A verdadeira sinergia brota de uma revolução cultural
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A verdadeira sinergia brota de uma revolução cultural
Fonte Valor Econômico - Nacional - NA p. 02/04: Gestão de Transação Autor Redação Valor Econômico São Paulo Data de Edição 07/12/2006 Data de Captura 07/12/2006 A verdadeira sinergia brota de uma revolução cultural Toda fusão ou aquisição tem o objetivo de gerar valor a partir de algum tipo de sinergia. No entanto, as estatísticas mostram que benefícios que parecem ser muito bons no papel muitas vezes não se materializam. O fracasso em fusões e aquisições freqüentemente é atribuído ao choque cultural entre as empresas envolvidas, problema que prejudica a integração e mina o sucesso do negócio. Estudo realizado pela Siebel Systems (recentemente adquirida pela Oracle), por exemplo, revelou que todas as aquisições da companhia foram malsucedidas por causa de "conflitos culturais". Em outras negociações, os acordos fracassaram antes mesmo de ser fechados porque o ambiente organizacional das duas companhias era muito diferente. Quando a fusão proposta entre a Monsanto e a American Home Products foi cancelada, em 1998, por exemplo, o fracasso da transação foi atribuído a estilos conflitantes de administração e ao fato de os dois CEOs não terem conseguido chegar a um acordo sobre como dividir o poder. O Wall Street Journal chegou à seguinte conclusão: "Mais uma megafusão da indústria farmacêutica fracassa: choque cultural mata o casamento Monsanto-AHP." O impacto das diferenças culturais sobre o desempenho em fusões e aquisições Como os fiascos das fusões continuam a ser publicados nas manchetes dos jornais, os executivos são induzidos a acreditar que as diferenças culturais das companhias fundidas quase inevitavelmente levam a problemas de integração. Fusões e aquisições envolvendo empresas de diferentes países são especialmente difíceis de dar certo porque, além das questões básicas de integração, existe uma grande quantidade de barreiras culturais a ser superadas. Na DaimlerChrysler, formada em 1998 quando a alemã Daimler-Benz comprou a americana Chrysler, as diferenças nos sistemas de remuneração e nos processos de tomada de decisão provocaram atritos na alta administração das duas empresas, enquanto nos escalões inferiores os colaboradores brigavam por questões como regras sobre vestuário, jornada e fumo no ambiente de trabalho. O idioma também se tornou um problema. Apesar de a maioria dos gerentes da Daimler falar inglês, nem todos tinham a fluência e a precisão necessárias para uma relação de trabalho eficaz. Já entre os gerentes da Chrysler, poucos tinham algum conhecimento de alemão. Os desafios culturais e de comunicação são ainda maiores quando a fusão ocorre entre uma companhia americana ou européia e uma de um mercado emergente, onde muitas empresas alimentam planos de expansão internacional. Por exemplo, quando a Lenovo, principal fabricante chinesa de computadores domésticos, anunciou a aquisição da divisão de PCs da IBM, em dezembro de 2004, muitos observadores duvidaram da possibilidade de uma companhia desenvolvida em um sistema comunista que até recentemente estava restrita ao mercado chinês - ter sucesso ao gerir um negócio global. A fusão de duas companhias, com modelos de negócios e culturas tão diferentes, que preservasse a competitividade no ágil setor de PC parecia um desafio aterrador. Ainda não está claro se o acordo com a IBM vai ajudar a Lenovo a se tornar uma líder do mercado global, mas em dezembro de 2005 menos de oito meses depois da aquisição - os fatos pareciam dar uma certa razão aos céticos, quando a Lenovo substituiu o seu CEO americano, Steve Ward. Michael Dell, presidente da principal rival da Lenovo, declarou: "Não vai dar certo." Estudos recentes, porém, puseram em xeque a convicção de que as diferenças culturais não podem ser administradas e de que são uma das principais causas de fracasso em fusões e aquisições. A análise desses resultados revela que, em negócios envolvendo mais de um país, as diferenças culturais podem aumentar a vantagem competitiva da nova companhia de várias formas: dando acesso a competências exclusivas e potencialmente valiosas que fazem parte de um ambiente cultural distinto; ajudando a companhia a desenvolver estruturas de conhecimento melhores; superando a rigidez e a inércia organizacional; e fomentando o aprendizado e a inovação. Outras pesquisas indicam que as peculiaridades culturais, mais visíveis em fusões e aquisições transnacionais, levam os administradores a prestar mais atenção nas questões socioculturais e humanas, fatores menos tangíveis, mas decisivos e com freqüência negligenciados em fusões e aquisições domésticas. Coletivamente, esses resultados sugerem que as questões culturais inerentes às fusões e aquisições transnacionais podem não ser tão assustadoras assim. O mesmo se aplica às alianças e joint ventures internacionais. A aliança Renault-Nissan é um bom exemplo. Carlos Ghosn, atual presidente e CEO tanto da Nissan quanto da Renault, por sinal, costuma dizer que "as diferenças culturais podem ser vistas como uma desvantagem ou como uma semente poderosa para algo novo". De fato, nas últimas semanas, Ghosn tem falado de uma potencial aliança tripla entre Renault-Nissan e GM. Esclarecendo o mistério Como podemos entender essas experiências, teorias e resultados de pesquisas conflitantes? Em uma tentativa de compreender melhor o papel do aspecto cultural em fusões e aquisições, Andreas Voigt, da London Business School, e eu examinamos as implicações das diferenças culturais sobre o desempenho em uma amostra de 10.387 fusões e aquisições, tanto domésticas como transnacionais. Para isso, usamos técnicas metaanalíticas - procedimento estatístico para a integração dos resultados de um grande número de estudos que se referem à mesma questão pesquisada. As análises apontam para uma tendência interessante. Em fusões e aquisições que exigem altos níveis de integração operacional aquisições que prometem significativas economias de escala ou competências -, as diferenças culturais podem criar obstáculos, ao evidenciar os problemas socioculturais durante o período de integração. Em fusões e aquisições que exigem níveis mais baixos de integração, ao contrário, descobrimos que as diferenças culturais - especialmente nas operações transnacionais - facilitam a obtenção de sinergias, sem causar grandes problemas socioculturais. Nesses casos, as unidades adquiridas em geral ganham mais autonomia, o que reduz o estresse pós-aquisição e a probabilidade de surgirem conflitos culturais e problemas relacionados aos recursos humanos. Assim, se as diferenças culturais têm qualquer efeito positivo ou negativo - no sucesso de uma fusão, provavelmente vai depender do nível de integração exigido. Como observou Oded Shenkar, renomado especialista em fusões e aquisições transnacionais do Fisher College of Business, da Universidade de Ohio: "A diferença de uma cultura em relação a outra tem pouco significado até que elas sejam postas em contato." Fusões e aquisições diferentes exigem soluções diferentes Segundo a nossa pesquisa, o efeito das diferenças culturais sobre fusões e aquisições depende da capacidade do comprador de administrar o processo de integração sociocultural. O que determina uma gestão eficiente de integração em uma operação específica, porém, depende da intenção estratégica por trás da transação. As milhares de transações amontoadas sob o termo "M&A" representam, na verdade, atividades estratégicas muito diferentes e com implicações muito distintas no gerenciamento da integração. As companhias que adotam uma estratégia de crescimento por meio de aquisições, como Cisco, General Electric ou Teva, por exemplo, tendem a "integrar" as empresas adquiridas, absorvendo-as nas unidades existentes ou estabelecendo unidades autônomas. Megafusões como a DaimlerChrysler ou AstraZeneca, por outro lado, envolvem duas entidades de tamanhos relativamente iguais, que se juntam para aproveitar a melhor parte de cada companhia (pelo menos em teoria) ou para formar uma organização completamente nova com vantagem competitiva significativa. Esses dois cenários exigem abordagens diferentes - quase opostas - de integração cultural. Uma pesquisa realizada por Susan Cartwright, da Manchester Business School, e Cary Cooper, da Lancaster University Management School, em uma grande variedade de setores por toda a Europa indica que, nas fusões entre iguais ("casamentos de colaboração"), as culturas das organizações que se unem devem ser semelhantes porque o sucesso da fusão depende da capacidade de criar uma "terceira cultura" coerente, combinando elementos das duas realidades. Como as organizações normalmente lutam para preservar a própria identidade, fusões entre companhias desiguais resultarão em grandes problemas de integração. Nos casos em que existem diferenças significativas de poder ou tamanho, o peso do comprador provavelmente é um fator mais importante do que a distância cultural. Se os colaboradores da empresa adquirida acreditarem que a incorporação vai resultar em um aumento de autonomia e outros benefícios, é provável que eles aceitem a nova identidade e recebam a aquisição de braços abertos. É por isso que a integração pela absorção, em que se espera que a empresa adquirida se adapte à forma de operar da adquirente, não é necessariamente uma coisa "ruim". Isso é particularmente verdadeiro quando os funcionários da empresa adquirida vêem a compradora como salvadora, como uma empresa que tem uma cultura mais evoluída ou quando vêem perspectivas positivas (melhores salários, mais prestígio e assim por diante). A Cisco, por exemplo, compra companhias em busca de tecnologia e talento em pesquisa e desenvolvimento e então as assimila à cultura da Cisco. Na verdade, tenta conservar a maioria dos colaboradores, inclusive a alta administração, e oferece grandes incentivos financeiros, além de uma visão da corporação formada pela fusão, em que os funcionários da companhia adquirida têm um papel importante a desempenhar. Administrando o processo de integração sociocultural Integrar companhias e culturas é complexo e peculiar. Não há receitas mágicas nem soluções instantâneas, mas um pequeno número de empresas aprendeu a evitar os erros mais comuns. As recomendações a seguir se baseiam em pesquisas acadêmicas e entrevistas com executivos que comandaram com sucesso as suas companhias durante alianças, fusões e aquisições que transformaram os seus setores. A experiência deles indica que o resultado (comprometimento da transação ou a conquista de sinergias culturais) depende de quatro fatores: uma avaliação completa da adaptação cultural, flexibilidade na abordagem à integração, ambição de criar algo novo e melhor e, finalmente, oportunidades para o aprendizado da cultura. A avaliação cultural como parte do processo de due diligence Na fase de due diligence, procurar descobrir as características culturais e humanas da empresa é tão importante quanto fazer uma análise financeira e saber se existe adequação estratégica. Realizar uma auditoria sobre o capital humano de forma a ter certeza de que a companhia-alvo tem o talento para executar a estratégia da aquisição, identificar os indivíduos que são decisivos para a sustentação de valor e avaliar qualquer fraqueza potencial no quadro administrativo são questões decisivas para o sucesso da aquisição no longo prazo, assim como a avaliação da adaptação cultural entre as duas organizações. Algumas vezes, enquanto a avaliação cultural (cultural due diligence) é realizada, descobrem-se os chamados deal killers. A Cisco, por exemplo, evita comprar companhias com culturas significativamente diferentes da sua, reconhecendo que seria difícil reter talentos importantes. No atual ambiente global de negócios, porém, em que a atividade de fusões e aquisições é movida principalmente por imperativos estratégicos, poucas companhias podem se dar ao luxo de evitar transações por conta de questões culturais. À luz da descoberta de que as diferenças culturais podem ser uma fonte de criação de valor, inovação e aprendizado, limitar as aquisições a negócios-alvo com culturas semelhantes pode não ser uma boa estratégia. Mas isso não quer dizer que as diferenças culturais possam ser ignoradas. Pelo contrário, pelo fato de serem tão decisivas, têm de ser bem avaliadas e bem administradas. Flexibilidade na abordagem da integração Para companhias como Cisco, GE e Teva, o crescimento por meio de aquisições se tornou uma estratégia de negócios. Esses compradores em série tentam aprender com os erros e acumulam experiência, adotando processos que os tornam capazes de executar transações de forma mais eficaz. A GE Capital, divisão de serviços financeiros da GE, por exemplo, desenvolveu um conjunto de diretrizes para a integração das companhias aplicado com sucesso em muitas transações. Essa abordagem sistemática à implementação de aquisições, porém, não impede que os administradores envolvidos em acordos de fusões e aquisições busquem encontrar as respostas certas por si mesmos. A GE reconhece que cada processo de integração possui suas especificidades, de forma que os administradores têm de improvisar. De maneira semelhante, a Teva, maior indústria de medicamentos genéricos do mundo, tornou a flexibilidade uma parte integral do processo de aquisição. Segundo Haim Benjamini, ex-vicepresidente de Recursos Humanos, o princípio diretor da Teva na integração de aquisições é que cada transação é diferente e, portanto, a flexibilidade para chegar a soluções é importante. Quando a Teva encontrou resistência depois de comprar a Abic, até então a segunda maior companhia farmacêutica de Israel, seus executivos perceberam a necessidade de uma abordagem de integração com sensibilidade em relação à cultura. Apesar da grande expectativa de sinergia, a Teva decidiu conduzir a integração sem muita pressa e administrar a companhia adquirida como uma unidade independente de negócios até que os colaboradores superassem o choque cultural inicial. Em um outro caso, na aquisição da indústria farmacêutica húngara Biogal, pela Teva, a equipe de integração trabalhou de perto com os diretores locais, de forma a determinar a melhor maneira de lidar com questões culturais e as reparações necessárias. Colaboradores prejudicados pela transação, por exemplo, receberam treinamento e empréstimos para abrir os próprios negócios. Isso ajudou a construir a confiança e a preparar o palco para uma integração bem-sucedida. Oportunidade para criar uma nova cultura Existe uma boa oportunidade no curto período após a aquisição, quando a organização está mais aberta, os funcionários esperam mudanças e estão maleáveis a novas formas de fazer as coisas. É nessa fase que se deve tomar as decisões de maior impacto e criar algo novo e melhor. Como disse um executivo da AstraZeneca entrevistado por Peter Killing, professor de estratégia do IMD (International Institute for Management Development): "Uma fusão é como um vulcão em erupção. Tudo vira lava e a lava é fluida. Você pode moldá-la e dar-lhe forma, transformando-a em coisas novas, mas ela acaba se solidificando. No período em que a lava está líquida você tem uma oportunidade inacreditável de mudar as coisas - aproveite essa chance." Está claro que esse processo tem de ser dirigido de cima para baixo, mas é essencial obter o aval e as idéias dos colaboradores em todos os níveis da organização. Logo depois de fechado o acordo IBMLenovo, por exemplo, os colaboradores do call center do centro de operações da IBM em Raleigh, Carolina do Norte, tiveram a idéia de gravar um vídeo em que jogavam fora seus crachás da IBM, para mandá-lo como um cumprimento a seus colegas do call center da Lenovo. Para estimular o pensamento criativo, Fran O'Sullivan, executivo-chefe de operações (COO) da Lenovo International (a parte do novo negócio formada pela IBM), iniciou um programa chamado Projeto Lata de Lixo. Isso para encorajar os funcionários a apresentarem exemplos de coisas que fizeram como parte da IBM, mas que não queriam fazer mais. Mais importante que deixar o passado para trás, porém, é criar algo novo. Em uma fusão transformadora, você tem de criar uma organização melhor que as duas companhias que estão se juntando. Quando a empresa farmacêutica Novartis foi formada com a fusão entre Ciba-Geigy e Sandoz, em 1996, o estilo de administração proposto para a nova empresa refletia a transformação desejada: "Ouvimos mais que a Sandoz, mas decidimos mais que a Ciba." O CEO Daniel Vasella liderou o processo de mudança comunicando o novo conjunto de valores essenciais em diversos seminários com funcionários-chave e visitas às operações da Novartis ao redor do mundo. Essas intervenções, apoiadas pelo novo sistema de gerenciamento de desempenho e investimento em treinamento e desenvolvimento, ajudaram Vasella e a sua equipe a construir a desejada cultura de "alto desempenho". Criar oportunidades para o aprendizado cultural Segundo Benjamini, que supervisionou a integração de muitas das aquisições da Teva, a melhor forma de integrar unidades adquiridas é juntar rapidamente as pessoas para trabalharem juntas, de forma que elas estimulem os conhecimentos e habilidades umas das outras e resolvam, assim, problemas que não podiam ser resolvidos antes da fusão. Existem diversas atividades e mecanismos de integração que podem ser usados para garantir que as pessoas se aliem em busca dos mesmos objetivos para criar um contexto de cooperação que facilite a transferência de capacidades. A Cisco, por exemplo, costuma estabelecer pares (o chamado "sistema de companheiros") na integração de companhias adquiridas. Equipes formadas por pessoas das duas companhias são outra ferramenta poderosa para conseguir que os funcionários pensem de novas formas, abram mão de práticas existentes e eliminem o pensamento "nós contra eles" - como ficou evidenciado pelo importante papel desempenhado por essas equipes na bem-sucedida virada da Nissan. No entanto, com a criação de novas unidades com pessoas de culturas diferentes, que podem até já ter sido concorrentes, as possibilidades de ocorrer desentendimentos e conflitos são grandes. Em vez de esperar por um choque cultural, há abordagens que podem ser empregadas pelos executivos para garantir o aprendizado cultural. Uma pesquisa realizada recentemente por David Schweiger e Philip Goulet, da Moore School of Business, em uma companhia que está entre as 500 maiores da revista Fortune, sugere que profundas intervenções de aprendizado cultural podem facilitar sinergias, alterando estereótipos negativos, desenvolvendo atitudes construtivas entre os colaboradores e melhorando a comunicação entre as organizações em fusão. O processo começa com um fluxo controlado de informação entre os funcionários das companhias adquirente e adquirida, de forma a oferecer um fórum construtivo em que as partes recebem informações precisas uma sobre a outra. Com esses dados, as percepções imprecisas são eliminadas e as diferenças reais são reveladas. Em vez de fazer que as diferenças sejam vistas como um problema, encoraja-se uma "fertilização cruzada" e as melhores características das duas culturas recebem destaque. Conclusão Pesquisas recentes sugerem que as diferenças culturais das companhias que se fundem são uma faca de dois gumes: podem aumentar o potencial de sinergias e aprendizado, mas podem minar o sucesso da fusão, ao evidenciar problemas socioculturais. Poucas companhias, contudo, parecem dar atenção e recursos à administração dessas indefiníveis "questões culturais" inerentes ao processo de integração de fusões e aquisições. Uma coisa é certa: a sinergia cultural não acontece por acaso - ela exige uma liderança eficiente, uma abordagem de integração e a mentalidade corretas, além de uma administração da integração com sensibilidade para o aspecto cultural.