MÓDULO 01: Observe, Observe, Observe (Walt

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MÓDULO 01: Observe, Observe, Observe (Walt
MÓDULO 01: Observe, Observe, Observe (Walt Stanchfield)
Observe, Observe, Observe
Animação! A partir de agora, aprender a animar é sua principal preocupação – este é o
veículo que você escolheu para se expressar. Uma lista inteira de “ferramentas” é necessária: saber
desenhar, ter precisão, acertar o timing (tempo), as fases, as ações... usando pantomima,
imaginação, interpretação, lógica, caricatura, criatividade, clareza, empatia etc. Um monte de prérequisitos.
Descanse. Você nasceu com todos eles. Alguns deles podem precisar de uma afinação,
outros precisarão ser acordados de uma espécie de profundo sono, mas eles todos são parte de você,
assim como seus braços, suas pernas, olhos, rins, hemoglobinas, fala etc.
Ler e observar são duas formas de libertar áreas dormentes de sua mente. Leia clássicos,
biografias, humor, mistério e quadrinhos. Observe, observe, observe. Seja como uma esponja –
sugue tudo que você colocar os olhos. Procure o estranho, o comum, personagens, situações,
composições, atitudes; estude formas, características, personalidades, atividades, detalhes, etc.
Desenhe idéias, não coisas; ações, não poses; gestos, e não estruturas anatômicas.
Abaixo vemos alguns desenhos de animação desordenados para lembrá-lo o estilo de
desenho que serve aos melhores propósitos dos animadores: leveza e expressividade.
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Conduza para a Emoção
Um desenho bem construído deveria apresentar todas as partes harmoniosa e esteticamente
reunidas. Todavia, não é isso que você deveria enxergar quando olha para um desenho. O que você
deveria enxergar é a emoção que ele passa. O desenho de um homem faminto deveria expressar
medo, fome e desespero, e você deveria sentir isso também, além de pena, mal estar e raiva. Os
gestos não irão apresentar essa carga dramática, mas o conjunto gestual certamente é mais que suas
partes.
Faça um experimento: observe um palito de fósforo. Ele representa o seu modelo, ou
“personagem” na animação. Acenda o palito e deixe-o queimar até a metade. Agora ele representa o
seu modelo ou “personagem” no gesto.
De um palito de fósforo anatômico ele se transformou em um palito de fósforo queimado. Se
tiver que desenhar um palito de fósforo queimado você não dirá a si mesmo: “Ok, temos aqui a
anatomia de um palito de fósforo.” Não. Você dirá: “Esse é um palito de fósforo que teve sua
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anatomia queimada. Ele foi mudado e agora tem essa forma agonizante. Se eu pudesse me imaginar
nesse estado, se eu conseguisse sentir o que aconteceu a esse palito de fósforo, se eu me imaginasse
queimando - esse é o sentimento que tenho que desenhar. É isso que tenho que retratar.”
Temos que ser emocionais a respeito de nosso tema, sendo ele de natureza séria ou
humorística. Não podemos fugir de nossas próprias emoções – se isso acontece o resultado será uma
mera reprodução anatômica. Um desenho - ou uma cena - não está pronto quando a representação
material foi feita; ele é definitivo quando um retrato sensível de uma emoção é feito.
O significado não está isolado na história, mas na ilustração que dá vida a ela. Sim, há a
anatomia, a forma, a construção, o modelo e duas ou três linhas de outras coisas – mas somente se
essas coisas forem expressivas para a história.
Dê a Experiência a Eles
Desenhar para animação não significa apenas copiar um modelo para o papel; você pode
fazer isso melhor com uma câmera. Desenhar para animação é traduzir uma ação para a forma de
um desenho de modo que o público possa retraduzir esses desenhos de volta a uma experiência da
ação. Você não quer apenas mostrar ao público uma ação para que eles a observem. Você quer
visualizar uma ação para que eles a vejam, ou seja, para que eles a experimentem. Dessa maneira
você tem o público na palma da mão, em seu poder, e assim a história pode se desenvolver e a
platéia irá segui-la, pois está envolvida emocionalmente. Você permitiu a eles experimentar aquilo
que estão vendo.
As partes da figura devem ser agrupadas de maneira que retratem ou caricaturem o
significado da pose. Senão será apenas um desenho. Que horrível destino: ser apenas um desenho!
Aqui temos alguns desenhos de animação que transcenderam a anatomia e o modelo de seus
personagens. São bons desenhos, mas não apenas desenhos.
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A Força Principal por Trás da Ação
Nas sessões de desenho tento dirigir os pensamentos dos alunos mais para o gestual do que
para a presença física dos modelos. A anatomia e as roupas dos modelos são armadilhas: quanto
menos roupa, mais atenção para a anatomia; e quanto mais roupa, mais atenção para a costura e
modelagens das roupas. Esse impasse só é quebrado ao mudar os mecanismos mentais do
secundário (os detalhes) para o primário (motivo ou força que impulsiona uma pose). Lembre-se
que o desenho que você está fazendo deve ser encarado como um processo de refinamento para suas
habilidades de desenho em animação.
Na primeira palestra de Eric Larson na Entertainment, percebi algo que pode ser útil a vocês.
Por favor, tolerem a extensão da citação; é tão bem colocada que não pude editá-la sem perder um
pouco de seu significado. Ao lê-la, mantenha seu pensamento no ato e no gesto de desenhar.
“Quando começamos a esboçar nossa cena nos preocupamos com a veracidade da
personagem e da ação que planejamos, e devemos refletir um pouco sobre essa observação
de Constantin Stanislavsky. 'Em toda ação física’, disse ele, ‘sempre há algo de psicológico
e vice-versa. Não há experiência interna sem expressão física externa.’ Em outras palavras,
no que nosso personagem está pensando para agir, comportar-se ou mover-se da maneira
como está fazendo? Como animadores temos que sentir dentro de nós cada movimento e
humor que queremos que nossos desenhos passem. Nossos desenhos são as imagens dos
nossos pensamentos.
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Na busca pelo entretenimento, nossa imaginação não deve ter limites nem
fronteiras. Quando se trata de esforços criativos esse é um pressuposto básico.
‘Imaginação’, escreveu Stanislavsky, ‘deve ser cultivada e desenvolvida, deve estar alerta,
rica e ativa. Um ator (animador) tem que aprender a pensar em qualquer tema. Ele deve
observar pessoas (e animais) e seu comportamento – e tentar entender a sua mentalidade.’
Em um grau ou outro, as pessoas em nossa platéia estão cientes do comportamento
humano ou animal. Elas já devem ter visto, experimentado ou lido a respeito... Seu
conhecimento - ainda que limitado - age como um denominador comum. Ao acrescentarmos
e ampliarmos contornos sobre comportamentos e características usuais, colocando-os na
tela, ‘caricaturados e vivos’, uma relação responsiva floresce entre a platéia e o
personagem da tela. A isso damos o nome de ‘entretenimento.’
A dedicação na busca de cada pequena peculiaridade e maneirismo de nosso
personagem e tudo o que damos de melhor com a ‘vida’ que movemos e desenhamos é o que
irá determinar a sinceridade da figura e o seu valor como entretenimento. Queremos que o
público veja o personagem na tela e diga: ‘Eu conheço esse cara!’ (ou no caso do desenho
de um gesto: ‘Eu sei o que essa pessoa está fazendo, o que ele ou ela está pensando.’)
Leonardo da Vinci escreveu: ‘Construa um personagem de maneira que a sua pose
demonstre o que está em sua alma. Um gesto é um movimento de uma alma e não de um
corpo.’ Walt Disney nos alertou quanto a isso quando falava da força invisível que
impulsiona a ação: ‘Em outras palavras, na maioria das vezes a força invisível que
impulsiona a ação é o humor, a personalidade, a atitude do personagem – ou todos os três.’
Vejamo-nos como pantomimos, pois é isso que a animação é: a arte da pantomima.
Com conhecimento minucioso do comportamento humano, em uma simples ação, um bom
pantomimo irá oferecer uma performance positiva e divertida. Haverá exagero em suas
antecipações, atitudes, expressões e movimentos para que toda ação fique bem visual.
O pantomimo – trabalhando dentro das limitações físicas humanas – dará o seu
melhor para caricaturar suas ações e emoções, mantendo a ação com uma boa silhueta,
fazendo uma coisa de cada vez, para apresentar a ação de maneira simples e positiva e com
o máximo de força visual. Mas nós, como animadores, interpretando a vida em desenhos
lineares, temos a oportunidade de sermos muito mais fortes em nossa caricatura do humor e
do movimento, sempre tendo em mente – como o pantomimo – o valor e o poder da
simplicidade.”
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Na página seguinte podemos ver excelentes exemplos do que Walt quis dizer com “a força
invisível que impulsiona a ação é o humor, a personalidade, a atitude da personagem.” Esses são
esboços que Mark Henn fez durante uma sessão de gravação de The Great Mouse Detective.
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O Gesto
O gesto é a ferramenta utilizada para adequar a personagem ao papel interpretado. Em
minha aulas, temos desenhado vários deles: cachorros, ratos, corujas, elefantes, gatos, pessoas e por
aí vai; cada personagem com uma forma de corpo e tipos gestuais diferentes. Lembre-se que é perda
de tempo fazer uma cópia fiel - por aproximação - de uma figura e seu figurino. Nosso interesse
reside em observar as diferenças de cada personalidade e seus gestos individuais, e como um bom
caricaturista, capturar a essência dessas diferenças.
Ao revermos antigos filmes de animação, observamos o elenco e percebemos a necessidade
de distribuir adequadamente as características individuais de cada personagem a fim de retratá-los
consistentemente. As ações de Holmes têm de ser diferentes e distintas das de Dawson ou suas
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personalidades ficarão nebulosas. Mickey Mouse tinha sua própria personalidade - seus próprios
movimentos e gestos, consistentes e condizentes com a estrutura de seu corpo e com a
personalidade que lhe foi designada. O Pateta – cem vezes diferente do Mickey – é o Pateta pelos
mesmos princípios usados de diferentes formas.
A verdade é que existem apenas uns poucos princípios do desenhar, mas infinitas maneiras
de desenvolver gestos e traços de personalidade. Você “entra no clima” depois de perder a
empolgação com o que aprendeu sobre estrutura do corpo e começar a se satisfazer ao usar essa
informação para contar a história de uma vida através das nuances dos gestos.
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A Essência
O significado da palavra essência é quase filosófico para mim: “Aquele estado interior no
qual se ocultam todas as manifestações exteriores ...” Aplicado ao desenho é o motivo, o humor ou
a emoção que é exposta através dos gestos físicos do corpo.
Anatomia e mecânica também estão sempre presentes, mas no fim das contas, a essência de
cada pose deve prevalecer se queremos ganhar o prêmio de melhor animação. Muitas coisas
precisam ser pensadas: proporção, anatomia, linha, estrutura, peso, espaço negativo, ângulos,
amassar e esticar, perspectiva, e muitas outras mais; mas, se você tem a essência da pose você não
precisa se preocupar com muitos deles.
Um pequeno estudo por dia em um ou outro desses aspectos irá direcionar sua prática para
resultados maravilhosos. Com esperança, logo em breve, repentinamente esses elementos irão
constantemente aparecer misturados de forma satisfatória em seus desenhos. Você ficará satisfeito e
se sentirá bem sucedido quando todos eles começarem a se ajustar em conjunto e a batalha
exaustiva travada separadamente com cada um terminar.
Todos estamos em diferentes estágios de desenvolvimento. Devemos buscar nossos pontos
fracos e nos concentrar neles. Vamos ouvir a respeito desses “defeitos” pelo espírito da busca e da
descoberta. Qualquer hora é hora de ser aventureiro se isso impulsiona a um objetivo que valha a
pena.
Eu xeroquei alguns desenhos que Frederich Banbery fez para o livro “The Posthumous
Papers of the Pickwick Club by Dickens” que acho que são excelentes exemplos de “desenhos de
essência”. Há um mínimo de linha e de acabamento, mas um máximo de gesto e de sentimento. E
eles irradiam o tipo de humor que a história pede.
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Busque a Verdade!
A verdade é que não criamos nada de nós mesmos: o que fazemos é meramente usar a força
criativa que nos ativa. Quando desenhamos não estamos usando o lado esquerdo do cérebro para
relembrar fatos – estamos transferindo mecanismos, e aí usamos o lado direito do cérebro para criar
a pequena imagem de uma história. Com os fatos que o lado esquerdo do cérebro coletou, nomeou e
categorizou nos períodos de estudo e formação – é claro. Esse não é um momento de estudo, é o
momento de mostrar e falar (tempo em que não estamos estudando).
Você sente que é muito limitado em conhecimento? O grande professor de arte Robert Henri
disse que qualquer um pode pintar uma obra de arte com o conhecimento limitado que tiver. A
questão reside em usar esse conhecimento limitado da maneira correta: criativamente. Alguma vez
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você já viu o “conhecimento” ou a habilidade para o desenho de Albert Ryder, o grande pintor?
Provavelmente não. Mas quando você olha suas pinturas nebulosas de navios no mar ou de
esqueletos andando por aí sem nada que os cubra, você percebe o drama e intui que uma história
está sendo contada. Se você quer fatos pegue o catálogo de pedidos da Loja Sears.
Não estou defendendo o abandono do estudo da figura. A anatomia é uma ferramenta vital
no desenho, mas não se deixe seduzir pela idéia de que conhecer a figura vai torná-lo um artista. O
que vai torná-lo um artista é a combinação de alguns poucos fatos básicos sobre o corpo, uns
poucos princípios básicos de desenho, e um extenso e obsessivo desejo e urgência de expressar seus
sentimentos e suas impressões.
O violinista Yehudi Menuin começou em sua profissão no “topo”. Ele tocou em concertos
quando era criança e no final de sua adolescência era mundialmente famoso. De repente (se é que
podemos chamar o final da adolescência de algo repentino) ele percebeu que nunca tinha tido uma
aula. Ele não sabia como estava tocando o violino (naquela época o lado direito do cérebro não
havia sido descoberto ainda).
Preocupado que essa maneira tão inspirada de tocar pudesse deixá-lo algum dia, se
perguntou se poderia voltar a tocar novamente. Então fez aulas e aprendeu música (finalmente
trazendo o lado esquerdo do cérebro para a arte). Nada disso alterou sua habilidade para tocar,
apenas forneceu a ele mais segurança.
Estou sugerindo que de alguma maneira precoce ele explorou sua força criativa,
ultrapassando a ponderada fase do estudo – como todos os gênios parecem fazer. Tenho uma peça
de piano que Mozart escreveu quando tinha por volta de 9 anos. Pratico há anos e ainda não consigo
executá-la. Quem ele pensa que é, afinal de contas? Tenho estudado piano por um monte de anos e
ainda não sei como se escrevem as notas. O lado esquerdo do cérebro é absolutamente entorpecido.
Mas, às vezes, quando sento ao piano, aquela força criativa invisível se apodera de minhas mãos e
arranca uma ponta de emoção da música. Isso é tudo que me importa.
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Com meus esboços acontece o mesmo. Não sei a diferença de uma escápula para um
esterno, mas quando me aventuro pelo mundo afora com o meu caderno de rascunhos tenho a
oportunidade de destilar minhas impressões em uma história de um quadro que demonstra toda o
meu ponto de vista de uma cena que eu tenha presenciado. Quando minha esposa Dee e eu saímos
de férias, ela tira fotos e eu faço esboços. Ela relembra os fatos, eu a verdade.
Mude os mecanismos! Com os pequenos fatos que você tem - busque a verdade!
EXERCÍCIO PARA ENTREGA – MÓDULO 01:
EXERCÍCIO 01 -
Observe um animal (racional ou não) ao vivo, não use foto e reproduza-o
baseado no que você aprendeu até aqui. Escaneie e faça o upload de um
arquivo JPG com os três melhores desenhos resultantes desse exercício no
sistema AnimaEdu. Para facilitar, antes de enviar, compacte todos os arquivos
em .zip, .rar, etc.
EXERCÍCIO 02 -
Observe um cachorro atentamente em seus movimentos e objetivos (ao vivo,
não use foto). Esboce a cena em vários momentos, com o mínimo de linhas
possível, escaneei e faça o upload de um JPG com os três melhores no
sistema AnimaEdu.
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