A preparação penitencial na Eucaristía

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A preparação penitencial na Eucaristía
A PREPARAÇÃO PENITENCIAL
NA EUCARISTIA
O acto penitencial é um dos elementos mais interessantes da primeira parte da Eucaristia, o rito de
entrada.
Já são vários e muitos os anos que o realizamos – desde 1969 – mas não é supérfluo dedicar-lhe
uma reflexão, porque o desgaste e a rotina dão a impressão de que, às vezes, não retiramos dele
todo o proveito que dele se poderia esperar.
Porquê ao princípio?
É uma novidade da última reforma litúrgica que a comunidade, como tal, comece a sua celebração
com um rito penitencial.
Antes existia um acto, entre as orações “ao pé do altar”, o “Confiteor”, que o sacerdote rezava
com o sacristão: mas não era da comunidade.
Também se recitava o “Confiteor” imediatamente antes da comunhão: mas na prática voltava a
ser coisa do sacerdote e, além disso, desde 1960, foi suprimido por se considerar um duplicado do
primeiro. Ambos eram restos de uma série de orações penitenciais com que na Idade Média se tinha
enchido a Missa: as chamadas “apologias”, com as quais o celebrante exprimia o seu sentimento de
humildade ao realizar o seu ministério.
Agora, e pela primeira vez na história da Missa, é toda a comunidade quem inicia a sua celebração
com um acto penitencial.
Teria tido também um sentido muito expressivo se se tivesse situado no final da liturgia da Palavra, depois da homilia, como se faz em Quarta-feira de Cinzas. Assim o pediam alguns dos que trabalharam na reforma da Missa (por exemplo, J. A. Jungmann).
De facto, ao longo de bastantes séculos na Alemanha e na Catalunha havia uma tradição de “confissão geral” de toda a assembleia, depois do sermão. O sentido, neste momento da celebração, seria
evidente: depois de escutar a Palavra de Deus, a comunidade reconhece-se pecadora e manifesta a
sua vontade de conversão. Como também durante séculos se situava neste momento o abraço da
paz, pode-se dizer que a celebração da Palavra tinha expressivas consequências na assembleia: pede
perdão a Deus, reconhecendo-se pecadora; dá aos presentes o abraço da paz; e dirige a Deus, pelos
ausentes e por toda a humanidade, a sua oração universal de intercessão.
Sentido do acto penitencial
Mas também tem um sentido altamente educador tal como ficou na actual reforma.
Não só necessitamos de nos converter e purificar depois de escutarmos a Palavra de Deus, ou para
nos preparar imediatamente para a comunhão. Já desde o princípio da celebração é bom que nos
ponhamos nessa atitude, porque vamos comungar com Cristo de duas maneiras: vamos acolhê-l’O
como Palavra e a seguir como Pão-Vinho.
A comunidade cristã sabe que é uma comunidade de pecadores. E por isso, reconhece comunitariamente o seu pecado, mesmo que seja de modo geral. Não o faz só o sacerdote, ou cada um em
particular, mas a comunidade. A primeira oração comum da Missa é para pedir a Deus o seu perdão
e a sua ajuda. É um acto de humildade, porque necessita dessa ajuda de Deus. E, ao mesmo tempo,
um acto de confiança, porque também sabe que é uma comunidade dos redimidos por Jesus Cristo.
É a atitude típica dos “pobres” no sentido bíblico: abertos, não auto-suficientes, mas débeis e desejosos de receber os dons de Deus.
Um acto de preparação penitencial que dá um tom de sinceridade e realismo a toda a Eucaristia
que se vai celebrar. Por um lado, a confissão do mal que há em nós; continuamos empenhados, apesar de ser crentes, numa longa luta contra o mal: o mal no mundo, na Igreja e em cada um de nós.
Por outro lado, um acto de fé em Jesus Cristo que “tira o pecado do mundo” e que venceu o mal. A
comunidade, que é ao mesmo tempo “santa e sempre necessitada de purificação” (Lumen Gentium
8), professa a sua renúncia ao pecado e a sua fé confiada na presença de sua Cabeça, Cristo, o Todo
Santo.
Assim, seguimos de certo modo o conselho de Paulo (cf. I Cor 11, 28) que convidava os seus cristão a não celebrar a Eucaristia de qualquer maneira (no caso de Corinto, com uma evidente situação
de falta de fraternidade), porque então a celebração nos faria “mais mal que bem”: “examine-se,
pois, cada qual, e coma então do pão e beba do cálice”. Da mesma maneira aconselhava a Didakê,
do séc. I: “reunidos em cada dia do Senhor, parti o pão e dai graças, depois de ter confessado os
vossos pecados” (c. 14).
O acto penitencial pertence a uma série de expressões da conversão cristã, que não é um acto isolado, necessariamente identificado com o sacramento da Penitência. A conversão é todo um processo continuado, que às vezes se manifesta na vida diária (as provas da vida, a reconciliação e a caridade fraterna…), outras na celebração (a oração, a escuta da Palavra…) e nos momentos mais privilegiados recebe a expressão cimeira no sacramento da Reconciliação. Aqui, o acto penitencial situa
a comunidade na atitude justa de conversão e abertura ao múltiplo dom que Cristo lhe vai comunicar na Eucaristia.
Ao longo da celebração haverá outros momentos em que de uma ou outra forma voltará a aparecer a ideia penitencial: no Glória, que também tem súplicas de perdão; no Pai Nosso: “perdoainos… como nós perdoamos”; no momento de comungar: “não sou digno de que entreis…”. Mas
está bem que, expressamente, a comunidade faça uma profissão da sua atitude interior de conversão
no princípio da Eucaristia.
A linha dinâmica
Este objectivo – alimentar e expressar a atitude interior de humildade, confiança e conversão –
pretende-se conseguir, no Missal Romano, por meio das três formas de realizar o acto penitencial
(quatro, contando a da “aspersão”).
A dinâmica é sempre a mesma:
a) convite do presidente;
b) um momento de silêncio;
c) confissão geral;
d) oração de absolvição pelo presidente.
a) O convite
O que o Missal apresenta (“para celebrarmos dignamente os santos mistérios…) é indicativo: “o
sacerdote convida os fiéis ao acto penitencial com estas palavras ou outras semelhantes” (MR 442).
Trata-se de motivar o acto penitencial, com certa variedade e riqueza de pensamentos, embora
mantendo-se dentro da máxima brevidade. Umas vezes apela-se à misericórdia de Deus; outras, à
vitória de Cristo contra todo o mal; há dias em que é bom enlaçar com a ideia central da festa ou do
tempo litúrgico; outras vezes parte-se da nossa situação de pecado e debilidade, ou das várias circunstâncias que se estão a viver: uma ou outra vez se pode adiantar a mensagem das leituras, se vai
nessa mesma direcção (se se vai ler, por exemplo, a parábola do filho pródigo…).
Este breve convite, variado e incisivo, quer ajudar todos a situar-se diante de Deus e a preparar-se
para a celebração num tom de humildade confiada.
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b) O elemento de silêncio
Depois do convite do presidente há uns momentos de silêncio: o primeiro silêncio da Missa.
É muito importante este momento. O que passa directamente da primeira monição às fórmulas de
confissão (“Confesso a Deus”, por exemplo), sem fazer nenhuma pausa, pode-se dizer que não sabe
o que está a acontecer. Do que se trata não é dizer umas quantas orações, mas criar um clima, uma
atitude. E para isso, um momento de silêncio pode ser mais eficaz que muitas palavras: “no acto
penitencial e a seguir ao convite à oração, o silêncio destina-se ao recolhimento interior” (IGMR
45). Um momento breve, mas denso, de silêncio, ajuda todos a interiorizar a sua atitude de conversão.
c) A “confissão geral”
É assim que o Missal chama às breves fórmulas com que a comunidade reconhece o seu pecado e
pede ajuda a Deus (cf. IGMR 51).
E apresenta três maneiras distintas de a realizar.
‒ O “confiteor”, “Confesso a Deus”: uma oração que, na sua brevidade, tem muito sentido; colocanos em referência a Deus e aos nossos irmãos; também pede a intercessão dos santos e de toda a
comunidade; e faz-nos pensar nos nossos pecados, não só de pensamento, palavra e obra, mas também de omissão… A expressão “por minha culpa” situa-nos na atitude humilde e realista que Jesus
louvou no publicano da parábola.
‒ A segunda fórmula é muito breve: são como duas jaculatórias, dialogadas, inspiradas nos salmos:
“Tende compaixão de nós, Senhor – Porque somos pecadores”… Com a mesma fonte dos salmos
poder-se-ia variar esta ladainha, devendo a resposta, então, ser sempre a mesma (por exemplo,
“Senhor, tende piedade”), o que aproximaria mais esta fórmula da terceira.
‒ A terceira fórmula desta confissão geral são as invocações com a resposta do “Kyrie”, “Senhor,
tende piedade”.
São invocações dirigidas a Cristo. Invocações, não simplesmente uma ladainha de “intenções”. E
dirigidas a Cristo, assim como os Kyries: antes, por dizê-los nove vezes, podia-se pensar na Trindade como destinatária destas aclamações, mas viu-se que o original era dizê-las a Cristo. Tanto o
“Kyrie”, Senhor, como o “Christe”, vão dirigidos a Ele: é Ele, “o que tira o pecado do mundo”, a
fonte de toda a reconciliação cristã.
Há diversos modos de conceber estas invocações: umas vezes, partindo de Cristo e seus “títulos”,
outras, da festa ou do tempo litúrgico, ou, melhor ainda, da nossa situação de pecado, ou das diversas circunstâncias da celebração.
Mas o melhor critério parece ser que a atenção se dirija, não tanto aos nossos pecados, mas a Cristo. Os pecados reconhecem-se melhor de modo geral, sem carregar o acento sobre o “exame” detalhado e sem cair numa excessiva “introversão” moralizante.
As invocações que há no Missal dão-nos um modelo interessante. Centram-se em Cristo e na sua
obra salvadora:
‒ Cristo é invocado porque “fostes enviado” pelo Pai
“viestes” ao mundo
“estais à direita do Pai”
‒ e recordam-se os motivos desta proximidade para nós:
“a salvar os corações atribulados”
“chamar os pecadores”
“a interceder por nós”.
De acordo com as diversas festas e tempos é evidente que se pode variar esta invocação: o Missal
(p. 443) refere expressamente que se “diz ou canta as seguintes invocações ou outras semelhantes”.
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A resposta a estas invocações, o “Kyrie”, “Senhor, tende piedade”, é a mais simples, clássica e
popular. Há que entendê-la como uma verdadeira aclamação: “um canto em que os fiéis aclamam o
Senhor e pedem a sua misericórdia” (IGMR 52). É uma confissão de fé na grandeza de Cristo, na
sua proximidade para connosco. Claro que agora “Senhor” não tem toda a força que o “Kyrie”
supunha nos primeiros séculos (apontando claramente para a divindade e senhorio de Jesus Messias). Mas tão-pouco há que dar à invocação um tom só penitencial, mas de aclamação confiada. (A
alguns pareceu mal que esta aclamação do Kyrie se tenha incluído entre as formas possíveis do rito
penitencial: teriam preferido que ficasse mais próxima do Glória, como aclamação quase-triunfal).
d) A “absolvição”
O sacerdote conclui a “confissão geral” com uma oração: “Deus todo-poderoso tenha compaixão
de nós, perdoe os nossos pecados e nos conduza à vida eterna”. Na edição latina do Missal chamase “absolvição”. Embora se entenda esta absolvição não no seu sentido “declarativo” ou “indicativo”, mas “deprecativo” e “optativo”, para a distinguir da absolvição propriamente sacramental da
Penitência (cf. IGMR 51).
Apesar de que esta oração conclusiva do acto penitencial não tenha a mesma força da absolvição
sacramental (neste momento da celebração, antes da proclamação da Palavra, é impensável assimilar este acto penitencial com o sacramento), no entanto não ficará mal recordar o poder de perdoar
que tem a Eucaristia. A Instrução Eucharisticum Mysterium, de 1967, sugeria: “A Eucaristia seja
apresentada aos fiéis também «como remédio que nos liberta das culpas de cada dia e nos preserva
dos pecados mortais» e seja-lhes indicado o modo conveniente de usar com fruto as partes penitenciais da liturgia da Missa” (n. 35).
Outras formas de acto penitencial
O rito penitencial é apresentado no Missal com uma certa flexibilidade: sempre com a intenção de
que consiga a sua finalidade, preparar a assembleia celebrante na sua atitude de abertura e conversão para a Eucaristia.
Assim, por exemplo, contempla-se que em algumas ocasiões se omita esta preparação penitencial
porque já existe outro rito equivalente (é o caso do dia da Apresentação, 2 de Fevereiro; ou no
Domingo de Ramos, com a procissão; ou na Vigília Pascal com todo o solene rito de entrada e do
Precónio Pascal). Outras vezes muda-se de lugar: em Quarta-feira de Cinzas não se faz no princípio,
mas depois da proclamação da Palavra e da homilia, com o gesto da imposição das cinzas. Também
o Directório das Missas com Crianças sugere que dentro do rito de entrada se pode às vezes suprimir algum elemento, ou então potenciá-lo, segundo as circunstâncias, para que se consiga não só o
realizar de todos os ritos e orações, mas a finalidade que com eles se pretende.
Será bom enumerar outras modalidades do acto penitencial, além das três assinaladas:
‒ por exemplo, ao estilo do que o Missal prescreve para Sexta-feira Santa, uma ou outra vez poderia
ser expressivo fazer um momento mais prolongado de silêncio, com algum gesto simbólico (prostração, ou de joelhos), após o convite inicial;
‒ ou substituir a “confissão geral” com um cântico penitencial cantado por todos; se este cântico for
o de entrada, então conviria antecipar a monição introdutória, para motivar o seu sentido; um cântico penitencial acertado pode substituir muito eficazmente as invocações litânicas, sobretudo, darlhes variedade;
‒ o gesto simbólico da cinza, no início da Quaresma, é também um interessante modelo de como o
acto penitencial, em dias mais assinalados, pode ganhar expressividade com a linguagem simbólica.
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A aspersão com água
Deve-se ainda assinalar outra modalidade que o próprio Missal Romano destaca: o “asperges” ou
aspersão com água (na edição portuguesa ficou no Apêndice IV, pp. 1359-1365).
Este rito, que se pode fazer em todas as missas dos domingos (também nas vespertinas ao sábado), pretende ser uma recordação do Baptismo e da Noite Pascal, apontando quer a purificação dos
nossos pecados como a nossa condição de povo sacerdotal, baptizado, pascal.
O Missal apresenta o desenvolvimento deste rito:
‒ a monição presidencial: “esta água que vai ser aspergida sobre nós para memória do nosso baptismo”… “nos renove interiormente”;
‒ a oração de bênção sobre a água, que tem três modelos: “ por meio da água, fonte de vida e elemento de purificação… fossem lavadas as nossas almas… renovai… livrai-nos de todo o mal…
para estarmos na vossa presença de coração puro”… “esta água, Senhor, nos faça reviver o Baptismo que recebemos”…
‒ a aspersão, que o presidente realiza primeiro sobre si mesmo e, a seguir, sobre a assembleia, percorrendo, se lhe parecer oportuno, a igreja; este rito é acompanhado por um cântico “baptismal”
oportuno;
‒ e a conclusão: “Deus omnipotente nos purifique do pecado e, pela celebração da Eucaristia, nos
torne dignos de participar na mesa do seu reino”…
Para os que em cada dia celebram a Eucaristia com o seu acto penitencial normal, o domingo
poderia ser um dia em que a aspersão tivesse melhor sentido. Para os que celebram apenas aos
domingos, a novidade da “aspersão” poderia ter mais força nos domingos da Quaresma e, sobretudo, nos da Páscoa, omitindo sempre nestes casos o acto penitencial.
Sugestões finais
O acto penitencial não é o mais importante. Não se deveria exagerar na sua realização: contudo,
estamos no “rito de entrada”, que nos quer preparar para as celebrações principais da Palavra e do
Sacramento.
No entanto, é um momento interessante desse “diálogo” entre Deus e a comunidade cristã, que
depois continuará no resto da celebração. Faz-nos começar com sentimentos de humildade e de confiança, abrindo-nos à escuta da Palavra e da comunhão eucarística com Cristo.
Ora bem, estas atitudes não se conseguem automaticamente. Não nos deveríamos contentar com
os ritos e as fórmulas: mas criar o clima, variar, motivar, sugerir e facilitar as atitudes internas…
No caso das comunidades que normalmente ligam uma hora da Liturgia das Horas com a Eucaristia (por exemplo, Laudes) apesar de que, segundo a Liturgia das Horas (n. 94), se pode omitir o acto
penitencial, seria empobrecedor que sistematicamente nestas comunidades se começasse a celebração sem este pequeno acto de preparação penitencial. Claro que, se rezam em comum as Completas,
ali se tem outro momento penitencial, mas não é o mesmo e, além disso, muitas comunidades não
celebram em comum essa Hora, e também há que ter em conta os fiéis que possam celebrar essa
Eucaristia com a comunidade religiosa. Portanto, seria mais oportuno, antes da salmodia de Laudes
(ou de Vésperas), começar a celebração como em cada Eucaristia, incluída a preparação penitencial,
deixando para depois da salmodia a oração colecta. Também se deve assumir como tal acto penitencial a própria salmodia, nos dias, como a sexta-feira, em que tem já de per si uma cor de conversão.
José Aldazábal
(Traduzido e adaptado por José Manuel Pereira)
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