Evolução da cooperação entre antropóides virtuais
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Evolução da cooperação entre antropóides virtuais
Jakson Alves de Aquino Evolução da Cooperação entre Antropóides Virtuais: um Modelo Computacional Baseado em Agentes Belo Horizonte 10 de março de 2008 Jakson Alves de Aquino Evolução da Cooperação entre Antropóides Virtuais: um Modelo Computacional Baseado em Agentes Orientador: Bruno P. W. Reis U NIVERSIDADE F EDERAL DE M INAS G ERAIS FACULDADE DE F ILOSOFIA E C IÊNCIAS H UMANAS D OUTORADO EM C IÊNCIAS H UMANAS : S OCIOLOGIA E P OLÍTICA Belo Horizonte 10 de março de 2008 Tese de Doutorado que desenvolve um modelo baseado em agentes de evolução da cooperação, defendida por Jakson Alves de Aquino e aprovada no dia 10 de março de 2008, em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, pela banca examinadora constituída pelos doutores: Prof. Dr. Bruno P. W. Reis Orientador Profa . Dra . Maria Emilia Yamamoto Universidade Federal do Rio Grande do Norte Prof. Dr. Milton Corrêa Escola de Biossíntese do Rio de Janeiro International Foundation for Biosynthesis IFB, Suiça Prof. Dr. Ricardo Machado Ruiz Universidade Federal de Minas Gerais Prof. Dr. Jorge Alexandre Barbosa Neves Universidade Federal de Minas Gerais i Agradecimentos Várias pessoas e organizações contribuíram direta ou indiretamente para a produção desta tese. Expresso abaixo meu reconhecimento: Bruno Reis teve a ousadia de assumir a orientação de uma tese heterodoxa e de deixar o seu orientando seguir um rumo pouco convencional, porém, sempre advertindo sobre os riscos do empreendimento para garantir o bom andamento da tese. A maior parte da fundamentação metodológica foi formada durante as disciplinas de Teoria dos Jogos e de Teoria da Escolha Racional ministradas pelo professor Bruno Reis. Algumas passagens são praticamente transcrições de frases por ele proferidas em sala de aula. Mônica Mata Machado de Castro foi minha professora de Análise de Dados em 2002. Renan Springer de Freitas foi meu professor de História da Ciência durante o doutorado, iniciou a orientação da tese e participou da banca de defesa do projeto de pesquisa. Várias idéias do capítulo sobre metodologia foram amadurecidas nas discussões realizadas durante as disciplinas desses professores. Francisco José Alves de Aquino e Joceny Pinheiro leram e comentaram uma versão preliminar do Capítulo 6 e Luzinete Carpin leu uma versão quase completa do texto e fez várias sugestões de correção lingüística e de adequação às normas da ABNT. O resumo da tese foi gentilmente traduzido para o inglês por Jess Taylor. Ricardo Machado Ruiz participou da defesa do projeto de pesquisa e da banca de avaliação da tese, e Milton Corrêa Filho, Maria Emilia Yamamoto e Jorge Alexandre Barbosa Neves participaram da banca de avaliação da tese. Todos fizeram valiosas sugestões de melhorias e correções, muitas das quais consegui incorporar ao texto final. Luke Premo, John Pepper e Barbara Smuts gentilmente me enviaram por correio eletrônico o código fonte de modelos por eles elaborados. Embora eu não tenha usado o código diretamente, algumas características do modelo que apresento foram baseadas nos trabalhos desses autores. Sou grato a todas essas pessoas por sua contribuição para melhorar a qualidade da tese e sou especialmente grato à minha esposa, Joana D’Arc da Silva, que, além de me fazer companhia há vários anos, cuidadosamente leu e revisou a versão final do texto. ii As correções não feitas e os problemas remanescentes ou acrescentados posteriormente são de minha inteira responsabilidade. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, me concedeu uma bolsa de estudos durante os três primeiros anos do doutorado. Esta tese foi inteiramente produzida com o uso de software livre e também sou grato à legião de indivíduos e organizações que têm produzido e distribuído livremente ferramentas de trabalho de qualidade geralmente superior à dos produtos proprietários. iii Resumo Esta tese realiza uma investigação teórica sobre a evolução da cooperação entre antropóides virtuais, interpretáveis como ancestrais dos seres humanos. São apresentados argumentos favoráveis a uma maior formalização das teorias nas ciências sociais e ao emprego de modelos baseados em agentes como um método complementar de investigação teórica. É feita uma revisão da literatura existente sobre evolução da cooperação, onde se procura identificar deficiências nos modelos encontrados. Para superar as deficiências, é sugerida a necessidade de melhor conhecimento dos dados empíricos relevantes para a formulação de uma teoria da evolução da cooperação, como os produzidos pela primatologia ao estudar os antropóides e pela paleoantropologia ao estudar os vestígios deixados por nossos ancestrais extintos. Com base nessa literatura, é proposto — e testado por meio de simulação em computador — um modelo de evolução da cooperação mais complexo e realista do que os revisados. A cooperação tal como esperada durante a elaboração do modelo não surgiu de modo generalizado — não obstante a emergência de elevado grau de cooperação entre agentes de sexo oposto. Os resultados obtidos indicam que a reprodução sexuada, ausente nos modelos revisados, é variável extremamente relevante na matéria. Os experimentos também mostram uma surpreendente propensão à não-retaliação pelos agentes, ainda a ser devidamente interpretada em termos teóricos. iv Abstract This thesis presents a theoretical investigation into the evolution of cooperation among virtual anthropoids. Arguments are advanced in favor of a greater formalization of theory in social sciences and of use of agent-based models as a complementary method for theoretical investigation. Review of the extant literature on the evolution of cooperation includes an effort to identify shortcomings of the models found. Suggested as a means toward surmounting these deficiencies is a greater understanding of empirical data relevant to formulation of a theory of the evolution of cooperation, such as those data yielded by primatology in study of anthropoids and by paleoanthropology in study of vestigial inheritances from our extinct ancestors. From a basis in this literature arises a proposed model of the evolution of cooperation—this model tested in computer simulation—which is more complex and more realistic than the models reviewed. Cooperation anticipated in elaboration of the model did not emerge in a generalized manner, notwithstanding the emergence of an elevated degree of cooperation between agents of opposite sex. The results obtained indicate that sexual reproduction, absent from the models submitted to review, is a variable highly relevant to this inquiry. The experiments also show a surprising propensity on the part of the agents toward non-retaliation, which propensity remains to be duly interpreted in theoretical terms. v Sumário Lista de Figuras p. xi Lista de Tabelas p. xii 1 Introdução p. 1 2 Discussão metodológica p. 5 2.1 Ciências sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 5 2.1.1 Conceitos claros e distintos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 6 2.1.2 Ambigüidade da linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 7 2.1.3 Leis sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 8 2.1.4 Experimentos cruciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 10 2.2 Formalização de teorias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 13 2.3 Teoria dos jogos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 14 2.3.1 Dilema do prisioneiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 14 2.3.2 Teoria da escolha racional como teoria geral . . . . . . . . . . . . . . p. 16 2.3.3 Pressupostos das teorias da escolha racional . . . . . . . . . . . . . . p. 17 2.3.3.1 Pressuposto da racionalidade . . . . . . . . . . . . . . . . p. 17 2.3.3.2 Pressuposto do egoísmo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 18 2.3.3.3 Pressuposto do conhecimento completo . . . . . . . . . . . p. 19 2.3.3.4 Pressupostos e tratabilidade matemática . . . . . . . . . . p. 19 2.3.4 Vigor metodológico do pressuposto da racionalidade . . . . . . . . . p. 21 2.3.5 Limitações das teorias dos jogos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 23 vi 2.4 3 p. 24 Modelos de evolução da cooperação p. 32 3.1 Seleção de parentesco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 32 3.2 Altruísmo recíproco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 33 3.3 Seleção de grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 35 3.4 Reciprocidade forte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 36 3.4.1 Evidências empíricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 36 3.4.2 Obstáculos à evolução da Reciprocidade Forte . . . . . . . . . . . . p. 37 3.4.3 Transmissão cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 38 3.5 Torneios de dilema do prisioneiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 41 3.6 Caça ao cervídeo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 42 3.7 Normas e metanormas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 44 3.8 Dois modelos evolucionistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 45 3.8.1 Ação Coletiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 46 3.8.2 Dilema do Prisioneiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 47 3.8.3 Críticas aos dois jogos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 49 Reciprocidade indireta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 50 3.10 Modelo de Compartilhamento de Comida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 53 3.11 Desafios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 55 Antropóides p. 59 4.1 Semelhança física com humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 60 4.2 Habitat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 62 4.3 Sociedades de fusão e fissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 64 4.3.1 Tamanho das comunidades e seus grupos . . . . . . . . . . . . . . . p. 65 4.3.2 Padrão de deslocamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 66 3.9 4 Modelos baseados em agentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii 4.3.3 Caça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 67 4.4 Sexualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 67 4.5 Inteligência social e empatia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 69 4.5.1 Capacidade de planejar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 69 4.5.2 Inteligência inconsciente não-simbólica . . . . . . . . . . . . . . . . p. 69 4.5.3 Capacidade de enganar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 70 4.5.4 Empatia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 72 4.5.5 Capacidade de pensamento abstrato . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 74 4.5.6 Memorização de favores e senso de justiça . . . . . . . . . . . . . . p. 76 Hierarquia e disputa de poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 77 4.6.1 Conflitos entre comunidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 77 4.6.2 Conflitos intra-comunidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 80 4.6.3 Existência de hierarquia e deferência . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 81 4.6.4 Conflitos entre bonobos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 82 4.6.5 Formação de alianças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 82 4.7 Tolerância e conciliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 85 4.8 Uso de ferramentas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 86 4.9 Reciprocidade e cooperação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 88 4.9.1 Reciprocidade em sociedades humanas . . . . . . . . . . . . . . . . p. 88 4.9.2 Habilidades cognitivas e tipos de reciprocidade . . . . . . . . . . . . p. 90 4.9.3 Compartilhamento de comida entre chimpanzés . . . . . . . . . . . . p. 92 4.6 5 Origem e Evolução do Homem p. 93 5.1 Geologia, clima e paleoantropologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 93 5.2 Antes dos Australopitecos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 95 5.2.1 Origem do bipedalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 95 5.2.2 Sahelanthropus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 96 viii 5.3 5.4 5.5 6 5.2.3 Orrorin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 98 5.2.4 Ardipithecus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 99 Australopitecos e outros hominídeos semelhantes . . . . . . . . . . . . . . . p. 99 5.3.1 Kenyanthropus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 100 5.3.2 Australopithecus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 100 O gênero Homo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 105 5.4.1 O cérebro grande . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 105 5.4.2 Homo ergaster . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 106 5.4.3 Homo erectus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 108 5.4.4 Neandertalenses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 112 5.4.5 Homens modernos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 114 Origem da linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 116 5.5.1 Teoria da linguagem de sinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 116 5.5.2 Teoria da protolíngua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 117 5.5.3 Teoria da empatia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 118 5.5.4 Antropóides humanizados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 121 Um Modelo Baseado em Agentes de Evolução da Cooperação p. 124 6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 124 6.2 Descrição do modelo proposto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 124 6.2.1 As presas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 125 6.2.2 Vegetação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 125 6.2.3 Os antropóides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 127 6.2.4 Memória e lembranças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 128 6.2.5 Ações básicas dos agentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 131 6.2.6 Compartilhamento de alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 132 6.2.7 Migração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 134 ix 6.2.8 Territorialismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 135 6.2.9 Caça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 138 6.2.10 Reprodução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 139 7 6.3 Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 140 6.4 Avaliação dos resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 146 Conclusão p. 148 Apêndice A -- Parâmetros fixos por toda a simulação p. 151 Apêndice B -- Variáveis sujeitas a evolução por seleção natural p. 154 Referências Bibliográficas p. 160 Índice de Autores p. 171 x Lista de Figuras 1 Dilema do prisioneiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 15 2 Jogo da caça ao cervídeo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 43 3 Colapso da cooperação na ausência de metanormas . . . . . . . . . . . . . . p. 47 4 Colapso da cooperação no Jogo do Dilema do Prisioneiro . . . . . . . . . . . p. 48 5 Evolução da cooperação no Jogo do Dilema do Prisioneiro . . . . . . . . . . p. 50 6 Região do mundo no modelo de Compartilhamento de Comida . . . . . . . . p. 53 7 Árvore evolucionista dos antropóides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 61 8 Crescimento de uma planta rasteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 126 9 O mundo antes e depois da criação dos agentes . . . . . . . . . . . . . . . . p. 127 10 Acompanhando um agente e seus conhecidos . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 129 11 Algoritmo básico do modelo proposto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 131 12 Algoritmo do patrulhamento de território . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 136 13 Vegetação no mundo durante as simulações . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 141 14 Evolução da proporção de pedidos de comida atendidos na 3a simulação . . . p. 145 xi Lista de Tabelas 1 Características físicas de diferentes espécies de hominídeos . . . . . . . . . . p. 104 2 Parâmetros iniciais comuns a todas as simulações . . . . . . . . . . . . . . . p. 140 3 Parâmetros iniciais distintos entre as diversas simulações . . . . . . . . . . . p. 141 4 Análise de regressão para explicar a distância de conhecidos na 8a simulação (fêmeas) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 142 5 Análise de regressão para explicar a distância de conhecidos na 8a simulação (machos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 142 6 Seletividade dos agentes no último 1% das simulações . . . . . . . . . . . . p. 143 7 Cooperação nas 9 simulações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 143 8 Algumas características genéticas da última população . . . . . . . . . . . . p. 144 9 Média dos valores memorizados pela última população da 8a simulação . . . p. 146 10 Proporção de agentes positivamente lembrados pela última população da 8a simulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 146 xii 1 Introdução Pouco dotado de instintos que, sozinhos, levem a um comportamento adaptativo, desprovido de garras, de presas, e portador de um enorme e exigente cérebro que precisa de muita água e energia para continuar funcionando, um ser humano isolado de seus semelhantes dificilmente pode ser considerado um animal bem preparado para sobreviver num ambiente natural. Pode-se afirmar que os seres humanos há milhares de anos têm não apenas sobrevivido mas se tornado uma espécie bem sucedida, difundindo-se por praticamente todos os habitats do planeta, porque vivem em sociedade e cooperam na produção de bens coletivos. Entretanto, em muitas circunstâncias, a atitude que deixaria um indivíduo em melhor situação material seria usufruir bens coletivos já produzidos sem contribuir para sua produção. Assim, uma questão que acompanha a ciência política há muito tempo tem sido: Por que os homens cooperam para a produção de bens públicos? Muitas das explicações fornecidas incluem a existência de emoções pró-sociais nos humanos, entre elas, a tendência para se sentir grato por um favor recebido e desejar retribuí-lo quando tiver oportunidade, a disposição para punir alguém que não tem cooperado para a produção de um bem público — mesmo isto implicando num custo para si próprio —, a vergonha por ter feito algo errado etc. . . Estas soluções, entretanto, apenas empurram a resposta para um período mais distante, criando novas perguntas: Como evoluíram essas emoções pró-sociais? Como se deu a evolução da cooperação? Vários autores têm tentado responder a estas últimas questões, mas é impossível dizer com exatidão como evoluiu a cooperação na espécie humana. Mesmo reunindo todas as evidências empíricas disponíveis, seria sempre possível construir mais de uma versão plausível do processo de evolução da cooperação. Como se trata de questões evolucionistas, as respostas não podem ser buscadas fazendo uso apenas dos métodos de investigação tradicionalmente empregados pelas ciências sociais. É preciso o apoio de teorias e métodos evolucionistas. O uso de argumentos evolucionistas em geral e da biologia em particular não é algo comum em pesquisas sociológicas, mas, a meu ver, as ciências sociais somente têm a ganhar com uma mudança de atitude dos cientistas sociais. 1 Compartilho com Sperber (1996, p. 4) e com Runciman (1998, p. 164) o pressuposto de que a realidade é uma só e que, portanto, em princípio, é possível haver uma integração entre ciências sociais e ciências naturais. As ciências naturais apresentam um nível de integração indiscutivelmente superior ao encontrado nas ciências sociais. Em muitas áreas da física, da química e da biologia, por exemplo, há um grande consenso sobre como explicar os fenômenos e sobre a terminologia a ser utilizada. Além disso, embora seja geralmente desnecessário se utilizar das teorias de uma ciência para explicar os fenômenos que ocorrem no campo de conhecimento da outra, isso não é algo impossível. Ou seja, há integração entre as ciências naturais e não apenas internamente a cada disciplina, sendo fácil pensar em exemplos de transição da química para a física e da química para a biologia: Não é necessário discutir as propriedades químicas de uma substância para explicar as propriedades de uma alavanca, mas a química permite explicar porque uma determinada alavanca possui capacidade para suportar determinado peso. O DNA é composto por uma combinação de substâncias cujas fórmulas e propriedades químicas são conhecidas e é possível explicar o funcionamento do DNA tendo por base estas propriedades. Não obstante haver diferentes níveis de complexidade, em principio, não há um fosso intransponível entre realidade natural e realidade humana. Entretanto, as ciências sociais não se encontram integradas nem mesmo internamente. Não conseguimos, com a mesma facilidade apresentada no parágrafo anterior, imaginar transições relativamente fáceis de uma disciplina para outra (por exemplo, da sociologia para a economia, da antropologia para a ciência política etc.). E, o pior, cada disciplina se apresenta em diversas versões. A sociologia, por exemplo, pode ser vista sob o prisma da teoria da escolha racional, teoria dos sistemas, teoria da ação comunicativa, interacionismo simbólico, etc. Talvez, esta diversidade de abordagens se deva ao fato das diversas sociologias partirem de diferentes pressupostos, nenhum deles empiricamente testado. Acredito que, por trás de cada abordagem, podem ser encontradas diferentes concepções de como está estruturada a realidade e de qual é a natureza humana. Essas diferentes concepções levam tanto a uma não integração das ciências sociais entre si como a uma falta de integração entre ciências sociais e ciências naturais. Não há dúvidas de que a realidade social é complexa o suficiente para que possamos considerar ingênua qualquer esperança de termos sobre ela o mesmo grau de domínio que temos sobre a natureza. Ou seja, não conseguiremos reduzir as ciências sociais às ciências naturais, mas nem por isso deixa de ser importante conhecer os fundamentos naturais da realidade social. Estudos evolucionistas do comportamento humano contribuem para reduzir o isolamento entre ciências sociais e ciências naturais. Certamente a passagem de fenômenos do nível biológico para o nível psicológico e deste para o sociológico envolve o aparecimento de todo um conjunto de fenômenos novos, mais convenientemente explicados por teorias que se atém a 2 um dos níveis, mas isso não é suficiente para justificar a distância atual entre ciências naturais e sociais. Algumas lacunas podem ser preenchidas. Como argumentam Lenski (1988, p. 163, rodapé) e Cosmides, Tooby e Barkow (1992, p. 12), as ciências naturais são integradas, mas não de um modo reducionista, e a integração entre ciências naturais e sociais é possível. A descoberta do DNA, nos anos cinqüenta do século XX, permitiu uma melhor compreensão de como se dá a seleção natural das espécies e, nos últimos anos, os avanços da medicina têm permitido uma melhor compreensão do funcionamento do cérebro humano. Tendo por base esses dois avanços, a psicologia cognitiva tem feito progressos consideráveis e o corolário de todos esses acontecimentos tem sido o gradual preenchimento das lacunas que separam as ciências sociais das ciências naturais. Já se pode pensar numa retomada de algumas antigas discussões filosóficas, agora com embasamento científico. As teorias evolucionistas prometem fornecer o material necessário para a construção de uma ponte entre ciências sociais e ciências naturais. O fato de não haver uma teoria sociológica suficientemente unificada dispersa os esforços empreendidos pelos sociólogos. Cada corrente teórica na sociologia tem que recriar os fundamentos de uma teoria sociológica geral. A situação é semelhante ao que ocorria com a física antes de Newton (KUHN, 1970, p. 13). A sociologia como disciplina científica surgiu para estudar os fenômenos típicos das sociedades industrializadas e complexas e, tipicamente, pesquisas empíricas em sociologia são desenvolvidas tendo por objeto algum aspecto da sociedade moderna. A pesquisa aqui proposta é diferente. Ela não é empírica e o modelo não aborda aspectos contemporâneos das sociedades humanas. Não existem modelos baseados em agentes abordando a cooperação em sociedades tão complexas quanto as contemporâneas que possam servir de ponto de partida para um modelo com o nível de detalhamento que almejo. Por isso, o ponto de partida para o modelo aqui desenvolvido são sociedades mais simples, de antropóides. O meu objetivo com o trabalho apresentado nesta tese é contribuir para o desenvolvimento de técnicas que auxiliem no preenchimento dessas lacunas. Mais especificamente, o objetivo é construir um modelo computacional baseado em agentes e testá-lo por meio de simulação em computador. A estratégia seguida consistiu, basicamente, em construir um modelo cujos agentes possuem características comportamentais interpretáveis como equivalentes às de antropóides atualmente existentes e, possivelmente, às do nosso último ancestral comum com esses antropóides. Por um lado, o modelo resultante é mais realista e traz para um ambiente complexo muitos elementos dos modelos de evolução da cooperação encontrados na literatura. Por outro lado, não é possível considerar que o modelo apresentado nesta tese represente sociedades humanas modernas, pois não foram modeladas várias habilidades cognitivas sofisticadas, como a 3 comunicação com linguagem simbólica, por exemplo. Um objetivo secundário da tese é avaliar o potencial das técnicas de modelagem baseada em agentes para o desenvolvimento de modelos de fenômenos sociais. No próximo capítulo, desenvolvo uma linha de argumentação favorável a uma maior formalização das teorias nas ciências sociais e ao emprego de modelos baseados em agentes como um método complementar de investigação teórica nas ciências sociais. No capítulo seguinte, apresento uma revisão da literatura sobre evolução da cooperação e procuro identificar deficiências nos modelos existentes. Para superar as deficiências, proponho um melhor conhecimento dos dados empíricos relevantes para a formulação de uma teoria da evolução da cooperação. Concretamente, nos capítulos 4 e 5 sintetizo informações sobre nossos parentes vivos mais próximos, os antropóides, e sobre nossos mais recentes ancestrais extintos. No Capítulo 6, apresento um modelo de evolução da cooperação mais complexo e realista do que os revisados no Capítulo 3. Finalmente, na conclusão apresento uma avaliação dos resultados obtidos e da metodologia empregada. 4 2 Discussão metodológica 2.1 Ciências sociais Na física, as regularidades resultantes do que se considera serem processos causais são expressas em fórmulas matemáticas. As fórmulas não correspondem exatamente ao que ocorre no mundo real, mas ao que ocorreria se o mundo fosse tão simples quanto o modelo teórico que serve de contexto para a fórmula. As teorias sociais, ao contrário, não costumam ser expressas em linguagem matemática tal como ocorre com a maioria das ciências naturais. Quando se faz uma análise de dados sociais, pode-se, por exemplo, a partir de uma análise de regressão expressar regularidades do mundo social numa fórmula matemática — o modelo de regressão. Ao contrário do que ocorre na física, geralmente não é possível generalizar os resultados na forma de leis sociais, ou seja, raramente conseguimos garantir que um determinado fenômeno sempre será suficiente para causar um fenômeno social específico. Se fizéssemos uma análise de regressão de um fenômeno físico como a queda de um corpo, por exemplo, sendo o tempo da queda a variável dependente, suponho que seria suficiente utilizar como variáveis explicativas a massa dos corpos envolvidos, a resistência do ar ao movimento dos corpos e a direção do vento para conseguir explicar mais de 99,9% do tempo que um corpo leva para cair. Todas as outras variáveis exercem um efeito tão pequeno sobre a variável dependente que a variação de seus valores em outros contextos é, para todos os termos práticos, absolutamente irrelevante. Por exemplo, o impacto dos fótons da luz solar sobre os corpos também pode ajudar a empurrar o corpo, mas seu efeito é tão desprezível que, independentemente da nossa observação ser diurna ou noturna, a precisão dos nossos cálculos não será acrescida em nada se incluirmos esta variável na análise. No estudo da sociedade a situação é bem diferente. Os fenômenos sociais são determinados — ou melhor, condicionados — por uma multidão de variáveis que não conseguimos detectar em nossas pesquisas, mas que não permanecem constantes ao se passar de uma sociedade para outra. São, por isso, poucas as generalizações que podem ser estendidas a todas as sociedades humanas de todos os tempos. Cada fenômeno social é causado por uma multidão de fatores 5 que se influenciam mutuamente, muitas vezes atuando em direções opostas, o que torna sua ocorrência um evento sempre incerto. Dadas as incertezas que envolvem a realidade social, é de se esperar várias conseqüências para as ciências sociais. Não é estranho, por exemplo, que a natureza seja mais surpreendente do que a sociedade. Ou seja, é mais provável que se descubra um fenômeno natural que contrarie os conhecimentos científicos existentes do que um fenômeno social que faça o mesmo. Mas este fato não se deve às ciências sociais acertarem mais em suas previsões do que as ciências naturais e sim às ciências naturais proibirem com maior clareza o que não pode ocorrer para que as suas teorias continuem a ser corroboradas pelos fatos. A incerteza quanto à ocorrência dos fenômenos sociais possibilita que quase qualquer fenômeno novo seja interpretado como muito provável de ocorrer ou como pouco provável. Assim, a ocorrência de um fenômeno pouco provável não torna necessário reformulara teoria. A teoria já previa sua ocorrência e, por isso, os cientistas não são surpreendidos. 2.1.1 Conceitos claros e distintos Durkheim (1999, p. XVIII), seguindo o ideal cartesiano, afirmava que as teorias nas ciências sociais deveriam se utilizar de conceitos “claros e distintos”. Ao se fazer a comparação entre as características de um objeto real e um conceito, deveria ser possível ter clareza se o objeto é ou não um dos objetos representados pelo conceito. Um conceito bem construído simultaneamente englobaria todos os objetos que se pretende que ele represente e excluiria todos aqueles que ele não deveria representar, não deixando margens para interpretações ambíguas. A definição de fato social apresentada por Durkheim (1999, p. 13) deveria ser um exemplo de um conceito com essas características. Entretanto, ao contrário do desejado por Durkheim, os conceitos nas ciências sociais costumam carregar uma boa dose de ambigüidade: as hipóteses podem ser corroboradas por uma ampla gama de fatos empíricos e, por conseguinte, teorias concorrentes freqüentemente prevêem os mesmos resultados empíricos, sendo difícil encontrar fatos que permitam falsear uma das teorias. Para que uma teoria seja falseável, e portanto científica, é preciso que suas afirmações sejam precisas, mas muitos conceitos úteis em ciências sociais não podem ser definidos de modo perfeitamente claro e distinto. As coisas são interpretadas como sendo representadas por um mesmo conceito por possuírem semelhanças de família. Diferentes coisas poderiam ser agrupadas sob um mesmo conceito, mesmo possuindo características diferentes, porque um mesmo fenômeno pode ter causas diversas e uma mesma causa pode nem sempre resultar num mesmo efeito. Neste caso, as coisas são agrupadas sob um conceito por compartilharem 6 muitas de um conjunto de características e não por compartilharem todas um mesmo conjunto de características. Assim, de acordo com Sperber, por exemplo, todas as sociedades humanas possuem alguma instituição que conseguimos reconhecer como casamento. Mas não há nenhuma característica comum a todos os tipos de casamentos de todas as sociedades, que não ocorra em nenhuma outra instituição e que, portanto, possa ser usada para definir de forma clara e distinta o casamento (SPERBER, 1996, p. 17). Ou seja, a instituição casamento existiria em todas as sociedades, mas nem sempre devido ao mesmo conjunto de causas ou com o mesmo conjunto de conseqüências. O caráter altamente incerto e multicausal dos fenômenos sociais parece, pois, também ser uma justificativa para o uso pelas ciências sociais de conceitos por semelhança de família. 2.1.2 Ambigüidade da linguagem Como se não bastasse a complexidade do objeto de estudo dos cientistas sociais, a principal ferramenta que utilizamos para construir nossas teorias — a linguagem humana — é naturalmente ambígua. As palavras carregam as mais variadas conotações, umas positivas, outras negativas, e a interpretação do significado de uma expressão ou sentença é muito dependente do contexto em que é proferida ou escrita. Em parte, portanto, a ambigüidade conceitual predominante nas ciências sociais decorre da complexidade do objeto de pesquisa e de características próprias da linguagem natural, mas isso não é tudo. Diante da dificuldade de se construir teorias falseáveis, alguns chegam a considerar que o objeto de estudo das ciências sociais é essencialmente diferente do objeto das ciências naturais e que, portanto, as ciências sociais não precisam ter como objetivo ser metodologicamente parecidas com as ciências naturais e outros critérios devem ser utilizados para avaliar a qualidade das suas teorias. Podemos perceber um maior rigor e clareza do pensamento quando se passa da linguagem oral para a linguagem escrita. A linguagem escrita permite ao autor revisar idéias, reordenar argumentos e reescrever sentenças, e todas essas ações ajudam o escritor a perceber e eliminar algumas incoerências e ambigüidades presentes na primeira versão do texto. Expressar as idéias por escrito, entretanto, ameniza, mas não resolve o problema. Segundo Bendix (1970, p. 180), substituir as expressões da linguagem comum por termos técnicos inventados também não produz resultados satisfatórios. Os novos conceitos, logo que começam a ser usados, não estão carregados de conotações diversas, mas, se a teoria em que eles aparecem fizer sucesso, em breve estarão. Além disso, mesmo um conceito recém inventado precisará de um contexto para ser compreendido. 7 2.1.3 Leis sociais Dada a complexidade dos fenômenos sociais, tem sido questionada na sociologia a possibilidade de teorias gerais da sociedade. A ação do indivíduo depende da interação de tantos fatores que nunca pode ser considerada completamente previsível. E a previsibilidade diminui ainda mais porque os indivíduos aprendem com a história e possuem comportamento estratégico. Os seres humanos são dotados de razão, da capacidade de raciocinar e decidir. O conhecimento possuído pelos indivíduos está constantemente se modificando. O, que num certo momento, foram condições não reconhecidas para a ação e conseqüências não intencionais das ações podem, num momento seguinte, já ser de conhecimento dos agentes, que levarão as novas informações em consideração ao agir. Ou seja, os indivíduos podem não mais considerar benéfica a ação praticada e, neste caso, já não seria mais válida uma lei (social) que antes corretamente enunciava que em tais circunstâncias os indivíduos agem de tal forma. Um ser humano é inteligente o suficiente para evitar alguns erros que soube terem sido cometidos por outros ou que ele próprio cometeu no passado. Além disso, para atingir seus objetivos, levará em consideração as prováveis ações dos outros indivíduos. Assim, as teorias sobre a realidade social são historicamente situadas — válidas apenas para um determinado período — porque o conhecimento dos indivíduos e as práticas cristalizadas nas instituições estão sempre se modificando. A versatilidade humana garante a não repetição da história. O ser humano possui algumas propensões a ação biologicamente condicionadas, mas mesmo essas propensões dependem não apenas do meio ambiente imediato, mas também dos valores que o indivíduo foi culturalmente levado a construir. Por exemplo, qualquer indivíduo que sinta ter sido tratado de modo injusto tenderá a achar a situação desagradável, mas a noção de justiça deste indivíduo será em boa medida construída a partir da noção de certo e errado prevalecente em seu meio cultural.1 A reação do indivíduo dependerá de muitos fatores: seu poder em comparação com quem lhe foi injusto, seu temperamento pessoal, seu estado de humor no dia, e outros mais. Em princípio seria possível pensar em algumas leis psicológicas gerais acerca do comportamento humano, mas são leis que prevêem apenas tendências, não sendo deterministas. Na prática, a proliferação de teorias mutuamente inconsistentes na psicologia parece ser tão grande quanto nas ciências sociais, não sendo muito promissor o que poderia vir a ser o fundamento de uma teoria da ação social. Mas se tentar prever o comportamento de indivíduos já é tarefa difícil, mais desafiador ainda é tentar derivar leis sociais gerais a partir de leis psicológicas mutuamente inconsistentes. 1 Como veremos na seção 4.5.6, até mesmo macacos-capuchinhos ficam irritados quando recebem tratamento injusto. Suponho que uma característica semelhante sempre tenha estado presente na natureza biológica de nossos ancestrais, nunca tendo desaparecido. 8 Conseqüentemente, as generalizações que os cientistas sociais conseguem fazer não costumam ser válidas para todas as sociedades de todos os tempos. Elas são historicamente situadas e o mais prudente é não chamá-las de leis (BENDIX, 1970, p. 184; DIMAGGIO; POWELL, 1991, p. 10; ROTHSTEIN, 1996, p. 154; GIDDENS, 1984, p. 346). Todas essas dificuldades tornam o método comparativo valioso no processo de construção teórica nas ciências sociais. Os estudos comparativos de diferentes sociedades ou mesmo de diferentes grupos dentro de uma mesma sociedade contribuem para descobrir o que é válido para vários grupos e várias sociedades e o que é válido apenas para uma sociedade específica. Ou seja, os estudos comparativos permitem definir o grau de generalidade de conceitos utilizados nas explicações de fenômenos sociais (THELEN; STEINMO, 1992, p. 14; BENDIX, 1970, p. 176). É preciso não esquecer, entretanto, a advertência de Eisenstadt para que se tome cuidado ao comparar sociedades muito dissimilares, pois há o risco de se fazer generalizações empíricas a partir de realidades que podem ter uma aparência semelhante mas ser resultado de processos históricos completamente diferentes (EISENSTADT, 1968, p. 425). As experiências históricas são sempre limitadas — é sempre possível imaginar seqüências de eventos que poderiam ter ocorrido. Por isso, segundo Bendix, as generalizações feitas a partir de fatos históricos são melhor caracterizadas como constructos típico-ideais do que como leis-gerais. Por exemplo, o processo de modernização que ocorre nas sociedades não ocidentais é diferente do processo que tem ocorrido nas sociedades ocidentais; é, pois, errado usar generalizações elaboradas a partir de estudos do processo de modernização das sociedades ocidentais para fazer previsões para outras sociedades, mas pode ser útil confrontar modelos feitos para sociedades ocidentais com observações das sociedades não ocidentais (BENDIX, 1970, p. 279). Usando a terminologia de Merton (1970), tais teorias, por não se aplicarem a todas as sociedades de todos os tempos, seriam consideradas teorias de médio alcance. Merton estava preocupado com a distância do mundo empírico a que se encontravam as grandes teorias. As teorias de médio alcance “também envolvem abstrações, mas estas estão mais próximas dos dados observados” (MERTON, 1970, p. 51). As teorias de médio alcance, ao tornarem mais profundamente conhecidos objetos menores, forneceriam subsídios para induções de maior exatidão e precisão, sendo, pois, de utilidade para o aperfeiçoamento de qualquer grande teoria. Embora as grandes teorias sejam freqüentemente discrepantes entre si, elas são suficientemente imprecisas para acomodarem em seu interior uma mesma determinada teoria de médio alcance. Em suma, o que Hofferbert e Cingranelli dizem acerca da economia política é válido para todas as ciências sociais: 9 The challenge for political economy is daunting. Causation in a world of more variables than cases is an elusive target, not likely to surrender willingly to the most elegant of statistical representations. (HOFFERBERT; CINGRANELLI, 1996, p. 608). 2.1.4 Experimentos cruciais De acordo com Zetterberg (1970), um dos fatores prejudiciais ao acúmulo de conhecimento teórico é o modo como os sociólogos selecionam seus objetos de estudo empíricos: o critério de escolha do objeto de pesquisa é mais freqüentemente algo socialmente do que teoricamente relevante, e uma pesquisa importante por contribuir para a solução de algum problema social imediato nem sempre permite tornar mais plausível uma ou outra teoria alternativa que esteja sendo investigada. Ou seja, usando uma expressão de Stinchcombe (1970), nem sempre uma pesquisa assim delimitada é um experimento crucial. Há, pois, pelo menos dois modos de se escolher um objeto de pesquisa empírica. Num deles, o pesquisador se interessa por um tema e procura alguma teoria que lhe ajude a explicar o que se passa com o seu objeto de estudo. O outro modo consiste em confrontar teorias umas com as outras e prever quais fatos empíricos seriam úteis de se observar como experimento crucial. Este segundo tipo de pesquisa empírica permite escolher entre teorias alternativas, fazendo com que teorias sejam esquecidas, mantidas ou reformuladas por terem sido falseadas ou provisoriamente confirmadas. O conhecimento teórico se acumula e se torna mais integrado. É pouco comum algo que possa ser considerado pesquisa básica. A grande maioria das pesquisas empíricas feitas por cientistas sociais, mesmo os mais renomados, têm por objetivo conhecer em profundidade um fenômeno histórico específico. Muitos trabalhos seriam melhor classificados como pesquisas da história recente — às vezes muito bem feitas — em que se utiliza leis gerais elaboradas por outras disciplinas na explicação de fatos empíricos. São também comuns trabalhos teóricos feitos por cientistas sociais que, diante da dificuldade ou impossibilidade de coleta dos dados necessários para a construção da teoria, se limitam a fazer especulações filosóficas — às vezes rotuladas de teoria sociológica. Os trabalhos com pretensão teórica geral, ou seja, aqueles que pretendem encontrar leis ou mecanismos explicativos gerais que possam ser aplicados a uma grande diversidade de situações, costumam ser resultado de pesquisas bibliográficas, e não de alguma pesquisa empírica desenhada com o propósito explícito de servir de experimento crucial para testar teorias. Compara-se teorias com teorias, e não teorias com fatos, o que me parece uma atividade mais propriamente filosófica do que científica. Este é mais um fator que contribui para coexistência nas ciências sociais 10 de um amontoado de teorias mutuamente contraditórias. As ciências sociais não formam um conjunto coerente de teorias complementares, cujas afirmações podem ser com algum esforço inter-relacionadas e, em última instância, derivadas de princípios comuns (HOFFERBERT; CINGRANELLI, 1996, p. 606–7). Em parte, é claro, essa situação é resultante da complexidade dos fenômenos sociais, cuja intrincada inter-relação de uma multiplicidade de causas e efeitos dificulta — e muito — o isolamento teórico de mecanismos causais de validade geral. Há também o problema moral que impede a realização de experimentos tal como são feitos nas ciências naturais. Mesmo quando não é eticamente reprovável, continua a ser um grande desafio metodológico a realização de experimentos com seres humanos: [. . . ] even where some experimentation is permitted, human beings frequently modify their behavior simply because they know they are being observed in an experimental situation. For example, in educational research it frequently turns out that children perform well under any new teaching method or curricular innovation. (DYE, 1987, p. 16). Apesar de todas as dificuldades, acredito que se uma proporção maior de cientistas sociais dedicasse sua criatividade à solução de dilemas teóricos boa parte dessas teorias já teria sido falseada ou, pelo menos, teriam ficado mais claros os limites de sua aplicabilidade e as causas desses limites. Uma forma de se conseguir uma maior aproximação do ideal de construção de conceitos claros e distintos é pela formalização lógica ou matemática das teorias. A formalização é o caminho natural a ser seguido quando se pretende produzir teorias desprovidas de ambigüidade; um primeiro pré-requisito para atender ao critério da falseabilidade e, conseqüentemente, cientificidade. A partir de Galileu, as ciências naturais têm, progressivamente, não apenas utilizado a matemática para análise de dados empíricos mas também incorporado formulações matemáticas em suas teorias. Nas ciências sociais tem sido diferente. Para alguns cientistas sociais, expressar relações sociais em fórmulas matemáticas, mais do que simplificação grosseira da realidade, chega a ser uma desrespeitosa tentativa de explicar a liberdade humana por meio de leis deterministas. Ou seja, seria retirar da humanidade qualquer pretensão de, dignamente, ter algum controle sobre o seu próprio destino. Os fenômenos sociais são vistos como qualitativamente diferentes dos fenômenos naturais e qualquer tentativa de emprego de métodos das ciências naturais estaria destinada ao fracasso. A sociedade não parece ser um objeto de estudo passível de ser tratado matematicamente, sendo esta usada praticamente apenas como um instrumento de auxílio à análise de dados. 11 A estatística tem sido utilizada para analisar dados obtidos em grande quantidade, pois muitas vezes é possível, usando técnicas quantitativas, determinar quais fatores são os mais relevantes para a ocorrência de um fenômeno que têm múltiplas causas e múltiplas conseqüências. O suicídio, de Durkheim, e A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Weber, exemplificam esta forma de se servir da matemática entre os autores clássicos da sociologia. A partir de meados do século XX, as técnicas de metodologia quantitativa de pesquisa sofisticaram-se bastante, sendo hoje comumente empregadas para dar fundamentação empírica a teorias em diversos centros de pesquisa no Brasil e no mundo. Este é um louvável emprego da matemática e certamente é a forma mais viável de se realizar pesquisas empíricas que tenham como objetivo servir de experimentos cruciais para testar teorias. Estão já bem desenvolvidas as técnicas de pesquisa qualitativa e quantitativa. O que ainda se encontra em estágio embrionário nas ciências sociais é a cooperação entre os cientistas sociais que se sentem mais felizes realizando pesquisas qualitativas e aqueles que acham mais divertido realizar pesquisas quantitativas. Embora muitos cientistas sociais avaliem positivamente o emprego conjunto de técnicas quantitativas e qualitativas, não são raros os casos de intolerância: os que realizam pesquisas quantitativas são freqüentemente chamados de empiricistas, e os que realizam pesquisas qualitativas, de não-cientistas. É claro que pesquisas quantitativas realizadas sem o suporte das pesquisas qualitativas correm o risco de se tornar brincadeiras com números. A apresentação de fórmulas de regressão ou dos resultados de testes de significância estatística, por exemplo, pode dar a impressão de ter sido realizada uma pesquisa dentro dos rigores exigidos pela ciência. Na verdade, entretanto, não se pode esquecer somente ser viável a coleta de uma grande quantidade de dados para uma pequena quantidade de variáveis. A pesquisa quantitativa é necessariamente feita sobre uma realidade previamente empobrecida e, se forem coletados dados sobre variáveis irrelevantes, os resultados da pesquisa serão teórica e politicamente irrelevantes, embora possam ser estatisticamente significativos. A realização de estudos em profundidade de alguns poucos casos — as tradicionais pesquisas qualitativas — permite a elaboração de diversas hipóteses explicativas do fenômeno estudado; o exame cuidadoso dessas hipóteses permite a escolha das variáveis mais promissoras para a realização de testes cruciais; a coleta em grande quantidade dessas variáveis permite, por meio da análise estatística, determinar qual a correlação de cada uma das variáveis com a existência do fenômeno estudado, o que em alguns casos poderá resultar na rejeição de algumas das hipóteses elaboradas durante as pesquisas qualitativas. Portanto, é de se esperar que as pesquisas empíricas mais frutíferas sejam aquelas que combinem as vantagens das abordagens qualitativa e quantitativa. 12 2.2 Formalização de teorias Como observou Hume, relações de causalidade não podem ser nem diretamente observadas nem logicamente inferidas dos fatos observados. Apesar disso, também nas pesquisas sociais, é quando estamos diante de uma formulação matemática como a resultante de uma análise de regressão que consideramos legítimo desconfiar que identificamos relações de causalidade. Freqüentemente não sendo possível expressar leis gerais em fórmulas matemáticas, nas ciências sociais a noção de qualidade não foi suprimida. Pelo contrário, continuam sendo feitas pesquisas qualitativas, ou seja, pesquisas que até podem gerar hipóteses a serem testadas por pesquisas quantitativas, mas que, em si, são investigações do singular, não replicável, não generalizável. Ao se tentar traduzir uma teoria elaborada numa linguagem natural (português, por exemplo) para a linguagem árida da lógica analítica ou da matemática, ambigüidades antes disfarçadas no discurso e que não podem ser atribuídas apenas à complexidade do objeto de pesquisa se tornam aparentes e fáceis de eliminar (WILSON, 1999, p. 578). A formalização também permite uma melhor compreensão das inter-relações entre os vários elementos de uma teoria (HENRICKSON; MACKELVEY, 2002, p. 7292). Entretanto, não parecem ter feito muito sucesso os esforços no sentido de usar uma matemática altamente sofisticada na formulação de teorias (WILSON, 1999, p. 557). Tipicamente, formalizar uma teoria significa torná-la mais simples do que sua versão discursiva. Por isso, é preciso avaliar caso a caso se os ganhos teóricos com a formalização superam a perda de riqueza conceitual que pode estar resultando da formalização. Sem uma grande simplificação, os diagramas lógicos ou as fórmulas matemáticas ficariam tão monstruosamente complexos que seriam insolúveis e, portanto, inúteis.2 Se um modelo teórico for quase tão complexo quanto a realidade que representa, não haverá muita diferença entre utilizá-lo ou olhar diretamente para realidade. Nos dois casos, nossa apreensão da realidade seria resultado, principalmente, de nossos preconceitos e intuições. Se as previsões feitas por um modelo forem razoavelmente acertadas, podemos legitimamente suspeitar que o modelo contém os elementos correspondentes às relações de causa e efeito mais relevantes para a ocorrência do fenômeno observado (HEDSTRÖM; SWEDBERG, 1998, p. 14). Geralmente, não poderemos ter certeza de que a correspondência realmente existe porque outras combinações de elementos poderiam gerar os mesmos resultados (BOERO; SQUAZZONI, 2005, p. 2.12). Vemos, portanto, que entre os obstáculos para o progresso teórico das ciências sociais 2 Tsebelis chamou de explicação tipo atalho ou caixa-preta às, em princípio, traduzíveis para a linguagem das teorias da escolha racional. As explicações impossíveis de traduzir por conterem erros lógicos em sua formulação foram chamadas por ele de correlação espúria (TSEBELIS, 1998, p. 38). 13 encontram-se o baixo empenho para elevar o rigor formal das teorias, a baixa interação entre pesquisadores que adotam diferentes métodos de realização de pesquisa empírica e o não direcionamento das pesquisas empíricas para a resolução de dilemas teóricos. Quanto à formalização das teorias, somente nas últimas décadas, um ramo de pesquisa teórica nas ciências sociais — a teoria da escolha racional, particularmente pelo uso da técnica de modelagem de situações sociais na forma de jogos — tem começado a construir explicações formais de fenômenos sociais que podem ser consideradas bem sucedidas no objetivo de encontrar mecanismos simples, matematicamente tratáveis, que expliquem a ocorrência de alguns fenômenos sociais. Como veremos adiante, as teorias da escolha racional, incluindo as teorias dos jogos, podem ser entendidas como tentativas de formalização matemática dos fenômenos sociais. 2.3 2.3.1 Teoria dos jogos Dilema do prisioneiro Dois indivíduos foram presos por porte ilegal de armas, sendo também suspeitos de participação num roubo que houvera nas proximidades. Os dois estão sendo interrogados simultaneamente — em salas separadas — e cada um foi informado de que se testemunhar ter visto o outro participar no roubo será beneficiado pela lei da delação premiada e será solto imediatamente, contanto que não seja denunciado pelo companheiro. Esse é o melhor resultado possível para cada indivíduo. Se os dois cooperarem um com o outro, ou seja, se nenhum denunciar o outro, ambos ficarão presos por apenas alguns dias por porte ilegal de armas. Se os indivíduos se denunciarem mutuamente (desertarem), ambos ficarão presos por meses, respondendo pelo crime de roubo. Mas, o pior desfecho para cada um deles será cooperar enquanto o outro deserta. Neste caso, o indivíduo será acusado de dois crimes e não será beneficiado pela lei de delação premiada. O parágrafo acima conta uma pequena história que pode servir para ilustrar o jogo mais famoso das teorias dos jogos: o dilema do prisioneiro. Na verdade, o dilema do prisioneiro pode ser ilustrado por qualquer história envolvendo dois indivíduos e quatro possibilidades de desfecho. O importante é o jogo ter uma estrutura de premiação em que desertar enquanto o outro coopera produza o melhor resultado, seguido de mútua cooperação, mútua deserção e cooperar enquanto o outro deserta. A Figura 1 mostra uma forma comum de apresentação dessa estrutura de preferências. Dois indivíduos jogando o dilema do prisioneiro apenas uma vez, se forem racionais e egoístas, optarão pela deserção. O dilema do prisioneiro é talvez o mais simples dos jogos que 14 Figura 1: Dilema do prisioneiro Jogador 1 C D Jogador 2 C 4, 4 6, 0 D 0, 6 2, 2 permitem visualizar que cooperar pode ser irracional. Dado que todas as sociedades podem ser consideradas grandes obras cooperativas, torna-se teoricamente de extrema relevância se as pessoas cooperam por serem racionais ou por algum outro motivo. Do ponto de vista da investigação teórica, a formalização de situações de cooperação tem início com o dilema do prisioneiro. Outra situação modelada formalmente e muito conhecida é aquela em que um conjunto de indivíduos precisa contribuir para a produção de um bem público, ou seja, um bem que uma vez produzido irá beneficiar a todos os membros do grupo, independentemente de terem ou não contribuído para a sua produção. Cooperar para a produção do bem público seria agir coletivamente, mas a análise lógica da situação revela que o racional para um indivíduo egoísta nessas situações é usufruir os benefícios sem cooperar para a sua produção. Olson argumentou que o uso de incentivos seletivos pode reverter esse resultado. Essa seria a lógica da ação coletiva (OLSON, 1965). Boa parte dos trabalhos produzidos no âmbito das teorias dos jogos têm por objetivo investigar as condições propícias à cooperação no dilema do prisioneiro e nos problemas de ação coletiva (TAYLOR, 1987, p. 19–20). Segundo Boudon (1979, p. 50), obras clássicas como O contrato social, de Rousseau, e The calculus of consent, de Buchanan e Tullock, poderiam ser interpretadas como propostas de solução do dilema do prisioneiro. A teoria dos jogos permite ver com clareza mecanismos simples que podem estar entre os principais responsáveis pela existência de importantes fenômenos sociais aparentemente enigmáticos. A existência de instituições sociais complexas, por exemplo, pode ser vista como resultado da cooperação de inúmeros indivíduos para a produção de bens coletivos. E os indivíduos que cooperam para a produção dessas instituições, por sua vez, estão inseridos numa estrutura de prêmios e punições semelhante à dos jogadores do dilema do prisioneiro. Assim, a teoria dos jogos tem demonstrado que a compreensão da cooperação em larga escala existente na sociedade como um todo pode ser aprimorada pelo estudo de um modelo muito simples, facilmente entendido de modo intuitivo e matematicamente tratável pela aritmética elementar. Segundo Elster, a ação coletiva pode ser modelada como dilema do prisioneiro se no modelo 15 tivermos dois agentes: “eu” e “todos os outros” (ELSTER, 1982, p. 467). Isso faria do dilema do prisioneiro uma espécie de esquema mínimo da relação indivíduo-sociedade. Entretanto, esta forma de construir o modelo retira do jogo uma característica fundamental, a de ele ser jogado por muitos e não apenas por dois agentes. É estranho que “todos os outros” ajam de maneira igual (cooperem ou desertem) e “eu” seja o único com autonomia para decidir de forma independente qual será o curso da minha ação. Assim, o dilema do prisioneiro pode ser a forma mais resumida de modelar a cooperação interindividual, mas o problema da ação coletiva seria uma forma mais apropriada de tentar capturar o aspecto cooperativo dos indivíduos vivendo em sociedade. 2.3.2 Teoria da escolha racional como teoria geral Thelen e Steinmo (1992, p. 12) e Rothstein (1996, p. 156) acusam as teorias da escolha racional de terem pretensão de produzir leis gerais da sociedade a partir de um número limitado de pressupostos. Talvez a crítica esteja correta e alguns teóricos da escolha racional realmente tenham essa pretensão. Tsebelis, por exemplo, parece ser um deles ao afirmar: Juntamente com a principal corrente da ciência política contemporânea, sustento que a atividade humana é orientada pelo objetivo e é instrumental e que os atores individuais e institucionais tentam promover ao máximo a realização de seus objetivos. A este pressuposto fundamental chamo pressuposto da racionalidade. (TSEBELIS, 1998, p. 21). A confiança de Tsebelis no potencial da teoria da escolha racional para explicar fenômenos sociais concretos deriva de sua premissa de que quando os atores parecem não agir racionalmente num jogo é porque eles estão simultaneamente envolvidos em outros jogos. A contabilidade de todos os custos e benefícios de todas as opções de ação do ator em todos os jogos em que ele está envolvido mostraria que ele agiu racionalmente. Entretanto, em outra passagem, ele afirma que a escolha racional é apenas uma das explicações possíveis para a ação humana e que, em muitas circunstâncias, outras teorias seriam mais adequadas (TSEBELIS, 1998, p. 45). Os jogos abstratamente construídos são as principais ferramentas de análise das teorias da escolha racional. Como argumenta Elster, os teóricos da escolha racional procuram capturar em jogos simples, matematicamente tratáveis, várias relações de interdependência existentes entre os indivíduos: First, the reward of each depends on the reward of all, by altruism, envy, desire for equality and similar motivations. Next, the reward of each depends on the choice of all, through general social causality. And finally, the choice of each depends on (the anticipation of) the choice of all. (ELSTER, 1986a, p. 207). 16 2.3.3 Pressupostos das teorias da escolha racional Para tornar possível a construção de modelos formais de processos sociais, as teorias da escolha racional de uma maneira geral, e as teorias dos jogos em particular, adotam alguns pressupostos simplificadores. Isso implica numa redução do realismo das teorias, mas não, necessariamente, em prejuízo para uma compreensão mais rica da sociedade. A matemática é útil mesmo que, na prática, as pessoas não se comportem de acordo com os modelos matemáticos, pois os modelos permitem fazer previsões específicas do que deveria acontecer se certos pressupostos fossem atendidos. Se o previsto pelo modelo ocorrer, pode-se suspeitar que os processos realmente existentes no mundo têm estruturas análogas às estruturas desenhadas no modelo. Se não ocorrer o previsto, deve-se então investigar o porquê do desvio. Essa forma de investigação teórica, em princípio, já se encontrava presente na obra de Weber, para quem a sociologia compreensiva era metodologicamente racionalista (WEBER, 1994, p. 5). 2.3.3.1 Pressuposto da racionalidade O primeiro pressuposto simplificador adotado pelas teorias da escolha racional é, obviamente, o de que os seres humanos são estritamente racionais. Basta que qualquer um pense na própria vida cotidiana para encontrar uma infinidade de exemplos de ações motivadas pelo hábito e pela emotividade, e não por qualquer raciocínio consciente. Além disso, uma decisão lembrada por uma pessoa como resultado de uma decisão racional pode muitas vezes ser apenas uma racionalização enviesada feita após a decisão ter sido tomada de modo intuitivo (HAIDT, 2001; HAUSER et al., 2007). Por um lado, o pressuposto da racionalidade é claramente irrealista. Por outro lado, um pressuposto de irracionalidade serviria para explicar qualquer curso de ação adotado por um indivíduo, inclusive comportamentos favoráveis aos interesses do indivíduo e, portanto, interpretáveis como racionais. O pressuposto da irracionalidade pode ser usado para explicar qualquer coisa (MYERSON, 1992, p. 69), o que equivale a não explicar nada. Por isso, um teórico da escolha racional somente atribui irracionalidade a um agente quando falha em descobrir a racionalidade das suas ações (ELSTER, 1986a, p. 213). Elster (1986b) mostra que, a rigor, para uma ação ser considerada racional, o agente, dadas suas crenças sobre como a realidade é e seus desejos, deve ter escolhido o melhor curso de ação. Mais especificamente, o agente deve ter tomado a decisão de agir a partir de um raciocínio correto, as crenças do ator sobre como o mundo funciona devem ser as melhores possíveis dadas as evidências empíricas disponíveis e devem ser mutuamente consistentes. Além disso, como 17 bem lembra Reis (1988, p. 27), “a racionalidade inevitavelmente supõe a intencionalidade”: se um indivíduo agiu racionalmente é porque ele tinha intenção de fazer o que fez. Fazer a coisa mais racional a ser feita “sem querer”, não seria agir racionalmente. Outro pressuposto necessário para que os agentes possam ser considerados racionais é o de que possuem preferências estáveis (BECKER, 1986, p. 5), pois se as preferências dos agentes mudassem com o tempo seria impossível calcular qual seria a sua escolha. Os desejos devem, portanto, ser mutuamente consistentes e estáveis. Em algumas circunstâncias, poderia não ser possível calcular qual a melhor ação para um indivíduo se seus valores se modificassem com o tempo ou se houvesse intransitividade dos valores, ou seja, se, por exemplo, na ordem de preferências do indivíduo A > B e B > C, mas C > A. Em suma, as exigências para que uma ação seja considerada rigorosamente racional são tantas que pode-se dizer que bem poucas ações são objetivamente racionais. Mesmo que o indivíduo esteja com sua atenção voltada para a resolução de um problema, a capacidade humana de raciocinar corretamente é limitada. Normalmente, o raciocínio dos indivíduos parece ser mais o resultado de uma visualização do problema do que da realização de cálculos formais. Por exemplo, ao responder questões envolvendo probabilidades e proporções, uma simples alteração na formulação da questão pode ser suficiente para modificar a escolha do respondente (TVERSKY; KAHNEMAN, 1990). 2.3.3.2 Pressuposto do egoísmo O pressuposto do egoísmo é, no mínimo, politicamente incorreto, e a reação dos que estão tendo o primeiro contato com a teoria é de indignação com a aparente negação da existência da bondade humana e, conseqüentemente, da possibilidade de construção de uma sociedade melhor. Mas, ele é necessário para que a teoria possa produzir resultados exatos. O pressuposto da racionalidade diz apenas que o indivíduo escolherá o melhor meio para atingir o fim desejado, mas não diz nada sobre qual seria esse fim. Se os desejos dos indivíduos puderem variar aleatoriamente, qualquer comportamento poderia ser explicado como ação racional para atingir um fim. Assim, o pressuposto de que os indivíduos são egoístas tem por objetivo especificar o desejado pelos indivíduos: eles desejam aumentar o próprio bem-estar. Para manter os modelos simples, os indivíduos não sofrem ao presenciar ou mesmo causar o sofrimento de outro. De uma maneira geral, o aumento de seu bem-estar equivale a aumento de riqueza e poder. Na teoria dos jogos, os atores somente se importam com o próprio bem-estar. As pessoas reais, entretanto, freqüentemente sentem inveja e se importam em como o seu bem-estar se 18 compara ao do vizinho. É natural que seja assim. Ser propenso a sentir inveja é adaptativo porque permite ao indivíduo responder à questão: “Estou aproveitando ao máximo os recursos do ambiente?” Para um indivíduo sobreviver e se reproduzir, precisa extrair alimentos do ambiente, encontrar um abrigo, etc. . . , mas tanto os recursos naturais quanto os sociais são escassos. Quanto mais recursos naturais o indivíduo conseguir extrair e fazer uso e quanto maior for o número e mais intensas forem suas relações de amizade, mais aumentarão suas chances de ter sucesso reprodutivo. Entretanto, como saber se vale a pena continuar trabalhando para extrair mais da natureza ou se já se conseguiu o que era possível? Como saber se é possível melhorar o próprio prestígio na sociedade? Se o indivíduo tivesse conhecimento perfeito de tudo o que está à sua volta, bastaria fazer um cálculo objetivo. Na prática, ninguém tem esse conhecimento e uma solução é observar o que os amigos e vizinhos estão conseguindo. Se eles estiverem em melhor situação, provavelmente ainda há algo que possa ser feito. Estamos permanente e inconscientemente monitorando nossos colegas e vizinhos em busca de sinais de que eles estejam sendo mais bem sucedidos do que nós. A inveja é um sentimento desagradável despertado quando o indivíduo se depara com uma situação em que outros se encontram em melhor estado. A inveja e outras irracionalidades estão presentes na maioria das ações de qualquer ser humano. 2.3.3.3 Pressuposto do conhecimento completo Outro pressuposto, particularmente importante em muitas teorias dos jogos, é o de que os agentes têm conhecimento completo da situação do jogo e de que esse conhecimento é comum a todos os agentes envolvidos. A melhor decisão a ser tomada por um agente num modelo muitas vezes depende das decisões a serem tomadas pelos demais agentes. Mas se não se sabe quais são as informações possuídas por um agente, não é possível prever com exatidão o que seria racional para ele. Assim, tal como um pressuposto de irracionalidade, um pressuposto de que os agentes tomam decisões com base em informações errôneas ou incompletas pode ser usado para explicar qualquer tipo de comportamento (BECKER, 1986, p. 7). 2.3.3.4 Pressupostos e tratabilidade matemática As teorias da escolha racional e as teorias dos jogos usam a matemática explicitamente, mas são poucos, mesmo dentre os teóricos da escolha racional, os que acreditam realmente se passar na mente dos seres humanos o descrito pela teoria. Um sistema em que todos os agentes são absolutamente egoístas, por exemplo, embora irrealista, é consistente, modelável matematicamente. É possível calcular o resultado de um jogo, ou seja, quais serão as ações escolhidas pelos agentes dadas as condições do jogo. Um 19 pressuposto de altruísmo absoluto, pelo menos em algumas circunstâncias, também permitiria a elaboração de modelos formais. Por exemplo, no dilema do prisioneiro jogado por dois agentes incondicionalmente altruístas, cada jogador preferiria que ele próprio cooperasse e o outro desertasse, pois isso maximizaria a premiação do outro jogador, mas a segunda melhor opção seria os dois cooperarem. Em todo caso, um jogador sempre garantiria um melhor resultado para o outro cooperando do que desertando e, portanto, o dois escolheriam cooperar e o equilíbrio do jogo seria a cooperação mútua. O problema é que o altruísmo absoluto é ainda mais distante da realidade do que o egoísmo absoluto. Sem altruísmo ou egoísmo absolutos, o número de ações alternativas se multiplica e os modelos se tornariam bem mais complexos e nuançados, e obviamente, a possibilidade de extração de resultados exatos dos modelos se reduziria enormemente. Um pressuposto de racionalidade limitada também seria mais realista, mas seria mais difícil de tratar matematicamente. Há várias formas de conceber a racionalidade limitada. Os atores podem seguir diversas regras práticas para interromper o cálculo de qual melhor ação a ser tomada. Por exemplo, ao fazer uma pesquisa de preços para efetuar uma compra, ao invés de verificar os preços em todas as lojas da cidade, pode-se seguir a regra de telefonar para apenas três estabelecimentos e comprar onde o preço estiver melhor. Se a cidade tem mais de três lojas, terá sido violado o pressuposto da informação completa. A ação perfeitamente racional seria parar a pesquisa exatamente no momento em que o benefício de se encontrar menores preços se tornasse menor do que o custo de continuar procurando. Entretanto é impossível saber o momento em que isso ocorrerá se não se conhece os preços com antecedência. Isso justifica o uso da regra prática, mas não faz com que ela se torne compatível com os rigorosos pressupostos de racionalidade das teorias dos jogos, afinal, os pressupostos existem para garantir a realização de cálculos exatos e deduções precisas. Será que as teorias dos jogos são falseáveis? Esta é uma questão controversa. Por um lado, embora os modelos das teorias dos jogos possam em alguns casos ser interpretados como satisfatoriamente correspondentes à realidade empírica, o que a “teoria” dos jogos produz são teoremas matematicamente provados, válidos apenas para os jogos descritos. A teoria dos jogos possui teoremas porque adota pressupostos que têm por principal função permitir a tratabilidade matemática da teoria (BECKER, 1986, p. 5). Ora, se as “teorias” são, de fato, teoremas, deve-se ou aceitar sua exatidão ou tentar provar erros em sua elaboração e não tentar falseá-las ou corroborá-las pelo confronto com dados empíricos. Pode-se até mesmo afirmar que a correspondência mais ou menos direta com a realidade empírica nem sempre é o fator mais importante numa teoria. Como já mencionado neste capítulo, os desvios da realidade em relação à teoria podem ser reveladores das relações de causa e efeito subjacentes aos fenômenos estudados. 20 Assim, os modelos das teorias dos jogos deveriam ser confrontados com a realidade como tipos puros que têm por base a ação racional. A principal utilidade das teorias dos jogos seria a criação de categorias teóricas não ambíguas a serem usadas na análise sociológica (ELSTER, 1982, p. 476; DYE, 1987, p. 40). Por outro lado, os modelos elaborados pelas teorias da escolha racional – pelo menos os mais simples, fazem previsões exatas de como os agentes devem se comportar. Se a observação empírica da realidade revelar que os indivíduos não se comportam como previsto pelo modelo, as premissas do modelo podem ser modificadas (TSEBELIS, 1998, p. 53). Ou seja, em alguns casos, as teorias da escolha racional se apresentam como a opção mais apropriada para a elaboração de teorias que façam previsões precisas e, portanto, falseáveis. Isso é particularmente verdadeiro para situações em que os atores tipicamente agem de modo calculista, como fazem os políticos e os agentes econômicos. É claro que, mesmo nesses casos, as ações racionais dos atores freqüentemente têm conseqüências de longo prazo não intencionais e não previsíveis no momento da ação. 2.3.4 Vigor metodológico do pressuposto da racionalidade Por um lado, como acabamos de ver, o pressuposto da irracionalidade é matematicamente intratável, parecendo, pois, ser um obstáculo à formalização das teorias nas ciências sociais. Por outro lado, mesmo considerando que as teorias da escolha racional, em geral, não argumentem que os atores sejam realmente racionais em sua vida cotidiana, pretendendo apenas prever como eles agiriam se fossem racionais, uma questão continua a merecer resposta: Por que uma teoria tão irrealista conseguiria fazer previsões acertadas sobre o comportamento humano? Em outras palavras, por que o comportamento observado dos indivíduos pareceria racional ao mesmo tempo em que um exame do que se passava em sua mente (por meio de entrevistas ou questionários, por exemplo) revelaria que a ação estava longe de atender aos critérios da racionalidade? Por exemplo, segundo Coleman (1990, p. 98–9), a racionalidade da troca de favores está no fato de que quem presta o favor está colocando à disposição de outra pessoa recursos que lhe pertencem, dos quais não lhe será custoso se desfazer no momento e que serão de grande utilidade para quem recebe, esperando, num momento em que passar por necessidade análoga, receber ajuda, que lhe será de grande valia e que não será muito custosa a quem lhe retribui o favor. Entretanto, um exame psicológico detalhado do indivíduo que faz o favor poderia revelar que ele não fez nenhum cálculo de custo benefício e que simplesmente se sentiu bem em ajudar alguém que estava em situação pior do que a dele próprio. Afinal, como caracterizar como racional e egoísta um indivíduo que faz um favor para um completo estranho com o qual está certo de que nunca 21 haverá outro encontro? Coleman procura explicar casos como esses pela existência de normas internalizadas, entendendo que um indivíduo tem uma norma internalizada quando sente um desconforto psicológico ao transgredir uma norma. Ou seja, o próprio indivíduo se pune ao não fazer o que a norma prescreve ou ao fazer o que a norma proíbe (COLEMAN, 1990, p. 293). Assim, um ato de “pura generosidade” poderia ser explicado como um ato de obediência a uma norma internalizada. Quanto à internalização da norma, realizá-la seria um ato racional nos casos em que o ator se confronte com situações em que não esteja ao seu alcance burlar a norma sem ser punido. Se não é possível controlar certos eventos do mundo (as punições), a atitude que mais benefícios pode trazer ao sujeito é a modificação de suas expectativas em relação ao mundo (no caso, passar a desejar obedecer às normas e a se sentir gratificado ao fazê-lo) (COLEMAN, 1990, p. 517).3 Acredito que esse argumento de Coleman pode ser complementado por uma explicação evolucionista. Parece-me muito estranho que o indivíduo tome a decisão racional de internalizar uma norma: obviamente o processo de internalização de normas se dá de modo inconsciente, e esse é, claramente, mais um momento de irrealismo de uma teoria da escolha racional. Entretanto, de fato, as coisas se passam de um modo que a teoria faz previsões acertadas sobre o comportamento dos indivíduos. Como, então, explicar que o indivíduo escolha inconscientemente o curso de ação mais racional (a internalização das normas)? A resposta evolucionista é de que isso não é obra do acaso. Situações semelhantes à oportunidade de fazer favores para estranhos ocorrem há alguns milhões de anos. Nessas situações, os indivíduos se vêem diante da necessidade de tomar a decisão de ajudar ou não sem a possibilidade de extrair do ambiente imediato todas as informações necessárias para uma decisão bem ponderada (na terminologia das teorias dos jogos, trata-se de um jogo de informação incompleta). No caso, o indivíduo não sabe ao certo se o outro indivíduo terá no futuro oportunidade de retribuir o favor recebido. Somente seria racional fazer o favor se a retribuição for esperada. Na ausência dessa informação, não há como tomar uma decisão racional: a decisão tem que ser emotiva. O que uma teoria evolucionista prevê é que os indivíduos desenvolverão as propensões emotivas mais apropriadas para guiar as ações em situações que se repetem por milhares de gerações (TOOBY; COSMIDES, 1992).4 Assim, por exemplo, no caso do encontro com um predador em potencial, a emoção mais apropriada é o medo, que motivará a fuga; no caso de um encontro com uma pessoa em dificuldade, e em situação pior do que a do próprio indivíduo, a ação apropriada seria a ajuda, pois por milhões de anos a probabilidade de reencontrar este indivíduo ou um de seus familiares foi bastante alta. Atualmente, com o enorme crescimento das cidades, com o desenvolvimento dos meios 3 Aproveitei aqui um argumento que já havia tido oportunidade de apresentar em outro trabalho (AQUINO, 2000, p. 27). 4 Ver também Turner (2000, p. 59). 22 de transporte e da indústria do turismo, freqüentemente encontramos indivíduos para os quais sabemos ser praticamente nula a probabilidade de reencontro futuro. Mas, a capacidade de internalizar normas e a propensão para internalizar com facilidade a norma de ajudar o próximo em dificuldade já estão desenvolvidas no ser humano, mesmo que isso às vezes seja claramente não racional para um indivíduo egoísta. Assim, em muitos casos, entretanto, as propensões emotivas evoluídas ao longo de milhões de anos parecem continuar levando os indivíduos a se comportarem de modo semelhante ao que fariam se estivessem realizando cálculos racionais de longo prazo. Esta mesma explicação evolucionista permite argumentar que o pressuposto do conhecimento perfeito da realidade não é metodologicamente tão absurdo quanto possa parecer num primeiro exame. Não somos descendentes de indivíduos que tomaram as decisões erradas. Estes morreram deixando nenhum ou poucos descendentes. Somos descendentes dos indivíduos que, em boa parte guiados por suas propensões emotivas, tomaram as decisões certas. À medida que problemas análogos aos enfrentados por nossos ancestrais continuem a se repetir, ao agir guiados pelas mesmas propensões emotivas dos nossos ancestrais, estaremos tomando decisões próximas do que seria de se esperar de um agente com conhecimento perfeito do jogo. Deve-se notar, entretanto, que a explicação evolucionista somente se aplica aos casos estruturalmente semelhantes aos ocorridos repetidas vezes no passado da nossa espécie. As explicações evolucionistas de acontecimentos do presente são tanto mais especulativas quanto menor é nosso conhecimento sobre o passado evolutivo. Na verdade, as pistas que temos sobre como viveram nossos antepassados de tempos pré-históricos são tão fragmentárias que freqüentemente é mais útil especular sobre como foi o passado a partir do comportamento presente do que explicar o comportamento presente a partir de um conhecimento do passado. Por fim, é importante observar que o que tende a ser maximizado pelas forças naturais de seleção é o sucesso reprodutivo do indivíduo e de seus familiares mais próximos, o que nem sempre coincide com a forma como as teorias dos jogos costumam caracterizar seus indivíduos egoístas. A forma mais fácil de prever o comportamento de um indivíduo é considerar que ele busca o enriquecimento material, mas essa é apenas uma das atitudes que pode levar ao sucesso reprodutivo. 2.3.5 Limitações das teorias dos jogos Com exceção das teorias da escolha racional, os modelos matemáticos de processos sociais, particularmente na economia, têm se referido aos processos sociais como um todo e não às ações dos indivíduos. Esses modelos seriam, quanto a esse aspecto, semelhantes às teorias 23 funcionalistas, que pressupõem a existência de fenômenos macrosociais considerando, entretanto, inviável explicar tais fenômenos a partir das ações de indivíduos. Isso porque, como argumenta Edling, para proceder de modo diferente seria necessário uma equação para cada indivíduo: Modeling true heterogeneity means adding a new equation for each individual. Even with moderately large social systems, this quickly becomes cumbersome. This approach to modeling processes is therefore best left for macroprocesses and for the analysis of aggregate data. (EDLING, 2002, p. 205–6). Ao liberar os agentes da obrigação de agir simultaneamente, os jogos em forma estendida possibilitam a modelagem de ações seqüenciais e superam algumas das limitações dos jogos apresentados numa matriz com estrutura de premiação (como na Figura 1, p. 15). Entretanto, a construção de um jogo que simule o encontro de muitos indivíduos diferentes não é uma tarefa fácil para a teoria dos jogos tradicional. A complexidade de combinar muitas funções num cálculo cresce exponencialmente à medida que o número de indivíduos e interações entre eles cresce. Isso significa que as teorias dos jogos, provavelmente, também não são capazes de oferecer instrumentos suficientes para superar a necessidade de se recorrer a explicações funcionalistas dos fenômenos sociais. Ao invés de tentar fazer esse grande cálculo, é possível usar um computador para simular muitas interações entre os indivíduos, onde cada encontro envolveria apenas cálculos simples. Com essa abordagem, é possível simular fenômenos sociais de baixo para cima: modela-se o comportamento de indivíduos mas o resultado pode ser interpretado como fenômeno social. Os modelos baseados em agentes podem ser considerados instrumentos que têm uma estrutura matemática e que podem auxiliar nas pesquisas teóricas e empíricas nas ciências sociais sem algumas das limitações das teorias da escolha racional ou de usos mais tradicionais da matemática. Mas, o potencial e as limitações dessa abordagem serão tratados na próxima seção. 2.4 Modelos baseados em agentes Em um Modelo Baseado em Agentes (MBA), o pesquisador escreve um programa de computador em que são estipuladas regras de comportamento a serem seguidas por agentes virtuais, existentes apenas na memória do computador. Ao ser executado o programa, os agentes são criados e começam a interagir uns com os outros, geralmente sem a intervenção do pesquisador. Portanto, ao contrário do uso tradicional da matemática nas ciências sociais, os MBAs são construídos “de baixo para cima”. Ou seja, modela-se o comportamento de agentes individuais, mas da interação desses agentes resulta uma sociedade artificial. E, ao contrário dos 24 modelos tradicionais das teorias dos jogos, todos os cálculos são feitos por uma máquina, o que permite a criação de modelos com milhares de agentes heterogêneos. A popularização dos computadores nos últimos anos facilitou muito o desenvolvimento de MBAs. Mas, modelos baseados em agentes não representam uma novidade tão grande na literatura. Schelling (1978) já apresentava vários tipos de macroeventos que emergiam das ações de indivíduos sem serem antecipados por eles, sendo seu modelo de segregação um dos mais conhecidos. Mas, o modelo de Schelling, não sendo desenvolvido em computador, tinha obrigatoriamente que lidar com um pequeno número de agentes cujas características também tinham que ser mantidas extremamente simples. Na década de 1980, exemplos de uso do computador na elaboração de modelos começaram a ficar mais freqüentes, sendo um dos mais conhecidos um torneio entre estratégias para jogar o dilema do prisioneiro promovido por Axelrod (1984). As estratégias foram formuladas por diversos pesquisadores, convertidas em linguagem de programação, e executadas em computador.5 O torneio de Axelrod já apresentava algumas das características dos MBAs, mas outras somente seriam implementadas nos modelos da década seguinte. Os recursos dos computadores se desenvolveram, passaram a ser melhor explorados e grande parte dos atuais MBAs compartilham algumas características em comum. Os dois recursos computacionais mais importantes para a construção de modelos são a capacidade de simular a geração de números aleatórios e a facilidade de repetir a execução de uma mesma instrução milhares de vezes. A geração de números aleatórios é particularmente importante para a simulação de fenômenos sociais. Uma vez que os fenômenos sociais têm caráter incerto, ao invés de determinar que um agente seguirá um determinado curso de ação numa certa circunstância, pode-se, por exemplo, determinar que o agente seguirá um determinado curso de ação numa certa circunstância se o computador, a partir de uma distribuição uniforme entre 0 e 100, gerar um número maior do que 60. Para simular a heterogeneidade encontrada nas populações humanas, as características dos agentes podem ser distribuídas aleatoriamente, e essa distribuição pode ter a forma mais adequada para o modelo: uniforme, normal ou gaussiana, assimétrica etc. . . Se algo aparentemente estranho ocorrer, a simulação pode ser repetida e os eventos ocorrerão novamente exatamente como antes, sendo possível examinar minuciosamente os fatos que antecederam o fenômeno de interesse. Isso, pelo menos numa certa medida, compensa a freqüente impossibilidade de se realizar uma análise formal rigorosa de um modelo baseado em agentes simulado em computador. É possível ainda determinar o tempo de “vida” dos agentes e permitir que eles se reproduzam, simulando, assim, processos evolutivos. Os agentes podem mudar seu comportamento pelo aprendizado e a herança genética de características comportamentais pode fazer com que as 5 Apresento mais detalhes sobre o torneio no próximo capítulo, seção 3.5. 25 novas gerações sejam diferentes das antigas. Ao contrário das teorias da escolha racional, é possível dispensar vários pressupostos simplificadores. Nos MBAs, os agentes não precisam ser racionais, e, ao contrário do que ocorre em pesquisas empíricas, não é preciso especular sobre qual irracionalidade está levando um agente a se comportar de determinada forma. Por se tratar apenas de um modelo, é possível saber exatamente o que se passa na “mente” de cada agente e, portanto, as irracionalidades são conhecidas com precisão. Os agentes seguem regras simples de comportamento, mas podem possuir características interpretáveis como equivalentes a características cognitivas e até emotivas que, juntamente com o ambiente em que se encontram, condicionam seu comportamento. Uma solução comumente adotada para simular encontros casuais, formação de redes e a própria movimentação geográfica de seres humanos reais é a modelagem do mundo virtual na forma de tabuleiro, dotando os agentes da capacidade de se deslocar de uma célula para outra. Restringir os movimentos dos agentes a ocupar e desocupar células é, obviamente, uma simplificação. Na vida real há uma quantidade infinita de distâncias e de ângulos que as pessoas de um grupo podem assumir ao se posicionar em relação umas às outras. Entretanto, essa simplificação reduz o custo computacional para calcular quem são os vizinhos de um agente e quais recursos do mundo virtual estão nas proximidades do agente. Com a intenção de simular os fenômenos sociais, o programador do modelo determina regras para o deslocamento dos agentes e para a interação entre eles. Poder-se-ia argumentar que os MBAs seriam apenas modelos probabilísticos e que ao invés de desperdiçar tempo programando o movimento de agentes num mundo virtual seria mais prático simplesmente determinar uma probabilidade dos agentes se encontrarem. Ocorre, porém, que a probabilidade de haver um encontro entre agentes não permanece necessariamente fixa. Pelo contrário, em muitos modelos, ela se modifica com a própria dinâmica do jogo. Uma outra vantagem de um MBA sobre um modelo probabilístico é a maior proximidade dos MBAs da nossa forma natural de pensar em relação aos modelos probabilísticos. Nossos ancestrais não faziam cálculos de probabilidade, mas usavam a visão para perceber a formação de padrões e avaliar o que se passava no mundo. Os MBAs permitem produzir uma representação visual da evolução dos parâmetros dos modelos. O deslocamento dos agentes no mundo virtual pode ser exibido na tela do computador, cores e formas diferentes podem ser atribuídas a agentes que não possuem características iguais etc., e isso facilita para o pesquisador a tarefa de reconstruir mentalmente o que se passa no modelo e pensar em alterações que possam tornar o modelo mais realista. O fato de os agentes seguirem regras simples de comportamento resulta em outra vantagem 26 dos MBAs: o programador geralmente não precisa dominar uma matemática mais avançada do que a aprendida no ensino médio. Os modelos podem produzir resultados semelhantes aos obtidos em pesquisas empíricas e Macy e Willer (2002) recomendam que sejam feitas análises quantitativas com as sociedades artificiais tal como se faz com bancos de dados produzidos a partir de surveys. Pode-se fazer uma análise de regressão entre as características dos agentes e o nível de “bem-estar” alcançado por cada um ou o caráter do resultado agregado produzido. Ao contrário do que ocorre com as pesquisas empíricas em ciências sociais, ao se trabalhar com sociedades artificiais é possível fazer experimentos controlados, mantendo constantes alguns parâmetros e variando outros (GILBERT, 2004, p. 1). Num certo sentido, modelos feitos em computador são experimentos mentais (MACY; WILLER, 2002, p. 147), sendo o computador apenas um instrumento que amplifica a capacidade do cientista de executar cálculos e imaginar a evolução que ocorre nos valores dos diversos parâmetros do modelo. Um experimento mental não é um experimento empírico; ele existe apenas na mente do cientista como um fruto da sua imaginação e capacidade de pensamento intuitivo. Os experimentos mentais, entretanto, ganham mais credibilidade diante da comunidade acadêmica quando são formalizados num modelo. A formalização permite perceber falhas no raciocínio que não eram vistas enquanto se usava apenas a intuição e a limitada memória de trabalho do cérebro humano. Os MBAs podem, portanto, contribuir para testar a consistência interna de algumas teorias (BOERO; SQUAZZONI, 2005, p. 1.15). A formalização de um experimento mental, transformando-o num modelo, como já mencionado anteriormente, tradicionalmente tem sido feita pela tradução em fórmulas matemáticas das regularidades existentes nas interações entre as variáveis. Foi sendo um pioneiro na aplicação deste procedimento que Galileu inaugurou a física moderna. Na época de Galileu, questionava-se a possibilidade de usar a matemática, onde os elementos se relacionam entre si com perfeição, para representar o que se passava no mundo empírico, onde não podem ser encontradas formas perfeitas. E, de fato, os modelos matemáticos são construídos tendo por base pressupostos simplificadores. Como diz Koyré: [. . . ] os corpos que se movem em linha reta num espaço vazio infinito não são corpos reais que se deslocam num espaço real, mas corpos matemáticos que se deslocam num espaço matemático. (KOYRÉ, 1991, p. 166). Analogamente ao que se passa na mecânica, pode-se dizer que os agentes que vivem nos mundos virtuais dos MBAs são agentes matemáticos. 27 Construir um modelo consiste, basicamente, em abstrair de uma realidade empírica complexa somente os elementos mais importantes para a compreensão das relações causais responsáveis pela existência do fenômeno. O modelo ficará demasiadamente complexo ou mesmo não analisável se for incluído um número excessivo de elementos. Por outro lado, um modelo excessivamente simples poderá não ter nenhuma utilidade prática por não ser possível interpretálo como representante adequado de nenhuma realidade empírica relevante. Quanto mais simples um MBA, maior será sua correspondência apenas a alguma teoria geral e não a alguma teoria de médio alcance. Segundo Boero e Squazzoni (2005, p. 4.60), nestes casos, se houver intenção de considerar o modelo empiricamente válido, será preciso confrontá-lo com uma extensa variedade de situações concretas. Nunca se pode ter certeza se foram realmente escolhidos os elementos mais adequados para a construção do modelo e sobre a propriedade de se interpretar o modelo como correspondendo a uma situação empírica real. Em todo caso, se um modelo feito em computador pode ter sua validade questionada, um outro feito pela mente desassistida seria ainda mais vulnerável a objeções. Os MBAs ajudam a desmistificar a noção de fenômenos emergentes. Podem ser considerados fenômenos emergentes aqueles que surgem da interação entre elementos individuais e que apresentam leis próprias não aplicáveis ao conjunto dos elementos em interação tomados isoladamente. Os fenômenos emergentes se constituem em padrões observáveis não limitados às características dos indivíduos. Esta noção de fenômenos emergentes está de acordo com o que Hedström e Swedberg (1998) chamam de versão fraca do individualismo metodológico: The weak version of methodological individualism agrees with the strong version in assuming that all social institutions in principle can be explained by only the intended and unintended consequences of individuals’ actions. But faced with a world consisting of causal histories of | nearly infinite length, in practice we can only hope to provide information on their most recent history. [. . . ] By taking certain macro-level states as given and incorporanting them into the explanation, the realism and the precision of the proposed explanation is greatly improved. (HEDSTRÖM; SWEDBERG, 1998, p. 12–13). A definição acima de fenômeno emergente pode ser contrastada com a de Bonabeau, que por sua vez é semelhante à noção durkheimiana de fenômeno sui generis e que me parece carregar um certo ar de misticismo: Emergent phenomena result from the interactions of individual entities. By definition, they cannot be reduced to the system’s parts: the whole is more than the sum of its parts because of the interactions between the parts. An emergent phenomenon can have properties that are decoupled from the properties of the part. (BONABEAU, 2002, p. 72800) [grifos acrescentados]. 28 Esta definição de emergência herda um certo aspecto místico da noção de que o todo é maior do que a soma das partes. Os MBAs mostram relações macro-micro de modo diferente do previsto pelas teorias sociológicas holistas. Durkheim postulava que os fatos sociais teriam poder coercitivo sobre os modos de agir e pensar dos indivíduos, mas nos MBAs o que se percebe não é uma ação direta de causas macrosociais sobre ações individuais. Os indivíduos não possuem uma visão global da sociedade e reagem às mudanças ocorridas em sua vizinhança, que, é claro, é afetada pelas propriedades globais da sociedade (SAWYER, 2003, p. 341). Para isso ocorrer, os agentes não precisam ter uma representação mental da sociedade como um todo. Se eles forem cognitivamente complexos o suficiente para ter tal representação, pode-se considerar que as mudanças macrosociais se refletirão na visão que têm da sociedade e as mudanças no seu comportamento seriam reações às mudanças em suas representações da realidade. Em ambos os casos, é desnecessário pressupor algo misterioso como “o todo ser maior do que as partes que o compõem”: o que ocorre é um processo contínuo em que as interações entre os agentes modificam o ambiente e os agentes reagem ao ambiente modificado. Em princípio, as leis emergentes poderiam ser deduzidas das leis que regem as interações entre os elementos e vice-versa, o conhecimento do resultado da agregação, ou seja, do fenômeno emergente, permitiria conhecer as propriedades dos elementos. Na prática, porém, usar as leis próprias de um nível de complexidade pode contribuir pouco ou nada para a compreensão do que se passa no outro nível. Por exemplo, um cientista poderia, a partir das características dos átomos de hidrogênio e de oxigênio, dizer quais seriam as propriedades químicas de uma substância cujas moléculas tivessem dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Fazendo o caminho inverso, ele talvez também pudesse dizer quais são as características dos átomos que compõem uma substância que tem as características da água. Entretanto, certamente seria preciso realizar cálculos de enorme complexidade para se passar das características da eletrosfera dos átomos de oxigênio e de hidrogênio a uma afirmação como, por exemplo, de que a água seria incolor, inodora e teria um ponto de ebulição de 100 ◦ C quando sob pressão de uma atmosfera. De uma maneira geral, ao tentar explicar o que ocorre num nível de complexidade da realidade é mais conveniente buscar a simplicidade e se contentar com as leis que expliquem o fenômeno da maneira mais satisfatória e com o menor esforço. Como argumenta Runciman (1972, p. 31), a sociologia continuará tendo seu espaço no mundo acadêmico mesmo sendo em alguns aspectos redutível à psicologia. Mais do que apenas uma questão de conveniência, segundo Sawyer (2003, p. 353–5), em alguns casos, a redução pode ser matematicamente impossível. Nestes casos, em se tratando de MBAs, somente a simulação seria capaz de revelar o comportamento global do sistema e dos agentes (SAWYER, 2003, p. 329). 29 Uma outra característica comum a muitos MBAs é que os agentes não conhecem o resultado agregado de suas ações, mas este resultado altera o seu “bem-estar”. Ou seja, modela-se o que na literatura em ciências sociais é freqüentemente chamado de “conseqüências não intencionais das ações dos indivíduos” (BONABEAU, 2002, p. 7280; RAUCH, 2002). Rauch (2002) prevê que modelos de sociedades artificiais serão usados em lugar dos tradicionais modelos de regressão. Também otimistas são Epstein e Axtell: What constitutes an explanation of an observed social phenomenon? Perhaps one day people will interpret the question, “Can you explain it?” as asking “Can you grow it?”. (EPSTEIN; AXTELL, 1996, p. 20) Alguns experimentos mentais dispensam o uso do computador para serem formalizados. A situação ideal para formalização via computador é aquela em que um número grande — mas limitado — de parâmetros ou de variáveis existe, em que os agentes são numerosos e heterogêneos e em que há muitas interações entre os agentes e eles se adaptam à nova situação após cada interação (BONABEAU, 2002, p. 7287). Caso contrário, não vale a pena perder tempo fazendo um programa de computador. Para casos simples, papel e lápis seriam instrumentos adequados para resolver o problema com rapidez. Além disso, não são todas as situações que podem ser adequadamente modeladas “de baixo para cima”. Como dizem Macy e Willer: ABM are most appropriate for studying processes that lack central coordination, including the emergence of organizations that, once established, impose order from the top down. (2002, p. 148). As técnicas de produção de MBAs evoluiriam mais rapidamente se houvesse um maior número de cientistas sociais envolvidos em sua formulação. Ocorre, entretanto, que os cientistas sociais do mundo inteiro geralmente não são muito afeiçoados à matemática e não se sentem atraídos por linguagens de programação. Henrickson e MacKelvey (2002) concordam com as críticas dos autores pós-modernos a várias tentativas feitas de tornar as ciências sociais mais científicas. Eles, entretanto, discordam da proposta pós-modernista de abandonar qualquer pretensão de se ter uma ciência social e defendem que os modelos baseados em agentes são uma saída metodológica para se fazer ciência social a partir dos pressupostos pós-modernos acerca da realidade social. Isso porque os MBAs permitem fazer modelos probabilísticos e com agentes bastante heterogêneos. Os MBAs podem, em alguns casos, ajudar a ampliar o poder de experimentos mentais e essa me parece ser sua maior utilidade. Mas experimentos mentais sempre fizeram parte da história da ciência e estamos, portanto, diante de uma técnica de pesquisa promissora mas não de uma revolução metodológica. 30 Os MBAs permitem realizar experimentos mentais com mais rigor do que a mente desassistida porque as relações entre os agentes podem ser expressas matematicamente com clareza (mesmo que em forma probabilística)6 : An advantage of using computer simulation is that it is necessary to think through one’s basic assumptions very clearly in order to create a useful simulation model. Every relationship to be modelled has to be specified exactly. Every parameter has to be given a value, for otherwise it will be impossible to run the simulation. This discipline also means that the model is potentially open to inspection by other researchers, in all its detail. These benefits of clarity and precision also have disadvantages, however. Simulations of complex social processes involve the estimation of many parameters, and adequate data for making the estimates can be difficult to come by. (GILBERT, 2004, p. 1). As sociedades artificiais são sistemas adaptativos complexos e freqüentemente ocorrem mudanças súbitas que o idealizador do modelo não havia antecipado. Nestes casos, é difícil prever tanto o momento em que a mudança ocorrerá quanto o perfil exato da sociedade resultante. Entretanto, uma vez que se perceba a emergência de um fenômeno, é possível repetir a simulação, observando cuidadosamente como os diversos parâmetros evoluíram e como se alterou o comportamento dos agentes imediatamente antes do fenômeno de interesse. Embora o pesquisador frequentemente seja surpreendido com os resultados do modelo que elaborou, os resultados das simulações, longe de serem aleatórios, são replicáveis. Consegue-se, assim, explicar o que ocorreu. A promessa dos modelos baseados em agentes é exatamente essa: construir modelos de fenômenos sociais complexos a partir da ação de uma multiplicidade de agentes heterogêneos. Se as conseqüências não intencionais das ações dos agentes e se as mudanças súbitas na configuração da sociedade forem semelhantes ao que ocorre em sociedades reais, o pesquisador estará autorizado a supor que os mecanismos que levam à ocorrência dos fenômenos reais se assemelham aos mecanismos que levam à produção do fenômeno na sociedade artificial. Nestes casos, teríamos explicações de macro fenômenos a partir de ações individuais e explicações funcionalistas seriam usadas apenas se fossem mais convenientes e não por falta de opção. Os MBAs permitem a máxima exploração do individualismo como perspectiva metodológica de compreensão da sociedade. 6 Neste capítulo, freqüentemente falamos da formalização matemática de teorias. Há, entretanto, uma questão filosófica subjacente a essa discussão que não foi e não será tratada nesta tese: Por que a matemática funciona na prática? Ou seja, por que uma porção considerável do mundo é previsível se utilizarmos fórmulas matemáticas adequadas? Se, por exemplo, soubermos a velocidade e a aceleração de um corpo poderemos calcular quanto tempo ele demorará para percorrer uma determinada distância e, se medirmos o tempo efetivamente gasto, perceberemos que nossos cálculos sempre nos permitem fazer previsões bastante satisfatórias. Por quê? 31 3 Modelos de evolução da cooperação Ao ajudar outro, um indivíduo estaria aumentado as chances do outro sobreviver e se reproduzir. Dadas as limitações naturais de recursos, ao aumentar as chances do outro, ele estaria reduzindo as próprias chances de sobrevivência. Se o mecanismo básico da seleção natural consiste na maior taxa de sobrevivência e reprodução dos indivíduos melhor adaptados, como explicar que os indivíduos ajudem uns aos outros? Estudiosos de várias disciplinas têm proposto respostas a essa pergunta. 3.1 Seleção de parentesco Uma solução para o problema da evolução da cooperação denominada de seleção de parentesco é explicada por Dawkins (1979) pelo uso de uma metáfora em que os organismos são máquinas de sobrevivência de seus genes egoístas. A metáfora se justifica porque um organismo bem adaptado ao seu meio ambiente deixará um maior número de descendentes do que organismos mal adaptados. Ou seja, os genes existentes no código genético desse organismo produzirão um número maior de cópias de si mesmos do que outros genes e, portanto, a sua presença na geração seguinte de uma determinada população será proporcionalmente maior. Genes são apenas moléculas e, obviamente, não têm nenhuma espécie de sentimento, egoísta ou altruísta. Mas tudo se passa como se os genes fossem seres egoístas que manipulam os organismos em que vivem com o objetivo de produzir o maior número possível de cópias de si mesmos. Continuando a metáfora, eles não teriam nenhuma preocupação com o organismo que ocupam e se, por algum motivo, destruir o organismo for o meio mais eficaz para produzir cópias de si mesmo, então, isso será feito. É interessante observar que os indivíduos das espécies de reprodução sexuada, a rigor, não se reproduzem. Eles nascem, crescem, fazem cópias de trechos de seu código genético e morrem. Somente seria perfeitamente apropriado falar em indivíduos se reproduzindo se eles produzissem clones de si próprios. Quem vive e morre são os indivíduos, mas, de fato, os genes se reproduzem. 32 Todos os organismos de uma determinada espécie compartilham um grande número de genes, mas somente parentes próximos compartilham uma quantidade significativa de alguns genes raros. A teoria da seleção de parentesco leva isso em consideração e afirma que os genes produzirão um maior número de cópias de si mesmos se os organismos que os portam ajudarem seus parentes próximos a sobreviver e se reproduzir, mesmo isto implicando num certo custo para o próprio organismo. Ou seja, ao ser genuinamente altruísta1 e fazer sacrifícios para ajudar um parente próximo, um indivíduo poderá estar agindo de modo a maximizar o número de cópias dos seus próprios genes (e particularmente do gene que o leva a se comportar de modo altruísta). Voltando à metáfora, o gene egoísta produz um organismo altruísta, mas somente com parentes próximos. Temos neste caso uma seleção de parentesco. Em termos precisos, de acordo com a regra de Hamilton, publicada em 1964 (BUSS, 1999, p. 277; SILK, 2002, p. 851–2), um ato será favorecido pela seleção de parentesco se o benefício, b, multiplicado pelo coeficiente de parentesco, p, for maior do que o custo para o altruísta, c: bp > c . 3.2 Altruísmo recíproco Uma segunda solução para o problema da cooperação, desta vez comum tanto a biólogos quanto a cientistas políticos, é a do altruísmo recíproco. De acordo com esta teoria, será benéfico para um indivíduo ajudar outro se isso implicar numa probabilidade significativamente maior de no futuro receber ajuda do outro. Nesse caso, é discutível se temos um indivíduo genuinamente altruísta ou um egoísta com visão de longo prazo. Por um lado, examinando o indivíduo de perto, fazendo-lhe perguntas sobre sua motivação para ajudar, podemos concluir que ele ajuda outros porque seus sentimentos o levam a querer ajudar sem nenhuma intenção de receber algo em troca. Ele simplesmente se sente bem ao ajudar o outro. Por outro lado, tais sentimentos evoluíram na história de sua espécie pela razão egoísta mencionada acima. De qualquer maneira, dois indivíduos que estabelecem uma relação de altruísmo recíproco de longa duração podem ser chamados de amigos. Em grupos grandes, a maioria dos indivíduos não são nem parentes nem amigos. Apesar disso, alguns psicólogos evolucionistas argumentam que o altruísmo recíproco evoluiu na espécie humana durante o período de milhões de anos em que nossos ancestrais viveram em grupos pequenos. Nestas circunstâncias, ajudar um outro indivíduo qualquer do grupo seria, provavelmente, ajudar um parente próximo ou, pelo menos, alguém com quem se conviveria ainda por muito tempo e, portanto, que teria muitas oportunidades de retribuir o favor. A 1 Nesta tese, qualifico um comportamento altruísta de genuíno ou puro quando ele reduz as chances de sobrevivência e reprodução do organismo, mesmo considerando as conseqüências de longo prazo. 33 seleção de parentesco e o altruísmo recíproco explicariam a evolução da cooperação nestes grupos. Atualmente, é rotineiro o encontro com estranhos, mas dada a raridade de tais encontros no passado evolutivo de nossa espécie, os seres humanos seriam geralmente predispostos a cooperar e seriam cognitivamente pouco preparados para discriminar entre estranhos e parentes ou amigos no momento de serem altruístas. Nossos mecanismos psicológicos nos levam a agir altruisticamente em situações em que ajudar o outro já não é mais adaptativo. A reciprocidade seria uma boa explicação para a existência do altruísmo apenas para grupos pequenos e não ameaçados de extinção, ou seja, em que a probabilidade de interações futuras é alta, mas para alguns autores é pouco provável que longos períodos de estabilidade tenha sido predominantes na pré-história da humanidade (GINTIS, 2000, p. 170). Henrich e Boyd (2001, p. 79) consideram que a combinação de altruísmo recíproco e seleção de parentesco não é suficiente para fazer a cooperação evoluir em grupos grandes. Segundo Gintis et al. (2003, p. 154), é necessário mais do que a teoria do altruísmo recíproco para explicar o sucesso da nossa espécie, e Henrich enumera algumas razões pelas quais estaria errada a tese de que a cooperação que evolui como altruísmo recíproco continuaria a ser praticada mesmo em períodos em que fosse mal adaptativa: This explanation has a number of problems. First, even in small-scale societies, there are plenty of distant relatives, and probably a fair number of strangers, that altruists need to distinguish from close kin [. . . ]. The idea that individual in small-scale societies did not have ephemeral encounters with anonymous others is empirically groundless [. . . ]. Second, although large-scale cooperation is prevalent in many societies, people everywhere favor their kin over non-kin— showing that we can, and we do, distinguish these behaviorally. Third, lots of non-human primates also live in small-scale societies but show no generalized tendency to cooperate with all members of their group. (HENRICH, 2004, p. 9). A evolução da cooperação será favorecida se os indivíduos puderem se recusar a entrar em relações associativas com os não-cooperadores, ou seja, se praticarem o ostracismo dos caronas. Se a probabilidade de haver encontros futuros for permanentemente alta, o ostracismo será suficiente para que a cooperação evolua. Entretanto, dadas as condições reinantes no nosso passado evolutivo, é mais provável terem sido comuns períodos em que não havia nenhuma certeza de interações futuras e, portanto, a prática do ostracismo parece ainda não ser suficiente para garantir a evolução da cooperação: [. . . ] when the group is threatened with extinction or dispersal, say through war, pestilence, or famine, cooperation is most needed for survival. During such critical periods, which were common in the evolutionary history of our species, future gains from cooperation become very uncertain, since the probability that the group will dissolve becomes high. The threat of ostracism then carries 34 little weight, and cooperation cannot be maintained if agents are self-interested. Thus, precisely when a group is most in need of prosocial behavior, cooperation based on reciprocal altruism will collapse. (GINTIS et al., 2003, p. 163). É necessário que os indivíduos tomem uma atitude mais ativa do que a simples prática do ostracismo dos caronas ou a associação preferencial com amigos de confiabilidade já comprovada. Segundo Richerson e Boyd (1998, p. 5), nossas mais antigas propensões a sentir emoções se formaram sob pressão dos processos de seleção de parentesco e altruísmo recíproco, mas essas emoções sociais seriam suficientes apenas para manter a coesão de grupos pequenos. O desenvolvimento da linguagem permitiu o desenvolvimento de sistemas punitivos mais elaborados do que os derivados do simples sentimento de indignação despertado momentaneamente. Com a linguagem, os indivíduos podem dialogar e conhecer os argumentos uns dos outros, modificando o próprio juízo do que é certo ou errado. A compreensão das motivações para a ação permite elaborar normas que prevêem a punição não de todo e qualquer indivíduo que não tenha contribuído para a produção de um bem coletivo, mas apenas daqueles que, mesmo tendo condições objetivas, intencionalmente decidiram trapacear. 3.3 Seleção de grupo Seleção genética de grupo ocorre quando alguns grupos são extintos e outros sobrevivem, havendo características biologicamente determinadas dos indivíduos dos grupos sobreviventes que favoreceram o sucesso relativo do grupo. Um pré-requisito para a existência de seleção de grupo é que as características dos integrantes dos grupos levem os diversos grupos de uma mesma espécie a se reproduzirem a uma taxa diferenciada. Em casos extremos, isso implicaria na sobrevivência dos grupos mais aptos e na extinção dos grupos mal sucedidos. Como resultado da seleção de grupo, os genes dos membros dos grupos bem sucedidos estariam representados em maior proporção nas gerações seguintes. É claro que um requisito para haver seleção de grupo é a heterogeneidade entre os grupos. No caso do altruísmo, há ainda um outro pré-requisito importante. É preciso que as outras forças seletivas — atuando sobre os indivíduos e desfavoráveis à evolução do altruísmo — sejam mais fracas do que a seleção de grupo. A seleção de grupo somente seria capaz de promover a evolução da cooperação nas circunstâncias em que ser um cooperador num grupo de cooperadores trouxesse para o indivíduo vantagens maiores do que ser um dos caronas que se beneficiam dos bens públicos sem ajudar a produzi-los. Além disso, genes favoráveis ao altruísmo somente podem proliferar se os benefícios para o indivíduo decorrentes de estar num grupo que não será 35 extinto forem superiores aos benefícios de ser um carona. Um grupo de cooperadores consegue, em média, um desempenho melhor do que um grupo de não-cooperadores e, portanto, é vantajoso para um indivíduo fazer parte de um grupo de cooperadores, mas, geralmente, é ainda mais vantajoso ser carona do que cooperador num grupo de cooperadores. Por isso, na biologia, a ocorrência de seleção de grupo é considerada uma explicação plausível para a evolução da cooperação apenas em pouquíssimas circunstâncias. É fácil imaginar que se a cooperação dependesse apenas da seleção de grupo sua evolução seria altamente instável: haveria uma tendência ao aumento constante no número de altruístas na população como um todo devido ao sucesso dos grupos de altruístas, mas, simultaneamente, haveria uma proliferação constante dos caronas em todos os grupos. Na verdade, se depender apenas da seleção de grupo, é mais fácil imaginar o colapso do altruísmo do que sua evolução. 3.4 Reciprocidade forte Alguns autores têm chamado de reciprocidade forte a prática de punir os não-cooperadores mesmo que isto implique num custo para si próprio, e mesmo que não haja perspectiva de ganhos compensadores em relações futuras (GINTIS, 2000; HENRICH; BOYD, 2001; GINTIS et al., 2003; HENRICH, 2004). Mecanismos equivalentes à reciprocidade forte já haviam sido apresentados anteriormente na literatura. Milo e Quiatt (1994, p. 335), por exemplo, mencionaram que sanções culturais como o ostracismo ou homicídio poderiam ser suficientemente efetivas para desencorajar o indivíduo a praticar atos proscritos. As normas e metanormas dos modelos de Axelrod (1997) também constituem mecanismos equivalentes à reciprocidade forte, como veremos adiante (seção 3.7). 3.4.1 Evidências empíricas Gintis et al. (2003) apresentam evidências empíricas que deixam claro haver uma grande variação no nível de cooperação de diversas sociedades. Na terminologia da teoria dos jogos, pode-se dizer que diferentes sociedades alcançaram diferentes equilíbrios. Em algumas, o nível de cooperação é elevado e generalizado; em outras, é baixo e restrito a alguns setores da vida social. Em algumas, se ganha prestígio sendo generoso; em outras, se aceita qualquer migalha oferecida porque a generosidade não é algo comum. Em todas, entretanto, os cooperadores estão dispostos a incorrer em custos pessoais para punir os não-cooperadores. Em um dos experimentos realizados em várias sociedades, por exemplo, os sujeitos parti- 36 cipavam de dez rodadas de um jogo em que deveriam contribuir para a produção de um bem público. O jogo se iniciava com um nível de contribuição mais alto do que seria de se esperar de atores racionais e egoístas, mas caía gradualmente. Os resultados encontrados, entretanto, estavam de acordo com a teoria da reciprocidade forte: The explanation of the decay of cooperation offered by subjects when debriefed after the experiment is that cooperative subjects became angry at others who contributed less than themselves, and retaliated against free-riding low contributors in the only way available to them—by lowering their own contributions. (GINTIS et al., 2003, p. 160). [. . . ] when costly punishment is permitted, cooperation does not deteriorate, and in the partner game, despite strict anonymity, cooperation increases almost to full cooperation, even on the final round. (GINTIS et al., 2003, p. 161). 3.4.2 Obstáculos à evolução da Reciprocidade Forte Como vimos acima, há evidências de que a reciprocidade forte evoluiu na espécie humana. Mas, para isso ter acontecido, foi necessário a superação do obstáculo representado pelo custo da punição para quem pune. Gintis argumenta que o aparecimento de armas foi um dos fatores que reduziu esse custo: [. . . ] superior tool-making and hunting ability of Homo sapiens, the ability to inflict costly punishment [. . . ] at a low cost to the punisher [. . . ], probably distinguishes humans from other species that live in groups and recognize individuals, hence for which reciprocal altruism might occur. (GINTIS, 2000, p. 174). Essa, aliás, é uma característica da condição humana já percebida por Hobbes, que considerava os seres humanos essencialmente iguais, entre outros motivos, porque mesmo um homem fisicamente fraco, usando armas, poderia matar um homem forte. É claro que as armas podiam e podem ser usadas tanto por cooperadores quanto por trapaceiros, e os atuais crimes contra a propriedade não deixam dúvida de que, atualmente, os não cooperadores são os maiores utilizadores de armas. Entretanto, num mundo em que não há grande acúmulo de bens, o maior benefício que se obtém de um outro indivíduo é por meio de favores feitos em momentos de dificuldade. Nessas circunstâncias, os cooperadores não seriam prejudicados pela eliminação dos trapaceiros, mas estes ficariam sem ter quem explorar se eliminassem os cooperadores. Há, ainda, um certo tipo de punição de não-cooperadores que não implica em custos elevados para quem pune. Trata-se do caso em que um indivíduo normalmente cooperador trapaceia outro 37 que havia trapaceado alguém anteriormente, mas não recebe nenhuma punição por isso. Neste caso, é do interesse egoístico de cada um punir os infratores já que isto implica num ganho e não num custo. Esta situação faz parte do repertório de ditados populares brasileiros (Ladrão que rouba ladrão merece cem anos de perdão) e foi levada em consideração por Greif (1994) num modelo em que explorava a relação entre cultura e estrutura institucional. Como veremos na seção 3.9, alguns modelos de reciprocidade indireta fazem uso desta cooperação condicional. Outra característica da condição humana que pode tornar mais fácil a tarefa de punição é a capacidade de ação coordenada. Nem sempre é preciso agir sozinho para punir um nãocooperador. Muitas vezes, é possível fazer isso coletivamente, diluindo o custo da punição. Não obstante esses atenuantes, punir os não-cooperadores continua sendo um obstáculo à evolução da cooperação e os autores que defendem a hipótese de que a evolução da cooperação se deu através da reciprocidade forte argumentam que o processo de transmissão cultural de conhecimentos e comportamentos foram importantes no processo evolutivo. 3.4.3 Transmissão cultural Segundo Mark (2002, p. 325), transmissão cultural não é propriamente a transmissão direta de comportamento, mas a transmissão de informações que afetam o comportamento, e há evidências empíricas de que a transmissão cultural é um dos fatores que levam à cooperação: Experimental studies show that children exposed to an adult model who behaves altruistically [. . . ] behave more altruistically [. . . ] than do children exposed to a selfish adult model. (2002, p. 328). Para os teóricos da reciprocidade forte, aqueles que podem ser considerados receptores das informações têm um papel ativo no processo de transmissão cultural de maneiras de agir. Henrich e Boyd mencionam dois mecanismos que podem levar um indivíduo a tentar copiar o comportamento de outro e que, por conseguinte, podem ser importantes para a evolução da cooperação: (1) tendência a imitar o comportamento daqueles que têm sido mais bem sucedidos segundo algum critério de sucesso; (2) tendência a ser conformista e “copiar o comportamento mais freqüente na população” (HENRICH; BOYD, 2001, p. 79). Ao imitar os mais bem sucedidos ou o comportamento mais freqüente num grupo, o indivíduo tem uma boa probabilidade de estar fazendo a coisa certa para ser bem sucedido sem a necessidade de passar pela custosa experiência de aprender com os próprios erros (HENRICH; BOYD, 2001, p. 80). Como estamos falando de propensão biológica à imitação, o critério de sucesso deve estar direta ou indiretamente relacionado a sucesso reprodutivo. Na prática, pelo menos nas sociedades 38 contemporâneas com padrão sócio-econômico elevado, os seres humanos reais não parecem ter um desejo inato de ter muitos filhos e os indivíduos de prole numerosa não costumam ser considerados modelos a serem seguidos. Portanto, sejam quais forem os critérios utilizados pelas pessoas para decidir quem imitar, as conseqüências para o sucesso reprodutivo podem ser indiretas. Um forte candidato a mecanismo motivacional à imitação dos mais bem sucedidos é o já discutido sentimento de inveja (ver p. 18). A propensão a sentir inveja é adaptativa porque motiva o indivíduo a aproveitar melhor o que a natureza e a sociedade têm a oferecer. Um indivíduo emite informações por meio da fala ao mesmo tempo em que exterioriza maneiras de agir específicas. Se este for um indivíduo visto como bem sucedido, outros tentarão imitá-lo, mas o receptor das informações terá que interpretar o significado das mensagens para que elas possam ser incorporadas ao seu estoque de conhecimentos e certamente haverá falhas nesse processo. As ações também não serão copiadas com precisão e o resultado são valores muito mais altos para a “taxa de mutação” num processo de transmissão cultural do que num processo de transmissão genética, ou seja, um comportamento culturalmente condicionado se modifica mais rapidamente e está mais sujeito a oscilações aleatórias do que comportamentos geneticamente condicionados. Assim como no processo de diferenciação genética, as barreiras naturais, como rios, mares e montanhas, ao reduzirem a migração de indivíduos entre os grupos, levariam à heterogeneidade cultural, mas o distanciamento cultural entre grupos que tenham pouco contato será muito mais rápido do que a diferenciação genética que poderia levar à constituição de espécies distintas. Assim, um processo de permanente transformação da cultura tende a levar grupos relativamente isolados à diferenciação comportamental, enquanto os processos de transmissão cultural contribuem para manter a homogeneidade dos comportamentos no interior dos grupos (HENRICH, 2004). É de se esperar que a tendência dos indivíduos de imitar os outros se mantenha próxima de algum nível ótimo. Se a taxa de transmissão cultural conformista for muito alta, a cultura se torna estática por não haver difusão de novas formas de comportamento, e isso representaria uma adaptação mais lenta a situações novas. Se os indivíduos forem demasiadamente inovadores, ficarão em desvantagem porque inovar significa arcar com os custos dos próprios erros. Os mecanismos de transmissão cultural podem levar os indivíduos de diversos grupos de uma mesma espécie a uma grande diversidade de comportamentos. Assim, contanto que os mecanismos de transmissão cultural conformista e de imitação dos mais bem sucedidos sejam suficientemente fortes, como o são na espécie humana, será de se esperar que os diversos grupos humanos apresentem diferentes proporções de cooperadores e de não-cooperadores. Como 39 sabemos, uma proporção elevada de cooperadores não se mantém estável por um longo período porque os não cooperadores são em média mais bem sucedidos e, conseqüentemente, aumentam de número por serem imitados pelos demais e por terem maior sucesso reprodutivo. Portanto, se a evolução da cooperação dependesse apenas da tendência a copiar os indivíduos mais bem sucedidos, sua ocorrência seria pouco provável, pois um indivíduo pode estar entre os mais bem sucedidos tanto porque é um cooperador num grupo de cooperadores quanto porque é um desertor num grupo onde predominam cooperadores. Dificilmente, um grupo chegaria a um equilíbrio cooperativo e, mesmo que chegasse, seria muito vulnerável à migração de indivíduos de um grupo para outro. Um grupo de altruístas poderia receber um não altruísta que passaria a obter vantagens nas suas relações com os cooperadores. É, pois, preciso mais do que difusão cultural para a evolução do altruísmo. Segundo Henrich (2004), se um ou mais grupos, em decorrência de oscilações culturais aleatórias, vier a apresentar uma elevada proporção de cooperadores, e se os agentes forem não apenas cooperadores mas indivíduos dispostos a punir os não cooperadores, a transmissão cultural conformista seria capaz de estabilizar a cooperação neste grupo através da estabilização da punição dos não cooperadores. Punir é custoso também para quem pune, mas, mesmo assim, os demais indivíduos, por serem conformistas, adquiririam o hábito de punir os não cooperadores, e o indivíduo punido seria, em decorrência da punição, ainda menos bem sucedido do que o punidor. A estabilização da cooperação no interior de um grupo ocorreria por ter se tornado vantajoso para o indivíduo cooperar. Os indivíduos dos grupos de cooperadores produziriam um maior número de descendentes do que aqueles dos grupos de não-cooperadores. Paralelamente, se puderem observar e imitar os mais bem sucedidos de outros grupos, também os membros de grupos de não cooperadores se tornariam cooperadores e punidores, pois os cooperadores dos grupos de cooperadores seriam os indivíduos mais bem sucedidos de toda a população. Além disso, internamente aos grupos de cooperadores, a seleção natural atuando sobre o nível dos indivíduos passaria a favorecer a evolução de genes favoráveis ao altruísmo porque os geneticamente predispostos a cooperar raramente não cooperariam e, conseqüentemente, quase nunca seriam punidos. O modelo da reciprocidade forte é um modelo baseado em equações que se utiliza da noção de seleção de grupo para elaborar uma hipótese sobre como ocorreu a evolução da cooperação entre os humanos. O modelo tem como ponto de partida a equação de Price, que mede a variação na freqüência de um alelo numa população de uma geração para outra tendo por base a soma da variação devida à pressão seletiva sofrida pelo indivíduo dentro do grupo a que pertence e da 40 variação devida à aptidão de cada grupo (ou seja, aptidão média dos indivíduos de um grupo). Como vimos no capítulo anterior, há fortes restrições à complexificação de tais modelos. Pepper e Smuts argumentam que modelos de seleção em múltiplos níveis podem ser mais ricamente abordados por modelos baseados em agentes: Virtually all published quantitative models of group selection are based on systems of equations. However, such models have several critical limitations for modeling multilevel selection. First, they require simplifying assumptions, such as homogeneous randomly mixed populations and infinite population sizes, that can limit the possible outcomes in important ways. Second, in equation-based models, population structure (the division of a population into more or less discrete groups, or the absence of such divisions), must be assumed a priori. (PEPPER; SMUTS, 2000, p. 3). Nas próximas seções, revisaremos alguns modelos de evolução da cooperação feitos em computador. De uma maneira geral, quanto mais recente, maior a complexidade e a busca de realismo em tais modelos. 3.5 Torneios de dilema do prisioneiro Axelrod (1984) organizou dois torneios em que várias pessoas inscreveram estratégias que jogariam o dilema do prisioneiro. No primeiro, 14 estratégias foram escritas por especialistas em teoria dos jogos e emparelhadas umas com as outras para partidas de 200 movimentos cada. No segundo torneio foram inscritas 62 estratégias e, desta vez, ao invés de um número pré-definido de movimentos cada partida tinha uma probabilidade de 0,00346 de terminar no próximo movimento. De certa forma, podemos considerar cada estratégia como sendo um agente. As estratégias eram as mais diversas. A mais simples de todas era Tit for Tat que cooperava no primeiro movimento e, nos seguintes, repetia o movimento anterior da estratégia com a qual estivesse emparelhada. Friedman nunca era o primeiro a deixar de cooperar, mas, uma vez que o outro houvesse desertado, parava definitivamente de cooperar. Joss agia como Tit for Tat, mas com uma probabilidade de 0,1 de tomar a iniciativa de desertar. Essas eram algumas das estratégias disputando os torneios e a vencedora foi Tit for Tat, que em nenhuma partida pontuou mais do que a estratégia com a qual jogava, mas que venceu os torneios por ter alcançado a mais alta pontuação média. No primeiro torneio, a estratégia Tit for Two Tats teria sido a vencedora se tivesse sido inscrita por alguém. Essa estratégia era mais complacente e somente deixava de cooperar se a 41 outra estratégia não cooperasse por dois movimentos seguidos. No segundo torneio, Tit for Two Tats foi inscrita, mas várias das novas estratégias conseguiam explorar melhor a sua “bondade” e, mais uma vez, Tit for Tat foi a vencedora. As características que fizeram de Tit for Tat a estratégia vencedora foram: (1) Era gentil no primeiro movimento: sempre iniciava a partida com um movimento de cooperação. (2) Era vingativa e firme: deixava de cooperar imediatamente após um ato não-cooperativo da outra estratégia. (3) Sabia perdoar: voltava a cooperar tão logo a outra estratégia cooperasse num de seus movimentos. A superioridade da estratégia Tit for Tat em situações cooperativas tem sido questionada por ela ser vulnerável a falhas de comunicação e, também, porque frequentemente problemas de cooperação envolvem mais de duas pessoas (OLIVA et al., 2006, p. 59). Nos torneios de Axelrod, não havia falhas de comunicação: os agentes conheciam com exatidão qual havia sido o último movimento do outro agente. Se os torneios incluíssem falhas na comunicação, talvez, Tit for Two Tats tivesse vencido o segundo torneio. Outro problema consistiu no torneio modelar apenas o dilema do prisioneiro jogado por duas pessoas, enquanto a vida real inclui poucas situações exatamente equivalentes ao dilema do prisioneiro. A sociedade não pode ser caracterizada como uma multidão de díades. Pelo contrário, a maioria das relações sociais envolve mais de duas pessoas e praticamente todas as relações têm conseqüências para pessoas não diretamente envolvidas. 3.6 Caça ao cervídeo Skyrms (2004) propõe que caça ao cervídeo é um jogo mais importante para compreender a cooperação existente nas sociedades do que o dilema do prisioneiro. No jogo, ilustrado com uma situação imaginada por Rousseau (1973, p. 267), dois indivíduos concordam em se unir para caçar um animal de grande porte, uma tarefa difícil de ser executada por um único indivíduo. Os jogadores podem, então, escolher uma de três ações: (1) permanecer no seu posto e ajudar o outro na caça; (2) abandonar o empreendimento coletivo e, sozinho, tentar capturar uma lebre; 3) ambos abandonam a caça ao cervídeo e, juntos, perseguem uma lebre. No caso de caça conjunta bem sucedida, a carne seria dividida igualmente entre os dois jogadores. No caso de caça individual, não haveria divisão. Na Figura 2, são estipulados valores para uma lebre, para um cervídeo e para as diversas probabilidades envolvidas no jogo, e é apresentada a conseqüente estrutura de premiação. 42 Figura 2: Jogo da caça ao cervídeo Valor de um cervídeo: 60 Valor de uma lebre: 20 Prob. caçar cerv. individualmente: 0.05 Prob. caçar lebre individualmente: 0.45 Prob. caçar cerv. coletivamente: 0.33 Prob. caçar lebre coletivamente: 0.5 Jogador 1 C L Jogador 2 C 10, 10 9, 3 L 5, 5 3, 9 Assim como no dilema do prisioneiro, na caça ao cervídeo o pior resultado ocorre quando um indivíduo se dispõe a cooperar e o outro abandona a ação conjunta. Neste caso, ele não terá praticamente nenhuma chance de conseguir caçar o cervídeo sozinho. Mas, ao contrário do dilema do prisioneiro, o máximo de ganho não é obtido quando se deserta enquanto o outro coopera: In the prisoner’s dilemma, there is a conflict between individual rationality and mutual benefit. In the stag hunt, what is rational for one player to choose depends on his beliefs about what the other will choose. Both stag hunting and hare hunting are Nash equilibria. (SKYRMS, 2004, p. 3). Skyrms (2004, p. 5) chama a atenção para o fato de que o dilema do prisioneiro com dois jogadores tem sua estrutura de premiação alterada quando jogado reiteradamente, transformandose num jogo de caça ao cervídeo. Se, por exemplo, a probabilidade de haver uma nova partida do dilema do prisioneiro for de 0,6, e se somente a cooperação mútua levar a nova cooperação, a estrutura de premiação do dilema do prisioneiro apresentado no capítulo anterior (Figura 1, p. 15) seria convertida na estrutura de premiação da Figura 2.2 Skyrms (2004, p. 9) também argumenta que a transmissão cultural pode transformar o dilema do prisioneiro em caça ao cervídeo, pois o equilíbrio de um jogo em que os agentes vivem num tabuleiro e jogam caça ao cervídeo será a caça conjunta ao cervídeo se houver transmissão cultural. Temos, então, um modelo baseado em agentes em que o resultado é equivalente ao encontrado pelos autores que se utilizam de equações para trabalhar o conceito de reciprocidade forte. Segundo Skyrms (2004, p. 32), nessas circunstâncias, a população foi dominada por caçadores de cervídeos em 99% das simulações. Skyrms também encontrou resultados que são equivalentes a imitação do comportamento 2 Para poupar o leitor de fazer os cálculos pessoalmente, eis como se dá a transformação de um jogo em outro: 6 + (2 × 0, 6) + (2 × 0, 36) + (2 × 0, 216) + (2 × 0, 130) + ... = 9 4 + (4 × 0, 6) + (4 × 0, 36) + (4 × 0, 216) + (4 × 0, 130) + ... = 10 2 + (2 × 0, 6) + (2 × 0, 36) + (2 × 0, 216) + (2 × 0, 130) + ... = 5 0 + (2 × 0, 6) + (2 × 0, 36) + (2 × 0, 216) + (2 × 0, 130) + ... = 3 43 dos vizinhos que estão tendo um melhor desempenho, ou seja, ele também modelou a difusão cultural entre grupos: We might want to consider situations where players can see interactions other than those in which they directly participate. One way to do this [. . . ] is to introduce two neighborhoods — an interaction neighborhood and an imitation neighborhood. An individual plays the game with all neighbors in the interaction neighborhood, and imitates the best strategy in the imitation neighborhood. (SKYRMS, 2004, p. 40). Se os caçadores de cervídeos forem livres para se associar somente com aqueles agentes com quem obtiveram bons resultados no passado, a população se divide entre caçadores de cervídeos que somente jogam com outros caçadores de cervídeos e caçadores de lebres que somente jogam com outros caçadores de lebres (SKYRMS, 2004, p. 96). Pode-se dizer que os resultados de Skyrms são equivalentes aos encontrados pelos autores que trabalham com o conceito de reciprocidade forte. Os resultados são formalmente menos rigorosos porque não são modelos baseados em equações, mas os modelos de Skyrms podem mais facilmente ser convertidos em modelos mais complexos e realistas do que modelos baseados em equações. 3.7 Normas e metanormas Axelrod (1997) argumenta que o estabelecimento e manutenção de normas somente é evolutivamente estável na presença de metanormas. Além da norma prescrevendo a punição dos que agem de modo impróprio, deve haver uma metanorma de punir os que vêem alguém fazendo algo impróprio e não tomam a iniciativa de punir o infrator: By linking vengefulness against nonpunishers with vengefulness against defectors, the metanorm provides a mechanism by which the norm against defection becomes self-policing. [. . . ] Without this link, the system could unravel. An individual might reduce the metavengeance level while still being vengeful and then later stop being vengeful when others stopped being metavengeful. (AXELROD, 1997, p. 55). Axelrod construiu em computador um modelo em que 20 agentes tinham a escolha de contribuir ou não para a produção de um bem público. Contribuir para a produção do bem implicava num custo para o agente, mas o bem produzido superava este custo: os agentes perdiam pontos à medida que contribuíam para a produção do bem e ganhavam pontos ao consumir o bem coletivo. A ação mais racional para um ator egoísta seria usufruir o bem público mas não cooperar para sua produção, mas os agentes no modelo de Axelrod não eram racionais; 44 eram guiados por emoções, modeladas como probabilidades geneticamente herdadas de se comportar de determinada forma. O modelo tinha três versões. Na primeira, os agentes possuíam um determinado grau de descaramento (boldness). Quanto maior o nível de descaramento dos agentes, menor a probabilidade deles contribuírem para a produção do bem coletivo. Na segunda versão, os agentes possuíam vingatividade, uma nova propensão a sentir emoção herdada geneticamente, e cada rodada do jogo possuía duas etapas. A primeira continuava sendo a etapa de produção do bem público, e a segunda passava a ser a oportunidade dos agentes de punirem ou não os não-cooperadores. Punir um não cooperador implicava num custo para os dois agentes, mas maior para quem era punido do que para quem punia. Na terceira versão, os agentes tinham ainda a oportunidade de punir aqueles que não haviam punido um não cooperador, o que também envolvia custos. A probabilidade de um agente punir outro era determinada por sua vingatividade. Em todas as versões, após quatro rodadas do jogo, os agentes que obtinham maior pontuação se reproduziam em maior número. A cooperação nunca evoluía na primeira versão do jogo. Sem agentes vingativos, ninguém era punido por não cooperar e o resultado foi uma evolução da deserção. A introdução da propensão a sentir vingatividade e da regra de punir os não-cooperadores foi suficiente para fazer a cooperação evoluir em algumas rodadas da segunda versão do jogo, mas foi somente na terceira versão que a cooperação evoluiu em todas as rodadas. 3.8 Dois modelos evolucionistas Em 2003, construí dois modelos de evolução da cooperação baseados em trabalhos de Axelrod, mas com os agentes “vivendo” num mundo em forma de tabuleiro (AQUINO, 2003). Os jogos consistiam de ciclos repetidos de ativação dos agentes. A cada ciclo, os agentes eram ativados apenas uma vez numa seqüência aleatória. Quando ativado, o agente escolhia como destino uma das células adjacentes e, se ela estivesse vazia, movia-se. Foram modeladas duas situações: Ação Coletiva, em que os agentes tinham que decidir contribuir ou não para a produção de um bem público, e Dilema do Prisioneiro jogado por muitos agentes. Dos dois jogos, Ação Coletiva era o mais semelhante aos jogos de normas e metanormas de Axelrod. Os dois jogos seguiam uma abordagem evolucionista: os agentes nasciam num mundo em formato de torus, acumulavam riqueza, jogavam o jogo próprio de seu mundo, se reproduziam e morriam. Os agentes mais ricos deixavam um maior número de descendentes. Os agentes não eram racionais. Pelo contrário, à medida que emoções possam ser interpretadas como impulsos 45 que levam os indivíduos a agir em determinada direção, e à medida que a intensidade desses impulsos for traduzível em números, pode-se dizer que os agentes possuíam tendências a sentir emoções. 3.8.1 Ação Coletiva No modelo de Axelrod, haviam apenas 20 agentes e a probabilidade de um agente perceber que outro não cooperara para a produção de um bem público era extraída de uma distribuição uniforme entre 0 e 1. No modelo que desenvolvi, o número de agentes podia variar de 20 a 1000 e o que determinava se um agente via ou não outro desertando era a proximidade física. Enquanto os agentes estão perambulando aleatoriamente pelo mundo, não há muita diferença entre ter um mundo em formato de tabuleiro ou simplesmente extrair a probabilidade de interação de alguma distribuição estatística. Entretanto, como veremos no jogo do dilema do prisioneiro, ter os agentes espacialmente distribuídos pode ser muito útil para o desenvolvimento de modelos em que a probabilidade de ocorrência de encontros é dinâmica. Assim com em Axelrod (1997), quando o Jogo da Ação Coletiva está sendo jogado sem normas, os agentes têm apenas descaramento. Incluindo normas (e metanormas), os agentes também tinham vingatividade. Em todos os casos, o descaramento de um agente determinava a sua probabilidade de cooperar ou desertar: o programa gerava um número aleatório entre 0 e 1 e, o agente cooperava se o número fosse maior do que sua propensão a ser descarado. Sem normas e metanormas, como esperado, a cooperação não evoluiu em nenhuma das simulações. Se o jogo incluísse normas, os vizinhos poderiam decidir punir ou não os desertores, sendo a probabilidade da punição dependente da propensão do agente a ser vingativo para com os desertores. Em conformidade com o modelo de Olson e com os resultados encontrados por Axelrod, quanto maior o mundo, mais difícil era a continuidade da cooperação. Como pode ser visto na Figura 3, no início, a cooperação aumenta, mas os agentes mais vingativos têm um menor sucesso reprodutivo e logo a deserção deixa de ser punida com a freqüência necessária, o que leva ao colapso da cooperação. Quando o jogo inclui metanormas, os agentes que não punem vizinhos desertores são eles próprios tratados como desertores e punidos por agentes vingativos. Em 12 combinações de número de agentes, tamanho do mundo e outras variáveis, a cooperação para a produção do bem público somente entrou em colapso numa das duas simulações com menor densidade populacional. 46 0,6 0,4 Descaramento Vingatividade Cooperação 0,0 0,2 Valor médio 0,8 1,0 Figura 3: Colapso da cooperação na ausência de metanormas 0 20 40 60 80 100 Tempo (% sobre total) Parâmetros: número inicial de agentes, 140; dimensões do mundo, 20 × 20; idade de reprodução, 25; custos e benefício: cooperação = 3, punir = 2, ser punido = 5, bem público = 6; duração da simulação, 9000 ciclos. De uma maneira geral, é possível considerar que os resultados de Axelrod foram replicados. Entretanto, nos modelos de Axelrod, por não haver nenhuma variável equivalente a “densidade populacional”, os valores iniciais de descaramento e vingatividade eram os únicos fatores relevantes na determinação do resultado final dos jogos. 3.8.2 Dilema do Prisioneiro O Jogo do Dilema do Prisioneiro se assemelha aos torneios de Axelrod (1984) ao emparelhar os agentes para jogar o dilema do prisioneiro. Mas, ao contrário do que ocorre nos torneios, não há um conjunto de estratégias que são emparelhadas para jogar um conjunto de partidas. Ao invés de estratégias de comportamento, os agentes possuem as mesmas propensões a sentir emoções dos modelos de normas e metanormas de Axelrod (1997). Na versão mais simples do jogo, se a célula escolhida como destino pelo agente estiver ocupada, ele permanece onde está e joga o dilema do prisioneiro com o vizinho, recebendo a premiação correspondente ao resultado da partida. Se for a primeira interação entre os dois agentes, a probabilidade de cooperar será determinada apenas pelo seu descaramento. Uma vez que não há normas prescrevendo que todos devem punir os desertores, cada agente deve defender a si próprio e punir os agentes que tiraram vantagem de sua generosidade. Os 47 agentes são, neste jogo, cognitivamente mais complexos do que no jogo apresentado na seção anterior. O agente que tenha sido explorado uma vez, precisa lembrar do trapaceiro quando reencontrá-lo e, se for vingativo, puni-lo da única maneira ao seu alcance: não cooperando. Mas essas novas habilidades cognitivas — capacidade de reconhecer indivíduos e memória capaz de registrar interações passadas — ainda não são suficientes. Uma vez que um agente somente coopera sempre se seu descaramento for próximo de zero, mesmo um agente predominantemente cooperador irá desertar ocasionalmente. Nas ocasiões em que isto ocorrer, o segundo agente, sendo vingativo, terá aumentada sua probabilidade de desertar no próximo encontro entre os dois. O primeiro agente, também vingativo, aumentará seu nível de deserção, e a cooperação entrará em colapso. Para contrabalançar o efeito deletério da vingatividade, os agentes no Jogo do Dilema do Prisioneiro foram equipados com um outro sentimento: gratidão. Todas essas características, entretanto, ainda não foram suficientes para fazer a cooperação evoluir, como pode ser visto pela Figura 4. 0,6 0,4 Descaramento Vingatividade Gratidão Lembrança Cooperação mútua 0,0 0,2 Valor médio 0,8 1,0 Figura 4: Colapso da cooperação no Jogo do Dilema do Prisioneiro 0 20 40 60 80 100 Tempo (% sobre total) Parâmetros: número inicial de agentes, 40; dimensões do mundo, 10 × 10; idade de reprodução, 25; estrutura de premiação: DC = 5, CC = 3, DD = 0, CD = −3; duração da simulação, 9000 ciclos. Nas simulações que produziram resultados como os mostrados na Figura 4, ao haver um encontro entre dois agentes, eles não tinham outra opção além de jogar o dilema do prisioneiro. Numa tentativa de criar uma situação mais favorável para a evolução da cooperação, os agentes foram dispensados dessa obrigação e o jogo do dilema do prisioneiro se tornou um Jogo da Confiança. No Jogo da Confiança, se a célula de destino escolhida não estiver vazia, o agente avalia 48 o seu ocupante e somente se oferece para jogar o dilema do prisioneiro se ele tiver sido predominantemente cooperador no passado. O segundo agente também avalia o primeiro e somente aceita o convite se ele tiver tido um bom comportamento no passado. Um agente é avaliado como bom vizinho se a premiação média nas partidas jogadas com ele forem iguais ou superiores ao “prêmio” para deserção mútua. Ao contrário do esperado, o Jogo da Confiança não mudou os resultados significativamente. A cooperação não evoluiu porque não havia uma probabilidade alta o bastante de dois agentes jogarem o jogo muitas vezes durante seu tempo de vida. Uma forma óbvia de fazer isso acontecer é fazer os agentes viverem mais e num mundo menor. Outra forma é dar aos agentes a chance de escolherem para onde se mover. Essa segunda opção foi implementada: os agentes ganharam a liberdade de se mover em direção ao melhor vizinho. Nesta nova versão do jogo, se pelo menos um vizinho for bem avaliado, o agente escolherá a célula do melhor vizinho como destino. Se o melhor vizinho não estiver numa célula adjacente, o agente se moverá em sua direção. Quando os agentes se movem em direção aos melhores vizinhos, a probabilidade de encontro entre dois agentes não é uniforme ao longo do jogo. A interface gráfica do programa permite ver que os agentes se aglomeram num ou mais grupos porque quando dois jogadores generosos que se encontram se tornam “amigos” não se movem mais até que um deles morra. Isso seria difícil — ou mesmo impossível — de modelar com o uso de equações. Com essas condições, a cooperação finalmente evoluiu, como pode ser visto na Figura 5. Um novo conjunto de 40 simulações com 30000 ciclos cada, com parâmetros variados e com a introdução de uma nova capacidade dos agentes, a habilidade de se mover no sentido oposto ao do pior vizinho, revelaram que o Jogo da Confiança era prejudicial à evolução da cooperação quando combinado com a estratégia de se mover em direção ao melhor vizinho. A combinação com melhores resultados foi se mover em direção ao melhor vizinho e se distanciar do pior vizinho. 3.8.3 Críticas aos dois jogos No Jogo da Ação Coletiva, o bem público produzido é simplesmente distribuído igualmente entre todos os agentes. No mundo real, é preciso que alguém ou alguma instituição coordene a distribuição dos recursos e riqueza públicos, e raramente essa distribuição é igualitária. Pelo contrário, no mundo real, a distribuição de riqueza é o resultado de um processo de barganha, no qual algumas pessoas são mais bem sucedidas do que outras. Outro pressuposto irrealista é o de que todos os agentes têm a mesma estrutura de preferências e que em todas as interações a 49 0,6 0,4 Cooperação mútua Gratidão Vingatividade Lembrança Descaramento 0,0 0,2 Valor médio 0,8 1,0 Figura 5: Evolução da cooperação no Jogo do Dilema do Prisioneiro 0 20 40 60 80 100 Tempo (% sobre total) Parâmetros: número inicial de agentes, 140; dimensões do mundo, 20 × 20; idade de reprodução, 25; estrutura de premiação: DC = 5, CC = 3, DD = 0, CD = −3; duração da simulação, 9000 ciclos. premiação possível é a mesma. Como já foi comentado, na realidade, raramente encontramos algo correspondendo com perfeição a um dilema do prisioneiro. O que existem são trocas de favores que se sucedem e se alternam no tempo de modo irregular. 3.9 Reciprocidade indireta Além da seleção de parentesco e do altruísmo recíproco vistos em seções anteriores, uma outra solução para o problema da cooperação é a reciprocidade indireta, em que “a reciprocidade direta acontece na frente de um público interessado” (Richard D. Alexander, citado por YAMAMOTO; FERREIRA; ALENCAR, 2007). Ou seja, os agentes operam orientados pelo princípio de que ajudar alguém agora melhora a sua reputação e aumenta as suas chances de ser beneficiado num momento posterior. Em experimentos com crianças conduzidos por Alencar, Siqueira e Yamamoto (2008), o principal fator determinante da cooperação num jogo de produção de bem público foi o tamanho do grupo de cooperadores em potencial. Nos experimentos, estudantes de uma mesma sala de aula, com idade entre 5 e 11 anos, recebiam três doces e tinham a oportunidade de fazer uma doação para um fundo público. As crianças tinha privacidade para fazer (ou não) a doação sem 50 serem vistas e para cada doce doado, os pesquisadores acrescentavam outros dois, sendo o total dividido entre todas as crianças do grupo. O experimento era repetido com o mesmo grupo oito vezes com intervalos de 1 a 3 dias e o resultado geral foi uma redução gradual das doações com o passar das sessões, mas a redução nas doações foi significativamente menor nos grupos pequenos. O fato interpretado pelos autores como resultante da maior efetividade da vigilância e pressão social nesses grupos. As crianças que conseguissem construir uma boa reputação se tenderiam a ser beneficiadas nas interações com os colegas no restante do ano letivo. Numa situação em que predomina a reciprocidade indireta, os indivíduos não recebem benefícios de quem ajudaram no passado, mas de terceiros dispostos a ajudar indivíduos de boa reputação. A teoria da reciprocidade indireta é útil, portanto, para explicar como a cooperação pode evoluir e se manter num ambiente em que predominam encontros entre estranhos egoístas e não entre altruístas puros que, para beneficiar a própria comunidade, dispensam oportunidades de enriquecimento e acúmulo de poder. Nowak e Sigmund (1998) desenvolveram um modelo baseado em agentes para melhor investigar em quais circunstâncias é possível a evolução da cooperação por meio da reciprocidade indireta. No modelo, os agentes têm, alternadamente, oportunidade de ajudar outro ou receber ajuda. A ajuda implica num custo para o doador menor do que o benefício para quem a recebe. O mundo artificial era habitado por 100 agentes e, a cada geração, os agentes que haviam recebido maior premiação (diferença entre benefícios recebidos e doações feitas) se reproduziam em maior quantidade. Ao ajudar alguém, um agente tinha sua reputação elevada num ponto e ao recusar ajuda, rebaixada. Os agentes decidiam ajudar ou não outro quando a sua estratégia, definida por um número inteiro, k, era igual ou menor do que a reputação do beneficiário da ação. Com estes parâmetros, o valor de k tende a evoluir para zero e, em uma das simulações, após 166 gerações toda a população tinha k = 0. Ou seja, os agentes mais bem sucedidos somente ajudavam àqueles com reputação neutra ou positiva (NOWAK; SIGMUND, 1998, p. 573). Nowak e Sigmund realizaram novas baterias de simulações para tornar o seu modelo algo mais realista. Um dos problemas do modelo acima, por exemplo, é o conhecimento perfeito por todos os agentes da pontuação adquirida pelos outros ao ajudarem ou negarem ajuda. Para contornar esta irrealidade, foi empregado um novo modelo em que cada interação era observada apenas por uma amostra aleatória de 10 agentes. Com estas novas condições, o valor médio de k se manteve menor ou igual a zero em apenas 18% do tempo. Mesmo para populações de apenas 20 agentes, durante 10% do tempo, k era maior do que zero (NOWAK; SIGMUND, 1998, p. 573). Deve-se observar que mesmo esse novo modelo continua bastante distante do que ocorre no mundo real, onde as interações entre as pessoas não são observadas por um número aleatório de membros da população total, e sim pelas pessoas física e/ou socialmente próximas 51 dos atores envolvidos na cena principal. Tal simulação da proximidade física ou social poderia mais facilmente ser feita por um modelo de mundo em forma de tabuleiro, em que os agentes estivessem espacialmente distribuídos. Outro problema dos modelos é a reprodução simultânea de todos os agentes de uma geração. Em uma revisão dos trabalhos que seguiram a abordagem da reciprocidade indireta na construção de modelos baseados em agentes, Nowak e Sigmund (2005) observam que, uma vez que a reputação de um agente se eleva sempre que ele ajuda um outro agente qualquer, a cooperação alcançada por meio da reciprocidade indireta pode ser minada pela existência de um número elevado de altruístas incondicionais. Sempre fazer doações pode ser benéfico para um indivíduo por melhorar a sua reputação e, conseqüentemente, aumentar a probabilidade de receber doações dos agentes que seguem a estratégia de somente fazer doações para outros agentes com boa reputação. Entretanto, altruístas incondicionais aumentam as chances de sucesso dos não-cooperadores, permitindo a invasão da população por desertores (NOWAK; SIGMUND, 2005, p. 1294). Assim, poderia ser benéfico para a evolução da cooperação se os agentes seguissem uma regra mais sofisticada do que a citada acima para incrementar ou rebaixar a reputação de um agente. A imagem de um agente somente seria prejudicada se ele deixasse de ajudar alguém com boa reputação, não sofrendo alteração se ele negasse ajuda para quem venha falhando em cooperar até mesmo ao interagir com cooperadores. Tais agentes que discriminam entre cooperadores e desertores no momento de decidir se irão ajudar outro podem ser considerados seguidores de uma estratégia semelhante à Tit for Tat, mas não exatamente igual porque só raramente estão baseando suas decisões em suas próprias interações com o beneficiário em potencial de suas doações (NOWAK; SIGMUND, 1998, p. 576). Entretanto, segundo Nowak e Sigmund, uma regra como essa implicaria numa regressão infinita: [. . . ] the problem with the concept of justified defection is that it requires information not only about the past of the co-player but also about the past of the co-player’s co-players, and their co-players, and so on. (2005, p. 1294). Apesar da possibilidade de se cair numa regressão infinita, as pessoas reais parecem interagir numa situação semelhante à descrita por esse último modelo. No mundo real, não existe informação perfeita e completa sobre os atos passados das pessoas, mas as pessoas também não dependem apenas das próprias interações e observações para avaliar a reputação de um agente. A linguagem permite às pessoas terem algum conhecimento sobre interações que não testemunharam. Mas, como lembram Nowak e Sigmund, a fofoca também pode ser usada para espalhar falsos rumores sobre a reputação de alguém e a relação entre reciprocidade indireta e linguagem é um tema ainda pouco explorado (2005, p. 1295). 52 3.10 Modelo de Compartilhamento de Comida Assim como os autores que desenvolveram a teoria da reciprocidade forte, Pepper e Smuts (2000) se inspiraram na equação de Price para elaborar um modelo de evolução da cooperação. O modelo de Pepper e Smuts, entretanto, é baseado em agentes que vivem num mundo em forma de tabuleiro com várias regiões possuindo vegetação. A cooperação era de dois tipos: grito de alarme quando havia um predador nas proximidades e abstenção de consumir os vegetais até a exaustão. O resultado a que chegaram foi que a cooperação era facilitada pela existência de pequenos aglomerados de vegetação isolados uns dos outros por uma área intermediária sem vegetação. Baseado nesse modelo, Premo (2005) elaborou um modelo de evolução do compartilhamento de comida entre hominídeos. O modelo de Premo é inspirado na hipótese de o fator mais importante para a evolução humana não ter sido uma mudança de habitat das florestas tropicais para as savanas, mas a adaptação à vida em trechos remanescentes de florestas em meio às savanas que se expandiam. Esta hipótese baseia-se no fato de que nossos primeiros ancestrais bípedes apresentavam ainda claros sinais de adaptação ao meio arbóreo (PREMO, 2005, p. 2–3). No modelo de Premo, o mundo é um tabuleiro em formato toroidal e possui regiões retangulares cobertas de vegetação envoltas por células vazias, como pode ser visto pela Figura 6. Figura 6: Região do mundo no modelo de Compartilhamento de Comida A figura foi obtida com a execução do programa compilado a partir do código fonte gentilmente fornecido por Luke Premo. 53 Os agentes têm a capacidade de carregar uma pequena quantidade de comida não consumida. Se um agente não encontrar comida na sua própria célula ou numa das células adjacentes, e se ele encontrar outro agente com excesso de comida, poderá pedir ao vizinho que compartilhe o alimento. Os agentes são de dois tipos: egoístas e altruístas. Os egoístas nunca compartilham comida, enquanto os altruístas compartilham segundo uma de três diferentes regras ou algoritmos que devem ser definidas antes do início da simulação. A regra 1 diz aos altruístas que eles simplesmente devem atender os pedidos e compartilhar a comida que possuem em excesso. A regra 2 diz aos altruístas que memorizem as interações e compartilhem comida com quem lhe doou comida na última interação; se não houver nenhuma lembrança de interação passada, é seguida a regra 1. De acordo com a regra 3, os doadores em potencial os agentes devem agir como na regra 2, mas, agora, eles sempre sabem se um pedinte é do tipo egoísta ou altruísta, não dependendo da lembrança de eventos passados; quando a simulação está sendo executada sob essa regra, altruístas compartilham comida somente com altruístas. Ou seja, com o terceiro algoritmo, os egoístas nunca recebem doações de comida (PREMO, 2005, p. 6). Claramente, a regra 2 se assemelha à estratégia Tit for Tat e a regra 3 torna o modelo de Premo semelhante a um dos modelos de reciprocidade indireta apresentados por Nowak e Sigmund. Conforme esperado, a evolução do compartilhamento de comida ocorreu com maior freqüência sob a regra 3 e com menor freqüência sob a regra 1. A bateria de simulações contou com diferentes combinações de tamanho da região contendo planta e de distância entre as regiões. A população entrou em colapso nos mundos com regiões muito pequenas ou com distâncias muito grandes entre as regiões. Os melhores resultados, tanto em termos de sobrevivência da população quanto de evolução do compartilhamento de comida, ocorreram nos mundos com valores intermediários para o tamanho das regiões e para a distância entre as regiões. De acordo com Premo (2005, p. 8), nesses mundos, as regiões com plantas eram grandes o bastante para manter grupos de altruístas em contato por tempo suficiente para que seu altruísmo se torne uma vantagem, mas não tão grandes a ponto de ter populações excessivamente heterogêneas, em que os altruístas poderiam mais facilmente ser explorados pelos egoístas. As distâncias intermediárias entre as regiões eram importantes para dificultar a migração excessiva que reduziria a homogeneidade interna dos grupos e a heterogeneidade entre os grupos. Distâncias muito grandes impediriam que os grupos bem sucedidos de altruístas migrassem para outras regiões. O modelo de Premo possui algumas características que o tornam mais realista do que os modelos revisados nas seções anteriores: os agentes vivem num mundo coberto por vegetação e essa vegetação está aglomerada em algumas regiões; os agentes compartilham comida, ao invés de jogar um abstrato dilema do prisioneiro. Entretanto, o modelo ainda apresenta importantes 54 irrealismos. A vegetação, embora aglomerada em regiões, está distribuída de forma perfeitamente uniforme, e não há sazonalidade. Os agentes não se reproduzem sexuadamente e seu comportamento é definido por um atributo simples que os tornam ou egoístas ou altruístas. O comportamento real de humanos e mesmo de antropóides é condicionado por uma multiplicidade de fatores, e uma tal simplificação, embora facilite a análise do modelo, corre o risco de estar demasiadamente distante da realidade para ser interpretada como empiricamente relevante. 3.11 Desafios Os modelos baseados em agentes podem simular os fenômenos, embora não se possa considerar que eles tenham o mesmo nível de rigor formal de modelos baseados em equações. Por exemplo, a análise que Taylor (1987) faz do dilema do prisioneiro reiterado é matematicamente rigorosa; ele provou que certas conclusões poderiam ser extraídas do seu modelo, o que é mais significativo do que simular fenômenos. Mas, como observa Reis (2003, p. 37), os resultados a que Axelrod (1984) chegou simulando o dilema do prisioneiro reiteradamente foram semelhantes aos de Taylor, o que indica que os resultados atingidos por simulação, embora mais difíceis de analisar formalmente, também são válidos. Se as simulações apenas permitissem alcançar resultados equivalentes aos de modelos baseados em equações, não haveria porque fazê-las. Mas uma simulação pode ser feita inclusive com objetos muito mais complexos do que o dilema do prisioneiro reiterado, e, à medida que um problema se torna complexo, deixa de ser praticável sua conversão numa fórmula matemática. A expectativa é que modelos baseados em agentes sejam uma forma alternativa de encontrar explicações para fenômenos sociais. A regra básica de que modelos devem ser simplificações da realidade não deixa de ser seguida nos modelos baseados em agentes. Uma recomendação frequentemente encontrada é a de que se mantenha o modelo tão simples quanto possível para facilitar a análise dos resultados. Se o modelo incluir um número muito elevado de parâmetros, as diversas variáveis poderão interagir de forma complexa e poderá não ficar claro para o pesquisador qual o papel de cada parâmetro nos resultados obtidos. Pode ser necessário ignorar — ou até mesmo distorcer — fenômenos para se construir um bom modelo (MYERSON, 1992, p. 64). Enquanto um modelo é mantido simples, é possível não só dizer qual o efeito de uma determinada regra de comportamento dos agentes, mas também demonstrar matematicamente o porquê desse efeito. Quando várias estratégias são adicionadas a um mesmo modelo, podem surgir resultados complexos. Uma estratégia que levava à cooperação, na presença de outra característica pode passar a impedir a cooperação. Não é pois de estranhar que uma sugestão freqüente seja a de construir vários modelos simples para melhor compreender o efeito de cada 55 variável, ao invés de se tentar trabalhar com um modelo complexo, que reúna todas as variáveis simultaneamente (MYERSON, 1992, p. 66). A princípio, enquanto técnicas básicas de modelagem estão sendo desenvolvidas, não há outra alternativa a não ser a construção de modelos simples, mesmo que irrealistas. Nessa linha de investigação, alguns modelos baseados em agentes procuram descobrir quais seriam as condições mínimas necessárias para a evolução da cooperação. Não obstante a importância que tais modelos podem ter para a compreensão da relação entre variáveis, eles me parecem empiricamente mais relevantes para a compreensão da cooperação em espécies cognitivamente pouco sofisticadas. O modelo de Riolo, Cohen e Axelrod (2001), por exemplo, investiga as condições em que a cooperação poderia evoluir sem reciprocidade. O fato, entretanto, é que o altruísmo recíproco está presente nas ações humanas. Modelos que não levem isso em conta são inadequados para a investigação teórica da evolução da cooperação entre seres humanos. Portanto, sem deixar de reconhecer a grande utilidade das recomendações de cautela mencionadas acima, acredito que uma abordagem contrária também pode ser frutífera. Ou seja, também seria válido tentar modelar situações de forma mais completa, incluindo não somente a quantidade mínima de elementos para testar um tipo específico de relação entre variáveis, mas também elementos que permitam modelar outros fenômenos sociais que se acredita estarem de alguma forma significativamente relacionados com o fenômeno principal a ser estudado. Limitar a investigação teórica a um certo número de modelos simples pode trazer uma enganadora sensação de segurança quanto ao conhecimento dos mecanismos básicos subjacentes à complexidade da realidade social. O fato, entretanto, é que a realidade social é complexa: constitui-se de milhares de fatores interagindo simultaneamente e não podemos garantir que a relação entre dois ou três elementos permanecerá essencialmente a mesma quando esses elementos se encontram isolados e quando fazem parte do conjunto social total. A principal desvantagem da construção de modelos simples é o risco de se construir modelos excessivamente irrealistas e, por conseguinte, de relevância empírica demasiadamente limitada. Ramos-Fernández, Boyer e Gómez (2006), por exemplo, desenvolveram um interessante modelo que, apesar de muito simples, permite a emergência de propriedades de fissão e fusão semelhantes às encontradas em comunidades de algumas espécies de macacos e antropóides. Mas, como os próprios autores reconhecem, seu modelo exclui variáveis fundamentais, como estrutura etária e sexual da população e relações sociais entre os indivíduos e, por isso, é mais propriamente um modelo das condições ecológicas propícias ao surgimento de comportamento social do que efetivamente um modelo da vida social desses macacos e antropóides (RAMOS-FERNÁNDEZ; BOYER; GÓMEZ, 2006, p. 546). 56 A robustez de um modelo baseado em agentes simples é testada fazendo-se variar alguns parâmetros iniciais e, então, realizando uma nova bateria de simulações. Se o modelo produzir resultados semelhantes sob uma ampla gama de variação dos valores das variáveis, considera-se que ele é um modelo robusto (MACY; WILLER, 2002, p. 163). Entretanto, a robustez e a relevância empírica de um modelo seriam melhor desafiadas transportando o modelo para um contexto mais realista do que simplesmente variando algumas variáveis do próprio modelo. Os resultados produzidos por um modelo mais complexo poderão ser equivalentes ao de um modelo mais simples. Ou seja poderá haver o predomínio de uma estratégia sobre as outras e as variáveis e os outros fenômenos modelados paralelamente estariam apenas tornando mais probabilístico o resultado produzido pelo modelo. Neste caso, o modelo central teria passado no teste de robustez. A proposta deste projeto de pesquisa é dar os primeiros passos para a implementação, em computador, de um modelo de evolução da cooperação baseado na literatura empírica sobre antropóides reais e nos modelos revisados neste capítulo. Como se trata de um modelo de evolução da cooperação na espécie humana, os conhecimentos necessários para se produzir os desafios realistas virão de diversas disciplinas. A primatologia e a paleoantropologia podem oferecer orientações acerca da plausibilidade das condições iniciais utilizadas no modelo, mas, por serem apenas os primeiros passos, não haverá já nesta tese muitas oportunidades para utilizar os conhecimentos da antropologia, psicologia, sociologia e ciência política para avaliar se os resultados produzidos pelo modelo são ou não correspondentes à forma como se dá a cooperação entre os seres humanos reais contemporâneos. Isso talvez venha a ser possível no futuro, com a incorporação ao modelo de características cognitivas elevadas, interpretáveis como tipicamente humanas. É vantajoso para os indivíduos que eles resolvam seus problemas da forma mais rápida e eficiente possível. Se um problema tem sido reiteradamente enfrentado por nossos ancestrais nos últimos milhões de anos, é de se esperar que tenhamos as propensões biológicas corretas para resolvê-los inconscientemente. Isso é vantajoso para o indivíduo porque ele fica com a atenção livre para pensar nos problemas para os quais é realmente necessário improvisar uma solução. A identificação do que há de comum entre o comportamento dos seres humanos e dos vários antropóides não humanos (bonobos, chimpanzés, gorilas e orangotangos) permite criar hipóteses sobre quais são as nossas propensões biológicas atuais e sobre quais eram as propensões biológicas do ancestral que temos em comum com os antropóides. Pode-se supor que, provavelmente, nossos ancestrais possuíam as capacidades cognitivas e emotivas atualmente comuns aos seres humanos e aos antropóides. Assim, ao elaborar um modelo de evolução da cooperação, essas características deverão ser reconhecíveis nos agentes já no início das 57 simulações. Em princípio, o estudo dos fósseis dos nossos ancestrais permite-nos criar hipóteses sobre qual foi a seqüência das mudanças evolutivas por eles sofridas ao se tornarem humanos. Como, em se tratando de evolução, a ordem dos fatores altera o resultado final, isso pode ser útil para se especular sobre quais propensões biológicas devem ter desaparecido e quais devem ter sido acrescentadas à nossa natureza. Os achados arqueológicos, a análise de DNA de indivíduos de diversas populações, dentre outros estudos, indicam que os seres humanos de todas as sociedades são extremamente semelhantes quanto às capacidades cognitivas e que até o advento da agricultura, há 10 mil anos, todas as sociedades viviam da caça, da pesca e da coleta de vegetais. Os estudos das sociedades de caçadores-coletores remanescentes permitem fazer um inventário dos problemas enfrentados por essas sociedades e das soluções adotadas por seus membros. Permite, ainda, verificar, dentre as instituições existentes nas sociedades modernas, quais provavelmente já estão entre nós há pelo menos 100 mil anos. É de se esperar que os seres humanos tenham desenvolvido adaptações biológicas ao contexto cultural prevalecente nas últimas centenas de milhares de anos e que essas adaptações continuem se manifestando nas sociedades contemporâneas. Assim, pesquisas revelando o que pensam e como se comportam os indivíduos contemporâneos em sociedades específicas são mais uma fonte de dados para a elaboração de hipóteses sobre quais são nossas propensões biológicas e como essas propensões contribuem para produzir e simultaneamente interagem com a cultura. Os agentes apresentados nesta tese possuem habilidades cognitivas e características comportamentais correspondentes ao período de origem da espécie humana, mas a sociologia e a ciência política podem contribuir ao dizer o que acontece quando vários indivíduos interagem (quais instituições se produzem, como elas se mantêm e se transformam) e, dessa forma, orientar o desenvolvimento futuro do modelo apresentado no capítulo 6. Antes da apresentação de uma proposta de ponto de partida para um modelo de evolução da cooperação, farei uma revisão da literatura empírica relevante para o objetivo da tese. 58 4 Antropóides Literalmente, o adjetivo antropóide significa “semelhante ao homem” e pode ser aplicado a qualquer animal ou objeto. Nesta tese, entretanto, seguindo Menezes (2002), emprego o termo com o mesmo significado de great ape em inglês, ou seja, um termo que engloba todos as espécies de primatas antropóides (bonobos, chimpanzés, gorilas e orangotangos). Todo modelo evolucionista precisa ter um ponto de partida, e, obviamente, é preciso que se utilize algum critério para a escolha desse ponto de partida. Neste trabalho, pretendemos construir um modelo com potencial máximo para contribuir para nosso conhecimento da evolução da cooperação entre seres humanos. Temos, portanto, que verificar qual é a maior lacuna existente no nosso conhecimento desse tema e elaborar um modelo para o período pouco conhecido. Por um lado, as diversas espécies de mamíferos sociais são modelos vivos, reais, de como pode ser a cooperação em animais com capacidades cognitivas e necessidades ecológicas bastante diferentes das capacidades e necessidades dos seres humanos. Por outro lado, as sociedades atuais são exemplos correntes de como se dá a cooperação entre os seres humanos. Mas os seres humanos estão num patamar cognitivo e de complexidade de organização social muito superiores aos de todos os outros animais. Há, portanto, uma grande lacuna entre os humanos e os demais modelos vivos. O objetivo nesta pesquisa é construir um modelo que contribua para o preenchimento dessa lacuna. Pretendo construir um modelo com sociedades artificiais que reproduzam, na medida do possível, características que podem ter estado presentes nas sociedades reais em que viveram nossos antepassados. De todos os mamíferos não humanos, os primatas antropóides são os que possuem capacidades cognitivas mais elevadas, sendo os chimpanzés e bonobos os que possuem vida social mais complexa. Além disso, como argumentam Maryanski e Turner (1992, p. 14), provavelmente nosso último ancestral comum com esses animais possuía a maioria das capacidades cognitivas comuns a todos eles, pois é aceitável que umas poucas capacidades cognitivas tenham evoluído de forma independente em todas as espécies, mas o mais provável é que uma capacidade cognitiva presente tanto em humanos quanto nos antropóides já estivesse presente no nosso ancestral comum. 59 Embora em seu habitat natural as diversas espécies de antropóides possuam comportamento diferenciado, em potencial, há uma grande homogeneidade comportamental e cognitiva (CHALMEAU et al., 1997, p. 25; MILES; HARPER, 1994, p. 275). Indivíduos de todas as espécies, quando vivendo entre seres humanos, são capazes, entre outras coisas, de aprender uma linguagem de sinais e usar ferramentas simples. Os orangotangos, por exemplo, que muito raramente são observados usando ferramentas em sua vida livre, são habilidosos em cativeiro — talvez mais do que os chimpanzés. Assim, o estudo da vida social dos antropóides, particularmente dos chimpanzés e bonobos, nos ajudará a determinar quais características os agentes das nossas sociedades artificiais deverão possuir desde o início das simulações. 4.1 Semelhança física com humanos Chimpanzés, bonobos e gorilas se movimentam com desenvoltura nas copas das árvores e nos parecem desajeitados quando no chão. Eles nos lembram indivíduos da nossa própria espécie, principalmente, quando estão deitados ou sentados. Quando andam, são quadrúpedes, apoiando-se sobre a planta dos pés e os nós dos dedos das mãos. Os antropóides se alimentam principalmente de frutas, que são mais ricas do que folhas. Apenas os gorilas que vivem em montanhas têm as folhas como itens fundamentais de sua dieta, devido à escassez de frutas em seu habitat (MCGREW, 1992, p. 53). Gorilas machos adultos são muito pesados para subir com freqüência em árvores e são fortes o bastante para se defender de predadores. Por isso, eles muitas vezes constroem seus ninhos noturnos no chão. Todos os demais antropóides, incluindo gorilas fêmeas adultas, constroem todas as noites um ninho nas árvores onde dormem. Todos os antropóides são mais robustos do que os humanos, principalmente quanto à musculatura dos membros superiores. Os humanos conseguem com o aprendizado cultural o que os antropóides conseguem com força bruta. Um chimpanzé, por exemplo, mesmo sendo menor e mais leve do que um homem adulto, é muito mais forte: Decades ago John Bauman used a dynamometer to compare the muscle strength of adult chimpanzees with that of football players at the local college. The young men had an average onehanded pulling strength of 79 kilograms and a maximum of 95 kilograms, whereas the apes easily pulled several times that weight. One male chimpanzee who weighed 75 kilograms achieved a one-handed pull of 384 kilograms. (de WAAL, 1989, p. 249). Savage-Rumbaugh (1994, p. 43) apresenta uma tabela comparando humanos (caçadorescoletores), chimpanzés, bonobos e gorilas. Os bonobos são os que apresentam comportamento 60 mais semelhante ao dos humanos, principalmente em questões relativas a sexualidade e relações pessoais entre indivíduos. Dentre os antropóides atualmente existentes, os bonobos também são fisicamente os mais semelhantes aos australopitecos: The bonobo’s body proportions, especially its relatively heavy legs, are closer to those of Australopithecus than the proportions of any other living ape. Bonobos stand and walk on two legs more often, and with greater ease, than common chimpanzees, who do not straighten their back as much. (de WAAL, 1989, p. 181). Figura 7: Árvore evolucionista dos antropóides Babuíno Gorila Chimpanzé Bonobo Humano Orangotango Gibão 3 6 9 milhões de anos atrás 12 15 18 21 24 27 30 33 A figura foi elaborada a partir de diagrama encontrado em de Waal (1997, p. 3) e é baseada em comparações de moléculas de DNA. Como mostra a Figura 7, entretanto, geneticamente, bonobos e chimpanzés são eqüidistantes dos humanos, seguidos por gorilas e orangotangos. Podemos observar também que os humanos — e não os gorilas — são os parentes mais próximos dos chimpanzés e bonobos: o ancestral comum a humanos, chimpanzés e bonobos tem ∼6 milhões de anos, enquanto nosso ancestral 61 comum com os gorilas tem ∼8 milhões de anos. Nas seções seguintes deste capítulo, revisaremos principalmente a literatura sobre nossos dois parentes mais próximos. Como veremos, dentre várias características comportamentais por muitos consideradas tipicamente humanas, há poucas que não possam ser encontradas, mesmo que em forma embrionária, em pelo menos um desses dois antropóides. 4.2 Habitat Ao que parece, os seres humanos estão melhor adaptados a um clima quente, mas não muito úmido, como o das savanas. Só recentemente a humanidade evoluiu culturalmente o bastante para conseguir viver em florestas tropicais extremamente úmidas. Esse foi exatamente o contrário do que ocorreu com os demais antropóides, que permaneceram em florestas com alta pluviosidade (MCGREW, 1992, p. 124). Somente com o surgimento da agricultura, as florestas tropicais passaram a ser habitáveis por humanos: There are plenty of humans foragers in tropical primary forests, but their history, much less prehistory, is little known. [. . . ] it seems increasingly likely that hunter gatherer occupation of forested niches is recent and dependent on neighbouring agriculturalists. (MCGREW, 1992, p. 127). De fato, comparando-se, por exemplo, os relatos de Chagnon (1968) sobre os yanomamis que vivem na Amazônia e de Lee (1979) sobre os !kung que vivem no Kalahari, percebemos, por um lado, a grande dependência dos yanomamis de sua agricultura tradicional e, por outro, a liberdade dos !kung de permanecerem (até o meio do século XX) exclusivamente como caçadores-coletores. A exuberância da vida numa floresta tropical se concentra nos troncos e copas das enormes árvores. Viver nas copas das árvores é a melhor maneira de simultaneamente se proteger dos predadores e consumir os alimentos mais ricos e mais disponíveis (as frutas). Numa savana, a biomassa se concentra nas gramíneas, e os alimentos mais nutritivos e de fácil disponibilidade são os grandes herbívoros. Muito provavelmente, a evolução da humanidade foi impulsionada pela passagem da floresta para a savana. A propósito, algumas das diferenças entre chimpanzés e bonobos são explicadas justamente por eles viverem em ambientes com diferentes graus de umidade: Evolutionary change in the chimpanzee may have have been prompted by a need to adapt to half-open, dryer habitats, such as savannas and woodlands. Bonobos, on the other hand, probably never left the protection of the rain forest; at present, they are entirely restricted to wet equatorial regions. (de WAAL, 1997, p. 25). 62 A vegetação da qual dependem os antropóides não é uniformemente distribuída numa floresta. Pelo contrário, as árvores frutíferas tipicamente se apresentam concentradas em algumas regiões (RAMOS-FERNÁNDEZ; BOYER; GÓMEZ, 2006, p. 544). A distribuição de frutas maduras é ainda mais fragmentada do que a distribuição de frutas verdes, o que, segundo Newton-Fisher, Reynolds e Plumptre (2000, p. 621–23), reflete a avidez com que são consumidas por pássaros e primatas. Além da irregularidade na sua distribuição espacial, mesmo numa floresta equatorial, a disponibilidade dos alimentos também é sazonal, o que tem um reflexo direto sobre o estado nutricional dos primatas. Usando dados coletados ao longo de 33 anos numa comunidade de chimpanzés, referentes a 1286 pesagens de 31 machos e 26 fêmeas, Pusey et al. (2005) constataram que os animais, em média, tinham um aumento de 3,4% em seu peso durante o período mais úmido do ano. Segundo Wrangham, Conklin-Brittain e Hunt, os chimpanzés passam até três vezes mais tempo se alimentando de frutas maduras do que os cercopitecídeos (macacos do Velho Mundo, com cauda não preensora). Nos períodos de maior escassez de frutas, os chimpanzés, em comparação com os macacos, recorrem mais ao miolo de galhos e a folhas e menos a frutos verdes e sementes. Os cercopitecídeos consomem frutas verdes mesmo quando há abundância de frutas maduras, enquanto os chimpanzés só diversificam sua alimentação quando não têm outra opção (WRANGHAM; CONKLIN-BRITTAIN; HUNT, 1998). Considerando que animais pequenos têm um trato intestinal curto, o que dificulta a fermentação e conseqüente extração de energia das fibras, seria de se esperar que os macacos tivessem preferência por uma dieta rica em frutos (CONKLIN-BRITTAIN; WRANGHAM; HUNT, 1998, p. 991). Certamente, o padrão efetivamente observado é um reflexo da vantagem que o maior tamanho confere aos chimpanzés na disputa por alimentos. Dentro de uma mesma comunidade ou grupo de chimpanzés, o consumo de alimentos menos privilegiados é mais freqüente entre os membros menos integrados, como fêmeas em processo de migração de uma comunidade para outra (WHITE, 1998, p. 1023). A variação espacial e temporal na disponibilidade de frutos e outros alimentos é um fator fundamental na determinação do tamanho de grupos e comunidades de antropóides e na sua dinâmica de deslocamento, o que obviamente tem conseqüências para as interações sociais e para o desenvolvimento das habilidades cognitivas necessárias à vida social. Tanto os grupos de chimpanzés quanto os de bonobos, por exemplo, são maiores quando há abundância de frutas maduras (WRANGHAM; CONKLIN-BRITTAIN; HUNT, 1998, p. 950; WHITE, 1998, p. 1015). Chimpanzés habitantes de florestas úmidas se deslocam em busca de alimentos por uma área relativamente pequena enquanto os ocupantes de regiões relativamente secas se dispersam por uma área dez vezes maior (BASABOSE, 2005, p. 34). No caso de algumas comunidades de chimpanzés, a escolha da região habitada está mais correlacionada com uma fruta que não 63 é a preferida dos animais, mas que permanece disponível nos períodos de escassez de frutas (FURUICHI; HASHIMOTO; TASHIRO, 2001, p. 942). Alguns autores até mesmo consideram a disponibilidade de alimentos como o principal fator explicativo das diferenças comportamentais entre chimpanzés e bonobos: Earlier examinations of the differences in social organization of chimpanzees and bonobos supported the hypothesis that bonobos have a reduced level of feeding competition that permits larger parties. Feeding competition among bonobos may be reduced by the use of larger food trees or the use of alternate food sources such as high-quality terrestrial herbaceous vegetation (THV), which is either not available or available and not utilized by chimpanzees. (WHITE, 1998, p. 1014). Uma possível objeção a essa hipótese, não mencionada na bibliografia revisada, é a de que a abundância de comida pode ser uma realidade recente. Talvez a comida seja abundante não somente porque os bonobos vivem numa floresta mais rica, mas também porque eles estavam sendo dizimados pela caça antes do início da pesquisa. Segundo Furuichi et al. (1998, p. 1038– 9), a população de bonobos em Wamba (Congo) sofreu uma redução no período de 1991 a 1994 devido à ausência dos pesquisadores, que inibiam a comercialização da carne de bonobo. Suponho que a tendência natural, sem intervenção humana, seria a população de bonobos se recuperar até conseguir aproveitar ao máximo os recursos disponíveis. A superpopulação e a conseqüente escassez de alimentos deve ter sido um problema no passado e (com sorte?) poderá voltar a ser no futuro. Enquanto árvores carregadas de frutos permitem a concentração de um grande número de animais num mesmo local, nos períodos de escassez de frutos os grupos de bonobos e de chimpanzés se tornam menores. Mas, entre os bonobos, a desagregação social é maior entre os machos (WHITE, 1998, p. 1024). 4.3 Sociedades de fusão e fissão Chimpanzés e bonobos em seu ambiente natural formam comunidades de dezenas de indivíduos, subdivididas em vários grupos menores de constituição fluida: Observations by Kano and his co-workers demonstrate many distinctions between bonobo and chimpanzee societies, as well as one fundamental similarity. Both species live in so-called fission-fusion societies—that is, the apes travel in small ‘parties’ of a few individuals at a time, the composition of which changes from hour to hour and from day to day. [. . . ] After years of carefully documenting the composition of chimpanzee parties in Tanzania, Toshisada 64 Nishida, a close colleague of Kano’s, was the first to crack the puzzle. He reported that chimpanzees form large unit-groups, or communities: all members of a particular community mix freely in ever-changing parties, but members of different communities never gather. (de WAAL, 1997, p. 63). 4.3.1 Tamanho das comunidades e seus grupos A observação das relações sociais entre chimpanzés e bonobos não é fácil porque as comunidades se subdividem em pequenos grupos — com menos de uma dezena de indivíduos — cuja composição está em permanente alteração. Os indivíduos freqüentemente se transferem de um grupo para outro, nunca entretanto, se associando com indivíduos de outras comunidades. Somente as fêmeas, ao entrarem na adolescência, migram de uma comunidade para outra.1 As comunidades são relativamente grandes; o número observado de membros das comunidades de chimpanzés variam de 20 (em Bossou, Guiné) a 150 (em Ngogo, Uganda). As fêmeas começam a se transferir para outras comunidades por volta dos 8 anos de idade (FURUICHI et al., 1998, p. 1032). O número de fêmeas adultas costuma ser cerca de duas vezes maior do que número de machos e as crianças (≤ 7 anos) e adolescentes (8–14 anos) geralmente representam mais da metade da população2 . É interessante observar, entretanto, que nasce aproximadamente o mesmo número de machos e fêmeas (MITANI, 2006, p. 11) e, portanto, a mortalidade dos machos jovens é muito superior à das fêmeas. Não encontrei na bibliografia revisada uma explicação para essa diferença na mortalidade dos sexos, mas o que se infere do conjunto dos relatos é que um importante motivo seria o infanticídio cometido por machos adultos. Dos grupos que compõem uma comunidade, os menores grupos são aqueles constituídos somente por machos ou somente por fêmeas e seus filhos jovens, sendo mais comum encontrar um macho solitário do que uma fêmea (MATSUMOTO-ODA et al., 1998, p. 1003–4). A presença de uma fêmea no cio parece ser um dos fatores mais importantes para a formação de grupos grandes. Outro fator importante é a abundância de alimentos. Chimpanzés e bonobos parecem preferir grupos grandes, mas a pouca disponibilidade de frutas pode levar a conflitos e, conseqüentemente, à desagregação em grupos menores. Nas regiões em que os chimpanzés caçam macacos, os grupos são maiores durante a “temporada” de caça (NEWTON-FISHER; REYNOLDS; PLUMPTRE, 2000, p. 623–4). A presença de predadores é outro fator que pode levar à formação de grupos maiores (HASHIMOTO; FURUICHI; TASHIRO, 2001, p. 948). 1 Em inglês, os grupos que compõem uma comunidade de chimpanzés ou bonobos são chamados de parties. Alguns autores chamam as comunidades de communities e outros as chamam de groups ou unit-groups. 2 É o que se infere dos dados relatados por Matsumoto-Oda et al. (1998, p. 1000–1), Pepper, Mitani e Watts (1999, p. 617), Wittig e Boesch (2003, p. 850), Kutsukake e Castles (2004, p. 158), Basabose (2005, p. 37) e Mitani (2006, p. 7) 65 Antes de anoitecer, os bonobos chamam uns aos outros e se reúnem em grandes grupos para construir seus ninhos e dormir. Os chimpanzés, ao contrário, não aumentam o tamanho dos grupos no momento de dormir (de WAAL, 1997, p. 81). A explicação para esse comportamento diferenciado pode ser ecológica. Os bonobos vivem em florestas mais ricas, que permitem a alimentação de um número maior de animais numa mesma área. Os chimpanzés vivem em lugares menos úmidos e até mesmo em regiões de transição para a savana, o que aumenta a necessidade de dispersão. McGrew (1992, p. 68) relata que o tamanho médio dos grupos de chimpanzés nas Montanhas Mahale era de 9 indivíduos. Os bonobos parecem formar grupos maiores, com cerca de 20 membros, raramente havendo deslocamento de indivíduos isolados. As comunidades de bonobos observadas têm entre 25 e 120 indivíduos (de WAAL, 1997, p. 67–8). 4.3.2 Padrão de deslocamento O deslocamento de antropóides e macacos em seu habitat natural é primariamente determinado pela distribuição dos vegetais que lhes servem de alimentos. Os chimpanzés de Kahuzi (Congo), por exemplo, visitam freqüentemente as regiões onde a floresta primária está preservada, evitando, entretanto, as áreas periféricas do seu próprio território. Um dos motivos para evitar a periferia pode ser a existência nas vizinhanças de outras comunidades de chimpanzés (BASABOSE, 2005, p. 51). Segundo Hashimoto et al., os bonobos de uma comunidade de Wamba visitam diversas áreas da floresta (incluindo pantanosas, secas e degradadas pela ação humana) e usualmente se deslocam num ou dois grandes grupos contendo indivíduos de ambos os sexos (1998, p. 1049 e 1059). [. . . ] chimpanzees forage widely for fruit on a daily basis, covering large portions of their home range in a shorter time period. When important chimpanzee foods are scarce, the community disperses into small subgroups, with larger foraging parties forming mainly when ripe fruit is abundant. (STANFORD; NKURUNUNGI, 2003, p. 914). Na bibliografia que revisei sobre bonobos e chimpanzés, não encontrei indicações de como esses animais decidem o rumo a seguir em seus deslocamentos. Provavelmente, eles lembram dos lugares anteriormente visitados e são suficientemente inteligentes para associar a presença de frutas num determinado local com a existência de frutas nos locais onde árvores da mesma espécie podem ser encontradas. Ao que parece, é isso o que fazem os macacos-aranha: [. . . ] it is often observed that, during motion, the subgroup is decomposed into a leading individual, while the others follow rather passively. The leading individual often follows a straight line between food patches, as if he knew where he was going. (BOYER et al., 2004, p. 330–1). 66 4.3.3 Caça Mitani relata que os chimpanzés de Ngogo organizam expedições de caça, principalmente, durante os períodos de abundância de alimentos. Os machos são mais bem sucedidos na caça do que as fêmeas e a taxa de sucesso dos chimpanzés (acima de 50%) supera a dos carnívoros (inferior a 34%). Ao contrário dos chimpanzés de Ngogo, os de Gombe caçam apenas quando se deparam com as presas em suas busca rotineira por frutas e outros alimentos. Isto, provavelmente, está relacionado com o fato de a comunidade de Ngogo ser maior, pois o fator que melhor prediz o sucesso da caçada é o número de caçadores cooperando no empreendimento (MITANI, 2006, p. 7–9). 4.4 Sexualidade Um gorila macho adulto ou mantém um harém ou vive sozinho. O sexo nessa espécie é praticado exclusivamente para fins reprodutivos e é extremamente raro um pesquisador de campo presenciar uma copulação. Já os chimpanzés são mais ativos sexualmente. Ao contrário do que ocorre entre os gorilas, vários machos adultos vivem na mesma comunidade e podem ter acesso às fêmeas em período fértil. As fêmeas sofrem inchaço da região genital durante esse período o que as torna mais atraentes para os chimpanzés. Uma fêmea pode copular com vários indivíduos, apesar das tentativas do macho alfa do grupo de impedir que isso ocorra. Como ocorre entre todos os seres sexuados, também entre chimpanzés e bonobos estão ativos mecanismos para evitar a ocorrência de incesto. No caso das duas espécies, as fêmeas jovens deixam a comunidade em que nasceram e se integram a alguma outra: It appears that sexual activity among siblings is very low there [Gombe Stream], and mating between mother and son has never been observed. Yong females are strongly | attracted to unfamiliar males, whom they seek outside their own community. After mating they either return, pregnant, to their own community or they stay with the new community. Females are cautious in accepting partners within their own group. (de WAAL, 1982, p. 165–6). As genitálias das fêmeas das duas espécies se tornam protuberantes e rosadas durante os dias férteis e, nesses momentos, elas podem migrar de uma comunidade para outra sem sofrerem agressão dos machos estranhos. A descrição seguinte se refere aos bonobos, mas o processo é semelhante para os chimpanzés: Females generally leave the natal group at the age of seven, when they develop their first little swellings. Equipped with this effective passport, they become 67 ‘floaters,’ visiting neighboring communities before permanently settling down in one. (de WAAL, 1997, p. 116). Claramente, na espécie humana o sexo desempenha funções adicionais, além da reprodutiva, e uma característica tida como tipicamente humana é a prática do sexo mesmo quando não há possibilidade de fertilização. Muitos também pensam que os casais humanos são os únicos dentre todos os primatas a terem relações sexuais face-a-face. Essas crenças se justificavam até há alguns anos atrás, quando as espécies relativamente bem conhecidas eram apenas os gorilas e chimpanzés. Atualmente, entretanto, sabe-se que os bonobos são sexualmente mais ativos do que os humanos, e que até mesmo copulam face-a-face: In San Diego over 80 percent of the copulations between adult or adolescent of the opposite sex are face to face. The figure reported for the species in the natural habitat is around 30 percent. (de WAAL, 1989, p. 200). Fêmeas de chimpanzés são sexualmente disponíveis por apenas cerca de 5% de sua vida adulta. Descontados períodos como menstruação, gravidez e menopausa, uma bonobo é sexualmente receptiva por aproximadamente metade de sua vida adulta (de WAAL, 1997, p. 107), o que deve ser próximo da disponibilidade para o sexo das mulheres. As relações eróticas entre bonobos ocorrem em todas as combinações possíveis de sexo e idade, mas os machos somente ejaculam nos contatos com fêmeas maduras (de WAAL, 1997, p. 206). Certamente, se os bonobos fossem conhecidos há mais tempo, as teorias predominantes sobre a origem do homem teriam sofrido impacto significativo: Had bonobos been known earlier, reconstructions of human evolution might have emphasized sexual relations, equality between males and females, and the origin of the family, instead of war, hunting, tool technology, and other masculine fortes. (de WAAL, 1997, p. 2). Numa frase que captura a essência da diferença entre chimpanzés e bonobos, de Waal diz: “The chimpanzee resolves sexual issues with power; the bonobo resolves power issues with sex” (de WAAL, 1997, p. 32). Na natureza, todos os animais agem de modo a deixar o maior número de descendentes possível, mas, basicamente, duas estratégias contrárias podem ser seguidas para se atingir esse objetivo. Uma, é ter um grande número de filhos e esperar que a quantidade elevada seja garantia suficiente para que alguns sobrevivam até a idade adulta e cheguem a se reproduzir. A outra estratégia é ter um pequeno número de filhos, mas investir pesadamente neles, procurando garantir que todos sobreviverão e se reproduzirão. Assim como os humanos, os antropóides seguem a segunda estratégia. O intervalo entre o nascimento dos filhos para as mulheres que 68 vivem entre povos caçadores-coletores é de cerca de 3-5 anos; entre gorilas, cerca de 4 anos (AIELLO; WELLS, 2002, p. 334) e, entre chimpanzés, aproximadamente 5,5 anos e de 4,8 para os bonobos (FURUICHI et al., 1998, p. 1040). 4.5 4.5.1 Inteligência social e empatia Capacidade de planejar Os antropóides são capazes de planejar o futuro. Tanto observadores de campo quanto observadores de animais vivendo em cativeiro relatam que os antropóides freqüentemente agem de um modo que não pode ser explicado como reação instintiva ou mesmo reflexo condicionado. A única explicação coerente com os fatos é a de que eles são capazes de elaborar um cenário mental do que está por acontecer e reagem a esse cenário, como no exemplo seguinte: It is November and the days are becoming colder. On this particular morning Franje collects all the straw from her cage (subgoal) and takes it with her under her arm so she make a nice warm nest for herself outside (goal). Franje does not do this in reaction to the cold, but before she can have actually felt how cold it is outside. (de WAAL, 1982, p. 192). 4.5.2 Inteligência inconsciente não-simbólica É possível pensar conscientemente sobre algum problema sem o uso de pensamento simbólico. A maior parte do tempo, nós — e todos os demais animais — observamos o ambiente à nossa volta, calculamos o que é preciso fazer para atingir nossos objetivos e agimos sem ter nossa atenção voltada para cada detalhe do que fazemos. Nossa memória de trabalho é limitada, e somos capazes de manter nossa atenção apenas sobre o pequeno número de itens simultaneamente. Ou seja, podemos nos manter conscientes apenas de uma ínfima parcela de tudo o que fazemos. Na verdade, sequer somos capazes de acessar conscientemente muitos dos processos que resultam em nossas ações “racionais”. Precisamos, por exemplo, gastar vários segundos ou minutos para conscientemente analisar gramaticalmente uma frase para verificar se há algum erro de concordância. Mas fazemos isso constantemente e com grande rapidez enquanto falamos, embora sejamos incapazes de acessar por introspecção os processos mentais subjacentes à fala. Esse é apenas um exemplo de que ser inteligente não é necessariamente equivalente a ter consciência do que se faz. Entretanto, uma das características consideradas distintivamente humanas é a ação consciente. Em um grau razoável, os seres humanos têm consciência do que fazem e até mesmo são capazes 69 de pensar em si próprios como objetos. É fácil saber que os humanos são capazes de pensamento consciente. Basta perguntar a qualquer pessoa porque agiu de tal forma e o que estava pensando enquanto agia. Sendo dotado de linguagem simbólica, o ser humano pode descrever o que tinha consciência de estar se passando em sua mente no momento em que agia. Para os demais animais, é preciso pensar em testes mais indiretos para determinar se eles são ou não capazes de pensamento consciente e de autoconsciência. Ter autoconsciência ou ter uma noção de self é ser capaz de se reconhecer enquanto indivíduo distinto dos demais ou, em outras palavras, de imaginar a si próprio como um objeto no mundo. A noção de self é importante para a compreensão do papel de outro indivíduo numa tarefa cooperativa e, portanto, para a ação coordenada e o trabalho em equipe. Dentre os primatas, os macacos não têm demonstrado claras evidências de possuir noção de self, mas os antropóides, sim (CHALMEAU et al., 1997, 30). Um teste simples que tem sido aceito como bom indicador de que o animal possui consciência de si próprio consiste em observar como ele se comporta diante de um espelho: When confronted with a mirror for the very first time, all primates are deceived; they respond socially with either threats or friendly gestures and try to look behind the mirror. In the course of time, however, an important difference between apes and monkeys emerges. Most monkeys go on treating their | image as a companion or an enemy until their interest gradually wanes. Apes, in contrast, start using the looking glass to inspect body parts (teeth, buttocks) that they normally cannot see. They also amuse themselves by making strange faces at their reflection, or by decorating themselves (placing vegetables on their heads, for instance). (de WAAL, 1989, p. 83–85). A vantagem do teste do espelho reside em sua objetividade. Se o animal usa o espelho como ferramenta para conhecer melhor seu próprio corpo, ele está demonstrando claramente que possui capacidade de pensar em si próprio como um objeto a ser estudado e manipulado. 4.5.3 Capacidade de enganar Leakey (1994, p. 151) aponta a capacidade de mentir ou, melhor, o nível de sofisticação das mentiras, como outro indício da existência de autoconsciência. A mentira, em sentido amplo, é largamente praticada por plantas e animais sem absolutamente nenhuma implicação de que eles tenham consciência do que estão fazendo. O mimetismo pode ser considerado o exemplo mais claro deste tipo de mentira. Alguns casos de mentira, entretanto, não podem ser explicados como características físicas ou comportamentais geneticamente determinadas ou mesmo como resultado de reflexo condicionado. Alguns casos de tentativa de enganar o outro envolvem a 70 previsão de vários estágios das próprias ações e reações e das ações e reações do outro indivíduo (como num jogo de xadrez) e ocorrem em situações novas, podendo ser descartada a possibilidade de reflexo condicionado. Além dos seres humanos, somente os antropóides revelam capacidade para produzir mentiras com esse nível de sofisticação, como nos exemplos seguintes: An adult male chimpanzee was alone in a feeding area when a box was opened electronically, revealing the presence of bananas. Just then, a second chimp arrived, whereupon the first one quickly closed the box and ambled off nonchalantly, looking as though nothing unusual was afoot. He waited until the intruder departed, and then quickly opened the box and took out the bananas. However, he had been tricked. The intruder had not left but had hidden, and was waiting to see what was going on. The would-be deceiver had been deceived. This is a persuasive example of tactical deception. (LEAKEY, 1994, p. 152). [. . . ] he [o orangotango Chantek] stole the caregiver’s pencil eraser, pretended to swallow it and ‘supported’ his case by opening his mouth and signing FOODEAT. (MILES; HARPER, 1994, p. 263). De acordo com Miles e Harper (1994, p. 263), para um indivíduo ser capaz de se exercitar em mentiras com este nível de sofisticação, ele precisa elaborar um cenário mental da realidade, elaborar um cenário de como essa realidade é percebida pelo outros indivíduos, e ser sagaz o bastante para planejar ações que deverão mudar a percepção que esses outros indivíduos têm da realidade de modo a fazê-los agir favoravelmente ao mentiroso. Para negar que os antropóides têm consciência de si próprios e de que muitas vezes representam um papel conscientemente, seria preciso restringir o conceito de consciência a linguagem simbólica. Outro indício da capacidade dos antropóides de pensar em si próprios como objetos e do uso dessa capacidade para enganar os outros é um certo grau de controle consciente da expressão das emoções por eles demonstrado. Tanto as emoções quanto os instintos têm uma clara base biológica, mas as emoções alcançam maior evidência na nossa consciência, como fica claro pelo episódio protagonizado por Luit, um chimpanzé macho adulto no zoológico de Arnhem, na Holanda: When heard the renewed sounds of provocation he bared his teeth but immediately put his hand to his mouth and pressed his lips together. I could not believe my eyes and quickly focused my binocular on him. I saw the nervous grin appear on his face again and once more he used his fingers to press his lips together. The third time Luit finally succeeded in wiping the grin off his face; only then did he turn round. (de WAAL, 1982, p. 133). Chimpanzés e bonobos demonstram freqüentemente que são bastante inteligentes, e sua inteligência, certamente, é derivada da complexidade de sua vida social: 71 Embora um número considerável de habilidades práticas seja, sem dúvida, exigido a fim de explorar uma fonte de alimentos diferente e amplamente distribuída, essas habilidades se tornam relativamente básicas, quando comparadas com as demandas intelectuais de fazer e manter alianças sociais, fazer manobras políticas para conseguir progressos sutis em status social, e de simplesmente interagir com outro indivíduo essencialmente imprevisível. (LEAKEY; LEWIN, 1996, p. 170). 4.5.4 Empatia O termo empatia costuma ser empregado com o significado de capacidade de se colocar no lugar do outro, ou seja, habilidade para imaginar o que o outro está pensando e sentindo. Nos momentos de empatia, o indivíduo imagina o que pensaria, o que sentiria e como reagiria se estivesse na situação em que o outro se encontra. No caso dos seres humanos, o “se colocar na situação do outro” pode ser algo tão complexo quanto imaginar como seria ter a idade, o sexo, a educação, a profissão, as amizades etc. do outro indivíduo. Teoricamente, é possível imaginar uma espécie de empatia objetivamente informada, em que o sujeito não precisa se imaginar no lugar do outro para criar hipóteses sobre quais são os seus pensamentos e sentimentos. Ele partiria de premissas sobre como os indivíduos do tipo observado pensam e sentem em determinadas circunstâncias para imaginar o que um indivíduo específico está pensando e sentido. Um psicopata incapaz de sentir remorsos, por exemplo, poderia usar seu conhecimento teórico de que pessoas sentem remorsos quando se tornam conscientes de ter cometido uma injustiça para manipular o comportamento de algum indivíduo. Ao que tudo indica, entretanto, os indivíduos reais devem sua capacidade de empatia, principalmente, à sua capacidade de imaginar a si próprios como objetos. Ou seja, a autoconsciência é um pré-requisito para a empatia. A propósito, são justamente os animais que passam no teste do espelho os que demonstram capacidade de empatia, como no exemplo seguinte: [. . . ] chimpanzees are famous for their trademanship. Experimental studies indicate that the ability comes without any specific training. Every zookeeper who happens to leave his broom in the baboon cage knows there is no way he can get it back without entering the cage. With chimpanzees it is simpler. Show them an apple, point or nod at the broom, and they understand the deal, handing the object back through the bars. (de WAAL, 1989, p. 82). É preciso ser capaz de “ler a mente” do outro para que uma troca seja realizada, e, como pode ser visto no exemplo acima, este pré-requisito para existência de uma sociedade capitalista (e de qualquer sociedade complexa) já está embrionariamente presente nos antropóides. De acordo 72 com os pesquisadores que trabalham diretamente com esses animais, eles são tão perspicazes quanto os humanos para perceberem mudanças sutis no estado de humor das pessoas com quem convivem: Nobody working with adult anthropoids escapes the feeling of being uncannily transparent. Apes respond to all sorts of moods before we human realize how nervous, depressed, or irritable we are that day. And they read our mind when we try to hide something disagreeable, such as an imminent visit by the veterinarian. (de WAAL, 1989, p. 220). Os antropóides não são capazes de falar — talvez por limitações neurológicas (FITCH, 2005, p. 200) — e, em seu ambiente natural, não usam uma linguagem simbólica complexa. Mas eles possuem um amplo repertório de gestos e expressões faciais que os ajudam a comunicar seus desejos e estado de espírito: All the (more than a hundred) behavior patterns which are regularly observed among chimpanzees in our colony have also been observed in their natural habitat. The playface, the grin and begging gesture are not imitations of human behavior, but natural forms of non-verbal communication which humans and chimpanzees have in common. (de WAAL, 1982, p. 36). Franz de Waal argumenta — e exemplifica ao longo de todo o seu livro — que os chimpanzés, com suas complexas estratégias de formação de alianças para subir na hierarquia da comunidade, demonstram uma inventividade social comparável à dos humanos (de WAAL, 1982, p. 51). É claro que o autor se refere apenas às táticas de formação de alianças que se limitam a tentativas de conquistar aliados e vencer inimigos entre os poucos indivíduos que compõem o próprio grupo, embora muitas vezes tratando-se de estratégias empregadas por vários anos até darem os resultados esperados. Ainda está reservada apenas aos humanos a capacidade de pensamentos mais abstratos, que levam à formação de alianças entre tribos e à preocupação com as gerações futuras. Tais habilidades exigem o uso de um pensamento conceitual de nível mais elevado do que qualquer primata não-humano é capaz. Bonobos e chimpanzés apresentam desempenhos diferentes quando suas habilidades cognitivas são comparadas, como fica claro pelas citações seguintes: [. . . ] on tasks such as puzzle construction, tool use, mazes, and so on, Panzee [uma chimpanzé] has always been ahead of Panbanisha [uma bonobo]. In anything outside the domain of social communication, involving object manipulation or spatial orientation, the chimpanzee was reliably ahead. Whereas in communicatory and perceptual abilities, such as combining television images with the narration, the bonobo was always advanced. (Sue Savage-Rumbaugh, citada por de WAAL, 1997, p. 40). 73 If you compare the ability to use tools or to use partners for strategic purposes, bonobos are not particularly smart. But if you look at intimate social relationships, their cognition is highly developed due to their long dependency as infants. In the domains of attachment, affection, and the avoidance of conflict, they are very intelligent. For example, chimpanzees are unable to develop peaceful relationships with other groups. Their social organization focuses on how to gain advantage and how to fight other groups. (Suehisa Kuroda, citado por de WAAL, 1997, p. 61). Em relação a agressividade e comportamento político, os chimpanzés estão mais próximos de nós do que os bonobos. Quanto ao comportamento afetivo, ocorre o inverso, os bonobos são mais semelhantes a nós do que os chimpanzés. E quanto ao relacionamento entre os sexos, os bonobos são mais igualitários do que os humanos, tendo mesmo revertido a hierarquia entre machos e fêmeas. Num grupo de bonobos, são as fêmeas que lideram. Bonobos fêmeas possuem ligações mais fortes entre si do que os machos, e também mais fortes do que os relacionamentos entre machos e fêmeas. Os machos, mesmo os adultos, são dominados pelas fêmeas, e o macho alfa depende do apoio das fêmeas, principalmente de sua mãe, para manter a posição (de WAAL, 1997). Para desenvolver sua capacidade de empatia, humanos e antropóides fazem uso da mesma “técnica”: quando crianças, brincam muito de “faz de conta”. Tanto crianças humanas quanto os filhos pequenos de chimpanzés e, principalmente, bonobos, gostam muito de fingir que desempenham determinado papel, o que pode ser considerado um exercício em teoria da mente, ou seja, um exercício que ajuda no desenvolvimento da capacidade de empatia. Como argumenta Whiten e Byrne (1988, p. 59), é de se esperar que espécies socialmente inteligentes sejam adeptas das brincadeiras sociais. Um exemplo da criatividade e interesse dos chimpanzés por essas brincadeiras ocorreu no zoológico de Arnhem quando um dos machos adultos ficou ferido após uma briga: All the wounds are superficial although Luit does not walk on his hand for days afterwards. (Instead he supports himself on his wrist. Amazingly, all the young apes imitate him and suddenly begin stumbling around on their wrists.). (de WAAL, 1982, p. 135). 4.5.5 Capacidade de pensamento abstrato É claro que é mais fácil saber como se comportar adequadamente com os indivíduos conhecidos, dos quais se conhece o temperamento e a posição na hierarquia do grupo. Quanto maior a sociedade e quanto maior o número de estranhos com quem é preciso lidar, mais incerto se torna o cálculo do comportamento apropriado. Nessas ocasiões, a capacidade para o 74 pensamento abstrato pode ser útil. Se o indivíduo conseguir abstrair regras gerais das relações sociais que conhece e aplicar essas regras na previsão do comportamento de estranhos, ele conseguirá reduzir enormemente a necessidade de memorizar as características individuais de um grande número de indivíduos com quem tem contatos apenas esporádicos. Ainda mais importante, ele terá uma noção de como agir com um estranho com quem está se encontrando pela primeira vez. Indivíduos muito abaixo ou muito acima da hierarquia não precisariam ter todas as suas interações lembradas; eles seriam apenas reconhecidos como pertencentes a determinada categoria: [. . . ] by categorising other members of their community, either simply by assigning individuals to status levels or by using unique sets of information for each individual. The former would seem to require less cognitive processing and be easier in a fission-fusion social system where knowledge about third-party interactions is necessarily imperfect. Such categorisation would allow individuals to concentrate efforts on important dominance relationships. (NEWTON-FISHER, 2004, p. 84). Segundo Seyfarth e Cheney, até mesmo macacos têm uma certa capacidade de pensamento abstrato: Initially, animals [vervet monkeys] recognize others as individuals; at a later age they form associations among others; and at a still later they form associations among associations, recognizing that despite the different individuals involved some relationships share similar properties. (SEYFARTH; CHENEY, 1988, p. 80). Por exemplo, após observar algumas mães protegerem seus filhotes, um macaco é capaz de abstrair dessa observação as categorias de mãe, filhote e proteção e aplicar a regra de que as mães protegem seus filhotes quando encontrar indivíduos desconhecidos. Ele não irá provocar ou atacar o macaco menor do que ele enquanto a mãe do mais fraco estiver por perto para protegê-lo. Uma vantagem de se possuir a capacidade de classificar os outros em grupos e de lhes atribuir características estereotipadas reside em se evitar a complicação que seria calcular como se comportar com cada um dos indivíduos de um grupo grande. Essa vantagem não pode ser subestimada; a complexidade das relações sociais tem potencial para crescer exponencialmente com o número de indivíduos: In order to compete, survive, and reproduce an individual must therefore make judgments about the relationships that exist among others. This could be done by memorizing all group members as well as the pattern of interactions among each pair. [. . . ] Alternatively, a group-living monkey could classify the relationships it observes into categories. This method has two advantages. First, 75 it | allows individuals to identify types of relationships quickly and predict the behavior of others based on partial information. [. . . ] Secondly, as group size increases, forming categories (and making judgments based on these categories) provides an increasingly efficient method for memorizing the characteristics of relationships and predicting what individuals are likely to do next. (SEYFARTH; CHENEY, 1988, p. 82–83). É claro que a capacidade de abstração dos macacos e mesmo dos antropóides é muito limitada. Eles não conseguem formular uma visão global da sociedade ou planejar a criação de uma nova instituição social (de WAAL, 1989, p. 141). 4.5.6 Memorização de favores e senso de justiça Algumas habilidades cognitivas podem facilitar a cooperação entre indivíduos. A capacidade de memorizar os resultados das interações mais recentes com outros indivíduos, por exemplo, é um pré-requisito para a existência do que Brosnan e de Waal (2001) chamam de reciprocidade calculada, mas que também pode ser interpretada como gratidão (p. 147). E a gratidão pode vir a ser um fator importante em modelos computacionais de evolução da cooperação (AQUINO, 2003). Mas até mesmo os chimpanzés, que estão entre os antropóides mais evoluídos, apenas apresentam evidências inequívocas de tipos menos complexos de reciprocidade (BROSNAN; de WAAL, 2001, p. 148). Dentre as emoções sociais importantes para a evolução da cooperação, é interessante observar que até mesmo macacos capuchinhos possuem uma reação emotiva semelhante à dos indivíduos praticantes da reciprocidade forte. Estes macacos costumam compartilhar comida em seu habitat natural e, em cativeiro, parecem apresentar um certo senso de justiça, ficando revoltados quando vêem um companheiro receber dos pesquisadores um prêmio maior do que o seu pelo mesmo esforço: [. . . ] the strongest increase in refusal to exchange occurred if a partner received better rewards without any effort. [. . . ] Even more curious than a drop in the conditioned response rate was the second manner in which exchanges failed: refusal to accept or consume the reward. In doing so, subjects forfeited a directly accessible food that they readily accept and consume under almost any other set of circumstances. (BROSNAN; de WAAL, 2003, p. 298). Os antropóides que foram ensinados a se comunicar por linguagem de sinais conseguem expressar seus sentimentos usando os conceitos de bom e mau, que, juntamente com a noção de eqüidade — apresentada até mesmo por macacos —, podem ser considerados os ingredientes básicos para a construção de um sistema de justiça mais complexo: 76 Although an adult ethical system is absent, enculturated apes have demonstrated that they have internalized some childlike concepts of good and bad when they chastise loud birds making alarm calls and label themselves as BAD when they have misbehaved. (MILES; HARPER, 1994, p. 274). 4.6 4.6.1 Hierarquia e disputa de poder Conflitos entre comunidades Por muito tempo se pensou que os humanos, além de alguns insetos sociais, fossem os únicos animais a fazerem guerra. Infelizmente, esta crença estava equivocada. Este é mais um traço de “humanidade” que pode ser encontrado nos chimpanzés. Há diversos relatos de ataques rápidos realizado por grupos de chimpanzés. Tipicamente, um grupo de 3 ou mais chimpanzés caminham silenciosamente rumo a uma comunidade vizinha — adentrando em torno de 1 km no território da outra comunidade — e atacam e matam um macho adulto ou os filhos pequenos de alguma fêmea que encontrem. O canibalismo é freqüente durante os infanticídios. Aparentemente, os chimpanzés também “patrulham” as fronteiras de seu território regularmente, atacando indivíduos de outras comunidades que estejam sozinhos (WILSON; WALLAUER; PUSEY, 2004, p. 526; BASABOSE, 2005, p. 50; MITANI, 2006, p. 9). Durante o patrulhamento das fronteiras, os chimpanzés tornam-se silenciosos e vigilantes quando próximos dos limites da comunidade, como na descrição de um desses eventos feita por Watts: [. . . ] the males traveled quickly and silently | to the eastern periphery of their range; entered areas where observers had previously known them to hear or to meet members of another community; continued to travel east, then south, for several hours and, alternately, to sit and listen intently; and maintained high vigilance. They did not encounter extra-community chimpanzees, and they scattered after returning to the west and re-entering the central part of their territory. (2004, p. 511). Na comunidade de Ngogo, o patrulhamento das fronteiras é feito cerca de uma vez a cada 10 dias; em comunidades menores, a freqüência é mais baixa (MITANI, 2006, p. 9). Em Gombe, uma comunidade de chimpanzés começou a se dividir em duas por volta de 1970 e, em 1973, os dois grandes grupos já eram praticamente duas comunidades distintas. Os machos de uma das comunidades começaram, então, a matar os machos da outra e a aumentar o seu próprio território. Em 1976, o último macho da comunidade mais fraca foi morto (PUSEY et al., 2005, p. 25). Um detalhe importante a ser notado é que os grupos exterminado e exterminador 77 eram, originalmente, um só. Ou seja, os animais dos dois grupos possuíam laços de parentesco. Vale também ressaltar que os chimpanzés de Gombe estão entre os menores dentre os que vivem livres, e a redução na estatura ocorreu em décadas recentes, como atestam ossadas de animais mortos (PUSEY et al., 2005, p. 24). Os autores consideram que não há dados suficientes para explicar porque os chimpanzés de Gombe são menores, mas uma possibilidade a ser considerada é que eles estivessem passando por um período de superpovoamento, o que resultava em subnutrição e aumento da violência (disputa intra-comunidade por comida e entre comunidades por território). Em dois ataques testemunhados e detalhadamente descritos por Wilson, Wallauer e Pusey (2004), fica claro que os chimpanzés não estavam fazendo uma excursão de caça ou em busca de alimentos vegetais, pois eles praticamente não se alimentaram durante os ataques e, numa das ocasiões, não caçaram um grupo de macacos que encontraram no caminho. Além disso, o comportamento silencioso, a atenção aos sons do ambiente, a observação cuidadosa das copas das árvores e os pelos eretos indicavam que eles procuravam algo e que estavam conscientes do risco envolvido no empreendimento. Em um dos ataques, os chimpanzés encontraram um jovem macho de cerca de 10 anos de idade e o espancaram por cerca de 20 minutos, abandonando-o ainda com vida mas provavelmente mortalmente ferido. No outro ataque, eles atacaram duas fêmeas e arrancaram seus filhotes de seus braços, lançando um deles a sete metros de distância e matando e comendo parte do corpo do outro. Durante os ataques, os machos foram acompanhados por algumas fêmeas da própria comunidade, que também tiveram alguma participação na violência. Os chimpanzés machos são mais violentos do que as fêmeas, mas são também as vítimas mais freqüentes dos ataques. Wilson, Wallauer e Pusey (2004, p. 544–5) contabilizaram os casos de filhotes já desmamados que foram mortos em ataques entre comunidades e constataram que de 11 vítimas, 10 eram machos. Os dados coletados ao longo de décadas em Gombe permitem perceber uma correlação positiva entre o sucesso reprodutivo das fêmeas e o tamanho do território ocupado (WATTS, 2004, p. 508). Ao atacar machos de outras comunidades, preservando, entretanto, as fêmeas, os chimpanzés aumentam o território da própria comunidade e a proporção relativa de fêmeas na região. É interessante observar que o comportamento claramente direcionado a um fim e o nível de coordenação das ações demonstrado nos ataques indicam a existência de uma capacidade de planejamento e de comunicação de intenções por muito tempo insuspeitadas. Como nas descrição de guerras dos índios yanomamis (CHAGNON, 1968) e dos parakanãs (FAUSTO, 2001), não se trata de um empreendimento organizado, com grandes exércitos entrincheirados. A guerra de exércitos parece ser uma invenção humana recente. Sociedades 78 de chimpanzés e sociedades humanas com tecnologia primitiva fazem guerra de um modo semelhante. Os indivíduos são mortos aos poucos: “[. . . ] healthy males of one community disappeared one by one over the years until their territory was eventually taken over by two other communities. In view of their extreme territoriality, male chimpanzees may almost be regarded as captives in their own group; they cannot leave their home range without running into great trouble” (de WAAL, 1989, p. 72). Os encontros pacíficos entre comunidades de bonobos contrastam com a aparente impossibilidade dos chimpanzés de formarem alianças entre comunidades. Mas num certo sentido, também é possível fazer uma analogia entre a fundamentação da paz entre bonobos e as alianças entre tribos de povos tecnologicamente primitivos. Para os yanomamis, o grau máximo de aliança entre duas tribos é alcançado quando há troca de mulheres. Ao fazerem isso, ambas passam a ter parentes na outra tribo e a confiança mútua aumenta. Com os bonobos ocorre algo semelhante. O grau de parentesco entre animais de comunidades diferentes é maior do que entre os chimpanzés:3 It is probably always in the interest of males to prevent group females from copulating with extragroup males. This restriction is not in the females’ interest, however, as it limits mate choice. Once females achieved the upper hand, males may have lost control over this critical issue. Once copulations between males and females of different communities occur on a regular basis, this may reduce male competition over territories and the females contained therein. First, some of their competitors—the ‘enemy’ males in neighboring territories—might well be their brothers, fathers, and sons. Second, males do not need risky fights to gain access to neighboring females if there are opportunities to fertilize them during intercommunity mingling. In short, sexual relations between groups may have removed some of the evolutionary advantages that males gain from intergroup warfare. (de WAAL, 1997, p. 189). Uma diferença fundamental entre humanos e bonobos é que as tribos humanas trocam mulheres de modo consciente, como resultado de um cálculo racional, visando reduzir o risco de serem atacados e facilitar a formação de alianças, enquanto os bonobos simplesmente são pacíficos o suficiente para tolerar a presença de indivíduos de outras comunidades. Nessas ocasiões eles agem guiados pelas emoções, sem nenhum cálculo consciente das conseqüências de longo prazo de suas ações. 3O leitor deve observar, entretanto, que a existência de parentesco não impediu a guerra entre os chimpanzés. E também não impede entre os humanos. 79 4.6.2 Conflitos intra-comunidade Uma condição propiciadora de conflitos é a existência de recursos monopolizáveis, por exemplo, uma fruta ou uma colônia de insetos (WITTIG; BOESCH, 2003, p. 851). Nestes casos, é preciso, de alguma forma, decidir qual membro do grupo terá acesso privilegiado ao recurso escasso. O conflito é uma das formas de decidir a situação. Numa disputa entre dois indivíduos, o mais forte têm maiores chances de vencer, mas não deixa de correr um risco de ser ferido. Assim, se todas as situações de escassez fossem resolvidas pelo conflito, o gasto energético com a luta e o esforço metabólico para se recuperar de ferimentos tornariam extremamente alto o custo da obtenção de alimentos, não sendo possível a vida social. No caso dos chimpanzés, a permanente fusão e fissão dos grupos que compõem uma comunidade, por um lado, cria uma oportunidade para a redução das tensões ao deixar aberta para cada indivíduo a possibilidade de acompanhar outro grupo. Por outro lado, também reduz a necessidade de reconciliação (KUTSUKAKE; CASTLES, 2004, p. 163). A existência de uma hierarquia bem definida reduz o custo do conflito ao torná-lo restrito ao estabelecimento da própria hierarquia (WITTIG; BOESCH, 2003, p. 849). A hierarquia é obviamente vantajosa para os indivíduos dominantes, que têm acesso privilegiado aos recursos escassos praticamente sem nenhum esforço. Por exemplo, segundo Wittig e Boesch (2003, p. 860), as chimpanzés dominantes de Taï (Costa do Marfim) conseguem em torno de 500 g de carne por caçada bem sucedida, sendo 80 g o valor médio para as fêmeas. De uma maneira geral, os dominantes têm vantagens consideráveis: as fêmeas conseguem ter filhos mais fortes e mais saudáveis, com maiores probabilidades de chegar à idade adulta; os machos, além de se alimentarem melhor, copulam mais freqüentemente com fêmeas no cio, embora não consigam monopolizá-las (WITTIG; BOESCH, 2003, p. 848). De um grupo de 12 machos em Budongo (Uganda), o indivíduo mais alto na hierarquia do grupo foi observado copulando cerca de 40 vezes, e o mais baixo, 15 vezes (NEWTON-FISHER, 2004, p. 85). A violência no interior de uma comunidade de chimpanzés não se restringe a pequenos conflitos de poucas conseqüências, incluindo pancadas, mordidas, e demonstrações de disposição para a luta. Em alguns casos, os conflitos resultam na morte de um dos indivíduos envolvidos. Watts, por exemplo, testemunhou um ataque fatal de vários machos de Ngogo a um membro da própria comunidade, provavelmente porque a vítima era um macho “ambicioso e socialmente periférico” (2004, p. 509). No caso dos infanticídios, a vítima geralmente tem uma probabilidade maior do que a média de ser descendente de um macho de outra comunidade, seja porque sua mãe migrou recentemente, seja porque ela percorre com freqüência a periferia do território (WILSON; WALLAUER; PUSEY, 2004, p. 525). Paralelamente, está mais protegida uma criança cujo pai 80 pode ser qualquer um dos machos da comunidade, o que explica o comportamento sexual das fêmeas: Ngogo has about twice as many adult females as adult males, but a female with a full sexual swelling can have all sexually mature males in the community traveling with her and trying to copulate with her, and Ngogo females within 4 days of detumescence and presumably periovulatory (Goodall, 1986) have copulated with 20 adult and 5 adolescent males in a single day (Watts, unpubl. data). (WATTS, 2004, p. 517). Para evitar o infanticídio, as fêmeas seguem basicamente três estratégias: copular com o macho dominante, copular com os machos que provavelmente serão dominantes no futuro e copular com vários machos para disseminar a incerteza sobre a paternidade. A “poliandria” é, neste caso, uma defesa contra o infanticídio (PAUL, 2001, p. 895). Note-se, entretanto, que não há registros de infanticídios entre os bonobos, e talvez este fato esteja entre as causas de a mortalidade infantil ser menor entre eles (FURUICHI et al., 1998, p. 1039). 4.6.3 Existência de hierarquia e deferência Os modelos revisados no capítulo anterior não apresentam estruturas hierárquicas entre os agentes. Mas as sociedades primatas e humanas são hierarquizadas. Os chimpanzés freqüentemente vocalizam um som breve e relativamente grave em direção aos indivíduos de posição dominante.4 Tais “sinais de deferência” são emitidos espontaneamente, sendo 16 vezes mais comuns entre machos do que entre fêmeas e 4 vezes mais comuns entre indivíduos de sexo oposto do que entre fêmeas (WITTIG; BOESCH, 2003, p. 853). Entre os chimpanzés, os machos adultos são quase invariavelmente superiores hierarquicamente às fêmeas. Entre os bonobos, ocorre o contrário: as fêmeas têm prioridade de acesso aos alimentos (FURUICHI et al., 1998, p. 1039). Os indivíduos subordinados abdicam de fazer qualquer tentativa de ter primazia no acesso aos recursos escassos, mas, em compensação, deixam de gastar energia num conflito onde as chances de perder são maiores do que as de ganhar (NEWTON-FISHER, 2004, p. 81). Segundo de Waal (1982, p. 90), o primeiro sinal observável de que um chimpanzé pretende disputar o poder com outro é a interrupção da emissão de sinais de deferência. 4 Em inglês, essa vocalização é chamada de pant-grunt, que poderia ser traduzida literalmente como “gemido ofegante”; grunt significa também, na gíria norte-americana, indivíduo que está na base de uma hierarquia (trabalhador braçal ou soldado raso, por exemplo). 81 4.6.4 Conflitos entre bonobos Os bonobos machos vivem num clima de competição muito mais moderado do que os chimpanzés. Os bonobos alcançaram um equilíbrio em que as fêmeas, mesmo migrando para outras comunidades quando jovens, são dominantes. If there is a female rank order, it is largely based on seniority rather than physical intimidation: older females are generally of higher status than younger ones. Conversely, the lowest-status females are recent immigrants from other | communities. (de WAAL, 1997, p. 73–74). Chimpanzés machos criados por humanos geralmente são tratados como se fossem um membro da família somente até o início da adolescência. Depois disso, como já mencionado, eles se tornam muito mais fortes que os humanos e, se irritados, podem ser perigosos porque têm consciência da sua superioridade física. Os bonobos machos são muito mais calmos, e sua convivência com humanos é tranqüila. Eles também são muito mais fortes do que os humanos, mas parecem estar sempre preocupados em não entristecer as pessoas com quem convivem. É claro que bonobos e chimpanzés não são preocupados ou agressivos apenas com os humanos, mas também entre si: I don’t think that chimpanzees are necessarily less concerned about each other, but I do feel they are less aware. If chimpanzees are aware of another’s situation, they can be equally protective and caring, but bonobos are more constantly checking on you. And this is not only when you might be in trouble; it applies equally to situations where they may wish to deceive you. (de WAAL, 1997, p. 38). 4.6.5 Formação de alianças Mesmo entre macacos, as disputas de poder envolvem um nível elevado de inteligência social quando comparado aos conflitos entre outros mamíferos. Macacos vervet e babuínos, pelo menos até certo ponto, são capazes de levar em consideração as relações sociais dos seus rivais e as suas próprias no momento de decidir ser agressivo, se defender ou fugir em uma situação de um conflito, como ilustram as duas citações seguintes: What begins as a conflict between two individuals quickly widens to include friends and relatives, and may be influenced by recent, similar bouts of aggression. “Not | only must monkeys predict one another’s behavior, but they must assess one another’s relationship”. (LEAKEY, 1994, p. 146–7). 82 After an [aggressive] encounter between male baboons, it is not unusual for one of them to seek out the favorite female friend of his rival and discharge his tensions on her. (de WAAL, 1989, p. 109). Entre animais com esse nível de sofisticação cognitiva, as hierarquias se tornam contingentes, ou seja, dependentes de quais indivíduos estão se relacionando em determinado momento: For example, monkey A dominated his peer B when their mothers were far off, but the converse was true when the mothers were nearby. These reversal occurred if B’s mother dominated over A’s mother. (de WAAL, 1982, p. 183). Os chimpanzés machos de uma comunidade competem entre si pelas fêmeas, mas precisam, simultaneamente cooperar mutuamente para se defenderem dos machos de outras comunidades e também porque somente por meio de alianças com outros machos um deles consegue alcançar o topo da hierarquia. Quando o número de machos num grupo se reduz, a probabilidade das fêmeas se transferirem para outro grupo aumenta (SAVAGE-RUMBAUGH, 1994, p. 41). Em geral, as fêmeas mais corpulentas são as mais dominantes, mas a correlação entre peso e posição na hierarquia não é tão grande entre os machos (PUSEY et al., 2005, p. 20). Para os machos, um fator importante para subir na hierarquia, e que reduz a importância da força física, é a habilidade de formar alianças, como, por exemplo, a existente entre os chimpanzés de Budongo: Two males, DN and VN, shared highest social status in the first half of 1995. These males were alliance partners: they performed joint charging displays, and they were frequent associates and grooming partners. (NEWTON-FISHER, 2004, p. 84). Um claro indicador da existência de relações amistosas entre antropóides e macacos é a freqüência com que eles se aproximam uns dos outros para se acariciar e catar parasitas (grooming). Observações metódicas de chimpanzés selvagens revelam que os machos mantém contato físico mais freqüente com indivíduos do mesmo sexo do que as fêmeas, e que o contato entre machos e fêmeas parece se limitar ao contexto reprodutivo (PEPPER; MITANI; WATTS, 1999, p. 625–6). De acordo com a análise estatística de Pepper, Mitani e Watts, chimpanzés fêmeas procuram deliberadamente a companhia umas das outras (apesar do pouco grooming entre elas): Several previous studies have noted the regular occurrence of nursery parties consisting of multiple mothers with young [. . . ]. When they are noted, nursery parties are sometimes assumed to be passive aggregations (Nishida, 1979). Instead, our results suggest that despite being relatively asocial, anestrous females may actively prefer each other’s company. (PEPPER; MITANI; WATTS, 1999, p. 624). 83 Segundo Mitani, testes de DNA feitos em diferentes comunidades em Uganda revelaram que as alianças entre os machos não são baseadas em laços de parentesco. Uma possível explicação para isso seria o fato de raramente um chimpanzé ter um irmão com idade próxima a sua, devido ao longo intervalo entre os nascimentos (2006, p. 11). Segundo Pusey et al. (2005, p. 5), o fato das chimpanzés fêmeas se transferirem de comunidade antes de se reproduzirem seria um dos motivos pelos quais elas têm um menor número de aliados do que os machos. Entretanto, as fêmeas de bonobos também mudam de comunidade durante a adolescência, e isso não parece prejudicar sua capacidade de formação de alianças. Formação de alianças é algo complexo, que exige muito cognitivamente do indivíduo. A capacidade de perceber e levar em consideração as relações sociais é um pré-requisito para a formação de alianças (de WAAL, 1982, p. 182). [. . . ] contests that involve alliances do not remain as three-person games, for if one contestant can be supported, so can the other. Decisions about whether or not to initiate contests or alliances, with whom, and whether to escalate them need then to take into account not just the opponent’s competitive ability and its readiness to defend the resource in question, but also the competitive ability of its supporters and of the subject’s own supporters; in addition, the availability of the two sets of supporters, and their readiness to intervene are further variables to be incorporated. (HARCOURT, 1988, p. 136). Outra coisa a ser levada em consideração é o parentesco com o adversário, para se evitar prejudicar um parente próximo (HARCOURT, 1988, p. 136). Mas a existência de parentes pode tornar os cálculos sobre como agir ainda mais complicados. Não basta tomar cuidado para não prejudicar nenhum parente próximo ou procurar ajudar os parentes: [. . . ] kin might make more reliable partners, because they are likely to cooperate, yet a dominant group member might be a better ally if it does cooperate. If primates do make such decisions, then allies cannot be chosen solely on the basis of consanguinity, or solely on the basis of competitive ability; decisions need to be made that combine and compare both sorts of information. (HARCOURT, 1988, p. 141). Segundo Harcourt, até mesmo macacos-rhesus são capazes de levar fatores como esses em consideração: An indication that primates are using such extra information about potential allies when making decisions is the observation that offspring of high-ranking rhesus macaque mothers are more likely to threaten, and less likely to be threatened by, members of low-ranking families in the presence of their highranking mother. (HARCOURT, 1988, p. 148). 84 O parentesco entre os indivíduos não é levado em consideração nos modelos revisados no capítulo anterior. Mas se até macacos são capazes de raciocínios envolvendo relações sociais entre estranhos e entre parentes, é indispensável que os agentes de um modelo de evolução da cooperação sejam capazes de formar alianças desde o início das simulações. Uma atitude que pode parecer estranha quando sabemos que o protagonista é um chimpanzé é a simpatia pelos mais fracos e a defesa dos oprimidos. Mas é precisamente essa a atitude de muitos deles quando chegam ao poder. Luit, por exemplo, era um chimpanzé que estava sempre tomando atitudes agressivas com os mais fracos e procurando irritá-los. Porém, isso apenas enquanto ele não era o macho alfa: [. . . ] after his rise to power Luit began to show solidarity with the weaker party. Before, he supported losers 35 per cent of the time, but after his elevation the figure increased to 69 per cent. The contrast between these two figures reflects the dramatic change in Luit’s attitude. A year later Luit’s support for the losers had increased still further to 87 per cent. (de WAAL, 1982, p. 124). É claro que uma atitude como essa merece uma explicação. Entre os chimpanzés, nenhum macho é forte o suficiente para ser o alfa da comunidade exclusivamente por conta própria. Os líderes são condenados a fazer alianças se quiserem se manter no poder. O macho alfa ajuda as fêmeas, os mais jovens e os mais fracos para receber apoio quando sua posição estiver sendo contestada por outros chimpanzés (de WAAL, 1982, p. 125). Se ele ajudar os mais fortes, poderá estar formando não uma aliança poderosa, mas fortalecendo um rival em potencial. 4.7 Tolerância e conciliação A disputa pelo poder não é o único ingrediente nas relações internas de um grupo. Se fosse, a rivalidade e a inimizade tornariam impossível a cooperação e o grupo não conseguiria se defender de inimigos externos. Assim, outras forças que impulsionam as relações sociais são as necessidades de formar amizades, ser tolerante com provocadores e se reconciliar com os inimigos (de WAAL, 1989, p. 1–2). A necessidade de reconciliação é uma possível explicação para a aparentemente estranha atração mútua que existe entre macacos-rhesus Macaca mullata que lutaram recentemente: Our conclusion is that rhesus monkeys are attracted to individuals with whom they have had an aggressive encounter. It is not just a matter of seeking calming contact with conspecifics; the former enemy is the preferred partner. (de WAAL, 1989, p. 119). 85 Curiosamente, somente os machos apresentam esse comportamento. O contato entre fêmeas diminui após um conflito. As fêmeas sabem com certeza quem são seus filhos, os machos não. Ou seja, entre macacos e antropóides, as fêmeas têm motivos mais fortes do que os machos para levarem em consideração o grau de parentesco dos seus aliados e inimigos: Among males most cooperation seems of a transactional nature; they help one another on a tit-for-tat basis. Females, in contrast, base their cooperation on kinship and personal preferences. (de WAAL, 1989, p. 49). 4.8 Uso de ferramentas O ancestral comum a homens e antropóides certamente já usava ferramentas. Essa afirmação pode ser feita porque todos os antropóides existentes atualmente usam ferramentas, incluindo os orangotangos. Nossos parentes asiáticos são, dentre os antropóides, geneticamente os mais distantes de nós e raramente são vistos usando ferramentas em condições naturais. Apesar disso, eles demonstram ser bastante hábeis em cativeiro, e sua habilidade com ferramentas é comparável à dos chimpanzés (MCGREW, 1992, p. 49 e 62). Há diversos relatos de chimpanzés usando ferramentas em seu ambiente natural sem que isso possa ser atribuído a influência humana, como ocorre com os animais que vivem em cativeiro. E é possível afirmar que há transmissão cultural de tecnologia, pois algumas ferramentas e técnicas somente são usadas por algumas populações. Chimpanzés já foram vistos usando gravetos para “pescar” cupins ou formigas, arremessando pedras em rivais ou em predadores, e usando uma pedra e uma base (de pedra ou de madeira) como marreta e bigorna para abrir frutos duros como castanhas. É claro que as ferramentas dos chimpanzés não são tão sofisticadas quanto um conjunto de arco e flecha, uma flecha envenenada, uma cabana ou uma canoa ou mesmo um machado de pedra lascada. Mas eles também não se limitam a simplesmente usar algum material que o acaso tenha posto em suas proximidades. Muitas vezes suas ações são planejadas: Boesch and Boesch (1984) have observed that chimpanzees will pick up a rock and carry it for several hundred meters | on their way to a nut-cracking site. Such actions strongly suggest that chimpanzees know where they are going, what they intend to do, and the tools that they will need when they arrive. (SAVAGE-RUMBAUGH, 1994, p. 22–3). Para preparar gravetos para uma pesca de cupins, por exemplo, eles ativamente escolhem um galho que pareça apropriado, quebram-no no tamanho certo, e retiram as folhas antes de iniciar a “pescaria”. Além disso, alguns pesquisadores de campo tentaram replicar o método dos 86 chimpanzés e garantem que é preciso uma habilidade muito grande para pescar formigas sem se tornar uma vítima das pequenas presas. A técnica de quebrar castanhas com pedras empregada pelos chimpanzés é tão semelhante à técnica utilizada pelos humanos que é difícil dizer qual espécie utilizou um sítio abandonado: At Bossou, in extreme south-eastern Guinea near the Nimba Mountains, is a small population of wild but tame chimpanzees. They raid the crops of local villagers, and use both hammers and anvils of stone to crack open palm nuts to extract the kernels. The tools and work-sites of human and nonhuman primates are indistinguishable. (MCGREW, 1992, p. 5). As primeiras ferramentas encontradas por paleontólogos e atribuídas a hominídeos consistem em pedras lascadas que devem ter sido usadas como lâminas cortantes e que foram localizadas próximas aos fósseis de australopitecos. Nunca houve relato de que os antropóides, em seu ambiente natural, produzissem ferramentas desse tipo. Entretanto, as habilidades cognitivas já percebidas nos antropóides permite dizer que se eles não são capazes de extrair lascas de pedras intencionalmente, estão pelo menos próximos de sê-lo. Kanzi, um bonobo criado por uma pesquisadora da linguagem, e que aprendeu a dominar uma linguagem simbólica, recebeu de um paleontólogo algumas lições sobre como retirar lascas de pedra. Kanzi, entretanto, ao invés de seguir as orientações do seu professor, preferiu inventar uma técnica própria, mais bruta, mas também eficiente. Ele passou a simplesmente jogar uma pedra contra outra com toda a sua força: When he throws stones, instead of forming them using bimanual techniques, he produces cores that are difficult to differentiate from random strikes that might occur naturally. Hence, use of this spontaneously invented technique suggests that early hominids may have manufactured flakes some time before recognizable bifacial choppers appears in the artifactual record. (SAVAGERUMBAUGH, 1994, p. 22). Antropóides também nunca foram vistos utilizando algum recipiente para transporte de alimentos, o que poderia facilitar o compartilhamento de alimentos: Chimpanzees may transport mammalian prey for more than short distances in various ways [. . . ]. [. . . ] In contrast, almost all chimpanzee distribution of plant food takes place at or near the source, except when the ape detaches a fruit-laden branch and retires a few meters to a more comfortable spot to eat it. [. . . ] Insect prey are not transported and are rarely shared. [. . . ] What is noticeably lacking is what is arguably the single most important technological component of division of labour in subsistence: the container. Containers enable accumulation and transport of surplusses beyond individual needs, and these surplusses can then be shared. (MCGREW, 1992, p. 115). 87 McGrew (1992, p. 77 e p. 79) apresenta critérios para o reconhecimento de atos culturais. Como o próprio autor diz, é sempre possível pensar em critérios mais restritos ou mais abrangentes, de modo que os antropóides possam tanto ser classificados como portadores quanto como destituídos de cultura, e, contanto que não sejam usados critérios extremamente restritivos, pode-se considerar que os antropóides são capazes de produzir cultura e de que há diferenças culturais entre as diversas comunidades de uma mesma espécie. Isso é uma conseqüência da inteligência social dos antropóides. McGrew (1992, cap. 7) mostra que existem diferenças tecnológicas e comportamentais entre diferentes populações de chimpanzés. 4.9 4.9.1 Reciprocidade e cooperação Reciprocidade em sociedades humanas A simples formação de bandos por indivíduos de uma espécie já pode ser considerada uma forma de cooperação; no caso, cooperação pela defesa do grupo da ação de predadores. Outra forma de cooperação, a ajuda aos amigos nas disputas internas do grupo, já é mais complexa, pois exige dos indivíduos um conjunto de capacidades cognitivas que podem ser rotuladas de inteligência social. Essas duas formas de cooperação são comuns a humanos e antropóides, mas um terceiro nível de cooperação, a divisão sexual do trabalho, somente pode ser percebida entre os antropóides de forma muito embrionária. Na divisão sexual do trabalho entre os humanos tecnologicamente primitivos, que não praticam a agricultura, tipicamente o homem sai em expedições de caça, podendo voltar para casa no mesmo dia ou alguns dias depois, com muita carne ou com as mãos vazias. A mulher, por sua vez, se dedica a atividades de coleta de alimentos vegetais, e retorna para casa diariamente, e sempre com algum suprimento de frutos, raízes ou outros alimentos. Trata-se de uma troca de carne por vegetais, entre homens e mulheres, em que a tão desejada carne é um alimento incerto enquanto os não tão desejados vegetais além de suprirem necessidades alimentares, garantem a sobrevivência nos períodos de caça ruins: It may only be feasible for a male to gamble on hunting if he is bonded to a female who dependably produces surplusses from gathering which can buffer his failures to ‘bring home the bacon’. Further, a male who provides animal protein for a pregnant or lactating female who is nurturing his genes should enjoy enhanced reproductive success. (MCGREW, 1992, p. 114). O homem é fisicamente melhor adaptado à atividade de caça, mas ele é tão apto (ou quase) 88 quanto a mulher para as atividades de coleta.5 Também entre os chimpanzés, são os machos que caçam: How are we to explain the female concentration on insects and the male concentration on mammals in the diet of chimpanzees? [. . . ] Male chimpanzees obtain meat by stalking, chasing, capturing, killing, dismembering, and distributing a prey animal. This often occurs socially, during the course of ranging widely with other males. In short, it is hunting. On the other hand, female chimpanzees typically obtain insects by prolonged, systematic, repetitive routines of object manipulation. Several individuals may forage together, but basically it is a solitary accumulation of meal from many small units that are concentrated at a few permanent or predictable sources (‘patches’). In short, it is gathering. (MCGREW, 1992, p. 103). Para que um homem tenha interesse em contribuir com a carne de suas caçadas para o sustento dos filhos de uma mulher, ele precisa ter um elevado grau de certeza de que os filhos dessa mulher são seus também. Do ponto de vista estritamente genético, sem nenhuma consideração ética ou de qualquer outro tipo que tornasse a análise mais complexa e realista, é desvantajoso para um indivíduo sustentar os filhos de outro. Mesmo sem filhos, ele pode ter cópias de seu código genético perpetuadas pelos seus sobrinhos. Se estiver alimentando os filhos de outro, ele estará retirando da natureza recursos naturais que poderiam vir a ser de seus sobrinhos. A invenção do matrimônio por nossos ancestrais pré-históricos foi uma forma de aumentar consideravelmente o grau de certeza acerca da paternidade, e, portanto, assegurar ao indivíduo que ele estava investindo em seus próprios filhos. A divisão sexual do trabalho entre povos que não praticam a agricultura consiste, basicamente, numa troca de alimentos. Antropóides não são muito generosos. Eles raramente oferecem alimento, sendo, entretanto, comum um animal estender a mão para pedir comida a outro, dois ou mais indivíduos se alimentarem no mesmo local sem nenhum conflito, e — o que não deixa de ser uma forma de distribuição de alimentos — um indivíduo exigir que outro lhe dê um pouco de sua comida (de WAAL, 1989, p. 209). Em todo caso, se observarmos quem recebe comida de quem, as trocas que ocorrem parecem seguir princípios semelhantes aos que norteiam a divisão sexual do trabalho entre os humanos: Attendance to the kill did not guarantee receipt of meat, nor was its distribution equitable or systematic, but some patterns emerged. Eighty per cent of sharing involved adults of both sexes getting meat from males. Female chimpanzees in oestrus were more successful in getting meat than were non oestrus females. 5 Psicólogos evolucionistas apresentam pesquisas em que as mulheres têm um desempenho melhor do que os homens para lembrar a posição de objetos. Isso seria vantajoso no momento de lembrar, por exemplo, onde havia uma árvore florida há alguns meses atrás, ou seja, onde, provavelmente há frutos hoje. 89 Transfer of meat among males did not strictly follow ranks in social dominance; instead success was highly positively correlated with age. Matrilineal kinship ties were also predictive of the patterning of meat distribution [. . . ]. [. . . ] transfer of meat was not always peaceful and sometimes involved intense bursts of competition. (MCGREW, 1992, p. 107). É, portanto, possível traçar um paralelo, embora tênue, entre divisão sexual do trabalho entre humanos caçadores-coletores e comportamento dos chimpanzés. O sistema humano é mais claramente um sistema de troca. Entre os chimpanzés, mais parece simples ocupação de nichos ecológicos diferentes por machos e fêmeas, mas há troca de carne por sexo. Embora não possuam uma clara divisão sexual do trabalho, os chimpanzés possuem alimentação diferenciada conforme o sexo. Uma vez que os antropóides são pouco propensos a tomar a iniciativa de distribuir comida, o que mais se aproxima do embrião de uma divisão sexuada do trabalho é que machos e fêmeas se diferenciam no grau em que imploram por comida. Entre os bonobos, sexo e comida estão relacionados de uma maneira ainda mais literal do que a implicada por uma teoria da divisão sexual do trabalho, como mostram os dado coletados no zoológico de San Diego, na Califórnia: Normally, the male had erections less than 5 percent of the time, but at feeding time the figure increased to over 50 percent. (de WAAL, 1989, p. 206). 4.9.2 Habilidades cognitivas e tipos de reciprocidade O comportamento altruísta não é algo muito comum no reino animal. Segundo (WILSON, 1975, p. 512), os mais altruístas são chimpanzés, elefantes e cachorros.6 A afirmação de Wilson é corroborada por Brosnan e de Waal (2001), que incluem os chimpanzés entre os poucos primatas que compartilham comida: Although food sharing outside the mother-offspring or immediate family context is rare in the majority of primate species (reviewed by Feistner and McGrew 1989), it is common in both capuchin monkeys and chimpanzees. (BROSNAN; de WAAL, 2001, p. 134). Brosnan e de Waal (2001) fazem uma importante distinção entre diferentes níveis cognitivos necessários para diferentes tipos de reciprocidade: The cognitively least demanding proximate explanation is symmetry-based reciprocity in which individuals interact based on symmetrical features of their 6 Wilson não deixa claro quais critérios utilizou para fazer a classificação, mas pelo menos quanto à disponibilidade para se sacrificar pelo outro, tenho a impressão que os cachorros são os campeões do altruísmo. 90 relationship: these features make both parties react similarly to each other. This mechanism requires no scorekeeping because reciprocation is based on preexisting features of relationship, such as kinship, mutual association, or age similarity. The second mechanism of reciprocity is attitudinal reciprocity, in which an individual’s willingness to cooperate co-fluctuates with the attitude that the partner shows or has recently shown toward them. [. . . ] The involvement of memory and scorekeeping may be rather minimal in this kind of exchange, however, because the critical variable is general social predisposition rather than precise costs and benefits of exchanged behavior. The third mechanism is calculated reciprocity, in which individuals appear to reciprocate on a behavioral one-on-one basis. This requires memory of previous events, some degree of scorekeeping, partner-specific contingence between given and received favors, and perhaps even punishment of cheaters. Our research has indicated examples of both symmetry-based and attitudinal reciprocity in chimpanzees. It is logical to expect that calculated reciprocity, with its higher cognitive requirements, will be found only in a few species [Quais? Humanos, golfinhos e chimpanzés?], whereas cognitively less demanding forms of reciprocity will be more widespread. (BROSNAN; de WAAL, 2001, p. 148). Todos aqueles que convivem com os chimpanzés e bonobos que pesquisam afirmam que não há nenhum abismo entre a inteligência desses animais e a nossa. Essas afirmações são feitas no rico contexto da convivência diária. Mais difícil é elaborar experimentos controlados — e, portanto, com a realidade empobrecida e artificializada — que provem sem sombra de dúvida que a proclamada inteligência dos antropóides não é apenas uma visão enviesada de pesquisadores que têm afeição por seus objetos de pesquisa. Nessas circunstâncias, comparando macacos e chimpanzés, somente os chimpanzés se comportam de um modo que é difícil de interpretar utilizando apenas reciprocidade baseada em relações simétricas ou reciprocidade atitudinal. Eles, em algumas circunstâncias, reciprocam de modo calculado: [. . . ] each chimpanzee appeared to remember another who had just performed a service (grooming) and responded to that individual accordingly (shares food). This is compelling evidence for exchange. [. . . ] So far, this exchange of grooming and food in chimpanzees is the example that most closely resembles calculated reciprocity among any reported from nonhuman species. (BROSNAN; de WAAL, 2001, p. 141). As observações de Brosnan e de Waal (2001) indicam que a gratidão abre novas possibilidades de cooperação, mas só é possível entre poucas espécies. Já que os chimpanzés parecem ser capazes de scorekeeping, provavelmente, os primeiros hominídeos também tinham essa capacidade e conseqüentemente estavam preparados para desenvolver o sentimento de gratidão. Outra capacidade cognitiva que tem sido apontada como importante para a cooperação é a noção de self. Ser capaz de fazer uma representação mental de si próprio pode ser muito 91 útil para a coordenação eficiente de um trabalho de grupo (CHALMEAU et al., 1997, p. 30). Isso é particularmente verdadeiro para situações não rotineiras. A solução para uma tarefa rotineira poderia ser encontrada por acaso e adotada por reflexo condicionado; uma situação que se repita há milhares de anos, poderia ter uma solução que envolvesse ação coletiva incorporada ao repertório instintivo da espécie. Se a situação for nova, a capacidade de autoconsciência e empatia ajudaria a antever ações e reações, facilitando a ação coordenada e cooperação. Os antropóides possuem essas capacidades cognitivas. 4.9.3 Compartilhamento de comida entre chimpanzés Chimpanzés adultos não dão alimentos vegetais uns para os outros, mas compartilham a carne obtida em caçadas coletivas (MCGREW; FEISTNER, 1992; UENO; MATSUZAWA, 2004). Isso corresponde ao que se esperaria de agentes racionais, pois não há porque oferecer um fruto ou um ramo com folhas para outro indivíduo se não há nenhum obstáculo para que ele próprio suba na árvore, estenda o braço e colete o alimento. Somente é racional para um indivíduo egoísta doar alimentos se isso fizer parte de um sistema de reciprocidade em que um favor é feito num dia com a expectativa de retribuição em alguma ocasião futura. É justamente num contexto desse tipo que se enquadra o compartilhamento de carne. O indivíduo que tem a sorte de abater a presa numa caçada coletiva pode tornar-se pedinte numa outra ocasião. Também seria racional se diferentes indivíduos tivessem acesso a alimentos diferentes. Neste, caso, a troca poderia ser vantajosa para os dois. A transferência direta de alimentos vegetais de um indivíduo ocorre principalmente de mãe para filho pequenos, sendo, neste caso explicada pela teoria da seleção de parentesco. As mães raramente oferecem alimento diretamente para os filhos, mas permitem que eles peguem parte de seu alimento. Por fim, embora não haja compartilhamento explícito de vegetais entre chimpanzés adultos, num certo sentido, podemos considerar haver compartilhamento, pois eles comumente se reúnem numa mesma árvore para consumir seus frutos. Os chimpanzés não compartilham os frutos, mas compartilham a árvore. Podemos também afirmar que os eles compartilham um território comum a toda a comunidade. 92 5 Origem e Evolução do Homem Neste capítulo, revisaremos o caminho evolutivo seguido por nossos ancestrais até o surgimento do homem moderno. O objetivo é coletar informações que nos ajudem a decidir quais características acrescentar aos agentes nas simulações a serem desenvolvidas no capítulo 6, e qual deve ser a seqüência dos acréscimos. Assim, a cronologia em que se deu a evolução é importante, e, antes de apresentarmos as espécies de hominídeos melhor conhecidas, faremos uma breve descrição dos métodos utilizados por paleontólogos para medir o tempo. 5.1 Geologia, clima e paleoantropologia Diante da variedade de fósseis com os mais diversos graus de proximidade ou distância entre nós e os antropóides, é fundamental saber a idade de cada um para tentar reconstruir a linha evolutiva que resultou em nossa espécie. Para saber a idade de um fóssil é preciso, basicamente, responder a duas questões nem sempre fáceis: (1) Em qual estrato geológico ele se encontrava. (2) Qual a idade deste estrato. A primeira pergunta geralmente é respondida por um arqueólogo; a segunda, por um geólogo. Dois fósseis que se encontrem no mesmo estrato são considerados da mesma idade. Se a idade do estrato for conhecida, o fóssil está datado. Os diversos processos geológicos existentes na superfície terrestre — chuva, vento, correntezas de rios, expansão e contração de lagos, vulcanismo etc. . . — são responsáveis por uma contínua deposição de material na maior parte da superfície da terra. Como os processos não se mantêm inalterados ao longo dos séculos, é possível perceber diferenças de composição no subsolo a medida que se distancia da superfície. Em outras palavras, o solo é formado por vários estratos, mais velhos quanto mais distantes da superfície. Se dois fósseis são encontrados a poucos metros um do outro, é fácil saber qual está depositado num estrato mais recente. Mas se eles estiverem distanciados dezenas ou milhares de metros, os subsolos dos dois sítios poderão ser formados por estratos diferentes e a comparação será mais difícil ou mesmo impossível. Neste caso, os dois sítios precisarão ter seus estratos 93 datados. Uma dificuldade é que somente alguns estratos possuem composição adequada para datação. Segundo Antón e Swisher (2004, p. 273), atualmente os melhores métodos de datação são o paleomagnetismo, o argônio-potássio e traços de fissão. Outro método, aplicável diretamente aos ossos fossilizados, mas viável apenas com material com no máximo 100 ou 200 mil anos, é a análise do DNA mitocondrial (RICHARDS, 2003, p. 144). O clima na África sofreu importantes mudanças nos últimos milhões de anos, tornando-se mais árido, mais frio e com maior contraste entre as estações do ano. Houve uma redução no espaço ocupado por florestas cobertas por vegetação densa, substituías por savanas abertas (DEMENOCAL, 2004, p. 10–15). Pode-se dizer que a paleoantropologia é o estudo de espécies extintas da linhagem humana, ou seja, dos nossos ancestrais que viveram após nosso último ancestral comum com os chimpanzés e bonobos. A partir do momento em que uma espécie da linhagem humana é percebida como mais parecida com os humanos do que com os antropóides modernos, os indivíduos dessa espécie passam a ser considerados hominídeos. A paleoantropologia é uma ciência de poucas certezas e muitas especulações. O registro fóssil do passado humano é muito escasso, o que impede os paleoantropólogos de chegarem a um grande número de consensos sobre como se deu a evolução da espécie humana. Os espécimes encontrados são apenas fragmentos de esqueletos, principalmente suas partes mais resistentes como os ossos do crânio e os dentes. Para a maioria das espécies, se tem conhecimento apenas parcial de sua anatomia: [. . . ] the major problem in studying endocasts is the size of the sample. The most complete study to date used a sample of only 41 endocasts for all of hominid evolution (Holloway 1981). This sample was not controlled for sex or age of the individuals, making comparisons even more difficult. (WYNN, 1988, p. 273). Assim, as evidências existentes deixam claro que existiram muitas espécies de hominídeos nos últimos milhões de anos, mas não são suficientes para falsear muitas das várias hipóteses sobre como estas espécies estão filogeneticamente inter-relacionadas. A descoberta de novos fósseis, por um lado, aumenta o conhecimento disponível sobre as características e sobre o período de existência de cada espécie e, assim, torna algumas hipóteses implausíveis, mas, por outro lado, pode levar ao reconhecimento de uma nova espécie e, assim, tornar plausível um novo conjunto de hipóteses. O tipo de evidência disponível para a paleoantropologia faz com que essa disciplina seja inevitavelmente limitada. Ela somente dispõe de fósseis e de objetos de pedra para alimentar 94 suas especulações, o que pode levar ao que McGrew (1992, p. 207) chama de paleomiopia. O motivo para a arqueologia não encontrar resquícios materiais que demonstrem uma tecnologia sofisticada entre povos caçadores-coletores pode estar não na falta de inteligência destes mas na sua vida nômade: Peças trabalhosamente entalhadas e lindamente decoradas não desempenham parte importante na vida dos | caçadores-coletores, não porque eles não tenham cultura, mas porque toda a sua vida está voltada para posses que possam ser prontamente carregadas de um acampamento para o seguinte [. . . ]. [. . . ] mitos, cantos, histórias faladas e danças, tudo faz parte da sua rica produção cultural. (LEAKEY; LEWIN, 1996, p. 98-99). Nas seções seguintes, revisaremos as características das espécies mais conhecidas da linhagem humana. 5.2 5.2.1 Antes dos Australopitecos Origem do bipedalismo Na busca pela reconstrução da história evolutiva da espécie humana, o que se procura, basicamente, são fósseis que permitam reconstruir o afastamento de nossos ancestrais da linha evolutiva seguida pelos antropóides. Os caçadores de fósseis ficam particularmente orgulhosos quando acreditam poder anunciar ter encontrado os primeiros sinais de divergência do padrão anatômico antropóide. E este primeiro sinal, invariavelmente, é o andar bípede. Existem basicamente duas hipóteses sobre como se locomoviam nossos ancestrais antes de adotarem o bipedalismo. Uma vez que nossos parentes mais próximos — gorilas, chimpanzés e bonobos — quando no chão, predominantemente, andam se apoiando nos nós dos dedos das mãos, uma primeira hipótese é de que nossos ancestrais também eram quadrúpedes: As the forest dwindled, food resources in woodland habitats, such as fruit trees, would have become too dispersed to be efficiently exploitable by conventional apes. According to this hypothesis, the first bipedal apes were humans only in their mode of locomotion. Their hands, jaws, and teeth would have remained apelike, because their diet had not changed, only their manner of procuring it. (LEAKEY, 1994, p. 18). Por outro lado, alguns autores argumentam que não é fácil um animal passar do quadrupedalismo ao bipedalismo e que somos descendentes de antropóides que estavam basicamente adaptados à vida nas árvores. Gibões e orangotangos, por exemplo, quase nunca descem ao 95 chão, mas quando o fazem andam sobre os dois pés (ou, melhor, sobre as mãos dos membros inferiores). Animais que se locomovem por braquiação passam a maior parte do tempo em posição vertical, e desenvolvem uma anatomia mais apropriada para o andar bípede do que os que andam sobre os nós dos dedos (SCHMITT, 2003, p. 1443). Ao adotar o bipedalismo, nossos ancestrais estavam também fazendo escolhas energéticas. O bipedalismo humano é menos eficiente do que o quadrupedalismo de cães, cavalos e gatos, mas é mais eficiente do que o quadrupedalismo dos chimpanzés (LEAKEY, 1994, p. 19). Um chimpanzé corre mais rápido do que um ser humano, mas um ser humano gasta menos energia ao andar: It has been well established that, at maximum running speed, human bipedalism is twice as expensive energetically than estimated for a quadrupedal mammal of the same body mass and that human walking is energetically much more efficient that [sic] human running. At the average walking speed of 4.5 km h-1 , human bipedalism is slightly more efficient than is quadrupedalism in the average mammal. Both bipedalism and quadrupedalism are equally as expensive in chimpanzees, and at average walking speeds the chimpanzee consumes 150% more energy (g-1 km-1 ) than does a similarly sized quadruped. (AIELLO; WELLS, 2002, p. 332). Possivelmente, o bipedalismo criou condições favoráveis para o surgimento da linguagem. O filhote de um antropóide é carregado por sua mãe de um modo que ela não consegue saber para o quê ele está olhando, e isso dificulta a comunicação entre os dois: Infants who cling underneath their mother’s ventrum have little opportunity to monitor their mother’s direction gaze, leading to an inevitable lack of joint regard. By contrast, whatever the parent sees and talks about is immediately obvious to any infant being carried bipedally. (SAVAGE-RUMBAUGH, 1994, p. 30). Como o bipedalismo surgiu muito antes da expansão do cérebro, ele deve ter favorecido uma maior comunicação que, posteriormente, evoluiu para a linguagem falada. Revisaremos nas próximas sub-seções algumas espécies que viveram antes dos australopitecos. 5.2.2 Sahelanthropus Brunet et al. (2002) descrevem um fóssil de 6–7 ma (milhões de anos), por eles denominado Sahelanthropus tchadensis. A descoberta foi feita no Chade, no centro da África, implicando 96 numa diversidade, distribuição espacial e antigüidade dos hominídeos maiores do que o pensado até então: According to one model of human origins, put forth in the 1980s by Yves Coppens of the College of France, East Africa was the birthplace of humankind. Coppens, noting that the oldest human fossils came from East Africa, proposed that the continent’s Rift Valley—a gash that runs from north to south—split a single ancestral ape species into two populations. The one in the east gave rise to humans; the one in the west spawned today’s apes [see ‘East Side Story: The Origin of Humankind,’ by Yves Coppens; Scientific American, May 1994]. Scholars have recognized for some time that the apparent geographic separation might instead be an artifact of the scant fossil record. The discovery of a seven-millionyears-old hominid in Chad, some 2,500 kilometers west of the Rift Valley, would deal the theory a fatal blow. (WONG, 2003, p. 11). O fóssil consiste de um crânio quase completo e de fragmentos do maxilar inferior. O crânio sofreu deformações durante o longo período em que ficou enterrado, mas estima-se que abrigou um cérebro de 320–380 cm3 (BRUNET et al., 2002, p. 146), ou seja, ligeiramente inferior ao dos chimpanzés atuais, cujos cérebros pesam em média 395 g (MCHENRY; COFFING, 2000, p. 127). O fóssil não é completo o suficiente para permitir dizer se o animal era ou não bípede, mas Brunet et al. (2002, p. 151) chamam atenção para o fato de a base e a face do crânio apresentarem semelhanças com hominídeos mais recentes que, com certeza, eram bípedes (p. 150–1). Segundo Wood (2002, p. 134), a face do Sahelanthropus tchadensis se assemelha a de um Australopithecus de 1,75 ma. Outra característica do S. tchadensis que o aproxima dos humanos são seus caninos menores do que os dos antropóides: In all modern and fossil apes, and therefore presumably in the last common ancestor of chimps and humans, the large upper canines are honed against the first lower premolars, producing a sharp edge along the back of the canines. This so called honing canine-premolar complex is pronounced in males, who use their canines to compete with one another for females. Humans lost these fighting teeth, evolving smaller, more incisor like canines that occlude tip to tip, an arrangement that creates a distinctive wear pattern over time. In their size, shape and wear, the Sahelanthropus canines are modified in the human direction, Brunet asserts. (WONG, 2003, p. 10). Muitos fósseis de datação mais recente e considerados representativos de ancestrais dos humanos apresentam características faciais mais semelhantes às dos antropóides do que o S. tchadensis, o que pode ter importantes implicações para a reconstrução da evolução humana: [. . . ] if it is accepted as a stem hominid, under the tidy model the principle of parsimony dictates that all creatures with more primitive faces (and that is a very long list) would, perforce, have to be excluded from the ancestry of modern humans. (WOOD, 2002, p. 134). 97 A interpretação do S. tchadensis como ancestral humano pode ser incompatível com a estimativa de ∼6 ma para a idade do último ancestral comum entre humanos e chimpanzés (BRUNET et al., 2002, p. 151). Por um lado, o S. tchadensis tem semelhanças tanto com humanos quanto com chimpanzés, o que é de se esperar de um ancestral comum. Por outro lado, a face achatada do ser humano é demasiadamente diferente da face de todos os antropóides atualmente existentes e é considerada uma característica derivada e recente. Ou seja, esperava-se que o ancestral que compartilhamos com os chimpanzés fosse facialmente mais parecido com eles do que conosco. Com o S. tchadensis muitas teorias precisariam ser repensadas. Alternativamente, pode-se considerar, mais simplesmente, que o fóssil encontrado por Brunet et al. não representa um ancestral humano. Pode-se, por exemplo, especular que sua face com características humanas é apenas um indício de que há 6–7 ma já havia pressões evolutivas que, no futuro, levariam ao surgimento dos hominídeos, mas a linha evolutiva iniciada com o S. tchadensis se extinguiu, voltando a surgir espécies semelhantes somente centenas de milhares ou mesmo milhões de anos depois. Evidência em favor desta interpretação alternativa são os supercílios proeminentes do S. tchadensis, o que é uma característica dos antropóides; Além disso, caninos somente costumam ser grandes em antropóide do sexo masculino, e o fóssil encontrado no Chade pode ter sido uma fêmea (WONG, 2003, p. 11). 5.2.3 Orrorin Um fóssil um pouco menos antigo do que o do S. tchadensis é o do Orrorin tugenensis, encontrado no Quênia. As peças mais importantes são fragmentos de fêmur com idade entre 6,04 e 5,83 ma (PICKFORD et al., 2002, p. 194). Ao contrário do S. tchadensis, o O. tugenensis apresenta sinais mais claros de bipedalismo. O fêmur do O. tugenensis é mais semelhante ao do homem do que ao do chimpanzé. Pickford et al. (2002) consideram até mesmo que o O. tugenensis, mais do que os Australopithecus, possui um fêmur semelhante ao dos humanos, o que, se confirmado, implicaria que os Australopithecus provavelmente não seriam nossos ancestrais: In conclusion, from a systematic point of view Orrorin is a hominid sensu stricto, and in numerous features it is not chimp-like. In several features, Orrorin is closer to humans than australopithecines are which suggests that it may be more closely related to Homo than it is to Australopithecus and/or Paranthropus. If we are correct, then Australopithecus may represent a side branch in hominid evolution that became extinct without giving rise to Homo. . . . (PICKFORD et al., 2002, p. 202). 98 5.2.4 Ardipithecus Halle-Selassie (2001) apresenta fósseis encontrados na Etiópia e com datação entre 5,2 e 5,8 ma. Os fragmentos representam de 5 a 11 indivíduos de uma subespécie de Ardipithecus. A fauna e a flora encontradas fossilizadas no mesmo estrato geológico dos hominídeos evidenciam um ambiente arborizado, e não uma savana (HALLE-SELASSIE, 2001, p. 178). Algumas pesquisas indicam inclusive que somente ∼1 ma mais tarde os hominídeos começaram a viver em savanas: [. . . ] paleoecological analyses indicate that Orrorin and Ardipithecus dwelled in forested habitats, alongside monkeys and other typically woodland creatures. In fact, Giday WoldeGabriel of Los Alamos National Laboratory and his colleagues, who studied the soil chemistry and animal remains at the A. r. kadabba [Ardipithecus ramidus] site, have noted that early hominids may not have ventured beyond these relatively wet and wooded settings until after 4.4 million years ago. If so, climate change may not have played as important a role in driving our ancestors from four legs to two as has been thought. (WONG, 2003, p. 10). Segundo Halle-Selassie, os dentes e outras partes dos fósseis apresentam algumas características típicas dos hominídeos, o que indicaria que o Ardipithecus foi um de nossos ancestrais: The Middle Awash fossils described above share some dental characters exclusively with later hominids, and do so to the exclusion of all fossil and extant apes. These characters include lower canines with developed distal tubercles and expressed mesial marginal ridges. In addition, the proximal foot phalanx from Amba, dated at 5.2 Myr, is derived relative to all known apes and is consistent with an early form of terrestrial bipedality. Because of this combination of characters, the Middle Awash fossils described here are classified as cladistically hominid. (HALLE-SELASSIE, 2001, p. 180). 5.3 Australopitecos e outros hominídeos semelhantes Comumente, as espécies descobertas que se assemelham mais conosco do que com os antropóides têm sido classificadas em três gêneros: Australopithecus, Paranthropus e Homo. Os Australopithecus foram os primeiros a surgir e, provavelmente, deram origem aos dois outros gêneros. Muitas espécies dos gêneros Paranthropus e Homo foram contemporâneas, ocupando diferentes nichos ecológicos. Assim, os três gêneros podem ser caracterizados como segue: (i) Australopithecus, encompassing the first hominids that gradually developed bipedalism; (ii) Paranthropus, the evolutionary branch (incorporating the robust 99 australopithecines) that colonized the open spaces of the savanna with specialized feeding on hard vegetables (12); and (iii) Homo, the branch that evolved large brains and retained from Australopithecus gracile features, used stone tools, and developed a more carnivorous diet. (CELA-CONDE; AYALA, 2003, p. 7686). As espécies pertencentes ao gênero Paranthropus se distanciaram do rumo evolutivo seguido pelos nossos ancestrais e não serão revisadas neste capítulo. Nas próximas subseções, revisaremos algumas espécies de Australopithecus e de outras espécies pertencentes a gêneros semelhantes recentemente descobertos. 5.3.1 Kenyanthropus Leakey et al. (2001) descrevem um fóssil encontrado no Quênia, consistindo de um crânio, alguns fragmentos de ossos e alguns dentes, e datado em 3,5 ma. O fóssil é contemporâneo do Australopithecus afarensis e do Australopithecus africanus, e tem capacidade craniana semelhante à dessas duas espécies, mas se distingue delas em vários aspectos, principalmente por possuir molares menores. Por isso, os autores optaram por criar um novo gênero e espécie para classificar o fóssil: Kenyathropus platyops. O habitat deste hominídeo parece ter sido uma região de transição entre florestas e savanas: Faunal assemblages from Lomekwi sites LO 4, LO 5, LO 6 and LO 9 indicate palaeoenvironments that were relatively well watered and well vegetated. The relative proportions of the bovids in the early collections from these sites indicate a mosaic of habitats, but with predominantly woodland and forest-edge species dominating. (LEAKEY et al., 2001, p. 439). Os autores argumentam que, das espécies conhecidas de hominídeos, a que compartilha maior número de características com o Kenyathropus platyops é o Homo rudolfensis, sendo grande a semelhança facial entre as duas espécies, e sugerem que se mude a classificação do Homo rudolfensis para Kenyanthropus rudolfensis (LEAKEY et al., 2001, p. 439). 5.3.2 Australopithecus After some initial reluctance, Australopithecus became generally accepted as a separate genus that comprised hominids with a chimpanzee-sized brain who did not make stone tools. During the ensuing decades, Australopithecus and Homo seemed adequate to encompass the taxonomic range necessary to house the human lineage; thus, all other genera were abandoned [with the exception of Paranthropus, accepted by a significant number of authors as a genus corresponding to robust australopithecines]. (CELA-CONDE; AYALA, 2003, p. 7684). 100 Apesar dos descobridores dos fósseis do Sahelanthropus, do Orrorin e do Ardipithecus e de mais alguns autores argumentarem que esses ou alguns desses fósseis representam o mais antigo hominídeo e, em alguns casos, defenderem a hipótese de os Australopithecus não serem nossos ancestrais, parecem estar em maior número os autores que consideram o contrário: os Australopithecus são os hominídeos mais antigos conhecidos: Immediately prior to the appearance of hominids, the primate fauna of Africa and Asia was dominated by generalized arboreal quadrupedal primates with a mixture of ape-like and monkey-like traits. The earliest known hominids (members of the genus Australopithecus) were relatively small-bodied compared to modern humans and their skeletons contain a mosaic of features. (SCHMITT, 2003, p. 1440). The mosaic morphology of the A. afarensis ulna, together with the heavily muscled and robust humerus, would be ideally suited to a creature which climbed in the trees but also walked on two legs when on the ground. (Leslie Aiello apud LEAKEY, 1994, p. 35). Os Australopithecus apresentam fortes indícios de terem sido bípedes, embora haja controvérsias sobre a qualidade do seu bipedalismo (SCHMITT, 2003, p. 1441). As mãos do Australopithecus afarensis parecem ter sido apropriadas para a vida arbórea, o que é uma característica dessa espécie que a aproxima dos antropóides (MCHENRY; COFFING, 2000, p. 129). O tórax do A. afarensis também tem formato afunilado, mais próximo ao de um antropóide do que ao de um ser humano (MCHENRY; COFFING, 2000, p. 131). Mais complicada é a interpretação do modo como evoluíam os dentes nos australopitecos: The absolute sizes of cheek teeth expand through successively younger species of australopithecine [. . . ]. The trend is reversed in successively younger species of Homo. . . . (MCHENRY; COFFING, 2000, p. 136). Humanos e chimpanzés atuais têm molares de tamanhos aproximadamente equivalentes, e menores do que os dos australopitecos. Estes pareciam estar se especializando numa dieta constituída de alimentos duros, que precisavam de grandes molares para serem triturados. O sentido em que se dava a evolução dos dentes dos australopitecos é uma das razões pelas quais alguns autores defendem que eles não foram nossos ancestrais. Os grandes molares dos australopitecos estão representados na Tabela 1 (página 104) através do que McHenry e Coffing (2000, p. 127) chamaram de coeficiente de megadontia, CM, calculado a partir da área dos dentes pós-caninos em mm2 , D, e da massa do corpo em kg, M: CM = D 12, 15 × M 0,86 101 (5.1) Segundo Asfaw et al. (1999, p. 629), os crânios e dentes fossilizados já encontrados são suficientes para deixar poucas dúvidas quanto a uma linha evolutiva que levou do A. afarensis (3.6 a 3.0 ma) ao A. aethiopicus (2.6 ma) e deste ao A. boisei (2.3 to 1.2 ma). Quanto mais recente a espécie, mais diferentes eram seus membros dos humanos modernos e, por isso, não há dúvidas de que eles não são nossos ancestrais. Alguns autores inclusive consideram que algumas espécies de hominídeos descendentes dos Australopithecus afarensis são distintas o bastante de seus ancestrais para poderem ser classificados como pertencentes a um gênero diferente: Paranthropus. As espécies em questão seriam P. aethiopicus, P. robustus e P. boisei. Uma outra característica dos australopitecos, entretanto, parecia estar evoluindo em nossa direção. A proporção entre o comprimento dos membros superiores e inferiores no Australopithecus africanus ainda era bem maior do que entre os humanos modernos. Segundo Asfaw et al., somente três espécimes de hominídeos com mais de 1,5 ma são completos o suficiente para que se faça uma estimativa precisa dessa proporção: Lucy (3,2 ma, Australopithecus afarensis), BOU-VP-12/1 (2,5 ma, possivelmente Australopithecus garhi), e Turkana Boy (1,5 ma, Homo erectus). Lucy era bípede, mas possuía braços e pernas com proporções muito semelhantes às de um chimpanzé, apenas com o fêmur relativamente um pouco mais longo. O espécime BOU-VP-12/1 já apresenta proporções modernas para o fêmur, mas ainda tem um antebraço relativamente longo. Finalmente, as proporções entre os membros superiores e inferiores do Turkana Boy são iguais às dos seres humanos modernos. A comparação destes três espécimes sugere que, relativamente aos antropóides, primeiro, o fêmur se alongou e, em seguida, o antebraço se encurtou (ASFAW et al., 1999, p. 633). Braços longos são associados a vida nas árvores e pernas longas a bipedalismo. Há indícios, portanto, de que nossos ancestrais já estavam bem adaptados ao andar bípede (e, provavelmente, à vida na savana) quando definitivamente dispensaram as árvores como abrigo noturno. Na savana, para continuar vivo, nenhum animal pode ser incompetente em seu modo de locomoção, a não ser que possua algum mecanismo de defesa especial, como veneno ou espinhos, o que obviamente não era o caso dos australopitecos. Por isso, Johanson e Edey (1996, p. 451) argumentam que provavelmente os ancestrais dos australopitecos tiveram que dominar o bipedalismo ainda na floresta, antes de se aventurarem na savana. Gibões, por exemplo, quando descem ao chão, são bípedes bastante desajeitados. Os australopitecos, ao contrário dos gibões, viviam em savanas (WYNN, 1988, p. 276), e eram bípedes suficientemente competentes: É provável que Lucy não pudesse sacudir os dedos dos pés melhor do que uma mulher moderna, mas pelo menos podia andar tão bem quanto — talvez o dia inteiro sem se cansar; é discutível, entretanto, que pudesse correr com a mesma velocidade. Todo esqueleto afarensis sugere extrema inflexibilidade, capacidade e força, e não velocidade. Em comparação, um esqueleto humano 102 moderno parece atenuado e frágil. Nós somos mais leves, mais delgados e mais rápidos, mas muito menos fortes para o nosso tamanho e, com certeza, menos duráveis. (JOHANSON; EDEY, 1996, p. 459). Um problema com a argumentação de Johanson e Edey (1996) é que nenhum antropóide ou hominídeo corre rápido o bastante para fugir de predadores ou para perseguir presas, mesmo as de pequeno porte como roedores. Quanto a isso, ser plenamente quadrúpede é muito mais vantajoso. Para se aventurar na savana, os nossos ancestrais tiveram que se organizar em grupos e/ou usar armas. Os australopitecos possuíam cérebro pequeno, mesmo considerando sua baixa estatura. Uma vez que um animal de grande porte tenderá a ter um cérebro maior do que um animal pequeno, mesmo possuindo uma capacidade cognitiva inferior, a diferença entre os tamanhos dos cérebros de diferentes indivíduos será melhor apreciada se sua massa corporal considerada. Mas o crescimento da massa cerebral com o crescimento do massa do corpo não é linear, e, por isso, McHenry e Coffing (2000) utilizaram para o cálculo do coeficiente de encefalização, CE, a seguinte fórmula, em que a massa do cérebro, C, está expressa em gramas e a massa do corpo, M, em quilogramas: CE = C 11, 22 × M 0,76 (5.2) Como se pode ver na Tabela 1, em média, as diversas espécies de Australopithecus, comparadas aos chimpanzés (Pan troglodytes), possuíam um corpo mais leve e um cérebro mais pesado. A diferença é um pouco mais expressiva se forem comparados os coeficientes de encefalização. Como vimos no capítulo anterior, os antropóides, particularmente os chimpanzés, utilizam ferramentas, e, em alguns casos, ferramentas de pedra. Entretanto, ao contrário do que fazem com galhos, eles não procuram dar forma às suas ferramentas de pedra; simplesmente usam o que está à mão. As primeiras ferramentas de pedra que se percebe terem sido intencionalmente modeladas têm 2,5 ma, e, provavelmente, foram feitas por uma espécie de australopiteco: It is not currently possible to positively identify the creators of the earliest stone tools here or at Gona, even though A. garhi is currently the only recognized hominid taxon recovered from Hata sediments. (de HEINZELIN et al., 1999, p. 627). Juntamente com as ferramentas, foram encontrados ossos com marcas indicavam terem eles sido descarnados com uma lâmina cortante e, em seguida, quebrados, provavelmente para a retirada da medula óssea. Nas proximidades do local onde foram encontradas as ferramentas 103 Tabela 1: Características físicas de diferentes espécies de hominídeos Espécie Período (ma) Massa (kg) M. F. Estat. (cm) M. F. Pan troglodytes Au. anamensis Au. afarensis Au. africanus Au. aethiopicus Au. garhi P. boisei P. robustus H. habilis H. rudolfensis H. ergaster H. sapiens atual 4,2–3,9 3,9–3,0 3,0–2,4 2,7–2,2 2,5– ? 2,3–1,4 1,9–1,4 1,9–1,6 2,4–1,6 1,9–1,7 atual 49 51 45 41 — — 49 40 37 60 66 58 — — 151 138 — — 137 132 131 160 180 175 41 33 29 30 — — 34 32 32 51 56 49 — — 105 115 — — 124 110 100 150 160 161 Cérebro (g) APC (mm2 ) CE CM 395 — 434 448 — 446 514 523 601 736 849 1350 294 428 460 516 688 — 756 588 478 572 377 334 2,0 — 2,5 2,7 — — 2,7 3,0 3,6 3,1 3,3 5,8 0,9 1,4 1,7 2,0 — — 2,7 2,2 1,9 1,5 0,9 0,9 Fonte: McHenry e Coffing (2000, p. 127). O período de existência das espécies está registrado em ‘milhões de anos atrás’ (ma). APC é área da superfície dos dentes pós-caninos; CE é o coeficiente de encefalização; CM, o coeficiente de mastodontia. não havia a matéria-prima necessária à sua confecção e, por isso, de Heinzelin et al. (1999) presumem terem sido utilizadas por indivíduos superiores aos chimpanzés em sua capacidade de planejamento do futuro:1 The absence of locally available raw material on the flat featureless Hata lake margin may explain the absence of lithic artifact concentrations. The bone modification evidence demonstrates that early hominids were transporting stone to the site of carcass manipulation. The paucity of evidence for lithic artifact abandonment at these sites suggests that these early hominids may have been curating their tools (cores and flakes) with foresight for subsequent use. (de HEINZELIN et al., 1999, p. 629). Apesar de possuir um cérebro pequeno, com ∼450 cm3 , o espécime de Australopithecus garhi encontrado por Asfaw et al. possuía várias características dentárias e faciais que o tornavam distinto dos demais australopitecos e semelhante aos espécimes do gênero Homo. Por isso, os autores consideram que o Australopithecus garhi é um forte candidato a elo de ligação entre os australopitecos e o Homo ergaster, que eles consideram antecessor do Homo erectus (ASFAW et al., 1999, p. 632). Outro candidato a elo de ligação entre Australopithecus e Homo é o Homo habilis, que recebeu este nome por ter sido descoberto próximo a ferramentas de pedra e, principalmente, por 1 Em contraste com a hipótese de de Heinzelin et al., como vimos no capítulo anterior (p. 86), há relatos de chimpanzés carregarem ferramentas. 104 ter uma capacidade craniana claramente superior à dos australopitecos (ver Tabela 1, p. 104). Vários outros espécimes também foram encontrados associados a ferramentas de pedra, mas não há indícios de que o Homo habilis usasse o fogo. Apesar de, quanto a essas características, ser mais avançado do que os australopitecos, alguns pesquisadores têm argumentado que os pés do Homo habilis possuíam características mais primitivas do que os do Australopithecus afarensis e supõem que ele poderia ser descendente do Australopithecus africanus e ainda estar bem adaptado à vida nas árvores (HARCOURT-SMITH; AIELLO, 2004, p. 412). Outra característica do habilis apropriada para a vida nas árvores é o seu pequeno tamanho. Por todas essas características, muitos paleoantropólogos consideram que o Homo habilis seria mais corretamente classificado como Australopithecus habilis (HARCOURT-SMITH; AIELLO, 2004, p. 404). As discordâncias entre os especialistas, brevemente descritas, acima deixam claro que, infelizmente, o resultado a que se pode chegar até o momento é simplesmente o de que as peças encontradas ainda não são suficientes para montar o quebra-cabeças sobre a origem do gênero Homo: In summary, there are a number of different scenarios for the evolution of the hominin foot, and these largely depend on which interpretations one prefers. However, what emerges is that the overall picture is highly complex, and implies that different taxa living in different parts of Africa, but at a similar point in time, were most likely to have hand feet that represent a mosaic of humanlike and ape-like morphologies, but that these mosaics were different to each other, implying qualitatively different modes of bipedalism. Depending on the interpretation, this most probably suggests a spectrum of hominin bipedal adaptation from species incorporating a greater or lesser degree of arboreal climbing behaviour with terrestrial bipedalism, to full obligate bipedalism. (HARCOURT-SMITH; AIELLO, 2004, p. 412). 5.4 O gênero Homo 5.4.1 O cérebro grande Há algumas décadas, considerava-se que uma espécie de hominídeo merecia ser considerada como pertencente ao nosso gênero se possuísse um cérebro grande (LEAKEY, 1994, p. 27). A adoção desse critério foi motivada pelo fato do tamanho do nosso cérebro ser a característica física que mais claramente se destaca quando somos comparados com outras espécies: It is possible to estimate the ratio of body to brain O2 consumption. For most mammals, the metabolic ratio of these two factors (Mbrain /Mbody ) is less than 105 10 percent. For humans, however, this figure jumps to 20 per cent. (MILTON, 1988, p. 299). Além de consumir muito oxigênio, o cérebro impõe outros custos metabólicos elevados para o organismo, requerendo grande quantidade de glicose, tanto durante os períodos de vigília quanto durante o sono (MILTON, 1988, p. 299). É interessante observar, entretanto, que o aumento do cérebro foi acompanhado por uma redução dos intestinos, o que indica ter havido uma melhora substancial na dieta dos nossos ancestrais mais recentes: [. . . ] the metabolic costs of the relatively large and energy-expensive human brain were balanced by a corresponding reduction of the size of the equally expensive human gut. [. . . ] The higher the quality of the diet the smaller and simpler is the gut. (AIELLO; WELLS, 2002, p. 328). Um órgão com custos tão elevados de manutenção necessariamente presta serviços relevantes para a sobrevivência e reprodução de seu portador. Caso contrário, não teria sido naturalmente selecionado. Mas, com a crescente descoberta de fósseis, percebeu-se que o crescimento do cérebro era muito recente e que várias espécies de hominídeos já possuíam muitas características humanas, embora ainda tivessem um cérebro de tamanho mais próximo ao dos antropóides do que ao nosso. O tamanho do cérebro continua sendo importante, mas hoje se utiliza um conjunto maior de critérios para classificar uma espécie de hominídeo como pertencente ao gênero Homo, sendo os principais o bipedalismo plenamente desenvolvido e a forma dos dentes (caninos e molares pequenos) (CELA-CONDE; AYALA, 2003, p. 7684). Nas subseções seguintes, revisaremos as características básicas das espécies pertencentes ao gênero Homo melhor conhecidas. 5.4.2 Homo ergaster São muitas as hipóteses do caminho evolutivo que levou ao surgimento do gênero Homo. Mas as evidências existentes até o momento apontam que, uma vez surgido, há ∼2 ma, o Homo erectus permaneceu como única espécie do nosso gênero por mais de um milhão de anos. Entretanto, também sobre isso não há consenso porque alguns cientistas classificam alguns espécimes africanos mais antigos como Homo ergaster e reservam o nome Homo erectus aos espécimes asiáticos. Comparado aos australopitecos, o Homo ergaster não apresentava nenhum sinal de arborealismo: ele era mais alto e mais pesado, vivia num ambiente menos arborizado e mais seco (savana), e possuía um tórax em formato de barril (e não afunilado, como o dos australopitecos 106 e antropóides). Ele também possuía dentes, mandíbulas e intestino menores do que os dos australopitecos, o que indica um consumo de alimentos mais ricos e mais fáceis de mastigar e digerir. Seu cérebro era maior, e seus fósseis foram freqüentemente encontrados juntamente com ferramentas de pedra (AIELLO; WELLS, 2002; MCHENRY; COFFING, 2000; WYNN, 1988). Basicamente, o plano anatômico do homem moderno já estava completo com o Homo ergaster. Mas ele ainda possuía um esqueleto mais robusto e um cérebro consideravelmente menor, variando de 750 cm3 nos espécimes mais antigos de Homo ergaster a 1225 cm3 em alguns dos mais recentes.2 O fato de ser completamente bípede, indica que o Homo ergaster já possuía uma cultura material e uma organização social complexas o suficiente para garantir proteção contra os grandes predadores da savana. Ele não precisava dormir em ninhos construídos nas árvores, como o fazem os antropóides e provavelmente também o faziam os australopitecos. Não é a toa que de todos os antropóides, o gorila, embora seja quadrúpede, possui os pés mais parecidos com os dos humanos. Áreas de campo aberto são as mais adequadas para a alimentação dos grandes herbívoros, que podem contar com uma grande quantidade de gramíneas. Numa floresta fechada, a vegetação nova e mais fácil de digerir está na copa das árvores, principalmente nas pontas dos galhos, que somente podem ser alcançados por animais pequenos o bastante para não quebrar os galhos mais finos. Conseqüentemente, na savana estão as melhores oportunidades de caça. Um corpo grande e pesado — claramente uma desvantagem para um animal arbóreo — pode ser adaptativo para um habitante das savanas, ao permitir explorar uma área mais vasta e caçar presas maiores (AIELLO; WELLS, 2002, p. 324). Asfaw et al. compararam a morfologia de um crânio de Homo erectus de ∼1 ma encontrado na Etiópia com diversos crânios de Homo ergaster (africanos) e de Homo erectus (africanos e asiáticos) e concluíram que eles são semelhantes o bastante para serem considerados representantes de diferentes populações de uma única e longeva espécie em evolução, e não indivíduos de espécies diferentes. O espécime analisado tinha um cérebro de 995 cm3 e uma anatomia intermediária tanto entre os espécimes mais antigos e mais recentes da África quanto entre os espécimes africanos e asiáticos (ASFAW et al., 2002, p. 317–8). O Homo erectus de um milhão de anos atrás viveu numa savana, como atestam os restos fósseis de outros animais encontrados no mesmo local: The bovid assemblage is dominated by alcelaphine diversity and abundance not recorded at older African sites. Widespread open grassland habitats are thereby indicated. Adjacent water-margin habitats are evidenced by three Kobus species and abundant hippo fossils. (ASFAW et al., 2002, p. 317). 2 Tamanhos de cérebro obtidos na Internet: http://talkorigins.org/faqs/homs/species.html, acesso em 25 de maio de 2007. 107 Outra evidência de se tratar da mesma espécie está no fato de a tecnologia de africanos e asiáticos ter evoluído da mesma forma e seguindo a mesma cronologia: Through time and across its eastern hemispheric range, the technologies employed by this taxon ranged from Oldowan to Acheulean. (ASFAW et al., 2002, p. 319). 5.4.3 Homo erectus O Homo erectus provavelmente surgiu na África, mas logo se dispersou também pela Ásia. Já há ∼1,7 ma o leste da Ásia era habitado pelo Homo erectus com sua característica tecnologia Olduvaiense (ANTÓN; SWISHER, 2004, p. 272). Nesse período, as ferramentas eram fabricadas intencionalmente, mas sem grande planejamento. Para se produzir as ferramentas de pedra encontradas junto aos fósseis de até 1,5 milhão de anos, é suficiente que se jogue as pedras umas contra as outras. Eventualmente, um dos estilhaços terá um formato útil, como, por exemplo, o de uma lâmina cortante que poderá ser usada como faca: Nicholas Toth suspects that the earliest toolmakers did not have the specific shapes of the individual tools in mind—a mental template, if you like—when they were making them. More likely, the various shapes were determined by the original shape of the raw material. The Oldowan industry—which was the only form of technology practiced until about 1.4 million years ago—was essentially opportunistic in nature. (LEAKEY, 1994, p. 37). Durante o período de 1,8 a 1,5 ma, o Homo erectus (ou H. ergaster) basicamente se limitou a tirar lascas de pedras. Ferramentas assim produzidas foram primeiramente descobertas no Vale Olduvai, na Tanzânia, e, por isso, ferramentas semelhantes encontradas em outros locais da África e Ásia são consideradas pertencentes à tecnologia Olduvaiense. O uso dessas ferramentas é um indício de que os hominídeos estavam ocupando um habitat mais árido e diversificando sua dieta: Some investigators argue that between 1.8 and 1.5 Ma this record begins to indicate a more complicated and diverse foraging strategy with greater utilization of marginal areas including dry uplands and areas further from standing water. Likewise others suggest that at this time a differential pattern focusing on both meat and marrow acquisition is evidenced in the faunal record with hominins accessing carcasses earlier than had previously been the case. (ANTÓN; SWISHER, 2004, p. 282). 108 Desde 1,5 ma começaram a aparecer ferramentas que demonstram ter sido feitas com um maior planejamento, que claramente não poderiam ter sido feitas por um antropóide. Para se produzir as peças como as encontradas nesse novo período, é preciso moldar a pedra intencionalmente. O produto final já teria que estar na mente do artesão no momento em que ele escolhia um bloco para começar a trabalhar (LEAKEY, 1994, p. 39). Lascas grandes eram extraídas das pedras e, depois, transformadas em ferramentas típicas do período (WYNN, 1988, p. 280). Eram feitas peças como machados de mão e facas (MCHENRY; COFFING, 2000, p. 128–9). A nova tecnologia é chamada de Acheulense, uma referência a St. Acheul, na França, onde foi descoberta. O próximo estágio na tecnologia já será dado pelo Homo sapiens: After more than a million year of relative stasis, the simple handaxe industry of Homo erectus gave way to a more complex technology fashioned on large flakes. And where the Acheulean industry had perhaps a dozen identifiable implements, the new technologies comprised as many as sixty. The biological novelty we see in the anatomy of the archaic sapiens, including the Neanderthals, is clearly accompanied by a new level of technological competence. Once the new technology has become established, however, it changed little. Stasis, no innovation, characterized the new era. (LEAKEY, 1994, p. 93). O nível tecnológico, mais uma vez, estagnou. Somente há cerca de 35 a 100 mil anos começaram a surgir ferramentas mais sofisticadas paralelamente a obras de arte e outras evidências de que nossos ancestrais haviam atingido um novo patamar em sua evolução cognitiva. Segundo Leakey, sinais de uma mente humana moderna podem ser encontrados na agricultura desenvolvida 10.000 atrás e, antes disso, na arte pré-histórica de 35.000 anos atrás: When change did come, however, it was dazzling [. . . ]. About 35,000 years ago in Europe, people began making tools of the finest form, fashioned from delicately struck stone blades. For the first time, bone and antler were used as row material for toolmaking. Tool kits now comprised more than one hundred items, and included implements for fashioning rough clothing and for engraving and sculpting. For the first time, tools became works of art: antler spear throwers, for example, were adorned with lifelike animal carvings. [. . . ] Unlike previous eras, when stasis dominated, innovation is now the essence of culture, with changes being measured in | millennia rather than hundreds of millennia. (LEAKEY, 1994, p. 93–4). Leakey e Lewin (1996) especulam que a invenção de uma bolsa para carregar frutos foi revolucionária, tornando possível o desenvolvimento do altruísmo entre os humanos, que puderam transportar comida para o local do acampamento. Este altruísmo, por sua vez, seria a característica distintamente humana, que fez nossa espécie evoluir e se tornar cada vez mais inteligente: 109 É fácil transportar uma grande quantidade de carne: é só jogar o animal, ou parte dele, sobre os ombros. Todavia, uma porção de grãos representa um problema tecnológico: sem um recipiente adequado, ou se come na hora, ou a comida apodrecerá. (LEAKEY; LEWIN, 1996, p. 130). Especular em sentido inverso também é possível. O desenvolvimento do altruísmo criou a necessidade do desenvolvimento da bolsa e, dado que certamente os hominídeos eram bastante criativos, (a criatividade já está presente nos antropóides atuais, por exemplo), eles resolveram o problema tecnológico, criando a bolsa. Se não houvesse altruísmo não haveria nenhum problema tecnológico a ser resolvido. Com o altruísmo temos a cooperação e com a cooperação surgem os trapaceiros e, conseqüentemente, a necessidade de se detectar os trapaceiros. Foi nessa corrida evolutiva que se desenvolveu o cérebro humano. A espécie humana, além dos insetos sociais, antes da invenção da agricultura e da escrita, foi a única em que a cooperação se desenvolveu a ponto de existir divisão de trabalho entre categorias de trabalhadores (homens caçando e mulheres coletando). Nem sempre os homens comiam a carne de um animal caçado por eles próprios: Shipman examined the distribution of cut marks on ancient bones and made two observations. First, only about half were indicative of dismemberment; second, many were on bones that bore little meat. Furthermore, a high proportion of cut marks crossed over marks left by carnivore teeth, implying the carnivores got to the bones before the hominids did. (LEAKEY, 1994, p. 72). Chimpanzés também caçam pequenos animais, o que pode significar que a caça não foi iniciada pelos hominídeos, já sendo praticada pelo nosso ancestral que temos em comum com os chimpanzés. Alternativamente, pode-se considerar que esse ancestral não caçava e que os chimpanzés tornaram-se caçadores após a divergência do nosso ancestral comum. Em todo caso, muitos paralelos podem ser traçados entre a atividade de caça de humanos e de chimpanzés: In the generalisations advanced in the speculative literature, many parallels exist between hunting by actual chimpanzees and by hypothesised protohominids: both are done mostly by males. Both concentrate on immature prey. Both parasitise other predators by piracy or scavenging. Both involve solitary or social hunting. In social hunting both exchange information that helps to coordinate the actions of several hunters toward the common goal of bringing down the prey. (MCGREW, 1992, p. 116). McGrew (1992) usa os conceitos de tecnounidade e subsistantes para quantificar o grau de evolução tecnológica de uma espécie usuária de ferramentas. Com esses conceitos, ele consegue comparar os chimpanzés com os tecnologicamente mais primitivos dos povos humanos 110 já estudados. A comparação é feita entre as ferramentas de chimpanzés da Tanzânia com as de povos primitivos da Tasmânia, levando à conclusão de que a tecnologia empregada pelos chimpanzés não é radicalmente inferior à empregada pelos humanos modernos mais primitivos já existentes: Both tool-kits focus on the same raw materials: woody vegetation, stone, nonwoody vegetation. Both use tools mainly for animal rather than for plant prey. Both emphasise tended rather untended facilities. Both ‘outwit’ prey: for example, human hide and chimpanzee perch. (MCGREW, 1992, p. 141). Uma grande diferença entre o nível tecnológico humano e antropóide é o uso do fogo. Todos os povos caçadores e coletores de que se teve notícia usam o fogo para cozinhar os alimentos, para se defender de predadores e para se aquecerem em clima frio. Mas há relatos de que alguns povos não sabiam ou haviam desaprendido a fazer o fogo, ficando obrigados a manter pelo menos uma chama permanentemente acesa, como os Tasmanianos (já extintos) (MCGREW, 1992) e vários povos indígenas da América do Sul (parakanãs, sirionós, yuquis e wari) (FAUSTO, 2001, p. 145). Assim, embora haja evidências de que o Homo erectus usasse o fogo (ANTÓN; SWISHER, 2004, p. 289), não é certo que fosse capaz de produzi-lo. Depois de surgido, o Homo erectus rapidamente passou a ocupar um vasto território, incluindo diversas regiões da África e da Ásia. De ∼2 ma a ∼0,5 ma, o Homo erectus parece ter permanecido como uma única espécie. A expansão da área ocupada pelo H. erectus significa que o nível tecnológico por ele alcançado já era sofisticado o suficiente para importantes acidentes geográficos deixarem de ser obstáculos à sua mobilidade e para permitir-lhe ocupar diferentes nichos ecológicos. A unidade filogenética do H. erectus por todo esse período pode ser interpretada como um forte indício de que a sua adaptação aos diferentes nichos ecológicos eram mais cultural do que anatômica, e que a migração de indivíduos da África para a Ásia (e fazendo o caminho inverso) não foi interrompida, permitindo a manutenção da unidade genética da espécie. O fluxo migratório constante garantiria que qualquer inovação genética importante poderia se espalhar pelo resto do mundo em alguns milhares de anos, antes que as diferentes populações pudessem constituir espécies distintas. Segundo Asfaw et al. (2002, p. 319), há ∼0,95 ma teve início grandes oscilações nas condições climáticas mundiais, o que poderia ter levado ao isolamento de populações e à conseqüente especiação do H. erectus. Os fósseis mais recentes de Homo erectus têm ∼200 mil anos e foram encontrados na Ásia, mas há ∼500 mil anos começaram a surgir novas espécies derivadas do H. erectus. Entre elas, o H. neandertalensis e o H. sapiens. 111 5.4.4 Neandertalenses O primeiro fóssil de um neandertalense foi encontrado em 1856 no Vale Neander, na Alemanha. Os neandertalenses eram mais fortes do que os humanos modernos e também tinham um cérebro um pouco maior (cerca de 1450 cm3 ), parecendo especialmente adaptados ao clima frio da Europa durante as eras glaciais. Não há consenso entre os pesquisadores se os neandertalenses são ou não nossos ancestrais, mas as evidências mais recentes indicam que não houve miscigenação entre os neandertalenses e os humanos arcaicos. Harvati, Frost e McNulty (2004) compararam a morfologia dos crânios de seres humanos modernos, humanos do período paleolítico, neandertalenses, e vários outros primatas, incluindo várias espécies de antropóides e de macacos. As diferenças morfológicas entre neandertalenses e humanos, eram demasiadamente grandes para que se tratasse de duas raças da mesma espécie. Muito provavelmente, neandertalenses e humanos seriam espécies distintas, incapazes de produzir descendentes férteis e, portanto, os seres humanos modernos não teriam genes herdados dos neandertalenses (HARVATI; FROST; MCNULTY, 2004, p. 1152). Os estudos morfológicos são complementados por análises do DNA mitocondrial de neandertalenses, feitas por Krings et al. (1997) e Ovchinnikov et al. (2000), que também apresentam fortes evidências deles não estarem entre os ancestrais dos humanos. Se fosse este o caso, seria de se esperar que o DNA dos espécimes analisados fosse mais semelhante ao dos humanos atuais que vivem na Europa do que ao dos habitantes das demais regiões do globo. As análises revelaram o contrário: cada um dos dois espécimes encontrava-se geneticamente igualmente distante de todas as populações humanas atuais (KRINGS et al., 1997, p. 24; OVCHINNIKOV et al., 2000, p. 492). Os autores estimam que o último ancestral comum entre humanos modernos e neandertalenses viveu entre 550.000 e 690.000 anos atrás (KRINGS et al., 1997, p. 24) ou entre 365.000 e 853.000 anos (OVCHINNIKOV et al., 2000, p. 492). As diferenças genéticas entre humanos e neandertalenses parecem ter sido suficientes para impedir a gestação de descendentes férteis. Segundo Duarte et al. (1999), o fóssil encontrado por sua equipe em Largar Velho, Portugal, apresenta uma morfologia híbrida de humano moderno e neandertalense e há indícios do fóssil ser remanescente de uma sepultura ornamentada com conchas furadas e ocre vermelho, ou seja, traços de cultura humana. Tattersall e Schwartz (1999), entretanto, consideram que o fóssil de Largar Velho não apresenta evidências suficientes de hibridismo, sendo mais parcimoniosa a interpretação de se tratar de homem moderno mais entroncado do que a maioria dos indivíduos do seu tempo. 112 O fato dos neandertalenses não serem nossos ancestrais significa que, provavelmente, eles foram, de alguma forma, extintos em decorrência de ações humanas. Tais ações tanto podem ter sido pacíficas quanto bélicas (LEAKEY, 1994, p. 98). Mesmo uma pequena vantagem dos humanos modernos na exploração dos recursos naturais seria suficiente para obrigar os neandertalenses a ocuparem áreas cada vez mais restritas e, por fim, demasiadamente pequenas para permitir a sustentação de uma população. Neste cenário, a extinção não poderia ser considerada resultado de ação humana violenta, e poderia ocorrer em poucos milhares de anos a partir do momento em que os humanos fossem superiores aos neandertalenses. O problema é que os fatos conhecidos não permitem excluir a hipótese da eliminação dos neandertalenses pela violência. Assim como na hipótese anterior, também por meio da guerra seria de se esperar que os freqüentemente vencidos em inúmeras pequenas batalhas desaparecessem em alguns milhares de anos. Sendo os neandertalenses fisicamente bem adaptados ao clima frio, é provável que os humanos, recém-chegados da África, tenham necessitado de alguns milhares de anos para se tornarem, em decorrência de seu desenvolvimento cultural, melhor adaptados ao meio ambiente europeu do que os próprios neandertalenses. Isso explicaria porque, em muitas regiões, neandertalenses e humanos conviveram por dezenas de milhares de anos. Outra explicação seria que a aparente coexistência encontrada no registro fóssil tenha sido na verdade ocupação alternada do mesmo território, decorrente das idas e vindas das eras glaciais: It is possible that the different populations occupied the region by turns, following climatic shifts. In colder times, modern humans moved south and the Neanderthals occupied the Middle East; in warmer times the reverse occurred. Because time resolution of cave deposits is poor, this kind of ‘sharing’ of a locality can look like coexistence. It is worth noting, however, that where we do know that Neanderthals and modern humans coexisted-in Western Europe, 35,000 years ago-they did so for a millennium or two at most[. . . ] (LEAKEY, 1994, p. 99). Entre humanos modernos, as guerras são feitas por diversos motivos, principalmente por mulheres, e as alianças entre tribos diferentes são feitas por vários meios, principalmente pelos casamentos.3 Assim, a impossibilidade de produção de descendentes férteis entre humanos e neandertalenses fez com que essa via para formação de alianças tenha inexistido entre eles. 3 Ver Linton (1968), Chagnon (1968), Gallois (1986), Seeger (1993) e Fausto (2001). 113 5.4.5 Homens modernos Não encontrei um conjunto de características aceitas consensualmente como adequadas para classificar uma espécie como homem moderno, em oposição a homem arcaico. Mas, pelos textos que revisamos até aqui, podemos considerar como moderna a espécie com andar ereto, dentes essencialmente humanos, cérebro grande e domínio da linguagem como a praticamos hoje. Os dois primeiros critérios encontram-se nos registros fósseis, mas não o terceiro. Ao contrário das incertezas que cercam a origem do Homo erectus, não havendo consenso sobre quem foram seus ancestrais, há poucas dúvidas de que o homem moderno evoluiu a partir do H. erectus: The transition from later Homo erectus to early Homo sapiens was a gradual one. Several ‘transitional’ fossils, sharing characteristics of both, are known from Europe and Africa and date to about 300 000 years ago (Jelinek 1980). Most of the evolutionary changes occurred in facial and cranial anatomy. There was no great jump in brain size. Indeed, the EQ of Homo sapiens is little greater than that of late Homo erectus, many of which fall within the range of modern humans.. (WYNN, 1988, p. 282) Há duas hipóteses para a origem do homem. A primeira, hipótese multiregional, cada vez menos defendida, diz que a espécie humana moderna não se originou em lugar específico. Pelo contrário, as melhorias genéticas ocorridas entre as diferentes populações de H. erectus teriam constantemente irradiado por toda a população. Nesse modelo, não teria havido extinção de espécies humanas nas últimas centenas de milhares de anos ou as extinções teriam se dado apenas com as populações mais isoladas. Defensores desse modelo argumentam que qualquer mutação genética que traga alguma vantagem, mesmo pequena, para seus portadores tenderia a se espalhar rapidamente por toda a população, e que as diferentes populações de H. erectus estavam minimamente interconectadas para que a maioria fosse atingida pelas melhorias. Neste modelo, os neandertalenses estariam entre nossos ancestrais. Entretanto, muitos acreditam que no período em que surgia a espécie humana moderna não havia fluxo genético suficiente para evitar a especiação do H. erectus: Most population geneticists [. . . ] are skeptical of the feasibility of the multiregional-evolution model. They note that the multiregional model requires extensive gene flow across large populations, linking them genetically while allowing evolutionary change to turn them into modern humans. (LEAKEY, 1994, p. 91). A segunda hipótese seria de que a espécie humana teve origem numa ou poucas populações africanas e substituiu todas as outras espécies de hominídeos existentes na Terra. Já vimos 114 que, provavelmente, não houve miscigenação entre os neandertalenses e os hominídeos e outras evidências têm se acumulado em favor da hipótese de uma origem africana. A heterogeneidade genética entre as diferentes populações humanas modernas é muito pequena para que a hipótese multiregional seja verdadeira. Além disso, o modo como essa heterogeneidade genética se dá é incompatível com o modelo multiregional. A heterogeneidade genética entre duas populações é diretamente proporcional ao tempo de isolamento entre elas. Assim, pelo modelo multiregional, seria de se esperar que os diferentes continentes apresentassem uma variação genética semelhante entre suas populações; não seria de se esperar, por exemplo, que as diferentes populações da África fossem significativamente mais heterogêneas entre si do que as populações européias ou asiáticas. Entretanto, ocorre justamente isso. O continente africano apresenta as populações que se encontram geneticamente isoladas há maior tempo desde o surgimento da espécie humana. Na África, pode-se dizer que os povos que ainda vivem ou viviam até recentemente da caça e da coleta somente tinham este meio de vida devido ao seu alto grau de isolamento das demais populações africanas, e são justamente eles os que apresentam maior heterogeneidade genética: The most ancient branch suggested by the TD analysis represents African huntergatherer populations, from which the branch leading to contemporary African farming populations and non-African populations separates. After the separation of African farmers from non-Africans, the non-African branch divides into Eurasia, Oceania, East Asia, and America, in that order. (ZHIVOTOVSKY; ROSENBERG; FELDMAN, 2003, p. 1178). Segundo Zhivotovsky, Rosenberg e Feldman, o padrão de variação genética entre as diversas populações é compatível com um modelo em que os humanos hoje existentes seriam todos descendentes de uma pequena população existente na África há cerca de 71–142 mil anos atrás: How small was the ancestral African population? [. . . ] the effective size of the ancestor population might have been as low as 700. [. . . ] The estimate does not preclude the presence of other populations of Homo sapiens sapiens in Africa, although it suggests that they were probably isolated from one another genetically and that contemporary worldwide populations descend from one or very few of those populations. (ZHIVOTOVSKY; ROSENBERG; FELDMAN, 2003, p. 1180). White et al. (2003) descrevem espécimes humanos datados de 154.000 a 160.000 anos atrás e encontrados na Etiópia (Herto, Awash do Meio), nomeados Homo sapiens idaltu. Um indivíduo de sexo masculino tinha uma capacidade craniana de 1.450 cm3 , superior à média dos humanos modernos e igual à média dos neandertalenses. Mas, morfologicamente, é possível afirmar que certamente não se tratava de um neandertalense. Os espécimes encontrados possuíam uma morfologia basicamente moderna, mas com alguns traços típicos do H. erectus (WHITE et al., 2003, p. 742–3). 115 Os autores dizem que os espécimes de H. sapiens idaltu encontrados estavam morfologicamente eqüidistantes da maioria dos humanos modernos, o que é equivalente a argumentar ter o crânio provavelmente pertencido a um indivíduo muito próximo da postulada pequena população que deu origem a todos os humanos modernos: Among the global sample of modern humans, the Herto crania, both metrically and non-metrically, lack any derived affinity with modern African crania or with any other modern group, confirming earlier suggestions. Instead, the closest approximations among modern individuals to the overall morphology, size and facial robusticity are found in some Australian and Oceanic individuals, although these are also clearly distinct from the Herto hominids. (WHITE et al., 2003, p. 744). 5.5 Origem da linguagem A linguagem é fundamental para a coordenação do trabalho em equipe e, portanto, para a cooperação em larga escala. Na elaboração de um modelo baseado em agentes, uma discussão sobre a origem da linguagem pode fornecer critérios para a determinação de quando e como atribuir aos agentes uma maior capacidade comunicativa. Os autores que estudam a evolução da linguagem não chegaram a um consenso sobre o processo que deu origem às línguas humanas modernas, mas todos concordam que o uso da linguagem como a conhecemos é um fenômeno relativamente recente. 5.5.1 Teoria da linguagem de sinais Devido ao fato dos antropóides serem capazes de aprender linguagem de sinais, e também porque as línguas humanas são ricas em metáforas espaciais, alguns autores propõem que a linguagem pode ter se originado da comunicação por gesticulação. Bickerton (1990, p. 142) e Aitchison (1996, p. 71) por outro lado, acreditam que tal teoria apenas complica a história da evolução da linguagem ao lhe acrescentar mais uma etapa. Concordo com esses autores e considero muito complicada a hipótese de que a linguagem se desenvolveu primeiro por gestos e, depois, foi transferida para a fala se se entender por isso que ao passar da linguagem por gestos para a linguagem falada o cérebro sofreu uma reordenação complexa. Entretanto, tal como proposta por Milo e Quiatt, a idéia parece plausível: But while argue for the late appearance of rapidly spoken phonemic speech, we do not wish to seem to be arguing that spoken human language is emergent (sensu Chomsky 1968, p. 60). We stress that except for the ability to 116 produce regularly distinguishable, arbitrary phonemes at a rapid enough rate to accommodate the inherent limits of short-term memory (Lieberman 1989), such linguistic features as syntax and the cognitive capacity to employ language were evolved over more than 1.5 million years. (MILO; QUIATT, 1994, p. 336). Outra teoria sugere que a linguagem se desenvolveu em decorrência do aprimoramento cognitivo resultante do uso cada vez maior de ferramentas: Gordon Hewes [. . . ] é um particular defensor da linguagem de gestos do hominídeo; ele mostra que as habilidades progressivas da manipulação, necessárias para manufaturar as ferramentas de pedra mais complexas, podem não estar desligadas das habilidades manuais associadas com as gesticulações complexas. (LEAKEY; LEWIN, 1996, p. 195). Entretanto, não consigo ver em que a habilidade para manipular ferramentas seja superior à habilidade manual necessária para pular de galho em galho. Além disso, Aitchison lembra a dificuldade que temos para usar a linguagem para explicar a uma pessoa como desenvolver uma atividade manual, para as quais é muito mais fácil fazer uma demonstração visual. Ele, portanto, considera pouco provável que a evolução da linguagem esteja associada ao desenvolvimento das ferramentas (AITCHISON, 1996, p. 19). Mas a inadequação da linguagem falada para a transmissão de conhecimentos práticos manuais não esgota as possíveis relações entre linguagem e uso de ferramentas. Está certo que, num certo sentido, a linguagem não é apropriada para ensinar alguém a fazer atividades práticas. O artesão ensina seu trabalho a um aprendiz pelo exemplo, e não com palavras. Mesmo assim, a linguagem tem um papel fundamental na transmissão de tecnologia: It is quite otherwise when what is taught is not the technique itself but the metatechnical principles, the relations between the relations-between-things, that allow for the generation — and not merely the implementation — of particular forms. Innovation, then, is not a deviation from tradition, originating in some chance insight or an accident of transmission. It is, rather, an exploration of the generative potentials of a received system of knowledge. (INGOLD, 1994, p. 287). 5.5.2 Teoria da protolíngua Bickerton argumenta que o Homo erectus falava uma protolíngua. Como ele fez isso por mais de um milhão de anos, essa protolíngua estaria já bem estabelecida em nossa base neurológica. A protolíngua se caracterizaria pelo uso de apenas algumas classes gramaticais como verbos e substantivos, sem o emprego de outras, mais abstratas, como preposições e conjunções. Em 117 protolíngua não é possível construir frases complexas sem ambigüidade. Nós chegaríamos ainda hoje a falar em protolíngua quando exaustos, confusos etc: The evidence just surveyed gives grounds for supposing that there is a mode of linguistic expression that is quite separate from normal human language and is shared by four classes of speakers: trained apes, children under two, adults who have been deprived of language in their early years, and speakers of pidgin. [. . . ] It is a species characteristic just as much as language is, although, unlike language, it may be within the reach of other species given appropriate training. (BICKERTON, 1990, p. 122). Tomasello (1999) não vê propriamente o uso de uma gramática mais complexa como o passo decisivo responsável pelo surgimento das línguas. Ele, entretanto, considera que, antes do homem moderno, nossos ancestrais já falavam algum tipo de língua. É realmente muito provável que o Homo erectus já falasse algum tipo de protolíngua, pois o surgimento da linguagem completamente desenvolvida de um momento para o outro seria uma evolução muito radical para ser ocasionada pela seleção natural. 5.5.3 Teoria da empatia Segundo Tomasello, os antropóides não são habilidosos na tarefa de ler a mente do outro, e é isto o que prejudica sua capacidade de transmitir conhecimentos: Despite some observations suggesting that some nonhuman primates in some situations are capable of understanding conspecifics as intentional agents and of learning from them in ways that resemble some forms of human cultural learning, the overwhelming weight of the empirical evidence suggests that only human beings understand conspecifics as intentional agents like the self and so only human beings engage in cultural learning. (TOMASELLO, 1999, p. 6). Segundo Tomasello, os chimpanzés em seu ambiente natural procuram seguir o exemplo dos seus semelhantes, mas sem uma clara compreensão das suas intenções. Eles, por exemplo, reproduziriam o comportamento de introduzir uma vareta num cupinzeiro, mas fariam isso sem pensar sobre quais seriam as intenções do seu semelhante ao ter feito o mesmo. Cada um descobriria por si próprio que serviria para capturar os cupins. Os chimpanzés, portanto, não se utilizariam de um método de transmissão cultural mais eficaz e tipicamente humano: The other main process involved in cultural transmission as traditionally defined is teaching. Whereas social learning comes from the ‘bottom up,’ as ignorant or unskilled individuals seek to become more knowledgeable or skilled, teaching comes from the ‘top down,’ as knowledgeable or skilled individuals seek to impart knowledge or skills to others. (TOMASELLO, 1999, p. 33). 118 Os seres humanos seriam os únicos a terem interesse em ser professores, doutrinadores. Isso lembra a noção de memes de Dawkins (1979), mas a argumentação aqui é bem mais concreta. Na teoria de Dawkins, os memes “querem” se reproduzir, pular de uma cabeça para outra. Os agentes são as idéias e não os indivíduos. Parece-me, entretanto, que não precisamos dessa metáfora. A teoria da empatia permite explicar de forma mais objetiva porque os humanos são doutrinadores. Os humanos deliberadamente tentam transmitir conhecimentos e, ao tentar fazer isso, levam em consideração o que se passa na mente do outro. Isso aumenta enormemente a eficácia do processo de transmissão cultural, permitindo a acumulação. Basta lembrar que uma aula é muito mais proveitosa quando é pequeno o número de alunos. Nesse caso o professor consegue constantemente ajustar seu discurso à compreensão dos alunos. Os chimpanzés, segundo Tomasello, são obrigados a reinventar a cultura num grau que nós estamos dispensados de fazer e isso limita sua capacidade de acúmulo cultural. O que Tomasello chama de imitação é a tentativa de uma pessoa se comportar como outra a partir do que considera serem as intenções da outra e não por simples tentativa de reproduzir os mesmos movimentos: Apes in their natural habitats do not have anyone who points for them, shows them things, teaches them, or in general expresses intentions toward their attention (or intentional states). (TOMASELLO, 1999, p. 35). De acordo com Tomasello, o que possibilitou à espécie humana dar um grande salto evolutivo nos últimos 200 mil anos, incluindo o desenvolvimento das línguas modernas, foi o que podemos chamar de capacidade de empatia, ou seja, a capacidade de imaginar o que se passa na mente de outra pessoa. Por um lado, existem milhares de maneiras diferentes e parecidas de se comunicar uma informação qualquer. Por outro lado, uma mesma frase pode ter muitos significados diferentes, dependendo do contexto em que é pronunciada. Quem fala precisa ter uma idéia do que a outra pessoa já sabe para escolher a forma mais apropriada de falar, e quem escuta precisa ter uma idéia do que a outra pessoa sabe e do que a outra pessoa acha que ela, que escuta, já sabe. Os seres humanos conseguem fazer isso porque são capazes de concentrar conjuntamente sua atenção sobre um aspecto do mundo. A capacidade de empatia está diretamente relacionada com a transmissão cultural. Segundo Tomasello, um chimpanzé observando outro utilizar uma ferramenta pode imitar seus movimentos, mas terá que descobrir por sua própria experiência o que acontece ao se manipular aquela ferramenta daquela forma. Um ser humano teria uma tendência natural a tentar compreender quais são os objetivos do outro, e isso, ao dar sentido às ações, facilitaria o processo de imitação. 119 De todos os milhares de movimentos realizados por um indivíduo, por que copiar este e não aquele? Resposta: Porque este permite atingir determinado objetivo desejável. Comparadas aos antropóides, as crianças humanas são especialmente interessadas em assimilar cultura: Children who understand that other persons have intentional relations to the world, similar to their own intentional relations to the world, may attempt to take advantage of the ways other individuals have devised for meeting their goals. (TOMASELLO, 1999, p. 78). Não obstante terem intensa vida social e afetiva, os chimpanzés viveriam em maior isolamento, sem compartilhar suas impressões sobre o mundo com seus semelhantes. Tomasello fornece um exemplo interessante que demonstra ser fundamental para uma comunicação bem sucedida concentrar conjuntamente a atenção sobre algum aspecto do mundo ou algum tema. Um estrangeiro num país cuja língua lhe fosse completamente estranha não teria a menor idéia do que estaria falando uma pessoa que se aproximasse comentando sobre o tempo, numa tentativa de iniciar uma conversa casual. Ele, entretanto, conseguiria se comunicar minimamente com, por exemplo, um vendedor de bilhetes de trem. Mesmo falando línguas diferentes, os dois saberiam quais eram as intenções do outro (TOMASELLO, 1999, p. 99). Essencialmente, falar é uma ação social e conversar, relação social, no sentido weberiano dos termos: We must therefore explicitly acknowledge the theoretical point that linguistic reference is a social act in which one person attempts to get another person to focus her attention on something in the world. And we can only be understood within the context of certain kinds of social interactions that I will call joint attentional scenes. Joint attentional scenes are social interactions in which the child and the adult are jointly attending to some third thing, and to one another’s attention to that third thing, for some reasonably extended length of time. (TOMASELLO, 1999, p. 97). O desenvolvimento moral também está relacionado com a característica distintiva dos humanos de empatia, ou seja, de terem uma teoria sobre como funciona a mente do outro: There is one other uniquely human aspect of social understanding that begins to make itself felt at the end of the early childhood period, and that concerns moral understanding. In the account of Piaget (1932), moral reasoning is not about following authoritative | rules, but rather it is about empathizing with other persons and being able to see and feel things from their point of view. (TOMASELLO, 1999, p. 179–80). Segundo Tomasello (1999), o que falta aos antropóides não é inteligência para desenvolver a tecnologia, mas inteligência e disposição para transmitir a cultura. Eles não são habilidosos na 120 tarefa de ler a mente do outro, e é isto o que prejudica sua capacidade de transmitir conhecimentos e acumular cultura. Os antropóides, entretanto, parecem estar a apenas poucos passos da capacidade de desenvolver empatia. Quando criados em ambiente humano e recebendo o mesmo tratamento, atenção e respeito que se costuma dispensar às crianças humanas, como o próprio Tomasello admite, eles desenvolvem muitas das características consideradas tipicamente humanas, embora não com a mesma competência: It may me objected that there are a number of very convincing observations of chimpanzee imitative learning in the literature, and indeed there are some. It is interesting, however, that basically all of the clear cases concern chimpanzees that have had extensive human contact. (TOMASELLO, 1999, p. 34). Segundo Tomasello, a compreensão dos fenômenos sociais é anterior à compreensão dos fenômenos físicos: [. . . ] my hypothesis is that the uniquely human ability to understand external events in terms of mediating intentional/causal forces emerged first in human evolution to allow individuals to predict and explain the | behavior of conspecifics and has since been transported to deal with the behavior of inert objects. (TOMASELLO, 1999, p. 24–5). Acredito que podemos estender esse raciocínio um pouco mais e dizer que devido à inteligência social (empatia), o pensamento humano tem uma tendência a ser antropomórfico (ou mitológico), que seria justamente um indício de que o mesmo módulo mental que processa informações sobre o que se passa na mente de outra pessoa está envolvido no processamento das informações sobre quais as causas dos fenômenos físicos. Mas essa não parece ser uma característica unicamente humana. A inteligência social (ou maquiavélica) é típica dos primatas que vivem em sociedade. 5.5.4 Antropóides humanizados Como vimos no capítulo anterior, os antropóides no seu ambiente natural apresentam uma capacidade de transmissão cultural não desprezível, mas a comunicação simbólica por eles desenvolvidas é extremamente simples. Chimpanzés, bonobos, orangotangos e gorilas criados em cativeiro, entretanto, são capazes de aprender linguagens simbólicas bastante sofisticadas, inclusive a língua falada pelas pessoas que cuidam deles (MILES; HARPER, 1994, p. 261), e essa competência lingüística é acompanhada de evidências de capacidade de auto-reflexão: 121 All of the ape projects have reported self-recognition by their animals, demonstrated by naming themselves, mirror self-recognition, and self-signing. [. . . ] Washoe signed QUIET to herself while sneaking to a forbidden part of her yard [. . . ]. Thus, apes appear to be able to use their signs for internal reflection and show a degree of self-awareness. (MILES; HARPER, 1994, p. 266). Um pré-requisito fundamental para o desenvolvimento de habilidades lingüísticas é o envolvimento emocional dos antropóides com os humanos. Os antropóides que adquiriram competência lingüística foram expostos à língua inglesa e ao convívio humano desde o nascimento. Eles foram criados soltos, fazendo o que queriam. Os seus companheiros humanos os tratavam como sujeitos com livre-arbítrio e direito à individualidade. Os seus “treinadores” não eram apenas treinadores. Eram pessoas socialmente importantes para eles e, por isso, eles se sentiam emocionalmente motivados a se esforçar para se comunicar com essas pessoas. O bonobo Kanzi, por exemplo, durante sua infância foi, incidentalmente, tratado pela pesquisadora Sue Savage-Rumbaugh praticamente como se fosse uma criança humana normal. Kanzi nasceu em cativeiro e foi separado de sua mãe biológica por Matata, outra bonobo que passou a cuidar de Kanzi como se fosse seu próprio filho. Durante os dois primeiros anos de vida de Kanzi, Savage-Rumbaugh estava tentando, praticamente sem sucesso, ensinar Matata a se comunicar usando um tabuleiro eletrônico com símbolos desenhados. Nesse período, Kanzi não estava recebendo nenhum treinamento, mas tinha permissão de permanecer com Matata durante as “aulas”. Se Kanzi fizesse alguma travessura realmente séria, Matata o repreendia e não se importava que Savage-Rumbaugh também o repreendesse, mas ela visivelmente não gostava quando a pesquisadora repreendia seu filho sem motivo: [. . . ] Kanzi was quick to recognize when I was irritated and to solicit Matata’s support if I tried to take back my pen or insist that he pick up things that he had just scattered all over the floor. He felt compelled to explore with considerable élan all dimensions of behaviors that were ‘okay’ with Matata but frustrating to me. This exploration of behavioral options as interpreted by me versus Matata often became Kanzis’s raison d’etre for an entire morning or afternoon. (SAVAGE-RUMBAUGH; SHANKER; TAYLOR, 1998, p. 20). Uma das travessuras de Kanzi consistia em tocar uma letra qualquer do tabuleiro antes que sua mãe tivesse tempo de pensar numa resposta para uma pergunta de Savage-Rumbaugh. Entretanto, o comportamento de Kanzi se transformou completamente quando foi decidido que Matata deveria ser levada para um outro local para se reproduzir. Sem Matata, Savage-Rumbaugh tornou-se o ser mais significativo para Kanzi e, ao invés de se divertir irritando-a, ele passou a procurar agradá-la. Kanzi passou imediatamente a usar o tabuleiro para se comunicar com Savage-Rumbaugh, demonstrando que havia compreendido bem as lições dirigidas à sua mãe. 122 A competência lingüística de Kanzi continuou progredindo e dezenas de novos símbolos foram gradualmente adicionados ao seu tabuleiro. Dentre as palavras adicionadas, “bom” e “ruim” provocaram um efeito interessante, indicador da capacidade de Kanzi de compreender noções abstratas: When the lexigrams ‘good’ and ‘bad’ were first placed on Kanzi’s keyboard, I did not think he would use them frequently, or with intent. I put them on so that everyone would have a clear way of indicating to Kanzi when we felt that he was being good or bad. To my surprise, Kanzi was intrigued with these lexigrams and soon began using them to indicate his intent to be good or bad, as well as comment to his previous actions as ‘good’ or ‘bad’. [. . . ] He would, for example, announce his intent to be bad before biting a hole in his ball, tearing up the telephone, or taking an object away from someone. (SAVAGE-RUMBAUGH; SHANKER; TAYLOR, 1998, p. 52). Para testar a competência de Kanzi na compreensão de inglês falado, Savage-Rumbaugh pronunciou 660 frases pedindo a Kanzi para que fizesse coisas que não eram parte do seu cotidiano. Kanzi executou corretamente 72% das tarefas, uma taxa superior à obtida por Alia, uma criança humana de dois anos e meio que respondeu corretamente a 66% dos pedidos. As frases foram pronunciadas usando um sistema de som e a pesquisadora estava por trás de uma janela de vidro espelhado que somente permitia a visão numa direção (SAVAGE-RUMBAUGH; SHANKER; TAYLOR, 1998, p. 69). A capacidade lingüística dos antropóides treinados por humanos indica que nosso último ancestral comum com os bonobos e chimpanzés atualmente existentes já possuía vários prérequisitos cognitivos necessários para a evolução da linguagem. O estímulo que faltava foi decorrente, de alguma forma, do bipedalismo. Um possível cenário seria o de que os humanos passaram a andar sobre dois pés para transportar alimentos do ambiente aberto da savana para a segurança das copas das árvores, mas, ao ficar com as mãos livres, puderam intensificar a comunicação por gestos. Por 3 ou 4 milhões de anos, a comunicação por gestos permitiu um acúmulo progressivo da cultura e aumentou continuamente a demanda por inteligência social para lidar com as informações e contra-informações típicas da fofoca. 123 6 Um Modelo Baseado em Agentes de Evolução da Cooperação 6.1 Introdução Neste capítulo, apresento um modelo baseado em agentes de evolução da cooperação que desenvolvi procurando atribuir aos agentes características cognitivas interpretáveis como representativas das apresentadas por antropóides reais e criar um mundo com vegetação interpretável como sendo semelhante a uma floresta tropical. O modelo proposto foi desenvolvido usando a versão em Objective-C da biblioteca Swarm (Swarm Development Group, 1999).1 Um dos princípios norteadores do desenvolvimento do modelo foi o de que as forças cegas do processo de seleção natural são mais inteligentes do que o desenvolvedor do modelo na escolha das estratégias mais aptas a permitirem a sobrevivência dos agentes. Em várias circunstâncias, foram implementadas estratégias de comportamento alternativas, deixando a definição da estratégia a ser seguida pelo agente por conta da evolução natural da simulação. Os parâmetros, em sua maioria, podem ser ajustados antes do início das simulações. Alguns não sofrem alteração durante toda a simulação (Apêndice A), outros são usados apenas como referência para a criação da primeira população de agentes e estão sujeitos a evolução por seleção natural (Apêndice B). 6.2 Descrição do modelo proposto Dos modelos revisados no Capítulo 3, o desenvolvido por Premo (2005) é o mais próximo do apresentado nesta tese. O mundo ocupado pelos agentes é um tabuleiro retangular cujas dimensões podem ser determinadas antes do início de cada simulação. Em muitos modelos baseados em agentes, o mundo costuma ter formato toroidal para reduzir os efeitos das bordas sobre o comportamento dos agentes. Entretanto, considerando que os antropóides reais vivem 1 Utilizei a versão 2.2.3, distribuída por Paul Johnson em http://pj.freefaculty.org/Swarm/. 124 num mundo que possui limites físicos, muitas vezes bem definidos, como rios e montanhas, optei por não conectar as extremidades do tabuleiro. Formatos não retangulares, até mesmo irregulares, poderiam ser explorados em versões futuras do modelo. A modelagem do mundo como espaço contínuo seria possível de implementar — e seria mais realista — mas tornaria o código do programa bem mais complexo. O tempo neste mundo virtual corre em intervalos discretos aqui chamados de horas, que somam dias e anos. O transcurso do tempo em intervalos discretos representa outra importante irrealidade do modelo frente ao mundo real. 6.2.1 As presas Os agentes mais simples da simulação são as presas a serem caçadas pelos antropóides. Trata-se de seres que simplesmente envelhecem e, ao atingirem a idade máxima, voltam à idade zero. Nesse momento, se o número de presas existentes no mundo for inferior ao número máximo determinado antes do início das simulações, o agente se duplica, aparecendo o recém-nascido numa célula do mundo escolhida ao acaso. A única ação das presas consiste em fazer movimentos aleatórios pelo mundo. Quando uma presa é caçada, não há reposição até que outra atinja a idade máxima. Não há possibilidade de extinção por superpredação: se todas forem caçadas, o programa criará uma nova em lugar aleatório. Ao ser caçada, a quantidade de carne fornecida por uma presa é proporcional à sua idade. 6.2.2 Vegetação Cada célula do tabuleiro possui ou uma árvore ou vegetação rasteira. A vegetação rasteira, como no modelo de Pepper e Smuts (2001, p. 60), cresce a cada hora durante todo o ano segundo uma curva logística: o crescimento é mais lento quando a planta está próxima dos seus valores mínimo e máximo, como mostra a Figura 8. O modelo não permite que uma planta rasteira seja completamente consumida. Por maior que seja a fome dos predadores, a planta permanece com quantidade de energia no mínimo igual à sua taxa de crescimento logístico. As árvores se caracterizam pela capacidade de produzir frutos. Os agentes procuram retirar da árvore em que se encontram tantos frutos quantos sejam necessários para saciar seu apetite. Existem três espécies de árvore. O período de produção de frutos, o número de frutos produzidos por dia, a quantidade de energia de um fruto e o tempo que um fruto permanece bom para 125 1.5 1.0 i ei+1 = ei + L · ei · E−e E 0.5 energia da planta Figura 8: Crescimento de uma planta rasteira 0 10 20 30 40 50 60 tempo A figura representa as primeiras 60 horas do crescimento da energia, e, de uma planta com taxa de crescimento logístico L de 0,1 e energia máxima, E, 2,0, sendo 0,1 o ponto de partida. A barra ao lado do gráfico mostra as cores utilizadas para representar os diversos valores de energia da vegetação rasteira. consumo (antes de apodrecer) são específicos para cada espécie, mas todas as árvores de uma mesma espécie compartilham as mesmas características. Os frutos são produzidos apenas uma vez por dia, mas cada agente tenta consumir frutos ou vegetação rasteira uma vez a cada hora. Numa floresta tropical real os antropóides têm preferência pelos frutos mais maduros. Analogamente, neste modelo, os primeiros frutos a serem consumidos são os mais velhos. As árvores são distribuídas pelo mundo em aglomerados de uma mesma espécie. A existência de diferentes espécies de árvores e sua distribuição em aglomerados tem o objetivo de simular a sazonalidade e irregularidade na distribuição espacial dos frutos nas florestas tropicais reais. As árvores e a vegetação rasteira não morrem e nenhum de seus parâmetros está sujeito a evolução; elas permanecem as mesmas durante toda a simulação. A rigor, também árvores, a vegetação rasteira e as presas são agentes, mas nesta tese estamos reservando o termo agente aos antropóides, apresentados a partir da seção seguinte. A Figura 9 mostra o mundo numa das simulações antes e depois da presença dos antropóides, que somente são criados um ano após a vegetação. Assim, quando os antropóides são criados, a vegetação já está estabilizada. Uma única célula do mundo-tabuleiro pode conter uma quantidade indefinida de agentes. Tipicamente, o número total de agentes cai no início da simulação, mas, como os mais aptos têm uma taxa de sobrevivência mais elevada, em poucas gerações a densidade populacional aumenta. 126 Figura 9: O mundo antes e depois da criação dos agentes Na representação gráfica do mundo, as diferentes espécies de árvores são contornadas por diferentes tonalidades de verde-escuro. Quanto maior a quantidade de frutos, mais amarelado é o centro da árvore. As células contendo agentes têm sua região central com uma cor que vai de vermelho (se todos os agentes forem do sexo feminino) a azul (todos do sexo masculino). Alternativamente, as células contendo agentes podem receber uma cor entre branco e cinza azulado, conforme o número de agentes presentes. 6.2.3 Os antropóides Os antropóides são agentes que nascem, crescem, se reproduzem sexualmente e morrem. Eles são os agentes mas complexos. Cada recém-nascido recebe um nome composto de oito caracteres aleatórios e todos os agentes sabem o nome de sua mãe. A mãe, por sua vez, mantém uma lista de todos os filhos que teve. Essas informações podem ser acessadas durante as interações com outros agentes, permitindo identificar mãe, irmãos e filhos. Um agente ao nascer é incapaz de se alimentar sozinho e seu comportamento se limita a receber energia de sua mãe e a acompanhá-la continuamente. O máximo de energia que um agente pode acumular e a quantidade de energia gasta por hora (taxa de metabolismo) são fixos por toda a simulação, mas a duração do período de infância fica sujeita a evolução por seleção natural. A taxa de metabolismo sempre tem valor igual a 1, mas antes de iniciar a simulação, é possível especificar qual será o máximo de energia. Esses valores são usados para calcular a duração do período de infância e a idade máxima da primeira população de agentes. A duração da infância em horas terá o mesmo valor numérico da energia máxima do agente, ou seja, tempo suficiente para ele chegar à idade adulta com metade da energia máxima. E a idade máxima de um agente será 16 vezes maior do que a infância. Durante a infância, o metabolismo do agente tem a metade da intensidade do metabolismo de um adulto e a criança recebe de sua mãe o dobro do que gasta. Assim, o período de infância 127 determinado pelo cálculo acima é suficiente para que o agente chegue à idade adulta com 50% do seu nível energético máximo. Um adulto morre se seu nível energético atingir um nível abaixo de 30% do máximo mas, por menor que seja seu nível energético, não consegue consumir mais do que duas vezes o valor da taxa de metabolismo. O nível energético mínimo para uma criança se manter viva é proporcional à sua idade. A maior parte das ações dos agentes é guiada por emoções e não por cálculos racionais. A emoção é aqui definida como a propensão de agir de determinada forma de acordo com as circunstâncias em que se dá a ação, o que está razoavelmente próximo da definição de Turner, para quem as emoções são mecanismos de escolha em meio a incertezas. Por meio das emoções, o indivíduo atribui um valor a cada alternativa de conseqüência esperada ou meio a ser empregado, o que possibilita a escolha do curso de ação a ser seguido (TURNER, 2000, p. 59). As ações não podem ser consideradas racionais com relação a fins porque não é feito nenhum cálculo de suas conseqüências. Também não podem ser consideradas racionais com relação a valores porque os agentes não seguem uma estratégia de ação independentemente das circunstâncias. As propensões para sentir emoções são herdadas geneticamente, sendo geralmente representadas por números reais com valor próximo de zero. Durante a reprodução dos agentes, as propensões estão sujeitas a mutação, podendo seus valores sofrer pequenos acréscimos ou decréscimos, sendo possível que evoluam para valores negativos ou superiores a 1. Em sua maioria, cada característica hereditária é armazenada em duas variáveis diferentes correspondente aos sexos masculino e feminino. Ambas as variáveis são sujeitas a mutações, mas durante a vida do agente somente são utilizadas as variáveis correspondentes ao seu sexo. No momento da reprodução, para cada característica, o agente herda as duas variáveis ou do pai ou da mãe. O objetivo dessa duplicação das variáveis não é produzir genes recessivos e dominantes, mas sim propiciar a agentes de sexos opostos terem comportamentos diferentes mesmo carregando informação genética equivalente. Os animais reais não possuem códigos genéticos completamente separados para machos e fêmeas, mas ocorre um processo razoavelmente equivalente: muitos genes importantes se manifestam diferentemente conforme estejam num ambiente onde predominem hormônios masculinos ou femininos. 6.2.4 Memória e lembranças Nossa memória é imperfeita. Nós armazenamos algumas informações e o que chamamos de lembrança é, na verdade, a reconstrução de uma narrativa feita a partir dos fragmentos lembrados. Ao contrário do que ocorre com os humanos, no modelo artificial aqui a presentado, os agentes armazenam e recuperam informações com perfeição. 128 Os agentes são capazes de armazenar lembranças positivas e negativas sobre os outros agentes e, em várias circunstâncias, eles precisam elaborar a partir de suas lembranças um sentimento positivo ou negativo em relação a um outro agente. Esse sentimento é calculado de modo diferente conforme as circunstâncias. O resultado será zero se a soma de tudo que ele recebeu do outro e tudo que ele doou para o outro for zero. Se o agente não possuir nenhuma lembrança do outro, o valor resultante será um valor específico interpretado pelos agentes como não-lembrança. Quando o programa está sendo executado em modo gráfico, é possível escolher um agente a ser seguido, sendo traçadas linhas ligando-o a todos os outros dos quais ele se lembra, com exceção dos que se encontram na mesma célula (Figura 10). Figura 10: Acompanhando um agente e seus conhecidos Uma linha ligando o agente a outro é vermelha quando a lembrança do outro é negativa, azul, quando positiva, e branca, quando neutra. Quando um agente está sendo acompanhado desta forma, todos os eventos por ele memorizados são impressos no terminal onde o programa está sendo executado e, simultaneamente, salvos num arquivo. Caso a soma de tudo o que foi dado seja maior do que zero, a soma de todo o recebido seja menor ou igual a zero, a última ocasião em que recebeu algo for mais recente do que a última ocasião em que deu algo e este último valor recebido for menor ou igual a zero, o agente utilizará sua propensão a sentir vingatividade ao se lembrar do outro. Em todas as outras circunstâncias, o agente empregará a sua propensão a sentir gratid ão ao lembrar do outro. Quando está sendo vingativo, o agente poderá calcular a sua lembrança segundo a expressão lembrança = (−1) · vingatividade · (dado − recebido), (6.1) onde, conforme a estratégia de cálculo da vingatividade do agente, dado e recebido referem-se à soma de tudo o que foi dado e recebido presente na memória do agente ou apenas ao último evento de cada tipo. A estratégia escolhida é uma característica genética. Também há duas maneiras de se lembrar com gratid ão. Em uma das estratégias, apenas o valor total recebido é levado em conta enquanto na outra o que importa é a diferença entre total 129 dado e total recebido, conforme as expressões: s1 = gratid ão · recebido, (6.2) s2 = gratid ão · (recebido − dado). (6.3) No modelo, fatos recentes são mais valorizados do que fatos antigos, e por isso, o cálculo de dado e recebido não é a simples soma de tudo o que foi dado e tudo o que foi recebido, respectivamente. O tempo decorrido desde o evento lembrado, t, e um fator de valorização do tempo, f , são consideradas no cálculo. Se f for 0, somente o presente será valorizado e, conseqüentemente, qualquer evento ocorrido há pelo menos uma unidade de tempo será lembrado com valor nulo. Se f for 1, os eventos não serão desvalorizados com o passar do tempo, continuando a ter o mesmo valor, v, original. Mais precisamente, a lembrança que um agente tem de outro é a soma das lembranças dos valores dados e recebidos e cada lembrança de valor, dado ou recebido, v0 , é calculada conforme a expressão: v0 = v · f t . (6.4) A memória dos agentes tem um tamanho limitado e, para cada agente lembrado, eventos novos ocupam o lugar dos eventos de menor valor. Esta forma seletiva de esquecimento está em consonância com pesquisas sobre o funcionamento da memória de animais, que indicam ser lembrados por mais tempo os eventos mais carregados de emoção (LEDOUX, 2001, p. 189). Se um agente encontra um estranho e o modelo estiver incluindo Linguagem, o agente irá perguntar aos seus vizinhos se eles lembram do estranho. Este procedimento pode ser considerado representativo do processo de formação de reputação discutido por Nowak e Sigmund (1998). Cada agente, em quase todas as circunstâncias, atribui a alguém não lembrado um valor específico. Esse valor difere para estranhos masculinos e femininos e é mais uma característica genética dos agentes. Esses valores não são utilizados no patrulhamento do território, em que prevalece o fato do agente ser ou não xenófobo, como será explicado na seção 6.2.8. Os agentes também são capazes de memorizar a localização e a espécie de árvore dos aglomerados por onde passam, bem com o eventual fato de ter sido expulso do aglomerado em uma disputa por território. A primeira população de cada simulação, imediatamente após ser criada, memoriza os aglomerados de árvores próximos como se tivessem sido visitados e não fossem hostis. Esses agentes também memorizam ter recebido um pequeno valor positivo (0, 01) dos vizinhos que 130 estão na mesma célula. O objetivo dessas memorizações iniciais é amenizar o irrealismo do fato de todos os agentes serem criados simultaneamente já adultos mas sem relações sociais ou histórico de migrações. 6.2.5 Ações básicas dos agentes Uma vez a cada unidade de tempo, ou seja, uma vez por hora, os agentes são seqüencialmente ativados e agem conforme o algoritmo indicado na Figura 11. Figura 11: Algoritmo básico do modelo proposto Comer fruto ou vegetação rasteira Reagir às ações de outros agentes enquanto aguarda reinício do ciclo Ir para a melhor célula adjacente Acompanhar a mãe Envelhecer e consumir energia Sobreviveu à predação? Nascimento Não Morte Sim Não Migrando? Sim Energia acima do mínimo? Ir em direção ao destino Não Sim Não Energia baixa? Sim Iniciar migração Sim É criança? Não Não Energia baixa? Sim Idade inferior à máxima? Pedir comida Não Sim Caçar e comer carne obtida Cortejar, copular, se repoduzir Patrulhar território O primeiro evento do laço que se repete durante toda a vida do agente é o seu envelhecimento e a redução de seu nível de energia no valor de metabolismo. Se os agentes estiverem levando carne, poderão consumi-la nesse momento. A cada hora, o agente corre um certo risco de ser predado que pode ser definido no início da simulação. O risco é 6 vezes maior em campo aberto do que num aglomerado de árvores. O risco depende ainda do número de agentes na mesma 131 célula. Quanto mais populosa uma célula, menor o risco. Se o agente ainda for uma criança, ele simplesmente segue sua mãe, caso contrário, ele repete a seqüência de ações dos adultos até atingir a sua idade máxima ou até seu nível de energia cair abaixo do mínimo, que para um agente adulto corresponde a 30% da energia máxima. Normalmente, o agente permanecerá onde está ou irá para a melhor de uma das oito células adjacentes à sua. Para tanto, é preciso primeiro calcular o valor de cada uma das nove células. Se a célula estiver desocupada, seu valor será igual à quantidade de energia disponível na vegetação nela existente. Se ela já estiver ocupada, cada tipo de ocupante aumentará ou reduzirá a avaliação que o agente faz do valor da célula, conforme a expressão 6.5: Nl Vcélula = ! e · ec · (1 + m) · (1 + i · Ni ) · (1 + o · No ) · (1 + s · Ns ) · (1 + c · Nc ) · 1 + a · ∑ lk . (6.5) N k=1 Nessa expressão, ec é a energia da célula e e é o valor atribuído pelo agente à energia da célula; N é o número total de agentes nela existente, incluindo o futuro ocupante, e N∗ é o número de agentes de determinado tipo; Os tipos de agente podem ser: m, mãe; i, irmãos; o, agente de sexo oposto; s, agentes do mesmo sexo; e, c, que para as fêmeas será o número de filhos e para os machos o número de fêmeas no cio. A amistosidade da célula também será levada em consideração. O agente multiplicará a sua propensão, a, a ir para células onde estão seus amigos pela soma das lembranças dos ocupantes, ∑ lk . Ao mudar de uma célula para outra, o agente verifica se continua sobre o mesmo aglomerado de árvores. Sempre que sai de um, ele memoriza a sua localização, o tipo de árvore nele existente e a data da última visita. Esta memória permanece disponível para o agente por toda a sua vida. Os processos de patrulhamento do território, compartilhamento de alimentos, migração e reprodução implicam em interação entre os agentes. Enquanto aguarda ser ativado novamente, o agente atende a pedidos de doação de energia, reage a convites para patrulhar o território, para caçar ou para migrar e memoriza o resultado de propostas sexuais em que estava envolvido. Esses processos serão detalhados nas subseções seguintes. 6.2.6 Compartilhamento de alimentos Um agente pedirá comida a outro se seu nível energético tiver sofrido redução superior a d é f icitBaixo e migrará se a redução no seu nível energético tiver sido superior a d é f icitAlto. Tipicamente, d é f icitBaixo evolui para algum valor negativo e, portanto, o agente pede comida a 132 outro mesmo que seu nível energético tenha subido. Para escolher um possível doador o agente faz um cálculo de quem dentre os agentes que estão na mesma célula tem dele as lembranças mais positivas. Entretanto, ele tem que fazer esse cálculo com conhecimento incompleto da situação. Ele sabe quais são as lembranças que o outro agente possui a seu respeito porque todas as interações são memorizadas por todos os agentes envolvidos, mas desconhece a propensão do outro a ser vingativo ou grato, bem como qual estratégia de cálculo o outro emprega na avaliação das lembranças. Por isso, o agente calcula o sentimento do outro usando suas próprias propensões e estratégias, o que equivale a dizer que o agente tem capacidade de empatia. De todos os processos mentais dos agentes, esse é o que mais se aproxima de um cálculo racional orientado pelos fins. Na maioria de suas ações, os agentes são orientados por sentimentos formados por um processo evolutivo; eles avaliam as circunstâncias próximas guiados por propensões emotivas adaptadas ao passado. Aqui, porém, os agentes escolhem o doador em potencial orientados pelo resultado esperado; a ação é orientada para o futuro. Devido ao fato do comportamento de machos e fêmeas possuir padrões bastante diferentes, os agentes também podem seguir a estratégia de lembrar dos fatos passados usando valores médios para vingatividade, gratid ão, e f atorTempo (que determina a valorização de eventos conforme sua idade). Inicialmente, a probabilidade p de ocorrer a doação é igual à lembrança que um agente tem do outro. A este valor básico pode ser ainda adicionado o valor da benevolência do agente para com sua mãe, ou seus filhos, ou seus irmãos, e, ainda, a sua benevolência para com agentes do mesmo sexo ou do sexo oposto, dependendo, obviamente, do pedinte se enquadrar numa ou duas dessas categorias. Essas diferentes propensões a ser benevolente fazem parte do código genético do agente. O agente ainda subtrai de p o valor da sua propensão a sentir inveja se o pedinte estiver com um nível energético mais elevado do que o dele próprio ou, inversamente, reduz de p o valor da sua compaixão se o outro estiver com nível energético inferior ao seu. Finalmente, o programa gera um número aleatório entre 0 e 1 e, se o número for menor do que p, o agente atende ao pedido de doação. O valor da doação dependerá de dois tipos de generosidade possuídas pelos agentes. Uma é genérica e a outra refere-se apenas à carne obtida em caçadas. Se um agente estiver carregando algum estoque de carne e sua generosidade relativa à carne for maior do que zero, ele doará uma parcela da sua carne equivalente à sua generosidade, mas com limite máximo igual 1, 5. Se o agente não possuir carne ou se a carne que possui multiplicada pela sua generosidadeRelativaACarne resultar numa doação inferior a metabolismo, a doação de energia será acrescida de generosidade, com limite máximo igual a 1, 0. Finalizado o processo de doação de energia ou de carne, os agentes memorizam o evento. Se tiver havido doação, doador e receptor memorizam o valor dado. Se a doação não tiver ocorrido, 133 os agentes memorizam o valor que eles próprios atribuem a um não dado em resposta a pedidos de comida. Cada agente tem um valor específico para a resposta negativa recebida de uma fêmea e para o não recebido de um macho. Se o valor do não for igual a zero ou positivo, o agente não memoriza nada. 6.2.7 Migração Migrações são perigosas porque o risco de ser predado é maior em uma área aberta do que numa floresta fechada e também porque as árvores produzem muito mais alimentos do que a vegetação rasteira. Além disso, o agente não sabe se o destino que escolher estará ou não superpovoado. Apesar disso, as migrações são necessárias porque a produção de frutas é sazonal e, portanto, os agentes podem adiar, mas não evitar as migrações. Após ter pedido comida, o agente avalia se a sua situação energética corresponde ou não à condição para migrar e, se for o caso, inicia a migração para algum lugar. O algoritmo de migração propriamente dito é muito simples, consistindo em se deslocar em direção ao endereço escolhido como destino. Entretanto, para começar uma migração, o procedimento é mais complexo. O agente faz três tentativas diferentes de encontrar um bom lugar para ir. Um dos algoritmos consiste em ir para a melhor célula existente nas proximidades, ou seja, a uma distância igual ou inferior a VisãoM áxima. A escolha da melhor célula é feita usando a expressão 6.5. Outra estratégia é verificar na própria memória se há algum aglomerado de árvores conhecido que esteja produzindo frutos e escolher o melhor.2 O valor de um aglomerado é determinado pela perspectiva de que ele esteja produzindo frutos no momento em que o agente chegar ao seu destino. Mais especificamente, é calculado pela expressão 6.6, onde N é o número de frutos a serem produzidos pelo conjunto de árvores do aglomerado do momento de chegada do agente até o final da estação de produção de frutos, e e f , o valor energético de cada fruto. V(aglomerado de árvores) = N · e f (6.6) Finalmente, existe a estratégia de acompanhar algum agente que esteja nas proximidades e que já tenha começado a migrar. Neste caso, cada agente em migração é avaliado pela expressão: 2O procedimento é mais realista do que o adotado pelos agentes de Ramos-Fernández, Boyer e Gómez (2006, p. 543) que tinham conhecimento perfeito das milhares de árvores existentes em seu mundo. 134 Vi · i0 Vmigrante = lembrança ·Va + , i (6.7) onde lembrança pode ser positiva, negativa, neutra ou inexistente (conforme explicado na seção 6.2.4), Va é o valor dado às amizades para efeito de decisão sobre migração, Vi é a valorização da idade dos agentes (é melhor acompanhar um agente velho do que um novo porque o primeiro provavelmente conhece melhor a geografia local), i é a idade do agente e i0 é a idade do agente sendo avaliado. Os valores de Va e Vi são próprios de cada agente e sujeitos às pressões da seleção natural. A seqüência em que os três primeiros algoritmos de migração descritos acima são empregados é determinada geneticamente e sujeita a evolução. Se as três tentativas de encontrar uma boa célula para migrar falharem, o agente inicia a migração para um lugar aleatório a uma distância entre VisãoM áxima e 2 ×VisãoM áxima. Neste caso, uma vez por dia ele tenta achar um bom lugar para ir, e, portanto, mudar o rumo da migração, usando o algoritmo de procura por uma boa célula nas proximidades. Ao iniciar a migração, o agente convida todos os amigos que estão na própria célula e em células próximas para formar um grupo de migração. Cada convidado soma a lembrança que possui de todos os atuais integrantes de uma aliança e, se a lembrança for positiva, aceita o convite. Os agentes podem, entretanto, seguir a estratégia de nunca aceitar convites para migrar. Se a simulação incluir linguagem, os agentes não aceitarão convites para migrar para lugares aleatórios. Sem linguagem, eles não têm como adivinhar para onde está indo o líder do grupo migratório. 6.2.8 Territorialismo Uma vez por hora, cada um dos agentes que está num aglomerado de árvores verifica se há algum intruso numa das células vizinhas até uma distância equivalente a VisãoPróxima. Os agentes podem ser xenófobos em relação a diferentes tipos de agentes: machos, fêmeas e fêmeas acompanhadas de crianças. Um vizinho é considerado invasor se for um desconhecido que se enquadre numa das categorias pelas quais o patrulhador do território tem xenofobia ou se a lembrança que se tem dele for negativa. Se algum intruso for encontrado, o defensor tentará formar uma aliança para expulsá-lo se sua bravura for maior do que um número aleatório com valor entre 0 e 1. O vizinho desafiado também tentará formar uma aliança. A Figura 12 apresenta um esquema do processo de patrulhamento de território. 135 Figura 12: Algoritmo do patrulhamento de território Começar a patrulhar Parar de patrulhar Não Há célula não vista? Dissolver aliança Sim Verificar célula Expulso Não Expulsou ou foi expulso? Expulsei Dissolver aliança Sim Encontrou intruso? Sim Fugiu com medo? Não Convidar amigos para aliança Não Sim Houve conflito? Não Sim Lembrar aliados e rivais Sim Não Punir nãopunidores Segue norma? Punir nãocooperadores Segue metanorma? Para formar uma aliança, um agente convida os melhores amigos presentes na sua própria célula e nas células próximas a uma distância máxima equivalente a RaioDaAliança, definido antes do início da simulação. Os agentes convidados poderão seguir duas estratégias diferentes para decidir aceitar ou não o convite de participação numa aliança. Uma consiste em aceitar somente os convites feitos por líderes dos quais têm lembranças positivas; outra, seria aceitar também convites feitos por líderes desconhecidos ou de quem a lembrança é neutra. Atendida uma dessas duas condições, o agente ingressará na aliança se sua lealdade for maior do que um número aleatório entre 0 e 1 gerado pelo programa. Se o agente já estiver numa aliança, os líderes das duas alianças serão comparados e o agente trocará de aliança se tiver melhores lembranças do novo líder. Os líderes não podem trocar de aliança durante o conflito, e o agente que aceita um convite fica impossibilitado de criar a própria aliança. A aceitação ou não do convite é memorizada por ambos os agentes e, se nenhum agente aceitar o convite, a “aliança” será formada por um único agente. 136 Finalizada a formação das alianças os agentes memorizam pontos negativos para os rivais das outras alianças. Os agentes podem seguir duas estratégias diferentes de memorização de pontos positivos para os aliados: uns memorizam os pontos independentemente de ter havido luta; outros somente memorizam os aliados se a luta tiver ocorrido efetivamente. É utilizado o mesmo módulo de memória que armazena os dados do compartilhamento de comida, e os valores dos pontos a serem armazenados estarão sujeitos a evolução. Os agentes podem também ter como estratégia seguir a norma de punir os agentes que se recusaram a entrar na aliança. Neste caso, a punição implicará em perda de energia tanto para os punidos quanto para os punidores. Os agentes seguidores da norma de punir os não cooperadores podem ainda seguir a metanorma de punir os membros da aliança que se recusaram a punir os não-cooperadores. Em todos os casos, o custo do processo de punição, c, para cada agente será proporcional ao número de punidos e de punidores, conforme a expressão: c1 = n2 . 2 · n1 (6.8) A multiplicação do denominador por 2 torna o valor médio da punição equivalente a metade da taxa de metabolismo. O punidores memorizam os punidos juntamente com o valor que perderam no processo de punição. Os punidos também memorizam os punidores, mas dependendo de terem ou não vergonha, irão lembrar, respectivamente, do mal que causaram ou do mal que sofreram, ou seja, ou eles lembrarão de ter dado −c1 aos punidores ou de ter recebido −c2 . A probabilidade de uma aliança ser vencedora será determinada pela razão entre a soma da energia de seus membros e a soma da energia de todos os agentes da outra aliança. Portanto, terminada a formação das alianças, torna-se possível calcular a probabilidade de vencer o conflito, e cada aliança decidirá democraticamente se está disposta ou não a lutar pela defesa da região com árvores frutíferas. O voto de um agente será favorável ao conflito se sua aud ácia for superior à probabilidade da sua aliança perder a luta, ou seja, uma agente racional teria uma aud ácia de 0, 5. Se as duas alianças desistirem da luta, nada acontecerá. Se as duas se decidirem pelo conflito, o programa gerará um número aleatório que decidirá o resultado da luta. Todos os agentes perderão energia por terem decidido entrar em conflito, mas as perdas serão inversamente proporcionais à energia total da aliança a que pertencem. Os agentes da aliança desistente ou derrotada se deslocarão da zona do conflito, percorrendo num único movimento uma distância equivalente a VisãoPróxima. A ocorrência de conflito propriamente foi modelada como a perda de energia proporcional 137 ao poder energético de cada aliança. Cada membro de uma aliança envolvida em conflito arca com o custo do conflito, C, calculado pela expressão: C= e 2 · e0 (6.9) onde e é a energia de uma aliança e e0 a energia de sua adversária. 6.2.9 Caça Uma vez a cada ciclo, os agentes decidem se querem caçar. Caçar consiste em procurar uma presa nos arredores e se encontrar, tentar capturá-la. Para tornar possível a evolução da não-caça, os agentes podem seguir uma de três estratégias geneticamente determinadas: nunca caçar, caçar somente durante migrações e caçar sempre que tiver se passado um determinado período desde a última caçada. Cada agente possui um período mínimo de horas de abstinência de caça. Se o tempo decorrido desde a última caça for superior a esse período, o agente tentará formar uma grupo de caça convidando os melhores amigos das proximidades, como na formação de alianças. O número máximo de amigos a serem convidados é uma preferência determinada geneticamente e espera-se que atinja um valor ótimo com o passar das gerações. Quanto maior o número de agentes envolvidos numa caçada, maior a probabilidade dela ser bem sucedida, porém, menor a quantidade de carne a ser dividida. A duração do intervalo entre as caçadas é determinado por um misto de reação ao sucesso ou insucesso das caçadas e por transmissão cultural. Ao se tornar adulto, um agente herda como intervalo entre caçadas a média do intervalo da sua mãe e seus amigos. O intervalo é reduzido numa hora a cada caçada bem sucedida e quando o intervalo médio do grupo de que se participa é menor do que o próprio intervalo e é ampliado nas situações contrárias. Um agente aceita o convite para caçar se já tiver se passado pelo menos metade do seu período de abstinência de caça e se não tiver como estratégia nunca caçar. Caçar implica num CustoDeCaça, determinado antes do início das simulações. Se a caçada for bem sucedida, a carne obtida é dividida igualmente entre todos os membros do grupo. Os agentes podem transportar a carne que obtiveram por algumas horas antes que ela esteja estragada e podem consumir da carne no máximo 2 unidades de energia por hora. 138 6.2.10 Reprodução As fêmeas são as únicas responsáveis pela alimentação de seus filhos. Uma fêmea adulta, quando está com seu nível de energia próximo do máximo, entra no cio e passa a acumular pedidos de acasalamento feitos por machos que estejam nas proximidades. Terminado o período do cio, que tem duração de cinco horas, ela ordena os candidatos conforme a lembrança suscitada por cada um deles, também considerando o nível energético, e a idade, i, de cada candidato. O valor de cada pretendente é calculado por uma fêmea seguindo a expressão vi · |∆i| ve · e Vpretendente = lembrança · · , IdadeM áx EnergiaM áx (6.10) onde vi é a importância atribuída a uma idade ideal, ∆i é a diferença entre a idade do macho e a idade que a fêmea considera ideal; ve é a importância atribuída ao nível energético e e é a energia do macho. A expressão acima recebe alguns ajustes nos casos em que a lembrança do agente é negativa e, em todos os casos, recebem uma valorização adicional os agentes que se encontrarem a uma menor distância. Ordenados os candidatos, a fêmea decide com quantos copulará conforme seu índice de promiscuidade, cujo valor é geneticamente determinado e pode variar de zero a um. Se o índice for zero, ela copulará apenas com o macho melhor avaliado, independentemente do número de candidatos; se for 1, copulará com todos os pretendentes. Mais precisamente, o número de parceiros sexuais será o valor arredondado de n p , sendo n o número de candidatos e p o índice de promiscuidade da fêmea. A probabilidade p de um macho que teve oportunidade de copular com a fêmea ser o pai da criança sendo gerada é proporcional ao seu valor para a fêmea em relação à soma do valor de todos os parceiros sexuais. Os machos com os quais a fêmea copula registram em sua memória terem recebido um valor igual a valorDeUmaCriança × p, sendo valorDeUmaCriança o valor que o macho atribui ao fato de ser o pai de uma criança e p a probabilidade que ele tem de efetivamente ser o pai. Os candidatos não escolhidos como parceiros sexuais memorizam o fato segundo o seu valor da recusa de relação sexual. A fêmea também memoriza esses eventos, mas utilizando os seus próprios valores para as variáveis valorDeUmaCriança e valor da recusa de relação sexual. 139 6.3 Resultados Devido à complexidade do modelo, mesmo a simulação de um mundo pequeno progride lentamente. Por isso, os resultados aqui apresentados correspondem a apenas 9 simulações com variações em apenas alguns dos parâmetros iniciais. Em todas as simulações, foram utilizados valores inicias aleatórios para as características genéticas dos agentes. As simulações transcorreram por períodos de 12 a 48 horas.3 As tabelas 2 e 3 listam os valores definidos manualmente. Tabela 2: Parâmetros iniciais comuns a todas as simulações Parâmetro Valor Escolher valores iniciais aleatórios sim Territorialismo sim Norma sim Metanorma sim Tamanho da memória 4 Número inicial de agentes 1000 Largura do mundo 100 Altura do mundo 90 Duração de um dia 4 horas Duração de um ano 50 dias Energia máxima das plantas rasteiras 2,9 Taxa de crescimento logístico das p. rasteiras 0,03 Energia máxima de um agente 180 Custo de uma caçada 0,5 Idade máxima das presas 180 Número máximo de presas 1111 Risco de predação em aglomerado de árvores 0,001 Visão máxima 6 Visão próxima 3 Raio das alianças 2 As simulações 4–9 contaram com apenas uma espécie de árvore cujo período de produção de frutos durou todo o ano. Efetivamente, portanto, foi eliminada a sazonalidade na produção de alimentos. A minha expectativa com a eliminação da sazonalidade era reduzir a necessidade de migração dos agentes e, conseqüentemente, reduzir a freqüência de dissolução de grupos de amigos, facilitando a formação de grupos de defesa do território. Em todas as simulações, o mundo estava entrecortado por áreas desprovidas de vegetação, como mostra a Figura 13. 3 Em geral, as simulações foram interrompidas quando os resultados aparentavam estar alcançando um equilíbrio, mas, em alguns casos, fui obrigado a desligar o computador e, portanto, parar a simulação prematuramente. 140 Tabela 3: Parâmetros iniciais distintos entre as diversas simulações Parâmetro Linguagem Caça Compartilhamento de comida Reprodução sexual Árvore da espécie 1 Árvore da espécie 2 Árvore da espécie 3 1 2 3 sim não não não 200 210 180 sim sim sim não 200 210 180 sim sim sim sim 200 210 180 Simulação 4 5 6 7 8 9 sim sim sim sim sim não sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim não não sim sim sim sim 600 600 600 600 600 600 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Figura 13: Vegetação no mundo durante as simulações O primeiro objetivo do modelo é construir uma sociedade artificial cujos membros tenham um comportamento comparável ao de antropóides atualmente existentes, e um importante fenômeno indicador do sucesso na persecução desse objetivo seria a emergência de sociedades de fusão e fissão. Neste sentido, dentre os resultados produzidos, considero indicadores de que a sociabilidade dos agentes está evoluindo de acordo com o esperado se, ao final da simulação, a distância entre amigos for menor do que distância entre inimigos, e se os agentes apresentarem seletividades para amigos e parentes superiores às referentes a estranhos. Tendo por base os dados da memória dos agentes da última população viva no momento do término da 8a simulação, uma análise de regressão usando o grau de parentesco, o sexo do agente lembrado, o tempo decorrido desde o primeiro encontro e a lembrança, revela que quanto 141 maior a lembrança que um agente tem do outro maior é a probabilidade da distância entre eles ser menor do que a distância média entre conhecidos. Como podemos ver nas tabelas 4 e 5, entretanto, essas análises são capazes de explicar apenas 2,5% da variação da distância entre agentes no caso dos machos e 4,0% no caso das fêmeas. Tabela 4: Análise de regressão para explicar a distância de conhecidos na 8a simulação (fêmeas) Coeficientes Estimativa Erro Pd. (Intercepto) lembrança par. irmão par. mãe par. filho prim. encon. sexo masc. 8,667e+00 -2,960e-02 2,409e-01 4,367e-01 2,142e-01 3,105e-03 4,174e-01 6,635e-02 7,658e-02 3,477e-01 4,072e-01 2,789e-01 7,851e-05 7,022e-02 Valor t Pr(>|t|) 130,616 < 2e-16 -0,386 0,699 0,693 0,488 1,072 0,284 0,768 0,443 39,548 < 2e-16 5,945 2,79e-09 Erro padrão: 6,184 em 40111 graus de liberdade; R2 múltiplo: 0,0399; R2 ajustado: 0,03976; valor-p: < 2,2e-16. Tabela 5: Análise de regressão para explicar a distância de conhecidos na 8a simulação (machos) Coeficientes Estimativa Erro Pd. Valor t Pr(>|t|) (Intercepto) lembrança par. irmão par. mãe prim. encon. sexo masc. 9,630e+00 -2,253e+01 3,261e-01 1,784e-01 1,956e-03 5,803e-02 4,549e-02 1,280e+00 2,587e-01 4,111e-01 4,756e-05 4,968e-02 211,690 -17,599 1,260 0,434 41,115 1,168 <2e-16 <2e-16 0,208 0,664 <2e-16 0,243 Erro padrão: 6,634 em 81975 graus de liberdade; R2 múltiplo: 0,02501 R2 ajustado: 0,02495; valor-p: < 2,2e-16. Como podemos observar na Tabela 6, os agentes quase sempre desenvolveram valores positivos para sua seletividade em relação a outros agentes, ou seja, para um agente, a probabilidade de uma célula ser escolhida como destino para migração ou para um movimento rotineiro era maior se ela estivesse ocupada por alguém. Entretanto, a seletividade em relação aos amigos, que indicaria a existência de vantagens no estabelecimento de relações cooperativas com bons cooperadores em geral, não apresenta valores especialmente elevados se comparada à seletividade em relação às outras categorias de agentes. 142 Tabela 6: Seletividade dos agentes no último 1% das simulações Resultado Energia (Fêmeas) Energia (machos) Criança (Fêmeas) Mãe (Fêmeas) Mãe (Machos) Irmãos (Fêmeas) Irmãos (Machos) Amigos (Fêmeas) Amigos (Machos) Otr. sx. (Fêmeas) Otr. sx. (Machos) Msm sx. (Fêmeas) Msm sx. (Machos) Fm. cio (Machos) 1 2 3 1,33 — 0,86 0,57 — 0,47 — 0,65 — — — 0,09 — — 0,61 — 1,29 0,18 — 0,53 — 0,30 — — — 0,68 — — 1,64 0,01 0,24 0,21 0,93 0,46 0,90 0,69 0,09 0,50 0,57 0,34 0,45 1,70 Simulação 4 5 6 0,71 — -0,04 0,09 — 0,56 — 0,29 — — — 0,87 — — 0,76 — -0,41 0,39 — 0,21 — 0,09 — — — 1,02 — — 0,99 0,79 0,43 0,44 0,31 0,25 0,48 0,62 0,54 0,26 1,46 0,03 0,35 1,40 7 8 9 0,59 0,39 0,46 0,93 0,08 -0,05 0,52 0,91 0,56 0,27 0,44 0,57 0,34 0,21 1,55 0,10 0,35 0,13 0,85 0,94 0,68 1,13 0,12 0,48 0,23 0,70 1,54 1,63 0,43 0,88 0,03 -0,03 0,47 1,03 0,16 0,02 0,07 0,32 1,35 0,10 0,44 2,04 Os critérios para considerar que houve cooperação são o número médio de aliados nos conflitos por território, o número médio de aliados nas caçadas, e a proporção de pedidos de comida atendidos. Em relação a essas variáveis, a Tabela 7 apresenta o valor médio do último 1% do tempo de cada simulação e a Tabela 8 mostra os valores médios de algumas características genéticas da população que estava viva no momento de encerramento da simulação. Tabela 7: Cooperação nas 9 simulações Resultado N. médio de patrulheiros N. médio de caçadores Compartilhamento F –> F Compartilhamento M –> M Compartilhamento F –> M Compartilhamento M –> F Duração média (gerações) 1 2 3 4,2 — — — — — 164 1,4 1,3 0,8 — — — 322 4,1 1,7 0,0 0,1 0,0 1,0 710 Simulação 4 5 6 7 8 9 7,1 1,1 3,9 2,5 3,7 2,5 2,0 1,0 1,9 1,5 1,7 1,5 0,4 0,0 0,4 0,4 0,3 0,2 — — 0,2 0,2 0,1 0,2 — — 0,3 0,5 0,3 0,3 — — 1,0 0,8 1,0 1,0 101 384 266 421 534 451 Nota: “M” significa macho, “F”, fêmea e “–>” indica o sentido em que ocorreu a transferência de energia. Simulações em que ocorra a evolução de normas e metanormas deveriam ter apresentado um elevado número médio de aliados nos conflitos por território. Entretanto, como se pode ver nas tabelas 7 e 8, isso não ocorreu em nenhuma das nove simulações. Como revelam essas tabelas, as maiores alianças são encontradas nas populações com mais elevadas propensões à lealdade. 143 Nas simulações com reprodução sexual, apenas os machos desenvolveram uma certa lealdade, mas mesmo entre eles o colapso das propensões a seguir normas e metanormas ocorreu logo no início das simulações. Tabela 8: Algumas características genéticas da última população Resultado Vingatividade (fêmeas) Vingatividade (machos) Gratidão (fêmeas) Gratidão (machos) Generosidade (fêmeas) Generosidade (machos) Gen. carne (fêmeas) Gen. carne (machos) Compaixão (fêmeas) Compaixão (machos) Inveja (fêmeas) Inveja (machos) Bnvlc. outro sexo (fêmeas) Bnvlc. outro sexo (machos) Bnvlc. mesmo sexo (fêmeas) Bnvlc. mesmo sexo (machos) Bnvlc. mãe (fêmeas) Bnvlc. mãe (machos) Bnvlc. irmãos (fêmeas) Bnvlc. irmãos (machos) Bnvlc. filhos (fêmeas) Bravura (fêmeas) Bravura (machos) Lealdade (fêmeas) Lealdade (machos) Audácia (fêmeas) Audácia (machos) Norma (fêmeas) Norma (machos) Metanorma (fêmeas) Metanorma (machos) 1 2 3 Simulação 4 5 6 7 8 9 0,1 0,6 0,2 0,9 -0,0 -0,1 -0,3 -1,1 — — -0,2 — — 0,3 0,3 -0,6 0,3 0,6 1,4 0,7 -0,1 0,8 1,3 0,6 — — 0,3 — — 0,7 0,3 0,5 0,5 -0,2 -0,4 -0,2 -0,0 -0,5 -0,2 -0,4 — — 0,3 — — 0,4 0,6 0,5 0,7 0,3 -0,6 0,5 0,2 0,5 0,7 0,8 — — 0,6 — — 0,5 1,0 0,3 0,8 1,1 0,1 0,2 0,3 0,9 0,4 0,2 — — 0,1 — — 0,4 0,3 0,3 0,9 -0,3 0,9 1,0 0,3 1,0 0,2 0,6 — — 0,1 — — -0,1 0,2 -0,0 — — 0,3 — — 0,2 0,8 0,8 — — 1,2 — — 1,2 1,1 1,2 0,3 0,3 0,2 0,6 0,2 0,4 0,6 0,4 — — -0,2 — — -0,4 -0,3 -0,2 0,4 0,2 0,1 0,5 0,0 -0,3 0,4 0,8 — — 0,1 — — 0,3 0,2 0,8 0,5 0,6 1,1 0,3 0,4 0,6 0,7 0,3 — — 0,6 — — 0,3 0,4 0,6 0,6 0,7 0,8 0,4 0,3 1,1 0,8 0,8 1,1 1,1 1,6 1,2 1,2 1,2 1,1 1,4 — — 1,1 — — 1,1 1,0 1,3 0,5 0,1 0,5 0,3 0,0 0,1 0,1 0,0 — — 0,2 — — 0,4 0,2 0,3 0,8 0,8 0,8 0,8 1,4 0,8 1,0 0,9 — — 0,8 — — 0,8 1,0 1,0 0,4 0,0 0,0 0,3 0,3 0,1 0,1 0,2 — — 0,0 — — 0,0 0,2 0,3 0,3 0,0 0,0 0,2 0,2 0,0 0,0 0,0 — — 0,0 — — 0,0 0,0 0,0 -0,1 -0,6 0,6 0,7 -0,4 0,4 0,7 0,2 0,3 0,1 0,6 -0,1 0,4 1,6 -0,3 -0,6 0,5 1,1 0,2 0,7 0,6 1,3 1,1 0,0 0,2 0,8 0,9 0,1 0,2 0,0 0,0 As fêmeas — as únicas responsáveis pela alimentação das crianças — desenvolveram pouco a propensão para compartilhar comida, principalmente nas simulações com reprodução sexuada. Os machos precisam ser positivamente lembrados pelas fêmeas para serem escolhidos como parceiros sexuais e, conseqüentemente, desenvolveram uma alta propensão a compartilhar comida com as fêmeas. A Figura 14 mostra a evolução do compartilhamento de comida na 3a 144 simulação. 1,0 0,8 0,2 0,4 0,6 M −> F M −> M F −> M F −> F 0,0 Valor médio para cada 1% do tempo Figura 14: Evolução da proporção de pedidos de comida atendidos na 3a simulação 0 20 40 60 80 100 Tempo (% do total) Assim como na Tabela 7, nesta figura, “M” significa macho, “F”, fêmea e “–>” indica o sentido em que ocorreu a transferência de energia. Na simulação número 3, as fêmeas desenvolveram uma “generosidade” negativa para compartilhar a própria energia e até mesmo para compartilhar carne (ver Tabela 8). Nas simulações com reprodução sexuada, a benevolência dos machos, determinante da probabilidade de doar energia ou carne, foi sempre maior em relação a agentes do sexo oposto do que em relação a agentes do mesmo sexo. A benevolência das fêmeas seguiu o mesmo padrão, com exceção da 6a simulação. Também foram positivos os valores das benevolências em relação a parentes próximos, principalmente filhos e, em alguns casos, mães e irmãos. Em síntese, os machos estavam mais propensos a agradar as fêmeas e estas tinham um comportamento mais orientado para a conservação de energia e ajuda de familiares. É interessante notar que os agentes desenvolveram propensões que lhes ajudam a evitar inimizades, com a vingatividade freqüentemente evoluindo para valores negativos. O exame da memória dos agentes da última população da 8a simulação, por exemplo, revela não haver um único caso de lembrança negativa, embora valores negativos tenham sido memorizados para diversos eventos, como mostra a Tabela 9. Como mostra a Tabela 10, a combinação de vingatividade negativa com a forma como a lembrança é calculada resultou na quase totalidade dos agentes sendo lembrados de forma neutra. Ou seja, efetivamente, ninguém possuía inimigos, mas o número de amigos era bem pequeno. 145 Tabela 9: Média dos valores memorizados pela última população da 8a simulação Evento Média Desv. Pd. N -1,60 -1,15 -0,74 -0,55 -0,53 -0,51 -0,46 -0,30 0,03 0,10 0,33 0,55 0,62 0,63 0,66 0,99 4,00 4,00 1,30 1,23 0,46 0,44 0,66 0,20 0,48 0,47 0,22 0,47 1,24 0,67 0,45 0,45 2,37 0,36 0,00 0,00 2896 2931 154098 78261 23617 2545 2462 40660 2513 5954 8686 25801 65286 70889 8776 10620 299 313 Puni Fui punido Não em compartilh. de com. Não em conv. p. caçar Inimigo em patrulhamento Não em proposta sexual Eu disse não em proposta sexual Não em conv. confl. territ. Eu estava na mem. de uma mãe Lendo memória da minha mãe Dei um filho Aliado de patrulha Recebi comida Doei comida Recebi um filho Companheiro de caça Minha gratidão à minha mãe Meu filho está adulto agora Tabela 10: Proporção de agentes positivamente lembrados pela última população da 8a simulação Agente lembrado Masculino Feminino Agente que se lembra Masculino Feminino 6.4 1,6 % 19,3 % 2,9 % 3,4 % Avaliação dos resultados O número de simulações realizadas até o momento foi demasiadamente pequeno para explorar todas as possibilidades do modelo ou mesmo para obter qualquer correlação estatisticamente significativa entre parâmetros iniciais e resultados. O fato dos agentes se manterem mais próximos de amigos do que de inimigos é um indicador de os agentes estarem minimamente conseguindo formar pequenos grupos cooperativos. Entretanto, mais informações são necessárias para determinar se estão sendo formadas comunidades constituídas por meio da fusão e fissão de pequenos grupos. Em futuras simulações do modelo, deverão ser coletadas estatísticas sobre o número de membros dos grupos de migração, o que permitirá verificar se os grupos migratórios são constituídos por cerca de 3 a 10 agentes, correspondendo ao tamanho dos grupos que constituem as comunidades de chimpanzés e bonobos. É 146 preciso, ainda, elaborar um algoritmo de análise dos dados que revele o padrão de distribuição dos conhecidos e estranhos (amigos e inimigos). Os resultados foram modestos em relação à evolução da cooperação, mas foram surpreendentes quanto ao que se pode considerar evolução da paz. Valores negativos para vingatividade podem parecer estranhos porque implicam que os agentes terão lembranças positivas de quem se negou a lhes fazer bem e de quem lhes fez mal, mas em algumas simulações os agentes seguiram esse caminho para evitar os custos dos conflitos. A alta propensão dos machos para doar comida para as fêmeas e a evolução da paz indicam que o modelo está mais próximo de uma comunidade de bonobos do que de chimpanzés. 147 7 Conclusão No modelo que proponho, procuro colocar em prática a minha visão de que devemos tentar superar os obstáculos à integração de diversas áreas de conhecimento. Ao modelar características cognitivas e emotivas de agentes (Psicologia) sujeitas a evolução por seleção natural (Biologia) e capaz de os levar à formação de alianças (Sociologia e Política) num mundo virtual (Ecologia), estou tentando integrar conhecimentos oriundos de diversas ciências. Uma preocupação constante na elaboração do modelo apresentado no Capítulo anterior foi a criação de agentes e de um ambiente interpretáveis como experimentalmente relevantes para a compreensão da evolução da cooperação entre nossos ancestrais. Outra preocupação foi manter a flexibilidade no estabelecimento das características do mundo e atribuir aos agentes apenas possibilidades de evolução e não características fixas das quais eles não conseguiriam se livrar durante a simulação. A escolha dos parâmetros iniciais relativos à vegetação deixa o pesquisador com grande liberdade na elaboração de seus experimentos. É possível, por exemplo, não criar nenhuma árvore, apenas vegetação rasteira não sujeita a nenhuma espécie de sazonalidade ou, pelo contrário, combinar o número de árvores de cada espécie, o número de frutos produzido por cada árvore de determinada espécie, o valor energético de cada fruto, o período do ano em que os frutos são produzidos e o número aproximado de árvores de cada aglomerado. É possível, ainda, definir quantos dias possui cada ano e quantas horas possui cada dia. Em síntese, a combinação adequada de parâmetros iniciais permite simular uma grande variedade de habitats. Dentre os modelos apresentados na literatura revisada, nenhum era capaz de representar a vegetação com o mesmo grau de realismo e flexibilidade. Conforme o plano de trabalho exposto no final do Capítulo 3, fiz uma revisão da literatura sobre antropóides atualmente existentes e sobre nossos ancestrais já extintos. Os antropóides virtuais apresentados no Capítulo 6 apresentam as características cognitivas e emotivas que imaginei como sendo as necessárias para a emergência de comportamentos semelhantes aos descritos no Capítulo 4. 148 Dos modelos baseados em agentes revisados no Capítulo 3, apenas o modelo de Premo (2005) revela uma preocupação de adequação aos dados empíricos produzidos pela antropologia e primatologia. Mas mesmo o modelo de Premo me parece excessivamente simplista. Os agentes, por exemplo, são simplesmente grupistas ou egoístas, sem comportamentos intermediários. Também não são exploradas habilidades cognitivas ou emotivas que levem ao comportamento altruísta ou egoísta. Vários outros modelos ainda mais simples com os quais me deparei durante a revisão de literatura não foram sequer mencionados ao longo da tese porque eles seguiam o princípio da máxima simplicidade e não contribuíram diretamente para elaboração do meu próprio modelo. Não consegui encaixá-los na linha de raciocínio desenvolvida no Capítulo 3. Como antecipado na Introdução, este trabalho não diz como foi a evolução da cooperação entre seres humanos. Pode-se, entretanto, considerar alcançado o objetivo básico de construção de um modelo realista que pode ser manipulado para testar algumas idéias a respeito da evolução da cooperação. Em nenhum momento, características globais foram modeladas. Pelo contrário, fenômenos sociais como a formação de alianças são inteiramente dependentes de decisões individuais dos agentes. As alianças, por exemplo, não existem como entidades autônomas às quais os agentes se afiliam. Isso seria certamente mais fácil de modelar, mas sem dúvida não corresponderia aos processos que estão na origem da cooperação humana. Ninguém sabe o que exatamente se passa na mente de antropóides como os chimpanzés quando eles formam alianças políticas para manter o poder no interior da comunidade ou constituem grupos de patrulha para defender o território. Assim, o algoritmo de formação de alianças que desenvolvi serve como uma hipótese sobre como se formam essas alianças testável por meio de experimentos virtuais. Curiosamente, embora eu tenha me baseado principalmente no comportamento dos chimpanzés para elaborar o algoritmo de formação de alianças e para modelar as situações de conflito e cooperação, o resultado das poucas simulações estão mais próximas do que se observa numa comunidade de bonobos. Certamente foi determinante desse resultado o fato de as fêmeas escolherem os parceiros sexuais. Para um trabalho futuro, seria interessante desenvolver um algoritmo de reprodução em que os machos disputariam o direito de acesso às fêmeas. Isso demonstra que é imperativo que os estudiosos da evolução da cooperação fiquem mais atentos a um fato extremamente relevante e não considerado nos modelos revisados no Capítulo 3: seres humanos se reproduzem sexualmente. Não vejo necessidade de incluir em novas simulações do modelo a opção de reprodução assexuada. Parece ser mais produtivo testar mundos de diferentes dimensões e formatos, diferentes distribuições de vegetação e diferentes valores iniciais para as características genéticas dos agentes. Outra característica do modelo que precisa ser repensada é a excessiva irracionalidade dos agentes. Embora, como vimos no Capítulo 5, nossos ancestrais tenham permanecido com cérebro 149 pequeno por milhões de anos após se tornarem bípedes e a linguagem altamente simbólica que usamos hoje tenha evoluído há poucas dezenas de milhares de anos, para versões do modelo com pretensão de representarem estágios da cooperação mais próximo dos humanos modernos, seria adequado uma maior freqüência de ações racionais por parte dos agentes. Durante as simulações, os agentes realizam milhões de cálculos, mas em geral eles estão usando suas propensões emotivas para avaliar outro indivíduo ou uma célula. Eles não decidem o que fazer orientados pelo provável resultado da sua ação e sim por valores e sentimentos formados no passado. Não são ações orientadas a um fim e, portanto, não podem ser qualificadas como estratégicas. Uma exceção é a escolha do vizinho a quem pedir comida: o escolhido é o agente que, de acordo com os cálculos do pedinte, tem maior probabilidade de fazer a doação. Nesta tese não apresento um produto acabado. O modelo proposto apenas retrata um momento de um processo que por enquanto não pode ser continuado. Para prosseguir no desenvolvimento do modelo seria necessário mais recursos do que atualmente estão à minha disposição. Um resultado ainda esperado é a evolução de sociedades de fissão e fusão como as dos antropóides reais e, em certa medida, de humanos vivendo de caça e coleta. Com tantos conflitos nos reinos animal e humano, a evolução da paz já foi um resultado inesperado, mas somente a continuidade do desenvolvimento do modelo revelaria quais surpresas ainda estão guardadas. 150 APÊNDICE A -- Parâmetros fixos por toda a simulação Segue abaixo a lista de parâmetros que podem ser alterados antes do início de cada simulação, através de um arquivo de configuração, mas que não sofrem nenhuma alteração durante toda a simulação. A cada parâmetro segue uma breve descrição do que ele define. • NAg. Número de agentes da primeira população. • ChooseRandomValues. Os valores listados no Apêndice A serão escolhidos aleatoriamente ou se serão usados os valores definidos no arquivo parameters. • Language. Os agentes serão capazes de trocar informações sobre outros. • Hunt. Ativação do algoritmo de caça. • FoodShare. Ativação do algoritmo de compartilhamento de comida. • Territoriality. Ativação do conflito por território. • SexualReproduction. Define se a reprodução dos agentes será sexuada ou assexuada. • Norm. Ativação da possibilidade de evolução de normas. • Metanorm. Ativação da possibilidade de evolução de metanormas. • MemSize. Número máximo de lembranças que um agente pode ter de outro. • Silent. O programa deve ou não imprimir no terminal informações sobre o andamento da simulação. • LogInterval. Intervalo de registro de resultados. Se o valor for 10, por exemplo, somente 1 de cada 10 horas terão seus valores registrados nos arquivos .csv usados nas análises estatísticas dos resultados. 151 • dumpPatchesToScreen. Imprime na tela, antes do início da simulação, uma representação textual dos aglomerados de árvores. • RandomAgentActivation. Embaralhamento da lista de agentes a cada unidade de tempo. • WorldXSize. Largura do mundo, medida em número de células. • WorldYSize. Altura do mundo, medida em número de células. • DayDuration. Duração de um dia (em horas). • YearDuration. Duração de um ano (em dias). • ExperimentDuration. Duração da simulação (em horas). • MaxEnergy. Nível máximo de energia que um agente pode atingir. • MaxVision. Visão máxima de um agente. • NearView. Visão próxima dos agentes. • AllianceRadius. Distância máxima vasculhada por agente em busca de aliados para formação de alianças. • HuntCost. Custo energético do ato de caçar. • PreyMaxAge. Idade máxima das presas. • MaxNPreys. Número máximo de presas. • PredationRisk. Risco de agente ser vítima de predação. • MaxPlantEnergy. Energia máxima de planta rasteira. • PlantLogisticGrowth. Fator usado no cálculo do crescimento das plantas rasteiras. • NTreei. Número de árvores da espécie i. • TreeSeasonBegini. Dia do ano em que se inicia a produção de frutos. • TreeSeasonEndi. Fim da estação de produção de frutos. • TreeNFruitsDayi. Número de frutos produzidos diariamente pelas árvores da espécie i. • TreeMaxFruitAgei. Idade máxima dos frutos produzidos pelas árvores da espécie i. 152 • TreeFruitEnergyi. Quantidade de energia de cada fruto produzido pela árvore da espécie i. • MinTreePatchSizei. Tamanho mínimo dos aglomerados de árvores da espécie i. • MaxTreePatchSizei. Tamanho máximo dos aglomerados de árvores da espécie i. 153 APÊNDICE B -- Variáveis sujeitas a evolução por seleção natural Segue abaixo a lista de variáveis usadas como referência no estabelecimento da primeira população mas que são herdadas geneticamente pelos gerações seguintes de agentes e, portanto, estão sujeitas à ação da seleção natural. O prefixo “(MF)” indica que a variável aparece duas vezes no arquivo de configuração, uma para os machos e outra para as fêmeas. Geral • MutationRate. Taxa de mutação. • Childhood. Duração da infância. Lembranças • (MF)TmFct. Fator tempo utilizado para reduzir o valor de lembranças antigas. • (MF)Gratitude. Gratidão ao se lembrar de benefícios recebidos. • (MF)Vengefulness. Vingatividade ao se lembrar de males recebidos. • GratitudeStrategy. Estratégia que determina como o sentimento de gratidão será o usado no cálculo da lembrança. Existem duas possibilidades, ser grato pelo total recebido ou ser grato pela diferença entre valor recebido e valor dado, se essa diferença for positiva. • VengefulnessStrategy. Estratégia que determina como o sentimento de vingatividade será o usado no cálculo da lembrança. Existem duas possibilidades, priorizar a diferença entre o último valor dado e o último valor recebido ou priorizar a diferença entre o valor total dado e o valor total recebido. • VOfStrg. Valor atribuído a um estranho no momento de escolher amigos para formar alianças, migrar ou avaliar o valor de uma célula. 154 • AdviceValue. Fator multiplicador do valor da lembrança que o melhor amigo tem de um desconhecido. Quando a simulação inclui Linguagem, um agente, ao iniciar a interação com um estranho, pergunta a seus melhores amigos qual lembrança eles têm do estranho. Ao obter uma resposta, o agente para de perguntar. • ZeroPostvNo. Se verdadeiro, o valor para um não recebido que tenha evoluído para valores positivos será convertido em zero. Compartilhamento de comida • LowDeficit. Déficit de energia (diferença entre a energia atual e a energia na hora anterior) tolerável antes do agente decidir pedir comida. • BegStrategy. Define qual estratégia é seguida ao pedir comida: Usar os próprios valores para calcular como é lembrado pelo outro agente ou usar valores médios da população? Pedir até mesmo para quem tem lembrança neutra ou pedir somente para quem tem lembrança positiva? • AskMeatOnly. Se verdadeiro, somente pede comida a agentes portando carne. • MeatValue. O quanto o fato de um vizinho possuir carne é valorizado no momento de decidir para quem pedir comida. • (MF)Pity. Compaixão que o agente sente por outro com nível de energia inferior ao seu. • (MF)Envy. Inveja que o agente sente por outro com nível de energia superior ao seu. • (MF)BnvlcTOtherSex. Benevolência que se soma à lembrança que o agente tem de um pedinte no momento de decidir doar ou não comida para ele quando o pedinte é do sexo oposto. • (MF)BnvlcTSameSex. Benevolência quando o pedinte é do mesmo sexo. • (MF)BnvlcTMother. Benevolência quando o pedinte é a mãe do agente. • (MF)BnvlcTChild. Benevolência quando o pedinte é filho do agente. • (MF)BnvlcTSibling. Benevolência quando o pedinte é irmão do agente. • (MF)Generosity. Generosidade do agente no momento de decidir doar energia. 155 • (MF)MeatGenerosity. Generosidade do agente no momento de decidir doar carne ainda não consumida. • (MF)FVOfNoSh. Valor memorizado quando uma fêmea se nega a dar comida. • (MF)MVOfNoSh. Valor memorizado quando um macho se nega a dar comida. Caça • HuntStrategy. Estratégia de caça a ser seguida: nunca caçar, caçar somente durante migrações ou caçar quando convidado e quando o seu intervalo entre caçadas tiver sido alcançado. • MaxHuntPatrolSize. Número máximo de amigos que um agente convidará para participar de uma patrulha de caça. • HuntValue. Valor que o agente memoriza como tendo recebido dos membros da sua aliança de caçadores. • (MF)FVOfNoH. Valor memorizado em caso de não aceitação de convite para caçar feito a uma fêmea. • (MF)MVOfNoH. Valor memorizado em caso de não aceitação de convite para caçar feito a um macho. Reprodução • BestMaleAge. Melhor idade do macho a ser escolhido para copular. • MaleAgeImportance. Importância da idade do macho para uma fêmea que escolhe um parceiro sexual. • MaleEnergyImportance. Importância do nível energético de um macho para uma fêmea que escolhe um parceiro sexual. • FemalePromiscuity. Índice de promiscuidade da fêmea. • MKidVForMale. Valor que um macho registra como tendo recebido ao ser escolhido como parceiro sexual. • FKidVForMale. Valor que uma fêmea registra como tendo dado a um macho que escolheu como parceiro sexual. 156 • (MF)VOfNoSex. Valor memorizado em caso de não aceitação de proposta sexual. Movimento rotineiro • (MF)ChildSel. Seletividade em relação a filhos: valor que se acrescenta a uma célula pelo fato de haver um filho nela no momento de avaliar o valor de uma célula, seja para migrar ou para movimento rotineiro. • (MF)MotherSel. Seletividade em relação à mãe. • (MF)SiblingSel. Seletividade em relação a irmão. • (MF)FriendSel. Seletividade em relação a amigo. • (MF)OtherSexSel. Seletividade em relação a agente de sexo oposto. • (MF)SameSexSel. Seletividade em relação a agente do mesmo sexo. • OestrFemSel. Seletividade em relação a fêmeas no cio (machos apenas). • (MF)EnergySel. Seletividade em relação ao nível energético da célula. • (MF)AcceptMoveInv. Proporção de agentes da primeira população que aceitará convites para mover para uma célula vizinha. Migração • HighDeficit. Déficit de energia tolerável antes do agente iniciar uma migração para outro aglomerado de árvores. • MigPrefs. Seqüência em que o agente fará tentativas de escolher o destino para migração. As opções são ir para o melhor aglomerado de árvores, seguir um agente que já esteja migrando e escolher a melhor célula próxima. Se todas as tentativas falharem, o agente migra para uma célula aleatória. • FearOfHPWhenHasKid. Se for verdadeiro, uma fêmea com criança evitará migrar para aglomerados de árvores de onde tenha sido expulsa na última visita. • (MF)MigAgeImportance. Importância atribuída à idade de um agente no momento de decidir acompanhá-lo ou não numa migração. • (MF)MigFriendImportance. Importância atribuída ao valor da lembrança de um agente no momento de decidir acompanhá-lo ou não numa migração. 157 • (MF)AcceptInv. Proporção de agentes da primeira população que aceitará convites para migrar. Luta por território • (MF)Bravery. Sentimento de bravura que determina a probabilidade do agente iniciar uma aliança para defender um território. • (MF)Audacity. Audácia do agente, determinante da sua disposição de lutar mesmo sua aliança estando em desvantagem em relação a outra. • (MF)Loyalty. Lealdade do agente, determinante da probabilidade do agente de aceitar um convite para ingressar numa aliança de defesa de território. • HasShame. Determina se o agente possui ou não vergonha de não seguir as normas. Se tiver, memorizará o não cumprimento da norma de punir não cooperadores na luta por território como uma falha sua (mais precisamente, memorizará ter dado um valor negativo para os demais membros da aliança). Se não tiver, memorizará ter recebido um valor negativo dos demais membros da aliança. • TerriRemStrategy. Estratégia de lembrança de aliados em luta por território. Existem duas opções: sempre guardar uma lembrança positiva dos aliados ou somente lembrar se efetivamente tiver havido luta. • (MF)PatrolV. Valor memorizado quando um agente aceita convite para patrulhar território. • (MF)XenophTM. Xenofobia em relação a machos. Sem este tipo de xenofobia, o agente não iniciará uma aliança para expulsar de seu aglomerado de árvores um estranho de sexo masculino. • (MF)XenophTF. Xenofobia em relação a fêmeas. • (MF)XenophTFwK. Xenofobia em relação a fêmeas com crianças. • (MF)FearOfHP. Medo de ir para aglomerados de árvores de onde se foi expulso no passado. • (MF)Norm. Norma de punir não cooperadores na luta por território. • (MF)Metanorm. Norma de punir não punidores de não cooperadores. 158 • (MF)MVOfNoCT. Valor memorizado no caso de um macho não aceitar convite para ingressar em aliança para defender território. • (MF)FVOfNoCT. Valor memorizado no caso de uma fêmea não aceitar convite para ingressar em aliança para defender território. 159 Referências Bibliográficas AIELLO, Leslie C.; WELLS, Jonathan C. K. Energetics and the evolution othe genus Homo. Annual Review of Anthropology, v. 31, p. 323–38, 2002. AITCHISON, Jean. The seeds of speech: language origin and evolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. ALENCAR, Anuska Irene; OLIVEIRA SIQUEIRA, José de; YAMAMOTO, Maria Emilia. Does group size matter? cheating and cooperation in brazilian school children. Evolution and Human Behavior, v. 29, p. 42–48, 2008. ANTÓN, Susan C.; SWISHER, Carl C. III. Early dispersal of Homo from Africa. Annual Review of Anthropology, v. 33, p. 271–96, 2004. AQUINO, Jakson Alves de. As teorias da ação social de Coleman e de Bourdieu. Humanidades e Ciências Sociais, v. 2, n. 2, p. 17–29, 2000. Disponível em: <http://jalvesaq.googlepages.com/2teorias.pdf>. AQUINO, Jakson Alves de. 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Kanyunyi 63, 65, 66, 77 deMenocal, Peter B. 94 Becker, Gary 18–20 DiMaggio, Paul J. 9 Bendix, Reinhard 7, 9 Duarte, Cidália 112 Bickerton, Derek 116–118 Durkheim, Émile 6 Boero, Riccardo 13, 27, 28 Dye, Thomas R. 11, 21 Boesch, Christophe 65, 80, 81 Edey, Maitland A 102, 103 Bonabeau, Eric 28, 30 Edling, Christopher R 24 Boudon, Raymond 15 Eisenstadt, Shmuel N. 9 Boyd, Robert 34–36, 38 Elster, Jon 15–17, 21 Boyer, Denis 56, 63, 66, 134 Epstein, Joshua M 30 Brosnan, Sarah F. 76, 90, 91 Brunet, Michel 96–98 Buss, David 33 Byrne, Richard W. 74 Fausto, Carlos 78, 111, 113 Feistner, Anna T. C 92 Feldman, Marcus W. 115 Ferreira, André Luiz Ribeiro 50 Castles, Duncan L. 65, 80 Fitch, W. Tecumseh 73 Cela-Conde, Camilo J. 100, 106 Frost, Stephen R. 112 171 Furuichi, Takeshi 64, 65, 69, 81 Gallois, Dominique T 113 Giddens, Anthony 9 Gilbert, Nigel 27, 31 Gintis, Herbert 34–37 LeDoux, Joseph 130 Lee, Richard Borshay 62 Lenski, Gerhard 3 Lewin, Roger 72, 95, 109, 110, 117 Linton, Ralph 113 Gómez, Vian P. 56, 63, 134 MacKelvey, Bill 13, 30 Greif, Avner 38 Macy, Michael W. 27, 30, 57 Mark, Noah P 38 Haidt, Jonathan 17 Halle-Selassie, Yohannes 99 Harcourt, Alexander H. 84 Harcourt-Smith, W. E. H. 105 Harper, Stephen E. 60, 71, 77, 121, 122 Maryanski, Alexandra 59 Matsumoto-Oda, Akiko 65 Matsuzawa, Tetsuro 92 McGrew, William C. 92 Harvati, Katerina 112 McHenry, Henry M 97, 101, 103, 104, 107, 109 Hashimoto, Chie 64–66 McNulty, Kieran P. 112 Hauser, Marc 17 Menezes, Eduardo Diatahy Bezerra de 59 Hedström, Peter 13, 28 Merton, Robert K 9 de Heinzelin, Jean 103, 104 Miles, H. Lyn White 60, 71, 77, 121, 122 Henrich, Joseph 34, 36, 38–40 Milo, Richard G. 36, 116, 117 Henrickson, Leslie 13, 30 Milton, Katharine 106 Hofferbert, Richard I. 9–11 Mitani, John C. 65, 67, 77, 83, 84 Hunt, Kevin D. 63 Myerson, Roger B 17, 55, 56 Ingold, Tim 117 Newton-Fisher, Nicholas E. 63, 65, 75, 80, 81, 83 Johanson, Donald C. 102, 103 Nkurunungi, J. Bosco 66 Kahneman, Daniel 18 Nowak, Martin A. 51, 52, 54, 130 Koyré, Alexandre 27 Oliva, Angela Donato 42 Krings, Matthias 112 de Oliveira Siqueira, José 50 Kuhn, Thomas S 3 Olson, Mancur 15, 46 Kutsukake, Nobuyuki 65, 80 Ovchinnikov, Igor V. 112 Leakey, Meave G. 100 Paul, Andreas 81 Leakey, Richard E. 72, 95, 109, 110, 117 Pepper, John W. 41, 53, 65, 83, 125 172 Pickford, Martin 98 Squazzoni, Flaminio 13, 27, 28 Plumptre, Andrew J. 63, 65 Stanford, Craig B. 66 Powell, Walter W. 9 Steinmo, Sven 9, 16 Premo, L. S. 53, 54, 124, 149 Stinchcombe, Arthur 10 Pusey, Anne E. 63, 77, 78, 80, 83, 84 SWARM Development Group 124 Quiatt, Duane 36, 116, 117 Swedberg, Richard 13, 28 Swisher, Carl C. III 94, 108, 111 Ramos-Fernández, Gabriel 56, 63, 134 Rauch, Jonathan 30 Tashiro, Yasuko 64, 65 Reis, Bruno Pinheiro Wanderley 55 Tattersall, Ian 112 Reis, Fábio Wanderley 18 Taylor, Michael 15, 55 Reynolds, Vernon 63, 65 Taylor, Talbot J 122, 123 Richards, Martin 94 Thelen, Kathleen 9, 16 Richerson, Peter J. 35 Tomasello, Michael 118–121 Riolo, Rick L. 56 Tooby, John 3, 22 Rosenberg, Noah A. 115 Tsebelis, George 13, 16, 21 Rothstein, Bo 9, 16 Turner, Jonathan H 22, 59, 128 Rousseau, Jean-Jacques 42 Tversky, Amos 18 Runciman, W. G 2, 29 Ueno, Ari 92 Savage-Rumbaugh, E. Sue 60, 83, 86, 87, 96, 122, 123 de Waal, Frans B. M 76, 90, 91 Sawyer, R. Keith 29 Wallauer, William R. 77, 78, 80 Schelling, Thomas C 25 Watts, David P. 65, 77, 78, 80, 81, 83 Schmitt, Daniel 96, 101 Weber, Max 17 Schwartz, Jeffrey H. 112 Wells, Jonathan C. K. 69, 96, 106, 107 Seeger, Anthony 113 White, Frances J. 63, 64 Seyfarth, Robert M. 75, 76 White, Tim D. 115, 116 Shanker, Stuart 122, 123 Whiten, Andrew 74 Sigmund, Karl 51, 52, 54, 130 Willer, Robert 27, 30, 57 Silk, Joan B. 33 Wilson, Edward O. 90 Skyrms, Brian 42–44 Wilson, Michael L. 77, 78, 80 Smuts, Barbara B. 41, 53, 125 Wilson, Thomas P 13 Sperber, Dan 2, 7 Wittig, Roman M. 65, 80, 81 173 Wong, Kate 97–99 Yamamoto, Maria Emilia 50 Wood, Bernard 97 Wrangham, Richard W. 63 Zetterberg, Hans 10 Wynn, Thomas 94, 102, 107, 109, 114 Zhivotovsky, Lev A. 115 174