Uma constelação urbana Uma via para a cultura

Transcrição

Uma constelação urbana Uma via para a cultura
PUB
www.nyb.pt
www.esta.ipt.pt
D i r e c to r a : H á l i a co s ta s a n to s
XIX Simpósium de Artes Gráficas,
entre 20 e 21 de Abril, em Tomar.
Tema geral do evento: SUPORTES
P. 27
“No limits for design and graphic arts”
www.artec2009.blogspot.com
N.º 18 . Ano 7 . SEXTA-Feira, 30 de jANEIRO de 2009
A A23, que liga Torres Novas à Guarda, é um eixo de
desenvolvimento? Que capacidade é que esta via tem de
atrair empresas, instituições e pessoas? E contribui para dar
sustentabilidade à actividade que já existe ao longo do seu percurso?
Como é que se devem organizar as entidades, incluindo as autarquias,
para tirar partido das vantagens de uma via de comunicação que,
para alguns,é estratégica? E os pontos de interesse turístico e cultural
também beneficiam de uma maiormobilidade? Tentativas de resposta
ao longo desta edição. P. 3 a 11
Eixo de
desenvolvimento?
Uma constelação urbana
Uma via para a cultura
Augusto Mateus, consultor e ex-ministro, defende, em
entrevista, que existe massa crítica de partida para potenciar o desenvolvimento da região que envolve a A23, sobretudo
no território que está mais próximo da A1. Este especialista
propõe, para o Médio Tejo, a criação da primeira cidade de
média dimensão, com 150 mil habitantes, que resultaria de
uma forte rede de cidades de pequena dimensão, em que cada
P. 3
uma teria a sua especificidade.
Riachos, Constância, Mação e Fundão são apenas quatro
das várias localidades que, ao longo da A23, têm museus que
beneficiam deste novo acesso. Os seus responsáveis acreditam que
esta via de comunicação ajuda a “aproximar as pessoas” e, por isso,
a divulgar o património. E a cultura também tira proveito da maior
mobilidade. Carlos Carvalheiro, director da companhia de teatro de
Tomar “Fatias de Cá”, não tem dúvidas: a A23 “é vital para o nosso
funcionamento e para o público que nos acompanha”. P. 14 a 16
PUB
Avenida D. João I, n.º270 Abrantes
| ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
esta
J O R N A L
E statuto
Editorial
A23 mas não só
e dito r ial
Hália Costa Santos
O principal desafio desta edição do ESTAJornal é o
de abordar a A23 nas suas diferentes perspectivas,
procurando responder à pergunta óbvia: esta via é
ou não é um eixo de desenvolvimento? Necessariamente, o que aqui se apresenta são apenas algumas das muitas abordagens possíveis, nas quais
se enquadram contributos exteriores à redacção. A
complexidade da questão faz com que tenhamos
que assumir, desde logo, que não há respostas
definitivas e absolutas sobre o assunto em questão.
Depois de um conjunto de artigos específicos sobre
o assunto, ao longo do jornal vão surgindo outros
que abordam, de forma menos incisiva, a importância da A23.
Embora as vertentes das empresas e das autarquias acabem por ser tocadas ao longo de vários
textos, no resultado final destacam-se duas áreas
essenciais: a formação/ensino e o turismo/cultura.
Provavelmente, porque estas serão duas das apostas incontornáveis em termos de desenvolvimento
desta região.
Ao longo das páginas que se seguem aparecem
artigos que surgem de formas distintas. Uns foram
feitos especificamente para este jornal, no âmbito
de unidades curriculares; outros foram desenvolvidos como meros trabalhos académicos adquirindo,
depois, “honras” de publicação.Há ainda um tra-
balho assinalável que resulta de dois estágios curriculares feitos no âmbito do Gabinete de Comunicação da ESTA e do próprio ESTAJornal
Muitas das entrevistas e das reportagens que aqui
se publicam são os primeiros trabalhos jornalísticos de um conjunto de alunos que há pouco mais
de um ano ainda estavm no ensino secundário. É
este salto – necessariamente rápido, por causa da
duração dos cursos de 1º ciclo – que os estudantes
têm que dar, cada vez mais depressa e com relativa
segurança. E estão a fazê-lo...
Necessariamente, o ESTAJornal acaba por evidenciar, também, as iniciativas da sua própria escola.
E é por isso que se dá destaque a mais um projecto
que um aluno de Engenharia Mecânica, acompanhado pelo docente Luís Miguel Ferreira, apresenta
ao concurso internacional de SolidWorks, onde a
ESTA tem sido largamente premiada. Finalmente
(mas não em último), apresenta-se o trabalho
desenvolvido por um grupo de quatro alunos de
Comunicação Empresarial, orientados pelo docente
Luís Nunes, que participou num concurso nacional
promovido pelo Instituto da Juventude. Entre
46 trabalhos a concurso, foram atribuídos cinco
prémios monetários e três menções honrosas. Uma
delas veio para a ESTA, precisamente com este
trabalho. Justifica-se, pois, o destaque dado.
Sessão de abertura da 1ª Pós-Graduação-Formação
Avançada em Gestão de Informação para a Saúde
A 1ª edição do curso de Pós-Graduação-Formação Avançada em
Gestão de Informação para a Saúde está já em funcionamento
na ESTA. Depois de ter sido apresentada numa sessão solene,
esta formação teve a sua primeira sessão presencial no dia 19 de
Janeiro. Este curso, que tem a duração de um ano, pretende dotar
os gestores de Serviços de Saúde dos conhecimentos necessários
para definirem e conduzirem uma estratégia de desenvolvimento dos Sistemas de Informação dentro das Unidades de Cuidados
de Saúde, de acordo com os avanços da tecnologia. O objectivo
é dotar os gestores dos Serviços de Saúde de conhecimentos que
permitam potenciar a utilização das tecnologias para resolver
problemas concretos como, por exemplo, a longevidade dos
registos clínicos. Uma vez que os docentes são de diferentes
áreas geográficas, o curso é ministrado em Blended Learning,
ou seja, a maioria das aulas realizam-se através de e-learning,
sendo algumas delas presenciais.
Patrícia seixas
2200-370 abrantes
telefone: 241361169
fax: 241361175
E-mail: [email protected]
•
O ESTA Jornal adopta como lema e
norma critérios de rigor, de absoluta
independência e de pluralismo dos
pontos de vista a que dá expressão.
•
O ESTA Jornal aposta, por isso, numa
informação plural e diversificada,
procurando abordar os mais diversos
campos de actividade numa atitude
de criatividade e de abertura perante a
sociedade e o Mundo.
•
O ESTA Jornal considera como parte da
sua missão contribuir para a formação
de uma opinião pública informada,
emancipada e interveniente - condição
fundamental da democracia e de uma
sociedade aberta e tolerante.
•
A democracia participativa e entendida
para além da sua dimensão meramente
institucional, o pluralismo, a abertura e a
tolerância são os valores primaciais em
que se alicerça a atitude do ESTA Jornal
perante o Mundo.
•
O ESTA Jornal considera-se responsável
única e exclusivamente perante a ambição
e a exigência dos seus redactores, alunos
do Curso de Comunicação Social da Escola
Superior de Tecnologia de Abrantes e
perante o público a que se dirige.
O ESTA Jornal está por isso plenamente
disponível e empenhado com os leitores,
comprometendo-se a manter canais
de comunicação abertos com quantos
connosco queriam partilhar as suas ideias
e inquietações.
Na última edição, no artigo intitulado “Sol de muita
dura”, as fotos publicadas não correspondem aos
paineis utilizados pela empresa em questão, a
Amper Central Solar SA, na Amareleja, Moura. Os
paineis utilizados por esta central têm uma tecnologia diferente da que é apresentada. À Amper
Central o ESTAJornal apresenta um pedido de
desculpas.
J O R N A L
Morada: Rua 17 de agosto de 1808
O ESTA é um jornal de Escola, de pendor
assumidamente regional, mas que nem
por isso abdica da dimensão de um órgão
de grande informação ou da ambição de
conquistar o público para além do meio
universitário.
O ESTAJornal errou
esta
Fundado a 13 de Janeiro de 2003
propriedade da escola superior de
tecnologia de abrantes
•
direc tora: Hália Costa Santos
Colaboradores: António Borges Abel,
sub-direc tora: raquel botelho
Catarina Ramalho, Hugo Silva, Liliano
Pucarinho, Mário Cordeiro, Patrícia Seixas,
Sérgio Nunes, Vânia Constantino
redacç ão: Alison Silva, Ana Rita Ferreira,
Ana Rosa Patrício, André Amante, Cláudia
Oliveira, Daniela Santos, Eleantino Évora,
Joana Mendes, João Vasco Nunes, Luís
Carlos Tomás, Marina Araújo, Marisa
Rodrigues, Raquel Simões, Renato Lopes,
Sara Pereira, Sílvia Carola, Simão Santana,
Tatiana Pedrosa, Valter Marques
Revisão: maria romana e Sandra Barata
Departamento comercial: Ana Rosa Patrício
Projec to gráfico e paginaç ão: joão pereira
impressão: gráfica do instituto
politécnico de tomar
tiragem: 5000 exemplares
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | A23: Eixo de desenvolvimento?
Augusto Mateus explica o potencial da A23 numa perspectiva de colaboração entre ensino superior, empresas e autarquias
“Todos podem brilhar”
Augusto Mateus, economista e consultor, é responsável, entre muitos outros projectos, pelo Plano Estratégico do IPT. Olhando
para esta instituição enquadrada na A23, defende uma expansão sobretudo ao nível da prestação de serviços. Nesta região, o
ex-ministro aposta ainda na criação da primeira grande cidade de média dimensão: uma constelação urbana marcada por uma
especialização em cada cidade.
Hália Costa Santos
Uma das conclusões do Plano Estratégico do
IPT aponta para o alargamento da área de influência da instituição. Decorrido mais de um
ano, como é que se pode fazer isto para tornar o
Instituto numa instituição de referência?
A ideia chave é que o IPT está localizado num
território em transformação, cujas grandes oportunidades têm muito que ver com duas grandes
tendências de futuro: a sustentabilidade do Verde e do Azul (água e floresta) e tudo aquilo que
tem a ver com mobilidade. Deste ponto de vista,
há um cacho alargadíssimo de actividades, de
competências, de conhecimentos e de áreas de
investigação que são fundamentais para que o IPT
possa ter uma função de agente protaganonista do
desenvolvimento económico e social.
Há muito tempo que não se justificam opções
estratégicas que teriam apenas como função responder às necessidades de formação da população
residente de uma pequena região de Portugal. Essa
seria uma ideia errada do ponto de vista estratégico
que conduziria ao definhamento da instituição.
Terá que ter essa função, mas só poderá ter essa
função se tiver muitas outras, incluindo a lógica de
um duplo alargamento: das funções do Instituto
e da área territorial.
O alargamento não deve ser encarado no sentido expansionista de alargar território, mas sim no
sentido de mercado, de área de influência, de ser
capaz de ler e de responder a desafios. Brincando
um pouco com as letras, trata-se de combinar o
T de Tomar com o T de Tejo. Trata-se de combinar melhor investigação, formação e prestação
de serviços, ligando muito mais o Instituto ao
mundo empresarial e dando-lhe uma função
de intermediário numa teia muito grande de
relações, no mundo académico, no mundo empresarial, no mundo da ciência e da tecnologia
aplicada. E dando-lhe também uma articulação
com autarquias.
Em que medida é que a A23 pode contribuir
para o alargamento?
A A23 tem de ser vista no seu conjunto com
a A25 e com a A1. Temos também que pensar
que na Penísnula Ibérica há três pólos principais:
Barcelona (Catalunha), a Comunidade de Madrid
e a Grande região de Lisboa e Vale do Tejo. Há um
corredor de desenvolvimento principal que liga
estes três pólos. Há um segundo corredor que
é um corredor que se estabelece a Norte entre o
sul da França e o Atlântico, combinando a região
de Castilha/Leon e a região Centro de Portugal.
A A23 situa-se na articulação destes dois corredores e é uma via de comunicação com enorme
potencial de crescimento, nomeadamente na sua
articulação com a A1.
No seu território mais próximo da A1, a A23
tem condições privilegiadíssimas de localização
empresarial, não para qualquer tipo de empresa,
mas para as empresas que actuam numa lógica
ibérica ou nacional portuguesa, que combinam
Norte/Sul e Nascente/Poente. Hoje em dia não
basta haver facilidade de localização, não basta haver mobilidade, é preciso haver serviços,
competências, gestão de informação. Portanto, a
A23 é um enorme potencial de desenvolvimento,
mas se se perceber que as infra-estruturas mais
importantes são hoje não propriamente as físicas,
“É preciso estar, cada
vez mais, organizado
de uma forma
descentralizada”
mas aquelas que permitem a quem se instala sobre
essas infra-estruturas físicas ter acesso aos serviços,
aos conhecimentos e às competências que permitem a valorização dos investimentos.
Já existem empresas suficientes com essas características para se fazer parcerias?
Existe seguramente massa crítica de partida.
E muitas vezes as coisas mais relevantes estão
ora de lado as instituições de ensino ora do lado
das empresas. No Politécnico de Tomar há uma
actividade relevante à escala nacional, no que
significa saber fazer emprego e riqueza a partir
da conservação e valorização do património. Aí
temos massa crítica do lado do conhecimento.
Quando falamos de floresta, temos seguramente
a Renova, que é um bom exemplo: é uma empresa bem gerida, com uma estratégia muito bem
delineada, que é claramente um trunfo, para que
de lado empresarial exista capacidade de puxar
aquilo que está menos desenvolvido do lado académico. Não temos em nenhum dos terrenos a
massa crítica suficiente para estarmos traquilos
do ponto de vista de dizer que “isto só pode correr
bem”, mas temos elementos suficientes para que
esta estratégia possa ser enunciada.
Estes corredores também facilitam a saída das
pessoas...
As pessoas saem sempre. Não é por não haver
corredores que as pessoas deixam de sair. As pessaos saem quando não conseguem resolver a vida
no sítio onde estão.
Pode-se conceber estes corredores como corredores de progresso, que fazem o desenvolvimento
do território do corredor, ou como “pipelines”, em
que tudo passa e nada fica. Seguramente, o que não
tem conectividade tem muito menos possibilidades de desenvolvimento do que aquilo que tem
conectividade. Quando eu tenho um território
conservado, de beleza natural, que pode ser um
factor de desenvolvimento turístico, a primeira
coisa que eu tenho que fazer é criar um aeródromo
para poder levar turistas. Se não tiver conectividade, não tenho possibilidade de provir esse
potencial. Não vale a pena dizer que a moblilidade
terá como resultado acelerar a desertificação ou
acelerar as saídas. Neste caso concreto, a melhoria
da conectividade da região, a melhoria destes
corredores é obviamente indutor de investimento
e indutor de aceleração das escolhas de residência
nestas regiões. O que é preciso é trabalhar para que
elas tenham a qualidade.
Do levantamento que fez no Médio Tejo, o que
é fundamental para dar essa qualidade?
Defendemos uma ideia que é basicamente situar
no entroncamento da A1 com a A23 aquilo a que
se pode chamar a Porta Norte Logística da Grande
Região de Lisboa, que consiste numa aglomeração
de actividades em matéria de ordenamento de
território. De um modo geral, todos estes territórios estão polarizados por Lisboa. No entanto,
não devem afirmar-se como periferia, mas antes
como centralidade. Não ajuda muito dizer que
Tomar é longe de Lisboa ou que Torres Novas
é longe de Lisboa; o que é preciso dizer é que é
suficientemente longe para estar longe da lógica
das periferias urbanas, mas suficientemente perto
para estar dentro de uma lógica estratégica de uma
grande região europeia.
Vejo com bons olhos aquilo que é uma novidade
no caso português, que é não querermos todos a
mesma coisa. Vejo com bastante força essa vontade
de especialização, nomeadamente no quadro
referencial de alargamento do Médio Tejo. Há
uma ideia que é a formação de uma forte rede
de cidades de pequena dimensão, uma espécie
de constelação urbana. Todos podem brilhar,
desde que sejam diferentes. Esta ideia poderá
gerar a maior cidade média do nosso país: uma
cidade espartilhada por um território mais vasto,
suficientemente especializada, complementada
“A A23 tem condições
privilegiadíssimas
de localização
empresarial”
e organizada para configurar uma cidade média,
próxima dos 150 mil habitantes, o que lhe daria
uma massa crítica absolutamente determinante
para ser simultaneamente um pólo de produção,
um pólo de consumo, um pólo de atracção de
pessoas e de empresas.
São coisas arrojadas mas suficientemente importantes para valerem a pena. Não são fáceis e
esbarram muitas vezes com políticas públicas,
concebidas numa lógica sectorial e não transversal,
que desvalorizam o território. Mas o desenvolvimento das sociedades faz-se dessa maneira.
O IPT já está relativamente expandido, desde
Torres Novas até Vila de Rei. Considera que está
no bom caminho?
Exactamente. Eu tenho sugerido que se conceba
o IPT não com uma sede onde tudo acontece,
mas como uma rede de facilidades institucionais
(edifícios, salas e laboratórios) suficientemente
descentralizada para poder ter um território de
influência bem definido. Temos que perder a
noção de que uma universidade, uma faculdade
ou um politécnico é um edifício ou um grupo de
edificios concentrados num local. O que estrutura
hoje o mundo científico e académico não são os
edifícios, não são os equipamentos. É obviamente
a capacidade de fazer ciência, a capacidade de a
divulgar, a capacidade de prestar serviços.
É preciso estar, cada vez mais, organizado de
uma forma descentralizada. Portanto, não posso
ver com melhores olhos a presença do Politécnico
de Tomar de diferentes maneiras em vários sítios,
desde que isso não seja indutor de desperdício, de
duplicação de custos, de uma estrutura complicada. Tem que ser uma estrutura simples, muito
bem gerida do ponto de vista económico, com a
centralização do que deve ser centralizado (a massa crítica e científica, a capacidade de investigação,
a capacidade de formar e desenvolver professores
competentes). Onde tem que haver uma lógica
de descentralização é na prestação de serviços.
Tem que se estar muito mais próximo do mundo
empresarial. Por outro lado, a lógica do Verde e do
Azul obriga o Politécnico a deslocar-se. É preciso ir
para junto dos rios e do património. Isso obriga a
estar, eventualmente, em sítios mais recônditos.
Também é possível aplicar as redes às instituições de ensino superior?
Faz todo o sentido criar essas redes. Vejo com
bons olhos que exista uma articulação entre o
Politécnico de Tomar a a Universidade da Beira
Interior. Com o processo de Bolonha os Politécnicos precisam de uma ligação forte no sentido de garantirem as melhores carreiras. Há um
mundo muito mais interessante do que guerras
burocráticas. O caminho é de colaboração. Todos
precisam de ganhar massa crítica, todos precisam
de fazer melhor.
Onde é que gostaria de ver o IPT em 2013?
Como uma instituição que tivesse ganho relevância nacional e internacional num número
restrito de matérias, de especialidades, de cursos
e de investigação; que tivesse resolvido todos os
problemas de gordura, de desperdício e de menor
racionalidade orgânica; que se tivesse tornado
imprenscíndivel como protagonista do desenvolvimento económico e social de uma região
alargada. Ou seja, que o IPT estivesse sempre
presente quando se falasse de riqueza, de emprego,
de interactividade urbana e de competetividade
numa região alargada.
| ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
A23: Eixo de desenvolvimento?
António Pires da Silva, presidente do IPT, defende uma lógica de parcerias
Respostas diversificadas
às necessidades da região
D.R.
“O IPT não pode ser apenas o Politécnico de Tomar, não pode ser sequer
apenas o Politécnico do triângulo TomarAbrantes-Torres Novas. Terá que ser um
Politécnico que sirva toda uma região
que abarca o Médio Tejo e o Pinhal Interior. Só assim terá sustentabilidade e dará
sustentabilidade a uma região, que mais
uma vez o reafirmo, poderá ter a melhor
qualidade de vida do país.” Foi desta forma
que António Pires da Silva, presidente do
IPT iniciou o seu discurso na cerimónia
oficial de abertura do ano académico de
2008/09.
Actualmente, o IPT oferece 20 cursos
de licenciatura, 12 cursos de mestrado,
16 cursos de especialização tecnológica.
Tem 4000 alunos, 250 professores e 120
funcionários, gerindo um orçamento de
15 milhões de euros, dos quais 40 % são
de receitas próprias. Por isso, Pires da Silva
garante que se trata de “uma instituição
com uma situação financeira equilibrada, que consegue satisfazer todos os seus
compromissos financeiros sem necessidade de contribuições extraordinárias do
Orçamento do Estado”.
Consciente de que se verificará “a saída
em massa das populações do interior do
país com destino ao litoral ou ao estrangeiro” se não houver “capacidade de reter
os jovens”, Pires da Silva tem desenvolvido
uma estratégia que procura responder às
principais exigências dos jovens da região: possibilidades de qualificação num
ambiente propício à inovação.
Para além da Escola Superior de Tecnologia de Tomar (ESTT) e da Escola
Superior de Gestão de Tomar (ESGT),
o sucesso da estratégia de desenvolvimento para esta região permitiu ao IPT
consolidar a ESTA que, apostando nas
Tecnologias e na Comunicação, “criou
já uma comunidade de mais de 600 alunos do ensino superior que começam
a disseminar a tecnologia e o conhecimento científico pelas empresas da
região”. Simultaneamente, respondeu
às solicitações das autarquias vizinhas,
abrindo Centros de Estudos Politécnicos
em Torres Novas, Golegã, Sertã, Mação
e Ferreira do Zêzere, possibilitando a
estas localidades responder à procura
de ofertas formativas estratégicas para
o seu desenvolvimento, conservando os
seus jovens e atraindo investimentos e
trabalhadores mais qualificados.
Numa lógica de alargamento, o IPT
associou-se a várias autarquias que surgem
ao longo da A23, desde Proença-a-Nova
até à Golegã, para a implementação de
Cursos de Especialização Tecnológica de
interesse para essas regiões. A um outro
nível, o IPT estabeleceu uma parceria
com a Câmara Municipal de Mação, para
implementar o Centro Europeu “Instituto
Terra e Memória”, onde decorrem Mestrados e Doutoramentos Erasmus-mundus
na área da Arqueologia, e com a Câmara
Municipal da Golegã, para dinamizar o
Centro de Estudos de Fotografia da Golegã. Destaca-se, também, o protocolo cele-
Universidade da Beira Interior
Património
e inovação
O Instituto Politécnico da Covilhã (IPC) nasceu em
1973. A aposta do Governo incidiu na criação de uma
instituição de ensino superior para facultar aos seus
naturais a possibilidade de prosseguirem os estudos
pós-secundários, e assim contornarem os problemas
da crise industrial na região da Covilhã. Os primeiros
cursos a leccionar foram os de Engenharia Têxtil
e Administração e Contabilidade; em 1986 o IPC
tornar-se-ia na actual Universidade da Beira Interior
(UBI). A UBI está hoje organizada por vários pólos,
onde funcionam os departamentos de Matemática,
Física e Química, Ciências e Tecnologias Têxteis,
Engenharias, Ciências do Desporto, Ciências da
Saúde, Gestão e Economia e Letras. Os vários pólos
estão situados na cidade da Covilhã, uns no centro
da cidade e os outros na periferia. Uma das características físicas mais interessantes da UBI resulta da
recuperação de antigos edifícios, de elevado valor
histórico, cultural e arquitectónico. Com um espaço
físico que já atinge os 134.500 m2, a Universidade
acolhe hoje mais de 5 mil alunos, distribuídos por
32 licenciaturas, 376 alunos de pós-graduação, 464
docentes e 408 funcionários.
Instituto Politécnico
de Castelo Branco
Ensino e Cultura
IPT. Uma instituição que, para além da estrutura central, aposta no alargamento regional
brado com a Câmara do Entroncamento,
que inclui serviços prestados pelo Centro
de Línguas do IPT (CLIPT). Esta unidade
também está a trabalhar com a Câmara
da Sertã, com o Jardim de Infância da
Graça (Entroncamento) e com o CEPTON
(Torres Novas).
Ao nível científico e tecnológico, o IPT
Arquivo
Pires da Silva. Presidente do IPT
solidificou parcerias com unidades de
investigação politécnicas e universitárias,
desenvolvendo projectos aplicados e de
interesse para a região, como são exemplos
o Turiauta, o Patrimonarte, o Line.ipt,
o projecto “Mil Anos de Sabedoria” em
parceria com o Convento de Cristo, entre
muitos outros. No campo da transferência
de tecnologia e da valorização do conhecimento surgem parceiros estratégicos: a
TagusValley - Parque Tecnológico do Vale
do Tejo e a NERSANT.
O IPT propôs e viu aprovada a entrada
em funcionamento de Cursos de Mestrado
em áreas pioneiras a nível nacional, como
são os casos da Conservação e Restauro,
Fotografia, de Desenvolvimento de Produtos Turístico Culturais, Técnicas Editoriais, Manutenção Técnica de Edifícios,
Tecnologia Química.
Finalmente, o IPT tem vindo a desenvolver e promover uma cultura de
empreendedorismo junto dos alunos,
através de estruturas como o Centro de
Incubação de Ideias e Negócios. E a cultura não foi esquecida. Recentemente foi
inaugurado o Centro de Arte e Imagem
– Galeria-IPT.
Criado em 1990, o Instituto Politécnico de Castelo
Branco (IPCB) divide-se hoje em seis escolas: Agrária, Educação, Tecnologia, Gestão, Artes Aplicadas e
Saúde. Entre as cerca de 30 licenciaturas, destacam-se
aquelas que têm a ver com a região, como a Engenharia Florestal ou o Ecoturismo, ou com apostas
em novas tendências, como o Design Multimédia e
Audiovisuias. A Música, o Ensino, a Saúde, as Tecnologias e a Gestão são outros dos pontos fortes. Para
além das Licenciaturas e de Cursos de Especialização
Tecnológica (CET), o IPCB tem vindo a aumentar o
número do Pós-Graduações e de Mestrados. Neste
momento o IPCB tem cerca de 5000 alunos, 370 docentes e 250 funcionários. O IPCB tem também uma
forte ligação à comunidade, tendo em curso mais de
uma centena de protocolos com empresas e organismos, na sua maioria da região. Em colaboração com as
autarquias e instituições regionais, o IPCB dinamiza
também um conjunto de iniciativas de índole cultural.
Para além disso, esta instituição tem vindo a fomentar
um conjunto de relações institucionais com algumas
das mais prestigiadas associações regionais, nacionais
e internacionais, das quais é membro.
Instituto Politécnico da Guarda
Luta contra
a interioridade
O Ensino Superior Politécnico na Guarda (IPG) apresenta-se como “um factor determinante na luta contra a
interioridade e desertificação do interior”. Nesta aposta
surge a ligação com os meios empresarial, cultural e
social da região, bem como a cooperação com outras
instituições de ensino. O ensino superior na Guarda
começou a ser projectado na década de 70, mas só em
1979 é que foi criada a Escola Superior de Educação,
posteriormente integrada no IPG, constituído em
1985. A esta escola juntou-se a área da Comunicação e
do Desporto e, hoje, o IPG é também constituído pela
Escola Superior de Tecnologia e Gestão, pela Escola
Superior de Saúde e pela Escola Superior de Turismo e
Hotelaria (implantada em Seia). O IPG tem actualmente mais de 20 licenciaturas, 9 Pós-Graduações e dois
Mestrados. Na área da Saúde, para além da formação
de base, destaca-se o Curso de Pós-Licenciatura de
Especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica e o
Curso Bietápico de Licenciatura em Farmácia. O IPG
tem também vindo a apostar na prestação de serviços,
nomeadamente em áreas como realização de estudos
geotécnicos e medições de ruído.
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | A23: Eixo de desenvolvimento?
Uma via que facilita
o acesso ao ensino
A A23 é para muitos alunos do Instituto Politécnico de Tomar (IPT) a via escolhida para fazerem a viagem
que liga as suas terras às cidades de Tomar e Abrantes. Sobretudo para aqueles que têm o seu próprio
meio de transporte.
Hália costa santos
Raquel Simões
Nuno Albuquerque Gaspar, aluno
da Escola Superior de Tecnologia de
Tomar (ESTT), utiliza todos os domingos a A23 para ligar Almada a Tomar. Este aluno de Fotografia explica
que o caminho que percorre “é muito
longo” e acrescenta que a A23 “é uma
maneira de não passar tanto tempo
na estrada”. Nuno lembra ainda que
as viagens para Tomar costumam
ser feitas ao domingo, normalmente
a meio da tarde e sem companhia, o
que as torna “mais aborrecidas”.
A A23 é um eixo rodoviário que
liga Torres Novas à Covilhã, facilitando a circulação dos estudantes
dos Institutos Politécnicos de Tomar,
Castelo Branco e Guarda e ainda da
Universidade da Beira Interior, veio
alterar alguns dos hábitos dos habitantes da região do Médio Tejo, afectando particularmente os estudantes
do Instituto Politécnico de Tomar.
Nuno Gaspar percorre em primeiro lugar a A1, a principal autoestrada do país, até entrar na A23,
até chegar a Tomar. Sobre a A23 não
tem dúvidas que “é uma auto-estrada com muito boas condições, para
além de que tem pouco trânsito”.
Passam poucos minutos das três
da tarde quando, num domingo
como qualquer outro, Nuno sai de
Almada e apanha a A1 em Lisboa.
Confessa que não gosta muito de
fazer o percurso da principal autoestrada, porque “é uma via muito
movimentada, tem excelentes condições de circulação, mas tem muito
Uma estrada com
boas condições
faz a diferença no
percurso
Percurso. Para além da mobilidade, a A23 destaca-se pelas paisagens
trânsito”. Apesar disso, a A1faz-se
calmamente, até se chegar à saída de
Torres Novas, que liga com a A23.
Já na A23, com destino a Tomar,
Nuno diz, sorridente: “Ao utilizar a
auto-estrada poupo algum dinheiro
no combustível, e também poupo
tempo nas filas. Nas estradas nacionais o trânsito é sempre mais
lento”. O dia estava solarengo e a
A23, num instante, apresenta a saída para Tomar.
Ao contrário dos alunos que vão
para Abrantes, Nuno, após sair da
A23, ainda tem de percorrer o IC3
até Tomar, um percurso curto e que
também tem boas condições de circulação. Uma hora e meia depois de
iniciar a viagem, o estudante da ESTT
chega ao destino, para mais uma semana de estudo. A A23 faz toda a
diferença no percurso do Nuno, pois
facilita-lhe o acesso a Tomar em todas
as medidas, poupando-lhe tempo e
dinheiro.
Cátia Romualdo, estudante de Comunicação Social, na ESTA, vive na
Benedita, Alcobaça. Não vai todos
os fins-de-semana a casa: “Vou de
15 em 15 dias, para poupar algum
dinheiro”. Num outro domingo, a
aluna está de de regresso a Abrantes.
Saiu por volta das 19h00, já era noite
e a chuva acompanhou-a durante
toda a viagem.
Cátia, tal como Nuno, inicia a sua
viagem na A1. “Não gosto muito de
viajar nesta auto-estrada, acho que é
muito perigosa, principalmente em
dias de chuva” - confessa a aluna da
ESTA. A A1, que liga Lisboa ao Porto,
regista um tráfego assinalável, sobreu-
to no final dos fins-de-semana. Para
Cátia, “as pessoas também andam
muito depressa o que põe em perigo
não só a vida delas próprias, como
também as dos outros utentes da auto-estrada”.
O percurso até à A23 é rápido, mas
feito com cuidado e sempre a pensar
nos outros. “A A23 é uma via mais
calma, não tem tanto trânsito como
a A1, mas em dias de chuva também
é perigosa, como todas as outras estradas”. A noite continua fria e chuvosa. Ao entrar na A23, com destino
a Abrantes, o trânsito diminui, mas
a chuva começa a cair mais forte, dificultando a visão, e aumentando o
perigo da via.
O último troço da viagem faz-se
devagar. “Foi uma boa aposta a construção da A23. Este troço de autoestrada ajuda em muito a população
do Médio Tejo e da Beira interior,
e facilita muito a vida aos estudantes”, comenta Càtia. São muitos os
estudantes que utilizam a A23 como
via de ligação entre as localidades
onde vivem e as cidades onde estão
a estudar.
De Torres Novas até saída para
Abrantes, são mais quilómetros do
que até à sáida para Tomar. Há muito mais A23 para percorrer, “é um
caminho que se faz muito surgem
belos troços de paisagens, como por
exemplo Constância, onde o Zêzere
se junta ao Tejo. Ainda na A23, ao
longe, já se consegue avistar a torre
de Abrantes. Quando esta imagem
surge é o sinal de que o destino, para
quem estuda em Abrantes, está quase
alcançado. Mas ainda faltam alguns
quilómetros até ao centro.
A chuva abrandou, facilitando
assim a visão dos condutores. “O
facto de se conseguir ver Abrantes
da auto-estrada ajuda imenso, sintome próxima do destino” - diz Cátia.
Quando finamente chega a saída para Abrantes, o caminho para a sua
segunda casa é agora mais curto. “Se
tivesse que fazer o caminho pela estrada nacional ainda não estava aqui,
trânsito é sempre mais. A chover e de
noite acho que até é mais perigosa que
a auto-estrada”.
Rede de transportes públicos não serve a todos
Utilizando transporte próprio, uma viagem entre as Caldas da Rainha e Abrantes faz-se em cerca de uma hora. Mas para um estudante
que dependa de transportes públicos, nem a A23 se apresenta como solução.
Helena Silvestre aluna de Comunicação Social, na ESTA, vive nas Caldas da
Rainha. Para se deslocar entre a cidade
onde vive e a cidade onde estuda utilizaos transportes públicos duas a três vezes
por mês. Ao contrário dos colegas que
vêm de Lisboa ou dos que têm carro
próprio, esta aluna lida com dificuldades em termos de transportes: “Sem
dúvida, que entre Caldas da Rainha e
Abrantes há muita falta de transportes
públicos, tenho de me restringir aos
poucos horários que há”.
As opções de transporte são apenas duas: ir até Lisboa de comboio ou
de Expresso e depois apanhar outro
transporte para Abrantes; utilizar as
“carreiras”que levam muito tempo porque param em todas as localidades até
Abrantes. Helena diz que esta situação é
insustentável visto ser um percurso tão
Hália costa santos
Facilidade. A A23 é, normalmente, uma via com pouco trânsito
curto. “Estamos a falar de um percurso
que se faz numa hora de carro”. Quanto
aos comboios, “demoram cerca de quatro horas e é preciso mudar quatro vezes
e o preço é exorbitante”, conta Helena.
Na opinião da estudante de Comunicação Social, as redes de transportes
públicos deviam ser alargadas, não só
pelos estudantes, mas também pela
população e pelo comércio. Enquanto
a rede de transportes públicos não responder a estas necessidades, a maioria
da população opta pela deslocação de
carro, visto não haver compatibilidade
de horários para sair e voltar das Caldas
da Rainha no mesmo dia.
Ao contrário do que acontece nas
Caldas da Rainha, em Lisboa a situação
é diferente. Naturalmente, o número de
transportes públicos é maior. Daniela
Santos é também aluna de Comuni-
cação Social, em Abrantes. Utiliza os
transportes públicos, em média, três
vezes por mês. Visto quem tem uma
maior facilidade em fazer viagens no
mesmo dia de ida e volta, há meses em
que faz mais viagens. “Utilizo muitas
vezes os transportes públicos, em especial o comboio, porque a frequência
é maior”.
Para além dos meios ferroviários,
os transportes públicos rodoviários
também são em grande quantidade:
a Rede Expresso tem uma vasta disponibilidade de horários de Lisboa a
Abrantes. “No Expresso não temos de
fazer mudança” - refere Daniela.
Ao contrário do que acontece quando a origem da viagem é nas Caldas da
Rainha, o percurso de Lisboa a Abrantes
é maior, mas as facilidade de transportes
também o são. R.S.
| ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
A23: Eixo de desenvolvimento?
Jorge Rosa, Engenheiro de Máquinas e actual administrador da Mitsubishi
“Os responsáveis por este
investimento são os trabalhadores”
Numa altura em que o país e o mundo enfrentam uma grave crise financeira e económica, o Tramagal vai receber um
investimento de mais de 20 milhões de euros e duplicar o número de trabalhadores. Parece que aqui a crise não chegou, mas o
actual administrador, Jorge Rosa, afirma que também ali se vai parar a produção e que este é um investimento para o futuro.
vânia constantino
não especializada, porque nós formamos os nossos próprios trabalhadores. Necessitam ter uma formação de
base, do 9º ou 12º ano.
Os trabalhadores que pretendem
recrutar são sobretudo aqui da
zona?
Quando se quer 10 trabalhadores
procuramos num raio de 10 quilómetros; se quisermos 20, provavelmente
teremos que procurar num raio mais
alargado. Mas aquilo que nós procuramos realmente são pessoas que
queiram trabalhar connosco inde-
Valter Marques
Numa altura em que as notícias
indicam que o sector automóvel
está a passar um período negro assistindo-se à queda na produção
e ao desemprego de milhares de
pessoas, a Mitsubishi vai investir
no Tramagal mais de 20 milhões
de euros e vai duplicar o número
de trabalhadores...
É um facto que o mercado automóvel está a viver provavelmente a situação mais dificil de sempre. A situação
económica está a assustar as pessoas
e, como o automóvel não é um bem
de primeira necessidade, as pessoas
optam por não o ter como prioridade. Nós aqui não somos diferentes e
aquilo que aparece nas notícias é algo
para o futuro; é a atribuição de um
modelo sucedâneo que vai começar
a ser produzido em 2011. Não é algo
para o presente e nós também vamos
ter que parar a nossa produção nos
próximos dias e no próximo semestre.
Mas em 2011 vamos ser recompensados, quando iniciarmos a produção
do novo modelo automóvel.
Quem é o principal responsável
para que esse novo modelo fosse
produzido no Tramagal?
Somos todos responsáveis, mas
sobretudo aqueles que trabalharam
cá ao longo dos tempos. Eles é que são
os grandes responsáveis. Foram eles
que deram mostras do seu valor, do
seu trabalho e daquilo que se produz
no Tramagal.
Uma da melhores notícias é que
vão duplicar o número de trabalhadores.
É necessário perceber que o número de trabalhadores das fábricas
“Investimentos
destes são
benéficos para
o concelho”
Futuro. Novo modelo começa a ser produzido em 2011
é quase directamente proprocional
à sua produção. A nossa fábrica vai
ter que produzir o dobro, então, vão
trabalhar dois turnos. Como nós só
temos um turno a trabalhar, basta
criar mais um turno e duplicam-se os
trabalhadores. É o que irá acontecer.
Que tipo de mão de obra procuram?
A mão de obra é preferencialmente
pendentemente de onde sejam.
Sentiu apoio do Governo português
em todo este processo?
O Governo apadrinhou a decisão
de se produzir o novo modelo da
Mitsubishi no Tramagal, mas, mais
do que isso, o que esperamos que o
Governo faça é cumprir a promessa
que fez de construir a ligação entre
Ponte de Sôr e Abrantes, que será
uma grande ajuda para o desenvolvimento da região e das empresas que
aqui estão. Assim como quando foi
criada a A23 foi uma grande ajuda.
A nova acessibilidade que o Governo
prometeu perante todas as entidades
que aqui estiveram presentes fará com
que fiquemos ainda mais próximos de
tudo e é uma grande ajuda para atrair
mais investimento.
Quem tem também apoiado muito
a Mitsubishi no Tramagal é a Câmara Municipal de Abrantes.
Não digo que não seja uma grande
ajuda para nós, mas não somos priveligiados, porque é política da autarquia apoiar as empresas do concelho.
A Câmara tem demonstrado grande
abertura em tudo e demonstrado o
seu total apoio, porque investimentos
destes também são benéficos para o
concelho.
Qual é, concretamente, o apoio da
Câmara?
A autarquia disponibilizou-se para
vender lotes na zona industrial aqui
do Tramagal a um preço simbólico, o
que nos permite aumentar ainda mais
a nossa capacidade de produção.
Mas não têm condições para aumentar a vossa produção neste momento, visto que vos basta criar
mais um turno?
Sim. Nós não precisamos desses lotes para aumentar a nossa produção.
Mas é uma medida a pensar depois de
2011. Porque precisamos de ter condições e, se for necessário, aumentar
ainda mais a nossa produção.
Os patrões, pelo voz da CIP, têm-se
demonstrado descontentes com a
medida que entrou em vigor este
ano de aumentar o salário mínimo
para 450 euros. Está do lado dos
patrões ou do Governo?
Quero referir que essa não é uma
medida que nos venha afectar, visto que nenhum trabalhador aqui na
Mitsubishi recebe o ordenado mínimo. Mas é uma questão de elementar
justiça qualquer trabalhador receber
no mínimo 450 euros ou até mais.
Nos dias de hoje é complicado alguém viver só com esse valor.
Duas das cidades que se vêem da A23 apostam em logomarcas para ajudar a promover a imagem
Covilhã e Entroncamento mostram o que são
Ana Rita Ferreira
A cidade da Covilhã é um exemplo.
Recentemente, esta cidade apresentou
uma nova marca, identificando-a como
uma cidade cinco estrelas «para investir,
para descobrir, para viver», tendo a A23
como uma mais valia, visto que facilita
a acessibilidade à Covilhã.
A Bus Consulting, empresa responsável pela criação desta nova logomarca,
aproveitou a estrela, de seis pontas, já
existente no antigo brasão, e criou mais
quatro, ficando a logomarca com cinco
estrelas. Cada uma delas tem uma cor e
padrão diferentes. A amarela representa
a hospitalidade, a azul inovação, a laran-
ja proximidade, a vermelha tradição e
a verde lazer. As estrelas encontram-se
num movimento ascendente dando
alusão ao crescimento da cidade. A A23
veio ajudar ao fomento nas cidades da
Beira Interior, Covilhã inclusive, pois o
acesso torna-se mais fácil e rápido, tal
como o indicado pela estrela laranja.
Através desta logomarca, esta cidade da
Beira Interior, para além de se diferenciar de cidades como Castelo Branco e
Guarda, tenta atrair novos investidores
e turistas, não esquecendo os residentes,
e tirando todo o partido possível da
Serra da Estrela.
Com todas as mais valias oferecidas
pela A23, a nível de acessos, e a visão
de expansão que a Covilhã demonstra
com esta nova marca da cidade, esta
dupla torna-se assim «cinco estrelas».
Uma outra cidade, atravessada pela
A23, que também aposta numa logomarca para se promover é a cidade do
Entroncamento. Esta cidade «pretende
renovar e reposicionar a sua imagem
turística a nível nacional», diz Cristina Feio, secretária da Presidência do
Entroncamento. Através da nova logomarca, a cidade do Entroncamento
assumirá todo o seu passado histórico
com base nas suas origens. De uma
forma simples e agradável, esta cidade
exibe-se como a CIDADE FERROVIÀRIA.
Segundo Cristina Feio, a logomarca
é «um ícone que de forma simples
está ligado ao subconsciente de todo
o mundo quando falamos em comboios e representa, de forma nostálgica, todo um passado ainda bem
presente».
A junção da A23 com esta nova logomarca da cidade do Entroncamento
fará com que esta cidade cresça e se
desenvolva “a todo o vapor”.
De acordo com a opinião de
Abrahim Baze Júnior, consultor em
Comunicação e Marketing, hoje em
dia fala-se muito acerca da «experiência de marca» que são «momentos
únicos relacionados com as emoções
que as marcas transmitem, e a satisfação dos seus consumidores com
o produto escolhido». O consultor
acrescenta ainda que a logomarca «é
a visão externa da empresa ou cidade que a utiliza» a mesma visão que
«está relacionada aos valores que essa
empresa ou cidade quer passar para
o mercado».
Porém, da mesma forma que «uma
boa logomarca pode “vender” bem
o seu produto, uma má logomarca
poderá ter o efeito contrário, afastando
o público», ficando assim ao encargo
dessas cidades ou empresas «identificar e estratificar os seus potenciais»,
sublinha Abrahim Baze Júnior.
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | A23: Eixo de desenvolvimento?
“A administração central tem
sido o principal obstáculo ao
desenvolvimentodonossoconcelho”
António Mendes, presidente da Câmara Municipal de Constância, acedeu a abrir o livro da sua vida política, explicando decisões,
intervenções e também considerações sobre os projectos elaborados e a executar. Refere ainda a filosofia partidária que tem
seguido ao longo de todos os anos de mandato.
D.R.
Sílvia Carola
Porquê este partido?
Não é este partido, é uma coligação. Eu
estive ligado a um partido, o Partido Comunista, PCP. Desliguei-me do partido, mas as
minhas ideias, os meus princípios, os valores
que defendia, continuam a ser os mesmos
dentro da coligação, que era entre o PCP, os
Verdes e a Intervenção Democrática.
Porque optou por esta coligação?
Porque abria um leque em que alguma
independência da vida, muito fechada sob
o ponto de vista político, podia ser exercida.
Era aqui que me revia sob o ponto de vista
dos ideais que defendia, e das ideias que tinha
para o concelho. Entendi que era por aqui que
passavam as apostas do desenvolvimento do
concelho.
E qual foi a razão para continuar a sua candidatura por esta força política?
A razão até é muito simples. É aqui que
tenho muitos amigos e muitos companheiros
que me têm ajudado a ser o porta-voz deste
projecto, que não tem de maneira nenhuma
sido só feito e exercido por mim. Eu sou
o coordenador, mas vereadores, juntas de
freguesia, Assembleia Municipal, os próprios
técnicos e funcionários da Câmara, reconheço na intervenção de todos uma grande ajuda
e uma grande força que muitas vezes me dão
para continuar.
E nunca foi convidado para concorrer por
outros partidos?
Tive efectivamente convites para integrar
a lista de outros partidos, mas não me revia, porque nesta coligação já tinha muitas
pessoas que me ajudaram e têm feito parte
da equipa, de várias equipas, ao longo dos
anos.
Tem vindo sucessivamente a ganhar com
maiorias absolutas, na ordem dos 60%,
70% num concelho que em outras eleições
é dominado pelo Partido Socialista. Como
explica esse fenómeno?
As pessoas vêem trabalho, conhecem-nos;
os eleitores votam nas pessoas. Isto acontece
aqui como acontece em muitos concelhos do
nosso País. Trabalho, confiança, acreditar, e
isso tem acontecido da parte de quem vota.
Diria que 90%, ou mais de 90%, vota nas pessoas. E vota no trabalho que estas têm feito.
Concorda com a limitação dos mandatos
autárquicos?
Por um lado, concordo. Porque muitos
anos provoca desgaste, cansaço. Mas, por
outro lado, discordo. Acho que se limita a
democracia, porque é limitando os mandatos
que se retira a liberdade das pessoas votarem
em quem querem. Por outro lado, não compreendo por que é que a limitação há-de ser
só para os autarcas, não sendo também para
os deputados e outros detentores de cargos
políticos.
António Mendes. “As pessoas vêem trabalho, conhecem-nos; os eleitores votam nas pessoas”
Está a pensar candidatar-se novamente,
dado que existe essa lei?
É uma questão que neste momento nós,
equipa, estamos a avaliar muito bem. A principal pessoa a decidir serei naturalmente
eu, mas evidentemente que a questão tem
que se colocar no contexto mais global da
equipa com que trabalho. Não excluo, neste
momento, a hipótese de me recandidatar,
mas também não ponho de parte a hipótese
de este ser o último mandato. Ainda não está
definido.
Que incentivos têm sido dados para atrair
indústria e empresas?
Desenvolvemos e promovemos um loteamento industrial, na zona industrial, em
Montalvo, que neste momento dá emprego
a 500 pessoas. Também vendemos e continuamos a vender os terrenos infra-estruturais a preço simbólico. Depois, sempre
que há projectos que tomam a iniciativa
de se desenvolverem, nós acompanhamolos. É o caso da Celulose do CAIMA e da
própria Tupperware. E quando nos pedem
uma intervenção de natureza política, nós
damo-la.
Que projectos é que Constância tem desenvolvido que fixem e atraiam novas pessoas?
Temos desenvolvido muitos projectos
que atraem as pessoas: na zona industrial,
a modernização do comércio, mas também
a reabilitação da zona histórica. Temos promovido urbanizações municipais em que
temos projecto, temos terreno, vendemos ao
preço de custo. Temos recuperado habitações da mesma maneira, temos apoiado os
investidores no concelho, particularmente
na vila, em que a parte nova está bastante
desenvolvida.
Perfil
Gostava de ser
recordado como
um bom rapaz
António Mendes, presidente da Câmara Municipal de Constância, tem como lema “trabalho,
determinação, vontade e esperança”. É um dos
autarcas portugueses no poder há mais anos
e assume que dedica muito do seu tempo ao
concelho. “Vem para Constância muitas vezes
antes das sete da manhã e às oito e nove da
noite ainda está a anotar coisas que possam
não estar bem”, frisa C. Oliveira, um habitante
local.
Essa dedicação reflecte-se na sua vida familiar.
A esposa e os dois filhos ressentem-se da ausência do marido e pai em casa. “Há grandes
queixas da família. Os meus filhos, muitos finsde-semana, quase não me vêem” - diz António
Mendes.
Nado e criado em Santa Margarida, localidade
do concelho de Constância, ainda aí reside.
Agora com 58 anos, começou a trabalhar
muito cedo, com apenas 14 anos. Estudava
de noite, a tirar um curso profissional de Electricidade. Chegou a ser eleito presidente do
Sindicato dos Electricistas e dos Ferroviários,
até se tornar presidente da Câmara em 1986,
pela CDU.
A sua eleição foi uma surpresa para o próprio
presidente. Mas, como diz C. Oliveira, “será sempre eleito, enquanto se apresentar em qualquer
eleição para a autarquia. A primeira eleição foi
a continuação de um trabalho que ele já vinha
fazendo como vereador”. Além disso, “tem muito peso na equipa que está com ele. É um facto
que a composição da equipa tem o seu peso
nos votos desta população, mas é o António
Mendes que arrasta os vereadores”.
O trabalho de vereador que desenvolveu antes
de liderar a autarquia era como opositor do
partido dominante, o PS. Eram-lhe atribuídos
pelouros com os quais se dedicava às necessidades das pessoas. Falta de água, de electricidade, educação, por exemplo. Agora, já nas
funções de presidente, está a levar a cabo o
Programa Viver Constância, que irá permitir
devolver a dignidade a pessoas com casas degradadas. Os seus projectos passam também,
para o futuro, pela área social e a educação.
“Gostaria de ser recordado como alguém que
se dedicou muito a este trabalho, se esforçou
muito por ver feito no concelho aquilo que é
necessário. Gostava de ser recordado como
um bom rapaz” - conclui.
| ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
A23: Eixo de desenvolvimento?
Abrantes
Tomar
Torres Novas
• Vila Cardílio
As ruínas desta “Villa” romana situam-se a cerca de três
quilómetros de Torres Novas, surgindo já desde o início do
século o interesse pelas mesmas. Porém, apenas em 1962
foram levadas a cabo escavações efectivas, sob a orientação
do coronel Afonso do Paço.
Anteriormente utilizadas pelas pessoas locais como
pedreira, de onde estas extraíam materiais destinados à
construção das suas próprias casas, nestas escavações, em
1963, foram descobertos um conjunto de alicerces, bases de
coluna e pavimentos ornamentados com diversos quadros
de “tesselas” (pedras de mosaico), de pedras azuis e brancas,
misturadas com outras, de barro vermelho e amarelo, abundando os motivos geométricos.
Do espólio encontrado podem-se destacar “moedas dos séculos II, III e IV d.C., cerâmicas, bronzes, vidros assírios e egípcios, estuques coloridos, anéis e até uma estátua de Eros.
O nome que é atribuído a esta estação arqueológica devese a uma das inscrições que referem o nome de ‘Cardillium’,
provável dono desta vila, em que não faltava um jardim,
sistema de distribuição de água e aquecimento” (www.
guiadacidade.pt).
• Convento de Cristo
Quando se passa por Tomar é incontornável visitar o
famoso Convento de Cristo, dentro das muralhas do
Castelo Templário. Fundado por Gualdim Pais, em
1160, “o mestre provincial da Ordem do Templo em
Portugal, aí viveram as primeiras gentes de Tomar, e
aí se alojaram durante muitos anos os guardiães da
fé cristã. Em 1312, quando a Ordem do Templo foi
extinta, foram-se os Templários, mas poucos anos
depois, sob os auspícios de D. Dinis, foi fundada a
Ordem dos Cavaleiros de Cristo, altura em que a
nação portuguesa se abre para as descobertas marítimas, sendo Tomar a sede da Ordem e o Infante D.
Henrique o seu Mestre. (www.rotas.xl.pt)
O Convento conta com “maravilhosos jardins, majestosos claustros, o fabuloso templo denominado
Charola, e a incontornável Janela Manuelina, num
conjunto arquitectónico que encerra testemunhos
do Romântico, do Templário, do Gótico, do Manuelino, ao tempo das Descobertas, do Renascimento
Joanino, do Maneirismo e do Barroco”, segundo
refere o sítio www.rotas.xl.pt.
• Aquapolis
O Aquapolis (Parque Urbano Ribeirinho de Abrantes) veio trazer um novo
conceito de recreio, lazer e convivência social. Fundamental para a potencialização do espaço foi a construção
de um espelho de água, criado a
partir de um açude insuflável.
Existem actividades que permitem
a referida convivência social, como
refere o sítio da Câmara Municipal de
Abrantes, www.turismo.cm-abrantes.
pt, “através de infra-estruturas para a
prática de desportos ao ar livre (remo,
pesca desportiva, voleibol de praia,
canoagem, ténis, etc.), actividades
lúdicas e espaços para a realização
de espectáculos (animação cultural),
Sardoal
• Semana Santa
Anualmente, na semana que antecede a Páscoa,
realizam-se as cerimónias englobadas no que se
denomina de Semana Santa de Sardoal, com diversos rituais. Coincidente com estas cerimónias
surge a atracção que são, sem dúvida, as capelas
enfeitadas.
Todo o ambiente religioso referente a esta semana atrai pessoas vindas de diversos lugares, não
só graças às cerimónias religiosas, mas também
porque a cultura e o turismo vêm de mãos dadas
com a religiosidade, pois não só os crentes, católicos e praticantes que acorrem a este evento.
A manifestação religiosa mais saliente é dos
Fogaréus, que a população adaptou para a Procissão da Visitação, com um conceito tradicional
mas marcando a diferença de outras procissões
existentes no País.
A vila prepara-se especialmente para esta procissão, a mais espectacular, colocando pequenas
lanternas nas janelas, varandas e sacadas, por
onde passa a procissão. As luzes da rede pública
são totalmente desligadas e a multidão de participantes, empunhando as suas velas, cria um
ambiente de misticismo.
Outro ponto de interesse durante a Semana
Santa são as capelas, cujo chão é enfeitado com
tapetes de flores e verduras naturais, formando
motivos de cariz religioso, construídos geralmente por grupos de populares, nas seis capelas da
Vila e também na Igreja da Misericórdia.
Constância
A1
Torres
Novas
Tomar
• Centro de Ciência Viva
Este Centro é um Parque Temático de Astronomia muito completo, o qual
constitui um convite à participação em actividades baseadas na Astronomia.
Outras áreas científicas, que envolvem observações de acontecimentos quotidianos, fazem parte deste conjunto.
Um ponto de referência no Centro é o Observatório Solar (Laboratório de
Heliofísica), que consiste num “edifício com sistemas de espelhos e lentes
que permitem o estudo do Sol no domínio do visível e do H-alfa, bem como
do seu espectro e identificação de alguns elementos químicos” (conforme
folheto alusivo).
Outras atracções são ainda um Globo Terrestre com cerca de dois metros de
diâmetro, um Carrocel representando o Sol, a Terra e a Lua, uma Esfera Celeste
com aros de 7,5 metros de diâmetro e um relógio de Sol Analemático.
Possui, ainda como atracção invulgar, o Planetário, que se encontra quase soterrado, e abriga um equipamento que permite simular o céu observável em
qualquer hora, data ou latitude. Constitui uma alternativa, quando o tempo
não permite que o céu possa ser observável no exterior. (ver página 13)
A23
Almourol
Constância
Sardoal
Abrantes
Mação
Almourol
• Castelo de Almourol
Contam-se histórias de princesas encantadas, príncipes mouros e cavaleiros
cristãos, quando se fala do Castelo de
Almourol. A fortaleza de “Almorolan”
(do árabe pedra alta) aponta as suas
raízes para o século II a.C.
O Castelo terá sido erguido no local de
um primitivo castro lusitano conquistado pelos romanos durante a ocupação
da Península Ibérica. Posteriormente
terá pertencido a Alanos, Visigodos e
Mouros. Terá sido conquistada por D.
Afonso Henriques e doada a Gualdim
Pais, mestre da Ordem dos Templários,
encarregue da defesa da zona do Tejo.
Este Castelo, como refere Pérsio Basso,
representante do Turismo de Vila Nova
da Barquinha, encontra-se “cercado
pelas águas do rio Tejo”, destacando-se
“num maciço granítico de uma ilhota
do Tejo, entre Vila Nova da Barquinha e
a freguesia da Praia do Ribatejo. A singular localização do Castelo torna-o um
dos mais bonitos monumentos do País,
tendo sido considerado Monumento
Nacional em 1910”. A partir do seu terraço o olhar do visitante pode perder-se
na deslumbrante paisagem, muito para
além das margens do rio.
tirando o maior partido possível das
suas potencialidades turísticas e desportivas.”
Ainda segundo o mesmo sítio, “o
factor histórico não foi esquecido,
fazendo-se sobressair um conjunto
de pilares de uma antiga ponte de
barcas do século XIX (também designados mourões) e a Fonte dos Touros
(antigo lavadouro público, recentemente restaurado).”
Existem alguns equipamentos neste
Parque, como ciclovias, talude para
patins/skate, praia fluvial (um dos
pontos de maior interesse, em fase
de estudo), campo de rugby de praia,
parque infantil e auditório, entre
outros.
Mação
• Praias fluviais
Carvoeiro e Ortiga são duas apelativas
praias fluviais, pertencentes ao concelho de Mação, onde, ao invés da predominância do dourado da areia, é o
verde do pinhal que prevalece, abrindo
um horizonte para além das tradicionais praias marítimas.
A praia do Carvoeiro é a única do
distrito de Santarém distinguida
com bandeira azul. É de notar que
a Bandeira Azul, como é referido no
sítio www.pinhaldigital.com, “traduz
o reconhecimento atribuído pela
Associação Bandeira Azul da Europa/
Fundação para a Educação Ambiental
(ABAE/FEE) por preencher todos os
requisitos solicitados no sentido de
garantir o bem-estar e segurança dos
seus utilizadores e o bom funcionamento do espaço”.
A praia de Ortiga, como consta no sítio
da Câmara Municipal de Mação, fica
situada “na região sul do Concelho de
Mação e, com a Barragem de Belver como pano de fundo (...) é, desde há muito, o local de eleição para quem visita
Mação e para os próprios maçaenses.”
A23
Vila Velha
de Ródão
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | A23: Eixo de desenvolvimento?
Vila Velha de Ródão
• Escola de Escalada do Castelo
Da parceria entre a Câmara Municipal
de Vila Velha do Ródão e a empresa
Incentivos Outdoor, surge a Escola de
Escalada do Castelo Lda., sendo esta
uma apetecível zona de escalada natural, implementada na zona quartzitica
do Castelo do rei Wamba, actualmente
com 12 vias de escalada disponíveis,
devidamente equipadas.
Esta escola tem como objectivo criar e
manter um espaço dedicado à prática
de escalada e ao desenvolvimento da
actividade turística no sector do turismo activo e natureza na região desta
Vila.
Segundo o sítio escoladeescalada.
blogspot.com, “este é um local de eleição para a prática da modalidade, pois
encontra-se associado a um clima temperado”, onde existe “uma paisagem
natural fantástica onde predomina a
zona classificada das Portas do Ródão,
local de nidificação da maior colónia de
grifos em Portugal.”
É de notar que as próprias Portas do
Ródão são também um atractivo
turístico, pelos seus valores geológicos (garganta epigénica do Ródão),
paisagísticos (Serra das Talhadas, sítio
Natura 2000), arqueológicos (Conhal do
Arneiro e Foz de Enxarrique), históricos
(conjunto do Castelo do Ródão, classificado como Imóvel de Interesse Público)
e, principalmente, biológicos, já que,
para além de grifos, apresenta-se um
sem-número de aves, num total de 116
espécies, muitas delas raras ou em vias
de extinção.
Belmonte
Covilhã
• Património Histórico e Tradições Gastronómicas
Para quem tiver curiosidade e
interesse por vilas e aldeias com
grande património histórico, são
de realçar Idanha-a-Velha, com as
ruínas de uma catedral visigótica,
Sortelha, com as ruínas do seu
castelo, muralhas e as suas casas
típicas, Monsanto, com o seu
castelo e aglomerado de casas
tipicamente beirãs, Alpedrinha,
chamada a Sintra das Beiras, com
o seu chafariz D. João V, Linhares
com tábuas de Grão Vasco, na
sua igreja matriz, Santa Maria de
Aguiar, com o seu convento de
Cister, do século XIII. (surrealhu-
manity_b_interior.blogs.sapo.pt).
Segundo o mesmo sítio, a gastronomia da Covilhã é muito
apreciada. Começando pelos
seus únicos pastéis de carne, com
folhado especial, que crescem
e alouram no molho de açafrão,
bem como a “típica panela no
forno, um arroz de dobrada,
lardeado de chouriço, farinheira
e pé de porco, preferível em panela de ferro em forno de lenha.
Também o cabrito assado, que
é um prato apreciado em todas
as zonas montesinas da Beiras,
tem também um sabor especial,
com recheio de vitela, e travo de
zimbro”(idem).
• Terra dos Cabrais
Belmonte viu nascer Pedro Álvares
Cabral, o descobridor do Brasil, filho de
uma família “mui” nobre, que detinha
grande poder na Vila Histórica, sendo
“grandes proprietários rurais em tempos em que a terra era praticamente a
única riqueza e aqueles que a possuíam
tinham todos os privilégios”. ( www.
projetomemoria.art.br).
Mas a presença da família Cabral já
vinha longe na História, desde antes
do descobridor. Em 1932 foi atribuída
a sua alcaiadaria a Luís Álvares Cabral.
Posteriormente, em 1466, dá-se mais
um importante episódio com a doação da vila e castelo por D. Afonso V a
Fernão Álvares Cabral. Foi aí que, no
seu afamado Castelo, atracção turística
incontornável, se fixou a residência dos
Cabrais.
O castelo de Belmonte data dos séculos
XII/XIII, sendo um elemento importante
da história e paisagem de Belmonte.
Trata-se de um edifício que atravessou
as diversas fases cronológicas da Vila,
tendo tido diversas funções ao longo
dos tempos. Possui um traçado ovalado
irregular e torre de menagem de planta
quadrada adossada pelo exterior, com
três pisos. No interior, construído no
século XVIII para substituir o Paço do
Castelo, destaca-se o Solar dos Cabrais,
com um brasão datado do século XIX.
Neste Solar irá ser instalado o Centro
de Interpretação dos Descobrimentos
“À Descoberta do Novo Mundo”, que o
município pretende ser uma homenagem a um dos principais descobridores
lusos e senhor de Belmonte”
Castelo Branco
• GeoPark NaturTejo da Meseta
Meridional
Dado o seu vasto e apaixonante património geomorfológico, geológico,
paleontológico e geomineiro, este Parque apresenta elementos de relevância
nacional e internacional. Como exemplos temos os geossítios, os icnofósseis
de Penha Garcia, os canhões fluviais de
Penha Garcia, das Portas do Ródão e
de Almourão, a mina de ouro romana
do Conhal do Arneiro e as morfologias
graníticas da Serra da Gardunha e
Monsanto.
O Geopark Naturtejo conta com o Parque Natural do Tejo Internacional e com
áreas protegidas no âmbito da Rede
Natura 2000 (sítios Gardunha, Nisa e S.
Mamede) e das Important Bird Areas
(Penha Garcia – Toulões e as serranias
quartzíticas do Ródão), que testemunham a sua riqueza ecológica.
Quem quiser procurar uma alternativa
mais tradicional, pode sempre partir à
descoberta do património histórico de
Castelo Branco: começando pelo Paço
Episcopal, construído no século XVI, até
ao Largo onde se encontra o Cruzeiro
de S. João de estilo manuelino, ainda ao
Palácio dos Viscondes de Portalegre, do
século XVIII e, finalmente, à Ermida de
Nossa Senhora de Mércoles, sendo sua
edificação atribuída às freiras da Ordem
do Templo.
Covilhã
Belmonte
A23
Guarda
Fundão
Guarda
Fundão
Castelo Branco
• Cerejeiras em Flor
A23
Em meados de Março, na Serra da Gardunha, mais precisamente na região do
Fundão, as cerejeiras metamorfoseiamse, começando a florir.
A região do Fundão é a capital da cereja, sendo as suas árvores um pólo de
atracção na Primavera. As encostas da
Serra cobrem-se de um manto branco
como neve e tornam-se uma atracção
turística. Lá se deslocam imensas pessoas de propósito para ver este espectáculo da Natureza.
São promovidas também actividades
desportivas, sendo o mais destacado
o prémio de atletismo denominado
precisamente de “Cerejeiras em Flor”,
sendo que atletas e turistas de todo o
País vêm a este evento. Decorre também um circuito pedestre e actividades
como BTT.
Quem quiser visitar o Fundão fora da
época das cerejeiras em flor, pode
fazê-lo tendo em vista outras atracções
da região, nomeadamente as aldeias
históricas e as aldeias do xisto. Tomemos como exemplo a aldeia histórica
de Castelo Novo, um dos lugares mais
emblemáticos do concelho do Fundão.
Esta aldeia é caracterizada por um
património irrepetível, com o encanto
das casas beirãs e solares, possuindo
ainda como característica as fontes de
granito.
• Serra da Estrela
De entre todas as atracções turísticas
da cidade da Guarda, a que se destaca
sem dúvida é a Serra da Estrela, sendo o
seu Parque Natural uma área protegida
inserida na Rede Nacional de Áreas
Protegidas. Este Parque (PNSE), criado
em 1976, apresenta-se em forma de
planalto e estende-se numa superfície
de 101.060 ha. É a mais extensa área
protegida do País, e é no PNSE que se
encontra o local mais elevado de Portugal, a 1993 metros de altitude.
Passemos então a descrever algumas
das características da Serra da Estrela:
quanto ao clima, esta divide-se em
dois macroclimas, o Temperado e o
Mediterrânico. Quanto aos habitats, de
entre 27 habitats naturais destacam-se
cinco prioritários, sendo eles os charcos
temporários mediterrânicos, charnecas
húmidas atlânticas meridionais, formações herbáceas de Nardus, turfeiras de
cobertura e florestas aluviais residuais.
Em relação à flora e à fauna, pode verificar-se uma enorme diversidade.
A flora é variadíssima, repartida por
três andares altitudinais: basal, intermédio e superior. No basal, pode-se
encontrar, por exemplo, sobreiros e
azinheiras. O andar intermédio, entre
outros, contém apenas urzais e giestais,
devido aos incêndios que assolaram a
área. No andar superior destacam-se as
ervas aromáticas.
A Serra da Estrela acolhe cerca de 40
espécies de mamíferos, 100 espécies de
aves, 30 espécies de répteis e anfíbios,
oito tipo de peixes e numerosas espécies de invertebrados.
10 | ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
OPINIÃO
A23 eixo de desenvolvimento?
A
ntes de se fazerem algumas considerações sobre a questão em análise
– A23: Eixo de Desenvolvimento
– importa que se compreenda claramente de que estamos a falar. Admito que se
pretende reflectir sobre a possibilidade de a A23
deter características e potencialidades para consubstanciar um eixo de desenvolvimento. Que a
sua existência possa dinamizar a sua envolvente
de tal forma que possa ser entendida como um
eixo de desenvolvimento. Neste âmbito, quais os
fundamentos teórico-conceptuais que estão na
base do conceito – Eixo de Desenvolvimento?
Em que medida se podem operacionalizar os
pressupostos identificados de modo a permitir
a sua validação? Penso que só depois de uma
resposta satisfatória a estas questões se pode
responder, com um mínimo de seriedade e
fundamentação, à questão que dá título a este
artigo.
Quanto à primeira questão, “Axes de communication et développement economique”
é o título de um artigo escrito por P. Pottier
em 1963 na Révue Economique. Este texto
constitui normalmente a referência teórica de
partida para qualquer reflexão que se pretenda
fazer sobre aquilo que normalmente se designa
por “Teoria dos Eixos de Desenvolvimento”
(TED). Qualquer teoria que pretenda equacionar questões relativas ao desenvolvimento regional deve explicitar, pelo menos, duas
componentes fundamentais: quais os factores
específicos geradores de desenvolvimento e
quais os canais privilegiados de propagação
desse desenvolvimento.
Não raras vezes, políticos e técnicos confundem eixos de comunicação com eixos de
desenvolvimento, colocando em causa análises
e a consequente eficácia das suas políticas. A
diferença, como se verá, é substancial e decisiva.
Um eixo de comunicação tem três componentes. Em primeiro lugar é necessário que
exista um itinerário, ou seja, um território que
pode ser atravessado com facilidade. Dito de
outra forma, a existência de uma região ou um
conjunto de regiões que estabelecem relações
inter-regionais ou, mesmo, supra regionais. É
um território que para além da aptidão para
concentrar movimentos permite articular, também, uma cadeia de localizações e aglomerações
humanas e económicas relevantes. Este território terá tendência para fazer a ligação entre
dois pólos que se encontram nas extremidades
e que reforçam, pelo dinamismo que detêm, a
circulação ao longo do itinerário. A segunda
componente é uma infra-estrutura complexa de
comunicações justapondo, sempre que possível,
diferentes técnicas e modos de transporte. Finalmente, é necessária uma densidade mínima
de circulação de bens e de pessoas. São estas três
componentes que, reforçando-se mutuamente,
transformam um simples eixo de comunicação
num eixo de desenvolvimento. Para isso, cada
uma das componentes é essencial e nenhuma
pode ser secundarizada face às restantes.
Os eixos de comunicação desenvolvem dois
efeitos como factores de desenvolvimento. Por
um lado, são agentes de impulsão e, por outro,
funcionam como vectores de propagação do
desenvolvimento. Analisemos, brevemente,
cada um destes efeitos. Os efeitos de impulsão
decorrem de quatro elementos principais: os
impulsos resultantes da construção de uma nova infra-estrutura, da diminuição dos custos de
transporte, da expansão da procura das regiões
de passagem e, finalmente, os impulsos ligados
à difusão de informação e conhecimento que é
possível potenciar.
A construção de novas infra-estruturas re-
Sérgio Nunes*
presenta, frequentemente, uma concentração
de investimentos públicos com efeitos multiplicadores importantes que se poderão estender
a outras regiões. A construção de novas infraestruturas vai permitir a circulação de novos
modos de transporte que irão, por sua vez,
induzir ao aparecimento de novas actividades
económicas. A diminuição dos custos de transporte tem um efeito tripartido. Em primeiro
lugar, a diminuição dos custos de transporte
alarga as áreas de mercado permitindo, deste
modo, maiores economias de escala tornando,
por isso, as diversas produções mais eficientes
,beneficiando os consumidores locais assim como podendo potenciar as exportações regionais
e locais. Em segundo lugar, o alargamento das
áreas de mercado permite, simultaneamente,
a obtenção de limiares mínimos para outras
actividades. O que isto significa é que actividades que antes não tinham mercado (procura)
suficiente para serem economicamente viáveis
passam, deste modo, a verem (potencialmente)
atingido esse limiar. Em terceiro lugar, a redução
dos custos de transporte permite o aumento
das interdependências e promove, deste modo,
as especializações regionais possibilitando o
fortalecimento das vantagens comparativas
e competitivas das empresas. Os impulsos da
expansão da procura das regiões de passagem
resultam da necessidade de resposta à procura
de quem circula e às possibilidades destes fluxos
poderem contribuir para a valorização dos recursos de âmbito local (actividades económicas,
decorre da sua capacidade intrínseca para funcionar como vector de propagação do desenvolvimento. Os eixos de comunicação vão ter um
impacto na forma como a actividade económica
se distribui no território. Estes efeitos estão
directamente ligados à teoria da localização e à
teoria da renda fundiária. Quanto aos impactos
sobre a localização podemos considerar dois
canais de propagação essenciais. A teoria da
localização das actividades económicas identifica como pontos de localização potencialmente
preferenciais – para indústrias que pretendam
minimizar os custos de transporte – o mercado, as fontes de matérias-primas, os pontos de
transbordo e os nós das vias de comunicação.
Ora, pela sua natureza, o eixo de comunicação
vai, necessariamente, gerar múltiplos pontos
desta natureza susceptíveis de virem a ser seleccionados como localizações de novas empresas
ou mesmo como relocalizações de empresas já
existes ou expansão das mesmas. Um segundo
canal de propagação resulta do facto de o acréscimo de acessibilidade ao longo do eixo permitir
diferentes escolhas residenciais pelas famílias
podendo, também, modificar a organização
espacial na prestação de múltiplos serviços às
diversas famílias.
Os impactos através do mecanismo da renda
fundiária exercem-se sobretudo na distribuição
das actividades agrícolas e na organização intraurbana, quer nas escolhas residenciais quer nas
escolhas de produção. Maiores níveis de acessibilidade significa que se podem tornar rentáveis
Um eixo de desenvolvimento implica
obrigatoriamente um itinerário e uma
densidade mínima de fluxos potenciais
paisagem, património, cultura, etc.), principalmente numa perspectiva de exploração turística. Finalmente, os impulsos ligados à difusão do
conhecimento e da informação. A informação e
o conhecimento (que não se devem confundir)
sempre foram factores de progresso técnico
e organizacional, de inovação e de iniciativa
empresarial. A difusão do conhecimento e da
informação dependem fortemente da frequência e da natureza dos contactos. Acresce que, ao
longo do eixo de comunicação, se maximiza a
exposição à informação e ao conhecimento de
diferentes origens, natureza e complexidade.
A probabilidade de contactos aumenta com
a frequência dos mesmos, criando maiores
oportunidades de criação, difusão e absorção
de conhecimento.
O segundo papel dos eixos de comunicação
produções agrícolas que não o eram até então ou
afastar outras para espaços mais distantes. Desta
forma é possível reorganizar espaços urbanos
fortalecendo os seus centros através do alargamento das suas áreas de mercado e do poder de
atracção dos seus lugares centrais.
Estes dois efeitos – efeito de impulsão (criação) e de propagação (difusão) – tornam os
eixos de comunicação em eixos de desenvolvimento, na perspectiva de Pottier. Facilmente
se compreende que, neste sentido, a concepção
de eixo de comunicação é substancialmente
diferente das normais infra-estruturas de transporte. Torna-se desta forma evidente, que por
mais modernas que sejam as infra-estruturas
de transporte estas não bastam, por si próprias, para criar um eixo de desenvolvimento.
Claro que a sua construção não é inócua para
o dinamismo regional, mas na ausência do itinerário apenas actuarão (e em diversos graus,
conforme a sua natureza) ao nível dos efeitos
de propagação.
Temos então, ainda que de forma breve, explicitados os principais fundamentos conceptuais
da TED. É neste âmbito que se devem fazer as
considerações sobre o caso específico da A23.
Parece neste momento claro que faz pouco
sentido falar na A23 – uma auto-estrada – como um eixo de desenvolvimento. Acresce que
esta é uma infra-estrutura que, de per se, tem
tendência para fazer sentir mais os seus efeitos
nas extremidades ou na envolvente dos nós.
Quando muito poderíamos tentar compreender
se a A23 poderia fazer parte de uma estratégia
de desenvolvimento regional suportada na TED.
É precisamente neste âmbito que há ainda muito
trabalho de investigação a realizar. Admitindo
que sabemos definir com clareza o Eixo de
Desenvolvimento associado à A23 – (ED-A23)
– ou de que a A23 faz parte, conhecendo os
pressupostos teórico-conceptuais do conceito
importa, então, começar por desenvolver trabalho de investigação susceptível de responder
a algumas questões de natureza orientadora
(considerem-se estas questões como exemplificativas). Qual o conteúdo material e imaterial
do eixo de desenvolvimento de que a ED-A23,
supostamente, materializa? Quais os factores
de desenvolvimento específicos geradores de
desenvolvimento do ED-A23? Quais os canais
de propagação do desenvolvimento do EDA23? A A23 tem 35 saídas. Como tem evoluído,
por um lado, a concentração e a circulação de
pessoas e bens e, por outro, o valor do solo e os
indicadores de bem-estar económico e social
na área de influência de cada saída? Qual a
evolução do perfil do ED-A23 durante a última
década? E qual a relação desse perfil com o perfil
das exportações nacionais? Só com respostas a estas questões se pode começar a pensar
em identificar linhas de respostas coerentes
e fundamentadas à questão inicial. Este é um
trabalho que é urgente realizar.
Por outro lado, no âmbito desta discussão é
imprescindível fazer uma outra reflexão. Uma estratégia de desenvolvimento regional baseada na
TED não tem qualquer eficácia se a estratégia não
decorrer do entendimento prévio dos diferentes
actores (públicos e privados dos vários órgãos
de poder territorial) dos diversos espaços regionais. Houve esse entendimento? Há uma visão
de conjunto (por exemplo dos quatro distritos
atravessados pela A23) sobre o que se pretende
com essa estratégia, quais os objectivos, quais os
instrumentos (materiais, humanos e financeiros)
e quais as interdependências directas das acções
de cada agente de poder regional/supra-regional?
Já para não mencionar qual o local físico mais
apropriado e com competências próprias para
realizar esta reflexão.
Por último, a TED foi proposta em 1963. Muita coisa mudou desde então, desde os agentes de
política, às suas competências, ao entendimento
que se faz do próprio desenvolvimento regional
e dos instrumentos com eficácia para intervir
no seu domínio, até aos recursos e factores
do próprio desenvolvimento assim como o
âmbito em que este se realiza. Em linhas muito
gerais, o que mudou com impacto na discussão
presente? Em primeiro lugar, o fenómeno da
globalização, o aprofundar das interdependências entre territórios e a forma de conceber
o crescimento e o desenvolvimento nesse âmbito, dando particular destaque ao papel do
conhecimento enquanto recurso de dinamismo
económico e factor de competitividade das
regiões. Por outro lado, o aumento da impor-
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | 11
OPINIÃO
tância dos eixos de comunicação a-espaciais e
a sua articulação e integração numa estratégia
de desenvolvimento regional que se sustente
na TED tradicional. Neste âmbito, valoriza-se
cada vez mais a capacidade de se estabelecerem
relações independentemente da distância e a capacidade das regiões e do seu tecido económico
e social (e até político-instituicional) integrarem
redes inter-regionais (e mesmo internacionais)
pouco ou nada condicionadas pelas fronteiras
físicas ou administrativas tradicionais. Para
algumas actividades, as redes em que importa
participar são cada vez mais combinações não
lineares de natureza territorial, trans-territorial
e virtual (sem referenciação territorial). Sem o
valor económico a que é possível aceder nessas redes, as regiões entram em processos de
declínio económico, fruto de efeitos negativos
auto-reforçantes de “lock in” produtivo, isto
é, fecham-se sobre si próprias em trajectórias
industriais obsoletas sem possibilidades para
explorarem outros regimes tecnológicos. Finalmente, os meios de financiamento disponíveis
(nomeadamente os seus montantes e as suas
fontes) e as formas de organização do território
(falta-nos um nível intermédio de poder) são
elementos cada vez mais condicionadores das
estratégias a implementar.
Dito isto e face aos novos factores de enquadramento da criação de riqueza e de desenvolvimento das regiões, deve-se considerar que a
TED – admitindo, claro, que seríamos capazes
de respeitar as condições necessárias e suficientes
– é ainda uma (ou parte de uma) estratégia de
desenvolvimento válida e exequível? Face a estas
breves considerações, necessariamente pouco
profundas devido ao âmbito da análise, qual a
nossa opinião sobre o assunto? Entendo, por
princípio, que uma estratégia não é boa ou má
em abstracto. É apropriada ou não face aos objectivos que pretendem atingir (estão definidos?
Por quem?), face aos contextos espaciais onde se
pretende aplicar (qual é a “região” em causa e a
sua área de influência?) e face à capacidade que
a região tem para identificar actores de natureza
económica e política capazes de abraçarem com
confiança mútua um projecto comum, mobilizando meios financeiros e humanos para a sua
prossecução. Estarão reunidas estas condições
prévias e necessárias? Penso que não. E tenho
mesmo dúvidas que seja esta a estratégia mais
apropriada para uma região como aquela que
está em discussão e face aos desafios de competitividade e sustentabilidade económica e social que os territórios hoje enfrentam. Importa
relembrar que mesmo nos anos subsequentes
à apresentação do artigo de Pottier, cedo se percebeu que a teoria tinha mais poder explicativo
do que propriamente eficácia em termos de
política e estratégia de desenvolvimento. E a
razão é simples. Um eixo de desenvolvimento
implica obrigatoriamente um itinerário (cadeia
de localizações e aglomerações humanas) e uma
densidade mínima de fluxos potenciais. Ora a
verdade é que os actores regionais e os responsáveis políticos apenas sabem actuar sobre uma
das suas componentes: a infra-estrutura. Se se
olhar para a história portuguesa nesta matéria, a
TED está morta e enterrada há muito tempo. Não
está no ADN nacional a capacidade de integrar
os dois domínios, principalmente porque nunca
fomos capazes de planear o território para além
dos ciclos político-partidários e do frenesim
do curto-prazo. Este é mais um dos conceitos
muito populares dos anos 60 – assim como, por
exemplo, os pólos de crescimento de Perroux
– que mantendo alguma atracção analítica são
utilizados politicamente pela sua forma sem
cuidar minimamente do seu conteúdo. É essa,
provavelmente, também uma das razões que
infelizmente os levaram (aos conceitos) a cair
em descrédito – enquanto instrumentos de política regional – contribuindo para a justificação
centralizadora da organização do território. É
uma pena.
*Docente do IPT
A23: uma miragem
antónio borges abel*
T
al como chegaram até nós, os
“Itinerários de Antonino” naturalmente enfatizam a rede de vias
terrestres que o Império Romano
teceu para efectivar quer o domínio político,
administrativo e militar do território, quer
para garantir a exploração económica das
riquezas com que esse mesmo território
contribuía para o engrandecimento e sede
de riqueza da sede do Império: Roma.
Porém, aqueles “Itinerários” ignoram ou
obliteram a organização territorial pré-existente baseada nas “auto-estradas” da época:
a navegação e, para o que nos interessa aqui,
os cursos fluviais, “auto-estradas” sem custos para o “contribuinte”, já que eram uma
dádiva da geografia/natureza.
É assim que podemos imaginar um desenvolvimento regional, cujo início desconhecemos mas cujo resultado é ainda visível,
embora moribundo – senão já morto e enterrado -, baseado na grande “auto-estrada”
leste-oeste peninsular que é o Tejo, variando
o calado das naves que o usavam em função
da sua navegabilidade.
Naturalmente que o Império mais não
fez, tendo ainda em vista a exploração económica, protegida obviamente pelo corpo
militar, que para outra coisa não serve, que
estabelecer “postos de controle” (portagens
dessa “auto-estrada”) alcandorados sobre
a via fluvial, de que são exemplos Scallabis
(Santarém), Aurantes (Abrantes), Norba Caesaria (Cáceres) ou Toletum (Toledo), com
os respectivos arrabaldes ribeirinhos, esses
sim verdadeiros “corações” da economia que
a “auto-estrada” permitia e incentivava.
Centrada a actividade naquela “via”, no
século XIX ela viu-se substituída pelo caminho-de-ferro o qual, num “golpe baixo”,
estabelece um traçado genérica e praticamente paralelo ao Tejo, retirando-lhe protagonismo (a incipiente industrialização,
centrada na área da capital já era exigente
no tocante à velocidade com que chegava a
matéria-prima e à velocidade com que exportava para a província o produto acabado,
estiolando desse modo a tão actualmente
propalada tradição dos usos rurais e provincianos que, afinal, não é tão tradicional
assim). De um único golpe, os TIR do Tejo
– as fragatas - foram deixados a apodrecer
nas praias (parques de estacionamento) que
bordejam o rio até Lisboa, nem lhes tendo
valido a importância de terem transportado
o combustível dos grandes “motores”, de tiro
ou de carga – o cavalo, o burro, o macho e a
mula -, da actividade económica da capital: a
palha que deu o seu nome ao grande estuário
fronteiro a Lisboa.
Assiste-se, assim, naquela época, à crescente importância das áreas adjacentes à via
férrea e à “explosão” industrial de pequenos aglomerados rurais, implantando-se a
indústria, como é seu mester, em terrenos
aluvionares, logo de altíssima qualidade,
uma vez que, sendo desde logo planos, permitiam uma poupança de investimento na
construção dos grandes complexos que cresciam como cogumelos: de Sacavém a Vila
Franca de Xira, da Ribeira de Santarém a
Alferrarede, p.e., ou à localização de estações junto a indústrias (troque-se a ordem
dos factores que nada altera à veracidade
da relação) dependentes da matéria-prima
que o “mercadorias” lhe traz – a Metalúrgica
À semelhança do que aconteceu com os
anteriores meios de comunicação, seria de
esperar que ao longo da A23 se fossem fixando/implantando novas indústrias, novos pólos de desenvolvimento económico regional
sustentável, novos “clusters” competitivos,
pela excelência tecnológica e indutores de
actividades económicas a montante e a jusante de si, cujo elo de ligação/dependência
fosse a A23.
Contudo, embora fosse do conhecimento
dos decisores, mas não considerado quando
aqueles “traçavam” o IP6/A23 (a voracidade
deve ter-lhes toldado a visão de futuro),
eis que surgem em cena as NTIC (Novas
Tecnologias de Informação e Comunicação), as deslocalizações produtivas (a China
é, actualmente, a fábrica do mundo) e a
emergência dos futuros líderes económicos
e tecnológicos mundiais: o BRIC (Brasil,
India e China), “esvaziando” de sentido de
A A23 não será, nunca, a linha da Beira-Baixa,
nem a “auto-estrada” chamada Tejo.
Duarte Ferreira, no Tramagal, ou a Celulose
do Caima, fronteira a Constância, são dois
exemplos entre muitos – e da velocidade de
escoamento dos produtos acabados.
Obviamente que, com o desenvolvimento/
extensão do caminho-de-ferro, as travessias
“sólidas” do Tejo (leiam-se pontes) multiplicam-se, ficando para a memória nostálgica
actual quer a actividade de atravessamento
do rio, quer os topónimos àquele associados:
Vila Nova da Barquinha, Barca do Pego, etc,
entre tantos outros já desaparecidos.
Em pleno século XX, fruto da velocidade
que os agentes financeiros impuseram à
economia, foram vertidos na IP6/A23 milhões de euros, em quantidade directamente
proporcional à necessidade que a Europa tinha/tem de alargar o seu mercado de consumo, à voracidade/rapidez que tinha/tem de
predar os produtos regionais deste “cantinho
à beira-mar plantado” e, não dispiciendo, à
necessidade que as petrolíferas tinham/têm
de aumentar indefinidamente os consumos,
necessidade esta a que o Estado, sorvedouro
e predador, não é alheio por via do ISP, entre
outros impostos, taxas, etc.
desenvolvimento económico a A23 (salvo
se esta foi pensada para o escoamento do
pêro bravo-môfo da região de dois nossos
recentes primeiros-ministros) e, talvez por
isso, pese embora os investimentos locais em
Parques Industriais (cada um pertença da
“coutada” municipal, mesmo que o município adjacente tenha estado a fazer o mesmo)
na proximidade daquele eixo estruturante
territorial, não se vê o aparecimento de actividades económicas de relevo, saldando-se a
paisagem daqueles Parques pela implantação
de pequenas oficinas, armazéns, lojas de
venda a granel, serviços municipais (obras
e limpeza) e pouco mais.
Poderão objectar-me que há que dar “tempo ao tempo”. Porém este é um tempo que
não tem tempo para dar, um tempo que não
espera pelos que se atrasam, um tempo em
que teremos que estar um passo adiantados
ao tempo que está a passar, um tempo em
que as transformações mundiais se sucedem
a um ritmo nunca antes experimentado e que
não se compadece com a nossa endógena falta de visão estratégica e a nossa exacerbada
auto-confiança no “desenrascanço”.
Os tempos de hoje já foram. A A23 não
será, nunca, a linha da Beira-Baixa, nem a
“auto-estrada” chamada Tejo.
A “nova” A23 está na velocidade da comunicação digital e nas redes de cidades mas,
fundamentalmente, na capacidade de estas
atrairem investimentos em “tecnologias de
ponta” que, por sua vez, atraiam agentes de
alta qualificação académica e tecnológica,
aos quais as cidades deverão dar condições
de fixação no seu tecido urbano, este requalificado, evitando a dispersão daqueles
pelos arredores, situação que acarreterá a
necessidade de vultuosos investimentos nas
redes de comunicação terrestre, e respectivos
problemas de trânsito a jusante, vultuosos
investimentos em infraestruturas urbanas,
em equipamentos, etc... e irá deslocalizar os
impostos de carácter local, inviabilizando a
manutenção da própria cidade que os pretende acolher.
*Arquitecto e Professor na Uni. de Évora
12 | ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
AMBIENTE
Água não se nega a ninguém
A A23 passa por cima do rio Zêzere, quase no ponto em que se junta ao Tejo. Nessa zona, a história guarda episódios que hoje
parecem demasiado distantes. O rio que hoje se usa, não só para abastecimento mas também para lazer, é um marco da região.
cATARINA RAMALHO
Alison Silva
Negar água a quem quer que seja é uma
atitude inaceitável, que vai contra os nossos
costumes e tradições desde tempos imemoriais. Mas esta atitude foi uma realidade há
não muito tempo, não muito longe de cada
um de nós.
Jaime Silva conta a história que transformou a sua infância, a história da terra
que o viu nascer e que fez nascer poemas
dos maiores poetas lusitanos. Constância é
conhecida também como Vila Poema, por
este motivo.
Na terra onde Camões se retirou por amor
e de amor escreveu, à semelhança de Fernando Pessoa, Vasco de Lima Couto e Alexandre
O’Neill, os rios Zêzere e Tejo banham o povo
que foi proibido de beber água.
A história passa-se no final da década de
50, início de 60, do século passado.
Conhecida pelos seus fontanários, Constância é terra onde a água corre sem medo.
As pessoas abasteciam-se ali com bilhas de
barro e cântaros à cabeça ou nas mãos. Nos
gastos domésticos, a abundância do bem
mais essencial não exigia que se pensasse em
economizar. A maior parte da população não
era letrada nem entendia coisa alguma de
questões ambientais nem económicas.
É então eleito um novo presidente da Câmara Municipal de Constância, o Tenente Soares, da Acção Nacional Republicana
(ANP), sob regime do Estado Novo. Manda,
então, fechar todos os fontanários da região e
proíbe todos os habitantes de dar um copo de
água aos próprios vizinhos, obrigando todas
as famílias de fracos rendimentos a colocar
água canalizada em casa. Esta é uma medida
tomada em prol dos interesses económicos
do Estado, mas que é inaceitável na nossa
sociedade. Contudo, Vila Poema assim viveu ao longo de alguns anos. A situação era
intolerável, o povo passava sede e os animais
domésticos foram as outras verdadeiras vítimas desta atitude.
A entrada do guarda-livros Aurélio Dias
Nogueira, também da ANP, para a presidência da Câmara Municipal de Constância,
ainda dentro do mesmo regime ditatorial,
trouxe consigo nova esperança à Terra Mãe
de muitos dos nossos poemas. Os fontanários foram reabertos e as pessoas voltaram a
abastecer-se ali.
Nesta época, o saneamento básico consistia
na instalação de lajes subterrâneas que os
encaminhavam até ao rio Tejo, onde ficavam
a céu aberto. O rio era poluído sem qualquer
remorso, enquanto o rio Zêzere era reverenciado. As suas águas eram límpidas e as
PUB
Zêzere. Até meados do século passado este rio era a principal fonte de abastecimento de àgua potável da região
rochas que o calçavam eram visíveis a olho nu,
mesmo nas zonas onde o caudal atingia mais
de cinco metros de profundidade.
Estes factores faziam com que o Zêzere
fosse a principal fonte de abastecimento de
água potável da região. Quando esta não
estava em condições aceitáveis para consumo, uma mina em Vila Nova da Barquinha
era a alternativa deste povo, dado o estado
deplorável do Tejo.
Hoje, Constância conta com uma rede de
Conhecida pelos
seus fontanários,
Constância é terra
onde a água corre sem
medo
esgotos e água canalizada na generalidade
das suas habitações, correspondendo às
necessidades dos seus mais de 4 mil habitantes. Apenas 2,7% da população não tem
electricidade em casa e 4,1% não tem água
canalizada, não sendo 10, 5% desta abrangida pela rede de esgotos, segundo dados
da ECOS Ribatejo. A taxa de analfabetismo
está reduzida aos 12,5% e mais de 65% da
sua população compreende-se entre os 15
e os 64 anos.
“Tal como a árvore, agarra-te à vida”
Alison Silva
A frase vencedora do concurso lançado
pela Scutvias, para a criação de um Slogan
promocional e um logótipo no âmbito do
projecto de plantação de 20 mil árvores ao
longo do eixo A 23, é da autoria dos alunos
do 3ºA da Escola Básica dos Penedos Altos,
da Covilhã. “Tal como a árvore, agarra-te à
vida” é a frase que se pode ler nas camisolas
dos 1700 alunos envolvidos no projecto que
pretende minimizar os danos ambientais
provocados pelas 11 mil viaturas que diariamente circulam na 3ª maior auto-estrada do
país. Esta é uma frase que, segundo a Scutvias,
tem “dupla conotação: Segurança Rodoviária
e Protecção do Ambiente”.
Três anos depois de ter sido lançado o projecto, estão plantadas 2 mil árvores das 20
mil inicialmente propostas. Os pinheiros
e os carvalhos foram eleitos pela Scutvias,
de acordo com o Governo Civil de Castelo
Branco, para fazerem parte deste projecto
como representantes da fauna característica
da região. São fornecidos ainda em semente
às escolas do 1º, 2º e 3º ciclo do distrito de
Castelo Branco, ficando depois ao cuidado dos alunos durante um mês. Depois, as
próprias crianças e jovens as irão plantar em
locais sinalizados.
A manutenção das árvores ficará a cargo
da Scutvias, que pretende finalizar o projecto
em 2010.
Às escolas são fornecidos panfletos sobre
as árvores em causa e a sua manutenção,
cabendo-lhes o papel de aprofundar esses
conhecimentos junto dos alunos.
Para os alunos, este é um projecto interessante, que promove a responsabilidade
ambiental. A Scutvias defende que as crianças
demonstram “interesse pelo meio ambiente,
pela segurança e bem-estar das nossas vias
de comunicação”.
O Governo Civil participou, também, no
projecto através da dinamização do processo
de mobilização das escolas e coordenou os
transportes dos alunos. As autarquias locais
da região colaboram na cedência desses mesmos transportes.
O projecto lançado no dia 14 de Abril de
2008 contou com a presença do ministro da
Administração Interna, Rui Pereira, que plantou uma árvore, como exemplo a seguir.
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | 13
CONHECIMENTO
Constância alcança o espaço
Desde há cinco anos que Constância deixou de ser apenas vila poema para ser também vila astronómica. Na Colina, selvagem e
verdejante, perto das estrelas, Constância assiste de perto aos comportamentos da Ursa Maior e Menor.
Tatiana pedrosa
Tatiana Pedrosa
Quatrocentos anos depois das primeiras observações astronómicas feitas por Galileu, e da consequente revolução científica que alterou a visão
que se tinha do Universo, sentiu-se a
necessidade de construir um espaço
interactivo de divulgação e promoção
da cultura tecnológica e científica
entre os visitantes.
Este espaço, Centro de Ciência
Viva de Constância, surgiu da iniciativa conjunta entre a Ciência Viva,
a Câmara Municipal de Constância
e o coordenador científico, Máximo
Ferreira, que explica que se “juntou
o interesse da Câmara Municipal de
Constância em que o centro fosse
aberto cá e a minha disponibilidade
para cooperar, visto também pertencer a esta terra”.
O desenvolvimento e a investigação
tecnológica, associados à exploração
espacial, têm um carácter multidisciplinar e um impacto relevante na
qualidade de vidas das sociedades
modernas. Estes fundamentos fazem
desta área uma ferramenta importante na promoção da ciência junto dos
jovens e público em geral, pelo interesse e curiosidade que normalmente
despertam. Segundo o coordenador
científico, pretende-se que as pessoas
saiam do Centro de Ciência Viva gostando daquilo que viram e nos seus
dias da vida quotidiana, quer sejam
estudantes ou não, se recordem de
algumas coisas que viram e ouviram
e depois, ao ver um documentário
ou até mesmo um filme, já não as
achem tão estranhas”. Também Tânia
Machado, Estudante da ESTA, partilha da mesma opinião quando visita
o Centro, achando que este tipo de
centros de astronomia são uma mais
valia para o conhecimento de todos
Eventos. As observações nocturnas são uma das principais alterações do Centro de Ciência Viva de Constância
os visitantes em geral. “Este tipo de
espaços cativa todo o público, mais
propriamente os jovens, não só pela
interactividade com equipamentos
diferentes, como também pelo conhecimento espacial que se adquire”,
refere.
Desfrutar melhor dos módulos
Com a colaboração de seis elementos - o coordenador científico, quatro
coordenadores pedagógicos e um
guia - o Centro de Ciência Viva de
Constância tem desenvolvido projectos e eventos relacionados com
a exploração espacial, procurando
estimular o interesse dos jovens e
da população pela Ciência e pela
Tecnologia, como refere o professor
Máximo Ferreira. “Os eventos e os
projectos que desenvolvemos são
sempre orientados pelos nossos profissionais; Preparamos previamente não só as visitas, como também
tentamos enquadrar os eventos que
aqui decorrem, falando, no caso de
estudantes, nas matérias que leccionam nas suas aulas”, afirma.
Os eventos com relevância são marcados com o requinte que a ocasião
merece, como é o caso dos eclipses e
de outros fenómenos astronómicos
em que o acontecimento é anunciado
pela Comunicação Social, por exemplo. Nestas noites, excepcionalmente,
o centro encontra-se à disposição
de todos aqueles que queiram viajar
até ao mundo das estrelas. Para observar no céu nocturno do Centro
de Ciência Viva de Constância, normalmente, encontram-se ainda constelações, corpos celestes e planetas.
Contudo, nem sempre o espaço/céu
tem fenómenos que merecem especial atenção, daí não se justificarem
observações nocturnas. São estas o
maior entusiasmo para muitos dos
colaboradores deste centro, como é
o caso do coordenador pedagógico
Mário Loureiro, que confidencia: “As
observações nocturnas são das coisas
que mais gosto de fazer nestes três
anos em que me encontro aqui a trabalhar”. Porém, este tipo de interacção
a horas tardias é mais frequentado
por famílias do que propriamente por
jovens estudantes, que são o público
mais frequentador do centro.
Uma luz ao fundo do túnel
Os fenómenos de astronomia de
que actualmente tanto se fala só são
possíveis observar devido ao avanço
tecnológico que os telescópios sofreram. O que acontece no Centro
de Ciência Viva de Constância, que
tanto impressiona os que lá passam,
deve-se a isso mesmo, à sofisticação
e investimento que o centro tem feito
para melhorar o conhecimento dos
seus visitantes.
Para este ano de 2009 o Centro
de Ciência Viva vai acolher um dos
maiores telescópios do país. Este
equipamento contou com o apoio da
Fundação EDP, que doou ao Centro
de Ciência Viva de Constância 56
mil euros. Esta Fundação irá também promover as actividades do
Centro e cederá as instalações do
Museu da Electricidade para que
lá se possam realizar exposições e
conferências.
O centro encontra-se deslocado
da zona habitacional, rodeado de
natureza. Como descreve Tânia Machado: “é um espaço isolado muito
bem conseguido que vive muito a
natureza”, e conta já com um edifício
principal onde têm implementado
três observatórios, um auditório e
um planetário, que é o único do país,
não pela excelência do equipamento,
mas pela localização, visto encontrar-se debaixo do chão, tendo que
se percorrer um túnel para se chegar
até ele. No que diz respeito aos módulos exteriores podemos encontrar
uma representação do Sistema Solar,
um Globo Terrestre, um Carrocel
que interpreta o Sol, a Terra e a Lua,
um Relógio Solar e ainda uma Esfera
Celeste. Este espaço contempla-nos
ainda com um parque de campismo
para todos os que pernoitarem na
exploração ao espaço. Tal como refere
o coordenador científico com muito
entusiasmo, “é um espaço onde podemos vir inúmeras vezes porque há
sempre coisas novas para ver e para
questionar”.
Museu de Mação: o dinamismo passado e presente
Hália Costa Santos
Sílvia Carola
É em Mação que podemos ir ao
encontro de algo que nos transporta
para outra dimensão e outras épocas, que é o museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo.
Este apresenta uma extraordinária
exposição de artefactos dividida em
duas colecções distintas, do Paleolítico e do Neolítico.
Ideia original de João Calado
Rodrigues, o museu, cujo projecto
remonta aos anos 40, foi remodelado e inaugurado em 2005. Esta
remodelação teve origem na descoberta de figuras rupestres no rio
Ocreza.
Segundo Margarida Morais, representante do museu, o dinamismo do mesmo assenta em vários
Visitas. Margarida Morais conta a história do Museu e de cada peça
factores. Um deles é o objectivo de
levar as pessoas “a pensar de uma
forma diferente de como se vivia
naquela época”, e “fornecer o maior
número de informação possível às
pessoas para as levar a pensar que
o património é importante”. Simultaneamente, o principal significado
é “a protecção do património pela
própria população”.
Os serviços educativos dedicados
às crianças são também são uma
ideia-chave do Museu de Mação.
Refere a representante do museu
que estes consistem “em actividades
que são desenvolvidas e programadas”, por forma “a dar uma educação
às crianças sobre o património”. São
actividades tanto práticas como teóricas. Em relação às actividades
práticas, “eles podem mexer, tocar,
é fazer objectos em cerâmica, polir,
entre outras actividades”. A nível
teórico existem, por exemplo, actividades como “fazer desenhos de
peças” que têm no museu, e “descobrir como se chamam algumas
peças específicas”. O objectivo é de
que as crianças se divirtam e apren-
dam, ficando ao mesmo tempo mais
próximas.
O mais recente projecto do Museu
de Mação é uma inovadora exposição especialmente preparada para
invisuais. Margarida Morais fala sobre este projecto, dizendo que “vem
inserido num projecto europeu, que
é o ‘Thouch or not to Touch’, e cada
instituição que se candidatou apresentou uma ideia”. A exposição fazse com a ideia de, com réplicas das
peças do museu, as pessoas poderem
mexer e conhecer.
São vários os pontos fortes do
museu. Conforme a representante
do museu existem “o acolhimento”
que dão “às pessoas”, os já referidos
serviços educativos, “o parque arqueológico do Ocreza a ser criado” e
“a parte da investigação científica”.
14 | ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
Museus ao longo da A23
Viver para a comunidade
Numa das estreitas ruas de Riachos surge um museu com características particulares: vive da
comunidade para a comunidade, conquistando novos públicos. A partir das temáticas agrícolas
surgem objectos que contam a história das pessoas comuns.
hália costa santos
Sílvia Carola
Num antigo lagar de azeite, em 1989, foi instalado o Museu de Riachos, o qual, segundo Mafalda
Luz, directora do museu, tem uma vocação comunitária. Com cerca de 2000 visitantes por ano, este
museu tem o intuito de dinamizar tanto as pessoas
da vila como os visitantes, proporcionando, para
além da exposição aberta ao público, uma interacção através de uma série de serviços.
Mafalda Luz explica que uma das mais-valias do
Museu dos Riachos é precisamente o conjunto de
“serviços educativos, de conservação e restauro, de
museologia e museografia. É à volta destes pilares
que gira a vida do museu. Quer sejam as visitas
guiadas, as exposições temáticas, as exposições
de arte ou as oficinas, a que gostamos de chamar
oficinas de ‘expressão’”. Nestas oficinas junta-se
o grupo de artesãos do museu, que ocupam aí
os seus tempos livres. Orientados por um antigo
professor de Trabalhos Manuais, trabalham a
madeira por gosto e para manter a tradição.
A directora vinca que a temática que rege o
museu deve-se “não só ao espólio” entretanto reunido, “mas também devido à própria terra em que
está” inserido. Diz que “Riachos sempre foi uma
terra muito ligada à agricultura”, não só pelo tipo
de campo e áreas de cultivo que tem, como pela
fertilidade das terras. E, neste contexto, também
não se pode esquecer a importância do rio.
Mafalda Luz refere ainda que nem só de espólio
agrícola vive o Museu dos Riachos: “Temos, por
exemplo, uma sala que tem alguns trajes (Sala
do Trajo – Maria dos Santos Marques), algumas coisas do quotidiano. Temos aqueles trajes
mais emblemáticos, que marcam a ruralidade
de Riachos”.
Com relação aos públicos, Mafalda Luz repara:
“Temos projectos sobretudo para o público em
idade escolar.” E quando fala de idade escolar vai
desde o pré-escolar ao universitário e politécnico,
destacando o apoio especial do Instituto Politécnico de Tomar. No caso do ensino superior,
evidenciam-se os projectos que envolvem estágios.
Em relação a estas experiências, a directora não
tem dúvidas: “Estes estágios são uma mais-valia, são pessoas que vêm para aqui estagiar com
outra maneira de pensar e que nos ajudam a desenvolver projectos”. Mafalda Luz declara ainda
que a experiência para eles também é positiva,
pois “envolvem-se no museu com uma dinâmica
muito intensa”.
A directora do museu acrescenta que a chave
deste espaço são as pessoas: “Aqui tudo gira em
torno das pessoas, para nós o património vivo,
que são as pessoas, tem que ser preservado, porque
esse é o mais fácil de desaparecer.” Por isso é que,
no espaço do museu, se pode ver praticamente
tudo o que está ligado à vida de antigamente das
pessoas, da terra, dos animais, das profissões e
de outras formas de subsistência. Desde uma
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Oficina. Num grupo de artesãos ocupa os seus tempos livres a trabalhar a madeira
carroça, até mantas, passando por utensílios do
campo e ainda por um oratório. Tudo o que faz
parte de vidas passadas, mas ainda presentes na
memória de muitos.
E como preservar esse património? “Temos as
fotografias que podemos reter, são os filmes e a
recolha de memória oral”, que “é a única forma
de preservar realmente esse património vivo”.
Também por isso, uma das salas do museu é dedicada a fotos antigas de famílias e de grupos, que
permitem aos mais novos imaginar como seria a
vida de outros tempos e que permitem aos mais
velhos recordar outras formas de vida.
Quanto a exposições, o leque é variado: “Temos
a exposição permanente, temos uma galeria de
artes onde expomos desde pintura, fotografia,
escultura”. O museu dos Riachos também tem uma
colecção de presépios”. No fundo, o objectivo é o de
abranger todo o tipo de exposições, contribuindo
para “desmistificar os museus”. Porque, na opinião
dos responsáveis por este espaço, “essa é a forma
mais fácil de termos um público que normalmente
não acede aos museus”.
Mafalda Luz acrescenta outra vertente que
desenvolvem para tentar levar ao museu todo
o tipo de públicos. “Para além das exposições
temporárias temos um auditório onde fazemos
lançamentos de livros, concertos desde música clássica a música mais popular, a rock.” Para
além de preparar actividades que cativem novos
públicos, a directora do museu reconhece que a
A23 também veio trazer desenvolvimento “ao
museu, à comunidade, a este concelho e a outros.”
E conclui: “Penso que esta ligação toda com a
A23 ajuda muito como via de comunicação para
aproximar as pessoas.”
As memórias fluviais
hália costa santos
É num edifício que à partida passa despercebido, com uma entrada discreta, que se situa
o Museu dos Rios e das Artes Marítimas de
Constância. Sobem-se umas escadinhas e entrase num espaço acolhedor, intimista.
Este museu foi fundado em 1998, englobado
no Plano de Ordenamento das Margens do Tejo
e do Zêzere (POMTEZ), cujo financiamento foi
determinante. O objectivo seria, segundo Anabela Cardoso, directora do museu, servir como
“um local onde se guardariam as memórias
materiais e imateriais da vivência que as pessoas
de Constância tinham com os rios”.
O Museu dos Rios encontra-se dividido em
três espaços principais, sendo um dedicado à
pesca, outro ao transporte fluvial e ainda outro
à construção naval. Existe ainda uma pequena
sala que representa a festa anual em honra da N.ª
Sr.ª da Boa Viagem. De acordo com a directora, a
criação do museu foi uma consequência da “ ideia
de preservar os objectos” que já tinham, “mas que
não estavam tratados”.
Anabela Cardoso diz ainda que a população de Constância sempre “viveu do rio, viveu
junto ao rio, para o rio”. Dado isto, o objectivo
é preservar as “antigas profissões e as antigas
memórias”, porque geralmente “as pessoas, uma
grande maioria”, não guardava os objectos de
valor museológico, pois “não se dava valor”, e
“as coisas iam desaparecendo”.
Embora dizendo que recorreu a antiquários,
a directora explica que muitas das peças do
museu são também resultante de ofertas das
pessoas da terra: “Agora, quando surge algo,
já nos perguntam se queremos. Quando há
achados no rio Tejo por parte de pescadores,
telefonam-nos. Há esse interesse de falarem
connosco.” Assim surgiram muitas das âncoras, fateixas e outro tipo de objectos de metal
relacionados com a pesca no Tejo.
Anabela Cardoso diz que “as pessoas sentem
queo museu é um bocadinho delas, especial-
Contribuição. Muitas das peças do museu foram ofertas das pessoas da terra
mente as pessoas mais antigas”. Por isso é que
“as pessoas com mais de 50 anos, que ainda se
lembram bem da vida do rio, deram muitas
peças para o museu”.
Para os jovens, o Museu dos Rios “tem um
carácter um bocado didáctico”. A directora explica que a mostra do museu “é um bocadinho
para mostrar aos mais jovens que agora o Tejo
é atravessado com água pelo joelho, mas que
noutros tempos estava cheio de vida, quando
grandes embarcações circulavam Tejo acima,
Tejo abaixo”.
A responsável pelo museu acrescenta ainda um
facto interessante: a ligação das povoações predominantemente agrícolas com o rio. “O facto de as
freguesias serem agrícolas não as distanciava do
rio porque qualquer produto que fosse necessário
comercializar teria de ser pelo rio.”
Diz a directora que o museu é para o público
em geral, mas que “há uma preocupação para
com a classe estudantil”. Para as visitas guiadas
que fazem “vêm muitos, muitos alunos, especialmente no período de aulas”, embora “no período
do Verão estejamos a assistir a que venham meninos integrados no ATL e escuteiros”.
Anabela Cardoso acrescenta que existe uma
grande preocupação em promover actividades
com as escolas (as quais aderem bem às iniciativas
do museu), geralmente mais do jardim-de-infância e 1.º ciclo. “O museu está feito de uma forma
a interagir, especialmente a última sala”. Nesta, a
ideia é que “possamos calafetar um barco. Está
lá a estopa, está lá o martelo, estão lá as peças, e
nós até calafetamos.” A directora remata: “É para
o público em geral, mas tivemos a preocupação
com crianças e jovens.” S.C.
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | 15
Museus ao longo da A23
Museu Municipal Carlos Reis,
Torres Novas
Missão de
salvaguarda
Com uma já considerável longevidade, dado ter sido fundado em 1937,
este museu, segundo fonte do mesmo,
Cláudia Plácido de Castro, tem desde a
sua fundação “a missão de salvaguarda,
protecção e divulgação do património
das gentes torrejanas e do seu território
físico e imaterial”.
Carlos Reis, artista torrejano, dá nome
ao museu. Nele estão expostas obras
de sua autoria, que são “exemplificativas da dupla qualidade de paisagista
e retratista”. Cláudia Plácido de Castro
explica que, através das obras expostas
se revê “a predilecção do pintor para
retratar aspectos do quotidiano da vida
campestre”.
Para os responsáveis pelo Museu Carlos
Reis, a melhoria de acessibilidades, nomeadamente a A23, “traduziu-se num
acréscimo para o museu, alargando a
sua área de influência”.
Núcleo de Arte Contemporânea,
Tomar
De 1932 até à
actualidade
O Núcleo de Arte Contemporânea, inaugurado em 2004, deve o seu espólio a
José-Augusto França que, enquanto historiador e crítico de arte, foi reunindo uma
significativa colecção de Arte Contemporânea Portuguesa. Um dos responsáveis
pelo museu adianta que “o conjunto de
pinturas, esculturas, desenhos e fotografias”que ali se pode ver “abrange um arco
cronológico que se estende de 1932 à actualidade”. Obras do Modernismo, como
as de Almada Negreiros, do Surrealismo,
com nomes como o de António Pedro, e
do Abstraccionismo e Nova-Figuração,
representados com, por exemplo, João
Cutileiro, são algumas das expostas neste
museu. É ponto forte do museu “a representatividade da sua colecção e o facto
de permitir colocar Tomar no mapa da
Arte Contemporânea”. Marco significativo
deste facto são as parcerias feitas com o
Instituto Português de Museus e a Sociedade Nacional de Belas-Artes.
Museu Arqueológico Municipal
José Monteiro, Fundão
Acervo
considerável
Fundado em 2007, pelo próprio José Monteiro, o Museu Arqueológico direcciona-se
para “o estudo e investigação, recolha,
conservação, interpretação, exposição e
divulgação do património cultural, com
especial relevo para as colecções de Arqueologia”. Quem o diz é Joana Bizarro,
uma das pessoas que dá vida ao museu.
Esta responsável conta também que o
ponto de partida para a fundação do
museu foi o facto de existir “um acervo
considerável de peças arqueológicas a
necessitar de um espaço museográfico
condigno e porque há interesse expresso
pela autarquia na preservação e investigação arqueológicas”. Salienta-se uma
das exposições de relevo, intitulada de
“Construção de Memória”, em colabora-
ção com o Instituto Politécnico de Tomar.
A A23 poderá ter possibilitado uma maior
afluência de pessoas de outras partes do
país ao Museu Arqueológico.
Museu Nacional Ferroviário,
Entroncamento
Património e
sentido cívico
O Museu Nacional Ferroviário é um dos
mais recentes museus da região, tendo
sido fundado em 2007. Rita Jardim Pereira, directora, explica que a missão deste
espaço é “a preservação, divulgação e
promoção do Património Ferroviário Nacional, pretendendo constituir-se como
um pólo de atracção e desenvolvimento
para o turismo cultural”. O motivo da
escolha da localização do Museu Nacional Ferroviário no Entroncamento é
claro: deve-se ao facto de esta cidade ter
nascido dos caminhos-de-ferro, a partir
de meados do século XIX. Um dos pontos
fortes do museu é o recentemente criado
Serviço Educativo. A directora adianta
que “tem como objectivo o despertar
do interesse da comunidade local para
o respectivo património, “procurando
acrescentar ao seu sentido cívico uma
necessária consciência para a sua preservação e fruição”, principalmente no que
toca às crianças, que são consideradas
“os futuros responsáveis e usufruidores
do património”.
Museu da Guarda
Acções de
extensão
cultural
A missão do Museu da Guarda vem expressa no seu sítio da Internet: “Estudo, conservação e divulgação das suas diversas
colecções, bem como o desenvolvimento
de acções de extensão cultural que fomentam a sua capacidade de comunicação”. De
entre muitas exposições significativas, realçam-se, por exemplo, a de Raul Lino (“100
anos Depois”), as de pintura de Manuel
Cargaleiro e Eduarda Lapa, e também a exposição subordinada ao tema “Memórias
desta Cidade”. Fátima Barbosa, uma das responsáveis pelo museu, salienta que a A23
veio trazer novos públicos, em resposta às
suas “necessidades e solicitações”.
Museu Judaico, Belmonte
Único
Criado em 2005, é o único espaço em
Portugal que divulga a Cultura Judaica,
e, segundo fonte do museu, é o único
dedicado a esta, desde “os primeiros vestígios, principais realizações, áreas de
implantação e zonas de influência”, até à
recordação das vítimas da inquisição.”
Um dos pontos fortes do museu é a divulgação das “práticas religiosas na actualidade, através de algo bem patente no
museu, que integra exposição de várias
peças, festas, entre outros”.
É de relevar que esta comunidade que
se situa em Belmonte, é a última CriptoJudaica do mundo.
Para o museu de Belmonte, a A23 “trouxe
não só benefícios para o museu, como
também para Belmonte em si”, pois ficou
“mais próximo dos grandes centros e do
resto da Europa.”
Museu de Lanifícios beneficia
da distância vencida
Ana Rosa Patrício
Ana Rosa Patrício
Na Beira Interior podem-se destacar os mais
diversos pontos de atracção turística. A Serra
da Estrela, como principal ponto de referência,
abrange diversas cidades beirãs, cuja importância
secular chegou aos dias de hoje. A Covilhã não é
excepção. Dentro da sua diversidade, esta cidade
destacou-se na indústria têxtil ao longo dos anos.
O Museu de Lanifícios foi instituído com a finalidade de salvaguardar a área das tinturarias da
Real Fábrica de Panos, uma manufactura do Estado, fundada pelo Marquês de Pombal em 1764 e
actualmente integrada nas instalações da Universidade da Beira Interior (UBI). Classificado como
Imóvel de Interesse Público, em 1982 destacou-se
como ponto de referência histórica.
Aproveitando a arqueologia industrial - musealização “in situ” - , e partindo do que ficou no
terreno, procura-se que a matriz dos edifícios que
actualmente albergam o Museu dos Lanifícios se
identifique com a sua importância histórica. A
coordenadora do Museu, Elisa Pinheiro, afirma
que “a A23 veio beneficiar o museu e a região”,
permitindo “vencer a distância”. Graças a esta via,
“o interior já não é uma dificuldade”. E acrescenta,
em tom de brincadeira: “Ainda sou do tempo em
que se demorava seis horas de Lisboa à Covilhã”.
No entanto, é com “pena” que nota que no eixo
Coimbra – Covilhã ainda se verificam “dificuldades que as distanciam”.
Exposições. A tradição aliada à inovação e à criatividade
Em relação aos visitantes do Museu de Lanifícios, a coordenadora coloca os espanhóis como os finalidade contextualizar antropológica, económicoprincipais visitantes estrangeiros, seguindo-se os belgas, social, cultural, político-institucional e ambientalmente
japoneses e muitas individualidades. Elisa Pinheiro não a actividade industrial. E tudo isto acontece numa vasta
esconde que a Serra da Estrela é um ponto de atracção. No área que tem por matriz a Serra da Estrela e por centro
seu caminho, os turistas nacionais e estrangeiros param histórico a cidade da Covilhã, afirmando-se como um
na Covilhã e visitam o museu.
centro de interpretação da rota turística peninsular Rota
A recuperação do Museu dos Lanifícios também per- da Lã-TRANSLANA.
mite as mais diversas actividades: exposições temporárias
O Museu de Lanifícios é um museu polinucleado.
temáticas ligadas com o museu (pastoreio, lã e têxteis), Nelse se encontra, o Núcleo da Real Fábrica de Panos
exposição de fotografia sobre património industrial e (focalizado no período da pré e proto industrialização
eventos ligados à UBI (nomeadamente através dos cursos dos lanifícios, séc. XVIII), o Núcleo das Râmolas de Sol
de Engenharia Têxtil, Engenharia de Arquitectura, Design (ao ar livre constituído por um conjunto de râmolas de
de Moda e Letras), lançamento de livros, apresentações de sol e um estendedouro de lãs) e o Núcleo da Real Fábrica
grupos de teatro da universidade, entre outros.
Veiga (Centro de Interpretação dos Lanifícios – Sede do
Muito para além de um edifício, este museu tem por Museu desde 2004).
Escondido no Castelo
Abrantes tem muitos atractivos, escondendo-se um
deles dentro das muralhas do Castelo, no interior da Igreja
de Santa Maria do Castelo: um museu, denominado D.
Lopo de Almeida. Diz Hugo Fernandes, representante do
museu, que este “tem um mérito nacional”, pois” “foi um dos
primeiros seis museus do País, fez parte da campanha dos
museus da Primeira República”, sendo fundado em 1921.
O responsável pelo espólio do museu deu pelo nome de
Diogo Oleiro, um reconhecido intelectual e arqueólogo
português, o qual passou uma parte da sua vida a reunir
uma vasta colecção arqueológica.
Actualmente o significado do museu é mais turístico,
ficando este facto a dever-se à sua visibilidade e centralidade. Hugo Fernandes explica que “é um local de
destino principal, o primeiro local de preferência dos
turistas.” E acrescenta que “é para lá que as pessoas vão e
pedem informações”, assumindo muitas vezes as funções
que habitualmente são desempenhadas pelo posto de
turismo. “E o que o serviço de turismo faz nós fazemos
lá”, devido à naturalidade com que as pessoas vão ter ao
local do museu.
E quanto a exposições? Refere Hugo Fernandes que
“a primeira foi sobre o Povo Visigótico, com esculturas
no museu”, depois “tivemos uma sobre o Regimento de
Infantaria n.º2 em Abrantes”, que “teve a colaboração do
quartel” e que “até foi engraçada, porque foi a exposição
maior, e estavam lá armas expostas, até estando tropas a
guardar”. Seguiu-se uma exposição referente às invasões
francesas a Abrantes: “tivemos uma exposição sobre o que
aconteceu no 17 de Agosto de 1808, durante a primeira
invasão”.
Realizaram ainda uma exposição dedicada a algo actual
e relevante: o achado dos vestígios dos Mouros em Abrantes. Hugo Fernandes relata: “Encontrámos os primeiros
artefactos muçulmanos no ano passado. E o facto é que
fizemos lá uma exposição com as cerâmicas declaradamente árabes”.
A A23, para o museu, traz um efeito paradoxal. Se por
um lado a estrada contribuiu para uma aproximação das
pessoas com o turismo, por outro as pessoas passam e
não param, sendo que acabam por não visitar os espaços
turísticos da cidade. S.C.
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Estamos no Ensino há mais de 50 anos
16 | ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
ARTES
Uma nova forma de olhar a arte
Parceria selada
André Amante
Nuno Machado, 27 anos, licenciado em Arquitectura e autodidacta no campo das Artes Plásticas e Visuais,
pretende explorar novos conceitos e visões com uma nova forma de ver a Arte Contemporânea. Na sua
abordagem, junta a pintura, a escultura, a fotografia, o body paint, intervenções artísticas e design de
espaços e objectos.
Nelson de Carvalho, presidente
do município de Abrantes, e Leonor Cintra Gomes, presidente da
Secção Regional Sul da Ordem dos
Arquitectos (OA), assinaram, no
dia 17 de Outubro de 2008, um
protocolo que procura criar uma
parceria entre os municípios e os
arquitectos.
Segundo Nelson de Carvalho,
“há um par de anos que mutuamente manifestamos a intenção
para a criação deste protocolo”,
um protocolo que promove o
apoio dos especialistas nas intervenções efectuadas no espaço
público, a formação dos técnicos
das autarquias que lidam com as
questões territoriais e a integração
nas autarquias de arquitectos em
fase final de formação, concretamente nos estágios. Este protocolo promete assim facilitar a
interacção entre o município e
a OA, de maneira a privilegiar o
espaço público e a melhorar a divulgação dos projectos para que
se possa aproximar a sociedade da
Arquitectura e vice-versa.
Abrantes junta-se, assim, após
assinatura do protocolo, à lista de
parcerias da OA onde já consta
Vila Nova da Barquinha e a Comunidade Urbana do Médio Tejo.
“A OA tem como objectivo que,
a prazo, tenhamos esta parceria com todos os municípios do
Médio Tejo”- diz Rui Serrano, do
núcleo de arquitectos instalado
em Abrantes.
Daniela Santos
Daniela Santos
A Arquitectura foi uma peça essencial na progressão da arte de Nuno. Foi
esta que lhe mostrou a importância do
conceito na criação da obra e lhe despertou o interesse para outras formas
de arte. “A Arquitectura é a mãe de
todas as artes” - defende.
Nuno Machado e o seu amigo Rodrigo Ribeiro fundaram os “ARTE2RX”.
Esta foi a denominação escolhida para
designar um projecto, que passa pela
compreensão da arte no seu total e pela
consolidação das ideias e dos objectivos
que têm em conjunto. Percorrendo um
caminho comum, questionam tudo e
procuram respostas que os ajudem a
compreender o significado da palavra
“Arte”. Esse desafio passa pelo conhecimento de grandes obras e percursos de
artistas influentes em todo o mundo.
Neste momento, a pintura é o método
mais desenvolvido e utilizado por Nuno
Machado. Com a sua mão firme e com
as ideias cada vez mais consolidadas, o
artista exprime os seus ideais, opiniões
e conceitos relativamente ao quotidiano
que o rodeia. No fundo, os seus quadros
são como a sua própria identidade, com
todas as características do seu ser. “O
meu próprio eu” - afirma.
Nuno Machado foi influenciado por
vários artistas de todo o tipo de arte:
“Ainda hoje vejo muitos tipos de arte
Pintura. Nuno Machado foi influenciado por vários artistas
e tento perceber cada um deles, para
depois me deixar influenciar por aqueles
que para mim fazem mais sentido, tal
como Mondrian, Keith Haring, Tadao
Ando, Steven Holl, Zaha Hadid, Frank
Gehry e outros”. Estas influências revelam-se na sua maneira de pintar e na
procura da originalidade. Através de
conjugações de símbolos, formas e cores
entrelaçadas de uma maneira harmoniosa, transmite sensações e momentos
da sua própria vida. No fundo, tenta ser
único naquilo que faz, utilizando uma
grande variedade de técnicas.
Nuno defende que a cultura deveria
ser livre para toda a gente, ou seja, que
pobres e ricos, igualmente, deveriam ter
acesso a todo o tipo de cultura para que
assim não existisse diferenciação a nível
do conhecimento. Por isso, expõe toda a
sua arte em bares, discotecas, restaurantes e outros espaços públicos, Assim consegue que as suas obras sejam apreciadas
por uma maior massa de pessoas.
As pessoas que conhecem Nuno
Machado dizem que “os seus quadros
são uma mistura explosiva de cor que
faz todo o sentido e que tem tudo a ver
com a pessoa que ele é”. A sua arte tem
algo que desperta a curiosidade dentro
das pessoas.
Hoje, Nuno Machado tem em braços
uma tese com o tema “As cores” para
assim concluir o Mestrado em Arquitectura.
“Fatias de Cá”, teatro em diferentes espaços
Luís carlos Tomás
Luís Carlos Tomás
“Em 1327 reúnem-se numa abadia
os teólogos do Papa e os do Imperador para discutir a pregação dos
Franciscanos, que chamam a Igreja
de volta à pobreza evangélica e, implicitamente, à renúncia ao poder
temporal. Guilherme de Baskerville,
teólogo imperial, vê-se envolvido numa verdadeira história policial: um
monge morreu misteriosamente nessa abadia, mas é somente o primeiro
de sete cadáveres”. É desta forma que
o “Fatias de Cá” apresenta o espectáculo de teatro “O Nome da Rosa”,
baseado no livro com o mesmo nome,
de Umberto Eco.
Todos os Domingos, às 17h17m,
o “Fatias” transforma o Convento de
Cristo, em Tomar, no cenário ideal
para o desenrolar de tão misteriosa e
empolgante história. Algumas dezenas de homens e mulheres, vestidos
à época, encarnam os personagens de
Umberto Eco e encantam o público
presente. Público que nunca falta à
chamada do “Fatias”. Só assim se compreende que o espectáculo, estreado
em 2004, ainda continue em cena. O
segredo para o sucesso, diz Carlos
Carvalheiro, director do “Fatias”, é o
espaço onde todo o espectáculo acon-
Cenário. A acção se desenrola-se em ambientes adequados a cada história
tece e também a prestação dos actores
e actrizes em “O nome da Rosa”. Mas,
além de poder acompanhar a vida dos
“monges”, assistir às suas conversas,
tramas, segredos e desabafos, o público tem também oportunidade de
os acompanhar em vários momentos
de refeição. Ao longo da peça são
cinco as vezes que a acção se desenrola precisamente no refeitório do
Convento de Cristo e, nessas alturas,
são servidas ligeiras refeições, perfeitamente enquadradas e contextuali-
zadas no espectáculo. O facto de se
ter a oportunidade de visitar lugares
que normalmente não estão abertos
ao público, é outro dos encantos de
“O nome da Rosa”. Ver a Janela do
Capítulo, iluminada, sob as estrelas da
noite, é algo que não está ao alcance
de quem visita o Convento de Cristo
no horário normal de funcionamento. Corredores labirínticos, portas
recônditas, escadas de madeira que
conduzem a sótãos claustrofóbicos,
tornam-se cenário de um agradável
momento de teatro. No final de tudo,
há ainda tempo para um café e umas
deliciosas “Fatias de Tomar” – doce
regional -, enquanto se conversa com
os “monges”, agora já despidos do
personagem interpretado.
Foi precisamente no final do espectáculo que “Guilherme de Baskerville”,
aliás, Carlos Carvalheiro, falou das
dificuldades iniciais devido à mentalidade fechada à cultura em Tomar e
também dos mais de 100 elementos
que fazem parte da companhia de teatro tomarense. Mas se inicialmente
se limitavam a espectáculos na cidade,
em Tomar, actualmente o “Fatias” tem
um raio de acção enorme. Conta com
vários centros de acção teatral: Tomar,
Chamusca, Constância, Coimbra, Vila
Nova da Barquinha e Lisboa. E tudo
isto é possível graças à boa rede viária,
nomeadamente a A23, que classifica
de “vital para o nosso funcionamento
e para o público que nos acompanha”,
até porque, salienta Carlos Carvalheiro, “em 90% dos casos os espectadores
deslocam-se de mais de 70 kms de
Tomar. O público é maioritariamente da zona de Leiria, Lisboa, Setúbal,
Coimbra e também de Castelo Branco”.
Acrescenta ainda que, “a A23 possibilita que, já por duas vezes, tenhamos
montado espectáculo em Almeida,
que fica a cerca de 200 kms”. Carlos
Carvalheiro não tem dúvidas em afirmar que “existe uma relação entre a
A23 e o desenvolvimento cultural das
zonas que atravessa”.
Para final de conversa, Carlos Carvalheiro deixou uma mensagem: “Só
tenho o que dei. É uma frase esquisita.
A gente quando a ouve parece que é
uma tonteira. Quando se está a fazer
teatro, a única coisa com que ficamos
é as palmas por aquilo que demos.
E se percebermos, pelo teatro, que
só ficamos com o que damos, talvez
percebêssemos que é mais importante
servir do que servirmo-nos”.
Produções do “Fatias de Cá”
O “Fatias” iniciou a seu trajecto no
ano de 1979, em Tomar, para tentar
romper o clima de repressão cultural
existente na cidade, como explica
Carlos Carvalheiro. “Tomar era, à
época, uma cidade muito fechada,
agressiva contra a cultura, e foi um
pouco para atirar uma pedrada no
charco que surgiu a ideia de fazer
um espectáculo chamado “Fatias de
cá com Nini Ferreira”. Na sequência
disso as pessoas acabaram por querer
continuar uma actividade cultural.
Aquele grupo de pessoas acabou por
ficar e adoptou o nome do primeiro
espectáculo. Passaram então a chamar-se “Fatias de Cá”.
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | 17
CINEMA
João Ferreira, director do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa
“É um evento cultural e não
é só o festival gay e lésbico”
O Festival de Cinema Gay e Lésbico realiza-se há doze anos, sempre no final do Verão, início do Outono. A Associação Cultural
Janela Indiscreta e o Queer Lisboa apresentam nomes nacionais e internacionais nesta área cinematográfica. João Ferreira,
director do festival, sublinha que se trata, sobretudo, de “bom cinema”, que “provoca todo o tipo de reflexão social e estética”.
Devido à temática geral do festival, ainda “continua a ser difícil chegar a novos apoios”.
D.R.
Alison Silva
Este é um festival que tem crescido notoriamente ao longo dos anos, não só a nível de
programação, mas também no número de
visitantes. A que se deve este crescimento?
Quando o festival apareceu, era o único em
Lisboa e assim foi durante alguns anos. A programação era muito eclética, porque, no fundo,
estava a preencher uma lacuna na própria sociedade. Houve uma série de realizadores que
só surgiram, só apareceram, só foram vistos
em Lisboa através desse festival. Isso foi um
importante impulso. Com a vinda do Doc para
Lisboa, que estava na altura em Loures, e com o
aparecimento do Indie, tivemos que transformar o festival. Com isto tudo e com a perda de
dinheiro, dos subsídios que tivemos, principalmente da Câmara de Lisboa, fomos obrigados
a refazer o festival. Tivemos que reinventar o
festival, pensá-lo de uma outra forma. Fomos
procurando ir ao encontro do que eram as expectativas dos nossos espectadores ao mesmo
tempo que tentámos criar uma personalidade
própria do festival.
Como é que o festival está organizado, de
forma a responder a essas exigências do público?
Mexe, fundamentalmente com a programação, com o tipo de filmes que programamos.
Uma coisa boa é perceber que temos um público
para diversos estilos cinematográficos, dentro
deste género específico que é o cinema gay e
lésbico. Temos público para um cinema mais
comercial e temos público para um cinema mais
experimental. Isso é um factor muito positivo,
porque nos permite continuar a ser um festival
muito eclético e ir ao encontro dos espectadores. Depois, começa-se a perceber que há
determinadas cinematografias que funcionam e
outras que não funcionam, como, por exemplo,
o cinema americano.
Que benefícios é que iniciativas como esta
trazem para o enriquecimento intelectual
da nossa sociedade?
Este cinema tem uma particularidade: pode
ser, e é com certeza, visto simplesmente como
bom cinema e, nesse aspecto, provoca todo
o tipo de reflexão social e estética. Mas tem
uma componente social que é indissociável
e fundamental para este festival. Há, por um
lado, um público gay e lésbico que talvez só
encontre nestes filmes as personagens que mais
directamente lhes falam, retratos muito fiéis
daquela que pode ser a sua realidade. Isso é
uma característica fulcral deste cinema para esse público específico. Por outro lado, também
é universal, ou seja, qualquer espectador, independentemente da sua sexualidade, também
pode responder positivamente a este filmes,
porque as histórias também são universais.
Este cinema entra cada vez mais em questões
muito específicas, como a transexualidade ou
o transgénico. Há uma série de outros temas
(médicos e clínicos, por exemplo) que tam-
João Ferreira. “Fomos ao encontro do que eram as expectativas dos nossos espectadores”
bém entram nestes filmes. Essa é, também,
uma preocupação do programador: escolher
filmes que não tenham sido criados com vista
a um gueto.
O festival é um espaço que se preocupa com
a abertura de mentalidades?
Preocupamo-nos, obviamente. Sentimos
que, de ano para ano, há uma participação
maior do público, mas ainda não é o número
de espectadores que pretendemos e que temos
capacidade para acolher. Felizmente, em termos
de subsídios, temos a capacidade para acolher
muita gente com muita variedade de filmes.
Mas isso ainda não é fácil. Há zonas onde isso
começa a ser mais fácil, por exemplo, em relação à imprensa. Há um interesse crescente
por parte dos media em relação ao festival.
Essa certificação ajuda os espectadores a lá
irem, sentem que é legítimo frequentar aquele
espaço porque é um evento cultural e não é só o
festival gay e lésbico. Isso aos poucos tem vindo
a crescer. Mas há muito trabalho a fazer a esse
nível, nomeadamente ao nível da procura dos
parceiros privados para o festival. É a barreira
maior que nós temos.
O festival proporciona aos parceiros a projecção desejada?
Certamente que sim. Os apoios privados
que temos conseguido voltam a apoiar o
festival. Têm sido raros aqueles que foram
pontuais. Há interesse, porque, por exemplo,
em termos de turismo, o festival funciona.
Tem 30 ou 40 convidados internacionais por
ano. É um número significativo que enche
um hotel. É uma imagem boa e todos aqueles
que estão associados ao festival beneficiam
disso. Mas continua a ser difícil chegar a
novos apoios, porque há sempre a barreira
do facto de o festival ser um festival gay e
lésbico. Nós notamos que há empresas que
apoiam uma série de festivais nacionais, mas
“Qualquer espectador,
independentemente
da sua sexualidade,
pode responder
positivamente
a estes filmes”
que o nosso nunca apoiaram. Continuam a
ter essa resistência.
Qual é o balanço do último festival em relação aos outros?
Este último cresceu em termos de público.
Tivemos mais 2000 espectadores em relação
ao ano anterior. Também é muito gratificante termos conseguido um leque grande de
filmes que nos permitiu organizar o festival
por secções. Uma boa forma de promover
este cinema é apresentá-lo tematicamente, e
não só nas secções competitivas, que variam
muito. Temos um ciclo sobre, por exemplo, o
HIV, sobre a luta contra a obscenidade ou as
meias-noites. Há um ciclo sobre a religião e
sexualidade, trabalhamos a guerra colonial.
Ou seja, são aliciantes porque muitos destes
filmes não são conhecidos, as pessoas não
chegam lá pelo nome do realizador. Alguns
realizadores são conhecidos, mas são 20 ou
30% dos que estão programados. Há uma série
deles que não são conhecidos pelo público e
temos que criar aliciantes para as pessoas irem.
Neste último festival já conseguimos fazer
isso. Estivemos com 180 filmes. Conseguimos
organizá-los dessa forma e isso resultou muito
bem. As pessoas foram muito ao encontro dos
ciclos, interessadas num determinado tema e
responderam bem, não só os espectadores,
mas também a imprensa.
Que tipo de respostas permitem perceber o
que o público acha dos festivais?
Temos vários indicadores. Um deles é, por
exemplo, o prémio do público. Temos a secção
competitiva das curtas-metragens, que é votada
pelo público, de um a dez, à saída de cada sessão.
Isso é um indicador importante, não só pelo número de pessoas que aderem a votação, que são
cada vez mais, mas também para percebermos
que tipo de filmes é que elas gostam mais. Há,
também, pessoas que se dirigem a nós através de
e-mails com queixas, mas também com aquilo
que gostavam no festival. Temos a nossa equipa
toda no cinema, temos os nossos escritórios lá
montados, estamos sempre lá e conseguimos
perceber a reacção dos espectadores na sala e
eles falam connosco. Temos essa proximidade
que é muito vantajosa.
O público tem sentido e respondido às mudanças que o festival tem sofrido?
Sim, sim. E falam nisso, referem todos os
anos. Grande parte do público fala da melhoria do festival e ainda bem. E isso nota-se
a vários níveis: a mudança para o cinema S.
Jorge, uma maior qualidade nas projecções e
o facto de termos mais filmes (o que resulta de
uma parceria). Tudo isso são factores que têm
melhorado no festival. Há, também, o facto de
termos cada vez mais apoios privados, incluindo uma série de bares de Lisboa que organizam
festas. Há toda uma movimentação à volta do
festival que ajuda à sua projecção e à motivação
dos espectadores. E há sempre campanhas que
algumas editoras fazem. A FNAC faz, às vezes,
nestas alturas do festival, vendas de DVD’s de
temática gay e lésbica. Nós, no festival, temos
também uma loja que tem crescido todos os
anos, na venda de DVD’s e livros, temos um
acordo com as maiores editoras e distribuidoras portuguesas que têm, todos os anos, e cada
vez mais participado nesta iniciativa, nessa
perspectiva da venda do livro e do DVD. Tudo
isso tem sido aliciante para o público.
Quais são as perspectivas para o próximo
festival?
Há um modelo que está, até certo ponto,
conseguido, em termos de diversificar as temáticas e de ter uma programação por secções.
Há outras coisas que revemos todos os anos:
a questão dos eventos paralelos, dos debates,
que temas é que afectam o público, que tipos
de modelos é que vamos manter, o que é que
vamos mudar. E há certas coisas que vamos
trabalhar de forma diferente no próximo ano.
A coisa que queremos fazer é entrar na área da
formação, abrindo workshops em termos de
escrita e realização, aproveitando para haver
maior contacto entre os convidados, os profissionais e os estudantes das diversas áreas. No
ano passado os concursos para apresentação
de trabalhos resultaram e, obviamente, vamos
manter isso para o ano, revendo alguns aspectos,
para os tornar mais aliciantes para profissionais
e para estudantes.
18 | ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
CINEMA
A persistência do núcleo duro
Com sete anos de existência, o objectivo do projecto Espalhafitas continua a ser a consolidação do mesmo. Dar à cidade bom
cinema e, ainda, o que move este grupo.
ana rosa patrício
Marisa Rodrigues
São 21 horas e 30 minutos e o
futebol terminou. Está na hora de
ir até ao Cineteatro São Pedro, em
Abrantes, assistir a mais um filme, a
mais uma proposta do Espalhafitas.
O filme é “Aquele Querido Mês de
Agosto”. O local de exibição não
se encontra cheio. Um grupo de
alunos liderados pela sua professora entra enfadonhamente para
assistir a um filme obrigatório com
a expectativa de que acabe rápido,
pois o frio cai em demasia para se
estar na rua àquela hora. Mediante
a fraca plateia, o pequeno grupo
que constitui o projecto Espalhafitas não desanima e volta a fazer
mais uma das suas quartas-feiras
de cinema em Abrantes.
O projecto Espalhafitas está inserido na Associação Palha de Abrantes.
Esta completa 12 anos de existência
e é a progenitora de vários projectos culturais que existem na cidade
abrantina, nomeadamente o grupo
de Teatro Palha de Abrantes, que
hoje em dia já é independente, como
também a universidade da terceira
idade. Assim, o projecto Espalhafitas
nasce da necessidade de existir cinema em Abrantes, através da vontade
de um pequeno núcleo de pessoas
que ainda hoje se mantém, tais como
Carlos Coelho, Lurdes Martins e
Paula Dias entre outros.
Este projecto criado há sete anos,
onde todos os seus integrantes têm
em comum o gosto pelo cinema, quis
oferecer à cidade de Abrantes cinema
de qualidade, pois na época não existia cinema em Torres Novas. Para
Lurdes Martins, as quartas-feiras não
são apenas um filme, está muito trabalho por cima disso. Desta forma,
explica que este dia foi o escolhido
para a exibição do filme porque era
o único que estava disponível para a
sociedade abrantina.
Esta licenciada em Línguas Modernas pelo Instituto de Línguas
e Administração de Santarém diz
que, apesar de a audiência ser pouca em algumas épocas, este núcleo
duro nunca desiste, confessando
que “nunca houve da nossa parte
nenhum desvio do projecto por esta
razão, mantendo o projecto no seu
objectivo que é prestar bom cinema”.
Cineclube. Lurdes Martins. Carlos Coelho, Ana Paula Dias e Nuno Alves partilham o gosto pelo cinema
Outro dos objectivos delineados pelo
Cineclube é o crescimento a longo
prazo deste projecto. Associando
este crescimento ao de uma pessoa
normal, Lurdes Martins diz que este
projecto vai tendo ambições e, consequentemente, novas ideias.
Quando questionada sobre a relação entre os filmes e o público, Lurdes Martins admite que a selecção
dos filmes para projecção está, de
certa forma, ligada a um factor financeiro . Apoiados pelo Instituto de
Cinema, Audiovisual e Multimédia
(ICAM), estão sujeitos a uma série
de regras que têm de ser cumpridas.
Desta forma, revela que “basta uma
quota não estar preenchida que são
logo penalizados, custando isso o
projecto”. O circuito comercial entra
apenas nos 10% a que estão restritos,
negando a ideia relativamente ao
possível rejeição por parte dos jovens
do tipo de filmes aqui exibidos. Assim, na opinião de Lurdes Martins,
não faz parte do Cineclube Espalhafitas fazer parte de um circuito
comercial.
Apesar de um dos professores da
ESTA, Carlos Coelho, estar presente
neste Cineclube, Lurdes Martins confessa a falta de adesão dos alunos desta
instituição de ensino a este projecto.
Referindo que, apesar de existir um
curso de cinema no estabelecimento
acima referido, “conta pelos dedos
de uma mão o número de pessoas do
curso que foi ao cinema”.
Como projectos futuros confessa
que este núcleo tem apenas um propósito: “O projecto do presente foi
sempre o projecto do passado que
é consolidar o projecto”. Fazer com
que o Cineclube dure e tenha pernas
para andar. Para Lurdes Martins o
mais importante é a continuidade e a
consistência. Desta forma, propõemse a continuar com as semanas dos
diferentes países, revelando que a
próxima é já Itália, e o Animaio. O
Animaio tem como objectivo a projecção de curtas-metragens para as
escolas, para as crianças. Este projecto já vai no seu quarto ano e pretende desta forma continuar. Existem
também os pequenos documentários para registar a história local,
na forma de imagem, e os cinemas
musicados “o importante é mesmo
que as coisas cresçam devagarinho,
de forma solidificada”.
A base de Vídeo e Cinema Documental parte da Engenharia
A ideia partiu do interesse pelo cinema. É assim que Carlos Campos Coelho descreve a criação do curso de
Vídeo e Cinema Documental (VCD), a
nova aquisição da ESTA. A preocupação com a situação do documentário
em Portugal foi outras das razões que
levou este mestre em engenharia
dos materiais a criar o curso de VCD,
reconhecendo que uma das maiores
dificuldades foi “convencer o ministério da tutela da importância do curso
e da lacuna existente no ensino deste
género do cinema.”
Uma das contribuições para o nascer
do curso foi a contratação de docentes, cujo critério foi apenas que estes
tivessem “qualidade reconhecida”.
Assim, segundo Carlos Coelho, a
ESTA teve um enorme prazer em
poder contar com José Costa, assessor principal da Cinemateca, e Luís
Falcão, ligado à Escola Superior de
Teatro e Cinema.
O docente de engenharia afirma que
as expectativas iniciais para o curso
nunca foram muito elevadas, pois “o
processo de arranque deu-se tarde e
pouco tempo houve para publicitar
a sua existência.” As expectativas
acabaram por ser ultrapassadas com
a procura do curso a nível nacional.
Desfazendo a ideia de investimento
superior, e consequente esquecimento dos restantes cursos, Carlos Coelho
assegura que todos os cursos, no
seu arranque, tiveram investimentos
elevados. No que respeita às visitas de
estudo que os alunos de VCD já realizaram em tão curto espaço de tempo,
declara que “estas são e serão oportunidades de formação que todos os
alunos devem aproveitar.”
O membro do Cineclube e da Federação Portuguesa de Cineclubes
espera ainda “organizar alguns
seminários e mini-cursos com especialistas da área e a participação de
alunos em actividades relacionadas
com o cinema.”
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | 19
CURSO
“O documentário não será ensinado em
gaveta separada da história do cinema”
José Manuel Costa é licenciado em Engenharia Eletrotécnica mas assume nunca ter exercido
qualquer actividade nessa área. Ligado ao cinema desde muito cedo, o professor de História da Arte
e Teoria do Cinema revela os segredos do novo curso da ESTA, Vídeo e Cinema Documental,
e parte da sua vasta experiência em cinema.
marisa rodrigues
Marisa Rodrigues
Como é que uma pessoa com um
vasto curriculum no cinema é licenciado em Engenharia no Instituto Superior Técnico?
Acho que há uma incoerência
neste curriculum, o que significa
que eu optei desde cedo por não
fazer engenharia e por me dedicar
ao cinema. E costumo dizer que não
sou engenheiro, sou formado em
engenharia. Toda a minha actividade
profissional está relacionada com
o cinema. E foi essencialmente em
torno do trabalho na Cinemateca.
Dediquei-me desde cedo a trabalhar
no contexto do museu do cinema,
que é isso que as Cinematecas são,
e dentro desse âmbito fiz de tudo.
Trabalhei em programação, em documentação e depois, a partir de
certo ano, trabalhei sobretudo na
área da conservação cinematográfica. Foi a partir do trabalho na área
da conservação que acabei por me
ligar a toda uma série de iniciativas
de âmbito nacional e internacional
em torno do cinema como património e o que há a fazer para salvá-lo,
mantê-lo e valorizá-lo.
Qual foi o maior contributo que as
formações em que esteve presente
lhe trouxeram, nomeadamente o
estágio em Pequim?
No âmbito das iniciativas que desenvolvi na área da programação na
Cinemateca, organizei alguns ciclos
de cinema. Em particular para o desenvolvimento de catálogos, de obras
escritas que foram publicadas para
a ocasião, esses ciclos levaram-me
a fazer pesquisas prévias nalguns
centros de arquivos estrangeiros. E
isso aconteceu desde bastante cedo,
e também chegou à Cinemateca de
Pequim. No caso desta foi um estudo
sobre cinematografia chinesa, antes
e depois da revolução.
Qual foi a reacção inicial com o
convite da ESTA para leccionar o
primeiro curso de Vídeo e Cinema
Documental?
A reacção inicial foi de grande
curiosidade e logo a seguir de bastante entusiasmo. Isto foi um encontro de oportunidades. Por um
lado, da escola que estava a lançar
este curso e por outro, um momento
em que me interessava variar sobre
o percurso anterior. Eu quis concentrar-me para já por um ano no
ensino. Eu tinha experiência de ensino. Aconteceu que isso coincidiu
com o lançamento deste curso e, em
conversa com o engenheiro Carlos
Coelho, fiquei rapidamente entu-
Aposta. José Costa acredita num curso que corporize o impulso que se sente em torno do documentário
siasmado com esta oportunidade e
isso trouxe-me aqui.
Porquê?
É preciso dizer que tenho desenvolvido um gosto particular pela história do documentário. Fui uma das
primeiras pessoas num grupo maior
a lançar a associação APORDOC
(Associação pelo Documentário),
uma associação relevante no panorama do cinema nacional.
Devido a este meu gosto pelo do-
vertentes que acho que têm sido descuradas. O facto de haver muita gente a trabalhar no documentário não
produz necessariamente, para além
da quantidade, um desenvolvimento
da qualidade, do aprofundamento,
da densidade do documentário em
Portugal. Isto pode passar pela questão da formação.
Há hoje muitas pessoas a fazer
documentário acreditando que se
tiver um bom assunto à frente da
ção artística. Se a pessoa quiser fazer
este curso para depois se dedicar a
um documentário de ordem mais
didáctica, científica ou jornalística
poderá fazê-lo.
Nós partimos de uma ideia que me
parece lógica: ninguém pode ensinar
arte no sentido de ensinar como fazer. Não é possível dar regras para
fazer arte. Pode-se falar de história
e teoria. Não só do documentário
mas também do cinema, da arte
em geral. Fazer as
pessoas analisar as
obras que já foram
feitas, as correntes,
os movimentos.
E, no pólo oposto,
proporcionar experimentação.
Acha que os alunos
correspondem às
expectativas deste
novo curso?
Os alunos estão a corresponder
com enorme entusiasmo e isso vê-se
na participação destes no curso. É o
princípio, mas é gratificante saber
que isso está a acontecer. É um grupo de alunos que está extremamente
empenhado. É um desafio para os
alunos e para os docentes. Estamos
todos a tentar fazer qualquer coisa de
diferente, é um trabalho que vai sendo
avaliado e corrigido a par e passo.
Que tipo de meios acha que ainda
faltam para este curso funcionar
em pleno?
“O que estamos a fazer aqui é, pela primeira
vez em Portugal, dar uma oportunidade de
formação, que integra o documentário na arte
cinematográfica e na história do cinema”
cumentário, tenho pensado no que
tem sido a evolução recente do documentário em Portugal e, ligado a
isso, o que tem sido a experiência de
formação do documentário. Não havia nenhuma licenciatura realmente
dedicada ao documentário em Portugal apesar dos cursos, das acções
de formação. Há muitas iniciativas,
mas faltava um curso que, de algum
modo corporizasse esta energia, este
impulso que se sente em torno da
área do documentário. Senti que era
preciso complementar o que está a
acontecer nas outras formações com
câmara produz um bom filme. Isso é
uma situação que exige uma urgente
correcção. O que faz a grandeza de
um documentário não é o assunto
que se filma mas a descoberta de
um olhar próprio sobre as coisas.
E isto resolve-se com muito talento
mas também com algum esforço de
formação de tipo diferente. E foi essa
reflexão que me levou a querer experimentar algo de diferente aqui.
Diferente em quê?
Começando por assumir que
quando falamos de documentário
estamos realmente a falar de forma-
Não posso responder pelo conjunto da licenciatura, mas para já
a maior carência não é a nível de
docentes. Temos seis disciplinas no
curso e a equipa responsável por
estas disciplinas está animada e
com espírito de grande comunhão
de ideias. Esta equipa é a certa para
lançar este curso.
Falta ainda alguma coisa ao nível
do equipamento e ao nível das infraestruturas. Não é uma falta que nesta
fase me preocupe excessivamente.
A escola está toda ela em transição
e aquilo que falta ao nível do equipamento está a ser colmatado. A
vertente prática de experimentação
vai acentuar-se no segundo ano da
licenciatura e espero que nessa fase já
haja os meios necessários para isso.
Para que o curso se vá implantando
é necessário constituir acervos documentais e material para trabalhar,
complementarmente às aulas, que
terão de ser desenvolvidos de forma
progressiva e cumulativa. Temos de
desenvolver uma base de obras também para poder constituir uma videoteca de referência que não tem de
ser restrita à área do documentário.
O documentário não será ensinado
aqui em gaveta separada da história
do cinema.
Quais os projectos futuros para
este curso?
Engloba duas vertentes. Uma,
complementar às disciplinas, será
a dos seminários internacionais.
Seminários que farão da escola um
pólo de intercâmbio de experiências
de ideias, de conhecimento de obras
no sentido da investigação.
Por outro lado, construir um
centro de produção que, a prazo,
possa servir também no sentido da
irradiação da experiência da escola
para fora. Queremos que sirva de
interface entre o curso e a vida profissional futura dos alunos.
Se tivesse de convencer um aluno
a integrar o Curso de Vídeo e Cinema Documental, quais eram os
principais argumentos?
Se o aluno tem gosto pelo cinema
e tem alguma curiosidade pelo documentário, o que diria que estamos
a fazer aqui é, pela primeira vez em
Portugal, dar oportunidade de uma
concentração, de uma formação, de
um mergulho profundo que integra
o documentário na arte cinematográfica e na história do cinema. Se a
pessoa à partida está desperta para
essa área, esta é uma oportunidade
de durante três anos dedicar-se a
exercitá-la, a pensá-la e conhecê-la
de uma forma que não tem equivalente na formação em Portugal.
20 | ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
MÚSICA
Revolucionar a música portuguesa
Músicos provenientes de algumas regiões da auto-estrada A23 demonstram amor pela música,
mas criticam a falta de apoios para desenvolverem os seus talentos.
D.R.
Eleantino Évora
O grupo CBX é uma banda musical de jovens originária de Abrantes,
formada por quatro elementos entre
a faixa etária dos 20 e 21 anos, que
privilegiam principalmente o rock
português. O grupo existe há dois
anos e pretende, futuramente, ser uma
mais-valia para a música e cultura em
Abrantes. Para isso reclamam por mais
oportunidades e mais apoios.
“Só existem apoios para aqueles
que já são reconhecidos como bons,
mas, para aqueles que querem e gostam de ser bons, não existem”, desabafa André Alves, o baterista do grupo
que se mostra confiante quanto ao
futuro da banda mas, ao mesmo tempo, ansioso por oportunidades tanto a
nível regional como a nível nacional.
Entretanto, o grupo já deu mostras do
seu talento ao participar em algumas
festas folclóricas regionais, como nas
de São Lourenço e Setieiras, mas também já participaram em concertos de
solidariedade para ajudar pessoas, em
parceria com igrejas. O CBX já conta
com quatro canções da sua própria
Skapa. Um jovem de Guarda que é uma promessa do Hip Hop e do R&B
autoria, que foram gravadas num estúdio improvisado pela banda.
“A nossa música é muito melancólica, pois pretende transmitir
sentimentos e são músicas feitas no
momento e dependem do nosso estado de espírito, ou seja, se estamos
contentes fazemos uma canção alegre
e se estamos tristes fazemos uma mais
triste, às vezes tentamos fazer um
misto de sentimentos em algumas
músicas” - afirma André Alves. Para
ele, o rock influencia-os muito, mas,
apesar disso, tentam criar um estilo
musical único. Grandes referências
do rock, como os Xutos e Pontapés,
Linda Martini e Vicious Five, são as
suas musas inspiradoras.
O grupo CBX de Abrantes ainda
conta com o contributo de João Alberto Mendes (guitarrista e voz) de 21
anos, Didi Alves (baixista e voz) de 20
anos e Bruno Cardoso (guitarrista e
voz principal) de 21 anos.
Da cidade de Tomar surge um
jovem talento com o nome artístico
de Raze Beats, de 24 anos. Trata-se
de um cantor e produtor musical que
privilegia o Hip Hop, que se iniciou
muito cedo na música, mas só nos
anos de 2002 e 2003 começou a demonstrar toda a sua capacidade na
área da produção.
Raze Beats acredita que a sua
música beneficia a cultura tanto regional como também a nacional, à
medida que vai acrescentando mais
inovações ao nível do Hip Hop, tanto
a cantar como a produzir. Por outro
lado, afirma que a sua música depende do seu estado de espírito e mostra-se surpreendido e radiante pela
aceitação do público ao seu estilo. No
entanto, acha que o mercado musical
não é favorável à sua música e critica
a comunicação social quando afirma
que “hoje em dia, mais que nunca, o
Hip Hop está a ser muito bem aceite
nos meios de comunicação, mas para
isso temos de adaptar a nossa música
a esses meios e isso não me agrada e,
por isso, acredito que não temos em
Portugal mais de meia dúzia de artis-
tas da minha área a viver da música”.
Na discografia de Raze destacamse produções musicais recentes: em
2006 lançou uma colectânea intitulada
“Sem Dados Disponíveis vol. 1”, que
se trata de uma compilação de vários
rappers de todo o país, em 2007 o álbum “Babalaze” de Azagaia, álbum
“Xeque Mate” (em 2008) de L Hyo e
vários outros projectos musicais. No
que concerne a concertos, Raze Beatz
deu vários concertos para a divulgação
da compilação “Sem Dados Disponíveis”, nas FNACs de Coimbra, Almada
e outras, no FlowFest de Coimbra e em
Lisboa no Santiago Alquimista.
Skapa é um jovem talento da Guarda,
de apenas 16 anos de idade, e que revela
ser a mais recente promessa do Hip Hop
e R&B português. Nota-se a vontade e
determinação deste jovem que lamenta
a falta de apoios para poder progredir.
“Eu canto por amor à música e ao que
faço. Mas tenciono também contribuir
para a nossa cultura hip-hop, tornar o
“movimento” mais verdadeiro... Tenciono trabalhar arduamente para evoluir e
um dia poder ser uma referência para
os jovens músicos” - salienta Skapa que
prefere transmitir mensagens românticas e de incentivo. Talvez seja por isso
que a sua música – divulgada através
da Internet - é muito bem aceite pelas
pessoas que o rodeiam porque, explica,
tem tentado criar o seu próprio estilo,
apesar de não esquecer os artistas que
o inspiram: Pac Man, Sam The kid,
Alkatraz e outros.
Luís Carlos Évora, baixo, guitarra e rapper dos C4
Jovens cabo-verdianos espreitam oportunidades
O grupo C4 foi fundado em 2002 na ilha do Sal e é a banda do momento em Cabo Verde. Os
principais elementos vieram para Portugal para estudar, mas o percurso de sucesso continua. Já
conseguiram pôr no mercado o primeiro trabalho discográfico: “True Storie”. Luís Carlos Évora,
músico e estudante de Engenharia Mecânica na ESTA, tem esperança de conseguir oportunidades
para mostrar a Portugal o valor do grupo.
Quem formou o grupo C4?
O grupo C4 é um grupo de jovens cabo-verdianos que já existe há seis anos, constituído por
sete elementos: Nelito, Jamie, o Delton, o Sandro, o Luis Carlos Évora (sou eu) e o Maurício.
O grupo foi formado por mim, pelo Maurício
e por um ex-elemento, o Luís Filipe.
Como é que surgiu esta ideia de formar o
grupo?
Surgiu a partir das festas do fim de ano em
que os jovens cantam de porta em porta em
troca de alguns tostões, e foi a partir daí que
surgiu a influência de tocar instrumentos de
cordas. Passámos a tocar mais vezes e a aprender
muito, descobrimos outros talentos e foi assim
que conseguimos formar o nosso grupo. E foi
com o mesmo espírito de sacrifício que conseguimos o nosso sonho, que era pôr o nosso
primeiro CD no mercado.
E como foi o vosso percurso para chegar
onde chegaram?
Foi muito difícil principalmente por causa das
condições financeiras, porque sempre sentimos
falta de apoios. No nosso país em vias de desenvolvimento, sempre dão prioridade a outros investimentos. Por isso, travam a cultura mais moderna
para poderem preservar aquilo que é mais tradicional e, neste âmbito, não dão oportunidades aos
novos talentos. Entretanto, já temos o nosso CD
no mercado, mas foi lançado com muito trabalho
e com muito sacrifício e com a ajuda de poucas
pessoas, que confiaram em nós e acreditaram
no nosso trabalho. Agradecemos a essas pessoas
porque contribuíram com o empréstimo de um
instrumento musical e salas de ensaio, ajudas que
significaram muito para nós.
Mas por que razão não foram apoiados?
Acho que isso tem mais a ver com o nosso
estilo musical. Infelizmente é como se fosse
uma barreira, também pelo facto de existirem
poucas pessoas que gostam dum grupo de jovens com um outro estilo musical e, por isso
tudo, foi muito difícil lançar o nosso trabalho
discográfico.
E o porquê deste nome C4? O que significa
C4?
Nós quando vamos ao palco muitas pessoas
pensam que temos um guitarrista, um percussionista, duas vozes, um teclista e um baterista,
o que contabilizaria sete elementos. Todavia, as
pessoas perguntam: mas porquê o nome C4? É
interessante, mas C4 não tem nada que ver com
essas suposições. C4 significa um explosivo
potente que pode causar danos catastróficos
e decidimos por este nome, porque também
queríamos ter um nome único.
Quais são os géneros musicais que o vosso
grupo privilegia?
Somos um grupo que nunca investiu num
só género. Com as nossas composições e letras,
fomos tentando adaptar-nos a um estilo diferente, o nosso próprio estilo. Os géneros que
priveligiamos são: Zouk, guetto-zouk, R&B,
Zouk das Antilhas ou kizomba, Raggae music,
Reggaeton e Ragga.
Inspiram-se em alguma banda ou artista para
fazer a vossa música?
Qualquer grupo ou artista, quando começam,
têm como exemplo alguém ou banda musical
que admira. Todavia nós, dentro dos C4, temos
gostos diferentes, cada um gosta dum género
musical diferente e apreciam os seus próprios
artistas e, por isso, tentamos adaptar os gostos
de cada um. Por outro lado, acho que não temos
um grupo ou artista de referência que nos inspira
para fazermos a nossa música, porque sempre
quisemos criar o nosso próprio estilo musical.
Porém, a música moderna influenciou-nos, tanto
a de Cabo Verde como a dos outros países. Fomos
influenciados pelo alemão Gentleman que vive
na Jamaica, pelo rei do guetto-zouk, o cabo-verdiano Nelson de Freitas, o Johnny Ramos, Craig
Daivid, William e outros.
A vossa música pretende transmitir o quê?
Que mensagens?
O nosso objectivo é precisamente transmitir
boas mensagens para os jovens. Todavia, 70% da
nossa música são mensagens de amor. Também
transmitimos algo sobre os bons valores da sociedade, algo sobre a nossa vida boémia, festas,
partidas e a saudade e ainda mensagens sobre
a droga e outros problemas da juventude. No
entanto, tentamos sempre transmitir mensagens
duma forma divertida e engraçada.
Têm tido muito sucesso em Cabo Verde com
a vossa música. E em Portugal?
Não, aqui em
Portugal ainda não conseguimos. Estamos aqui a estudar, os elementos
do grupo estão separados uns dos outros, eu em
Abrantes, outros em Viana de Castelo e Lisboa, por
isso não temos tempo para ensaiar e é difícil assim.
A nossa música não foi aqui divulgada porque as
nossas músicas são cantadas em crioulo e não em
português, mas temos ainda esperança que apareçam oportunidades e concertos para podermos
divulgar a nossa música. Outra condicionante é o
facto de o nosso CD ainda não estar nas lojas de
música dos PALOP aqui em Portugal.
Já foram convidados a participar em algum
espectáculo ou evento cultural aqui em Portugal? Como foi?
Já sim. Fomos convidados para tocar em
Tomar, em Leiria, Covilhã, Bragança e também
já fomos convidados para tocar com um artista
em Lisboa, o cabo-verdiano Gilson Gee. Mas em
Bragança fomos convidados a participar numa
festa cultural dois anos seguidos e nas outras
cidades tocámos em salões de música. Os nossos
espectáculos foram muito agradáveis para nós e
sentimos que o público gostou muito. E.E.
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | 21
TECNOLOGIA
Gonçalo Brito dá a conhecer o outro lado da imprensa de videojogos nacional
“Existe um videojogo para todos”
Gonçalo Brito, jornalista de videojogos, esteve envolvido, em primeiro lugar, na “Mega Score”, uma revista nacional conceituada
dentro do ramo. Depois passou pela revista “Hype!”, englobada na rede “My Games” e que se extinguiu no seu décimo número, há
poucos meses. Defende que há videojogos para todos os gostos. “Diz-me o que é que gostas e eu arranjo-te um jogo que tu vais
gostar de certeza absoluta”.
D.R.
Renato Lopes
O jornalismo de videojogos em Portugal não
é encarado com muita seriedade. O que é que
o levou a escolher este ramo do jornalismo
precisamente em Portugal?
Eu sempre fui fã de videojogos e sempre tive
bastante interesse nessa área numa perspectiva
sociológica e antropológica. A oportunidade
de trabalhar na área surgiu quando o Nelson
Calvinho me convidou a enviar o currículo
através do fórum da “Mega Score”, o que é um
bocado insólito – arranjar um emprego através
de um fórum – mas foi assim exactamente que
aconteceu. Ele gostou do meu currículo e de
conversar comigo, e acabei por lá ficar, e tem
sido fantástico.
Começou por ser um leitor da “Mega Score”?
Sempre joguei, desde o “Spectrum”, mas
comecei a interessar-me pelo outro lado dos
videojogos graças aos fantásticos redactores
da “Mega Score” – Frederico Teixeira, Jorge
Vieira e Nelson Calvinho –, que davam uma
perspectiva diferente da área ao fazer uma integração e um cruzamento da indústria com a
cultura Pop e com aquilo que nós somos. É bom
não esquecer que os videojogos são feitos por
pessoas para pessoas e que não são feitos por
máquinas para máquinas, como muitas vezes
as pessoas pensam ou levam a crer. Contudo, o
que é realmente interessante é ver como é que
um ser humano faz e joga um videojogo.
Interessa-se mais pelo lifestyle do que propriamente pela cultura por detrás do videojogo?
Acho tão interessante estar em casa com os
amigos a jogar como estar num determinado
evento e ver as pessoas que normalmente não
pegariam num jogo, a jogar. Penso que aquela
ideia de que os videojogos são para um determinado tipo de pessoas não existe, porque,
de uma forma ou de outra, toda a gente joga
alguma coisa e toda a gente joga videojogos.
Consegue-se encontrar videojogos em todo
o lado. Portanto, aquela ideia de que só joga
videojogos quem gosta de videojogos é falsa.
Toda a gente gosta de videojogos da mesma
forma que toda a gente gosta de ver televisão.
Por isso é que eu me interesso sobre o que é que
leva as pessoas a jogarem.
Os videojogos acabam por ser um método de
estudo do comportamento humano?
Sim, em grande medida. Isso até se fala muito
em relação ao “The Sims”(jogo eletrónico de
simulação de vida real). No futuro os psicólogos
deixarão de dizer «fale-me um pouco sobre si»
para dizerem «deixe-me vê-lo a jogar um bocadinho de “The Sims”», porque este jogo diz
muito sobre uma pessoa. Por isso é que as pessoas que o jogam nem sequer gostam que estejam
a vê-las a jogar. Porque, ao jogarem, elas estão a
reflectir o seu próprio comportamento.
O que é que diria a uma pessoa para a introduzir nesta indústria e neste estudo do
comportamento humano?
Diria que toda a gente gosta de se divertir, e
que por isso vão gostar de videojogos de certeza.
Existe um videojogo para todos; há videojogos
de todos os tamanhos e feitios e de todas as
Presente. Gonçalo Brito defende que ser jornalista nunca foi um desafio maior do que é agora
medidas. Há muita gente que pensa que não
gosta de jogar simplesmente porque ainda não
encontrou o jogo certo para si, mas a essas pessoas naturalmente diria: «Procura, experimenta
e diz-me o que é que gostas e eu arranjo-te um
jogo que tu vais gostar de certeza absoluta».
Seria impossível falar de si sem mencionar
a “Hype!”. Como é que se sente acerca desta
perda?
A “Hype!” foi, acima de tudo, um ganho.
Foi uma perda, obviamente, por ter acabado,
mas aprendeu-se imenso e teve-se espaço para
criar coisas que nunca foram criadas daquela
forma em Portugal e apenas em poucos sítios
do mundo. Tentámos cultivar uma perspectiva
antropológica evitando o apartheid vídeolúdico.
Não houve ali qualquer tipo de discriminação
entre as pessoas que habitualmente jogam e as
outras. Houve uma tentativa de humanização
dos leitores.
A “Hype!” era vista como a “Edge” portugue-
sa. O objectivo era fazer bom jornalismo de
videojogos como se faz lá fora?
Não concordo com a ideia de que o bom jornalismo de videojogos se faz, em regra, lá fora.
Acho que existe bom jornalismo de videojogos
em todo o mundo, e de certeza que existirá em
países cuja língua não compreendemos, tal como
eles lá fora não sabem se nós somos bons ou não
porque não compreendem Português.
Mas falando do exemplo dos anglo-saxónicos,
existe realmente um ou outro bom jornalista.
Por outro lado, se calhar os anglo-saxónicos
são os principais responsáveis pelo apartheid e
o machismo que existe na indústria dos videojogos. Basta ir a um site como o “Gamespot” e
encontrar um jogo que envolva uma rapariga
para podermos ver piadas sexistas. Se queremos
fazer jornalismo “a sério”, o jornalismo “a sério”
é isento e não balança para nenhum lado nem
em termos de raças, nem credos, nem sexos.
Nesse sentido falta ainda muito ao jornalismo
de videojogos crescer e em especial àquele que
nós compreendemos, nomeadamente o anglosaxónico. Tens bons exemplos: o “Kotaku” tem
bons jornalistas, que fazem algumas coisas que
também escusavam de fazer, mas isso tem mais
a ver com a linguagem do próprio jornalismo actual, que passa muito por tentar chegar aos mais
novos com uma linguagem mais informal.
Esse tipo de atitude por vezes colide um pouco
com a ética do jornalismo, mas fora isso eles
conseguem encontrar ali um tipo de equilíbrio.
Eu próprio, no meu blogue, tento encontrar esse
equilíbrio: o que está ali é factual, só que como
é um blogue de autor e é um artigo de opinião,
eu posso dar a minha opinião. Mas quando eu
estou a fazer uma review de um jogo, por exemplo – que é uma opinião – eu não acho que deva
estar a dar a minha opinião do que é o jogo de
uma forma justificada e inabalável.
Em 2003 integrou a banda “Qwentin”. O que
é que o levou a seguir esse rumo diferente do
jornalismo de videojogos?
A música já está na minha vida desde os 14
anos. Sempre fui músico, sempre tive bandas e
sempre foi um complemento. Os “Qwentin” surgem como uma conclusão de uma caminhada
que foi a adolescência, em que se tocou de tudo
– covers, músicas de outras bandas, músicas
originais... Se as outras pessoas iriam gostar ou
não foi algo secundário.
Numa entrevista ao “Curto Circuito” explicaram que foi uma tentativa de experimentar
algo diferente e com fortes influências no
cinema, uma coisa que não é muito vulgar
no ramo da música.
Infelizmente, já vai sendo, embora que na
altura em que tivemos a ideia não fosse tanto.
Mas também os videojogos têm uma influência bastante presente na música porque todos
nós adoramos jogar acima de tudo. Nós até
fizemos uma cover da versão “Spectrum” da
música do “Robocop”, que tocamos ao vivo,
sempre, com vídeo e tudo, e que é das músicas mais bem recebidas pelas pessoas. Acho
que a cover está fantástica (nós ainda não a
gravámos, mas quando o fizermos depois
colocamos online).
O que é que diria a um jovem que gostaria de
ser jornalista de videojogos?
O mais importante é ter uma grande vontade
de dizer a verdade e ter uma “ganda lata” para
ir descobrir as verdades (risos). A internet
veio facilitar a troca de informação, mas ao
mesmo tempo veio trazer muito lixo e muita
desinformação. Antigamente, o jornalista ia
falar com pessoas, fazer notícias locais e entrevistar as pessoas envolvidas e resolvia aí o
problema. Hoje em dia, há mil sites a dizer uma
coisa e dois mil a dizer outra coisa... É preciso
ter resistência, e essa vontade de cruzar as informações todas e de descobrir o que é que é
realmente “a verdade”. Ser um jornalista nunca
foi um desafio maior do que é agora.
Anda a jogar alguma coisa?
Sim, tenho andado a jogar bastante (risos). Ando a jogar “Fallout 3”, que estou a adorar. E o “Pro
Evolution Soccer 2009” e o “Fifa 09”, que também
ando a experimentar para ver se corresponde ao
que falam dele. Acabei há pouco tempo o “Mass
Effect”, que é bom, sem ser genial...
22 | ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
DESPORTO
A equipa da Usseira encara o Paintball como um verdadeiro desporto e não como uma brincadeira
Um desporto diferente que marca
pontos numa pequena localidade
Simula-se um combate entre duas equipas. Em vez de armas, os jogadores usam marcadores de pressão, que atingem os adversários
com bolas de tinta biodegradável. Trata-se de um desporto de acção, com altos níveis de adrenalina. Para além do exercício físico, o
Paintball ajuda a combater o stress. Condições essenciais: pensamento rápido e trabalho em equipa.
Marina araújo
Marina Araújo
O dia escolhido para assistir a um
treino do Núcleo de Paintball da
Usseira (NPU) foi um domingo, no
fim-de-semana que antecede o do
Open Lisboa. Estranhamente não
há muita tensão entre os jogadores,
como seria de esperar antes de tal
prova, mas há sim um ambiente de
descontracção e companheirismo.
Talvez isso se deva ao facto de nas
últimas duas fases terem conquistado o segundo lugar, o que lhes dá
o primeiro lugar na classificação
geral.
Logo que chegam, os membros da
equipa desmontam o equipamento e um deles, Elcio Araújo, mostra
as instalações: “Isto era o campo de
futebol da Usseira (uma vila perto
de Óbidos)”. E acrescenta: “Estava
abandonado e nós recuperámo-lo.”
O recinto é constituído por três campos, um deles para jogos recreativos com obstáculos fixos, e outros
dois com insufláveis e que são usados para os treinos. Estes também
servem para outras actividades, como o Open Centro, agendado para
Janeiro. Mostra também o bar e os
balneários, masculino e feminino,
agora recuperados pelo NPU, o que
significa, também, passar a dispor de
água quente.
Depois de um momento de preparação de equipamento em que o
ar é repleto dos tiros sem bolas dos
marcadores (o nome dado às armas
deste desporto) e em que, por mais de
uma vez, me assusto com a violência
do som, Andreia Quitério, a capitã e
única mulher da equipa, chama os
jogadores. Após um aquecimento
rápido, começam a discutir estratégias. Está frio e, apesar das corridas
que fizeram, os jogadores parecem
não estar muito quentes. Estão, sim,
ansiosos por algo que os ponha em
movimento. Porém, parece que afinal a equipa sente alguma pressão
em relação à próxima etapa do Open
Lisboa. O NPU tem onze pontos de
vantagem, mas Andreia Quitério confessa que “não é muito”. E acrescenta:
“Qualquer deslize é suficiente para
começarmos a descer”.
Há mais um momento de preparação antes da próxima fase do treino,
em que os jogadores fazem os últimos
acertos e se colocam nos equipamentos. As jerseys e as calças parecem
bastante finas e, para além de uma
t-shirt, os jogadores não podem usar
nada por baixo do equipamento, a
não ser as outras protecções, como
Marina araújo
“Somos uma mais
valia. Trazemos
mais vida à vila
e com o Open
Centro iremos
trazer várias
equipas para
uma terra que
pouca gente sabe
onde é”
por exemplo joelheiras. Só no caso
de estarem menos de 5ºC é que lhes é
permitido usarem uma camisola por
baixo da jersey. O vento faz com que a
tenda improvisada, que é a zona dos
jogadores, abane.
Mais sons de tiros sem bolas e, à
medida que se anda entre os jogadores, pisam-se bolas caídas no chão,
que por vezes rebentam debaixo dos
pés, colorindo a terra castanha com
tinta amarela, cor de laranja e, outras
vezes, azul ou verde. “Não podemos
voltar a usar as bolas que caem ao
chão” - diz Paulo Vaz Fontes. “Ficam
sujas e qualquer partícula pode danificar o marcador por dentro, já que
são super-sensíveis.” Enquanto alguns
vão confirmar a velocidade a que as
bolas são disparadas (há regras para
isso) e outros enchem os tubos dos
battlepacks, ouvem-se risos e piadas,
numa camaradagem de uma equipa
que se quer divertir. “Isso é o mais
importante, se ganharmos melhor”
- declara Andreia Quitério com um
sorriso.
O treino vai começar, primeiro
com alvos parados e em seguida em
situação de jogo. Mesmo quem assiste deve colocar uma máscara. É
um elemento crucial em termos de
segurança pois, mesmo com as limitações de torneio, as bolas viajam a
um mínimo de 250 pés por segundo.
Não entro no campo mas, mesmo no
exterior, vejo as bolas a pousarem a
menos de cinco metros dos meus pés
ao serem disparadas do outro lado do
campo, e dou dois passos para trás.
apesar de estar interessada. Quando
se colocam em situação de jogo, o ar
fica completamente repleto de gritos
dos jogadores, de tiros, de bolas a
rebentar contra os insufláveis. Mesmo
enquanto mera espectadora, sinto-me
repleta de adrenalina.
O jogo acaba e toda a equipa volta
para a zona de jogadores. Há marcadores para afinar, estratégias para
discutir e sede para matar. As garrafas
de água vazias vão para a reciclagem,
para o lado de um enorme monte de
caixas de cartão onde vinham as bolas
que são usadas. “Usamos uma média
de quinze caixas por prova, cada caixa
tem 2000 bolas, é só fazer as contas”
- comenta Nuno Miguel.
Grande parte da equipa volta para o campo, mas Olavo Sousa fica
na zona de jogadores, pois um dos
marcadores precisa da sua atenção.
Curiosa, e sabendo que ele foi um
dos grandes difusores do Paintball
naquele grupo, pergunto-lhe como
é que ele tomou conhecimento do
desporto. “Foi um amigo meu, o Rui
Félix, que há uns dez anos atrás vendia material de desportos radicais.
Acabou por experimentar Paintball,
gostou e depois juntámos um grupo
de mais ou menos trinta pessoas que
formou um núcleo para comprar material em segunda mão.”
Começou por ser apenas um grupo
de amigos que ia jogar e, para juntar
dinheiro, organizava jogos recreativos em matas e depois numa fábrica
abandonada. Aos poucos, cada um
foi tendo oportunidade de jogar em
competição em vez de apenas em
recreativo e foram seduzidos. “A adrenalina é completamente diferente,
o próprio convívio com os outros
jogadores e temos oportunidade de
ir a outros lugares no país” - conta
Andreia Quitério.
Mais tarde criaram o NPU e, sendo Olavo Sousa da vila, juntaram-se
à Associação Recreativa e Cultural
da Usseira (A.R.C.U.), que lhes deu
todo o apoio necessário. Recebem
também ajuda monetária da Câmara
Municipal de Óbidos e contam com
mais de uma dúzia de patrocínios.
No fim-de-semana que se segue ao
do Open Lisboa, a população da Usseira organiza um grupo de pessoas
para rebocar as estruturas recuperadas pelo NPU. “Somos uma maisvalia. Trazemos mais vida à vila e
com o Open Centro iremos trazer
várias equipas para uma terra que
pouca gente sabe onde é” - reconhece
Elcio Araújo. “A população agradece
e retribui.”
Aproxima-se a hora do almoço e,
com isso, o fim do treino. Os jogadores prestam novamente atenção
aos equipamentos. Os marcadores
são limpos e comenta-se acerca do
torneio da próxima semana, porém
nada de muito sério. Haverá uma
reunião a meio da semana onde poderão discutir os últimos pormenores acerca da próxima fase.
O NPU encontra-se confiante para
as próximas fases mas, acima de tudo, querem divertir-se e beneficiar
a Usseira, uma localidade que tanto
os ajudou.
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | 23
DESPORTO
“Francis Obikwelu poderia ter atingido
marcas muito superiores nos 200 metros”
José Santos, responsável máximo da velocidade português, fala do percurso profissional do velocista e lança-lhe um desafio:
ajudar na promoção da modalidade junto dos jovens portugueses.
simão santana
Simão Santana
Qual o aspecto mais aliciante na personalidade de Francis Obikwelu?
O Francis Obikwelu é um atleta com grande convicção, com grande poder de trabalho,
muito profissional e por isso é que atingiu as
marcas que atingiu durante a sua carreira. É de
facto um atleta completo.
Quatro anos antes de Atenas, existiam esperanças na medalha de prata para Francis
Obikwelu?
O Francis Obikwelu já era um atleta de grande
nível mesmo quando ainda treinava com Fausto
Ribeiro em Portugal, quando atingiu o 3º lugar
no Campeonato do Mundo de Sevilha com uma
marca abaixo dos 20 segundos com apenas 22
ou 23 anos, de maneira que já se perspectivava
uma grande marca em Atenas. Contudo nunca
pensei que fosse nos 100 metros, apostava muito
mais nos 200 metros, mas a aposta incidiu nos
100 metros e o resultado foi positivo.
Nos Jogos Olímpicos de Pequim acreditava
que ele era capaz de vencer uma medalha
nos 100 metros?
Como responsável máximo da velocidade
em Portugal eu ia sentindo, ao longo deste
último ano, que o Francis Obikwelu não estava
nas devidas condições, pois não tinha atingido
marcas que justificassem ele ganhar uma medalha nos Jogos Olímpicos de Pequim. Mas a este
nível não se pode fazer futurologia, de maneira
que acreditámos sempre que ele pudesse estar
bem e que conseguisse chegar a mais uma final
olímpica. Não aconteceu… só lamento isso, mas
de certeza que ele se esforçou durante toda a
época para conseguir essa final que acabou por
não aparecer.
José Santos. “Era preciso ficarmos entre as 16 primeiras equipas mundiais, ficámos em 20º”
Obikwelu “tem uma
fase de aceleração,
uma velocidade
máxima muito forte”
Terá existido um excesso de confiança?
Eu nunca abordei isso com ele nem com a
treinadora dele, espanhola, nem mesmo em
conversas que tivemos no início de época quando me desloquei a Madrid. O que me foi dito
é que o Francis iria apostar nas provas indivi-
duais, primeiro os 100 metros e depois os 200.
Propus-lhe ainda várias vezes levarmos uma
equipa de estafeta a Pequim, porque tínhamos
uma estafeta muitíssimo boa e até poderíamos
alcançar uma final Olímpica, mas a primeira
opção era de facto estarmos nos Jogos Olímpicos. Era preciso ficarmos entre as 16 primeiras
equipas mundiais, ficámos em 20º lugar, não
conseguimos atingir esse objectivo. Penso que
não houve da parte de Francis Obikwelu uma
ajuda suficiente para isso acontecer, contudo
o objectivo dele era uma medalha nos Jogos
Olímpicos a nível individual.
Porque é que sendo um atleta vocacionado
para os 200 metros nunca conseguiu ter os
resultados que teve nos 100 metros?
Na minha perspectiva pessoal o Francis Obikwelu nos 200 metros teria atingido marcas
superiores e de melhor nível em relação aos 100
metros, primeiro porque ele não parte muito
bem, mas depois tem uma aceleração fortíssima e uma fase de velocidade máxima também
fortíssima. Ora não sendo ele um atleta que
parta muito bem, os 100 metros condicionamno, pois a distância é bastante curta. Nos 200
metros, mesmo não partindo tão bem, como
ele tem uma fase de aceleração, uma velocidade
máxima muito forte e uma resistência também
bastante significativa, penso que nos 200 metros
podia ser a disciplina que mais se adequasse.
O que pensa da decisão de não participar nos
200 metros em Pequim?
Eu não quero estar aqui a criar um clima de
instabilidade, até pelo respeito que eu tenho
pelos atletas e pelos treinadores, mas não sei
por que é que não participou nos 200 metros,
penso que o devia ter feito.
Aproveito para deixar aqui um recado a Francis Obikwelu, porque eu penso que ele podia
ser ainda muito útil à velocidade a Portugal,
pois é um ídolo para todos os jovens, por isso
podíamos aproveitar e, em conjunto com a
federação, criar um projecto de promoção da
disciplina junto dos jovens e das escolas. É um
desafio que eu lhe lanço, pois é um indivíduo
que sabe estar junto dos jovens, e eu posso-o
ajudar nesse projecto.
A própria fundação que ele está a criar no Algarve poderá ajudar a realizar esse desejo?
Também, como é lógico, pois é um atleta com
um bom carácter, é um atleta que gosta daquilo
que faz, é um atleta que quer promover a velocidade, mesmo num país que não é o dele mas
do qual ele gosta, de maneira que era bom que
ele pudesse contribuir para este projecto.
Simão Santana, estudante e atleta de alta competição
“O sucesso depende de mim”
Joana Mendes
Simão Santana, 19 anos, foi campeão nacional de andebol de júniores,
em 2007/08, pelo Centro Desportivo
de São Bernardo, em Aveiro. Passou
para o atletismo quase por acaso, assumindo o risco da mudança. Mas os
resultados da aposta já são visíveis:
recentemente assinou contrato com
o Futebol Clube do Porto. O jovem
atleta admite que este passo lhe dá
mais visibilidade. “Se não aproveitasse agora esta oportunidade, poderia
correr o risco de nunca mais voltar a
ter.” O aspecto monetário também é
importante: “No ano passado nunca
recebi salário, só recebi prémios por
medalhas.”
A oportunidade de passar para
o atletismo surgiu quando, um dia,
na pista de Aveiro, se deparou com
mário cordeiro
o técnico nacional de velocidade.
“Testou-me e gostou de me ver correr” – conta Simão. Depois, mais um
episódio de “sorte”. O seleccionador
olímpico do Brasil também estava em
Aveiro. “Ele fez dois treinos comigo
e disse ao meu actual treinador que
eu tinha um grande potencial e que
podia chegar abaixo dos 10 segundo
se 30 centésimos aos 100 metros.” Foi
nesse momento que decidiu mudar
do andebol para o atletismo.
A mudança para o atletismo coincidiu com o primeiro ano no ensino
superior. Simão Santana entrou para a
ESTA, para o curso de Comunicação
Social. “Foi complicado, porque houve uma altura em que eu não estava
a conciliar os treinos com a escola.” Hoje já consegue conciliar, mas
admite que “não é fácil”. Mas, como
quer “chegar longe no atletismo”, cada
vez mais aposta na organização do
seu tempo. Entre uma carreira como
atleta e como jornalista, escolhe a
primeira até porque tem o sonho de
chegar aos Jogos Olímpicos. Mesmo
assim reconhece que a sua faceta de
atleta pode ser importante numa carreira como jornalista desportivo.
Na qualidade de estreante na modalidade, Simão Santana começou a
época de atletismo em desvantagem
em relação aos outros atletas. Por isso,
começou a treinar dois meses antes
do que é normal. Começou a treinar
a 15 de Julho e, um mês depois, o
treinador admitiu a possibilidade de
Simão ir ao campeonato de Europa
deste ano com a Selecção Nacional.
O atleta tem clara noção do que isso
implica: “Tenho de trabalhar mais
que os outros para ser igual a eles.”
Entretanto Simão Santana lesionou-se. “Felizmente foi só uma rótula
deslocada, são três meses de paragem,
mas em velocidade é preciso ter paciência e já estou em recuperação.
Tenho pena de não estar na pista coberta, mas posso vir a estar numa pista ao ar livre. Eu acredito em mim até
não ter mais possibilidades. Continuo
a treinar mesmo que não esteja a cem
por cento. Quero ainda fazer algumas
provas na pista coberta nem que seja
para voltar à competição e ter algum
ritmo. O sucesso depende de mim e
é por isso que eu trabalho.”
24 | ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
DESPORTO
Marco Chagas, ex-ciclista e actual comentador desportivo da RTP1
Hugo Silva
“O ciclismo não é a ovelha
negra do desporto”
fala sobre o momento actual que o ciclismo atravessa, a nível internacional
e nacional. Aponta alguns dos problemas da modalidade e identifica jovens
talentos.
João Vasco Nunes
Como vê o actual momento do
ciclismo, depois dos inúmeros
escândalos de doping que se têm
registado na modalidade?
É provavelmente um dos momentos mais complicados da modalidade,
principalmente depois do que aconteceu na Volta a França há uns anos
atrás, com aquilo que se designou “
Caso Festina”. A partir daí foi tomado
um caminho, que eu nunca pensei
que fosse seguido, porque quando esse escândalo “rebentou” inicialmente
(final dos anos 90), quem andava na
modalidade percebia que havia uma
diferença entre os atletas, nomeadamente dos Portugueses para os
estrangeiros. Quando havia provas
internacionais, o nível com que eram
confrontados era um “choque” para
eles, e a mim, que já tinha participado
em inúmeras provas do estilo, custava-me um pouco porque nos últimos
anos senti já uma enorme diferença,
principalmente para a Espanha, que
o ciclismo não tinha antes. Mais tarde
isso veio a confirmar-se, quando se
percebeu a influência que os médicos tinham na modalidade, porque
o grande problema do ciclismo foi a
entrada de um conjunto de pessoas
(médicos conceituados do desporto),
que em vez de serem sérias, minaram
todo o ciclismo e passaram a ser as
grandes figuras das equipas, eram eles
que ganhavam mais e que ditavam as
leis dentro da equipa, passando os Directores Desportivos à margem disto.
Este foi o grande problema do ciclismo, porque se essas pessoas fossem
sérias e mandassem os corredores
trabalhar, se os acompanhassem e se
os apoiassem, tudo estaria bem. Nos
últimos anos não se conseguiu ultrapassar logo esta situação, tem havido
uma “luta” entre a evolução da “caça”
ao doping e a evolução em termos
científicos, da parte dos laboratórios e
desses médicos, para estarem sempre
um passo à frente. Acho que agora
está tudo equilibrado, e eles (médicos) começam a dar passos atrás, mas
durante os últimos oito, dez anos, foi
uma luta perdida e que marcou muito
a modalidade.
Esta polémica está a retirar credibilidade à modalidade e a tirar um
pouco da paixão que existia nos
“amantes” do ciclismo?
Sim, as pessoas ultimamente têm
dificuldade em perceber, mesmo que
se tente explicar, que o ciclismo não é a
“ovelha negra” do desporto. O ciclismo
foi a modalidade que andou sempre
na frente da luta contra o doping, mas
depois não tem sabido tirar partido disso, e nos momentos decisivos não tem
sabido dizer: não! Isto é fazer batota! Isto
não se pode fazer, ponto final.
O anunciado regresso de Lance Armstrong à competição pode ser o
“volte-face” nesta polémica?
Sim, o regresso de Lance é muito
importante. Acredito que ele tenha decidido voltar por isso mesmo, porque
havia a necessidade de fazer algo mais
pela modalidade, que só ele pode fazer.
Não há nenhum corredor neste momento que tenha o carisma de Lance.
Aos 37 anos, eu tenho dúvidas que ele
vá à Volta a França se não sentir que
está em condições de ganhar, mas só o
regresso dele já é muito bom.
Partindo para um panorama mais
Nacional, com que olhos viu os últi-
mos sucessos da Selecção Nacional
de Sub – 23, que triunfou na última
edição da Taça do Mundo. Acha
isto importante para o futuro do
ciclismo Nacional?
Sim, é muito importante. A categoria de Sub – 23 anos tem alguns
corredores de grande qualidade, o
Rui Costa é um corredor excepcional,
o Vítor Rodrigues é muito bom também, depois tem ali mais um conjunto de mais quatro ou cinco corredores
também de destaque.
Aproveitando o exemplo de Rui
Costa, qual o futuro que prevê para
o corredor; poderá ser um Joaquim
Agostinho, ou até mesmo um próprio Marco Chagas no futuro?
O Rui tem um potencial enorme,
ele consegue associar um conjunto de
pormenores importantíssimos para
ser um corredor bom: é inteligente, é
completo, anda bem no contra-relógio,
o que é fundamental, passa bem as
subidas, mesmo tecnicamente é bom
também. E eu tenho uma boa referência, que é o sítio onde ele trabalhou. Ele
começou no Santa Maria da Feira (Feirense) e o Manuel Correia, que é o responsável pela equipa, rapaz de quem
eu tenho o prazer de ser amigo e que
foi meu colega de equipa no Sporting
e que trabalha muito bem os miúdos, é
provavelmente o que trabalha melhor
os jovens até este escalão. Ele disse-me
algo que sempre tenho como referência, que dos corredores todos que lhe
passaram pelas mãos, o Rui Costa é
claramente o melhor. Houve ali um
período que ele baixou nitidamente
de forma, talvez por opção estratégica,
mas nos momentos decisivos esteve
bem e é realmente um corredor bom.
Eu, pessoalmente, gosto.
D.R.
Marco Chagas. ”O grande problema foi a entrada de pessoas que, em vez de serem sérias, minaram o ciclismo”
Ruben Gamito, campeão nacional
“Ser feliz e andar
de skate até não
poder mais”
Cláudia Oliveira
Foi no Bairro das Flores, em Santo André, que Ruben Gamito, actual
campeão nacional de skate, viu pela
primeira vez um skate. Tinha na
altura 10 anos. “Quando ia para a
escola via sempre lá um grupo de jovens, meus amigos, a andar e comecei a gostar daquilo, um dia cheguei
a casa e pedi um skate ao meu pai,
quando fiz anos ele ofereceu-me
um skate todo novo. A partir dai
pratiquei sempre, até hoje”.
E hoje, com 21 anos, é o actual
campeão nacional da modalidade.
“Em 2002 fui campeão nacional
iniciante, em 2005 fui vice campeão
amador, em 2006 fui vice campeão
nacional e em 2008 fui campeão
nacional da categoria profissional”,
conta.
Afastado das grandes comunidades do skate nacional, a vitória
do título mudou muita coisa na
sua vida, nomeadamente a nível
da obtenção de patrocínios, uma
ajuda fundamental uma vez que
contribuem com material técnico
(tábuas), equipamento e ténis. “O
facto de andar com skates novos é
bastante importante”, frisa.
Mesmo assim Ruben Gami-
to afirma ser impossível pagar as
contas com o skate em Portugal:
“Os patrocinadores não conseguem
pagar aos skaters mensalmente o
ordenado mínimo, mas lá fora já se
torna possível”. Apesar disso o actual campeão nacional considera que
esta é uma modalidade que está a
crescer no nosso país. “Antigamente
não havia tanto conhecimento sobre
o skate, não havia tantos jovens a
andar e hoje em dia os praticantes
são cada vez mais”, afirma. E continua: “As pessoas ainda vêem o skate
como um acto de vandalismo, não
é um desporto muito bem aceite
pelas pessoas”. Para inverter esta
situação seria importante apostar na
divulgação deste desporto e contar
com mais apoios das câmaras municipais, nomeadamente através
da criação de mais skateparks e a
promoção de eventos relacionados
com esta modalidade.
A nível pessoal, para o futuro,
Ruben Gamito quer continuar para sempre ligado a este desporto.
“Daqui a 20 anos acho que já não
consigo andar de skate, mas quero
ficar sempre ligado ao skate!”, afirma. E se tivesse direito a três desejos
o actual campeão nacional só necessitaria de dois: “Ser feliz e andar de
skate até não poder mais”.
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | 25
ESTA
Abertura do ano lectivo na ESTA
Qual o futuro do ensino superior?
liliano pucarinho
Sílvia Carola
“Nos nossos dias um curso superior
não garante nada. É bom que vocês
tenham consciência disso”. Este foi o
aviso deixado por Miguel Pinto dos
Santos, director da Escola Superior de
Tecnologia de Abrantes (ESTA), na
cerimónia de abertura do ano lectivo
do curso de Comunicação Social.
Um cenário cada vez mais sombrio? Provavelmente sim. Com a
evolução da sociedade moderna,
cada vez mais os jovens ingressam
na universidade. O director da ESTA
teceu considerações em relação a esta
situação: “à medida que a incidência
de licenciados em toda a população
de países mais desenvolvidos (como
a Finlândia, a Dinamarca ou a Suécia) ultrapassa os 30%, e em Portugal
estamos aproximadamente nos 20%,
o número de operários licenciados
aumenta significativamente”.
Miguel Pinto dos Santos deixou
ainda um alerta: “a licenciatura
deixa de garantir um desempenho
de cargos de chefia ou de técnicos
superiores como até aqui.” Pode-se
depreender de todas estas afirmações
que os estudantes devem tornar-se
polivalentes e flexíveis, dado que se
deve “desempenhar várias tarefas no
mesmo emprego”, “inovar a função”,
e “mudar cinco, 10, 15 vezes de emprego”.
É que, ao contrário de há décadas atrás, onde somente uma elite
frequentava o ensino superior, e lhe
eram garantidos emprego e pertença
a uma classe média desafogada, hoje
em dia, com a democratização do
Licenciados. Alunos formados pela ESTA voltaram à escola para falar da entrada no mercado de trabalho
ensino, a concorrência e a competição
são cada vez maiores. Isso leva os
novos licenciados a necessitar de uma
grande versatilidade e de ganhar cada
vez mais competências para enfrentar
outras pessoas com as mesmas habilitações a concorrer ao mesmo posto
de trabalho.
Estas foram precisamente algumas das dificuldades relatadas
pelos três ex-alunos convidados
para partilharem com os actuais
alunos da ESTA as suas experiências profissionais. João Damasceno, Sónia Matos, Bruno Ribeiro.
Foram estes os ex-alunos convidados
a dar o seu testemunho acerca da sua
entrada na vida profissional, depois
de terminado o curso de Comunicação Social na ESTA, na cerimónia de
abertura do ano lectivo em curso. E
todos eles, no seu discurso, alertam
para as dificuldades no mundo do
trabalho.
“Temos que ser auto-didactas”.
Sónia Matos, directora de contas na
Multicom, resume nesta frase o essencial do seu pensamento acerca do que
terá que ser a vida após a formatura.
Há que tentar “absorver ao máximo”,
segundo ela, que acrescenta ainda que
é necessário “ter muita humildade” e
trabalhar muitas horas, mesmo quando não são remuneradas. Para quê?
Para crescer como profissional.
Bruno Ribeiro, jornalista de
desporto na TSF, reflecte sobre as
principais dificuldades na entrada
no mundo profissional da comunicação social. São essencialmente
duas coisas, sendo elas a pressão e a
concorrência, os “piores inimigos” do
jovem profissional. Pressão devido
à responsabilidade da informação
exacta e concorrência entre “colegas
As ligações entre a política e os Media
liliano pucarinho
José Luis Dader, professor catedrático em
Jornalismo da Universidade Complutense de
Madrid, foi o convidado especial da cerimónia
da abertura do ano lectivo de Comunicação Social da ESTA. O especialista identificou as novas
tendências que influenciam o processo político,
nomeadamente ao nível da comunicação. Para
isso, recorreu a casos concretos e mostrou alguns
dos novos instrumentos que estão a ser usados,
como foi o caso de vídeos de campanha e de
“comic books”.
Sob o tema de “Opinião Pública e Eleições sob
o Contexto Mediático dos Desafios Actuais da
Tecnopolítica em Campanhas”, José Luis Dader,
especialista em Comunicação Política, explicou
que algo de vital no conceito de política é a capacidade dos líderes saberem estar em frente às
câmaras. O político tem de “ser capaz de, em dez
segundos, dizer uma frase chamativa” que “no
dia seguinte todos os media a apresentem como o
grande destaque”. Estas novas formas de discurso
são apelidadas de “soundbytes”.
Para José Luis Dader, o fenómeno da ciberdemocracia não implica que se esteja a produzir
maior reflexão. “O que se está a produzir é o
aumento do circo mediático, onde a política e os
novos híbridos nos dão uma nova forma de apresentar a actividade política.” No lugar da política
de intervenção séria, surgem novas “personagens
José Luis Dader, Professor de Jornalismo
híbridas, que são uma fusão de jornalistas e humoristas”. E este elemento surge através de espaços
humorísticos, com “uma visão da política muito
caricaturada”.
José Luis dader abordou também o fenómeno
Youtubemania, que permite que o cidadão comum dê a sua opinião. Segundo José Luis Dader,
este efeito abre um espaço “onde a seriedade e o
humor, a exactidão e a falsidade, tudo será ouvi-
do, tudo será mesclado”. Mas o Youtube não está
sozinho, e aí surgem os meios de comunicação
tradicionais. Os vídeos são colocados na rede, mas
sofrerão de uma multiplicação de “downloads” se
forem referenciados, por exemplo, na televisão.
Surge ainda a tendência de que “o uso das
emoções se pode usar em todos os sentidos,
podem-se usar emoções para atacar os outros, e
também se podem usar emoções para defender
os próprios interesses”. O professor de Jornalismo recorreu ao exemplo de um vídeo musical
defensor da campanha presidencial de Barack
Obama (“Yes We Can”), para demonstrar como
se pode “puxar” pelo sentimento dos possíveis
eleitores.
José Luis Dader deu, ainda, uma aula aberta de
Jornalismo. Para o Professor Catedrático, “o mais
importante para o jornalista é ser clarividente” e
ser “capaz de descobrir quais são as chaves interpretativas do que está a ocorrer”, ao invés de
recorrer ao sentimentalismo ou a um “sectarismo
ideológico”. Diz ainda que os jornalistas se sentem assustados com a baixa do lucro comercial
das suas antigas fórmulas. Na sua opinião, isso
traduz-se no seguimento de uma “simplicidade
inconsciente” com a “compaixão afectiva ou a
frívola adulação das curiosidades banais” insubstanciais, como, por exemplo, novidades rotineiras
das celebridades. S.C.
e órgãos”.
Também João Damasceno, assessor
de comunicação da Lift Consulting,
faz uma reflexão sobre o que considera a entrada no mundo do trabalho, comentando que “há histórias
de pessoas que chegam às redacções”
sem qualquer tipo de apoio. É-lhes
“atribuído” um jornalista sénior para
coordenar o estágio, mas, na maior
parte das vezes, “ele está-se borrifando para o estagiário”.
Fazendo uma retrospectiva do
tempo que passaram na ESTA, os exalunos foram bem claros na sua opinião. Bruno Ribeiro considera que os
alunos desta Escola têm muita sorte:
“Nós estamos aqui numa conchinha,
somos acarinhados, somos amados
pelos professores, pelos nossos colegas”. João Damasceno acrescenta que
a ESTA “é a minha casa, será sempre
a minha casa”. E Sónia Matos partilha
da mesma opinião: “Aproveitem o que
a cidade tem para vos dar e o que os
professores têm para vos dar, que não
encontram isso em lado nenhum.”
A ex-aluna continua, realçando que
a escola tem como potencialidades
“um jornal e um site, professores que
estão sempre em contacto com exalunos, estúdios de televisão, estúdios
de rádio”. E diz ainda que há algo com
grande importância, que são os estágios. “Aproveitem os estágios, não os
levem de ânimo leve, pensando que é
mais um estágio e que não vão ficar”.
Mas diz, em jeito de encorajamento,
“muitos não ficam, mas em 100 há
um que fica sempre. E eu fiquei.”
Web Marketing em
foco na ESTA
O potencial das novas tecnologias Web no
desenvolvimento das acções de Comunicação e
Marketing, num contexto onde são criadas semanalmente mais de dez milhões de novos sites,
foi o tema da conferência sobre Web Marketing
que decorreu em Dezembro, na ESTA, com o
especialista na área, João Neves, que mostrou quais
os instrumentos e técnicas utilizados para assinalar
a existência e posicionamento de empresas na
Internet. Através de técnicas de Web Marketing,
João Neves explicou que para que o nosso blog
ou site de empresa seja visto e venda, a estratégia
é simples: “O que colocamos on-line têm que ser
visto pelas pessoas, que são potenciais visitantes
e/ou compradores dos nossos produtos”. Quando é
colocada uma palavra-chave numa ferramenta de
busca ligada à Internet, existem sites que aparecem
em topo, outras usam palavras ou conceitos chave
através do SEO – Search Engine Optimization.
Existem empresas das mais variadas áreas comerciais que utilizam estas técnicas, pois conseguem,
com poucos meios financeiros, chegar mais facilmente ao público-alvo pretendido. João Neves
referiu ainda que “compensa mais criar um site
pensando no SEO ou num bom conceito para
difundir a mensagem pretendida do que pagar
para aparecer no topo da pesquisa e o público-alvo
saber que se está a pagar por isso”. A.R.P.
26 | ESTA JORNAL • 30 de Janeiro de 2009
CONCURSO
Lagar tradicional em 3Dimensões
Sílvia Carola
Sílvia Carola
O lagar de azeite da Ortiga, em
Mação, tem uma particularidade já
difícil de encontrar. Mantém-se a
trabalhar de uma forma tradicional.
Evoluiu muito na parte da higiene,
a nível do processo do produto”: o
azeite “vai para depósitos de inox
enquanto antes eram umas coisas
de chapa” e a parte do encapachador é feito com uma máquina e já
não com uma pá.
É um longo processo. Carlos
Filipe, mestre do lagar, aluno da
ESTA e o grande responsável pela
participação este ano da escola no
Solidworks design contest (ver entrevista em baixo), diz que no lagar
têm que “ter atenção de como é
dada a entrada da azeitona”. Depois
tem que ser armazenada “de forma
a que ela não perca as qualidades e
conserva-se dentro de água e sal
para não apodrecer”.
Futuro. A manutenção das máquinas é o principal problema
O processo seguinte é da lavagem
nos tanques, de onde sai para ser
moída. “Quando é lavada vai para dentro da tremonha”. Depois, a
tremonha, quando se abre, liberta
a azeitona para o moinho, onde
esta é moída até “ficar com uma
dimensão reduzida”.
Depois, diz o mestre, “temos
experiências de espessura, vemos
se está numa espécie de espessura
aceitável. A partir daí vai para a
zona de aquecimento da massa,”,
onde fica com “uma temperatura
na ordem dos 28o”.
Posteriormente é enceirada e
vai para debaixo da prensa, onde é
prensada “até uma pressão de 350
kg por m2. Com essa força, o líquido é separado da parte sólida
e o conjunto de líquido vai para
dentro da tarefa”.
Na tarefa, por diferença de densidades, o azeite, estando misturado
com água a cerca de 30o, vem ao
de cimo e separa-se da água. Carlos Filipe refere que a partir daí “o
azeite é todo tratado manualmente.
Vai para dentro de outro depósito
chamado ‘banho’, onde é lavado
para retirar as partículas sólidas
que possam ainda ir”. De seguida,
o azeite vai para os depósitos “de
captação de líquido”, onde “está dois
ou três dias a repousar”, e então vai
para os “depósitos finais”. A partir
daí “é para o consumidor”.
Carlos Filipe declara que as perspectivas de futuro para o lagar não
são favoráveis. “O grande problema
é a nível da manutenção”. Porque
as máquinas já não se fabricam,
torna-se mais difícil a manutenção
das mesmas. “Há que tomar uma
decisão a curto prazo. É pena parar
este processo tradicional mas não
há, para já, metalurgia nesta área de
processo tradicional”. Além disso,
as “novas normas não acautelaram
os pequenos processos tradicionais. Foram pensados processos
industriais” e não “as pequenas indústrias tradicionais”, que estão “a
levar por tabela porque há coisas
que muitas vezes são impossíveis
de cumprir uma vez que não há
verbas que possam suportar esse
investimento”.
“Já somos uma referência
em termos de design técnico”
Este ano a ESTA volta a marcar presença no SolidWorks design contest. Carlos Filipe, do 2º ano de Engenharia Mecânica, vai ser
o representante da escola com o projecto de um lagar. Luís Miguel Ferreira, o professor responsável pelo acompanhamento do
projecto, explica a importância desta iniciativa para a ESTA.
hália costa santos
Este projecto consiste na aplicação do software SolidWorks. Porquê escolher um lagar
de azeite?
Este tema foi proposto pelo aluno. Como era
uma ideia nova e interessante, porque ninguém
fez nada disso em termos de concurso, o aluno
propôs e visto que ele trabalhava lá, se conseguia
conciliar a parte profissional dele com a parte
interessante também para o curso, foi uma
opção fácil de tomar.
Pode explicar o projecto que se está a preparar para o concurso?
A estrutura é toda desenhada em 3D, os componentes são todos desenhados, depois são
todos montados na mesma ordem e nas mesmas
posições em que está efectivamente construído,
neste caso o lagar. Em relação à elaboração propriamente dita do projecto, o aluno é que sabe,
porque percebo pouco do equipamento. É dos
poucos lagares a trabalhar tradicionalmente, são
equipamentos com 50 ou mais anos.
Em que consiste o processo do concurso?
Até ao ano passado, a última vez que participámos, nos moldes em que estava, consistia em
construir modelos, inovadores ou não, em 3D.
Há vários tipos de fases. Há a parte de modelação 3D simples, a parte da análise em elementos
finitos (que também é uma parte em que se
calculam as estruturas), há também a parte das
imagens fotorealistas, ou seja, uma série de fases
a que se pode concorrer. Nós só concorremos à
parte estrutural, não é nada inovador, é inovador sim o projecto que apresentamos.
Quais são os antecedentes da participação da
escola neste concurso?
Só houve uma vez em que participámos e que
não ganhámos nada, no ano passado. Até agora
A nível internacioanl,
a ESTA é a escola mais
premiada do mundo
no SolidWorks, um
software topo de gama
Luís Miguel Ferreira. O que é inovador não é a parte estrutural, mas sim o próprio projecto
tivemos uma menção honrosa, um terceiro
lugar e um primeiro lugar, a nível internacional,
o que faz de nós a escola mais premiada de todo
o mundo a nível de SolidWorks.
Qual é a componente mais aliciante do projecto?
Para já o software em si é aliciante para os
alunos. A maioria dos alunos gosta de trabalhar porque vê o trabalho, é um software topo
de gama, vê o trabalho a mover-se, é como se
estivéssemos realmente a construir algo. Não
é muito difícil motivar as pessoas para isto, é
muito engraçado de fazer.
E a motivação do concurso?
É ser uma mais-valia para o currículo de
um aluno. Por exemplo, eu fui contactado por
empresas interessadas em contratar os alunos
que ganharam o concurso há dois anos. Eles não
foram, mas porque tinham acabado de iniciar
o curso. Foram imediatamente contactados
porque há uma divulgação a nível mundial
destes resultados.
Quais são as principais dificuldades que
encontra?
É estarmos a concorrer com escolas de todo
o mundo. Todas as escolas têm SolidWorks,
desde escolas técnico-profissionais a universidades. Todas participam. Japão, América - só
na América são imensas -, Europa: Espanha,
Itália, França, Alemanha... E somos, creio, nós
Portugal, o país com mais prémios. E nós somos
a Escola que mais ganhou. Numa escola com
um curso com apenas sete anos é obra. Já somos
uma escola de referência.
Que importância é que este concurso tem
para a ESTA e para a sua comunidade escolar?
A ESTA já é uma referência em termos de
design técnico, em termos de SolidWorks. Para
além dos prémios que ganhámos, vamos também agora abrir cursos de SolidWorks para o
exterior, não só dados no curso de Mecânica,
mas também para as empresas virem. Empresas
e não só, quem quer que esteja disposto a aprender. E esses concursos dão-nos essa divulgação.
Dá-nos esse prestígio de sermos capazes e de
sermos dos melhores do mundo a trabalhar
neste tipo de ferramenta. S.C.
30 de Janeiro de 2009 • ESTA JORNAL | 27
CRIATIVIDADE
Algures numa praça
Renato Lopes
Algures numa praça vozes miudinhas enchem
o ambiente. O cheiro a café domina e o vento
empurra as preocupações de forma leve e despreocupada. Nessa praça há um rapaz perdido
das suas raízes, que é balançado para trás e para a
frente pelos empurrões estranhos e os tropeções
violentos. Inevitavelmente, cai. Cai mas não se
levanta. Cai mas continua estendido pela calçada
num gesto que confirma uma hesitação; um sinal
de derrota.
Uma mão vinda e cheia de nada surge como
mote para esperança nos olhos do pequeno
rapaz, que os ergue em direcção ao vazio. Que
vê ele? Uma silhueta tapada pela luz, destinada
a causar desilusão. A mão chega mais perto mas
muda subitamente de direcção para apanhar
A praça
do Chave
uma moeda caída, soltando um sorriso matreiro de cor branca na face ofuscada.
Os olhos enchem-se de lágrimas e o miúdo
caído murmura algumas palavras que se desintegram no vazio silencioso da multidão, sem
chegarem ao seu receptor, que já vai acolá, em
passo apressado na direcção de uma tabacaria.
O miúdo agarra o calçado com unhas de fera
e exerce uma pressão superior à sua capacidade e consegue pôr-se de joelhos para chorar
o momento em que largou a mão da mãe,
orientadora e educadora deste futuro cidadão
que se afogou na sociedade.
Enxuga as lágrimas num lenço que esvoaçava
perto, preso a uma árvore, e olha em redor mais
uma vez. Parece ver a mãe ali ao fundo, a entrar
numa pastelaria. Corre com todas as forças, mas
a meio caminho, parece vê-la de onde viera,
a cruzar uma passadeira em direcção a outra
praça mais abaixo. Perde-a de vista. Sente-se
confuso e perdido. Olha em redor esperançoso
e vê-a ao fundo a entrar num pequeno café após
uma passadeira ao lado esquerdo. Vira o olhar
em frente e vê-a a entrar numa papelaria. Volta
novamente e vê-a numa esplanada logo a seguir.
Vê-a em dois sítios quase ao mesmo tempo e
sente-se desorientado. Sente-se um mendigo
vagante na areia de um deserto grande, sob o Sol
do meio-dia, também, e com sinais de fome.
Cai mais uma vez. Cai, não; senta-se. Senta-se
num dos degraus gigantes que fazem a divisão da
praça. Ao seu lado uma estátua de pedra confortao, dizendo que a sua mãe virá em breve com um
sorriso no rosto, uma mão esticada e uma aura
radiante. Mas o rapaz não acredita. A ingenuidade
e a inocência de criança já não é suficiente para o
fazer acreditar numa esperança vã, numa ilusão, e
cai na realidade. A estátua cala-se, as silhuetas da
mãe desaparecem e o lenço desfaz-se em partículas minúsculas ao sabor do vento, rapidamente
substituído por um Sol escaldante.
O rapaz imprime uma cara triste e um olhar vago,
vazio, reflectindo claramente os seus sentimentos, a
sua paranóia e desespero pessoal… Um outro rapaz
passa a comer um pastel de nata de mão agarrada à
mãe. Faz-lhe inveja e olha-o. O rapaz anónimo sente
raiva pelo seu infortúnio e revolta-se. Pega numa
pedra e atira à cabeça do idiota feliz inconsciente da
sua sorte. A mão cai, a pedra voa, a cabeça abre-se, o
corpo jaz no chão e o sangue espalha-se na calçada.
Gritos. Gritos. Gritos. Gritos e berros. Drama e
horror. Desespero e raiva, e um rapaz de pescoço
cortado ao pé de uma montra partida, ouvindo feliz
o choro da sua mãe a seu lado.
Passagem
onde Fico
renato lopes
Marina Araújo
Sara Pereira
Ele nunca soubera o verdadeiro nome
daquela praça. Sempre lhe tinham dito a
“praça do Chave” e era assim que ele a conhecia. Passara ali muitos dos seus tempos
de estudante, rindo, bebendo café, “curtindo”
(e por vezes aturando) bebedeiras, e por
vezes – muito poucas –, estudando. Agora
voltava ali e tinha de dizer que era, tal como
se lembrava, um lugar agradável, acolhedor
onde numa agradável manhã de Outono as
pessoas se reuniam.
Normalmente agraciada por uma suave
brisa – coisa rara naquela abafada cidade
– era uma praça repleta de cafés, onde o
doce tradicional era vendido aos turistas,
entre bolos de aspecto mais artificial. Entre
eles, lojas de toldos coloridos viviam a sua
rotina matinal e, nas esplanadas, pessoas
conviviam, bebendo café, comendo bolos e
outras iguarias.
Sentado na esplanada do Chave (o café que
dava o nome à praça) ele mesmo deliciavase com o café, numa xícara que, talvez, há
muitos anos atrás, já passara pelos seus lábios.
Suspirou, sorriu e cheirou o ar límpido e claro
daquela manhã de Outono. Só no momento
percebeu o quanto sentira falta daquela cidade, só então percebeu o quanto amar – e
ainda amava – aquela praça.
Acabou de beber e levantou-se. A caminho,
viu uma placa com o nome da praça. Sorriu.
Afinal não era a praça do Chave, mas sim
Barão Batalha… Encolheu os ombros. “Uma
rosa por qualquer outro nome, cheiraria
igualmente bem” dizia Shakespeare. Sem
ofensa ao grande bardo, mas para ele aquela
praça não seria a mesma se ela não a continuasse a chamar “a praça do Chave”.
Numa hora surpreendente, fui guiada para um
lugar que é já parte de mim, onde cresci, onde
corri atrás dos pombos quando os havia, onde
caí e esfolei os joelhos e onde me refugio quando
agora caio e esfolo a alma. Já passou. Aqui já assisti
a alguns dos momentos desta cidade, com amigos
que não se esquecem.
Já passou. E agora, o que me traz a esta praça que
é o coração que pulsa para fazer Abrantes viver,
bombeando gente nas várias direcções, numa lufalufa diária? O que me traz? E o que vejo?
“Olá Dona… como vai essa saúde? Oh, uns
dias piores, outros assim-assim, que dias melhores
tardam”. “Olhe, para mim era uma água e um café
curto”. Momentos a que nunca dei atenção mas
que hoje, por alguma razão, ecoam alto. Alguém
que já aqui passou uma milhena de vezes, como
eu, hoje passa a ver este lugar com mil olhos.
Já passou. Tenho de filtrar tudo o que me chega,
uma coisa de cada vez. Sinto uma febre pessoana
de sentir tudo de todas as maneiras. Autocontrolo.
Uma coisa de cada vez.
O ruído aumenta à medida que chega a hora
dos intervalos da manhã. Motivações diferentes
trazem pessoas diferentes e só se quedam aqueles
que estão presos nas escadas que dividem a praça,
numa mudez de bronze. As três pastelarias nas
suas costas, a “Mercearia”, a “Demorada”, a “Nova
Iorque”, rebaptizadas entre risos e groselha fresca.
Já passou.
Aliás, tudo passa nesta praça de passagem onde
os únicos que ficaram foram o senhor de idade,
sozinho; o jovem descontraído, que esperará alguém; a mãe que segura o filho pelo cós das calças,
inconsciente de que ele nunca se afastará muito; e
o meu coração, preso a este coração citadino por
um elástico: por muito que se afaste daqui, sempre
voltará e mais rapidamente do que partiu.
XIX ARTEC, em Tomar, para enriquecer a cultura gráfica
SUPORTES é o tema do XIX ARTEC, um simpósio organizado pelos
alunos de Design e Tecnologia das
Artes Gráficas, do IPT. O evento vai
decorrer nos dias 20 e 21 de Abril, em
Tomar, e pretende “proporcionar a
todos que neles participam, de forma
activa ou passiva, uma visão alargada
sobre novas soluções de impressão
em suportes high tec”.
De acordo com a organização do
simpósium, o tema SUPORTES foi
escolhido por ser “universal e, naturalmente, por dizer respeito a todos
os que aprendem e ensinam design
gráfico ou o exercem em consciência”.
Por outro lado, o facto de os suportes
terem evoluído, ao longo dos últimos
anos, a “um ritmo vertiginoso”, justifica o debate.
Os alunos que estão a organizar o
ARTEC deste ano sublinham que “a
indústria gráfica, juntamente com os
seus suportes, têm vindo a incorporar
e a tirar partido do desenvolvimento
tecnológico, que lhe permite agora
ter novas formas de impressão que
há poucos anos atrás seriam impensáveis”.
Esta é a 19ª vez que os estudantes
de Artes Gráficas apresentam esta
iniciativa. Para além do tema geral,
no evento serão também abordadas
questões como o manuseamento,
acondicionamento, tintas e processos. O que se pretende é “permitir que
empresários, profissionais e alunos
possam interagir de forma serena,
troacndo conhecimentos e enriquecendo a sua cultura gráfica”.
esta
J O R N A L
Sexta-Feira, 30 de Janeiro de 2009
Reduzir a Sinistralidade Rodoviária:
Construir um novo Mapa Mental
dos condutores portugueses
Uma reflexão sobre as
causas e uma possível
abordagem para alterar os
comportamentos perigosos
dos condutores portugueses,
reduzindo os excessos de
velocidade e a consequente
sinistralidade rodoviária.
A sinistralidade rodoviária em Portugal
constitui um flagelo que coloca o país num
dos piores lugares na União Europeia nesta
matéria. As consequências sociais - traduzidas anualmente por centenas de mortes e
milhares de feridos - e económicas, assumem
uma dimensão nacional que motiva o investimento realizado no combate a este drama,
tanto ao nível das condições das infra-estruturas rodoviárias, como ao nível da prevenção
e sensibilização dos condutores.
Uma das principais causas desta sinistralidade encontra-se no excesso de velocidade
praticada pelos condutores portugueses.
As campanhas de sensibilização para a prevenção rodoviária têm assentado na premissa
que os condutores necessitam de informação
para alterarem os seus comportamentos perigosos. As mensagens construídas nesta
perspectiva podem resumir-se em duas tipologias:
a) Informação sobre o quadro normativo
e regras de segurança;
b) Informação sobre as consequências da
condução perigosa.
Esta abordagem tradicional assume, que o
comportamento do condutor é um comportamento racional sistémico, determinado pelo
conhecimento e pela informação disponível
- tanto sobre o quadro normativo como das
consequências negativas de uma condução
perigosa.
Parece-nos, contudo, que os condutores
não só dispõem da informação essencial
sobre as normas de conduta (transmitidas
desde o ensino da escola de condução até à
sinalização nas estradas) como têm perfeita
consciência das consequências de uma condução perigosa sobre vidas, saúde e bens.
Importa pois identificar outras causas para
a continuada prática da condução perigosa,
designadamente, da condução com excesso
de velocidade.
Propõe-se que o paradigma da informação
e da sensibilização que tem caracterizado o
grosso do esforço realizado na prevenção
rodoviária, seja substituído integralmente por
uma abordagem nova, perspectivando o problema na óptica do paradigma do poder.
Da reflexão e análise sobre as causas da
condução perigosa, designadamente do excesso de velocidade, concluiu-se que essa
prática perdura porque os condutores simplesmente acham que podem praticá-la, isto
é, que dispõem do poder para o fazer.
Teoricamente, o comportamento individual é controlado e formatado em sociedade
através de um conjunto de mecanismos de
controlo e pressão social e de dinâmicas de
grupo. Esses mecanismos podem ser mais ou
menos formalizados, designadamente através
de quadros normativos legais, aceiteis pelo
colectivo. O Código da Estrada enquadra-se
nesta categoria normas, procurando regular
o comportamento individual no contexto da
dinâmica de grupo patente na organização
do trânsito.
O problema do desvio comportamental
começa quando o condutor entra na sua viatura, assumindo que - na perspectiva do seu
mapa mental - está a entrar no seu - reino -,
num domínio próprio onde a força do quadro
normativo e da pressão social diminuem e
onde o seu poder individual se sobrepõe ao
poder dos restantes sujeitos.
Ou seja, o condutor sente que dispõe de
A mensagem a dirigir
ao sector automóvel é
claramente um apelo à
responsabilidade
um poder individual - enquanto recurso seu
- com uma força superior ao poder atribuído
ao quadro normativo e aos mecanismos disponíveis para a sua implementação e fiscalização. A afirmação e demonstração desse poder
passam a ser requisitos da afirmação do seu
ego perante os outros, e como uma aparente
evidência de libertação do condutor face às
limitações e restrições impostas pelo colectivo. O risco para a segurança individual é um
elemento percebido mas integrante - e talvez
indispensável - para este mapa mental.
Esta imagem de poder individual - que
não deve ser confundida com o conceito de
impunidade, pois o indivíduo sabe que pode
ser punido - é reforçada quer pela competitividade, comparação e imitação com os
restantes condutores individuais, como pela
comparação entre os recursos de que dispõe
para afirmar esse poder individual face aos
recursos disponibilizados a quem foi atribuído o poder de controlo e fiscalização das
normas aplicáveis.
No mapa mental dos condutores estes recursos de poder individual são ainda exacerbados, por exemplo, pela imagem que é
construída pela publicidade aos veículos que
conduzem, projectada em realidades virtuais
de super-heróis e personagens estereotipadas
e socialmente reconhecidas.
Novo Mapa Mental
Propõe-se assim uma abordagem assente
na reconfiguração deste mapa mental dos
condutores, procurando já não a assimilação
de mais informação e conhecimento, mas
uma verdadeira mudança comportamental
baseada numa diferente percepção do papel
individual e num maior equilíbrio entre o
poder individual e o poder atribuído ao contexto colectivo.
Mais do que desenvolver novas campanhas
de comunicação, de publicidade, de sensibilização, etc., com variações nas mensagens
ou nas estratégias de meios, defende-se a
necessidade de adoptar uma estratégia multifacetada baseada na mudança dos elementos
do processo de comunicação tradicionais, importando envolver neste processo os agentes
mais relevantes na formação do mapa mental
do condutor.
Se for verdade que o problema dos comportamentos rodoviários de risco derivam
de um Mapa Mental assente na imagem do
poder individual em conflito com o poder
colectivo, devemos concluir que as mensagens têm sido transmitidas por entidades
que representam esse poder colectivo. Ou
seja, as mensagens têm sido transmitidas por
entidades que representam o poder oposto ao
que determina o comportamento individual.
Assume-se que esta hipótese constitui um
forte bloqueio na aceitação e eficácia das
próprias mensagens.
Por outro lado, admitindo como verdadeiro que esse Mapa Mental é potenciado
pelas características percebidas dos próprios veículos e que essas características
são geralmente comunicadas pelas próprias
marcas automóveis nos seus anúncios, então
devemos concluir que a origem do problema
pode residir precisamente aqui.
Uma análise das mensagens publicitárias
veiculadas pelas marcas automóveis permite
identificar a construção destas realidades
virtuais em que os veículos, em muitos casos,
assumem ou conferem super-poderes aos
seus condutores. Na maioria destes casos,
os próprios anúncios violam as regras do
código da estrada e as normas prudenciais,
induzindo comportamentos dos condutores
reais análogos aos comportamentos ficcionados no mundo virtual da publicidade. E
o excesso de velocidade (quer normativo,
quer prudencial) é notório em muitos destes
anúncios.
A nossa proposta passa por este ponto
fundamental: a prevenção rodoviária deve
começar pelos próprios anunciantes da indústria automóvel que constroem boa parte
do imaginário do condutor e do seu Mapa
Mental.
O esforço das entidades competentes pela
prevenção rodoviária deve pois ser deslocado
e em vez de se dirigir ao condutor, deve focarse nos anunciantes do sector automóvel que,
além do mais, dispõem de meios muito mais
significativos para investimento em publicidade. Logo, a capacidade de promover um
novo Mapa Mental dos condutores é superior
aos investimentos relativamente marginais
realizados através das campanhas tradicionais
de prevenção rodoviária.
A mensagem a dirigir a este sector é claramente um apelo à responsabilidade corporativa e social que a indústria automóvel deve
assumir perante este problema.
Preconiza-se, por exemplo, a criação de um
selo de qualidade ou de confiança a atribuir
pela PRP aos anúncios ou marcas de automóveis que cumpram uma política publicitária
mais responsável. À semelhança das estrelas
de segurança que algumas marcas já ostentam
nos seus suportes de comunicação, este selo
da PRP deve ser um novo atributo que atesta
o compromisso e a preocupação das marcas
com o problema da prevenção rodoviária
em Portugal.
Mas existem outros agentes económicos
que devem ser envolvidos e integradas activamente neste esforço, destacando-se por
exemplo as companhias seguradoras que
têm, evidentemente, interesses próprios na
redução da sinistralidade rodoviária.
Resumo do trabalho desenvolvido no Atelier de
Comunicação Empresarial I, por Joana Mendes,
Luísa Arrieche, Pedro Bragança e Tatiana Pedrosa sob orientação de Luís Nunes.
Trabalho distinguido com uma Menção Honrosa
no concurso nacional promovido pela Fundação
da Juventude “Mais vale perder um minuto na
vida, do que a vida num minuto”

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