O:\Doc-Publico\BIBLIOS\BDTD\Dissertações 2016

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O:\Doc-Publico\BIBLIOS\BDTD\Dissertações 2016
JEFFERSON MACHADO BARBOSA
OLHARES INVESTIGATIVOS SOBRE A FRONTEIRA INTERNACIONAL DE
ARAL MOREIRA/BRASIL COM O DEPARTAMENTO SANTA
VIRGINIA/PARAGUAI: UM ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO
DOURADOS/MS
MARÇO/2015
JEFFERSON MACHADO BARBOSA
OLHARES INVESTIGATIVOS SOBRE A FRONTEIRA INTERNACIONAL DE
ARAL MOREIRA/BRASIL COM O DEPARTAMENTO SANTA
VIRGINIA/PARAGUAI: UM ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação, Mestrado em Letras, da
Faculdade de Comunicação, Artes e
Letras Faculdade, da Universidade de
Federal da Grande Dourados, como
requisito para a obtenção do título de
Mestre em Letras, sob a orientação da
Profª. Dra. Maria Ceres Pereira.
Área de Concentração: Linguística e
Transculturalidade.
DOURADOS/MS
MARÇO/2015
Programa de Pós-Graduação Mestrado em Letras: Linguística e
Transculturalidade
Dissertação intitulada: Olhares Investigativos Sobre a Fronteira Internacional de Aral
Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai: Um Estudo de Caso
Etnográfico, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
Presidente e orientadora: Profª. Drª Maria Ceres Pereira (FACALE/UFGD - UNILA).
1º Membro examinador (Titular): Profª. Dr. Jones Dari Goettert (UFGD).
2º Membro examinador (Titular): Profª. Drª. Rita Aparecida de Cássia Pacheco Limberti
(UFGD).
3º. Membro examinador (Suplente): Profª. Dr. Andérbio Márcio da Silva Martins.
(FACALE/UFGD).
Dourados-MS, março de 2015
Aral Moreira, Meu Lugar!
Uma cidade pacata
Com seu ritmo de vida peculiar;
Essa região me encanta;
Certamente, a fronteira é singular!
No seu interior, encontram-se diversidades
Como qualquer outro lugar;
Minha terra querida, venham apreciar!
Intitulada Aral Moreira,
Índios, paraguaios e brasileiros se misturam neste belo lugar.
O povo dessa região é caracterizado como hospitaleiro;
Na culinária, as mulheres mostram os seus dotes regionais
Como, por exemplo, no arroz de carreteiro.
Hereditariedade que vai passando de geração a geração,
Até convidam os turistas para comer sopa paraguaia, chipa, coquito;
Acompanhado de um delicioso café ou chimarrão.
O produtor experiente;
Planta soja e outros soldados verdes enfileirados;
Contribuindo para o sustento de toda essa gente.
Mulheres guerreiras, moças de fé;
A religiosidade é viva
Na cidadezinha do tereré.
A música e a dança têm lugar especial,
A katchaka, o chamamé, a guarânia e a polca;
Todos dançam nesse local.
Das ruas de Aral Moreira vou me despedindo,
Mas no meu Mato Grosso do Sul vou ficando;
Com a saudade em meu interior,
Agradecendo imensamente ao Criador.
(Jefferson Machado Barbosa).
BARBOSA, Jefferson Machado. Olhares Investigativos Sobre a Fronteira
Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai:
Um Estudo de Caso Etnográfico. 144 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade
de Comunicação, Artes e Letras, Universidade Federal da Grande Dourados, 2015.
RESUMO: Com esse estudo etnográfico procurei apresentar como duas docentes de
língua portuguesa do Ensino Fundamental de duas escolas públicas da fronteira
internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virgínia/Paraguai
“enxergam” e percebem a realidade bilíngue de seu contexto de trabalho. Além disso,
busquei traçar um Panorama Histórico da região em estudo. Trata-se de uma pesquisa
etnográfica qualitativa, do tipo estudo de caso, com significativa permanência no
campo. Também com afastamentos do próprio campo para poder “estranhá-lo e
perceber sutilezas invisibilizadas pela permanência e pela familiaridade uma vez que, o
próprio pesquisador também é oriundo do campo pesquisado”. A etapa de constituição
do corpus consistitiu-se de três momentos, entrevista estruturada, análise do texto
corrigido pelas professoras e, posteriormente, entrevistas narrativas com as docentes. Na
análise de dados nos apoiamos, especialmente, em Erickson (1990a/1992b/1988c) para
realizar a Triangulação de Registros e /ou de Dados coletados.
PALAVRAS-CHAVE: Fronteira; Bilinguismo; Ensino; Etnografia
RESUMEN: Con este estudio etnográfico yo trato de presentar como dos profesores de
lengua portuguesa de la escuela primaria de dos escuelas públicas de la frontera
internacional de Aral Moreira/Brasil con el Departamento de Santa Virginia/Paraguay
"observan" y darse cuenta de la realidad bilingüe de su contexto de trabajo. Además, he
intentado dibujar un Antecedentes históricos de la zona de estudio. Se trata de una
investigación etnográfica cualitativa, tipo estudio de caso, con estancia significativo en
el campo. También con las autorizaciones del campo mismo con el fin de "extraño y
realizar sutilezas invisibilizaron la permanencia y la familiaridad ya que el investigador
también viene del campo investigado." La constitución del corpus consistitiu paso hasta
tres veces, entrevistas estructuradas, análisis de textos corregidos por los profesores y
entrevistas más tarde narrativos con los maestros. En el análisis de los datos nos
basamos en, sobre todo en Erickson (1990a/1992b/1988c) para realizar los registros de
triangulación y / o los datos recogidos
PALABRAS-CLAVE: Frontera; Bilinguismo; Educación; Etnografía
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD
999
Barbosa, Jefferson Machado.
V123e
Olhares investigativos sobre a fronteira internacional de
Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virgínia/Paraguai: um estudo de caso etnográfico./ Jefferson
Machado Barbosa. – Dourados, MS: UFGD, 2015.
138p.
Orientadora: Profa. Dr. Maria Ceres Pereira
Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade
Federal da Grande Dourados.
1. Fronteira. 2. Bilinguismo. 3. Ensino. 4. Etnografia. I.
Título.
Dedico este trabalho aos meus pais, Eva Machado Barbosa e Valdir Caoni Barbosa; aos
meus irmãos, Cristiane Machado Barbosa, Camila Machado Barbosa e Jackson
Machado Barbosa; aos meus sobrinhos, João Filipi Barbosa Marques, Gabriel Barbosa
Marques e Vinícius Machado Caoni; e a toda comunidade da fronteira internacional de
Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que de alguma maneira, ao seu jeito e ao seu tempo,
colaboraram para a execução dessa pesquisa. Especialmente agradeço:
- A minha querida e eterna “mãe acadêmica”, Profª. Drª. Maria Ceres Pereira por ter
aceitado o desafio de me orientar, pelas oportunidades de intercâmbio com outros
pesquisadores, sobretudo pela confiança;
- A família de Maria Ceres Pereira, Jaqueline, Rinaldo, Victória, pessoas especiais;
- Professores e Funcionários das Escolas Investigadas, pela cordialidade no tratamento
que tiveram comigo durante as intervenções etnográficas;
- Toda comunidade da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai, pela acolhida e por permitir essa experiência
etnográfica;
- As professoras de língua portuguesa da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil
com a Microrregião da Cardia/Paraguai que, prontamente, aceitaram participar da
pesquisa;
- Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Grande
Dourados, professores e funcionários; em especial, à Profª. Drª Rita de Cássia Pacheco
Limberti;
- Aos professores da UEMS, Elza, Maria José, Marineide, Milenne, Grazielli e demais
mestres que sempre depositaram confiança em mim, impulsionando-me a seguir em
frente na carreira acadêmica;
- Aos meus colegas de mestrado, em especial, Thaize, Cleide, Rosa, Fernanda e a
Carolina, pelas discussões que se mostraram pertinentes durante a caminhada
acadêmica;
- A CAPES, pelo apoio financeiro concedido;
- Aos meus amigos, Ronaldo, Agleis, Rodrigo, Maria José, Wilian Alex, Renata, Joicy,
Tayris, Diogo, Bruna e demais colegas que compartilham de meus anseios durante a
caminhada acadêmica;
- A todos e a todas que, de certa maneira, contribuíram para a concretização deste
trabalho, muito obrigado!
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1•
Mapa de Mato Grosso do Sul
19
Figura 2•
Composição familiar antiga
31
Figura 3•
Composição familiar antiga
31
Figura 4•
Chegada de caravanas gaúchas
32
Figura 5•
Barracão da Companhia Mate Laranjeira
33
Figura 6•
Transporte com lotação de mudas de erva-mate
33
Figura 7•
Implantação de Serrarias
38
Figura 8•
Mecanização na agricultura
43
Figura 9•
Chegada de gaúchos e paranaenses
43
Figura 10•
Presença de portugueses na região da Vila Fronteira Rica
45
Figura 11•
Presença gaúcha na região da Vila Fronteira Rica
45
Figura 12•
Frente da Escola de I Grau João Vitorino Marques
47
Figura 13•
Fundos da Escola de I Grau João Vitorino Marques
47
Figura 14•
Dança típica da região: Arara
48
Figura 15•
Clube Social Presidente Dutra
48
Figura 16•
Brasão do município de Aral Moreira/Brasil
52
Figura 17•
Bandeira do município de Aral Moreira/Brasil
53
Figura 18•
Primeiro Posto de Combustível: Ipiranga- Auto Posto Fronteira
58
LTDA
Figura 19•
Solenidade de Inauguração da Praça Felisberto F. Marques
60
Figura 20•
Interior da Biblioteca Pública de Aral Moreira/Brasil
60
Figura 21•
Projeto: Natal do Carente em Aral Moreira/Brasil
62
Figura 22•
Projeto: Natal do Carente em Aral Moreira/Brasil
62
Figura 23•
Cartaz da 1ª Festa do Peão Boiadeiro de Aral Moreira/Brasil
63
Figura 24•
Rainha; 1ª Princesa e 2ª Princesa da 1ª Festa de Peão Boiadeiro
63
de Aral Moreira/Brasil
Figura 25•
Placa do Projeto intitulado: “Feira do Produtor
64
Figura 26•
Feira do Produtor em Aral Moreira/Brasil
64
Figura 27•
Fanfarra Municipal de Aral Moreira/Brasil
65
Figura 28•
Solenidade Cívia na Praça das Cuias em Aral Moreira/Brasil
65
Figura 29•
Solenidade: Personagens Ilustres de Aral Moreira/Brasil
71
Figura 30•
Solenidade: Personagens Ilustres de Aral Moreira/Brasil
71
Figura 31•
Mapa das Cidades Gêmeas
73
Figura 32•
Departamento Santa Virgínia/Paraguai
74
Figura 33•
Escola de Fronteira em Aral Moreira/Brasil I
81
Figura 34•
Escola de Fronteira em Aral Moreira/Brasil II
81
Figura 35•
Produção textual escrita cedida pela professora Laura
114
Figura 36•
Produção textual escrita cedida pela professora Sofia
126
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 01•
Mapeamento dos Aspectos Culturais de Aral Moreira/Brasil –
Departamento Santa Virginia/Paraguai
99
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CIA
Companhia Erva-Mate
FACALE
Faculdade de Comunicação, Artes e Letras
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IES
Instituição de Ensino Superior
LIBRAS
Língua Brasileira de Sinais
MS
Mato Grosso do Sul
MT
Mato Grosso
NURC
Projeto da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro
SEPLAN
Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Econômico
SP
São Paulo
TCC
Trabalho de Conclusão de Curso
UFGD
Universidade Federal da Grande Dourados
UEMS
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
UNIGRAN
Centro Universitário da Grande Dourados
LISTA DE SÍMBOLOS – NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO
Ocorrências
Incompreensão de
palavras ou segmentos
Sinais
( )
Hipótese do que se
ouviu
(hipótese)
Trucamento de
palavras
Entonação enfática
Prolongamento de
vogais e/ou consoantes
/
Maiúscula
:: ou ::::
Silabação
---
Interrogação
?
Comentários do
transcritor
Comentário que
quebra a sequência da
esposição do tema
Sobreposição de
vozes ou entrada indevida
((minúscula))
-- --
[
Exemplos
Num vortava mai num
tinha dinheru ( ) i a genti
guentô
Us mininu tãu aí... um
trabaia de motoris otru
(trabaia) pur conta
I quanu mesmu era PA nóis
ca/nóis da us nomi
Trabaiei aTÉ casá
U donu mesmu era::::
isqueci u nomi
deli...ah::::achu qui é
Antonhu
A genti cresceu me-dronta-du dus pais
Pu cê vê comu era u
pessoar di antigo pra agora
né?
((risos))
A genti – nói somu crenti - a genti si viu i gosto
A.
Pra::: ficá lisinhu
B.
[a pu chãu
ficá....
A.
[parei
B.pareinhu pa prantá
OBSERVAÇÕES:
1-
Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou siglas.
2-
Números: transcrevem-se por extenso.
3-
Não se usa ponto de exclamação.
4-
Início de frase: usam-se letras minúsculas.
5-
Registram-se as pronúncias do e e do o como realmente são pronunciados.
6-
Nada se corrige na transcrição do texto gravado.
Em função da ética e do sigilo, optou-se por utilizar siglas para designar os
informantes, em descrição sintética das siglas assim distribuídas: 1: número do
informante; Sexo: M(masculino) ou F(feminino) e Estado Civil: C(casado/a),
S(solteiro/a), V(viúvo/a) e D(divorciado/a). As entrevistas foram transcritas de acordo
com as normas de transcrição do Projeto NURC/SP, Projeto desenvolvido em cinco
capitais do Brasil com o objetivo de analisar o português padrão falado por informantes
com nível universitário de escolaridade, com algumas adaptações para a linguagem
popular falada.
SUMÁRIO
SUMÁRIO ...................................................................................................................... 17
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 19
PARTE I ......................................................................................................................... 23
CONTEXTO EM ESTUDO – PANORAMA HISTÓRICO .......................................... 23
Capítulo 1 – Um Olhar Panorâmico Sobre o Campo da Pesquisa.............................. 23
1.1. Breve Toponímia da Região em Estudo .............................................................. 24
1.2. Bases para o Estudo da Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai: Memórias e Histórias de Nossa Gente........ 27
1.3. (Re) visitando outras épocas: A Formação de Rio Verde do Sul: O Ciclo da ErvaMate, 1.883 a 1.940 .................................................................................................... 28
1.4. A Colônia General Dutra e a Vila Fronteira Rica, 1.940 a 1.975 ........................ 37
1.5. A fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai, 1.976 a 2014: a efetivação político-administrativa da região ...... 49
Capítulo 02 – Desenhando os Passos de Pesquisa.......................................................... 73
2.1. Considerações Preliminares ................................................................................. 73
2.2. Cenas Etnográficas .............................................................................................. 73
2.3. Cena I: Do ingresso ao programa de mestrado ao reconhecimento da
comunidade: perspectivas iniciais sobre o Objeto de Estudo ..................................... 73
2.4. Cena II: Da reformulação do anteprojeto a transição do objeto de estudo:
reflexões...................................................................................................................... 75
2.5. Cena III: Negociando o campo de pesquisa: Perspectiva Metodológica
Etnográfica.................................................................................................................. 81
2.6. Cena IV: A elaboração do capítulo 01 e a entrevistas com pioneiros da região: A
escrita inicial da Dissertação de Mestrado ................................................................. 84
2.7. Cena V: A realização de entrevistas com as docentes de língua portuguesa da
Fronteira: Etnografia Escolar...................................................................................... 90
PARTE II ........................................................................................................................ 90
CONSTRUINDO O ARCABOUÇO TEÓRICO ........................................................... 90
Capítulo 3 – Fronteira, Sociolinguística, Bilinguismo e Identidade........................... 90
3.1. Fronteira.............................................................................................................. 90
3.2. Sociolinguística: Contribuições para o ensino de língua portuguesa brasileira .. 95
3.3. O Perfil da Região em Estudo: Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil
com o Departamento Santa Virginia/Paraguai ......................................................... 100
4. Bilinguismo .......................................................................................................... 105
5. Identidade ............................................................................................................. 109
PARTE III .................................................................................................................... 113
A VISÃO DAS DOCENTES DA FRONTEIRA COM RELAÇÃO AOS ALUNOS
BRASIGUAIOS, INDÍGENAS E PARAGUAIOS ..................................................... 113
Capítulo 4 – Considerações Iniciais para a Análise ................................................. 113
4.1. O Caso de Laura: conhecendo o perfil profissional da docente ....................... 114
4.2. A Percepção de Laura com relação à Produção Textual Escrita dos alunos da
fronteira .................................................................................................................... 116
4.3. Entrevista Narrativa com a professora Laura .................................................... 124
4.5. O Caso de Sofia: conhecendo o perfil profissional da docente ......................... 126
4.6. A Percepção de Sofia com relação à Produção Textual Escrita dos alunos da
fronteira .................................................................................................................... 128
4.7. Entrevista Narrativa com a professora Sofia ..................................................... 131
Considerações em processo ...................................................................................... 135
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 138
ANEXOS: PARTE I
ANEXOS: PARTE II
INTRODUÇÃO
... sou fronteiriço e me gavo da sorte
por ser mestiço de raça tão forte
sou paraguaio também brasileiro
porque o coração não conhece fronteiras...
(Compositores: Délio e Delinha. Música: Fronteiriça).
A minha vivência na fronteira me permitiu, ao longo dos anos, uma condição
peculiar: a de ser fronteiriço. Situada na fronteira meridional de Mato Grosso do Sul, a
cidade de Aral Moreira/Brasil está separada do Departamento Santa Virginia/Paraguai
por marcos que, estabelecidos ao longo da linha internacional que separa Aral Moreira,
simbolizam uma linha de divisão imaginária. Na prática, na maioria das vezes, essa
divisão imaginária passa despercebida e até ignorada, pois o cotidiano permite que o
“ir” e “vir” seja dinânmico, tornando a linha internacional que divide as duas cidades de
países diferentes uma passagem de intensa transição.
Reconhecer como sujeito fronteiriço implica ir além do reconhecimento de
posição geográfica, ou seja, reconhecer-se como sujeito da fronteira é ter consciência de
que a todo o momento estamos sujeitos a contatos e influências de outros lugares, outras
pessoas, outras culturas que, de certa forma, acrescentam a “cultura materna”.
Tendo em vista os elementos para eu me reconhecer como sujeito fronteiriço, é
importante destacar que as línguas assumiram papel significativo nesse processo, pois
não há na fronteira somente o intercâmbio de pessoas, mas também de línguas. Como
aralmoreirense e filho de pais “brasileiros”, minha mãe de ascendência paraguaia e meu
pai italiano, o guarani para mim era a língua de índios, povos distantes de minha
realidade, portanto, a fronteira entre mim e a língua guarani era distantes, ao passo que a
condição de estar na fronteira me colocava mais próximo da língua guarani. O espanhol,
por sua vez, era mais próximo, pois a escola ofertava a língua, então, a língua
espanhola, mais tarde resgatada na graduação, tornou-se minha segunda língua.
O fato de o espanhol ser língua predominante na fronteira, essa relação com a
língua me fez optar pela habilitação em língua espanhola, durante a graduação em letras
habilitação português e espanhol (UEMS). Desde então passei a olhar como pesquisador
para o cenário da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento
Santa Virginia/Paraguai, por isso, posso afirmar que a etnografia tem sido parte de meu
olhar, ora de morador, ora de aluno, ora de pesquisador, dentre outras posições que
assumi durante, pelo menos, vinte e quatro que residi na fronteira em foco.
Durante a minha alfabetização tive somente cartilhas e livros em língua
portuguesa, o que contribuiu para confirmar mais tarde a ausência de uma política
linguística diferenciada e a falta de reconhecimento de uma escola intercultural bilíngue.
Por outro lado, viver na fronteira me possibilitou escolher entre quais rádios ouvir, de
Aral Moreira ou do Departamento Santa Virginia e, automaticamente, ouvir músicas em
português, guarani ou espanhol. As festas de meus familiares com a presença de
culinária e músicas paraguaias fez com que, aos poucos, eu fosse (re)conhecendo o
universo fronteiriço.
Situada na linha de pesquisa “Linguística e Transculturalidade”, na qual se discute
à(s) língua(s) em diferentes culturas, a dissertação que desenvolvi toma como aporte
teórico-metológico os estudos relativos à Etnografia Escolar cujo objetivo é a descrição
de um povo. No aspecto teórico utilizamos, principalmente, aos estudos referentes à
Sociolinguística Educacional, que tem como intuito partir do principio de uma
pedagogia culturalmente sensível para/com a sala de aula, considerando, assim, a
variação linguistica existente dentro do contexto escolar.
Compreendendo que a Sociolinguística Educacional tem maximizado a
heterogeneidade linguística no cenário escolar, eu pretendi investigar se e de que forma
as docentes de língua Portuguesa do Ensino Fundamental de duas (02) escolas da rede
pública da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai percebem a realidade bilíngue de seu contexto de trabalho. Além
disso, pretendi documetar o Panorama Histórico da região em estudo, como forma de
contribuir na (re)construção de outras épocas.
O trabalho está dividido em três partes. Na primeira parte, capítulo 1, é
apresentado, por meio da triangulação de registros, o Panorama histórico do município
de Aral Moreira/Brasil, desde o período de Rio Verde do Sul até sua emancipação
político-administrativa ao qual a cidade passou a denominar-se Aral Moreira.
O capítulo 2, é expandido os passos de pesquisa, para tanto, denominamos de
“Cenas Etnográficas”, o capítulo é responsável por expandir como foi o
desenvolvimento da pesquisa, desde a ideia inicial do projeto até a reformação do objeto
de estudo. Apresentamos, ainda, alguns postulados da Etnografia, já como ciência e
metodologia de pesquisa, seguindo as orientações de Erickson (1984/1990/1992).
A segunda parte, capítulo 3, gira em torno da construção do arcabouço teórico.
Desse modo, apresentamos alguns conceitos de Fronteira; de Bilinguismo; Noções de
Sociolinguística em uma perspectiva educacional, centrados em Stella Maris BortiniRicardo e por fim alguns conceitos de Identidade.
Por fim, a terceira parte, capítulo 4, é apresentada a discussão de dados, por meio
da triangulação de Registros e/ou Dados proposta por Ericksson (Op.cit), além disso,
apresentamos o estudo de caso das duas professoras analisadas, Laura e Sofia.
22
Figura 01. Mapa de Mato Grosso do Sul. Fonte: SEPLAN - MS
23
PARTE I
CONTEXTO EM ESTUDO – PANORAMA HISTÓRICO
Capítulo 1 – Um Olhar Panorâmico Sobre o Campo da Pesquisa
Este capítulo explicita o Panorama histórico da fronteira de Aral Moreira/Brasil
com o Departamento Santa Virginia/Paraguai1, região situada ao sudoeste de Mato
Grosso do Sul. Considerando, assim, os principais acontecimentos históricos da região
de fronteira entre Brasil e a República do Paraguai.
Antes é importante destacar que, o Departamento Santa Virginia, região
popularmente conhecida como Cardia, refere-se a um pequeno departamento situado na
República do Paraguai, departamento de Pedro Juan Caballero. Não se sabe, ao certo, o
porquê recebeu a designação de “Cardia” entre os pares que habitam a região. A partir
do olhar etnográfico, verifica-se que essa Microrregião ou Departamento Santa
Virignia/Paraguai possui aproximadamente cinquenta (50) famílias, mescladas entre:
indígenas, paraguaias, brasileiras e “brasiguaias” (/bra/ brasileiro; /guaias/ paraguaio:
sujeitos com dupla nacionalidade). Sua composição arquitetônica conta com uma igreja,
casas de madeira e instalação da Força de Segurança Internacional, ao qual contribuiu
significativamente para a segurança, na época em que a região era Colônia General
Dutra/Brasil.
O interesse em considerar a história da região em estudo, em primeira instância,
deu-se pelo respeito que tenho a minha terra natal, sobretudo, as pessoas que habitam tal
localidade. Outro fator motivador foi à ausência de informações, publicações. Ou seja,
de registros documentados com relação à história do desbravamento histórico da
fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento de Santa Virginia/Paraguai. Nessa
perspectiva, o que existia, até então, eram textos isolados, dessa forma, era necessário
juntá-los e, posteriormente estruturá-los, de modo a compor um Breve Panorama
Histórico da região, objetivo principal deste capítulo.
A constituição do corpus para elaboração do capítulo 01 é composto por três
eixos, considerados os pilares que sustentam o capítulo, quais sejam: I - entrevistas
1
A Secretaria Municipal de Educação de Aral Moreira autorizou o uso do nome do município. Desse
modo, tal comunidade de estudo será apresentada com seu próprio nome por autorização da secretária de
educação. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 01). Segundo secretária municipal de educação, é de extrema
relevância documentar a história do município. É uma forma de valorizar a vozes de pioneiros da região.
24
narrativas com alguns sujeitos considerados pioneiros da região, por meio do método de
tradição oral2; II - trabalhos correlatos: Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC;
Monografias; Matérias em Revistas e Artigos científicos, que tratam, especificamente,
do histórico da Fronteira em foco e III - documentos oficiais, tais como: Atas, Ofícios,
Fotos e Jornais antigos3.
Ao que se refere à análise do corpus, é imprescindível destacar que associo toda
uma vivência minha particular dentro de uma cultura de fronteira, usando a minha
percepção interpretativista com relação aos dados coletados, além de trabalhos
antecedentes relativos à fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento de Santa
Virginia/Paraguai, guiados na graduação pelos professores: Profª. Drª. Maria José de
Toledo Gomes; Profª. Me. Marineide Cassuci Tavares e pela Profª. Drª Elza Sabino da
Silva Bueno. E, posteriormente orientado pela Profª. Drª. Maria Ceres Pereira, no
Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal da Grande Dourados.
Sigo, ainda, as orientações de “Triangulação de Registros”, com base na
etnografia americana proposta por Frederick Erickson (1990/1992b/1988c), para
interpretar o corpus, dividido em três eixos centrais, que compõe o capítulo 01.
1.1. Breve Toponímia da Região em Estudo
A princípio, antes de tratar, especificamente, da formação da fronteira de Aral
Moreira/Brasil com o Departamento de Santa Virginia/Paraguai, situada ao sudoeste do
estado de Mato Grosso do Sul, para melhor compreensão, é necessário apresentar, com
base em dados coletados durante a nossa pesquisa de campo, uma árvore genealógica do
percurso toponímico que esta região de fronteira recebeu ao longo dos trinta e oito (38)
anos de sua existência.
2
Entrevistas realizadas entre os meses de outubro a novembro de 2013, com 08 sujeitos considerados
pioneiros da região. Nos ANEXOS-PARTE II, no ANEXO 01, pode ser observada parte do corpus.
3
A autorização para a aquisição de documentos oficiais em departamentos públicos de Aral Moreira pode
ser observado nos ANEXOS: PARTE I. ANEXO 02. Ao todo, adquirimos cerca de trezentas (300) fotos,
doadas pelos órgãos públicos: Prefeitura, Câmara, Cartório, Secretaria de educação e instituições de
ensino. Algumas fotos foram, ainda, gentilmente cedidas por alguns pioneiros entrevistados da região.
Também é importante ressaltar que o critério de seleção de fotos adotado foi, no primeiro momento, a
divisão, conforme período estabelecido, sendo eles: Rio Verde do Sul; Colônia General Dutra; Vila
Fronteira Rica e Aral Moreira. E, em seguida, selecionamos para compor o capítulo 01, as fotos que
tinham traços em comum, ou seja, pessoas e paisagens (casas, carros, dentre outros), que ilustram outras
épocas.
25
RIO VERDE DO SUL
DISTRITO PAZ DO RIO VERDE DO SUL COSTA RICA COLÔNIA GENERAL DUTRA
VILA CAÚ
RIO VERDE
VILA MARQUES
VILA FRONTEIRA RICA
MUNICÍPIO DE ARAL MOREIRA
RESPECTIVOS DISTRITOS
A representação da árvore genealógica, acima, retrata a variedade de nomes que a
fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai e alguns
“distritos4” recebeu durante todo seu desbravamento histórico. Nota-se, ainda, que todos
os nomes fizeram relação com o contexto da época. Não faremos aqui, um estudo
exaustivo da toponímia dessa região, como Santos (2004), que levantou, em seu estudo,
os topônimos urbanos do município de Aral Moreira/Brasil, comprovando a relação
entre designação do lugar e o momento histórico vigente.
Ao considerarmos algumas particularidades dos nomes antecedentes da região em
estudo, observa-se que o antigo território intitulado Rio Verde do Sul, correspondia, na
época, parte do território que atualmente é o município de Aral Moreira/Brasil. Outra
parte do território se formava a capital do Departamento de Amambay, Pedro Juan
Caballero/Paraguai, tratado aqui parte dessa região, ou seja, apenas a área que
corresponde, na atualidade, o Departamento Santa Virginia/Paraguai. O nome de Rio
Verde do Sul se deu devido o Rio Verde que deságua no Rio Paraná, que nesse período
banhava todo o antigo estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul.
Esse desenvolvimento bi-geopolítico do Brasil e da República do Paraguai foi
responsável pela formação da fronteira seca de Aral Moreira/Brasil com o
4
Atualmente, as regiões de Rio Verde do Sul e Vila Marques são designadas como distritos de Aral
Moreira, porém, conforme desbravamento histórico são regiões consideradas mais antigas que a região
que corresponde atualmente o município de Aral Moreira.
26
Departamento Santa Virginia/Paraguai. Desse modo, enquanto se desenvolvia o “lado
brasileiro”, isto é, o Rio Verde do Sul com o Ciclo da Erva-Mate, o “lado paraguaio”,
ou seja, o Departamento Santa Virignia também progredia, sobretudo contribuindo com
mão de obra especializada de paraguaios para a constituição do atual município de Aral
Moreira. É importante frisar, ainda, que houve uma distinção geopolítica no
desbravamento de ambos os países, mas, não social, ideológica, linguística e religiosa,
pois o “ir” e “vir” entre brasileiros e paraguaios era comum, principalmente por motivos
de trabalho.
Freire (2013, p.01) nos confirma o primeiro nome da fronteira internacional de
Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai ao ressaltar que: “O
primeiro nome foi Rio Verde do Sul onde a sede do povoado ficou conhecida por Vila
Caú”. Com sabe nessa informação, podemos afirmar que o atual Distrito de Rio Verde
do Sul pode ser considerado a primeira região a ser desbravada pelos ervateiros, no
Ciclo da Erva-Mate. Por isso, durante muito tempo, a região do Rio Verde do Sul
adquiriu status de prestígio, sendo considerada localidade que abrigou parte das
ranchadas de Tomás de Laranjeira.
Já os documentos oficiais (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 03) sancionam que a
região do Rio Verde do Sul foi denominada por um tempo de Distrito Paz do Rio Verde
do Sul. Passado alguns anos, tal localidade voltou a receber o nome de Rio Verde do
Sul e/ou Vila Caú. Essa região se desenvolveu em consonância com a Costa Rica, atual
Distrito de Vila Marques, que na época tinha terras férteis que evidenciam o seu
progresso, mas, a Colônia General Dutra começou a ganhar mais status de prestígio,
principalmente, por se tratar de uma região de fronteira - Brasil e República do
Paraguai, - foi quando parte da população mudou-se para a Colônia General Dutra.
A essa época, por volta de 1.940 a 1.975, a Colônia General Dutra, por possuir
terras férteis e produtivas, recebeu também alguns migrantes, principalmente de São
Paulo e Rio Grande do Sul, que começaram a instalar-se na Colônia, assim como era
popularmente conhecida e da forma que passamos, a seguir, a designá-la.
A caminhada a passos largos para uma evolução socioeconômica já era bem
expressiva na antiga região onde ficava a Colônia. Em seguida, desmembrando-se do
município de Ponta Porã, criou-se o município da antiga Vila Fronteira Rica, que passou
a denominar-se Aral Moreira. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 04).
27
1.2. Bases para o Estudo da Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai: Memórias e Histórias de Nossa Gente
A fronteira é cercada de estórias, histórias, causos, relatos, folclore... As
pessoas, em especial as mais antigas, que residem na fronteira de Aral
Moreira-Brasil com o Departamento Santa Virginia lembram com
saudosismo de outros tempos, época em que a palavra oral valia muito mais
do que qualquer documento assinado. (Jefferson Machado Barbosa5)
É com a sensação de estar contemplando o céu espelhado no mar que cumpro a
grata, honrosa e responsiva tarefa de apresentar os principais acontecimentos históricos
da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai,
situado ao sudoeste de Mato Grosso do Sul – (MS), por meio do que denominamos de
“Panorama Histórico”.
Executar está tarefa equivale a realizar o registro de memórias de sujeitos
considerados pioneiros de nossa gente6, bem como (re) visitar outras épocas, trazendo à
tona outras vozes, outras imagens, outras históricas, que juntos constituem a história da
fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai.
De acordo com os trabalhos correlatos que tratam da questão histórica de Aral
Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia, quais sejam: Freire (2012/2013);
Magalhães (2011); Matoso (2006); Silva (2009); Santos (2004) e Trenkel (2009), o
desbravamento histórico de tal localidade ocorreu de modo rápido.
Em uma sequência cronológica, com base na interpretação dos dados coletados,
pode-se evidenciar que os acontecimentos se desenrolaram da seguinte forma: I – Rio
Verde do Sul (1.883 a 1.940), com o Ciclo da Erva-Mate; II – Colônia General Dutra e
Vila Fronteira Rica (1.940 a 1.975), com o declínio do período da Erva-Mate e
expansão da Extração de Madeira em consonância com o Cultivo de Café, e ainda, o III
– Aral Moreira (1.975 a 2.014), com a decadência da comercialização de Madeira e a
produção de Café e o aumento da Agropecuária, que permaneceu até a emancipação da
Fronteira em estudo, como produção que moveu a economia da região.
5
Disponível em:< http://pensador.uol.com.br/frase/MTUwMzcyMg/>. Acessado em 14/03/2014 às 14h:
06 min.
6
Utilizo a expressão “nossa gente”, justamente, para reafirmar minha essência natal fronteiriça, uma vez
que nasci nessa fronteira e toda minha família faz parte desse contexto ora brasileiro, ora paraguaio, ora
híbrido.
28
1.3. (Re) visitando outras épocas: A Formação de Rio Verde do Sul: O Ciclo da
Erva-Mate, 1.883 a 1.940
Os primeiros colonizadores portugueses que, após o descobrimento, vieram para o
Brasil, fixaram-se na orla marítima, mas o interesse e a curiosidade em conhecer o
interior da terra descoberta deram origem às chamadas “Entradas Bandeiras” 7. Nesse
sentido, as terras que atualmente constituem o Estado de Mato Grosso do Sul foram
uma das primeiras a serem percorridas nesse movimento. (BARBOSA, 2012).
Conforme a proposição de Sampaio (2006, p.232), “o território que forma o
município de Aral Moreira/Brasil foi, pela primeira vez, explorado no final do século
XIX, com a fixação de gaúchos e paulistas”. Barbosa (2012, p.17-8), por sua vez,
ressalta que o desbravamento da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento
Santa Virginia/Paraguai se iniciou pela fronteira de Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan
Caballero/Paraguai, com a fixação de acampamentos situados no antigo território
denominado de Rio Verde do Sul.
Trenkel (2009), em sua investigação sobre a presença gaúcha na região fronteiriça
de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai relata a
importância da influência de tal migração sulista, dando ênfase aos aspectos sociais,
culturais, políticos e econômicos. A autora defende a tese de que a migração gaúcha
contribuiu decisivamente no período compreendido pelos anos de 1.970 até 2.008.
A chegada de alguns sulistas ou gaúchos à região de Rio Verde do Sul gerou
transições consideradas como adicionais à cultura local, composta, na época, por
brasileiros, brasiguaios, paraguaios e dois subgrupos indígenas pertencentes à etnia
Guarani, sendo eles: Guarani-Kaiowa e Guarani-Nandeva.
Há que se pontuar que, na época equivalente ao Rio Verde do Sul, segundo
Sobrinho (2009, p.45-6), ao apresentar um estudo sobre a história de Amambai/MS,
registra que:
...quando os ervateiros chegaram, para iniciarem a colheita da erva-mate, no
sul de Mato Grosso, encontraram dois subgrupos de indígenas pertencentes à
etnia Guarani: os Guarani-Kaiowa e os Guarani-Nandeva, que andavam em
grupos, liderados por um cacique. Viviam da caça, pesca e produtos da
natureza.
Rememorando o desbravamento histórico de Rio Verde do Sul, da perspectiva de
ocupação populacional, Trenkel (2009, p.09), esclarece que os primeiros ocupantes da
7
Utilizada para designar, genericamente, os diversos tipos de expedições empreendidas à época do Brasil
Colônia.
29
região em questão foram atraídos pela “abundância da erva-mate”. As ocupações
primordiais em tal território ocorreram quando os primeiros colonizadores portugueses
que, após o descobrimento, “vieram para o Brasil, fixaram-se na orla marítima, com o
interesse e a curiosidade em conhecer o interior da terra descoberta”, consequentemente,
deram origem às “chamadas Entradas Bandeiras”. (BARBOSA, 2012, p. 16-8).
Não se pode deixar de reconhecer e de pontuar a investigação que Barbosa (2012)
se propõe a fazer, ao apresentar uma abordagem sociolinguística do vocabulário de
curandeiras paraguaias residentes na cidade de Aral Moreira. O pesquisador vai a
campo conversar e conhecer a realidade sociolinguística de benzedeiras, curandeiras e
parteiras de acedência paraguaia que residem na fronteira de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai.
Barbosa (2012), em sua investigação, documenta a existência de um vocabulário
linguístico específico utilizado pelas suas informantes/colaboradoras, o que evidencia a
existência de variedades linguísticas na região pesquisada. O autor apresenta ainda
breve descrição da história de Aral Moreira/Brasil e registra a presença de diferenças no
que se refere ao desbravamento histórico da região, bem como a dificuldade de
documentos oficiais, conforme pode ser observado na passagem a seguir:
No primeiro momento, não se pode deixar de considerar que, durante o
levantamento bibliográfico, encontrou-se, no que diz respeito aos aspectos
históricos do município de Aral Moreira, duas versões de sua história. Dessa
forma, é importante destacar que o atual município não possui documentos
escritos necessários e pertinentes que nos mostre qual versão mais se
aproxima da veracidade de criação dessa região . (BARBOSA, 2012, p.17,
grifo nosso).
A presença de duas versões no que diz respeito à história da fronteira de Aral
Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai é documentada por
Barbosa (2012). Contudo, é imprescindível considerar que as entrevistas que o
pesquisador se baseou para descrever a história da região em estudo foram realizadas
com as benzedeiras, curandeiras e parteiras de ascendência paraguaia. Entendemos que
o convívio entre etnias diferentes no antigo Rio Verde do Sul pode evidenciar, além de
uma realidade mestiça, olhares diferentes sobre a história da fronteira em estudo.
Com base nesse mosaico populacional que a fronteira em estudo abrigou, e ainda
abriga na contemporaneidade, partimos do pressuposto de a histórica da fronteira de
Aral Moreira com o Departamento Santa Virginia/Paraguai se diverge, conforme sujeito
que a conta. Assim, considerando essa perspectiva, pode-se evidenciar que o brasileiro,
30
o paraguaio, o brasiguaio, o indígena e todos os subgrupos que habitavam o Rio Verde
do Sul, na época, possuem percepção histórica diferente.
O que Barbosa (2012) utiliza como base na composição histórica da região
fronteiriça em questão é a visão de paraguaias, com idade superior a quarenta e cinco
(45) anos, consideradas pioneiras da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai.
Rememorando mais um pouco a marcha dessa história de Rio Verde do Sul,
verifica-se que as terras férteis que, atualmente, constituem o Estado de Mato Grosso do
Sul, antigo Mato Grosso8 foram uma das primeiras a serem percorridas no movimento
de Entradas Bandeiras, naquela época percorrida por Tomás de Laranjeira e sua tropa,
seguindo o rio Amambai, o rio Verde, que fica no atual Distrito de Rio Verde do Sul e
demais rios que deságuam pelos campos sul de Mato Grosso do Sul.
Remexendo essa “arca”, via-memória de sujeitos considerados pioneiros da
região, notou-se, que o período correspondente a da Erva-Mate, à aquisição de terras se
dava por meio de trocas de bens. Os valores dos objetos eram julgados conforme sua
utilidade, dos quais podemos destacar: o rádio, o revólver, o cavalo e demais bens
considerados importantes e de utilidade para tal período.
Para confirmar o pensamento de sujeitos considerados pioneiros da fronteira de
Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, a seguir,
apresentamos um trecho breve de duas conversas gravadas com pioneiros da região em
foco:
INF. prá você comprá uma fazenda uma terra aqui ó era/trocava a trocu di
cavalu trocava a trocu di revolver assim pur objetus aqui num circulava
dinheru (2-F-C).
INF. dá nada ((risos)) a:í tá tinha otru terrenu nu fundu u cara num queria mi
vendê num queria mi vendê derepenti eli vendeu pra otru eli cabo di vendê eu
dei um rádiu a trocu du terrenu agora to cum dois terrenu muradu aqui só qui
na outra rua lá imbaixu pega essa rua i a otla ali dois terrenu muradinhu ( ) é
um terrenu só intãum é dois mais na escritura é um. (1-F-C).
A essa “novela” intitulada: “Rio Verde do Sul: O Ciclo da Erva-Mate (1.883 a
1.940)”, verifica-se que, somente em 1.883, Tomás de Laranjeira se instalou,
juntamente com sua tropa, às margens de Rio Verde do Sul, objetivando a exploração
8
Mato Grosso foi desmembrado da província de São Paulo em 1.748. Formando a Província de Mato
Grosso. Mal passou 100 anos, já surgiram as primeiras propostas de divisão de seu território, elaborados
pelo historiador Adolfo Varnhagen, Visconde de Porto Seguro. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 05).
31
da Erva-Mate. Barbosa (2012, p.18), documenta em seu estudo que o “Ciclo da ErvaMate durou cerca de sessenta anos”.
A respeito do sujeito considerado líder das ranchadas interessadas na exploração
de ervais, Sobrinho (2009, p.32), ressalta que enquanto Laranjeira percorria pelos
campos Sul do antigo Mato Grosso “tanto do lado brasileiro como paraguaio, Laranjeira
ficava impressionado com o que ia encontrando. Ele aproveitava a oportunidade e
entrava em contato com os paraguaios que trabalhavam nos ervais”.
Com relação à presença de sujeitos oriundos da República do Paraguai, sobretudo
do Departamento Santa Virginia, em Rio Verde do Sul, Matoso (2006, p.10-1), por sua
vez, afirma que “nesse período, a presença de brasileiros na região era pouca, dessa
forma, grande parte dos empregados na extração da erva-mate eram paraguaios”.
A partir das ponderações de Sobrinho (2009) e Matoso (2006), nota-se que
Laranjeira não “descobriu” apenas os ervais e as terras férteis existentes em Rio Verde
do Sul. Mas, outros sujeitos como: paraguaios e indígenas de etnia diversificadas, com
técnicas de produção diferente. Assim, Laranjeira aproveitou a oportunidade para ficar
mais próximo dos paraguaios que atuavam nos ervais.
Ao que se refere à interação social entre Laranjeira e os sujeitos oriundos do
Departamento Santa Virginia/Paraguai, bem como os demais departamentos
circunvizinhos da República do Paraguai, Sobrinho (2009) registra que:
Os paraguaios conheciam muito bem o trabalho nos ervais e convidados para
trabalharem no Brasil, aceitaram o desafio. Cada aumento da área arrendada
exigia um número maior de trabalhadores com experiência nessa atividade,
os quais eram encontrados no Paraguai e sem dificuldade vinham para o
Brasil. (SOBRINHO, 2009, p.51. grifo nosso).
A partir do registro acima, pode-se evidenciar a relação entre povos distintos e,
consequentemente uma realidade sociocultural mesclada em Rio Verde do Sul.
Enquanto Laranjeira explorava a extração de erva-mate nas proximidades do rio Verde e
usufruía da mão de obra especializada de paraguaios o Brasil discutia sua independência
e sua relação com a República do Paraguai.
De acordo com Sobrinho (2009), o governo imperial brasileiro viu a necessidade
de resolver alguns assuntos pendentes, que não eram objetivos no Tratado de Madri.
Com intenção de fomentar reflexão sobre a não objetividade do Tratado, “diversas
missões diplomáticas foram realizadas”. (SOBRINHO, 2009, p. 28). Contudo, era
32
convencional que, após cada ação diplomática, a situação ser amenizada, pelo menos
por algum tempo.
Em 1.864, a pauta de ausência de objetivo do Tratado de Madri, ainda, fomentava
discussões entre líderes do Brasil e da República do Paraguai. Iniciou-se, então, no fim
do corrente ano, a Guerra do Paraguai. Sobrinho (2009, p.29), ressalta que “uma atitude
inesperada do governo paraguaio, que arrestou o Vapor Marques de Olinda, criando
uma situação complexa entre os dois países”. Sendo assim, evidencia-se que a atitude
do governo paraguaio pode ser considerada como a declaração inicial de guerra entre
Brasil e República do Paraguai.
Diante do modo como agiu o governo paraguaio, no dia 13 de novembro, do
corrente ano, a legação brasileira reivindicou a atitude do governo da República do
Paraguai, ao solicitar maiores esclarecimentos para tal ato. Tendo em vista a réplica da
legação do Brasil, o governo paraguaio respondeu a solicitação com a invasão ao antigo
Mato Groso, dando início a guerra que o Brasil não estava preparado. (SOBRINHO,
2009).
Diante da reação do Paraguai e do despreparo do Brasil, em 1.865 foi assinado o
Tratado da Tríplice Aliança. O Tratado formalizava a união do Uruguai e da Argentina
ao Brasil contra a República do Paraguai, além de estabelecer:
... limites entre Brasil e Paraguai que deveriam vigorar após a guerra caso a
Tríplice Aliança fosse vencedora. Esses limites eram os mesmos do Tratado
de Santo Idefonso, com a localização do rio Iguareí definida conforme uma
carta preparada pelo expedicionário francês Amedée Mouchez.
(SOBRINHO, 2009, p.29. grifo nosso).
Esse momento que sinaliza a “discordância” entre o Brasil e a República do
Paraguai, decorrente a falhas nos Tratados, em especial, o limite territorial, durou cerca
de seis (6) anos. A “luta” entre Brasil, Argentina e Uruguai contra a República do
Paraguai terminou em março de 1.870, com a morte de Solano Lopes. Entretanto, o
Tratado de Paz e Amizade Perpétua e de Limites entre Brasil e República do Paraguai
só foi assinado em 09 de janeiro de 1.872.
Enquanto a relação harmoniosa entre Brasil e República do Paraguai era
formalizada, Magalhães (2011, p.187) nos lembra que no fim do século XIX, a região
que correspondia ao Rio Verde do Sul, ainda continuava sendo explorada por Laranjeira
e sua tropa. Com base na leitura de documentos oficiais, verifica-se que, naquele tempo,
33
a região explorada por Laranjeira já era conhecida como Rio Verde do Sul ou Distrito
de Paz do Rio Verde do Sul.
Não podemos deixar de reconhecer e pontuar o estudo de Matoso (2006), citado
anteriormente, que buscou investigar o bilinguismo existente na produção textual de
alunos indígenas de etnia Guarani-Kaiowa e Guarani-Ñandeva, da Escola Municipal
Guarani, da aldeia Guassuty, situada na fronteira de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai.
Matoso (2006) esclarece, ainda, que o período equivalente ao Ciclo da Erva-Mate,
em Rio Verde do Sul, além da população ser composta por dois subgrupos Guarani de
etnia Guarani-Kaiowa e Guarani-Ñandeva, a presença de brasileiros na região era
pouca. Dessa forma, grande parte dos empregados na extração da erva-mate era de
ascendência paraguaia, considerados como os donos de mão de obra especializada.
Silva (2007), por sua vez, ao pesquisar “A Formação do Município de Aral
Moreira – Mato Grosso do Sul”, apresenta breve descrição da região em questão,
destacando como se deu o processo de formação e as principais figuras que fizeram
parte da história do município. Na busca pelo entendimento da constituição histórica da
fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai é de
suma importância considerar a afirmação de Silva (2007), quando sublinha que:
A região que hoje compreende o município de Aral Moreira correspondia,
durante vários séculos, ao território dos Índios Guaranis. E foram os índios
guaranis que deram nomes aos mais diferentes pontos pertencentes ao
Município. Denominações que até hoje são mantidas. (SILVA, 2007, p.29)
Com base no trecho extraído da pesquisa de Silva (2007), evidencia-se que o
desbravamento histórico da região de fronteira, que atualmente corresponde o município
de Aral Moreira, está intrinsecamente relacionado com pelos menos três etnias, quais
sejam: indígenas de dois (2) subgrupos: guarani-kaiowa e guarani-ñandeva, paraguaios
e brasileiros que migraram para região, principalmente, dos estados de Rio Grande do
Sul e Paraná.
Toda essa situação colocada de mistura de etnias fazia com que os migrantes
sulistas se comunicassem com os paraguaios e indígenas de etnia guarani-kaiowa e
guarani-ñandeva, gerando, assim, certa complexidade sociolinguística evidenciada, por
meio da interação social, já no início do desbravamento histórico da fronteira de Aral
Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai.
34
Partindo do pressuposto de que as relações sociais são complexas e cada família
se constitui de maneira diferente, seja na quantidade, seja no hábito culturalmente
adquirido, Sobrinho (2009, p. 56) esclarece que foi:
A partir de 1.893 começaram a formar as primeiras caravanas com destino a
Mato Grosso (...) as caravanas eram formadas por famílias inteiras, lideradas
por um senhor, que deixavam parentes e a terra natal em busca de outras
paragens, viajando a cavalo ou em carretas.
A organização familiar do período equivalente ao Ciclo da Erva-Mate, em Rio
Verde do Sul, difere-se em alguns aspectos da família contemporânea, dos quais
podemos citar a quantidade de filhos ou filhas que a composição familiar tinha naquela
época, número considerado maior, se comparado a composição familiar no período PósColonial.
Sobrinho (2006) esclarece, ainda, que as primeiras caravanas de famílias inteiras
que ocuparam a região próspera do Rio Verde do Sul, geralmente, eram lideradas por
uma pessoa do sexo masculino, considerado o chefe da família. Cabe mencionar que o
chefe da família tinha seus capangas, que sempre o acompanhava por onde andava.
Outro fato não menos importante é que quase sempre os capangas faziam os trabalhos
braçais, muitas vezes, abrindo mata adentro.
As fotos a seguir revivem a época equivalente ao Ciclo da Erva-Mate, em Rio
Verde do Sul, ilustrando a composição familiar daquele período.
Foto 02. P&B.9
Foto 03. P&B.10
Não se pode deixar de reconhecer e pontuar o estudo de Trenkel (2009), citada
anteriormente. A autora ao investigar “A importância da presença gaúcha no município
9
10
Foto 02. P&B. Composição familiar antiga. Fonte Aristide Matoso.
Foto 03. P&B. Composição familiar antiga. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira.
35
de Aral Moreira, MS”, registra que a presença do migrante gaúcho contribuiu,
decisivamente, desde o final do século XIX. Trenkel (2009, p.14) afirma que a
“presença gaúcha na região de fronteira acompanhou os momentos em que atividades
econômicas como, agricultura e pecuária, passam a ganhar destaque no Estado”.
A seguir, pode-se verificar a Foto 03, que retrata a época do Ciclo da Erva-Mate,
período em que as “primeiras caravanas” de pioneiros gaúchos e paranaenses saíram de
seus estados e ocuparam o antigo Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul.
Foto 04. P&B. Chegada de Caravanas gaúchas. Fonte: Secretaria de Educação de Aral Moreira.
Curiosamente, evidencia-se que a ocupação de gaúchos e paranaenses em Rio
Verde do Sul os colocou na condição de “dominantes”, visto que sabiam as formas de
produção da erva-mate numa perspectiva industrial. Dessa maneira, os paraguaios que
já habitavam a região em questão, na qualidade de “dominados”, exerciam o cargo de
empregados, para ilustrar esse fato, apresentamos um excerto da conversa com uma das
pioneiras da região:
INF. a familha Marquis mexia muitu cum erva comandava mexia cum erva
eli u pai deli a familiar deli i eu sei qui tinha us capanga deli (2-F-C, grifo
nosso).
Ao fim do século XIX, chegou à região de Rio Verde do Sul, ainda antigo Mato
Grosso, famílias vindas de Rio Grande do Sul fugindo da Revolução, dentre elas,
destaca-se a família “Marques”. Ao chegar à região, as oriundas famílias sulistas se
dedicaram ao pastoreio. Conforme excerto acima, na época do Rio Verde do Sul, era
36
natural o patrão, na qualidade de chefe, prescrever tarefas aos seus “secretários
adjuntos” ou “capangas”. Como era comum, ainda, o uso de armas, como forma de
proteção, de segurança e ideia de domínio.
Enquanto a região próspera de Rio Verde do Sul era explorada não só por Tomás
de Laranjeira e suas respectivas tropas, mas por outras famílias gaúchas e paranaenses,
em 1.914, os trilhos da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, partindo de São Paulo
adentraram em território sul-mato-grossense até a fronteira com a Bolívia, fazendo uma
ligação rápida e econômica para a economia do Sul. E o Sul, pôde então, desenvolver os
seus meios de agricultura e pecuária, invertendo assim, a posição do Sul, que era
praticamente uma região pobre, para a mais rica. Naquela época, o Norte apresentava
um declínio, com baixa de preços de borrachas e outros produtos seus. Para reviver ao
momento equivalente ao Ciclo de Erva-Mate, a seguir duas (2) fotos que ilustram o
espaço físico, os carros, os barracões e a prosperidade decorrente da extração expressiva
de erva-mate.
Foto 05. P&B.11
Foto 06. P&B.12
O Rio Verde do Sul ia ganhando visibilidade por conta de sua abundância de ervamate. De acordo com documentos oficiais (ANEXOS: PARTE I, ANEXO 05), cedidos
gentilmente pela Prefeitura Municipal de Aral Moreira, observa-se que em 1.918, a
administração da Erva-Mate passa a ser Campanário, dirigida pelo senhor Raul Mendes
Gonçalves, que nacionalizou a CIA13, sendo renomeada, posteriormente, de “Brinco de
Ouro”. Somente após veio a denominação da Companhia Mate Laranjeira, nesse
período, comandada pelo capitão Heitor Mendes Gonçalves.
11
Foto 05. P&B. Barracão da Companhia Mate Laranjeira. Fonte: Secretaria de Educação de Aral
Moreira.
12
Foto 06. P&B. Transporte com lotação de mudas de erva-mate. Fonte: Secretaria de Educação de Aral
Moreira.
13
Companhia de Erva-mate.
37
Conta-se que em meados de 1.924, período que ocorreu uma pequena revolução
nascida e morta no mesmo ano, em São Paulo, no governo de Arthur da Silva
Bernades14 (1922-1926), as tropas do general Isidoro Dias Lopes15 ocuparam a capital
do Estado de São Paulo, em cinco de julho de 1.924. Tendo sido os revoltados vencidos
pelas tropas do governo, refugiou-se no antigo Estado de Mato Grosso, atual Mato
Grosso do Sul.
O revoltoso Mario Roso16, apesar de tudo, pode ser considerado o primeiro
habitante que sofreu, naquela época, no sertão de Mato Grosso, mais especificamente,
em Rio Verde do Sul e já adentrando à antiga Colônia General Dutra/Brasil.
1.4. A Colônia General Dutra e a Vila Fronteira Rica, 1.940 a 1.975
A ocupação de famílias oriundas de Rio Grande do Sul, no território de Rio Verde
do Sul, resultou a entrada em outras localidades circunvizinhas, como a antiga Colônia
General Dutra/Brasil, região onde é o atual município de Aral Moreira/Brasil.
Pelo registrado em documentos oficiais e entrevistas com sujeitos considerados
pioneiros da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai, verifica-se que, em 1.940, criou-se a Colônia General Dutra/Brasil,
com consentimento de Getúlio Vargas. Tal localidade é tratada aqui como: “Colônia
General Dutra/Brasil”, devido à parte focalizada estar, geopoliticamente falando, em
território brasileiro. Contudo, reconhecemos a instabilidade social, ideológica,
linguística que a fronteira entre Brasil e Paraguai apresenta, principalmente, em zonas
de fronteira seca, como é o caso da Fronteira focalizada neste estudo.
A essa época, de 1.940, conforme proposição de Sampaio (2006, p.208), “a
fixação na região de paulistas e gaúchos” foi característica marcante para o impulso de
ocupação, agora, em outro território, a Colônia General Dutra/Brasil, região mais
próxima da fronteira entre Brasil e República do Paraguai.
De acordo com Silva (2007, p.31), a criação da Colônia General Dutra/Brasil
“trouxe consigo a demarcação arrancando das proximidades do Marco Internacional
14
Advogado, nascido na cidade de Viçosa, estado de Minas Gerais, em 8 de agosto de 1875. Formou-se
pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1900. Foi presidente de Minas Gerais (1918-1922). Por meio
de eleição direta, assumiu a presidência da República em 15 de novembro de 1922 até 1926.
15
Revolta Paulista comandada em 1.924, pelo General Isidoro Dias Lopes, a revolta contou com a
participação de vários tenentes,
16
De acordo com informações de pioneiros da região, Mario Roso é um homem que comandava uma
pequena tropa na época de 1.924.
38
cento e dezessete (117), as terras ajudaram e a Colônia de União Federal teve vida
abundante”. Curiosamente, a Colônia General Dutra foi criada em terreno que,
inicialmente, não era muito bem definido. Desse modo, no que se refere à aquisição de
terras, alguns pioneiros da região relataram nas entrevistas narrativas que:
INF. u povu chegava aqui i si adonava das terra (3-M-C).
INF. chegava aqui cada um si adonava essi loti aqui é meu tinha demarcação
já uma demarcação provisória intãum eu chegava essi loti aqui é meu cê
chegava i falava aqui loti lá é meu fincava uma istaca lá aí nóis começava
roça fazê abertura (4-M-C).
Remexendo, assim, essa “arca” de episódios relativos ao período equivalente à
Colônia General Dutra/Brasil, verifica-se que as terras que hoje se consolida a cidade de
Aral Moreira/Brasil, antiga Colônia General Dutra, inicialmente, foram doadas pelo
proprietário da Fazenda Tatarén, Orcício Freire, fazendeiro considerado, naquele
período, de alto nível político.
A fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai
vai se desenhando e ganhando visibilidade no antigo Estado de Mato Grosso, fato
decorrente da ocupação de sujeitos brasileiros, paraguaiosbrasiguaios e indígenas de
dois subgrupos, quais sejam: guarani-kaiowa e guarani-ñhandeva.
Indubitavelmente, além da ocupação de povos mestiços, a Colônia General
Dutra/Brasil era palco que atraia vários olhares de sujeitos que habitavam cidades
circunvizinhas, “tanto do lado brasileiro quanto no lado paraguaio”17. Após a ocupação
e exploração às terras férteis da Colônia/Brasil, a notícia, de que o solo vermelho era
propício à plantação, andava pelos campos Sul do antigo Mato Grosso.
Há, no entanto, que se pontuar que, antes de se mudar, efetivamente, para a
Colônia General Dutra/Brasil, era necessário ter vínculo com pessoas que já habitavam
tal região, ou seja, com as famílias mais antigas, principalmente, com a família
“Marques”, que tinham grandes propriedades de terras, e, de certa forma, já tinham
atingindo status prestígio entre os moradores da Colônia General Dutra/Brasil.
No percurso que equivale o marco inicial da Colônia General Dutra/Brasil, há que
se destacar que, viver na Colônia/Brasil não era tarefa fácil, o senhor A.M, viamemória, fornece-nos características daquela época, que nos ajuda, de certa forma, a
remontar episódios de outros tempos, que podem ser resgatados, por meio de outras
17
Entre aspas porque havia uma divisão geográfica e política, porém, não havia divisão social, religiosa e
educacional.
39
vozes, que vivenciaram determinada época, resultando no diálogo entre vozes e
vivências.
INF. era Colônia General Dutra issu aqui qui você vê era sertão du sisu cê só
via índiu corre:nu iscondenu i:: berru di bichu gritu di onça guará grandi era u
qui tinha aqui nessi sertão di matu (4-M-C).
No pensamento do pioneiro, observa-se, nitidamente, o reconhecimento da
presença do índio na região da Colônia General Dutra/Brasil. Conta-se que, a essa época
de 1.940 a 1.975, os índios de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva costumavam
ficar no cerro situado na República do Paraguai, no departamento de Pedro Juan
Caballero.
Conforme depoimentos dos sujeitos considerados pioneiros da região em estudo,
os indígenas desses dois subgrupos, anteriormente apresentados, subiam a serra do
Departamento Santa Virginia/Paraguai em busca da caça e da pesca. Ao se deslocarem
para a Colônia/Brasil, os índios se deparavam com os gaúchos e paulistas que também
habitavam a Colônia General Dutra/Brasil e o Rio Verde do Sul/Brasil.
O fato de os índios correrem dos sujeitos gaúchos e paulistas, conforme relata o
senhor A.M, gira em torno da evidência de que ambos os povos que habitavam a
Colônia/Brasil, por sua vez, possuíam costumes, modos e produções de plantio
diferentes, acarretando pensar que o desconhecido é visto como algo estranho e, muitas
vezes, inferior aos olhos do “outro”.
Segundo Trenkel (2009, p.10), “no período de 1.940, a agropecuária sobrepujou a
erva-mate em importância econômica”. Todavia, a essa época equivalente a entrada e
ocupação de terras relativas à Colônia General Dutra/Brasil, pode-se considerar como o
início do ciclo referente à Extração de Madeira, podendo destacar a existência, na
época, de árvores altas, que segundo Silva (2007, p. 20) pode-se destacar: “a peroba, o
ipê, o cedro, a aroeira, a figueira, o jaracatiá, a canafístula, o angelim, o jatobá mirim e a
timbava”.
Em 1.940 a 1.945, mesmo com a expansão da extração de madeira e o declínio da
erva-mate, na região da Colônia General Dutra/Brasil, na fronteira circunvizinha de
Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan Caballero/Paraguai, considerada como a “Princesinha
dos Ervais”, instala-se uma companhia de erva-mate, passando a ser, em pouco tempo, a
40
cooperativa de ervateiros de tal localidade, sob a direção de Orlando Mendes
Gonçalves18.
Enquanto a Princesinha dos Ervais ia se desenvolvendo, a Colônia General
Dutra/Brasil recebia, de acordo com Barbosa (2012, p. 18), mais uma remessa de
famílias vindas do estado do Rio Grande do Sul, sendo eles: “os Freire, os Marques, os
Cardinal, os Bataglin e os Portela, algumas famílias já tinham certo grau de parentesco
com os habitantes da Colônia”. Algumas famílias se deslocavam para a Colônia General
Dutra/Brasil, pois a região era vista como uma localidade que abrigara terra fértil,
produtiva e barata.
Ao que se refere à organização religiosa, a época relativa ao Ciclo da Extração de
Madeira, Silva (2007, p.39), pondera que “inicialmente a maioria das igrejas tinha
predominância no catolicismo”. Desse modo, evidencia-se a influência do cristianismo
na Colônia General Dutra/Brasil. Com base na ponderação de Silva (2007) e de
depoimentos de sujeitos considerados pioneiros da fronteira de Aral Moreira/Brasil com
o Departamento Santa Virginia/Paraguai, verifica-se que a igreja católica fora
implantada na região pelos gaúchos e paulistas. Curiosamente, no início, o padre que
proferia a missa vinha de fora, mas aos poucos a igreja foi se formatando até se
estabilizar.
Como no período antecedente, Rio Verde do Sul com a extração de erva-mate, o
período que corresponde a Colônia General Dutra com a extração de madeira, também
não havia uma configuração política delimitada. Nessa perspectiva, Silva (2007, p.41)
registra que “não existia atuação política, isto é, não possuía prefeito e nem vereadores
na região, porém a família Bento Marques já era uma das mais influentes, juntamente
com outras.
Além da agropecuária, ainda timidamente, movida, principalmente, pela família
“Marques”, em virtude da presença de muitas árvores propícias a extração de madeira,
iniciou-se a extração de madeira com a implantação de serrarias na Colônia/Brasil
A foto 06, a seguir, revive a época de implantação de serrarias na Colônia General
Dutra/Brasil
18
Nessa época, um dos coronéis que lideravam as tropas (geralmente compostas por paraguaios) que
trabalham com a extração de erva-mate.
41
Foto 07. P&B. Implantação de Serrarias. Fonte: Secretaria de Educação de Aral Moreira.
A extração de madeira contribuiu, significativamente, para a economia da Colônia
General Dutra/Brasil, bem como para sua visibilidade econômica regional. Assim, a
Colônia ia se configurando enquanto território fértil, propício a extração de madeira e
plantação de soja, além de pastos favoráveis a criação de gado. Conta-se que, na época,
chegou a ter cerca de sete serrarias na região, gerando mais emprego e, certamente,
dando mais visibilidade à região, que começava a se formatar no cenário do antigo Mato
Grosso.
Por outro lado, como aponta Silva (2007, p.38):
... as serrarias não trouxeram progresso (...) e sim muito desmatamento, pois
os proprietários não sendo da região, não se preocupavam com a preservação,
apenas vinham acumulavam certa riqueza e iam, deixando apenas rastro de
destruição. Essas famílias que trabalhavam com serrarias eram oriundas do
Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Certamente, o desmatamento não agradava, principalmente, os indígenas de etnia
guarani-kaiowa e guarani-ñandeva, que moravam nas proximidades da Colônia
General Dutra/Brasil, em abrigos feitos de palha, armados a beira do mato, geralmente,
próximos a lugares onde havia água.
Essa situação de réplica dos índios com relação ao desmatamento da paisagem da
Colônia General Dutra/Brasil, leva-nos a evidenciar a existência de, pelo menos, duas
vertentes. De um lado, os migrantes gaúchos que dominavam as formas de produção e,
além da implantação de serrarias na região e o plantio de café, utilizavam, ainda que
timidamente, as terras férteis da Colônia/Brasil, dando início à plantação de soja.
42
E de outro lado, os paraguaios e indígenas de etnia guarani-kaiowa e Guaraniñandeva, que possuíam outro meio de produção, diferente dos primeiros, estes,
produziam uma agricultura de subsistência, sem a utilização de maquinários, pois como
pontua Silva (2007, p. 39) que a essa época, apesar da qualidade boa do solo, “a
mecanização era pouco utilizada, havendo pouquíssimos tratores, e o restante eram
maquinários puxados por animais, como o arado”.
Com base nessa informação,
evidencia-se que os paraguaios e indígenas desses dois subgrupos forma tidos como
mão de obra especializada, uma vez que a Colônia estava em fase de transição da
produção manual para a industrial.
Em virtude da ocupação territorial de sujeitos influentes e próximos dos políticos
da época, da visibilidade expressiva e do progresso, em 1.943, pelo decreto n º5.812, a
Colônia General Dutra/Brasil passou a pertencer à cidade de Ponta Porã.
O progresso da Colônia General Dutra/Brasil dependia de alianças políticas, com
o objetivo de solucionar problemas sociais que já estavam já incomodara a população
que residia na região, por exemplo, a implantação de estradas, o saneamento básico, a
instalação de hospitais, de delegacias e de escolas. Portanto, para que a melhoria
chegasse à Colônia era necessário realizar parcerias com políticos, conforme se nota no
depoimento a seguir:
INF. aí eli foi i falô muitu bem seu ( ) si vocês trabalharem por mim i qui
eleitu for eu prometu a istrada aí nóis trabalhamu trabalhamu trabalhamu saiu
as eleiçãum i eli ganho a pulítica (4-M-C).
Com a vitória na política, Pedro Pedrossian, deputado da época, enviou à Colônia
General Dutra/Brasil alguns maquinários com o intuito de abrir as estradas e dar acesso
à região. Os trabalhadores enviados pelo governador à Colônia foram recepcionados por
um sujeito considerado pioneiro antigo da região, que por sua vez, exerceu, por muito
tempo, o papel de líder na extração de erva-mate e nos relatou que:
INF. até ali veiu u maquináriu vieram abrindu tudu né aí começô chegá u
progressu pra Colônia Dutra a:i já começô abri arguma casinha di negóciu
aqui começaram uma vilazinha uma piquinizi::nha aí casinha cuberta di
pindó paredi di taquara um botava um butequinhu otru botava butequinhu eu
carniava uma vaca i trazia du Paraguai levava treis quatru dia pra subi a cerra
qui era uma mataria i essa cerra era muitu braba (4-M-C)
O sujeito considerado pioneiro da Colônia General Dutra, em depoimento, ao
lembrar-se de outra época, via-memória, mostra sua experiência e, sobretudo sua
sabedoria de uma época em que a oralidade valia muita mais que qualquer papel escrito.
43
O poder de persuasão, através da oralidade, fazia com que o líder convencesse seus
empregados a permanecer, em sua grande maioria paraguaia, em “território brasileiro”,
a fim de usufruir de mão de obra especializada.
Com uma população considerável, a ponto de constituir-se Distrito de Ponta
Porã/Brasil, a interação social, entre os sujeitos que habitam a Colônia, era atividade
complexa, assim, o fluxo de morte era constante, conforme podemos observar a
passagem, a seguir:
INF. cada isquina tinha uma cruz aqui mataram mu::ita genti muita genti
mataram (4-M-C).
Não se sabe, ao certo, o fato que gerou tantas mortes e nem quais etnias eram
mortas. Mas, evidencia-se a relação de poder social ligada à aquisição de terras e ao
inicio de alianças políticas na Colônia General Dutra/Brasil como fator explicativo para
tantos aniquilamentos.
Além de visitas de Padres da Igreja Católica que proferiam as missas na Colônia,
a região passou a receber, ainda, visitas de delegados de cidades circunvizinhas, tais
como: Ponta Porã, Amambai, Coronel Sapucaia e Dourados. Essas visitas de delegados
fez com que, em pouco tempo, fosse instalada a Força Internacional, situada na
República do Paraguay, no departamento de Pedro Juan Caballero, mais
especificamente, no Departamento Santa Virginia, que contribui, por muito tempo, com
a segurança da região.
Em 1.947, além da extração de madeira, o cultivo de café ganha espaço no âmbito
fronteiriço correspondente à Colônia General Dutra/Brasil. Com a notícia de progresso e
abundância na produção, chega à região outra leva de família, dando destaque à família
“Matoso”, que muito contribuiu para o desenvolvimento da Colônia, além de possuir
Fazendas com grande extensão territorial, o que se evidencia a geração de emprego a
povos que habitavam a Colônia.
O excerto da conversa, a seguir, com o sujeito considerado pioneiro da
Colônia/Brasil, revive a experiência no que se refere à aquisição de terras, além de
deixar subjetivo a ideia de que mudar-se para a Colônia era necessário ter vínculos ou
parentes próximos, pois a visão de região violenta e perigosa se configurava no âmbito
regional.
INF. U meu avô chego aqui im mil novicentus i quarenta i seti era só matu só
matu daí: Eli compro a: fazenda Campu Flor na épuca é: uma das fazenda
mais veia qui teim depois teim a: fazenda santa Rita qui era Du dotor Eraldu
44
a:: fazenda Cerru Alegri Cedru Riu Verde Oru Verdi sãum as fazenda mais
antiga qui ixistia aqui na região (7-M-C).
No relato, verificam-se a existência de cinco fazendas classificadas, segundo o
pioneiro, como as mais antigas da região, sendo elas: Fazenda Campo Flor, Fazenda
Santa Rita, Fazenda Cerro Alegre, Fazenda Rio Verde e Fazenda Ouro Verde. Algumas
dessas fazendas foram adquiridas pela família “Matoso” que, por muito tempo, manteve
a tradição de extrair a erva-mate, tendo a mão de obra especializada de paraguaios, que,
em troca, ganhavam moradia, comida e roupas.
Em meados de 1.948, Eurico Gaspar Dutra, homem influente na Colônia
General Dutra/Brasil, recebeu uma área de 12.000 hectares, doada pelo fazendeiro
Orcício Freire, para ser colonizada e, sobretudo, distribuída em lotes rurais de vários
tamanhos. Não se sabe, ao certo, o motivo da doação de terras, sabe-se, porém, que
Orcício, assim como era popularmente conhecido entre a população da Colônia/Brasil,
era um “político” ativo, sendo assim, respeitado entre os sujeitos que habitavam a
região, por se tratar de um homem que lutava em prol do progresso da Colônia/Brasil.
Segundo Magalhães (2011. p. 187), “foi no ano de 1.950 que a Colônia General
Dutra foi, oficialmente, criada”. No ano de 1.953, por meio da Lei nº 702, de 15 de
dezembro, foi criado: o distrito de Paz do Rio Verde do Sul, com sede na Vila de Rio
Verde, atual Vila Caú. Em 17 de outubro de 1.958 foi estabelecido por meio da Lei nº
1.121, os limites da Colônia General Dutra/Brasil com o Distrito de Sanga
Puitã/Paraguai. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 06). É importante destacar ainda que, a
partir desse ano, a Colônia/Brasil passa a ficar conhecida como Vila Fronteira Rica ou
distrito de Paz do Rio Verde do Sul, devido à riqueza estampada, principalmente, em
terras férteis, com plantações de soja, no cultivo do café e na criação de gado.
Junto ao progresso da Colônia General Dutra/Brasil, veio à inserção da política e
de alguns poucos maquinários industriais, como caminhão de tora. Contudo, um dos
pioneiros relata que, em meados de 1.959, a Colônia era considerada, do ponto de vista
geográfico, um “sertão”, com matos e animais típicos da época.
INF. Pra começá eu vô ti ixplicá eu cheguei aqui em Aral Moreira em
cicuenta i novi du séculu passadu cincuenta i novi Arar Morera ho::ji Arar
Morera naqueli tempu era Colônia General Dutra issu aqui qui você vê era
sertão du sisu cê só via índiu corre:nu iscondenu i:: berru di bichu gritu di
onça guará grandi era u qui tinha aqui nessi sertão di matu (4-M-C).
Nota-se, no pensamento do sujeito considerado pioneiro, que a época referente à
Colônia General Dutra ou Vila Fronteira Rica, a interação social das primeiras famílias
45
sulistas a ocupar a Colônia era de distanciamento com relação aos indígenas que já
ocupavam a região, principalmente, a região que corresponde, atualmente, o
Departamento de Pedro Juan Caballero, designado aqui, como o Departamento Santa
Virginia/Paraguai. Essa “distância” pode ser mais bem evidenciada na passagem: “só
via índiu corre:nu iscondenu”.
Vários são os fatores que podem ocasionar esse
distanciamento entre povos de etnias diferentes, o qual se evidencia, aqui, as formas de
convivência distintas entre as diferentes etnias (paraguaia, brasileira e indígena) que
habitavam a região, o que confirmava a criação de uma “fronteira seca complexa”,
também, na interação social.
Após 1.970, em virtude a expansão da extração de madeira e da implantação de
várias Serrarias, em consonância com o cultivo de café. A esse período, curiosamente, a
Colônia General
Dutra/Brasil
ou Vila Fronteira Rica,
já fora
demarcada
geograficamente, com os pilares que sinalizavam os limites territoriais entre Brasil e a
República do Paraguai.
O excerto, a seguir, revive por meio do resgate via-memória do sujeito,
considerado pioneiro, a transição toponímica de Colônia General Dutra para Vila
Fronteira Rica.
INF. aí depois mais tardi essa vilazinha aí passô a chama Vila Frontera Rica
uma vilazinha aí foi animandu foi criandu os butequinhu us bulichinhu vinha
genti ali du Paraguai botava uns armazenzinhu aí clandistinu uma farmácia aí
assim foi socorrendu u povu aí a Vila foi levantandu foi evoluindu (4-M-C).
No pensamento do pioneiro, verifica-se que, naquela época, a instalação de
“mercearias” era realizada de maneira clandestina, ou seja, sem autorização de líderes
da Colônia/Brasil. Os comércios designados de “botecos”, “bolichinhos” e “mercearias”
foram instaladas, num primeiro momento, para suprir a ausência de localidades cujo
objetivo era a venda de alimentos perecíveis e não-perecíveis e de bebidas com/sem
álcool.
Nota-se, ainda, no depoimento do sujeito considerado pioneiro da região em foco
que, as mercearias, iniciaram-se, principalmente, por iniciativa de paraguaios que
residiam no Departamento Santa Virginia, situado no Departamento de Pedro Juan
Caballero/Paraguai. Com base nessa informação, evidencia-se a contribuição, nítida, de
sujeitos oriundos da República do Paraguai no desenvolvimento da Colônia General
Dutra/Brasil ou Vila Fronteira Rica/Brasil.
46
Trenkel (2009, p.12), fornece-nos dados sobre o censo populacional de Vila
Fronteira Rica/Brasil ou Colônia General Dutra/Brasil. A autora registra que, em 1.970,
a região possuía “cerca de 14.000 habitantes”. Curiosamente, a metade da população,
oito mil (8.000) habitantes, vivia na zona rural, o que contribuiu para a caracterização
de uma região com traços “rurbanos”.
A respeito do termo “rurbano”, citado por Stella Maris Bortoni-Ricardo, em seu
livro intitulado: “Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística na sala de aula”, o
termo é designado, grosso modo, àquele contexto que se classifica como um continuun
do rural ao urbano.
Trenkel (2009, p.10), ainda nos lembra que, “chegaram à região novas famílias de
paranaenses e rio-grandenses. Foram esses por sua vez que introduziram a cultura da
soja no município”. Observa-se a formalização da inserção do cultivo de soja, Trenkel
(2009), não deixa de mencionar, ainda, em seu estudo, que a época correspondente a
Colônia General Dutra/Brasil ou Vila Fronteira Rica/Brasil contou, timidamente, com
atividades voltadas à extração de madeira e à erva-mate.
Barbosa (2012, p.19), por sua vez afirma que, a partir de 1.970, chegou à Vila
Fronteira Rica, especificamente, nas proximidades rurais, as famílias: “Soligo, Cerruti,
Pierezan, David, Bonacina, dentre outras”. Com a chegada dessas famílias oriundas,
principalmente, de Rio Grande do Sul e Paraná, deu-se início à mecanização abundante
na agricultura.
As fotos 08 e 09, a seguir, ilustram e reconstroem o momento referente à chegada
de sulistas (gaúchos e paranaenses), retratam e revivem, ainda, a introdução de
maquinários na produção de soja.
Foto 08. Cor.19
19
20
Foto 09. Cor.20
Foto 08. Cor. Mecanização na agricultura. Fonte: Marciélly Trenkel.
Foto 09. Cor. Chegada de gaúchos e paranaenses. Fonte: Marciélly Trenkel.
47
Com a chegada de famílias oriundas de Rio Grande do Sul e do Paraná, a extração
de madeira não durou muito tempo, haja vista que a produção de soja começou a ganhar
destaque, principalmente, com a inserção de novas famílias, trazendo consigo seus
costumes, seus hábitos, suas identidades, dentre outros. Destaca-se, aqui, os
maquinários, uma nova Era chegava à região, já conhecida como Vila Fronteira
Rica/Brasil.
O depoimento, a seguir, reconstrói, por meio da memória de um sujeito
entrevistado e considerado um dos pioneiros da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai, o fim da extração de madeira, dando espaço ao
cultivo, principalmente, de soja.
INF. já num ixistia madera tanto pra cá nãum issu já tinha acabadu a madera
tiraram tudu meu pai foi um dos assassinu maior di Aral Morera di: matá a
natureza meu pai/essas chacraiada tudu é eli qui derrubou tudu (2-F-C).
A Exatoria Estadual da Vila Fronteira Rica/Brasil foi inaugurada, em primeiro
(1º) de junho, de 1.972. No ato, estavam presentes sujeitos considerados autoridades da
época, como: Artur Amaral Rodrigues, juiz de Paz do distrito, Maurício Mattos dos
Santos, contador Martiano Barrios, Jonas Fernandes, dentre outros. Os comércios
classificados como “clandestinos” e situados do “lado brasileiro” da fronteira, passaram,
no uso das atribuições da Exatoria Estadual, a pagar impostos, bem como a prestar
contas ao antigo Estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul.
Em 1.974, com a expansão e a chegada de várias famílias à Vila Fronteira
Rica/Brasil, passa-se a discutir sobre a possibilidade de emancipação da região. A
discussão tinha como objetivo principal emancipar a Vila Fronteira Rica/Brasil,
tornando-a município.
Trenkel (2009, p. 09), ressalta que, em dois (02), de julho de 1.974, a Vila
Fronteira Rica/Brasil “passou por um plebiscito, com a aprovação da maioria para a
emancipação da região fronteiriça”. Contudo, pelo registrado em documentos oficiais,
verifica-se que a aprovação oficial do plebiscito veio mais tarde, em meados de 1.975.
Vale destacar, ainda, que a esse período referente à extração de madeira, além da
forte influência da família “Marques”, outra família passou a ser respeitada entre os
moradores da região em estudo, como é o caso da família “Moreira”.
Ainda, o período de 1.974, foi caracterizado, não só pelo declínio de erva-mate,
mas, pela decadência da produção de café. A seguir, apresentamos um excerto de
entrevista narrativa, realizada com um sujeito considerado pioneiro da região, que
48
vivenciou o episódio, caracterizado, aqui, como marco histórico para a decadência do
café.
INF. Deu uma giada aqui foi mais o menus im setenta i quatru matô tudu aí
tinha uns cara uns portugues ali i: americanu inventaru di fazê uma irrigação
dipois fui lá ajuda a: tirá us motor neim us motor funciono nu dia aí: morreu
tudu a giada foi tão grandi qui elis trabaiavam meiu contra Deus né elis
falava vai vim uma giada muitu forti qui vai matá tudu us café elis falaru
na::um nossu num vai morrê vauo irriga tudu meteram canu di ferru quatuo
motorzão i: fizeram um açudão di agua pra joga água nu café na hora da
giada trancô tudo e num funcionô nenhum motor ficaram lacradu morreu
tudo us café aí cabô (5-M-C. Grifo nosso).
O episódio acima, reconstruído via-memória, ilustra a situação climática que a
Vila Fronteira Rica/Brasil vivenciava, na época, o que não contribuía, segundo a
percepção do entrevistado, para o cultivo de café. O depoimento, ainda, revela a
presença de portugueses e americanos em terras fronteiriças, na época em que a região
era designada de Vila Fronteira Rica/Brasil. Com sabe nessas informações, pode-se
afirmar que, a migração à Vila Fronteira Rica/Brasil não foi, essencialmente, de
gaúchos e paranaenses, mas de alguns portugueses e americanos que ocuparam as terras
férteis, trazendo consigo toda sua técnica de produção, principalmente, na extração de
café.
A seguir, observam-se as Fotos 10 e 11, que retratam, por meio da imagem, a
presença de portugueses e gaúchos na região equivalente à Vila Fronteira Rica/Brasil.
Foto 10. Cor.21
21
22
Foto 11. P&B.22
Foto 10. Cor. Presença de portugueses na região da Vila Fronteira Rica. Fonte: Aristide Matoso.
Foto 11. P&B. Presença gaúcha na região da Vila Fronteira Rica. Fonte: Aristide Matoso.
49
Com base no depoimento do sujeito considerado pioneiro, anteriormente
apresentado, verifica-se que a extração de café, monitorada pelos portugueses, não
durou muito tempo, visto que, ainda em 1.974, a Vila Fronteira Rica/Brasil sofreu uma
forte geada, fazendo com que grande parte da produção fosse perdida.
Ao realizar breve leitura das fotos apresentadas, nota-se que, em ambas as fotos, o
chapéu era acessório rigoroso do homem que exercia atividade no campo, visto que, em
se tratando de clima, a sensação térmica costumava ser alta demais, tal fato evidencia
que a população não estava habituada com temperaturas baixas, como é o caso da
geada.
A Vila Fronteira Rica/Brasil vai se desenhando e ganhando espaço entre as
regiões que, na época, ocupavam terras do antigo Mato Grosso, atual Mato Grosso do
Sul. O declínio do café fez com que a soja fosse produto escolhido e, tornou-se, em
pouco tempo, o principal produto da economia local.
Ainda em 1.974, a Vila Fronteira Rica/Brasil, passa a ser governada por militares.
O fato de a região passar a ser dirigida por sujeitos ligados ao militarismo, contribuiu,
de certa forma, para recepção de muitos recursos externos, dos quais se destaca verbas
para construção de patrimônios públicos. Segundo Trenkel (2009, p.10), a região
“chegou inclusive a ser considerada uma das dez maiores economias do mundo
capitalista”.
Destaca-se, ainda em 1.974, a chegada de mais sujeitos oriundos de outras
regiões, agora, de cidades circunvizinhas, como: Ponta Porã, Amambai e Coronel
Sapucaia, além do Departamento de Pedro Juan Caballero/Paraguai.
O aumento da população fez com que, alguns líderes, retomassem as discussões
relativas à emancipação político-administrativa de Vila Fronteira Rica/Brasil. Pelo
registrado em documentos oficiais, verifica-se que, em 1.975, formou-se uma comissão,
cujo objetivo único era realizar reuniões com sujeitos que compartilhassem da ideia de
emancipação político-administrativa da região fronteiriça. Os personagens considerados
idealizadores principais dessa campanha foram: Presidente: Dr. Jorge Roberto dos Reis;
Vice-Presidente: Cunha Fernandes; 1º Secretário: Edson Ormay; 2º Secretário: João
Marques; 1º Tesoureiro: Reinaldo Delekewice; 2º Secretário: Sidélio Antunes;
Conselhos: Geraldo Antonio Lopes; João Vitorino Marques e Alcides Marques.
O ano de 1.975 foi um período de diversas conquistas para a região que
correspondia à Fronteira Rica, dentre elas, destaca-se, em 11 de março, o início da
construção da Escola Estadual João Vitorino Marques, pelo governador do antigo
50
Estado de Mato Grosso, Manuel Fontanillas Fragelli. A instalação da instituição de
ensino estadual atendia alunos de faixas etárias variadas, destaca-se a presença de
alunos brasileiros, paraguaios, brasiguaios e indígenas de etnia guarani-kaiowa e
guarani-ñandeva
De acordo com Freire (2013, p.01):
Em meados dos anos setenta a Escola recebeu um número elevado de alunos
vindos de todos os distritos (...). Eram crianças, jovens e adultos que
utilizando do seu próprio meio de locomoção buscavam um espaço para
concluir o ensino fundamental e poder sonhar com o ensino médio em outras
cidades do estado.
Pelo registrado em documentos oficiais, a escola Estadual João Vitorino Marques
funcionava sob a direção da diretora Iolanda Silveira dos Reis. Segundo Freire (2013,
p.01), a instituição de ensino “funcionava em três períodos atendia cerca de 790
alunos”.
A seguir, as Fotos 12 e 13 sinalizam o início da formação acadêmica para a
população da Vila Fronteira Rica, além de retratar a finalização da construção da Escola
Estadual João Vitorino Marques.
Foto 12. P&B.23
Foto 13. P&B.24
O nome da instituição de ensino se deu em homenagem a João Vitorino Marques,
conselheiro que ganhou destaque, em 1.975, ano de instalação da escola, ao lutar, ao
23
Foto 11. P&B. Frente da Escola de I Grau João Vitorino Marques. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral
Moreira.
24
Foto 12. P&B. Fundos da Escola de I Grau João Vitorino Marques. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral
Moreira.
51
lado de outros lideres, pela independência político-administrativa da Vila Fronteira
Rica/Brasil.
Com base no registrado em documentos oficias (ANEXOS: PARTE I - ANEXO
01), verifica-se que, em 1.975, criou-se o Clube Social intitulado de: “Clube Social
Presidente Dutra”. Mais tarde, esse espaço social, porém privado seria palco para
reuniões entre líderes, além de abrigar diversas festas que alimentavam e
proporcionavam visibilidade regional de danças consideradas típicas de regiões sul e de
fronteira, tais como: arara, polca de carão, chamamé, vanerão, toro candil, xote aos
pares, chupim, palomita, dentre outras.
Barbosa (2014), ao apresentar uma reflexão, à luz da Semiótica Russa da Cultura,
cujo principal precursor é Iuri Lótiman, registra o resgate de danças produzidas no
Estado, consideradas típicas. Para o autor (op. cit), o Grupo Parafolclórico Camalote, na
contemporaneidade, é considerado símbolo representativo da cultura sul-matogrossense, reconhecido nacional e internacionalmente; abordando danças de cunho
popular e danças mestiças, pois nos espetáculos se observa a presença de culturas
diferentes em constante diálogo, sendo elas: brasileiras, paraguaias indígenas,
bolivianas, africanas, árabes, etc. É por esse motivo que o Grupo Parafolclórico
Camalote pode ser considerado como um gerador de códigos de danças multiculturais,
que ora é paraguaio, ora brasileiro, portanto mestiço.
As Fotos 14 e 15, cedidas gentilmente pela Prefeitura Municipal de Aral MoreiraMS, retratam a época equivalente a 1.975, naquele período, a presença de danças típicas
em Vila Fronteira Rica/Brasil era cultivada no “Clube Social Presidente Dutra”.
Foto 14. Cor.25
25
Foto 15. Cor26
Foto 14. Cor. Dança típica da região: Arara. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira.
52
Além de bailes que movimentavam a região de fronteira entre Brasil e República
do Paraguai, o Clube Social Presidente Dutra serviu, também, para eventos voltados a
concursos de beleza, reuniões políticas, casamentos, carnavais e aniversários de
autoridades/líderes de Vila Fronteira Rica/Brasil. Por se tratar de um clube privado, ao
passar do tempo, criou-se carteirinha para os associados que pagavam mensalidades, o
objetivo de pagamento era no sentido de contribuir para a manutenção do clube.
Ainda em 1.975, além da Igreja católica, outras instituições religiosas começaram
a ganhar visibilidade na região de fronteira internacional entre Vila Fronteira
Rica/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, devido ao número
significativo de adeptos à maçonaria, o que resultou na instalação da “Loja” Maçônica
Eduardo Tavares de Matos Filho, nº 36. É importante destacar, aqui, a presença de
crenças religiosas de paraguaios e indígenas guarani-kaiowa e guarani-ñhandeva, por
meio de rituais cultivados hereditariamente.
1.5. A fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento
SantaVirginia/Paraguai, 1.976 a 2014: a efetivação político-administrativa da
região
No dia dois (02) de maio de 1.976 foi aprovado o Plebiscito, cujo objetivo
principal foi a emancipação, oficial, de Vila Fronteira Rica/Brasil. A prevalença do
“sim” transformou em realidade o sonho de independência de muitos moradores da
região. Então, no dia 13 de maio, do corrente ano, pelo Decreto Lei Nº 3686, publicado
no Diário Oficial nº 17.083. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 07), a região que
correspondia à Vila Fronteira Rica/Brasil tornou-se município, obtendo emancipação
político-administrativa e tendo como distritos: Rio Verde do Sul ou Vila Caú e Vila
Marques, antiga Costa Rica, ambos estabelecidos na 1ª Ata Solene. (ANEXOS: PARTE
I. ANEXO 08).
Pelo registrado em documentos oficiais, a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai teve como primeiros moradores brasileiros os
senhores: Afonso Muritz, Afonso Flores, Juvino Fernandes dos Santos e Alferino José
da Costa. Ainda, conforme os documentos oficiais, a mistura interétnica era composta
por povos matogrossenses, gaúchos e paraguaios. Contudo, é importante frisar a
presença do indígena de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva.
26
Foto 15. Cor. Clube Social Presidente Dutra. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira.
53
Segundo relato de um sujeito considerado pioneiro da região, a política
contribuiu, expressivamente, para a emancipação da fronteira de Aral Moreira/Brasil
com o Departamento Santa Virginia/Paraguai:
INF. foi foi foi hoji automaticamenti é Arar Morera trabalhamu usamu a
política pra emancipação ganhamu as pulítica emancipamu u municípiu (4M-C).
Realizada a criação do município, pelo governador José Garcia Neto, (Magalhães,
2011, p.187), colocou-se em questão à discussão do nome que daria à região, recém
emancipada e, que até meados de 1.975, recebera o nome de Vila Fronteira Rica/Brasil.
O critério adotado na seleção de nomes para o recém município foi à necessidade de se
homenagear expoentes da política fronteiriça da época. Com base nesse critério, os
líderes do Movimento Emancipacionista, em 1.976, em homenagem póstuma, julgaram
conveniente intitular a antiga região equivalente à Vila Fronteira Rica/Brasil passar a
chamar de Aral Moreira/Brasil.
De acordo com Trenkel (2009, p.13), o Deputado Federal, senhor Aral Moreira,
destacou-se, principalmente:
...como pecuarista, ervateiro, jornalista e político nessa região, tendo sido
proclamado Deputado Federal em 19.12.1950, com 14,01% dos votos do seu
partido. Faleceu em 6 de novembro de 1952 no Rio de Janeiro e os seus
restos mortais foram transferidos para o Cemitério de Ponta Porã em 2.004.
A partir dessas informações registradas por Trenkel (2009), verififca-se que, Aral
Moreira, tornou-se homem respeitado na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil
com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, motivo que ilustra o fato de a região levar
o seu nome.
Por outro lado, na época de seleção de nomes para o município fronteiriço,
algumas famílias mais antigas da região não concordavam que a antiga Vila Fronteira
Rica/Brasil recebesse o nome de Aral Moreira, visto que:
INF. u dotor Arar Moreira qui era pai du dotor Eraldu trabaiava contra esti
aqui eli num queria essa cidadi aqui
INQ. pur que será?
INF. eli tinha medu qui invadia a deli u Serru Alegri a fazenda deli (1-M-S.
Grifo nosso).
A essa época de 1.976, a fazenda intitulada de “Cerro Alegre” abrigava uma das
maiores extensões territoriais, além de ser uma das mais antigas da região. Tal
localidade abrigava, ainda, um número significativo de paraguaios, que serviam como
54
mão de obra especializada para os grandes proprietários do município recém
emancipado.
Em 22 de março de 1976, com a visita do governador, do antigo Estado de Mato
Grosso, José Garcia Neto, juntamente com a sua comitiva, foi inaugurado o Posto de
Saúde, obteve-se, ainda, a implantação de uma clínica dentária completa de laboratório
e ambulatório, sob o cuidado do Dr. Nilo Drauwer, cujo convênio era com a “Funrural”.
No dia 10 de novembro de 1976 foi inaugurada a primeira Agência Bancária da
fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, o Banco
Bradesco, tendo como gerente, Juares Cassimiro, homem dinâmico e que muito ajudou
no desenvolvimento do comércio e dos lavradores. No dia 15 de novembro, do corrente
ano, foi realizada a primeira eleição. No mesmo ano, além da Escola Estadual João
Vitorino Marques, a região passou a contar com a escola municipal Edwirge Coelho
Derzi, situada na Costa do Ivaró. A escola atendia alunos, principalmente, oriundos do
Distrito de Vila Marques e tinha capacidade para cento e cinquenta (150) discentes.
A essa época, em 11 de outubro de 1.977, o Brasil implantou-se a Lei
complementar nº 31, assinada pelo presidente da República Federativa do Brasil,
Ernesto Geisel,27 que dava conhecimento ao país, a divisão do Estado de Mato Grosso
em dois: Mato Grosso28 e Mato Grosso do Sul. Pelo registrado em documentos oficiais
(ANEXOS: PARTE 1. ANEXO 09), na época de divisão dos Estados, o MT29 ficou
com trinta e oito (38) municípios distribuídos em seis (06) microrregiões, enquanto
MS30 ficou com cincuenta e cinco (55) municípios agrupados em sete (07)
microrregiões.
Ainda em 1.977, no dia 01 de fevereiro, às 10h00min, foi instalado em Aral
Moreira/Brasil a Câmara de Vereadores, com sede no Clube Social Presidente Dutra,
conforme Lei estadual nº 3686, de 13 de maio 1976. A essa época da implantação da
“Casa se Leis” do município fronteiriço, os componentes eram compostos por:
Presidente: Luís Lopes da Silva; Vice-Presidente: Bento Marques Neto; 1º Secretário:
Augusto Alberto Blender; 2º Secretário: Geraldo Antonio Lopes; Vereadores: José
Nunes Ferreira; Suplentes: Alcides Marques.
27
Foi um dos que mais trabalhou para a Divisão dos Estados de Norte e do Sul foi o coronel Ernesto
Geisel, sendo por isso, condecorado como cidadão de Mato Grosso do Sul, ao estado ter completado sete
anos.
28
O Mato Grosso, na época da divisão, tinha como governador o senhor Cassio Leite de Barros, natural
de Corumbá, portanto um sul-mato-grossense.
29
Mato Grosso.
30
Mato Grosso do Sul.
55
É instituído, pela Lei nº 26, de 25 de agosto de 1.977, o Brasão do município de
Aral Moreira/Brasil, elaborado pelo professor Arcinoé, com a predominância das cores:
verde, amarelo, vermelho e branco.
Para melhor visualização, veja a Figura 16, a seguir:
Figura 16. Cor. Brasão do município de Aral Moreira. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral
Moreira.
Ao realizar breve leitura da bandeira, verifica-se que as torres evidenciam
representar o poder municipal iluminado pela cor vermelha, símbolo do amor pátrio, a
cor prata pode se referir ao trabalho, à prosperidade e a pureza. A cabeça do boi e a tora
de madeira evidenciam fazer alusão às atividades econômicas do município, tais como:
a pecuária e a indústria extrativista de madeira existente na época da criação do
município. Já a cor preta, usada no escudo, referencia a austeridade, a prudência, a
sabedoria, a moderação e a firmeza de caráter. O verde representa a primeira atividade
econômica do município, que era a erva-mate dando origem ao povoado que
consequentemente cresceu e se emancipou. Os ornamentos exteriores: o feijão, a soja e
o arroz, representam os produtos oriundos da terra dádiva férteis, que contribuem para o
desenvolvimento econômico do município. No listel vermelho consta a data da
emancipação, 13 de maio de 1977, e o topônimo identificador, Aral Moreira.
56
Ainda em 1.977, verifica-se outro símbolo municipal, elaborado pelo professor
Arcinoé, a bandeira de Aral Moreira, conforme se pode observar na Figura 02:
Figura 17. Cor. Bandeira do município de Aral Moreira. Fonte: Prefeitura municipal de Aral Moreira.
Nota-se que a bandeira tem forma retangular, conforme a tradição herdada dos
portugueses. A parte verde evidencia as propriedades rurais, a honra, a civilidade, a
cortesia, à alegria e à abundância copiosa da colheita. Já a parte branca faz alusão à paz,
à amizade, ao trabalho, à prosperidade, à pureza e à religiosidade. É marcada por uma
cruz vermelha lembrando o simbolismo do espírito cristão (católico) de seu povo.
Verificam-se, ainda, no centro, o brasão, e por trás o círculo branco, ambos
representando a sede do município.
Em meados de 1.977, foi elaborado, ainda, pelo professor Nelson Biasoli31,
obedecendo ao Decreto de Lei nº 4545, de 31 de julho de 1.942, com relação ao Hino
Nacional. O hino de Aral Moreira/Brasil tem a sua letra com destaque os desbravadores
e colonizadores do nosso município, além de enaltecer o amor-pátrio por esta “Terra
Querida”, citado no hino.
A seguir, pode-se observar o hino de Aral Moreira/Brasil, em fragmentos
comentados.
31
É autor de mais de 500 composições musicais (letra e música) sendo considerado recordista mundial na
criação de hinos.
57
Estribilho:
Salve, salve minha gente tão querida.
Salve, Salve o trabalho e a União.
Amarei Aral Moreira por toda vida
“Primeiro Grito de Civilização”
Na primeira estrofe do hino, pode-se observar a presença marcante da interjeição
“Salve”, que funciona no início do Hino como saudação a “Gente de Aral Moreira”,
atribuindo-lhes característica de “querida”. Isso evidencia, ainda, o traço marcante desse
povo, hospitaleiro, possível a qualquer turista notar o acolhamento afetuoso. A
interjeição “Salve” também ratifica saudação ao trabalho, desde os primórdios, com o
Ciclo da Erva-Mate, a Extração de Madeira, o Cultivo de Café e, na
contemporaneidade, o destaque abundamente da Agropecuária.
O trecho “Amarei Aral Moreira por toda vida; Primeiro Grito de Civilização”
pode evidenciar o “grito de independência” político-administrativo do município de
Aral Moreira, destacado com o recurso “entre aspas”, justamente devido à
intertextualidade alusiva ao contexto histórico brasileito vivenciado em 1.822, com o
Grito de Independência do país. No hino, grita-se a independência políticoadministrativa do município de Aral Moreira, que até o momento era distrito de Ponta
Porã/Brasil.
Rio Verde antigo: Fronteira Rica
Brilha a estrela no infinito céu azul
És orgulho desta Pátria Bendita
És Brasil, és Mato Grosso do Sul
Uma vez realizado o cumprimento à população aralmoreirense, por meio da
interjeição “Salve”, exemplificada na primeira estrofe do hino. A segunda estrofe traz à
tona a localização do município, sendo uma cidade, Aral Moreira, do Estado de Mato
Grosso do Sul, do país Brasil.
O Rio Verde do Sul (1.883 a 1.940), citado no hino, faz referência ao primeiro
nome da região que, de acordo com os depoimentos com sujeitos considerados
pioneiros da região em foco e levantamentos bibliográficos, o território que forma o
atual município de Aral Moreira foi, pela primeira vez, explorado no fim do século
XIX, com a fixação de gaúchos e paulistas, dentre eles, Tomás de Laranjeira.
É fundamental reafirmar a presença, no antigo território denomidado de Rio
Verde do Sul, de indígenas de dois subgrupos, quais sejam: Guarani-kaiowa e guaraniñandeva. Além disso, é importante destacar a presença de sujeitos de ascendência
58
paraguaia que, por se tratar de uma região, geograficamente, privilegiada, fez com que a
mescla entre povos brasileiros (matogrossenses e gaúchos), paraguaios e indígenas
(guarani-kaiowa e guarani-nandeva) tornasse a região com povos de nacionalidades
diferentes, portanto, uma região de fronteira entre Brasil e República do Paraguai
singular.
Outro apecto a ser destacado é a varidade de nomes que o atual município de Aral
Moreira e alguns distritos receberam durante todo seu desbravamento histórico.
Contudo, o hino apresenta dois nomes, considerados significativos, quais sejam: o “Rio
Verde do Sul” e a “Vila Fronteira Rica”. O primeiro nome pode fazer alusão ao Rio
Verde, que deságua no Rio Paraná, que banhava todo o antigo estado de Mato Grosso,
atual Mato Grosso do Sul. Embora o Rio Verde não seja navegável, no período de
ocupação, os rios serviam, também, como referência de território.
Além das designações apresentadas no hino, “Rio Verde do Sul” e “Vila Fronteira
Rica”, o atual município de Aral Moreira/Brasil recebeu o nome, por muito tempo, de
“Colônia General Dutra” (1.940 a 1.975). De acordo com pesquisas exaustivas
realizadas pelo presente autor, há a possibilidade de que ambos os nomes – “Vila
Fronteira Rica” e “Colônia General Dutra” – foram usados em épocas similares,
portanto, em consonância. Por fim, numa sequência toponímica têm-se os seguintes
nomes em ordem diacrônica: Rio Verde do Sul; Colônia General Dutra, em
consonância, Vila Fronteira Rica e Aral Moreira.
Estribilho:
Salve, salve...
Campo de gado e matas douradas
Planalto de progresso e esplendor
Cultiva a planta da felicidade
Colhe a semente do amor.
A terceira estrofe do hino inicia com a saudação às terras férteis do próspero
município de Aral Moreira/Brasil, bem como a abundância no setor agropecuário, o que
confirma sua importância para a economia da região. No trecho: “Cultiva a planta da
felicidade”, pode-se fazer analogia à Lenda do antigo oriente, de uma árvore mágica
(Planta da Felicidade ou Árvore da Felicidade), cuja premissa dizia trazer felicidades e
realizações a todos que passassem por Ela.
Já a passagem: “Colhe a semente do amor”, observa-se a alusão que o hino faz,
especificamente, ao homem do campo, de modo geral, independente de sua posição
social, política, religiosa, ideológica, dentre outras; com relação ao progresso do
município de Aral Moreira/Brasil.
59
Estribilho:
Bis
Salve, salve...
Deus doutou-a de tanta beleza
Este meu torrão natal
Que nem canta um poeta
E nem sonha um mortal
A quarta estrofe do hino também é iniciada com a interjeição “Salve”,
evidenciando, agora, o amor de Deus para/com a região em questão e o estendendo aos
ahbitantes do município de Aral Moreira/Brasil, dotada de tamanha beleza “que nem um
poeta” é capaz de descrevê-la e que nem um mortal é capaz de sonhá-la. É importante
destacar, ainda, que a estética da cidade de Aral Moreira apresentada no hino, é uma
beleza incomparável, admirável e indescritível. Por esse motivo, não a descrevemos,
mas sentimos.
Entrelaçamento de raças gigante
Povo audaz valente destemido
Forte gentio, heróicos brasiguaios,
São todos teus filhos
Oh! TERRA QUERIDA.
A última estrofe do hino reafirma a miscigenação social, cultural, étnica, religiosa,
dentre outras; existente na fronteira de Aral Moreira/Brasil com a República do
Paraguai, especificamente, com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. A estrofe
caracteriza, ainda, o povo aralmoreirense como “audaz”, “valente”, “destemido”,
“forte”, “gentio”, “heróico” e “brasiguaio”. Ou seja, povo guerreiro, ousado e dentre
outros adjetivos que seguem a ideia da designação, do ponto de vista da sinonímia. É
importante destacar que a unidade lexical: “Brasiguaio”, reitera a noção de mescla
populacional do município de Aral Moreira/Brasil, como: os brasileiros, os paraguaios,
os indígenas, que juntos compõem uma fronteira entre Brasil e República do Paraguai
única, singular, com traços peculiares.
A estrofe reafirma, também, a influência que a regiã de Aral Moreira sofreu no
decorrer dos anos, com a presença de “povos mestiços32”, advindos de outras regiões do
Estado, do país, e inclusive do país vizinho, a República do Paraguai. Dentre as
inúmeras influências, destacam-se: a culinária, como o arroz de carreteiro, o churrasco,
a sopa paraguaia, a cuca, o vori-vori, dentre outras comidas que desenha, a cada
32
Povos mestiços: Expressão entendida, aqui, como a mistura social, étnica, cultural, religiosa e
ideológica entre povos de “nacionalidades” diferentes que habitam uma região de fronteira entre dois
países.
60
amanhecer, a identidade culinária da região. A bebida, como o tereré33, o chimarrão e o
vinho. A dança, como o vanerão, o chamamé, a Katchaka, o Catira, dentre outras. Além
de danças, genuinamente, de rituais indígenas.
Nota-se, ainda, a influência no aspecto linguístico, com a presença de línguas
como: o português, o espanhol, e a junção das duas, que equivale ao termo “portunhol”.
(prefixo “portu” equivale à língua portuguesa. Já o sufixo “nhol” é referente à língua
espanhola). A mistura da língua espanhola e da língua guarani equivale ao “jopará”.
Observam-se, também, as variantes linguísticas distribuídas entre padrão e não-padrão.
Portanto, verifica-se que a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai é um universo composto pelo mosaico social, cultural, identitário,
religoso, linguístico, ideológico, dentre outros; resultando numa situação mesclada,
misturada, portanto, híbrida.
Ainda na última estrofe do hino, o trecho: “São todos teus filhos. Oh! TERRA
QUERIDA,” nota-se alusão aos povos fronteiriços de varidade étnica que compõe a
fronteira pirotesca e “rurbana34” de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai. Desse modo, reafirma, que indepente de cor, raça, credo, dentre
outros; são todos filhos do município de Aral Moreira/Brasil.
Realizado a apresentação do hino, por meio de fragmentos interpretativos,
verifica-se, pelo registrado em documentos oficiais que, em 1.977, realizou-se o
empossamento dos vereadores. Na ocasião, ficou estabelecido que o Presidente da
Câmara Municipal de Aral Moreira/Brasil deveria assumir a Prefeitura enquanto não
houvesse a definição, efetivamente, para a comuna. Considerando a orientação, o
vereador Luiz Lopes da Silva foi empossado no cargo de Prefeito Interino do município.
(ANEXOS: PARTE I. ANEXO 08). Posteriormente, no dia 17 de fevereiro de 1.977,
Jaime Marques assumiu a prefeitura, também na qualidade de prefeito interino. E assim,
a administração política do município de cidade de Aral Moreira/Brasil ia ganhando
formato.
Com a divisão do estado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, em 11 de
outubro de 1.978, foi escolhido, pelo povo sul-mato-grossense, os deputados que
formaram a Primeira Assembleia Constituinte. Ainda na década de 78, devido ao grande
33
Bebida feita com a infusão da erva-mate consumida com água, limão, hortelã, entre outros.
Diferentemente do chimarrão que é feito com água quente, o tereré é consumido com água fria,
resultando em uma bebida agradável e refrescante.
34
“rurbana”, termo entendido aqui como o continunn entre rural ao urbano, citado em trabalhos de Stella
Maris Bortoni-Ricardo.
61
fluxo de veículos e maquinários utilizados na pequena extração de madeira e na grande
produção de soja, foi instalado o primeiro Posto de Combustível intitulado de:
“Ipiranga: Auto Posto Fronteira LTDA”, cujo proprietário era Irineu Domingos Soligo,
migrante gaúcho.
A foto 13, a seguir, revive a instalação do Posto de Combustível, popularmente
conhecido como “Ipiranga”. A foto ainda ilustra o momento que pode ser caracterizado
como o “divisor de águas” entre o fim da extração de madeira e o início da
agropecuária.
Foto 18. Cor. Primeiro Posto de Combustível: Ipiranga - Auto Posto Fronteira LTDA. Fonte: Marciéli
Marluci Trenkel.
Enquanto a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai ia se evoluindo e ganhando formato de cidade, no dia 01 de janeiro de
1.979, após a eleição de deputados para compor a Assembleia Constituinte, os
deputados tomaram posse35, perante o primeiro governador do Estado de Mato Grosso
do Sul, Harry Amorim Costa, natural do Rio Grande do Sul, radicado em Campo
Grande, capital do Norte do Estado. Um dos atos do primeiro governador de MS foi à
criação da Bandeira do Estado, pelo decreto nº 1, de 1º de janeiro de 1.979. A bandeira
foi elaborada por Mauro Miguel Munhoz, e juntamente foi oficializado o Hino de Mato
35
Os deputados que tomaram posse foram: posse Londres Machado (Presidente); Cecílio de Jesus Caeta
(1º vice-presidente); Walter Benedito Carneiro (2º vice-presidente); Horácio Cerzósimo de Souza (1º
secretário); Waldomiro Alves Gonçalves (líder da arena); Sergio Manuel da Cruz (líder do M.D.B);
Alberto Cubel Bruel; Ary Rigo; Osvaldo Ferreira Dutra; Paulo Roberto Capibaribe Saldanha; Ramx
Tebet; Rodel Espindola Trindade; Zenobio Neves dos Santos; Odilon Massahitsi Nacasato; Onevam José
de Matos; Roberto Noaccar Orro e Sultan Rassian.
62
Grosso do Sul, com música de Radamás Gnattali, letra de Jorge Antonio Siufi e Otávio
Gonçalves Gomes. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 09).
Em Aral Moreira/Brasil, no dia dezessete (17) de fevereiro de 1.979, o segundo
prefeito do município, Jaime Marques, deixava o cargo, que passou a ser assumido,
somente em 05 de julho do corrente ano, pelo Bento Marques, que ficou à frente da
prefeitura por um curto período, atuando como Prefeito Interino até cinco (05) de
outubro de 1.979.
Pelo registrado em documentos oficiais (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 10),
assinado pelo quarto (4º) Prefeito de Aral Moreira, dessa vez, nomeado através do Ato
Governamental de 05 de outubro de 1.979, Rômulo Lolli Ghetti, verifica-se que, a
época equivalente a 1.979, a população era de aproximadamente dezenove mil e cem
(19.100 habitantes), sendo dez mil e oitocentos (10.800) na zona rural, e oito mil e
trezentos (8.300) na área urbana. Com base nos dados estatísticos, nota-se que esse
período foi o mais populoso.
Os meios de Comunicação, da época de 1.979, eram principalmente: Viação
Fronteira, empresa de ônibus responsável pelo deslocamento dos sujeitos que residia em
Aral Moreira/Brasil a outras localidades, o telefone e o rádio de polícia.
Ao que se refere à base econômica, em 1.979, de acordo com os documentos
oficiais consultados, a Agricultura era atividade predominante. Dessa forma, a região
produzia com abundância a soja, o arroz, o milho, o feijão e o trigo. Embora o destaque
de atividade seja dado à agricultura, não se pode deixar de mencionar a pecuária,
caracterizado por um expressivo rebanho bovino.
Enquanto a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai ia ganhando progresso e visibilidade regional, no que se refere ao
contexto macro de Mato Grosso do Sul, em 07 de setembro de 1.980, tomou posse,
nomeado pelo Presidente da República, o novo governador do Estado de MS, Pedro
Pedrossian, que governou até 15 de março de 1.983, optando pela regionalização do
desenvolvimento.
Após a divisão do Estado de Mato Grosso em dois, Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul, o Estado ia se configurando, principalmente, no aspecto político-administrativo.
No que diz respeito ao contexto micro, em 1.980, o município de Aral Moreira/Brasil já
contava com duas (02) Escolas Estaduais, sendo elas: Escola Estadual João Vitorino
Marques e Escola Estadual Doutor Fernando Corrêa da Costa.
63
Em 1.982, na administração do prefeito Rômulo Lolli Ghetti, o município de Aral
Moreira/Brasil passou a contar uma (01) Praça Pública Central, intitulada de “Felisberto
F. Marques”. Além disso, a região passou a contar com uma (01) Biblioteca Pública
Central instalada dentro da Praça Felisberto F. Marques. O objetivo de instalação da
Praça e da Bibliteca Pública Central era o de auxiliar os alunos e demais membros da
comunidade de fronteira em pesquisas e leituras em geral, contribuindo, assim, para a
formação da população leitora.
As Fotos 19 e 20, a seguir, apresentam e rememoram, por meio da imagem, a
solenidade de inauguração da Praça e Biblioteca Pública Central, em meados de 1.982.
Foto 19. Cor.36
Foto 20. Cor.37
Em 1.984, a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai já tinha evoluído bastante, porém, ainda, carecia de recursos
indispensáveis para a continuação de seu progresso, como, por exemplo, estradas.
A seguir, a reprodução de uma entrevista realizada com um sujeito considerado
pioneiro da região apresenta e revive, via-memória, a ausência de estradas em Aral
Moreira/Brasil, bem como suas consequências:
INF. teve uma época que nóis fiquemo ilhado aqui em 84 nem poraqui nem
poraqui ia pra Ponta Porã cê tinha que i te uma artura cê ia te ali o Rincão de
Julho e vinha um ônibus até uma artura dela cê andava de a pé mais o meno
um quilômetro e poco e pegava outro ônibus pra i pra Ponta Porã e poraqui
num passava ali na fazenda São Paulo meteu aguá ali era tudo chão né num
passava na época foi um Deus nus acuda já pensô poco recurso” (5-M-C).
36
Foto 19. Cor. Solenidade de Inauguração da Praça Felisberto F. Marques. Fonte: Secretaria Municipal
de Educação de Aral Moreira.
37
Foto 20. Cor. Interior da Biblioteca Pública de Aral Moreira. Fonte: Secretaria Municipal de Educação
de Aral Moreira.
64
Em 1.986, o município de Aral Moreira/Brasil já possuía em sua jurisdição os
distritos de Rio Verde do Sul e Vila Marques, com área total de aproximadamente 1.851
km. É interessante destacar que, na época, o distrito de Vila Marques já contava com a
“Associação Comunitária de Vila Marques - ASSOVIMA”, localizada na Rua Manoel
Ramos, número 252. De fato, a Associação entre produtores rurais de Vila Marques
gerou grande visibilidade no setor Agropecuário, automaticamente, contribuindo para o
desenvolvimento do município de Aral Moreira/Brasil.
No ano de 1.987, cerca de cinquenta (50) indígenas, de etnia guarani-kaiowa e
guarani-ñandeva, que viviam na República do Paraguai, passaram a frequentar,
constantemente, as regiões próximas ao Rio Verde. Eles saíam do Cerro XXI,
localizado no Departamento Santa Virginia/Paraguai e subiam até as margens do Rio
Verde. Em pouco tempo, fixaram uma aldeia, porém não reconhecida, oficialmente,
como parte do município de Aral Moreira/Brasil. O motivo de emigração indígena, das
etnias acima mencionadas, dava-se devido à busca de caça e pesca, e, a região ocupada,
na época, ficava a margem do Rio Verde, o que contribuía, significativamente, para a
pesca, além de outras questões próprias da subsistência indígena.
A relação entre alguns políticos de Aral Moreira/Brasil com os indígenas de etnia
guarani-kaiowa e guarani-ñandeva não era harmoniosa. Conforme relato de um sujeito,
considerado pioneiro da região, em 1.987, alguns governantes da cidade de Aral
Moreira/Brasil não gostavam da “ocupação” indígena.
INF. na épuca du Seu Geraldu nóis tentemu acaba cum aquela ardeia lá aí
levaram tudu os indiu imbora tinha assim tipu cincuenta indiu levaram tudu
imbora aí u: Geraldu falou pra mim i cum as maquina lá i tranca as istrada du
Guassuty pra essis índiu num vortá falei Seu Geraldu issu num ixisti índiu
num anda pela istrada índiu anda de a pé a::: num deu otra fomu com as
maquina na istrada nu otru dia nóis inxerguemu uma fumacinha i já tarram
tudu lá dentro aí qui issu foi em oitenta i seti nessa época nóis tava briganu
pra tira eles qui u Gerlado fico até noventa i treis aí: elis entraram i num
saíram mais/tomaram conta da fazenda aí tiveram que dá pra elis um pedaço
di terra elis teim novicentus hequitari quatru fazenda num sei di quem era a:
fazenda só sei qui era quatru donu issu foi im oitenta i seti em dianti tirava
elis vortava tirava i elis vortava ai elis entraram e num saíram mais (5-M-C.
Grifo nosso).
No excerto acima, verifica-se, nitidamente, a resistência de índios guarani-kaiowa
e guarani-ñandeva, diante da posição adotada de alguns governantes do município de
Aral Moreira/Brasil e de alguns líderes da região. Portanto, o período que equivale a
1.987, pode ser considerado o momento de confronto entre culturas diferentes,
65
decorrente do contato entre sujeitos indígenas e não-indígenas, cujo um dos objetivos
era a “apropiação” de terras.
Em 1.989, a produção de soja, de milho, de farinha, dentre outras atividades
relativas à agricultura, foi abundante. Em virtude da grande produção agrícola, os
produtores realizaram um Projeto Solidário chamado de “Natal do Carente”.
As fotos 21 e 22, a seguir, ilustram e rememoram, por meio da imagem, o Projeto
Solidário intitulado de: “Natal do Carente”, em meados de 1.989.
Foto 21. Cor.38
Foto 2239
O Projeto intitulado “Natal do Carente” foi um movimento cujo objetivo principal
era o de doar brinquedos e alimentos (milho, batata, farinha, dentre outros) produzidos
pelos produtores rurais, que, de alguma forma, servia como alimento para as
comunidades mais carentes da região. Dentre essas comunidades desprovidade de
alimento, curiosamente, destacavam-se alguns sujeitos oriundos do Departamento Santa
Virginia/Paraguai, além de alguns indígenas de etnia guarani-kaiowa e guaraniñandeva.
Ainda em 1.989, porém já na administração do sétimo prefeito de Aral Moreira,
Geraldo Antonio Lopes, e, devido ao avanço significativo da Agropecuária na região,
foi criada a Primeira (1ª) Festa do Peão Boiadeiro. O Evento contava com o apoio do
Correio Popular, do Sindicato Rural e da Prefeitura Municipal de Aral Moreira/Brasil.
A respeito da Festa do Peão Boiadeiro de Aral Moreira/Brasil, Sampaio (2006, p.211),
registra que a Evento era constituído de “três dias, no mês de setembro, com rodeios,
shows e barracas com comidas típicas da região”.
38
Foto 21. Cor. Projeto: Natal do Carente em Aral Moreira/Brasil. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral
Moreira.
39
Foto 22. Cor. Projeto: Natal do Carente em Aral Moreira/Brasil. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral
Moreira.
66
As fotos 23 e 24, a seguir, retratam e revivem, por meio da imagem, a Primeira
(1ª) Festa do Peão Boiadeiro de Aral Moreira/Brasil, fruto do reconhecimento e da
expansão agropecuária da região fronteiriça.
Foto 23. Cor.40
Foto 24. Cor41
A Foto 17 retrata e rememora o primeiro Concurso de Beleza da região, realizado
durante a Primeira (1ª) Festa do Peão Boiadeiro de Aral Moreira/Brasil. O Concurso
elegia e premiava as seguintes categorias: a Rainha da festa, a primeira (1ª) Princesa e a
segunda (2ª) Princesa. O concurso pode ser considerado o marco inicial para outros
concursos de beleza, realizados posteriormente, como: Garota Regional; Miss Aral
Moreira; Garoto e Garota João Vitorino Marques; Garota Vila Marques e Rainha de
Festijum42. Certamente, esses concursos de beleza atraíam pessoas de cidades
circunvizinhas, o que contribuiu para que a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai ganhasse, ainda mais, visibilidade regional.
Passado alguns anos, em 1.992, curiosamente, a Aldeia Guassuty foi oficialmente
reconhecida. No entanto, é importante destacar que, por muito tempo, a população, de
etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva, ficou alojada na Àrea indígena Limão
40
Foto 23. Cor. Cartaz da 1ª Festa do Peão Boiadeiro. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira.
Foto 24. Cor. Rainha; 1ª Princesa e 2ª Princesa da 1ª Festa de Peão Boiadeiro. Fonte: Prefeitura
Municipal de Aral Moreira.
42
Festijum era uma festa junina promovida pela Prefeitura Municipal em parceria com todas as
instituições de ensino de Aral Moreira.
41
67
Verde,43” aguardando a decisão do Ministério da Justiça, retornando à área equivalente
à Aldeia Guassuty em dezembro de 1992.
Após o retorno da população indígena, de etnia guarani-kaiowa e guaraniñandeva, Segundo Matoso (2006, p.12), “a população kaiowa da área indígena
Guassuty é de 350 pessoas, são subgrupos do Tronco Tupi Guarani e habitam uma área
de 958 hectares”.
Ainda em 1.992, com o objetivo de incentivar a diversificação da produção, com o
apoio da Prefeitura Municipal e do Departamento Municipal de Agricultura de Aral
Moreira/Brasil, foi criado o Projeto intitulado: “Feira do Produtor”.
As Fotos 25 e 26, a seguir, ilustram e reconstrói, por meio da imagem, outra
época, considerado pertinente para a agricultura da fronteira de Aral Moreira/Brasil com
o Departamento Santa Virginia/Paraguai.
Foto 25. Cor.44
Foto 26. Cor.45
Segundo a fala de alguns informantes, considerados pioneiros da região em foco,
ao período equivalente a 1.992 havia um projeto denominado: “Feira do Produtor”, que
visava incentivar a diversificação da produção de pequenos produtores rurais que
residiam na fronteira do Brasil com a República do Paraguai. A Feira era composta por
barracas de madeiras e lonas de caminhão no centro da cidade de Aral Moreira/Brasil.
Dentre os produtos comercializados, destacavam-se: a mandioca, o arroz, o milho, o
café e a erva-mate.
43
Embora oficialmente seja registrada com o nome de Aldeia Limão Verde, sabe-se que a Aldeia também
conhecida como Aldeia de Amambai. A área indígena fica na cidade de Amambai, no Estado de Mato
Grosso do Sul.
44
Foto 25. Cor. Placa do Projeto intitulado: “Feira do Produtor”. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral
Moreira.
45
Foto 26. Cor. Feira do Produtor em Aral Moreira/Brasil. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira
68
É importante mencionar que, atualmente não há mais a manutenção dessa tradição
da Feira do Produtor, porém há a celebração, todos os anos, do “Dia de Campo”, cujo
objetivo é a reunião de produtores rurais de Aral Moreira/Brasil e regiões
circunvizinhas, a fim de discutir e compartilhar experiências, específicas da área
Agropecuária.
Pelo registrado em documentos oficiais, cedidos pela Prefeitura Municipal de Aral
Moreira, já em 1.996, a estimativa da população aralmoreirense era de,
aproximadamente, 7.082 habitantes. Em virtude ao número de habitantes que residiam
na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai, em maio, de 1.990, inaugurou-se a Escola Municipal Rural intitulada
de: “Homero Dutra”, cujo intuito era o de proporcionar o ensino básico aos alunos de
zona rural.
Após a independência político-administrativa da cidade de Aral Moreira/Brasil, o
município passou a investir, rigorosamente, em solenidades cívicas, como: desfile na
Semana da Pátria e no Aniversário de Emancipação Político-Administrativa da cidade;
manutenção da Fanfarra Municipal; e no constante hábito de cantar o hino nacional, seja
na Praça Pública Central, nas Escolas Públicas ou em frente à Prefeitura Municipal de
Aral Moreira/Brasil.
A título de ilustração e reconstrução de Atos Cívicos na região, observe, a seguir,
as Fotos 27 e 28.
Foto 27. Cor46
Foto 28. Cor47
Durante as Solenidades Cívicas, principalmente, na Semana da Pátria que
comemora a Independência do Brasil, a Fanfarra Muncipal se apresentava para as
autoridades (Foto 17). Os alunos, da Rede Pública Municipal e Estadual, também
46
Foto 27. Cor. Fanfarra Municipal de Aral Moreira. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira.
Foto 28. Cor. Solenidade Cívia na Praça das Cuias em Aral Moreira/Brasil. Fonte: Prefeitura Municipal
de Aral Moreira.
47
69
participam de tal Ato, geralmente, realizado na Praça Pública Central, intitulada de
“Praça das Cuias”. (Foto 18).
O Desfile Cívico em comemoração à Independência do Brasil acontecia no dia
sete (07) de setembro, na Rua trinta e um (31) de março. O Ato Cívico contava com a
presença das instituições de ensino (Municipal e Estadual) Fanfarra Municipal de Aral
Moreira/Brasil, Fanfarra de Ponta Porã/Brasil, Agentes de Saúde, Polícia Militar, o
Exército local e o de Ponta Porã. No Ato Cívico, eram hasteadas e arriadas por
autoridades da região, como: Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores, as bandeiras do
município de Aral Moreira, de Mato Grosso do Sul e do Brasil.
Curiosamente, Barbosa, ao realizar breve análise interpretativista sobre o hino do
município de Aral Moreira/Brasil, registra que, em 2.014, foi “aprovado pelos
vereadores da Câmara Municipal da região em questão, a Lei que torna obrigatória a
execução do hino da cidade em escolas e demais eventos de caráter cívico”
(BARBOSA, 2014, p.01). Ou seja, somente após trinta e nove (39) anos de
independência político-administrativa, torna Lei e reconhece que cantar o hino é, antes
de tudo, honrar, adorar, invocar um acontecimento histórico, cultivando a identidade e a
história (ambas em construção) de um povo.
Na contemporaneidade, a comunicação entre a fronteira de Aral Moreira/Brasil
com o país vizinho, República do Paraguai, faz-se diariamente com o trânsito de
indivíduos ou de veículos por suas ruas interligadas, ou através das emissoras de rádio e
jornais que circulam, levando informação aos habitantes locais, uma interação e
convivência como se fosse uma única cidade.
Fernandes (2005, p. 185), ao apresentar um estudo relativo ao “Proyecto Escuela
de Frontera Brembatti Calvoso/Brasil y Escuela nº290 Defensores dol Chaco/Paraguai”,
da fronteria seca de Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan Caballero/Paraguai, pondera que
cruzar a fronteira é:
“para nós aqui é apenas atravessar a rua, não podemos esperar que deixe do
outro lado sua cultura, seus costumes, sua língua materna, enfim sua
identidade. Deste modo, qualquer turista poderá observar a cultura brasileira,
paraguaia, indígena, de imigrantes, de povos minoritários, atravessando a
fronteira diariamente, por diversos motivos, necessidade de comunicação,
comércio, emprego, dentre outros.”
Além disso, outro traço se mostra peculiar da fronteira de Aral Moreira/Brasil
com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, que é a forte presença de hortaliças e
pomares frutíferos nas residências dos sujeitos que habitam essa região fronteiriça. A
70
partir do olhar etnográfico se verifica nas casas residenciais pequenas hortas, em sua
maioria, situadas ao fundo dos terrenos, com a presença do famoso “cheiro verde”48,
utilizado, também, para temperar a comida diária e fazer remédios caseiros, em prol do
bem estar da saúde da população do município. Não só as hortaliças, mas também se
observa nessa região, os pomares frutíferos, utilizados para fazer sucos naturais e
xaropes.
Barbosa (2012, p. 22-3) afirma que “esse hábito de plantar árvores frutíferas e
hortaliças, dentro aos fundos dos terrenos de casas residenciais, talvez seja uma tradição
hereditária, vinda de pessoas mais velhas”, em outras palavras, pelos colonizadores da
região. Dessa maneira, pode-se classificar essa pequena produção de pomares frutíferos
e hortaliças, como de agricultura familiar, ou seja, aquela que não visa fins lucrativos.
Quanto ao clima da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai, Sampaio (2006, p. 209) ressalta que o clima é: “Tropical Úmido,
com um a três meses secos. O total médio anual de pluviosidade é de 1.600 mm, com as
chuvas concentradas no período de setembro a abril”. Desse modo, graças à sua
localização, na fronteira internacional entre o Brasil e a República do Paraguai em foco,
há duas estações bem definidas, sendo elas: inverno seco e verão chuvoso.
Ainda com relação ao clima de Aral Moreira/Brasil e do Departamento Santa
Virginia, é importante mencionar que o clima é distinto de maior parte do Estado de
Mato Grosso do Sul, tornando-se possível a qualquer viajante perceber a diferença na
temperatura que no inverno ou no período chuvoso, a fronteira em questão fica coberta
por intensa neblina, o que torna difícil a visibilidade dos motoristas, exigindo desses,
maior cuidado no trânsito para evitar acidentes.
Em se tratando de economia, tanto a cidade de Aral Moreira/Brasil quanto o
Departamento Santa Virginia/Paraguai é movida pela Agricultura e a Pecuária
(Agropecuária). Silva (2007, p. 20-1) considera que:
O município desenvolve as atividades de pecuária e agricultura. No caso da
pecuária o rebanho componente do Município de Aral Moreira é composto de
gado de leite e de corte, destacando entre o rebanho bovino as raças de: Giro
Nelore e Holandês, motivado pelo excelente clima e as propicias pastagens
existentes na região. (2007, p. 20-1)
Pode-se afirmar que, atualmente, grande parte da economia do município de Aral
Moreira é movimentada pelas atividades desenvolvidas na área rural, através da criação
48
Consiste na mistura de salsinha, cebolinha, manjerona e outros temperos verdes.
71
de gados, geralmente no país vizinho: República do Paraguai. Tendo em vista o número
significativo de rebanhos bovinos na região fronteiriça, todo ano, especificamente no
mês de maio, é realizado a Festa da Padroeira, pela Igreja Católica. O evento conta com
Leilões de gados, doados por brasileiros, moradores da cidade, que possuem seu
rebanho bovino em fazendas localizadas na República do Paraguai.
Diante da realidade socioeconômica, dos aspectos históricos e geográficos da
fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, o que
podemos dizer dos aspectos culturais? Como explicar o prazer de tomar o tereré ou
comer uma chipa paraguaia? Não são apenas os paraguaios que gostam dessa culinária.
E quanto aos ritmos musicais? Quem não gosta de dançar kachaka, polca, vanerão ou
sarandeiro? Como se nota no cotidiano de sujeitos radicados na fronteira, o gosto pela
culinária, pela dança ou pela música é comum entre os dois povos. (brasileiros e
paraguaios).
Ainda na contemporaneidade, a população aralmoreirense é formada por uma
considerável variedade étnica, contudo, a união dos habitantes, geralmente rurais, da
fronteira entre o Brasil e a República do Paraguai em foco merece destaque, uma vez
que costumes e hábitos ultrapassam os “limites fronteiriços”, do ponto de vista
geopolítico, seja na dança (vanerão, kachaka, chamamé, polca), na bebida (tereré), na
culinária (sopa paraguaia e chipa) ou na música (boleros e polca paraguaia) que já
chegaram a outros Estados do Brasil, como Mato Grosso.
Na pequena cidade do interior de Mato Grosso do Sul é comum ver as pessoas nas
rodas de tereré, conversando em frente as suas casas residenciais ou de amigos, bem
como em locais públicos, como Praças Públicas Centrais, Ginásio Poliesportivo, dentre
outras localidades. O olhar etnográfico nos proporciona a afirmar que, em sua maioria,
verifica-se que as famosas “Rodas de Tereré” são encontradas no fim de tarde, horário
em que grande parte da população aralmoreirense encerra o expediente de trabalho.
Ao considerar os aspectos educacionais, verifica-se que, atualmente, o município
de Aral Moreira/Brasil conta com três (03) Escolas Públicas Estaduais, sendo uma delas
no Distrito de Vila Marques, quatro Escolas Públicas Municipais, distribuídas entre os
distritos de São Luís, Rio Verde do Sul e Vila Marques. Além disso, a região conta com
uma escola indígena, localizada na aldeia Guassuty. A cidade possui, ainda, um Pólo da
UNIGRAN49, local em que grande parte da população gradua o ensino superior à
49
Centro Universitário da Grande Dourados.
72
distância. Outro ponto que chama atenção é o fato de que a região, ainda, não possui
instituição de ensino regular privada.
A fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia continua,
a cada amanhecer, construindo e a desenhando sua história. Dessa maneira, não
podemos deixar de mencionar que não limitamos o assunto sobre o “Panorama
Histórico de Aral Moreira/Brasil e Departamento Santa Virginia, marcada por lutas,
sofrimento e embates étnicos, linguísticos, ideológicos e políticos, que sem sempre
foram harmoniosos. Certamente, essa fronteira internacional entre Brasil e República do
Paraguai, ainda, possui muitos aspectos a serem explorados e documentados, mas com o
presente estudo, tentamos mostrar o desbravamento histórico ocorrido nesse rico
universo, ora brasileiro, ora paraguaio, portanto, hibrido.
73
Capítulo 02 – Desenhando os Passos de Pesquisa
2.1. Considerações Preliminares
A princípio, para melhor compreensão dos passos de pesquisa, torna-se necessário
contextualizar, detalhadamente, todo o trajeto de pesquisa etnográfica. O capítulo está
dividido ao que denominamos de: “Cenas Etnográficas”, cujo objetivo é de melhor
ilustrar como se deu os passos de pesquisa.
2.2. Cenas Etnográficas
2.3. Cena I: Do ingresso ao programa de mestrado ao reconhecimento da
comunidade: perspectivas iniciais sobre o Objeto de Estudo
Em novembro de 2012, no processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em
Letras, da Facale50, da UFGD51, apresentei à banca examinadora o anteprojeto
intitulado: “O Ensino do Português no Cenário Sociolinguísticamente Complexo:
Fronteira em Questão”, cujo objetivo principal era o de trabalhar com a formação de
professores de escolas públicas da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com a
República do Paraguai.
Após o processo seletivo, disposto nos termos por meio do Edital nº 15/PROPP,
de 12 de setembro de 2012, fui aprovado, e, ficou estabelecido que a minha orientadora
fosse a Profª. Drª. Maria Ceres Pereira, especialista e pioneira nos estudos de linguística
aplicada, além de ser reconhecida tanto no contexto acadêmico nacional quanto
internacional.
A minha aprovação no Mestrado em Letras da UFGD gerou uma repercussão
expressiva, de modo que grande parte dos moradores da fronteira internacional de Aral
Moreira/Brasil com a República do Paraguai teve notícia de minha entrada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras.
Em fevereiro de 2013, a Câmara Municipal de Aral Moreira realizou uma
solenidade intitulada de “Personagens Ilustres”, cujo objetivo principal era o de
homenagear sujeitos considerados pioneiros da região, senhores e senhoras que
contribuíram e contribuem para o desenvolvimento do município. O ato solene contou
com a presença do prefeito, Edson Luiz de David, vice-prefeito, Eugênio Pereira Freire,
50
51
Faculdade de Comunicação, Artes e Letras.
Universidade Federal da Grande Dourados.
74
vereadores52, e demais convidados, divididos entre: comerciantes, professores, famílias
dos homenageados, dentre outros. Recebi a Moção de Congratulação por meio da
indicação da Presidente da Câmara Municipal, Vereadora Vera Cruz Bonaldo,
parabenizando pelo ingresso no Mestrado em Letras.
As fotos 29 e 30 ilustram e revivem o reconhecimento do Poder Legislativo
Municipal com relação ao meu ingresso no Programa de Pós-Graduação, em nível de
Mestrado.
Foto 29. Cor.53
Foto 30. Cor.54
Em uma reconstrução via-memória me lembro do discurso da Presidente da Casa
de Leis, professora Verinha, quando dizia: “para nós é motivo de orgulho o Jefferson ter
passado num processo seletivo concorrido, isso mostra que as escolas de Aral Moreira
têm formado sujeitos críticos e comprometidos com as causas sociais”.
A partir desse momento, junto ao reconhecimento do Poder Legislativo veio à
responsiva tarefa de executar uma pesquisa cujo lócus era/é minha cidade natal. O Ato
solene me fez refletir, ainda, sobre a visão de alguns membros de minha comunidade
com relação a minha pessoa, posto que, agora, viam-me como pesquisador formado e
não mais como, apenas, membro (morador) da comunidade.
52
Vera Cruz Bonaldo; Valdir Soligo; Alexandrino Garcia; Wilson Gonçalves; Marinês de Oliveira; Tito
Bertoncello; Silvana Alves Cordeiro; Gilson Oliveira Ferreira e Giovane Corbari.
53
Foto 29. Cor. Solenidade: Personagens Ilustres de Aral Moreira/Brasil. Fonte: Jefferson Machado
Barbosa.
54
Foto 30. Cor. Solenidade: Personagens Ilustres de Aral Moreira/Brasil. Fonte: Jefferson Machado
Barbosa.
75
A homenagem da Câmara Municipal fez com que a informalidade das pessoas,
cedesse lugar para a formalidade, ou seja, a monitoração nos diversos aspectos da
linguagem (gestual, linguística, dentre outras).
2.4. Cena II: Da reformulação do anteprojeto a transição do objeto de estudo:
reflexões
Passado alguns dias, fui convocado, pela minha orientadora, para uma reunião
cujo objetivo principal era a discussão do anteprojeto inicial, aquele apresentado no
processo seletivo de mestrado. Além disso, a reunião serviu para discutirmos o Marco
Teórico e a Metodologia de Pesquisa.
Durante a reunião minha orientadora me apresentou a representação gráfica que
ilustra as Zonas de Fronteira e pontuou onde há a presença de cidades gêmeas. Embora
meu contexto de pesquisa, proposto no anteprojeto inicial, não se encaixe na
modalidade de cidade gêmea55, não deixa de caracterizar-se como uma região de
fronteira, uma vez que há a presença de dois países, Brasil e República do Paraguai,
separados apenas por uma linha internacional térrea (rua), sem obstáculos, como: rios,
pontes, dentre outros.
Para melhor visualização, veja a Figura 31, apresentada pela minha orientadora. A
figura mapeia as cidades gêmeas em Zonas de Fronteira.56
Segundo Cirlani Terenciani, “Cidades gêmeas” em função da tipologia apresentada por ambas, na qual
suas áreas urbanas estão conurbadas uma à outra, separadas/unidas apenas por uma rua”, como é o caso
da fronteira internacional de Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan Caballero/Paraguai. (TERENCIANI,
2012, p.02). Disponível em: http://www.eumed.net/rev/cccss/18/ct.html>
56
Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PRPDFF), do
Governo Federal brasileiro como “cidades gêmeas” em função da integração física existente entre ambas,
localizadas na “zona de fronteira” que representa “[...] um espaço de interação, uma paisagem específica,
com espaço social transitivo, composto por diferenças oriundas da presença do limite internacional, e por
fluxos e interações transfronteiriças cuja territorialização mais evoluída é a das cidades-gêmeas”
(BRASIL, 2005 p. 21).
55
76
Figura 31. Mapa das Cidades Gêmeas. Fonte: MEC – Programa Escolas Interculturais Bilíngues de
Fronteira, 2009.
Ao olhar o mapa, senti que poderia ser alvo de reflexão e, sobretudo de
sensibilização diante da realidade que as Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF),
atualmente, denominado de Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira (PEIBF),
situados em Zonas de Fronteira, cujo objetivo é o de estreitar laços de interculturalidade
entre cidades vizinhas de países que fazem fronteira com o Brasil.
Ainda que o meu contexto de pesquisa proposto inicialmente, a fronteira
internacional de Aral Moreira/Brasil com a República do Paraguai, não possa ser
classificado com uma fronteira que abriga cidades gêmeas, é imprescindível reafirmar a
noção de complexidade sociolinguística, principalmente, no âmbito escolar.
Curiosamente, em Aral Moreira/Brasil há a presença de comércios, escolas, dentre
outros, o que a caracteriza como uma cidade já emancipada, de caráter “urbano”,
enquanto que a República do Paraguai é composta pela presença de fazendas, chácaras e
sítios, cujo objetivo central é a movimentação da agropecuária, tornando-a uma
localidade de caráter mais rural.
Ao consultar a investigação de Dalinghaus (2009, p.98), os números me
chamaram atenção, a autora registra que: “Há 10 países nas fronteiras. Há 11 estados e
120 municípios. Esses números são significativos, mas vale destacar que há 5.500
escolas aproximadamente nas áreas de fronteira, 600 mil alunos e 28 mil professores”.
77
Com base nesses números considerados relevantes, principalmente, no que se
refere ao número de professores que atuam nas fronteiras e os reflexos de Políticas
linguísticas para/com as regiões de fronteira, surgiram às seguintes perguntas da
pesquisa: I) Que conceitos têm as professoras da fronteira sobre bilinguismo, línguas e
cultura da fronteira? II) As professoras que vivem na fronteira percebem a realidade
bilíngue de seus alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas? III) Que percepções têm as
professoras acerca da escrita de seus alunos indígenas, paraguaios e brasiguaios de duas
escolas públicas da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento
Santa Virginia?
É interessante ressaltar, aqui, que em virtude à amplitude do território composto
pela República do Paraguai, delimitamos como ponto de referência a cidade de Aral
Moreira/Brasil e o Departamento Santa Virginia. A Cardia, como é popularmente
designada pelos moradores da região ou Departamento Santa Virginia possui
aproximadamente cinquenta (50) famílias, mescladas entre: indígenas, paraguaias,
brasileiras e brasiguaias (/bra/ brasileiro; /guaias/ paraguaio: sujeitos com dupla
nacionalidade). Sua composição arquitetônica conta com uma igreja, casas de madeira e
instalação da Força de Segurança Internacional, ao qual contribuiu significativamente
para a segurança, na época em que a região era Colônia General Dutra/Brasil.
Veja, a seguir, a Figura 32, que ilustra o Departamento Santa Virginia, situada na
República do Paraguai, no Departamento de Amambay, em Pedro Juan Caballero.
Foto 32. Cor. Departamento Santa Virginia ou Microrregião da Cardia/Paraguai. Fonte: Jefferson
Machado Barbosa.
78
Certamente, as perguntas de pesquisa e as reflexões realizadas por meio da
mediação de minha orientadora, professora Maria Ceres, fez com que reformulássemos
o anteprojeto e adequássemos o referencial teórico e metodológico de pesquisa. Assim,
o anteprojeto recebeu novo formato, delimitado com alguns critérios que passo a
descrever a seguir.
A investigação tomou como base a Pesquisa Qualitativa do Tipo Estudo de Caso
Etnográfico. Pfaff (2011, p.254) registra que “a palavra grega ‘etnografia’ denota a
descrição (graphein) de um povo ou cultura (ethnos), uma vez que fez parte da antiga
antropologia colonial”. A autora ressalta, ainda, que a etnografia, como metodologia de
investigação, remonta a um período em que áreas como, a Educação, a Antropologia e a
Sociologia ainda não haviam sido estabelecidas como disciplinas científicas.
Parafraseando Ginsburg (1991), citado por Pfaff (op. cit, p. 255), o trabalho de
campo do pesquisador etnográfico teve início no começo da colonização cujo primeiro
objeto de pesquisa foi os povos classificados como “incivilizados”, o que Pereira (1998,
p.39), denomina de povo “inculto”. Pereira (Op. Cit. p.39) registra, ainda, que o
interesse dos pesquisadores etnográficos, intelectuais da época, era voltado,
especialmente, aos trabalhadores campesinos, “retratando passos positivos de povos
comuns”, ou seja, o objetivo da etnografia se esboçava na descrição de culturas.
Segundo Pfaff (2011) partir do interesse de disciplinas da área de Ciências Sociais
(Antropologia, Sociologia e Educação) pela abordagem metodológica etnográfica,
surgiu, no início do século XX, o trabalho de campo etnográfico como metodologia de
pesquisa cujo objetivo era o de tentar compreender o “Outro” por meio da observação,
descrição e interpretação.
Segundo André (2000) e Flick (2011), a etnografia é um tipo de pesquisa é
interpretativista, e, entendendo que a interpretação dos sentidos para os sujeitos
envolvidos é de relevância para o entendimento conceitual do “como percebem” o que é
ensinar em cenário de fronteira, o que é ser bilíngue e, quais os desafios para o professor
que vive e atua nesse contexto, classificado por Cavalcanti (1999) e Pereira (2002b),
como “mais” sociolinguisticamente complexo e onde as dinâmicas se tornam
invisibilizadas.
Compreendendo o teor da investigação e as perguntas de pesquisa, tracei
juntamente com a orientadora deste trabalho os objetivos da pesquisa em questão, quais
sejam: Objetivo Geral: Investigar se e de que forma as docentes de língua Portuguesa do
Ensino Fundamental de duas (02) escolas da rede pública da fronteira internacional de
79
Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai percebem a realidade
bilíngue de seu contexto de trabalho. Objetivos Específicos: i - Averiguar como as
docentes de língua portuguesa percebem possíveis marcas de bilinguismo situacional
em textos escritos por alunos do 9º ano das escolas investigadas, conhecido como:
brasiguaios, paraguaios e indígenas; ii- Descrever e explicitar os conceitos de
bilinguismo das professoras, sujeitos da pesquisa, a partir de entrevistas narrativas.
Como se observa nos objetivos, Geral e Específico, para investir na qualidade e na
cientificidade da pesquisa foi necessário fazer um recorte de pesquisa verticalizada. Os
critérios que sustentam o recorte de pesquisa foram:
Conforme demonstra o estudo de Barbosa (2012), no que se refere aos aspectos
educacionais, atualmente a região em estudo possui cerca de oito escolas, distribuídas,
entre a rede pública e municipal na zona rurbana57 e rural. Entendemos que o perfil das
instituições de ensino da Rede Municipal se difere da Rede Estadual, tendo em vista,
principalmente, os Projetos Políticos Pedagógicos adotados pelas escolas.
Outro fator, não menos importante, está relacionado à série ofertada pelas escolas,
ou seja, as escolas municipais da região em estudo oferecem somente o primeiro ciclo
do ensino fundamental, destinados à alfabetização de crianças, enquanto que as escolas
estaduais proporcionam os dois ciclos, ensino fundamental e médio.
Outro ponto relevante foi à dificuldade de acessibilidade às demais escolas,
principalmente, escolas da zona rural. Assim, no que diz respeito ao contexto macro da
pesquisa, selecionamos duas (02) escolas estaduais da área rurbana da fronteira
internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai,
ambas as instituições mais antigas da região.
Ao analisar o contexto macro de pesquisa, verificamos que seria necessário
realizar um recorte para o objeto de estudo. Desse modo, selecionamos nosso foco de
estudo para os professores de língua portuguesa, especificamente, os professores do
Ensino Fundamental, onde a presença de alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas se
fazia presente. Os professores de língua portuguesa, objetos de nosso estudo, atuavam
nos turnos: matutino e vespertino. Além disso, é importante mencionar que não
realizamos um recorte de sexo, faixa etária, posição social, dentre outros; conforme se
propõe a sociolinguística da Variação, de Fernando Tarallo (2007).
57
Acreditamos que, apesar de sua emancipação político-administrativa, a região em estudo não pode ser
classificada como essencialmente urbana. Desse modo, optamos por usar o termo utilizado por BortoniRicardo (2004) que designa um continuum do rural ao urbano, rurbano.
80
Tendo em vista a amplitude da Etnografia no atual cenário acadêmico, em
concessão com a minha orientadora, optamos por seguir a abordagem metodológica de
pesquisa Estudo de Caso Etnográfico, centrado nas bases da Etnografia Americana cujo
principal teórico é Frederick Erikson (1990a/1992b/1988c). A etnografia se mostrou
mais eficaz para a presente pesquisa por, pelo menos, três razões significativas:
I - As orientações etnográficas indicam que o pesquisador etnográfico “deve
participar da vida cotidiana das pessoas ao longo de um período de tempo, durante o
qual, deve participar e observar o que acontece naquele contexto”. (PEREIRA & JUNG,
1998, p.305). Nesse sentido, como pesquisador em formação, tenho voltado meu olhar
para as situações sociolinguísticas da fronteira onde vivi desde a infância. Assim posso
afirmar que a etnografia tem sido parte de meu olhar investigador;
II- Como membro da comunidade de fronteira, certamente, muitas sutilezas se
tornaram familiares. A esse respeito, Erikson (op.cit.), citado por Pereira & Jung (op.
cit.), pontuam que a noção de “invisibilidade da vida cotidiana”, resulta, dentre outros
parâmetros, na “familiaridade e na rotinização” da vida de pesquisador nato da região
em estudo, pois antes de pesquisador, fui morador da região focalizada neste estudo, o
que contribuiu para tornar algumas sutilezas invisibilizadas. Para tornar essa
familiaridade estranha, Pereira e Jung (op. cit.) recomendam, em seus estudos
etnográficos, que o pesquisador deve sempre se perguntar: “O que está acontecendo
aqui?”.
Ainda segundo as autoras, a pergunta: o que está acontecendo aqui?, serve para
gerar a reflexão a respeito do campo de pesquisa, sobretudo do objeto de estudo,
contribuindo, assim, para a quebra de padrões (crenças, valores, ideologias, dentre
outros fatores) culturalmente construídos. Contudo, ao elaborar respostas para tal
pergunta, o pesquisador estará sendo ajudado a tornar o familiar em algo estranho,
assim, o invisível passa a ser questionado e, sobretudo problematizado. Acredito que há
graus de estranhamento, desse modo, o pesquisador deve tentar tornar o familiar o mais
estranho possível, todavia, ainda assim, alguns padrões construídos culturalmente
permanecem.
III - O estudo de caso etnográfico pode, em grande medida, ser representativo de
outras situações com sujeitos que vivem em cenários “mais” sociolinguisticamente
complexos, como é o caso do contexto de pesquisa apresentado pesquisado. Portanto,
conforme os autores de base, o Estudo de Caso Etnográfico tem sua relevância e garante
a cientificidade do estudo.
81
Após as reformações do anteprojeto, iniciamos a pesquisa que passa a ser relatada
nos tópicos adiante.
2.5. Cena III: Negociando o campo de pesquisa: Perspectiva Metodológica
Etnográfica
Em 2.013, após o ingresso como aluno regular no Programa de Pós-Graduação
em Letras, da UFGD, ao negociar o campo de pesquisa, felizmente, tive motivos
considerados pertinentes que, de certa forma, se delinearam em meu favor, tais como: a)
o fato de alguns membros de minha família atuar nos dois âmbitos escolares; b) o fato
de ter contato maior contato com as duas escolas, previamente, selecionadas por mim, c)
o fato de ter contato com os professores, principalmente, os de língua portuguesa das
duas instituições de ensino.
Com base nos motivos apresentados, é importante destacar, ainda, que minha
mãe trabalhar, na qualidade de agente educacional, em uma das escolas selecionadas,
desse modo, ela ficou responsável por mediar minha entrada à escola, além de
contribuir no sentido de minimizar a fronteira entre mim e o campo de pesquisa
selecionado. Já na outra instituição de ensino eu tinha minha prima que atuava como
professora de Geografia, no período matutino e noturno. Evidentemente, ele também
contribui para que meu ingresso nesse âmbito escolar fosse plausível. Tanto minha mãe
como minha prima me proporcionaram informações relevantes de ambos os contextos
escolares, por exemplo, ao ir às escolas, eu já tinha conhecimento prévio de quais eram
as séries que abrigavam a predominância maior de alunos indígenas, brasiguaios e
paraguaios.
Esta “teia de sujeitos”58, familiares, amigos, colegas e conhecidos, auxiliaram muito
minha entrada no campo de pesquisa. O que evidencia afirmar que realizar a pesquisa
etnográfica no contexto escolar é antes de tudo um ambiente social conhecido como
familiar. Desse modo, via a complexidade de pesquisa, uma vez que uma das premissas
da etnografia é, segundo Pfaff (2011, p.256), “sempre tem a ver com a investigação de
mundos da vida estranhos ou desconhecidos”. Ou seja, eu estava diante de um contexto
familiar, portanto, era importante considerar o que Pereira e Jung (1998) relatam em
suas experiências etnográficas, a ideia de estranhamento daquilo que é familiar e da
familiarização daquilo que é estranho.
O termo “Teia de Sujeitos” é entendido, neste trabalho, como uma ligação de pessoas do meio social de
etnias distintas, no caso, brasiguaios, paraguaios e indígenas, que se entrecruzam e se significam na
relação social.
58
82
A partir dessa noção de experiências etnográficas apresentada por Pereira, que teve
de se familiarizar com o contexto de pesquisa e Jung, que teve de estranhar o campo de
pesquisa, (PEREIRA, JUNG, 1998) nasce à noção de Etnografia em contextos sociais
complexos, tais como, a escola e, também, a fronteira internacional de Aral
Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, dentre outros contextos
minoritários.
Ao adentrar as escolas selecionadas, guardava em mente a orientação etnográfica de
Ericksson (1982, p.44), citada por Pereira (1999a) de que:
O processo de negociar a entrada envolve contatar as várias partes que
estarão envolvidas e serão afetadas pela pesquisa, explicitando-lhes os
propósitos e procedimentos da pesquisa, obtendo o consentimento para
realizar filmagens (e aplicação) de outros instrumentos para a coleta de dados
(ERICKSON, 1982, p. 44).
Ainda em 2.013, a natureza da pesquisa foi expandida aos diretores de ambas as
escolas. Felizmente, os diretores se mostraram prestativos. Dessa forma, os contatos
iniciais estavam feitos, mas eu precisava chegar ao meu objeto de estudo, foco principal
deste estudo, ou seja, os professores de língua portuguesa do Ensino Fundamental que
atuavam no período diurno de ambas as escolas.
Após o consentimento dos diretores, retornei às escolas para fazer contato com as
professoras. Ao chegar à escola notei que as docentes estavam em aula. Desse modo,
aproveitei para apreciar o contexto. Peguei meu material, sentei no banco do pátio da
escola e comecei a folhear, mas observando como as coisas se apresentavam a minha
volta. Ali, sentado no banco do pátio da escola, vieram a minha mente lembranças boas
e algumas não tão boas assim, a saudade de um tempo que só pode ser reconstruído pela
memória fez com que eu me lembrasse de momentos importantes naquela localidade.
Agora, com outra percepção. Durante a espera do intervalo, revi vários ex-professores,
que surpreendente me abraçavam e parabenizavam pelo ingresso ao mestrado. Essa
atitude de reconhecimento alimentava, ainda mais, a ideia de que minhas ex-docentes
me viam, agora, como pesquisador ou como ex-aluno importante, que servia de
“modelo” para os alunos atuais.
Assim, seguia as orientações etnográficas de Erickson (1999), citadas por Pereira
e Jung (1998, p. 47):
Você precisa de algumas coisas que são localmente significativas naquele
conjunto particular, definições do que é apropriado, comportamentos e outros
traços costumeiros da vida naquele lugar.
83
O (re) conhecimento das docentes foi realizado na hora do intervalo. A conversa
com os professores de língua portuguesa do período diurno de ambas as escolas foi
bastante significativa. Relatei as professores de minha conversa anterior com o diretor,
com o intuito de dar credibilidade a minha fala, e, em seguida, expliquei a elas a
natureza da pesquisa. Finalmente, as professoras, que curiosamente, são de sexo
feminino, aceitaram participar da pesquisa.
O contexto de pesquisa (as escolas) era conhecido; os objetos de pesquisa (as
professoras) também eram familiares, mas o clima de invasão do pesquisador que, ao
entrar no âmbito, de certa forma, tira da zona de conforto, era evidente em ambas as
escolas, principalmente, ao solicitar as professoras participantes da pesquisa, produções
de alunos indígenas, paraguaios e brasiguaios do ensino fundamental do período diurno.
A partir dessa atitude, senti a necessidade de tornar as intervenções etnográficas59
mais naturais possíveis. Decidi, portanto, mudar as visitas etnográficas, passando do
contexto escolar para o contexto familiar das professoras, com horários estipulados por
elas.
O período de intensidade de intervenções etnográficas com as professoras se deu
em 2014, no período de entrevistas narrativas, conforme relato numa seção mais a
frente. Aos poucos fui conhecendo o perfil das professoras, resolvi, então, aplicar um
Questionário (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 11). De fato, o Questionário meu auxiliou
muito no sentido de dialogar o contexto real das professoras, com base nas intervenções
etnográficas, com o que elas tinham de currículo profissional. Assim, pude construir um
Perfil de cada docente.
As Fotos 33 e 34 ilustram as escolas públicas onde as duas docentes, objetos de
estudo desta pesquisa, atuam nos períodos: matutino e vespertino, no Ensino
Fundamental.
59
Intervenções Etnográficas; é entendida, neste trabalho, como várias visitas, intervenções in loco ao
contexto de pesquisa, em dias, horários, locais diversificados.
84
Foto 33. Cor 60
Foto 34. Cor61
É nesses dois contextos onde as professoras de língua portuguesa do Ensino
Fundamental, nosso objeto de estudo, atuam no período diurno. Após várias
intervenções etnográficas, senti que era o momento de realizar o “estranhamento” ao
ambiente familiar, ou seja, das escolas e das professoras de língua portuguesa.
Com a aquisição de Dados pertinentes, tais como: Questionários; Observações
Etnográficas; Produções escritas dos alunos brasiguaios, indígenas e paraguaios;
Depoimentos de pioneiros que me auxiliaram na elaboração do capítulo 01;
Documentos oficiais da cidade de Aral Moreira, como Atas, Fotos, Jornais antigos,
dentre outros, resolvi, deslocar-me para a cidade de Dourados, criando, assim, uma
fronteira maior entre mim e o contexto de pesquisa, a cidade de Aral Moreira/Brasil,
bem como o objeto de estudo, as professoras de língua portuguesa.
2.6. Cena IV: A elaboração do capítulo 01 e a entrevistas com pioneiros da região:
A escrita inicial da Dissertação de Mestrado
Ao chegar à cidade de Dourados-MS, em consonância com as aulas do mestrado
em Letras da UFGD e suas respectivas leituras, congressos e demais eventos e/ou
produções de caráter científico, fiz esse procedimento de estranhamento dos Dados já
coletados na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai. A pré-análise com relação aos Dados resultou a elaboração escrita do
Capítulo 01 da Dissertação.
Nesse momento, chamo a atenção para a elaboração do capítulo 01. Apesar de
ter realizado em 2.012, na modalidade de Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, um
breve panorama histórico da região de Aral Moreira/Brasil, eu senti, ao escrever o
60
61
Foto 33. Cor. Escola de Fronteira em Aral Moreira/Brasil I. Fonte: Elverson Cardozo.
Foto 34. Cor. Escola de Fronteira em Aral Moreira/Brasil II. Fonte: Elverson Cardozo.
85
Capítulo 01, que para um trabalho de mestrado, o “breve” não era o suficiente. Então,
decidi ficar por um tempo sem ir para a cidade de Aral Moreira/Brasil cujo objetivo era
criar certo distanciamento, pelo menos geográfico, visto que me comunicava todos os
dias com meus familiares, via-telefone, via-internet. Assim, de certa forma, obtinha
informações da região em estudo.
O período que permaneci fora da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil
com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, em junho de 2.013, foi muito importante,
principalmente, no sentido de perceber algumas sutilezas que já havia se tornado
familiar para mim, pelo fato de ser membro nato da região em estudo.
George Spindler (1982, p.23), citado por Pereira (1999a, p. 39-40), compartilha de
sua experiência etnográfica em escolas nos Estados Unidos (E.U.A). O autor afirma que
tornar o familiar estranho não era o problema, mas realizar a transição cultural do
familiar para o estranho e de voltar para o familiar, isso sim é complexo. Nessa
perspectiva, iniciei o processo de tornar o familiar estranho e voltar para o familiar para
elaboração do capítulo 01 de minha dissertação.
Passado alguns meses, em setembro de 2.013, retornei para a fronteira
internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, cujo
objetivo era o de perceber algumas invisibilidades, que em virtude da familiaridade
havia se tornados comuns a mim. É importante destacar que, apesar de permanecer um
período fora da região em estudo, não conseguia observar essa realidade sem filtro de
minhas experiências e afetividade. No entanto, ao regressar para meu contexto de
pesquisa, que sempre foi “minha casa”, levava comigo a experiência etnográfica de
Jung que:
... ao observar o que estava acontecendo naquele contexto, tornou-se uma
tarefa árdua, uma vez que eu estava retornando à casa dos meus familiares, à
escola na qual eu havia estudado e à comunidade em que vivi anos de minha
vida. Sobre essa realidade eu tinha minhas crenças, alguns padrões e idéias
estabelecidas, que apesar de estar retornando como pesquisadora, não
deixavam de me acompanhar e de impedir de ver os acontecimentos sem o
filtro de minhas experiências e afetividade. (PEREIRA & JUNG, 1998, p.
310-311, grifo nosso).
Ao escrever o capítulo 01 da dissertação de mestrado notei que tinha dois
caminhos a seguir, quais sejam: I: Baseado em meu estudo realizado na graduação,
apresentando apenas um breve histórico da região ou II: Buscar mais informações sobre
seu desbravamento histórico, em documentos oficiais, fotos, realização de mais
entrevistas com pioneiros da região e por fim, buscar o máximo de trabalhos correlatos
que tratam da questão histórica da região em estudo. Escolhi, portanto, o caminho II,
86
pois via no trabalho de mestrado uma oportunidade considerável de documentar o
Panorama Histórico da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai, que até o momento contava apenas com
informações dispersas.
No dia onze (11) de setembro de 2.013, ao retornar para a cidade de Aral
Moreira/Brasil – Departamento Santa Virginia/Paraguai notei por meio do olhar
etnográfico que a cidade ainda continuava pacata, mas a estrutura arquitetônica tinha
sofrido algumas modificações, observei ainda a implantação de uma Creche, a
maximização de ruas asfaltadas e alguns comércios tinham uma “nova cara”, pois, boa
parte deles teria passado por reformas.
Curiosamente, chamou-me a atenção, ainda, à surpresa estampada no rosto de
alguns moradores da região quando me viam, novamente, em Aral Moreira/Brasil –
Santa Virginia/Paraguai. Durante minha estadia na região fronteiriça, decidi sair para
beber tereré com os amigos e alguns familiares, foi à maneira que encontrei para
sinalizar aos moradores que eu havia chegado à região, de modo a tornar minha
presença comum, para posteriormente iniciar o processo de entrevista com os pioneiros.
O processo de detectar os pioneiros da região em estudo foi extremamente
complexo, passei a frequentar órgãos públicos, tais como: Prefeitura, Escolas
Municipais e Estaduais da zona urbana e rural, Cartório, Agências Bancárias, Secretaria
de Educação, Centros de Saúde e alguns comércios. O objetivo principal de minha visita
a esses órgãos públicos era o de tentar descobrir quais eram os pioneiros da fronteira de
Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai.
À noite, na residência de meus pais, situada no centro de Aral Moreira/Brasil,
elaborei um Ofício à Secretária de Educação da região em estudo (ANEXOS: PARTE I
– ANEXO I) cujo objetivo principal era o consentimento de autoridades do contexto em
foco no sentido de autorizar a utilização do nome do município, Aral Moreira, na
elaboração do capítulo 01 da dissertação de mestrado. Em outras palavras, uma maneira
de formalizar minha pesquisa, além de propiciar mais credibilidade à investigação, uma
vez que, mais tarde, eu tinha que ter acesso aos órgãos públicos, com objetivo de gerar
dados (documentos oficiais) relativos à historicidade do município de Aral Moreira.
Além disso, a formalização contribuiu, também, no acesso aos entrevistados (pioneiros
da região).
No dia seguinte, dirigi-me até a Secretaria Municipal de Educação, no período da
manhã, com a intenção de levar à autorização à secretária de educação, Maria de
87
Lourdes Malacarne. Ao chegar à secretaria de educação, munido de cópias de meu
anteprojeto, já reformulado, e do Ofício, fui bem recepcionado pelos funcionários, eles
me recebiam como pesquisador. Contudo, no decorrer da conversa a formalidade cedia
lugar a informalidade.
Ao conversar com a secretária municipal de educação explanei a natureza de
minha pesquisa, pedi, gentilmente, que ela estendesse o Ofício até ao prefeito, Edson
Luiz de David. A secretária concedeu o consentimento da pesquisa e fez questão de
frisar que tal investigação “é de extrema relevância documentar a história do município.
É uma forma de valorizar a vozes de pioneiros da região, conforme registro em nota de
rodapé, no capítulo 01 deste estudo.
A minha visita a secretaria municipal de educação de Aral Moreira/Brasil foi
extremamente proveitosa, além de ser bem recebido, esse contato me permitiu adquirir
algumas fotos antigas do município, cedidas, gentilmente, pelo respectivo órgão público
de ensino do município. Além disso, encontrei Matoso (2006), que gentilmente me
cedeu o trabalho de conclusão de curso – TCC de sua autoria, que serviu mais tarde
como estudo correlato sobre a história do município de Aral Moreira, capítulo 01 desta
dissertação de mestrado.
Embora meu foco principal fosse, naquele momento, gerar dados para descrever a
constituição histórica da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai, no mesmo dia, à tarde, realizei uma intervenção
etnográfica, ou seja, fui até as escolas onde as professoras, objetos de pesquisa, atuam,
para verificar como elas estavam. Essa visita me gerou mais uma remessa de cópias de
produções textuais de alunos. E o discurso de que trabalhar com alunos indígenas,
paraguaios e brasiguaios começa a se firmar entre as professoras participantes da
pesquisa.
Entretanto, decidi, naquele momento, focalizar meu olhar de pesquisador
etnográfico, especialmente, a elaboração do capítulo 01 da dissertação de mestrado, isto
é, a constituição histórica da região em estudo, de modo a gerar dados, por meio de
entrevistas narrativas com sujeitos considerados pioneiros, resgatando assim, as
memórias de moradores. A intenção era a de triangular os Dados ou Registros, proposta
por Erickson (1990a/1992b/1988c), conforme representação, a seguir.
88
TRIANGULAÇÃO DE REGISTROS
Documentos Oficiais
Entrevistas com Pioneiros
Trabalhos Correlatos
Após duas semanas, peguei meus instrumentos de trabalho, tais como: gravador
MP3, máquina digital, celular, caderno de anotações, lápis e notebook, e os coloquei
tudo numa mochila. Desse modo, fui passear pela fronteira internacional de Aral
Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, com a finalidade de tentar
entender como essa região se apresentava naquele dado momento. Ao chegar à linha
internacional entre Brasil e República do Paraguai, notei que em Aral Moreira/Brasil
algumas peculiaridades, dentre elas, o que mais me chamou atenção foi o fato de Aral
Moreira/Brasil possuir mercados, lojas, farmácias, escolas, igrejas, dentre outros aspetos
arquitetônicos que a caracterizam como uma cidade. Enquanto que no Departamento
Santa Virginia/Paraguai não havia a presença de comércios, apenas de fazendas,
chácaras e sítios, salvo uma igreja e um Destacamento Militar de Força Internacional,
conforme apresentado, anteriormente, na Foto 32.
Ao que se refere o processo de realização de entrevistas é importante mencionar
que se deu aos finais de semana, pois durante a semana tinha que me deslocar até a
cidade de Dourados/MS com objetivo de cumprir, rigorosamente, os créditos do
mestrado. Esse “ir” e “vir” de Aral Moreira a Dourados e vice-versa durou todo o mês
de outubro a novembro, de 2.013.
O critério de seleção adotado para selecionar quais seriam os sujeitos seriam
entrevistados foi bastante complexo, sobretudo rigoroso. Levei em consideração alguns
fatores, como: o nome em Atas e demais documentos de caráter oficial; indicações de
pessoas com idade superior a cinquenta anos, aparição em fotos antigas, cedidas
gentilmente pelos órgãos públicos, a idade do entrevistado; dentre outros aspectos. Com
base nesses fatores, selecionei oito sujeitos considerados pioneiros da fronteira
internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai e dei
início às entrevistas narrativas. Curiosamente, em várias casas que visitei, acabei
voltando, em outro momento, para tomar o famoso tereré, chimarrão ou café da tarde.
O fato de meus pais serem conhecidos, por boa parte da população aralmoreirense
e alguns moradores do Departamento Santa Virginia/Paraguai, devido à instalação de
minha família na região há cerca de vinte anos contribuiu expressivamente para meu
89
contato com os moradores mais antigos, uma vez que estes, muitas vezes, trazem certo
tom de conservadores em sua atuação social. Como destacado anteriormente, o
documento de concessão da secretária de educação também dava credibilidade a
investigação.
Embora, durante as entrevistas narrativas, era recebido como pesquisador, muitas
vezes, procurava me apresentar como estudante, pesquisador e, principalmente, como
filho de pessoas que moravam na região há pelo menos vinte (20) anos, uma vez que,
boa parte dos entrevistados conhecia ou já tinham ouvido falar de meus pais.
Em consonância com a realização de entrevistas narrativas elaborei outro ofício à
Secretária de Administração, Eloyr Villalva, (ANEXOS – PARTE I. ANEXO 02), cujo
objetivo era o de oficializar a solicitação de entrada aos órgãos públicos de Aral
Moreira/Brasil, tais como: Prefeitura, Cartório, Bibliotecas Centrais, Escolas
Municipais, Câmara Municipal, Secretaria de Estado da Fazenda – Agenfa. Minha
intenção era a de buscar informações que auxiliassem na escrita do capítulo 01 da
dissertação de mestrado. Os Dados adquiridos em órgãos públicos, como: Atas, Ofícios,
Fotos e Jornais antigos, dentre outros, são designados, aqui, de “Documentos Oficiais”.
Esse período marcou, ainda, a aquisição de mais trabalhos correlatos que tratavam da
questão histórica do município, como de Silva (2007); Trenkel (2009) e Santos (2004).
Com relação à transcrição de Registros e/ou Dados coletados durante as
entrevistas narrativas realizadas com os sujeitos considerados pioneiros de Aral
Moreira/Brasil, a ideia inicial era a de não transcrever toda a entrevista narrativa, uma
vez que o processo de transcrição requer um tempo maior. Nesse sentido, a metodologia
adotada seria a de transcrever apenas as partes que, supostamente, auxiliariam a
composição do capítulo 01 da dissertação. Contudo, durante a elaboração do capítulo,
senti a necessidade de transcrever todas as entrevistas, para melhor visualizar os
Registros e/ou Dados. Assim, originou-se o corpus (ANEXOS: PARTE II) para melhor
manuseio do presente pesquisador.
Os meses de janeiro e fevereiro de 2014 foram, essencialmente, para transcrição
de Dados e/ou Registros; leituras e pré-análise dos trabalhos correlatos e a segunda
etapa de análise de Documentos Oficiais. Com base na triangulação de Registros,
proposta por Erickson (1990a/1992b/1988c), elaborei um roteiro para traçar o Panorama
Histórico da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai, separado por datas e principais acontecimentos históricos de cada
período.
90
Por fim, após a finalização da prévia do capítulo 1, da dissertação de mestrado, no
dia dezesseis (16) de março de 2014, retornei para a fronteira internacional de Aral
Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai com o objetivo de iniciar
às entrevistas narrativas com as docentes de língua, das duas escolas publicadas
previamente selecionadas.
2.7. Cena V: A realização de entrevistas com as docentes de língua portuguesa da
Fronteira: Etnografia Escolar
Após diversas intervenções etnográficas com as professoras de língua portuguesa
do Ensino Fundamental que atuam na fronteira internacional de Aral/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai, resolvi realizar o processo de gravação de
entrevistas narrativas com as docentes da fronteira, como forma de documentar e gerar
Dados e/ou Registros.
Como afirmando outrora, a escola sendo um ambiente familiar, onde eu, na
qualidade de ex-aluno, já conhecia. A etnografia como metodologia de pesquisa espera
que o pesquisador estranhe o ambiente. Pereira e Jun (1998) ressaltam que a pergunta “o
que está acontecendo aqui?” é uma forma de problematizar algumas invisibilizadades
do contexto em estudo.
A partir desse processo de estranhamento com relação ao contexto, realizei as
entrevistas narrativas com as docentes de língua portuguesa, entre os meses de abril a
maio de 2.014. Durante a realização de entrevistas, alguns pontos, positivos e
“negativos”, me chamaram atenção, quais sejam:
a) Incompatibilidade de horário; por conta da carga horária excessiva das
docentes;
b) Zona de conforto das professoras pesquisadas; durante a pesquisa com as
docentes, o sentimento de pesquisador invasor foi evidenciado em vários
momentos, mesmo conhecendo-as, senti que estava invadindo o universo das
docentes. Por outro lado, essa sensação me ajudou a delimitar o limite, até
onde eu poderia ir;
c) Coleta de produções textuais; das professoras, notei que uma professora se
mostrou mais a vontade em ceder, gentilmente, as produções textuais de seus
alunos, Laura62. Enquanto que a atitude de Sofia63 pode ser interpretada
62
63
Laura: Nome fictício da professora entrevistada.
Sofia: Nome fictício da professora entrevistada.
91
como certo desconforto no momento em que solicitei as produções textuais
de seus alunos.
d) Aceitabilidade a partir da formalização entre mim e a Secretaria de Educação
de Aral Moreira/Brasil; O ofício encaminhado à Secretaria de Educação do
município em estudo, de certa forma, deu credibilidade expressiva à
pesquisa;
e) Seleção do local para realização de entrevistas; realizei as entrevistas
narrativas nas residências dos entrevistados, por se tratar de um lugar que
retrata o clima de informalidade que eu buscava;
f) Transcrição; o processo de transcrição de entrevistas foi realizado entre os
meses de maio e junho. Ao escutar as gravações, percebi o quanto as
professoras se mostraram inquietas, em alguns momentos, quando o assunto
é o aluno minoritário da fronteira,em especial, o indígena.
Tendo em vista os fatores apresentados no percurso de entrevistas narrativas com
as professoras de língua portuguesa, percebi que, as professoras entrevistadas se
baseiam em livros didáticos, especialmente, com os alunos classificados por Cavalcanti
(1999) como minoritários, como indígenas, paraguaios e brasiguaios.
Verifiquei, ainda, com base no olhar de pesquisador observador proposto pela
etnografia que o contexto fronteiriço de Aral Moreira abriga mais de uma língua, mas
nas escolas onde as professoras atuam, leva-se em conta a língua portuguesa escrita,
aquela postulada pelo livro didático, como prioridade.
Ainda durante as entrevistas, percebi que as professoras ficaram intimidadas com
a presença dos equipamentos de trabalho do pesquisador, como gravador de voz,
caderno de anotações, dentre outros que se fizeram necessários. Contudo, no decorrer da
entrevista a “formalidade” cedeu lugar à “informalidade”.
É importante destacar, ainda, que a norma de transcrição adotada para as
entrevistas de sujeitos considerados pioneiros da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai e também das professoras de língua portuguesa
da fronteira em foco foi à norma proposta pelo professor Pedro Caruso. O motivo
principal foi o fato de posteriormente utilizar o corpus levantado para entender, por
meio da sociolinguística variacionista, a fonética e fonologia da fala de sujeitos da
região em estudo.
92
Por fim, os fatores elencados, acima, evidenciam a complexidade de se realizar a
pesquisa etnográfica em contextos escolares, sobretrudo por se tratar de um cenário de
fronteira entre Brasil e República do Paraguai.
93
PARTE II
CONSTRUINDO O ARCABOUÇO TEÓRICO
Capítulo 3 – Fronteira, Sociolinguística, Bilinguismo e Identidade
3.1. Fronteira
O marco teórico a respeito do termo “fronteira” é amplo e varia conforme
abordagem teórica e áreas de conhecimento, tais como: Antropologia, Sociologia,
Ciência Política, dentre outras áreas. Ao longo dos anos, o termo “fronteira” recebeu
diversas significações, o que contribuiu para a construção de vários conceitos com
relação a tal terminologia. A rigor, interessa-nos aqui, a revisitação e/ou retomada de
algumas noções de “fronteira”, de modo a realizar breve reflexão bibliográfica.
A essa variedade de sentidos que a unidade lexical “fronteira” recebeu e recebe na
contemporaneidade, Albuquerque (2010, p.33) registra que o termo é utilizado
... Tanto no aspecto territorial, delimitando espaços geográficos ocupados
pelos mais heterogêneos agrupamentos humanos, como no sentido
metafórico. Nesse caso para demarcar ou apagar limites culturais entre os
grupos sociais e barreiras epistemológicas e metodológicas entre áreas do
conhecimento. Há, de fato, uma inflação do uso do termo fronteira para as
mais distintas situações sociais e culturais nas ciências sociais
contemporâneas.
Antes de apresentar os conceitos de fronteira, é importante explicitar como é sua
entrada lexical em dois dicionários, de nacionalidades diferentes, quais sejam:
Dicionário Aurélio, de língua portuguesa e o Diccionario de Español para extranjeros,
de língua espanhola.
De acordo com o dicionário da língua portuguesa, Aurélio, a designação de
fronteira é registrada da seguinte forma: “1. Extremidade de um país ou região do lado
onde confina com o outro; limite, estremadura. 2. Extremo, fim, término. 3. Limite
material de um sistema; separação entre um sistema e o seu exterior” (FERREIRA,
2004, p. 657. Grifos do autor). O dicionário contempla, ainda, os vários tipos de
fronteira, porém esse não é o foco de nossa discussão. Como se observa nesse contexto,
a palavra fronteira possui sentido ligado à separação, de divisão entre duas realidades.
Já o dicionário de língua espanhola, Diccionario de Español para extranjeros,
traz a seguinte definição a respeito de fronteira: “1. Límite entre dos Estados. 2. Límite
94
o fin de algo. 3. Referido a um lugar, esp. A un país, que tiene frontera con otro” (
GONZÁLEZ, 2005, p. 597). Como se nota, o dicionário estrangeiro também aponta
para a divisão, o limite, quando o assunto é fronteira.
O estudo que Pereira (2014) se propõe a realizar gira em torno da discussão sobre
fronteiras culturais e de alteridade. A autora ressalta que a fronteira é o lugar de
“particularidades”, onde as relações comerciais, judiciais e até as familiares estão em
contato, de forma direta e intensiva. Segundo a autora, a fronteira é, muitas vezes,
esquecida pelo governo, por se tratar de uma localidade que abriga vilarejos e pequenos
municípios pequenos que, em sua maioria, localizam-se distantes de centros relativos ao
Poder Legislativo e Executivo.
Pereira (op. cit.) registra, ainda, que devemos pensar fronteira com uma localidade
que abriga particularidades, pelo conjunto de diferenças e de trocas culturais.
Resultando numa perspectiva de fronteiras culturais. Desse modo, segundo a autora, não
se pode pensar em fronteira como limite, associada a território, como elemento físico, é
necessário ir além dessa concepção.
Soares (2012), por sua vez, reflete o termo “fronteira” não apenas como limite,
mas como um espaço de diferenciação. A autora chama atenção para se pensar, na
contemporaneidade, em vários tipos de “fronteira”, quais sejam: fronteira social,
fronteira étnica, fronteira linguística, fronteira identitária, fronteira territorial e/ou física,
fronteira ideológica, fronteira cultural, fronteira geográfica, fronteira religiosa, fronteira
política, fronteira linguística, dentre outras.
Conforme a discussão que Soares (2012) se propõe a fazer, fronteira é um espaço
de diferenças, em especial, as culturais e raciais. A autora afirma, ainda, que essa
diferença encontrada na “fronteira” gera conflitos sociais. Com base em conflitos
sociais, diga-se de passagem, complexos, Soares (2012) explica que diferentes culturas
sempre irão existir e até coexistir e alerta que: “O fato é que esses locais de
diferenciação necessitam ser mais cuidadosamente estudados, sendo que não são apenas
locais de demarcação de um território, não servem apenas para demarcar até onde vai o
poder de um governo” (SOARES, 2012, p. 04).
Bhabha (1998) pensa a fronteira como algo que vai além do aspecto geográfico,
da noção de território e demarcações fixados historicamente. Segundo o autor:
Nossa existência hoje é marcada por uma tenebrosa sensação de
sobrevivência, de viver nas fronteiras do "presente"[...] Inícios e fins podem
ser os mitos de sustentação dos anos no meio do século, mas, este fin de
siecle, encontramo-nos no momento de transito em que espaço e tempo se
95
cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade,passado e
presente, interior e exterior, inclusão e exclusão. (BHABHA, 1998, p.19).
Nessa perspectiva, segundo o autor há, no período caracterizado como “PósColonial” uma fronteira firmada pelo tempo e espaço.
Sturza (2006, p.08) registra que “Na base de todo o conceito de Fronteira, está a
sua natureza constituída, antes de tudo, pela latência do contato – contato de territórios,
contato de pessoas, contato de línguas”. Compreendo a fronteira como um espaço de
intercâmbio e de troca, Mota (2010, p.09), por sua vez, afirma que o cotidiano da
“fronteira está caracterizado por constantes movimentos, cruzamentos que vão de um
lado a outro, tornando a rua que as divide um corredor de intensa transição”.
Acreditamos que a Fronteira, seja social, política, ideológica, étnica, linguística,
dentre outras, deve ser compreendida como um espaço de relação, de mescla, de
mistura, de heterogeneidade. Assim, a fronteira étnica em Aral Moreira/Brasil é bastante
evidenciada, principalmente pela “rotulação” de traços que caracterizam os sujeitos
como brasileiros, paraguaios, indígenas e brasiguaios. Além disso, a fronteira linguística
também é, nitidamente, vista nessa região, por meio da prática linguística nas diversas
localidades. Por esses e outros tantos motivos que a região de fronteira é classificada
como um contexto sociolinguísticamente complexo, conforme Pereira (1999).
3.2. Sociolinguística: Contribuições para o ensino de língua portuguesa brasileira
A sociolinguística é uma corrente de caráter funcional, considerada como uma
subárea da Linguística Geral, cujo objetivo principal é investigar e descrever a relação
da língua na sociedade, tendo como objeto de estudo a fala dos sujeitos que compõe
uma comunidade linguística, levando em consideração os fatores internos de uma
língua, tais como: fonologia, morfologia, sintaxe e semântica e ainda os fatores
externos, quais sejam: idade, sexo, escolaridade, classe social, história, cultura, dentre
outros fatores.
O termo Sociolinguística foi utilizado pela primeira vez em 1.953, em um
trabalho de Haver. C. Currie. O ano considerado “chave” para o desenvolvimento da
Sociolinguística foi em 1.964, nos Estados Unidos da América, com a publicação dos
livros de Gumperz, Labov, Hymes e a conferência de William Bright, em Los Angeles.
96
É imprescindível destacar um sutil embate entre a Linguística, propriamente dita,
e a Sociolinguística, repousa no fato de que estrutura da língua constitui o tema da
Linguística, enquanto o uso da língua é de interesse da Sociolinguística.
Ao contrário da Corrente Estruturalista de Ferdinand de Saussure, que definiu a
língua (langue) como objeto central de estudos da Linguística. William Labov, em
1.963, inaugurou uma vertente de estudos de orientação “anti-saussuriana”. Desse
modo, ao invés de Língua (langue) como fez Saussure, Labov centrou seus estudos na
fala (parole), em situações reais de uso do ponto de vista social, no contexto cultural
dos Estados Unidos (E.U.A).
Surge então, a “Teoria da Variação Linguística” e, consequentemente, o Modelo
Metodológico da Sociolinguística, elaborado por Labov. Sua teoria ficou conhecida,
também, como “Sociolinguística Variacionista”, cuja proposta é o estudo dos processos
de variação e mudança linguística, seguindo o modelo da pesquisa quantitativa a partir
de variáveis sociais, como idade, sexo, região, nível escolar, etnia, classe social, dentre
outros fatores. Assim, a língua passa a ser vista em uma perspectiva social, sóciohistórica.
É oportuno mencionar que há estudos sociolinguísticos de elite, que são
investigações realizadas em contextos majoritários, ou de línguas que possuem status de
prestígio social elevado, por exemplo, o francês, o italiano e o inglês. Esses estudos são
baseados, geralmente, nos postulados Labovianos64 que se encaixa na “Linguística dita
clássica”, contudo - o que Cavalcanti se propõe; é apresentar; um estudo
sociolinguístico marginalizado, de contextos minoritários, focalizando os cenários
indígenas, de imigrantes, de surdos e de fronteira. Pode-se pensar que a abordagem
realizada por Cavalcanti (1999) é uma perspectiva teórica mais próxima da
sociolinguística educacional, proposta por Stella Maris Bortoni-Ricardo, que se encaixa
na área denominada “Linguística Aplicada”, em que os estudos, na maioria das vezes,
são voltados para os contextos de minorias linguísticas.
Desde a década de cinquenta (50) e sessenta (60), a sociolinguística vem lutando
em favor da igualdade essencial das variedades linguísticas num país considerado,
oficialmente, monolíngue, quando na realidade é, no mínimo bilíngue, visto que se
constata a existência da língua portuguesa brasileira e a língua brasileira de sinais
64
Willian Labov. Padrões Sociolinguísticos. 2008.
97
(LIBRAS). Além de contribuir na conscientização quanto à heterogeneidade linguística
no Brasil.
A Sociolinguística é divida, principalmente, em três eixos, sendo eles:
I – Sociolinguística Variacionista ou Sociolinguística Laboviana, essa corrente
teve como precursor William Labov e procura investigar os processos de variação e
mudança linguística, seguindo o modelo da pesquisa quantitativa a partir de variáveis
sociais (idade, sexo, região, nível escolar, etnia, classe social, etc). Seguindo tal
perspectiva teórico-metodológica é possível observar variação em diversos níveis da
estrutura linguística que perpassam a variação fonológica, lexical, sintática e
morfológica. No Brasil, Fernando Tarallo é um dos seguidores das propostas
metodológicas de Labov. Tal metodologia é mais utilizada para descrição
sociolinguística de contextos caracterizados como Sociolinguísticamente complexo,
com o objetivo de mapear a real situação sociolinguística de determinada região.
II – Sociolinguística Interacional ou Sociolinguistica Interacionista: cujo principal
pioneiro foi John Gumperz se ocupa dos estudos de interação da linguagem do
indivíduo, numa situação de comunicação face a face, ao tratar a linguagem enquanto
fenômeno social.
III – Sociolinguística Educacional: Entendemos que a principal pioneira nos
estudos relativos à sociolinguística e ensino é a brasileira Stella Maris Bortoni-Ricardo.
O objetivo de tal corrente teórica é no sentido de sensibilizar, principalmente, os
docentes (em sua prática docente) sobre as variantes linguísticas existentes no âmbito
escolar, apresentando-as aos alunos, sem rotulá-las. É necessário adotar uma posição
culturalmente relativa, ou seja, reconhecer que não há uma variação linguística melhor
que a outra, independente do prestígio social e político. Essa postura de cultura relativa
combate o mito de uma língua homogênea e, sobretudo o preconceito linguístico com
relação às variedades lingüísticas estigmatizadas, ridicularizadas, que por ser diferentes,
são tidas como feia ou inferior.
Tendo em vista a divisão da Sociolinguística, enquanto ciência e área do
conhecimento e investigação, é importante frisar que são diversas as contribuições da
Sociolinguística, contudo, o nosso objetivo aqui é elencar apenas alguns subsídios da
Sociolinguística para/com o ensino de língua portuguesa dentro do cenário escolar.
Desse modo, é fundamental reiterar que, na atualidade, a Sociolinguistica Educacional
tem voltado seu olhar, especificamente, para o contexto escolar.
98
Segundo Bortoni-Ricardo (2004, p.38):
(…) uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos educandos
está atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, e
mostra ao professor como encontrar formas efetivas de conscientizar os
educandos sobre essas diferenças. Na prática, contudo esse comportamento é
ainda problemático para os professores, que ficam inseguros, sem saber se
devem corrigir ou até mesmo se podem falar em erros.
As contribuições da sociolinguística, em especial, para o ensino de língua
portuguesa tem sido várias, dos quais elencamos alguns pontos em forma de tópico,
quais sejam:
1. Língua Portuguesa ou Língua Brasileira?: Ou seja, levar ao aluno a ideia de
pluralidade linguística existente no Brasil; que a variante padrão é apenas uma das
várias que existe no cenário nacional; Levar, ainda, a reflexão da própria variação da
língua portuguesa brasileira e língua portuguesa lusitana, bem como sua origem do
latim vulgar (uma língua estigmatizada). Além disso, visualizar e reconhecer as
diferenças do português falado no Brasil, em Portugal, em Guiné-Bissau, e outras
localidades onde a língua portuguesa é reconhecida oficialmente. Enfim, reconhecer a
ecologia do multilinguismo.
2. Políticas Educacionais e Políticas Linguísticas: Levar a discussão para a sala de
aula no que diz respeito às políticas educacionais e linguísticas, o que tais setores têm
contribuído? Como tem tratando as línguas brasileiras e suas respectivas variações;
quais os reflexos da Política Linguística? O que é uma Política Linguísitica. Como é a
gestão da língua em zonas de fronteira? Por fim, problematizar e refletir a Língua, como
produto social, heterogêneo e mutável.
3. Sensibilização Linguística e Cultural do alunato. A sensibilização de
professores quanto ao contexto social, político, ideológico, religioso, linguístico, dentre
outros aspectos; do “outro”, no sentido de conviver com o diferente de forma natural,
sem marignalizá-lo ou ridicularizá-lo.
4. Língua Padrão versus Língua não-padrão. Promover discussões referentes aos
usos de tais modalidades linguísticas e trabalhá-las em um continuum de modo a
reconhecer a realidade cultural e linguística do aluno, bem como tratar as duas variantes
de modo igualitário, partindo do residual, da língua de origem do aluno para se chegar a
língua esperada pela escola, a língua tida como padrão ou formal.
5. Implantação de reconhecimento de variantes linguísticas no currículo
institucional. A escola é o lugar onde tudo acontece, infelizmente ou felizmente, é nesse
99
espaço que o conflito étnico e linguístico se interagem, diariamente. Portanto, é
fundamental a escola, antes de tudo reconhecer-se bilíngue e intercultural, logo, mostrase sensível às variedades linguísticas, bem como diferenças sociais, de classe
econômica, dentre outras.
6. Certo ou Errado? É interessante não tratar a língua padrão como correta e a
não-padrão como errada, pois ambas são variantes que possuem objetivos distintos.
Podemos pensar, dentre outros parâmetros, que a língua padrão é usada, geralmente, no
contexto formal, enquanto que a língua não-padrão é utilizada, na maioria das vezes, em
situações não formais como, por exemplo, no âmbito familiar. É necessário sair dessa
ideia de escola tradicional e ensino de uma gramática morta, estática, até porque a
língua é viva e está em constante mudança. Se partirmos do pressuposto de certo e
errado, infelizmente, cairemos no senso comum, pois aquilo que é considerado “errado”
hoje, um dia foi certo e vice-versa. A título de exemplificação temos algumas palavras,
como “dous”, que na atualidade é equivalente a “dois”, “pranta” ao invés de “planta”,
“ingrês” no lugar de “inglês”, usadas por Luís Vaz de Camões em sua obra denominada
“Os Lusíadas”.65
7. Conscientização do contexto linguístico heterogêneo: Refletir não só o contexto
linguístico, mas cultural, identitário, sair da visão de binarismos identitários é
imprescindível para o reconhecimento de uma cultura mestiça. É necessário, ainda,
estudar a língua de forma mais democrática.
8. Preconceito linguístico; é importante o docente ter em mente a ideia de que o
preconceito linguístico se baseia em um círculo vicioso composto por métodos
tradicionais de ensino, uso essenciamente de livros didáticos, ensino de gramática e
elementos paragramaticais sem refletir em uma perspectiva de funcionalismo da língua.
Segundo Bagno (1999) registra que preconceito linguístico desenvolve alguns mitos
acerca do ensino de língua portuguesa no Brasil, são eles: a língua portuguesa falada no
Brasil apresenta uma unidade; brasileiro não sabe português; só em Portugal se fala o
“verdadeiro” português; a língua portuguesa é muito difícil; as pessoas sem instrução
falam tudo errado; o lugar onde melhor se fala português no Brasil é em Maranhão; o
certo é falar assim porque se escreve assim; é preciso saber gramática para falar e
escrever bem; e, o domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social.
65
Disponível em: <http://www3.universia.com.br/conteudo/livros/Os_Lusiadas.pdf> último acesso:
12/12/2014, às 13h.
100
Nesse sentido, podemos considerar que as variações linguísticas na sociedade
podem constituir-se em meios para a discriminação social, pois os diversos grupos
sociais (possuidores de uma dada variação) adquirem um matiz de oposição em relação
aos padrões estipulados, sendo que o mais importante é se afirmar como superior. Nesse
contexto, podemos afirmar que os grupos privilegiados cultural, social e
economicamente, frequentemente, tendem a valorizar a sua variedade linguística em
detrimento das demais. Assim, os grupos linguísticos que não tiveram as condições
necessárias para o desenvolvimento de sua língua materna e nacional sofrem
discriminação social, sendo esta motivada pelo preconceito linguístico.
3.3. O Perfil da Região em Estudo: Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil
com o Departamento Santa Virginia/Paraguai
A fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com a Microrregião da
Cardia/Paraguai, segundo o censo-2010, realizado pelo IBGE66, possui uma população
estimada a aproximadamente 10.251 habitantes. O povoado dessa região é mesclado
entre brasileiros, paraguaios e indígenas de dois subgrupos mapeados, sendo eles: Os
Guarani-kaiowa e os guarani-ñandeva.
A posição geográfica estratégica da cidade de Aral Moreira/Brasil faz com que tal
localidade faça fronteira seca, isto é, sem obstáculos, com o Departamento Santa
Virginia/Paraguai. Certamente, essa mistura territorial entre Brasil e República do
Paraguai evidencia uma mescla social, cultura, religiosa, ideológica, dentre outras; dos
povos que habitam a região fronteiriça em questão.
Mota (2010, p.09) apud Camblong (2006) registra que na fronteira “se manejan
distintas monedas, distintas lenguas, más de una documentación personal, se compra y
se vende, se llora y se ríe, se ama y se odia en movimientos contínuos de un lado al
otro”.
A partir desse mosaico social e por meio do olhar investigativo que a pesquisa
etnográfica proporciona, é comum verificar em Aral Moreira/Brasil e Departamento
Santa Virginia/Paraguai as pessoas em rodas de tereréi, conversando, naturalmente, em
frente as suas casas ou nas casas de amigos, bem como em locais públicos, como
praças, ginásio Poli Esportivo, dentre outras localidades públicas. Na maioria das vezes,
encontramos essas famosas rodas de tereré no final da tarde, horário em que grande
66
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
101
parte da população aralmoreirense/Brasil e cardinense/Paraguai (do Departamento Santa
Virginia) encerra o expediente de trabalho.
Graças à sua localização, o clima da fronteira Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai é tropical, há, ainda, duas estações bem
definidas, sendo elas: inverno seco e verão chuvoso. Desse modo, é possível afirmar
que o clima dessa região em estudo é distinto da maior parte do Estado de Mato Grosso
do Sul, tornando-se possível a qualquer viajante perceber a diferença na temperatura,
que no inverno, fica coberto por intensa neblina, o que torna difícil a visibilidade dos
motoristas, exigindo destes, maior cuidado no trânsito para evitar acidentes.
A região fronteiriça é movida economicamente pela agricultura e pecuária,
desenvolvidas na área rural, tanto do lado brasileiro quanto do lado paraguaio, por meio
da criação de gado. A partir do fluxo intenso de criação de gado, criaram-se eventos
realizados anualmente, como pontua Barbosa (2012, p. 22-3) “leilões de gados doados
por brasileiros, moradores da cidade, que possuem sua criação em fazendas localizadas
no Paraguai”.
Com base na afirmação de Barbosa (2012), e por meio das intervenções
etnográficas realizada na região em estudo, percebe-se que, a maior parte de criação de
gado é realizada no Departamento Santa Virignia, Serro XXI, do lado paraguaio dessa
fronteira, mas, é oportuno mencionar que os proprietários das fazendas localizadas no
Paraguai são, em sua maioria, brasileiros e/ou brasiguaios, que residem ora no Brasil
ora na República do Paraguai. Assim, pode-se afirmar que não há divisão concisa nessa
fronteira quanto ao aspecto econômico, posto que haja mistura de paraguaios e
brasileiros que atuam no setor agropecuário local.
Evidentemente, a vida na fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento
Santa Virginia/Paraguai é bastante singular, pois apesar da existência de uma divisão
geográfica e política entre os dois países, Brasil e República do Paraguai, não há, na
prática essa divisão, o que existe é um outro espaço, de fronteira, um espaço híbrido,
misturado, que se instaura na mescla social, cultural, linguística, dente outras; gerada a
partir do “ir” e “vir” diário que a condição de fronteira territorial seca possibilita aos
habitantes de tal localidade.
Na contemporaneidade, dentro dos estudos sociolinguísticos, algumas pesquisas
têm sido realizadas com intuito de mapear e descrever a real situação de contextos
classificados principalmente por Cavalcanti (1999) e Pereira (1999a/2002b) como
“sociolinguísticamente complexo”, como é o caso de fronteiras secas, em nosso caso, a
102
fronteira
internacional
de
Aral
Moreira/Brasil
com
o
Departamento
Santa
Virginia/Paraguai. Com base nos trabalhos correlatos, apresentados no capítulo 01, tais
como, Barbosa (2012); Trenkel (2009); Silva (2007); Matoso (2006) e Freire (2013),
para melhor visualização de alguns aspectos fronteiriços que ilustram algumas
particularidades da fronteira em estudo, apresentado, a seguir, no Quadro 01.
ARAL MOREIRA/BRASIL – MICRORREGIÃO DA CARDIA/PARAGUAI
Aspetos
Descrição
fronteiriços
“Territóriais”
Línguísticos
Região de fronteira seca sem comércio
Português; Portunhol; Castelhano; Guarani; Jopará; Línguas de
imigrantes; Línguas de povos minoritários
Brasil: 03 Redes Estaduais; 05 Redes Municipais
Educacionais
Paraguai: Não existem escolas e faculdades próximas a Aral
Moreira.
Dança: Vanerão; Funk; katchaka; Chamamé
Culturais
Culinária: Pucheiro; Guisado ou Vaca atolada; Sopa paraguaia;
Chipa; Churrasco; Arroz de carreteiro; Macarrão.
Bebida: Tereré; Chimarrão; Chicha.
Quadro 01. Mapeamento dos Aspectos Culturais de Aral Moreira/Brasil – Microrregião da
Cardia/Paraguai. (grifo nosso).
As populações aralmoreirenses e do Departamento Santa Virginia/Paraguai são
formadas por uma considerável variedade étnica, o que resulta no “conflito” e/ou
“contato” cultural, linguístico, religioso, dentre outros; construídos nas relações sociais.
Dessa forma, a união dos habitantes oriundos de diferentes etnias, brasileira, paraguaia e
indígena (Guarani-Kaiowa e Guarani-Ñandeva) merece destaque, visto que costumes e
hábitos se misturam nas interações sociais, seja na dança (vanerão, katchaka, chamamé,
polca, catira), na bebida (chimarrão), na culinária (sopa paraguaia e chipa), na música
(boleros e polca paraguaia) que já chegaram a outros Estados do Brasil, como Mato
Grosso, na língua (português, guarani, castelhano, espanhol, bem como nas interlínguas
portunhol e jopará), dentre outros aspectos não descritos por conta do recorte
delimitado para a discussão proposta.
103
Tendo em vista essa mescla social, pode-se afirmar que na fronteira internacional
de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai há intercâmbio
sociolinguístico e cultural entre os dois países, Brasil e República do Paraguai, por se
tratar de uma fronteira seca, isto é, uma estrada designada de linha de limite
internacional que separa, no aspecto político e geográfico, a cidade de Aral
Moreira/Brasil do Departamento Santa Virginia/Paraguai. O resultado dessa
miscigenação sócio-cultural gera um contexto instável, vivo, que por sua vez, pode ser
classificado como heterogêneo e miscigenado, resultando em um espaço ora brasileiro,
ora paraguaio, portanto hibrido.
Atualmente, de acordo com Barbosa (2012, p.24) e conforme o Quadro 01, no que
diz respeito aos aspectos educacionais, percebe-se que a cidade conta com três escolas
estaduais, sendo uma delas no distrito de Vila Marques e, quatro escolas municipais,
distribuídas entre os distritos de São Luís, Rio Verde do Sul e Vila Marques, além de
contar com uma escola indígena, localizada na aldeia Guassuty.
A cidade de Aral Moreira/Brasil possui, ainda, um Pólo da UNIGRAN, local em
que parte da população aralmoreirense/Brasil e cardinense/Paraguai gradua o ensino
superior à distância. Outro ponto que chama atenção, a partir do olhar investigativo de
base etnográfica, é o fato de que a região ainda não possui instituição de ensino regular
privada e, tampouco existir escolas no lado paraguaio, nas proximidades do
Departamento Santa Virginia/Paraguai.
A ausência de escola no Departamento Santa Virginia/Paraguai faz com que os
alunos dessa localidade se locomovam até as escolas brasileiras, situadas em Aral
Moreira/Brasil. Desse modo, pode-se afirmar que existe uma clientela de alunos
bastante diversos. A partir do olhar etnográfico se observa a presença expressiva de
alunos paraguaios e indígenas de etnia guarani-ñandeva e guarani-kaiowa, geralmente
oriundos de regiões rurais situadas nas proximidades do Paraguai, frequentando
diariamente as escolas brasileiras de Aral Moreira/Brasil.
Essa mescla de alunos brasileiros, paraguaios e indígenas (Guarani kaiowa e
Guarani nandeva), observada durante a experiência de fronteira etnográfica, nas escolas
de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai possibilita afirmar
que esse cenário é palco que ilustra a complexidade social, cultural, identitária,
linguística, dentre outras. Além disso, essa mistura étnica dentro do âmbito escolar
evidencia a mistura de alunos brasileiros, brasiguaios, paraguaios e indígenas dos dois
subgrupos anteriormente elencado no contexto escolar que, automaticamente, não há só
104
a mistura social, cultural, mas também linguística. Dessa forma, o contato linguístico
acontece de forma oral e escrita dentro da escola. Com base nas intervenções
etnográficas, podemos perceber que a maior parte das escolas públicas dessa fronteira
não se reconhece bilíngues, o que acaba por estigmatizar a língua de alunos
minoritários, marginalizando-lás.
Até hoje, não há constatação de projeto de qualificação aos professores que atuam
nas escolas Aral Moreira/Brasil e recebem alunos do Departamento Santa
Virginia/Paraguai. Embora seja fundamental uma educação intercultural diferenciada a
tal contexto classificado por Cavalcanti (1999) e Pereira (2002b) como mais
“sociolinguisticamente complexo”.
Com base no Quadro 01, nota-se no aspecto linguístico que os docentes das
escolas brasileiras de Aral Moreira estão em contato, diariamente, com línguas de
alunos de nacionalidades distintas. O guarani falado por alunos do subgrupo de etnia
Guarani-Ñandeva e Guarani-Kaiowa; a língua espanhola e a língua castelhana, ambas
faladas pelos educandos paraguaios e brasiguaios; a língua de sinais brasileira; e a
língua portuguesa falada por todos dentro do âmbito escolar é um exemplo nítido desse
contato linguístico, sobretudo conflito linguístico dentro de instituições de ensino da
fronteira em estudo.
A região equivalente a fronteira seca de Aral Moreira/Brasil com o Departamento
Santa Virginia/Paraguai permite o intercâmbio entre a população brasileira, paraguaia e
indígena (Guarani-Ñandeva e Guarani-Kaiowá). Portanto, a partir do olhar
investigativo que a etnografia nos proporciona, na região em estudo é comum ver
brasileiros trabalhando na zona rural, localizada no país vizinho, Paraguai. Assim, como
também é natural observar paraguaios trabalhando no lado brasileiro, principalmente,
em comércios, o que resulta na mistura de países, povos, culturas, línguas e ideologias
que tornam essa localidade hibrida e instável.
Esse intercâmbio social diário entre moradores da fronteira em foco nos leva a
afirmar que o contexto em questão é no mínimo, bilíngue. As línguas praticadas em
Aral Moreira/Brasil fazem parte dos estudos relativos ao bilinguismo marginal, aquele
que se refere a línguas minoritárias, espanhol, castelhano e guarani, praticadas, na
maioria das vezes, em espaços desprivilegiado. Por outro lado, tem-se o bilinguismo de
elite (inglês, francês e italiano) que, geralmente, circula em um contexto privilegiado.
105
4. Bilinguismo
O fenômeno Bilinguismo tem sido estudo, como nos lembra Mello (1999),
“segundo várias perspectivas como, por exemplo, a social, a psicolinguística, a
educacional, a política, a econômica, etc.” Diante de tantos conceitos e estudos
referentes ao fenômeno Bilinguismo, conceituá-lo é tarefa complexa, uma vez que
permite interpretação de diversos olhares.
Em uma perspectiva unidimensional, embasadas no comportamento linguístico,
proposta, principalmente, por teóricos como: Bloomfield (1935/1979), Macnamara
(1967) e Titone (1972), o fenômeno bilinguismo é entendido como: “o controle de duas
línguas de maneira semelhante a do nativo” (BLOOMFIELD, 1979, p.56).
Corroborando com a visão de Bloomfield, o dicionário de língua portuguesa,
Ferreira (2004, p.93) registra que: “Bilíngue 1. Ser capaz de falar duas línguas; 2.
Escrito em duas línguas”. Por muito tempo, a ideia de que o sujeito bilíngue era aquele
capaz de dominar duas línguas igualmente. Desse modo, na visão popular o indivíduo
bilíngue era visto como a pessoa que domina duas línguas perfeitamente.
Mello (1999, p.42) nos lembra que Bloomfield, ao longo de seu amadurecimento
acerca da definição de Bilinguismo, acrescentou: “É claro que não se pode definir qual
o grau de perfeição para que um bom falante estrangeiro se torne bilíngue”. Desse
modo, o controle de línguas igualmente, postulado por Bloomfield, passou a obter certo
grau de relatividade.
Essa visão de “bilíngues perfeitos”, que controlavam duas línguas de modo
semelhante, é contrariada no momento em que Macnamara (1967) apud Harmers e
Blanc (2000, p.06) registra que: “um indivíduo bilíngue é alguém que possui
competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e
escrever) em língua diferente de sua língua nativa”. Nessa perspectiva, o sujeito
bilíngue é aquele que domina, pelo menos, uma das habilidades linguísticas,
anteriormente elencadas, mesmo que em pequeno grau.
Entre as duas visões que se contrapõem há outras concepções sobre o fenômeno
Bilinguismo como, por exemplo, a proposição de Titone (1972), citado por Harmers e
Blanc (2000, p.07): “bilinguismo é a capacidade individual de falar uma segunda língua
obedecendo às estruturas desta língua e não parafraseando a primeira língua”. Ao
observar a acepção apresentada, é visível que o Bilinguismo é complexo e deve ser
106
analisado, interpretado e estudado sob várias óticas, levando em conta diversos níveis,
como: individual, interpessoal, intergrupal, enfim, social.
Segundo Harmers e Blanc (2000), é fundamental destacar que o viés unidimensial
acerca do fenômeno Bilinguismo apresenta alguns aspectos desfavoráveis, uma vez que
define o sujeito bilíngue, somente, por meio da competência linguística, o que acaba por
ignorar algumas dimensões, relativamente, importantes como, por exemplo, os níveis de
análises, quais sejam: individuais, interpessoais ou sociais.
Em uma perspectiva multidimensional, que leva em conta fundamentos oriundo
de vários ramos do conhecimento, como da Linguística, da Sociolinguística, da
Sociologia, da Psicologia, dentre outros; a noção de Bilinguismo é vista como algo
complexo de ser visualizado, interpretado e, sobretudo conceituado.
Compreendendo a complexidade e ampla conceituação relativa ao Bilinguismo e
também os graus existentes de Bilinguismo, Mello (1999, p.21-41), alerta para a
existência de uma divisão caracterizada por “Bilinguismo Social” e o “Bilinguismo
Individual”. Segundo a autora, essa noção de divisão, na realidade, funciona como um
continuun do bilinguismo social, referente à sociedade até o bilinguismo individual,
particular do sujeito.
Ao longo dos anos, muitos são os estudos relativos ao bilinguismo, entre eles,
Grosjean (1982), Mello (1999), Romaine (1995), Pereira & Costa (2011), que mapeiam,
sobretudo revelam contextos conflituosos, uma vez que a situação bilíngue, na maioria
das vezes, é resultado do contato de diferentes comunidades étnicas e linguísticas que
acabam dividindo, de algum modo, o mesmo espaço, isto é, como é o caso de sujeitos
radicados na Fronteira.
Cavalcanti (1999) ao focalizar, em sua relfexão acerca de “Estudos sobre
Educação Bilíngue e Escolarização em Cenários de Minorias Linguísticas” registra que
ao observar o “contexto sociolinguístico brasileiro”, não se pode ignorar os contextos
bilíngues, tendo em vista que o país, a partir da emissão monolíngue, o Bilinguismo está
presente em praticamente cada país do mundo, pois, há o uso da língua de sinais,
indígenas e do português brasileiro e suas respectivas variações dialetais.
A discussão que Cavalcanti (1999) se propõe a realizar gira em torno da reunião de
projetos de pesquisa de cunho etnográfico que ela desenvolveu com sua equipe67, dando
67
Para realizar tal reflexão, a autora se baseia em estudos que focalizam o contexto indígena, como os de
Cavalcanti (1995/1999); Maher (1990/1996); Mendes (1995); César (1995); Freitas (1998). E ainda em
107
ênfase no primeiro momento ao contexto de educação indígena escolar e,
posteriormente, a contextos bi/multilíngues de minorias68. A autora faz uma
diferenciação nos termos: escolarização bi/multilingue e educação bilíngue. O primeiro
é caracterizado pela presença de duas ou mais línguas, não necessariamente escritas,
visto que tal cenário é forte em tradição oral. Já o segundo termo, a autora se baseia,
principalmente, nos três modelos apresentados por Hornberger (1991), de transição,
manutenção e enriquecimento de uma língua, desse modo, uma ponte para se chegar à
língua-alvo.
Esses contextos bi/multilíngues de minorias são classificados por Pereira (2002,
p.48) como “Sociolinguísticamente Complexos”, pois segundo a autora:
A caracterização de um contexto sociolinguístico complexo envolve vários
aspectos, dentre eles, a coexistência de várias línguas, as diversidades
dialetais intercompreensíveis ou não, as formas culturais das interações
sociais, as crenças, as atitudes em relação ao “diferente”.
Compreendendo o conceito de Pereira (Op. cit), acreditamos, também, que a
complexidade sociolinguística se dá em todo e qualquer espaço, porém o complexo é
evidenciado e melhor visualizado em regiões de fronteira, pois a dinâmica das línguas,
nas interações sociais do dia a dia é constante nesse espaço, resultando não só no
contato de línguas, mas conflito linguístico.
Mello (1999), em seu livro intitulado “O Falar Bilíngue”, trabalha sob a
perspectiva do Bilinguismo de elite, o qual leva em consideração línguas que possuem
grau de prestígio elevado, tais como: o inglês, o francês e o italiano. A autora reúne sua
experiência de atuação como professora de língua inglesa e propõe uma discussão de
Bilinguismo em torno da aquisição da segunda língua. Ao realizar o estudo, Mello (Op.
cit), mapeia a real situação da aquisição de língua inglesa em escolas, o que, de certa
forma, contribui para conhecer como é adquirida a segunda língua no contexto das
minorias étnico-linguística de caráter elitizado.
Tendo em vista os inúmeros trabalhos referentes às minorias étnicos-linguísticas
existentes no Brasil, destacamos, a seguir, alguns trabalhos correlatos que descrevem e
revelam a atual situação de Bilinguismo Marginal da fronteira, entre Brasil e República
estudos relativos aos contextos de imigrantes, como: Jung (1997); Takasu (1999) e Pereira (1999), além
de pesquisas realizadas em contextos de fronteira, realizado por Martins (1995).
68
É importante destacar que quando a autora usa o termo minoria, não se refere à quantidade, mas sim à
classe menos favorecida, inferior, estigmatizada, ridicularizada, desprivilegiada, e dentre outras
terminologias utilizadas para classificar este tipo de comunidade, que na realidade representa a maioria
em quantidade
108
do Paraguai, de Mato Grosso do Sul. Além disso, segundo Ebling (2013, p. 20), esses
estudos estabelecem “a realidade cultural complexa dos sujeitos que vivem nesta linha
fronteiriça, pois há um aglomerado de fontes culturais e linguísticas que influenciam
direta e indiretamente a formação identitária dos mesmos”
Dalinghaus (2009), ao investigar a dificuldade de ensinar a língua portuguesa na
fronteira internacional de Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan Caballero/Paraguai, ressalta
que grande parte do alunato de uma escola da região pesquisada fala outra língua, além
daquela tanto almejada pela escola, no caso a língua portuguesa. Além disso, a autora
registra em seu estudo situações de bilinguismo em que os alunos dessa fronteira
“sofrem” interferências linguísticas, principalmente, da língua espanhola.
De
acordo
com
Cavalcanti
(1999),
infelizmente,
a
“escola(rização)
bilíngue/bidialetal não faz parte da vida educacional brasileira” (p.396). Deste modo, até
o fechamento do texto, observa-se, que, diante dos estudos realizados, que apresentam o
panorama sociolinguístico de algumas regiões do país, ainda não se tem uma política
linguística e educacional voltada para os contextos de minorias linguísticas.
Nota-se ainda, curiosamente, na investigação de Fernandes (2012), a existência
de um elo da escola(rização) bilíngue/bidialetal em duas escolas de fronteira entre Brasil
e Paraguai. Desse modo, na atualidade, não se pode mais afirmar de modo generalizado
que a educação bilíngue/bidialetal não faz mais parte da realidade educacional, como
afirma Cavalcanti (1999).
Fernandes (Op. cit) com o estudo intitulado: “Proyecto Escuela Bilingue de
Frontera Brembatti Calvoso/Brasil y Escuela nº290 Defensores dol Chaco/Paraguay”,
registra, em 2012, a existência do Projeto Escola Bilíngue no cenário do Centro Oeste.
Além disso, a autora destaca o fortalecimento, por meio do cruce69, de laços de cultura,
diálogo direto e linguagem, em prol do reconhecimento de se preparar para atender o (a)
aluno (a) fronteiriço (a), que possui traços peculiares, desde o falar fronteiriço até a
cultura do sujeito oriundo da fronteira.
Barbosa (2012/2013), por meio de sua experiência etnográfica, reitera a noção de
contexto sociolinguísticamente complexo, proposto por Pereira (2002). O autor realiza
um paralelo entre as fronteiras de Aral Moreira/Brasil e Departamento Santa
Virginia/Paraguai
com
a
fronteira
de
Ponta
Porã/Brasil
e
Pedro
Juan
Caballero/Paraguai, e descobre que ambas as fronteiras possuem peculiaridades que
69
Grosso modo, cruce, é a transição, o cruzamento de docentes das escolas de fronteira. Criando um
diálogo, assim, presente entre o Brasil com os países, principalmente, da América do Sul.
109
perpassam desde o setor político, econômico, até o aspecto cultural, linguístico e
ideológico. Por isso, é fundamental pensar em situações de fronteira (STURZA, 2006),
pois cada fronteira possui um fenômeno de bilinguismo particular.
5. Identidade
De acordo Hall (2003), os conceitos relativos à Identidade estão em constante
transição. Nessa perspectiva, no período caracterizado como “Pós-Colonial” é tarefa
complexa determinar um só significado para o termo Identidade. Retomaremos de
forma breve um pequeno histórico, de modo a ilustrar alguns posicionamentos tidos ao
longo dos anos, com relação à terminologia Identidade.
Ainda, segundo Hall (2003, p.10) uma das definições de Identidade está centrado
no Indivíduo do Iluminismo, que caracterizada que a identidade era particular de
determinada pessoa, tornando, assim, uma identidade própria e exclusiva. Essa
Identidade era construída com base na história de vida do sujeito, por meio da cultura
recebida, ao longo de seu “percurso narrativo”, por familiares, pela comunidade e por
fim pela sociedade ocidental em que tal sujeito reside.
A nacionalidade, os familiares e o nome, que o sujeito recebe são alguns dos
elementos que contribuem para constituir sua identidade. Além disso, o espaço em que
o sujeito vive é responsável por lhe proporcionar: a aprendizagem da língua materna; as
tradições e os costumes ou hábitos que o indivíduo vai adquirindo ao longo de sua
“linha do tempo”. Esses elementos contribuíram para a construção da personalidade e
da memória individual do indivíduo.
A respeito do sujeito Iluminista, Hall (2003, p.10) ressalta que o sujeito:
... estava baseado numa concepção de pessoa humana como um indivíduo
totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de
consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que
emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia,
ainda que permanecendo essencialmente o mesmo – contínuo ou “idêntico” a
ele – ao logo da existência do indivíduo. O centro essencial do eu era a
identidade de uma pessoa. (grifo nosso).
Como se pode observar o “eu” era a identidade de uma pessoa, centrada nela
mesma. A título de exemplificação, no momento em que nasce o sujeito inicia a
processo de construção constante de sua identidade. Nessa perspectiva, desde o
nascimento, o sujeito, no contato com outros indivíduos, absorve comportamentos e
informações que o tornará único e singular. Assim, o sujeito formata sua identidade
incorporando ideias e informações, adequando-as e tornando-as particulares, isto é,
110
próprias. Após essa constituição da identidade, ao longo de sua existência o sujeito
transforma essas informações adquiridas em características permanentes de sua
personalidade.
Hall (2003, p. 11) também registra o conceito de Identidade do ponto de vista do
Indivíduo Sociológico. Essa vertente parte do pressuposto de que a Identidade está
relacionada a uma determinada cultura. As características adquiridas que os sujeitos
incorporam, ao longo de sua trajetória existencial, por determinada cultura funcionam
no sentido de lhe identificar como pertencente tal grupo cultural particular.
Além da crescente complexidade do mundo moderno ou “Pós-Colonial”, Hall
(2003, p.11) reflete sobre a noção de sujeito sociológico:
De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da
questão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O
sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é
formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais
“exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem.
Como se pode notar, o conceito de identidade, no viés do sujeito sociológico,
preenche questões entre o “interior” e o “exterior”, em outras palavras, o mundo
particular do sujeito e o mundo para além do interior, o mundo que o cerca. Nessa
corrente de identidade, do ponto de vista sociológico, o sujeito esquematiza o seu “eu”
baseado nas identidades culturais, ao passo que incorpora seus significados,
apropriando-os e os tornando parte integrante de si. Assim, o sujeito ocupa posições
sociais no mundo cultural e social.
Compreendendo a terminologia Identidade do ponto de vista do Sujeito Iluminista
e do Sujeito Sociológico, nota-se um paradoxo indentitário, enquanto o primeiro tinha
uma identidade centrada no “eu”, o segundo já se interage com outras identidades que
estão relacionadas à cultura e a sociedade e, assim, forma a sua identidade por meio da
interação social.
Além dessas duas concepções, de Sujeito Iluminista e Sujeito Sociológico, Hall
(Op. cit) apresenta, ainda, o conceito do Sujeito “Pós- Moderno”. Segundo o autor, esse
indivíduo está fragmentando-se, isto é, não é constituído de uma identidade específica
ou exclusiva. Desse modo, o sujeito “Pós-Colonial” se classifica por internalizar
diversas identidades, muitas delas em processo de construção.
A noção de “crise de identidade” ressaltada por Hall (Op. cit) gira em torno da
definição de Identidade como um bloco único de características comuns que vão se
fragmentando.
111
Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no
mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de
identidade” para o indivíduo. Como observa o crítico cultural Kobena
Mercer, “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise,
quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela
experiência da dúvida e da incerteza”. (HALL, 2003, p.09).
O autor ainda registra que conceituar a terminologia “Identidade” é tarefa árdua e,
sobretudo complexa, assim, não se pode entender ou “ler” a Identidade no período
contemporâneo partindo apenas de um eixo e, tampouco precipitar afirmações fixas,
conclusivas. Portanto, a identidade é um conceito complexo que permite diferentes
olhares.
Tendo em vista a ideia de crise de identidade e de complexidade de conceituar tal
terminologia, Hall (2003, p.09) ressalta que no período “Pós-Colonial”:
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades
modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens
culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no
passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais.
Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais,
abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta
perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de
deslocamento ou descentração do sujeito.
Desse modo, o sujeito contemporâneo não possui uma identidade estática, fixa,
mas, por meio da interação social, entra em “crise de identidade”, resultando em uma
mobilidade identitária. Dentre vários entendimentos acerca da teoria de “crise
identitária”, proposta por Hall (2003), acreditamos que o fato do indivíduo não
conseguir mais instituir um ponto estável de suas características faz com que ele assuma
vários tipos de identidade. Essas diversas identidades são usadas conforme o contexto
em que o sujeito se encontro, além disso, em diferentes momentos.
Diferentemente das outras concepções de identidade, anteriormente elencadas, o
Sujeito Pós-Colonial desloca-se de modo mais intenso de seu eixo central, assumindo,
assim, identidades distintas em diferentes localidades.
Segundo Canclini (2001, p.23):
Já não basta dizer que não há identidades caracterizadas por essências auto
contidas e aistóricas, nem entendê-las como as formas em que as
comunidades se imaginam e constroem relatos sobre sua origem e
desenvolvimento. Em um mundo tão fluidamente interconectado, as
sedimentações identitárias organizadas em conjuntos históricos mais ou
menos estáveis (etnias, nações, classes) se reestruturam em meio a conjuntos
interétnicos, transclassistas e transnacionais.
112
Compreendendo a fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai como um espaço heterogêneo e “vivo”, do ponto
de vista geopolítico temos duas comunidades nacionais, uma situada no lado brasileiro e
outra no lado paraguaio. Ambas as sociedades de fronteira carregam consigo uma
identidade nacional, constituída pela política, pelas crenças, pelas ideias, contudo,
diariamente, esses aspectos que formatam uma identidade se mesclam, relacionam-se,
dentre eles: o aspecto linguístico; o hábito cultural; a crença, a ideologia, dentre outros
fatores. Essa mescla e, sobretudo o “remodelar” é entendido, segundo Hall (2003),
como um processo de ressignificação.
Bhabha (1998, p. 20) apresenta algumas questões que consideramos de suma
importância ao se pensar na terminologia Identidade. Segundo o autor é fundamental
pensar de que modo se constituem:
...sujeitos nos "entre-lugares nos excedentes da soma das "partes" da
diferença (geralmente expressas como raça/classe/gênero etc.)?”, “De que
modo chegam a ser formuladas estratégias de representação ou aquisição de
poder[empowerment] no interior das pretensões concorrentes de
comunidades em que, apesar de hist6rias comuns de privação e
discriminação, o intercâmbio de valores, significados e prioridades pode nem
sempre ser colaborativo e dial6gico, podendo ser profundamente antagônico,
conflituoso e até incomensurável? (BHABHA, 1998, p. 20).
Compreendendo a noção de identidade em processo, flexível e heterogênea,
podemos afirmar que a identidade do povo fronteiriço está em constante conflito.
Muitas vezes, o “ir” e “vir” é tão natural que a população de Aral Moreira/Brasil troca
costumes, hábitos, dentre outros aspectos; com o povoado que reside no Departamento
Santa Virginia/Paraguai. Esse intercâmbio social, ideológico, linguístico, religioso,
dentre outros aspectos.; faz com que o comportamento dos sujeitos que residem na
fronteira em estudo seja hibrido, em um espaço ora brasileiro, ora paraguaio, ora
mestiço.
113
PARTE III
A VISÃO DAS DOCENTES DA FRONTEIRA COM RELAÇÃO AOS ALUNOS
BRASIGUAIOS, INDÍGENAS E PARAGUAIOS
Capítulo 4 – Considerações Iniciais para a Análise
Este capítulo procura trazer a análise de dados. Usamos a triangulação de registros
propostas por Frederick Erickson (1990a/1992b/1988c), com base na percepção do presente
autor. A partir de agora, coloco-me em terceira pessoa, para melhor visualização e
interpretação de dados, uma vez que, a pesquisa etnográfica qualitativa permite avaliar,
também, o pesquisador, suas atitudes, enfim, seu modo de percepção com relação aos Dados
Coletados durante a pesquisa in loco, bem como as intervenções etnográficas.
Com relação à etnografia e ensino, André (1995, p. 38) ressalta que o pesquisador
etnográfico ao procurar entendimento, interpretação da multiplicidade cultural encontrada,
também, no âmbito escolar:
(...)
vai
procurar entender essa cultura, usando para isso uma metodologia
que envolve registro de campo, entrevistas, análises de documentos,
fotografias,
gravações. Os dados são considerados sempre inacabados. O pesquisador não
pretende comprovar teorias nem fazer ‘grandes’ generalizações. O que busca,
sim, é descrever a situação, compreendê‐la, revelar os seus múltiplos
significados,
deixando que o leitor decida se as interpretações podem ou não ser
generalizáveis, com base em sua sustentação teórica e sua plausibilidade.
A partir dessa orientação etnográfica, outra referência utilizada para interpretação de
sentidos nos dados coletados são as premissas de Bortoni-Ricardo (2004a/2005b), baseado na
“Sociolinguística Educacional” ou “Sociolinguística e Ensino” cujo objetivo é baseado em
uma pedagogia culturalmente sensível cujo objetivo é reconhecer a diversidade cultural e
linguística existente dentro do âmbito escolar, respeitando-as e tratando de maneira
semelhante.
A análise de dados é dividida em três momentos: No primeiro momento, apresentamos
o Perfil das Docentes, objetos de estudo, com base no questionário aplicado com o intuito de
melhor conhecer as professoras. No segundo momento, apresentamos a visão dessas docentes
com relação à Produção Escrita de aluno, classificado por Cavalcanti (1999) como
minoritário, ou seja, alunos da fronteira, geralmente, de contextos disprivilegiado, tais como:
indígena, paraguaio ou brasiguaio. É importante destacar aqui que a produção escrita foi
selecionada, aleatoriamente, pela docente, objeto de estudo, e serviu como base para a
114
realização da entrevista narrativa que é apresentada posteriormente. No terceiro momento,
apresentamos a entrevista narrativa realizada com as duas docentes, com o objetivo de
responder as perguntas de pesquisa, apresentadas no capítulo II, quais sejam: a) Que conceitos
têm as professoras da fronteira sobre bilinguismo, línguas e cultura da fronteira? b) As
professoras que vivem na fronteira percebem a realidade bilíngue de seus alunos brasiguaios,
paraguaios e indígenas? c) Que percepções têm as professoras acerca da escrita de seus alunos
indígenas, paraguaios e brasiguaios de duas escolas públicas de Aral Moreira/Brasil?
4.1. O Caso de Laura: conhecendo o perfil profissional da docente70
A época em que o pesquisador aplicou o questionário (ANEXOS: PARTE II –
ANEXO 01), 03/06/2013, para melhor conhecer o perfil da docente, objeto de estudo,
tratada como Laura, que possuía trinta e três anos (33), uma vez que sua data de
nascimento corresponde a 29/11/1980. A docente era solteira, morava com a família na
cidade de Aral Moreira/Brasil e ministrava, na condição de professora contratada pelo
Estado de MS, em uma escola pública71, as disciplinas de língua portuguesa, língua
espanhola e literatura, nos três turnos: matutino, vespertino e nortuno, no ensino
fundamental e médio e na educação para jovens e adultos (EJA). A atuação profissional
da docente resultava em uma carga horária de quarenta (40) horas/aula.
O questionário aplicado à Laura comprovou sua atuação, como professora
contratada do Estado, desde o início de sua graduação em Letras - Habilitação em
Língua Portuguesa, Língua Espanhola e suas Respectivas Literaturas, pelas Faculdades
Integradas de Ponta Porã – FIP, em 2003. Laura é pós-graduada, em nível de
especialização, na área de língua portuguesa e literatura brasileira.
Conforme dados do questionário, Laura se graduou há dez (10) anos e atua como
professora contratada há onze (11) anos. Levando em consideração que Laura se formou
em letras, no ano de 2003, é importante destacar que sua atuação como docente teve
início antes mesmo de ingressar à faculdade de letras, supostamente, como professora
substituta. O pesquisador que aplicou o questionário a Laura acredita que a atuação da
docente em sala de aula contribuiu para a aquisição de uma vasta experiência na prática
docente em região de fronteira. Ao passo que o percurso de Laura durante a graduação
70
Em função de ética e sigilo, optamos por usar nome fictíco para denominar a docente em estudo, nesse
caso, Laura.
71
Conforme olhar etnográfico, pudemos observar que há trânsito de professores entre as escolas de Aral
Moreira, o motivo principal é o preenchimento de carga horária.
115
e, em consonância com a atuação profissional evidencia, segundo o pesquisador do
presente estudo, para uma vida bastante atarefada. Desse modo, pode-se cogitar
depreender a hipótese de uma dedicação não tão exclusiva de Laura com relação à sua
graduação em letras.
Outro ponto que chamou atenção do pesquisador, ao interpretar o questionário
aplicado à Laura, foi o fato da docente ter realizado sua gradução em letras em uma
instituição de ensino superior (IES) privada, Faculdades Integradas de Ponta Porã (FIP).
O pesquisador, compreendendo a heterogeneidade de matrizes curriculares dos cursos
de letras entre faculdades públicas e privadas, distribuídas em todo país, passou a
questionar sobre a grade curricular de Laura, principalmente, com relação à disciplina
de Linguística Geral, que segundo o pesquisador da presente pesquisa, é a disciplina
responsável por apresentar a Linguística Clássica e/ou Teórica e suas “ramificações” ou
teorias linguísticas, quais sejam: a Sociolinguística; a Linguística Histórica; a
Pragmática; a Linguística Textual; a Neurolinguística; a Psicolinguística, dentre outras.
Com o objetivo de conhecer a grade curricular de Laura, o pesquisador listou
várias disciplinas no questionário aplicado a professora que, supostamente, fizeram
parte de sua matriz curricular. Laura, ao responder o questionário, apontou as seguintes
disciplinas como sendo de sua grade curricular do curso de letras da FIP: língua
portuguesa e espanhola, literatura brasileira e espanhola, estágio curricular
supervisionado, latim, linguística, didática e psicologia. A docente completou, ainda, o
espaço que o pesquisador havia deixado para preencher outras disciplinas não listadas
no questionário, assim, Laura acrescentou as seguintes disciplinas: literatura infantojuvenil e estrutura. Além disso, a docente colocou a pontuação de reticências, que pela
interpretação do pesquisador pode evidenciar a presença de mais disciplinas que fizeram
parte da grade curricular da professora, porém, não foram listadas no questionário.
O fato de Laura ter cursado letras na FIP, unidade de Ponta Porã/Brasil-MS, fez
com que o pesquisador passasse a se questionar quanto a sua ligação ao pilares que
sustetam uma universidade pública, tais como: o ensino, a pesquisa e a extensão. O
pesquisador da presente pesquisa acredita que a relação com a pesquisa torna o
acadêmico mais sensível a algumas sutilezas, como a diversidade linguística existente
no contexto escolar, bem como sua reflexão em sala de aula, proposta por BortoniRicardo (2004) denominada de “sociolinguítica educacional” ou “sociolinguística e
ensino”, nomeada por Erickson (1987) como “pedagogia culturalmente sensível” e
designada por Faraco (2007) como “Pedagogia da Variação”.
116
A partir das informações apresentadas relativas ao perfil de Laura, o pesquisador
tentará na seção a seguir, por meio do “estranhamento ao familiar”, proposto por Pereira
e Jung (1998), apresentar o olhar de Laura com relação ao seu contexto de trabalho na
fronteira e ainda sua visão com relação a seus alunos radicados na fronteira meridional
de Mato Grosso do Sul, na cidade de Aral Moreira/Brasil e Departamento Santa
Virginia/Paraguai.
4.2. A Percepção de Laura com relação à Produção Textual Escrita dos alunos da
fronteira
Compreendendo que o investigador etnográfico se vale de diversas fontes de
dados, de modo a não confiar em um único registro, o pesquisador solicitou à professora
de língua portuguesa, objeto de estudo dessa pesquisa, produções textuais escritas
corrigidas, uma que a docente considerasse boa e outra ruim, ambas de alunos
brasiguaios, paraguaios ou indígenas, classificados por Cavalcanti (1999) como sujeitos
de minorias72 linguísticas e de maiorias minoritarizadas. O intuito de requerer
produções boas e ruins é, segundo o pesquisador, a suposta adulteração na redação dos
alunos da fronteira.
O texto analisado foi, gentilmente, cedido pela professora Laura. De acordo com
as suas explicações, esse texto foi registrado como atividade de língua portuguesa com a
orientação de que fosse redigido um texto para o aprimoramento da estrutura do
“Gênero Dissertativo”. O texto analisado não passou pelo processo de reescrita, por
isso, há correções de Laura na produção textual escrita.
No momento de geração de registros, essa aluna brasiguaia estava cursando o 9º
ano do ensino fundamental, em uma escola brasileira do município de Aral MoreiraMS. Segundo informações da professora, naquela época, havia, aproximadamente, um
ano que a aluna brasiguaia estava morando na região.
A partir da contextualização do perfil da aluna em questão, na sequência, será
apresentado o texto, na íntegra, produzido pela aluna brasiguaia. Posteriormente,
realizaremos a análise a partir de fragmentos, aos quais, tentaremos perceber o olhar de
Laura com relação à produção textual de um aluno brasiguaio, residente na fronteira
internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai.
72
É importante destacar que quando a autora usa o termo minoria, não se refere à quantidade, mas sim à
classe menos favorecida, inferior, estigmatizada, ridicularizada, desprivilegiada, e dentre outras
terminologias utilizadas para classificar este tipo de comunidade, que na realidade representa a maioria
em quantidade
117
A seguir é apresentada, na íntegra, a redação de uma aluna brasiguaia em que a
professora Laura classificou como “ruim”. O pesquisador selecionou essa produção
textual, principalmente, pelo fato de obter correção de Laura, o que contribuiu para
entender como a professora percebe e “enxerga” a aluna brasiguaia da fronteira, por
meio da produção textual escrita.
Figura 35. Cor. Produção textual escrita cedida pela professora Laura
Como se pode observar na Figura 35, a correção que a professora Laura realiza
gira em torno da correção ortográfica, centrando seu interesse na homogeneidade
linguística.
Embora não seja o interesse central voltar nosso olhar para a produção textual
elaborada pela aluna brasiguaia, em uma breve análise, nota-se que o texto apresenta
ocorrências que são comuns aos alunos brasileiros, como por exemplo, Pra/Para –
excessão às regras que prevê o “para” para situações formais de oralidade e escrita e
118
“pra” em momentos informais de cunho oral e escrito. A aluna brasiguaia usa em seu
texto tanto “para” quanto “pra”, em consonância, isso evidencia pensar em níveis de
bilinguismo escrito, tratado como complexo, conforme Mello (1999). Por isso, é
fundamental possuir uma “pedagogia culturalmente sensível” com relação à escrita do
aluno da fronteira. Curiosamente, na correção, verifica-se que a professora faz uma
ligação entre a palavra “para” até a “pra”, indicando que a maneira adequada para dado
contexto é “para”.
Essa atitude de circular as palavras acima evidencia pensarmos em uma atitude de
Laura centrada na homogeneidade da língua, reconhecendo a norma padrão (para) como
unidade, e ao mesmo tempo ignorando a variante (pra) do aluno, sem refletir o uso das
unidades lexicais (pra e para) a determinados contextos (formal e informal), tratando
como uso para diferentes situações, sem ridicularizar o “pra”. Na visão do pesquisador,
isso é fruto do não conhecimento de Laura sobre teorias relativas à sensibilização
pedagógica, conforme destaca Pires-Santos (2010), a linguagem do aluno brasiguaio
tratado como híbrida.
Algumas ocorrências evidenciam o nítido apoio a língua espanhola, revelando
uma linguagem híbrida do aluno da fronteira e ainda confirmando a noção de
bilinguismo em processo, tais como: Pensan, ao invés de Pensam (português) e
Piensan (espanhol); Ten, ao invés de Tem (português) e Tiene ou Hay (espanhol, de
acordo com o contexto); Queren, ao invés de Querem (português) e Quiere (espanhol).
Na visão do pesquisador, essa marca linguísticas, além de evidenciar uma
linguagem hibrida típica do aluno da fronteira, revela uma atitude de Laura que
contribui para a rotulação de fracasso postulada ao aluno brasiguaio. Além disso, a
palavra Nen (considera hibrida) ao invés do Nem (português) não é apontada na
correção de Laura, isso evidencia pensar que, embora a professora tenha habilitação em
língua portuguesa e espanhola, não há um domínio do espanhol escrito.
Laura destaca, também, em sua correção, casos de inadequação do ponto de vista
gramatical relativa ao emprego de pontuação, tais como: o emprego de vírgulas, de
interrogação, de acentuação como se nota em: Aparencia ao invés de Aparência; Voce
no lugar de Você; E ao invés de É; Tambem e não Também; e Nao ao invés de Não.
Aqui é importante destacar que, na última linha (24), a aluna usa o “não” acentuado,
isso só confirma a noção de graus ou níveis de bilinguismo (MELLO, 1999), o que
evidencia pensar que, no momento de elaboração da produção textual, a aluna
119
encontrava-se em fase de transição da sua língua de origem (familiar) para a língua da
escola (institucional).
Nota-se, ainda, uma correção direcionada à concordância verbal, como no
exemplo: ten alguns que se importa com a aparencia, ao invés de tem alguns que se
importam com a aparência (2ª linha). Outro caso interessante é quanto ao trecho
alguns nao se importa nao (4ª linha) corrigido por Laura, alguns não se importam
não.
No olhar do pesquisador, a produção era uma atividade cujo objetivo, segundo
Laura, era o de aproximar a aluna brasiguaia e os demais colegas de sua classe ao
Gênero Dissertativo. Compreendendo a complexidade da linguagem hibrida do alunato
de fronteira, a atitude da professora em realizar uma correção ortográfica na primeira
versão de escrita da aluna brasiguaia, sem realizar o processo de reflexão linguística,
leva-nos a pensar que a atitude da docente contribuiu para o bloqueio de produções
textuais futuras, fazendo com que o aluno se sinta fracassado quanto ao domínio da
norma padrão da língua portuguesa.
Pires-Santos (2010, p.43), ao estudar a linguagem híbrida em contextos de
fronteira, destaca que não se encontra marcas da língua espanhola na oralidade do aluno
brasiguaio, alfabetizado no Paraguai, como é o caso da aluna brasiguaia em questão. Por
outro lado, existe mistura da língua espanhola e portuguesa, podem ser encontrados
mais facilmente na superfície escrita.
Na maioria das vezes, a produção textual escrita de alunos oriundos de outras
nacionalidades, como é o caso da aluna brasiguaia, Pires-Santos (Op. Cit) lembra que é
imprescindível levar em consideração que a escrita do aluno brasiguaio é, antes da
superfície ortográfica, hibrida; e; muitas vezes, por não conhecer esse conceito de
hibridismo, o contexto escolar, mais especificamente, o docente não dá atenção a essa
escrita, caracterizando-a como errada e inferior às demais que mais se aproximam da
língua padronizada.
Com base nesses dados, e tantos outros que podem ser elencados a partir dessa
produção textual, mas não os elucidaremos aqui para não tornar nossa análise exaustiva,
a visão do pesquisador e de acordo com o que os dados evidenciam, Laura desconsidera
a escrita de origem de sua aluna brasiaguia, impondo a norma padrão escrita, tanto
almejada pelo âmbito escolar. Essa atitude de Laura é devido a uma instituição maior,
ou seja, o não reconhecimento da escola em que a docente atua como, genuinamente,
120
bilíngue e intercultural, tornando invisível a língua, a fala, a escrita, a identidade e a
cultura do brasiguaio e, consequentemente de educandos indígenas e paraguaios.
Desse modo, os dados evidenciam pensar que a professora não enxerga a
produção textual escrita de sua aluna brasiguaia como híbrida e heterogênea.
Ao analisar, brevemente, o campo das ideias da produção textual escrita, percebese que há uma sequência textual, assim evidenciada:
1) Beleza: demonstrando uma baixa autoestima da aluna brasiguaia,
principalmente, na passagem: Eu nao me importo com a beleza por que sei que nao
sou linda mas trato de me vestir ben pra sair o pra ir a escola. (linhas 5 a 8). O
trecho, além de revelar um desprovimento de beleza da aluna brasiguaia, demosntra
uma forma de se apresentar melhor ao “outro”, no caso a professora Laura.
2) Marca: questão que pode ser interpretada como a ideia de pertencimento a
determinado grupo social, isto é, a roupa de marca rotula a posição social do indivíduo,
além disso, a marca estabelece que grupo tal sujeito pertence. Esse traço pode ser
observado na passagem: mas tamben sempre e importate estar bem vestida mesmo
que a roupa não for de marca.
Ainda com relação à Marca, é importante mencionar que a concepção de
aparência e de se vestir do povo paraguaio, localidade de origem da aluna, é diferente da
concepção brasileira. A título de exemplicação podemos citar as escolas paraguaias,
onde os alunos usam uniformes, rigorasamente, padronizados, constituído de sapato,
gravata e meia ¾. Desse modo, a aluna deixa transparecer em seu texto o padrão de
vestimenta do Paraguai, uma vez que traz resquícios de sua cultura de origem.
Segundo o olhar de pesquisador, os dados evidenciam para uma atitude em que
Laura classifica o texto aluna brasiguaia como “ruim”, seguido de sérios problemas
gramaticais, o que contribui para o fracasso escolar e quase sempre seguido da evasão.
Esse tipo de atitude na prática docente é confirmado, também, no estudo de Pires-Santos
(Op. Cit) quando registra que:
... as professoras ficam descontentes quando recebem em suas turmas alunos
“brasiguaios”, reclamando para que sejam distribuídos nas diferentes turmas
e muitas vezes considerando um castigo receber mais de um desses alunos
em sua turma.
Evidentemente, o não conhecimento de Laura com relação à linguagem hibrida de
sua aluna, bem como aos conceitos relativos à “Sociolinguística educacional”, proposta
por Bortoni-Ricardo (Op.cit) cujo objetivo se volta para a preservação cultural e
121
linguística do aluno de fronteira; e ainda, o desconhecimento da prática de uma
pedagogia culturalmente sensível faz com que a visão da professora com relação ao
texto da aluna brasiguaia seja homogênea, centrada apenas na norma padrão escrita,
desconsiderando a “Pedagogia da Variação”, proposta por Faraco (2007) e a noção de
que o contexto de sala de aula é de conflito étnico-linguístico, sujeito a norma padrão e
não-padrão; crises de identidade por parte do alunato e dentre outros fatores de caráter
heterogêneo.
Ao questionar Laura sobre a produção textual escrita, por meio da entrevista
narrativa, observam-se alguns pontos que ajudam a entender, ainda mais, a percepção de
Laura com relação à escrita da aluna brasiguaia.
Entrevista 01. Professora Laura.
INQ. nu qui si referi a escrita igual essa aluna vamu/a gentI podi observar
algumas questões circuladas a presença du eni a questão di concordância
INF. us conectivus qui nu espanhol são pocus né
INQ. us conecti::vus a:: utilização di virgula
INF. uhum
INQ. a própria letra
INF. em caixa alta né
INQ. issu
Conforme percepção do pesquisador, Laura já cria uma fronteira com relação à
produção da aluna brasiguaia, no momento em que registra no verso da folha que a
produção textual escrita é de: “Aluna precedente de outro país. (Assunção –
Paraguai)”. Por outro lado, essa atitude da professora pode evidenciar uma
interpretação de reconhecimento não só da nacionalidade, mas da historicidade da aluna
brasiguaia, dando-lhe subjetivamente uma Identidade própria, que não é brasileira e
nem paraguaia; uma Identidade, segundo Hall (op.cit) construída na relação social, por
isso, em processo, heterogênea e mestiça.
Os dados da entrevista narrativa realizada com a professora Laura também
evidenciam para um distanciamento com relação à aluna brasiguaia, como se pode
observar no excerto abaixo.
Entrevista 01. Professora Laura.
INF: essi nomi dela é bem paraguaiu né
O trecho acima ilustra uma posição que Laura criou já com relação ao nome da
aluna brasiguaia, caracterizado, segundo a docente, como bem paraguaio. Na visão do
pesquisador, esse fato evidencia pensar na hipótese de que Laura não enxerga sua aluna
brasiguaia constituída de duas nações mescladas, brasileira e paraguaia.
122
Esse posicionamente da docente pode ser fruto de sua concepção com relação a
“Ser Brasiguaio”:
Entrevista 01. Professora Laura.
INF. nãum purquê num existi brasiguaiu ou nós somus brasilerus ou nós
somus paraguaius si você é filhu di casal brasileru qui nasci nu Paraguai cê
sabi qui tem u direitu di iscolhê uma cidadania né? quandu você é bebê teus
pais vão lá i ti registram ou nu Brasil ou nu Paraguai si você si registrou nu
Paraguai você é paraguaiu vai lá i: faz teu documentu. (grifo nosso).
Como se pode observar, ao indagar Laura sobre o que ela entende por Sujeito
Brasiguaio, o dado evidencia uma visão bastante radical, centrada no binarismo
identitário. Desse modo, na visão do pesquisador, Laura não conhece os conceitos de
Identidade do período Pós-Colonial, o que contribui para a não compreensão de
Identidade em construção nas relações sociais; de Identidade heterogênea; de vários
tipos de Identidade que um sujeito pode possuir, conforme mostra as reflexões de Hall
(2003); Bhabha (2008) e Campigoto (2008), eboçados no capítulo 3.
O pesquisador ao questionar Laura quanto à correção realizada na produção
textual escrita, redigida pela aluna brasiguaia, obteve a seguinte posição da docente:
Entrevista 01. Professora Laura
INF: si eu corrigir essas diferenças num vô falá falha ou erru pur que é
complicadu né entãum aí você tem qui avaliá essi textu duas vezis (Grifo
nosso).
O trecho sugere a interpretação de que Laura, mesmo que de maneira superficial,
conhece algumas discussões relativas ao “erro” ou “falha” no português escrito. Assim,
ao invés de dizer “erro” ou “falha”, Laura denomina os desvios de norma padrão escrita
da aluna brasiguaia de “diferenças”. Embora Erickson (1990a/1992b/1988c) não
proponha graus de “pedagogia culturalmente sensível”, o registro evidencia um nível
inicial de sensiblização de Laura com relação à escrita da aluna brasiguaia,
principalmente, no momento em que trata a norma não-padrão da escrita como
diferente.
Ao analisar a posição do pesquisador, verifica-se a ausência em instigar questões
como: o que é erro para a docente? O que é falha? O que é diferença? São aspectos que
poderiam ser explorados pelo pesquisador no sentido de compreender a noção de erro
de Laura. Desse modo, durante a entrevista narrativa entre o pesquisador e a professora,
verifica-se que, mesmo tentando “estranhar o familiar” algumas sutilezas se tornaram
invisibilizadas no momento da entrevista, talvez pelo fato de Laura possuir certo grau de
123
aproximação com o pesquisador, caracterizada pela etapa de escolarização do
investigador, o que contribuiu para a “familiariedade escolar” construída entre Laura e
pesquisador. Por isso, reitera-se, aqui, a ideia de que realizar a pesquisa etnográfica é
tarefa complexa, pois as premissas etnográficas indicam que o pesquisador deve
estranhar ambiente familiar, mas apesar do estranhamento, algumas sutilezas acabam
ficando invisíveis por conta da familiaridade do pesquisador com o contexto e com as
pessoas; por ideologias construídas historicamente, dentre outros fatores.
A visão de Laura com relação ao processo de alfabetização da aluna brasiguaia
pode ser observada no excerto a seguir:
Entrevista 01. Professora Laura
INF: é: ela a família dela é di lá eu creiu qui sim eu achu qui ela foi
alfabetizada lá nunca perguntei pra ela si ela estudou algum anu pur aqui u
irmão dela ficô um bimestre só na iscola i: voltô pra Assunção (grifo nosso).
Na visão do pesquisador, o fato de Laura nunca ter indagado sobre o contexto da
aluna brasiguaia contribui para o não reconhecimento de seu mundo, o que leva a
interpretar que Laura não conhece a realidade linguística e cultural de sua aluna
brasiguaia. Nesse sentido, a professora não realiza em sua prática docente o “cruce”, o
diálogo linguístico e cultural com a aluna brasiguaia, o que permite evidenciar que
Laura “enxerga” a aluna como fraca e não como um sujeito que têm traços culturais,
identitários, ideológicos, linguísticos e religiosos mesclados, construídos a partir de toda
uma vivência radicada parte na República Paraguai, em Assunção, e outra parte no
Brasil, em Aral Moreira.
Curiosamente, outro trecho chama atenção no processo de tentar interpretar a
visão de Laura com relação aos alunos indígenas, paraguaios e brasiguaios que
frequentam as escolas brasileiras em regiões de fronteira.
Entrevista 01. Professora Laura
INF. essa aluna nãum questionava nãum participava entãum ela poderia ter
melhoradu ela até acabou reprovandu
Na visão do pesquisador, o “acabar reprovando”, pode ser interpretado como se a
culpa da reprovação da aluna brasiguaia não fosse de Laura, mas de dificiências da
própria aluna, como, por exemplo, o não domínio da norma padrão escrita da língua
portuguesa. A fala de Laura evidencia, ainda, pensar que a aluna brasiguaia tinha
atitudes, assim como os alunos indígenas da região que frequentam as escolas
124
brasileiras de Aral Moreira/Brasil que fragilizavam a aprendizagem, portanto, a culpa é
do aluno.
Ainda, segundo a visão do pesquisador, essa fala de Laura, além de contribuir
para a estigmatização e rotulação de fracasso do aluno da fronteira, contribui, ainda,
para a constante evasão de alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas das escolas da
fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai que, no
momento de ingresso no contexto escolar, sentem-se fracassados, pois às escolas
brasileiras da fronteira em questão não reconhecem como bilíngues e interculturais,
assim, impõem a língua portuguesa do livro didático (não da gramática) como correta,
desconsiderando a língua familiar, aquela de origem, trazida pelo aluno de fronteira.
Desse modo, o momento em que o professor reconhece que existem variações na
língua oral e escrita, ocorre o processo de sensibilização, ou seja, há, de fato, o
reconhecimento de uma sociolinguística educacional dentro da escola, tratada por
Erickson
(1990a/1992b/1988c)
como
“pedagogia
culturalmente
sensível”,
reconhecendo, assim, a existência de variantes linguíticas, identitárias, culturais, sociais,
ideologias, dentre outras.
4.3. Entrevista Narrativa com a professora Laura
No momento em que o pesquisador questionou Laura sobre a interação de alunos
da fronteira, verifica-se um direcionamento, especificamente, aos alunos indígenas,
desconsiderando os alunos paraguaios e brasiguaios, também residentes na fronteira em
estudo.
Entrevista 01. Professora Laura
INQ. i: a interação delis com us outrus alunus?
INF. só com uns indígena mesmu (grifo nosso).
A professora Laura percebe a interação de alunos indígenas como “homogênea”,
ou seja, eles não se relacionam com os alunos paraguaios, brasileiros e brasiguaios. No
momento em que o pesquisador indagou a professora sobre os alunos da fronteira,
verificou-se que essa interação de indígenas pode ser interpretada como uma estratégia
de defesa. Ou seja, esse “ficar quieto” é para se dedender de possíveis chacotas, piadas e
demais atitudes de outros alunos que, por ventura, podem vir a ridicularizá-los, dentre
outras atitudes de marginalização.
Na visão do pesquisador, Laura não compreende a atitude de “ficar quieto” dos
alunos indígenas. Os dados evidenciam que essa posição dos alunos indígenas da
125
fronteira é encarada pela professora como falta de interação no contexto de sala de aula.
Desse modo, no momento em que a professora ressalta, em entrevista narrativa, que os
alunos indígenas se interagem somente entre eles, podemos interpretar, também, que
Laura desconsidera que o ambiente escolar não é propício a muitos alunos da fronteira,
o que acaba, na maioria das vezes, por intimidá-los.
Outro ponto a destacar é que a escola, infelizmente, é o espaço de conflitos, pois
nesse contexto as relações de poder estão, claramente, estabelecidas. E entre os alunos
também é vivenciada essa relação de poder, então, os alunos vão disputando,
diariamente, espaços. (o aluno que vira líder, o que não vira líder). Essa disputa pelo
espaço acaba deixando, muitas vezes, os alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas fora
desse espaço de prestígio, ocupado, geralmente, por alunos brasileiros com status
econômico elevado.
Então, os dados mostram que Laura não consegue visualizar essa complexidade
dentro da sala de aula, a interação do aluno brasileiro é diferente da interação do
paraguaio, que é diferente do indígena e do brasiguaio. Por isso, a sala de aula deve ser
encarada como espaço heterogêneo e de conflito étnico, linguístico e social.
Outro ponto a ser destacado é que, como apresentado no capítulo 1, a base
econômica de Aral Moreira/Brasil é rural, então, existe toda uma percepção de estigma
com relação ao povo indígena, historicamente marcada, isso faz com que a professora
Laura tenha uma visão, uma imagem, previamente, contruída quanto aos alunos
indígenas da fronteira.
Quando indagada pelo pesquisador sobre o refletir a língua dentro da sala de aula,
Laura ressalta que:
Entrevista 01. Professora Laura
INQ. i:: as reflexões acerca da língua são feitas?
INF. nãum num dá tempu
Segundo a visão do pesquisador, essa fala da professora comprova a ideia de que
não se reflete a língua em sala de aula, em outras palavras não se excersse uma
pedagogia culturalmente sensível, conforme ressalta Bortoni-Ricardo (2004a, p.38)
ressalta que:
... uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos educandos
está atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, e
mostra ao professor como encontrar formas efetivas de conscientizar os
educandos sobre essas diferenças. Na prática, contudo esse comportamento é
126
ainda problemático para os professores, que ficam inseguros, sem saber se
devem corrigir ou até mesmo se podem falar em erros.
No momento em que Laura ressalta, em entrevista, que não reflete a língua em
sala de aula, segundo a perspectiva do pesquisador a professora tem resquícios de uma
tradição educacional que mantem a ideia de que existe uma única forma de falar e
escrever, resultando na homogeneidade da língua. Ao passo que, estudos linguísticos,
apontam para o resgate cultural, bem como as línguas de origem dos educandos,
conforme destaca Mello (1999, p.35) “A língua oficial é imposta na maioria das
situações (na escola, na vida púbica, na administração do Estado etc), enquanto as
línguas de origem ficam restristas ao domínio afetivo (no lar, entre amigos)”.
4.5. O Caso de Sofia: conhecendo o perfil profissional da docente
A época em que o pesquisador aplicou o questionário (ANEXOS: PARTE II –
ANEXO 02), 03/06/2013, para melhor conhecer o perfil da docente, objeto de estudo,
tratada como Sofia, tinha 37 anos, conforme dados registrados no questionário, sua data
de nascimento equivale a 23/01/1978.
A docente era casada e morava com o marido e os dois filhos pequenos em Aral
Moreira/Brasil e ministrava na condição de professora concursada 20 horas/aula pelo
Estado de MS em uma escola pública, as disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira. Aliado ao cargo de docente, Sofia também excercia o papel de vereadora do
município. Assim, trabalhava 20horas/aula e seu foco era direcionado às turmas de
ensino fundamental e médio no período vespertino de uma escola pública.
O questionário aplicado à Sofia comprovou sua atuação, como professora
concursada do Estado de MS, desde o início de sua graduação em Letras - Habilitação
em Língua Portuguesa, Língua Espanhola e Literaturas, pela Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul - UEMS, em 2002. Sofia é pós-graduada, em nível de
especialização, na área de Linguística e Análise do Discurso.
De acordo com dados do questionário, Sofia se graduou há (12) anos e atua como
professora concursada há onze (14) anos. Levando em consideração que Laura se
formou em letras, no ano de 2002, é importante destacar que sua atuação como docente
teve início antes mesmo de ingressar à faculdade de letras, supostamente, como
professora substituta. O pesquisador que aplicou o questionário a Sofia acredita que a
atuação da docente em sala de aula contribuiu para a aquisição de uma vasta experiência
na prática docente em região fronteiriça. Ao passo que o percurso de Sofia durante a
127
graduação e, em consonância com a atuação profissional evidencia, segundo o
pesquisador do presente estudo, para uma vida bastante atarefada. Desse modo, pode-se
evidenciar a hipótese de uma dedicação não tão exclusiva de Laura com relação à sua
graduação em letras, assim como no caso anterior, o de Laura.
Outro ponto que chamou atenção do pesquisador, ao interpretar o questionário
aplicado à Sofia, foi o fato da docente ter realizado sua gradução em letras em uma
instituição de ensino superior (IES) pública, Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul – UEMS. No olhar do pesquisador e compreendendo a heterogeneidade de matrizes
curriculares dos cursos de letras entre faculdades públicas e privadas, distribuídas em
todo país, passou a questionar sobre a grade curricular de Laura, principalmente, com
relação à disciplina de Linguística Geral.
Com o objetivo de conhecer a grade curricular de Laura, o pesquisador listou
várias disciplinas no questionário aplicado a professora que, supostamente, fizeram
parte de sua matriz curricular. Sofia, ao responder o questionário, apontou as seguintes
disciplinas como sendo de sua grade curricular durante o percurso do curso de letras na
UEMS: língua portuguesa e espanhola, literatura brasileira e espanhola, estágio
curricular supervisionado, latim, linguística, didática e psicologia da educação e
filosofia da educação. O espaço em branco destinado ao preennchimento de posteriores
disciplinas não elecandas no questionário, não foi preenchido pela docente.
O fato de Sofia ter cursado letras na UEMS, unidade de Amambai-MS, fez com
que o pesquisador passasse a se questionar quanto a sua ligação ao pilares que sustetam
uma universidade pública, tais como: o ensino, a pesquisa e a extensão. O pesquisador
da presente pesquisa acredita que a relação de Sofia com a pesquisa foi estreira, o que a
torna mais sensível perante algumas sutilezas, como a diversidade linguística existente
no contexto escolar, bem como sua reflexão em sala de aula, proposta por BortoniRicardo (2004) denominada de “sociolinguítica educacional” ou “sociolinguística e
ensino”, nomeada por Erickson (1990a/1992b/1988c) como “pedagogia culturalmente
sensível” e designada por Faraco (2007) como “Pedagogia da Variação”.
Com base nessas informações apresentadas relativas ao perfil de Sofia, o
pesquisador tentará na seção a seguir, por meio do “estranhamento ao familiar”,
proposto por Pereira e Jung (1998), apresentar o olhar de Sofia com relação ao seu
contexto de trabalho na fronteira e ainda sua visão com relação a seus alunos radicados
na fronteira meridional de Mato Grosso do Sul, na fronteira internacional de Aral
Moreira/Brasil e Departamento Santa Virginia/Paraguai.
128
4.6. A Percepção de Sofia com relação à Produção Textual Escrita dos alunos da
fronteira
Entendendo que o pesquisador etnográfico se vale de várias fontes de registros, de
modo a não confiar em um único dado, o investigador solicitou à professora de língua
portuguesa, objeto de estudo dessa pesquisa, produções textuais escritas corrigidas, uma
que a docente considerasse boa e outra ruim, ambas de alunos brasiguaios, paraguaios
ou indígenas, classificados por Cavalcanti (1999) como sujeitos de minorias linguísticas
e de maiorias minoritarizadas. O intuito de requerer produções boas e ruins é, segundo o
pesquisador, a suposta adulteração na redação dos alunos da fronteira.
É importante destacar neste subtópico que, diferentemente de Laura, a professora
Laura demorou mais tempo para ceder à produção textual escrita da aluna da fronteira.
O texto analisado foi, gentilmente, cedido pela professora Sofia. Conforme suas
explicações, esse texto foi registrado como atividade de língua portuguesa, com a
orientação de que fosse redigido um texto para o aprimoramento da estrutura do
“Gênero Dissertativo”. O texto analisado não passou pelo processo de reescrita, por
isso, há correções de Sofia na produção textual escrita.
No momento de geração de registros, 12/06/2013, a aluna estava cursando o 9º
ano do ensino fundamental, em uma escola brasileira do município de Aral MoreiraMS. Segundo informações da professora, a aluna pode ser considerada brasiguaia, visto
que morou um bom tempo no Paraguai e depois retornou para o Brasil.
Com base na contextualização prévia do perfil da aluna em questão, na sequência,
será apresentado o texto, na íntegra, produzido pela aluna da fronteira. Posteriormente,
realizaremos a análise a partir de fragmentos, aos quais, tentaremos perceber o olhar de
Sofia com relação à produção textual de sua alun, residente na fronteira internacional de
Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai.
A seguir é apresentada, na íntegra, a redação de uma aluna “brasiguaia” em que
a docente Sofia classificou como “ruim”. O pesquisador selecionou essa produção
textual escrita, principalmente, pelo fato de obter correção de Sofia, o que contribuiu
para entender como a professora percebe e “enxerga” a aluna da fronteira, por meio da
produção textual escrita.
129
Figura 36. Cor. Produção textual escrita cedida pela professora Sofia
Como se pode observar na Figura 36, a correção que a professora Sofia realiza
gira em torno da correção ortográfica, centrando seu interesse na homogeneidade
linguística.
No olhar do pesquisador etnográfico, os dados evidenciam observar que em
algumas ocorrências é nítido o apoio a língua espanhola, revelando uma linguagem
mesclada, com a predominância da língua portuguesa e algumas unidades lexicais em
espanhol, desvendando, assim, a ideia de bilinguismo em processo. Essa noção pode ser
observada nas palavras grifadas pela professora Sofia, tais como: conquistan ao invés
de conquistam; fican no lugar de ficam; en e não em.
130
Ao mesmo tempo, o aluno da fronteira coloca em sua redação de modo adequado
o emprego da letra m, como pode ser observado em algumas passagens do texto, tais
como: pensam; precisam; querem e com. Pelo que pode se observar na correção
textual escrita realizada por Sofia, a docente não usa essas palavras utilizadas de modo
adequado como título de exemplificação de como usar tais unidades lexicais em uma
produção escrita em língua portuguesa.
Na visão de Sofia, essa escrita é vista como:
Entrevista 2. Professora Sofia
INF.o alunu qui tem dificuldadi na oralidadi eli traz eli traz to::da essa
dificuldadi para a escrita nãum tem comu dissossiá essa relação u alunu qui::
qui você percebi qui eli tem poça leitura né automaticamenti eli vai tê um
vocabuláriu pobri né intãum u mundu qui eli vivi também é um mundu
pequenu né
Como pode ser observado na fala da docente, o aluno da fronteira possui
dificuldades na oralidade, certamente, como a língua portuguesa, quiçá, pelo fato de ser
sua segunda língua. Os dados mostram que a escrita do aluno da fronteira é vista pela
professora como dificultosa. Segundo Laura, o aluno traz para o texto escrito toda a
dificuldade da oralidade, resultando em marcas de oralidade constantes no texto escrito.
Ainda nas palavras de Sofia, o aluno da fronteira “vai tê um vocabuláriu pobri né
intãum u mundu qui eli vivi também é um mundu pequenu”. Essa posição da professora
pode ser interpretada como a inferioridade do mundo do “outro”, diferente, portanto
menor, pequeno e inferior.
Ainda ao citar a escrita do aluno da fronteira, em entrevista narrativa, Sofia
ressalta que:
Entrevista 2. Professora Sofia.
INF. algumas otras palavras qui você num consegui nem dá significadu a ela
entãum muitu menus você intendê ela dentru du contextu u qui eli tá
conversandu u qui eli ta pondu essas/escrevendu u qui eli ta querendu
transmiTÍ intãum essa dificuldadi é muitu clara
Pode-se perceber que, para a Sofia, a alternância da oralidade para a escrita de
códigos diferentes é vista como uma dificuldade e não como um processo. Além disso,
a professora demonstra a inquietação no momento de correção das produções textuais
dos alunos da fronteira, ressaltando que muitas vezes, como a docente não entende
algumas palavras dos alunos da fronteira, é importante considerar o contexto.
Possivelmente, essa percepção de Sofia é direcionada aos alunos indígenas que,
131
segundo entrevista com a docente, são os alunos que apresentam maior dificuldade em
dominar a língua portuguesa falada, escrita e aquela ensinada pela escola.
Ampliando essa visão de Sofia, em entrevista a docente registra que:
Entrevista 2. Professora Sofia.
INF. nãum eli até chega dominandu a questão das classis mas por exemplu a
iscrita eli já num consegui escrevê corretamenti coloca palavra cum dois
essis palavras cum cedilhas palavras cum eli eli frasis nominais poucu usus
di verbus issu na escrita deli purquê quandu si constrói um textu i dá sentidu
pra um textu você não podi abandoná us elementus di coerência i coesão a
maior dificuldadi é essa (grifo nosso)
Observa-se que, no olhar da docente, o aluno da fronteira não domina elementos
de coesão e coerência, isso, segundo a docente, contribui para a dificuldade de
sequência textual do aluno. No olhar do pesquisador, no texto exposto anteriormente,
pode ser observado, claramente, que a redação demonstra um domínio mediano da
tipologia textual dissertativo argumentativo, com domínio previsível de proposição,
desenvolvimento e proposta de intervenção. Além disso, pode-se notar no texto que o
aluno possui poucos elementos coesivos como, por exemplo, o pouco uso de conectores,
que serve, dentre outros parâmetros, para dar sequência no texto, contribuindo para a
coerência de ideias.
4.7. Entrevista Narrativa com a professora Sofia
Antes de apresentar alguns trechos da entrevista narrativa com Sofia, que servirão
para verificar como a docente “enxerga” o aluno da fronteira, é importante destacar que
os dados não saíram tão autênticos quanto o pesquisador gostaria, porque houve
influência. O fato de Laura estar presente na Cena Etnográfica 1, em que o pesquisador
foi reconhecido por sua comunidade por ingressar em um curso de pós-graduação, em
nível de mestrado, esse fator pode ter contribuído para adulteração dos dados. Desse
modo, o olhar do professor que se vê em uma situação xeque, de certa forma, Sofia acha
que o pesquisador a está colocando em xeque. Ou seja, ela sabe onde o pesquisador está
trabalhando, assim, a docente tentou dar respostas que contemplem o interesse do
pesquisador.
Entrevista 2. Professora Sofia
INF. a língua paraguaia pela nossa mistura pela miscigenação pela nossa
localização geográfica ser muitu próxima elis acabam incorporandu a língua
portuguesa antis qui u indígena mesmu purque qui hoji as políticas sociais
também qui existi du governu federal a iscola indígena ela é mantida pelu
132
governu intãum lá dentru das aldeias intãum elis [alunos indígenas] já vão
chegá pra nós é:: com ensinu fundamental completu
A respeito dos alunos da fronteira, os dados evidenciam pensar a percepção de
Sofia:
Entrevista 2. Professora Sofia
INF. eu pensu qui elis deveriam entrar comu entra é: u alunu ispecial di
alunus na sala em si pra qui u trabalhu cum elis fossi um trabalhu
diferenciadu i fosse um trabalhu direcionadu purque exigi muitu mais du
professor a sala qui eu trabalhu por exemplu ela ta abrigandu quarenta i oitu
alunu u qui é totalmenti insuficienti u qui é totalmenti insuficienti a atenção
diferenciada i: dirigida a essi alunu (grifo nosso).
No olhar do investigador etnográfico, a escola e, em especial a atuação docente de
Sofia, por não saber detectar as questões de língua e as fronteiras sócio-culturais, ela
acaba diagnosticando o aluno como se estive uma dificuldade cognitiva, uma vez que
associar o aluno indígena a “aluno especial” pode ser interpretado, dentre outros
parâmetros, como o sujeito que possui dificuldades de aprendizagem.
Ainda no olhar do pesquisador, Sofia realiza uma espécie de diagnóstico de seus
alunos, no caso os indígenas, o que dá a entender que na percepção de Sofia os alunos
minoritários são rotulados como “especiais”. Desse modo, alunos devem ser tratados
como especiais, assim como há classes especiais com dificuldade cognitiva. Em
entrevista, a docente ressalta que:
Entrevista 2. Professora Sofia
INF. eu pensu qui elis deveriam entrar comu entra é: u alunu ispecial di
alunus na sala em si pra qui u trabalhu cum elis fossi um trabalhu
diferenciadu i fosse um trabalhu direcionadu purque exigi muitu mais du
professor a sala qui eu trabalhu por exemplu ela ta abrigandu quarenta i oitu
alunu u qui é totalmenti insuficienti u qui é totalmenti insuficienti a atenção
diferenciada i: dirigida a essi alunu
Aliado a essa noção de aluno especial, como alternativa de suprir essa dificuldade
dos alunos, principalmente, indígenas, Sofia propõe um trabalho diferenciado aos
alunos brasiguaios, dando atividades, geralmente, com alternativas, pois segundo ela é a
maneira ideial do aluno indígena “transcrevê u pensamentu deli eli ia te dificuldadi di
transmiti o pensamentu”. Nota-se, mais uma vez, a ideia de aluno especial relacionada à
capacidade cognitiva do aluno.
Quando questionada, em entrevista, sobre a dificuldade de se trabalhar com o
aluno da fronteira, Sofia registra que o “contextu social i: históricu deli é diferenti du
contextu social históricu dum alunu né qui tem comu língua materna a língua
portuguesa essa é a maior dificuldadi”. Observa-se que a docente reconhece que na
133
fronteira há contextos sócio-históricos diferentes, evidenciado a heterogeneidade social,
histórica e linguística na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai. Reconhecer essa historicidade, as relações
sociais, os hábitos e costumes de alunos brasiguaios, indígenas e paraguaios, segundo
Laura, é a maior dificuldade do professor de língua portuguesa que atua em zonas de
fronteira.
Essa dificuldade, segundo Sofia, é resultado, principalmente, pelo fato do aluno
da fronteira:
Entrevista 2. Professora Sofia.
INF. mantê us costumis eli mantê a língua us dialetus mantê us costumis
danças crenças intãum eli traz tudu issu eli transporta tudu issu pra iscola
brasilera com a língua materna língua portuguesa
Conforme pode ser observado na fala de Sofia, e embora Erickson
(1990a/1992b/1988c) não proponha graus de pedagogia culturalmente sensível, os
dados evidenciam pensar que Sofia esteja em um nível inicial, uma vez que reconhece a
manutenção de costumes, línguas e dialetos de alunos indígenas, paraguaios e
brasiguaios. No olhar do pesquisador, a docente reconhece a noção de variedade e
dialetos linguísticos extistentes na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o
Departamento Santa Virginia/Paraguai.
Aliado a essa noção, observa-se que a professora Sofia, assim com Laura, está
com a identidade em crise (HALL, 2003), pois não há uma identidade pronta e acabada,
portanto, verifica-se uma identidade fragmentada e em processo. Desse modo, a todo o
momento, também nas relações sociais, as professoras em estudo estão construindo suas
identidades.
Ainda explorando a fala de Sofia, no momento em que a docente afirma que o
aluno da fronteira: “eli transporta tudu issu pra iscola brasilera”, os dados evidenciam
pensar na ideia de que a escola brasileira não é do índio, logo, observa-se o pressuposto
de que o aluno indígena, por exemplo, não é brasileiro, portanto, sua instituição de
ensino também não é brasileira. Isso contribui, segundo o pesquisador etnográfico,
como forma de criar uma fronteira étnica entre os alunos brasileiros, indígenas e
paraguaios que frequentam as escolas da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil
com o Departamento Santa Virginia/Paraguai.
Por fim, na visão de Sofia, os alunos paraguaios têm mais facilidade de aprender a
língua portuguesa, pois segundo a docente “a língua paraguaia pela nossa mistura pela
134
miscigenação pela nossa localização geográfica ser muitu próxima elis acabam
incorporandu a língua portuguesa antis qui u indígena”. Já os indígenas, segundo a
professora, “na língua indígena não elis preservam”, em outras palavras não há a
manutenção da língua indígena.
Quando questionada, em entrevista narrativa, como o aluno da fronteira deve ser
tratado, Sofia afirma que:
Entrevista 2. Professora Sofia.
INF. eu pensu qui elis deveriam entrar comu entra é: u alunu ispecial di
alunus na sala em si pra qui u trabalhu cum elis fossi um trabalhu
diferenciadu i fosse um trabalhu direcionadu purque exigi muitu mais du
professor a sala qui eu trabalhu por exemplu ela ta abrigandu quarenta i oitu
alunu u qui é totalmenti insuficienti u qui é totalmenti insuficienti a atenção
diferenciada i: dirigida a essi alunu.
No olhar do pesquisador etnográfico, a fala de Sofia evidencia pensar que é
necessário que o professor da fronteira dê uma atenção diferenciada aos alunos
brasiguaios, indígenas e paraguaios. Ao mesmo tempo, quando a docente registra, em
entrevista narrativa, que “eu pensu qui elis deveriam entrar comu entra é: u alunu
ispecial”, sugere pensar que a professora realiza um diagnostico do aluno da fronteira
(paraguaio,indígena e brasiguaio), resultando uma sala de aula só para índios, pois
trabalhar com este tipo de alunato requer mais tempo e um tratamento diferenciado por
parte do docente.
Diante dessa realidade de complexidade linguística, no olhar do pesquisador, a
escola da fronteira não estimula a muntenção das línguas da fronteira, não se reconhece
como escola de fronteira e ainda não propõe um ensino bilíngue. Por fim, não
pretendemos limitar o assunto, os dois estudos de casos, o de Laura e o de Sofia,
apresentados neste trabalho, ilustram a realidade da fronteira internacional de Aral
Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia, bem como a postura radical das
docentes que atuam nessa zona de fronteira.
135
Considerações em processo
Conforme se pode notar no subtítulo, não há considerações finais, mas em
processo. No primeiro momento é importante destacar que o presente trabalho somou a
um conjunto de pesquisas um tipo de mapeamento de situações vivenciadas pela escola,
em especial pelas docentes de língua portuguesa, em área de fronteira. Este conjunto de
trabalhos, certamente, serve como fortalecimento as políticas públicas voltados a estes
cenários ricos e peculiares.
A pesquisa trouxe no capítulo 1 o Panorama Histórico da fronteira internacional
de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Para tanto,
resgatamos fotos e memórias de sujeitos de etnias distintas: brasileiros, paraguaios,
brasiguaios e indígenas Guarani-Kaiowá e Guarani-Ñnadeva, considerados pioneiros
do “tekohá” fronteiriço em estudo. A saga histórica dessa fronteira, que antes não havia
em registro escrito e documentado, agora, pode ser revisitada nesta pesquisa, por meio
da escrita e da leitura de imagens que nele contém, retratando épocas em que a palavra
oral valia muito mais que qualquer documento escrito.
Como a fronteira em foco não possui um documento escrito que narre à história
da região, é fundamental frisar que o capítulo 1 se resultará em um livro, de modo a
servir como material didático para as escolas de fronteira, contribuindo para o (re)
conhecimento da história dessa fronteira. Além disso, contribuirá para consultas de
trabalhos acadêmicos e escolares.
No capítulo 2 a contribuição deste estudo se deu ao fato de apresentar, por meio
do diário etnográfico, os passos de uma pesquisa desse caráter metodológico. Nessa
seção, procurou-se trazer aspectos da vida diária de um pesquisador, desde o seu
aspecto embrionário, o ingresso ao Programa de Pós-Graduação em Letras, em nível de
mestrado, perpassando a oficialização da pesquisa, a negociação do campo de pesquisa,
a aplicação de questionários, a realização de entrevistas com sujeitos considerados
pioneiros na região e de entrevistas com as professoras da fronteira, a elaboração escrita
da dissertação, até chegar às etapas “conclusivas” desse trabalho herculiano.
Já no capítulo 3, pode-se verificar um Quadro que ilustra e descreve a realidade
dessa fronteira em estudo, principalmente, ao que se refere aos aspectos “territoriais”,
linguísticos, educacionais e culturais. São questões que julgamos ser pertinentes, uma
vez que tais aspectos servem, também, para diferenciar essa região fronteiriça das
136
demais das fronteiras circunvizinhas. Por fim, elaboramos, de modo breve e com uma
linguagem escrita didática, o percurso teórico que sustenta essa pesquisa.
No capítulo 4, trazemos o estudo de caso etnográfico de duas professoras, Laura e
Sofia, que atuam diariamento no contexto de fronteira focalizado no capítulo 1. Com
base na etnografia escolar, procuramos mostrar a triangulação de registros na
interpretação dos dados gerados, assim descritos: I- Perfil das docentes por meio de
questionário aplicado; II- A percepção das professoras com relação à produção Textual
de seus alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas e III- Entrevistas Narrativas com as
professoras.
Com base nessa tríade de registros e procurando responder as perguntas de
pesquisa da pesquisa, notamos um posicionamento radical das docentes com relação às
aos conceitos de bilinguismo, línguas e cultura de fronteira; a percepção da realidade
bilíngue dos alunos e os dizeres das professoras com relação à escrita do aluno
brasiguaio.
De um lado, Laura, ressaltando que não existe “brasiguaio”, ou o sujeito brasilero
ou ele é paraguaio, pois o que vale é o que o documento escrito prescreve. Evidenciando
pensar, também, o excercício de não refletir a língua, produto social, nas aulas de língua
portuguesa, o que evidencia deprrender os resquícios de uma tradição educacional que
mantem a ideia de que existe uma única forma de falar e escrever, resultando na
homogeneidade da língua e no desconhecimento da heterogeneidade linguística, fato
notório nessa região de fronteira.
Outro ponto que Laura nos mostra é com relação a sua posição frente à interação
dos alunos durante as aulas. Segundo dados de entrevistas e conforme a fala da docente,
os alunos indígenas e paraguaios não se interagem com os brasileiros. Quando
questionada sobre o fato, a docente diz ser natural essa separação dos alunos, além
disso, não mostrou uma atitude plausível para a compreensão da interação dos alunos, o
que evidencia pensar que a docente não enxerga que a interação do aluno brasileiro é
diferente da interação do paraguaio, que é diferente do indígena e do brasiguaio. Por
isso, a sala de aula deve ser encarada como espaço heterogêneo, complexo e de conflito
étnico, linguístico e social.
Nota-se, dentro outros parâmetros elecandos no capítulo 4, a percepção de Laura
com relação à escrita do aluno da fronteira, evidenciando pensar no desconhecimento da
docente ao nítido apoio à língua espanhola do aluno brasiguaio, revelando uma
137
linguagem escrita híbrida do aluno da fronteira e ainda confirmando a ideia de
bilinguismo em processo dentro do contexto escolar.
Já no Caso de Sofia, percebe-se uma percepção que ao mesmo tempo em que
demosntra um nível inicial de pedagogia culturalmente sensível (Erickson
(1990a/1992b/1988c), os dados evidenciam pensar uma postura radical da docente ao
afirmar, em entrevista narrativa, que o aluno indígena, por exemplo, precisa de um
tratamento diferenciado, com mais atenção. No olhar do pesquisador, no momento em
que a docente supõe esse tratamento ao aluno da fronteira (paraguaio, brasiguaio e
indígena) sugere pensar que a professora realiza um diagnóstico desse aluno,
evidenciado pensar que é necessário ter uma sala, por exemplo, só para índios.
Aliado a essa noção de tratamento diferenciado para/com o aluno da fronteira está
o termo “alunos especiais”, usado por Sofia para caracterizar os alunos brasiguaios,
indígenas e paraguaios. Nessa perspectiva, e no olhar do investigador etnográfico, a
escola e, em especial a atuação docente de Sofia, por não saber detectar as questões de
língua e as fronteiras sócio-culturais, ela acaba diagnosticando o aluno como se estive
uma dificuldade cognitiva, uma vez que associar o aluno indígena a “aluno especial”
pode ser interpretado, dentre outros parâmetros, como o sujeito que possui dificuldades
de aprendizagem.
Por fim, como observado no subtópico desta seção, as considerações, assim como
a identidade fragmentada proposta por Hall (2003) continua em processo, portanto, o
trabalho continua com a proposta de doutorado a fim de entender a gestão educacional e
de políticas linguísticas nessa região de fronteira. Sensibilizando os gestores a uma
pedagogia culturalmente sensível frente à heterogeneidade linguística da fronteira.
138
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