Pensamento Econômico
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Pensamento Econômico
Pensamento Econômico Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, 25 03 2009 mundo, na mídia diária Folha de S.Paulo 25 03 2009 ANTONIO DELFIM NETTO As previsões OS JORNAIS "Valor Econômico" e "The Wall Street Journal" promoveram, em Nova York, um importante seminário sobre a economia brasileira para mostrar ao mundo as oportunidades de bons negócios existentes no Brasil neste momento de crise financeira mundial. Nota dissonante foi a "previsão" sobre o crescimento do Brasil divulgada na mesma semana pelo ex-quase falido Morgan Stanley. Sem nenhum fundamento objetivo, o banco afirmou que o Brasil verá seu PIB cair 4,5% em 2009! Temos hoje o seguinte em relação às "previsões" de crescimento do PIB para 2009: a mais pessimista, menos 4,5%, e a mais otimista, 2%. E o que sabemos de fato? Apenas que o ritmo de crescimento anual, que vinha a nove trimestres rodando em torno de 5% a 6%, caiu, no último trimestre de 2008, para 1,3%. Consequência do "apagão creditício" importado, por precaução, pelos bancos nacionais. As informações sobre o primeiro trimestre de 2009 são ainda precárias, mas é certo que a ação do Banco Central tem sido sempre atrasada, tímida e equivocada. Como deve ser evidente, tais "previsões" são meros exercícios de vontade, cujo resultado depende da disposição psicológica mais ou menos otimista dos seus autores. Não existe nenhum mecanismo objetivo de "previsor antecedente" aceitável. Na melhor das hipóteses, pode-se estimar precariamente o crescimento do PIB num trimestre quando se está na metade dele. O crescimento do trimestre jan/mar de 2009 não parece nada brilhante. Será, provavelmente, próximo de zero quando comparado com o trimestre out/dez de 2008. Isso sugere que, quando for publicada a estimativa do crescimento anual do PIB entre o primeiro trimestre de 2009 e o seu homólogo de 2008, ele deverá ser praticamente nulo! Vai ser um verdadeiro "choque": o crescimento anual no primeiro trimestre de 2008 foi de 6,1%, e o do primeiro trimestre de 2009 será muito próximo de zero! Essa informação, porém, não nos permite saber o que serão os próximos nove meses. Logo, não podemos saber qual será o crescimento do ano. Para os pessimistas, o país será controlado por um governo e um Banco Central pouco inteligentes e pouco diligentes. Já os otimistas têm a esperança (talvez vã) de que o governo será virtuoso e ativo, e o Banco Central, mais inteligente e ousado no uso da sua musculatura. O crescimento de 2009 será o resultado das ações bem focadas e urgentes tomadas pelo governo e pelas respostas que lhe der o setor privado. É claro que estamos no mundo e sujeitos às restrições externas. Mas é mais claro ainda que, antes de tentar salvar o mundo, devemos tentar salvar o Brasil, mesmo porque talvez os EUA se salvem antes de nós. ANTONIO DELFIM NETTO contato [email protected] ---------------------------------Folha de S.Paulo 25 03 2009 PAULO RABELLO DE CASTRO O novo trilhão do Bernanke O abuso na emissão da moeda sem lastro terá seu julgamento adiado pela deflação atual; mas o juízo final virá O NOVO trilhão de Bernanke tem cheiro de inflação, gosto de inflação, mas não se converterá em inflação tão cedo. A previsão deste economista é válida só para 2009. E por quê? A razão é técnica. O anúncio da injeção de dólares sem lastro -a maior de todos os tempos, na esteira do outro trilhão emitido em 2008- chega a um mercado pouco disposto a fazer esse dinheiro circular e, assim, pressionar a demanda efetiva e, adiante, também o nível dos preços em geral. Ou seja, como a corda da vontade de gastar está frouxa e é grande a propensão do americano a economizar e pagar dívidas, o novo trilhão de Bernanke não terá efeito instantâneo sobre a inflação do dólar americano. Os efeitos imediatos pretendidos pelo Fed são outros. Ao comprar títulos do Tesouro em circulação para sua carteira, o Fed tenta matar vários coelhos com uma paulada. Responde aos chineses, que haviam cobrado mais garantias para os títulos da dívida americana. "A garantia", diz o Fed, "são as compras que faço dos meus papéis." Tira parte de seus títulos de circulação, quando todos ainda querem comprá-los, tornando-os mais escassos. O preço do papel sobe, e o juro embutido na transação cai. No dia seguinte, vem o Tesouro americano e poderá rolar seu imenso déficit (quase US$ 2 trilhões em 2009) com juros mínimos. O objetivo de economizar juros para o governo americano é atingido. Alguém observará que ocorre nos EUA o oposto do que se esperaria de alguém muito endividado. Em regime normal, quem mais deve mais paga em juros para rolar seu passivo. Mas os EUA, como emissor da moeda em que o mundo ainda confia (por enquanto), usa esse poder de suprimento de dólares. Os brasileiros são professores em emitir moeda sem lastro. Apesar de lidar com a moeda de reserva do mundo -ou talvez por isso mesmo-, Bernanke deveria dar uma passada pela recente história megainflacionária do Brasil. Obviamente, a manobra do Fed é "calculada". Joga com a urgência de ter que responder ao murchante mercado de trabalho americano, que aponta para índice recorde, superior a 10% de desempregados, nos próximos meses. A opção extrema do Fed é fazer os juros tornarem-se de fato negativos, na medida em que consiga produzir alguma inflação, se possível em 2009. Nunca antes se viu isso: o Fed lutando para inflacionar a qualquer preço... O problema está nas proporções do problema e no jogo das expectativas. Os mercados são cruéis, punindo os absurdos. O abuso na emissão da moeda sem lastro, em volumes trilionários, terá seu julgamento adiado pela deflação atual e pelo medo de morrer dos mercados. Mas o juízo final virá. Calculadamente, o Fed imagina que poderá soltar trilhões de notas agora (espécie de desfibrilador aplicado ao moribundo) e, assim que a economia emergir do coma, recolher o ervanário voador via a venda dos títulos do Tesouro que agora ele põe no seu caixa. Logo, haverá o dia, lá na frente, em que o Fed e o Tesouro tentarão vender títulos ao mesmo tempo, para financiar o megadéficit público de Obama, mais o enxugamento das notas de dólares sem lastro. Os juros, nesse momento, terão a cara de Paul Volcker, ex-presidente do Fed que, naquela altura, poderá ter voltado para a cadeira que hoje é de Bernanke. Para os acadêmicos, uma observação curiosa: após ressuscitar Keynes, pelo lado fiscal, os americanos foram buscar outro grande economista associado à história da Grande Depressão, o professor Irving Fisher, que apelava a Roosevelt, no auge da crise, para emitir mais dólares. Agora, poderemos ver Bernanke testar a tese monetarista de Fisher. PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. [email protected] ---------------Folha de S.Paulo 25 03 2009 Plano dos EUA é "roubo" para o contribuinte, diz Prêmio Nobel Joseph Stiglitz DA REUTERS O plano do governo americano para se livrar dos ativos "tóxicos" dos bancos é um "roubo" ao contribuinte dos EUA, por expô-lo a risco excessivo, e dificilmente irá funcionar enquanto a economia continuar enfraquecida, disse o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz. "O plano do [secretário do Tesouro, Timothy] Geithner, está repleto de falhas", disse em Hong Kong. Para Stiglitz, o plano apresentado anteontem por Geithner para retirar até US$ 1 trilhão em ativos problemáticos dos balanços do bancos oferece "incentivos perversos". Segundo ele, o governo dos EUA está usando o contribuinte como garantia caso esses ativos se desvalorizem, ao mesmo tempo em que cede a possível alta, ou lucros em potencial, para os investidores privados. "De forma bem sincera, isso equivale a um roubo do povo americano. Eu não acredito que isso vá funcionar porque acredito que haverá muita revolta contra colocar tantas perdas sobre os ombros dos contribuintes americanos." Mesmo que o plano limpe os balanços dos bancos de gigantescas dívidas "tóxicas", as preocupações com o cenário econômico podem fazer com que as instituições continuem a não se mostrar dispostas a novos empréstimos, ao mesmo tempo em que as perspectivas de uma maior carga tributária para pagar os planos de estímulo do governo podem afetar ainda mais os consumidores americanos, disse Stiglitz. Alguns legisladores republicanos também demonstraram preocupação com os incentivos oferecidos pelo governo, que pode dar aos investidores privados quase 93% dos fundos para comprar ativos problemáticos. Mas o presidente dos EUA, Barack Obama, disse que o plano é fundamental para a recuperação da economia. Stiglitz, que é professor da Universidade Columbia e ex-economista-chefe do Banco Mundial, também pediu que os líderes do G20 se comprometam na reunião da semana que vem a fornecer mais recursos aos países em desenvolvimento e disse que a China deve ter mais poder no FMI. ------ - - - - - - - - - - - - - - - - Jornal do Brasil 25 03 2009 Geithner, engenhoso e prático Economista José Carlos de Assis Há, sim, sinais de inteligência em Washington. O plano do secretário do Tesouro, Timothy Geithner, para iniciar o processo de normalização em novas bases do sistema financeiro americano é extremamente engenhoso e espantosamente simples. É o contrário do que pensam dois economistas eminentes, Paul Krugman e James Galbraith, conselheiro de Obama, para os quais a melhor solução seria a estatização temporária dos bancos. Cito Galbraith e Krugman porque ambos apóiam o governo Obama e estiveram na linha de frente contra os ideólogos do neoliberalismo quando estes davam as cartas no mundo. São eles também, e principalmente Galbraith, que argumentam que seria falsa qualquer solução para o mercado financeiro dos Estados Unidos e mundial que implicasse um retorno ao que eram antes da crise. Concordo. É evidente que o que se impõe é uma reestruturação radical. Mas como seria isso a partir do momento atual? A situação é tão complexa que não comporta saídas simples. Os mercados e as instituições financeiras estão interconectados. Isso implica começar por alguma lugar, por um ponto de menor resistência, para se ir montando o quebra-cabeça de baixo para cima. Não vejo como solução uma estatização temporária dos bancos, já que seria impossível encontrar um critério à prova pendências jurídicas intermináveis para precificar os ativos podres. A engenhosa fórmula de Geithner pretende resolver de uma penada, e acho que talvez resolva, três objetivos centrais para o saneamento do mercado imobiliário dos Estados Unidos. Ele estimula a criação de fundos que, mediante leilões, absorverão os ativos podres das instituições financeiras para gerenciar sua realização no mercado; para cada dólar colocado na operação pelo fundo, o governo empresta outro dólar. Com isso, estabelece-se um critério para a precificação dos ativos através de leilões. O fundo tratará de pagar o menor preço e encontrar a melhor forma de realização para ter lucro máximo. O governo partilhará desse lucro, e reduzirá seu risco, na medida em que, se houver fracasso, o fundo também perderá. Mais importante, o esquema reduzirá consideravelmente os despejos, objetivo social perseguido por Obama, na medida em que o fundo dará preferência a uma negociação que começa no preço do ativo no leilão a uma execução judicial. Para quem está ansioso para uma solução global, o plano Geithner pode parecer modesto. Contudo, só em relação ao mercado de hipotecas, estamos falando em algo como US$ 11 trilhões. Começar a resolver por aí não é nada trivial, mesmo porque foi principalmente por aí que tudo começou, ou ao menos se acelerou. O resto virá a seu tempo. E o resto significa uma reconciliação entre o sistema financeiro especulativo e o sistema produtivo, o que implicará o esvaziamento do balão com perdas trilionárias – que o plano sanciona. É importante assinalar que, pelo menos como o vejo, o esquema não eliminará a necessidade de estatização de alguns bancos. O valor dos ativos podres, realizados em leilão, poderá não ser suficiente para cobrir o passivo. O governo terá a alternativa de garantir os depositantes em conta corrente e deixar o banco quebrar, capitalizá-lo sem assumir o controle ou capitalizá-lo assumindo o controle. De qualquer modo, o caminho do fundo é uma solução mais prática – mais uma vez, por conta da precificação dos ativos – que a estatização prévia. É mais interessante, no mínimo divertida: seria o mercado, não o governo, que escolheria quais bancos deveriam quebrar ou ser estatizados! Quarta-feira, 25 de Março de 2009 - JB ---O Estado de S.Paulo 25 03 2009-03-25 ''É um passo adiante, mas faltam detalhes'' ENTREVISTA - Alkimar Moura: ex-diretor do BC O professor da FGV-SP e ex-diretor do Banco Central (BC) Alkimar Moura avalia que o sucesso do plano de Obama para salvar o sistema financeiro depende de os investidores “comprarem” a ideia. Ele acredita ainda ser possível que o programa necessite de apoio do Congresso para eventualmente flexibilizar limites de empréstimos às agências envolvidas. Qual sua avaliação sobre o plano? É, até agora, a tentativa mais objetiva de oferecer uma resposta da administração Obama às demandas por um programa mais bem definido de resolução da questão dos chamados ativos tóxicos. É um passo adiante e, nesse sentido, melhor do que a situação anterior de paralisia decisória, que somente iria contribuir para piorar a situação no mercado de crédito americano. Quais pontos são chave para que tenha sucesso? O programa é de parceira público-privada e seu sucesso depende do grau de adesão que receber dos investidores privados dispostos a aplicar na aquisição de empréstimos de baixa qualidade, na expectativa de que tais ativos se valorizem se o programa for bem-sucedido. Além disso, apoio político é importante, pois eventualmente o programa poderá necessitar de autorizações do Congresso para flexibilização de limites de empréstimos das agências envolvidas na operação. Em terceiro lugar, o programa terá de ter gestão eficiente. De fato, o modelo de parceria público-privada permite que o governo estimule o setor privado a participar com dois ingredientes importantes para seu sucesso: capital e capacidade gerencial. O que falta de concreto? Conhecemos apenas as linhas gerais. Por exemplo, o Tesouro quer colocar até US$ 100 bilhões nos dois programas (o de compra de empréstimos e o de aquisição de títulos) em base de 50/50 entre capital público e capital privado. Muitos detalhes, que poderão definir o sucesso, ainda são desconhecidos: a taxa de juros e o prazo dos financiamentos a serem concedidos pelo FDIC, as garantias exigidas e assim por diante. X-X-XJornal do Brasil 25 03 2009 Pedro Malan diz que política fiscal de Lula é ineficiente Autores do Plano Real endossam crítica à condução da economia brasileira Leda Rosa SÃO PAULO O economista Pedro Malan duvida da eficiência da política fiscal adotada pelo governo para enfrentar a crise mundial. Para o ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda, os gastos públicos não têm caráter contracíclico. Esta e outras críticas à atual gestão econômica foram feitas durante o seminário 15 anos de Plano Real: antecedentes, resultados e perspectivas, sediado pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP). Além de Malan, Gustavo Franco, João Sayad e outros arquitetos do plano que mudou a moeda em 1994 e pôs fim à inflação de 5000% ao ano, analisaram o processo histórico do real e a conjuntura nacional. – Temos tido aumento dos gastos públicos que não têm nada a ver com as medidas anticíclicas para enfrentar a crise. Segundo Keynes, os gastos públicos compensatórios devem ter caráter temporário e os do atual governo têm caminhado em direção oposta, com aumento de contratações e salários, que são permanentes e não são, absolutamente, respostas keynesianas à crise – disse Malan. As despesas com o custeio da máquina pública no governo Lula têm sido alvo constante de ataques da oposição. Em dezembro, os reajustes do funcionalismo público ficaram 12,5% acima da inflação de 2008. No mesmo ano, foram contratados 60 mil novos funcionários, em concursos e provimento de cargos de confiança, fora os relativos às reposições de vagas por aposentadoria e mortes. Segundo Malan, é vital que o Brasil aproveite a crise para facilitar o acesso do setor privado – tanto nacional como estrangeiro – às áreas que necessitam de investimentos, como a infraestrutura. O economista apontou que, para aumentar a competitividade do país, é possível efetivar uma série de reformas que não requerem mudanças constitucionais, como nas áreas trabalhista, tributária e previdenciária. Passado esquecido Ao responder ao economista Paulo Rabello de Castro, presidente do Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio, que perguntou se o Brasil não havia trocado metas de desenvolvimento por metas de inflação, Malan se disse convicto que a inflação sob controle é algo que, se percebido como tal por investidores, poupadores e consumidores, é extremamente benéfico para decisões de investimento e poupança no longo prazo. Para ele, a dúvida ficaria sobre o curto prazo, mas esta seria uma quimera que já se mostrou ilusória. Ao longo do discurso, Malan assinalou, assim como os outros integrantes da mesa, a importância da construção gradativa do conhecimento dos autores do real, a partir dos planos anteriores – Cruzado, Cruzado Novo, Collor e Bresser. Citou o escritor Ivan Lessa, que costumava dizer que no Brasil, a cada 15 ou 20 anos, o passado era esquecido. – Não deveríamos jogar fora a memória. São 15 anos de inflação em nível civilizado, 15 anos de privatizações bem-sucedidas, 10 anos de regime de câmbio flutuante, 15 anos da conclusão dos processos de renegociação da dívida externa e mais de US$ 250 bilhões em investimentos estrangeiros diretos, um conjunto de fatores e avanços institucionais significativos herdados por este governo – disse o economista. Ao falar sobre a crise e o dilema entre inflação e crescimento, outro construtor do real, o atual secretário de Cultura do Estado de São Paulo, João Sayad, brincou comparando a um casamento com a atriz Brigitte Bardot, nos anos 60. – Não era possível casar com a Bardot e esperar que ela virasse uma Amélia no outro dia. Este deve ter sido um problema para seus maridos. Assim é o capitalismo, com toda a sua força, é um sistema que também traz questões como inflação e crises como a atual – disse Sayad. Andrea Calabi, secretário-geral do Planejamento na gestão de Sayad, lembrou as fortes oscilações do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro na primeira metade da década de 80 – 9,2% em 1980, queda de 4,2% em 1981, outra queda de 5,4% em 1983 e crescimento de 6,3% em 1984 – e a inflação crescente, que em 1985 alcançou 235%. Segundo Calabi, os desajustes das finanças públicas eram crescentes. O economista disse que o Brasil está numa situação fiscal perigosa e que os mecanismos de controles são frouxos. O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco disse confiar na manutenção da política de redução da taxa de juros pelo Copom. Franco prevê cortes pelo BC que deixem a taxa mais perto de 5% do que de 10% ao ano. Quarta-feira, 25 de Março de 2009 - JB --- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - OUTRAS NOTÍCIAS O Estado de S.Paulo 25 03 2009 Tesouro vai dar subsídios de R$ 16 bi para o bolsa-habitação Dinheiro vai para famílias com renda de até 3 mínimos, que pagarão prestações simbólicas ou receberão a casa de graça Lu Aiko Otta e Isabel Sobral, BRASÍLIA O governo terá R$ 16 bilhões em recursos do Orçamento para o "bolsa habitação", o programa que subsidiará casas a prestações simbólicas para as famílias com renda de até três salários mínimos (R$ 1.395), informam fontes da área econômica. Segundo o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, esse grupo terá "subsídio total", ou seja, a casa poderá até sair de graça. "Será a primeira vez que o Orçamento Geral da União vai aportar um volume tão grande de recursos somente para subsídio." O dinheiro não será todo desembolsado este ano. Ele sairá dos cofres públicos ao longo dos contratos, que durarão 20 a 30 anos. No entanto, o Tesouro terá de fazer uma provisão conforme os contratos forem assinados. A expectativa dos técnicos é que o grosso do provisionamento ocorra em 2010. O pacote da habitação, porém, contempla outras faixas de renda. Ontem, o Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aprovou um novo orçamento, que destina um total de R$ 4 bilhões para subsidiar este ano empréstimos habitacionais para os mutuários com renda entre três e seis salários mínimos. No programa inteiro, que pretende construir 1 milhão de casas num prazo indeterminado, os subsídios do FGTS chegarão a R$ 12 bilhões. Esses subsídios servem para baixar o juro e o valor da prestação da casa própria, segundo explicou o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Conselho, Jacy Afonso. Os recursos são entregues ao agente financeiro. No total, o FGTS aprovou ontem um orçamento de R$ 23 bilhões para financiamento da casa própria para as famílias com renda entre três e dez salários mínimos. Foi um acréscimo de R$ 13 bilhões à proposta original. Além dos R$ 4 bilhões de subsídios, haverá R$ 19 bilhões para financiamentos com juros que variam de 5% a 8,6% ao ano. O pacote da habitação, uma das plataformas de campanha da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República, será anunciado hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa grande festa política. Foram convidados todos os governadores, todos os prefeitos de capitais e de cidades com mais de 150 mil habitantes, empresários do setor, senadores e deputados, além de representantes de movimentos sociais ligados à habitação. O lançamento das medidas vem sendo adiado desde dezembro do ano passado. A construção de 1 milhão de moradias vai criar 532 mil empregos diretos, segundo estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sob encomenda do governo. O impulso do pacote no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) será de 0,7 ponto porcentual. "Serão medidas de grande impacto", disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. "É uma alternativa para enfrentar a crise e, sobretudo, para gerar emprego", disse o vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Wellington Moreira Franco. Carlos Lupi afirmou que o pacote da habitação não põe em risco a saúde do FGTS. "Não haverá desequilíbrio porque o FGTS tem um patrimônio de R$ 200 bilhões, está saudável e muito forte." O Conselho Curador do FGTS também aprovou ontem um acréscimo de R$ 3 bilhões para os projetos de saneamento e de R$ 1 bilhão para renovação de frota de ônibus este ano. Segundo Lupi, esses dois programas criarão 260 mil empregos diretos e vão acrescentar 0,3 ponto porcentual no PIB. O pacote a ser anunciado hoje também deverá conter medidas para atender à classe média. O valor máximo dos imóveis que podem ser comprados com o saldo do FGTS do mutuário, atualmente em R$ 350 mil, deve ser elevado. O valor mais provável, segundo técnicos, é R$ 500 mil. Ontem à noite, Lula reuniu-se com Dilma e os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Comunicação Social, Franklin Martins, para uma última revisão das medidas. ------------------------- Ajuda extra será paga a 103 mil desempregados Governo libera pagamento de mais duas parcelas do seguro-desemprego para trabalhadores de 16 Estados Gerusa Marques, BRASÍLIA Um total de 103.707 trabalhadores demitidos em dezembro de 2008 terão direito a receber as duas parcelas extras do seguro-desemprego aprovadas pelo governo em fevereiro, segundo informou ontem o Ministério do Trabalho. O pagamento, que começará a ser feito em abril, beneficiará desempregados de 16 Estados e de 42 setores econômicos mais atingidos pela crise financeira internacional. O maior número de beneficiados fica no Estado de São Paulo, onde 44.312 demitidos terão direito a mais dois meses do seguro-desemprego. Em segundo lugar vem Minas Gerais, com 41.402 demitidos. Os dois Estados juntos concentram 82,6% do total dos beneficiados. As parcelas do seguro-desemprego variam de R$ 465 a R$ 870,01, dependendo do tempo de trabalho com carteira assinada que o trabalhador cumpriu antes de ser demitido. A legislação prevê o pagamento de três a cinco parcelas mensais aos desempregados que tenham trabalhado pelo menos por seis meses nos últimos três anos. Mas permite a ampliação do seguro para até sete parcelas para empregados de setores em que o desemprego fica acima da média em determinado período. A indústria metalúrgica foi o setor que mais demitiu e terá 13.441 pessoas contempladas pela extensão do seguro-desemprego. O maior contingente deste segmento está em São Paulo, com 8.263 beneficiados. A indústria química e farmacêutica vem em segundo lugar, com 13.112 beneficiados, seguida do setor de comércio e administração de imóveis, com 12.935 contemplados, todos em Minas. Também foram mais fortemente afetados pela crise a indústria têxtil, com 12.496 beneficiados, e a indústria de material de transportes (12.297 contemplados). Em seguida, vem a indústria de produtos alimentícios, com 11.353 pessoas, que receberão as parcelas extras, e a indústria mecânica, com 10.880 beneficiados, incluindo demitidos do setor automotivo. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, estima que serão necessários R$ 126 milhões do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o pagamento das parcelas extras. Segundo ele, a extensão do seguro-desemprego só beneficiará aquelas pessoas que perderam o emprego em dezembro, porque foi um mês no qual o índice de desemprego superou a média. "Em dezembro, o impacto foi forte, com o dobro de demissões", disse Lupi. Foram fechadas 654 mil vagas, ante uma média de 300 mil demissões em meses de dezembro. Ele afirmou, no entanto, que em janeiro, apesar do saldo negativo de 101,7 mil vagas, houve menos demissões e, em fevereiro, os números já foram positivos em cerca de 9 mil vagas no mercado de trabalho. Com base nesses dados, Lupi acredita que não será necessário conceder parcelas extras aos demitidos a partir de janeiro. O pagamento de parcelas adicionais só poderá se repetir, segundo ele, se houver uma nova onda de demissões acima da média. Ele aposta, no entanto, que haverá uma recuperação na economia com uma "reviravolta" na geração de empregos neste mês de março. "A tendência é de uma melhora boa na empregabilidade." Para chegar ao número de beneficiados, foram comparadas as médias de desemprego de dezembro de 2008 e de janeiro e fevereiro deste ano com o desempenho no mesmo período nos anos anteriores, desde 2003. Segundo o ministro, os setores beneficiados foram aqueles em que a geração de emprego foi 30% menor do que a média do mesmo período dos anos anteriores. Na segundafeira, o Codefat deverá se reunir para aprovar esse pagamento adicional. FRASES Carlos Lupi Ministro do Trabalho "Em dezembro o impacto da crise global foi forte, com o dobro de demissões (foram fechadas 654 mil vagas)" "A tendência é de uma melhora boa na empregabilidade para os próximos meses" ---------------Estado de S. Paulo Editorial 25 03 2009 O governo dos cupins O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acaba de acrescentar ao léxico político nacional um expressivo neologismo: cupinização. O termo é adequado para designar, como ele fez, as consequências do aparelhamento do Estado nacional sob o governo Lula. Aparelhamento, como se sabe, é uma modalidade do tradicional loteamento dos cargos estratégicos da administração pública pelos partidos (e caciques) que integram a fronda governante. A versão original combina uma forma de pagamento pelo ingresso das legendas no esquema de poder, com o incentivo, na mesma moeda, para a atração de novos parceiros, cujos votos no Congresso são caros - no duplo sentido da palavra - ao presidente da República. É a clássica fisiologia, aparentemente inseparável do presidencialismo de coalizão brasileiro. Já o aparelhamento é a ocupação do Estado pelo apparat do partido dominante - que, no caso específico do PT, se entrelaça com o baronato do sindicalismo, formando uma crosta na hierarquia federal. Embora não haja separação estanque entre as duas coisas, a fisiologia é o portal por onde passam os recursos públicos desviados para os partidos, os clãs que os lideram e os interesses privados que a eles se agregam para manter relações de mútua conveniência. A rede se sustenta em dois pontos. Primeiro, na capacidade do donatário mais graduado na estrutura administrativa, nas estatais e nos fundos de pensão de distribuir à patota outros empregos valiosos, ampliando o círculo de lealdades ao seu redor. Segundo, no capital - de novo em duplo sentido - que isso lhe permite acumular para se sair bem na conquista de mandatos eletivos, do que ele depende para tudo mais. O aparelhamento, por sua vez, corrompe o governo de uma forma quem sabe ainda mais profunda, ao colocá-lo a serviço de uma ideologia e da ambição do partido que a encarna de nele se perpetuar, além, naturalmente, de consolidar, sob o teto do Estado, os laços entre as elites dirigentes e as dos setores sociais afins - no caso, a cúpula das burocracias sindicais. O resultado é a silenciosa erosão interna da área estatal e da presumível aptidão de seus ocupantes para desempenhar as funções que as leis lhes conferem e a sociedade dela tem o direito de esperar em troca de seus impostos. É assim que "a substituição de técnicos por militantes vai minando a estrutura pública", argumenta Fernando Henrique para justificar a analogia com a deterioração das estruturas físicas pela ação do cupim. Isso por certo não ocorre da noite para o dia, mas a cupinização produz outro efeito, este sim imediato e visível a olho nu na era Lula: a desintegração da competência potencial do Estado. As peças dessa engrenagem se encaixam com naturalidade. De um lado, é o nexo entre aparelhamento e perda acentuada da capacidade de gestão da máquina, ainda mais com a conhecida inapetência de quem deveria conduzi-la para assegurar que os seus programas, quando exequíveis, se transformem em fatos, com um custo mínimo em tempo e dinheiro. De outro lado, o nexo entre o aparelhamento e a degradação da política. Quando o partido que elege o presidente e se apropria do Estado não é hegemônico no sistema político, como é o caso do PT, que nem sequer tem as maiores bancadas na Câmara ou no Senado, a contrapartida do aparelhamento bemsucedido é o acumpliciamento com a fisiologia no Executivo - a partilha dos despojos do poder - e com as piores práticas no Legislativo. A clique que desmanda no Senado, por exemplo, é toda ela lulista; não teria por que não ser, confortável que se encontra nesse ambiente de promiscuidade. E Lula, com a anuência obsequiosa da companheirada, é mais do que omisso: para "amarrar o Congresso" aos seus interesses, aponta Fernando Henrique, mostra-se indulgente com as malfeitorias que desmoralizam a instituição perante a sociedade, "passa a mão na cabeça de quem faz coisa errada". Ele considera "bambo" o sistema de representação e defende uma mudança nas regras eleitorais. Mas a reengenharia eleitoral provavelmente pouca diferença fará enquanto o presidente da República e o seu partido tiverem da democracia a visão instrumental que os faz se sentir no direito de lotear o Estado e de confraternizar com os expoentes do que a política nacional tem de mais conspurcado. ------------O ESP China quer adoção de moeda global Na proposta de Pequim, padrão não seria vinculado a nenhum país Cláudia Trevisan, PEQUIM Dez dias antes do início da reunião do G-20 em Londres, a China defendeu a criação de uma moeda internacional para substituir o dólar como reserva de valor, em mais um sinal da preocupação de Pequim com o fato de que pelo menos metade de seus US$ 2 trilhões em reservas internacionais está aplicada em papéis americanos. A moeda não seria vinculada a nenhuma nação específica e seria administrada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), de acordo com artigo assinado pelo presidente do banco central da China, Zhou Xiaochuan. Com o título "Reforma do Sistema Monetário Internacional", o texto foi divulgado na noite de segunda-feira na página da instituição na internet. Além de funcionar como reserva de valor, a nova moeda seria referência para a cotação de preços nos mercados globais e usada nos pagamentos das transações comerciais entre países. "O objetivo desejável da reforma do sistema monetário é a criação de uma moeda de reserva internacional que seja desconectada de nações e capaz de permanecer estável no longo prazo, removendo assim as deficiências inerentes à utilização de moedas nacionais", escreveu Zhou Xiaochuan. A reforma do sistema financeiro mundial é um dos principais pontos da reunião do G-20, em especial o aumento da representação dos países em desenvolvimento no FMI. A China tem hoje poder de voto menor que o da Bélgica e gostaria de ampliar sua presença na instituição, aspiração compartilhada por outros países emergentes, entre os quais o Brasil. O presidente da China, Hu Jintao, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, terão um encontro durante o G-20, que ocorrerá nos dias 2 e 3 de abril na capital britânica. Hu também terá em Londres sua primeira reunião com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. A proposta de criação de uma moeda internacional mostra o desconforto da China com a dependência de suas aplicações em relação aos americanos, mas também com o fato de que o uso do dólar reflete a supremacia econômica dos EUA. No texto divulgado segunda-feira, Zhou Xiaochuan usou argumentos técnicos para defender a mudança. O presidente do BC chinês afirmou que o uso de uma moeda nacional como reserva de valor global cria conflitos insolúveis entre a política monetária doméstica e a demanda de outros países por reservas. Em nenhum momento o documento cita o dólar, mas é evidente que se refere à moeda. Michael Pettis, professor de Finanças Internacionais da Escola de Administração da Universidade de Pequim, disse que a discussão sobre uma moeda global surge a cada "10 ou 20 anos", e nunca levou a nenhuma transformação concreta. "O processo pelo qual uma moeda se transforma em reserva de valor internacional é extremamente complexo, e não depende de uma decisão administrativa ou política", disse ao Estado. Pettis ressaltou que o dólar não assumiu o lugar que tem hoje por determinação do governo americano, mas em razão do tamanho da economia dos Estados Unidos e da credibilidade conquistada pelo país. Na opinião do economista, uma moeda internacional traz problemas práticos de difícil solução, como definir quem vai gerir a política monetária para todo o mundo. "Quando se pensa numa moeda independente, o modelo mais próximo é o do padrão ouro, e as pessoas parecem ter se esquecido de como eram brutais os ajustes que aquele sistema exigia." O presidente do BC chinês reconheceu que a reforma levaria longo tempo. Zhou Xiaochuan defendeu como primeiro passo a utilização do Special Drawing Rights (SDR), versão rudimentar de uma reserva internacional criada pelo FMI em 1969, que tem cotação em relação às diferentes moedas nacionais. Com valor determinado com base numa cesta de moedas, o SDR destina-se à suplementação das reservas internacionais dos países-membros do FMI, na proporção de suas contribuições. "O SDR tem as características e o potencial para atuar como moeda de reserva suprassoberana", disse Zhou. "Comparada à administração de reservas por países individuais, a gestão centralizada de parte das reservas globais por uma instituição internacional digna de confiança, com retorno razoável para encorajar a participação , será mais efetiva em impedir a especulação e estabilizar os mercados internacionais", concluiu. FRASE Zhou Xiaochuan Presidente do BC chinês "O objetivo desejável da reforma do sistema monetário é a criação de uma moeda de reserva internacional que seja desconectada de nações e capaz de permanecer estável no longo prazo, removendo assim as deficiências inerentes à utilização de moedas nacionais" ----------------O ESP A substituição do dólar Celso Ming, [email protected] Mais importante do que a proposta é a motivação da proposta. O presidente do Banco Popular da China (o banco central chinês), Zhou Xiaochuan, está defendendo a criação de nova moeda internacional de reserva a ser emitida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Não é difícil entender por que Zhou levantou essa bandeira. A China detém US$ 1,9 trilhão em reservas, das quais pelo menos US$ 739,6 bilhões estão aplicadas em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Enquanto o Federal Reserve (o banco central americano) despeja dólares no mercado "de helicóptero" para socorrer bancos e injetar recursos na veia da economia, o Tesouro é obrigado a emitir mais e mais títulos para cobrir o déficit orçamentário que vai a US$ 1,8 trilhão por ano. Cada vez mais, cavalares emissões de moeda e de dívida carregam enorme potencial de perda de confiança no dólar e nos títulos do Tesouro americano. Trocar dólares em quê? Ouro, estoques de commodities, barris de petróleo ou o que seja não garantem nem reserva de valor nem conversibilidade instantânea. As outras moedas fortes que zanzam pelo mercado, como o euro e o iene, não têm, no momento, nem a densidade nem a credibilidade necessárias para tomar o espaço ocupado pelo dólar. Como possa sente possa não há nenhum ativo no mundo capaz de substituí-lo, é difícil imaginar que haver uma repentina rejeição do dólar no mercado mundial. Enfim, a China que seu patrimônio em dólares corre perigo, mas não tem outra opção que substituí-lo com alguma vantagem. Outra aflição crescente nos quadrantes do mundo é a de que a economia, as finanças e o mercado monetário se globalizaram e, no entanto, os organismos encarregados de pilotar as moedas continuam locais. O Banco Central Europeu cuida da moeda única de 16 países, mas é um caso isolado que, de resto, não conseguiu até agora alçar o euro à condição de moeda internacional de reserva, provavelmente porque seus dirigentes políticos, além de medíocres, não se entendem. A ideia de promover os Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês), a moeda do FMI, à condição de moeda de reserva não tem combustível para rodar mais do que uns metros. Primeiramente porque o maior país do mundo rejeita a proposta. Segundo, porque a moeda corresponde ao capital do FMI que, por sua vez, se baseia nas moedas já existentes, que não conseguem substituir o dólar. E, terceiro, se o Fundo tivesse condições de emitir moeda teria, também, de exercer funções de banco central. Um dos maiores especialistas na matéria, o Prêmio Nobel de 1999 Robert Mundell, prevê que, dentro de mais alguns anos, o mundo não terá outra saída senão convergir para uma meia dúzia de moedas. Mas, para isso, as tais zonas ótimas (conjunto de países) teriam de unificar suas políticas macroeconômicas. É claro que, na condição de presidente de um grande banco central, Zhou Xiaochuan sabe que pede o pote de ouro que há atrás do arco-íris. Ele apenas lança mais dúvidas sobre a saúde do dólar para levar alguma vantagem em troca de ficar calado. Não foi à toa que ontem três altas personalidades do governo americano, Tim Geithner, Ben Bernanke e Paul Volcker, entenderam que devessem dar respostas contundentes a ele. Confira Melhorou - O ex-presidente Fernando Henrique reconheceu ontem no fórum sobre os 15 anos de Plano Real, realizado no anfiteatro da Federação do Comércio, que a economia brasileira está melhor hoje do que no tempo dele. E arrematou: "Assim como espero ter entregue ao presidente Lula um Brasil melhor do que aquele que recebi do presidente Itamar, espero que a gente possa recebê-lo de volta melhorado por ele." Mas Fernando Henrique não foi apenas paz e amor. Repetiu as acusações de "cupinização do governo" e de que o PAC não passa de um Programa de Aceleração da Comunicação: "É PAC, PAC, PAC", disse. - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - Folha de S. Paulo 25 03 2009 Editorial Traças e cupins Democracia aumentou capacidade de apurar e inibir falcatruas, mas avanço esbarra na forma dos pactos de governo VOCÁBULOS da zoologia infestam a política nacional. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso apelidou de "cupinização" o aparelhamento do Estado promovido pela gestão petista. A reação do líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), também recorreu aos invertebrados. A administração inseticida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria, na verdade, "afastando as traças", herdadas dos tempos de domínio tucano. Traças, cupins e ratazanas, carcarás e urubus, lobos e raposas. Não é de hoje que animais de hábitos sinistros povoam o imaginário da disputa pelo poder. A aplicação de uma camada generosa de repelente, contudo, é recomendável antes de enveredar por essa picada. A cautela se justifica, em primeiro lugar, porque há sempre uma dose ponderável de hipocrisia nesse tipo de altercação zoológica. Numa propaganda célebre veiculada no início desta década, o PT colocou roedores a esmigalhar a bandeira nacional. Tempos depois, no poder, patrocinou o mensalão. FHC, por seu turno, afirma que a indulgência de Lula com os desmandos na política contribuiu para minar a confiança da sociedade no Congresso. No Planalto, entretanto, o tucano não poupou esforços para evitar CPIs que lhe pudessem causar desgaste -como a que se propunha a investigar a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição. Contrariando as alegorias lúgubres, a democracia brasileira avançou, e continua a avançar, na sua capacidade de investigar e inibir falcatruas e de cobrar compostura das autoridades. A despeito da vontade do ocupante do Planalto, que sempre será de barrar apurações em casos sensíveis, às minorias legislativas foi assegurado o direito de implantar CPIs, e o mensalão é objeto de um juízo penal histórico no Supremo Tribunal Federal. Deplora-se, evidentemente, o ritmo dessa melhoria, que esbarra no formato das alianças e das concessões que tanto FHC como Lula fizeram para governar. É curioso, a propósito, como os escândalos no Congresso obedecem a um padrão que atravessa as duas gestões. Uma fenda temporária no consórcio de poder libera energias e conflitos das profundezas do "pacto político", e os esqueletos vêm à tona. Reformas nas regras de representação, como a implantação do voto distrital misto, fortaleceriam o vínculo entre eleitor e autoridade. Apenas em longo prazo, contudo, ajudariam a aumentar a qualidade média dos eleitos. Não há reforma capaz de pulverizar de chofre o fator PMDB -essa massa amorfa de políticos em busca de poder a qualquer preço e a qualquer título. O enxame de peemedebistas e assemelhados é a representação possível de vastas parcelas da sociedade brasileira que ainda não se modernizaram o suficiente; que, apesar dos avanços recentes, não foram atendidas em necessidades básicas, a ponto de emanciparem-se da tutela de demagogos, regionais e nacionais. ------------Folha SP 25 03 2009 VINICIUS TORRES FREIRE Duas no cravo, uma na canela Apesar das previsões, déficit externo está contido, não houve "inflação do dólar" e é possível evitar o Pibinho zero TEMOS UM problema a menos, parece. Talvez dois. Num período de deflação financeira e inflação de encrencas, não é de jogar fora. No início da nossa crise, no final de 2008, imaginava-se que o Brasil corria o risco de ficar com as contas externas ainda mais no vermelho e que a desvalorização do real ameaçaria inflar os preços. Tais hipóteses parecem agora bem remotas. Mas era comum ouvir economistas de peso incluí-las nas primeiras linhas dos seus "balanços de riscos". Isso até vir a notícia da catástrofe de dezembro, o naufrágio da indústria, sabido em janeiro. Faz dois meses. Parece que foi no pré-cambriano. Imaginava-se então que o país cresceria demais para um ambiente mundial de crise, gastaria demais e não teria como financiar suas despesas em moeda "forte" (dólar). Diga-se de passagem que tanto o Banco Central como a Fazenda acreditavam mais ou menos nessa hipótese: o BC vendo riscos, Fazenda e Lula vendo fortalezas. No ar. A julgar pelos dados divulgados ontem pelo BC, o déficit externo parece comportado (trata-se da diferença entre o que o país gasta e recebe na compra e venda de bens e serviços no exterior). O déficit por ora previsível está sendo coberto pela entrada do investimento dito "produtivo". Quanto mais déficit, mais risco de alta do dólar, por exemplo. Em outras crises, a aversão do capital ao Brasil era tão grande que em geral quebrávamos e/ou vivíamos grandes desvalorizações. Havia ainda aumentos brutais do custo da dívida pública interna. Não desta vez. O desagradável é que a baixa dos riscos de inflação e déficit externo se deveu a uma encrenca maior do que a esperada: o afundamento brusco e inédito da atividade econômica. Importamos menos, viajamos menos, há menos remessas de lucros porque a atividade caiu etc. Mas também vamos vender 20% menos para o exterior, neste ano. Foram duas no cravo e uma forte na canela, para não dizer ferradura. Não ficamos sem gasolina no tanque porque o carro passou a andar devagar, quase parando. Ainda assim, poderíamos ter tido alguma inflação derivada do real fraco, mesmo com o PIB baixo, e os investidores poderiam ter desistido do país (no caso de aplicações financeiras, ainda há fuga de dinheiro, mas, no caso do investimento dito "produtivo", os resultados são surpreendentemente bons). Isto posto, a média dos economistas mais ligados à finança acredita em crescimento zero da economia em 2009; o governo sonha com alta de 2% do PIB. Mas, como o demonstra a volatilidade de previsões e análises econômicas, o futuro não está dado, embora um tanto prejudicado. Há meios de evitar que o PIB cresça menos que a população, ao menos. O governo vai anunciar um pacote de construção de casas. Talvez até menos importante que a tralha de números será o modus operandi. O governo opera muito mal quando se trata de investir, como esta Folha o demonstrou no caso do conserto das estradas, coisa até simples de fazer. Outra medida é suspender o aumento dos servidores ninguém vai ter aumento neste ano, se é que vai ter emprego. Por fim, o talho dos juros deve continuar. Para tanto, o governo terá de tomar mais medidas impopulares, como mexer na poupança. Não tem jeito. [email protected] ---------Folha SP Por que ainda estamos longe do sucesso MARTIN WOLF DO "FINANCIAL TIMES" MINHA PREOCUPAÇÃO cresce cada vez mais. Jamais esperei muito de europeus ou japoneses. Mas esperava que os EUA, sob um presidente novo e popular, agissem de maneira mais decidida. Em lugar disso, o Congresso está cedendo a um frenesi de populismo, e o governo se limita a esperar que tudo termine bem. Emergiu nos EUA uma hostilidade explosiva ao setor financeiro. O Congresso debate taxar os bônus de executivos. E o procurador-geral de Nova York quer que sejam revelados os nomes. Isso equivale a um convite ao linchamento. Se aprovadas, essas ideias levariam a um êxodo de pessoal qualificado dos bancos, destruiriam a confiança em acordos com o governo e ameaçariam o Estado de Direito. Que ideias assim sejam debatidas abertamente é um sinal claro das dimensões da raiva. O mesmo cenário está envolvido no programa anunciado anteontem. Por ele, o governo fornece virtualmente todo o financiamento e arca com quase todo o risco, mas utiliza o setor privado para formar os preços dos ativos. Em troca, os investidores privados obtêm recompensas -talvez generosas- com base no desempenho. Interpreto essa ideia como "esquema de alívio a fundos abutre". Mas vai funcionar? Depende do significado de "funcionar". Não se trata de um mecanismo real de mercado, porque o governo subsidia os riscos. Os preços podem não ser baixos o bastante para atrair compradores ou altos para satisfazer vendedores. Mas o esquema pode melhorar a situação lastimável das carteiras de operações dos bancos. Isso certamente não pode ser mau, pode? Na verdade pode, caso sirva como obstáculo a soluções mais fundamentais, porque ninguém -e especialmente não o Tesouro- acredita que esse esquema porá fim à subcapitalização crônica do setor. Por que esse esquema pode ser um obstáculo à recapitalização necessária? Primeiro, o Congresso pode decidir que ele torna a recapitalização menos importante; segundo, e mais importante, é provável que o plano torne a recapitalização pelo governo ainda menos popular. Se o esquema funcionar, alguns fundos terão retornos extraordinários. Temo que isso sirva para convencer muitos americanos de que o governo é uma quadrilha que opera a favor de Wall Street. Agora imaginem o que pode acontecer caso, após a conclusão dos "testes de estresse" dos grandes bancos, o governo decida - surpresa! surpresa!- que é preciso oferecer mais capital. Como convencer o Congresso a desembolsar os recursos necessários? A provisão de dinheiro público aos bancos é inaceitável para o público, e o controle pelo governo dos bancos é inaceitável para os banqueiros, que continuam influentes. Parecemos estar vivendo um impasse. A única saída é que a maior transparência propiciada pelos novos fundos venha a permitir que os grandes bancos levantem capital privado. Caso isso seja realizado na escala requerida -e estamos falando de até trilhões de dólares-, o novo plano seria um imenso sucesso. Será que os investidores estarão dispostos a fornecer as vastas somas requeridas por instituições com um histórico claro de gestão inepta? A confiança, quando destruída, nunca retorna rapidamente. A conclusão, logo, é deprimente. Ninguém pode confiar em que os EUA já tenham solução confiável para o desastre bancário. Pelo contrário: com o público furioso, um Congresso em pé de guerra, um presidente tímido e um plano que depende de injetar dinheiro público em instituições subcapitalizadas, os EUA vivem um impasse. Cabe a Obama encontrar uma saída. Quando se reunir com seus 19 colegas chefes de governo na semana que vem, não poderá alegar já tê-lo feito. E, se isso não basta para assustar, não sei o que bastaria. -------Folha de S. Paulo 25 03 2009 A congressistas, Tesouro e Fed pedem mais poder de intervenção DE NOVA YORK O Departamento do Tesouro dos EUA e o Fed (o banco central dos EUA) pediram ontem ao Congresso mudanças legais para que seja ampliado o poder de intervenção e fiscalização dos dois órgãos em mais instituições financeiras do país. A agência federal FDIC já tem esse tipo de poder sobre os bancos comerciais. Pode assumir, liquidar ou vender se achar necessário. Mas isso não vale para seguradoras como a AIG e outras instituições. Em depoimento a congressistas, o secretário Timothy Geithner (Tesouro) e Ben Bernanke, presidente do Fed, usaram a AIG como justificativa. "O caso AIG contém uma trágica injustiça. Aqueles que foram prudentes e responsáveis em seus julgamentos profissionais foram afetados pelas ações dos menos cuidadosos e menos prudentes", afirmou Geithner. Bernanke disse que se tanto o Fed quanto o Tesouro tivessem maiores poderes de intervenção, a AIG, maior seguradora do mundo e hoje virtualmente quebrada, poderia ter sido colocada sob a proteção temporária das autoridades federais. Ele afirmou que uma regulamentação mais abrangente do mercado teria impedido que a AIG fizesse uma série de operações "exóticas" e sem relação com o mercado de seguros. O prejuízo da AIG em 2008, de US$ 99,3 bilhões, marcou um recorde histórico entre as maiores perdas corporativas nos EUA. Desde o final do ano passado, o governo já injetou US$ 173 bilhões na AIG (o Estado detém agora 79,9% da companhia) e indicou o presidente. Segundo Bernanke, devido à abrangência global das operações realizadas pela AIG, um eventual colapso da companhia "poderia provocar um derretimento nos mercados mundiais ao estilo dos anos 1930". Tanto Bernanke quanto Geithner, afirmaram que, apesar da crise, "não permitirão" que o dólar deixe de ser a moeda de referência mundial e principal reserva de valor. A ideia de uma nova moeda com esse objetivo, amparada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), foi aventada pelo Banco Central da China. (FCZ) -----------Valor Econômico 25 03 2009 Ainda longe de um resgate bancário bemsucedido Martin Wolf 25/03/2009 Ninguém pode ter certeza de que os EUA já tenham uma solução viável para seu desastre bancário. Se o plano funcionar, pode convencer o americano comum de que seu governo está distribuindo privilégios para Wall Street Estou cada vez mais preocupado. Nunca esperei muito dos europeus ou dos japoneses. Mas esperava, de fato, que os EUA, sob o comando de um novo presidente popular, fossem mais decisivos do que vêm sendo. Em vez disso, o Congresso deixa-se cair num frenesi populista e o governo fica só esperando pelo melhor. Caso alguém ainda duvide dos perigos, basta apenas ler as análises mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Projetam contrações entre 0,5% e 1% na produção mundial de 2009, e entre 3% e 3,5% na dos países com economias mais avançadas. Sem dúvida, é a pior crise econômica no mundo desde a década de 30. É preciso avaliar os planos de estímulo à demanda e resgate de sistemas bancários levando em conta este pano de fundo lúgubre. De forma inevitável, o foco está nos EUA, epicentro da crise e maior economia mundial. O que emergiu no país foi uma hostilidade explosiva ao setor financeiro. O Congresso discute uma tributação retrospectiva penal dos bônus não apenas da imensa seguradora AIG, mas de todos os receptores de dinheiro do governo sob o programa governamental de recuperação de ativos problemáticos (Tarp, na sigla em inglês). E o procuradorgeral do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, defende identificar pelo nome os que receberem bônus nas empresas socorridas. Isto, claro, é um convite a um linchamento. Está evidente por que isso ocorre: a crise quebrou o contrato social dos EUA: as pessoas eram livres para ter sucesso ou fracassar, sem auxílio. Agora, em nome do risco sistêmico, os planos de resgate despejaram somas desconcertantes em instituições falidas que derrubaram a economia. A resposta parlamentar é desastrosa. Caso essas ideias sejam aprovadas, levarão a um êxodo de funcionários de alta capacitação dos bancos dos EUA, minarão a disposição para expandir-se o crédito, destruirão a confiança em acordos assinados com o governo e ameaçarão o Estado de Direito. Presumo que os parlamentares tenham a expectativa de que o presidente os salve de sua tolice. O simples fato de que tais ideias possam ser levadas em conta é um sinal claro da fúria existente. Este também é o pano de fundo do "programa de investimento de parceria públicoprivada", anunciado na segunda-feira pelo secretário do Tesouro, Tim Geithner. Nas palavras do Tesouro, "o programa de investimento público-privado, usando entre US$ 75 bilhões e US$ 100 bilhões de capital do Tarp e de investidores privados, criará poder de compra de US$ 500 bilhões para a aquisição de ativos problemáticos - com potencial para ampliar-se a US$ 1 trilhão ao longo do tempo". Sob este plano, o governo entra com praticamente toda a parte financeira e arca com quase todo o risco, mas usa o setor privado para avaliar o preço dos ativos. Em troca, os investidores privados obtêm recompensas - talvez recompensas generosas - com base em seu desempenho, via participação patrimonial ao lado do Tesouro. Eu vejo isto como o "programa de socorro via fundos abutre" (como costumam ser chamados os fundos que compram ativos agonizantes na expectativa de uma recuperação). Será que vai funcionar? Depende do que se quer dizer com "funcionar". Este não é um mecanismo de um mercado genuíno, porque o governo está subsidiando riscos assumidos. Os preços podem acabar mostrando que não são baixos o suficiente para atrair compradores, ou altos o suficiente para satisfazer os vendedores. Mesmo assim, o programa poderia de fato melhorar o estado horrendo dos livros de negociação dos bancos. Isso não pode ser algo ruim, pode? Bem, sim, pode, caso atrapalhe o caminho de soluções mais fundamentais. Isso porque quase ninguém - certamente o Tesouro também não - acredita que este programa acabará com a subcapitalização crônica das finanças dos EUA. Poderia, é verdade, deixar um pouco mais claro quanto ainda precisa ser revisto para baixo no valor dos ativos nos livros de longo prazo dos bancos. Por que este programa poderia atrapalhar o caminho da recapitalização necessária? Há dois motivos: primeiro, o Congresso pode decidir que o programa torna a recapitalização menos importante; segundo e mais importante, este plano provavelmente tornará a recapitalização pelo governo ainda mais impopular. Caso o esquema funcione, vários dos gestores de fundos ganharão grandes retornos. Temo que isto convenceria o americano comum de que seu governo está em uma empreitada de distribuição de privilégios a benefício de Wall Street. Agora, imagine o que aconteceria se, depois de os "testes de estresse" dos maiores bancos do país ficarem prontos, o governo concluir - surpresa! - que precisa fornecer mais capital. Como persuadirá o Congresso a pagar? O perigo é que este programa alcançará, na melhor hipótese, algo não particularmente muito importante - tornar os créditos anteriores mais líquidos - ao custo de dificultar algo que é essencial, a recapitalização dos bancos. Isto é importante porque o governo descartou a única forma de reestruturação das finanças dos bancos que não custaria nenhum dinheiro público adicional: a troca de dívida por patrimônio, ou seja, uma falência de verdade. Economistas que respeito, como Willem Buiter, por exemplo, condenam esta relutância de imediato. Não há dúvida de que a decisão de bancar os credores de todas as instituições financeiras significativas para o restante do sistema cria receios quanto ao futuro: algo terá de ser feito a respeito do problema "grande demais para falir" que isto cria. Ante isto, o Tesouro insiste que hoje uma onda de falências minaria a confiança nas promessas passadas do governo e geraria novas incertezas. Infelizmente, esta não é uma visão maluca. Temo, contudo, que a alternativa - uma recapitalização adequada do setor público também se mostrará impossível. A provisão de dinheiro público a bancos é inaceitável para uma população cada vez mais enfurecida, enquanto o controle dos bancos recapitalizados pelo governo é inaceitável para os banqueiros ainda influentes. Parece ser um impasse. A única saída, sobre a qual o sucesso do plano de segunda-feira poderia ser considerado, seria se a maior transparência trazida pelos novos fundos permitisse aos grandes bancos levantar capital suficiente nos mercados privados. Se isso fosse alcançado na escala necessária - e estamos falando de várias centenas de bilhões de dólares, se não trilhões - o novo programa seria um grande êxito. Mas, mesmo na hipótese de sucesso de definição do preço de ativos e créditos problemáticos, não creio que isso seja suficiente para assegurar esse objetivo. Num mau momento econômico mundial, será que os investidores estarão dispostos a aplicar as enormes quantias requeridas por instituições financeiras imensas e complexas, com histórico comprovado de má administração? A confiança, uma vez destruída, não retorna fácil. A conclusão, infelizmente, é deprimente. Ninguém pode ter certeza de que os EUA já tenham uma solução viável para seu desastre bancário. Ao contrário, com o público enfurecido, o Congresso em marcha de guerra, o presidente tímido e uma política que depende da capacidade do governo em injetar dinheiro público em instituições subcapitalizadas, os EUA estão num impasse. Cabe a Barack Obama encontrar uma saída. Quando ele se reunir no grupo de 20 líderes mundiais em Londres na próxima semana, não terá condições de declarar que já a encontrou. Se isto não é assustador, então não sei o que pode ser. Martin Wolf é colunista do "Financial Times". ---------Valor econômico 25 03 2009 Solos: riquezas desperdiçadas Alain Ruellan Reduzir a área de proteção permanente na Amazônia beneficiará proprietários privados, ao preço do sacrifício público O solo é um bem precioso para as sociedades humanas, uma das fontes fundamentais do bem-estar dos povos. As sociedades humanas vivem sobre os solos e enraizadas dentro dos solos. É possível dizer que elas vivem dos solos: elas se alimentam a partir deles, acham nos solos diversos materiais de que precisam para se vestir, morar, se cuidar, fabricar os instrumentos da vida quotidiana, e também para expressar a sua cultura e as suas crenças. E é o solo que, em grande parte, gera a dinâmica e a qualidade das águas necessárias para os seres vivos, determina a composição da atmosfera e acolhe a biodiversidade do mundo. Portanto, as "coberturas de solos" asseguram funções essenciais, para a vida em geral e para a vida dos homens em particular: o bem-estar das sociedades humanas depende do bem-estar dos solos. Mas também o bem-estar dos solos depende muito da maneira como são tratados pela sociedade. Na escala do planeta, o solo é aparentemente pouca coisa: apenas uma película, uma fina camada de "terra" localizada na superfície dos continentes, cuja espessura varia de alguns centímetros a alguns metros. Daí sua grande fragilidade. Os solos se formam devagar, em relação estreita com os outros atores do meio terrestre: água, ar, vida, rochas. Hoje as atividades humanas podem transformar os solos muito rápido, até mesmo destruí-los, com consequências graves, locais e mundiais, sobre os outros atores: água, ar, vida, homens e a Terra inteira. Qualquer intervenção humana sobre o meio ambiente, qualquer uso dos solos pelas sociedades humanas, modifica os solos e as suas funções. As mudanças podem ser positivas: na Amazônia, a "terra preta do índio" é um exemplo importante da capacidade de os homens melhorarem a qualidade dos solos. Outros exemplos são os terraços de cultivo sobre vertentes com forte declividade, os pôlderes das planícies costeiras, os groves, os enriquecimentos orgânicos e minerais pelos adubos e estrumes. Mas, em geral, as transformações dos solos em consequência das atividades humanas são negativas: acontece degradação dos solos, de suas características e funções e, consequentemente, ocorre também degradação das águas, do ar, da biodiversidade. É claro que o conjunto dessas degradações atinge o bem-estar das populações humanas que vivem nesses e desses solos. O resultado é a poluição dos solos e das águas, com as suas consequências sanitárias; destruição da estrutura superficial do solo, o que facilita os escoamentos, as inundações, a erosão das camadas superiores e as mais ricas do solo. Todo este processo incide negativamente na qualidade do ar e na salinização da terra e da água. Os custos desta destruição raramente são tomados em consideração no balanço econômico e social dos resultados do manejo de uma região. Na Bretanha (França), por exemplo, a política agrícola aplicada desde os anos 1970 propiciou a destruição das cercas vivas do Bocage. Em seu lugar surgiu o milho (produto mal adaptado à região), voltado à criação animal estabulada, intensiva e produtora de imensa quantidade de esterco líquido. Durante alguns anos, a política enriqueceu os mais prósperos entre os agricultores, mas empobreceu o conjunto da sociedade, rural e urbana, e degradou o meio natural. Os prejuízos apareceram sob a forma de poluição, pelos nitratos do lençol freático, de eutroficação dos meios costeiros, de diminuição das biodiversidades, de compactação e erosão dos solos. Isso custa caro e é pago por todos os membros da sociedade, atual e futura. Na Amazônia, a substituição da floresta por uma agricultura inadaptada se traduz também em um grande e pouco recuperável empobrecimento dos solos. A matéria orgânica evapora na atmosfera na forma de CO2, contribuindo assim para o aquecimento climático. Além da perda de matéria orgânica, ocorre a lixiviação muita rápida dos já fracos teores em nutrientes minerais. Isso para não falar do empobrecimento biológico e da erosão. Como os solos são bastante espessos, leva tempo para que desapareçam. Mas os primeiros anos de erosão destroem os horizontes superiores que são os mais ricos. Um cálculo econômico tem que ser feito: as perdas em "capitais naturais", os empobrecimentos em grande parte irreversíveis, devem ser avaliados. Não se pode continuar a calcular as vantagens e os inconvenientes da substituição da floresta pela agricultura e pelo gado sem incluir nesses cálculos as perdas em riquezas naturais, em particular as perdas de solos e as consequências disso sobre o bemestar atual e futuro dos meios e das sociedades. De fato, quem vai pagar as consequências do empobrecimento em matéria orgânica e mineral, as consequências das erosões dos solos, das mudanças hidrológicas, das mudanças climáticas locais e regionais? Os que vivem nessas regiões, e não os que já se beneficiaram da exploração. O solo é uma das mais geniais invenções da nossa Terra. Criado e formado pela vida, de maneira contínua, é o solo que permite o nascimento, o desenvolvimento, a diversificação e a renovação da vida dos continentes. E é o solo que permite que a vida resista às condições desfavoráveis da sua história (secas, inundações, temperaturas excessivas). A vida faz o solo e o solo permite a continuidade da vida: o solo permite que a vida se diferencie e se perpetue; a vida assegura ao solo a continuidade da sua formação e da sua evolução; o solo assegura a vida o essencial do seu "bem-estar", do seu conforto, particularmente para as sociedades humanas. Portanto, qualquer empobrecimento, morfológico, físico, químico, biológico dos solos tem um custo que, na maior parte das vezes, não é assumido pelos "proprietários", e sim pela sociedade em geral. Reduzir a área de proteção permanente das propriedades na Amazônia, como algumas correntes preconizam, significa beneficiar proprietários privados, ao preço de um sacrifício público presente e futuro cujos custos para a sociedade e para a natureza são muito maiores que os ganhos particulares eventualmente alcançados com sua implantação. Alain Ruellan é professor emérito de Ciência do Solo, AgroCampus Rennes, foi presidente da Associação Internacional de Ciência do Solo e diretor do Programa Meio Ambiente do Conselho Nacional da Pesquisa Científica e Tecnológica (França) - [email protected] -----------