanto na conservação da limpeza, quanto no mobiliário e evitar o desperdício de
alimento, pois muitas crianças além de fazerem “guerra de comida” utilizam as maçãs
servidas na merenda para jogar futebol.
Perguntei às merendeiras se elas participariam como convidadas em atividades
realizadas em aulas para abordagem do assunto sugerido por elas, e elas responderam
positivamente, porém pediram para avisar com um pouco de antecedência.
Na saída da cozinha encontrei a funcionária de serviços gerais e expliquei sobre a
pesquisa e pedi sugestão de temas. Ela também tinha acabado de limpar o refeitório e fez
comentários similares aos das merendeiras.
Fui à biblioteca da escola conversar com a bibliotecária. Esclareci a ela sobre o estudo
que estava realizando e pedi sugestões de temas para trabalhar com crianças de terceira série.
Ela disse que acha muito importante e que gostaria muito que eu trabalhasse com a questão
dos valores e auto-estima das crianças , porque, segundo ela, a escola está muito preocupada
com os conteúdos curriculares e não tem tempo para trabalhar estas coisas que são
fundamentais.
A professora da sala foi a ultima entrevistada do dia, como ela já conhecia os objetivos
e já sabia de sua participação no trabalho, apenas pedi as sugestões para trabalho com as
crianças. Ela disse que acreditava ser interessante que se trabalhasse o respeito às regras
através dos jogos. (1-A)
Assuntos sugeridos pelos(as) funcionários(as) agrupados por Tema Gerador
Assuntos
Prevenção sexual
Sociabilização,
violência,
segurança,
apelidos
e
humilhações , preconceito e
racismo, familia
Jogos do Pan
Drogas
Tema Gerador
Sexualidade
Relacionamento
Interpessoal (Respeito)
Esporte
Saúde
Convergência
1
6
1
2
156
Diário de campo VI
Dia 10/09/07 das 13:10 às 14:00
Após a coleta das informações com as crianças, professores(as), funcionários(as), pais,
mães e responsáveis chegamos ao tema gerador “respeito”.
Iniciei a aula informando às crianças sobre os resultados da coleta de sugestões. Ao
saberem que seria a temática “respeito” a ser estudada, muitos resmungaram, e então
(re)lembrei as crianças com algumas sugestões que eles haviam feito em reunião anterior, e
então concordaram em dar andamento aos trabalhos. Ao combinarmos o local onde nos
reuniríamos para iniciar o bate papo o refeitório foi o mais citado, por possuir bancos
suficientes para que todos sentassem.
Reiniciei o diálogo, já no refeitório, com a seguinte questão: “o que é respeito pra
vocês?”. Então entre os(as) alunos(as) surgiram respostas como: “obedecer aos professores”,
“respeitar o professor”, “respeitar os amigos”, “respeitar os funcionários”, “respeitar os pais”,
“respeitar as pessoas mais velhas” e, “não falar quando o professor esta falando”.
Questionei novamente as crianças: “e aqui na escola como é o respeito?”. Eles e elas
em coro responderam: “tem pouco respeito na escola”. Complementei a pergunta dizendo:
“por que vocês acham isso?” Entre os educandos e educandas apresentaram respostas como:
“os alunos não respeitam os professores”, “ os alunos não respeitam nem os próprios alunos”,
“não respeitam a fila da merenda e nem da cantina”, “ tem professor que não respeita os
alunos”. Perguntei: “por que os professores não respeitam os alunos!” e Lais Monique
respondeu “na TV a gente sempre vê: professor fez não sei o que com aluno, e essas coisas...”
“E no esporte como vai o respeito?” perguntei. Novamente um coro de vozes
respondeu que ia mal. Complementei “e por quê?”. E Rodrigo respondeu “ah professor, tem
muita briga” e outros(as) alunos(as) concordaram dizendo: “ é, só tem briga”.
“Pensando em tudo que falamos aqui, como poderíamos trabalhar o respeito durante as
nossas aulas?” perguntei. E obtive as seguintes sugestões: Futebol, Karatê, Capoeira, Pegapega, Esconde-esconde e Queimada. Retomei uma sugestão dada por um aluno, em reunião
anterior, e acrescentei na lista os Jogos Cooperativos.
Como as crianças se mostravam muito agitadas encerrei o bate papo inicial e pedi para
que eles se dividissem, à vontade, em seis grupos de cinco ou seis pessoas. Depois de
definidos os grupos, pedi que escolhessem um assunto para que eles realizassem uma
encenação abordando a questão do respeito.
As crianças se mostraram interessadas, tanto na discussão quanto na elaboração dos
teatros, mas o número de crianças traz para as discussões grandes confusões, pois todos
tentam falar ao mesmo tempo e isso dificulta a organização das falas e por conseqüência o
entendimento das mesmas.
Os ambientes foram sugeridos por mim e cada grupo escolheu, de acordo com
interesse, entre escola, família, rua, natureza, TV, esporte, sala de aula e Educação Física.
157
Relação dos grupos e respectivos ambientes escolhidos para encenar situações com a temática
do respeito.
Grupo 1 ( Rua)
Gisele, Joice
Tamisa,Amanda, Lais
Monique, Isadora.
Grupo 4 (Educação Física)
Ana Paula, Ariadne,
Marcela, Paula, Camila.
Grupo 2 (Natureza)
Raika, Kelvin, Gilberto,
Miguel, Jack Sparow,
Juliana
Grupo 5 ( Esporte)
Willian, Rodrigo, Rafael,
Davi, Fontão, Vitor.
Grupo 3 (Natureza)
Dulce Maria, Gabriela,
Bruna, Vitória, Mariana
Grupo 6 (TV)
Fernando, Kesley,
Damiris, Bianca,
Carlos, Michel.
Dois grupos que apresentaram interesse por um mesmo assunto (natureza)
perguntaram se havia algum problema nisto. Perguntei se um dos grupos não queria algum
dos temas não escolhidos, e, não havendo desistência por parte de nenhum dos grupos, permiti
que ambos trabalhassem as relações entre respeito e natureza.
Definidos os grupos e os respectivos assuntos a serem encenados, solicitei a eles que
pegassem papel e caneta para iniciarem o trabalho de elaboração do teatro.
Devido ao adiantado da hora, as apresentações foram combinadas para a próxima aula,
ficando o restante desta para elaboração e ensaios dos teatros, pois estas foram solicitações
realizadas pelos(as) educandos(as).
Enquanto as crianças discutiam a elaboração da tarefa eu passava entre os grupos, que
encontravam-se espalhados pela área externa da escola, para tirar dúvidas e observar o
andamento dos trabalhos. As brincadeiras e conversas paralelas atrapalhavam a atividade, mas
a divisão em grupos facilitou um pouco o diálogo com os(as) alunos(as).
Ao término do tempo de aula chamei os(as) alunos(as) para que retornássemos para a
sala, algumas turmas demoraram a retornar pois estavam terminando de realizar alguns
ensaios. (1-B)
158
Diário de campo VII
Dia 12/09/07 das 14:00 às 14:50
Cheguei a sala de aula e os(as) alunos(as) comemoraram animados. Perguntei como
estavam as encenações teatrais e as crianças disseram que estavam prontos, pois a professora
havia deixado-os ensaiar no dia anterior. (1-C)
Perguntei se gostariam de se apresentar na sala de aula ou se preferiam sair para
realizar as apresentações fora da sala em uma área sombreada, e venceu a segunda opção.
Combinei que precisaríamos de organização e silêncio para que pudéssemos ouvir e
entender as apresentações dos colegas. Saímos da sala e fomos atrás da cozinha da escola,
local onde existe uma grande área calçada e com sombra. (2-B)
As crianças alvoroçadas não paravam de falar. Pedi para que se sentassem para que
pudéssemos iniciar as apresentações, a conversa não diminuiu e muitas crianças continuaram
em pé. Fontão e Michel brincavam de pega-pega. Com um tom de voz já bastante alterado
pedi novamente para que se sentassem e chamei a atenção dos dois garotos para que
prestassem atenção nas apresentações dos colegas. (3d-B)
Com todos sentados no chão, fui chamando os grupos para que se apresentassem de
acordo com a ordem dos mesmos (1, 2, 3 ...).
O Grupo 1, cuja temática era respeito na rua, representou um encontro entre duas
mulheres na rua que começaram a discutir e se agredirem verbalmente até que outras pessoas
que passavam por perto viessem para ajudar a resolver o conflito.
O Grupo 2, respeito e meio ambiente, representou um garoto que cortava uma árvore
enquanto uma turma passeava por perto e viu a ação do mesmo, e indignados vão tirar
satisfação e inicia-se uma grande confusão que termina com o convencimento do garoto de
que derrubar árvores não é bom para a natureza.
Muito semelhante à apresentação anterior foi a do Grupo 3, que possuía a mesma
temática, onde tudo começa com o corte de uma árvore que observado por outras pessoas
desencadeia uma grande discussão que também termina com o arrependimento do agressor da
natureza.
O respeito nas aulas de Educação Física ficou com o Grupo 4 que desenvolveu uma
cena onde crianças começam com empurra-empurra na fila durante a realização de uma
brincadeira, a professora chama atenção dos(as) alunos(as) e passa um sermão, as crianças se
acalmam e param de brigar na fila.
O esporte foi abordado pelo Grupo 5. Os meninos deste grupo representaram um jogo
de futebol que teve como estopim para uma briga uma falta violenta em um dos jogadores. O
capitão de um os times, gritando, chama a atenção dos jogadores dizendo que eles tem que
respeitar os outros e parar de brigar.
A responsabilidade de representar o respeito na TV ficou com o Grupo 6. Duas
crianças assistiam a um filme de luta com muita violência na TV, quando chega um adulto e
diz que aquele programa que eles estão assistindo não é recomendado para idade deles.
As risadas, tanto dos atores quanto da platéia, permearam as apresentações, assim
como os aplausos que parabenizaram cada grupo ao final de sua atuação. (4-D)
Terminadas as apresentações sentamos em círculos para analisar os trabalhos
apresentados, relembramos rapidamente cada peça e observamos que as brigas e discussões
foram um ponto comum a todas. Perguntei aos(as) alunos(as) se isso era respeito, e
responderam-me que não. Rodrigo retrucou dizendo que no final todos fizeram as pazes no
jogo de futebol encenado. Aproveitei a oportunidade e indaguei se era preciso que ocorra o
desrespeito para depois respeitarmos. Novamente responderam negativamente.
159
Perguntei se era possível refazer as cenas mostrando respeito antes mesmo de
começarem as brigas. Com uma resposta positiva da maioria complementei a pergunta
dizendo “como?”. As crianças tiveram dificuldade para responder e pediram um exemplo.
Tomei como referência a peça do Grupo 1 e disse: “o que aconteceu quando as duas mulheres
trombaram na rua?” “Elas brigaram”, responderam. “E por quê?” Indaguei. “Porque uma
xingou a outra”, responderam. “Qual seria outra maneira de realizar essa cena sem que elas
brigassem?” Perguntei. “Uma pedindo desculpas para a outra”, responderam. “Muito bem”,
disse eu, “viu como não é necessário ter uma briga para que sejamos respeitosos com as
pessoas?”, complementei.
Desta maneira ficou combinado para aula seguinte a reconstrução das cenas de
maneira que não fosse representado o desrespeito. (5-B)
Durante as apresentações e a roda de bate papo as conversas e brincadeiras paralelas
foram muitas, tanto que diversas vezes tive que chamar a atenção dos(as) alunos(as) para o
respeito com os colegas que estavam falando e não estavam sendo ouvidos por causa do
barulho. Ainda na tentativa de participar, muitos(as) alunos(as) falavam ao mesmo tempo o
que dificultou bastante a discussão. (6d-B)
Já na sala de aula, passei uma tarefa para realizarem em casa. Pedi que fizessem uma
entrevista com algum familiar fazendo a seguinte questão: O que é respeito pra você? Ficou
combinado que eles me entregariam escrito na aula seguinte. (7-D)
A professora da sala combinou com eles ainda em minha presença que na sexta-feira
ela sairia com eles durante um tempo para que eles ensaiassem as reconstruções teatrais. (8-C)
160
Diário de campo VIII
Dia 17/09/07 das 13:10 às 14:00
Cheguei na sala de aula e os(as) alunos(as) comemoraram animados. Perguntei como
estavam os teatros e alguns disseram que estavam prontos e outros que não tinham
conseguido ensaiar. Combinamos sair da sala para apresentar as peças. Chegando no local
combinado, o mesmo da aula anterior, comecei a checar os grupos e ver quais estavam
prontos. Diversos(as) alunos(as) haviam trocado de grupos. No Grupo 2 só tinham duas
pessoas, alguns trocaram de grupo e outros saíram porque não vieram no dia do ensaio e
os(as) alunos(as) que tinham ensaiado não queriam que estes participassem. Outros grupos
apresentaram trocas entre os participantes, e as crianças continuaram trocando de grupo
durante a conversa.(1-B)
As crianças estavam agitadas e dispersas, ficavam brincando e davam pouca atenção
ao que eu falava. Chamava-os para que começássemos as apresentações, mas a agitação
continuava. Com voz alta pedi pra que todos sentassem novamente. Perguntei quais grupos
apresentariam a peça. Três se manifestaram. Os restantes disseram não ter ensaiado. Propus a
estes que ensaiassem em dez minutos e se apresentassem no final da aula, a sugestão não foi
aceita, então sugeri que ensaiassem para a próxima aula e também não aceitaram.(2d-B)
Como os grupos que estavam ensaiados começaram a reclamar iniciamos a
apresentação deles.
O Grupo 1 – tema respeito na rua - , apresentou uma cena diferente da aula anterior, no
entanto, cumpriram o objetivo de representar o respeito, pois realizaram uma cena onde duas
pessoas desconhecidas ajudam uma senhora idosa a atravessar a rua.
O Grupo 2 – tema respeito e natureza - , com apenas dois integrantes, representaram
um garoto plantando uma árvore e, sua amiga surpresa com tal gesto vindo de um garoto que
adorava destruir árvores. O garoto diz que só esta fazendo aquilo por que a mãe mandou e a
garota diz que ele não deve fazer só por que a mãe manda, mas sim por que é importante para
a natureza plantar árvores, pois já existe muito desmatamento.
O Grupo 5 ensaiou rapidamente durante as apresentações anteriores e se apresentou de
maneira improvisada. Quando três garotos estão apostando uma corrida, um deles cai e um
pára e ajuda o ferido enquanto o outro termina a corrida, vence e aproveita-se para tirar sarro
dos amigos. Os mesmos nervosos com a situação iniciam uma discussão que finaliza a cena.
O grupo 6 apresenta a mesma cena que o grupo 1 apresentou na aula anterior, então
um dos integrantes chama a atenção do grupo dizendo que estão errados. Recomeçam o teatro
de maneira confusa, e, nem eu e nem os demais alunos(as) entendemos direito o que
aconteceu. (3-D)
Como o tempo da aula estava próximo de se esgotar liberei os(as) alunos(as) para
beberem água e irem para sala. Já na sala, disse aos(as) alunos(as) que eles não estavam
cumprindo com o combinado.
Pedi que os grupos 3, 4 e 6 preparassem a peça para apresentar na aula seguinte. Os
grupos 3 e 4 toparam, já o grupo 6 disse que não se apresentariam outra vez. (4d-B)
A professora percebendo a situação disse que na sexta-feira disponibilizou um tempo
da aula para que as crianças ensaiassem as peças, mas, que muitas em vez de ensaiar ficaram
brincando e por isso muitos grupos não conseguiram apresentar. (5-C)
Quanto à tarefa solicitada em aula anterior, apenas 6 crianças trouxeram. Ficou
combinado para próxima aula que os grupos pendentes se apresentariam e que será o último
prazo para entrega das entrevistas. A discussão sobre as apresentações também seria realizada
na próxima aula. (6-E)
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Diário de campo IX
Dia 19/09/07 das 14:00 às 14:50
Cheguei na sala de aula e fui recebido com comemoração como de costume. Perguntei
aos(as) alunos(as) se os grupos que ficaram de apresentar o teatro estavam prontos para aula.
Os grupos 3 e 4 disseram estar tudo pronto para a realização do teatro. (1-B)
Mas o grupo 6 não se interessou em refazer o teatro apresentado na aula passada de
maneira confusa e improvisada e que prejudicou a qualidade e o entendimento da cena feita
por eles. (2-E)
Perguntei também sobre a entrevista que a maioria da turma ficou devendo na aula
anterior e percebi que mais ninguém havia feito a tarefa. (3-E)
Saímos da sala e fomos para o local onde realizamos as apresentações anteriores para
que pudéssemos seguir com os trabalhos. Apesar de termos combinado que todos
colaborariam com a atividade, evitando conversas e brincadeiras paralelas, durante a aula não
foi o que ocorreu e, antes mesmo de iniciarmos as apresentações, tive que chamar a atenção
de cinco garotos que brincavam de pega-pega enquanto esperávamos para começar os teatros.
Com os garotos acalmados quem começou a atrapalhar foram algumas meninas que
estavam conversando muito alto e assuntos não relacionados às atividades, e mais uma vez
tive que intervir para conseguir silêncio para apresentação. (4d-B)
Iniciamos a apresentação com o Grupo 4, que tinha como tema o respeito nas aulas de
educação física. Eles apresentaram um pedido de desculpas pela brincadeira que desencadeou
a briga que ocorreu na aula anterior (no caso encenação anterior).
O grupo 3 tinha como tema respeito e natureza e representou uma cena onde uma
garota estava fazendo uma fogueira, e outras garotas que estavam passando por lá alertaram
dos riscos de incêndio na floresta que aquela fogueira poderia gerar.
Sentamos em roda para relembrar as apresentações da aula anterior e ver quem havia
conseguido cumprir os objetivos da reconstrução do teatro. Percebemos que a maioria dos
grupos continuou abordando o respeito somente depois de ter ocorrido o desrespeito. Também
foi lembrado durante a discussão que o grupo 5 começou bem a apresentação mas, ao final,
após uma cena que representava o respeito, os personagens iniciaram um bate boca cobrando
que os outros personagens agissem da mesma forma. (5-D)
Durante a conversa com as crianças por duas vezes tive que lembrá-los da falta de
respeito que estavam tendo com os colegas, pois eles estavam falando e havia amigos
conversando outros assuntos e fazendo brincadeiras que estavam atrapalhando a discussão e
fala dos demais que não estavam sendo ouvidos por conta da bagunça. (6-B)
Terminada a conversa, restando aproximadamente 15 minutos para o término da aula,
iniciamos uma brincadeira de esconde-esconde, pois eles já estavam há duas aulas reclamando
que não tinham brincadeiras. Como em aulas anteriores eles mesmos citaram esta brincadeira
como forma de trabalharmos o respeito, resolvi aproveitar a atividade. Como temos um
grande número de alunos(as) na sala (35 aproximadamente) e a escola, apesar de um grande
espaço externo, não possui muitos esconderijos, resolvemos que o pegador não precisaria
correr até o local onde bate cara para anunciar quem foi achado, bastaria ele gritar o nome e
quem tivesse sido citado deveria se entregar. Lembrei que, para jogarmos desta maneira, a
honestidade e o respeito seriam fundamentais para que a brincadeira desse certo.
O tempo de aula restante permitiu que realizássemos três rodadas do jogo, e estas
foram suficientes para gerar inúmeros conflitos e reclamações, pois os colegas pegos não se
entregavam e isso deixava os pegadores nervosos e muitas crianças queriam parar de brincar.
(7-D)
Como já coincidia o final da aula liberei todos para beber água e ir para sala.
162
Na sala perguntei a eles o que faltou na brincadeira e por que ela deu errado. Muitos
disseram que havia colegas que não respeitavam as regras e que mentiam dizendo que não
tinham sido pegos. Disse: “muito bem, nos teatros todos mostraram e disseram que o respeito
era importante, mas poucos realizam isso na prática”. Disse também que estava me sentindo
desrespeitado nas aulas, uma vez que, estavam tendo muitas conversas e brincadeiras em
horas inadequadas e que estavam atrapalhando o nosso trabalho. Despedi-me e saí da sala. (8B)
Diário de campo X
Dia 24/09/07 das 14:00 as 14:50
Quando entrei na sala os(as) alunos(as) ainda estavam terminando uma atividade que
a professora passou. Aguardei alguns instantes para que terminassem e disse que nossa aula
seria na quadra, na seqüência saímos para a mesma.
Chegando na quadra sentamos no chão, próximos uns dos outros, num trecho com
sombra. Comecei dizendo que nas próximas aulas iríamos realizar alguns jogos cooperativos,
e perguntei se eles sabiam o que eram jogos cooperativos. Disseram que eram jogos que
ajudam a jogar direito, com respeito e onde as pessoas cooperam.
Disse que era mais ou menos aquilo, mas que naquela aula realizaríamos um jogo
tradicional, no caso uma queimada, e que deveríamos observar bem as coisas que acontecem
naquele jogo pra conversarmos um pouco ao final da aula.
Para dividir as equipes deixei que duas alunas escolhessem os times.
Iniciamos o jogo e tudo correu bem, até certa altura, quando o morto de uma das
equipes começou a ter um grande número de crianças e começaram os conflitos, ou pela bola,
ou por que eles diziam que tinham alunos(as) da outra equipe que foram queimados e não
estavam saindo. Algumas crianças sentavam no chão outras saíam do jogo, ou porque estavam
desmotivadas, pois tinham que esperar muito para pegar a bola, ou porque estavam nervosas
com os participantes da outra equipe que não estavam saindo quando queimados.
Faltando poucos minutos para o final da aula havia pelo menos oito alunos(as)
sentados no banco pois saíram do jogo. Apitei o final do jogo e a equipe vencedora
comemorou bastante e os(as) alunos(as) da equipe adversária que saíram do jogo ficaram
ainda mais nervosos e gritavam que a vitória foi roubada.
Após beber água os(as) alunos(as) foram pra sala e iniciou-se uma discussão acalorada
entre os integrantes das equipes. Como eu não havia visto o lance mais polêmico, não pude
falar nada a respeito de quem estava certo, mas disse que a honestidade é fundamental para a
realização dos jogos e brincadeiras. Disse também que esta já era a segunda atividade que, por
conta de trapaças, muitos brigavam e todos voltavam para sala nervosos.
As crianças reclamaram que não pegaram na bola pois tinham muitas pessoas no
morto.
Pedi às crianças que trouxessem para a próxima aula uma queimada diferente. Pedi
que mudassem as regras para tentar diminuir os conflitos dentro do jogo, e que dessem um
novo nome para a brincadeira. Deixei os(as) alunos(as) à vontade para divisão dos grupos,
falei que poderia ter até seis pessoas em cada, mas que queria que todos participassem e
ninguém ficasse de fora. Despedi-me e saí da sala. (1-B)
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Diário de campo XI
Dia 26/09/07 das 14:00 às 14:50
A aula deste dia teve o horário alterado, pois uma outra sala que sairia para um passeio
precisava que a aula fosse adiantada para o primeiro horário, sendo assim peguei a turma na
segunda aula.
Perguntei às crianças quais foram os grupos formados para ter uma idéia aproximada e
me disseram que tinham 5.
As crianças queriam sair da sala, novamente disse que se começasse a bagunça, nós
voltaríamos para a sala como ocorrera em aulas anteriores.
Saímos da sala e fomos para uma pequena arquibancada localizada próxima ao pátio.
Pedi que se sentassem na arquibancada para os grupos apresentarem os jogos e escolhêssemos
um ou dois para jogar. (1-B)
Perguntei o nome dos(as) alunos(as) que estavam participando dos grupos.
Grupo 01 – Kelvin, Raika e Juliana trouxeram um jogo que eles chamaram de “queima
queima” e que as regras apresentadas foram: não pode mentir e se alguém sair do jogo a
equipe perde ponto.
Grupo 02 – Fontão, Davi e Willian apresentaram um jogo chamado “queimada
maluca” onde a queimada deveria ser jogada com os pés e em forma de campeonato, ou seja
quatro times, um jogando contra o outro para ver quem seria o melhor.
Grupo 3 - Rodrigo mostrou um jogo que ele chamava de “mãe da rua” que poucas
pessoas entenderam, e que pelo que vi não tinha nada a ver com o jogo de queimada.
Grupo 4 – Bianca disse que no jogo dela ninguém poderia mentir e nem trapacear. Ela
trouxe essas regras anotadas em um papel.
Grupo 5 – Vitória não queria mostrar seu jogo. Ela estava escondendo os papéis de
suas anotações e só nos mostrou depois que eu e as crianças insistimos bastante. Apresentounos um jogo chamado “queima e passa” com as regras semelhantes a da queimada tradicional
possuindo apenas duas alterações: 1) quem fosse queimado teria que passar a bola para outra
pessoa ao invés de jogar ela mesma como de costume e 2) a pessoa que está com a bola no
morto pode dar três passos dentro da quadra adversária na tentativa de queimar alguém,
porém ela não pode passar a bola para seu time quando estiver se utilizado desses passos. (2D)
O restante dos(as) alunos(as) não apresentaram nenhum jogo. (3-E)
Neste momento a turma estava em tremenda bagunça, pedi que sentassem novamente
mas continuaram alguns correndo, outros brincando e algumas meninas entretidas com estojo
de maquilagem. Então como havia sido combinado mandei todos de volta para a sala de aula.
As crianças entraram na sala reclamando,(4d-B) então perguntei a alguns dele como
eram as brincadeiras que os colegas explicaram e não souberam responder e assim consegui
um pouco de atenção e continuei a aula. Relembrei as brincadeiras apresentadas e realizamos
a votação de uma pois o tempo que tínhamos era pouco.
Disse também aos grupos que as novas regras deveriam provcar algumas modificações
no jogo, pois não mentir e não trapacear deve fazer parte de todos os jogos independentes de
suas regras.(5-B)
A maioria optou pelo “queima e passa” então fomos à quadra jogar. Na ora da divisão
dos times os meninos queriam meninos contra meninas e algumas meninas concordaram mais
outras não, mesmo porque a quantidade de meninas era maior.
Então pediram para que eu encolhesse os times, pedi para que eles montassem duas
filas uma de menino e uma de meninas, e então numerei todos em 1 e 2. Quem fosse 1 se
reuniria de um lado e quem fosse 2 ficaria do outro lado da quadra. Mas alguns não
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concordaram com o time em que caíram e mudaram por conta, o que desequilibrou os times.
Muitos reclamaram e pediram para separar novamente, então repeti o processo e não deu certo
de novo. Sentei no banco da quadra e disse que faltavam apenas 20 minutos para terminar a
aula e só jogaríamos quando eles tivessem dois times com números iguais de participantes e
misto com meninos e meninas.
Começou uma grande confusão e não formavam as equipes, até que Rodrigo gritou e
disse que ele e o Willian escolheriam os times e todos concordaram.
Montaram-se os times, mas o time do Rodrigo ficou reclamando dizendo que estava
muito fraco e que tinha muitas pessoas que não sabiam jogar. Mesmo assim aceitaram a
começaram o jogo pois o tempo já estava se esgotando.
Começamos o jogo e no início tudo correu bem, porém quando o time de Rodrigo
começou a perder, isso gerou vários conflitos dentro do time e com os adversários, pois eles
reclamavam de quase todos os lances. Quando anunciei o final do jogo a equipe vencedora
começou a comemorar e os perdedores ficaram nervosos com as provocações e reclamaram
bastante com o Rodrigo que havia escolhido o time e com os outros que estavam provocando
pois tinham vencido o jogo.
Dentro da sala a discussão continuou, a equipe do Rodrigo o culpava por ter escolhido
só pessoas ruins, ele se defendia dizendo que todos tinham que jogar. As pessoas que faziam
parte do time dele reclamavam que ele não deixava eles jogarem a bola. Já outra parte dos(as)
alunos(as) se queixavam da zoação da equipe vencedora, e os membros desta defendiam-se
dizendo que os outros também fazem isso quando ganham.(6-D)
Perguntei porque todo o jogo da turma termina em discussão, e eles disseram que é por
que as pessoas roubam. Então perguntei por que as pessoas roubam e mentem nos jogos, e
disseram que é por que eles querem ganhar. “Muito bem”, disse, e, questionei-os novamente
por que temos aulas de Educação Física, e obtive as seguintes respostas: Aprender, brincar,
participar . “E o ganhar é objetivo das aulas?” indaguei, e um coro respondeu “não”. Como o
tempo da aula já havia se excedido deixei uma última pergunta: “Então por que trapaceamos
tanto e brigamos tanto nos jogos que fazemos nas aulas?”, afinal já era a terceira atividade que
terminava em discussão e todas, praticamente, pelo mesmo motivo.
Antes de sair combinei com eles que faríamos um jogo de queimada diferente, a qual
eu traria, para compararmos e discutirmos na próxima aula. (7-B)
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Diário de campo XII
Dia 03/10/07 das 13:10 as 14:00
Quando cheguei à sala a mesma se encontrava fechada, bati na porta, quando a
professora abriu notei que os(as) alunos(as) ainda estavam se acomodando nas carteiras,
esperei alguns instantes para que se ajeitassem.
Os(as) alunos(as) informaram-me empolgados a presença de uma aluna nova chamada
Rebeca. Cumprimentei a aluna e desejei-lhe boas vindas.
Perguntei às crianças qual atividade que tínhamos combinado para realizar nessa aula,
alguns não se lembraram, mas a grande maioria disse que seria uma queimada diferente.
Iniciei a apresentação das regras da “queimada cooperativa”4, desenhei na lousa a
quadra e demarquei os espaços que utilizaríamos. Relembrei as regras combinadas por nós
para o jogo da queimada, pois havia uma aluna nova, e expliquei as duas alterações que
diferenciavam a queimada cooperativa da tradicional, que eram: as pessoas queimadas iriam
para o morto onde ficariam até que três pessoas fossem queimadas e então poderiam sair, isso
mantém sempre apenas três pessoas no morto; as pessoas que saíssem do morto deveriam
entrar no time “adversário”.
As crianças estavam muito agitadas e foi necessário interromper a explicação por três
vezes, chamando a atenção, para que retomasse o silêncio e pudéssemos prosseguir com a
aula.
Disse aos(as) alunos(as) em uma das interrupções que este era o motivo de não
apresentar as regras para eles fora da sala, pois eles não respeitavam minha vez de falar e
ficam com brincadeiras e conversas em momentos inoportunos.
Após terminar a apresentação das regras dividi a sala em duas equipes, dizendo que as
três fileiras próximas à janela seriam um time e as outras três formariam o outro time. Saímos
para a quadra e cada time posicionou-se em um lado.
Duas alunas (Bruna e Paula) disseram que não iriam jogar alegando não poder ficar
em exposição ao sol, então eu disse a elas que acompanhassem o jogo do pequeno trecho de
sombra onde se encontrava um banco.
Iniciou-se o jogo e no começo tudo correu com tranqüilidade. As alunas que assistiam
do banco pediram para ir beber água e eu permiti, e com algum tempo de jogo mais três
alunas (Camila, Mariana e Ana) pediram para ir beber água e eu concordei, afinal fazia muito
calor.
Em um momento do jogo, Joice Tamisa pegou a bola antes que ela ultrapassasse para
seu campo e Miguel, integrante da mesma equipe, parou o jogo e disse “você pegou a bola no
campo deles, a bola é deles” e devolveu a bola para o outro time.
Dulce Maria foi queimada duas vezes, a cada momento estava em um lado da quadra.
Rodrigo não aceitou as regras do jogo, pois foi queimado e quando a terceira pessoa
após ele foi queimada ele não quis entrar no time adversário. (1-D)
Percebendo que as meninas ainda não haviam voltado do bebedor, procurei saber onde
estavam e observei que as mesmas encontravam-se no brinquedo de parque recém construído
no bosque da escola e junto com elas haviam mais algumas crianças que saíram do jogo sem
que eu percebesse. De longe, ainda acompanhando jogo, pedi para que voltassem para aula,
pois a mesma estava sendo realizada na quadra e que o brinquedo elas devem utilizar no
horário do intervalo. As alunas não retornaram à quadra, e, como faltavam apenas quinze
minutos para o término da aula e já havia elementos para discussão sobre o jogo realizado,
terminei o jogo e chamei os(as) alunos(as) para a sala.(2-E)
4
BROTO, Fábio O. Jogos cooperativos: se o importante é competir, o fundamental é cooperar!. Santos: Projeto
Cooperação, 1997.
166
Na sala já alertei aos(as) alunos(as) a questão do desrespeito, pois estavam saindo da
nossa aula, mostrando que tudo o que vinha sendo conversado nas aulas não tem a menor
importância. Perguntei se a professora ia ter que dar aulas com a porta trancada, já que havia
pessoas que saiam no horário de aula. Indaguei-os por que só faziam isto em minhas aulas.
Não responderam a nenhuma das perguntas, ouvia-se apenas o silêncio na sala.
Retomando o assunto da aula, iniciei perguntando o que eles acharam do jogo, Juliana
disse: “esse jogo não tem vencedor!”, “mais alguém acha isso?” indaguei. O silencio foi a
resposta, então questionei “quem ganhou o jogo?”, alguns alunos(as) responderam que
ninguém. Disse a eles que os jogos cooperativos não enfatizam a competição em equipes,
tanto que as equipes começaram com uma formação e terminaram com participantes
diferentes, isto não permite a definição de uma equipe vencedora, e com isso as brigas por
pontos para ver quem vai vencer não ocorreram naquela aula. (3-B)
Devido ao adiantado da hora, interrompi a discussão para solicitar uma pesquisa para
que as crianças fizessem e trouxessem para a próxima aula. O assunto deveria ser a Capoeira,
deveriam buscar em livros, jornais, revistas, ou ainda em conversas com pais, vizinhos ou
amigos, pois estaríamos iniciando o trabalho na próxima aula. Me despedi da turma e sai da
sala. (4-E)
Diário de campo XIII
Dia 22/10/07 das 14:00 as 14:50
Como estávamos próximos da semana da criança, interrompemos a temática das aulas
para realizar a confecção de pipas, e dar inicio ao projeto que estava sendo realizado com
todas as turmas da escola.
Iniciei esta aula solicitando a pesquisa sobre capoeira combinada anteriormente.
Apenas a aluna Juliana trouxe a pesquisa todos os demais não trouxeram. (1-E)
Lembrei os(as) alunos(as) que eles precisavam cumprir a parte deles, caso contrário ficaria
difícil realizar as aulas. Para aprender algo é necessário que conheçamos um pouco de sua
historia e origem para compreendermos e significarmos o objeto de estudo.
Saímos e sentamos no gramado do bosque à sombra das árvores para iniciarmos uma
conversa sobre capoeira. (2-B)
Após sentarmos, antes mesmo de iniciarmos o diálogo, vários(as) alunos(as) se
levantaram e começaram com conversas paralelas e brincadeiras, uns mexendo com os outros
ou mesmo se batendo e algumas meninas dançavam (Vitória, Bruna e Camila). (3d-B)
Chamei a atenção de todos lembrando-os do objetivo da aula que era conhecer um
pouco mais sobre a capoeira e suas possíveis relações com o respeito. Retomada a atenção,
perguntei se alguém sabia qual era a origem da capoeira. Obtive algumas respostas como: na
África, na senzala da África, na senzala.
As conversas e brincadeiras começaram novamente, grande parte das crianças
levantou-se e muitos brincavam. Como o diálogo estava sendo prejudicado tive que
novamente chamar a atenção da turma. (4-B)
Restabelecida a organização, disse que as respostas tinham uma relação, pois a
capoeira é uma prática criada no Brasil por escravos vindos da África. Falei também que
existem registros que os índios realizavam movimentos parecidos com os da capoeira e que
talvez estes possam ter servido de inspiração para os escravos. Mas a grande difusão da
capoeira foi responsabilidade dos escravos que introduziram o ritmo africano com a utilização
de instrumentos musicais como o atabaque, o pandeiro e o berimbau.
167
Perguntei às crianças se conheciam o significado da palavra capoeira. Responderam
que não. E novamente as crianças dispersaram. Neste momento a professora da turma veio me
pedir para que os(as) alunos(as) ensaiassem uma música que seria tema de uma apresentação
de dança. Perguntei se não poderia ser feito em outro momento, ela disse que não pois o
ensaio seria realizado com outra turma e que só iriam passar duas vezes a música, o que
demoraria cerca de oito minutos. Permiti que fossem. Seis crianças que não iriam dançar
ficaram comigo e dentre elas duas me disseram já ter feito capoeira. Aproveitei o momento
pra conversar com eles, perguntei se sabiam tocar os instrumentos, e disseram que sabiam
mais ou menos. Joice Tamisa disse que sabia tocar atabaque, Jack Sparow disse que sabia
berimbau e Miguel disse que sabia tocar pandeiro. Indaguei também se sabiam movimentos
de capoeira, e Miguel e Jack Sparow demonstram alguns. Eles olhavam, na pesquisa que a
aluna trouxe, o nome dos movimentos e realizavam os que conheciam, como a “cocorinha” a
“queda de rins”, a “rasteira”, a “ginga” e “benção” etc.
Passado pouco mais de oito minutos subiu o restante das crianças. Retomei a pergunta
sobre ao significado da palavra capoeira. Miguel perguntou ansioso qual a resposta. Informei
que capoeira significava mato ralo, ou seja, mato rasteiro, baixo. (5-B)
Notei que poucos(as) alunos(as) se atentavam a minha fala, muitos estavam
conversando outros assuntos e Ana Paula, Vitória, Camila e Bruna estavam dançando e
cantando funk. Disse às meninas que o ensaio havia acabado e que já estávamos retomando a
aula. Elas disseram que a professora havia deixado-as ficar ensaiando. Respondi dizendo que
o combinado foi apenas ceder oito minutos, e que estes já tinha passado e pedi para que
fossem chamar a professora, pois queria falar com ela, as quatro meninas desceram para
chamá-la.
Enquanto isso, iniciei a atividade da aula, solicitando para que se dividissem em trios,
pois iríamos iniciar uma brincadeira. Nesse instante as meninas retornaram com semblante
bravo, perguntei a elas sobre a professora, me disseram que ela não deixou ficar ensaiando e
mandou elas retornarem para a aula. Pedi para que elas se juntassem ao grupo e elas disseram
que não queriam. Perguntei o porque e disseram que não gostavam daquela brincadeira.
Indaguei se elas sabiam que brincadeira era, responderam que não. Perguntei como podem
não gostar de uma coisa que não sabem nem o que é, então ficaram em silêncio. Disse à elas
para que se sentassem no banco e assistissem a atividade caso não fossem mesmo participar.
(6-E)
Recomecei a atividade solicitando que duas pessoas que fizessem parte do trio
ficassem de frente uma para a outra e dessem as mãos e que o terceiro integrante entrasse no
meio. Escolhi um aluno para ser pegador, no caso, “capitão do mato”. As pessoas de mãos
dadas seriam a “capoeira”, ou seja, o mato ralo e os integrantes no meio das capoeiras seriam
os escravos fujões. Cada vez que um escravo entrasse em uma capoeira o outro já descansado,
que lá estivesse, deveria sair. (7-D)
Muitos(as) alunos(as) ficaram de fora da brincadeira no inicio, apenas 18 crianças de
34 começaram na atividade, o restante ficou apenas observando. Com o passar do tempo às
crianças foram entrando, inclusive duas das meninas que estavam dançando, e logo apenas
quatro crianças estavam fora da atividade. (8-E)
Com todos entendendo a dinâmica da brincadeira ampliei para todo o bosque, onde
cada árvore seria uma capoeira onde só poderia ficar um escravo e coloquei mais um capitão
do mato. Reuni os(as) alunos(as) já cansados de correr, disse a eles(as) que a situação dos
escravos era como aquela, ou seja, ficavam presos nas fazendas e quando conseguiam fugir
tinham que lutar sempre contra os capitães do mato para continuar livres e que a capoeira foi
fundamental nessa luta pela liberdade. (9-D)
Liberei os(as) alunos(as) para tomar água, irem ao banheiro e voltarem para a sala,
acompanhei a entrada dos mesmos na sala e me despedi.
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Diário de campo XIV
Dia 24/10/07 das 13:10 as 14:00
Ao chegar na sala de aula, encontrei um número de crianças menor do que o habitual,
pois estava chovendo muito, o que fez com que onze crianças da turma faltassem a escola.
A aula foi realizada na sala pois, a única área coberta da escola encontrava-se suja
devido ao pisoteio com solados dos calçados úmidos no horário de entrada.
Pedi para os(as) alunos(as) afastarem as carteiras e cadeiras e abrirem um espaço no
centro da sala, enquanto isto eu liguei o aparelho de rádio e coloquei um cd com músicas de
capoeira. Sentei no chão e convidei os(as) aluno(as) para que fizessem o mesmo formando
uma roda. Disse que prestassem atenção nas músicas que iríamos escutar, pois estas eram
ladainhas de capoeira, e em suas letras contam um pouco da história dessa luta.
Coloquei para tocar a música chamada de “navio negreiro”. Segue abaixo trechos que
se repetem ao longo da canção.
Navio negreiro
De Angola chegou
Trazendo dinheiro
Trazendo o rei Nagô
Navio negreiro
De Angola chegou
Trazendo dinheiro
Escravo que é valor
Navio negreiro
De Angola chegou
Trazendo dinheiro
Trazendo o meu amor
Ao término da canção perguntei aos(as) alunos(as) se sabiam o que era navio negreiro,
responderam-me dizendo que era navio de negros, perguntei para que lugar os negros iam
nestes navios, e disseram que eles eram trazidos para o Brasil para trabalhar nas fazendas
como escravos.
“O que esta música nos fala?”, perguntei. “Fala que os escravos vinham de Angola”,
responderam. “E o que mais?, perguntei. “Fala também que os navios traziam dinheiro”,
responderam. “E que dinheiro é esse?” Questionei. “É o escravo que seria vendido para
trabalhar na cana.” “Muito bem”, disse, e continuei indagando se havia mais alguma coisa que
queriam comentar sobre a canção. Disseram que o navio também trazia amor do escravo,
então perguntei que amor era este. Lais Monique respondeu-me dizendo que poderia ser uma
namorada ou mulher do escravo. Jack Sparow disse que poderia ser o filho dele também.
Complementei falando que realmente poderia ser isso, pois muitas vezes vinham famílias
inteiras nos navios e que, quando chegavam, eram vendidos para compradores diferentes.
“E a expressão ‘escravo que é valor’ o que significa?” Perguntei continuando a
discussão. “Dinheiro!” Responderam. Indaguei se o valor comercial era o único valor que os
escravos tinham. Miguel disse que não, que eles trouxeram coisas como a capoeira.
Complementei dizendo que eles trouxeram sua cultura e que as influências delas estão
evidentes em nosso país.
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Pedi para que os(as) alunos(as) ficassem em silêncio para que ouvíssemos outra
ladainha de capoeira, chamada “A capoeira vem do sisal”.
A capoeira vem do sisal
A capoeira vem do sisal
Naquele tempo foi usada
Para os escravos se defenderem
Reconquistarem sua liberdade
Liberdade que foi perdida
Pela opressão do homem branco
Eles vieram lá de Angola
Eles vieram lá de Angola
Aprisionados num navio
Não agüentavam a viagem
E morriam no caminho
Com a falta de humanidade
De amor e de carinho
E com eles muita vontade
E com eles muita vontade
De quebrar essas correntes
De acabar com a maldade
Nestes dias tão presentes
O negro se revoltou
O negro se revoltou
E conseguiu muita coragem
De buscar um mundo novo
E mudar sua realidade
Cultivar sua cultura
Com muita paz e igualdade
Iniciei a discussão perguntando, o que a música nos dizia. “Conta a história da
capoeira e conta história dos escravos”, disse Miguel.
“Qual é a historia da capoeira contada por esta canção?” Perguntei. Joice Tamisa
respondeu que foi criada para lutar pela liberdade. “E hoje a capoeira ainda é vista como uma
luta?” Complementei. As crianças não responderam.
A esta altura todos já estavam perguntando se não iríamos fazer a capoeira, respondi
que já iríamos começar, mas que nesta aula seriam apenas alguns movimentos iniciais.
Pedi para que retomássemos a forma de círculo, para iniciarmos a atividade. Solicitei
aos alunos Jack Sparow e Miguel (praticantes de capoeira) para que demonstrassem e
explicassem para os colegas o movimento de ginga. As crianças ficaram em pé e tentavam
reproduzir tal movimento. Após alguns minutos de exercício da ginga, pedi para que
sentassem e de dois em dois se dirigissem ao centro da roda para realizarem a ginga ao som
das palmas e de uma ladainha de capoeira bem conhecida: “marinheiro só”.
E dois a dois foram entrando na roda,(1-D) muitos se sentiam tímidos e tinham que ser
incentivados por mim, pela professora,(2-C) e mesmo pela turma. E mesmo assim alguns
alunos(as) ficaram sem ir.(3-E)
Parei a canção por alguns minutos, enquanto orientava as crianças sobre a questão dos
golpes, que não deveriam acertar e que sempre uma pessoa ataca e a outra defende e viceversa. Jack Sparow e Miguel auxiliaram com exemplos, pedi para que um representasse o
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capitão do mato e o outro ou escravo fugitivo, que se encontravam e que tinha que lutar para
defender seus interesses, um o dinheiro por recuperar o escravo fujão e o outro sua liberdade.
Então os meninos começaram um jogo de capoeira em câmera lenta, para que os
outros vissem e tentassem posteriormente realizar algo semelhante. Coloquei novamente a
canção do marinheiro para que os meninos acelerassem um pouco o jogo e convidei que se
sentisse à vontade para escolher um parceiro e entrar na roda para vivenciar.
Aos poucos as crianças foram tomando coragem, vencendo a vergonha e entrando na
roda. Rodrigo me convidou para entrar na roda e jogar com ele e eu aceitei. Então aumentou o
número de crianças querendo entrar na roda. Quando saí da roda notei que já haviam três
pares jogando juntos de uma só vez.(4-D)
O tempo da aula já estava terminando, por isso baixei o volume do som e pedi para
que os(as) alunos(as) fossem ir beber água, ao banheiro e voltassem para me ajudar a colocar
a mobília de volta em seu lugar.
Diário de campo XV
Dia 31/11/07 das 14:00 às 14:50
Cheguei na sala às 14 horas, as crianças comemoraram minha chegada como de
costume. Entrei na sala segurando uma corda e três arcos, o que gerou diversas perguntas
como: “o que vamos fazer?” “Vamos pular corda?” “Posso ficar brincando com o bambolê?”
Entre outras em meio a uma grande agitação.
Disse às crianças que continuaríamos nossas atividades ligadas à capoeira, e que
realizaríamos um jogo chamado “senzala e quilombo”.
Pedi para que saíssem da sala e se dirigissem ao bosque da escola. Saí juntamente com
as crianças em busca de um conjunto de árvores próximas o suficiente para que pudéssemos
construir uma senzala, e circundamos três árvores com a corda e determinamos onde seria a
senzala.
Seguidamente pedi que sugerissem um local para colocarmos os arcos, que seria o
quilombo, lugar onde os escravos fugitivos se abrigam e deveria ser longe da senzala, e assim
posicionamos os três arcos no solo um ao lado do outro representando o quilombo.(1-D)
Reuni as crianças no meio do bosque para explicar como seria o jogo, as conversas e
brincadeiras paralelas são uma constante, tive que chamar atenção das crianças duas vezes, e
quando terminei de explicar o jogo notei que poucos(as) alunos(as) haviam acompanhado a
explicação. Iniciei o jogo e junto com ele começaram os conflitos, pois não havíamos nem
determinado quem seriam os pegadores, muitos(as) alunos(as) não sabiam o que tinham que
fazer e perguntavam: “o que tenho que fazer?”(2d-B)
Novamente reuni todos e reiniciei a explicação do jogo, disse que a senzala seria o
local, onde ficariam presos os escravos capturados pelos capitães do mato, e os mesmos
ficariam ali aprisionados até que um escravo livre tocasse nele para que este pudesse fugir.
Disse que o quilombo seria o local onde ficar os escravos fujões poderiam se abrigar com
segurança. Falei também que este quilombo é pequeno e só cabem três escravos por vez(um
em cada arco), ou seja, quando um escravo chega para se abrigar o que esta aqui tem que sair.
O jogo termina quando todos os escravos forem presos ou os capitães cansarem e desistirem
da perseguição.
Durante esta explicação as conversas e brincadeiras paralelas foram bem poucas e tudo
ocorreu de maneira tranqüila, e percebi que mais alunos(as) se mostravam atentos do que na
explicação anterior.
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Para determinar quem seria capitão do mato, perguntei aos(as) alunos(as) quem
gostaria de ser pegador e sete levantaram a mão. Como precisaria de dez, perguntei se
ninguém mais queria e então conseguimos os dez capitães do mato.
Reiniciamos a brincadeira, e tudo estava correndo aparentemente bem. Algumas
crianças corriam para o quilombo, outras tentavam salvar os escravos aprisionados e os
capitães se dividiam, ficando uns protegendo os aprisionados e outros procurando aprisionar
os escravos fugitivos.
Willian, um dos pegadores, veio reclamar que tinham pessoas que estavam sendo
pegas e não estavam parando, continuavam fugindo. Disse a ele para que voltasse ao jogo e
que eu observaria melhor para identificar essas ocorrências. Logo em seguida veio Lais
Monique, também fazendo papel de pegadora, reclamar que alguns escravos estavam fugindo
sem serem salvos.
Parei a atividade e solicitei que todos se aproximassem, contei que estava havendo
reclamações de colegas, e que se não cumpríssemos o combinado o jogo não daria certo.
Neste momento alguns escravos reclamaram que tinham pessoas que não queriam sair do
quilombo para dar lugar.
Disse que recomeçaríamos o jogo, mas desta vez iríamos respeitar as regras para que o
jogo fique divertido, e sem brigas ou conflitos entre os participantes como estava ocorrendo.
Recomeçamos a atividade e desta vez não tivemos nenhum conflito, mas pude notar na
atividade que ainda havia pessoas trapaceando e fugindo sem serem salvas.
Paramos o jogo novamente, trocamos os pegadores e novamente pedi para que não
fugissem sem que alguém tivesse salvado.
Reiniciamos o jogo com os novos pegadores e desta vez participei como escravo,
porém fui preso logo no início ao tentar salvar alguns prisioneiros. De dentro da senzala notei
que muitas reclamações estavam equivocadas, os pegadores cuidavam dos presos e não
percebiam que escravos livres tocavam os prisioneiros e estes saiam algum tempo depois
quando havia oportunidade de fuga, e isso dava a impressão que saiam sem serem salvos, na
maioria dos casos era isso que ocorria.(3-D)
Realizamos uma parada para beber água, e voltamos ao bosque para realizar um outro
jogo, desta vez para trabalhar com movimentos específicos da capoeira.
Chamei o jogo de “duro ou mole de capoeira”. O jogo consiste em um pega-pega onde
quem foi pego fica como estátua em uma posição de capoeira e para salvá-lo seria necessário
que outra pessoa realizasse um outro movimento de capoeira. Definimos como posição de
duro a “cocorinha” um posicionamento de defesa, e para salvar deveria realizar o movimento
chamado de “queixada”, sugerido por Jack Sparow e Raika, que consiste em passar a perna
por cima do oponente e caracteriza-se como movimento de ataque. Realizamos este jogo sem
ocorrência de conflitos. Durante o jogo alternei os pegadores e a quantidade dos mesmos.(4D)
Após dez minutos de atividade encerrei a mesma para que as crianças fossem beber
água e para que pudéssemos retornar a sala, pois o tempo da aula já havia acabado.
Acompanhei o retorno das crianças a sala e me despedi.
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Diário de campo XVI
Dia 12/11/07 das 13:10 às 14:00
Estive afastado da escola por uma semana para resolver problemas de ordem pessoal,
por isso houve uma grande comemoração das crianças quando entrei na sala, uma vez que não
há contratação de professores(as) substitutos de educação física de 1 a 4ª série do ensino
fundamental na rede estadual para faltas ou licenças de até 15 dias, o que significa que as
crianças ficaram a semana toda sem aula de Educação Física.
Após o grande alvoroço, disse aos(as) alunos(as) que realizaríamos algumas atividades
para aprendermos a realizar a estrela que na capoeira era conhecida como aú. As crianças se
mostraram animadas com a atividade.(1-D) Saímos da sala em direção ao pátio coberto, pois
o tempo estava chuvoso e as áreas descobertas estavam molhadas.
As crianças saíram com grande agitação, e após chegarem no pátio ficaram correndo,
brincando de pega-pega, dançando, conversando, dentre outras coisas. Haviam apenas cinco
(Juliana, Kelvin, Miguel, Lais Monique e Ana Paula) alunos(as) próximos a mim esperando
para iniciarmos a aula. Chamei as crianças dizendo: “vamos lá pessoal!” E nenhum sinal de
mudança na situação. Então tentei novamente: “vamos lá pessoal!” “Vamos começar a
atividade!”. E nenhuma alteração. Aguardei alguns instantes esperando que toda agitação
passasse e a espera também foi em vão. Mais uma tentativa, desta vez com o tom de voz
alterado: “vamos começar a atividade pessoal!” E a situação continuou como estava. As
crianças que estavam comigo esperando o início das atividades disseram: “vamos começar
nós, deixa eles pra lá”.
Chamei a atenção de todos com o tom de voz muito elevado, ordenei a formação de
duas filas, uma de meninos e outra de meninas, para dividir a turma de modo rápido. Só
assim as crianças começaram a se organizar para realização da atividade.(2d-B)
Com o auxílio de duas cordas representei um rio no chão do pátio, onde as cordas
representariam as margens que nós teríamos que atravessar.
Inicialmente questionei as crianças como poderíamos atravessar, e elas passaram
pulando de um lado para o outro.(3-D)
Novamente conversas e brincadeira paralelas voltaram a fazer parte da aula, tinham
crianças correndo durante a atividade com o intuito de bater no outro como forma de
brincadeira, outros(as) alunos(as) aproveitaram que não estava chovendo e foram para um
brinquedo de parque instalado no bosque e um outro número grande de crianças ficaram
sentadas nos bancos que rodeiam o pátio.(4-E)
Chamei a atenção das crianças para a atividade novamente, e com os poucos que se
organizaram para continuarmos a atividade, perguntei se era possível atravessar o rio com o
movimento estrela, que na capoeira era conhecido como aú. Jack Sparow e Raika praticantes
disseram que sim, Dulce Maria não pratica capoeira mas também disse que conseguiria. Então
pedi para que tentassem.
Com o início da atividade dado por estas crianças as demais se interessaram e
começaram a participar,(5-D) com exceção de um pequeno grupo de meninas onde algumas
ficaram dançando (Bruna, Vitória, Mariana) e outras sentadas (Paula, Bianca, Rafaela, Ana)
com a desculpa de que não gostavam da atividade ou de que não conseguiam fazer estrela.
Disse que quanto ao fazer o movimento de estrela, era o momento de aprender, pois o
objetivo da aula era justamente esse, e dei exemplos das colegas que também não sabiam, mas
que estavam tentando, e já estavam realizando movimentos bem parecidos. Mesmo assim
estas continuaram sem participar.(6-E)
A atividade se desenvolveu relativamente bem, desde então, apesar de continuar com
uma conversa exagerada e com brincadeiras que atrapalhavam as orientações dadas por mim e
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pelas crianças que já realizavam bem o movimento aos que ainda estavam praticando e
aprendendo.
Lais Monique, Camila e algumas outras crianças nunca haviam feito o movimento do
Aú e estavam apresentando dificuldades durante a realização do mesmo, pedi para que todos
que estivessem aprendendo agora, fossem com calma e realizassem primeiro o movimento em
câmera lenta, bem devagar preocupado apenas com o apoio das mãos no solo e com a troca e
apoio alternado dos pés, passando pelo rio na parte mais estreita. Conforme forem se sentindo
mais à vontade, poderiam começar a impulsionar o corpo aos poucos para elevar as pernas
durante a travessia, até que conseguissem realizar o movimento.
Após algumas tentativas Lais Monique conseguiu realizar a estrelinha com as pernas
ainda flexionadas, elogiei o movimento, e ela perguntou “consegui?”, então respondi “já
conseguiu realizar o movimento, porém as pernas ainda estão flexionadas, mas com mais
algumas tentativas você já conseguirá estender”. Jack Sparow que estava por perto e ouviu a
conversa interrompeu e disse: “mas para o jogo de angola já esta bom!” Concluí dizendo:
“realmente o jogo de angola, pelo que eu conheço, é mais rasteiro e os movimentos são mais
próximos do chão”.
O tempo da aula já estava se esgotando, então limitei a passagem pelo rio em mais
uma vez para cada um, as crianças queriam continuar. Disse a eles que na próxima aula
poderíamos continuar com os exercícios de Aú. Cada criança realizou mais uma passagem
pelo rio(7-D) e já saía para tomar água e ir para sala de aula. Com a ajuda das últimas crianças
que realizaram a atividade recolhi as cordas, acompanhei-os até a sala e me despedi da turma.
Diário de campo XVII
Dia 14/11/07 das 14:00 as 14:50
Entrei na sala cumprimentando a todos e todas, algumas crianças perguntaram o que
faríamos na aula. Respondi a eles com outra pergunta: “o que havíamos combinado no último
encontro?” Um menino responde: “estrelinha!”, disse: “muito bem, na aula de hoje
continuaremos com exercícios para o movimento do Aú e depois, mais ao final, realizaremos
um jogo onde utilizaremos este movimento”. Algumas crianças comemoraram a notícia.
Antes de sairmos da sala comentei que, como o tempo estava seco, realizaríamos parte
da atividade na caixa de areia, pois o risco de se machucar em caso de queda seria menor.
Disse também que não queria saber de lutas na areia, algo comum de ocorrer neste ambiente,
e que sempre termina com alguém machucado.
Ao chegarmos à caixa de areia peguei uma corda e três sacos de lixo que eu havia
deixado lá previamente. As crianças perguntaram de modo brincalhão, quem eu iria colocar
dentro do saco, respondi, também em tom de brincadeira, que seria o primeiro que
perguntasse, e todos riram.
Expliquei posteriormente que aquilo seria para ajudar as pessoas a aprenderem o
movimento, pois serviria para que se pudesse apoiar a lateral do quadril e auxiliar a execução
do giro no movimento do Aú.
Solicitei ao Jack Sparow, que aparentemente possi um pouco mais de força, que me
auxiliasse. Eu seguraria em uma ponta dos sacos de lixo e ele na outra, de maneira a formar
uma corda bem grossa e que não machucasse. A intenção era de que as crianças apoiassem a
lateral do quadril no plástico e apoiasse as mãos no chão e nós levantaríamos vagarosamente o
quadril dela para que ela realizasse o movimento com segurança.(1-D)
Devido a bagunça instaurada no ambiente não foi possível que eu desse atenção
exclusiva a esta atividade, pois a todo momento tive que parar para resolver conflitos como:
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brigas na fila, empurrões na areia, rasteiras e alunos(as) que saíam da atividade para ir no
brinquedo de parque que estava ali bem próximo.(2d-B)
Novamente um grupo meninas ficou de fora (Bruna, Rafaela, Mariana, Teka, Paula).
Dessas, algumas eram as mesmas que fizeram isto na aula anterior, desta vez com a desculpa
de que não poderiam sujar a roupa.(3-E)
Retomei então, devido às circunstâncias, o exercício da aula anterior. Organizei duas
filas: uma onde as pessoas que já sabiam realizar o movimento ficariam praticando com a
corda alta do chão suspensa por alunos(as) que se revezariam nessa função e, outra, que seria
composta por aqueles que ainda sentem dificuldades para realizar o movimento. Deixei que
eles se auto classificassem para o posicionamento na fila correspondente.
As atividades iniciaram bem, consegui dar algumas orientações individuais aos(as)
alunos(as) que apresentavam mais dificuldades, porém por pouco tempo, pois alguns meninos
começaram a erguer a corda no momento da passagem dos outros pra derrubá-los, além das
brigas e lutinhas que começaram a ocorrer em grande escala entre as crianças.
Interrompi a atividade, pedi para que fossem beber água e em seguida fossem para a
quadra. Lá chegando solicitei para que sentássemos em círculo, para fazermos uma
brincadeira.
Sentamos, e então disse que realizaríamos a brincadeira do corre cutia de uma maneira
diferente, onde a pessoa que fosse pega ou a que não conseguisse pegar realizaria o
movimento de Aú dentro da roda de maneira semelhante como acontece na capoeira. As
crianças se mostraram motivadas com exceção das meninas que não estavam participando da
aula desde o início e que, desta vez, encontravam-se sentadas no banco da quadra, e quando
questionei o porquê (já que na quadra não haveria o problema de sujar a roupa), responderamme que não gostavam daquela brincadeira.
Iniciamos a brincadeira e tudo correu bem. As crianças quando eram pegas faziam o
Aú ou então quem desafiava a pessoa e não conseguisse pegar, o que acontece na maioria das
vezes nesse jogo, também realizava o Aú e assim eu podia observar cada movimento.(4-D)
As crianças começaram a reclamar, pois não estavam sendo escolhidas, porém tinha
cerca de 29 crianças brincando, por mais que não se repetissem os jogadores, o tempo de
espera seria grande e isso desmotivou quatro crianças (Vitor, Isadora, Gilberto, Davi) que
saíram da brincadeira. Pedi um pouco de paciência, mas não resolveu.(5-E)
Mesmo assim continuamos até que chegou a vez de Kelvin e como ele não conseguiu
pegar teria que realizar o Aú, mas ele não quis, estava com vergonha e disse que não sabia
realizar o Aú. De fato ele ficava conosco na atividade, mas não me lembrei dele treinando o
movimento com as outras crianças. Então pedi para que realizasse qualquer outro movimento
da capoeira que já havíamos feito ou que conhecesse, mesmo assim não quis. Então pedi para
que Raika demonstrasse um movimento que fosse fácil de realizar para que ele pudesse fazer,
ela então realizou uma “benção” e ele perguntou: “é só isso?” e eu respondi: “sim. E aí, topa
fazer?” , ele concordou, entrou na roda, realizou de maneira apressada e saiu.
A atividade seguiu até o final da aula, mas não foi o suficiente para que todos fossem
chamados e isso que gerou algumas reclamações. Combinamos que estes começariam o jogo
na próxima aula. Fomos todos beber água para que pudéssemos ir para a sala. Chegando lá,
combinamos que na próxima aula inicialmente começaríamos com o exercício de outros
movimentos e posteriormente realizaríamos jogos com os mesmos.
Disse, ainda antes de sair, para os alunos Jack Sparow, Raika e Miguel, que eles
deveriam se preparar, pois seriam responsáveis em nos ajudar nas demonstrações dos
movimentos da capoeira que eles conhecessem.(6-D)
175
Diário de campo XVIII
Dia 21/11/07 das 13:10 às 14:40
Após um longo período de feriados, retornamos às aulas. Entrei na sala e os(as)
alunos(as) ainda estavam se ajeitando em suas carteiras. Perguntei como passaram o feriado,
responderam dizendo que foi legal.
Recapitulei o que realizaríamos na aula, dizendo que no primeiro momento ficaríamos
no pátio coberto, pois o sol estava muito forte, e iríamos trabalhar com alguns movimentos da
capoeira e depois realizaríamos um jogo ali mesmo ou talvez pudéssemos ir a um espaço
gramado com sombra.
Antes de sair, disse que não queria bagunça, pois, na última aula realizamos no pátio,
eu tive que ficar chamando a atenção deles a toda hora, e não gostaria que isso acontecesse
novamente.
Saímos da sala e a chegada ao pátio foi tranqüila. Pedi para que os(as) alunos(as) se
dividissem em duplas, e que fossem se posicionando nos triângulos que eu estava desenhando
no solo.
Com todas as duplas espalhadas pelo espaço, cada pessoa em um triângulo, relembrei
com eles o movimento da ginga, desta vez utilizando os vértices do triângulo como ponto de
referência para não se perderem no espaço.
Perguntei quem poderia nos mostrar um movimento de capoeira, e Miguel se
manifestou interessado e chamou Raika para ajudá-lo na demonstração. Ele me perguntou
qual movimento, e disse um movimento que ele acreditasse ser fácil de aprender e que todos
pudessem realizar. Ele disse a “Benção”, então respondi que poderia ser e perguntei sobre um
movimento para a Raika de se defender. Ela perguntou se poderia ser a “esquiva” e eu acenei
positivamente com a cabeça.
Solicitei que todos fizessem silêncio e prestassem atenção nos colegas que fariam a
demonstração, pedi para que começasse um realizando a Benção e o outro a Esquiva e
invertendo o papel, após a Esquiva responderia com a Benção e vice-versa.(1-D)
Notei que apenas três ou quatro duplas estavam atentas, o restante não estava
prestando atenção nos colegas que faziam a demonstração: algumas crianças dançavam,
outras estavam envolvidas com provocações que culminavam em perseguições, as quais
atrapalhavam as pessoas que estavam tentando realizar a atividade ao ponto de fazer com que
estas se desmotivassem e saíssem da atividade, e ainda havia uma grande quantidade de
crianças sentadas que estavam conversando ou brincado de empurrar a outra até que esta
caísse do banco, e posteriormente retornasse para reiniciar a batalha.(2-E)
Chamei a atenção algumas vezes, tentado restabelecer a atividade, mas de nada
adiantou, somente com alguns gritos e ordenando que todos sentassem consegui um pouco de
atenção.(3d-B)
Pedi para que se sentassem em círculo, pois iríamos conversar um pouco. Um grupo
de meninas (Bruna, Paula, Rafaela, Ana) continuou sentado em um banco um pouco distante
da roda, então pedi para que fizessem parte da roda, responderam-me dizendo que não
queriam brincar.(4-E)
Retruquei esclarecendo que não realizaríamos brincadeira alguma e sim uma conversa,
pois eu precisava entender o que estava acontecendo nas aulas e que elas deveriam participar,
afinal, elas já estavam há algumas aulas sem participar e gostaria de saber por que aquilo
estava acontecendo.(5-B)
Vieram fazer parte da roda. A esta altura a conversa e a agitação já havia tomado conta
do ambiente novamente, e eu tentava conversar com as crianças, porém não estava sendo
ouvido, e falava em vão: “pessoal atenção!”, “vamos colaborar pois preciso conversar com
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vocês!” Alguns gritos dizendo: “Agora chega!” e “Vamos parar com esta conversa!” foram as
soluções que encontrei para resolver momentaneamente o problema.(6d-B)
Perguntei a eles o que estava acontecendo, porque em todas as aulas eu estava tendo
que chamar a atenção com gritos e o que iríamos fazer nelas daqui pra frente, pois assim não
teríamos como continuar.
Lais Monique falou: “tem muita gente desinteressada e que fica atrapalhando!”, outras
observações e comentários surgiram, como: “tem muita gente que nunca participa!”, “os
meninos ficam bagunçando”, “tem gente que fica brincando e saindo da aula!” e “todo mundo
fica conversando e não deixa o professor falar!”
Disse a eles que tudo isso eu já sabia, pois toda a aula eu via isso, e continuei, dizendo
que o que eu queria saber era o por quê destas coisas estarem acontecendo.
Comentários repetidos aos anteriores ocorreram como: “ tem gente que fica fazendo
bagunça!”.
Novamente eu disse: “gente isso eu já sei! Estou vendo isso em todas as aulas! O que
eu quero saber é porque isso está acontecendo?”. “Qual estava sendo o problema?”, perguntei,
“sou eu , são as aulas, são vocês, é a escola ou o quê?”
Não obtive respostas. O tempo de aula já estava se esgotando e pedi para que
bebessem água e voltassem para a sala.
Chegando a sala aproveitei os últimos minutos para continuar a discussão. Disse que
na próxima aula continuaríamos essa discussão e que deveriam pensar nas respostas para
algumas perguntas como: “Por que acontece a bagunça?” e “Por que as pessoas que não
participam fazem isso?”
Rodrigo levantou a mão, então passei a palavra a ele, disse que talvez fosse por conta
da capoeira, que as pessoas estavam desinteressadas. Relembrei que essa sugestão tinha
partido da sala. Ele disse que ele mesmo não gosta muito da capoeira. Então relembrei que ele
era um dos que haviam sugerido as temáticas capoeira e karatê para que nós trabalhássemos o
tema do respeito. Ele ficou em silêncio.
Perguntei na sala quem gostava de capoeira e aproximadamente 13 levantaram a mão.
Então Rodrigo disse: “você viu quantas pessoas não gostam de capoeira?”, respondi que havia
notado. Então continuei a pesquisa e perguntando quem gostava de karatê e obtive então 16
pessoas, continuei ainda citando o futebol, o voleibol e a dança e obtive margens semelhantes.
Disse ao aluno que se fôssemos fazer o que todos querem não faríamos nada, pois em nenhum
dos exemplos consegui uma grande margem de pessoas interessadas. Rodrigo disse então que
todos deveriam chegar em um acordo, concordei e me despedi, pois já havia passado do
horário e disse que continuaríamos a conversa na próxima aula.(7-B)
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Diário de campo XIX
Dia 26/11/07 das 14:00 as 14:50
Ao chegar à sala não houve a comemoração como de costume, pois as crianças já
sabiam que não sairíamos, uma vez que ficou combinado que nesta aula nós iríamos decidir
qual seria o rumo de nossas próximas aulas.
Jack Sparow, juntamente com outras crianças, perguntou se não sairíamos da sala, e
respondi que enquanto nós não decidíssemos o quê e como organizaríamos nossas próximas
aulas não teríamos motivo para sair.
Perguntei então como nós resolveríamos o problema apresentado na aula anterior, e
um grupo de alunos, do qual Willian e Rodrigo faziam parte, gritaram: “vamos jogar
futebol!”. Perguntei se todos da sala estavam de acordo e se iriam jogar futebol, e cerca de 14
pessoas se posicionaram contra. Willian respondeu lamentando que nunca iriam jogar futebol.
Complementei dizendo que daquela maneira continuaríamos com o problema, que segundo
eles desmotivava a aula, uma vez que nem todos se interessavam pela capoeira.
Retomei a pesquisa feita na aula anterior, perguntando quantos gostavam de vôlei, de
corrida e de karatê, e nenhuma das manifestações atingiu margens superiores a 19 votos.
Rodrigo disse então que deveríamos fazer o que a maioria decidisse. Continuei a
discussão perguntando como iríamos garantir que quem não se interessasse pela atividade
determinada participaria da aula, uma vez que isso não aconteceu em nenhuma das aulas
anteriores, as quais sempre tiveram alunos(as) que ficaram de fora.
Juliana levantou a mão, pedi para que falasse e ela disse que tem coisas que as pessoas
não gostam, mas que tem que serem feita para aprender. Willian e Raika disseram então para
que eu deixasse quem queria jogar bola na quadra e as outras pessoas jogando vôlei ou
fazendo outra coisa que gostassem.
Perguntei a turma se quando a professora ensinava matemática ela deixava quem
gostava de adição fazendo contas e quem não gostava poderia ficar no fundo da sala fazendo
aviãozinho de papel, responderam negativamente em forma de coro. Complementei a
pergunta dizendo que se eles não eram divididos para aprender nas aulas de outras matérias,
porque eu deveria adotar isso em minhas aulas.
Não obtive respostas, assim continuei lembrando-os de que eram um grupo e de que
deveriam aprender juntos, em todas as aulas e matérias, inclusive na minha.
Rodrigo perguntou por que as outras turmas podiam fazer o que eles queriam e eles
não. Antes que iniciasse a resposta Lais Monique disse para ele que é por que eles tinham
aceitado participar do projeto e que agora ninguém mais estava ligando. Mesmo assim
respondi para Rodrigo enumerando dois motivos: o primeiro é que as outras crianças não
estavam fazendo o elas queriam e sim o que eu e o outro professor determinava, e que quem
estava fazendo o que queria eram eles, os quais sugeriram a temática a ser trabalhada e as
atividades que usaríamos para tal, como a capoeira, Karatê e os jogos cooperativos.
E o
segundo motivo era que haviam aceitado participar do projeto, porém estavam se esquecendo
das responsabilidades deles que, deveriam ser: participar das aulas que ajudaram a escolher.
Disse a eles que pouco conhecia de capoeira e que por conta do interesse demonstrado por
eles fui buscar informações e montar as atividades, para que pudéssemos, com isso, conhecer
um pouco desta prática, e que, em contra partida, não estava vendo nenhum esforço por parte
da turma para participar das aulas.
Rodrigo disse que eles conheceram um pouco e não gostaram, por isso o desinteresse.
Perguntei a sala se eles sabiam fazer os movimentos da capoeira, alguns ergueram a mão,
então perguntei quantos movimentos sabiam fazer e o maior número que ouvi foi 3. Indaguei
a Jack Sparow, praticante de capoeira, quantos movimentos tinham na capoeira e ele
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respondeu que havia cerca de trinta movimentos ou mais pois não tinha aprendido todos
ainda. Dirigi-me a turma questionando se realmente chegamos a conhecer a capoeira e na sala
pairou um breve silêncio que interrompi dizendo: “isso é como falar que não gosta de comer
jiló sem antes ter provado, pois foram poucos os que realmente se envolveram com o intuito
de experimentar a vivenciar um pouco da capoeira”.
Raika levantou a mão, e passei-a a palavra. Ela propôs que todos fizessem a aula, pois
no dia que fosse realizado futebol, todos fariam, quando fosse o vôlei, todos fariam também,
mesmo não gostando, assim, todos teriam oportunidade de fazer alguma coisa que goste.
Neste momento a sala comemorou com a idéia, e muitos foram se levantando em
direção a porta como se já tivéssemos resolvido o problema e fossemos sair. Pedi para que
voltassem, pois tínhamos ainda coisas para discutir.
Depois de certa revolta todos se sentaram novamente, então perguntei se todos
concordavam com a idéia de todos participarem de tudo, e disse que quem concordasse tinha
que se comprometer a participar, mesmo que não gostasse da atividade proposta. Camila,
Rebeca e Mariana não concordaram. Indaguei-as sobre o motivo e responderam que não
queriam participar de atividades de não gostassem. Camila disse ainda que concordava que
todos jogassem futebol, mas não concordaria se em outro dia tivesse que participar de uma
aula com o conteúdo vôlei.
A turma ficou um pouco frustrada, pois perceberam a continuidade do empasse, então
pude ouvir reclamações generalizadas, uns discutindo, outros esbravejando e poucos em
silêncio.
Pedi atenção da sala, e neste momento Kelvin solicita outra votação. Então,
percebendo o nervosismo dos colegas, Mariana e Camila decidiram concordar com a turma,
porém Rebeca manteve sua opinião.(1-B) Rodrigo esbravejou: “não tem jeito mesmo, não tem
acordo, agora pode fazer qualquer coisa, continua com a capoeira mesmo e deixa como está!”.
Neste momento a turma estava em grande alvoroço, já reclamavam estar perdendo
tempo da aula dentro da sala e se preocupavam pois o tempo já estava acabando e não iriam
sair da sala.
Tentei pedir a atenção da turma diversas vezes para tentar propor uma alternativa, pois
a aula já estava encerrando e não havíamos chegado a nenhuma solução. No entanto, as
tentativas foram em vão. A esta altura já estava nervoso com o comportamento das crianças
que não paravam de reclamar que não iriam ter tempo para sair.
Rodrigo veio até a frente da sala onde me encontrava, e começou a gritar comigo,
dizendo que todos iriam ficar sem aula por que uma menina não queria aceitar um combinado,
e que ela quase já não participava das aulas mesmo. Já nervoso respondi, em voz alta quase
gritando, que ela também fazia parte do grupo e que eu já estava há um tempo tentando fazer
uma proposta para a turma, mas não estava colaborando para que eu falasse. Perguntei se
sabia qual era minha proposta, e respondeu que não. Disse que ele não sabia por que, assim
como os outros, ele só esta preocupado em fazer as coisas que gosta e não queria abrir mão de
nada em prol da turma. Continuei dizendo que nenhum deles estava pensando na turma,
apenas neles mesmos.(2d-B)
Lais Monique, disse que eu tinha razão, pois eles estavam brigando e dando opiniões e
nenhum deles pediu ou deixou que eu desse minha opinião ou fizesse minha proposta. A
turma fez silêncio suficiente para que eu fizesse minha proposta.
Como já estava no final da aula propus a eles que colocassem numa folha o nome e
três atividades que gostassem de fazer para que trabalhássemos nas aulas, estas deveriam ser
colocadas em ordem de preferência sendo a primeira a que mais interessasse. Disse ainda que
elas deveriam ter uma relação com o respeito, pois esta temática já havia sido escolhida e não
poderia ser alterada. Esclareci que as mais votadas seriam trabalhadas de acordo com o
179
número de aulas que teríamos até o final do ano e que isso seria estabelecido quando todos
entregassem as sugestões.
Deixei claro ainda que o fato de se escolher o futebol não significaria que na aula em
que este fosse trabalhado iríamos sair, jogar futebol e só, teríamos que conversar e discutir e
que não aceitaria o abandono das aulas por parte de ninguém.(3-B)
Me despedi e deixei que fossem beber água e ir ao banheiro antes que a professora
retornasse para a sala.
Diário de campo XX
Dia 26/11/07 das 13:10 às 14:00
Ao chegar notei que a comemoração das crianças não aconteceu como de costume,
apenas uma pequena agitação e algumas conversas e cochichos, pois sabiam que seria o dia da
votação e que não realizaríamos atividades fora da sala.
Iniciei a conversa perguntado quem havia trazido as sugestões sobre os conteúdos das
aulas. As crianças começaram a levantar e entregar suas folhas com as sugestões anotadas,
porém notei que alguns como: Carlos, Rafael, Rodrigo, Davi, Willian, estavam fazendo na
hora, pois não fizeram a “tarefa” em casa.(1-E)
No total foram entregues 28 trabalhos, o que correspondia ao número de pessoas
presentes na aula, freqüência abaixo do normal devido à troca de professores(as) para
aplicação das avaliações do SARESP5 que estava ocorrendo nas demais séries.
De posse das sugestões, estava começando a anotar na lousa os votos quando tive que
interromper por conta do excesso de barulho, ocasionado pela euforia das crianças com os
resultados. Pedi que maneirassem pois os colegas de outras séries estavam realizando prova,
no entanto, outras diversas tentativas de reduzir o ruído foram em vão.
Preocupado com a orientação de evitar barulho para que não atrapalhasse as salas em
avaliação decidi sair com os(as) alunos(as) e fazer a apuração dos votos sentados na grama em
uma área de sombra distante das salas de aula.
Fui anotando em uma folha de papel os votos em primeira opção, enquanto isso
algumas alunas me ajudaram na apuração, outros ficaram conversando e os meninos que
votaram no futebol ficaram na torcida, vibrando com cada voto para o futebol.
Disse a eles que meu voto seria para capoeira, afinal sou parte do grupo e também teria
direito a voto.
A apuração terminou assim: Futebol 11 votos; Vôlei 06 votos; Queima 05 votos;
Capoeira 03 votos; Stop 02 votos; Pega-pega 01 voto; Pique bandeira 01 voto.(2-B)
Com o anúncio da apuração, Rafael, Rodrigo, Davi, Willian e Vitor pediram para que
eu pegasse a bola para que eles jogassem. Antes que eu me pronunciasse a respeito Willian
disse: “ai você deixa as meninas jogando na quadra e os meninos jogando no campo!” Fontão
respondeu a Willian dizendo: “não! Tem que jogar todo mundo junto, não lembra!” Respondi
concordando com Fontão e dizendo que começaríamos o trabalho com o futebol apenas na
próxima aula.(3-D)
Como a esta altura estavam todos em grande agitação, solicitei que se sentassem
novamente para combinarmos o que seria realizado na aula seguinte. Porém os(as) alunos(as)
não colaboraram e continuaram com as conversas e brincadeiras. Tentei novamente organizar
a turma, e, com um tom de voz mais alto, ordenei que todos sentassem. Assim obtive melhor
5
Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar de São Paulo, aplicado a alunos de 1ª, 2ª, 4ª, 6ª e 8ª séries do
ensino fundamental e de 3º ano do ensino médio.
180
resultado, grande parte do grupo se sentou, e o restante eu fui chamando pelo nome para que
retornassem ao grupo.(4d-B)
Após a organização da turma, expliquei como estruturaríamos os resultados da
apuração. Disse que teríamos ainda 4 aulas até o final do bimestre, e que abordaríamos os
conteúdos de acordo com a classificação apurada, ou seja, o mais votado em primeiro lugar e
assim sucessivamente.
Rodrigo disse: “então hoje vai ser futebol.” Respondi que não, pois estávamos
decidindo o que seria para a próxima aula. Ele perguntou o que faríamos naquela aula,
respondi que combinaríamos e organizaríamos as próximas.
Novamente o grupo se encontrava disperso restando poucos(as) alunos(as) na
discussão. Chamei novamente os(as) alunos(as) para a conversa, mas não adiantou, estavam
impacientes por que não realizaríamos brincadeiras nem o futebol.
Continuei dizendo que tentaríamos realizar uma atividade em cada aula já que
teríamos poucas aulas, porém, caso fosse necessário, prolongaríamos para uma segunda aula.
Como o grupo não estava atento a discussão e a mesma ainda não havia terminado, pois não
havíamos combinado como seria a próxima aula, decidi levar todos para sala e aproveitar os
últimos minutos da aula para terminar a diálogo.(5-B)
Disse às crianças para que fossem beber água, ao banheiro e retornassem para sala de
aula. Dentro da sala com um pouco mais de organização, lembrei-os que na próxima aula
trabalharíamos com futebol, e, para isso, deveriam trazer um pequeno trabalho. Solicitei que
cada criança trouxesse um recorte de jornal ou revista que contivesse uma noticia ou mesmo
foto que relacionasse o futebol à temática que estamos estudando, no caso, respeito. Esclareci
que poderia tratar tanto de respeito quanto de desrespeito, e que o importante seria relacionar
com a temática, não podendo portanto trazer qualquer noticia relacionada ao futebol.
Disse que deveriam colar em uma folha com o nome e série para ser entregue na
próxima aula.
Solicitei que os(as) alunos(as) formassem grupos de quatro pessoas para a
apresentação do trabalho. Eles perguntaram como seria a apresentação e respondi dizendo que
o grupo formado escolheria uma entre as quatro noticias trazidas por seus integrantes e
apresentaria em sala esta que entenderam como mais interessante para a discussão da temática
respeito.
Muitos(as) alunos(as) não entenderam a proposta. Estavam em dúvida se era em grupo
ou individual, e retomei a explicação. Falei que cada um teria que trazer uma noticia para me
entregar, porém, para discussão em sala, não teríamos tempo para ler todas e por isso cada
grupo selecionaria a mais interessante para apresentar, ou seja, a divisão em grupo serviria
para selecionarmos as notícias de maneira que apresentássemos as mais interessantes para a
discussão e, assim, economizaríamos tempo para realização da atividade prática.
Questionei se todos haviam entendido o que era pra ser feito e responderam que sim.
Perguntei quem deveria trazer o recorte e responderam em coro: “todo mundo!”. Indaguei
ainda quem faria a apresentação, e responderam que seria o grupo.
Fui montando os grupos na lousa de acordo com o interesse das crianças. Segue
abaixo a organização dos grupos:
1234567-
Juliana, Bruna, Dulce Maria, Kelvin
Camila, Bruna, Ariadne, Ana Paula
Joice Tamisa, Lais Monique, Gisele, Vitória
Marcela, Isadora, Teka, Bianca
Fontão, Willian, Rafael, Davi.
Miguel, Fernando, Kesley, Vitor
Mariana, Amanda. Carlos, Lelo
181
8- Jack Sparow, Gilberto, Michel, Rodrigo(6-D)
Jack Sparow e Amanda disseram que não participariam dos grupos de apresentação.
Respondi que isso faria parte da aula e da avaliação e quem não participasse ficaria
prejudicado na mesma.(7-E)
Ana Paula perguntou se poderia trazer desenho ao invés de recortes, disse que deveria
se esforçar para encontrar notícias, caso tivesse dificuldades poderia pedir ajuda para aos
amigos para conseguir jornal ou revistas para recortar.
Me despedi e saí da sala com a chegada da professora que estava substituindo a professora
efetiva da sala.
Diário de campo XXI
Dia 03/12/07 das 14:00 às 14:50
Minha chegada foi motivo de grande comemoração, pois os(as) alunos(as),
principalmente um grande grupo de meninos, estavam ansiosos pelo futebol.
Perguntei sobre as tarefas e diversas crianças disseram ter esquecido, outros que não
haviam feito, e alguns ainda que faltaram e por isso não teriam feito os trabalhos. Para estes
últimos dei prazo de mais uma aula para entrega, para os demais disse que poderia ser
entregue na próxima aula, porém a consideração como avaliação seria menor, afinal o
interessante seria fornecer elementos para discussão em aula e não apenas entregar a tarefa.
As crianças que fizeram o trabalho levantaram para entregar, pedi para que ficassem
no lugar, pois eu só receberia os trabalhos após a apresentação dos grupos. Ana Paula insistiu
em levantar para falar comigo, veio me dizer que não tinha conseguido recortes e por isso
tinha feito um desenho, junto com ela vieram Bruna e Camila com a mesma justificativa e
dizendo que também haviam feito desenhos.(1-D)
Perguntei quem não gostava de jogar futebol e pedi para que estes levantassem a mão,
foram: Kelvin, Dulce Maria, Juliana, Bianca, Marcela, Paula, Amanda e Fernando. Pedi para
que estes levassem caderno e lápis com eles para a aula e que depois explicaria o porquê.
Disse aos(as) alunos(as) que as apresentações seriam realizadas fora da sala e que
quanto mais a conversa paralela atrapalhasse as apresentações, maior seria o tempo
despendido nelas e conseqüentemente menor o tempo das atividades práticas que eles
ansiosamente esperavam.(2-D)
Fora da sala, sentados na grama em uma área com sombra, ao chamar os grupos notei
que muitos grupos haviam se reorganizado, e que apenas cinco crianças (Rodrigo, Juliana,
Bruna, Raika, Vitória) tinham feito o trabalho como solicitado. Ana Paula, Bruna e Camila
tinham feito desenhos que retratavam cenas relacionadas à temática respeito.
Rodrigo saiu do grupo que estava e entrou no grupo de Willian, sem justificar o
motivo. Kelvin saiu do grupo que fazia parte, ficou sozinho e não entregou tarefa.(3-E)
Raika, que tinha faltado na aula anterior, faltou novamente, porém foi à escola para
entregar, a seu grupo, sua parte do trabalho.
Continuei com a programação e fui chamando os grupos para apresentação, sendo o
primeiro composto por Juliana, Raika e Bruna. Elas apresentaram seus recortes divididos em
dois cartazes cuidadosamente confeccionados em cartolina, onde um trazia imagens de
desrespeito, como letras manchadas em seu título e trazia fotos de faltas violentas. O outro,
com o titulo em letras apenas contornadas, continha fotos relacionadas ao respeito como
jogadores se abraçando, comemorando e erguendo taças. As meninas apresentaram os dois
182
cartazes dizendo como é o futebol quando tem respeito e como é ruim quando existe falta de
respeito no jogo de futebol.
Neste momento poucos(as) alunos(as) prestavam atenção na apresentação, apesar de, a
todo momento, lembrá-los que devem respeitar e observar as apresentações dos colegas.
O segundo grupo a apresentar-se era composto por Camila, Bruna, Ariadne e Ana
Paula. Elas apresentaram os desenhos mostrando as relações de respeito e desrespeito dentro
de cada desenho, porém Ariadne não havia trazido trabalho nem mesmo em forma de desenho
e também não participou da apresentação com as meninas. As conversas, brincadeiras e falta
de atenção por parte das crianças continuaram também durante esta apresentação.
O terceiro grupo chamado foi o de Joice Tamisa, Lais Monique, Gisele e Vitória.
Apenas Vitória e Joice Tamisa participaram da apresentação. Tentaram apresentar a notícia
trazida por Vitória, uma vez que esta foi a única do grupo que trouxe a tarefa. Porém não
souberam dizer de que se tratava a notícia, depois de um tempo lendo conseguiram relatar que
o jogador Kaká afirma em entrevista que queria ser pastor. Indaguei qual a relação dessa
notícia com o respeito, já que não haviam deixado isso claro. Responderam que não sabiam,
perguntei porque escolheram esta notícia e não souberam me responder.
Chamei a atenção das crianças novamente antes de iniciar a última apresentação, e
solicitei ao grupo de Willian., Fontão, Rafael, Davi e Rodrigo (o último mudou de grupo).
Apenas Rodrigo e Willian realizaram a apresentação, porém não conseguiram apresentar a
notícia de Rodrigo (o único do grupo que trouxe).(4-D)
Não sabiam dizer do que se tratava a notícia e muito menos a relação dela com o
respeito. Perguntei sobre o que era a notícia e ele não soube dizer. Perguntei como ele
escolheu a notícia se não sabia sobre o que se tratava. Respondeu dizendo: “Não sei, precisa
ler pra saber!”. Perguntei se ele ou o restante do grupo tinha lido e responderam
negativamente.(5-E)
Todas apresentações foram bem rápidas, principalmente porque os(as) alunos(as) não
conseguiam apresentar por não terem lido as notícias.
Terminadas as apresentações iniciei a divisão de times para realização de uma partida
de futebol. Pedi para que ficassem em fila para que dividíssemos os times, mas as conversas,
brincadeiras e falta de atenção não permitiram a organização. Em voz alta ordenei o
posicionamento em duas filas: uma de meninos e uma de meninas. Desta vez obtive mais
sucesso, porém as conversas, as brincadeiras e o entra e sai nas filas dificultava a organização
de times. Disse que se não colaborassem não continuaria a atividade. Cruzei os braços e fiquei
esperando a organização dos(as) alunos(as). Depois de algum tempo, e muitos gritos pedindo
silêncio, por parte das crianças, pararam com a algazarra e foi possível dividir os times.(6d-B)
Foram montados 2 times com dez pessoas, sendo que oito que não gostavam de
futebol ficaram de fora sob minha orientação para realização de outra função. Os times foram
divididos aleatoriamente, por meio de numeração 1-2 , buscando apenas distribuição
homogênea entre meninos e meninas.
Um dos times usou colete para diferenciação. Antes de começar o jogo, enquanto os
times se organizavam na quadra, orientei aos que ficaram de fora para que anotassem em seus
cadernos as cenas de respeito ou de desrespeito que fossem observadas durante o jogo para
que depois discutíssemos estes acontecimentos na sala, ao final da aula.
Tivemos doze minutos de jogo sem árbitro, nos quais as crianças jogaram livremente,
e as ocorrências anotadas foram muitas, cerca de 20 neste curto tempo de jogo.
Todas as reclamações que os jogadores faziam eu pedia para os anotadores
registrarem. Pedi para que anotassem os pedidos para tomar água que Ana Paula, Mariana e
Camila fizeram. Permiti, porém foram todas juntas ao bebedor abandonando a equipe com 3
jogadoras a menos, já que estavam no mesmo time. Ainda é interessante observar que elas
183
saíram logo no inicio do jogo e quando voltaram, após um longo tempo, apenas Camila
retornou ao jogo.(7-D)
Sinalizei o final do jogo faltando 15 minutos para o término da aula. Pedi para que
tomassem água e fossem para sala para terminarmos a aula e muita crianças reclamaram por
terem que entrar para sala antes do final da aula, pois queriam ficar jogando.
Já na sala comentei com os demais alunos(as) sobre a função dos observadores, disse
que em apenas 12 minutos de jogo tínhamos anotado 20 ocorrências relacionadas ao respeito,
sendo todas basicamente de desrespeito.
Citei algumas observações realizadas como: “Lais Monique e Joice Tamisa reclamam
que os meninos não tocam a bola para as meninas”, “Rodrigo grita com Lais Monique para
que ela toque logo a bola para ele”, “Isadora empurra e derruba Fontão”, “Willian briga com
Joice Tamisa.” Entre outras.
A maioria está relacionada com brigas, e estas possuem motivos diversos como: não
tocar a bola, erro de passe ou jogada realizado por companheiro(a) de mesma equipe, faltas
violentas etc.
Perguntei aos meninos porque não tocavam a bola para as meninas. Não souberam
responder. Perguntei a Rodrigo porque gritou com a Lais Monique, e ele também não soube
responder. Lembrei às meninas que saíram para tomar água e não voltaram que abandonar o
time também é falta de respeito.
Disse para Marcela e Paula, que ficaram fora de toda atividade, que combinar as coisas
e não cumprir também é falta de respeito, afinal a sala havia combinando que todos fariam
tudo e não foi isso que elas fizeram naquela aula.
As crianças ficaram aparentemente surpresas com o tanto de ocorrências apresentadas.
Perguntei a todos se é assim que gostariam que fossem as brincadeiras, ou seja, cheias de
brigas e de maus tratos uns com os outros. A sala respondeu negativamente.
Perguntei quem tinha escolhido o tema da aula e responderam que foram eles.
Indaguei se todos estavam de acordo com que tinha sido decidido e responderam que sim.
Então perguntei por que tão poucas pessoas tinham feito o trabalho, já que eles(as)
escolheram e concordaram com o tema. Não souberam responder.
Disse às crianças que o problema das aulas, ao meu ver, não estava sendo o conteúdo,
capoeira ou futebol, e sim a falta de compromisso deles com as mesmas. Falei também que
não é possível aprender nada sem o mínimo de esforço pessoal. Que não adiantava fazer
trabalho sem ler e que trazer uma notícia sem ter lido antes não contribui nada para discutir
um assunto, pois nem se sabe do que se trata. Não adianta este tipo de comportamento:
entregar o trabalho só por entregar. Isto não serve nem para ganhar nota e ainda prejudica a
aula e o aprendizado da turma, que poderia ter tido uma discussão bem mais rica.
Terminei pedindo que, para a próxima aula, buscassem informações sobre o vôlei
sentado, pois este seria o conteúdo que havia sido programado. Disse que não necessitaria de
trabalho escrito, apenas que eles se informassem sobre o assunto, para saberem do que se trata
e assim abordarmos na próxima aula.(8-B)
184
Diário de campo XXII
Dia 05/12/07 das 13:10 às 14:00
Cheguei na sala e grande parte das crianças estava conversando e caminhando pela
sala de aula. Entrei no recinto e não fui percebido, ou pelo menos não com a comemoração de
costume, aguardei que se instalassem em suas carteiras, pois tinham acabado de entrar na sala.
Quando quase todos estavam sentados em suas cadeiras, pedi atenção para iniciarmos
as atividades da aula. Perguntei quem havia trazido informações sobre o vôlei sentado e não
obtive resposta. Enquanto isto as crianças continuavam com as conversas e não se
apresentavam atentas às minhas falas.
Pedi para que cessassem a conversa com os amigos pois já havíamos iniciado nossa
aula. Não obtive sucesso.(1-E)
O aluno Jack Sparow perguntou se não iríamos sair da sala. Disse que no primeiro
momento da aula ficaríamos em sala e assim que terminássemos sairíamos para realizar um
jogo no pátio da escola. Então ele gritou irritado mandando os colegas fazerem silêncio.
Outros alunos como Rafael e Willian também começaram a gritar com os demais pedindo
silêncio e dizendo que iriam perder a aula inteira dentro da sala. Depois de alguns instantes de
gritaria entre a turma, decidiram aguardar em silêncio as atividades.(2d-B)
Perguntei novamente quem havia conseguido alguma informação sobre o vôlei
sentado. Rebeca entregou um bilhete escrito por sua mãe pedindo que eu desse outra data para
a entrega do trabalho, pois estavam sem Internet em casa naquela semana. Disse à aluna que
não tinha que entregar o trabalho, apenas buscar informações sobre o assunto em questão e
que não deveria ser necessariamente uma busca na Internet.
Indaguei onde tinham procurado informações e ninguém respondeu. Continuei
perguntando se tinham procurado alguma coisa e não responderam também.(3-E)
Perguntei então se tinham idéia do que era o vôlei sentado e apenas Rafael levantou a
mão e disse que era um jogo de vôlei que se faz sentado nas cadeiras onde o time tem que dar
três toques. Perguntei onde ele havia visto este jogo e ele respondeu dizendo que viu em uma
das aulas da quarta série onde as turmas realizaram este jogo comigo e com o outro professor
de educação física. Questionei se mais alguém gostaria de dizer alguma coisa e ninguém se
manifestou.(4-D)
A esta altura as crianças já se encontravam dispersas e eu decidi sair da sala com a
turma. Pedi para que levassem 14 cadeiras para o pátio, pois havia chovido no final da manhã
e os pés molhados deixaram o chão do pátio sujo de lama.
Ao chegar no pátio, as crianças começaram com brincadeiras entre elas e conversas.
Michel e Fontão brincavam de pega-pega assim como outras crianças faziam atividades que
não pude identificar. Chamei todos para que pudéssemos dividir as equipes, porém
continuaram com as brincadeiras. Isadora e Jack Sparow derrubaram a rede de vôlei que eu
havia pendurado no centro do pátio, em decorrência de correria que faziam.
Enquanto as crianças realizavam suas brincadeiras eu recoloquei a rede e dividi
metade das cadeiras para cada lado do pátio. Novamente tentei iniciar a atividade dizendo:
“vamos lá pessoal! Venham todos aqui para dividirmos as equipes.” Não adiantou e a situação
continuou como antes.(5-E)
Com alto tom de voz, quase aos gritos, ordenei que se sentassem nas cadeiras e quem
estivesse sem lugar sentasse nos bancos que ali havia. Disse que aqueles que estivessem
sentados nas cadeiras começariam jogando no time e quando fizessem cinco pontos para
qualquer equipe os times trocariam de jogadores, dando lugar aos que estavam na espera.
185
Quando ia começar a combinar as regras a turma já estava dispersa novamente, então
me sentei em um dos bancos e disse que estava esperando a colaboração deles para que
pudéssemos combinar as regras que utilizaríamos no jogo.
As conversas e brincadeiras paralelas não cessavam, e alguns alunos(as) começaram a
se irritar. Lais Monique pediu para que eu desse um grito para que parassem e pudéssemos
começar. Rodrigo na mesma condição disse que eu não tinha autoridade, pois eu deveria
gritar com eles para que parassem logo com a bagunça.(6d-B)
Disse a eles que cada um deveria cumprir sua parte, eu estava lá com a atividade para
realizar tentando conversar com eles , no entanto, não estavam colaborando para as aulas os
mesmos haviam escolhido. Portanto eu não deveria gritar para conseguir a atenção de pessoas
que se disseram interessadas neste conteúdo.(7-B)
Para evitar maiores confusões determinei as regras, sendo estas:
-É obrigatório dar três passes antes de passar a bola para o outro lado;
-É obrigatório segurar a bola quando recebê-la do outro time para realizar os passes;
-Não pode mudar as cadeiras de posição durante o jogo;
-Não pode levantar do assento para realizar passes ou defesas;
-Caso a bola cair no campo o ponto será da outra equipe.
Iniciei o jogo mesmo tendo parte das crianças sem entender a regra. Com os primeiros
cinco pontos de uma das equipes pedi para que trocassem os jogadores.(8d-B)
Percebi que Amanda, Mariana e Marcela não trocaram de lugar com os outros que
estavam jogando, levantaram do banco de espera, andaram pelas cadeiras, cochicharam no
ouvido de outras crianças, as quais voltaram para o jogo, e elas retornaram ao banco.(9-E)
O tempo da aula estava acabando, e quando um dos times completou cinco pontos
encerrei o jogo e dispensei os(as) alunos(as) para que fossem beber água e para a sala.
186
Diário de campo XXIII
Dia 10/12/07 das 14:00 às 14:50
Cheguei na sala com coletes na mão e a comemoração dos meninos, Fontão, Willian,
Rodrigo, Rafael, Davi e Vitor, foi maior do que de costume. Estes levantaram de seus lugares
e vieram encontrar comigo na frente da sala perguntando se seria futebol na aula.
Perguntei para a turma qual seria a atividade a ser realizada naquele dia e Lais
Monique respondeu: “Tínhamos combinado que depois do vôlei seria queimada!”. Concordei
com ela e notei certo desânimo na face dos meninos que há pouco estavam tão entusiasmados.
Pedi para que ficassem atentos a tudo que ocorresse na aula para conversarmos depois.
Saímos da sala e fomos para a caixa de areia. Chegando lá, sentei no gramado ao lado
e pedi para os(as) alunos(as) sentarem, pois iríamos dividir as equipes. Chamei Joice Tamisa e
Lais Monique para escolherem os times porque eram as únicas que estavam sentadas ao meu
lado. Os demais alunos(as) estavam brincando de pé nas proximidades.
Após um par ou ímpar as meninas começaram a escolha dos times. Uma de cada vez
escolhia e entregava o colete de cor correspondente a sua equipe. Com o início da escolha
os(as) alunos(as) se aproximaram mais do grupo. Carlos , Rodrigo e Willian foram os últimos
a serem escolhidos, pois nenhuma das meninas responsáveis pela escolha queria chamá-los
para seu time, dizendo que eles eram muito “fominhas” e não passavam a bola para as
meninas. Disse a elas que eles não poderiam ficar de fora e que deveriam escolhê-los para o
jogo.
Com duas equipes de 10 jogadores cada adentramos à caixa de areia para darmos
início a atividade. Lelo não quis participar do jogo, portanto, pedi para que me ajudasse a
marcar os pontos segurando os coletes dos queimados.(1-B)
Por conta da proximidade com o final do ano letivo, havia apenas 21 presentes na aula.
Chamei a atenção das crianças, pois se apresentavam um pouco dispersas. Iniciei a
apresentação das regras do jogo para que o iniciássemos o mais rápido possível, uma vez que
havia programado uma discussão para o final da atividade.
Determinei as regras do jogo, sendo elas:
-Não poderia sair da caixa de areia;
-Cada time deveria permanecer em seu campo:
-Mãos, cabeças e areia seriam frias;
-Os queimados perderiam o colete, porém continuariam no time;
-Os sem-coletes poderiam proteger os demais e não poderiam mais ser queimados e
nem queimar.
Iniciamos o jogo e as crianças estavam animadas, o que tornou a atividade bem
agitada. Com aproximadamente dez minutos de jogo começaram a surgir conflitos. Rodrigo
se queixava que Joice Tamisa não passava a bola e dizia que só ela queria tentar queimar.
No outro time Carlos e Lais Monique brigavam a todo o momento pois ele não queria
passar a bola para quem não havia jogado e ela gritava com ele para que ele passasse a
bola.(2-D) Ariadne e Amanda ficaram, no fundo do campo brincando paralelamente à
atividade, de pega-pega entre elas e fugiam de Carlos.(3-E)
Rodrigo discutiu com Joice Tamisa e aos gritos fez com que ela passasse a bola para
ele e então passou a bola para Mariana, pois ela disse não ter jogado a bola, porém Joice
Tamisa pede a bola de volta e Mariana passa novamente a bola para ela.
Rodrigo reclamou comigo, dizendo que eu deveria fazer com que Joice Tamisa
passasse a bola e disse que não tinha autoridade, pois não fazia isto. Disse a ele que a
organização deveria partir do time, eles deveriam entrar em acordo sobre como iriam
187
trabalhar. Falei ainda que eles sabiam qual eram os problemas enfrentados e era necessário
apenas pensar em soluções para resolvê-los.
Fontão foi atingido por uma bola no final do jogo; a equipe disse que a bola tinha
acertado na cabeça e por isso não valeria, porém o próprio Fontão assumiu ter sido queimado
no ombro. O jogo terminou empatado em 5 a 5.(4-D)
Liberei os(as) alunos(as) para beber água e voltar para sala onde continuaríamos a aula
pois ainda faltavam 15 minutos para terminar e tínhamos alguns pontos para discutir.
Chegando na sala escrevi no quadro três questões enquanto as crianças retornavam,
sendo:
1 - Durante a escolha das equipes todos são escolhidos com respeito?
2 - Você percebeu se, durante a atividade, existiu lealdade, justiça e cooperação para
favorecer o respeito às regras do jogo?
3 - Em sua equipe todos(as) foram cooperativos e solidários?
As crianças entravam resmungando, pois achavam que teriam que copiar, e muitos
perguntaram isso. Respondi que não, pois usaríamos as perguntas para conversar.
Disse que iríamos pensar em uma pergunta por vez e que eu leria a pergunta e quem
quisesse responder ou dizer algo a respeito que levantasse a mão e eu chamaria pela ordem
em que levantaram a mão.
Solicitei para que se recordassem do máximo de aulas que conseguissem,
especificamente dos momentos de escolha das equipes para que pudéssemos responder a
primeira pergunta.
Fiz a leitura da primeira questão e Rodrigo, Bianca e Lais Monique levantaram a mão,
respectivamente. Seguindo a ordem estabelecida Rodrigo falou que teve um pouco de
bagunça, mas, acredita que houve respeito. Bianca disse que não, pois teve muita bagunça e
Lais Monique disse não ter havido respeito por que tem gente que escolhe pela aparência e
jeito de vestir.
Neste momento Joice Tamisa concordou com Lais Monique e complementou dizendo
que os meninos não gostam de escolher meninas só por que elas não sabem jogar direito. E
Fontão disse que tem gente que não escolhe as pessoas que não correm muito.
Perguntei a Rodrigo se sabia por que tinha ficado por último na escolha dos times e ele
respondeu que não. Disse a ele que as meninas o deixaram por último por que é muito
“fominha”. Ele respondeu dizendo que realmente no futebol ele era “fominha” mas, que no
jogo que acabamos de fazer, ele pedia para passar a bola para os outros e ninguém passava, e
que na queimada ele não era “fominha” e que não achava certo pensar que ele é “fominha” em
tudo.
Perguntei se ele acreditava que havia sido escolhido respeitosamente e respondeu que
sim, pois era a vez delas escolherem e não dele e, sendo assim, respeitava a escolha que elas
fizeram, e que quando é a vez dele escolher ele também escolherá quem ele quiser primeiro.
Perguntei se mais alguém gostaria de falar e ninguém se manifestou. Pedi para que,
quem achava que as escolhas eram feitas com respeito, levantasse a mão e apenas 6 crianças o
fizeram (Rodrigo, Vitor, Davi, Rafael, Willian, Camila).
Passei para a pergunta seguinte. Fiz a leitura da mesma, mas, desta vez, pedi para nos
restringirmos a análise deste último jogo.
Rodrigo e Lais Monique levantaram a mão. Rodrigo disse que não, pois tinham
pessoas que não passavam a bola para as outras que ainda não tinham jogado. Respondi
dizendo que não tínhamos estipulado essa regra no início do jogo e perguntei isto à sala que
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respondeu em coro negativamente. Rodrigo disse que, para ele, esta regra está em todo jogo
de equipe, pois todos têm que jogar e que não tem que combinar. Disse que ele havia acabado
de dizer que era “fominha” no futebol, e as meninas não o queriam no time por conta disso, e
complementei indagando por que não age desta forma nos outros jogos então. Deu uma risada
tímida como resposta.
Chamei Lais Monique para que falasse e disse que no jogo de hoje, apesar de algumas
pessoas não passarem a bola, a maioria estava respeitando as regras sem trapaça. Falei para
Lais Monique que não passar a bola pra quem não jogou não poderia ser considerado
desrespeito as regras, pois não foi estabelecido como tal, mas isso seria uma discussão
importante para levantarmos na resposta da próxima pergunta.
Como ninguém mais levantou a mão, dei início a leitura da terceira questão. Ao
terminar, Rodrigo , Lais Monique e Bianca estavam de mãos levantadas. Rodrigo disse que
achava que as pessoas não estavam sendo cooperativas, pois a Joice Tamisa, por exemplo, não
estava tocando a bola para ninguém. Bianca reclamou que ninguém passava a bola pra ela
jogar uma vez. Lais Monique disse que ela e outras pessoas no time pediam para passar a bola
e tinha gente como o Carlos , por exemplo, que não queria tocar e jogava sozinho.
Falei que o problema levantado na questão anterior fazia parte desta, pois o fato de
passar a bola não deve ser uma regra, pois é uma questão de companheirismo, solidariedade,
cooperação e respeito pelo colega que tem o direito de participar da atividade, e que devemos
respeitar, pois, mesmo que ele ou ela tenha dificuldade ou não saiba jogar temos que dar
espaço para que estes aprendam e participem das atividades.
Terminei dizendo que as questões eram para refletir como foram e estão sendo as
nossas aulas de Educação Física e como vamos querer que elas sejam no próximo ano pois
esta seria a última aula do ano letivo.(5-D)

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