MEDICINA ILUMINISTA TEORIA DA INDICAÇÃO

Transcrição

MEDICINA ILUMINISTA TEORIA DA INDICAÇÃO
Felipe de Medeiros Guarnieri, mestre em Letras Clássicas (FFLCH - USP)
Traduções para o Dr. Luiz Ricardo Solon
Médico homeopata residente em Campo Grande - MS
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MEDICINA ILUMINISTA
TEORIA DA INDICAÇÃO e SUBJETIVIDADE DA ENFERMIDADE
ÍNDICE
I. Friedrich HOFFMANN
Fundamenta Medicinae (1703)
p. 1
Philosophia Corporis Humani Morbosi, s. Pathologia Generalis (1718)
p. 12
De Fato Physico et Medico Disquisitio (1724)
p. 14
II. Johann Nepomuk HUMMEL
Commentatio de Arthritide (1738)
p. 16
II. Georg Friedrich SIGWART
Specimen Ophthalmiologiae (1742)
p. 18
III. Johannes GORTER
Praxis Medicae Systema (1752)
p. 20
IV. Christian Gottlieb LUDWIG
Institutiones Physiologiae (1752)
p. 31
Institutiones Pathologiae (1754)
p. 60
Institutiones Therapiae Generalis (1754)
p. 72
Institutiones Medicinae Clinicae (1758)
p. 81
Methodus Doctrinae Medicae Universae (1766)
p. 91
V. Christian Friedrich REUẞ
Primae Linae Encyclopedia (1783)
p. 93
VI. Kurt Polycarp Joachim SPRENGEL
Institutiones Therapiae Generalis (1819)
Referências bibliográficas
p. 108
p. 126
Hoffmann Fundamenta
Friedrich Hoffmann
Fundamenta Medicinae ex principiis mechanicis & practicis in usum Philiatrorum succinte
proposita
(Fundamentações da Medicina, propostas sucintamente a partir de princípios mecânicos e práticos
usados pelos Filantropos)
1703
PARTE I
PROÊMIO
CAPÍTULO I
NATUREZA DA MEDICINA
§1. A medicina é a arte do uso correto dos princípios físico-mecânicos em vista tanto de conservar a
saúde do homem, quanto de recuperá-la quando perdida.
§2. A ignorância da verdadeira Filosofia natural é a origem e a causa de diversos sectos na
medicina.
§3. É com sabedoria que Hipócrates disse, em seu tratado sobre as mulheres estéreis, que o Físico
deve tentar manter-se distante. Ora, é na definição do físico que começa o médico.
§4. As verdadeiras fundamentações da ciência médica são determinadas a partir dos princípios da
natureza: estes são o movimento e a matéria.
§5. A arte da cura é a mais antiga de todas as artes, e Hipócrates é o melhor e mais antigo escritor da
Medicina, seu pai.
§6. O Médico é um administrador da Natureza, não seu mestre, devendo operar e agir ao lado da
Natureza, esta sim a melhor médica das doenças.
§7. Na medicina, são duas as experiências centrais: a primeira, mãe da verdade, e a razão, que
consiste na chave da experiência médica. A experiência precede da ordem; a razão a segue. Por isso,
de nada valem as razões dos elementos médicos que não sejam fundadas na experiência.
§8. No âmbito dos físicos, a melhor maneira de determinar a experiência possível é a partir da
matemática prática, da química, e da anatomia. A experiência mais fértil da práxis médica decorre
das observações, dos históricos das doenças, e dos efeitos dos medicamentos.
§9. Podemos chamar corretamente a Medicina de ciência na medida em que usa os princípios
físicos, e de arte na medida em que usa a experiência.
§10. A um Médico racional não é necessária somente a ciência da arte médica, mas também
prudência e juízo ao aplicá-la.
§11. O assunto da Medicina não consisto somente no corpo, mas na própria mente, na medida em
que a Medicina vale da comunicação desta com aquela, pois os movimentos mentais — os
pensamentos — dependem, em sua maior parte, do movimento e da temperança do sangue.
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§12. Não é sempre com sucesso que o Médico atinge seu fim, isto quando a natureza, isto é, quando
a destruição do mecanismo corporal ou da circulação sanguínea não ajuda o médico, ou quando não
há qualquer proporção entre a força da doença e o medicamento.
CAPÍTULO III
SAÚDE, VIDA, TEMPERANÇA E NATUREZA
§1. Nosso corpo consiste em uma máquina ou autômato caracterizado por vários orgãos em razão
de uma forma, e de grandezas dispostas em determinada ordem e local, estruturadas para um fim
determinado, as quais tiram seu movimento e ânimo a partir das partes fluídas, estas que efetuam,
por sua vez, o ímpeto em nosso corpo.
§2. As partes de nosso corpo são ou sólidas, ou fluídas. São fluídas quando constituídas de boa
temperança e movimento regular, e sólidas sempre que consistem de boa configuração, boa
localização e bom tonus; o corpo torna-se adequado para efetuar ações de acordo com a natureza,
sendo assim saudável.
§3. As ações da máquina são liberadas através da sensação, do movimento e da nutrição.
§4. A vida do corpo, isto é, sua duração, caracteriza-se pelo movimento perene e circular das partes
fluídas pelas sólidas; mas são as partes fluídas a causa primária do movimento, pois colocam as
sólidas em movimento.
§5. As partes fluídas estão em movimentação, ou seja, são móveis: aquelas são espirituosas e
expansivas, e estas representam o sangue e demais humores.
§6. A vida do homem consiste na comunhão contínua da mente e do corpo, ou seja, caracteriza-se
por aquelas operações em que tanto o movimento do corpo quanto o pensamento ocorrem em
concomitância.
§7. A vida do corpo realiza-se segundo causas meramente mecânicas: não é a mente que produz a
vida do próprio corpo, tampouco diz a vida respeito à mente, mas ao corpo.
§8. Quando o corpo humano morre, a causa disto não é a mente abandonando o corpo; antes, é o
corpo que abandona a mente, na medida em que os orgãos do corpo e as ferramentas da alma
encontram-se viciados, de modo que não podem mais serem operados nestes ou através destes.
§9. Assim como a vida consiste na circulação do sangue, e a saúde, na circulação e na temperança
regulares e livres do sangue, assim a morte nada mais é que a destruição completa do movimento do
sangue, e a doença, falta de proporção nascida de movimento irregular e intemperança dos humores.
§10. Não podemos chamar as partes sólidas observadas em si de temperadas ou intemperadas;
antes, sua temperança depende da temperança e do movimento das partes fluídas.
§11. Quando corpúsculos diversos, constituentes do sangue, encontram-se misturados
proporcionalmente com outros terrestres, aquosos, salinos, voláteis e fixos (e mesmo sulfurosos),
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então chamamos o sangue de temperado, e não é branda a temperança que principia nas partes
sólidas; dizemos, então, haver temperamento sanguíneo.
§12. Quão mais desproporcional é a mistura destes corpúsculos, tão mais irregular é o movimento e
mais variada a intemperança resultantes.
§13. Quando partículas sulfurosas, oleosas, voláteis e salinas predominam sobre as mais precisa e
fixadamente aquosas e terrestres, a intemperança é quente e seca, externando daí o temperamento
colérico.
§14. O temperamento consiste em parte na vida do corpo, em parte por ser misturado a este: na
vida, como se tivesse animação própria, coisa que observamos não tanto em sua matéria e
temperança, quanto em seu movimento e circulação; por isso, chamamos de colérico o
temperamentp em que a circulação sanguínea representa algo veloz, e melancólico aquele em que
esta se faz tenaz e vagarosa.
§15. Quando as partículas predominam em água mucilaginosa sobre aquelas sulfurosas,
espirituosas, salinas e sanguíneas, surge o temperamente fleumático, frígido-úmido, e quando as
partículas terrestres são dominantes, diz-se que o temperamento é melancólico.
§16. O hábito do corpo difere muito nos homens: os hábitos sanguíneos caracterizam-se pela
estrutura porosa e esponjosa, e por ser formado de vasos abundantes e pequenos; nos hábitos
coléricos, as fibras são mais tensas; nos pituitosos, densas e úmidas; nos melancólicos, espessas e
duras, e aqui os vasos são maiores.
§17. No temperamento sanguíneo e no colérico, o movimento das partes fluídas é mais violento,
ágil e veloz; já no fleumático e bo melancólico, mais lentos e demorados.
§18. Aquilo que é a temperança, o movimento do sangue e dos humores, isto é também o
movimento mental, a inclinação e o pensamento; nesse sentido, os valores anímicos seguem o
temperamento do corpo (é o que diz Galeno).
§19. Homens sanguíneos são mais corajosos, engraçados, engenhosos e espertos devido ao
movimento mais prestes; os fleumáticos são lentos, tímidos e tristes devido à circulação mais lenta e
difícil (o mesmo para os melancólidos).
§20. A disposição hereditária e familiar contribui para a temperança do corpo e dos humores, assim
como o sol, o céu, a idade, o sexo, a alimentação, o estilo de vida e o clima.
§21. O princípio da movimentação da máquina — aquilo que a criou, segundo o consenso de todos
os Filósofos — é a alma, a qual alguns denominam Natureza, ou Espírito imbuído de potências
Mecânicos, e outros matéria etérea e muitíssimo sutil que age de maneira ajustada e específica.
§22. Está longe de dúvidas que a alma é, no homem, imbuída, para além de potências mecânicas e
do modo ordenado de movimentação (que existe também nos seres irracionais), de uma potência
mais nobre e admirável, aquela de comparar e raciocinar, em razão de cuja pujança chamamo-la de
mente racional.
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§23. A causa primária dos poderes existentes da alma é o próprio Deus, de quem tudo, e assim
também nossa alma, encontra-se dependente para existir e funcionar.
§24. Os espíritos animais não são a própria alma, a qual consiste em uma força determinada real e
imaterial; na verdade, aqueles são corpóreos, ainda que a alma os empregue qual uma ferramenta,
sem a qual nada se pode realizar.
§25. As funções da alma são a percepção e o direcionamento do espírito a movimentos
determinados; a natureza dos espíritos, por sua vez, é a movimentação.
§26. A Natureza é a melhor observadora da medida, da quantidade, do tempo e da ordem, de onde
realiza todas as coisas de maneira ordenada, tanto na produção do corpo, quanto em sua preservação
e no tratamento de doenças. No entanto, a Natureza nunca leva isto a cabo a partir de um
determinado conselho, deliberação e conhecimento, mas puramente de uma necessidade mecânica,
ou seja, de uma potência enraizada nos corpos.
CAPÍTULO V
LINFA, SALIVA, QUILO, LEITE, BILE, SÊMEN E ESPÍRITOS ANIMAIS
§44. Não há ocorrência de qualquer peculiaridade do espírito natural e vital no próprio sangue, ou
do espírito animal no próprio cérebro e nos nervos, mas uma única ocorrência, substância movediça
de natureza muitíssimo sutil e passiva, a qual encontramos no sangue, na linfa e no cérebro.
§45. Consideramos alma em abstrato como a força ativa que realiza o movimento, de fato
determinado e ordenado, no fluído cerebral e nervoso.
§46. Consideramos a matéria em abstrato como puramente passiva, ainda que esta seja dividida de
maneira muito sutil, a qual não logra efetuar, sem força ativa, qualquer movimento simples, quão
menos um ordenado.
§47. Assim, o fluído muitíssimo sutil encontrado no cérebro e nos nervos nada mais é que a matéria
muitíssimo sutil do sangue, imbuída de potência mecânica determinada, a qual se faz adequada para
efetuar movimentos ordenados no corpo; nesse sentido, podemos chamá-la corretamente de espírito.
§48. O espírito dito pelos antigos “vital” no sangue nada mais é que uma porção muitíssimo sutil do
ar fermentada com o enxofre desse, a qual sustenta tanto o movimento interno quanto a circulação
do sangue, este sem dúvidas “vital”.
§49. Os espíritos animais não são alcalinos, nem ácidos, nem puramente sulfurosos.
§50. É provável que o líquido neural consista de substância dupla, uma certamente mais úmida e
sutil, parte de um suco nutriz, e a outra fluída, elaborada a partir das partículas mais puras do ar
(através do trabalho dos pulmões), nas partículas recebidas no sangue, e pelas partículare sulfurosas
neste.
§51. Na medida em que estas partes forem completamente temperadas e misturadas umas às outras,
consistindo assim em equilíbrio, o elatério dos espíritos será vigoroso, o movimento será natural e
regular, as partes serão nutridas corretamente, e as vicissitudes do sono e da vigília serão legítimas.
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§52. Embora sejam os nervos que logrem transportar tal substância muitíssimo sutil, não é absurdo
afirmar que esta diz também respeito, tanto formal quanto materialmente, ao trabalho da nutrição.
§53. Em razão das partículas mais rígidas e elásticas, os Espíritos animais dos próprios nervos
logram serem movidos por objetos mais tênseis, e assim ocorrem as sensações, as quais nada mais
são que as movimentações determinadas dos espíritos animais e nervosos.
§54. O movimento dos espíritos é duplo, sendo ou ondulatório, em cujo benefício as sensações se
propagam, ou progressivo, o qual se estende de fim a fim.
§55. O movimento dos Espíritos nos nervos é mais retilíneo; já o movimento etéreo e sulfuroso no
sangue é mais vertiginoso, donde surge o calor.
PARTE II
PATOLOGIA GERAL
CAPÍTULO II
CAUSAS REMOTAS DAS DOENÇAS
§45. Nada é mais adequado a alterar o mais íntima e velozmente nosso sangue, destruindo sua
mistura e introduzindo movimento irregular nos espíritos, do que a ira, o temor e a tristeza (v. a
dissertação sobre o ânimo da saúde e a fábrica das doenças).
§46. O pulso desordenado sempre segue o uso de perturbações intempestivas.
§47. Nada atiça mais os espíritos e move mais velozmente o sangue do que a ira e o amor; já a
aflição e a tristeza amolecem e refreiam o movimento do sangue.
§48. As perturbações anímicas agem imediatamente nos espíritos animais, introduzindo um
movimento do sangue contranatural e perturbando a circulação.
§49. Nada é mais responsável pela abreviação da vida e pelo acúmulo de doenças do que o uso
disparatado de perturbações.
§50. Na ira, o movimento do sangue fica muito agitado, aumentando daí as efusões de suco
pancreático e de bile, dos quais decorre diarréia, tremor e palpitação no coração, ora palidez, ora
rubor na face, espumação na boca, e dificuldade na respiração.
§51. A ira é uma fúria passageira1 .
§52. A ira logra não raro produzir doenças malignas.
§53. Os homens cujo sangue é carregado de partículas salinas e voláteis são mais propensos à ira do
que aqueles que possuem sangue espesso e melancólico.
Esta frase foi cunhada pelo poeta romano Horácio no segundo poema de seu primeiro livro de Epístolas (cf.
Hor. E. 1,2,62). Hoffmann não credita o autor.
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§54. O temor perturba o influxo dos espíritos animais nas partes mais externas, movendo o sangue
da periferia para o centro; a pulsação torna-se, sob esta perturbação, fraca, frequente e irregular, e o
fluxo do sangue não raro trava durante o temor excessivo.
§55. A ira é o remédio da frigidez.
§56. O uso imoderado das perturbações perturba a mistura do sangue e dos humores, efetuando
movimentos irregulares dos espíritos, produzindo intemperança e obstruções, direcionando as fibras
a espasmos ou relaxando-as em excesso, e por isso costuma ser uma causa das doenças mais graves.
CAPÍTULO III
FEBRES
§1. Nenhuma doença é tão universal e tão associada a todas as outras que a própria febre.
§2. O espírito que movimenta os músculos surge impetuosamente na febre, a fim de coibir um
movimento contrário, o qual é bastante hostil e oposto ao movimento vital.
§8. Assim como o movimento natural de sístole no coração e nas artérias depende de partículas
elásticas muitíssimo sutis (tanto nos espíritos animais quanto no próprio sangue), assim mesmo sói
que derivemos o movimento contranatural, este que ocorre durante a febre, da mesma fonte.
§51. Assim como na natureza de todo o universo, assim também tudo acontece, em nosso
microcosmo, segundo determinada grandeza, peso, medida e tempo.
§54. A China china é um remédio específico para febres intermitentes, uma vez que corrige a
qualidade viciada da matéria febril por meio de suas partículas acres, térreas, levemente
adstringentes e resinoso-balsâmicas, logrando fortalecer a textura e espessura do sangue (deste
modo impedindo a matéria de entregar-se à febre) e firmar os próprios poros menores e vasos
subcutâneos frouxos em demasia, estagnando-os, brandos e disponentes, segundo a constrição dos
humores, por fim induzindo a estes nova robustez e vigor.
CAPÍTULO VII
DOENÇAS NASCIDAS DE DEFEITO E MOVIMENTO IMPEDIDO DOS ESPÍRITOS
ANIMAIS
§1. Da mesma maneira que um influxo bom e proporcional dos espíritos animais é necessário para a
efetivação das ações vitais em todas as partes, ocorre anulação destas ações no caso de aquele
cessar ou estorvar.
§2. No estado natural, os espíritos animais movimenta-se regularmente pelo cérebro, medula
espinhal e nervos, assim como pelas fibras mais tênues e membranas formadas por estes. No
entanto, doenças gravíssimas surgem toda vez que tal movimento passa a ocorrer fora de ordem
(seja ele diminuído, seja anulado por completo).
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§21. Se o sensório comum for destituído dos espíritos animais, a mente não logrará mais perceber,
por aquele, as impressões realizadas no mundo exterior, e tampouco poderá direcionar os espíritos
para efetuar ações determinadas nas partes.
§22. Faltarão Espíritos no centro e no fundo do cérebro quando o sangue não conseguir circular
livremente pelas artérias, demorando-se longamente no plexo coroide.
§23. É próprio haver, nos casos de mulheres catalépticas (melhor dizendo, histéricas), não raro
complicações em razão de paixões espasmódicas diurnas, na medida em que ocorre um arremeso
das partes inferiores até a cabeça de acordo com um espasmo mais justo do sangue; aqui, as barbas
da alma precedem comoções graves.
§24. Devemos atribuir à catalepse a intentio2, a qual existe na teologia e na medicina, abstraída do
corpo na mente através de certas impressões e especulações divinas imediatas; ora, ela nada mais é
que a própria catalepse, a qual pode ser incitada de modo mediado e remoto pela leitura do verbo
divino, a partir de tristeza excessiva, da angústia da alma, e da felicidade em excesso.
§25. De acordo com os antigos, não há, durante a catalepse, congelamento ou coagulação dos
espíritos animais.
§26. Da mesma maneira que o sono contranatural encontra sua origem no excesso de resíduos dos
poros cerebrais e no movimento mais lento do sangue pela cabeça, as vigílias desmesuradas
emergem de compressão de tais túbulos contranaturais e do movimento estorvado dos espíritos
animais e do sangue.
§27. O enxofre e a água representam o princípio material do sono; o enxofre ramoso, vaporoso, e
demasiado viscoso e que retém em sua posse os espírito animais induz o entorpecimento3.
§37. Aquilo que é o movimento e a temperança dos espíritos e do sangue no corpo, tais são também
as inclinações e pensamentos da natureza. Assim, um movimento mais violento dos espíritos e do
sangue suscita também ações mais velozes do engenho; mas a timidez, lenta e demorada, acaba por
produzir na mente pensamentos tristes e temerosos.
§38. A imaginação nada mais é que a fúlgida impressão, levada a cabo de maneira animada pelo
espírito, das ideias nos filamentos do cérebro, as quais são comunicadas pelos objetos externos aos
sentidos.
§39. Assim, qual é a constituição do cérebro, tal é também a impressão e a imaginação. Nesse
sentido, quem tem o cérebro e as fibras sensíveis retesadas, neste haverá vigor da força da
imaginação; já a quem tiver sido outorgado um cérebro mais espesso e sólido, neste dificilmente
haverá impressão dos vestígios das ideias, para daí ficarem mais longamente.
Citado em grego, ἔκτασις, no texto. A tradução dos romanos para isto, aquela utilizada por Agostinho de
Hipona, é intentio. O fato de não haver diferença entre tentio e tensio em latim perde-se em português, daí
nossa escolha pelo termo latino.
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νάρκωσις, em grego no texto.
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§40. A mente imbuída de união dos espíritos animais no sensório comum, toda vez que essa percebe
ideias ou advindas do mundo exterior pelos sentidos, ou insculpidas no próprio cérebro,
distinguindo-as e conectando-as de acordo (seja ao juntar semelhantes, seja ao apartar
dessemelhantes), daí nasce o raciocínio, sendo a mente saudável.
§41. No entanto, quando tais ideias insculpidas no cérebro são incitadas por uma causa interna
involuntária e devido à compressão dos poros cerebrais (mas não pela mente, que já está ou
destituída de boa grandeza dos espíritos animais, caso do sono; ou acometida por aquele movimento
contranatural e transtornado, como nas constituições doentes), surge então a perversão da razão, ou
melhor, a loucura [delirium], esta que nada mais é que a imaginação demasiado forte, mas alienada
da liderança da razão.
§42. A loucura (ou razão perversa) encontra-se tanto em pensamentos quanto em palavras toda vez
que a mente não logra comandar as ideias, deixando de liderá-las e ordená-las, passando estas a
conquistar o seu comando.
§43. Os movimentos externos de objetos incitados nos orgãos sensórios, levados a cabo por meio do
movimento ondulatório dos espíritos animais, deixam no cérebro vestígios ou marcas lá assentadas.
§44. Toda vez que voltam a aparecer vestígios determinados por uma causa interna (com frequência
pelo movimento do sangue), as ideias daquilo que nos é interno passa a parecer, muitas vezes, como
se nos fossem externas.
§45. Nos casos de insônia, vestígios mais copiosos e familiares aparecem mais facilmente; por isso,
tendo em vista que os espíritos animais não conseguem, passado o tempo do sono, julgar ou
distinguir as ideias inscrita no cérebro da própria mente no sensório comum, devido à confusão e
vulto presentes, tais ideias introduzem comédias verdadeiramente confusas, as quais chamamos de
insônia.
§46. Podemos denominar, com mais rigor, os casos de loucura de casos de insônia durante a vigília.
§47. A loucura pode ser ou melancólica, ou maníaca; ambas prescindem de febre; aquela se
manifesta pela tristeza, pela solidão e pelo medo sem causa, ao passo que esta pela fúria e
insolência, ao lado da agressividade.
§48. Todo caso de loucura pressupõe uma lesão da circulação do sangue no cérebro.
§49. Nos casos de loucura melancólica, o sangue é denso, imóvel e entope os vasos do cérebro,
incitando inclinações de natureza semelhante, assim como ideias semelhantes a estas, tais quais a
tristeza, o desespero, a hesitação, a ansiedade e o medo.
§50. Nos casos de loucura maníaca, os espíritos são mais sulfurosos e mais ativos, situação em que
aparecem vestígios semelhantes no próprio cérebro.
§51. Na medida em que a mente permanece totalmente nestes vestígios, insurgentes pelo sangue,
mas não se encontra esvaziada da percepção do mundo exterior, vemos surgir a perversão do juízo.
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§52. Costuma haver fácil transição da mania para a melancolia, e vice-versa da melancolia para a
mania, uma vez que a constituição do cérebro encontra-se viciada em ambas as perturbações,
passando o sangue espesso a agitar-se em violentas comoções.
§53. Na maioria das vezes, as fantasias trabalham segundo um vício autóctone4, caracterizando-se
os casos de loucura melancólica mais por fantasias de sufocamento e estrangulação, ao passo que os
de loucura maníaca invocam fantasias do dia da morte, pela espada ou em um precipício, com tal
força qual fosse uma morte sanguinolenta, até detalhada quanto ao movimento do sangue.
§54. Há ocorrência de mais doenças e perturbações, mais atordoantes, do que tratamos até aqui, as
quais advêm da força das fantasias.
§55. Os casos de insônia variam de acordo ou com a variação da temperança e do movimento do
sangue, ou com a variação de pensamentos mentais que observamos.
PARTE III
SEMIÓTICA
CAPÍTULO I
SINAIS DE DOENÇAS DETERMINADOS A PARTIR DO SANGUE, DA URINA, DA
PULSAÇÃO E DA SALIVA
§1. A diagnose consiste no conhecimento exato, efetuado por sinais, da doença e de suas causas.
§2. Quem conhece bem trata bem, e por isso a diagnose de uma doença é sumamente necessária ao
médico.
§3. Assim como toda doença decorre da intemperança e do movimento contranatural das partes
fluídas, assim cabe determinar a diagnose a partir de sinais que revelem a constituição dos humores,
assim como a temperança e o movimento destes.
§4. Os sinais diagnósticos de doenças são dúplices, sendo eles ou sintomas e acidentes da própria
doença, ou abstraídos daquilo que pertence ao enfermo: de sua natureza, compleição, hábito do
corpo, alimentação, idade, sexo, do clima, excreções, retenções, de quem é sua família, da pulsação,
da vigília, do sono, do talento, dos elementos que auxiliam, daqueles que prejudicam etc.
§5. Os sinais ou sintomas que denunciam uma doença são ou essenciais, isto é, inseparáveis de uma
doença, e por isso chamados de patognomônicos, ou acidentes, isto é, separáveis.
§6. Todos os sinais e sintomas devem ser observados a fim de investigar a índole da doença, os
quais não devem ser apartados, mas antes combinados uns aos outros.
§7. A temperança e o movimento dos espíritos animais desvelam-se principalmente a partir das
sensações tanto internas quanto externas, sobretudo a partir da visão, da força da fantasia e do
engenho, da vigília, do sono, da potência de movimentação, do raciocínio etc.
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No original, vitium αὐτόχειρες.
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§8. Cabe emitir um juízo acerca da temperança e movimento do sangue a partir da pulsação, da
respiração, da transpiração, do sangue e da urina.
§9. A natureza da menstruação, do intestino e da digestão primária é desvelada a partir da língua, da
saliva, do apetite, da sede, e das excreções da boca e das fezes.
§10. A pulsação consiste em índice não somente da “espiritualização” do sangue e de seu
movimento interno e circular, mas sobretudo da constituição dos espíritos animais.
CAPÍTULO IV
PROGNOSE MÉDICA
§1. Nada há de maior valia a um médico, ou seja, nada lhe concilia maior estima do que uma
prognose prudente.
§2. O médico deve dedicar-se a fazer uma prognose cuidadosa, pois pode facilmente perder seu
bom nome devido a uma prognose feita às pressas.
§3. A prognose delimita o resultado de uma doença, coisa que difere segundo o quadro de saúde ou
de morte, de extensão ou de brevidade, de solução e de operação dos medicamentos.
§4. Uma prognose prudente deve-se não tanto a preceitos, quanto mais à própria experiência.
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Hoffmann Pathologia
Friedrich Hoffmann
Philosophia corporis humani morbosi, sive Pathologia Generalis
(Filosofia do corpo humano doente, ou Patologia Geral)
1718
[Tomo I da Medicina Rationalis Systematica]
PARTE I
NATUREZA DA MORTE, DAS DOENÇAS E DOS MOVIMENTOS DOENTES
CAPÍTULO Ii
NATUREZA DAS DOENÇAS E DOS SINTOMAS
§1. O corpo humano está sujeito a muitas mutações que arruínam a saúde (ou mesmo a vida); assim,
cabe ao médico descobrir a natureza e as causas de tais mutações, tendo aquele por dever impedir a
morte e reparar a saúde.
§2. Muitos autores definem doença aquilo em que se dá uma mutação de um estado natural para um
contranatural.
Escólio. Esta definição é nominal, uma vez que tão somente delimita o que é “doença”, mas não seu próprio
ser ou sua causa, nos quais consiste aquela mutação. Há também muitas definições de doença a partir de sua
índole, as quais foram proferidas já pelos antigos: a saber, que uma doença acontece por uma perturbação
contranatural ou de uma constituição contranatural, ou mesmo de uma alteração da estabilidade que
prejudique ou lese as ações. As definições dos autores mais recentes mantêm os olhos na mesma direção: a
doença é algo que apresenta propensão à morte, ou que se faz um complexo de sintomas. Tampouco nos é
feliz dizê-lo: que toda doença é fruto de uma luta ou de um movimento extraordinário tomado pela natureza
para um fim determinado, que seja descartar pela movimentação tudo aquilo que é adverso à mistura do corpo
e que protege este seja da morte, seja da corrupção. Por esse motivo, a palavra “natureza” é bastante obscura,
mas sua luta é salutar, e tampouco é possível, por essa razão, dominá-la, pois a doença com frequência leva a
morte, ou abandona a disposição a outras doenças de índole por vezes pior.
§3. Assim, é mais correto definir doença como aquilo em que ocorre mutação de magnitude e
perturbação da proporção e ordem dos movimentos nos sólidos e fluídos (sendo estes acelerados ou
retardados em todo o corpo ou em partes determinadas), em junção a uma lesão considerável das
secreções, das excreções, e de outras funções do corpo dotado de alma, tendendo ou ao término de
sua saúde, ou à disposição depravada de suas partes a outras doenças.
Escólio. Esta definição, que explica as doenças em geral, ou melhor, que explica a distinção do estado doente
em relação ao saudável é uma definição real, visto que sua razão não é propriamente formal, a qual consiste
na lesão e depravação das ações, consistindo antes na gênese da doença supra e em sua causa próxima e
continente (esta que é a proporção modificada dos movimentos no corpo total ou em suas partes), revelando
também o efeito da doença no corpo.
§4. Assim como a saúde consiste na integridade das ações do corpo e da alma, assim o estado
doente consiste na lesão e depravação destas ações que dizem respeito ao corpo e à alma.
§5. Não se deve tomar qualquer lesão mais leve e passageira das funções por doença, mas essa
precisa ser estável e de algum modo obstinada.
Escólio. Uma vez que nenhum mortal goza facilmente de uma saúde que seja perfeita, constante e absoluta em
todas suas grandezas (e isso devido a inúmeras coisas de que o homem faz uso e que podem modificar ou
afligir sua saúde), não é qualquer defeito mais leve de saúde ou lesão das ações que deve ser tomado
imediatamente por doença, mas somente uma causa tal que perturbe e deturpe em demasia o equilíbrio e a
ordem dos movimentos da máquina nos sólidos e nos fluídos, e que seja estável; é só isso que reinvindica para
si o nome de verdadeira causa de uma doença [vera causa morbosica]. Já que são, em verdade, bastante raras
causas deste modo que logrem transtornar a ordem total dos movimentos, cabe concluir que os homens não
adoecem tão frequentemente durante a vida.
12
Hoffmann Pathologia
§6. Em toda doença as ações vitais, como a robustez das forças, a pulsação das artérias, a respiração
e a circulação sanguínea; ou as ações animais, como o exercício das sensações, o movimento
arbitrário dos membros, o mesmo para o sono e a vigília, o vigor e a constância da mente; ou as
ações naturais, de cujo gênero são os apetites, a digestão (tanto a adequada através das fezes, da
urina e da perspiração, quanto a excreção de sujeira); quaisquer destas ações trabalham com algum
defeito e encontram-se depravadas.
§7. Cabe também estimar, a partir da perturbação e deturpação maior ou menor destas ações, a
magnitude certamente de uma doença e de sua causa lesiva.
Escólio. Ora, assim como um efeito sempre é proporcional às forças de sua causa, assim uma perturbação
mais violenta das funções do corpo manifestará vivamente a força e a potência da causa e uma doença.
§8. Assim como o curso moderado, livre e regular do sangue e dos líquidos que seja originado da
proporção de sístole ou diástole, isto é, da constrição ou do relaxamento dos sólidos em todo o
corpo — os quais impelem e contêm os fluídos — fomenta a saúde e secreções proporcionais, assim
o curso e a circulação imoderados, impedidos e irregulares do sangue e dos líquidos que seja
originado ou de desproporção, ou de diminuição, ou de aumento excessivo de sístole ou diástole,
isto é, de desproporção da constrição ou do relaxamento dos sólidos seja no todo do corpo, seja em
partes determinadas efetua uma perturbação das funções do corpo, conformando uma doença.
§9. Nesse sentido, movimentos dos sólidos e dos fluídos que permaneçam em grande parte
imutados em razão de sua proporção ou muito faltosa, ou muito excessiva consistem em uma causa
próxima e íntima de doenças, em cujo lugar impõe-se uma doença, e a partir de cuja ausência esta é
removida.
Escólio. Da mesma maneira que todas as mutações contingentes no macrocosmo dependem de um
movimento, assim acontece no microcosmo. Ora, é de movimentos que a vida depende, é de movimentos que
provém também a saúde, são movimentos que lesionam e levam os homens às doenças, e são movimentos de
tal índole, enfim, que têm força para destruir o corpo, trazendo a morte. Todavia, estes mesmos oferecem ao
corpo, durante as próprias doenças, um benefício por meio de tal que logram reparar a saúde perdida e
consertar as lesões realizadas por doenças. Os antigos, ao explicarem os elementos da medicina, e uma vez
que desconheciam a circulação do sangue, não observaram os movimentos dos sólidos ou dos fluídos,
detendo-se tão somente em conceitos acerca do volume, da temperança, das faculdades, e das várias condições
da matéria, e assim não conseguiram delimitar nada de concreto ou passível de demonstração nas ciências
patológicas. Testemunho disto são seus livros dogmáticos, a maior parte dos quais — lá onde esperaríamos a
apresentação das causas e dos sintomas das doenças — é varrida pela narração e cobertura, na medida do que
era possível, de casos fictícios.
*
13
Hoffmann Disquisitio
Friedrich Hoffmann
De fato physico et medico eiusque rationali explicatione disquisitio
(Investigação sobre o fato físico e médico, e sua explicação racional)
1724
§24. Acredito que ficou evidentemente constatado, a partir do que foi exposto e deduzido acima, de
que existe uma grande diferença entre o fato meramente físico e o físico-moral: ao passo que no
primeiro depreendemos uma ordem virtualmente inumerável de causas cuja operação não está nas
mãos do homem (a fim de que estas pudessem modificá-la ou impedí-la), o segundo, propriamente,
depende de fato de uma causa física, mas de uma que provenha da mesma operação de um ente
livre, do qual não pode haver mais progressão, e a quem foi concedido o poder de influir ou não
neste ou naquele efeito. Mas o que julgaríamos dizer sobre os dogmas concernentes a isto, os quais
raptam totalmente a faculdade e o influxo da vontade humana, em si livre, nas coisas corporais,
chegando a raptar o próprio corpo humano? E tanto que não é possível compreender ou entender
racionalmente a ação da mente ou do espírito nos corpos. É com engenho, portanto, que comentam
haver um Nume divino e todo-poderoso que previu, desde a eternidade, os impulsos [actus] da
vontade humana, o qual fixou, com sua sabedoria deveras inefável, não só ordem às causas naturais
no universo, como também o mecanismo do corpo humano, ou seja, um princípio gerador a seus
movimentos; e que pré-estabeleceu tamanha harmonia entre os impulsos da vontade e os
movimentos dos membros que a movimentação das juntas acomodam-se a qualquer fim que a
vontade delimita, ocorrendo aquela no local devido e em tempo condigno, um movimento tal que
seria levado a cabo na mesma ordem, local, tempo, e mesma série, mesmo que não restasse
qualquer arbítrio mental. No entanto, devo admitir francamente, com o perdão de um ilustre Autor1
e daqueles que seguem deliberamente seus passos, e faço isto conduzido pelo amor à verdade, e não
por qualquer capricho, que cabe inserir tal “harmonia pré-estabelecida” no mesmo rol de ignorância
terminológica, se não em melhor juízo do que o fato; e tampouco há, como nesta suposta harmonia,
comunicação da alma com o corpo que se dê de modo inteiramente plano — como se o
desconhecimento deste nexo não pudesse, em verdade, ser abordado se não engenhosamente, ou
coberto se não de maneira enfeitada! Ora, visto que a ignorância terminológica — nossa conclusão
proposta acima, exatamente — nada mais representa que termos de adorno colocados no lugar das
coisas e das causas eficientes, ela não abarca qualquer conceito causal que seja real ou possível,
explicando o mesmo pelo mesmo; todavia, surge uma pergunta: de que maneira se movem estas ou
aquelas juntas de acordo com a deliberação da vontade? Ou, o que é a mesma coisa: por qual razão
os movimentos dos membros respondem as ações da vontade? Se alguém vir a responder que é
completamente evidente que o mesmo resolve-se pelo mesmo, dirá que a causa deste consenso é a
“harmonia entre os movimentos das juntas e o impulso da vontade, pré-estabelecida desde a
eternidade”. Além disso, é bastante conhecido que os movimentos concernentes às mãos, aos pés e a
outros membros de nosso corpo dependem do influxo do líquido neural (sobretudo em relação a sua
substância muscular), e que este fluído do cérebro e dos nervos é muitíssimo tênue, emprestando
sua origem do sangue, mas também do ar e das ingestões; agora, se couber a este fluído invadir,
segundo o arbítrio da mente, a língua, ou este ou aquele dedo, a fim de fazer com que se
movimentam, por que ele se estenderia a estas mas não àquelas partes, sofrendo uma causa qualquer
que não pudesse ser procurada ou encontrada nem no sangue, nem no mundo externo em que
vivemos? Ademais, uma vez que este movimento das juntas pode tornar-se imutável de uma hora
para outra segundo a variação da vontade de um único homem (para não dizer de milhares ou
O autor é Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), metafísico alemão, autor da Teodicéia (1710) e da
Monadologia (1716).
1
14
Hoffmann Disquisitio
centenas), com efeito nem mesmo o filósofo mais sagaz consegue perceber e compreender por qual
razão esta tão notável mutação consegue agir, de maneira contingente e a partir unicamente do nexo
e ordem das causas físicas, no corpo humano; mais que isso, de maneira nenhuma é possível
compreender, demonstrar, ou sequer explicar esta “harmonia”. Entretanto, decidimos, ancorados na
razão, não colocar em dúvida o influxo causal da alma no corpo, pois não há como captar o modo
por que isto acontece racionalmente, uma vez que não é também possível perceber ou entender a
ação de uma substância na outra, ou de um corpo no outro a não ser através da instrução da
experiência; melhor seria se estivermos persuadidos da urgênicia de empregar, nesta situação, um
axioma metafísico, em cuja presença coloca-se imediata e totalmente qualquer efeito, e em cuja
ausência afasta-se imediata e totalmente qualquer efeito, coisa que chamamos merecidamente de
causa. Finalmente, aquela semelhança, a qual tais autores teimam em confundir com o referido
conceito desta harmonia (claro que dois relógios podem ser construídos e fabricados por um mesmo
artesão de maneira tal que isso aconteça, exata e concomitantemente, num espaço determinado de
tempo sem que uma coisa influa na outra), não parece conveniente ou mesmo conforme a nossas
considerações, e tanto que esta mesma encontra estrutura e ilustração somente em relação a coisas
corpóreas distintas e conformes, mas não entre aquelas corpóreas e morais. Nada falaremos de
quantas e quamanhas consequências maléficas irromperiam nos âmbitos da moral, da política, e da
medicina física caso alguém quisesse simplesmente renunciar, aos entes livres, a existência de um
influxo causal no corpo humano. Todavia, já não é a razão que nos serve de fundamento para
descartarmos tais conclusões entre muitas, mas agora adicionamos e admitimos apenas isto: que a
vontade humana agraciada por Deus não é ociosa ou inerte, mas inegavelmente eficiente e potente
para ter algum domínio em determinados membros do corpo, e para que possa também operar, por
meio destes, em outros corpos. Muito embora, não desejamos de modo algum que nossa afirmação
seja enviesada, entortando seu sentido; antes, insistimos que devemos mostrar firme confiança de
que isto não se dá no lugar, ou que substitui a empresa do anelo e do arbítrio do coração, e
tampouco que a vontade da mente humana coordena, diminui ou aumenta, no que lidera os
movimentos das partes, a movimentação das artérias e de todos outros orgãos dedicados às
secreções e excreções, exercendo antes seu domínio tão somente nas juntas externas, a fim de que
possa levar a cabo aquilo que ela mesmo determinou. Ora, a inefável sabedoria de Deus quis que a
vida, a saúde, a morte, e mesmo os processos de cura das doenças não dependessem puramente do
arbítrio de nossa mente, mas de causas meramente físico-mecânicas, das quais Ele mesmo é criador,
protetor e governante.
*
15
Hummel Commentatio
Johann Nepomuk Hummel
Commentatio de Arthritide tam tartarea quam scorbutica, seu Podagra atque Scorbuto
(Estudo sobre a Artrite, ou sobre a Podagra e o Escorbuto)
1738
§23. No entanto, tendo em vista que tanto os Médicos quanto os Téologos muito dificilmente
abandonam seus métodos ortodoxos, e que não é sem razão que o fato de ser possível subjulgar um
ácido com outro ácido possa parecer contrário e incoerente1 ao consenso daqueles, cabe antes de
tudo determinar a verdade deste paradoxo através de um experimento. No entanto, eu não quero, a
bem de meus muitos leitores, que seja suficiente comprovar isto pelo que eu mesmo fiz, então me
ative a publicar apenas aquilo que extraí da relação com a máxima de Demócrito. Encontrando-se
detido em cativeiro numa ilha dos dânaos, no mar Báltico, chamada Bornholm, Demócrito era
questionado pelo administrador que substituía o Governador daquele lugar, este que vivia consigo
na mesma cidade de Hammershus; perguntava-lhe aquele o que Demócrito pensava sobre um certo
medicamento de força singular e excelentíssima, o qual por acaso custava um tostão de ouro, mas
cujo preço ficava um pouco mais barato conforme sua eficiência aumentava em poucas gotas. Ao
mesmo tempo, ele narrava os efeitos admiráveis deste medicamento para as doenças algo renitentes,
comprovados, tanto em si mesmos quanto em outras e tantas ocasiões, por todos os outros Médicos
mais célebres e em vão criticados. O autor, ou melhor, o vendedor deste medicamento era um certo
Cirurgião, legionário do exército dânao, de nome Stahl, que dizia ser seu “ouro potável”; daí que o
administrador já incluía, para que nosso Demócrito não apressasse o fim deste conto, que se esse
Cirurgião não superava a fama gloriosa e o favor divino do Médico mais célebre (seu homônimo),
ao menos se equiparava a ele nestes quesitos. Ávido por experimentar o dito “ouro potável”, este
que o referido Prefeito sempre tinha em mãos como se fosse um amuleto sagrado para qualquer
ocasião, Demócrito compreendeu imediatamente tratar-se meramente de um óleo chamado vitriol,
de matéria algo combustível e coloração brilhante, rubro-avermelhada, a qual surge ou
espontaneamente da coisa, ou se deve talvez a certa corrosão, com o passar do tempo, da resina da
cortiça, material com que as lagenas, as quais que lhe servem de recipiente, são comumente
moldadas. Perplexo e estupefato, o Prefeito mal podia acreditar no que escutava, que Demócrito
havia prontamente provado seu feitio por meio da experiência, visto que lhe haviam dito que o
preço do “ouro potável”, onde quer que fosse vendido, não valia um tostão furado, e por isso
mesmo alegrava-se, agradecendo Demócrito por ter detectado coisa de tamanha magnitude com que
podia, apoiado no conselho e juízo deste, abençoar também seus amigos e outros conhecidos.
Aquele prefeito, ele contou que o Cirurgião havia acertado um homem quase septuagenário, mas
ainda suficientemente vigoroso e forte a despeito da idade, dado ao vinho (como é costume dessa
gente militar), e acometido já há trinta anos por doenças oriundas do abuso desta bebida: cálculos
frequentes, gota, hipocondria grave, cólicas fortíssimas, azia e tanta acidez encontrada no
proventrículo que ele se via obrigado, quase diariamente, a vomitar desde manhãzinha, e também
tanta acrimônia no mesmo que havia escoriações em sua garganta e seus dentes haviam amolecido.
O prefeito jurava por Deus que todos estes incômodos haviam cessado e desaparecido ao cabo de
poucos dias, e o mesmo para quase centenas de outros problemas semelhantes, aturdidos pela
pujança deste ilustre medicamento de difícil compreensão e método provecto; dizia também que
havia solicitado ao Autor deste arcano que ensinasse aos próprios dânaos por que razão é possível
acontecer de um ácido coletado nas vias primárias, o qual até então ninguém, entre o conjunto de
tantos Médicos cujos livros acumulam e afundam em poeira, se esforçou em atacar, como pode ser
de ele ser desferido e absorvido por poucas gotas de outro ácido, certamente forte. Muito embora, o
1
ἀσύστατος, em grego no texto.
16
Hummel Commentatio
Prefeito nada mais conseguiu obter de seu Cirurgião do que a possibilidade de ensinar os dânaos
que aquela vetusta regra da medicina é perversa e completamente falsa, a de que “os contrários
curam-se pelos contrários”, pois ele havia constatado, com mais segurança, que “os semelhantes
cedem e rendem-se aos semelhantes”. Eis uma hipótese que o Prefeito tentou estabelecer não só
através deste experimento de que tratamos, mas também de alguns outros exemplos, como:
“Curamos a queimadura com o calor do fogo; o congelamento pela aplicação de neve e de água
muitíssimo gelada; as inflamações e contusões pela indução de espíritos muitíssimo quentes e
ardentes“. Ancorado nestes raciocínios, muitos combatentes passaram amplamente a se manifestar,
expondo, dada ocasião e de acordo com aquele, o ludíbrio das etiologias dos demais Médicos, em
meio as quais julgavam ser puro palavrório toda coisa que escutavam sobre experimentos em que a
água costuma ater-se a razão reativa de um efeito, isso quando não escutavam histórias impossíveis
de braveza ou plenas mentiras.
*
17
Sigwart De Sanatione
Georg Friedrich Sigwart
Specimen Ophthalmiologiae de Sanatione Ophthalmiae sine Ophthalmicis Externis
(Exemplo de Oftalmologia, sobre o Tratamento da Oftalmia...)
1742
PARTE I
SOLIDEZ DA PRÁXIS MÉDICA EM GERAL
§10. Compreende-se a práxis médica de duas maneiras: a) o modo subjetivo; b) o modo objetivo.
Neste caso, a subjetiva é a acepção de um limite.
§11. Já a práxis médica objetiva, oposta à subjetiva (§10), é a ocupação acerca das doenças
individuais dos animais, através da qual tais doenças são consideradas de forma abstrata.
Sobre esta práxis, há um ditado que se coloca no vernáculo: “o médico tem uma práxis rigorosa ou uma práxis
ruim”. De resto, o ofício tem seu lugar na noção definitiva de modo geral, não material; ora, o ofício, o qual ao mesmo
tempo constitui essa práxis, é algo essencial e comum e que integra não em parte, mas integral e igualmente a práxis
médica, a jurídica, entre outras. Da mesma maneira, as doenças dos animais (e não as das plantas) conformam uma
diferença específica da práxis médica. Acerca dessas doenças, exercemos a mesma práxis de vários modos: em parte
conservando, em parte preservando, em parte curando. Muito embora, qualquer modo que seja vai sempre tomar a
doença como doença, ou como algo tal. Assim, uma reduplicação, colocada a diferença, acaba por inferir todos esses
modos, e é através deles mesmos que identificamos a práxis médica do outro ofício, o qual se preocupa com o
tratamento dos enfermos. De fato, a práxis médica diz respeito sobretudo às doenças dos homens. No entanto, uma vez
que mesmo as doenças dos seres irracionais têm influência no estado de saúde dos humanos, é consequência que a
práxis médica com efeito estenda-se também a essas doenças. É por essa razão que as doenças dos animais, e não
apenas as dos homens, são nomeadas a partir da diferença dessa definição. Ademais, a práxis médica, no caso de sua
acepção objetiva, deriva de um sujeito abstrato, na condição de objeto. Por isso esse modo de derivação é brevemente
discutido em sua definição.
§12. A práxis médica subjetiva, em oposição, parte (§10) que é mais considerada neste tratado, é a
prática de hábitos individuais que a virtude tem de conhecer, os quais são efetivos e mistos, com o
objetivo de remover as doenças dos animais.
Sobre esta práxis, diz-se que o médico é um praticante da medicina, e dela há um ditado que se coloca sobre o
médico: “ele possui uma práxis sólida”; entende-se por essa prática algo de gênero, compreendido a partir da noção
definitiva, e referido aos hábitos que a virtude tem de conhecer, mistos e efetivos. Ora, a práxis médica, tomada em sua
acepção subjetiva, não petence ao corpo mas ao espírito; ela está na razão do espírito, não na ação de desejar, mas no
hábito que a virtude tem de conhecer, coisa que não é teórica mas prática, e particularmente efetiva para que o médico
realize algo além do espírito e com o recurso dos medicamentos e outros meios. De fato, não devemos simplesmente
excluir o hábito do corpo: ora, com frequência encontramos um médico efetuando operações através de ferramentas que
exigem atenção completa do hábito do corpo. Mas esse hábito depende a princípio do hábito que a virtude tem de
conhecer, ancorado no qual a virtude do espírito controla de maneira local os membros da locomoção. Dessa forma,
aquele fica subentendido, na medida em que se exige o hábito efetivo para a práxis médica; é por isso, portanto, que
chamamos o hábito do corpo de acessório, pois a práxis médica de modo algum deve ser explicada através do hábito do
corpo humano. Enquanto isso, a virtude de conhecer contém diversas partes na mente humana: o sentido, o intelecto e a
virtude da imaginação, a qual pertence o talento. Ainda, entre essas forças integradas à virtude de conhecer, cada uma
delas tem seus próprios hábitos que se integram à práxis médica. Já todo hábito que a virtude tem de conhecer que se
constitui a partir de hábitos diferentes é um hábito misto que a virtude tem de conhecer. Segue-se que a prática de um
hábito tal é uma prática de um hábito misto que a virtude tem de conhecer. Além disso, a práxis médica não é o mero
hábito, mas a prática do hábito, ao qual estão integrados diferentes hábitos que a virtude tem de conhecer. Sim, é a
partir disso que surge a sua identidade da técnica médica como tal, coisa que certamente é o hábito, e que é, como tal,
não a prática do hábito. Isso constitui a práxis. No entanto, já que nisso a práxis médica se assemelha da jurídica (e a
qualquer outra práxis com essa denominação), devemos atentar a uma diferença específica. Esta é uma diferença
material e formal: ela se ocupa materialmente das doenças dos animais, e no entanto é exercida formalmente no ato de
remover essas doenças.
§13. Mas todo hábito que a virtude humana tem de conhecer é algo ou natural; ou artificial. Logo,
essa práxis (§12) apóia-se em um hábito que a virtude humana tem de conhecer que seja ou natural;
ou artificial.
18
Sigwart De Sanatione
§14. É por isso que a práxis médica divide-se, a partir deste fundamento (§13), ainda que
acidentalmente (mas de maneira correta): a) em práxis médica empírica; b) em práxis médica
artificial.
Há ainda uma divisão acidental, já que o cerne da divisão supõe uma aplicação arbitrária e uma acidental que
a virtude tem de conhecer, seja segundo princípios normativos pré-estabelecidos, seja sem esses referidos princípios.
*
19
Gorter Systema
Johannes Gorter
Praxis Medicae Systema, Pars prima: De morbis generalibus
(Sistema de Práxis Médica, Primeira parte: Sobre as doenças gerais)
1752
PROÊMIO
§1. Todas as pessoas saudáveis precisam de um médico, a fim de que haja regras pelas quais seja
possível ou preservar a saúde, ou prevenir doenças; as pessoas enfermas, por sua vez, precisam de
um médico para que seja possível curar sua doença, ou, se isso não se der, para que seja possível
impedir o progresso desta ou torná-la mais fácil de ser tolerada.
§2. Todavia, não há como isso acontecer caso a doença, assim como sua causa, não forem
conhecidas; o mesmo para o método com que e os instrumentos pelos quais devemos tratar uma
doença conhecida. Portanto, ninguém tem a capacidade de abstrair as causas das doenças caso não
for instruído na anatomia, na química, na física, nas regras específicas de um corpo vivente; pelo
contrário, é a partir do supracitado que o médico deve conhecer, para que possa tratar um doente,
tanto um método específico de cura, quanto os instrumentos e as forças dos medicamentos, através
dos quais ele pode prevenir, tratar, ou aliviar a doença em questão. Segue que nem a pura teoria, isto
é, nem o conhecimento das doenças, tampouco o puro tratamento empírico são por si só suficientes,
mas ambos devem ser reunidos em vista de tratar uma doença. Suponho que a parte teórica já é
conhecida neste sistema, visto que a mesma foi exposta exaustivamente por outros; no entanto, tudo
aquilo que diz respeito ao conhecimento da doença, suas causas, efeitos e modos de tratamento, eis
o que será abordado nesse livro.
§3. Antes de entrarmos na doutrina de uma doença específica, cabe saber quais princípios gerais são
pressupostos no que tange às doenças; tais princípios, nesse caso, apresentam diferenças entre uma
doença e outra, ou relacionam-se com alguns princípios específicos em determinada doença.
§4. As diferenças gerais colocam-se:
1. A partir dos fenômenos, como o Calor (§158); o Frio (§267); a Ardência (§212); o
Tremor (§176;217); a Convulsão (§161).
2. A partir da Causa, como Hereditária (§240); de Nascença (§241); Contagiosa (§272);
Endêmica (§273); Epidêmica (§274); de Envenenamento (§283).
3. A partir dos Humores da doença, como Coliquativa (§87); Pútrida (§100;234); Sanguínea
(§55); Biliosa (§130;230); Pituitosa (§74); Melancólica (§132); Pustulenta (§131;133).
4. A partir de outras doenças, como Inflamatória (§159); Erisipelatosa (§160); Héctica
(§218); Febril (§191); Cancerosa.
5. A partir da Natureza das Doenças, distinguimo-las em Grave ou Leve; Violenta ou Suave;
Fácil ou Difícil; Benigna ou Maligna; Tratável ou Intratável; Saudável ou Perigosa; Segura
ou Letal (isto é, Extrema).
6. A partir da Diversidade das Doenças, temos que essa é Constante ou Inconstante;
Periódica ou Vaga; Estacionária, Esporádica ou Irregular; Contínua, Intermitente, Remitente
ou Reincidente.
7. A partir da Duração, as doenças surgem como Velha ou Recente; Antiga ou Nova; Breve
ou Longa (isto é, Persistente).
8. A partir de seu Descobrimento, a doença é Aberta ou Escondida; Obscura ou Manifesta;
Conhecida ou Desconhecida; Externa ou Interna.
20
Gorter Systema
9. A partir de sua Composição, a doença nasce como Simples ou Compósita; Primária ou
Secundária; Idiopática ou Simpática; Pura ou Impura; Essencial ou Sintomática; Legítima
ou Ilegítima; Verdadeira ou Anômala.
Além do mais, distinguimos todas essas doenças, quanto ao gênero, em Agudas e Crônicas.
§5. Chamamos de Aguda a doença que é violenta, febril, geral ou particular com aumento da
circulação e um único período de paroxismo, o qual dura não mais de 34 ou 40 dias no máximo e se
resolve sem apirexia.
1. Desta, é possível separar a Efêmera, que não é violenta; e a Apoplexia, que
possivelmente não acompanha febre (é por essa razão que ela se diferencia de uma doença
Breve e Aguda).
2. As doenças agudas se distinguem a partir da Duração, pois são muitíssimo Agudas
aquelas que se dão entre 4 e 7 dias; aquelas que duram mais que isso são chamadas de
absolutamente Agudas, mas nunca excedem 40 dias.
3. Via de regra, as doenças agudas são:
1. Inflamatórias e de febre contínua, nas quais observamos o período de sua fase
crítica, a não ser que acabem irrompendo em Corruptela.
2. Erisipelatosas.
3. Pútridas.
4. Malignas, todas as quais não seguem uma ordem certa.
4. Sói que pincemos os efeitos específicos a partir do aumento de moção vital e das doenças
supracitadas.
5. Na maior parte das vezes, o tratamento geral deve focar na contenção do ímpeto da
doença, ou ser deduzido a partir do próprio tratamento de tipos considerados como doenças
agudas verdadeiras.
§6. São chamadas de Crônicas todas as doenças que são ou amenas, ou violentas, com ou sem febre,
e que duram mais de 40 dias.
1. Essas surgem imediatamente desde o início, caso a matéria da doença não logre dominar
e afastar as forças vitais, ou quando a força vital não se dá a tais domínio e afastamento.
Elas também surgem após Doenças Agudas a partir de matéria restante, ou de uma mudança
induzida que não cessou com a doença aguda.
2. Já que as Doenças Crônicas raramente acabam de próprio curso, e já que para removê-las
devemos nos ancorar num método de cura correto e em instrumentos adequados,
aplicaremos em sua abordagem uma empresa de indústria maior que aquela dedicada às
Doenças Agudas. Com efeito, os infinitos tipos daquelas exigem tratamentos diversos:
muito embora, na maioria das vezes devemos aplicar tanto exercícios, quanto movimentos
como remédios, calefação, fortalecimento, e antissépticos quentes, na medida em que se
assegura ao mesmo tempo um intestino mais solto e um corpo mais transpirante.
§7. Os princípios gerais nas doenças pertencem às suas Causas, Efeitos, Sinais, Presságios, Egresso
e Tratamento.
§8. Chamamos de Causa o elemento simples ou compósito que a doença produz em um corpo
vivente.
1. Se é possível detectá-la por meio dos sentidos ou da razão, a Causa se chama Manifesta e
Aberta; chamamo-la porém de Oculta se ela estiver escondida dentro ou fora do corpo.
21
Gorter Systema
2. Se a Causa que estiver fixa e na maioria das vezes escondida no corpo não indicar, por si
só, a doença, mas sem ela uma outra causa ascendente não vier a produzir essa, ela é dita
Progumenal ou Predisponente.
3. No entanto, as Causas ascendentes que com ou sem uma causa predisponente geram, por
si só, uma doença, nomeamo-las Procatárticas.
4. As Causas ascendentes também são chamadas de Externas ou Internas, caso nasçam no
corpo.
5. Todas as Causas que em conjunto produzem uma doença de modo imediato constituem a
Causa proximal; as que, porém, recuam no caso de a doença for deixada de lado, estas são
chamadas de Remotas.
6. As Causas agem todas seja em partes firmes ou fluídas, seja em ações gerais ou
particulares.
§9. Chamamos de Efeitos da Doença os elementos que são ou produzidos de modo imediato a partir
da causa da doença, ou de modo mediado, no caso de a Causa permanecer fixa no corpo vivente.
Daí surgem os mais variados Efeitos:
1. Em doenças nascidas a partir de diversas causas.
2. A partir de uma mesma causa agente em variadas partes, humores e funções.
3. A partir de variados estados, idiossincracias, temperamentos, costumes.
4. A partir de uma outra doença pregressa e de uma nova ascendente.
5. A partir de consentaneidade, metástase, metamorfose.
6. A partir da aplicação de uma dieta, de um regime, de um método de cura e de variados
instrumentos.
§10. Chamamos de Sinais tudo aquilo que é detectado pelo médico, comunicado pelo doente ou por
outros, os indicantia de algo que se esconde no corpo; a doutrina desses elementos é a Semiologia.
1. Buscamos os Sinais:
1. A partir do conhecimento das causas antecedentes.
2. A partir dos fenômenos ou dos efeitos presentes.
3. A partir da natureza da coisa.
4. A partir dos instrumentos apresentados, com ou sem efeito.
5. Por fim, a partir de todas essas coisas em conjunto.
2. Os Sinais que ou permanecem continuamente em uma Doença Constante, ou ocorrem
sempre em concomitância em uma doença mutável, chamamo-los de Característicos ou
Patognomônicos; já aqueles que se fazem presentes ou ausentes, e demarcam a cocção, a
crueza, um egresso bom ou ruim, crise, acrisia, reincidência e outras coisas, chamamo-los
de Sinedrevontais.
3. Alguns sinais principiam com a doença a partir desses anteriores, e depois desaparecem;
no entanto, outros aparecem posteriormente; chamamo-los de Epifenomenais quando
provêm da natureza da doença; quando de outro lugar, são chamados de Epigenomenais.
4. Os sinais que revelam o estado presente são os Diagnósticos; o futuro, os Prognósticos;
os que trazem à mente o estado pretérito são chamados de Anamnésicos.
§11. Chama-se Predição ou Prognose qualquer coisa que podemos determinar a partir da doença por
meio da fala ou da escrita.
1. A fonte da predição consiste no conhecimento assertivo daqueles efeitos da doença que
sofrem uma determinada mudança; todavia, pronunciar tal mudança antes que ela surja é
pressagiar, algo que não pode ser feito se não por um médico erudito.
22
Gorter Systema
2. Logo, nas doenças que em seu tempo pronunciam uma certa mudança, caso das agudas
inflamatórias e das febres de quarentena em paroxismos, é possível que a predição se prove
certa caso a ordem natural não for perturbada por um corretivo anômalo ou pela dieta.
3. No entanto, nas doenças que possuem Egresso incerto, e em que aplicamos instrumentos
sem ordem, elas sempre apresentam uma predição que é incerta.
4. Conseguimos predizer a saúde, a extinção, o trajeto para uma outra doença, o
crescimento, o decréscimo, a reincidência, a crise e muitas outras coisas a serem abordadas
em seus próprios tópicos.
§12. Todas as doenças possuem sempre um determinado Egresso ou Resultado:
1. No estado de Sanidade, caso a força vital ou o vigor do medicamento logre dominar ou
afastar a matéria da doença, de modo que esta não possa inferir mais nenhuma lesão.
2. Em outra Doença, a partir de uma causa restante ou modificada de uma anterior, quando
essa leva à metástase ou à metamorfose.
3. Na Morte, quando houve indução de destruição ou alteração tão grave que a ação vital
não consegue mais sobreviver.
§13. Os médicos entendem por tratamento três coisas:
1. A compreensão assertiva do que é preciso para preservar a saúde e prevenir doenças,
conhecido como Tratamento Preservatório.
2. O conhecimento daquilo que serve à remoção da doença, chamado de Tratamento
Curatório.
3. O conjunto dos instrumentos que se prestam à melhora de uma doença incurável e a
tornam mais leve e tolerável, parte que chamamos de Tratamento Paliativo.
1. O tratamento preservatório exige:
1. O conhecimento de uma natureza específica: o estado, as idiossincracias, os
temperamentos.
2. O conhecimento dos instrumentos e dos medicamentos com os quais é possível
evitar doenças futuras.
2. Por sua vez, o tratamento curatório demanda:
1. O conhecimento assertivo da doença e de como ela muda.
2. De como é formado o indicans, a indicatio e o indicatum, e se estes em muito
coindicam, ou contraindicam uma doença.
3. Qual o método de cura a ser adotado: o racional, o metódico, o empírico ou o
conjectural.
4. O conhecimento dos instrumentos, os quais se dividem em dieta, farmácia e
cirurgia.
3. O tratamento paliativo deve ser adotado em doenças incuráveis e nunca vistas, através
dos instrumentos conhecidos no que é conhecido da doença, os quais se prestam à melhora
desta, tornando-na mais tolerável.
§14. A fim de conhecer, pressagiar, evitar e tratar uma doença, é mister distinguir seus diferentes
Períodos.
23
Gorter Systema
1. Supomos uma doença em um homem perfeitamente saudável:
1. Por causas mecânicas.
2. Pelo abuso dos elementos não naturais.
3. Pela variação da idade.
4. Por uma predisposição específica que chamamos de “causa progemunal”.
5. Por um mudança induzida pelo movimento, pelo calor ou semelhantes.
6. Por uma marca hereditária.
Sói que observemos atentamente o tratamento curatório nesses casos. A doença
futura no homem, por sua vez, concerne uma metamorfose quando uma outra doença já está
em progresso.
2. Logo que a doença começa a agir, dizemos que este é seu Princípio, período em que a
matéria móvel de uma doença, parada em uma parte específica, deve ser apanhada; já a
matéria mista deve ser deixada nas partes sãs; assim, a matéria com frequência nos conduz
a controlar uma hemorragia ou flebotomia.
3. A força vital sobre-estimulada pela matéria da doença torna-se gradualmente mais
intensa, induzindo mais sintomas: se sinais críticos começam gradualmente a aparecer com
esses, há esperança de tratamento; no caso de tais sinais não aparecerem, o perigo é menor,
especialmente nas doenças agudas. Uma doença em expansão guarda sempre um mal num
outro período.
4. Todavia, se uma doença lograr atingir seu máximo vigor, chamamos este de seu Estado,
coisa que observamos antes nas doenças Agudas do que nas Crônicas; neste período, não há
aparição de novos sintomas, mas ou sua natureza dá vazão a uma Crise (boa ou ruim), ou a
doença irrompe em Corruptela.
5. Após o Estado da doença, a matéria desta é gradualmente dominada e afastada; se a
sanidade toma seu lugar, a Força da doença também decresce; no entanto, se os Sintomas
persistem ou aumentam neste período, o perigo é iminente.
6. Assim que a matéria doente finalmente for dominada e afastada, tem-se o Fim da doença.
Se este tiver sido perfeito, haverá também, em um breve período, o retorno da antiga
sanidade.
7. Após retirada toda a matéria, sempre resta, no entanto, certa Fraqueza, a qual devemos
superar gradualmente. Todavia, após um fim imperfeito restam muitos Sintomas que são até
piores que os da primeira doença, pois os sólidos estão destruídos, os humores exaustos e
degenerados, as ações enfraquecidas e perturbadas, coisas que devem ser então tratadas
como uma doença específica.
8. Muito embora, aquilo que deve ser feito em doenças singulares não chega a ser tratado
neste livro, visto que tais períodos dizem respeito a variadas doenças que exigem variados
tratamentos.
§15. Nas doenças agudas de febre contínua e inflamatória, observamos os Dias Indicatórios ou
Críticos, ou seja, o 7o., 14o., 21o., 27o., 34o. e 40o. Os Dias de Índice ou Indicantes, o 4o., 11o.,
17o. e 24o. Os Dias de Intercadência ou Intercalares, o 3o., 5o., 9o., 13o., 15o. e 19o. Os Dias
24
Gorter Systema
Vazios ou Medicinais, o 6o., 8o., 10o., 12o., 16o. e 18o. Nas doenças agudas pútridas,
erisipelatosas, malignas ou de regime modificado, não observamos essa ordem. A doença aguda é
detectada com mais frequência em Regiões quentes do que em frias. Nas doenças Crônicas, a ordem
é incerta; desta consta que cabe atentar mais aos Dias ímpares que aos pares, o que se faz evidente
no dia em que a evacuação artificial passa a ser estimulada e esperamos a evacuação crítica.
§16. Muitos princípios específicos são observados nas doenças, os quais certamente são necessários
para conhecer, pressagiar e tratar uma doença.
§17. Assim como em outros elementos naturais e mutáveis, nas doenças também ocorrem mutações,
as quais:
1. Se são naturais e comuns na doença, dizemos que acontecem a partir de seu Quadro.
2. No entanto, se nascem alguns outros sintomas ou porque a força vital está enfraquecida,
ou porque a causa de uma outra doença está escondida, ou porque uma dieta ou
medicamento absurdo foi aplicado por um médico ignorante, dizemos que tais
consequências ocorrem Apesar de seu quadro.
3. As mutações que ocorrem a partir do Quadro da doença podem nos oferecer um juízo
sobre elas; mas aquelas que ocorrem fora de seu quadro devem causar suspeita, a não ser
que venham a partir da aplicação de algum tratamento estranho.
4. A ordem natural nunca deve ser perturbada caso a força vital estiver fortalecida; os
instrumentos aplicados a partir do Quadro da doença devem ser modificados com
prudência.
§18. As doenças que mantêm alguém doente além do tempo habitual são chamadas de Longas; no
enquanto, aquelas que demoram devido à sua natureza são consideradas Doenças Crônicas.
Uma doença se prolonga:
1. Devido à debilidade das forças, caso que atribuímos ao peso da idade; à frigidez do
corpo; à grande quantidade de evacuações anteriores; à inconstância da doença; ao cansaço;
ao infortúnio; à urina clara, grossa e sanguinolenta; aos sinais tardios e persistentes de
cocção.
2. Devido à tenacidade da matéria, caso que deduzimos a partir de urina translúcida, escura,
sanguinolenta, espumosa; de fezes mucosas, farinhosas; de tosse persistente com escarro;
de evacuação desordenada e pútrida.
3. Devido à retenção de matéria, caso que julgamos a partir de acrisia; dos epifenômenos;
de feridas pustulentas; de clima outonal ou invernal; de chuva tempestuosa; de um
esgotamento do corpo menor do que o exigido pela doença; das vicissitudes do calor e do
frio.
4. Devido à grande quantidade de matéria, caso que atribuímos à magnitude e violência da
doença; à abundância de nutrientes; ao inchaço incomum do corpo.
5. Devido à deposição da matéria em outra parte, caso que conhecemos a partir de uma
nova dor emergente em alguma parte; de abscesso; de tumores; de protuberâncias.
6. Devido à metamorfose dos males da matéria (§120).
Assim, uma doença que se prolonga além de sua natureza esgota as forças vitais; afrouxa os
sólidos; induz caquexia, acidez, escorbuto, ftise nervosa e muitos outros males.
Para que tratemos uma doença tenaz, devemos sempre observar o que se faz resistente nela
em relação às causas prolongadas; com frequência vale perturbar a ordem por meio de um purgante,
assim liberando as vias primeiras do excesso.
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Gorter Systema
§19. Atribuímos uma doença que acaba em um curto de espaço de tempo à saúde, se a partir do
clima veranil; da idade da criança ou do jovem; de sinais maduros de pepasmo; de sintomas
pequenos e bastante suaves; da prevalência das forças vitais. Mas julgamo-la como Extinta somente
a partir de causas e sinais contraditórios.
§20. O fato de uma doença ser tolerada com facilidade, coisa que chamamos de Euforia (pois notase que nenhum motivo há para Ansiedade ou Dor, mas antes uma boa compleição dos humores
frente ao quadro da doença), sempre nos oferece um bom presságio, a não ser que aquela seja fruto
de Anodinia (§141).
§21. Chama-se Disforia uma moléstia em doenças que é inexplicável, diferente da ansiedade e da
dor, e que força os doentes a movimentarem os membros sem parar.
Todas as causas que induzem a Ansiedade (§148) dão origem à Disforia, quais fossem
humores corruptos conformados aos orgãos de movimento animal, agindo assim como as doenças
Agudas e as febres que se ausentam em Corruptela e deixam o mal da metamorfose; as doenças
Crônicas que se findam em coliquação inferem sempre a Disforia de um mau vindouro.
Ainda que os autores de medicina aconselhem-nos um silêncio teimoso que mal deve ser
seguido, esta estratégia não diminui e nem trata a Disforia, coisa que deve ser feita através da
repetição de um tratamento para ansiedade (§148) e da procura de antisépticos.
§22. Chama-se Crua a matéria doente que não se assemelha às forças vitais, nem à magreza,
tampouco ao vigor dos medicamentos usados para atingir uma boa evacuação.
Durante o princípio e o crescimento de doenças agudas e febris, a matéria crua está sempre
presente e não traz nenhum mal, mas apresenta um presságio ruim em outros períodos. Nas doenças
Crônicas tal matéria se coloca em quase todo período, raramente chegando à maturidade. A matéria
inflamatória, pustulenta e febril é capaz de pôr em cocção; a matéria biliosa, melancólica e pútrida,
não.
A matéria crua parada em um corpo logra aumentar gradualmente os sintomas; não
apresenta nenhuma evacuação crítica; induz tremores; apresenta urina ou translúcida e fina, ou
saturada de muitas coisas, ou turva; manifesta, ainda, tosse persistente e espumosa com escarro, e
despende evacuações serosas e desordenadas; é através desses sintomas que detectamos a presença
da matéria crua. A partir daí, ela dá vazão a uma Metamorfose variada (§127), é encontrada noutro
lugar (§114), ou apresenta Metástase (§119).
A matéria crua parada nas vias primárias deve ser eliminada separadamente; a misturada a
outros humores deve ser levada à maturidade, se for capaz de pôr em cocção; noutro caso, ela deve
ser expelida gradualmente através tanto dos orgãos convenientes quanto de aberturas artificiais.
§23. Chamamos de Pepasmo a ação de modificar a matéria Crua da doença seja por movimentos
Vitais ou Automáticos, seja em virtude dos medicamentos, a fim de que se apresente o material
através de cuja evacuação é possível apaziguar ou remover a doença.
A causa concomitante da cocção representa a Ação vital moderada, a qual é acolitada no
calor moderado, em um local recluso, num clima ameno, no humor, tudo que é capaz de pôr em
cocção.
A cocção boa é aquela constante, perfeita e suficientemente rápida. É ruim aquela imperfeita
e inconstante.
Dado o tempo devido de uma doença, produz-se gradualmente certo engrossamento durante
a evacuação dos humores, e assim é possível ver tanto os vestígios de matéria pura conforme as
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Gorter Systema
forças encontram alívio, quanto a diminuição dos sintomas toda vez que a força vital acabar por pôr
em cocção a matéria da doença.
Enquanto isso acontece, não se deve utilizar nenhum instrumento para induzir mudança, mas
a matéria apartada deve ser retirada por meio unica e absolutamente do Pespasmo.
§24. Os médicos chamam de Crise as mutações nos humores expelidos, as quais são:
1. Aquelas induzidas a partir do Pepasmo.
2. Os sintomas e fenômenos oriundos no doente a partir da ação do Pepasmo.
3. Por fim, a evacuação feita em seguida (se tal situação não se der, o médico chama
aquelas de Acrisia).
Distinguimos uma Crise em Boa (Eusêmica) ou Ruim (Assêmica); Perfeita ou Imperfeita;
Constante ou Inconstante; Exígua ou Copiosa; Sensível ou Insensível; Simples ou Compósita.
A matéria, a quantidade, ou o caráter de uma doença induz, em processo de exaurir a força
vital, algumas mutações nas ações, chamadas de Perturbações críticas e de Sinais críticos, as quais
são ou Pressagiantes ou Concomitantes.
Logo que a força vital começa a afastar o material, dizemos que há uma Evacuação crítica
em um período determinado, o qual, se prevalece, é chamado de Crítico; mas se este cessa, sintomas
anômalos acabam por surgir todos os dias. A Crise dá saída a essa evacuação através do
sangramento, do fluxo intestinal, do suor, do vômito, da urina, da menstruação, do escarro, da
saliva, da úlcera, do abscesso, de pústulas, de nódoas, de crostas, de aftas, de dores extremas, de
parotidites e de outras metástases.
Muitas diferenças são observadas nas Crises a partir de sua natureza variada:
1. No tocante à matéria.
2. Na aplicação de um regime e de um corretivo.
3. Quanto à variedade de evacuações.
4. Em tipos variados de Crises.
A Crise boa deve ser permitida e cuidada; a Crise ruim deve ser ou curada, ou coibida e
suprimida à força, coisa que se resolve em variados tipos de Crises e de doenças por meio de
diversos instrumentos.
§25. Chama-se Paroxismo o período da doença em que se dão os fenômenos mais graves ou
abundantes.
Nas doenças:
1. Que findam em um único acesso, sua duração completa é chamada de Paroxismo; nestas,
se os sintomas tornam-se mais graves, essa é chamada de Exacerbação, e se ressurgem, de
Reincidente.
2. Nas doenças que ou crescem, ou tornam-se mais suaves, ou cessam de agir em períodos
variados a partir de sua própria natureza, tais períodos de exacerbação são chamados de
Paroxismos, os quais são Periódicos, Vagos, Constantes, Inconstantes, Antecipadores,
Proponentes, Remitentes, Breves, Grandes, Pequenos, Suaves, Violentos, Crescentes,
Decrescentes. Ocasionalmente, observamos também um Paroxismo geral como se este
fosse composto de outros mais breves. É a partir de todos esses paroxismos que deduzimos
as diagnoses, os presságios e os tratamentos.
Nos paroxismos das doenças, é imperativo observar tanto a dieta e o tratamento, quanto tudo
aquilo que desponta durante os Períodos da doença.
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Gorter Systema
§26. O lapso em doenças é entendido como sua duração total, e resolve-se em um único ou muitos
paroxismos. Todavia, os próprios paroxismos possuem Lapsos que regressam em tempos
determinados e firmes, opondo-se a Lapsos vagos.
§27. Chama-se Intermissão ou Cessamento a diminuição ou a perfeita remoção dos sintomas nas
doenças cuja causa entretanto permanece; nas febres, chamamo-la de Apirexia.
É natural a intermissão que em algumas doenças percorrem seu lapso total através de
paroxismos, como as febres intermitentes. Em outras doenças, por sua vez, ela é irregular, caso da
Dor, da Ansiedade, da Epilepsia, da Paixão histérica, da Podagra, do Escorbuto, do Delírio, da
Melancolia. Já nas doenças contínuas e inflamatórias, a intermissão costuma pressagiar uma
reincidência.
Neste período é preciso ou aplicar um antídoto, a fim de extirpar o material da doença, ou
aplicar instrumentos que preparem e assim afastem esse material.
§28. Um homem que, encontrando-se completa ou aparentemente liberto de uma doença, acaba
posteriormente abatido pela mesma doença ou por uma semelhant, costuma-se dizer que ele sofre
uma Reincidência, coisa que é distinta do Recrudescimento, do Paroxismo, da Metamorfose, da
Metástase, ou da cura completa.
Há dois tipos de Reincidência:
1. Caso a matéria da doença tiver sido dominada e totalmente expulsa, de modo que não
possa criar mais doença, mas venha a produzir uma doença semelhant à primeira através do
engravescimento de uma mesma causa.
2. Caso a doença tiver sido completamente curada, mas os motivos que induziram a causa
da primeira doença permanecerem, como a vida desregrada, a hidropsia, a evacuação de
cálculo renal.
Na maior parte das vezes, assistimos o retorno de uma doença:
1. Cuja causa remota foi abandonada, como: cálculo, deterioração, convulsão, sangramento,
melancolia, podagra, artrite, icterícia, hemoptise, síncope, apoplexia, hidropsia.
2. Cuja causa não foi dominada com facilidade pelas forças vitais ou por um antídoto,
como: doenças venéreas, malária quaternal (sobretudo no outono), febres epidêmicas,
endêmicas e pútridas.
3. Cuja matéria foi dominada mas não evacuada, como em doenças agudas, de febres
contínuas, inflamatórias.
Nas doenças que não reincidem a partir de sua própria natureza, podemos prenunciar uma
Reincidência:
1. Por Acrisia.
2. No transporte a uma outra parte.
3. Na supressão de evacuação.
4. Durante um período não crítico da doença.
5. Durante a estação do outono.
6. Pela permanência dos seguintes sintomas após o fim da doença: sono inquieto; insônia;
perda de peso; ansiedade; má digestão; fraqueza; prolongamento do mal estar; má formação
dos excrementos; calafrios; palidez; urina clara, fina e sanguinolenta; pulsação fraca; assim
como diversas outras perturbações das ações.
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Gorter Systema
§29. Sintomas diversos e fortes que surgem instantaneamente no princípio de uma doença
representam uma Turbulência. Fenômenos estranhos que despontam durante o progresso de uma
doença denotam uma Perturbação. Quando uma Dieta ou Remédio muda a ordem de uma
determinada doença, dizemos que tal coisa Perturbou a doença.
Essa situação com frequência significa, no princípio da doença, seja um escorrimento claro
ou uma hemorragia futura, seja uma doença forte. Já no progresso da doença, a Perturbação
prenuncia ora uma Crise, ora uma metamorfose ruim. Os males induzidos por Medicamentos
durante o decurso regular e adequado de uma doença são por vezes necessários durante uma acrisia
tenaz.
§30. Diz-se que uma doença está em Exacerbação ou Recrudescimento quando ela, tendo
gradualmente induzido sintomas mais leves ou menores, acaba apresentando de repente sintomas
novos ou mais graves.
Todo Recrudescimento é ruim e perigoso, coincidindo com uma Reincidência.
§31. Diz-se que uma doença está em Propagação quando ela persiste no mesmo local de origem,
mas ao mesmo tempo se espalha ao largo deste; quando abandona o material da doença pelo corpo,
manchando também outras partes com uma nódoa semelhant; ou, enfim, quando gera, através de
consentaneidade, uma doença quase nova em uma parte remota do corpo. No entanto, se a
Propagação contamina outro homem, consideramo-la um contágio (§272).
Toda propagação é ruim e deve tanto ser temida, quanto tratada em conformidade com a
natureza da doença e do modo de propagação.
§32. A mais perigosa dentre as mutações em doenças é a Repulsa, quando sua matéria, provocada
na pele ou nas partes extremas, afasta-se daí para as partes interiores e mais importantes.
Isso acontece sobretudo ou através da aplicação de instrumentos adstringentes e
refrigerantes, os quais impedem o egresso e a retirada da matéria; ou devido a uma deficiência das
forças vitais, que não mais conseguem expelir os humores doloridos.
O perigo da metástase dos males às partes interiores é sempre iminente, caso em que a
matéria não pode ser evacuada ou sequer em cocção, representando um sinal de grande fraqueza.
A matéria em retropulsão em epispástico, vesicatório ou calefação deve ser desviada ao
locais primeiros, se possível.
§33. Chama-se Resoluta a Massa densa e conforme que tiver sido reduzida em fluído. Este processo
não acontece da mesma forma em todos os casos. Ora, os elementos Fleumáticos dissolvem-se
durante o movimento e no calor; os Inflamatórios durante o banho e num calor artificial e
moderado; o mesmo para o Sangue eruptivo e denso; os Cirrosos dissolvem-se em mercuriais; os
Estrumosos em gomas e resinosos; os Sanguinolentos e grossos durante a automoção vital e animal;
muitos humores Densos através de coliquação espontânea incidental; os elementos Congelados por
aplicação em primeiro lugar da neve; os Combustíveis durante um banho úmido e volumoso.
§34. Uma doença não raro declina para o Endurecimento quando os humores estagnados
engrossam, coagulam, ou perdem sua parte mais fina seja por desidratação, seja pela exteriorização
desta parte.
As partes ditas não-endurecidas perdem seu uso, com frequência comprimindo e irritando as
partes vizinhas, e costumam persistir assim longamente sem modificação; todavia, se um humor
denso é dissolvido, o endurecimento desaparece sem evacuação; agora, se esse humor torna-se
29
Gorter Systema
liquefeito, costuma haver corrosão dos elementos circundantes, por vezes poluindo o restante do
corpo.
Durante o princípio da doença, devemos preparar uma solução de acordo com a natureza do
humor denso, mas se este persistir mais longamente (pois ele sempre pode transitar para um líquido
corrupto), aí não nos é devido realizar tal resolução com facilidade, cabendo antes que atentemos a
sua parte não-endurecida.
§35. Chamamos de Constantes as doenças que obedecem uma ordem fixa e certa de mutações e de
reincidência.
São Tenazes as doenças que obedecem uma ordem certa de mutações, quais as agudas, as
febres e as varíolas; as doenças que sóem prevalecer sobre a força vital não admitem qualquer
mudança, pressagiando sua própria amplitude; as que retrocedem em um período certo e fixo
designam tanto a tenacidade quanto a resistência da causa.
§36. É por haver várias maneiras de adoecer, tanto para o melhor quanto para o pior, e por haver um
quadro incerto de sofrer mutações frequentes, as quais nascem a partir da doença prevalecente em
detrimento das forças vitais que uma Inconstância prenuncia dificuldades. Os Paroxismos
inconstantes pressagiam menos uma doença tenaz do que doenças constantes. Já a Inconstância na
evacuação crítica é sempre algo ruim.
§37. Fala-se em Vicissitude de uma doença quando há retorno frequente e alternado de duas delas,
caso do calor e do frio no corpo, coisa que nunca apresenta um bom presságio; na maioria das vezes
aquela nasce em parte da força vital sobrepujante, em parte do próprio vigor da doença, e é por isso
que a Vicissitude pressagia tanto um egresso incerto, quanto guarda um perigo, caso dure muito
tempo.
*
30
Ludwig Physiologia
Christian Gottlieb Ludwig
Institutiones Physiologiae praelectionibus academicis accomodatae
(Fundamentos da Fisiologia, adaptados para as palestras na academia)
1752
PREFÁCIO
A MEUS MUITÍSSIMO ESTIMADOS COMPANHEIROS
Há, hoje, uma cultura das ciências e das artes liberais que é, muito visivelmente, quase
própria à nossa época, a qual até então foi trabalhada sobretudo na medicina e na ciência do mundo
natural com tamanho sucesso que a consideração dos experimentos dos autores mais eruditos, suas
observações, e as reflexões advindas dessas parecem condicionar quase que um novo e mais
esplendoroso rosto para a natureza. Igualmente, quem poderia ter suspeitado que teriam surgido
autores esforçando-se ou para fundamentar sistemas, ou para aperfeiçoar aqueles já estabelecidos,
os quais, zelosos, lograram no longo prazo delimitar, a partir dos princípios seguros e indubitáveis
das ciências, verdades averiguadas e rigorosamente coordenadas, daí mostrando um caminho fácil e
pronto para os neófitos na arte da saúde. Muito embora, qualquer um que resolva se debruçar com
dedicação na leitura de autores um pouco mais recentes, vai entender que um sistema de medicina
que seja perfeito e absoluto em todo seu domínio não foi, até então, estabelecido por nenhum deles.
Ora, embora muitos atentem, com cuidado e dignidade, às operações da natureza que se apresentam
aos sentidos, e sejam capazes de explicar muito a partir delas, aqueles mesmos autores sabem muito
bem que não é daí que as leis da natureza tomam forma, tampouco que não é pela consideração
ligeira que estas podem ser aplicadas aos fenômenos: é imperativo desenterrar as causas mais
íntimas, antes de julgamos que temos conhecimento ou perspectiva da natureza total das coisas
humanas. Que utilidade, e que perfeição redundam de seus esforços na ciência natural e médica, por
obséquio, eis um objeto de confusão para os estudantes ancorados em hipóteses precariamente
assumidas e mal preparadas, que joga-os no imenso mar da opinião, de onde esses, debatendo-se
insistentemente e quase se afogando, não escapam a não ser pela sóbria razão do pensamento
filósofico, podendo então retomar o caminho da investigação da verdadeira e régia natureza.
Companheiros, é nisso que eu pensava toda vez que vos sugeria, consideradas as
responsabilidades com que me ocupo, fundamentações racionais e um conjunto firme para todos os
estudos médicos. Com efeito, nada nunca conseguiu dominar-me tanto a mente e o coração do que
ensinar a vós, que desejais um fundamento meu, um método genuíno de cura e, além disso, que eu
vos tornasse mais seguros acerca da ordem condigna de efetuação dos passos, vós que almejais
avançar um pouco mais aqui, dedicando-vos a amplificar e ilustrar a ciência das coisas médicas. No
entanto, não seria possível levar a cabo esse duplo dever que me foi confiado caso eu mesmo não
tivesse concebido, após perscrutar a medicina por inteiro, um esquema das coisas que hei de propor,
a cuja norma tudo, tudo que pertence à investigação e à experimentação da arte da saúde, possa ser
disposto e adequadamente conectados entre si.
Já faz dez anos que eu, no que investigava repetidas vezes o universo da medicina, cogitei
um método adequado para seu modo, um em que fosse possível propor o que disse acima; naquele
tempo, eu já recolhia os novos fenômenos, observados pelos eruditos, conferindo-os com as
conclusões de outros autores, mas eu mal conseguia chegar na delineação própria de um sistema,
que dizer de sua elaboração posterior; pois então me vejo, após ter frequentemente lecionado as
partes singulares da medicina a meus alunos, e após ter tratado longamente de enfermos, reduzido
de tal maneira que agora entendo que minhas forças são completamente insuficientes para construir
um sistema de medicina, e não me envergonho em nada de admitir tudo isso. No entanto, e eis algo
que aconselhava frequentemente, em minhas aulas, para qualquer um que resolvesse se dedicar à
31
Ludwig Physiologia
prática correta da medicina, a ele não é devido alinhar o espírito, se instruído somente com algumas
partezinhas defasadas das disciplinas teóricas, para o estudo e a prática imediatos da práxis, mas é
absoluta e justamente dele antes o dever de comensurar, de forma organizada, todo o âmbito dos
estudos médicos; por essa razão, vossa humanidade deveria conceder algo a minha ciência, e ter
ouvidos dispostos para me escutar de outro jeito, pois foi a vossa diligência quem me levou e me
impeliu a conceber os fundamentos da medicina universal.
Em verdade, tendo retomado essa mesma empresa há alguns anos, eu vos previno: não
procureis uma coleção e uma investigação de todas essas instâncias, de tudo que foi dito ou feito até
então na medicina, quase que em um único volume; ora, é impossível enumerar, quão menos
identificar, em um livro todas as considerações, emitidas desde os tempos mais antigos, sobre as
causas e os efeitos da criação. Antes, apliquei minha disposição no levantamente desses
fundamentos, para que pudesse falar, de forma organizada e clara, sobre todas aquelas condições
que dizem respeito a um homem saudável e a um homem doente, e que agem de todo modo em
vista da preservação e reparação de sua saúde, e aqui eu dirigia, em verdade, meus olhos para o alvo
final e primário da medicina, em nome do dever incumbido a mim, sobretudo quando me ocupo dos
enfermos, para assim vos apresentar, omitida toda investigação supérflua ou mais sutil,
fundamentações firmes para nossa arte, às quais ascrescentei, após iluminadas todas as perturbações
saudáveis de um homem, a condição deste quando enfermo, comparando-a àquelas, para assim vos
conduzir, através dos preceitos da teoria, a um método genuíno de cura. Coloquei tais premissas no
fim da introdução à medicina universal, para que vós pudésseis, após observardes a série de passos
a serem realizados, avançar preparados e seguros na perscrutação de cada uma das partes singulares
da medicina, aprendendo-as com sucesso e êxito. Que tenha sempre à frente essa breve descrição da
medicina universal quem quer que já tomou conhecimento de uma ou outra parte dela, para que
assim possam conhecer com retidão sua ordem e seu conjunto, este que deve ser observado segundo
uma série persistente e deliberativa de estudos. Cabe sobretudo aos principiantes anotar com
atenção essa norma, prescrita justamente para eles, para que não demorem muito para perceber que
não é possível conquistar a dificílima ciência da arte médica caso negligenciem uma ordem,
tornando-se assim médicos prudentes e bem sucedidos, atentos às premissas de cada uma das partes
singulares da medicina que encontrarem.
Foi com tanta dificuldade que avancei na delineação da fisiologia que percebi existir,
mesmo na atualidade, muitos autores que são de longe mais versados do que eu e que já se
ocuparam principalmente em levar essa parte da medicina à perfeição. Todavia, para além do dever
que me foi confiado nesta universidade, eu demandava, para as coisas que dizem sobretudo respeito
aos fundamentos médicos, um conjunto tal de que eu pudesse não somente abstrair de outras
doutrinas aquelas próprias da fisiologia, as quais tornam explicáveis quase todas as partes restantes
da medicina, mas propriamente organizá-las e apresentá-las a vós com exemplos. Ora, quem quer
que não for capaz de contornar, ao explicar as funções de um corpo saudável, o dissenso dos
escritores, é para que eles não confundam seus alunos há uma regra, sempre a melhor a ser
observada: indique-se antes de tudo aquela sentença que nos é comprovadamente a correta, e que
ela seja tão logo corroborada por argumento válidos, antes que passemos a examinar as opiniões
emitidas por outros. Tanto quanto eu deseje que vós nunca vos torneis aduladores cegos, ainda
assim acredito que aqueles que se debruçam no estudo das ciências tiram a melhor vantagem de
todas, mas somente se seguirem, em primeiro lugar, um único preceptor e se em seguida
consultarem, tendo enfim colocado essa disciplina em perspectiva, outros autores, examinando as
conclusões destes e confirmando, a partir daí, o que escutaram anteriormente de seu preceptor, ou
mesmo acrescentando matéria ou nova, ou melhor (desde que conhecida e meditada com
diligência), que possa substituir a anterior.
32
Ludwig Physiologia
Assim, é com esse único objetivo que vos coloco concebidas minhas posições, para que eu
mesmo possa segui-las em minhas lições públicas, e para que vós, por vossa vez, tenhais um
caminho já cultivado em que possais, na medida em que decidirdes dominar a arte da saúde,
progredir com mais facilidade. Como são breves e bem organizadas as doutrinas que possam ser
oportunamente explicadas durante as lições na academia, anexei, por essa razão, um esboço sucinto
delas antes de sua exposição total, da qual desnuda tanto a ordem quanto o conjunto das matérias a
serem propostas. Pretendo obedecer essa mesma ordem ao explicar essas teses e, na esteira da
exposição do conjunto daquilo que é necessário dizer, ilustrar as matérias mais difíceis com
observações adicionais e experimentos realizados por outros; é assim que pretendo sempre
proceder, de forma a vos prover fundamentações das doutrinas fisiológicas que sejam firmes e
estáveis. De fato, não foi sem rumo que pensei tais coisas, ou que julguei ser desnecessário
perscrutar minuciosamente cada argumento individual, em razão de que esses fundamentos, todos
eles, devem conter não considerações que já foram feitas anteriormente, mas tudo aquilo de
importante que de algum modo diz respeito ao conjunto das verdades indispensáveis à observação.
Por fim, embora eu enxergue que não seja ainda possível fornecer a vós a teoria total e
completa da arte da saúde por meio desse método, eu não me arrependo de vos ter já confiado essa
missão, isso se me for dado preparar vossos ânimos de tal modo que vós sejais capazes de ler com
proveito os livros dos autores mais preeminentes, através de uma ordem certa e do exercício do
juízo; delimitar em sua própria classe tudo que abstraímos de importante e digno de nota desses,
assim como da vida em comunidade e da práxis médica; e por vós mesmos enriquecer e ilustrar,
com experimentos condignos e cuidadosamente selecionados, os próprios livros que acabei de
indicar, para que assim vos seja possível tanto colocar à prova quanto afiar, através do exercício,
vossas forças em muitas áreas de que vos falarei presencialmente, assim como no campo mais vasto
da medicina. Tudo aquilo que propus neste presente tratado, assumo que seja ou verdadeiro ou ao
menos provável, mas não deixarei de aprender ensinando e de assim ampliar os limites tanto da
vossa quanto da minha ciência. Quanto às partes restantes da medicina, das quais vós pedis uma
elaboração minha, atenderei, se Deus todo-poderoso me abastecer com forças e com energia, vossa
solicitação no tempo devido, conduzindo-me pela única convicção de que meu labor seja suficiente
tanto a vossa benevolência para comigo quanto a vossos estudos.
Escrito em Leipzig, no dia 1 de Junho de 1752.
INTRODUÇÃO À MEDICINA UNIVERSAL
PROLEGÔMENOS
Nessas lições introdutórias à medicina, vou proceder sobretudo em vista de conseguir:
Cap. I. Estabelecer algumas premissas gerais sobre a origem e o desenvolvimento da arte
médica, assim como explicar suas principais transformações;
Cap. II. Deduzir, a partir dessas premissas, uma definição de medicina que possa ser
acomodada sobretudo ao estado presente da arte da saúde, tendo em mente que a condição
desta foi muito diversa ao longo da história;
Cap. III. Falar com mais objetividade sobre as coisas de que a medicina se ocupa, e
estabelecer um quadro de divisão em uma tabela, quase unicamente com o intuito de que
tanto o conjunto quanto o âmbito de toda medicina fiquem claros;
Cap. IV. Propor as partes da medicina em relação a essa tabela resumida, e assim
desenvolver um método para estudá-las.
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Ludwig Physiologia
CAPÍTULO I
ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA ARTE MÉDICA
§1. Há, em um homem saudável, determinada força interior pelo vigor da qual ele consegue passar
por mutações provenientes de causas externas e, se houver daí prejuízo futuro, resistir a elas.
Embora seja possível conservar o corpo por meio de ações realizadas sem interrupção e em série, é
entretanto por essas mesmas que aquele se torna enfermo, de tal maneira que ele não consegue,
sozinho, lutar contra as causas das doenças. É daí que surgem doenças, e é daí que eventualmente
ocorre, nos homens, a morte.
§2. Quão mais simples é o estilo de vida que observamos exercido na nutrição e mais nas ações
habituais, tão maior se produz robustez no corpo, com a qual este logra resistir mais longamente a
causas externas, e dessa forma não pode ser mais abatido pelos variados incômodos da vida do que
homens enfraquecidos devido a uma nutrição variada e que é frequentemente relaxada, e à vida
ociosa. Isso, que é comprovado pela experiência e que tomamos agora como pressuposto, será
discutido com mais profundidade em seu tempo e segundo a própria natureza da coisa.
§3. Dito isso, fica clara a razão pela qual os primeiros habitantes do mundo, assim como todos que
ainda hoje vivem uma vida simples, não foram mais vítimas de enfermidades do que nós, que
utilizamos um quadro variado de dieta e sobretudo de nutrição, daí tornando nossos corpos mais
fracos.
§4. Enquanto isso, os vários elementos que tocaram os homens em sua totalidade — o agravo
natural, as vicissitudes do ar circundante, as mudanças de nutrição, as ferrenhas guerras, entre
muitos outros — acabaram por fazer com que os mortais nem sempre partissem da vida em sua
suma senilidade, mas antes que vivessem, devido à variabilidade e arbitrariedade do acaso (assim
como a lesões contraídas pouco a pouco nas funções), com não pouca dor e incômodo.
§5. As enfermidades que despontavam segundo esse quadro desapareciam, com frequência,
espontaneamente, seja quando dissipadas pelas próprias forças do corpo; seja quando curadas pelo
instinto natural, indicador da necessidade de aplicar a medicina; seja, ainda, quando submetidas por
meio de remédios experimentais ou encontrados por acaso, às vezes descobertos pelos animais, de
tal maneira que os doentes pudessem recuperar de imediato ou gradualmente ou alívio, ou a sua
própria saúde.
§6. Sói denominar esta medicina de “natural” ou mesmo “experimental”, a qual consistia tão
somente na notícia imperfeita das coisas salutares e nocivas, em nada além de nossa medicina
doméstica, esta que antigamente tanto estava nas mãos dos homens da comunidade que os
enfermos, metendo-se nas ruas, haviam de selecionar um corretivo de algum desses transeuntes. Em
seguida, o conhecimento de tais remédios foi confiado aos sacerdotes que recolheram as histórias
das doenças, assistiram a insônia emergente nos enfermos com o “sono cativo nos santuários
divinos”, conservaram a memória dos tratamentos nas paredes e colunas dos templos, e prescreviam
remédios semelhantes para doenças semelhantes.
§7. Assim foi organizada e discutida uma coleção tanto de descrições de doenças quanto de variados
fenômenos observados em diversos doentes não menos no Egito, por esses mesmos processos já
parcialmente referidos, mas quão mais pelos sacerdotes da Grécia. Entre esses, foram os
ASCLEPÍADES os sacerdotes que cultivaram da melhor maneira a medicina que receberam de
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Ludwig Physiologia
herança, desenvolvendo suas escolas em diversos templos consagrados a ESCULÁPIO; os
primeiros a terem acesso a essas doutrinas foram somente aqueles que eram daquela mesma família,
mas logo em seguidas outros homens, não sem nobreza, foram aceitos na sociedade, os quais
expandiram, por meio de todos os tratamentos de doenças e das coleções de remédios, as fronteiras
da medicina.
§8. Após os sacerdotes terem estabelecido essa via, a tolice destes em almejar a cura total das
doenças, assim como as próprias doenças mais ocorrentes por causa de costumes degenerados
vieram para o centro da discussão, tanto que os filósofos vingaram a medicina para si e,
determinados a investigar a natureza das coisas, adquiriram certo conhecimento sobre os animais e
as plantas. No entanto, tudo aquilo que afirmaram sobre a índole das doenças e sobre as forças dos
medicamentos são mais hipóteses que coisa estruturada pela razão e por experimentos; pouco
preocupados com o tratamento das doenças, era somente através da discussão intelectual que
procuravam desenvolver a arte das coisas médicas.
§9. A medicina, até aquele momento abordada através da experiência e do raciocínio, foi
transformada em arte por HIPÓCRATES DE CÓS. Ora, foi ele que organizou rigorosamente as
histórias das doenças e as propriedades dos elementos até então recolhidas e detectadas, e também,
qual o mestre mais industrioso da prática médica, recolheu atentamente tanto os sinais das doenças
e os resultados destas quanto os efeitos dos remédios empregados, identificando-os com rigor e a
despeito de tudo que era assumido até então. Por isso ele mereceu a fama de primeiro e melhor
médico daquela época, de tal maneira que até hoje seus livros originais, dentre aqueles que temos,
são de grande estima e mérito para os cultivadores da arte da saúde.
§10. Após o falecimento deste autor, a medicina, dividida em três partes e cada vez mais
aperfeiçoada, foi por várias razões partilhada em diversas escolas. Dos sectos que daqui surgiram,
os médicos Dogmáticos ou Racionais, na trilhar dos passos de HIPÓCRATES, procuravam
investigar tanto o estado saudável quanto o doente de um homem, averiguando, além disso, as
causas das doenças que são não só evidentes como ocultas, e também o poder dos medicamentos e o
quadro de nutrição. Além de HIPÓCRATES e de seus discípulos, os principais autores desse secto
chamam-se DIÓCLES DE CARISTO, PRAXÁGORAS, HERÓFILO e ERASÍSTRATO, embora
esses últimos tenham nutrido algumas opiniões insólitas.
§11. Despontavam, na contramão, os Empíricos, instruídos por FILINO DE CÓS e assegurados por
SERAPIÃO, os quais se debruçavam em dissecações anatômicas dos corpos e procuravam,
confiantes grandemente na experiência por si mesma e nas observações daí recolhidas, não mais
que as causas das doenças evidentes, assim como os sinais dessas que eram conhecidos por meio da
sensação, exercendo a medicina assim detidos por esses esteios.
§12. Finalmente, entre os Metódicos foi o autor ASCLEPÍADES PRURIENSE, assim como os
demais que, mais que outros, fundamentaram esse secto — falo de TEMISÃO e TÉSSALO DE
TRALE — aqueles que observaram, durante a investigação das causas das doenças (a despeito da
condição dos fluídos do corpo), somente os fenômenos ordinários, e, atentando para um hábito do
corpo que fosse ou rígido, ou frouxo, ou intermediário, dividiram todas as enfermidades em três
gêneros, tendo asseverado daí que essas podem ser perfeitamente curadas através das capacidades
de perturbação observadas e imutadas nos sólidos, brevemente e sobretudo através da nutrição e da
vocação.
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Ludwig Physiologia
§13. Em Roma, a medicina foi outrora exercida pelos escravos diante da estátua de ESCULÁPIO,
esta derivada também da medicina dos Gregos (a qual nasceu sob a mesma insígnia, no ano 291 a.
C.), e de início cultivada pelos sacerdotes como parte da religião; depois, ministrada pelos médicos
gregos que migraram durante o Império, a medicina, enfim expansiva, tomou progresso, uma
conquista que, para além de ESCRIBÔNIO LARGO e CÉLIO AURELIANO, fica evidente nos
livros de AURÉLIO CORNÉLIO CELSO.
§14. Foi CLÁUDIO GALENO quem tentou reparar a medicina de HIPÓCRATES, que havia sido
quebrada em vários sectos. A fim de confundir os defensores de opiniões contrárias, ele reintegrou o
estudo da anatomia, que fora arruinado pela maioria desses, e também a investigação negligenciada
das ações de um corpo saudável; além de muitos livros em que explicou os dogmas de
HIPÓCRATES, GALENO revelou o modo de agir dos medicamentos e das coisas naturais a partir
de seus elementos primários e de suas faculdades. Vários autores seguiram seus ensinamentos, os
quais merecidamente foram os melhores no desenvolvimento da arte da medicina: utilizando quase
do mesmo método, tais homens se preocuparam com as doenças e seus remédios, como servem de
testemunho os livros de ORIBÁSIO, AÉCIO, ALEXANDRE DE TRALE e PAULO DE ÉGINA
§15. Não devemos por isso pensar que os médicos antigos não tinham ideia alguma sobre os
elementos ou sobre as qualidades, ou mesmo sobre qualquer coisa pertinente ao exame da natureza
do corpo: ora, eram tão obscuros os fenômenos que então vinham à luz (devido a misturas mínimas
e à coperação de muitas partes) que quase não havia palavras adequadas para que eles pudessem
julgá-los, ainda que tais fenômenos fossem observados nas obras da natureza. É por essa razão que
julgamos desviar da verdade tanto os autores que rejeitam os escritos dos antigos em totalidade,
quanto aqueles que buscam todo o princípio da ciência moderna nos monumentos dos antepassados.
§16. Depois dos tempos de paz, quando os amantes das letras foram obrigados a migrar da Itália e
de quase toda Europa na esteira de guerras contínuas, a medicina encontrou lar com os Árabes, sob
os quais permaneceu até o fim do século VIII, ainda que também tenha sido sustentada, com certo
grau de liberdade, pelos próprios povos bárbaros. Ora, os Árabes, adeptos da filosofia de
ARISTÓTELES, lograram seguir, nas doutrinas médicas, HIPÓCRATES (conforme este foi
explicado por GALENO), tentando assim interpretá-lo e avançar suas descobertas. Certo, é verdade
que esse povo, devido a um intelecto insuficiente e incompleto, tenha por vezes abordado GALENO
de maneira incorreta (e que, por isso, pouca foi a utilidade derivada daí para a medicina), mas é aos
Árabes que devemos o monte de medicamentos que conhecemos, entre os quais há alguns remédios
úteis. Muito embora, como já afirmamos, não devemos esperar ter qualquer noção melhor dos
méritos deste povo na medicina caso haja traduções novas de livros escritos pelos Árabes.
§17. Enquanto era preservada pelos Árabes até fins do século IX, foi após a fundação da Escola
Salernitana de CONSTANTINO O AFRICANO, continuada por médicos bárbaros falantes do
latim, que a medicina foi ilustrada e avançada por muitos comentadores. Entre esses, foi
MONDINO quem restituiu a anatomia, dissecando corpos e editando um livro sobre esta ciência.
GUILHERME DE SALICETO, ARNALDO DE VILANOVA, ROGER BACON, GILBERTO
ÂNGLICO e JERÔNIMO DE BRUNSWICK foram os primeiros a introduzir os medicamentos
químicos; GAROPONTO também fez parte deste secto metódico, tendo abandonado os dogmas de
GALENO. Não são menos célebres JOÃO MILANEZ, JOÃO PLATEÁRIO, MATIAS
SILVÁTICO e VELASCO DE TARANTA.
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Ludwig Physiologia
§18. Com o reflorescer das ciências na Europa durante o século XV, a medicina também recebeu
novo vigor: NICOLAU LEONICENO e ERMOLAU BARBARO foram os primeiros que,
abandonando os livros dos Árabes, revelaram quase que novamente a medicina dos Gregos,
traduzindo estes para o latim. Seguiram-nos, no século XVI, CORNÁRIO, JERÔNIMO
MERCURIAL, FOËS, HOULLIER, DURET, entre todos outros que aplicaram, acima de tudo,
esforço condigno no avanço de cada uma das partes singulares da medicina.
§19. E a medicina mais perfeita teria já emergido plenamente daí caso PARACELSO e seus asseclas
não tivessem, de sopetão, rejeitado tanto o método de cura de HIPÓCRATES e GALENO, quanto
os medicamentos mais usados até então, fornecendo ocasião para muitas das lutas mais violentas,
travadas entre os próprios médicos, sob o pretexto de fundar um novo secto chamado de Químico
ou Hermético, o qual certamente não teve utilidade alguma, pois tratava de matéria obscurantista e
medicamentos arcanos.
§20. Em tempos mais recentes, após já efetuada feliz conciliação entre os lados desta controvérsia, a
investigação precisa dos corpos naturais, o uso prudente da filosofia na identificação dos
fenômenos, a circulação sanguínea detectada por HARVEY, e a conjunção das forças dos estudiosos
mais célebres em todas as partes da medicina os processos que aperfeiçoaram a medicina em tal
grau que os novatos ingressam, hoje, no estudo desta arte por uma vida mais fácil, podendo sempre
coligir, com imenso sucesso e durante a prática da medicina, novos fenômenos que serão úteis aos
médicos futuros.
§21. Por fim, não há necessidade de que eu explique com mais detalhes, no presente momento, sob
quais sustentáculos as várias partes da medicina teriam sido construídas, tampouco quais incômodos
teriam restado, ainda que os eruditos procurem auxiliar o avanço das ciências, sobretudo porque o
esboço da arte médica, o qual acompanha um breve explicação desta, vai revelar, a seguir, mais
sobre esse assunto, com menção às obras de vários autores.
CAPÍTULO II
DEFINIÇÃO DA MEDICINA
§22. No que apresentamos uma definição para a medicina, devemos prestar atenção principalmente
em sua condição diversa, a qual descrevemos no capítulo anterior. Assim, a medicina natural
abrange todo corretivo que seja de valia aos doente devido ou ao próprio mecanismo do corpo, ou
ao instinto natural, ou à arbitrariedade do acaso. Contudo, devemos referir também a esta o
conhecimento dos remédios, sob cuja aplicação o corpo doente recupera ou certo alívio, ou a saúde
perfeita, e que se propaga, tanto hoje como antigamente, na medicina doméstica, por meio de troca
entre amigos (§6).
§23. Este conhecimento simples de tudo o que diz respeito à restituição da saúde já havia sido
levado à perfeição pelos antigos, tendo sido transformado em arte por HIPÓCRATES. Aqui a
medicina artificial é considerada em seu primeiro acréscimo, justamente o conhecimento dos
remédios a serem aplicados nos doentes, extraído este a partir da consideração dos sinais e da
observação do decurso das doenças.
§24. Logo, um médico naquela época não era um homem que apresentava quaisquer conselhos
vagos ou que aplicava medicamentos conhecidos de qualquer jeito, mas que prescrevia de acordo
com a natureza conhecida da doença e do doente aqueles que haviam sido experimentados por meio
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Ludwig Physiologia
de sucessivas observações. Assim, a experiência, embora era por si só a fundamentação da
medicina; no entanto, era o exercício do juízo, na observação das causas, quem acomodava a
experiência, comprovada uma ou reiteradas vezes, a variados casos.
§25. Já em nossa época, os limites da arte da saúde foram bastante alargados, visto que os médicos,
ancorados nos princípios da física, lograram investigar tanto a índole de todos os corpos —
sobretudo a de um corpo humano vivo, saudável ou doente, com sua fábrica em sólidos e sua
mistura em fluídos — quanto as ações que dependem desta, assim como a natureza dos corpos
imbuídos de força medicamentosa e as perturbações, buscando aplicar a consideração geral desses
elementos na remoção das doenças.
§26. Julgamos que o dever do médico é duplo: ora, em primeiro lugar, ele tentará derivar, tal qual
um médico físico, todo seu método a partir das causas, remetendo-o a princípios que sejam, se não
absolutamente certos, ao menos geralmente prováveis; em seguida, cabe que ele conduza, tal qual
um médico prático, os efeitos dos corpos naturais na máquina humana com conselhos próprios e tais
que a saúde presente seja preservada e a perdida, recuperada.
§27. No entanto, uma vez que a medicina diz respeito, em ambos os casos, tão somente a um
homem, e que de toda ela deriva um tratamento para ele, podemos dizer que medicina é a ciência de
tudo aquilo que se dá no homem; com efeito, conhecemo-la em razão de todas as mutações
resolvidas seja pelo corpo considerado em si, seja por outros corpos agindo no corpo humano.
§28. Falamos em ciência médica a fim de que, na extensão em que uma coisa diz respeito à outra,
tudo possa, na boa medida do possível, ser demonstrado a partir de princípios certos. Na verdade, o
termo “arte” desdobra-se apenas daquilo que é aplicado no corpo, isto é, do conhecimento escorado
tão somente na experiência e na observação; esta demanda boa memória, ao passo que aquela,
capacidade de julgar. Contudo, devemos admitir o fato de que o médico também exerce a arte
enquanto pratica a medicina, a qual ele se procura tornar, de toda maneira, mais perfeita através da
ciência.
§29. Denominamos o “homem”, em sua totalidade, segundo essa definição, e da mesma forma
observamos as operações da alma. Ora, ainda que não possamos conhecer sua natureza (a qual é
conjunta ao corpo), o médico atenta às doença da alma como tal, corrigindo-as com frequência
pelas próprias operações da mente. E defendemos que esse processo é de fato tão mais necessário
na medida em que o médico, ele que detém a cura do corpo, sabe que as mutações da alma
produzem também efeitos no corpo, vertendo sua disposição ou para a prosperidade, o para a
adversidade.
§30. Uma vez que um tratado sobre a alma é algo absolutamente mais difícil, mergulhado nas
controvérsias de tantos filósofos, sói que o médico fuja, no percurso de seus estudos, de todas essas
minuciosidades, procurando atentar somente à psicologia empírica e, a partir desta, sói que ele
também escolha, durante o aprendizado e a prática da medicina, suas conclusões lógicas, que
investigue diligente e principalmente a máquina do corpo, e que tente na medida do possível
explicar, a partir do que conhece sobre sua fábrica e sobre a mistura dos fluídos, as ações.
§31. Para além disso, muita coisa que acontece pelo corpo humano no dia-a-dia não se dá à
observação imediata do médico, por exemplo as ações públicas, que intentam o conforto mutúo dos
homens e a felicidade, mas nesse caso devemos também confiar que o médico é o único profissional
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Ludwig Physiologia
apto a explicar adequadamente de que maneira tais ações se dão, e por que razão elas, uma vez
tomadas, logram ou preservar a saúde, ou induzir doenças, ou mesmo expulsá-las.
§32. Portanto, se desejarmos agora estabelecer uma definição sucinta de medicina (§27) que tenha
mais envergadura, então deveríamos dizer que medicina é a ciência de tudo aquilo que ocorre pelo
corpo humano, isto é, que logra efetuação por sua fábrica, em conjunto, ao mesmo tempo, com o
conhecimento dos corpos com cujo vigor de aplicação mutações são produzidas no corpo humano,
de modo que é possível conhecer daí um quadro tanto da saúde quanto das doenças, assim como
encontrar remédios adequados para prevenir ou remover doenças.
§33. Propusemos uma noção bastante ampla de medicina, embora compreendamos que ninguém
tenha um conhecimento tão vasto do universo com que possa atingir ou completar a perfeição na
ciência. Ora, há uma quantidade imensa de coisas a aprender, a qual por isso mesmo deve ser
cerceada a limites mais estreitos, para que o médico possa atender somente aquilo que preserva a
saúde presente, ou que restitui a perdida. Assim, atestamos que o conhecimento dos médicos é
gradual, e que qualquer um desses deve se esforçar para chegar em seu ápice.
§34. Aqui, valerá expor alguns princípios gerais sobre o método com que abordamos a medicina: o
estudante percorre todas as partes desta segundo a norma de um sistema proposto por seu preceptor,
com o fim determinado de que ele possa verificar que devemos abordar, num contexto geral, tanto
as disciplinas quanto sua matéria: feito isso, o estudante recolhe as verdades postas à prova pela
experiência, guardando-as na memória, e avança a ciência no que insere cada qual em seu lugar
apropriado, ao mesmo tempo no que identifica todas aquelas que pode escolher dentre essas
verdades, que resultaram de conclusão precisa.
§35. Quão mais verdadeira for a efetuação destes passos, mais segura ela será: o professor que quer
se ocupar da exposição cuidadosa da medicina deve distinguir, com atenção, tudo o que é
propriamente conhecido na observação e devido a repetição de experiências de tudo aquilo que é no
mesmo nível seguro devido a conclusões deduzidas imediatamente daí, coisa que podemos
identificar, na escuridão do que é devido propor, tão somente a partir de determinada hipótese ou
suposição, em qual caso sói declarar probabilidade maior ou menor para a matéria, desde que essa
derive de uma explicação possível dos fenômenos.
§36. No entanto, embora as hipóteses sejam algo necessárias para explicar a medicina teórica, e é
com recurso a elas que, quase que por tentativa e erro, muito foi descoberto e ricamente ilustrado,
sói que o médico aprenda a se ocupar com cautela da prática da medicina, e que ele não siga, em
seu método de cura, nenhum princípio que não seja declarado por fenômenos seguros; ora, é muito
raramente e quase pela arbitrariedade do acaso que tratamentos escorados em hipóteses resultem de
nossa vontade.
§37. Na verdade, sói que o médico professor, antes de assumir a responsabilidade de seu dever,
percorra novamente todo o âmbito da medicina, e que ele também perscrute de novo a índole dos
corpos, indo dos compósitos até os mais simples (e retorne dos mais simples aos compósitos),
situação na qual o médico encontrará glossários bastante significativos nos escritos dos homens
mais insígnes: instruído por eles, ele será finalmente capaz de alcançar a ciência mais perfeita — até
onde isso se dá — da medicina.
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Ludwig Physiologia
CAPÍTULO III
COISAS DE QUE A MEDICINA SE OCUPA
§38. Exige-se de um médico que procure zelar, com palavras de conselho, por um corpo saudável, e
do mesmo modo recupere a um enfermo sua saúde perdida. Portanto, são três as coisas que o
médico deve investigar: 1) o corpo saudável; 2) o corpo enfermo; 3) o conhecimento daquilo que
assiste a saúde. Quem prestar atenção vai facilmente perceber que estas são as únicas três partes que
devemos propriamente admitir na medicina, mais precisamente a Fisiologia, a Patologia, e a
Terapia.
§39. SENNERT, entre outros autores, considera, no Breviário dos Fundamentos da Medicina1, livro
1, capítulo 2, que há cinco partes na ciência médica, adicionando a Semiótica e a Higiene às
anteriores. Mas cabe que relacionemos a primeira, visto que esta consiste na apresentação dos sinais
de um corpo saudável e de um corpo enfermo, em parte à fisiologia, em parte à patologia; a segunda
representa a preservação do corpo saudável, assim como a remoção tanto das causas das doenças
quanto da própria doença, e assim sói que a reduzamos, merecidamente, em parte à fisiologia, e em
parte à terapia.
§40. Se desejarmos, abandonadas todas as disciplinas teóricas, atentar ao objetivo final que o
médico propõe para si, então toda a medicina pode ser distinguida em Higiene (ou Dietética) e em
Terapia; ora, aquela consiste nas regras de preservação da saúde, ao passo que esta, na apresentação
de preceitos mandatórios para o tratamento de doenças; no entanto, nenhuma dessas divisões é
adequada para nosso tratado sumário, uma vez que é a partir das doutrinas físicas que deveremos
pressupor o conhecimento da saúde, da doença e dos remédios.
§41. No ínterim, todas essas doutrinas, independente do modo em que são dispostas, não logram ser
perscrutadas com rigor a não ser que lancemos, junto a elas, outras premissas, as quais ocupem, em
razão de nosso quadro de estudos, o lugar da totalidade das disciplinas médicas. Ora, já que o corpo
humano consiste de partes sólidas e fluídas, o exame de ambas pressupõe a consideração dos
fluídos, a anatomia dos sólidos, e a química da mistura.
§42. De um modo ainda semelhante, e ademais porque a fisiologia nos ensina a preservação de um
corpo saudável, a patologia também depende das causas das doenças, e a terapia também apresenta
um modo por que a saúde possa retornar ao corpo enfermo, sendo assim possível pressupor, em
todas essas disciplinas, o conhecimento dos instrumentos sob cujo efeito de aplicação preserva-se,
lesiona-se, ou recupera-se a saúde; daí cabe estabelecer o conhecimento histórico e físico dos
corpos naturais como premissa, e a partir disso a necessidade de examinar os efeitos deduzidos dos
alimentos, dos venenos e dos medicamentos, tudo antes de nos munirmos para perscrutar o âmbito
da medicina.
§43. Mas dificilmente pode acontecer de que todos esses indicata sejam deliberados antes de
adentrarmos o próprio trabalho com a medicina: aqui, a Dietética avalia e identifica, tal qual uma
parte da fisiologia, o aparato dos alimentos assaz conhecido pelo povo; ao mesmo tempo, podemos
discernir, na medida em que haja em nós disposição para avançar na patologia e na terapia, os
medicamentos e, entre esses, os fármacos mais potentes e os mais nocivos na matéria médica,
cabendo examinar singularmente os preparados de maneira simples e os compósitos.
1
Em latim, Epitome Institutionum Medicinae, obra de Daniel Sennert (1572 - 1637) publicada em 1644.
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Ludwig Physiologia
§44. Mas tudo isso pressupõe o conhecimento de línguas, o estudo de filosofia, e a matemática; ora,
é com recurso a tais matérias que nos é possível compreender os escritos de vários autores,
julgando-os com atenção, qual um neófito no aprendizado da arte médica, e tanto que isto lhe é
inexequível caso ele não procure articular, como convém, as fundamentações da medicina com a
investigação daquelas ciências. Será também de auxílio que ele tenha conhecimento sobre a história
desta arte a que ele decidiu se dedicar.
§45. Colocados todos esses elementos na balança, o médico estará quase pronto para deixar a escola
e exercer-se na prática médica. Nesse sentido, a fim de que seu progresso seja mais feliz, cabe dele
exigir os fundamentos da práxis específica: esta, por sua vez, divide-se em clínica, cirurgia e
medicina forense, a cada uma das quais anexa-se a medicina consultatória ou casuística, e assim
resolve-se o âmbito da medicina universal.
§46. No entanto, tudo isso que indicamos de modo até então breve será considerado com um pouco
mais de diligência no próximo capítulo. Com efeito, decidimos apresentar, a título de maior
precisão, um esboço de todas as doutrinas cuja observação é indispensável na medicina, quase que
com o único intuito de poder iluminar o âmbito total da medicina.
TABELA RESUMIDA DA MEDICINA
I. Premissas gerais.
1. Estudo de idiomas:
a. Antigos: grego, latim, árabe;
b. Modernos: francês, inglês, italiano etc.
2. História literária da médica.
3. Matemática pura, assim como algumas partes derivadas.
4. Filosofia universal, principalmente lógica, metafísica, física geral e específica.
II. Premissas específicas.
1. História natural:
a. Botânica;
b. Zoologia;
c. Mineralogia.
2. Anatomia, sobretudo do corpo humano saudável; após, do corpo humano
enfermo e, comparativamente, dos animais irracionais.
3. Química, tanto a geral, quanto a aplicada especificamente nas partes da
medicina.
4. Conhecimento dos medicamentos, ou matéria médica geral:
a. quanto aos remédios simples, ou matéria médica (assim chamada em
estrito);
b. quanto aos remédios preparados, ou farmácia;
c. quanto aos remédios compósitos (formulação e emprego).
III. Medicina teórica.
1. Fisiologia, área que fundamenta a consideração de um corpo saudável, quanto a:
a. ações universais, observadas no corpo inteiro;
b. ações particulares, dependentes de uma fábrica específica das partes;
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Ludwig Physiologia
c. sinais gerais e específicos de saúde, ou Semiótica do corpo saudável;
d. regras sobre a preservação da saúde, ou assim chamada de dietética.
2. Patologia, área que expõe a consideração de um corpo enfermo, e assim
fundamenta, em relação às doenças:
a. diferenças, tanto essenciais quanto acidentais, na Nosologia;
b. causas, na Etiologia;
c. Sinais, tanto os gerais quanto os particulares, na Semiótica do corpo
doente.
3. Terapia, área que fundamenta o método de cura, em indicatio:
a. Vital, ou conservatória;
b. Profilática, ou preservatória;
c. Terapêutica, ou curatória;
d. Sintomática, ou paliativa.
IV. Medicina prática.
1. Clínica, área que diz respeito aos tratamentos internos.
2. Cirurgia, área em que são tratadas doenças externas, sobretudo com a mão.
3. Medicina forense, área que considera os casos médico-legais.
4. Casuística, ou medicina consultatória, disposta segundo distinção das três áreas
precedentes.
PARTE I
FISIOLOGIA GERAL
CAPÍTULO I
SÓLIDOS DO CORPO HUMANO
§125. A experiência nos ensina que um corpo humano consiste de partes sólidas e fluídas,
mostrando, por um lado, que algumas dessas são extremamente coesas entre si, a tal grau que não
podem ser partilhadas umas das outras a não ser por uma força muito intensa; no entanto, por outro
lado, a experiência demonstra que há também partes que se separam gota a gota de suas vizinhas
devido unicamente a seu peso: aquelas são chamadas de partes sólidas ou continentes, essas, de
fluídas ou partes contidas.
A própria noção do termo declara que os limites entre os sólidos e os fluídos são incertos; ora, não podemos
delimitar uma força que depende unicamente do peso de uma gota ou uma força que dizemos ser mais intensa.
§126. As partes coerentes entre si de maneira que não podem ser divididas a não ser por uma força
mais intensa são chamadas de “fibras”, na quais, se decidirmos seguir uma estrutura mais simples
(ancorada antes na razão que na sensibilidade), será necessário que consideremos uma série entre os
corpúsculos, ou seja, entre as partes menores conectadas entre si por uma força determinada.
Depreende-se delas toda fábrica constituída do corpo humano.
§127. Se nos colocamos a investigar a força pela qual os corpúsculos entram em coesão,
observamos uma certa pressão nas partículas que se tocam — ou, como alguns alegam, se atraem —
umas as outras, algo que nunca poderá ser totalmente explanado devido à índole muito pouco
conhecida das partículas e por se revelarem assim, de algum modo, pelos pontos de contato (v. Fig.
1 e 2; Tab. 1). Ora, a partir disso fica claro que quão mais as fibras forem tensionadas, tanto menos
haverá nelas pressão para o contato, visto que uma pressão no contato mútuo das partículas pode
intensificar-se em qualquer fibra animal tensionada somente até que esta se rompa de imediato.
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Ludwig Physiologia
§128. No entanto, poderemos ver, se estivermos mais atentos aos testemunhos dos sentidos, que um
certo tipo de cola intermedial aglutina as partículas meramente terrestres: uma cola que nasce, por
sua vez, dos fluídos de nosso corpo e que deve ser revelada a partir da natureza destes, conduzindonos nesse sentido à ideia de um sólido menor. Assim, esta cola, por um lado, é mais tenaz durante a
gênese das crostas ou membranas, as quais surgem sobretudo nos fluídos doentes do corpo humano
(ou mesmo nos próprios líquidos estagnados); por outro, também a vemos revelada durante a
destruição dos corpos pelo fogo, como sólidos que, após a expulsão da cola, transformam-se em
poeira.
§129. É com respaldo nessas premissas mais gerais (§127, 128) que observamos uma fibra
muitíssimo simples, na extensão em que há nela um coesão seja por uma pressão, seja por uma cola;
todavia, constatamos que na fibra animal, a ser considerada por nós tal qual um sólido menor, essa
coesão é em parte semelhant a um filamento muito tênue, resistindo, sob uma tensão
sucessivamente cada vez mais forte, até o último momento, mas que, estando neste, acaba por se
romper de imediato. Uma fibra desse tipo não é simples, mas já é compósita, ainda que seja
considerada simples devido a sua elasticidade, e que apareça em qualquer fibra muscular, tendinosa
ou dérmica.
§130. Deveremos considerar, em toda fibra desse tipo, uma série de partículas, que são coerentes
entre si devido a uma força definida, que não seja bem simples, mas multíplice, de modo que
venhamos a considerar tais partículas coerentes não somente nesses dois casos mais extremos, em
que elas estão subordinadas umas às outras, mas também em qualquer situação; fibras em relação às
quais, por sua vez, devemos certamente considerar, durante a explicação dos fenômenos, haver uma
diferença entre a muitíssimo simples e a compósita menor.
§131. No entanto, a composição das partículas (representada na Fig. 3; Tab. 1) não explica, por si
só, os fenômenos. Ora, em toda extensão do espaço permanecem pontos negros de coesão
diminuída (Fig. 4); partes transversalmente opostas umas às outras (Fig. 5) ou emaranhadas entre si
(Fig. 6) diminuem as intercepções no espaço, aproximando-se lateralmente umas das outras (Fig. 7,
8 e 9), de tal maneira que se quebram instantaneamente com as laterais que vêm diretamente de
encontro a elas. Para que essa explicação não pareça fictícia, precisamos considerar a fibra que é
semelhant por um contexto celuloso irregular como se fosse, no corpo, simples — ou
permaneceremos em um cenário aparente de complicação das fibras muitíssimo simples (Fig. 10).
§132. A cola que assumimos haver nos intervalos das fibras muitíssimo simples (§128) é de imensa
valia à firmeza própria dessas, em especial se condensar-se com as fibras sólidas menores e
conformar tanto a própria tela celulosa, já tênue, quanto inúmeros pontos de contato. Assim, todas
as fibras menores do corpo humano — mesmo aquelas não conhecidas pelos sentidos — são
formadas de tela celulosa, algo que podemos ver, no entanto, muito mais nas fibras compósitas
maiores que nos ossos, músculos, membranas e em outras partes do corpo humano, caso
observarmo-las com o olho bastante atento.
§133. A série das fibras menores, compósitas por contexto celuloso e mais ou menos estritamente
conectadas por um contexto semelhant, expõem uma membrana caso forem estendidas em um
plano, a qual, quando enrolada e incutida por uma cavidade intermedial, forma um vaso menor ou
canal. Daqui, se quisermos nos aprofundar na investigação da composição do corpo animal,
poderemos designar qualquer uma de suas partes de uma série de canais conectadas por contexto
celuloso.
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Ludwig Physiologia
§134. Portanto, a diferença dos sólidos que ocorrem no corpo humano depende de uma diversidade,
a qual seja das fibras compósitas menores, seja da tela celulosa que intercorre entre elas, seja de
vasos contextuados de modo variado (no caso dos sólidos mais complexos), algo que se vê revelado
suficientemente na estrutura dos ossos, das membranas, dos músculos e dos orgãos internos. Muito
embora, a um pesquisador atento ficará claro que ainda é preciso tecer observações sobre os fluídos
parados ou em movimento nos intervalos dos fibras, assim como sobre o unto tênue presente nos
ossos, o sangue nos músculos, e vários outros humores em outras partes.
§135. Os capítulos seguintes vão nos levar aos quadros específicos da estrutura dos sólidos. Na
verdade, a consideração geral da textura própria da tela celulosa — pois qualquer fibra menor é
também uma tela celular compósita (§132) — mostra-se bastante útil porque nos leva 1) à
mobilidade corporal dependente da flexibilidade das partes, contanto que as fibras contenham cola e
líquidos mais tênues em seus intervalos; 2) à firmeza, já que todas as fibras menores conectam-se a
outras fibras, por onde quer que sejam levadas; 3) à diversidade de composição das partes, a qual
deriva da diversidade dessa mesma estrutura (§134).
Neste capítulo, teria sido necessário, talvez, fazer algumas considerações sobre a força das partes sólidas e o
movimento dúplice das mesmas, sobretudo porque já observamos os mesmos sustentáculos em relação ao
progresso dos humores no capítulo sobre a circulação sanguínea; mas já que devemos pressupor tanto a
circulação sanguínea quanto a natureza do fluído neural, remetemos o leitor ao Cap. VII deste tratado.
CAPÍTULO II
FLUÍDOS DO CORPO HUMANO
§136. Os fluídos do corpo humano em parte agitam-se no interior das veias, em movimento perene,
em parte movem-se mais lentamente na tela celulosa (ou param aqui por alguma razão), em parte
reúnem-se nas cavidades maiores, sendo expelidos em seu tempo devido. Os alimentos, sobretudo
os suculentos, trazem, nos intestinos, o quilo para ser levado até o sangue. O sangue é o humor
universal, a partir do qual vários fluídos são divididos nos diversos orgãos do corpo. Faremos uma
consideração específica dos fluídos numa ocasião propícia; atentamos agora apenas ao que é geral.
§137. Os fluídos do corpo humano possuem várias propriedades comuns com outros fluídos:
potencializam-se através de uma coesão certamente mais fraca do que aquela que um peso
aproximado de uma bolinha pode superar, dividindo-se, por isso, em gotas, coisa que é muitíssimo
semelhante (ou elas são esféricas, ou aproximam-se de um formato esférico). Na verdade, todos os
fluídos convergem entre si de tal maneira que se adaptam ao formato de qualquer vaso onde estejam
contidos.
§138. Embora a água, afamada como o fluído universal e elementar, constitua a maior parte dos
fluídos do corpo humano, há outros não podem ser comparados, a partir da totalidade dos fluídos,
nem com a água e nem com um líquido qualquer, uma vez que possuem também outras partículas
misturadas a si, e assim se caracterizam por uma índole peculiar e própria; além disso, no que diz
respeito à densidade e à tenacidade dos fluídos, então vários destes em um único corpo — o mesmo
que fluídos de diversos corpos comparados entre si — entram em discrepância, mas muitos autores
observaram afirmativamente que é preciso prescrever tanto uma densidade quanto uma tenacidade
para quase todos os líquidos de nosso corpo que sejam ao menos mais fortes que a água.
§139. Fica claro, a partir da densidade e tenacidade dos humores a que nos referimos, quão
escorregadias são as partes fluídas em sua conexão com as sólidas, e isso também porque elas são
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Ludwig Physiologia
distribuídas nos corpos entre as partes chamadas mais propriamente de sólidas de tal maneira que
julgamos haver uma quantidade de fluídos absolutamente superior aos sólidos não só nos corpos
mais jovens, mas também até nos velhos e ressecados.
§140. Os fluídos do corpo humano, quantos deles investigamos, e os sólidos, na extensão em que
são enchidos pelos fluídos, expõem, quando tratados por fogo através da arte química, em
retrospectiva, a água, o óleo, o sal e a terra, elementos todos os quais têm proporção discrepante
tanto em diversos fluídos do corpo como nos fluídos de diversos homens, e que assim apresentam
misturas diversas, das quais é possível identificar tão somente os fluídos.
§141. A água, produzida a partir de todas as partes do corpo (sobretudo das fluídas), está presente na
maior quantidade deste, mas nunca se aponta como pura, pois contém outras partículas, as quais
consideraremos a seguir, misturadas a si de tal maneira que, ainda que estas possam ser distinguidas
no início da destilação (mas mal em odor ou sabor), tais misturas aparecem como se fosse coisas
contínuas; todavia, as partículas salinas e as oleosas insurgentes com líquido aquoso apresentam
essência oleosa, algo alcalina, antes do que água pura.
§142. Em toda água expelida de uma saliência disforme no corpo decorre um óleo tênue, amarelado
na parte inferior, em que se aplicam, na parte superior, pontadas voláteis e alcalinas de sal. A massa
deixada de lado, seca, apresenta, sob fogo muitíssimo violento e em um vaso bloqueado, nada além
de fumaças tênues, as quais dificilmente podemos segurar ou estimular, dando vazão a um óleo
negro e escurecido, o qual se desfaz em chamas no fogo alto e é assim expelido.
§143. Por fim, as cinzas que restam não possuem qualquer sal inerente (a não ser que alguém queira
dar o nome de “sal comum” a esses poucos vestígios), expondo antes terra puríssima, a qual é
considerada a coroa dos químicos mortos, consiste na verdadeira base dos sólidos e, quando
misturada intimamente com fluídos, auxilia na aposição das partículas e na formação dos sólidos,
um processo que tanto a cola quanto outras partículas misturadas a esta também realizam.
Os vestígios que encontramos no sangue (alguns deles de partículas marciais) são tão exíguos que julgamos não
haver qualquer valor em fazer menção deles nesta obra.
§144. H. BOERHAAVE efetuou investigação mais precisa dos fluídos animais em sua obra
Elementos da Química, Parte II, do início do parágrafo §89 até o 127, a qual cabe por isso consultar
nesse assunto. Todavia, podemos, mesmo sem tais experiências, reconhecer que a água caracterizase pela fluidez, o óleo, pela inflamabilidade e odor, o sal, pelo sabor, e a terra, enfim, pela
consistência e peso.
§145. Os autores mais recentes alardearam que nossos humores são saponáceos e, no que explicam
as operações dos medicamentos que aplicamos no corpo, observaram estes em relação àquilo. Isso
parece ser absolutamente consentâneo com aquela verdade, já que num sentido mais amplo as
partículas oleosas passam a ter, quando tornadas miscíveis à água mediante o sal, a aparência de
sabão; todavia, sabemos, de acordo com a tenacidade discutida acima (§138), que nossos humores
têm uma aparência mais propriamente viscosa e glutinosa.
§146. Que seja suficiente o que falamos em geral sobre a índole dos fluídos e dos sólidos. Aqui não
podemos descrever, de maneira maneira mais geral, o movimento dos fluídos nos sólidos, pois isso
pressupõe, a partir daí, uma figuração do movimento corporal através dos vasos sanguíneos. Daqui,
tomamos agora o objetivo de discutir a circulação própria desse humor universal através dos vasos
maiores e menores, e também a nutrição nos menores.
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Ludwig Physiologia
PARTE III
SEMIÓTICA FISIOLÓGICA, OU SOBRE OS SINAIS DE SAÚDE
§590. O médico que observou com rigor as ações de um corpo saudável — até então investigadas
em relação à fisiologia geral e específica — poderá emitir um juízo sobre a saúde dos homens mais
diversos. Ora, ao prestarmos atenção nas ações de um corpo vivo e saudável encontramos
fenômenos que indicam não somente efeitos, mas também causas da saúde, e assim revelam, da
melhor maneira possível, o estado pretérito, presente ou futuro desta.
§591. Assim, se observamos um homem a partir do que ele fez anteriormente em sua vida, com qual
vigor ele agiu em diversas fases de sua vida, estamos coletando sinais anamnésicos de saúde; por
outro lado, se ponderamos somente o estado presente do corpo, e examinamos todas as ações em
relação às leis da mecânica, eis que se manifestam os sinais diagnósticos; finalmente, se coletamos
os sinais a partir desses dois processos, até que o vigor da saúde logre perdurar nesse ou naquele
homem, aí formamos os sinais prognósticos de saúde, isto é, prenúncios da vida.
§592. Logo, frente a tamanha variedade de ações da vida que nos cabe observar no corpo humano,
fica imediatamente claro que um sinal de saúde não desponta único e desacompanhado, pois é
preciso compará-lo com um sinal patognomônico na semiótica patológica; mais que isso, se
desejarmos descobri-lo, é cabível que consideremos, segundo isso, uma harmonia perfeita de todas
as ações que podem ser sempre produzidas em um corpo saudável. No entanto, tais indicata,
propriamente — um conluio de todas as ações — não podem ser conhecidos a partir de um
fenômeno único e geral.
§593. Não convém fazer um recenseamento de tais sinais na mesma ordem proposta, isto é, esta não
deve vir em razão daquela que havíamos proposto nos capítulos precedentes (uma certa repetição
entediante de todos eles); acreditamos que será mais congruente, para nosso propósito, se
pesquisarmos os sinais de saúde segundo um quadro próprio, e assim ajudemos os estudos de um
médico que exerce a fisiologia em vários homens, para que possamos
I. Conhecer a saúde, ou seja, sua constituição em diversas idades, a partir das mutações do
corpo (e os sinais próprios a cada uma delas);
II. Ponderar daí as diversas ações dos homens, e assim deduzir delas sinais gerais de saúde;
III. Investigar em tamanha variedade de homens a diferença dos temperamentos a partir da
constituição das partes sólidas e fluídas e de sua proporção, e assim explicar essa diferença
por meio de seus próprios sinais;
IV. Exibir uma norma, enfim, com a qual possamos abstrair a saúde de cada um dos orgãos
internos singulares.
CAPÍTULO I
SINAIS DE SAÚDE EM GERAL, DETERMINADOS A PARTIR DAS MUDANÇAS
SUCESSIVAS DO CORPO HUMANO
§594. Duas circunstâncias deverão ser consideradas com diligência em nosso tratado. Em primeiro
lugar, vamos realizar um recenseamento das mutações, contingentes desde a concepção e o
nascimento até a velhice extrema nos homens, e relacionadas à saúde; em seguida, iremos ou inferir
ou submeter os quadros gerais da dieta às mutações assim explicadas, em razão de uma ordem em
que essas possam ser tomadas, de maneira correta, segundo as causas e os sinais de saúde.
46
Ludwig Physiologia
§595. Com efeito, aquilo que os pais transmitem ao feto em formação é bastante obscuro, e já
havíamos advertido, na história da geração de que tratamos acima, que pouca luz pode ser lançada
nessa doutrina; a resiliência em seu interior ensina a um médico versado que dotes anímicos, assim
como doenças passam dos pais aos filhos, tanto que poucas observações porventura feitas em
tamanha multidão de homens podem até delimitar exceções, mas nunca invertem a regra, segundo a
qual podemos estabelecer que a descendência de pais saudáveis será, na maioria das vezes, dotada
de saúde.
§596. Essa situação, que pode, de algum modo, parecer dúvida ao olhar do homem, comprova-se
ser correta, a partir principalmente do exemplo da mulher. Ora, uma vez que a mãe gera um feto em
seu útero durante nove meses, nutrindo-o com seus sucos, o corpo do embrião está condicionado a
várias mutações que se devem sobretudo à constituição da mãe, as quais seguem desta; mas está
distante de mutações próprias. Certamente, encontramos mães debilitadas que ainda assim nutrem e
acalentam bebês bastante fortes; no entanto, a melhor energia da mãe se presta ao incremento do
feto naquele caso, de modo que seus filhos, com frequência de saúde debilitada no útero, possam se
alimentar, após o parto, através da amamentação.
§597. Logo, um bebê nascido de pais que sejam saudáveis, estejam na idade mais propícia, e que
não estejam enfraquecidos pelo sexo prematuro ou em excesso, vai receber, em sua própria
concepção, as forças até então integrais desses; ora, além dessas dificilmente parece haver
necessidade de tratar outras forças, mais sutis, definidas durante o tempo e o modo de gestação. Ou
seja, a mãe de corpo e alma saudáveis, que goza destas na medida certa das forças, e que produz
com perfeição, além disso, os sucos nas oficinas integrais da digestão, da quilificação, da
sanguificação e da linfa, ela oferece, por isso, o melhor e mais contante nutrimento a seu bebê,
sobretudo se estiver alimentando, até o término justo da gestação, um único feto em seu útero.
§598. Se uma nutriz saudável alimentar um bebê, sem dar de beber sucos ruins ao corpo pequenino,
ou dar de comer ao mesmo alimentos inadequados e nocivos, então o incremento do bebê vai se dar
regular e otimamente. O sono na infância se faz abundante, para que assim os elementos crus
possam ser digeridos no ventrículo, o quilo possa ser quebrado, e, por último, seja elaborado um
suco mais nutritivo a partir disso e o corpo adquira seus incrementos.
§599. O bebê, já livre da nutriz e já nutrido por aquele alimento importante, consegue gradualmente
digerir, em seu segundo e terceiro anos, alimentos mais sólidos, adquirindo robustez devido ao
movimento mais consistente dos sólidos; seus ossos também se tornam mais largos, e, na medida
em que as epífises mais duras emergem, daí se estabelece um nexo mais firme das articulações. Em
oposição, os sucos ruins, impassíveis de digestão, formam nódulos nas epífises, tornando débil a
idade futura. Observamos, do terceiro ao quarto ano, a passagem da infância à puerilidade.
§600. Ora, é o movimento corporal que corrige a frouxidão própria da infância, o qual aumenta
exponencialmente durante a puerilidade, de onde ocorre abundância de sucos importantes, com
apetite vigoroso; extensão das fibras; ótima fixação das partículas nutrientes, todas as excreções que
também são, em si, regulares. O espírito atende essas funções, livre de angústia e de paixões mais
violentas; o domínio é quase somente da imaginação, a qual conduz lentamente a atenção das
crianças através da memória. Este período dura até os doze anos.
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Ludwig Physiologia
§601. Durante a juventude, a qual continua até os vinte e um anos, o corpo nutre-se, decerto em
todas as partes, de maneira boa e regular, sobretudo se as forças não forem evacuadas devido ao
esforço excessivo, à angústia ou ao sexo prematuro. Logo, visto que o exercício corporal moderado
faz, com uma quantidade suficiente de nutrimento, o corpo crescer da melhor maneira, os jovens
temem tomar cuidado para não se darem a uma vida demasiadamente sedentária, devendo antes se
deter com moderação aos estudos literários. O jovem, agora já um adolescente, adquire maior
robustez na medida em que as epífises, em crescimento com seus próprios ossos, estabelecem
limites à extensão das partes mais extremas de seu corpo.
§602. Aqui, é prejudicial um incremento na quantidade de tempo, caso este se torne excessivo, ou
caso o corpo seja reabastecido com alimentos além dos necessários. No primeiro caso, há distensão
excessiva dos sólidos, em tal grau que as partes nutrientes fixam-se nas fibras extendidas em
quantidade insuficiente ou com certa frouxidão, levando a uma preparação sem rigor dos humores
(mas em repleção abundante), transformando-se estes em misturas doentes. Ambas as situações,
portanto, dispõem o corpo a doenças tanto agudas quanto longas.
§603. Durante a adolescência, cujos finais se extendem até aos trinta anos aproximadamente, o
corpo correto e constante adquire robustez mais firme nos sólidos, uma coesão igual das partes, isto
é, conserva-se também uma boa mistura dos fluídos; emergem forças vitais e integridade corporal
mais aptas a executar labor, os quais devemos efetuar com ânimo algo mais exaltado nesse exato
período, de modo que, ao levar tais empreitadas a cabo, encontremos pares mais propícios durante a
virilidade. Uma dieta ordenada rigorosamente durante esses anos rende corpos extremamente
longevos, e mesmo os erros que por vezes são cometidos nessa são corrigidos com muita facilidade,
mas podem oferecer também ocasião favorável para doenças mais graves devido à negligência
contínua da dieta.
§604. A virilidade, corrente até os cinquenta anos aproximadamente, completa a melhor parte de
nossa vida, sobretudo se preversamos nosso corpo em equilíbrio, sem que haja presença de
abundância de sucos ou obesidade (devido à repleção excessiva ou lenta), ou rigidez prematura
devido às fibras exercitadas em excesso; antes, que a velhice vindo a passos lentos seja assumida
segundo uma observação cautelosa e atenta das leis da dieta. Equivale dizer que o exercício da alma
e do corpo deve ser relaxado frente à idade que se aproxima, e que os erros cometidos na dieta se
tornam, com frequências, nas sementes de doenças crônicas, as quais aumentam, na maioria das
pessoas, durante a velhice.
§605. Observamos uma senilidade vigorosa nos homens que mantiveram, dos cinquenta aos setenta
anos, um corpo até então vigoroso, mas aqui os esforços da alma e do corpo devem ser realizados
mais remotamente, para que a força restante dessa idade não seja consumida de uma só vez. Agora,
uma deficiência das forças enfim incipiente demanda instrumentos médicos, com os quais, se
lograrmos remover aquilo que produz lentamente as causas das doenças nos sólidos e nos fluídos,
os homens que atingiram essa fase da vida saudável poderão suportar, com paciência e sem
incômodo, a velhice extrema e a fraqueza induzida tanto pela rigidez dos sólidos quanto pela
imiscibilidade dos fluídos.
§606. Por fim, na velhice extrema, em que muito raramente os mortais chegam até os cem anos,
perece o vigor de todas ações; os orgãos, outrora bastante exercitados, através de cuja mediação
realizam-se a sensação e o movimento, tornam-se embotados; os movimentos naturais ficam
cansativos; uma deficiência de nutrição surgido daí rende contrações no corpo, efetuando, através
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Ludwig Physiologia
dos sólidos, a imiscilidade dos fluídos. Ainda, as ações vitais se dão de maneira completamente
enfraquecida, sendo ao fim e ao cabo coibidas pela morte; assim, uma doença que parece a princípio
ser muitíssimo leve podem ser a causa da morte, mais, os velhos enfraquecidos podem ser
imediatamente varridos da vida devido a um ímpeto breve e mais violento de uma doença.
§607. Várias doenças, próprias da infância, apresentam maior perigo na puerilidade, mas tanto a
juventude quanto a adolescência logram corrigir as disposições doentes dos humores oriundas
daquelas idades, de nascença, ou adquiridas por outras causas, contanto que não ocorram, ao mesmo
tempo, uma lesão nas partes orgânicas ou uma formação pervertida dessas. Os homens ainda jovens
ou adolescentes que até então irritaram seus corpos devido a erros frequentes e sérios cometidos na
dieta, se submetidos a um regime mais preciso, observado até a idade adulta, tornam seus corpos
novamente aptos a relativa longevidade, mas na maioria das vezes eles permanecem cansados, não
conseguindo recuperar o vigor conveniente à sua idade.
§608. Uma velhice veloz vem no encalço daqueles que esgotam exageradamente o corpo e assim,
dedicando-se de maneira torpe sobretudo ao sexo e à bebida, desperdiçam o vigor da idade. Com
efeito, o esforço excessivo é prejudicial, pois torna o corpo por demais magro e rígido, mas muito
mais prejudicial é a moleza, a qual corrompe os fluídos e realiza uma nutrição menos constante. Os
homens dessa estirpe já envelhecem cedo, aos trinta anos aproximadamente; exemplo são as
mulheres que carregam, ainda jovenzinhas, um feto no útero reiteradas vezes, nutrindo-o, após a
gestação, durante muito tempo na amamentação, assim como os jovens extremamente debilitados
pelo abuso imoderado do sexo.
§609. Agora, é com dificuldade que podemos avançar mais, e definir, com mais precisão e a partir
dessas instâncias mais gerais, a índole de doenças a que somos levados devido aos variados erros da
dieta; sói que referenciemo-las à patologia e expliquemo-las com mais profundidade noutra parte,
ao passo que aqui enquanto causa, ou, ao menos, enquanto indicata ou sinais. Acreditamos que não
cabe averiguar, aqui, aquele quadro segundo o qual se observa uma proveniência maior de doenças
entre certos povos (fazendo com que uns se preparem para a morte certa, mas que outros, em
oposição, consigam viver mais tempo), em razão de que os variados gêneros de vida, a diversidade
do clima, e outras circunstâncias logram alterar essas mutações.
§610. De fato, os corpos dos alemães, nascidos e criados sob o clima mais rígido, conseguiram
atingir, através do exercício corporal rigoroso e de uma dieta duradoura, a robustez mais insígne;
não faltam exemplos desses que, tendo escolhido a vida no campo, retiveram, pela alimentação
simples e pelo movimento corporal efetuados no ar livre, um hábito bastante firme do corpo; por
outro lado, nas cidades, sobretudo nas mais ricas, a moleza bem-vinda lesa os corpos de tal maneira
que estes, ainda que utilizem também de uma alimentação simples, mesmo a melhor que seja (pois
limitada por hábitos depravados e pela fraqueza das vias primárias), se dá com prejuízo da saúde;
assim, novas doenças são introduzidas, e humores corruptos circulam em sólidos enfraquecidos.
CAPÍTULO II
SINAIS DE SAÚDE GERAIS, DETERMINADOS A PARTIR DAS AÇÕES DO CORPO
HUMANO
§611. Averiguados, no capítulo anterior, os sinais de saúde que podemos perceber a partir das
mutações do corpo (estas induzidas em diferentes idades), devemos agora acrescentar os sinais que
provêm da ideia geral que cabe estipular sobre as ações de nosso corpo. Daqui ficarão claros os
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Ludwig Physiologia
efeitos primários da saúde, assim como o modo por que as variadas lesões do corpo conciliam este
num local de invasão para doenças ao mesmo tempo congêneras. Ora, embora não seja possível
passar, nesse mesmo tratado geral, a todos os capítulos da patologia a partir unicamente de seu
fundamento, é nesse sentido que o caminho mais favorável da fisiologia para a patologia vai se
desdobrar.
§612. Entendemos que nosso corpo é saudável a partir das ações realizadas por ele; nesse exame,
podemos notar não apenas o livre exercício das ações, ou as ações que acontecem sem incômodo,
mas também coligí-las a partir da duração e da estabilidade do corpo durante a execução de labor,
pois isso diz respeito à longevidade. Ora, qualquer ação que, ao ser realizada, vem seguida de
grande e rápida fraqueza revela um estado imperfeito da vida, isto é, uma doença ou presente, ou
pregressa, ou iminente.
§613. Na verdade, embora devamos, ao perscrutar a integridade das ações, estabelecer um quadro
de saúde perfeita que nos possibilite observá-las todas simultaneamente e em relação a seu conjunto
total e harmonioso, se indiciamo-las à saúde quase que por acaso e sem muito labor investigativo,
topamos sobretudo com algumas funções. Ora, é assim que julgamos, na imensa maioria das vezes,
ser saudável um homem que dorme bem, tem bom apetite, boa digestão, boa alimentação e não tem
dor; mais que isso, quão menos completamente alguém exerce estas ações, tanto mais concluímos
que ele está distante do estado de saúde perfeita.
§614. Certamente, os médicos que se ocupam do tratamento dos civis logram observar este segundo
todas as ações, podendo, a partir de seu consenso, identificar a saúde; ora, é enquanto eles
identificam as ações vitais, naturais e animais que conhecem a utilidade das primeiras, observando
com zelo o quanto essas ações vitais são úteis para realizar as outras, tirando daí, ao mesmo tempo,
um juízo sobre a saúde que é de longe melhor e mais certo, de modo que possam distinguir, também
com zelo, as funções lesadas pelas doenças das ações integrais restante em um corpo doente.
§615. Dentre as ações vitais, cabe estabelecer, em primeiríssimo lugar, a circulação dos humores e a
respiração. Indício de uma circulação livre é a pulsação forte e regular, constante em intervalos
regulares e durante as mutações próprias e variadas do corpo, ou, caso essa venha a sofrer também
mutações (devido ao movimento corporal, às emoções ou a outras causas), facilmente restituível aos
intervalos anteriores. Além disso, devemos atentar à própria leveza do corpo; ora, verificamos com
muita frequência que os corpos ficam pesados e menos ágeis por uma secção das veias malfeita,
sendo possível dissipar pronta e novamente esse cansaço através da subtração do sangue, e da
restituição da circulação mais livre daí advinda.
§616. A respiração obtém segundo lugar frente a circulação sanguínea. Ela é boa caso se dê de
forma plena e regular, sem interrupções, sem sensações dolorosas, longe de uma operação
tumultuosa de muitos orgãos (que esta seja realizada somente pelo pulmão e pelo diafragma); se
acometida por várias causas violentas, que seja facilmente restituída ao equilíbrio anterior, e que
não deixe ansiedades imperantes no peito. Além disso, visto que o diafragma representa o orgão
primário da respiração, cabe observá-lo regularmente, na respiração, segundo os orgãos internos do
peito e do abdômen, e assim a respiração que de algum modo é lesada após uma refeição, pode
emergir novamente livre após a digestão dos alimentos.
§617. As ações naturais dizem respeito à necessidade de se alimentar, ou seja, ao apetite fácil, à
digestão, à quilificação, à sanguificação, assim como à secreção, à excreção e, finalmente, à
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Ludwig Physiologia
nutrição. Assim, são estas ações que o médico percorre ao investigar o vigor da saúde,
identificando-as a partir dos princípios da fisiologia. Sói que o apetite seja moderado, recorrente nos
períodos certos, não contínuo ou acompanhado de sensação ruim, nem enfraquecido com a sensação
de saciedade repentina, ou acompanhado de náusea ou asco.
§618. Após ingerir um alimento, costuma suceder em nós, na maior parte das vezes, uma repleção
leve e letargia; observa-se também, com muita frequência, sensação de frio (julga-se ser um índicio
melhor do que o calor vago). Todavia, todas essas ações cessam com um breve descanso,
principalmente as que, se contingentes, apresentam indício manifesto de que a digestão, a
quilificação e a sanguificação serão realizadas com perfeição e de acordo com as leis naturais. O
médico deve determinar, aqui, cada uma das ações concorrentes, na medida em que repete as causas
cooperantes a partir da fisiologia.
§619. A pressão ao redor da fossa epigástrica [scrobiculus cordis] após uma refeição que é exígua
ou inexistente, e a ausência de arrotos (indicantia dos sabores dos alimentos, ou da corrupção
desses), revelam que a força do ventrículo é vigorosa; além disso, o ar que não lesa o esôfago
[canalis alimentorum], mas que é superado pela robustez regular deste, demonstra a eficiência do
sistema digestivo [intestini] durante a digestão continuada. Por fim, fezes escurecidas, beirando a
coloração amarela, evidenciam a presença de boa bile.
§620. Facilidade de emitir secreções é um sinal instruído principalmente pelo fluxo salivar; pela
transpiração; pela urina e pela evacuação alvinas, que ocorrem normalmente. Sói que a boca sempre
esteja úmida, e que a saliva aflua em mais abundância com o aumento do apetite; reconhecemos a
transpiração natural a partir a partir da leveza do corpo, pouca ou inexistente, presente na pele
úmida; contudo, não há qualquer diminuição na sudoração, tampouco há eliminação de suor
impregnado com qualquer odor específico. A urina sanguínea, beirando a coloração alaranjada, deve
fluir sem incômodo, na medida em que a quantidade de sua solução responde aos fluídos tratados
anteriormente. Fezes alvinas e consistentes, nem muito duras, nem muito fluídas, quase beirando a
coloração da bile, não pituitosas, são externadas sem dores, sobretudo por estimulação recorrente,
em períodos certos e habituais.
§621. Verificamos as ações animais na sensação e no movimento. Ao examinarmos tais ações,
devemos notar sua potência em relação às ações universais, mas é somente em relação à espécie dos
membros, dedicados à realização das ações animais, que identificamos a fábrica e a aptidão para
levá-las a cabo. Uma conformidade inata da cabeça, um occipício sobretudo amplo, demonstram um
cérebro tal qual príncipe dessas ações, ferramenta que foi bem construída. Os orgãos dos sentidos e
os membros adequados a diferentes movimentos requerem exame anatômico específico.
§622. Além disso, não são poucos os sinais encontrados no hábito externo do corpo, os quais
indicam circulação favorável dos humores e boa mescla dos fluídos, e que assim podem ser
considerados na declaração da saúde. O rosto que é, por exemplo, vívido, com coloração não muito
avermelhada, nem manchado de uma cor estranha; os olhos vivos, conspícuos na claridade dos
humores e em membranas translúcidas; o corpo bem alimentado, nem magro nem obeso; os dentes
puros, não infectados de sujeira; o hálito da boca incólume a qualquer odor estranho: todos esses
são ótimos presságios de integridade.
§623. Aqui pode surgir a questão, claro, de se devemos considerar o apetite sexual na virilidade
como um sinal de saúde, pois todo prazer do homem consiste, sim, no desejo pela comida e bebida,
51
Ludwig Physiologia
mas não menos em outras coisas com as quais estamos habituados, frivolidades, como o vinho, o
tabaco, e outras coisas do gênero: enquanto esse desejo for vigoroso, ele declarará suficientemente a
presença de saúde; o mesmo para a secreção suficiente dos humores adequados à geração, coisa que
evidencia a potência corporal. Cabe tomar cuidado, todavia, para que não haja, no lugar da
tendência natural ao sexo, excitação ou estímulos a este por meio de arte ilícita ou do recurso à
imaginação.
CAPÍTULO III
SINAIS DE SAÚDE ESPECÍFICOS, OU TEMPERAMENTOS
§624. Os sinais gerais de saúde, os quais propusemos nos dois capítulos anteriores, são comparados
de modo que tenham estabelecidas suas variadas limitações e possam, dessa maneira, ser
suficientemente arrolados como verdadeiros. Assim, o presente tratado sobre os sinais será
insuficiente caso não pudermos marcar, frente a tamanha diferença entre os homens, uma saúde
própria e individual a cada um deles, declarando esta a a partir da disposição total de um corpo
qualquer.
§625. Na verdade, poderemos agora realizar uma pesquisa, assim como fizemos na diferença de
saúde — na medida em que foi considerada até então, em relação às idades e às ações —, de modo
semelhant no clima, no sexo, na formação e na alimentação, na medida em que esses elementos
logram constatar uma saúde diversa em cada um dos homens. Todavia, visto que tudo isso acaba
por ser pesquisado somente em geral e sem aplicação a diferentes homens (mesmo que sejam
abordados suficiente e atentamente nesse momento), acreditamos que nós teremos um caminho
absolutamente melhor à frente caso nos pusermos a observar a índole diversa dos sólidos e dos
fluídos e a proporção desses no presente.
§626. Certamente, em um corpo qualquer o número determinado dos humores movimenta-se por
meio dos sólidos (na proporção daqueles), sobretudo em razão dos que produzem, através de uma
virtude inserida ou adquirida dos nervos, um ímpeto levado a cabo pelos fluídos, impulsionados em
vasos sólidos. Assim, onde quer que observemos essa devida proporção entre ação e reação, corpos
perfeitos, muitíssimo diversos noutra ocasião, poderão fruir de saúde singular; por outro lado, onde
pudermos depreender essa proporção (assim chamada), ou um equilíbrio entre a robustez dos
sólidos e a eficiência dos fluídos que foi removido, lá a doença já terá, por essa razão, surgido.
§627. Demonstramos que as partes fluídas superam os sólidos em todo estado do corpo, mesmo em
um homem velho e esquálido (já opinamos que isso aproxima-se em muito da verdade, §241), e que
alguns humores movimentam-se mais livremente nos vasos, enquanto outros, ao mesmo tempo, são
encontrados quase que agarrados às células e cavidades, sendo assim menos aptos à movimentação.
Logo, é por essa razão, ou seja, é por não conseguirmos definir o quantidade dos humores que
acreditamos não haver meios de expressar uma proporção desses em números certos; antes, é
somente em geral que reputamos a alcunha de “temperamento” a toda relação de fluídos frente aos
sólidos, e, alternadamente, dos sólidos frente aos fluídos, coisa que é própria a cada homem.
§628. Julgamos que devemos notar, com diligência, não somente a quantidade dos humores, mas
também sua mistura nos fluídos e sua variada coesão nos sólidos, como se fossem propriedades (já
consideradas universalmente na Parte I, Capítulo II), e assim ponderar, simultaneamente, o que
chamamos de idiossincracia, ou seja, a mistura própria e constituição singular de cada homem (a
partir das quais ele distingue a si mesmo de todo o resto da humanidade), isso se quisermos
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Ludwig Physiologia
descobrir, noutro local, a natureza original do temperamento. Ora, é por meio dos sólidos que os
fluídos se movimentam, sofrem mutações, se misturam, e adquirem uma crase assim condigna; os
sólidos, por sua vez, distentidos pelos fluídos, resistem, movimentando estes, e daí exercem um
movimento determinado. É a partir dessas duas instâncias, examinadas ao mesmo tempo, que
desabrocha, em qualquer homem, tanto a vida justa e idônea quanto a saúde.
§629. Os antigos já há muito haviam se mostrado bastante preocupados em observar essa diferença
de temperamentos, na medida em que buscaram conhecer, a partir tanto da índole dos humores
predominantes no corpo quanto de algumas propriedades gerais (conhecidas apenas vagamente nos
sólidos), aquela proporção variada da quantidade e mistura dos humores; ora, eles asseveraram que
essa quantidade é misturada a outros humores, através de um temperamento fleumático, sanguíneo,
colérico ou melancólico, transbordante em pituíta, sangue, bile amarela ou negra. Daqui, tais
autores assumiram ser necessário haver uma qualidade que fosse, respectivamente, úmida e fria no
temperamento fleumático, úmida e quente no sanguíneo, seca e quente no colérico, seca e fria,
enfim, no melancólico, tais quais sinais e perturbações dos corpos nos sólidos destes, elementos que
são também necessários de conhecer.
§630. Tais identificações para os temperamentos, abstraídas decerto da natureza do corpo e assim
reconhecidas, não eram insignificantes; tampouco era por demais prolixa ou complicada aquela
divisão, ainda que fosse bastante superficial a observação aplicada para conhecê-la; seja como for,
frente à natureza revelada de qualquer homem moral (por um método com frequência inadequado),
negligenciadas tais condições do corpo, já foi demonstrado que mesmo essa consideração, a melhor
estabelecida dos antigos, faz-se inútil. Ora, quantos homens não há que definem os temperamentos
sem consideração ao corpo, e em nome das ações morais, não raro provenientes de uma formação
defeituosa! Quantos não combinam temperamentos diferentes devido à sua natureza própria, como
o melancólico com o sanguíneo, o colérico com o fleumático etc., os quais não podem ser reunidos
uns aos outros sob razão alguma, pois são evidentemente opostos.
§631. Nós, por nossa vez, empregamos as quatro denominações habituais dos temperamentos a fim
de explicar, de algum modo, a saúde particular, ou seja, a saúde própria a cada homem,
identificando-a a partir da quantidade dos sólidos e fluídos, ou melhor, da proporção destes, e
também a partir da mistura dos fluídos e da coesão dos sólidos; acreditamos que não cabe admitir,
contudo, os termos compósitos de duas espécies de têmpera, decisão que qualquer um poderá
definir com muita retidão caso perceber, na medida do possível, a diferença gradual de qualquer
temperamento que seja a partir de seus sinais próprios.
§632. Cabe definir um pouco mais minuciosamente a relação dos sólidos com os fluídos; ora, ainda
que os corpos tenham fluídos em quantidade maior do que sólidos (§627), mesmo assim a
proporção é variada, tanto que podemos definir os fluídos ou sólidos apenas em relação a um corpo
qualquer, e daí marcar que são mais copiosos em um em detrimento de outro, uma observação
criteriosa que constitui a fundamentação de nossa investigação nos capítulos seguintes.
§633. Na verdade, chamamos de saudáveis os sólidos cuja natureza encontra-se estabelecida em
coesão, a qual é por sua vez determinada através da pressão que as partículas aplicam umas às
outras, caso esta coesão conciliá-los em um estado médio entre a frouxidão e a rigidez, e daí gerar
determinada robustez às fibras. Isso é chamado de “robustez” — ainda que não se possa considerar
que ela seja perfeita em corpo algum — segundo uma medida em que esta se incline ou à frouxidão,
ou à rigidez das fibras, vindo a manifestar origem também em diversos temperamentos.
53
Ludwig Physiologia
§634. Ademais, a natureza dos fluídos, a ser procurada na mistura, será boa caso as partes nela
ingressantes (no sangue, sobretudo aquosas, oleosas, salinas e térreas) ferverem uma proporção
condigna, e daí contiverem a medida de saúde que deve ser determinada a partir dos fluídos. Visto
que essa mistura precisa de fluídos dificilmente terá lugar em nosso corpo, irrompe um cenário
aparente onde há um humor mais espesso ou mais magro, tornando mais difícil de colocar os
humores em movimento no primeiro caso, e tornando-os, em oposição, mais móveis no outro, os
quais apresentam uma terceira instância que deve ser observada por nós em relação à definição dos
temperamentos.
§635. Assim, o temperamento é uma disposição variada de diversos corpos (quais partes
componentes), por conta da qual a proporção dos sólidos e dos fluídos, em razão de sua quantidade,
de sua robustez, e de sua mistura, se faz, em diversos sujeitos, imensamente divergente, podendo ser
identificada por meio de certos sinais externos. É a partir dessas considerações gerais que agora
poderemos concretizar as diferentes definições daqueles quatro temperamentos.
§636. Denominamos um temperamento de fleumático caso os fluídos sobrepujarem os sólidos, de
tal maneira que mesmo os fluídos mais espessos e aderentes são transportados nos sólidos mais
frouxos. A infância está especialmente propensa a esse temperamento, assim como corpos obesos e
entupidos de visco expressam a mesma aparência.
§637. Dizemos haver um temperamento sanguíneo caso os fluídos sobrepujarem os sólidos, de tal
maneira que os fluídos mais magros e movíveis são transportados em sólidos mais frouxos. A
puerilidade e a juventude estão inclinadas a essa têmpera; também aqueles que gozam de vida mais
amena inclinam-se a ela, os quais adquirem bons sucos através de alimentos nutrientes.
§638. Atribuímos um temperamento colérico àqueles que obtêm fluídos mais magros e movíveis,
mas sólidos mais rígidos, excedendo a massa dos humores. O trânsito do temperamento sanguíneo
ao colérico, coisa que observamos com muita frequência na fase medial de nossa vida, fundamenta
a aparência de saúde perfeita, mas é sobretudo na idade adulta que depreendemos haver a maior
parte da têmpera assim chamada de “colérica”.
Parece que essa denominação não responde à noção asseverada ao definirmos este temperamento; é antes na
mistura dos humores, sobre a qual já falamos, que compreendemos ser possível ocorrer facilidade de emitir
uma secreção volumosa de bile.
§639. O temperamento melancólico é aquela condição do corpo em que os sólidos sobrepujam os
fluídos, de tal maneira que mesmo os fluídos mais espessos e imovíveis são transportados em
sólidos mais rígidos. Tanto este quanto o temperamento fleumático estão o mais próximos de uma
doença; o temperamento melancólico é sobretudo próprio da senilidade, a não ser que desapontem
causas que façam este aparecer mais rapidamente.
§640. Além disso, as misturas doentes dos humores que emergem com frequência em corpos
aparentemente saudáveis tornam difícil um exame da natureza da têmpera. Na verdade, é enquanto
investiga esta que o médico descreve ou o estado do corpo da maneira como o encontrou antes do
ingresso da doença, ou expõe, de modo semelhant àquele com que costumamos distinguir as forças
vitais das forças da doença, os sinais de temperamento, separando-os escrupulosamente dos indícios
da doença tanto em humores quanto em sólidos encontrados.
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Ludwig Physiologia
§641. Consideramos acima a idiossincracia (§628) quase como um sinônimo do termo
“temperamento”; parece, no entanto, que ainda resta, para além das perturbações anteriormente
aduzidas dos corpos (das quais extraímos nossa definição de temperamento), uma causa latente
tanto nos sólidos quanto nos fluídos, por conta da qual os homens ou não conseguem suportar, ou
têm dificuldade para suportar certas sensações de odores, sabores, tremores etc. ou, ainda, são
perturbados por coisa parecidas e que não agradam algumas pessoas. Este fenômeno poderia ser
confirmado por muitos exemplos, se necessário; dificilmente podemos determinar, no entanto, se é
factível declará-lo ser algo que se deve somente aos costumes, ou igualmente a uma disposição
nativa do corpo (caso da força da imaginação nas grávidas).
§642. Nos homens de temperamento fleumático, vemos, quais sinais indubitáveis e dignos de nota,
a ocorrência de rosto pálido (o hábito deste, mesmo do corpo inteiro, é inchado); cabelos lisos,
nascendo pouco, em locais estranhos e fora do comum; vasos pequenos; pulsação fraca, mole e
lenta; sangue curto e pouco elaborado; circulação lenta; humores serosos mais espessos, aderentes,
em grande quantidade errantes no tecido celuloso; apreensão; retardo de inteligência e estupidez
algo natural.
§643. As causas que efetuam e fomentam esse temperamento encontram-se na infância. Se uma
única causa dessas permanecer, visto que a têmpera do corpo, a qual ainda observamos nos adultos,
sofre mutações durante o próprio crescimento deste, então esses temperamentos serão indolentes,
dominados pelo sono excessivo, pela preguiça e pelo ócio, incapazes de ajudar a circulação dos
humores, ou de fornecer robustez às fibras menores; ora, é dessa maneira que os fluídos tornam-se
sobrepujantes, ficando mais espessos por conta da lentidão contraída, e é por isso as partes sólidas
não conseguem adquirir nem o nutrimento, do qual depende a robustez das fibras, tampouco podem
aplicar, devido a uma deficiência de movimentação, a ingestão desse às fibras menores.
§644. Os homens de temperamento sanguíneo trazem, como sinais de saúde singular, rosto vívido;
hábito poroso do corpo; pele macia; cabelos abundantes e lisos; vasos tenros, facilmente inchados
no calor; pulsação fraca e rápida, acelerada por causas leves; sangue abundante e movível (por essa
razão, circulação ágil); facilidade de secreções; ótima alimentação do corpo; leveza do corpo; por
fim, inconstância emocional extrema; inteligência aguda; moleza; facilidade de se irritar.
§645. A causa desse temperamento assim chamado encontra-se na juventude. Alguns homens estão
inclinados já mesmo desde a infância a ele, caracterizando-se, quando jovens, pela espirituosidade,
mas por essa mesma razão esgotam seu corpo e envelhecem fatídica e rapidamente. Nos
temperamentos sanguíneos, há facilidade de movimentação, mas também de enfraquecimento:
aqueles que obedecem as regras da dieta fruem, até a idade adulta e a virilidade, de um
temperamento com muita frequência favorável, envelhecendo mais tardiamente. Os homens de
temperamento sanguíneo gozam de sono tranquilo, são intolerantes à fome, e, visto que abundam
em sucos, os quais são impelidos pelos vasos em vigorosa movimentação, conseguem daí as
melhores partes ao sólidos, nutrindo-se alegremente.
§646. Dos homens de temperamento colérico, são sinais próprios o rosto avermelhado; olhos
ardentes; hábito denso do corpo, não raro algo cerrado; cabelos copiosos e crespos; vasos densos,
resistentes aos humores quentes e violentamente movimentados, mas por vezes rompidos pelo
ímpeto extremo desses. Ademais, observamos neles pulsação forte e rápida; sangue copioso e
condensado; circulação vigorosa; poucas secreções; fezes mais cerradas. Na verdade, assim como
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Ludwig Physiologia
há força no corpo, assim acompanham um juízo também polido e uma inteligência provida de
atenção; ira explosiva, furiosa; notável tolerância ao esforço.
§647. A origem desse temperamento encontra-se na virilidade; os homens que se tornam coléricos
ainda jovens tendem, muito frequentemente, ao esgotamento do próprio corpo. Ademais, uma
alimentação farta, sucessiva em si e em excreções de acordo com a vontade; vigor da alma; forças
corporais atuantes; sono curto, mas profundo e com descanso; em uma palavra, todas as causas que
produzem a plétora servem de auxílio a essa têmpera, de tal maneira que, no entanto, persiste,
devido à potência corporal, certa robustez nos vasos, apta a subjulgar os humores.
§648. Os homens de temperamento melancólico têm o rosto amarelado, meio escuro e pálido; olhos
profundos; corpo esquálido e macilento; pele dura; vasos cerrados e rígidos; pulsação lenta e dura;
humores curtos e aderentes; sangue espesso, tenaz, quase negro e atrabiliário; fezes secas; irritam-se
de maneira demorada e gradual, mas tenaz; juízo agudo; inteligência algo lenta; por fim, suportam
pacientemente o esforço, sobretudo o mental, levando-os com persistência até o fim.
§649. Encontramos inclinações a esse temperamento tanto na idade adulta quanto, principalmente,
na senilidade; os homens que se tornam melancólicos na maturidade, envelhecem também com
mais rapidez. Ademais, uma atenção desmedida aos estudos; vida sedentária; pouca ingestão de
líquidos; alimentos mais secos; exercitação excessiva do corpo; pouco sono; agitação excessiva da
alma; e o ardor do sol em climas quentes são outras causas que produzem e sustentam o
temperamento melancólico.
§650. No entanto, embora temos até então apresentado vários sinais que podem ser empregados em
vista de definir os temperamentos, confessamos que apenas aos médicos mais experientes é fácil
observá-los com rigor ou reuni-los todos em uma ordem condigna, e que o temperamento de um
homem não pode ser definido de imediato ou à primeira vista. Por isso, será preciso sempre
examinar cuidadosamente toda aptidão que um homem tem para realizar variadas ações, e ao
mesmo tempo discernir tudo aquilo que diz respeito aos costumes ou à idiossincracia, antes que
tenhamos segurança de emitir um juízo que seja conveniente sobre o temperamento de qualquer
homem.
§651. Além disso, fica claro, a partir do que afirmamos, que devemos observar, ao descrever um
temperamento, antes as ações físicas do que as morais. Ora, ninguém poderia negar que não são
poucas as mutações ou redirecionamentos que as ações morais sofrem através das perturbações do
nosso corpo (a formação variada discutida acima pode também providenciar ocasião a diferentes
temperamentos); no entanto, uma vez que as ações morais são com frequência definidas por causas
externas, e que muitos aprenderam a ocultar, por meio de dissimulação, a verdadeira índole do
temperamento, o médico vai certamente constatar que muitos desses sinais dificilmente são
verdadeiros, mas antes falaciosos, qual o butim do esforço tomado por meio de um método
inconveniente.
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Ludwig Physiologia
PARTE IV
DIETÉTICA, OU DOUTRINA SOBRE A PRESERVAÇÃO DA SAÚDE
CAPÍTULO IX
PAIXÕES ANÍMICAS
§877. Alguns objetos, dentre aqueles que se nos deparam, atiçam nossos sentidos nalguns
momentos; outros os incitam em certo grau, produzindo, nos sentidos internos, uma mutação algo
exígua. Na verdade, quando os objetos perturbam nem que ligeiramente os sentidos externos, mais
que isso, quando eles os apanham com ímpeto violento, conseguindo doravante efetuar, nos
sentidos internos, certas mutações repentinas e insólitas, dizemos que excitam uma emoção.
§878. Julgamos ser absolutamente desnecessário retornar uma vez mais à difícil história dos
sentidos internos, a qual já propusemos acima (Part. II. Cap. VII). Bastará ter notado, na presente
ocasião, que aquele desejo por alguns objetos, chamado pelos antigos de “apetite sensitivo”, é
excitado na mente tal qual uma aversão a outros objetos que, caso perturbem os sentidos externos
de tal maneira que possamos ver os efeitos corpóreos mais evidentes daí produzidos, assim
aflorando emoções favoráveis ou desfavoráveis.
§879. Distinguimos tanto as emoções favoráveis quanto as desfavoráveis em mais moderadas ou
mais violentas, embora dificilmente possamos definir com suficiente precisão seus diversos graus
de intensidade; no entanto, observamos em todas um aumento da circulação sanguínea e uma
intensificação da resistência dos sólidos, como se o sistema nervoso fosse estimulado com mais
força. Finalmente, a partir de todas essas mutações do corpo sucede, ainda, aumento, supressão ou
distúrbio das secreções, e ao mesmo tempo verificamos, em ocasião disso, incentivo ou
impedimento do trabalho nutricional, sendo este solto por meio de elaboração condigna, de
distribuição regular dos fluídos, e de resistência semelhante dos sólidos.
§880. Assim, as emoções mais moderadas são de excelente amparo à saúde, na medida em que
logram estimular algo da circulação sanguínea, melhorar um pouco a movimentação do fluído
nervoso, auxiliar as secreções e excreções, e regular a aposição e assimilação do nutrimento
ingerido. Embora isso seja válido sobretudo em relação às emoções favoráveis, as desfavoráveis
também trazem ao corpo, sob a condição de não perturbá-lo com violência, mais conforto que
agravo, de tal modo que a suprema felicidade humana encontra-se merecidamente na variedade das
paixões anímicas.
§881. O quadro será totalmente o oposto caso emoções mais agressivas ajam no corpo; ora, o
sistema nervoso, quando perturbado em demasia por estas, produz contrações e espasmos nas partes
sólidas, comprimindo violentamente o ímpeto do sangue vindo do coração até as extremidades, daí
perturbando todas as secreções, esparramando com frequência os humores (os quais são impelidos a
locais menos adequados), e perigando, a partir dessas mesmas causas, a destruição dos sólidos
menores e, por isso, o impedimento da nutrição regular; assim, sofrer agitações de paixões anímicas
mais violentas é a mesma coisa que padecer de uma doença gravíssima.
§882. Dificilmente podemos evitar paixões anímicas oriundas de objetos favoráveis e desfavoráveis
ou coibir os primeiros ímpetos dessas, as quais se dão antes segundo uma movimentação algo
mecânica; no entanto, é possível controlar, através de um único quadro proporcionado em inteireza
e com rigor, o progresso delas e da série de seus efeitos contingentes no corpo. Ora, o espírito
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Ludwig Physiologia
instruído por estas precauções apanha, com moderação, uma representação tanto daquilo que é
próspero quanto daquilo que é adverso, assim como uma ideia de qual emoção é favorável ou
desfavorável na excitação disso, e, na medida em que deixa unicamente ao do sumo Deus a direção
do que vai se dar no futuro, facilmente volta a si. Daqui fica certo porque alguns conseguem
enfrentar tranquilamente tanto a bonança quanto a adversidade, ao passo que outros, destituídos
dessa suma tranquilidade de espírito, são atingidos sempre com gravidade por qualquer coisa que
seja.
§883. No entanto, para além dessa força de espírito de que falamos, a qual controla de várias
maneiras nossa condição emocional, restam ainda algumas emoções no corpo que ou aumentam, o
diminuem a eficiência deste, as quais se localizam sobretudo na diferença de temperamentos. Os
fleumáticos são perturbados por uma emoção qualquer nunca de imediato, ou algo lentamente; os
sanguíneos são acometidos somente por ímpetos transitórios; os coléricos agitam-se em breve fúria,
podendo ser atingidos por excessos mais graves; por fim, os melancólicos também agitam-se mais
lentamente por causa das emoções, mas ao mesmo tempo guardam durante muito tempo ideias uma
vez concebidas.
§884. É possível definir com mais precisão o que foi dito até agora sobre a índole conhecida dos
sólidos e dos fluídos, ilustrando-a com eficiência com o que propusemos anteriormente na Part. III.
Cap. III. Ora, nesse sentido, corpos debilitados dificilmente admitem moderação nas emoções,
agitando-se sempre grandemente por causa delas, seja se esta debilidade tiver sido induzida por uma
disposição natural, seja por uma doença grave no corpo; ainda, a educação infantil já torna as
crianças ou preparadas ou, se for ruim, temerosas e menos ajeitadas para o controle das emoções
§885. Se aqui, nesta consideração de fato sucinta sobre as paixões anímicas, trouxermos de volta à
mente sobretudo aquilo que é pertinente às disciplinas filosóficas (principalmente à psicologia e à
doutrina dos costumes), poderemos então substanciar nossa discussão — no que ela consiste de
exemplos — sobre a ira, o terror, o medo, a aflição e o desejo, as principais emoções da alma, e será
de grande ajuda trazer então instâncias mais congruentes, a título de uma explicação mais detalhada.
§886. Na ira e na indignação mais furiosa e violenta atentamos quase que a uma espécie de emoção
em que se produzem incitações de movimentos convulsos nos nervos, ao passo que febris e mais
impetuosos no sangue, assim como grandes perturbações também nas secreções, coisa que
constatamos sobretudo a partir do exemplo da bile. Dessa forma, deve-se evitar a todo custo
qualquer oportunidade de essas perturbações ácidas, alienígenas à natureza, ocorrerem,
principalmente de serem alimentadas, pois daí nascem febres ardentes e biliosas do pior caráter.
Aqueles que estão sujeitos, mais que outros, a essas emoções, cabe a eles que fervam suas vias
primárias até a liberdade, para que o corpo, se perturbado por essa paixão anímica, não fique,
devido à crueza ou às obstruções imediatas das vísceras, propenso a incentivar doenças.
§887. Os efeitos do terror são repentinos, descambando, sobretudo em crianças, não raro para
convulsões, mesmo epilepsia ordinária. As causas excitantes do terror dificilmente podem, ainda
que tenhamos muito cuidado, ser evitadas em totalidade; o melhor modo de prevenção é um em que
os homens possam, caso nele trabalhem desde o início da vida, aceitar com espírito tranquilo e
constante as coisas que abominam quase que por natureza. Mas se a força da imaginação já é capaz
de transformar os trovões, mesmo os animais (como ratos e aranhas), ou qualquer outro objeto que
quiseres quase que em inimigos da natureza, o terror pode nascer dessas ficções que ocorrem de
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Ludwig Physiologia
improviso em um espírito apreensivo, e os danos temidos daí não podem ser corrigidos nem por
palavras de conselho, nem pela medicina.
§888. O medo e a aflição são como enfermidades de um espírito cansado, na presença das quais os
humores contraem lentidão, sendo assim obturados e os sólidos entorpecem, deixando de ter seu
tom natural; entretanto, durante esse mesmo langor uma figuração adversa pode transformar, com
frequência, os nervos e o sangue, e, se estes não forem estimulados, produzir movimentos
irregulares, de onde o trabalho nutricional sofre necessariamente lesões e perturbações. As palavras
de amigos, capazes de incitar esperança, assim como ideias novas, induzidas pela mudança de
objetos de dos rumos de uma conversa, de modo que a presença das primeiras cesse e desapareça
com o tempo, são estratégias de grande auxílio. Largo fluxo de lágrimas é comum nesses casos,
coisa que, no entanto, sempre alivia uma enfermidade, em tempo.
§889. O desejo por algo amado ocasiona efeitos algo semelhantes aos discutidos no parágrafo
anterior, algo que é passível de observação principalmente no amor proibido. Daqui com frequência
origina-se e sustenta-se a melancolia triste, tratada dificilmente por palavras de conselho ou
medicamentos, melhor pela mudança de objetos e de cenário, ou, se possível, pela delegação do
objeto do desejo. Feliz é o homem que, prudente de espírito, aprendeu a moderar suas emoções, ao
passo que é péssima a condição daqueles que sucumbem às paixões anímicas de muita força,
tornando-se passivos enquanto são levados por elas a doenças quase insuperáveis. Que com um
peito forte e bem preparado possamos, no perigo, esperar, e, na bonança, temer as adversidades.
*
59
Ludwig Pathologia
Christian Gottlieb Ludwig
Institutiones Pathologiae praelectionibus academicis accomodatae
(Fundamentos da Patologia, adaptados para as palestras na academia)
1754
PARTE IV
SEMIÓTICA, OU TRATADO SOBRE OS SINAIS DAS DOENÇAS
§1166. As causas e os sintomas determinam umas as outras nas doenças de tal maneira que contêm
em si o quadro das ações das lesões, isto é, dos sintomas, e que mais causas remotas podem enfim
convergir, segundo o quadro dos efeitos, em uma causa proximal e na própria doença, em que uma
primeira lesão acaba se dividindo e se multiplicando em muitas outras a serem auferidas do corpo.
Esta mutação sucessiva das causas e dos efeitos condiciona as doenças em todo seu âmbito (§918).
Dessa maneira, os sintomas que ocorrem nas doenças apresentam sinais de uma lesão pregressa,
presente ou futura; é sobre esses sinais que vamos agora discutir, em espécie e em gênero.
CAPÍTULO I
SINAIS DAS DOENÇAS EM GERAL
§1167. As mutações que ocorrem no corpo humano são ou abertas, ou cobertas. Ou seja, ao passo
que é fácil reconhecer uma doença no primeiro caso, no segundo surgem fenômenos a partir dos
quais é possível formar um juízo: por exemplo, o sangue vívido expelido na tosse é um sinal interno
de lesão pulmonar. Logo, os fenômenos, considerados atentamente pelos médicos, apresentam
sinais através dos quais fica evidente uma mutação no estado do corpo, e que são investigados a
partir das causas agentes e aplicadas no corpo, ou a partir de ações impedidas por várias razões.
Nós, que já identificamos os sinais de saúde na Parte III da Fisiologia (§590sqq.), tomamos agora a
empresa de considerar os sinais das doenças.
§1168. Certo, embora um médico não consiga, por mais rigoroso que seja, confiar totalmente em
um ou outro sinal do estado de doença de um homem, ainda assim ele deve tentar analisá-lo na
medida em que possa conhecer o estado presente das ações das lesões; no entanto, isso ainda não
pode ser determinado com exatidão, a não ser que retornemos também ao histórico passado de um
homem: feito esse passo, aí o médico poderá prever, a partir de todos os sinais comparados
diligentemente entre si, tanto a índole quanto a condição da saúde, da doença, e da morte. Aqui os
sinais deverão ser, como de fato já afirmamos na Fisiologia (§591), em anamnésicos, diagnósticos e
prognósticos.
§1169. Os sinais anamnésicos são determinados a partir do exame das mutações que ocorreram
antes que um homem fosse abatido pela doença em questão. Dessa forma, tais sinais são
determinados a partir de causas a partir das quais já havíamos conseguido prever que determinado
efeito seria produzido no corpo, e assim compreendemos que determinada mutação da doença
originou-se, com efeito, através daquelas mesmas; nesse caso, devemos considerar tanto outras
doenças antecedentes, quanto as causas das doenças presentes. Discutiremos sobre tais signos no
segundo capítulo.
§1170. Os sinais diagnósticos são determinados a partir da consideração atenta das mutações que se
fazem no momento presentes em um doente. Assim, revelam-se a partir da consideração geral de
todas as perturbações que podem acometer tanto as partes sólidas quanto as fluídas do corpo
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Ludwig Pathologia
humano. De imediato, tais sinais emergem de várias maneiras e em conjunto em doenças mais
específicas e a serem examinadas, devendo assim ser enumerados um a um (mas considerados em
conjunto), e apresentando o estado da doença presente. Teremos oportunidade de abordá-los no
terceiro capítulo.
§1171. Há um único sinal que esclarece, a partir dos sinais diagnósticos, o estado da doença
presente, o qual chamamos, por isso, de patognomônico: a saber, este é o único sinal que provém
imediatamente a partir da própria índole da doença, a partir de cuja identificação o médico pode
julgar a doença presente: por exemplo, a coloração amarelada da pele na icterícia, e o sangue vívido
e espumoso na hemoptise. Este sinal merece atenção particular, uma vez que ele nos conduz, quase
que rapidamente, ao verdadeiro conhecimento da doença. Muito embora, visto que dificilmente
pode se dizer que algo é único, o sinal patognomônico pode surgir a partir de vários sinais,
comparados de várias maneiras entre si e reunidos, quase que em uma única imagem, na
imaginação de um médico versado; por isso mesmo ele confunde os novatos, requerindo o juízo de
quem tem prática com doenças.
§1172. Os sinais prognósticos são resultados determinados a partir de vários sinais diagnósticos ou
mesmo anamnésicos (aqui, auxiliadores), e que esclarecem o estado futuro de uma doença, ou a
mutação desta para a saúde, para outra doença, ou para a própria morte. Assim, toda vez que
soubermos que determinados sinais, abstraídos a partir de variadas ações (sejam das vigorosamente
persistentes em uma doença presente, sejam das lesadas de várias maneiras, sejam até das
encobertas), e percebermos que um ou outro sinal decorre das mutações mencionadas a pouco,
então podemos concluir acerca de outros casos também semelhantes, e assim não só chegamos a
uma prognose aplicada a outras doenças, mas também depreendemos, através dos próprios sinais, o
quadro da mutação. Disso trata o quarto capítulo.
§1173. Na verdade, já que dificilmente conseguimos expor os sinais um a um devido ao assaz
imenso volume de doenças singulares, iremos expor, no quinto capítulo, a práxis da semiótica
segundo um exemplo único e preeminente, a saber, segundo as febres agudas, ao discutirmos sobre
os sinais de mutação da doença em crueza, cocção, e crise. Aqui, tão mais úteis serão nossas
conclusões na medida em que pudermos examinar brevemente as observações de autores antigos
sobre as mutações das doenças, para assim aplicar essa teoria, determinada a partir das febres
agudas, a outras doenças agudas e também crônicas.
CAPÍTULO II
SINAIS ANAMNÉSICOS DAS DOENÇAS
§1174. Neste capítulo, dificilmente poderemos, a fim de atingir nosso objetivo, trabalhar de modo
mais conveniente do que através da observação das causas remotas e predisponentes — e não
apenas das próprias doenças consideradas como causas — em quaisquer doenças escolhidas e
pressupostas, e do esclarecimento de como uma doença presente pode nascer a partir de tais
mutações. Explicaremos, portanto, a utilidade de o médico atentar ao histórico pregresso ao julgar
as doenças presentes (por exemplo, no caso da frouxidão e da ftise), assim acrescentando os
cuidados no encontro dos sinais anamnésicos.
§1175. A frouxidão dos sólidos, ora absoluta, ora atuante sobretudo nas primeiras vias, depende de
uma causa remota ocasional, isto é, de um bebida aquosa, sobretudo quente e bastante avolumada.
De modo semelhant, os suores, se estimulados em demasia, relaxam o hábito da pele; os banhos
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Ludwig Pathologia
quentes, por sua vez, produzem a mesma mutação; daí lembramos que foi produzida uma frouxidão
em outra, quente e úmida, aplicada em abundância no corpo inteiro ou em algumas de suas partes, a
qual podemos supor ao depreendê-la por meio de sinais diagnósticos.
§1176. Além disso, a frouxidão em excesso é própria dos corpos que mantêm grande volume de
humores, e que daí obtêm partes sólidas excessivamente estendidas, como partes adjacentes; daí um
temperamento fleumático favorece e acelera doenças oriundas da frouxidão dos sólidos. Agora, se
sabemos que a hidropsia envolve a frouxidão dos sólidos, percebemos que essa mesma doença
surge por meio de sinais anamnésicos, determinado a partir dos temperamentos, a partir de cuja
teoria conhecemos que essa doença é praticamente própria de pessoas fleumáticas e obesas.
CAPÍTULO III
SINAIS DIAGNÓSTICOS DAS DOENÇAS
§1185. Reconhecemos a condição de uma presente doença através dos fenômenos que descobrimos
se afastar da norma da saúde em um doente. Assim, na medida em que um médico compara a ideia
de um homem saudável, seja esta uma ideia geral ou uma ideia em singular (frente à presente
doença), com os fenômenos que ocorrem naquele momento, ele observa ambas as coisas em relação
às causas e aos efeitos presentes na própria doença. Na verdade, uma vez que seria deveras prolixo
avançar às doenças específicas em nosso tratado geral, é somente na primeira parte do segundo
capítulo que observamos as diferenças essenciais das doenças durante a enumeração dos sinais
diagnósticos.
§1186. Contudo, os sinais das doenças que delimitam os elementos sólidos e fluídos nas partículas
componentes (§925sqq.) são por demais obscuros. Deixando estes de lado, trataremos, na primeira
seção, sobre os sinais das doenças delimitadas nos fluídos, em específico na plétora, na cacoquimia,
e nas acrimônias; já na segunda seção, investigaremos os sinais das doenças que emergem nos
sólidos, observando-se em específico na frouxidão, na rigidez e na unidade resoluta; por fim, iremos
esclarecer, na terceira seção, os sinais de doenças compósitas, segundo alguns exemplos.
SEÇÃO I
SINAIS DAS DOENÇAS PRESENTES NOS FLUÍDOS
§1187. Reconhecemos a presença de plétora — considerada de modo mais geral como a abundância
de sangue e de humores — a partir do transporte dificultado do sangue por meio dos pulmões, e da
dificuldade de respirar surgida daí, após leves agitações; da sensação estranha de calor após uma
bebida alcóolica, de um alimento nutriente e aromático; do sono perturbado da insônia; da fadiga
imediata após movimentar o corpo; do suor muito profuso após causas semelhantes; da voracidade
proporcional ao corpo.
§1188. Distinguimos a plétora verdadeira (§936) desta a partir do hábito bom do corpo, de um rosto
vívido, corado e inchado durante a realização de exercício corporal; de pulsação forte e lenta,
facilmente acelerada por meio de causas externas; de respiração livre e ampla, facilmente encurtada
e ofegante durante o movimento corporal; de sono inquieto, com fezes frequentemente secas e urina
saturada; da facilidade de se irritar; de propensão maior à hemorragias, de acordo com a idade; de
sangue, lançado das veias, que é corrente em placenta densa e escura, com superfície púrpura e algo
aquoso.
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Ludwig Pathologia
§1189. Reconhecemos que uma plétora obesa (§937) se faz presente a partir do hábito inchado do
corpo, de expansão dos poros e de muita gordura; de rosto vívido, a não ser que o obeso já tiver se
tornado muito doente; de pulsação leve, não raro fraca; de respiração suficientemente livre e plena
quando o corpo está parado, mas ofegante após qualquer causa externa, e acelerante do movimento
do sangue; de sono profundo e com ronco, com fezes frequentemente líquidas e urina saturada,
facilmente estimulados pelas perturbações emocionais, mas pouco duradouras; de intolerância ao
frio e ao calor; de suor viscoso; de sangue, lançado das veias, que é viscoso e pouco consistente.
§1190. Percebemos uma plétora oriunda da fraqueza (§937) a partir do hábito amarelado do corpo,
de rosto pálido, mas vívido e corado após leve agitação da emoção e do corpo; de pulsação fraca,
facilmente acelerada; de respiração livre, ofegante após agitação do corpo e das emoções; de sono
inquieto, com fezes variadas e variantes, ora secas, ora líquidas, e urina pálida; de tremor dos
membros e consequente debilidade após quaisquer paixões anímicas; da intolerância ao frio e ao
calor; de sangue, lançado das veias, que é muito aquoso e poucas vezes constantemente vermelho.
§1191. Distinguimos a cacoquimia serosa (§940), a qual vem acompanhada de grande magreza dos
humores, a partir do estado amarelado do corpo, e de rosto pálido; de inchaços edematosos
facilmente insurgentes, principalmente nos pés; de si mesmo e de excreções serosas, de início
incitadas, e depois suprimidas; de frio nas partes, em especial nas extremidades; de fraqueza do
corpo devido à falta ou ao uso inadequado de nutrientes (não menos da ação imperfeita de fluído
neural nos movimentos vitais).
§1192. Julgamos haver cacoquimia pituitosa (§942), a qual vem acompanhada de grande aderência
dos humores, a partir do hábito inchado do corpo, não resistente, mas poroso e macio, e de rosto
pálido. Com tais sinais também encontramos: frio nas extremidades; excreções pituitosas, devido ao
sangue espesso e semelhantmente aquoso, expulso daí em secreções provenientes sobretudo do
suor, do muco nasal e do escarro, conforme observamos; respiração dificultosa devido a isso, que
mal consegue completar a preparação dos humores; aumento da turgência do tecido celular; vigor
elástico e vital diminuído nos sólidos, a ser detectado por meio de sinais próprios.
§1193. Julgamos que a cacoquimia é atrabiliária (§943), a qual vem acompanhada de grande
tenacidade de humores, quase escuridos, a partir do hábito esquálido e rígido do corpo, de rosto
sobretudo contraído em rugas. Nela, ainda encontramos calor dissipante, facilmente excitado por
meio de movimento corporal e de perturbação emocional, trazendo também secreções serosas e
poucas, as quais são muito difíceis de expelir caso sejam tensionadas pela força da circulação
humoral. As fezes são secas; a urina é escura, espessa, abundante, muito dolorida por causa de
qualquer estímulo violento e repentino, criando espasmos principalmente no abdômen; observamos
aqui alimentação tarda ou quase inexistente. Ainda nesse caso, se uma acrimônia vier a aparecer em
um corpo bem nutrido (coisa que costuma às vezes acontecer), essa acaba lesando a nutrição e
enfraquecendo grandemente as forças dos nervos.
§1194. A acrimônia ácida (§946) apresenta testemunho de sua presença ora nas vias primárias, ora
também nas secundárias. Ora, naquelas ela aparece como arrotos ácidos, com sabor ácido, ruim até
aos dentes, com pouca ou nenhuma sede; como apetite voraz, com rápida digestão dos alimentos,
cólicas ventrais e borborigmos; como fezes escurecidas, frequentemente beirando a coloração
verde, doloridas devido a qualquer tipo de ácido e muito indispostas, mas que encontram alívio em
antiácidos salinos e terrosos.
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Ludwig Pathologia
§1195. Todavia, no caso de forças vitais saudáveis, essa acrimônia ácida é determinada pelos
seguintes fenômenos: suor profuso, inspiração ácida, pele frouxa, urina com estrangúria, turva,
quase leitosa, com frequência eliminando um sedimento grosso; sangue bem vívido, obstruções
aderentes, raramente ausentadas na inflamação, coágulo da linfa (este determinado no inchaço do
abdômen, a exemplo das crianças), mais, erosões cutâneas aderentes, pálidas, por vezes ulcerosas.
§1196. Julgamos que a acrimônia é muriática (§947), a qual frequentemente se torna amoniacal em
um corpo animal, a partir da sede avantajada, com boca seca e sabor salgado. Observamos, além
desses sinais: pele seca, erosões cutâneas avermelhadas (que coçam muito após grande quantidade
de suor), urina espessa, acre, que fica lentamente pútrida, de superfície aparentemente oleosa,
constante em pontadas acentuadamente salinas e intensas.
§1197. Compreendemos que a acrimônia é alcalina (§948) a partir de sede excessiva, com sabor
pútrido, urinoso, de hálito muito ruim, cadaveroso e com falta de apetite, a qual vem acompanhada
sobretudo de enjôos. Aqui, encontramos fezes que são alvinas e pouco coerentes, muitíssimo
malcheirosas, intensas, de fuscas a enegrecidas; escassez contínua em vários orgãos serosos
excretores; erosões cutâneas cinzentas ou negras, que facilmente se espalham e provocam gangrena;
facilidade de inflamação, facilmente propensas à gangrena e à necrose; urina grossa e espumosa,
por vezes putrescente na excreção. O sangue, lançado das veias, é por vezes condensado, propenso
à putrefação. Aqui, só as soluções ácidas nos auxiliam.
§1198. Julgamos que a acrimônia é biliosa (§949), a qual inclina-se à rancidez oleosa, a partir de
sede agressiva e gritante; de boca seca, com a língua árida e rachada, ou grudenta de muco tenaz; de
sabor amargo, rançoso; de arrotos fumegantes; de aversão aos alimentos, sobretudo gordurosos e
suculentos. Além disso, as fezes costumam ser intensas, quentes, muitíssimo malcheirosas; a pele,
malcheirosa e com erosões cinzentas e negras; a urina, breve e quente, malcheirosa, de coloração
vermelha e escura; o sangue, lançado das veias, é escuro, enegrescido, espesso; inflamações rápidas
tomam lugar, de péssima índole, rastejantes, destrutivas. Todo consumo de gordura certamente leva
a uma lesão. Ajudam as soluções aquosas, saponáceas, ácidas.
§1199. Em todos esses sinais, a observação é com frequência incerta e duvidosa, uma vez que o
quadro da mistura, pelo qual aqueles são unicamente declarados, nem sempre se deixa revelar pelos
sinais corretos. Instrumentos nocivos e auxiliadores são os melhores indicadores da diferença de
todos os sinais, assim como da índole das acrimônias. No entanto, visto que a idiossincracia de
diversos homens se faz variada, produzindo praticamente inúmeras misturas que lesam a máquina
corporal no estado de doença, trata-se de empresa assaz difícil encontrar os sinais corretos, seja
onde for.
SEÇÃO II
SINAIS DAS DOENÇAS PRESENTES NOS SÓLIDOS
§1200. Os elementos sólidos adquirem seu alimento através dos fluídos; igualmente, os defeitos dos
elementos fluídos são, de sua própria maneira, comunicados aos sólidos. Visto que os elementos
sólidos não podem ser chamados de “doentes” a não ser no caso de má nutrição e localização, não
devemos, assim, provocar uma lesão a não ser nas partículas nutrientes as mais minúsculas.
Todavia, já que isso parece ser impossível, é justo que consideremos, no que diz respeito ao
presente quadro do conjunto de partículas e do movimento elástico (considerado em geral), os
defeitos tanto da rigidez quanto da frouxidão (§951) — frente ao fluído neural influente e ao
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Ludwig Pathologia
movimento vital, o espasmo e a fraqueza (§956) — como defeitos dos sólidos, aos quais
acrescentamos agora uma unidade resoluta, de cujos sinais discutiremos brevemente a seguir.
§1201. Reconhecemos a rigidez, considerada em geral (§953), a partir do hábito ressecado do
corpo, de musculatura endurecida, pouco permeada de gordura; a partir de pulsação forte, muitas
vezes dura e lenta; de sangue espesso, negro, com secreções serosas e poucas. Pode haver rigidez
parcial nas extremidades do corpo, a qual distinguimos a partir do tremor, em movimentos assaz
violentos e em articulações ruidosas, quase gritantes. Fezes secas e aderentes indicam rigidez nas
vias primárias.
§1202. Reconhecemos a frouxidão, considerada em geral (§954), a partir do hábito obeso do corpo,
e de musculatura tenra e macia. A pulsação é suave a fraca, o sangue é aquoso, há abundância de
pituíta, as secreções são serosas e pituitosas. A incapacidade de locomoção e a fadiga rapidamente
emergente indicam frouxidão parcial das extremidades; fezes frouxas e úmidas denotam frouxidão
nas vias primárias.
§1203. Distinguimos o espasmo, considerado em geral (§957), nas partes externas, a partir da
contração involuntária e violenta dos músculos; ele usualmente vem acompanhado de
endurecimento, e de tensão e dor mais ou menos intensos na parte afetada. O tremor e a sensação de
formigamento ou precedem, ou acompanham, ou sucedem um espasmo. Nas partes internas, a dor
intensa que surge desprovida de sinais de inflamação indica um espasmo, sobretudo se as partes
musculares pressionam um orgão membranoso, por exemplo o intestino.
§1204. Percebemos que há fraqueza, considerada em geral (§958), nas partes externas, a partir da
moleza das mesmas e da disposição difícil ao movimento, mesmo da continuação impossível deste,
e finalmente de músculos flácidos; nas partes internas, por sua vez, percebemos que há fraqueza a
partir de um defeito ou da diminuição das ações realizadas pelos orgãos, principalmente se não
pudermos observar sinais de obstrução lenta e inflamatória. É assim que funciona a debilidade dos
olhos e a visão enevoada nos hipocondríacos, sinais que costumam durar muito tempo, e não por
outra razão reconhecemos e distinguimos defeitos e fraqueza de memória. Ora, ainda que todos
esses sinais sucedam espasmos, o quadro que resta destes se localiza na própria fraqueza das fibras
neurais, resultante dos espasmos mais intensos.
§1205. Reconhecemos uma unidade resoluta (§959) nas fibras e nos vasos menores a partir de
pústulas ou de qualquer humor detido fora de seus canais; nas partes compósitas, por sua vez,
depreendemos uma imensa diferença nessa unidade, a qual esclareceremos na seção seguinte,
durante a investigação das feridas e das úlceras a partir de variados sinais.
§959. Se fibras coerentes entre si e feitas de qualquer tipo de partícula (seja esta simples, seja compósita) são
perturbadas a partir de seu próprio conjunto (seja devido a uma tensão desmedida, seja em dissolução pela
interposição de algo acre), delas surge uma lesão contínua, a qual costumamos chamar de “unidade resoluta” ou
“ferida”, coisa que reconhecemos melhor nas partes compósitas, identificando-a lá com mais detalhes.
SEÇÃO III
SINAIS DAS DOENÇAS COMPÓSITAS
§1206. Uma vez que não poderemos discorrer, no presente tratado, sobre todas as doenças
compósitas, iremos expor, a título de modelo, os sinais gerais da febre, de fato, de sua obstrução
lenta, pituitosa e inflamatória, e não menos de suas feridas e das úlceras, de modo que daí fique
evidente o quadro que nos conduz, nas doenças mais variadas e específicas, à consideração do
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Ludwig Pathologia
presente estado da doença; coisa que poder ser levada a cabo, com apidão, nessas mesmas doenças,
na medida em que muitas outras sejam remetidas a elas, como se fossem gerais.
CAPÍTULO IV
SINAIS PROGNÓSTICOS DAS DOENÇAS
§1212. Os sinais diagnósticos indicam, quando comparados com os anamnésicos, o estado futuro de
uma doença, e também uma mutação sua. Ora, assim como uma disposição contranatural, que lesa
as ações, é induzida a partir de causas variadas, assim também é possível encontrar, a partir de
ações lesadas, cessadas ou persistentes, indícios bons ou ruins de um estado futuro, isto é, sinais
prognósticos. Com efeito, nosso objetivo então é propor, a partir das ações vitais, animais e
naturais, essa doutrina neste capítulo, ilustrando-a com exemplos.
SEÇÃO I
SINAIS ABSTRAÍDOS DAS AÇÕES VITAIS
SUBSEÇÃO I
A PULSAÇÃO COMO SINAL
§1214. Embora seja possível examinar a índole da pulsação somente nas artérias, extraímos daí um
quadro da circulação universal do sangue, e em parte também de outros humores provenientes do
sangue. Assim, a presente qualidade das partes; a cor das partes componentes; a condição e vigor do
coração, propulsor do sangue; mesmo a natureza e a índole do próprio sangue; ainda, a constituição
das artérias, propulsoras do sangue até as pontas extremas: a observação precisa da pulsação
demonstra tudo isso.
CAPÍTULO V
SINAIS DE MUTAÇÃO DAS DOENÇAS
DURANTE A CRUEZA, A COCÇÃO, E A CRISE
§1279. É a partir da fisiologia que reconhecemos, em um corpo saudável, a ocorrência de uma
mutação ou de uma preparação de fluídos por meio da ação de sólidos, uma situação que, por sua
vez, caso não se der até seu fim total, acaba por oferecer ocasião para os humores adoecidos, isto é,
os misturados de modo contranatural, gerados de várias maneiras no corpo, e em tal grau que
mesmo a nutrição dos sólidos logra infelizmente não valer de nada. A partir de então, surgem
movimentos estranhos no corpo, que são distintos dos saudáveis, sob cujo domínio a matéria da
doença se desenvolve, solucionando a mistura depravada dos humores; nesse caso, ou a matéria da
doença destrói o corpo, ou, se mudada, é por fim removida por meio de variados instrumentos
purificadores do corpo.
§1280. Isso, embora ocorra em todas as doenças (mesmo nas crônicas, de uma maneira já descrita),
é principalmente nas agudas que podemos esperá-lo, nas quais observamos movimentos
verdadeiramente ou salutares ou destrutivos, os quais são chamados de “febres”. Essa mutação das
doenças culmina, por meio de diversos intervalos de tempo, em crueza, cocção ou crise, e dessa
forma ordena que o médico esteja atento para controlar esses movimentos, de maneira que contenha
os destrutivos, permita os moderados, e sustente os salutares, estimulando-os ainda que
enfraquecidos.
§1281. O médico não será capaz de controlar tais mutações a não ser que ele conheça, a partir dos
sinais corretos, tanto o variado estado quanto a agressividade de uma doença; que ele compare as
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Ludwig Pathologia
forças vitais com a força da doença; e que ele pondere com precisão as diferentes fases da doença.
Sobre esse assunto, daremos apenas uma explicação breve e geral, com que possamos instruir
nossos alunos acerca do conhecimento preciso de quaisquer doenças agudas, para a partir daí leválos também ao conhecimento da progressão das doenças crônicas.
§1282. A crueza é uma mistura depravada dos humores que perturba a progressão regular dos
movimentos que ocorrem em um corpo saudável, mas que ainda não é adequada para a excreção. A
saber, na massa dos humores, sobretudo no sangue, são geradas moléculas de diferentes formas,
densidade etc. (como já discutimos nas seções 1 e 2 da Parte I, Capítulo II), as quais chamamos de
moléculas doentes ou cruas (ou, ainda, de um miasma maligno confundido com outras doenças ou
com a matéria dessas). Ou seja, embora no estado de crueza as partes sólidas também sejam, de seu
próprio modo, lesadas (por exemplo, os vasos nas partes inflamadas também são preservados no
corpo), observamos, dentro de um quadro qualitativo, tais lesões primordialmente nos fluídos e nas
corrupções desses, e é daí que determinamos outras mudanças oriundas de um corpo doente.
§1283. Os sinais da crueza são as ações das lesões, as quais irrompem de várias maneiras de um
corpo saudável, indicando a presença de uma doença. Nesse sentido, o acréscimo das ações vitais
ou o decréscimo destas; o cansaço das ações animais ou a incapacidade de exercê-las com
perfeição, sobretudo a moleza completa ou a perda das forças; e, enfim, a lesão das ações naturais,
sobretudo como mutação da doença visível em humores evacuados e excretados: tais elementos não
só declaram a crueza em si, como também determinam que ela se movimenta no corpo.
Essa definição e essa descrição parecem ser por demais gerais, mas a variedade das doenças não nos permite
algo mais específico, a não ser que decidamos, porventura, nos alongar, e abordar os movimentos emergentes
desde o início das doenças.
§1284. Esses mesmos sintomas ora são mais leves, ora emergem como sinais de algo maligno no
estado de crueza, como é o caso de: pulsação acelerada, fraco, endurecido, irregular; incapacidade
de movimentar os músculos (a tal grau que o doente não consegue sustentar a cabeça, tremores,
convulsões); sensos externos enevoados, delírios; nenhum sono ou muita sonolência; sede imensa,
gritante; falta completa de apetite, ou enjôo com vômito de matéria biliosa, pútrida; urina clara e
avermelhada, que se torna ou até turva quando evacuada, ou com muitos sedimentos; grande
quantidade de suor viscoso ou pele seca e semelhantes.
§1285. É através da consideração dos sintomas que somos levados ao exame da causa proximal, a
qual conhecemos a partir da disposição da doença, e que foi induzida, lenta e gradativamente, ou
devido a deficiências na dieta, ou a outros elementos aplicados no corpo. Ora, observamos isso
também em relação aos contágios, a partir dos quais é perfeitamente possível determinar o
conhecimento das doenças epidêmicas. Na verdade, todos os médicos que aprenderam, a partir dos
verdadeiros princípios da química e da patologia, que há algo de ativo na mistura de humores —
coisa que não pode ser definida com precisão, mas conhecida apenas através dos sintomas ou dos
efeitos de uma doença —, dizem em alto e bom som que não é possível demonstrar, nem com
segurança nem com precisão, a própria índole doente das partículas.
§1286. É pelas causas e sintomas que podemos tirar conclusões acerca da grandeza do perigo nas
doenças, e é daí que formamos uma prognose, de maneira que tanto as causas mais leves quanto os
sintomas mais leves, em conjunto com as forças vitais suficientemente visíveis (e com as maioria
das ações o mais semelhantes às saudáveis), possam apresentar uma esperança de superar a doença;
caso contrário, as causas mais pertinazes e os sintomas mais graves, em conjunto com as forças
vitais enfraquecidas (e com as ações demasiado retrocedentes em relação às saudáveis), irão nos
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Ludwig Pathologia
indicar que a doença dificilmente será superada. Na dúvida, porém, não podemos dizer nada de
certo sobre o estado da doença, já que depreendemos que as forças vitais, tanto as da vida quanto as
da doença, estão posicionadas quase que em equilíbrio.
§1287. A cocção é uma agitação das partículas misturadas de maneira doente na circulação
sanguínea e humoral, isto é, no movimento progressivo e interno dos humores, em um processo tal
que tais partículas se dissolvem segundo um quadro da mistura, tomando novos formatos. É certo
que uma boa cocção (assim chamada em estrito) tem como dever transformar a índole dos humores
de depravada em boa, para que ou as partículas que antes eram doentes tornem-se agora o mais
semelhantes às saudáveis, ou para que as partículas restantes e ainda boas atuem em vista de
regularizar a circulação, após separar e eliminar do corpo aquelas que são nocivas; no entanto, uma
cocção por vezes permanece imperfeita, levando à formação de metástase, em cujo caso a matéria
da doença encontrada de fato permanece abandonada em outro lugar, ficando lá, daí produzindo
uma nova compleição para a doença, ou abrindo mais vias às partículas nocivas, assim tornando-se
mais destrutiva. No primeiro caso a cocção é imperfeita, mas no segundo é certamente inexistente.
§1288. As causas que produzem cocção nas partículas misturadas de forma doente são as mesmas
que auxiliam na circulação dos humores em um corpo saudável, mas que se tornam mais agressivas
quando estimuladas pela matéria da doença. Ora, por um lado, o movimento humoral interno,
estimulado por meio de progressão, é capaz de dissolver, durante uma mistura doente, as partículas
presentes no soro sanguíneo (ou seja, as salinas, as oleosas e as térreas), levando-as a uma nova
mistura, semelhant à saudável; pelo outro, a própria índole das partículas em uma doença ainda não
tão grave é coordenada de modo a permitir, na mistura doente, uma mutação em direção à saúde,
para que assim acelere a cocção. Em suma, o médico adequa seu instrumento ancorado nessas duas
causas, ordenando sua aplicação sob variados tipos de comida, bebida ou medicamento, com os
quais podemos ou provocar as forças dos fluídos a transformar os fluídos doentes, ou estimular a
resolução regular de uma mistura depravada.
§1289. Os sinais da cocção são as próprias forças vitais, bastante visíveis nas ações do corpo,
sobretudo nas ações vitais, mas que contêm alguma remissão dos sintomas da doença, a partir de
que reconhecemos o decréscimo das forças da doença. Assim, quão mais a pulsação e a respiração
retrocederem dos sinais de malignidade (§1284), apresentando uma força que seja ou semelhant à
natural, ou em algum grau certamente fortalecida, e quão mais os demais sintomas da doença
diminuírem, tanto mais temos uma expectativa mais segura e certa de uma boa cocção. Ora, ainda
que o médico deva atentar a todas as ações, é em princípio as mais importantes, as quais consistem
na pulsação e na respiração, que ele deve observar, considerando as demais como ancilares.
§1290. É certo que os movimentos são por vezes assaz violentos durante a crueza de uma doença, e
ainda assim há, de algum modo, uma cocção da matéria dessa, tanto que alguma parte sua é
evacuada a partir da circulação humoral universal e depois expelida; muito embora, essa cocção
quase sempre permanece imperfeita, de tal modo que nem todo material pode ser totalmente
transportado do corpo por meio de processos purificadores, mas algo dele ainda vai ocupar locais
peculiares até que sofra de novo mutações nesse lugar e suplante uma cocção quase nova.
Chamamos essa transmigração da matéria doente justamente de metástase ou “crise metástatica”, a
qual depreendemos em variados abscessos e em alguns exantemas.
§1291. Na verdade, sabemos que a metástase ocorre num corpo doente a partir dos seguintes sinais:
se a impetuosidade dos movimentos universais que auxiliam a circulação diminui de algum modo, e
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Ludwig Pathologia
o doente começa a se sentir melhor, mas apresenta alguns índicios de matéria doente ainda presente,
coisa que passa a se manifestar logo em seguida, e que é encontrada em um lugar outro e estranho
do corpo, então é absolutamente certo que um tumor, uma dor, uma tensão, um prurido etc. acabam
por revelar que encontramos num lugar qualquer a matéria em cocção de modo imperfeito, seja na
parótida, seja em outras glândulas, seja no tecido celular (estendido entre os músculos), seja num
orgão qualquer, seja no hábito da pele; ou seja, que encontramos exantemas na pele. Nesse caso,
uma crueza quase que nova demanda uma repetição da cocção.
§1292. Às vezes, pode ocorrer de a própria cocção tornar a crueza ainda mais maligna no momento
em que inicia a sua resolução, caso dos miasmas malignos, os quais, conforme são mais e mais
resolutos, espalham-se, tornam-se mais sutis, infiltrando as menores partes do corpo e causando mal
até aos nervos, situação em que também acontece de as forças dos sólidos, inaptas a pôr em cocção
a matéria da doença, desaparecerem. Daí crescem de modo contínuo os piores sinais de malignidade
(§1284), e o doente pode até perecer sob o próprio progresso da crueza. É certo que nesse caso há
também exantemas nascidos na pele que enganam sobre uma crise metastática, como observamos
ser a situação de manchas púrpuras malignas e de petéquias, mas esses mesmos exantemas não
aliviam a doença, sendo antes sinal de uma corrupção interna.
§1293. Agora, se a boa cocção suceder como esperamos (§1289), então a doença também é
exterminada como esperamos, de modo que a matéria da doença é ou separada, gradativamente e
através de resolução lenta, isto é, por uma mutação que mal percebemos nos humores evacuados
(situação chamada de lise), ou expelida através de uma forte expulsão, por meio de processos
purificadores do corpo (situação chamada mais estritamente de crise); de qualquer maneira o
enfermo recupera sua saúde. Na verdade, se uma mutação inesperada ocorrer durante a progressão
de uma doença, seja esta suficientemente próspera, seja resistente à cocção — devido ou à índole da
matéria depravada, ou (muitas vezes) à neglicência do doente, de quem está presente, ou de quem o
trata —, então ou a doença perdura, ou, o que é frequente, se torna letal, ou uma outra surge em
cena, à qual costumamos dar o nome de perturbação crítica ou de mutação infeliz da doença.
§1294. Assim, a crise em sentido geral — assim designada pela força da expressão — denota um
juízo sobre a eventualidade da doença. Claro que o egresso da doença suplanta, em última instância,
todo juízo sobre ela, independente de como aquele ocorrer, resultando seja em saúde, seja em outra
doença, seja na morte. No entanto, já que depreendemos que o melhor egresso acontece ou durante
uma crise resolutória1 (isto é, em uma lise), ou durante uma crise de evacuação e separação evidente
da matéria doente, é costume dar o nome de “crise” ou a essas duas mutações, ou principalmente à
segunda delas; ora, raramente ou nunca podemos assumir uma situação de assimilação em que a
matéria da doença sofra mutação de volta para a saúde sem nenhuma evacuação, a qual sempre é
possível classificar como uma lise.
§1295. Assim, a lise (ou crise resolutória) denota uma mutação da doença em que sua matéria,
misturada de forma ruim e proveniente dos humores, é convertida em matéria semelhant aos
humores saudáveis, principalmente através da transposição de partículas; embora não possamos
negar, aqui, que algumas partículas doentes saem por meio de vários processos purificadores do
corpo, isso mal quase não é evidente na excreção. Ora, uma vez que as excreções habituais e
1 Em
latim, crisis resolutoria. O adjetivo encontra origem no termo resolutio, o qual traduzimos como “resolução”.
Segundo Gorter, ela ocorre na matéria doente quando “a Massa densa e conforme que tiver sido reduzida em fluído”; cf.
Gorter Systema, 29 (§33).
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Ludwig Pathologia
próprias de um corpo saudável logram expulsar as partículas nocivas, não restam dúvidas de que
isso ocorre grandemente em quaisquer doenças, ainda que nem sempre seja visível a olho nu.
§1296. Assim, sabemos que uma lise acontece quando observamos, após sintomas mais suaves,
visíveis durante a crueza, por vezes até representativos do bem-estar, que uma progressão mais
calma da doença toma lugar: as ações vitais tornam-se mais vigorosas, deixam de ser obstruídas em
excesso; mais que isso, quando resgatamos um doente de alguma sensação cada vez mais pesada no
corpo, distinta de ágil saúde; e quando nele observamos torpor e letargia em todas as ações, isto é,
entorpecimento dos sentidos e relação dos sintomas com frequência grave. Todos esses sintomas
não emergem se não lentamente, tanto em uma doença mais grave (quase sempre mais violenta,
sendo aqui indicantia de algum grau de malignidade), quanto em excreções alternadamente
progressivas, elas mesmas sintomas, até que o doente, já recuperado, não sinta mais nenhum
desconforto além de certa fraqueza deixada pela doença.
§1297. No entanto, a crise em seu sentido estrito (§1294), isto é, a crise de evacuação, se desdobra
de tal maneira que os movimentos resultantes de uma cocção que progrediu de modo
suficientemente venturoso, os quais dependem da circulação humoral (e que até então esperávamos
ser um pouco mais moles), voltam a se expandir, e que a matéria da doença, agora em cocção, volta
a ser movida pelo revigoração das forças vitais, sendo eliminada por meio de vários processos
purificadores do corpo, e impondo, dessa forma, um término à própria doença.
§1298. É certo que essa mutação se desenrola em períodos frequentemente definidos, de maneira
que uma agitação mais veemente, efetuada em um único dia, ou mesmo um paroxismo mais intenso
acabam por prenunciar que haverá uma crise evacuatória após um curto intervalo de tempo. Não por
menos, o sétimo dia serve de índice ao nono; o décimo primeiro serve de índice ao décimo quarto; o
décimo oitavo, de índice ao vigésimo primeiro. No entanto, não devemos esperar uma mutação tão
regular da matéria doente em todas as doenças; antes, o resultado da doença é perceptível a partir
tanto da cocção efetuada até aqui, quanto dos sintomas críticos, ainda que possam ocorrer mais cedo
ou mais tarde indícios de crise, ou mesmo uma crise, devido à diferença de sujeitos.
§1299. Na verdade, já que é muito frequente que os sintomas críticos vêm de encontro aos sintomas
doentes, cabe que o médico esteja absolutamente atento para notá-los, distingui-los, e controlá-los.
Eles são os seguintes, em geral: aumento das forças, ou ao menos uma robustez mais consistente
destas; febre intensificada no calor, visível na sede; respiração profunda, lenta, dolorida; grande
excitação do diafragma, acompanhada ou de vigília, insônia e delírios, ou de letargia e de estranha
sensação de peso no corpo, obscurecimento dos sentidos e sonolência. Já os sintomas críticos
específicos, sinais próprios de diversos tipos de crise, dificilmente podem ser enumerados, cabendo
determiná-los a partir dos históricos das doenças específicas.
§1300. Esses mesmos sintomas podem resultar até em metástase, a qual, no entanto, nem sempre se
desenvolve com brandura (conforme anotamos acima, no parágafo §1290); antes, a verdadeira crise
metastática — sobretudo aquela que observamos nas febres exantematosas — revela com
frequência sintomas mais graves. Ora, é durante períodos assim que ocorre irritação da pele, com
cócegas e formigamento, assim como muitos outros sinais que revelam um estado usualmente
péssimo da matéria doente (então em movimento), em especial quando a grande quantidade de
matéria doente ou a deficiência das forças logram impedir uma propulsão total, rendendo tais
doenças à dificuldade do juízo.
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Ludwig Pathologia
§1301. Assim, devemos, durante a identificação dos sintomas doentes e críticos, prestar atenção
antes nas ações vitais que em outras, as quais, se soubermos que são eficazes, compreendemos
também que muito provavelmente elas são igualmente críticas, não importa que os sintomas de
resto pareçam péssimos. No entanto, se descobrirmos ações vitais algo afrouxadas, concluímos que
os sintomas da doença superam a vida. Além do mais, o médico que vai emitir um juízo sobre isso
deve, na verdade, ponderar a constituição do doente em relação a sua saúde pregressa, assim como a
progressão da doença em relação à crueza e à boa cocção, tecendo reflexões que proporcionam mais
facilmente a ele conclusões sobre o movimento crítico ou doente. Todavia, se o próprio médico
ainda estiver em dúvida quanto a um estado muito difícil de uma doença, algumas horas de atenção
paciente serão suficientes para revelar ou o alívio, ou a intensificação da doença.
§1302. Na verdade, podemos nos certificar sobre o resultado favorável de uma doença sobretudo se
a própria crise fica evidente nas excreções, e se o suor, o fluxo fecal, a urina, uma hemorragia, a
salivação e outras ações que observamos durante uma crise metastática acabam por acometer
silenciosamente um doente, irrompendo, com alívio, em abscessos e exantemas. Finalmente, se os
sintomas da doença diminuírem dentro do quadro de aumento dessas excreções, então podemos
engrandecer em muito nossas esperanças de recuperar a saúde.
§1303. No entanto, não é a primeira vista que podemos comprovar que uma crise de evacuação é
boa e suficiente para dissipar a doença, mas, com frequência, apenas após o decurso de alguns dias.
Ora, é raríssimo que as doenças se resolvam de um ímpeto só, e, mesmo se isso acontecer, isso é
consequência de uma evacuação primária fortalecida (como o suor, ou, no caso de outras mais
suaves, pela urina). Portanto, embora as excreções críticas pareçam de início ter uma índole
geralmente não muito boa, se elas abeiram cada vez mais o estado de saúde (conforme declaramos
antes na doutrina sobre o suor, sobre a urina etc.), então as julgamos como boas notícias. Ainda,
uma vez que costumamos muitas vezes analisar as crises a partir do estado epidêmico das doenças,
assim como das condições do doente em relação a seu estilo de vida, sexo, idade e várias outras
circunstâncias, é somente a experiência, adquirida por meio do estudo das fundamentações da
práxis específica, que vai conduzir o médico à sua própria conclusão, certificando-o desta.
§1304. No entanto, durante o período em que julgamos suceder, de modo suficientemente
satisfatório, ou uma crise de evacuação, ou uma resolutória, ou mesmo uma metastática, pode
algumas vezes acontecer de surgir uma perturbação crítica (§1293), de modo que a matéria, já
disposta à mutação e à expulsão, comece novamente a agitar-se, coisa que acontece quase que
somente na fase final de uma doença, em um enfermo já completamente enfraquecido por esta,
sendo aqui muito rara a promessa de que uma cocção boa volte a acontecer; antes, a matéria da
doença ou acabar por levar o doente a óbito, ou, o que é frequente, deixa uma outra doença, dessa
vez crônica.
*
71
Ludwig Therapia Generalis
Christian Gottlieb Ludwig
Institutiones Therapiae Generalis praelectionibus academicis accomodatae
(Fundamentos da Terapia Geral, adaptados para as palestras na academia)
1754
PREFÁCIO
A MEUS MUITÍSSIMO ESTIMADOS COMPANHEIROS, SAUDAÇÕES
Apresento-vos agora a terceira parte da medicina, isto é, a terapia geral, e alegro-me
grandemente de ter cumprido minhas promessas e concluído a coletânea de minhas palestras em
versão escrita. Ora, ainda que seja pequeno tanto o tamanho dos livros anteriores, os quais tratam de
fisiologia e patologia, quanto o do atual, e que esses não esgotam toda a doutrina da arte da saúde,
eles logram estabelecer, no entanto, as fundamentações para o conhecimento dessa matéria, e
também vos conduzem, através de um caminho muitíssimo breve, ao estudo minucioso da
medicina. Igualmente, sei que os compêndios de medicina desse tipo não devem ter nada de novo, e
que a quantidade de palavras não deve ter peso quando o professor fala ao vivo do que seja que se
possa desejar, mas todo o vigor e perfeição dessas mesmas coisas consiste nisso: que, pela conexão
do que foi proposto e pela seleção das proposições que são necessárias à formação do médico, estas
acabem por se fiar umas às outra; assim nada acontece na fisiologia que não se demande na
patologia e na terapia, e nada se revela na terapia que não seja deduzido a partir das anteriores.
Coloquei-me dessa forma este objetivo, o de explicitar opiniões e experiências, algumas delas
ilustradas, a partir das doutrinas gerais da fisiologia, a anatomia e a química, quais disciplinas que
nos preparam à medicina, e de também relatar, a partir das mesmas, a ideia de um homem saudável
e de um doente, assim como também os preceitos concernentes à mitigação do estado da doença ao
da saúde em um corpo.
Assim escrevi a mim e a meus ouvintes; em nenhum momento aspirei às glórias de um
médico profissional da comunidade, esclarecido na doutrina e na erudição. É certamente a mim
mesmo que escrevi o que exprimi por uma exposição do que interessa aos médicos (ora, o que é
conhecido daqui), através de palavras e de um estilo que cabem remeter ao caminho que a matéria
proposta acabou por tomar na minha cabeça; escrevi, porém, a meus companheiros também o que
propus como regra, segundo a qual eles podem abstrair de forma mais precisa o conjunto do que
interessa ao médico, levando-os em sua consideração e atenção; podem adicionar o que em minhas
palestras exponho e ilustro através de exemplos; e podem delimitar as conclusões controvertidas
dos médicos, encontradas nos livros dos escritores mais insígnes. Igualmente, mantemos a mesma
ordem das meditações que vão prepará-los à atividade médica do mesmo modo que até então me
levaram a conhecer e a cultivar a arte da saúde, e permitiram-nos saber adquirir cada vez mais
informações sobre essa ciência.
Se mesmo os doutores que são versados na medicina vierem a conhecer nossos fundamentos
médicos, adequados ao ensino na academia, eles entretanto não suspeitam o que virá em seguida,
coisa que me lançará a completar aqueles com esmero e perfeição. Ora, ainda que minha tese e meu
objetivo tenham sempre me mantido ocupado com o ensino da arte da saúde, e que o dever do
médico clínico tenha me obrigado a continuamente considerar aquilo que pertence a um homem são
e a um doente, foi tanto a amizade que cultivo com esses homens, os quais ensinam com louvor
medicina em nossa universidade e a exercem entre nossos cidadãos, e ainda sempre contribuem
com novas informações sobre essa ciência através do intercâmbio acadêmico com estrangeiros,
quanto foi absolutamente a medida da minha vida que me fizeram disposto a essa empresa. Devo
insistir nos caminhos da natureza, esta que sempre nos instruiu com vívidas representações das
coisas e com os fenômenos, e, na medida em que ela (como em outras partes da erudição só é douta
72
Ludwig Therapia Generalis
a lição dos livros) nos fornece informações sobre essa ciência, assim a consideração atenta de tudo
aquilo que nos cerca é capaz de nos prover uma imensa oportunidade de aperfeiçoar o
conhecimento adquirido do mundo.
É ancorado nestes princípios, portanto, os quais propus nestes livros, que tão-somente
conduzi as primeiras linhas sobre a arte da saúde, e neles irei com todo zelo dirigir-vos, mutíssimo
queridos companheiros, a lograr uma explicação mais profícua, adotada nos estudos públicos e
particulares, daquelas. De fato, desejo que sejais livres para que, se algo for encontrado em meus
livros que eu tenha colocado de maneira apta à natureza, que isso demande absolutamente vosso
consentimento; para que, se algo lá tiver penetrado que não esteja de acordo com a lei da natureza
— se a consideração atenta dos fenômenos vos levar a pensar de outro modo, aconselho a afastarvos de mim: ora, eu não presto meu consentimento cego a meus preceptores, e tampouco desejo que
façais o mesmo. Acerca das dúvidas que surgirem, no entanto, exorto-vos candidamente a não
crerdes de modo leviano se alguns dogmas apresentados por outros parecerem ter o aspecto da
verdade, e se elas vos jogar confidentes contra as autoridades daqueles. Antes, que tais dúvidas,
uma ou duas vezes examinadas, e confirmadas mais e mais; que elas sejam por fim merecedoras do
vosso consentimento. Sabei então que entre todos os fenômenos, os quais nos ocasionam as coisas
naturais, ocorrem com mais frequência como um joguete da natureza que se impõe aos imperitos;
observai-os com atenção, portanto, em relação àquela regra que vos propõe uma explicação lógica
ao delimitar tais verdades; e crede que é assim que o médico filósofo alcança o sumo conhecimento
que é dado aos homens. Adeus.
Escrito em Leipzig, no mês de Março de 1754.
PROLEGÔMENOS
§1308. O médico que reconhece a doença presente no enfermo seja por meio de sinais sólidos, seja
por meio de sinais fluídos, seja por meio de ambos percebe que ocorre alguma mudança que, ele
suspeita, pode ser curada através de instrumentos e remédios, com os quais um homem ou seja
restituído em perfeita saúde, ou ao menos a maior parte das ações do corpo lhe sejam devolvidas a
um estado semelhant ao saudável. Assim, afirmamos acima, no parágrafo §91, que a terapia geral
revela seja o método de cura, seja a razão pela qual um corpo doente se modifica em um corpo
saudável.
§1309. Assim, a disciplina médica, a fim de que venha a ser diligentemente proposta e ensinada,
pressupõe não somente a fisiologia e a patologia (as quais nós já apresentamos), mas também o
conhecimento dos alimentos, dos medicamentos e dos remédios cirúrgicos; ora, estes são todos
ferramentas com as quais realizamos mutações em um corpo doente. Mas é a partir disso tudo,
como se tais coisas estivessem posicionadas de antemão e fossem comparadas entre si que se forma
a conclusão sustentando seja a indicação médica, seja o juízo do médico acerca dos remédios a
serem aplicados no corpo doente.
§1310. No entanto, aquilo que se aplica no corpo doente, requerido a partir da dieta, das fontes da
farmácia e da cirurgia, não pode ser aplicado senão em um corpo vivo; com efeito, quão mais forças
um corpo tiver, e maior vigor apresentar nas ações vitais melhor nele agirão os efeitos dos
remédios; é assim que na Parte Dois distinguimos acerca da preservação da vida ou da indicatio
vital.
73
Ludwig Therapia Generalis
§1311. As causas produzem a doença, tendo sido ou aplicadas no exterior do corpo, ou natas em seu
interior (§993.seqq.), as quais, se nele permanecem durante muito tempo, incomodam o doente e
tornam-no pior a cada dia; assim o médico esforça-se para removê-las antes de atacar diretamente a
doença em si; é assim que na Parte Três abarcamos a indicatio causal, também chamada de
preservatória ou profilática.
§1312. Removidas tais causas, o médico então enxerga as mutações da doença, as quais emergem
de maneira sólida, fluída, ou por meio o movimento dos fluídos através dos sólidos (§932.seqq.), às
vezes de doenças reais; ou o médico considera as causas aproximadas das doenças (§1073), agindo
para remediá-las, e dessa forma sucede a indicatio verdadeiramente terapêutica ou curatória, a qual
é exposta com mais profundidade na Parte Quatro.
§1313. Porém, se certos sintomas ou efeitos de uma doença (os quais dependem da doença ou das
causas da doença) às vezes despontam com muita violência e ímpeto no doente, e da mesma forma
impedem ou retardam a própria cura da doença, aí deve-se assistir o corpo até elas que elas vão
embora ou sejam em parte aliviadas, a razão de cujo estado é revelada, através de alguns exemplos,
na Parte Cinco.
§1314. Esboçamos assim o âmbito da terapia geral na introdução para a medicina, algo já indicado
de modo muitíssimo breve nos parágrafos §91-95 e agora repetido de acordo com a seguinte tabela:
Parte I. Abordagem das fundamentações da terapia geral; onde tratamos também
Cap. I. Sobre os pressupostos da terapia geral;
Cap. II. Sobre a formação das indicationes em geral.
§1315.
Parte II. Proposição da indicatio vital ou conservatória; doravante explicamos
Cap. I. A preservação das forças através dos alimentos,
Sect. I. Nutrientes,
Sect. II. Fortalecedores;
Cap. II. A preservação das forças através dos medicamentos;
Sect. I. Analépticos,
Sect. II. Estimulantes.
§1316.
Parte III. Exibição da indicatio causal, chamada de preservatória ou profilática; onde
tratamos também
Cap. I. Sobre reparar os erros da dieta;
Cap. II. Sobre coibir a eficiência dos venenos;
Cap. III. Sobre aliviar a plétora;
Cap. IV. Sobre reparar a cacoquimia.
§1317.
Parte IV. Proposição da indicatio terapêutica ou curatória; doravante tratamos
Cap. I. Sobre abrandar a rigidez de sólidos;
Cap. II. Sobre fortalecer a frouxidão de sólidos;
Cap. III. Sobre combinar a unidade de uma solução;
Cap. IV. Sobre engrossar a magreza de humores;
Cap. V. Sobre diluir a grossura de humores;
74
Ludwig Therapia Generalis
Cap. VI. Sobre preparar uma solução ácida aplicada em doenças;
Cap. VII. Sobre preparar uma solução alcalina aplicada em doenças;
Cap. VIII. Sobre conter o movimento excessivo de sólidos e de fluídos;
Cap. IX. Sobre estimular o movimento escasso de sólidos e de fluídos;
Cap. X. Sobre depurar as obstruções dos vasos e das vísceras;
Cap. XI. Sobre a evacuação das vias primárias,
Sect. I. por vias vomitórias,
Sect. II. por vias depuradoras;
Cap. XII. Sobre as evacuações líquidas,
Sect. I. por vias sudoríparas,
Sect. II. por vias adrenais,
Sect. III. por vias salivares,
Sect. IV. por vias mucosas,
Sect. V. por vias sebáceas etc.;
Cap. XIII. Sobre as evacuações sanguíneas,
Sect. I. por flebotomia,
Sect. II. por outras maneiras.
§1318.
Parte V. Abordagem da indicatio sintomática ou paliativa; tratamos também
Cap. I. Sobre conter a dor;
Cap. II. Sobre reduzir os excrementos.
PARTE I
FUNDAMENTAÇÕES DA TERAPIA GERAL
§1319. A terapia geral reúne quase todo o conhecimento necessário ao médico e o conduz ao
objetivo final da arte da saúde. Assim, deve-se primeiro apresentar a sua explanação, de modo que
este conhecimento, adquirido através do raciocínio e da experiência nas disciplinas elencadas
acima, seja estruturado segundo uma ordem adequada, em que tudo que é útil e certo seja destacado
de forma particular do que até então é duvidoso ou menos confiável, coisa que iremos manifestar no
Primeiro Capítulo, em um introito a respeito de quais disciplinas devem ser aqui pressupostas.
§1320. No entanto, os princípios extraídos a partir daquelas disciplinas representem a
fundamentação de uma conclusão que, em tempo, revela o que é particular do enfermo e como
podemos modificá-lo; decorre que os indicantia, colhidos da disposição do enfermo, representam a
fundamentação da indicatio e o indicatum, em oposição aos remotos indicantia, definem, no final
das contas, qual a doutrina de formação da indicatio, algo que iremos expor em geral no Segundo
Capítulo como o método genuíno de cura.
CAPÍTULO I
PRESSUPOSTOS DA TERAPIA GERAL
§1321. O médico novato deve confiar, após se instruir nos subsídios gerais que são imperativos à
conquista da erudição, que tudo aquilo que o deixa mais próximo da medicina (o que já propusemos
entre os cuidados dignos de atenção especial no parágrafo §46) é absolutamente necessário para
alcançar seu objetivo final, e assim deve ele retornar, retomando a terapia geral, ao conjunto das
disciplinas abstraídas da parte introdutória sobre a medicina. Com efeito, visto que não são poucos
75
Ludwig Therapia Generalis
os médicos que, tirando conclusões precipitadas, não atentam aos cuidados preliminares seja devido
à ignorância ou à negligência, abordaremos novamente esses subsídios completamente necessários à
atividade terapêutica.
§1322. Concedemos que um médico que seja experiente na técnica e na prática da medicina nem
sempre vai recorrer aos princípios elementares deste conhecimento ou sequer vai retornar às regras
de um método de cura a partir de suas fundamentações elementares; idem, que tampouco convém
que esse médico lecione teoria da medicina para um doente acamado. No entanto, caso ele não se
pôr tanto a empregar diligentemente tais fundamentações nas universidades, quanto, ao mesmo
tempo, a examiná-las minuciosamente através da própria atividade reincidente dessa arte, pode-se
mesmo assim deduzir-se empiricamente aquilo que é falso e enganoso frente àqueles princípios da
medicina negligenciados.
§1323. É na terapia, portanto, e sobretudo na terapia geral, na qual que se formam conclusões
abstraídas de todas as disciplinas, que se deve observar tal caminho, de modo que o fio da
demonstração seja deduzido a partir de princípios originais, que hipóteses não sejam propostas ou
consideradas a não ser se aparentemente prováveis, e assim que conclusões o mais certas possíveis
sejam atingidas e estabelecidas como se fossem norma de uma práxis específica.
§1324. O médico sempre terá olhos atentos para a fisiologia, exposta de modo preciso por meio das
experiências físicas, anatômicas e químicas. Ora, quem se dedica a preservar o estado de saúde de
um homem a partir das próprias deliberações deve restituir o mesmo por meio de instrumentos e
remédios, e fazê-lo sobretudo durante o estado de doença, para que assim conheça a vida e a saúde
daquele homem ainda presentes no doente, e para que perceba o quanto aquele estado depende das
forçais vitais enquanto o trata.
§1325. Do mesmo modo, a patologia será também absolutamente necessária, já que o médico não
pode curar uma enfermidade que não conhece ou que não delimitou com precisão. Assim,
escancarar as causas e os sintomas e defini-las a partir de sinais seguros, formando um diagnóstico e
preceituando um prognóstico certo: são essas as fundamentações em que as indicationes da terapia
se estruturam, sem dúvidas.
§1326. Mas sói que o médico também identifique os instrumentos, dentre aqueles que ele conhece,
que são adequados à mudança do corpo doente. Isto é, na medida em que o conhecimento preciso
da matéria médica torna-se algo a ser conquistado, sói que o médico aprenda a reconhecer, a partir
da história natural e da ciência natural, os medicamentos por assim dizer mais simples que outros
restantes, e aprenda a examiná-los segundo a norma da química geral, com que ele possa selecionar
e aplicar, entre tamanha quantidade de corpos naturais, os instrumentos que são os melhores,
reconhecidos por sua eficiência.
§1327. No entanto, nem mesmo os medicamentos puros podem ser sempre aplicados sob a forma
que aparecem na natureza, mas devem ser antes ou adaptados à aplicação após uma preparação
exata, através da qual suas forças possam ser preservadas, avigoradas ou amolecidas; ou misturados
a outros, caso não sejam suficientes à conquista do objetivo prescrito. Sói, portanto, que o médico
absolutamente se aplique ao estudo da farmácia, especialmente porque deve perceber e corrigir os
erros que os farmacêuticos cometem por ignorância ou negligência.
76
Ludwig Therapia Generalis
§1328. O exercício da técnica cirúrgica certamente se relaciona com a práxis específica (parágrafo
§97); no entanto, quando na terapia geral ocorrem tanto indicationes que demandam remédios a
partir do aparato cirúrgico, quanto disso é possível tirar conclusões, frequentemente por analogia,
das enfermidades externas (tendo em vista o sentido das ocorrências) em relação à natureza dos
orgãos internos, aí o médico aplicará todo o seu vigor para de imediato estudar a terapia com mais
profundidade, ele que já obteve o conhecimento preciso de toda a teoria da cirurgia acerca tanto dos
instrumentos cirúrgicos quanto das operações, aperfeiçoadas através desses.
§1329. Mas, uma vez que o provérbio de Hipócrates prega que “a arte é longa, a vida é breve”,
existe uma grande diferença entre o cultivo de tais disciplinas, a físico-médico e a aplicação
médico-prática, tanto que os médicos que almejam aperfeiçoar de um único modo uma ou outra,
ilustrando-a com seus escritos, certamente podem e devem impulsionar o progresso da medicina
segundo sua própria investigação; no entanto, os médicos que desejam por fim levá-las todas ao uso
da práxis devem aprender a coligir suas observações e experiências a partir das mesmas,
investigadas minucia e diligentemente nas universidades, e assim aplicá-las ao objetivo final da
medicina.
CAPÍTULO II
FORMAÇÃO DA INDICATIO
§1330. Assim, tendo abstraído tanto observações e experiências quanto conjecturas a partir das
outras disciplinas, o médico nelas instruído utiliza tais partes às vezes de pressupostos, a partir dos
quais tira conclusões quanto a que coisa e por meio de quais instrumentos se deve realizar uma
operação no corpo doente. Tais elementos supracitados são os indicantia, a partir dos quais se
estrutura a indicatio, a qual, se examinada de modo mais detalhado, define o que se costuma chamar
de indicata, ou seja, tudo aquilo que deve ser aplicado no corpo a fim de que ele fique saudável.
§1331. Assim, os indicantia são os sinais de saúde e de doenças, ou seja, todos aqueles fenômenos
que o médico depreende do corpo doente ao investigá-lo. Ora, ainda que à primeira vista sinais de
doenças pareçam suficientes para conhecer a própria doença, é absolutamente estabelecido que não
se pode conhecer uma tal se não se comparar as forçais vitais seja com a saúde outrora presente,
seja com os sinais que então são encontrados enquanto ele está doente.
§1332. Ora, o médico, ao examinar um doente, assiste-o, em primeiro lugar, até que sejam
encontradas as ações da saúde que ainda são supérstites no corpo, e até que estas também atuem em
conjunto a fim de modificarem e expulsarem a doença; após, o médico examina o vigor da própria
doença à medida em que esta leva a uma mudança nas partes sólidas ou fluídas, e resiste à ação das
forças vitais, impedindo-as de efetuar uma mudança do estado de doença para o estado de saúde.
§1333. No entanto, é no momento em que o médico pondera com precisão sobre todos os indicantia
e compara os sinais de saúde e de doença entre si que seu intelecto é instruído, para que ele assim
possa conhecer o que deve fazer no doente, a fim de que assim seja restituído o equilíbrio das ações
a serem efetuadas pelo corpo. É este juízo do médico, encontrado a partir do supracitado, que se
chama indicatio; ora, é encontrando-a que o médico conhece o que deve realizar sobretudo em seu
doente e aquilo que deve efetuar em razão do quadro do estado presente deste.
§1334. Assim, a indicatio geral significa preservar, com efeito separar do estado de doença tudo
aquilo que se depreende de saudável em um doente. No entanto, uma vez que tanto a saúde quanto a
77
Ludwig Therapia Generalis
doença representam séries de causas e efeitos, e muitos sinais a serem observados ocorrem ao
mesmo tempo em um indivíduo doente, a própria indicatio deve ser disposta em partes, coisa já
descrita anteriormente nos parágrafos §91 a 95 e §1310 a 1313; desta forma, as indicationes vital,
causal, curatória e sintomática serão examinadas uma a uma e novamente referidas ao indíce de
capítulos e de seções da terapia geral, para que assim o médico versado na práxis possa tanto assistir
quanto perscrutar ou uma, ou outra, ou várias dessas diferentes indicationes ao mesmo tempo.
§1335. Assim, fica clara a conclusão feita pelo médico, isto é, a indicatio que deve ser feita por ele.
No entanto, um médico deve ter em mãos diversos remédicos já conhecidos, com os quais se
permite produzir determinados efeitos no corpo. Assim, são essas coisas, selecionadas e encontradas
a partir de uma origem que se deve à natureza, à preparação ou à composição, e suficientemente
conhecidas e adequadas à mudança do corpo doente a um estado saudável que se costumam chamar
de indicata.
§1336. Tais indicata envolvem o regime adequado a um doente, o qual, segundo o conhecimento
dos seis elementos não naturais adquirido no estudo da dietética, deve ser ordenado pelo médico de
acordo com a condição do próprio doente; mais, envolvem os medicamentos convenientes ao reparo
dos sintomas sólidos e líquidos em uma doença, e que se prestam seja à intensificação, seja à
redução dos movimentos daqueles; envolvem, além disso, os remédios cirúrgicos, ou seja, as
ferramentas com os quais modificamos um corpo doente. Os indicata, portanto, são aplicados como
instrumentos de mudança do corpo a partir de três fontes, estabelecidas em dieta, farmácia e
cirurgia.
§1337. No entanto, já que na maioria das vezes descobrimos doenças que são compostas, e que
dessa forma encontramos simultaneamente muitos indicantia (a partir de todos quais, uma vez
comparados entre si, tanto a indicatio quanto o indicatum podem ser coligidos), não raro costuma
acontecer, mesmo após termos encontrado e checado tanto a indicatio quanto o indicatum, que
algumas doenças façam surgir uma indicatio que seja contrária a partir dos mesmos indicantia, e
dessa forma que estes se tornem contraindicantia, os quais nos dissuadem de executar uma
mudança no corpo e assim repelem a intenção do médico agente.
§1338. Assim, o médico que estiver em dúvida deve neste caso examinar de novo os indicantia;
deve depreender a partir deles elementos ou diversos ou novos para seu interesse, os quais possam
em primeiro lugar confirmar uma indicatio já feita; e então deve confiar que é essa a indicatio a ser
perscrutada. Tais indicantia ponderados ou encontrados outra vez são chamados de
contraindicantia. No entanto, se os indicantia encontrados após um exame mais atencioso
configuram coisas que se repelem mutuamente, isto é, se eles entram em contradição com os
contraindicantia em relação à indicatio anterior, então devem ser descartados e é necessário
escolher um outro caminho para o tratamento.
§1339. De fato, essas dúvidas, as quais por vezes acometem um médico versado na técnica da
prática médica, devem ser definidas, coisa a que se prestam certos axiomas gerais que dizem
respeito sobretudo a essa questão:
1. Se duas indicationes surgem e não entram em contato uma com a outra ao mesmo tempo,
então é suficiente que se faça algo em relação à primeira;
2. Se a indicatio vital surgir ao mesmo tempo em que as outras, sói que sempre a escolhamos
em detrimento dessas (ora, é em vão que os remédios são aplicados caso a negligenciemos);
78
Ludwig Therapia Generalis
3. Se a indicatio é obscura e incerta, cabe buscar e averiguar com cautela os indicata da
presente doença a partir da analogia com doenças semelhantes;
4. Se tal averiguação machuca o doente, eis que temos contraindicantia, devendo estes ser
rejeitados;
5. Se tal averiguação prova-se útil, então se fazem reais os indicantia que apresentam o estado
da doença, os quais confirmam a indicatio e devem ser assim perseguidos;
6. Se indicata incertos de modo algum indicam que a vida está em perigo, é absolutamente
possível averiguar se poderia haver perigo de vida iminente a partir deles, e aí nada deve ser
feito (ora, é melhor deixar um doente morrer que o matar);
7. No caso dos males mais graves, devemos agir de imediato com firmeza, averiguando os
remédios mais efetivos, principando nos mais leves, dos mais brandos aos mais fortes;
8. Os melhores remédios, contrários às idiossincracias do sujeito, machucam, ainda que se
descoberto que eles são muitíssimo profícuos em outras partes.
§1340. Por fim, nós deveremos investigar a terapia geral no tocante à norma das indicationes, à
guisa de um esboço, e assim apresentaremos, de maneira breve, essas mesmas a partir das fontes
dos indicantia, de modo que a partir daí a indicatio seja definida com mais precisão e assim os
indicata ou remédios, os quais assumimos serem conhecidos a partir da matéria médica, possam ser
aplicados no próprio tratamento — de modo que o método geral de cura esteja claro em todo o livro
e logre em seu tempo vir de encontro àquela norma na práxis de doenças específicas.
PARTE II
INDICATIO TERAPÊUTICA OU CURATÓRIA
CAPÍTULO II
COMO FORTALECER A FROUXIDÃO DOS SÓLIDOS
§1443. Caso o calor não principie epidemias, os medicamentos chamados de “balsâmicos” ou
“tônicos” oferecem a melhor utilização, sobretudo durante os períodos em que o médico coloca-se o
objetivo de diluir, ao mesmo tempo, os humores viscosos. Além do guaco, das raízes da quina e da
pimpinella, assim como outras semelhantes (como a goma-laca e a hera), também o âmbar, a mirra
e o mástique são aqui de grande serventia: nessas plantas, para além de sua força de resolução, a
qual depende das partes gomosas e resinosas e é com frequência requerida na tenacidade dos
humores, detectamos outras propriedades que também fortalecem as fibras menores. As principais,
em soluções aquosas, concentradas e fervidas, e de fato todas aquelas em bebidas alcóolicas se
prestam à egrégia utilização. A força da goma-laca é, no que fortalece a frouxidão das partes
gomosas, conhecida por poder ser aplicada também nas partes internas; disso não resta dúvidas.
§1444. Todas as plantas amargas são, devido à abundância de partes térreas, extremamente potentes
no fortalecimento, e podem, no caso das infundidas, em cocçãos e extraídas, não raro ser
nauseantes, ainda que sejam aplicadas com fruição. As folhas do sintro, da fumária e do cardo santo,
assim como as raízes das gentianas, servem de exemplo nesse caso, a que podemos adicionar muitas
outras coisas. No entanto, é sobretudo a folha do milefólio, não tão amarga ou nauseante assim, a
mais importante nesse campo; é com frequência que sua força é aplicada na medicina, por meio de
caldos suaves, com o fim de nutrir e fortalecer.
§1445. Um outro remédio que se tornou famoso é o cortex peruvianus ou quina-quina [china
china], a qual facilmente ofusca o brilho dos demais medicamentos amargos e fortalecedores, uma
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Ludwig Therapia Generalis
vez que escritores de excelência, bem expostos na matéria médica, fazem sua recomendação. A
quina-quina, infundida em solução aquosa (ou ainda colocada em água fria), é algo bastante ameno,
embora não destituído de força, e, no caso de homens enfraquecidos, é merecida e geralmente
melhor prepará-la assim do que de outras maneiras. Seu pó, cuja força febrífuga é deveras
importante, apresenta o mesmo efeito, devido a nada além de sua índole fortificante. Aqueles que a
rejeitam em pó, de fato, tomam-na em forma de eleituário, coisa que damos também a diversos
pacientes em uma infusão com vinho.
§1446. Com efeito, a quina-quina é imensamente mais importante que os demais medicamentos
fortalecedores porque percebemos, através de certos efeitos, que ela penetra não só nas vias
primárias do corpo, como também em quase todas mais remotas e menores, a tal medida que ela é
conferida com o máximo de fruição tanto no estado de convalescência após as febres agudas mais
sérias, quanto na gangrena, iminente ou presente, dos membros. Ela é dada com cautela no caso dos
corpos impuros, pois pode provocar febres ou levar movimentos de natureza irregular a paroxismos
ordinários; a quina-quina é útil não só durante as febres intermitentes, mas também nas contínuas,
caso as forças vitais não forem suficientes, nesses casos, para efetuar a cocção completa da doença.
Seu efeito parecerá perfeito em corpos relaxados, caso consiga fazer o intestino funcionar através de
seu fortalecimento, assim expelindo os humores supérfluos.
§1447. No entanto, embora pareça que mal poderíamos encontrar um outro remédio que logre
substituir o ótimo cortex peruvianus, há diversas outras folhas, de plantas menos adstringentes, que
certamente não devem ser negligenciadas no que concerne ao escopo interno. O mesmo para os
vinhos encorpados, escuros, ditos “Pontac”, e outros assaz nobres, semelhantes: são também
medicamentos analépticos, extremamente potentes. Há medicamentos preparados a partir do
marmeleiro, do suco da acácia e de outros frutos subadstringentes, a saber o rob, preparado a partir
das bagas do Sorbus, também merecidamente importante. A tamargueira, o freixo, o cipó-doce, a
tormentila, a bistorta, a azeda, a sanícula, a alquemila e muitas outras plantas em casca, raíz ou
folha adquirem forças subadstringentes, conferidas nos medicamentos de formato adequado.
*
80
Ludwig Medicina Clinica
Christian Gottlieb Ludwig
Institutiones Medicinae Clinicae praelectionibus academicis accomodatae
(Fundamentos da Medicina Clínica, adaptados para as palestras na academia)
1758
PREFÁCIO
A MEUS MUITÍSSIMO ESTIMADOS COMPANHEIROS
Passei já cerca de trinta anos no estudo atento da arte da saúde, assim como em sua
efetuação através do ensino e da prática. Dediquei os primeiros dez anos aos estudos teóricos, aos
quais me dei de corpo e alma, e, visto que me senti atraído pela imensa variedade do mundo a ser
contemplado, mal senti o desconforto dos afazeres que devia tomar: nada mais tinha eu em mente
que encontrar minha própria vocação; isto sempre me mantinha ocupado na abordagem dessas
disciplinas, estando muitíssimo longe da práxis clínica, plena de atenção. Mas a conclusão da
história foi outra: enquanto eu lecionava botânica e anatomia, e me preparava, naquela época, para
assumir o cargo de professor em nossa academia, coisa que sempre foi minha maior esperança, não
poderia acontecer que uma parte de meus afazeres fosse ao mesmo tempo direcionada à preservação
e restauração da saúde daqueles que esperavam minha ajuda.
A primeira fundamentação da práxis me foi ensinada por SCHACHER, homem muitíssimo
versado no método de cura próprio de seu tempo. Em seguida, foi WALTHER quem me corrigiu,
homem muitíssimo perspicaz e agraciado, por sua firmeza muitas vezes feliz, com a anuência dos
clínicos, e conduzido sobretudo pela razão e pela experiência. Ainda, os conselhos de PLATNER
me foram de imensa utilidade, pois, na medida em que ele discutia com diligência os escritores
antigos e os mais recentes, impelia-me assim e com frequência a estudos semelhantes. Igualmente,
além dos escritores antigos, perscrutei, frente a muitos e vez ou outra, o italiano BAGLIVI, o inglês
SYDENHAMM, e o alemão FRIEDRICH HOFFERMANN. Os ditados aforísticos de
BOERHAAVE não me agradaram tanto, tendo me deixado, antes, com muitas dúvidas. Conheci
tardiamente seu comentador, o ilustre VAN SWIETEN, e não foi de pouca importância o que dele
aprendi.
Ingressei na prática da medicina com cautela, examinei os doentes com minúcia, reuni com
determinação as descrições das doenças observadas, e comparei as encontradas entre si, para que eu
pudesse me tornar versado na formação da diagnose e na da prognose. Procurei sempre fazer uso de
poucos medicamentos, que sejam mais amenos, de regime dietético, e principalmente de um quadro
de ótima alimentação. Muitas vezes fui levado pela necessidade a me rebaixar a remédios mais
eficazes, dentre os quais apliquei, no entanto, apenas os recomendados pelos homens mais
experientes na práxis, com cuidado e após atenta observação dos efeitos, e certamente em doses
bem pequenas, e estou certo de nunca tê-las aumentado; ainda que eu tenha com retidão
considerado que um doente possa de vez em quando receber alívio dos remédios mais fortes, com
frequência eu também os lesei por causa desses mesmos remédios.
Nos próximos dez anos, durante os quais me reapareceu a imensa oportunidade de observar
os doentes, apliquei meu tempo em continuar meus estudos teóricos com garbo e perseverança: ora,
para além das aulas de botânica e da anatomia, cultivei, através do ensino, a matéria médica e a
química; noutras horas lecionei fisiologia, patologia e terapia geral em colégios particulares,
abstraindo, a partir das dos autores supracitados, os mais insígnes, tudo que eu pudesse transformar
em progresso para esse conhecimento e em comodidade para o público. Ainda que meus negócios
não permitissem que eu dedicasse atenção e tempo no percurso completo dessas várias disciplinas,
ou mesmo que me tornasse esclarecido na descoberta de novas, tive sempre à primeira vista, em
mente e coração, que pudesse compreendê-las todas, e conduzi-las ao objetivo final da arte médica.
81
Ludwig Medicina Clinica
Enquanto isso, autorei algumas teses pertinentes às discussões citadas acima, e as corrigi
conforme as expunha em lições particulares, para assim adaptar os fundamentos da medicina para
serem ministradas ao uso do público, na medida em que alguma licença me foi concedida para
realizar essa empresa. Sim, foi no quadragésimo oitavo ano desse século, já no início dos dez anos
finais, que os praticantes de nossa disciplina quiseram, após a proposta que eu fizera de terapia
geral, abordar, também sob minha coordenação, a terapia específica, isto é, a práxis clínica: assim,
abandonados os afazeres restantes, coordenei a escrita das primeiras linhas que agora apresento
nesse livrinho, segundo cujo princípio eu havia acomodado minhas lições.
Visto que eu percebi de imediato que muita coisa poderia honoravelmente conferir ao levar a
cabo todos esses afazeres acadêmicos sob a tutela diária dos autores mais preeminentes, cujos livros
iluminaram a medicina, e que eu quase não teria tempo livre o bastante para administrar essa lição
sozinho, não foi pouco o auxílio que encontrei, para atingir meu objetivo, nos estudos que
empreendi, com meus amigos mais queridos, ao discutir nossas opiniões sobre a história da ciência
natural e da medicina. Durante essas reuniões periódicas, cuja continuação se deu quase que
ininterruptamente, costumávamos anotar tudo aquilo que os médicos mais recentes apresentavam
para o desenvolvimento da arte da saúde, ou seja, que foi submetido ao juízo público, e que eu
pudesse converter para conforto meu e vosso.
Colocadas tais vigas de suporte da erudição verdadeira, eis que comunico a Vós,
Companheiros mais queridos, a fisiologia, assim como uma introdução à medicina universal
anteposta a essa, e apresento com zelo total a patologia e a terapia geral, às vezes de disciplinas
constituintes do corpus da medicina, explicando cada uma dessas disciplinas em partes. Na verdade,
uma vez que eu já havia facilmente percebido, desde o início do ano anterior, que as palestras sobre
os fundamentos da práxis clínica, já ministradas algumas vezes ao longo de dez anos, ainda assim
careciam de fundamentação: careciam elas de muitas correções, as quais não poderiam ser
acrescentadas adequadamente em parágrafos, tampouco inseridas em passagens próprias. Sendo
assim, eu revisei novamente o tratado inteiro, adicionando coisas aqui e ali, e acrescentei páginas
completas já no prelo, para que vós pudesseis usufruir delas com mais comodidade.
Limitei-me, porém, aos princípios gerais da doutrina médica a partir da disciplinas teóricas,
no que compilava os fundamentos da práxis clínica: expliquei primeiro as doenças que afetam o
corpo por inteiro, e então aquelas que dizem respeito a partes singulares. Visto que eu entendia com
perfeição que o médico que sói recomendar a um doente a aplicação de qualquer corretivo, vindo
este das fontes gerais da terapia, pode seguramente tornar-se, por si mesmo, experiente na prática da
medicina, direcionei meu espírito sempre a um alvo em que pudesse adaptar as regras específicas da
práxis clínica à terapia geral, para que os Nossos assim pudessem reclamar o mais rapidamente as
forças mais comuns das doenças a serem curadas, sendo conduzidos quase que a uma “caminho
dourado” da cura. Procurei sempre ilustrar, na consideração de cada doença individual, o livro com
breves definições, muitas vezes propostas com bastante diligência, para que assim fosse possível
descrever cronologicamente o progresso das doenças, narrar suas principais causas e sintomas, e
assim estabelecer, a partir da comparação dos sinais de cada uma delas, a melhor diagnose e
prognose. Corre o provérbio que todas as doenças são curadas na cátedra, mas eu mesmo sempre
deixei clara a dificuldade, ou mesmo a impossibilidade que com frequência vem daí, de tratar um
paciente, não com o intuito de deixar-Vos apreensivos, mas para que soubesseis, por vós mesmos,
que nem sempre cabe ao médico a cura de um doente; deixei também claro que Vós não estais
circunscritos pelas impossibilidades da práxis, mas somente que Vos cabe adotar um método de cura
que não seja por isso limitado, mas que traga alívio ao doente.
No entanto, embora as proposições que faço acerca desses fundamentos sejam tão somente
sumárias (caberá explicá-las com mais detalhes durante as palestras), não convém que utilizemos de
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Ludwig Medicina Clinica
uma brevidade aforística, para que assim possamos inferir com mais segurança tanto anotações
particulares, quanto várias admonições úteis no conhecimento e tratamento das doenças.
Certo, eu faço a explicação do posicionamento das lesões segundo a fábrica dos sólidos e a
mistura dos fluídos, mas não utilizo quaisquer métodos de explicação que sejam hipotéticos e
precariamente abstraídos; antes, apresento um esclarecimento específico de acordo com cada
fenômeno mencionado, ilustrando-os todos, na medida do possível, com exemplos adequados e
seletos, para que assim tanto a ideia da doença como seu decurso completo fiquem mais claros.
Daqui é possível que eu fixe, na medida em que isso se dá à atenção humana, os limites da doença a
ser tratada; devemos escolher, com todo direito, e por mais imperfeito que este possa parecer, um tal
quadro de tratamento em detrimento de quaisquer métodos hipotéticos. Ora, na medida em que nos
tornamos, com alguma confiança, experientes nesse método, nele entramos com cautela, e assim
somos facilmente conduzidos aos tratamentos sintomáticos. Eu tentei também apresentar um
tratamento de doenças não somente por meio de medicamentos amenos, mas também de heróicos,
quando houve necessidade para tal: nesse caso, dei avisos em toda parte, advertindo os médicos
mais jovens de abusarem de medicamentos bons, mas muito censurados por diversos autores. Todo
medicamento que conduz o corpo de um doente à saúde acaba também por lesar de acordo com seu
próprio modo, e pouco convém que um doente, recém-liberado de um perigo, venha a tombar em
outro; ora, a saúde deve ser restituída e conservada durante longos anos. Foi com cautela que louvei
medicamentos específicos, julgando-os por toda parte a partir de sua índole interna, revelada esta
através da química.
Adicionei fórmulas de medicamentos, certamente as que utilizo com mais recorrência na
práxis; com frequência fiz uma advertência para que Vós não parásseis, cegos, neles, não raro
modificando-as, por essa razão, durante as palestras: aumentei ou diminui suas doses, e adicionei
algumas que pudessem porventura ter serventia. Talvez seria possível ter dado menos fórmulas, mas
é útil haver certa variedade nesse caso; todavia, eu não quis dar mais, com receio de tirar de Vós a
oportunidade ou de prescrever versões modificadas delas, ou de adicionar outras a partir dos
escritos dos médicos mais preeminentes. Há vezes em que os doentes reclamam por mais, mas estes
Vós mesmos podereis preparar a partir do aparato da matéria médica, ou mesmo de uma seleção
daí; cabe tomar cuidados, porém, para que Vós não sobrecarregueis os doentes com excesso de
medicamentos, tampouco prescreveis fórmulas inadequadas, como se misturando quadrado com
círculo: antes, procurai sempre refletir sobre as lei da química farmacêutica, a relação que os
medicamentos simples têm entre si, e as boas observações (através das quais é possível distinguir os
medicamentos falsos dos verdadeiros), retornando o conhecimento dessas coisas para Vós.
Dessa maneira, foi mediante tais afazeres, cuja razão expus brevemente a Vós, que eu logrei
mostrar o caminho, meus cultos Companheiros, pelo qual fui conduzido, felizmente e sem muito
esforço, à prática da práxis clínica. Ora, que fique longe, nesse âmbito, a presunção de uma dita
autarchia1: eu encontrei a medida, qual a vocação a que eu havia há muito dado as costas, e agora
eu não quero mais dividi-lo com nenhum outro. Assim, se Vós desejardes seguir meu exemplo,
tende em toda Vossa mente essas recomendações: vinde, por obséquio, preparados para escutar as
nossas palestras, e apliquai com todo fervor Vosso ânimo nessa parte da doutrina que estou prestes a
explicar, para que assim escuteis meus comentários com mais precisão, e para que tenhais uma
percepção mais feliz de tudo aquilo que estabeleço, em detrimento de outras coisas, quando falo das
definições e da descrição histórica das doenças, acerca principalmente de suas causas e efeitos,
assim como dos sinais que devem ser aqui buscados; e tende tudo isso em mente de tal modo que
Vós consegais repetir tudo e, mais, responder com Vossas conclusões. Ora, é absolutamente
necessário, no estudo exaustivo das fundamentações da práxis, que acrediteis em mim, e que não
1
Citado em grego, αυτάρκεια, no texto original.
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Ludwig Medicina Clinica
duvideis muito, para que não abandonais, duvidosos e hesitantes, as nossas aulas: antes, obedecei,
com alguma confiança na formação de Vosso preceptor, os princípios dessa arte. Ainda assim, não
queirais se limitar somente às minhas posições, mas aumentar Vossa ciência através da leitura
assídua dos melhores escritores, principalmente daqueles que Vos recomendei anteriormente. Ainda
que o conhecimento dos melhores remédios não possa ser cultivado com precisão suficiente, mesmo
entre aqueles escritores de matéria médica, química e farmácia — áreas que derivam,
respectivamente, da mistura, da índole e da potência dos medicamentos simples — que
selecionamos cuidadosamente, sói que Vós aprendeis a preparar , na medida do possível, alguns
medicamentos, certamente os eficazes, mas também os afáveis.
Imbuídos de um espírito assim disposto, Vós podereis, toda vez que decidires examinar e
tratar doenças por vós mesmos, aprimorar ainda mais Vosso conhecimento através desse duplo
esforço. Vós podereis mesmo sinalizar todas histórias das doenças, cujo decurso poderá ser
observado por Vós de modo preciso e sucinto, atentando às mutações, investigando as causas,
ponderando o conjunto de sintomas ou de efeitos, para que conheceis tudo aquilo que Vós vierdes a
realizar por conta própria, seja de modo ou adequado, ou algo displicente, ou até apressado. Ora,
não é decoroso que um médico, mesmo um jovem, realize experimentos por meio da morte; apenas
um homem que corrigir a si mesmo no próprio progresso das doenças, podendo daí encontrar as
vias naturais, estará apto para prestar socorro em seu tratamento. Se tomardes esse cuidado, Vós
estareis então rigorosamente preparados também para uma outra lição, ou melhor, para a lição dos
escritores mais preeminentes. Igualmente, Vós podereis, no âmbito das fontes da verdadeira
doutrina prática, ser mais precisos, confirmar vosso método de cura, corrigir vossos erros, e assim
atingir a verdade de um médico perfeito. Cabe que vós, calejados desses exercícios, aspireis à
liberdade de um médico genuíno, ele que tudo pondera, só escolhe o melhor e não se apega à
palavra de ninguém; ora, não convém que vós vos torneis seguidores de qualquer razão cega (seja a
de outras, seja a minha própria), mas que Vós mesmos pondereis com vosso juízo peculiar os
preceitos dessa arte cabíveis ao uso, para que de algum modo a doença cesse em um doente, e para
que sejais persuadidos, por Vossa própria responsabilidade, que ele não morreu.
É certo que muitas dúvidas aparecem durante o estudo e a prática da medicina; a própria
falta de consenso entre os médicos mais célebres confunde até os mais versados; foi minha decisão
descartar as causas dessa discordância, quais exercícios de discussão e investigação, para que Vós
sabesseis de que modo podeis vos libertar de assuntos de maior dificuldade e assim encontrar uma
verdadeira via de cura. Também não vou impedir meus alunos de ajudarem o próximo com alguma
outra atitude que seja excessivamente útil: ora, eu exijo o parecer dos médicos práticos que são
meus adversários, a qual, se DEUS me conceder energia e força tanto do corpo quanto da alma, eu
mesmo lutarei para publicar e trazer a juízo público, em meio à troca de opiniões que atendo com
muitos dos práticos mais preeminentes. Ora, é certo que minha tão atribulada vocação pouco
favoreça o ócio intelectual, mas, uma vez que eu estou sempre ocupado tanto com o ensino quanto
com a prática da medicina, mesmo aquelas horas que dedico a Vossa formação e ao tratamento das
enfermidades poderão fornecer matéria bastante adequada a esse desígnio, em especial porque
posso encontrar, entre amigos que também se ocupam da prática médica, homens que poderiam,
pela conferência de sua própria palavra, sustentar minhas afirmações.
Meu desejo é que tais fundamentos da práxis clínica, caríssimos alunos, fiquem
absolutamente patentes para Vós; mas se os profissionais práticos não se dignarem a desvelá-las,
esses me prestarão um imenso favor se me corrigem através de suas próprias recomendações: ora,
eu não sou tão vaidoso, tampouco sou o tipo de pessoa que não consiga reconsiderar uma opinião
firmada: antes, é meu lucro que várias de minhas posições possam ser explicadas com mais
elegância, ou que outras delas possam ser confirmadas com mais profundidade; logo, qualquer que
seja a razão honesta que utilizarem para ensinar a mim ou a meus alunos, essa me será de imensa
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Ludwig Medicina Clinica
gratidão. Vós, na verdade, Companheiros, que me impelistes a proferir tais fundamentos de Vossa
própria vontade, peço-Vos que me amais, e que estudeis, com muito empenho e sem descanso, essa
parte ao mesmo tempo árdua e sumamente necessária da medicina.
Escrito em Leipzig, no dia 15 de Abril de 1758.
PROLEGÔMENOS
§1. Quem reconhece um corpo humano saudável a partir da fisiologia; examina as regras de dieta;
considera, quanto à patologia, o estado de um homem doente, determinado a partir de causas e
sintomas; investiga a qualidade e a preparação de diferentes remédios quanto à matéria médica e
farmacêutica; e explora, quanto à terapia geral, várias maneiras de tratar; eis um homem que
aprendeu toda a teoria médica, e que é também hábil para exercer sua prática segundo este quadro.
§2. No entanto, do mesmo modo que o exercício e o uso são muito convenientes para o domínio de
qualquer técnica, assim o estudo teórico minucioso da arte da saúde pouco basta se todos os
preceitos da medicina não forem transferidos para a práxis. Ora, tudo o que é proposto teoricamente
nas escolas é considerado segundo uma regra tal que os preceitos sejam deduzidos e firmados a
partir da fisiologia à patologia, e a partir dessas duas categorias à terapia geral*. Já na práxis o
médico experiente reúne algumas e esparsas conclusões de todas estas disciplinas e as aplica para a
resolução e elucidação dos mais diversos problemas.
* Há pouco delineamos, para a aplicação em palestras na academia, uma introdução à medicina
universal, à fisiologia, à patologia e à terapia geral: logo, podemos agora referir essas disciplinas as quais devem ser compreendidas segundo o título: as fundamentos teóricas da medicina, e uma
vez que nos demoramos nelas em uma série de parágrafos - enquanto abordamos o ensino dos
preceitos da prática da clínica médica. Discriminamos esses parágrafos dos outros, a serem citados
neste tratado, colocando-os entre parênteses.
§3. Discriminamos a prática médica em: clínica, cirúrgica, forense, e casuística ou consultatória
(§46.96.seq)** na medida em que ou observamos somente sinais internos de doenças; ou tratamolas através de coisas externas, de medicamentos e de outros instrumentos, sobretudo da mão; ou
determinamos casos duvidosos que ocorrem em ambiente público; ou examinamos casos diversos,
os mais difíceis e raros, a partir das três partes da prática médica acima destacadas. Muito embora,
devemos atentar sobretudo ao ânimo, principalmente em relação à práxis clínica ou à (assim
chamada) terapia específica.
** Embora não queiramos abordar os preceitos cirúrgicos nestas fundamentos da práxis clínica,
diversos deles - aqueles que dizem respeito a meu objetivo, e merecem a atenção do médico clínico,
auxiliado pelas determinações de um cirurgião - serão por vezes aqui inferidos.
§4. Ora, a experiência ensina que muitas doenças populares ocorrem em homens diferentes, mas
com mais frequência sob as mesmas condições; em relação a isso, a necessidade exige que um
homem que se compromete à prática da medicina aprenda a reconhecer, determinar e curar as
doenças mais frequentes a partir de fundamentos precedentes, de modo que ele, detendo esse tipo de
preparação, possa semelhantmente investigar e tratar doenças tanto desconhecidas quanto de
ocorrência mais rara.
85
Ludwig Medicina Clinica
§5. É mister que, na terapia específica ou práxis clínica, se exponha a definição de toda e qualquer
doença e que se inicie com um breve relato das condições pertinentes a sua explanação; que as
causas relacionais e predisponentes sejam estabelecidas, após aquelas, em ordem; que os efeitos ou
sintomas sejam daqueles deduzidos e elucidados a partir de seus sinais; que o diagnóstico (ou seja,
uma determinação precisa do estado atual da doença) assim como o prognóstico (ou a sua
compleição futura) sejam definidos; em seguida, que o método de tratamento, tanto o universal,
distinguido a partir da terapia geral, quanto o específico, adequado segundo as diversas observações
a uma ou outra matéria, sejam propostos; adicionando-se, finalmente, e se a necessidade da situação
assim exigir, exemplos de cuidados práticos pertinentes aos métodos de tratamento.
§6. Ninguém pode dedicar sua vida aos estudos e à prática da práxis clínica se não se tornar
experiente o suficiente em todas as disciplinas teóricas da medicina, em §1. A disposição da doença
em um corpo, assim como a forma como as lesões atuam não podem ser descobertas senão a partir
da comparação com as funções convenientes à natureza e com as mutações comuns de um corpo
saudável; tampouco podem ser corrigidas se os instrumentos apropriados e efetivos não forem
selecionados e ministrados de acordo.
§7. Os instrumentos que os médicos usam nos doentes se distinguem a partir de uma fonte tríplice, a
saber a partir da dietética, farmacêutica e cirúrgica: o quadro da nutrição bem observado, assim
como um regime bastante equilibrado de todas as coisas ditas não naturais, ao passo que assistem a
saúde, afastam também a doença; ou medicamentos aplicados externa e internamente modificam
partes líquidas e sólidas a sua própria maneira; ou remédios, a serem aplicados apenas externamente
e por uma mão hábil, acabam por tratar ao mesmo tempo diversas doenças, tanto externas quanto
internas.
§8. No entanto, quem quer que um dia se tornar muitíssimo experiente na prática da medicina, se
ele examina as indicationes da terapia geral após ter reconhecido adequadamente a doença, e
considera a indicatio vital ante as outras, ele não negligencia a indicatio causal; pondera com juízo
correto a indicatio curatória após o modo, e então, se os sintomas assim impelem, chama em seu
auxílio também uma indicatio paliativa; ora, é assim que um médico deve reconhecer a doença,
para que possa satisfazer seja somente uma indicatio, sejam muitas, sobretudo essas acima. Da
mesma maneira deve-se partir àquelas indicationes elencadas, as mesmas que se devem encontrar,
mas o médico nunca deve recomendar um medicamento se não conhecer de maneira precisa a qual
indicatio este principalmente responde.
§9. Assim, ao realizar o exame de um doente, o médico deve certamente observar os sintomas ou
como as lesões atuam, mas não deve partir disso, nesse lugar, às indicationes, mas antes retornar às
causas após conhecer o estado do doente e, tendo pesado diligentemente os sinais e encontrado a
causa mais próxima, somente então ele vai pensar sobre os instrumentos que deve aplicar ou
introduzir no corpo doente. Ora, o médico nem sempre tirará essa conclusão no primeiro exame,
mas por vezes, principalmente nas doenças crônicas (pré-determinadas por indicationes
hipotéticas), ele costuma chegar ao verdadeiro caráter da doença e a sua cura através do que acalma
e do que a intensifica a dor.
§10. Ao realizar o exame dos sintomas, o médico não pode se deixar comover ou perturbar pelos
gemidos ou consequentes reclamações do doente, mas deve se aproximar dele de acordo com
diretrizes corretas. Assim, ele primeiro deve observar a pulsação e a respiração, assim como as
ações vitais; depois disso, deve investigar a sensibilidade e a força motora, no tocante às ações, e
86
Ludwig Medicina Clinica
inquirir sobre a quantidade de sono; então, ele atentará às ações naturais relativas à ingestão dos
alimentos mais frequentes e às mutações restantes e consequentes desses, a princípio em si e nas
excreções; tendo investigado minuciosa e diligentemente todas essas coisas e tendo assim se
informado quanto ao estado do doente, convém discernir o vigor da saúde e da doença, compará-los
entre si, e assim estabelecer as indicationes apropriadas.
§11. Há ainda outras indicationes que o médico deve ter em mente ao praticar a medicina, a saber as
diferença dos doentes em razão da idade, do sexo, do temperamento, da condição social; as
mutações ora totais, ora parciais no clima e nas estações etc. No entanto, tais e outras indicationes,
uma vez que são comparadas unicamente para que possamos elencá-las cá e lá e inculcá-las nos
estudantes ao longo do próprio tratado sobre a práxis, são, por isso mesmo, negligenciadas nesses
prolegômenos. Mas há três conselhos gerais a todos que se lançam ao estudo e exercício da prática
médica, os quais iremos dispôr a seguir.
§12. O médico não deve se tornar crédulo em demasia, e nem confiar tanto na técnica e nos
medicamentos, mas sim examinar cuidadosamente todas as causas que atuam no corpo. Ele deve
igualmente atuar com zelo na seleção das indicationes hipotéticas, sem parar aqui, mas, quando
nelas se concentra, deve considerar que pode estar seguindo pistas falsas. Ele não deve hesitar
durante o tratamento, nem contentar-se com a técnica que ele domina, nem atribuir tudo seja à
natureza seja ao acaso, mas, atento, acabará por se persuadir assim que a eficiência da técnica na
remoção de doenças não deve ser menosprezada.
§13. Sobre a ordem dos capítulos em nosso tratado, a começar na folha seguinte, julgamos
necessário escolher uma tal que nos estabelecesse doutrinas relacionadas de acordo com um único,
se possível, princípio. Segue que, na identidade supracitada de doenças entre universais e
particulares, distinguimo-las em doenças do sistema sanguíneo (ou seja, febres, inflamações e
hemorragias), do seroso-linfático, e do nervoso; todavia, nestes capítulos anexamos diversas
perturbações de doenças nos orgãos e vísceras localizadas nas três cavidades do corpo, a fim de
destacá-las.
§14. Preservamos sempre, no tratado a seguir, uma ordem selecionada e conveniente ao corpo
animal, mas às vezes dela nos afastamos de modo a referirmos doutrinas dispersas, de outros
capítulos, a um único; de fato, assim fazemos toda vez que a conveniência tiver assim exigido
quanto às causas, aos sintomas e aos sinais, caso da Angina inflammatoria, que examinamos como
tipo primeiro sob as doenças inflamatórias, mas à qual anexamos o tipo seroso (entre outros),
devido à semelhança de doutrina. Assim também consideramos o fluxo menstrual, decerto, entre as
hemorragias, e no mesmo capítulo discutimos também acerca da doença toda disposição pertinente
às mulheres menstruadas.
§15. Deste caminho poder-nos-ia ter dissuadido o erudito tratado sobre a práxis que Cl.
JOHANNES GORTER preparou*, autor que com efeito dispôs todas as perturbações causadas por
doenças, geralmente com seus sinais e instrumentos, e que propôs as fórmulas para
os
medicamentos em outro livro**; ora, nós teríamos adotado seu livro por completo caso não
tivéssemos percebido, por experiência desse homem muito letrado, que essa proposição de ideias é
difusa e responsável pela terapia geral, devendo ser promovida pelo médico que ensina a práxis de
modo a se tratar aquilo que geralmente ocorre ao mesmo tempo em muitas doenças como se
pertencesse ao quadro de doenças individuais, as quais costumam ocorrer sob esse tipo aos médicos
87
Ludwig Medicina Clinica
principantes. Porém, quem quer que for versado na práxis pode adotar somente a terapia geral, em
detrimento da específica.
* istema de Práxis Médica. Tom. I & II. Harderwijk 1750.
** Fórmulas medicinais, com índice das forças dos medicamentos. Harderwijk1753.
TRATADO I
DOENÇAS DO SISTEMA SANGUÍNEO
CAPÍTULO II
FEBRES
§43. No entanto, os elementos que o médico deve utilizar no tratamento da febre, identificamo-nos
entre as indicationes gerais da terapia, uma vez que mal há um método mais apto para tratamentos
verdadeiros como nesse caso, ainda que tais elementos sejam encontrados em outros capítulos (§8).
Com efeito, as principais fundamentações dessa doutrina, aplicada à terapia geral (Parte IV. Cap.
VIII. §1512sqq.) sobre a contenção do movimento dos fluídos e dos sólidos, já foram expostas; virá
a nosso auxílio, porém, expor, com um pouco mais de detalhes, um método geral de cura para as
febres.
§44. Quem poderia à primeira vista pensar que a incitação das forças vitais durante as febres é
quase desnecessária, visto que a essência da febre consiste, de fato, na aceleração da pulsação: no
entanto, uma pulsação acelerada não raro também se torna fraca, uma vez que as forças vitais, por
sua vez, ficam debilitadas durante o progresso da febre, e a própria pulsação se torna assim
remitente, até que se encontre uma quantidade de pulsações semelhant à natural, isto é, suave e mais
lenta devido à fraqueza; o dever do médico é sobretudo controlar o quadro das forças vitais, e assim
estimular os movimentos demasiado abatidos.
§45. O médico logra preservar as forças vitais no doente caso ele empregue um alimento nutritivo,
mas que seja fácil de digerir (caso do caldo de carne); permitir às vezes um copo de vinho
fermentado; e venha a seu socorro com medicamentos analépticos e reconfortantes, por vezes até
um pouco mais quentes. Ora, a circulação dos humores torna-se, nesse sentido, mais aberta e a
robustez elástica e vital, maior, incitando a febre*.
* Cf. Terapia Geral Parte II. §1341 sq. sobre a indicatio vital; e Parte IV. Cap. IX. §1519 sq. como estimular o
movimento escasso de sólidos e fluídos.
§46. É preciso, na batalha contra as causas produtoras da febre, um exame preciso de todos os erros
da dieta, os quais podem decerto abrir uma nova porta em diversas febres, a não ser que, estando a
febre já presente, apliquemos uma matéria nova e adequada a fim de nutrir aquela. No entanto,
embora os primeiros momentos dignos de atenção pareçam se dar durante o quadro do ar e da
alimentação, é absolutamente necessário que não revoguemos, sob o exame, as classes restantes dos
elementos não naturais.
§47. Equivale dizer que, se a causa já tiver se introduzido e, predisponente, se efetuado no corpo,
então cabe em primeiro lugar examiná-la, e assim prepará-la para que sua parte imutada possa ser
eliminada; nesse caso, o médico deve escolher evacuações adequadas, sejam por vômito, purgação
ou suor, acomodando-as todas ao período da doença, às forças do doente, e ao caráter maligno da
matéria. Tais ações se colocam primordialmente contra a cacoquimias, ou seja, contra a qualidade
depravada dos humores. A plétora também deve ser considerada como causa; sua diminuição por
meio de secção profilática das veias acaba por restituir uma circulação mais livre dos humores, e
88
Ludwig Medicina Clinica
assim é possível corrigir mais facilmente a matéria porventura residual da doença por meio de
movimentos naturais e brandos, eliminando essa matéria do corpo.
§48. O próprio tratamento da febre exige que a impetuosidade excessiva dos humores e a circulação
demasiado agressiva e por isso mesmo acelerada sejam refreadas. Todavia, uma vez que tais
sintomas dependam da mistura depravada dos humores (a saber, viscosidade e acrimônia), sói
escolher os remédios adequados para removê-los: visto que nesse quadro surgem também
contrações espasmódicas dos vasos menores e daí uma resistência maior do coração, cabe então
atentar às duas coisas ao mesmo tempo, devendo-se atacar de imediato e com remédios adequados
essa parte da causa proximal (§35), igualmente.
§49. Bons para corrigir tanto a acrimônia quanto a viscosidade dos humores são os medicamentos
amenos e solúveis, a saber, em infusões quentes preparadas com folhas amargantes e aromáticas,
que são extremamente potentes na diaforese (caso do têucrio, da argemônia, da betônica etc. ou
mesmo de vários tipos de cavedinha no lugar de bebidas comuns e quentes de aveia e cevada com
raízes de escorcioneira, quina, ou outras semelhantes). Ora, tais medicamentos, brandos indutores
de diaforese, acabam por refrear os movimentos febris caso a causa da febre for algo leve,
permitindo e auxiliando também na destruição da matéria restante da doença através de movimentos
naturais e brandos.
§53. O cansaço durante as febres deve ser distinguido de suas causas (§33), e destruimo-lo através
do próprio tratamento da febre. No íterim, entretanto, toda fraqueza que estiver presente durante o
próprio decurso da doença ou que permanecer após sua superação deve ser corrigida por meio de
medicamentos cardíacos e fortalecedores adequados (§45). A esse quadro vem em grande auxílio,
propriamente (a não ser que nos seja deixado um corpo muito ressecado), uma dieta nutriente,
fortalecedora e seca, bem balanceada, com frutos temperados e agridoces, com carnes assadas, à
qual podemos adicionar o cortex peruvianus; cabe que recomendemos caldos aos corpos esquálidos.
O exercício corporal e um ar mais puro em ambientes vazios complementam, de algum modo, o
movimento muscular no ar livre.
§58. A febre é ou sintomática ou idiopática: esta surge através de si mesma, a saber, a partir de
discrasia sanguínea, consistindo do esquema de uma doença específica; aquela se dá como um
sintoma em várias doenças, a partir do próprio agente causador. Para ser mais preciso, toda febre é
sintomática: ora, no primeiro caso a discrasia dos humores é ao mesmo tempo uma doença e um
sintoma da febre. Do mesmo modo é possível conhecer também uma diferança que muitos autores
assumem existir entre “febre” e “movimentos febris”.
§84. Se uma febre intensa entrar em remissão, a urina frequente com sedimentos cessar, e outras
secreções revelarem que a maior parte da matéria da doença foi dominada e expulsa, mas os
paroxismos febris ocorrerem de acordo com seu próprio estado (já que tanto a frouxidão das fibras
quanto a fraqueza do sistema nervoso não têm ainda forças para superar a matéria supérstite, por
mais exígua que esta seja), então devemos escolher medicamentos fortalecedores. Aqui, embora a
tormentila, a bistorta e outros remédios adstringentes não sejam destituídos de virtude própria, com
frequência eles são doloridos justamente por causa de sua força demasiadamente adstritiva: assim, o
medicamento mais prestativo é empregar o cortex peruvianus seja em pó, seja em eletuário (F. 20 e
21); ele representa então a melhor escolha, aplicadas dentro de um curto período de tempo em
grandes doses (uma ou outra dúzia).
89
Ludwig Medicina Clinica
§93. Ora, os medicamentos amargos e solúveis (F. 13, 18 e 19) são também de grande serventia aos
pacientes mais páuperos, em infusões saturadas das forças de plantas amargas, caso do sintro, do
cardo-santo e da centáurea-menor (em seis dúzias ou mais), aplicadas de manhã e de tarde com
fruição. No entanto, uma vez que muitos doentes rejeitam esse remédio devido a seu sabor ruim,
convém utilizá-lo continuamente em pílulas solúveis (F. 23 e 24), fervida suavemente em raízes de
quina ou em outros compósitos (F. 25) no lugar de bebidas comuns, utilizadas entre aquelas.
Podemos acrescentar a esses remédios solúveis ou purgantes mais suaves (F. 5 e 6), ou por vezes
saquinhos laxantes.
§95. Após o preparo e a evacuação da matéria é também possível dar o cortex peruvianus escolhido
em vista do fortalecimento. Ainda que a tenacidade dos humores suspensos nos orgãos internos
sempre deixe o medo de uma febre reincidente, é felizmente possível tratar as febres insurgentes se
misturarmos uma dose moderada de calomelano às pílulas (F. 23 e 24). Muitos autores também
louvam o arsênio e outros minerais especiais, que a nós parecem pouco seguros. Os médicos que
utilizam opióides contra as febres e de imediato aplicam as pílulas solares de WILDEGANSIUS
acabam por induzir uma péssima disposição às doenças soporíferas, certamente encurralando os
movimentos febris, mas deixando a matéria da doença intacta.
§98. A moleza e daí a fraqueza emergente em todo o corpo (principalmente nas vias primárias e nos
orgãos abdominais) que não raro permanecem — não continuamente, mas mais fracas — após o
tratamento da febre devem ser corrigidas pelo uso de medicamentos fortalecedores. Ora, nesses
casos o uso não deve ser copioso e frequente como nas febres ternárias (§84), mas o indicado é que
esse seja um pouco mais espaçado: aqui, encontramos medicamentos consequentes e comprovados
pelo uso, caso da solução de extratos de plantas amargas ou da infusão de cortex peruvianus com
mate (F. 27 e 28), fortalecendo o eleituário (F. 29). Podemos acrescentar ainda infusões de vinho (F.
22) bem balanceados, de coloração carmesim, caso do elixir vital de HOFFMANN e semelhantes
(F. 30).
*
90
Ludwig Methodus
Christian Gottlieb Ludwig
Methodus Doctrinae Medicae Universae praelectionibus academicis accomodatae
(Método de Doutrina Médica Universal, adaptado para as palestras na academia)
1766
PROLEGÔMENOS
§1. A análise do mundo, a qual diz respeito à vida do homem, em especial no tocante ao quadro das
ações físicas, e que dessa forma revela tanto a saúde, diferente em diferentes estados da vida,
quanto a razão das doenças que surgem em tal percurso (e da morte por fim subsequente), de tais
assuntos se ocupam, na República, aqueles que chamamos de “médicos”, cujo dever consiste em
oferecer avaliações que venham a assistir a saúde e remédios contra os incômodos da vida e contra
as doenças.
§2. Ora, as mutações de um corpo vivo, seja um saudável ou um doente, conhecidas por todos
através da experiência, elas se apresentam de modo mais preciso aos médicos, os quais não somente
procuram suas verdadeiras causas, como as referem a todos os elementos naturais que estão no
universo, de modo que possam avaliar corretamente sua relação com o corpo humano, e daí ensinar
uma conclusão prática legítima onde quer que busquem também extrair um método de ação a partir
dos verdadeiros princípios do conhecimento.
§3. De imediato nos é evidente que não se pode adquirir um conhecimento assim tão vasto a não ser
por meio de zelosa atenção às coisas naturais e ao longo de muito tempo e prática; é por isso que
Hipócrates disse, em verdade, que “a arte é longa, a vida é breve”. Assim, não há ninguém que
possa conhecer todas as suas obras, das quais se depreende o dever de um médico; ninguém que
consiga reunir todas as obras escritas pelos médicos em um único corpus textual.
§4. No entanto, aos médicos que são longa e grandemente experientes na investigação da medicina
e que também discutem entre si as conclusões controversas dos médicos, e assim lograram chegar
àquela preeminência desse conhecimento, cabe o esforço de partilhar este em uma mesma ordem e
descrever não apenas todo o âmbito dessa disciplina, mas também estabelecer essa doutrina em
capítulos individuais, de modo que estes sejam mais facilmente acessíveis a quem se ocupa de
estudar e cultivar a medicina.
§5. Assim, o método da doutrina médica universal conduz e auxilia não só o principiante no estudo
da arte médica, como também ordena e aperfeiçoa o cultivo mais avançado desta. A partir daí, o
método deixa patente a diligência dos médicos; demonstra, a partir da natureza das coisas, de que
modo todos devem se empenhar ao mesmo tempo em estabelecer e em aperfeiçoar a arte da
medicina; e ensina, nesta matéria, unida às obras de diversos eruditos, a efetuar aquilo que excede
os recursos dos indivíduos.
§6. Contudo, uma vez que nossa decisão foi descrever o conjunto de estudos de diversos médicos
segundo uma ordem agora mais precisa, nosso tratado divide-se em duas partes, das quais a
primeira demonstra como os novatos devem proceder quanto ao estudo de todas as partes da
doutrina médica; e a posterior instrui aos médicos que já completaram a universidade de que modo
devem se aplicar ao cultivo e à prática da medicina.
91
Ludwig Methodus
§7. Assim, tratamos, na primeira parte, sobre a doutrina médica da maneira que esta é abordada nas
universidades. Consideramos ainda a condição desigual da medicina desde os tempos antigos até os
nossos, e damos especial atenção às mutações nos estudos, de onde extraímos a sua definição; já os
elementos que vêm de encontro com a medicina são considerados individualmente, e assim
delineamos um sistema de medicina universal; feito isso, examinamos suas partes individuais e
procedemos com nossas principais soluções, com as quais ilustramos as partes iniciais da doutrina,
e as quais devem igualmente ser desenvolvidas pelos estudantes.
§8. Na segunda parte, fornecemos uma para os médicos que, já providos da doutrina médica
universal, desejam agora se aprofundar no cultivo dessa ciência e na prática dessa técnica. Alguns
dentre eles abordam individualmente uma ou outra parte da doutrina, aprimorando-a com suas
descobertas; outros instruem os aprendizes da doutrina médica através de aulas; outros, ainda,
manifestam suas avaliações acerca da preservação da saúde e do tratamento de doenças. É por causa
disso que o ofício do médico deve ser racionado em três, qual seja aquele do inventor, do professor,
e do prático.
§9. Assim, é através desses princípios em geral que se conhece melhor o quadro da doutrina médica
universal, a qual daremos, à guisa de esboço, um esquema resumido, prosseguindo com a
explicação de cada capítulo individual.
O método da doutrina médica é abordado da seguinte maneira:
I. No estudo da medicina:
Cap. I. Aborda-se sucintamente a história da arte da medicina;
Cap. II. Daí a definição de medicina é extraída;
Cap. III. Explicamos em geral os elementos nos quais se fundamenta a medicina, e
anexamos um esquema resumido da medicina universal;
Cap. IV. Delineamos individualmente as disciplinas pertencentes à medicina;
Cap. V. Arrolamos os livros que auxiliam no estudo da medicina;
Cap. VI. Definimos o caráter do novato em medicina.
II. No cultivo da medicina:
Cap. I. Discutimos sobre a destreza e o dever do médico profissional;
Cap. II. Sobre os do médico descobridor;
Cap. III. Sobre os do médico professor;
Cap. IV. Sobre os do médico prático (todos individualmente);
Cap. V. Definimos o tratamento público da matéria médica.
§33. Finalmente, entre os metodistas foi o autor Asclepíades Pruriense, e aqueles que firmaram esta
vertente frente às outras, isto é, Temisão e Téssalo de Trale, os que negligenciaram completamente a
investigação do corpo — a qual mesmo os dogmáticos observavam — no exame das causas das
doenças nos fluídos, e que igualmente assistiam os fenômenos somente nos sintomas comuns e
visíveis nas partes sólidas do corpo; assim, ao assistir um hábito corporal que fosse rigoroso,
frouxo, ou mesmo intermediário, relatavam todas as enfermidades do corpo àquele, e prosseguiam à
extração das causas por meio de mutações observadas nas partes sólidas. Eles procuravam, portanto,
e em especial, realizar o tratamento das doenças através de um planejamento bem ordenado da vida,
principalmente da nutrição, de fato pela abstenção de alimentos e de vinho, e por meio do exercício
corporal, como a caminhada e a corrida.
92
Reuß Encyclopedia
Christian Friedrich Reuß
Primae Linae Encyclopedia et Methodologia Universae Scientiae Medicae
(Primeiras Linhas: Enciclopédia e Metodologia da Ciência Médica Universal)
1783
DISCIPLINAS MÉDICAS PRINCIPAIS
§102. As disciplinas individuais, preparadoras, tanto as universais quanto as particulares; de que
modo e sob quais condições elas servem sobretudo aos cultivadores da Medicina: acreditamos que
tratamos disso até então com suficiente precisão, e examinamos nos limites dessas páginas o
máximo possível. Restam agora as Disciplinas Médicas Principais, as quais são absolutamente
necessárias de conhecer não só ao Médico de erudição sólida, mas a qualquer Médico de prática, e
não apenas àqueles que exercem a práxis em vista do lucro e da sobrevivência.
Todo Estado desta compreende uma parte teórica ou prática.
A. Nas Disciplinas teóricas médicas principais considera-se:
a) o corpo do homem, seja em seu estado saudável;
b) ou em seu estado doente.
O exame de um corpo humano saudável diz respeito, segundo os Princípios teóricos, a
diversas observações de percurso.
Há alguns elementos através dos quais consideramos as funções e ações das partes
singulares em um corpo humano; a ciência disso está na fisiologia antropológica, cujo objetos, fins
e uso já examinamos anteriormente no capítulo sobre a Fisiologia, tanto a geral quanto a específica
(isto é, a antropológica). Há ainda outros elementos através dos quais sinais de funções não
comprometidas (ou simplesmente saudáveis) são investigados e revelados no corpo humano; isso é
abordado especificamente na semiótica fisiológica.
Há, por fim, observações com as quais investigamos o modo de conservar o próprio corpo
humano saudável, dos quais trata a Dietética ou Higiene, tanto a conservatória quanto a profilática:
certamente em auxílio dos meios que discutimos e tratamos em matéria dietética ou alimentar,
assim como recomendamos aos homens saudáveis para a vida, tanto a matéria crua, a não cozida
(na medida em que sua essência propensa se faz útil em comunicar os homens a necessariamente
sustentar e preservar seus corpos) quanto a preparada segundo as leis e preceitos da técnica
culinária.
CAPÍTULO XI
SEMIÓTICA FISIOLÓGICA
§103. A Semiótica Fisiológica é a doutrina ou a parte da Medicina em que se exibem os sinais de
um corpo saudável.
Enquanto houver consenso de todas as ações naturais no corpo humano, nele estará firme a
saúde. Mas mesmo enquanto tais ações ocorrem sem um único impedimento acontece de aparecer
algumas comutações as quais ou através das quais consideramos seja efeitos, seja as boas causas da
disposição, podendo daí exibir os indícios e sinais através dos quais podemos esperar e determinar a
boa saúde em um homem.
A diversidade de saúde depende muito da variação de idade; das ações naturais do corpo; da
constituição diversa das partes sólidas e fluídas; e finalmente do hábito de cada órgão interno
singular e de cada ferramenta singular. Singulares e diversas, tais observações e relações de saúde
produzem também diversos dos principais objetos da fisiologia semiótica.
93
Reuß Encyclopedia
Na Fisiologia Semiótica determinamos:
I. Os sinais da saúde a partir ou da mudança natural, ou da idade de um corpo;
tanto o da criança, quanto do garoto, do jovem, do adolescente, do adulto, até a
velhice avançada; as quais agem em tamanha conspiração que uma quase que serve
para emendar a outra, tornando-se indicação de como a saúde será no futuro: assim,
qualquer coisa futura em uma certa idade pode ser presignificada a partir dos erros
de uma anterior: o mesmo a partir de diferentes estilos de vida, da diversidade do
clima, assim como de costumes enraizados em diversos povoados que encontramos
em certas regiões: disso o médico pode eleger os sinais de vida e de saúde de maior
excelência.
II. Distinguimos também na semiótica fisiológica os sinais de saúde a partir das
ações
a) vitais, certamente o percurso da energia na terra, a circulação, o peso
adequado, a respiração, e daí a leveza e agilidade resultantes do corpo;
b) animais, a estabilidade dos sentido e do movimento;
c) vitais, a secreção e excreção natural convenientes;
d) ações sexuais ordinárias.
III. Como se a partir do equilíbrio dos humores e do estado resultante do corpo, isto
é, o temperamento: sanguíneo, fleumático, colérico, melancólico.
IV. A partir do hábito das partes singulares do corpo, que se faz sinal de saúde da
cabeça, do olho, das orelhas, do coração, dos vasos, da pulsação, dos pulmões, da
condição do estômago e dos intestinos, do fígado, dos rins, das extremidades do
corpo, do hábito resultante do corpo.
É assim que a semiótica fisiológica avalia os sinais de saúde, os quais devem ser coligidos
não apenas a partir das mutações sucessivas de um corpo humano, mas igualmente a partir do vigor
e da estabilidade das ações. Cabe então que ilustremos a saúde em geral, e também a de cada
homem em particular, a partir da doutrina sobre os temperamentos, ou seja, a partir da proporção
variada das partes sólidas e fluídas no corpo do animal: a partir de tudo isso o médico consegue de
fato estabelecer o juízo sobre a saúde mais específica dos órgãos internos.
Fica bastante claro, a partir dos objetos da semiótica fisiológica que até então alistamos, que
é grande a variação das mutações que podem surgir no corpo humano, certamente daquelas que
manifestam a facilidade de corruptela da saúde boa ou ruim, a partir das quais o médico pode
abstrair para si uma conclusão adequada e assertiva sobre o que se deve esperar, num futuro
próximo, quanto ao estado de saúde de determinado homem, e então em qual medida esta condição
do corpo saudável pode transmudar na própria doença, e qual será a característica desta no futuro.
§104. Esse Tipo de Semiótica oferece um serviço não pequeno ao Médico, caso ele se disponha a
indicar seja a saúde observada parcialmente em si, ou um grau de integridade de algum modo
estremecida; a ele foi incumbido esse dever pelos outros, pelo doente, ou pela própria família.
Tal Semiótica Fisiológica é deveras necessária; sem ela o médico de maneira alguma pode
prosseguir com destreza e segurança na patologia. Ela também conduz o médico prudente na
abstração e formação do juízo correto, sem que a saúde seja determinada unicamente pela cor da
face, pelo hábito da boa aparência e pelo sobrepeso, uma vez que este próprio hábito é, como bem
lembra o célebre Hipócrates, uma disposição atlética não oriunda da natureza.
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No conhecimento das doenças o médico deve, como age em relação tudo que emerge
naquelas ações compósitas, estar sempre atento para um quadro pela qual ele possa perscrutar o
estado contranatural daquelas ações: assim ele se prepara com zelo para a análise minuciosa de seu
escrutínio (tendo antes observado a fisiologia), e assim passa ao exame tanto da saúde do corpo de
seus companheiros quanto a saúde do seu próprio, todo tratamento incluso, segundo as regras
provenientes da semiótica fisiológica. Deve-se, no entanto, tomar ao mesmo tempo bastante
cuidado para que não se procure, devido ao excesso de meticulosidade, uma saúde absoluta em toda
a humanidade como se ela se referisse a uma “fraqueza característica” dos homens, para assim não
só evitar que o próprio médico acabe inventando doenças, mas que a ele caiba persuadir seus
companheiros.
A semiótica fisiológica é de grande valia ao médico para o conhecimento mais profundo do
estado do homem tanto saudável quanto doente, e o mesmo para a verdadeira honra e preeminência
de um médico. Ora, tão variadas são as mutações quão ocorrem todos os dias na máquina humana, e
assim devem produzir necessariamente certos efeitos que podem ser determinados com mais
precisão através de alguns determinados sinais; uma vez que há certidão em tais sinais, os quais se
fundamentam em muitos séculos de observações, é dever do médico coligir minuciosamente todos
eles, e chegar à evidente verdade através de uma comparação tanto do estado de saúde quanto do de
doença a partir desses sinais.
Agora, visto que a saúde dos homens é algo tão diverso devido à diferenças de
temperamento, de idade e de sexo, sem falar nas muitas observações notadas na sociedade que isso
traz em em relação a princípios até então específicos (os quais são necessários à ciência do médico,
a não ser que ele queira errar em seus juízos sobre o regime e a constituição da dieta por inteiro), tal
conjunto de coisas também diz respeito à semiótica patológica, a saber à doutrina sobre os sinais do
estado de doença em um homem.
CAPÍTULO XIII
PATOLOGIA
§111. Tanto as causas quanto os sintomas determinam uns aos outros em doenças na medida em
que, no que concerne ao quadro de atuação das lesões, contêm em si o quadro dos sintomas,
fazendo afluir, segundo o quadro dos efeitos, mais causas remotas a uma causa proximal e à própria
doença, em que uma primeira dor acaba sempre por se dividir, no corpo, em mais sintomas
próximos, e assim se multiplicar. Uma mudança tal, sucedente das causas e efeitos, estabelece as
doenças em seu próprio âmbito íntegro. Ainda assim, são os sinais da dor pregressa, presente e
futura que revelam os sintomas que emergem durante as doenças.
A discussão principal acerca de tais sintomas encontra-se na Patologia Geral, parte sobre a
Semiologia, a qual contém, organiza e explica os sinais singulares observados em um doente, na
medida em que sinais anamnésicos ocorrem durante o escrutínio das causas; que sinais diagnósticos
aparecem sobretudo a partir da forma como as lesões atuam, considerados ora individualmente, ora
em conjunto; e que é possível tirar uma conclusão acerca das mutações futuras em um doente,
durante o prognóstico, a partir dos sinais que são corretamente comparados entre si. Uma vez que as
concepções dos humores devem — sempre em doenças agudas, com mais frequência nas crônicas
— ser julgadas segundo o mesmo quadro aplicado ao estado de saúde (e com este comparadas), é
forçoso repetir aqui, mesmo nesta Semiótica patológica, a doutrina sobre a crueza, cocção e crise
dos humores a partir das observações dos antigos. A Semiótica patológica ocupa-se em primeiro
lugar:
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1. Em geral,
a. Acerca da variação de diferenças dos sinais ou sintomas devido à diversidade de
observações; acerca das fontes tanto gerais quanto específicas; de meios de
diversos modos, dos efeitos, da história, do uso e do influxo da semiótica nos
enfermos; da técnica médica e do médico, isto é, acerca do método de observação
dos sinais das doenças, de suas mutações, e do seu egresso em todo âmbito do
corpo e da alma.
2. Em específico, acerca da descrição das ações vitais: da diferença de gêneros, mutações,
egresso e prognose geral ou específica (encontrada em doenças singulares), ou seja,
a) do movimento do coração, decerto da pulsação, como um sinal;
b) da respiração, acerca das ações das lesões nos animais;
c) dos movimentos naturais e vitais das partes sólidas, seja no caso da excitação:
da irritabilidade (ou mesmo da inflexibilidade), do tremor, da rigidez, do espirro, do
riso, da tosse, do soluço, do pavor, do alongamento, dos espasmos, das convulsões;
ou no caso da deficiência: da fraqueza, da exaustão (mais conhecida como
cansaço), do bocejo, do torpor, da trepidação, da afonia, da indisposição de ânimo;
ou no caso do que é misto: do movimento involuntário tônico, da trepidação, da
palpitação, da paralisia;
d) da alteração nos movimentos voluntários e nos cinco sentidos externos e
internos, caso do sono, da vigília, da insônia, da disposição de espírito, do delírio,
da fatuidade, do esquecimento, da dor, do torpor, da vertigem, da ansiedade;
e) ocupa-se também acerca das ações naturais das vias primárias, caso da sede
(como um sinal da mastigação), da deglutição, do apetite, da fome, da azia, do
arroto, do flato, da náusea e do vômito, da digestão, das dejeções de fezes e vermes;
f) acerca das ações naturais das vias secundárias, ou seja, secreções e excreções,
caso dos sinais da diarréia, ou mesmo da salivação ou do escarro, da transpiração e
do suor, da urina (acerca dos sinais de unidade resoluta), da grossura e magreza dos
humores, dos variados tipos de acrimônia;
g) acerca das ações do sexo, danificadas em excesso ou carência;
h) acerca do discernimento das doenças (como um sinal observado durante crises e
nos dias definitivos), da descrição, da diferença (nesse caso acidental ou de origem,
fixidez, percurso, marcha, índole ou resultado), de sinais gerais, específicos,
encobertos, dos períodos, das causas, da prognose, da variação e dignidade das
doenças, da crueza, da cocção, e de indicações assertivas através da gangrena, do
abscesso, da purulência, da erupção variada de manchas na pele, e através da
expulsão dos elementos úmidos: fluentes ou variado no sangue, no suor, no líquido
salivar e do escarro, assim como da dejeção variada através do vômito e das fezes,
da reunião de muitas purgações;
i) da doença reincidente, caso de outros sinais que são aqui investigados, como:
k) sinais de que a doença é maligna;
l) do sangue e de humores restantes;
m) do hábito do corpo, tanto o semelhant quanto o dissemelhant ao bem estar; aqui
também o crescimento excessivo e o súbito de tamanho; a palidez ou inchaço
excessivo; o calor e o frio do corpo, pele úmida e seca; a coloração do corpo total,
ou de partes em que ele tem cortes, icterícia, ou longas feridas na pele; a condição
da face, do abdômen e dos membros extremos;
n) o décubito do doente, como um sinal;
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o) os costumes;
p) os sinais da morte.
Tendo esses por excetuados, consideramos nesta parte também os meios com os
quais é possível explorar e descobrir os sinais: nossos sentidos, externos e internos de fato;
o líquor em razão da quantidade, densidade, cor, odor; elementos contidos universal ou
particularmente no sangue e na urina, por exemplo.
É assim que o Uso da Semiologia extravassa seus limites, ou seja, esta se torna uma
doutrina sobre os sinais das doenças que emergem no corpo humano, mas não só nos
enfermos, tanto segundo o quadro da diagnose (ora, se conhecermos cuidadosamente a
índole de uma doença, é conveniente podermos nela aplicar um corretivo, doutro modo toda
ação é ambígua), quanto segundo o quadro da prognose, sobretudo em relação às doenças
(através de crise, em direção a uma mutação avançada por coisas que se espalham
rapidamente), mas também em relação à terapia da técnica médica e ao próprio médico, no
que as indicationes mais convenientes podem ser encontradas nos sinais, decerto com a
ajuda dos diagnósticos e dos prognósticos. A diagnose, que sem dúvida envolve a doença
acerca dos sinais inseparáveis, proscreve o uso de medicações tardias e contrárias; ao passo
que na prognose com frequência cabe lançar um fio de Ariadne; ora, os sinais que
pressagiam o decurso mais sinuoso da doença aconselham, tanto para o Médico quanto para
o enforme, acerca da constância, da paciência e da circunspecção daquela; ora, o Médico
pode, com mão mais firme, antecipar e reprimir os maus sinais previstos. Se alguns sinais
acabarem por prenunciar a morte durante a doença, o artífice sempre vai se precaver das
esperanças vãs, do fracasso dos remédios, e sobretudo da aplicação dos mais raros, de modo
que o nome desse médico prudente, versado e leal permaneça ilibado.
No entanto, os sinais que prometem um resultado bom duram, intermitentes, como se
fossem um oráculo secreto, persuadindo-nos de não prenunciar indevidamente qualquer
piora, e de não pensar em variar o método ou modificar as fórmulas: é sob um método em
que o doente melhora (de modo que os sinais da saúde não demorem a aparecer), ou seja, é
somente sob um método assim que a doença poderá correr seu percurso até determinado
fim. A Semiologia vem em auxílio do Médico pelo Uso, em que unicamente os sinais
manifestados através de relações devem ser suficientes para elaborar conclusões, quando
não for possível examinar diretamente o sujeito enfermo.
A fim de que o Médico consiga conquistar de uma vez por todas a confiança do
doente, e se ele vier a lhe predizer, na medida daquilo que tem em mãos, tanto o que veio
antes como o que virá depois da doença — ou melhor, se o médico consegue identificar
sintomas que o doente não mostra através de palavras, então sói, como observa Hipócrates
no alto de sua sabedoria sobre os doentes, dedicar-se de modo mais confidente ao paciente
etc.
Ao médico nem sempre cabe agir como um administrador, mas como um intérprete
da natureza. É munido de tais recursos que ele encontra seus deveres, os quais requerem
amplo conhecimento, e a partir dos quais depende também a ação de distinguir com
precisão o quanto as forças vitais se opõem à natureza e se fundamentam na técnica. Tanto
que ao médico basta um único preceito: a ação de adquirir esse conhecimento. Ora, quanto
às observações dos fenômenos naturais que acompanham a doença, a eles devemos aplicar
o máximo de nossa atenção.
Ora, a observação representa, como bem colocou o doutor Clerk, tanto o primeiro
início em direção à experiência (que é o fundamento do conhecimento correto), quanto o
cerne de quase qualquer amplificação na ciência médica. É por essa razão que os Médicos
de tempos passados observavam tudo o que ocorria durante uma doença, aplicando toda sua
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atenção para investigar o decurso de tais elementos e para responder com remédios que já
conheciam, através dos quais a doença era conduzida ou até a restituição da saúde, ou até a
morte — ou para promover efeitos mediadores e salutares, ou para precaver aqueles mais
doloridos. É dessa maneira, por exemplo, que os célebres Hipócrates e Sydenham deixaram
para nós, seus pósteros, prescrições tão variadas e úteis de prognose; por essa via a ciência
médica sempre progrediu até chegar em seu ápice no nosso século (sobretudo naquela parte
da Patologia que compreende a semiótica tanto diagnóstica quanto prognóstica).
Ou seja, é a parte Semiológica da Patologia que está preocupada com a diagnose.
Trata-se de uma ciência especial em que se tratam as especificidades de natureza e as
diferenças de doenças semelhantes entre si: sem ela é impossível estabelecer qualquer
prognose ou terapia, e o Médico que a ignora torna-se uma piada para seus companheiros.
De início, é através da apercepção de todos os sintomas que sempre acompanham
determinada doença (assim ditos característicos ou patognomônicos) que estabelecemos,
sempre na enumeração de diagnoses, uma diagnose específica; e é de modo parecido que a
Semiologia ocupa-se da prognose, isto é, a ciência de sinais pelos quais é possível conhecer
de antemão o que vai acontecer ao doente, coisa que confere nada mais do que um corretivo
que seja uma previsão das doenças ou dos sintomas. O mesmo quanto à fama do Médico:
ora, é a predição do que é futuro e circunstancial aquilo que há de mais útil, e
merecidamente, pois ela demonstra, em uma doença, a melhor experiência e uma razão sã.
A Semiótica, parte que determina com muita precisão o estado do homem esteja ele
saudável, esteja ele doente, merece com todo direito o espaço primordial de atenção de um
Médico. Ora, há inúmeras mutações que surgem cotidianamente na máquina humana, as
quais devem necessariamente produzir determinados efeitos que podem ser determinados
com mais precisão através de determinados sinais, e visto que tais elementos já lograram
alcançar uma certa segurança fundamentada em observações levadas a cabo durante muitos
séculos. É daqui que deve estar o principal dever de um Médico: no encontro de tais sinais,
e na busca de uma segurança persuasiva a partir da comparação de tais elementos tanto no
estado de saúde quanto no de doença.
Ora, é certo que a saúde em um homem é muito variada, e que ela, devido a
mudanças de temperamento, de idade, de sexo (com exceção daquilo que é vulgar), traz
várias outras informações que são necessárias à ciência do Médico, a não ser que ele queira
errar em suas conclusões acerca do regime e da constituição de toda a dieta; é de modo
semelhant que funciona a semiótica patológica antropológica.
Todas as doenças, seja qual for a sua natureza, manifestam sua presença através de
determinados sintomas que o Médico assume como sinais de causas certas e bem definidas;
uma vez que não pode, segundo as leis da filosofia, haver qualquer efeito sem uma causa
presente, o Médico se debruça, qual explorador atento e meticuloso da natureza, no
cotidiano anterior de seus pacientes, comparando o estado pregresso destes com aquele
presente, e formando uma conclusão nem sempre matemática, claro, mas plausível segundo
a firmeza de princípios que se aplicam ao egresso daquele mal. Ancorado nos princípios e
nos fenômenos da Semiótica, o Médico recomenda os remédios mais convenientes, os quais
possam ou dar suporte e equilíbrio ao mal, ou ao menos apaziguá-lo; ele assim toma nota,
sagaz e até teimoso, de um efeito da natureza com que possa torná-los saudáveis de modo
quase heróico, na medida em que aplica toda sua atenção para remover tudo o que é
dolorido.
Vide, ainda que nem tudo possa ser sempre apreendido de forma completa e firme, o
que ocorre na máquina humana; vide, ainda que a semiótica não guarde todo conhecimento
sobre todas doenças, quão seguros e apropriados são os sinais que atestam, sem exceção, e
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em todas as causas, uma certa plausibilidade; ainda assim, a semiótica permanece, no
exame e tratamento de todas as doenças (tanto as agudas quanto as crônicas) como se fosse,
ao médico, sua única estrela guia, como se ela o ajudasse a prevenir, com o máximo
possível de segurança, os ataques mais perigosos e as ameaças mais repentinas de risco
iminente. Assim, o médico nunca se deixa enganar pela pulsação, se lhe são suficientemente
conhecidas todas as qualidades desse; a mesma coisa na observação de determinadas leis na
respiração contínua, as quais servem de exemplo ao médico. Todas as mudanças emergentes
no corpo trazem determinados sinais relacionados a seu tratamento conveniente, e o
médico, a quem estas são muito bem conhecidas, qual fosse verdadeiro juiz da vida e da
morte, pode assim determinar com mais facilidade o egresso da doença em relação a vários
casos semelhantes.
Observações verdadeiras e legítimas nunca empulham o médico na semiótica, mas
confirmam a certeza de suas predições. Quanto não ganha a honra do médico devido a uma
tão feliz observação dos sinais (tanto os do estado de saúde quanto os do de doença no
corpo humano); quanta calma não lhe traz o estado amedrontador que necessariamente se
coloca a um doente, caso for afortunada a condição de todos os sinais; e quão seguramente
não iria ele comunicar a tão ansiada esperança e a alegria sobre a melhora de um paciente
conhecido, sobre a sua vida: é dessa maneira que ele pode, tranquila e assertivamente,
deliberar, a partir de ambas as partes, acerca tanto da prognose do estado perigoso de um
paciente, quanto, no exato período em que um homem ainda doente usufrui de seus últimos
instantes, da verdadeira revelação e a consideração sobre o estado futuro deste, isto é, após
a vida terrena. Com efeito, assim é insigne o objetivo, o uso, e a necessidade da semiologia
médica patológica.
§112. Da mesma maneira que a Patologia geral considera as doenças, as causas, os sinais e os
sintomas segundo o gênero, a Patologia específica trabalha tais elementos segundo a espécie.
O objeto da Patologia específica antropológica é as doenças singulares, tratadas através de
meios tanto internos quanto externos, ordenadas de acordo com um Método nosológico
determinado, em classes, ordens, gêneros, espécies, variedades o mais adaptadas à possibilidade de
tratar o corpo humano, e não somente como Nosologia, mas também, no caso de doenças
singulares, como diferença, Semiologia, Sintomatologia e Etiologia, de acordo com a condição
variada daquelas na ação de determinar com precisão os gêneros e as espécies das doenças.
Devemos sempre preferir, entre todos os outros Métodos nosológicos, um que não seja caprichoso
ou plenamente contaminado de curiosidade, e principalmente entre aqueles nos quais, em cujo todo
de sua disposição sistemática, a atenção principal se limite a multiplicar as distinções, ou melhor, a
inventar novas nomenclaturas, em vez de estabelecer a índole de cada doença singular, contanto que
ao menos uma breve disposição sistemática do todo — incompreensível aos ignorantes — não seja
negligenciada, pois é somente nessa situação que não surge qualquer problema acerca da disposição
sistemática das doenças, caso sempre se observe a melhor determinação da índole das que são
singulares; coisa que encontra perfeição justamente na patologia. Certo, há outras funções para isso,
como na pintura ou na poesia, onde a maior glória é conseguir construir corretamente o todo: o
mesmo em um método nosológico preciso, caso nele se observe somente os fatos na ação de definir
os gêneros e as espécies e na ação de diferenciá-los de quaisquer elementos que sejam parecidos. As
classes e as ordens são menos dependentes de uma regra de ouro, coisa que o cultivo dedicado de
um método nosológico traz de maneira sempre muito cômoda não somente aos jovens estudantes,
mas a qualquer médico prático.
Não nos cabe dedicar-nos somente à ação de diferenciar, na medida do possível, os Gêneros
das doenças: é preciso agir em vista de conhecer também as espécies e as variedades, no que
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concerne determinado método nosológico. Quão certamente há, na comunidade médica, diversos
médicos já eminentes nessa parte da patologia, e quão muito podem efetuar, sob todos os modos,
muito em vista do conhecimento pleno dos gêneros e das espécies: onde quer que tiverem conferido
este através da coleta e do confronto, nada pode ser obscuro; basta aqui indico apenas os nomes
daqueles homens mais célebres da medicina, quais os doutores Sauvages, Linne, Vogel, Sagar, e —
ante todos os outros, tanto dentro quanto fora da Inglaterra, já muito afamado — o ilustre Cullen,
doutor em Filosofia e Medicina, senhor digno de louvor, ele que, em sua práxis, tão afortunada e tão
próspera, que já dura mais de trinta anos, resultante do tratamento de doentes no tão insígne,
multifacetado e rico hospital em Edimburgo; Cullen que encontrou aí a mais perfeita ocasião para
desenvolver as observações mais precisas e firmes da patologia prática.
Nosso fim também tem por ordem que tudo aquilo que pertence aos gêneros universais das
doenças seja absoluto, e a mesma coisa para as distintas e separadas classes, ordens, e certamente
gêneros (ora, tanto o objetivo quanto o espaço não permite, aqui, que preconizemos todas as
espécies, variedades, e anomalias das doenças) em vista de um sistema nosológico preciso e firme,
onde seja possível tanto preconizar, em particular, quanto determinar, de maneira mais precisa, as
principais doenças em ordem (tendo como objeto principal a Patologia específica) — uma
nosologia em que sejam indicadas e determinadas, de maneira precisa e acurada, não apenas
doenças quaisquer, mas sua diferença frente a outra doença, sua identidade, os sinais e os sintomas
recorrentes e característicos da cada uma delas, nalgumas, perpétuas e acidentais, os traços
identitários (quais sinais, tanto diagnósticos e variados, quanto prognósticos), assim como as
variadas causas, tanto precedentes quanto presentes, de cada uma das doenças etc.
CAPÍTULO XIV
MATÉRIA MÉDICA E TERAPIA GERAL
§119. Conforme já expusemos acima acerca da divisão da terapia geral, esta, em seu sentido mais
estrito, dá também origem a uma parte específica (excetuando o que já falamos sobre a terapia geral
até então: a Matéria médica tanto interna quanto externa, isto é, a instrumental).
As doenças, como uma mutação contranatural no corpo humano, não podem ser removidas a
não ser que uma outra seja produzida a partir de uma mutação natural e consentânea, e para a
efetuação dessa meta temos vários elementos chamados de medicamentos. A matéria médica nos
conduz a uma seleção desses medicamentos, no que tange aos seus princípios, vigor, uso e modo de
aplicação. No entanto, a ação de tais medicamentos — na condição de corpos naturais ou artefatos
simples e mistos em sua consideração — consiste antes em mutações multifacetadas, reveladas por
eles mesmos. De que maneira e sob quais condições eles agem assim, eis o objeto primordial da
terapia geral. Esta deve ser considerada como uma parte da medicina prática, a qual propõe fontes
mais gerais tanto para preservar um corpo saudável, quanto para restituir um homem de saúde
lesada, através de remédios seletos, variados e testados, de um método sempre conveniente, e de um
regime revigorante.
O médico que reconhece a doença que está presente em um homem enfermo, e que percebe
que houve uma mutação seja nas partes sólidas, seja nas fluídas, seja nas duas ao mesmo tempo, age
em vista de corrigí-la através da aplicação de remédios e instrumentos, até que ou a saúde seja
restituída em perfeição a seu paciente, ou até que ao menos a maioria das ações do corpo retornem a
um estado o mais próximo possível do saudável.
A fim de que essa parte prática das disciplinas médicas seja exercida com rigor, não é
preciso somente o domínio da fisiologia e da patologia, mas supõe-se também um conhecimento
pleno dos alimentos, dos medicamentos e dos remédios (tanto internos quanto externos, isto é,
cirúrgicos) quais instrumentos com que é possível realizar uma mutação no corpo doente. O
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médico, imbuído da ciência do que é dito necessário, colige o conhecimento de todas essas ciências
médicas específicas e assim conduz a terapia geral ao objetivo final da chamada “ciência da saúde”.
Ora, é ela que manifesta de que maneira o conhecimento adquirido através da razão e da
experiência nas disciplinas supracitadas deve ser colocado em uma ordem na qual os instrumentos
mais úteis e assertivos sejam de fato simplesmente preferidos aos duvidosos e menos certos.
No entanto, tais princípios (na condição de parte primordial e objeto primário da terapia
geral), abstraídos a partir daquelas disciplinas, revelam as fundamentações de uma conclusão,
manifestando por que e como um estado contranatural precisa ser mudado; a partir daí seguem os
indicantia que, abstraídos da disposição de um doente, representam a fundamentação da indicatio, e
acabam por definir, em oposição aos indicantia remotos, o indicatum. Ora, indicans é aquilo que
compreende a doença e sua causa, contra a qual o Médico prático deve tomar providências; já a
indicatio representa o modo e as regras para encontrar esse instrumento, através do qual a doença
pode ser expulsa; e o indicatum expõe propriamente o remédio e a deliberação pelos quais é
possível obter o objetivo do médico, a saúde; três instâncias que devem ser sempre observadas com
cuidado, na terapia específica, tanto no que concerne à preservação da saúde, quanto ao tratamento
das próprias doenças.
Agora, os meios, isto é, as ferramentas selecionadas tanto a partir da dietética, quanto da
farmacêutica e da cirurgia, as quais aplicadas em um corpo enfermo, aplicamo-las tão somente em
um corpo vivente, no qual maior é seu efeito quão maior for sua força vital, isto é, as ações vitais
que manifestam seu vigor: nesse caso, a terapia geral ocupa-se também acerca da indicatio vital, ou
seja, do modo de operação dos corpos nutrientes, preservadores da vida humana.
As doenças surgem, na maior parte das vezes, a partir de causas que são ou externas
(acometidas no corpo humano), ou geradas internamente no homem, e tão piores e mais sérias são
elas quanto mais tempo duram; o médico deve aplicar toda a sua atenção para que as causas sejam
removidas antes de ministrar ou prescrever qualquer remédio contra a doença: nesse caso, a terapia
geral abrange igualmente a indicatio causal e preservatória ou profilática.
Certas mutações da doenças, oriundas dos sólidos ou dos fluídos (ou do movimento dos
fluídos por meio dos sólidos), aparecem repentinamente ao médico a partir de determinadas causas
remotas, aquelas que esse procura logo corrigir como causas proximais das doenças: segue-se daí a
verdadeira indicatio terapêutica ou curatória, a qual é exposta com mais detalhes também na terapia
geral.
Há também alguns sintomas, ou seja, efeitos de doenças que ocorrem em dependência da
doença ou de suas causas, e com frequência sobrevêm em passos tão violentos e tão impetuosos que
geralmente dilaceram as forças vitais, e assim ou impedem ou retardam o próprio tratamento
consistente da doença; o Médico prático deve ou simplesmente apartá-las, ou ao menos torná-las em
parte entorpecidas: aqui resta declarado o modus operandi dos remédios, também na terapia.
Os objetos da Terapia geral mais estrita são célebres tanto por sua quantidade quanto por
sua aplicação em outras ciências. Dentre eles, os principais são tanto os de instância geral,
responsáveis pela formação das indicationes médicas em geral, em recurso da estruturação dos
sinais adequados e nos exames daqueles mais difíceis, quanto os de observação específica (em
respeito das indicationes vitais ou conservadoras das forças vitais dos homens), tanto os
fortalecedores por meio de alimentos nutrientes, quanto os despertadores das forças vitais por meio
de remédios estimulantes (os analépticos): a diferença que depende desses objetivos singulares
deve-se a um modus operandi multíplice, à ação dos orgãos internos em diferentes homens, aos
efeitos, à mutação do estado do doente (corrompido), à seleção mais adequada dos meios (que seja a
mais conveniente possível a qualquer indicatio desse tipo), ao modo de aplicação (seja como
simples, seja como misto a outros elementos), e, por fim, ao volume adequado, à dose, ao modo de
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afastar os efeitos dos corpos doloridos; tudo isso é demonstrado simultaneamente. Aqui, ocorrem
instâncias específicas.
No que diz respeito às indicationes causais profiláticas ou preservadoras, na retificação dos
variados erros dos doentes quanto à dieta: por exemplo, a distribuição do ar, do calor, do frio, da
nutrição, do apetite, da abstinência (em relação à nutrição), dos afecções do espírito (como
moderador), na contenção da eficiência dos venenos (tão variada por causa de sua multíplice
diversidade e aplicação, e muito dependente da aplicação em um homem e de sua compleição,
elementos através dos quais é possível prescrever ao mesmo tempo a cura do veneno e os efeitos de
diversos antídotos), na diminuição de volume excessivo do sangue (como causa de muitas doenças,
através de vários meios a serem aplicados tanto interna quanto externamente, caso em que
ponderamos seu variado efeito, seu modo de aplicação, e especialmente a condição dos humores), e
na cura da cacoquimia, ou seja, da mistura incorreta dos humores, com essas mesmas instâncias
atreladas.
As indicationes terapêuticas ou curatórias conformam o objeto principal da terapia geral
tomada em seu sentido mais estrito; elas dizem respeito sobretudo ao modo: de relaxar as partes
sólidas e rígidas, de endurecer as partes sólidas e flácidas, de combinar a unidade resoluta de partes
sólidas, de engrossar a magreza dos humores, de diluir a grossura, de remediar as partes doloridas
ácidas e alcalinas de variados humores no corpo humano, de refrear o movimento excessivo das
partes sólidas e fluídas, de estimular o movimento escasso, de recuperar os vasos e as vísceras
obstruídos, de evacuar as vias primárias (através de vias depuradores, vomitórias; no caso dos
humores serosos, através de vias sudoríparas, adrenais, salivares, mucosas, sebáceas; no caso dos
humores sanguíneos, evacuados por veias seccionadas, arteriotomia, escarificações, sanguessugas,
menstruação, hemorróidas etc. Outrossim, aqui também ocorrem indicationes sintomáticas ou
paliativas como um objeto peculiar da terapia geral; elas tratam tanto sobre o apaziguamento da dor
(através de meios retificadores, entorpecentes e anódinos adequados), quanto sobre a moderação de
variadas excreções (através de meios adstringentes e fortalecedores, por exemplo da avolumação do
sangue).
Em cada uma dessas indicationes singulares e tão variadas ponderamos, em específico e
com muita precisão, a constituição peculiar e diversa do doente; a condição das lesões tanto nos
fluídos, quanto nos sólidos; a disposição; a origem; a causa; os sinais; o estado contranatural; o
modo adequado de implementar a indicatio tanto geral quanto específica em doentes singulares,
tendo em mente o estado diverso da doença, por quais meios e condições é possível preparar os
doentes, suas partes singulares; deve-se observar, quanto ao uso dos remédios, o regime e a
preparação do doente no tempo oportuno em que os meios possam implementar o melhor possível
uma indicatio, e assim curar as partes enfermas, fazer com que sofram mutações (em sua descrição,
em sua diferença, na maneira como elas operam), produzir mutações nas partes ou sólidas ou
fluídas de acordo com suas diversas partes elementares, seus princípios constitutivos, suas variadas
forças vitais dependentes disso, seus efeitos, suas mutações no corpo humano, sejam estas simples,
sejam compósita (ou mesmo crua), isto é, se devem ser preparados para a aplicação ou utilizados
como são, de acordo com seu tamanho diverso, sua dose, seu peso (sem falar no sem-número de
precauções e observações com frequência tomados).
Se alguém procura encontrar um tratamento firme para uma doença, nunca lhe parecerá se
aproximar deste a não ser que antes tenha considerado a doutrina, que guarda em si as fontes gerais
da cura; o médico deve dela se nutrir e se embebedar. Nesse caso, a chamada doutrina médica, de
fato a terapia geral, a ciência da prática médica é absoluta e sumamente necessária e útil ao médico
prático, conforme as instâncias seguintes deixarão claro de modo mais abundante.
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§120. No tratamento das doenças, ainda que muito dependa da precisão das observações e dos
exames, o médico rara ou simplesmente não logra atingir seu objetivo prescrito — a restituição da
saúde perdida — sem remédios apropriados e adequados a qualquer tipo de doença. A doutrina
universal dos remédios é algo incomensurável, se tivermos em mente a imensa pilha de remédios
outrora introdutórios. No entanto, em nossa época já está estabelecido que para o tratamento de
doenças não é preciso tanto uma grande quantidade de remédios, mas sim o recurso de poucos,
simples e particulares, que possam remover e apartar quase todas as enfermidades. Aqui, o médico
deve dedicar toda a sua atenção para o volume apropriado, para a formação de um conjunto
congruente, para a seleção dos melhores remédios, assim adaptando-os e destinando-os para seu
uso recorrente, assim como combinando-os de forma precisa com quaisquer outros elementos
simples ou compósitos que sejam adequados; ora, quão mais simples é um remédio, mais eficaz ele
é, e tanto mais se pode esperar de seu efeito, contanto que ele seja determinado em experiências
semelhantes, pois não pode haver constância em uma mistura, devido à grande quantidade de
remédios nela (exceto em um caso em que se perde muito tempo com a preparação, e o doente não é
poupado de cuidados excessivos).
Logo, uma vez que é mister que o médico seja dotado de uma erudição exata de tudo que diz
respeito à saúde do homem, é necessário que ele conheça com exatidão as forças vitais e os efeitos
tanto dos alimentos quanto dos venenos, sobretudo quanto ao gênero; em verdade, sói que ele se
debruce, com zelo, em primeiro lugar, especial e principalmente, a índole original dos remédios
simples, suas qualidades físicas e forças vitais singulares, e o modo de usá-los com rigor: colocar
ante nossos olhos e fundamentar, quais instâncias singulares e necessárias, as enumerações e
descrições em ordem e distintas de todos eles é o que faz aquela parte da medicina que por isso se
chama Matéria Médica, tanto interna quanto externa, e a Terapia geral em sentido mais estrito.
Logo, um médico, na medida em que deseja explorar as forças vitais dos remédios com
recurso tanto à história natural, à química e à farmácia (tanto de hoje quanto de antigamente), cabe
que ele atente, de forma tanto geral quando específica (se possível), às partes constitutivas
verdadeiras e originais daqueles, assim como às suas qualidades, suas forças vitais, seus efeitos
quando aplicados no corpo humano, adquirindo um conhecimento mais exato delas; tanto a Matéria
médica quanto a Terapia geral o instruem muito claramente sobre tais partes; ora, cabe dizer que
noutro campo o médico não poderia formar pouco ou nenhum juízo seguro na práxis médica, frente
ao leito do doente, acerca dos efeitos dos remédios, tanto os mediatos quanto os imediatos.
Imbuído do conhecimento preciso dos remédios, o médico pode criticar aquela faculdade
primordial, a de efetuar — assim se efetua o fim e o escopo da ciência médica por inteiro —, que é
a de restituir e conquistar a saúde lesada nos homens, de fato, a qual não podemos estimar o
bastante; daqui ficam muitíssimo claras a necessidade e utilidade da matéria médica e da terapia
geral, partes da ciência médica em que aquele conhecimento torna-se quase como um gazofilácio
da natureza, no qual se investiga e se descobre tudo que é útil à saúde dos mortais, vindo do sumo e
benevolentíssimo doador de tudo que é bom, trazido pelo domínio da natureza, e no conhecimento
de suas forças vitais.
Ora, tudo aquilo que é útil e condizente a nós, mortais — caso a anatomia revele a estrutura
admirável de nosso corpo; caso a fisiologia natural, a história dos homens, nos instruir claramente
de que maneira as ações, conjunções com recurso dos membros, são possíveis; caso a patologia, a
doutrina sobre as doenças, manifestar as causas das enfermidades, através das quais as funções
naturais podem ser impedidas ou mesmo nulificadas; caso a semiótica ensinar-nos a encontrar, por
meio de sinais suficientes, as verdadeiras causas da ação das lesões, manifestando-as de modo que
elas possam ser arranjadas, em ordens e classes adequadas, à liderança da terapia geral e específica
tanto interna quanto externamente; o que, afinal, todas essas ciências dizem, em conjunto, ao
Médico? O que a indicatio bem formada diz através dos indicantia? Ora, nada além de que esta
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pode ser traduzida em um alvo lucidamente prescrito e em uma condição, a fim de que formemos
um indicatum com acurácia, através do qual a saúde perdida de um homem pode ser recuperada em
seu estado anterior, nossa prescrição.
Assim, os indicata, através dos quais o médico domina a faculdade de remover com firmeza
as causas das doenças, são os principais remédios abstraídos a partir de três reinos da natureza:
devem ser procuradas como se fossem ferramentas com as quais é possível restituir as funções
lesadas.
Assim, pois bem, é um requisito que o médico adquira, na medida do possível, o
conhecimento pleno e perfeito acerca de tais ferramentas, das quais depende, profunda, absoluta e
primordialmente, tanto a experiência do médico, sobretudo, quanto a ciência universal, de imensa
estima, que ele tem.
Agora, se alguém percorrer, com olhar ligeiro, todo o prontuário da farmácia, daí
depreenderá um volume imenso daquelas ferramentas, com cujo recurso o médico deve curar — a
título de alguns exemplos — a ftise, a gota, a artrite etc. tão variadas como distintas; que dizer do
acaso do universo, coloração que acaba por conferir certa imortalidade aos médicos que
descobriram aquelas doenças em homens enfermos, e que por essa causa devemos apresentar
confiança total em inscrições desse tipo, fixadas, em homenagem a tais descobridores, nas caixinhas
e nas garrafas dos fármacos (ainda que esses sóem com frequência produzir um efeito dolorido);
deve-se ter primeiro em mente, contudo, qualquer tratamento que se relacione ao indicatum, forma
de compreender corretamente as verdadeiras forças vitais dos remédios.
Que a Matéria médica nunca faça, por essas razões, com que qualquer médico se intimide
frente ao volume desses remédios que são utilizados na farmacopéia por mera tradição, visto que,
embora sejam tão enaltecidas ao empreender uma investigação deles, e tão distintamente
recomendados, não manifestam por si só suas forças vitais: por essa causa faz-se menção deles, em
princípio e muito claramente, em uma Matéria médica bem ordenada e sistemática em relação
somente a seus corpos naturais, quais remédios (e a partir da experiência multíplice dos mais
prováveis); assim se tem uma consideração digna e firme acerca desse tema que, à exceção de um
exemplo, possui um vigor verdadeiro e eficiente, com recurso às suas partes consistentes.
Desde tempos longínquos, nossos antepassados já se dedicavam, com muita aplicação, à
ciência médica universal, e nisto sem injustiça, pois a princípio o médico deve dominar um
conhecimento preciso, se não de todos, ao menos dos principais remédios, os mais úteis e comuns;
algo que o célebre Celso há muito notara, com direito, e que se aplica ainda à nossa época, que as
doenças não são curadas através da eloquência, mas dos remédios adequados. A experiência
também vem em socorro dessa hipótese: quanto não é o dano causado ao médico se ela for ignorada
no exame dos corpos; se o farmacêutico dispersar sobretudo esse ou aquele remédio de acordo com
seu bel-prazer, não se pode esperar, com absoluta certeza, um efeito de saúde a partir daquele
modificado que seja totalmente adequado à intenção do médico.
Quamanhas são as dificuldades que encontramos diariamente na abordagem desse assunto, a
fim de estabelecer com muita clareza o verdadeiro conhecimento, seu valor, e suas partes
constitutivas; todos aqueles que têm ciência disso na mente e no coração conhecem bem esses
obstáculos. Ora, quanto à forma, o remédio pode ser algo líquido; de outro modo, ele é
simplesmente ou seco, ou cortado, quebradiço, em pó. Assim, o médico que aplica e foca toda a sua
atenção para liberar seu paciente de forma segura e consequente de seu estado contranatural, não
pode em absoluto estagnar em um rés neutro, qual um farmacêutico que dispensa um corpo natural
a um homem enfermo, como se isso fosse um remédio prescrito por um Médico.
Uma vez que sempre ocorre uma diferença considerável no vigor eficiente dos remédios,
não é em pouco perigo que o médico se encontra, ocupando-se da diminuição desse, caso ele não
conhecer com precisão as ferramentas com que ele deseja recuperar o estado de doença novamente
104
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para o de saúde, e caso isso se deixe esclarecer através do doente. Ora, o médico não deve deixar
que nada que possamos acreditar com absoluta certeza ser capaz de produzir determinado efeito na
saúde se esconda, ou ao menos que se manifesta verbalmente; aqui a matéria médica antropológica
(tanto a interna quanto a externa) sempre é imensamente necessária e útil ao médico, e o mesmo
para a terapia geral, tendo em mente a tão considerável quantidade de medicamentos, sobretudo se
ele deseja observar com precisão a tão exímia lei de Huxham: cabe ao Médico selecionar para uso
próprio poucos e certos medicamentos, de qualquer gênero, entre os mais preeminentes e eficazes,
atendo-se a eles, assim deixando de perambular na pilha gigantesca, onde não poucos, curiosos,
regalam.
O conhecimento dos remédios pode ser considerado como uma articulação primária da
ciência médica, e por causa disso mesmo um Médico atento e rigoroso não tem capacidade de tratála por inteiro, mas apenas quanto a parte que lhe é necessária para um conhecimento e perscepção
firmes.
Ora, assim como a Anatomia descreve, ao lado da Fisiologia, o corpo humano, isto é, a
condição natural, selvagem e incorrupta), a Patologia demonstra, no homem, o estado de doença,
enfraquecido e corrompido, e a terapia, por sua vez, comunica as razões e os meios com os quais é
possível modificar, corrigir, e recuperar o estado de um homem doente para aquele de saúde que foi
perdido e, como todas as partes dessa ciência acabam por referindo, se tomadas em conjunto, a
articulações primárias da ciência médica universal, é nesse mesmo raciocínio que o médico deve
considerar a articulação seguinte também como principal, em referência a um sistema universal que
conforme uma doutrina universal sobre o conhecimento dos remédios que restituem a saúde, sejam
materiais ou mediadores, ou seja, uma doutrina que seja ou ótima e bastante útil, ou dolorida e
completamente inútil em referência à aplicação médica dos remédios, como algo profícuo e já
conhecido.
Embora o Médico versado e erudito acabe por conhecer plena e precisamente o corpo
humano (tanto interna quanto externamente), e embora perceba minuciosamente a condição, isto é,
a conexão das partes tantos sólidas quanto fluídas, podendo assim compreender claramente tanto o
descurso da saúde quanto da doença no corpo humano, a ciência médica universal como tal se lhe
apresenta como totalmente ineficaz em uma revelação firme da utilidade da medicina (e daquilo que
pode se esperar disso) caso ele não tiver conhecimento pleno e atestado dos meios que são
requeridos para reverter todo tipo de estado dolorido no corpo humano.
Ora, que ninguém venha a negar, por essas razões, que é verdadeiramente imenso o âmbito
dessa ciência médica tão importante, e que seu uso é verdadeiramente insígne. Ora, quem é que
conseguiria, sem as ferramentas necessárias, consertar uma máquina quebrada, desordenada e
perturbada, a seu estado anterior e ordenado? Ou quem é que poderia utilizar tais ferramentas
necessárias com rigor caso estas não lhe fossem plena e minuciosamente conhecidas, para que ele
assim saiba que elas devem ser aplicadas — ou evitadas, caso causem lesões — no período e local
adequados; elas mesmas que são absolutamente requeridas na máquina humana, e que devem ser
aplicadas tendo em mente sua urgência, preeminência e uso: sua medida, peso, condição de período,
circunstâncias, temperamentos, a conexão de suas partes — coisa sobre a qual meramente a matéria
médica (tanto interna quanto externa) e a Terapia geral instruem o Médico tanto teórico quanto
prático.
Com exceção daquilo que se dá de maneira imediata a qualquer Médico sério, os remédios
certamente devem ser averiguados através de seu histórico conhecido, coisa que a matéria médica
provém com abundância; assim, esse conhecimento também serve, ao médico, para atingir outros
fins, variados e muito úteis. Ora, aprende corretamente essa matéria quem descobre, consequente e
precisamente, qualquer remédio em seu lugar de origem, e perscrutar um remédio descoberto em
tempos recentes a partir da história, mas de modo algum referente às autoridades da matéria médica.
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Ora, vários remédios conquistaram, desde épocas longínquas até a nossa, não pequena dignidade
esplendorosa, mas alguns acabaram por serem simplesmente relegados ao esquecimento, ao passo
que outros englobaram a estima dada a esses; qualquer médico sério que se aprofunda nesse tema
acaba por deparar a verdade desse pronunciamento:
O muito que já morre e já definha volta:
Cabe retomar o uso dos medicamentos
E sua razão: as ferramentas mais prestantes
às buscas, aos exames, às lições dos médicos.
Assim como a História natural acaba por constatar novos remédios, e nestes muitas
facilidades, na matéria médica, ou seja, na recensão histórica dos remédios, estes que são
descobertos acabam ao mesmo tempo ou surrupiados pelo esquecimento eterno e pela permuta com
outros, ou corrigidos com o recurso perpétuo da medicina no caso da maioria dos defeitos mais
graves, que se arrastam de um modo, ou de outro fortalecendo-se o mais seguramente possível nas
artimanhas disso.
Quanto ao juízo prático, ele deve ser comparado nos tratamentos das doenças, não sendo de
pouca valia, mas também um elemento muito necessário da Matéria médica: ora, o juízo contém em
si todas as coisas que a fértil natureza retira dos assim ditos “três reinos”, quase como de um
prontuário, na medida em que podemos atribuir a elas uma virtude e um uso medicinais, e na
medida em que elas foram prenunciadas, tendo uma virtude algo maior ou menor, pelo feitor e
estabelecedor de todo o mundo: tudo aquilo que a natureza benevolente administra à comodidade e
emprego dos mortais.
O Médico age como um governante da natureza: ele deve administrar esta casa, certamente
tudo aquilo que é útil e necessário. Ninguém poderia negar ou duvidar que o domínio completo da
matéria médica não seja, ao médico, tão mais necessário quão mais ele mantém, de acordo com sua
própria virtude, uma boa relação com o estado de seu corpo: tanto seu hábito externo, quanto sua
virtude interna (no que diz respeito a tudo relacionado), e tanto por inteiro, quanto em partes. Ora, o
médico que não é suficientemente experiente nesta parte da terapia geral age de maneira absurda
toda vez que emite um atestado, e o juízo prático de um Médico o considera simplesmente um
doente; essa simplória conclusão é confirmada no livro de Swieten, assim como num comentário
deste, nos Aforismos de Boerhaave.
Assim se colocam as palavras desse autor: “é torpe que um artífice ignore completamente as
ferramentas de sua própria arte: assim cabe ao médico apurar o melhor possível tudo que sofre uma
mutação no corpo, tendo por objetivo a volta da saúde; caso ele não conheça os instrumentos com
que deve efetuar tal mutação, não é possível que ele seja útil”. Esta conclusão é confirmada
exatamente assim por Oribásio: ele admite que o conhecimento tanto dos remédios mais simples
quanto das faculdades que lhes são inatas (e, devo eu mesmo adicionar, o conhecimento dos
remédios tanto internos quanto dos externos, assim como o das ferramentas mecânicas e das
cirúrgicas) é tão necessário que sem ele absolutamente ninguém pode medicar com rigor (doenças
são curáveis somente por meios sejam externos sejam internos, simples ou compósitos, mecânicos).
Não é de pouco interesse, àqueles que cultivam e praticam a Medicina, que adquiram
conhecimento preciso de cada um dos elementos através dos quais a alcunha “medicamento” e aqui
um determinado vigor da medicina foram estabelecidos, independente de os medicamentos serem
muito ou pouco eficazes, independente de eles terem sido já averiguados ou não (isso por culpa sua
ou deles, ou por negligência dos mediadores), se é que àqueles tiver sido de fato e deveras prescrita
essa ou outra alcunha, a partir do foro médico; isso para que o médico não só tome nota dos
medicamentos que não se encontram, hoje, na fileira dos esquecidos e rejeitados (ainda que não
haja, aqui, poucos que não sejam mais úteis no tratamento de doenças do que aqueles chamados de
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Reuß Encyclopedia
“comuns”, introduzidos mais por uma questão de Zeitgeist; desses, os esquecidos não foram
simplesmente destituídos de sua eficiência singular, mas, com efeito, de modo parcial, no caso dos
obsoletos, com frequência substituídos por aqueles), mas tome nota também dos medicamentos que
até hoje são bastante eficazes segundo a práxis médica e de acordo com variadas observações.
Não se deve esconder do médico nada que seja etiquetado com o título “medicamento”,
coisa que está a mostra e fica escancarada, de acordo com a virtude médica de cada um, nos
laboratórios de farmácia: são esses os medicamentos comuns, os quais possuem eficiência maior
que os incomuns e obsoletos.
Um conhecimento mais aprofundado dos remédios que auxiliam na farmacopéia não é
menos necessário à ciência do médico do que um dos elementos mais simples, dos quais derivam
remédios já preparados e compósitos, com que aqueles podem embasar muito de seu ofício, e que
cabe, sempre com comodidade, ordenar e mostrar a um doente; vários remédios derivam também
desses, em parte superando as qualidades dos que são simples.
*
107
Sprengel Therapia Generalis
Kurt Polycarp Joachim Sprengel
Institutiones Medicae: Institutiones Therapiae Generalis
(Fundamentos Médicos: Fundamentos da Terapia Geral)
1819
PARTE GERAL
CAPÍTULO I
O CONSELHO DA DOUTRINA
§1. Aqueles que logram modificar a disposição de adversa em segura conduzem os mortais em
direção à saúde; em verdade, diz-se que assistem os doentes todos os homens que despertam no
corpo, por meio da arte, vicissitudes que podem ser seguidas com recurso àquela. Assim, embora
muitos doentes possam sarar de maneira fortuita e sem qualquer intermediação da técnica, o
tratamento aquém de regras técnicas não funciona.
No caso, diz-se que a doutrina sobre as regras do tratar é terapêutica; naturalmente, ela se
divide em duas partes. De fato, a terapêutica ou compreende os gêneros universais das doenças
[universa genera morborum], trazendo regras gerais com que o artífice pode sua burilar sua técnica;
ou acomoda tais regras às formas singulares e às espécies das enfermidades [formae singulae et
species aegritudinum]: a essa apõe-se o nome terapia geral, àquela, terapia específica. Delas
emerge a medicina clínica, a qual nos ensina a contornar a disposição adversa em doentes
singulares (fundam. med. vol. I. introit. §6).
§2. A doutrina é uma ciência abrangente: ora, não é aos fragmentos que esta nos dá as regras dos
tratamentos, deduzindo-os, antes, a partir de princípios racionais; isto acontece de modo semelhante
à matemática aplicada, que dá à luz a ciência ao compartilhar suas regras com o arquiteto e o
navegador.
Na medida em que cura doenças, é dever do artífice estar consciente dessas regras,
derivando-as de um princípio universal. Ora, é por essa razão que ele se distingue do charlatão e do
ignorante, o qual não consegue, ainda que possa porventura curar homens, render uma razão para
suas ações, pois não conhece absolutamente regras.
§3. Ainda que o médico deva colocar sempre para si um fim, atendo-se às leis e às regras desta
doutrina, há algumas ocasiões em que ou o caráter da doença é abstruso, ou as causas que geraram a
doença estão latentes; nessas, é necessário que ele busque refúgio naquilo que o uso e a experiência
ensinam, signifique isto seguir tudo aquilo que auxilia ou prejudica, ou signifique, ainda,
estabelecer experimentos fortuitos que tragam, de qualquer modo que isso enfim se dê, socorro ao
doente. Em princípio, isso acontece em gêneros novos de doenças, sejam estas simplesmente
desconhecidas anteriormente, sejam caracterizadas por recorrência entre populares, situação em que
mais vale encontrar — Celso já havia o aconselhado, e Sydenham confirmado — novos caminhos
para a cura, os quais estão longe de serem conduzidos unicamente pela razão, sendo revelados
muito mais frequentemente pelo uso e pela prática. Igualmente, a índole que uma enfermidade
recebe em corpos singulares — desde que esta seja diligentemente conhecida — não ocorre dessa
mesma maneira em todo caso, de modo que possamos dela estabelecer e seguir regras certas e fixas,
uma vez que o abandono da disposição ou alguma casualidade podem, por vezes, modificar uma
doença de tal modo que esteja proibido aplicar as regras habituais, sendo melhor estabelecer
experimentos. Nesse sentido, foi Richter de Göttingen, cujo nome desponta entre os mais ilustres
dos médicos da Alemanha; foi ele mesmo que preceituou, embora tenha impedido, de próprio juízo,
108
Sprengel Therapia Generalis
os médicos que receitam remédios purgantes sem regras, a emissão de sangue no caso de pulsação e
vigor plenos durante febres biliosas, para que percorramos o perigo.
§4. Antes que possamos progredir, cabe investigar se os tratamentos sempre encontram ocasião. De
maneira nenhuma isso fica claro mesmo quando em presença de um tratamento supérfluo, ou
mesmo se um tratamento sobrepujar toda a força humana.
Todo tratamento será não apenas supérfluo como também prejudicial toda vez que houver,
sob a égide da natureza, incômodos leves que logram voluntariamente recuperar o estado anterior.
Aqui, todo penhor oficioso se faz prejudicial, pois perturba a eficiência da natureza, fazendo
possivelmente surgir sequelas ainda piores. Os autores hipocráticos já tinham certeza que a natureza
encontra, por si mesma, seus próprios caminhos, não carecendo de mestre algum e efetuando o que
é condigno independente de preceitos*; que ela fortalece voluntariamente os homens (a não ser
quando um mal qualquer tiver porventura ocorrido)**; e que ela logra com frequência revigorar os
enfermos sem a necessidade de um único médico***. Logo, foram supérfluos os tratamentos
reunidos por William Harvey (A arte da cura com observação. Offenbach am Main, 1730-8), Georg
Stahl (Dissertação sobre a autocracia da natureza. Halle, 1696 reeditado περὶ φύσεως ἀπαιδεύτου.
Halle, 1703; Dissertação sobre a abstinência médica. Ibid., 1709), Friedrich Hoffmann (Sobre a
eficiência da natureza e da arte na cura [Obras tom. 6] p. 261. s/d), Pieter Camper (Sobre o melhor
quadro de ação e observação em sua Dissertação 10 app.) e Schmidt (Analectos práticos sobre as
doenças carentes de observação. Göttingen, 1759). Agora, se um artífice nada tenta adicionar a
essas perturbações com que a própria natureza cura, preferindo moderar o quadro de alimentação
segundo a observação dos acenos da natureza, ele assiste muito mais na saúde dos enfermos do que
quando age em excesso, logrando promover a própria arte que temos, merecidamente, por “capitã
da natureza”.
* (Hipp. Epid. lib. 6,5 p. 1184) Ἀνευρίσκει ἠ φύσις ἑωὕτῇ τὰς ἐφόδους, ἀπαίδευτος ἐοῦσα, καὶ οὐ µαθοῦσα τὰ
δέοντα ποιέει1.
** (Hipp. Nat. hum. p. 224) ῾Υγιέες γίνονται αὐτόµατοι, ἤν µή τι ἐξ ἄλλου κακουργῇται.
*** (Hipp. De arte p. 4) Οὐ κρησάµενοι ἶητρῷ νοσέοντες ὑγιάνθησαν.
§5. Portanto, sói que nos abstenhamos de um tratamento aconselhador nos casos de haver lesões
que nunca foram totalmente curadas por meio da arte humana, ou de não restar qualquer esperança
de saúde para orgãos nobres destruídos ou forças completamente arruinadas. Ora, quem quer que
tenta remover doenças incuráveis age em detrimento e prejuízo do doente. Os velhos autores
hipocráticos já haviam preceituado que é vão procurar uma cura para doenças que atingiram seu
ápice, cientes de que essa arte de excelência de nada pode valer*. Celso também: diz ele que
ninguém quer colocar em perigo suas conjecturas em esplêndida pessoa, para que não pareça tê-la
matado caso não tivesse ajudado. Mas não é por menos que os enfermos nunca devem ser, dessa
maneira, deferidos, para que não sejam jogados das mãos de médicos desesperados às de charlatães,
e que desse modo surja verdadeira desgraça na arte. Se isso cabe à prudência, a própria humanidade
ordena auxiliar e aliviar moléstias, ainda que não esteja absolutamente em nosso poder a remoção
completa das enfermidades. “Há duas coisas”, dizem os autores hipocráticos, “que devem ser feitas
acerca de doenças: ajudar e não prejudicar”**. No entanto, muitas vezes mais ajuda quem apazigua
as sensações molestas de um doente, mitigando suas dores e demais perturbações, do que quem se
esforça em removê-la completamente e em qualquer ocasião, ainda que a despeito das forças e da
própria índole da doença. Ademais, é dever de um artífice bom e cordato não esconder de um
1
As citações que Sprengel faz de Hipócrates e Galeno em notas são, quase em totalidade, ipsis litteris — ou melhor,
graecis litteris — frases que já estão em latim no texto; sendo assim, optamos por não as traduzir. No entanto, é preciso
dizer que o autor dá muitas referências erradas, caso da nota * do §10, atribuída ao De prisca medicina, mas
pertencente, na realidade, aos Praedicta do velho de Cós.
109
Sprengel Therapia Generalis
doente ou de seus companheiros que simplesmente não resta qualquer esperança de saúde; antes, ele
deve revelar candidamente a impotência da arte, para que as pessoas enganadas por uma falsa
esperança não venham, depois, a reclamá-la como crueldade e imprudência do médico.
Não faltam enfermidades que são grandemente incertas e perigosas per se; embora não
possam ser curadas de modos habituais, elas por vezes cedem a métodos novos, ou a experimentos
estabelecidos por justaposição2 . Pensava-se que as doenças sifilíticas eram incuráveis, antes do uso
do hidrárgiro; o mesmo das febres contumazes e intermitentes antes que se conhecesse a
administração do cortex peruvianus. A angina poliposa, grandemente incerta, foi muito
recentemente combatida por meio da aplicação recorrente de kali sulfuratus; sobre isso, me é
vergonhoso confessar que esta doença ainda hoje não pode ser completamente curada seja por mim,
seja pelos médicos de meu tempo (embora eu não negue que um método melhor e mais seguro
possa ser encontrado no futuro). Todavia, cabe também esperar, por bem ou por mal, tal confissão
— por mais que ela seja grandemente devida ao médico profissional — dos médicos novatos e dos
mais jovens, ancorados em seu adágio.
* (Hipp. De arte p. 5) Μὴ ἐγχειρέειν τοῖσι κεκρατηµένοισιν ὑπὸ τῶν νοσηµάτων, εἰδόται ὅτι τοῦτο οὐ δύναται
ἰητρική.
** (Hipp. Epid. lib. 1 p. 960) Ἀσκέειν περὶ τά νουσήµατα δύο, ἢ ὠφελέειν, ἢ µὴ βλάπτειν.
§6. A partir do que falamos acima, fica claro que os tratamentos são ou perfeitos, ou imperfeitos;
aqueles tratam da remoção da própria doença com todos seus efeitos, ao passo que estas tratam da
retirada ou de partes da doença, ou de alguns de seus efeitos, deixando intocada, porém, a essência
da própria doença. De fato, o tratamento perfeito, também dito seguro, com o qual se tira o mal pela
raiz de modo que não sobra nada, se faz necessário em geral, visto que é melhor ter segurança do
que deixar a índole indefesa; devemos também preferir, no caso de os recursos da arte permitirem,
um tratamento seguro e perfeito em detrimento de todos os outros modos. Logo, é muitíssimo digno
e louvável um médico que dedica toda atenção para um tratamento seguro, em vez de procurar
remover as enfermidades com pressa e de uma maneira grata e favorável.
No entanto, as doenças incorrigíveis ou que produziram destruição nas partes nobres exigem
tratamento imperfeito, uma vez que não podem ser tratadas com segurança e perfeição, de modo
que só logram ser afastadas dessa maneira, podendo trazer mais prejuízos ao ócio e tornar a doença
mais incurável.
§7. O médico que pretende tratar as enfermidades de maneira perfeita deve avançar segundo um
tratamento aconselhador total, o qual seja completamente imutável na medida em que a própria
doença não muda, mas segue constante, e ainda que seja capaz de substituir com frequência e
completamente quaisquer recursos, desde que adequados ao conselho. Ora, é a própria razão quem
nos obriga e compele, no caso de conhecermos rigorosamente a doença, a seguir um conselho único
e igual, assim como a não nos deixar perturbar pelos vários fenômenos que instigam o charlatão e o
ignorante de tal modo que escolhem um outro quadro de ação. É esta a administração do doente que
os autores hipocráticos recomendam; é este o limiar que eles preconizaram, entre os detentores de
um tratamento correto e os detentores de um falso3. “Aquele que compreende, conhece e segue todo
caminho da cura até conquistar seu objetivo, eis o único homem que possui tanto a ciência quanto a
arte da cura” (Galen. Method. med. lib. 6 cap. 1). É esta a paciência do médico: quem agir em sua
vista e tiver feito tudo de acordo com a razão não errará por outros caminhos, ainda que não ocorra
2
Em grego, παραβολή, no original.
Há duas citações em grego no texto original. Sprengel escreve: haec est ἡ περὶ τὸν νοσέοντα οἰκονοµίη,
quam Hippocratici viri commendant: haec est ἡ ὁδὸς καὶ τῶν ὸρθῶς ἐχὸντων δοκιµασίη καὶ τῶν εχὸντῶν
ἔλενχος, ab iis viris praedicata.
3
110
Sprengel Therapia Generalis
nada contranatural4, ancorando-se em princípios firmes e assertivos (Hipp. Aph. 2,52). Quem
recomenda de maneira brilhante e fecunda a necessidade desta perseverança do médico ao ter
desenvolvido um tratamento aconselhador é o excelente Friedrich Hoffmann (Obras tom. 6 p. 278).
O médico não se pode deixar perturbar por dores ou moléstias variadas que decorrem do
quadro de tratamento. Mas se tais sintomas necessariamente surgirem, não sobrepujam a força da
doença, costumando antes atravessá-la; exemplos são a vertigem e a ambliopia, que admitem o uso
de belladonna, e também o tumor nas gengivas e o próprio curso salivar decorrentes de
hidrargirose. No entanto, caso um quadro de cura vier a trazer moléstias mais longas e mais comuns
do que a própria doença, cabe a um médico racional descartá-los por completo, visto que a
segurança do tratamento é o principal e a índole primária.
§8. A fim de estabelecermos um tratamento perfeito, é necessário termos de antecedência o
conhecimento da doença e de todas as suas partes, principalmente da parte lesionada, do modo pelo
qual ela foi lesionada, e das causas responsáveis pelo prejuízo. Imbuídos do conhecimento rigoroso
de todos esses elementos, podemos então erigir um tratamento aconselhador de tal modo que o
apliquemos à condição própria e singular de qualquer doente que seja. Ora, como aconselha Galeno:
“é impossível que as mesmas coisas aconteçam a dois enfermos durante a vida, a não ser que vivam
muito tempo” (Galen. De optim. sect. p. 18)5. Não podemos observar uma similaridade perfeita de
todos os casos nas doenças propriamente populares; antes, a forma das doenças muda de acordo
com as condições peculiares de qualquer doente. Logo, é daqui que a antiquíssima regra dos
hipocráticos: nada é ao acaso, nada deve ser ignorado6; nunca devemos negligenciá-la, pois ela é
extremamente válida para que não formemos um tratamento aconselhador precipitado, mas de
maneira paciente, na medida em que tiver sido rigorosamente conhecido tudo aquilo que constitui
sua base.
§9. O médico que pretende tratar de maneira perfeita deve conhecer de antemão o egresso provável
da enfermidade, para que possa conquistar o objetivo esperado de seu tratamento. Ora, é coisa de
um homem imprudente e de um charlatão retirar somente os incômodos presentes, sem atentar à
cura dos sintomas que persistem e que poderiam ser evitados, caso fossem rigorosamente
conhecidos. Ora, são admiráveis as palavras do velho de Cós: “A melhor maneira de se desenvolver
um quadro de tratamento é conhecer de antemão as perturbações futuras a partir das
presentes” (Hipp. Progn. p. 36)*. Galeno também: “O que já aconteceu deve ser tratado; o que
acontecerá, impedido” (Galen. Meth. med. lib. 13 p. 174)**. Portanto, é dever do bom médico não
confiar no cessar momentâneo das moléstias, caso estas desaparecerem sem um bom sinal de
segurança***.
* Τὴν θεραπείην ἄριστα ἄν ποιέοιτο προειδὼς τὰ ἐσόµενα τῶν παθηµάτων.
** Τὸ ἤδη γεγονὸς ἰητέον, τὸ δὲ ἐσόµενον κωλυτέον.
*** (Hipp. Praedict. 1 p. 77) Τὰ ὀλέθρια ἀσήµως ῥαστωνήσαντα θάνατον σηµαίνει.
§10. Embora a rapidez de tratamento seja louvável, não devemos observá-la em toda ocasião, uma
vez que muitas doenças têm algo de singular, servindo seus períodos próprios de maneira exata, os
quais nunca podem ser modificados, nem perturbados, através da arte, sem causar danos ao doente.
Ora, um médico que se encarrega da cura de doença agudas esforça-se cotidianamente para não
4
Res κατὰ λόγον, em grego no original (em latim, res praeternaturales).
A citação está em grego no original: ἀδύνατον ἐν ἅπαντι τῷ βίῳ, µὴ ὅτι πλείοσιν, ἀλλὰ καὶ δύο αρρώστοις
πάντα ὁµόιως συµβῆναι.
5
6
µηδὲν εἰκῆ, µηδὲν ὑπερορᾷν, citação também em grego no original.
111
Sprengel Therapia Generalis
perverter os estágios de crueza, cocção e crise, sobretudo se houver exantemas peculiares acrescidos
a elas. Igualmente, não se deve manusear, em outras enfermidades, o atraso regular de que nos
valemos para levantar as forças do enfermo e preparar um egresso salubre. Assim, devemos nos
precaver, no tratamento das doenças mais comuns, do emprego apressado dos medicamentos mais
vigorosos antes de que a índole e o egresso provável de uma doença tiverem sido conhecidos. Diz o
velho de Cós: “A sanação é uma questão de tempo, e mais ainda de oportunidade”*. Também
Galeno: “É mais válido demorar-se mais longamente no tratamento do que matar de imediato
pacientes que se recuperam com rapidez”**.
* (Hipp. De prisc. med. p. 8) Ἄκεσις χρόνῳ, ἐστὶ δὲ ἠνίκα χαιρῷ.
** (Galen. Meth. med. lib. 12 p. 163) Ἐν πλείονι χρόιῳ θεραπεῦσαι βελτίον, ἢ τοὺς σπεύδοντας ἀνδρείως
ἀποθανεῖν.
§11. Não é cabido negligenciar a ventura de um tratamento, uma vez que a própria humanidade já
leva os mortais a estimularem o menos possível de dores; mais, a prudência e a honra da própria
arte vetam que deixemos o doente cansado, ocasião em que ele perde sua confiança. É com
excelência que um antigo seguidor de Hipócrates aconselha a favorabilidade durante a fadiga7 , de
modo a trazer delicadamente ora bebidas, ora alimentos, ora ainda sensações de visão e de tato que
sejam tênues. A favorabilidade demanda que regalemos o enfermo em tudo aquilo que não traz
grande prejuízo e que é facilmente corrigível (reparabilia8). O médico por si próprio deve ser
favorável a um enfermo tanto em costumes e cultura, quanto em palavras e ações; eis o que rezava a
regra dos antigos*. Asclepíades da Bitínia era famoso em todo o mundo antigo por sua delicadeza,
com a qual procurava abrandar as sensações dos enfermos; embora caiba aconselhá-la, esta deve ser
postergada ante um tratamento seguro e rápido, caso não for possível dar-lhe precisão. Ora, como
recomenda o antigo autor, o medo indica impotência, e a audácia, inexperiência**; assim, o médico
nunca deve se deixar impelir nem pelo medo de machucar um doente, nem pela confiança de
incultos.
* (Hipp. Epidem. lib. 6,4 p. 1180; id. De decent. ornat.)
** (Hipp. Lex. p. 2) Δειλίη µὲν ἀδυναµίην σηµαίνει, θρασύτης δὲ ἀτεχνίην.
CAPÍTULO V
INDICATIONES EM GERAL
§35. Chamamos de indicationes as regras dos tratamentos, isto é, as deliberações sobre tudo aquilo
que deve ser modificado e efetuado de maneira saudável no corpo. Chamamos um médico de
“artífice” caso esse estabeleça tais deliberações, ou siga tais regras; doutro modo é ele um obreiro,
um charlatão. Ora, o médico que não esteja plenamente consciente das regras dos elementos que
tenham auxiliado ou prejudicado em doenças semelhantes deve, qual um profissional, atentar
novamente à prática. Em verdade, foi Hipócrates, o autor dessas regras, que inaugurou a terapia
geral, ainda que o termo indicatio não tenha sido inventado por ele (Galen. Method. med. lib. 4 p.
78). Tendo daí surgido grande contenda entre os dogmáticos e os empíricos acerca dos princípios de
condução da medicina, foram os primeiros que introduziram, de modo mais acurado, tanto o termo
quanto o conceito de index9 ou indicatio. Ainda que os dogmáticos estivessem sempre de acordo,
nesse aspecto, com Galeno, é devido que iniciemos das indicationes primeiras e gerais, isso se
desejais fundamentar um método de cura; e encontrar, a partir dessas de que falamos em geral e que
são claramente estabelecidas, aquelas que valem de cuidado mais específico. Diz Galeno: “Aqueles
7
τὰς τῶν καµνόντων χάριτας, em grego no original.
8
εὐανάληπτα, em grego no original.
9
Em grego, ἐνδείξις, no original. O termo ἐνδείξις traduz para o latim index, daí nosso “índice”.
112
Sprengel Therapia Generalis
que tomaram a razão como líder da invenção, e que a fundamentam como ordem e como única via a
seu objetivo, a eles é necessário transitar, no que principiam de algo universal, bem conhecido por
todos, ao restante. Penso o mesmo sobre aquilo que foi demonstrado na arte médica, a que devemos
ascender a determinadas proposições que sejam decerto sumárias e fidedignas por si
mesmas” (Galen. Method. med. lib. 1 p. 38).
Há, ainda, certa indicatio do raciocínio, na qual se estabelece um conhecimento universal
através de que tiramos conclusões acerca dos instrumentos requisitados. No entanto, tais conclusões
não são válidas por definição, nem são totalmente seguras em toda instância. Algo distante segue,
do conhecimento geral do estado de doença, a maneira como devemos afastar esta, uma vez que se
deve colocar, como premissa, a condição específica e individual de uma enfermidade. Mas
tampouco é totalmente segura essa regra — se é verdade que o próprio Galeno chamaria, por seu
juízo, de diagnose científica uma suposição técnica (fundam. fisiol. §19)10 .
§36. Agora, se as regras da cura provêm a partir daquilo que é claro e evidente, ou seja, construídas
por meio de indução e epilogismo, então as próprias indicationes serão verídicas e seguras; no
entanto, se se escoram em hipóteses e opiniões, serão conjecturáveis, supostas11, ou mesmo
falaciosas (fundam. fisiol. intróito §10-13). Quão mais arbitrárias restam em hipóteses, tanto mais
serão falaciosas as indicationes estruturadas nestas; todavia, quanto mais houver observações que
convergem e confluem para estabelecer uma hipótese, tão mais provável torna-se a indicatio, até
que aquelas, tendo por base um epilogismo excelente, admitam pouca ou de nenhuma contradição.
A qualquer um é patente que há certos passos e modos não tão obviamente claros, aos sentidos, para
uma índole única e conjecturável, os quais é imperativo, de acordo com o juízo mais agudo de
médicos excelentes, observar e distinguir com rigor. Quanto mais a doutrina terapêutica precaver-se
de regras conjecturáveis, tão mais digna ela será, e tanto maior será o verdadeiro progresso da arte
fomentado daí. Contudo, é certo que não se deve evitar todas hipóteses, já que a índole dos
elementos próprios não é, em toda ocasião, clara, dando largo espaço também para conjecturas.
Assim, em primeiro lugar devemos agir em vista de formar, casta e cautelosamente, hipóteses,
trabalhando, em seguida, para que as corrijamos e melhoremos, para que assim alcancem, na
medida do possível, a dignidade da natureza dos juízos.
§37. A regra dos tratamentos pode tratar de remover um estado contranatural que seja ou simples,
ou composto, ou, ainda, complexo; daí, a indicatio será ou simples, ou compósita. Um estado que
tenta recuperar uma dispensa regular de força sensorial forma uma indicatio simples; um outro que
busca descarregar a abundância dos humores ou refrear o ímpeto desses de algum orgão mais nobre
forma uma indicatio compósita. Com efeito, quão mais simples for a informação, tão mais clara se
tornará uma regra mais simples, e tão mais segura uma compósita (mas devemos sempre preferir
aquela a essa).
No entanto, deve-se ter em mente, antes de tudo, que as indicationes compósitas com
frequência não podem ou devem, em sua maioria, ser reduzidas a indicationes mais simples, sob o
pretexto de ficarem mais claras ou fáceis. Se é verdade que a natureza compósita de uma doença
abrange as perturbações de variados orgãos, produzidas de diversas maneiras por uma mesma causa
(fundam. patol. gen. §43), esta dissimilaridade de perturbações joga amiúde fuligem sobre a doença
inteira, tirando os médicos do trâmite da simplicidade, de modo que estes acabam por dar à luz a
Citação em grego no original: τῆν ἐπιστηµονικῆν δίαγνωσιν, τεχνικὸν στοχασµόν Galenus nuncupat. Não
encontramos a referência da obra de Galeno.
10
11
Citado em grego, στοχασµατικός, no original.
113
Sprengel Therapia Generalis
escuridão entre as regras em si mesmas mais compósitas, e acabam, além disso, mais obstando que
auxiliando o bem-estar do enfermo.
§38. Quanto mais algum médico excelente conseguir penetrar a natureza da doença, tão mais
simples será a indicatio formada, uma vez que ele perceberá facilmente que a dissimilaridade de
variadas perturbações simultaneamente presentes provém de oportunidades nos orgãos ou de uma
índole variada das causas (mas aquela não deve ser vinculada à verdadeira diversidade dessas). Ora,
um paciente que sofre de febre nervosa pode simultaneamente padecer de perturbações
inflamatórias nos pulmões que decorrem das mesmas causas, e devem ser assim removidas por um
mesmo método, caso já tivermos explorado a causa geral de uma doença que agiu em determinado
homem, de determinada maneira. Tanto os novatos, quanto os médicos especialistas no
conhecimento interior das doenças se encontram sem segurança ao deliberar sobre as composições e
as complicações das doenças; por essa razão, pode ocorrer não só a deterioração, como também a
destruição completa do quadro de tratamento, a tal ponto que quaisquer perturbações e moléstias
sejam removidas de modo puramente empírico.
A fim de que possamos nos precaver de tal perversão, é necessária uma recondução de
qualquer regra particular a um princípio universal; este processo, ainda que não seja possível
realizá-lo em toda ocasião, acaba por render um quadro de tratamento mais claro e mais simples.
Agora, se for necessário ir de encontro a uma inflamação insurgente, no caso do tifo, uma
determinada regra particular poderá ser otimamente reconduzida à indicatio universal dessa doença,
a qual trata de recuperar uma distribuição regular de força sensorial, assim como de diminuir a
estimulação excessiva desta.
§39. Muito embora, erra quem, em busca unicamente por simplicidade, sustenta-se somente em
preceitos gerais. Ora, o caminho do tratamento é imperfeito e cheio de lacunas, e negligencia as
variedades de cada corpo singular; não cabe a nós cuidar do homem enquanto gênero, tampouco
desenvolver, mediante aquele, a ideia de uma doença — coisa que o intelecto ou a imaginação
criam em si —, mas sim tratar de doenças singulares e individuais em homens singulares e
individuais. Assim, cabe unir, com acurácia, os preceitos gerais aos particulares, assim como
construir, sob a égide da indução, estes a partir daqueles. Agora, se daí surgir uma composição de
regras, deveremos dar atenção para que estas, constituídas de modo correto e naturalmente
ordenado, sejam observadas segundo uma mesma ordem que se submeta a elas. Se alguém vier
porventura a contrair uma inflamação a partir de um acesso de fúria, este deve primeiramente
eliminar a sujeira biliosa presa no ventrículo, em vez de tentar aplacar o ímpeto das partes mais
nobres.
No entanto, é com frequência necessário aquiescer a preceitos gerais, visto que condições
peculiares de uma doença ou perturbações singulares de um corpo permanecem, para nós, latentes.
Sobre isso, são instrutivos, entre outros, os exemplos mais célebres de Wassenaer e de Saint-Alban,
descritos por Boerhaave (História anterior e posterior das doenças mais raras, ed. Baldinger:
Frankfurt, 1771).
§40. É imperativo acrescentar, à simplicidade das indicationes, a complexidade acumulada de tudo
aquilo que pertence a estas, sem a qual não se pode sequer cogitar uma solução perfeita. É
necessária uma percepção clara tanto das condições do corpo — podendo estas ou sugerir, ou
admitir determinada indicatio —, quanto de todas as mutações que seguem necessária e
habitualmente — ou mesmo possível e fortuitamente — o cumprimento da indicatio. Se isso não se
der, o caminho por que o médico adentra torna-se arriscado. Um médico que ordena que se aplaque
o ímpeto do sangue durante inflamações deve necessária e simultaneamente perceber de que
114
Sprengel Therapia Generalis
maneira isso logra acontecer naquele caso singular; por qual razão mutações oriundas de um ímpeto
diminuto do sangue logram recuperar a saúde; e por quais modos cabe rigorosamente remover os
obstáculos para este tratamento.
Logo, podemos evitar, ancorados nesta razão, um abuso da simplicidade. Mas é outro o
muro a que vão de encontro os médicos que, muito em vista de expor os fenômenos da doença a
partir dos princípios primários de todo o universo, acabam por criar regras mais simples, mas na
fuga do exame da razão e do juízo livre dos preconceitos do parecer acadêmico; já aqueles que
mostram confiança excessiva no raciocínio preferem estabelecer uma norma de tratamento que seja
a mais fácil e a mais simples, em vez de dedicar atenção aos juízos da natureza, com frequência
mais compósitos.
§41. Ainda que as indicationes sempre tratam de afastar um estado contranatural, é possível, no
entanto, distingui-las de modo variado, de acordo com o quadro variado daquele estado.
Chama-se causal a indicatio que abrange as causas a serem movidas, sejam estas ocasionais
ou mesmo disponentes; como quando alguém busca reconduzir o óxido de chumbo, responsável
pela cólica saturnina, a um estado régio (ou mesmo extraí-lo do corpo), ou quando tenta zelar pela
fraqueza dos pulmões contra a eficiência de uma doença. Chama-se profilática a indicatio quando
esta desvia do portento da doença, procurando precaver-se de uma doença iminente. Fica patente,
nessa definição, que ela se faz absolutamente parte da terapêutica, uma vez que essa indicatio trata
de desviar o estado contranatural. Outra é, porém, a indicatio profilática, parte da higiene, a qual
instruir de que maneira devemos conservar o bem-estar e a disposição, assim como evitar uma
doença; é manifesto, ainda, que a indicatio profilática não tem absolutamente nenhuma vez quando
não há portento de doença, isto é, nenhuma eficiência das causas. Um homem que goza de bemestar não carece, no caso de sucumbir a uma doença popular, qualquer cura, mas carece aquele que
ou já está adoentado, ou já sente o portento da doença.
A esta opõe-se a indicatio curatória, que vai de encontro à doença já presente, e a
apoterapêutica, que tenta expulsar o que resta da doença. Esta é sobretudo necessária quando se
exige, por dever ao médico, um tratamento perfeito da doença (§6).
§42. Muitíssimo sérias também são as indicationes vitais, que tratam de conservar unicamente as
forças vitais, não tendo qualquer quadro de doença ou das causas. Agora, caso a natureza específica
ou individual de uma enfermidade esconder-se de nós, se suas causas permanecerem ocultas, nada
resta senão conservar e excitar as forças vitais, a fim de que estas mesmas logrem, de qualquer
maneira possível, remover a doença ou tornarem-na mais leve (§4;24).
No entanto, devemos ter cuidado para que esta indicatio não dê guarida à negligência ou à
ignorância. Ora essa, não convém a um médico tal leviandade que, atendendo de início a índole
latente das doenças ou das causas, dedica atenção unicamente às forças vitais, visto que em muitas
doenças os esforços da natureza mal são suficientes para que aquelas sejam removidas. Assim,
aquiescer, já de início, a essa indicatio é mais nefasto do que quando não temos qualquer esperança
de tratamento, ou do que quando acabamos por aceitar que não podemos conhecer detalhadamente
nem as causas, nem a doença, ou, finalmente, do que quando tais obstáculos opõem-se ao
tratamento em si, o qual não logramos de maneira alguma desenvolver.
Não deixa de ter importância que as indicationes vitais são, com alguma frequência, as
mesmas que as curatórias, se é verdade que em muitas doenças a soleira de todo o tratamento
encontra-se no controle e na moderação dos quadros das forças vitais, de tal modo que elas são
pares no combate à doença.
115
Sprengel Therapia Generalis
§43. Por fim, à indicatio curatória opõe-se uma que exige somente o alívio das perturbações mais
graves (ou mesmo desenvolvê-las), à exceção da própria doença, deixando suas causas intactas.
Chamamos vulgarmente esta indicatio de paliativa, como se ela cobrisse a doença com um pálio.
Dizemos, com os antigos, que se trata se uma indicatio mitigatória (paregórica)12 e sintomática,
pois ela se opõe unicamente aos sintomas.
Certamente, não podemos prescindir dessa indicatio, uma vez que o curar faz-se, de acordo
com a sentença de Galeno (comm. in aph. 6,38), dupla ocasião: por um lado, ele efetua tudo que
transforma a parte afetada em saudável; por outro lado, ele aplica-se ao conforto e à domesticação
das doenças, tomada uma circunspecção conveniente a essas. Assim, a cura aplica-se não só na
remoção de doenças, mas na moção de tudo aquilo que é prejudicial.
Daí segue uma outra, e de fato maior, dignidade da indicatio sintomática, pois é com
frequência que a índole interna das doenças — a qual chamamos de essência — permanecem
totalmente latentes para nós; e que as indicationes determinadas daí não são tão claras ou
enunciadas (ou mesmo sejam tão seguras), do que aquelas que decorrem das lesões e dos sintomas
manifestados nas funções. Ora, um médico que pretende unicamente seguir, no que vai tratar a
febre, a informação que as escolas desenvolveram sobre o caráter e a natureza de uma doença
encontrar-se-á frequentemente cercado de névoa e neblina, já que segue a liderança de hipóteses
(§36). Em verdade, o médico que busca apaziguar o calor e o ímpeto do sangue, abrindo vias pelas
quais a natureza possa livrar-se per se escolhe, na medida em que forma indicationes sintomáticas,
um caminho muito mais seguro, um que o conduz a um fim saudável.
§44. Há uma outra serventia da indicatio sintomática, a qual decorre de vários sintomas que
impedem o próprio tratamento. Ora, pode ser que determinado sintoma tenha uma índole tal que
não seja válido realizar qualquer tratamento a não ser que aquele seja antes retirado, ou ao menos
que as forças vitais tornem-se enfraquecidas. Um médico que vai tratar a hidropsia não pode em
lugar algum remover a frouxidão ou estritura dos vasos absorventes (ou a índole endurecida e
impermeável das glândulas), a não ser que tiver antes extraído um colúvio aquoso com auxílio de
espigão triangular [acus triquetra]. A efetuação própria da indicatio sintomática facilita, portanto, a
rendição da indicatio curatória; isso fica tão mais claro ao considerarmos que a subversão das forças
vitais é um sintoma muito frequente em doenças; fica patente, à luz da serventia da indicatio vital, o
quão grande é a necessidade de movê-la.
§45. Não devemos negligenciar a eficiência dos sintomas em produzir novas doenças, ou ao menos
novas composições de doenças. Diminui-se essa atividade e evitam-se novas doenças quando nós
mesmos nos opomos com os sintomas. Ora, caso o ímpeto do sangue não for aplacado no início das
febres nervosas, os orgãos mais nobres se corrompem com tal frequência e a tal grau que daí
nascem inflamações no encéfalo e nos pulmões. Assim, devemos mitigar, no caso do tifo, as
terríveis dores de cabeça com cuidado, a fim de que não haja domínio, em um enfermo, de
encefalite ou de apoplexia.
Acontece de variados sintomas serem até certo ponto terríveis e cessarem repentinamente,
de modo que subjulguem um enfermo, caso não forem vencidos (coisa que coincide com a
anterior). Ora, será que algum médico deixaria de atentar à gangrena que acomete a febre nervosa,
ou à resolução dos nervos, companheira das doenças mais comuns? Ou será que esse não aplicaria
sua energia para impedir o fluxo de diarreia pertinente, esta que devasta as forças do enfermo?
12
Em grego, παρηγορική, no original.
116
Sprengel Therapia Generalis
§46. Finalmente (eis, ao que parece, o núcleo do problema), a natureza própria de uma doença
frequentemente insuperável, ou um tratamento que se opõe a ela acabam por inferir mais dano do
que trazer saúde. Nesse caso, é mais seguro combater os sintomas, principalmente porque é possível
remover simultaneamente a doença após tê-los apartados. Ora, ninguém deixa de notar que é
completamente indevido atacar um cirro mediante um tratamento que busca solucioná-lo através de
estímulos pungentes e profundos, sendo muito mais profícuo um método mais ameno, que busque
aliviar as dores e o ímpeto rebelde do sangue, precavendo-se de que isso se transforme em
carcinoma. Ademais, muitas vezes pode ser que um método pareça adverso aos sintomas, mas seja
verdadeiramente curatório, uma vez que a ação dos remédios é com frequência muito patente.
Eu não denominei este método sintomático de “específico” porque ele se ampara antes em
um tratamento propriamente conciliatório, opondo-se ao caráter próprio da doença (a exemplo da
hidrargirose, a qual, embora venha especificamente da sífilis, sucede sem dúvidas uma indicatio
curatória).
§47. Tendo enumerado as utilidades da indicatio sintomática, deve-se colocar, de maneira geral, que
nem sempre os sintomas abrem per se somente as vias da cura, fazendo-o, por fim, apenas quando
tiverem sido coletados rigorosamente e comparados com as causas e com todo o decurso da doença
(fundam. patol. ger. §11). Similarmente, tanto o quadro da doutrina quanto a estabilidade do médico
exigem um método tal que busque abstrair a natureza de uma doença desde que rigorosamente
explorada, desviando dela todos os efeitos; e que não seja facilmente confundido pela sucessão
desses ou daqueles sintomas.
CAPÍTULO VI
INDICANTIA E CONTRAINDICANTIA
§48. O médico que seguir, na prática, a razão perceberá clara e necessariamente porque algo
acontece ou eclode. Logo, um médico racional deve, no que delimita regras para as ações
terapêuticas, estar consciente da causa por que isso ou aquilo eclode: tais causas das ações são
chamadas de indicantia; já as coisas que, opondo-se ao tratamento, os impedem são denominadas
contraindicantia.
§49. É certo que um indicans conforma ou um tratamento aconselhador [consilium curationis] em
geral, ou regras específicas para este. O primeiro ancora-se na diagnose de tudo aquilo que efetuou
a doença, definindo sua complexidade; trata-se do único elemento que determina todas as ações que
produzem um tratamento aconselhador. No entanto, é plausível que haja maior quantidade de
indicantia particulares, uma vez que um conselho geral pode advir de várias maneiras.
Interessa gravamente que formemos de início um conselho de acordo com um indicans
geral, em vez de passarmos de imediato a cuidados singulares e variados, ou aos caminhos da cura.
Ora, estas não têm coerência suficiente, tampouco podem ser constantes, se prescindirem daquela;
tais vias são, antes e muitas vezes, contrárias umas às outras, caso não forem redirecionadas a
preceitos gerais. Nesse sentido, um conselho que busca aplacar, no caso do tifo, o ímpeto do sangue,
a ele mesmo se opõe um outro conselho que postula ser possível suprimir uma excitação excessiva
através de estímulos fugazes; todavia, ambos são específicos e podem ser reduzidos a um preceito
geral, isto é, que a distribuição irregular da força sensorial deve ser controlada e moderada.
§50. O modo por que um tratamento aconselhador e geral decorre da diagnose de uma doença
(como gênero) é o mesmo por que avançam, de modos variados, conselhos particulares através de
que uma doença se manifesta. No entanto, há indicantia peculiares que emergem do quadro singular
117
Sprengel Therapia Generalis
em que uma doença aparece neste ou naquele homem. Nesse sentido, o tifo deve ser curado, em um
homem, de uma maneira que se complete em quinquênios, ou em uma que tenha sido já insígne em
produzir bem-estar13 . A artrite demanda regras particulares de cura diferentes em uma mulher
delicada, em um agricultor, ou em um cocheiro. Assim, uma indicatio perfeita ancora-se ora em um
indicans universal, ora em um específico, ora, mesmo, em um individual (ainda que desse sejam
formados, antes, cuidados ou instâncias de um conselho do que este mesmo e completo).
§51. Fica patente, a partir do que aconselhamos em vista de fundamentar um exame dos enfermos,
quais são os indicantia (§19 seq.). Em verdade, deve-se colocar uma questão de fim terapêutico, de
tal modo que não só observemos os fenômenos da doença que são presentes ou passados, mas que
também estimemos com rigor, é evidente, de que maneira aqueles vão surgir; que tipo de quadro
eles possuem em relação à forma da doença; quais sistemas do corpo ou quais partes deste são as
mais intensamente afetadas; enfim, quais desses fenômenos as mutações internas no corpo vão
provavelmente contingenciar (disso depende toda a forma da doença). Que os principais indicantia
são aqueles construídos ora por meio de observação, ora por meio do raciocínio, eis algo patente a
qualquer médico. Portanto, os sintomas não indicam algo per se, salvo quando um médico ascende,
com recurso ao raciocínio, à origem destes, e salvo quando se tem em vista o quadro destes, o qual
principiamos de uma indicatio sintomática (§43).
Tampouco as causas externas indicam algo per se, salvo na medida em que mutações do
corpo são expostas a partir delas. Ora, uma qualidade do ar que seja temperada ou depravada não
vai, também, indicar regras para tratamentos antes que a constituição do corpo seja, de modo
peculiar, invadida por ela. Causas predisponentes, no entanto, e uma vez que consistem em uma
aversão do corpo em relação à norma da saúde, devem ser sempre referidas a indicantia, ainda que
delas surjam sobretudo conselhos individuais. Agora, a natureza de uma doença se faz muito pouco
evidente per se para ser considerada um indicans; é conveniente, então, retornar às causas mais
remotas, cujos efeitos auxiliam grandemente a própria exposição da doença.
Já aludimos acima àquilo que conforma os indicantia de uma prognose (§9). Ora, o decurso
de uma doença, assim como seu egresso provável não determinam, propriamente, qualquer
formação de conselhos, mas produzem mutações e modos de conselhos que nunca devemos
negligenciar em um tratamento completo.
§52. Uma vez que nem a índole anterior de uma doença, nem o modo por que as causas efetuam
mutações no corpo, nem o quadro dos sintomas logram sempre e satisfatoriamente revelar o caráter
de uma doença, indicantia amiúde incertos são, por vezes, de grande utilidade, contanto que se
escorem em conjecturas prováveis. Embora um médico racional encontre imensa dignidade em
costear uma certeza, pouco convém exigir forçosamente esta onde a maior parte dos indicantia
estiverem latentes. Os indicantia particulares, construídos por meio de epilogismo, costumam ser
muito mais prováveis do que os gerais, criados unicamente por meio da razão e de indução pouco
perfeita, ou mesmo de hipóteses.
A probabilidade aumenta, aproximando-se da certidão, caso indicar-se por ela um
tratamento aconselhador a duas ou mais condições corporais. Devemos grandemente optar por um
consenso desse tipo, a fim de que nossas ações adquiram alguma certeza.
§53. Se um indicans contém razão suficiente de uma indicatio, dizemos que ele é perfeito e
completo; é, no entanto, imperfeito e incompleto caso nada tiver além de si. De fato, uma indicatio
geral possui, com frequência, razão suficiente em determinado indicans, mas não uma específica.
13
Em grego, εὐεξία, no original.
118
Sprengel Therapia Generalis
Ora, a sujeira não raro se indica a necessidade própria de sua evacuação, coisa que não faz um
método emético. Agora, em verdade, se a maioria dos indicantia estiverem em consenso tornam-se
perfeitos e completos por consenso, isso mesmo se não forem per se perfeitos. Assim, é necessário
um exame mais preciso, com o qual conheçamos mais detalhadamente os quadros do corpo,
fazendo com que os indicantia fiquem daí completos.
§54. Os indicantia são, na maioria das vezes, circunscritos por determinada condição, a não ser
alguns poucos (excetuados aqueles que tenham forças suficientes), ou a não ser que obstáculos
casuais se lhes oponham. Dito isso, há muitos indicantia que quase não admitem alguma condição,
mas determinam a aplicação de uma mesma regra por meio de um quadro do corpo qualquer, como
um esfácelo arruinando determinado membro, coisa que faz imperativa a amputação da parte morta.
Certamente, essa situação também interessa às indicationes gerais e específicas, pois a
grande maioria das primeiras não possui qualquer condição adstrita, ao passo que as segundas são
completamente circunscritas por muitas destas. De fato, a febre intermitente e conjunta demanda
incitação muito rápida das forças vitais; no entanto, se isso acontece com recurso do cortex
peruvianus, ou de outro modo, não se trata absolutamente do mesmo processo, condicionando-se
através de exame ulterior.
§55. Onde quer que a natureza de uma doença esteja latente, lá tanto os efeitos das causas quanto o
quadro dos sintomas também estarão obscuros; lá os indicantia estarão, ao menos aparentemente,
circunscritos por condições tais que ficaremos em dúvida sobre o que fazer e como agir; e lá , por
fim, convém que o médico sensato fundamente seus experimentos, extraindo vias de cura a partir de
tudo que auxilia ou prejudica aquele estado (§3). No entanto, uma vez que esse processo foi há
muito delimitado pela temeridade dos empíricos, não devemos recorrer a ele antes de que todas as
fontes dos indicantia tiverem sido exauridas. Faz-se amiúde contingente, em doenças novas e ainda
presentes na população, uma obscuridade ou mesmo índole contrária dos indicantia, de modo que
os eruditos podemos tirar algo daí, ao menos na extensão em que venha em auxílio ou prejuízo.
§56. Os contraindicantia representam os quadros de um corpo enfermo, pelos quais se impede uma
aplicação ou uma indicação de qualquer tipo de regra. Igualmente, os contraindicantia pouco
subsistem per se, mas estão, em toda parte, no quadro dos indicantia; ainda, todo indicans se faz
contraindicans de qualquer coisa que impeça as ordenações do médico de serem rigorosamente
perpretadas.
§57. Os contraindicantia possuem tantas diferenciações quanto os indicantia. São eles certos ou
incertos; verdadeiros ou falsos (prováveis também); perfeitos ou imperfeitos; gerais, específicos, ou
individuais; circunscritos em condições, ou sujeitos a nenhuma dessas. De fato, os indicantia
específicos e os individuais são muito mais frequentes que os gerais; ora, são estes que podem ser
seguros e certos, diferentemente dos indicantia específicos e individuais (§50;53).
Igualmente, ainda que se deva servir religiosamente uma indicatio geral, os indicantia têm
outra utilidade, a de possibilitarem a construção de regras específicas, as quais conduzem as ações
do médico determinam que se forme uma seleção adequada de medicamentos. Os contraindicantia
tornam o médico atento para a investigação de quaisquer instâncias que servirão para providenciar o
conhecimento perfeito de uma doença e um método de cura adequado. Um médico que, diligente,
dá atenção para essas questões nada tem a temer, libertando-se das teias dos preconceitos da opinião
acadêmica, e podendo seguir, o mais circunspectamente, um tratamento aconselhador seguro e
perfeito.
119
Sprengel Therapia Generalis
§58. Esta circunspecção, embora louvável, e ainda que os contraindicantia mais sérios nulifiquem
completamente o uso dos indicantia, mesmo autores meticulosos continuam a abusar de
contraindicantia, e por eles acabam, na condição de abrangirem quadros específicos e individuais
do corpo ou efeitos casuais dos medicamentos, afastados de um quadro de cura vigoroso. Nada
fazem que possa parecer prejudicial. Esta timidez é completamente indevida a um homem que goza
de livre vontade e que deve dedicar-se aos pobres, de tal modo que possa emergir mais sábio a partir
das deficiências dessa ciência. Ora, um médico que tiver indagado sobre o quadro e a conexão dos
fenômenos das doenças encontrará pouquíssimos contraindicantia: muitos desses, os quais parecem
contrários à primeira vista, devem ser conhecidos o mais interiormente possível, revelando-se parte
de uma conexão que de maneira nenhuma impede um tratamento aconselhador. Agora, se alguém
for chamado a curar uma febre intermitente, tendo que observar, aqui, a saburra nas vias primárias,
mas não tiver indagado anteriormente sobre a conexão presente nessa doença, ele será porventura
afastado de uma indicatio verdadeira, a qual exige agitação dos nervos do ventrículo através de
remédios tônicos. O médico mais consciente, tendo indagado sobre a fonte da saburra, perceberá
que esta nasceu de uma duração demasiado longa da própria febre intermitente, muitas vezes
logrando esta cessar unicamente através de um método tônico.
A um médico vigilante ainda é devido remover os contraindicantia antes mesmo de deferir
os indicantia. Um contraindicans geralmente veta medicamentos únicos, mas de maneira alguma
faz o mesmo a um tratamento aconselhador; assim, sói que mudemos os remédios, mas nunco o
próprio conselho.
§59. Há, no entanto, variados quadros do corpo que resistem seja propriamente aos indicantia, seja
às indicationes, seja sobretudo aos indicata, exemplo da infantidade e senilidade; dos quadros do
sexo, da gravidez, do curso da menstruação (ou do período em que as mulheres param de
menstruar); do estilo de vida e do temperamento das partes sólidas; das idiossincracias e costumes;
todos elementos que não raro resistem aos indicata, em nenhum desses casos provando-se, porém,
que um conselho próprio e geral faz-se uma exceção.
CAPÍTULO VII
INDICATA
§60. Chamamos de indicata tudo que vêm de auxílio à arte médica, isto é, tudo que se exige, em um
tratamento aconselhador e que possa assim contingenciar as mutações saudáveis. No entanto, visto
que a varidade de coisas assistentes à saúde é praticamente imensa, devemos ficar longe de
procurarmos atingir um objetivo unicamente por meio de medicamentos, pois sói que consideremos
também, como indicata, as disposições e as emoções, o quadro de alimentação, a composição do ar
que circunda o homem, tudo que age no corpo, independente do modo (fundam. farmac. §3).
§61. É de extrema importância que não negligenciamos o quadro de alimentação ou a eficiência das
coisas que circundam o enfermo, uma vez que os remédios acabam frequentemente por incitar, caso
o quadro de alimentação não seja favorável, a produção de um efeito bastante estranho, contrário
até; às vezes, mesmo a dieta é por si só suficiente para que doenças sejam removidas. Isso não vale
apenas para as doenças agudas mais leves — a força da natureza, se apoiada por uma alimentação
adequada, cura-as por si própria (§4;24 seq.) —; mas é admirável o quanto mudanças na
alimentação e no estilo de vida, caminhadas e moradia em locais salubres podem fazer para
recuperar a saúde em muitas das doenças mais comuns. Logo, o médico deve zelosamente evitar
esse erro, como se uma doença qualquer devesse ser expulsa por meio unicamente de medicamentos
disponíveis em laboratório; e mesmo se os preconceitos da opinião popular possam, às vezes, acusá120
Sprengel Therapia Generalis
lo de inércia ou negligência caso este médico não determinar que se peça, dos laboratórios, xaropes,
pós, pílulas ou pomadas.
§62. Há um outro preceito de não menor importância: medicamentos, caso forem indicados por
algo, devem ser escolhidos de modo que possamos render o quadro de uma ação. Igualmente, não
se deve ordenar nada que seja supérfluo, cuja ação seja duvidosa, ou que acabe por trazer danos
mais graves. Sói atentar, com o máximo de zelo, a simplicidade, para que não se acrescente ou se
aplique, simultaneamente, mais remédios do que requisita a índole compósita da enfermidade, ou o
adminículo mútuo dos remédios. Dessa maneira, quão mais coisas misturarmos, tanto menos será
possível render o quadro de ação dos elementos singulares.
Tampouco devemos dar preferência, em deferência aos costumes de nossa época, a
medicamentos estrangeiros ou novos, no caso de precisarmos escolher entre estrangeiros ou nativos,
novos ou há muito conhecidos. Remédios novos devem ser testados em hospitais públicos, e sua
eficiência também comprovada, antes de serem aplicados na práxis particular. O orgulho é digno de
desprezo, ainda que se siga um novo tratamento, que se use sempre novos medicamentos: o
progresso muitas vezes surge da deficiência de uma ciência sólida. Não importa que não tenhamos
remédios estrangeiros; devemos antes evitar utilizá-los, sobretudo quando os nativos custam menos
mas têm a mesma valia. Ora, também é nosso dever poupar as despesas dos enfermos.
§63. Sói que o médico artífice observe a ação dos remédios no corpo de tal maneira que não se
deixe cegar pela busca das partes ou pelos preconceitos da opinião, abandonando a natureza do
organismo ao léu. É tríplice o quadro segundo o qual os elementos externos afetam o corpo animal
— a saber, ele é mecânico, físico-químico e dinâmico —, coisa que está continuamente ante os
olhos do médico, para que esse possa clarear a ação primária de qualquer remédio que for (fundam.
patol. ger. §28). O médico não negligencia, claro, o consenso de todas as partes, assim como,
sobretudo, a concórdia ou a antítese dos orgãos centrais (fundam. fisiol. §16;61), de modo que lhe
seja possível tanto defletir a doença de uma coisa a outra, quanto derivar essa das partes mais
nobres às menos importantes.
§64. Muito mais vale saber o que os medicamentos efetuam do que de que maneira eles agem, ainda
que devamos abandonar essa ciência por completo. Embora não tenha sido ainda descoberto de que
maneira o hidrárgiro afeta o corpo animal, estamos assaz persuadidos que ele incita, de modo
peculiar e específico, os vasos capilares absorventes (fundam. farmac. §315); abre-se daí um campo
imenso de observações e pesquisas, de acordo com as quais remédios produzem uma diferença de
efeitos, uns individualmente, uns se semelhantes. Convém dedicar-se a essa matéria qualquer
artífice, desde que apoiado na observação, na doutrina, e no raciocínio. De fato, é mediante a
cultivação desta parte importantíssima da ciência médica que se evitam a maioria dos erros e as
ocasionais contendas que sempre surgem acerca do modus agendi.
§65. Ao apresentar os remédios, o médico deverá cuidadosamente atentar à diferença dos corpos
individuais; ao discernimento das partes em que os remédios são empregados; à grande variedade
de formas pelas quais estes são aplicados; à diversidade de doses, donde nasce imensa variedade de
efeitos; finalmente, também à grande eficiência que os elementos restantes e circundantes ao
enfermo têm em modificar os efeitos dos remédios. Tais passos dão oportunidade muito fértil para a
observação e o raciocínio: é nela que estes exercitam um ao outro.
§66. Em conclusão, é preciso lembrar é imensa a importância das forças e propensões anímicas ora
para o desenvolvimento, ora para o tratamento de doenças. Igualmente, é bom dedicar tento e
121
Sprengel Therapia Generalis
atenção tanto para a regência do espírito, quanto para a observação das mais variadas perturbações e
inclinações. Aqui, o principal é agir em vista de que o próprio médico agrade o enfermo em
dignidade, assistência, doutrina, eloquência14 , dentre outras virtudes, conquistando a confiança
deste. Ademais, é necessário que nem as pessoas presentes, nem as outras coisas que circundam o
doente possam afetar, nem que seja de modo alegre, o enfermo, e especialmente deixar que ajam
nele de modo desfavorável. Finalmente, as perturbações devem ser ou incitadas (daí podemos
esperar saúde), ou mitigadas (caso pareçam causar algum dano).
CAPÍTULO VIII
DIFERENÇA GERAL DAS INDICATIONES
§67. Tendo em vista que a vida se manifesta de três maneiras — reprodução, irritabilidade e força
sensorial (fundam. fisiol. §58-61) —, e que o centro primário das doenças encontra-se nos sistemas,
berços dessas manifestações da vida (fundam. patol. gen. §31), tratamentos conciliatórios podem
muito bem ser divididos em geral, na medida em que essa ou aquela função primária trabalha
sucessivamente (embora pouco possamos negar que, em doenças concretas, as lesões de suas
funções estejam intimamente conectadas, quase que fundidas).
Logo, se conhecemos, através de uma diagnose absoluta, a índole modificada do corpo à
maneira de um indicans (§49), devemos, a fim de que este desponte perfeitamente, pesquisar a que
sistema cabe atribuir a parte afetada contranaturalmente (ou que instância ou função desta parte foi
a primeira a sofrer deterioração); e de que maneira as instâncias restantes sofreram mutações por
meio de tal perturbação (ou por qual razão outras funções continuam a trabalhar). Tendo finalizado
este exame com rigor, veja-se se o indicans primário permanece inabalado, no que este traz
rigorosamente tudo consigo; ou se ele se modifica de acordo com qualidades diversas de outras
funções. Nesse sentido, quem decidir tratar de uma ulceração em curso de consumir amplamente as
partes vai reconhecer que o centro disso está no sistema reprodutivo, mas é também necessário que
ele dê uma olhada nos quadros de irritabilidade e de força sensorial, para que se delimite e
determine rigorosamente um indicans.
I.
INDICATIONES EM DOENÇAS DE FUNÇÃO REPRODUTIVA
§68. Uma vez que a vida vegetativa se caracteriza sobretudo por sua formação, crescimento,
secreção e regeneração das partes perdidas (fundam. fisiol. §81 seq.), mas que sói atribuir, em
qualquer outro corpo, a causa primária de formação deste tipo [typus] de vida universal (fundam.
fisiol. §18;19), é certo que as deficiências de formação decorrem de uma deficiência ou desvio de
tipo em relação a uma norma universal (fundam. patol. gen. §101). Assim, tanto a lei geral quanto
um tratamento aconselhador tratam da mutação de um tipo específico, de modo que ele volte ao
normal. No entanto, uma vez que o tipo vem em sequência de uma conformação das partes
adjacentes, não logra se formar sem a restituição dessas. Em verdade, exige-se, mesmo nas
secreções necessárias à formação, eficiência da força sensorial nos animais mais perfeitos (fundam.
fisiol. §247); a mutação de um tipo praticamente recupera o equilíbrio da força sensorial, caso logre
completar-se através de alguma técnica, não sendo interrompida ou excedendo sua ação. É por meio
de tais processos que se dá uma restituição adequada do quadro regular, o qual intermedia a
aposição e a ablação (fundam. fisiol. §80-81); é esta restituição que demanda a mutação dos
humores e dos elementos a partir de que se formam as partes.
14
Em grego, εὐεπίη (variante de εὐέπεια), no texto original.
122
Sprengel Therapia Generalis
§69. Estabelecido isso, ficam então patentes as seguintes e poderosas regras de tratamento para
doenças oriundas de reprodução defeituosa:
1. Restituam-se a posição, a harmonia e a contiguidade normais das partes afetadas,
a fim de que o tipo que sobrevém daí recupere novamente sua integridade;
2. Devem-se corrigir as anormalidades da força sensorial, em primeiro lugar sua
distribuição irregular, a fim de que as secreções voltem ao normal;
3. Deve-se consertar a índole dos humores de tal modo que os elementos estranhos,
se existirem, sejam movidos; certamente, sói coibir ou moderar a evolução de
miasmas e de contágios provenientes de uma infeção na nutrição ou sobretudo na
reprodução. Raramente isso sequer acontece, por exemplo na infecção sifilítica
(fundam. farmac. §314) ou no contágio das febres malignas (ibid. §259;264); na
maioria das vezes, os miasmas e os contágios não logram sofrer mutações de modo
algum se não por meio de um tratamento que seja adequado à própria doença.
II.
INDICATIONES EM DOENÇAS DE IRRITABILIDADE
§70. Uma vez que a irritabilidade — isto é, a força alternante em contrações e expansões —
fundamenta-se em antíteses, e que sua condição material seja plena de elementos polares (fundam.
fisiol. §59), a restituição das antíteses anormais e a moderação dos elementos polares abrangem o
sumário do tratamento inteiro. No entanto, visto que não é possível modificar os elementos polares,
nem restituir um quadro condigno à revelia da correção da reprodução, e que tampouco é verdade
que a irritabilidade torna-se eficiente, em um corpo animal, em detrimento da força sensorial
(fundam. fisiol. §314), é absolutamente patente que a anormalidade característica da irritabilidade
retira sua cura de mutações, as quais buscamos efetuar em outras funções.
§71. Assim, a fim de que um quadro seja restituído para as antíteses e que os movimentos voltem ao
normal, cabe obedecer as seguintes regras:
1. Deve-se controlar o movimento do sangue, para que a antítese das artérias e das veias,
assim como dos vasos e dos orgãos mais nobres volte ao normal. Ora, o quanto o
bombeamento do sangue acaba por conferir, na esteira de qualquer movimento, uma
secreção interna e necessária nas fibras musculares, eis algo que discutimos noutro lugar
(fundam. fisiol. §309;313;316).
Submetemo-nos a esta regra quando ou estimulamos o sangue, ou aceleramos seu
movimento algo lento, ou dirigimo-lo a outro local. De fato, este movimento de aceleração
e este direcionamento de suas anormalidades acontecem ou de forma aproximada, ou
segundo uma mutação dos nervos previdentes nas artérias, de modo que haja presença de
energia, na sequência de uma instância sensorial diminuta.
2. Deve-se controlar a nutrição, devolvendo-lhe à norma, para que daí siga uma secreção
adequada nas fibras musculares e uma antítese congruente. Igualmente, é imperativo usar
tanto alimentos de leve digestão quanto remédios facilitadores desta no caso de atonia das
fibras musculares, assim como no de espasmos.
3. Tudo aquilo que é estranho, que perturba o quadro dos elementos polares — ou seja, o ar
depravado, os humores corruptos, os miasmas e os contágios —, deve ser movido,
confinado, ou moderado de tal modo que não provoque irritabilidade.
4. Por fim, é de grande utilidade agir de início na instância sensorial das partes de
irritabilidade, a fim de que o quadro lesionado daquela seja corrigido a outra instância, e
que restitua-se o quadro normal de antíteses. Este processo se dá através de muitos
remédios especiais, comprovados pelo uso.
123
Sprengel Therapia Generalis
III.
INDICATIONES EM DOENÇAS DE FORÇA SENSORIAL
§72. Uma vez que a força sensorial exprime uma unidade através tanto da percepção de várias
coisas no mundo exterior, quanto do domínio exercido por ela no movimento e nas secreções, suas
anormalidades abrangem uma deficiência quase em unidade, isto é, de sua força vital, com cujo
recurso da qual ajuntamos conosco vários impulsos do mundo externo, recebendo-os em nosso
interior; com cujo sustentáculo nós próprios e nós mesmos sentimo-nos únicos e constantes,
podendo agir livremente; com cujo auxílio, finalmente, efetuamos os movimentos e as secreções de
acordo com aquele mesmo tipo determinado (fundam. fisiol. §88 seq. e fundam. patol. especif. §552
seq.).
§73. Logo, se desejamos curar a força neural de suas anormalidades, cabe observarmos as seguintes
regras:
1. Devemos nos perguntar: esta força foi primeiramente lesionada em uma instância de
irratibilidade ou em uma sensorial, e por qual razão? Ora, sabemos que a instância sensorial
aumenta e perturba-se conforme a instância de irritabilidade enfraquece-se (fundam. patol.
ger. §52), e que muitos remédios lá agem de tal maneira que ou logram enfraquecer o
momento sensorial da força neural (após a instância de irritabilidade ter cessado), ou, no
caso de esse momento ter cessado, pressionam esta própria força.
2. Onde quer que haja distribuição irregular no sistema ganglionar (sobretudo referente às
sensações do organismo), e onde quer que essa admita o consumo impedido como uma
causa (fundam. patol. ger. §58;61), cabe aí abrir vias pelas quais seja possível eliminar o
volume abundante de imponderáveis. Tendo em vista que a nutrição também vale para a
aplicação e execução rigorosas da força neural, é de grande interesse que recomendemos,
no caso de doenças mais comuns, uma nutrição baseada em alimentos adequados, exercício
corporal e ar salubre.
3. Caso as forças passarem a ser mais perfeitas em relação ao sistema sensorial, deve-se
restituir de imediato o quadro entre elas e a sensação do organismo, de cuja lesão decorrem
muitas, se não quase todas as doenças mentais (fundam. patol. ger. §287). Igualmente, as
sensações do organismo, acalmadas suas perturbações, recuperam a vigoridade (ao menos
no que diz respeito às sensações mais elevadas e internas).
4. Uma vez que a reprodução reage em relação à força sensorial (embora seja quem a
comande), podendo se manifestar até por meio de uma nutrição local dos nervos (fundam.
fisiol. §362), em todas as doenças desse tipo o movimento do sangue e dos humores é
indicatio muitíssimo séria; o mesmo para a moderação da secreção. Daqui é possível
abstrair também um conselho referente aos lapsos de evolução em que o regime da força
neural mais é perturbado (fundam. patol. ger. §37).
5. Por fim, devemos ter em consideração um quadro das coisas que logram, ao menos de
maneira aproximada, afetar a mente. As perturbações da alma e a tensão excessiva,
responsáveis por doenças mentais, devem ser controladas e moderadas de tal maneira que
se conduza a mente para bons frutos.
§74. Com efeito, ainda que qualquer distinção geral das indicationes prove-se verdadeira, de
maneira alguma ela apresenta uma norma para a divisão dessa doutrina; ora, a concórdia de todas as
funções em determinado orgão impede que isso aconteça (fundam. patol. ger. §31). Acontece então
que sobram muitos conselhos de tratamento (delimitados, de algum modo, pelas indicationes), os
quais certamente se prestam ao uso, desde que tratados separadamente. Além disso, não há de
124
Sprengel Therapia Generalis
maneira alguma remédios definitivos para essa norma, visto que temos provado que esses são, na
maior parte das vezes, enganosos e arbitrários, ao menos aqueles que decorrem do quadro dos
elementos polares que vão de encontro aos remédios, até os elementos polares dos orgãos (fundam.
farmacol. §7-8).
§75. Assim, é suficiente, para esses efeitos, dividir os tratamentos aconselhadores que dizem
respeito às sensações. Ora, essa divisão é deveras mais segura que as demais, pois trata de
indicationes manifestas, e é livre de repetições. Cabe dividir os tratamentos, penso eu, no sentido
em que haja efeitos simultaneamente visíveis nas partes sólidas e nas fluídas. As partes sólidas,
enfim, demandam tratamento quando tornam-se estáticas no corpo vivo; ora, não há como tratar
corpos desprovidos de vida. Assim, se buscarmos aumentar ou diminuir a coerência das partes
sólidas, não cabe chamarmos esse processo propriamente de tratamento, mas antes de “preparação
para u tratamento” (a não ser que alguém venha a decidir que essas mutações no corpo vivo também
acontecem em um corpo desprovido de vida, mas de outra maneira). Quanto aos tratamentos que
abrangem os humores, uma vez que as doenças destes provêm da índole defeituosa das partes
sólidas (fundam. patol. ger. §47), é possível que essa sofra, ao mexermos nos humores, mutações
mediante nossos tratamentos.
§76. Eis uma sinopse dos tratamentos singulares, de modo a efetuar:
Sect. I. Mutações na coerência das partes sólidas:
1. Aumentar a coerência. Método adstringente.
2. Diminuir a coerência. Método emoliente, umedecedor.
Sect. II. Mutações nas forças vitais:
1. Aumentar a própria eficiência. Método fortalecedor, tônico.
2. Aumentar a receptividade. Método estimulante.
3. Mudar o quadro ou mudar forçosa e completamente a direção das forças. Método
metasincrítico.
4. Moderar a distribuição de força sensorial, ou diminuir a tensão excessiva. Método
sedativo, anódino, antispástico.
5. Diminuir a força do calor. Método antiflogístico.
Sect. III. Mutações nos humores, seja em volume, seja em índole:
1. Mudar a direção dos humores. Método derivante, desvelante, antagonístico, consensual.
2. Acelerar o movimento do sangue e dos humores. Método resolutivo; deve-se estimular a
absorção.
3. Método a fim de evacuar:
a. Sangue. Emissão sanguínea.
b. Sujeira nas primeiras vias:
α. Mutação química ou orgânica;
β. Forçar o vômito;
γ. Relaxar e purificar a defecação.
c. Urina. Método diurético.
d. Suor. Método diaforético.
e. Estimular o escarro.
4. Coibir ou controlar os cursos contranaturais dos humores.
5. Correção das secreções. Coibir a acrimônia; reverter o apodrecimento. Moderar a
supuração.
Sect. IV. Estimular a eutanásia.
*
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