10 Perguntas

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10 Perguntas
PROJECTO M—A—P—
Mapa de Artistas de Portugal
10 Perguntas a…*
1. O que querias ser quando eras novo?
Queria desenhar como o André Franquin, fabricar geringonças como
Panamarenko e pintar aviões da Matchbox…na adolescência já
acrescentava aos meus heróis Moebius/Jean Giraud, todos os
extraordinários mestres da animação divulgados pelo Vasco
Granja… confesso que nunca pensei no assunto de querer ser
alguém, era algo dilatório e inconsciente quanto ao futuro, acho até
que nem sequer o conseguia conceber como algo de real e
verosímil…vivia o quotidiano como se fosse constituído por muitas
repetições, e alguns sobressaltos, bons ou maus mas
garantidamente partes de uma continuidade maior e mais
dolente…era uma criança burguesa…
2. Qual a tua relação com a política?
Sou um partidário do comunismo desde 1987. Defendo a
socialização da riqueza e o pluralismo democrático (que não se deve
apenas ficar pelo espaço público cada vez mais recessivo e
gentrificado mas estender-se da Empresa à Universidade);
considero que os avanços sociais só se podem concretizar com a
supremacia da esfera política sobre a esfera económica; defendo a
gratuitidade no acesso à educação, à saúde e à cultura; estou
convicto que um dia as cozinheiras de Lénine governarão o mundo;
como Ernst Bloch luto por um Reino de Deus sem Deus. Não viajei
muito mas falei e falo com muitas pessoas diferentes e mesmo
antagónicas nas suas perspectivas: judeus sionistas, surfistasantropólogos da Califórnia, designers cubanos, diplomatas
argentinos, guerrilheiros chilenos, presos políticos, soldados
genocidas, sectários de todas as cores, mecânicos salazaristas,
taxistas de todas as ideologias, emigrantes e imigrantes, cientistas
sem opinião política, pessoas à procura do primeiro emprego e
pessoas diversas que não votam e que odeiam a democracia.
Oponho-me ao sionismo e ao apartheid que se ergue na Palestina
ocupada com a cumplicidade da diplomacia ocidental. Sei o que foi
a batalha de Cuito Cuanavale e o seu papel na libertação de Nelson
Mandela e da África do Sul. Oponho-me às políticas neocoloniais que
se tem vindo a definir no Médio Oriente desde a invasão do Líbano
em 1982. Recordo-me bem como a doutrina do senhor Zbigniew
Brzezinszky incendiou o Afeganistão revolucionário dos anos
oitenta e legou ao futuro que agora estamos a viver milhares de
mercenários jihadistas, cães de fila das monarquias takfiristas do
Golfo Pérsico. Considero a Invasão do Iraque de 2003 como o início
do séc. XXI e abomino o conceito de Estados falhados e a retórica
predadora que a fundamenta.
3. Quem são as pessoas que mais te influenciaram?
Robespierre (já leram os seus discursos? Nos finais do século XVIII
um advogado de provincia tornado deputado da nação fala a
linguagem do século XXI: Sur la proposition de la Guerre tem um
excerto que merece ser relembrado para os que seguem os profetas
das guerras humanitárias: “A Rome quand le peuple fatigué de la
tyrannie et de l’orgueil des patriciens, reclamait ses droits par la voix
de ses tribuns, le sénat declarait la Guerra; et le people oubliait ses
droits et ses injures pour voler sous les étendards des patriciens, et
preparer des pompes triomphales à ses tyrans…” (Robespierre,
Textes Choisis I, Paris: Éditions sociales, p.99; e o que dizer sobre o
seu “Sur les droits politiques des hommes de couleur”?Robespierre
manteve-se sozinho na Assembleia na defesa da emancipação
política dos escravos e afro-descendentes das colónias francesas do
Caribe…)
Outros nomes: Baudelaire, Marx, Lénine, Jean Vigo (Zero de
conduite), Jean Renoir, W.Benjmain; T,Adorno, Kurt Schwitters, Max
Ernst, Georges Grosz, Jacques Tati, Gordon Matta-Clark entre
muitos outros seres humanos interessantes, problemáticos,
poéticos, insatisfeitos com a vida e com a naturalização da miséria
material.
4. O que te interessa nos tempos de hoje?
Como os outros seres humanos tenho medo de muitas coisas, da
morte, do desconhecido, do desemprego, da doença, da amnésia, do
desamor, de não saber porque estou aqui. Gosto de ensinar e de
aprender…mas quase sempre há um espectro que me assola e me
enche de otimismo:Revolução!Teoria Revolucionária!Revolução!
5. Tem a arte alguma influência sobre a evolução da sociedade?
Ainda tenho dúvidas sobre esse assunto; não estou otimista: há
muitos idiotas úteis no mundo da arte ao serviço do status quoadmiráveis e talentosos, enfatuados e narcísicos idiotas úteis.
A arte é um produto social (há um mundo da arte, um sistema de
valores e convenções; há uma intenção comunicativa ou de
dissidência em relação aos consensos, de suspeita ou de crença em
relação ao Imago, e conforme os autores a arte, como a tecnologia,
chegou ao seu ocaso-já só rpoduz gadgets- ou, inversamente, a arte
nunca teve a ver com a ideia de progresso). Ela afecta e é afectada
pelos processos de transformação ou reversão social e política. Um
exemplo que nos é dado por Frederic Antal através de Màrio
Dionísio
(A Paleta e o Mundo I, p.38): Giotto, artista de eleição
de poderosos banqueiros florentinos foi, cito M.Dionísio “autor de
um texto célebre no qual se denunciam os pobres e a pobreza como
origem de todo o mal” e contudo (outra vez as palavras de
M.Dionísio) “se num plano mais vasto, a sua obra pode, apesar de
tudo, marcar, um grande passo no processo de enriquecimento
humano que a arte constitui, isso só prova que as relações entre
atitude pessoal de um artista e a força renovadora da sua obra não
são tão simples, tão directas, tão exclusivamente determinantes,
como às vezes podemos crer” (ibidem, p.39).O que se retira daqui é
que podemos encontrar no artista mais extraordinário as ideias
políticas mais retrogadas (sendo o inverso igualmente verificável) e
que a arte não possui uma hereditariedade moral-como, aliás o
dinheiro. São os indivíduos que tem que impor à realidade concreta
da obra o seu posicionamento ético mas um posicionamento
fundamentado na cultura e não no preconceito; devemos mostrar
repugnância, empatia, amor, paixão, impaciência e incompreensão
(porque não?O desagrado é uma decisão estética) pelas criações
humanas mas devemos ter a curiosidade de perceber que não são
apenas homens e mulheres doces e sensíveis que criam arte mas
pessoas complexas, biografias impuras e que não nascem inteiras
da sua própria cabeça.
6. Qual a palavra melhor define a tua atividade de criação?
A “raiva de irromper neste mundo para destruir e arruinar as suas
criações harmoniosas”- palavras do grande Baudelaire mas o
espírito sabotador é, em mim, mais acomodado e diferido; desejo a
harmonia mas também quero ser salvo dela e das suas nauseantes
belezas...
7. O que significa para ti a língua? A palavra?
É um interface entre o silêncio e a subjectividade. É a invenção da
ambiguidade no equívoco de que o entendimento é um desejo
humano.
8. O que levavas para a famosa ilha?
A minha família e um plano B
9. Quais as reformas mais urgentes
Nacionalizar a banca, o sector dos transportes e da energia; investir
na cultura e na investigação científica-o mecenato não resolve os
problema da cultura; veja-se um exemplo: a BP apoiou durante 26
anos a Tate Modern (http://artforum.com/news/id=58761) com
patrocínios do valor de 5, 4 milhões de dólares, se dividirmos esse
valor pelo número de dias ficamos com um gasto para a BP de +/560 dólares/dias o que correponde a um apoio irrisório de um
conglomerado que em 2010 (no ano do derrame catastrófico no Golfo
do M Hans Haacke imprime num dos barris da Mobil uma frase do
tras, ls os néxico anunciava lucros diários de 93 milhões de dólares,
vide http://thinkprogress.org/politics/2010/05/11/96258/bp-fourdays-spill/). Na sua instalação “Upstairs at Mobil” e especificamente
no seu creating consent (1980) Hans Haacke imprime num dos barris
da Mobil uma frase de um dos CEO, Rawleigh Warner JR., “We spent
102 million, last year in advertising”. Como a investigação do artista
alemão nos tem ensinado o grande investimento corporativo, por via
do mecenato e das indústrias culturais não se dirige à promoção da
cultura e do conhecimento mas à produção de condições políticas e
ideológicas complacentes e cúmplices ativas com os interesses
corporativos. Ganhar o coração e a cabeça do public através de
persuasivas propagandas onde a cultura artística é, parafraseando
Gianni Vattimo, a camada de estética que disfarça as estratégias de
controle económico da realidade política.
Outra inquietante situação que necessita de ser contrariada: a
destruição sistemática e organizada da Escola Pública e do sistema
Nacional de Saúde.A verdadeira modernidade não está na
privatização do ensino publico e dos espaços escolares mas em
incrementar a gratuitidade do ensino em todos os níveis- livros e
materiais gratuitos, escolas equipadas e acolhedoras- o lugar
ontológico da utopia devia ser a escola-refeições gratuítas, apoio
social e bolsas para estudantes; valorização da carreira docente e
dos professsores; redução do número de alunos por turma. Enfim
podia continuar com outras situações de agravamento das
disparidades sociais na nossa sociedade profundamente injusta.
10. O que deverá acontecer à tua obra?
Desaparecer. Ser esquecida e muitos anos depois, muitos mesmo,
alguém encontrar um dos meus desenhos nos fundos de um
armazém perdido algures nas traseiras sem recuo de um suburbio
de um exosuburbio. E essa pessoa usar esse desenho para fazer
outro desenho: recortá-lo, desenhar por cima dele, rasurá-lo, pintálo…
* Retiradas das 100 Fragen an de Serge Stauffer, catálogo da exposição Friends – Freunde – d’Frund, 1969