procedimento inclusivo ou exclusivo?
Transcrição
procedimento inclusivo ou exclusivo?
A SELEÇÃO DE CANDIDATOS ARENISTAS AO GOVERNO DE SÃO PAULO: PROCEDIMENTO INCLUSIVO OU EXCLUSIVO? Daniel Capucci Manffré1 RESUMO: O objetivo principal do presente artigo é analisar como ocorria o processo de escolha dos Governadores paulistas no período de 1966 a 1979. A formulação deste objetivo visa responder as seguintes indagações: A ARENA paulista foi um partido coordenado por uma coalizão dominante coesa e estável capaz de cumprir o papel de partido situacionista durante a ditadura militar? A escolha era feita exclusivamente pelo Presidente da República? A hipótese que orienta este artigo é que a coalizão dominante arenista em São Paulo foi instável e pouco coesa, impossibilitando a escolha de um candidato que expressasse o consenso entre todas as facções intrapartidárias. Os resultados preliminares indicam que a fragmentação da ARENA em São Paulo dificultou, muitas vezes, a imposição por parte do Executivo Federal do seu candidato preferido, já que não havia uma facção majoritária capaz de garantir apoio suficiente nas convenções estaduais. Isto aparece de forma mais evidente na escolha de Paulo Maluf como governador do estado, pois apesar de ter sido preterido pelos militares, conseguiu apoio das diferentes facções arenistas e conquistou o cargo. PALAVRAS-CHAVE: Regime Militar; organizações partidárias; seleção de candidatos. 1. INTRODUÇÂO Na primeira parte do artigo analisaremos as especificidades do subsistema partidário paulista de 1946 a 1965. No contexto paulista, fenômenos políticos regionais adquiriram grande relevo quando comparados à força eleitoral e estrutural dos principais partidos do período: PSD, PTB e UDN. Isto fez com que surgissem rivalidades e alianças específicas de São Paulo, como a clássica dicotomia entre ademarismo e janismo. Na segunda parte mostraremos como tais rivalidades oriundas da democracia de 46 são fundamentais para a compreensão dos principais conflitos e articulações políticas que marcaram a formação da ARENA em São Paulo. Como será demonstrado, o novo quadro institucional inaugurado pelo AI-2, não foi capaz de apagar a herança partidária dos quadros políticos que passaram a fazer parte da ARENA. Desta forma, alianças e rivalidades advindas do período anterior à instauração do bipartidarismo continuaram servindo como referência para a determinação dos conflitos internos à organização arenista em São Paulo. 1 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos; email: [email protected]. 1 Por fim verificaremos através das negociações para a seleção de candidatos a governador às eleições indiretas, como ocorriam as disputas internas pelo poder entre as diversas facções arenistas. Como será observado, as rivalidades partidárias oriundas do período de 1946 a 1965 permaneceram na ARENA paulista e fizeram com que os militares esvaziassem cada vez mais as convenções regionais destinadas à escolha dos candidatos a governador, ao ponto desta escolha ser feita diretamente pelo presidente da República sem qualquer consulta às elites regionais. Entretanto, a coordenação do partido por parte dos governadores indicados sempre foi precária. A necessidade de distribuir recursos de poder entre as diferentes facções que compuseram a ARENA paulista fez com que a ARENA paulista fosse um palco de conflitos, carente um centro forte capaz de coordená-la. A metodologia empregada neste trabalho foi a pesquisa documental múltipla. Desta forma, cruzamos dados de diversas fontes, como: documentos oficiais do partido; arquivos de imprensa; análise de outros autores; e biografias dos políticos pertencentes à seção paulista da ARENA. 2. O SISTEMA SUBPARTIDÁRIO PAULISTA DE 1946 A 1965: ANTECEDENTES À FORMAÇÃO DA ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL EM SÃO PAULO Foram poucos os trabalhos que se dedicaram a analisar o sistema partidário paulista durante o período regido pela Constituição de 1946. A literatura sobre o tema se empenha em destacar que uma das características principais de São Paulo neste período foi a emergência do populismo (WEFFORT, 1964). O ademarismo e o janismo, proeminentes na política paulista durante o período, seriam exemplos típicos deste fenômeno (WEFFORT, 1964; CARDOSO, 1975). Contudo, como argumenta Cardoso (1975, p. 45) “seria um tanto quanto sumário pensar que o fenômeno do populismo dá conta da realidade político- representativa do que ocorreu em São Paulo até 1964”. De fato, como aponta o estudo de Simão (1973) sobre o comportamento eleitoral em São Paulo, desde as primeiras eleições de 1946 já era possível verificar uma relação entre classe e partido. Neste mesmo sentido, Weffort (1964) também chegou a tal conclusão quando analisou o populismo paulista, embora tenha conferido ao janismo uma característica mais classista do que ao ademarismo. A existência de fenômenos de representação tipicamente paulistas durante o período de 1946 a 1965 foi um dos argumentos de Schartzman (1975) para explicar a singularidade do sistema subpartidário paulista no período. Para o autor, preponderância do modelo de cooptação na política brasileira de 1946 até 1964 não impediu que formas 2 de representação, ou pelo menos tendências neste sentido, se desenvolvessem em São Paulo. Justamente pelo dinamismo do desenvolvimento capitalista, surgiram no estado formas embrionárias de um padrão de participação ligado ao representativo, manifestado por partidos e setores que podem ser alinhados em um continuum (esquerda- direita), como: o Partido Comunista, o Partido Socialista, o Social Progressista, o Democrata Cristão, e por fim, setores conservadores que não se constituíram enquanto um movimento organizado. Um elemento consensual presente em todas as análises que investigaram o sistema partidário paulista de 1946 é o fato de que ele apresentava características peculiares em relação ao padrão dominante a nível nacional. Em São Paulo, partidos como o PSD e o PTB, hegemônicos no país, tinham pouca significância no território paulista. Estas forças foram suplantadas por organizações ou lideranças tipicamente paulistas, como o PSP e seu líder Ademar de Barros, o janismo, o PDC, etc. A explicação para Schartzman (1975) estaria justamente no desenvolvimento de padrões de representação em São Paulo, que prevaleceriam sobre o de cooptação a nível nacional, em que o PTB e a UDN eram proeminentes. Entretanto, em sua importante análise sobre a organização do PSP em São Paulo, Sampaio (1982) discorda da análise empreendida pelo autor. A questão crucial para a autora se expressa da seguinte forma: “é a das razões pelas quais São Paulo, dadas as características que Schartzman atribui à dinâmica política deste estado, não chegou a dar origem a partidos de tipo representacional expressivos e bem estruturados” (SAMPAIO, 1982, p. 29). Para ela, não é possível ignorar a relação dos partidos paulistas com suas bases, para verificar se realmente aspectos representativos ocorriam no estado. É realmente contestável o fato de Schartzman (1975) distinguir de forma tão rígida o padrão de participação entre São Paulo e o restante do país através do seu modelo de representação/ cooptação. Como salienta Sampaio (1982) uma das principais forças políticas do estado, o PSP, desenvolveu práticas de cooptação com suas bases políticas, algo que não permite uma caracterização tão rígida do estado. Entretanto, também é verdade que São Paulo proporcionou o desenvolvimento de fenômenos de mobilização popular como o janismo e o ademarismo, que bloquearam o desenvolvimento dos principais partidos políticos a nível nacional no estado. Portanto, como vimos até aqui, o subsistema partidário paulista no período de 1946 a 1965 apresentava uma dinâmica diferente da observada a nível nacional. Os motivos deste fenômeno ainda são pouco estudados e serão rapidamente analisados na próxima seção deste artigo, através das considerações apontadas pela literatura 3 especializada nos partidos políticos do período. O importante é notar que um subsistema partidário específico, deu origem a uma ARENA também peculiar a respeito da origem de seus quadros internos. Em São Paulo, a UDN, escolhida como “carro chefe” do regime de 1964 pelos militares, não tinha poderes suficientes para coordenar o partido situacionista, justamente pela proeminência de forças políticas regionais. 2.1 AS ESPECIFICIDADES DO SUBSISTEMA PARTIDÁRIO PAULISTA DE 1946: A FORÇA DE FENÔMENOS TIPICAMENTE REGIONAIS É impossível falar do período de 1946 a 1964 em São Paulo sem tocar no nome de Ademar de Barros e da sua organização partidária, o PSP. Cria e criatura praticamente indissociáveis, de modo que é impossível se referir a um, sem que se pense imediatamente no outro. Apesar do PSP nunca ter sido um partido com relevância nacional, esta organização foi fundamental para bloquear a estruturação dos grandes partidos nacionais (UDN, PTB e PSD) em São Paulo (SAMPAIO, 1982). A ascensão política de Ademar de Barros começa no Partido Republicano Paulista, porém é com o golpe de 1937 e sua nomeação como interventor paulista por Getúlio Vargas, que o futuro governador passará a ter condições de estruturar a sua própria máquina partidária. Seus contatos e aliados da época da interventoria foram fundamentais para que, com a redemocratização, ele fundasse o PSP. O principal interesse de Ademar ao fundar seu partido era a conquista do governo do estado, já que em outros partidos como a UDN e o PSD, o líder pessepista sofreu forte resistência, principalmente por parte das rivalidades construídas quando interventor. Inicialmente as possibilidades de crescimento do PSP no estado eram limitadas, pois as bases do interior eram controladas pelo PSD e, num grau relativamente menor, pela UDN. Por outro lado, o eleitorado trabalhista do estado era alinhado ao PTB, sobretudo, pela influência de Hugo Borghi. A opção inicial de Ademar de Barros foi disputar com o PTB o eleitorado trabalhista em São Paulo, através de uma aliança com o PCB. Ademar conquistou o cargo de Governador em 1947 e repetiu, de maneira estratégica, a mesma medida que tomou enquanto interventor do estado: substituiu todos os prefeitos nomeados pela administração anterior, estabelecendo a sua própria máquina partidária. Esta seria a mais eficiente do estado durante todo o período inaugurado em 1946. O PSP é um fator chave para a compreensão do subsistema partidário paulista de 1946, pois alem de se tornar uma força predominantemente regional, seu crescimento comprometeu diretamente o PSD já nas eleições de 1947. Este sucesso não era decorrente do acaso, pois neste ano, graças ao esforço de Ademar, a organização 4 pessepista já possuía diretórios e subdiretórios em todos os distritos da capital e do interior. Sua organização foi construída de modo muito semelhante ao do PSD, ou seja, baseada nas trocas de favores entre o governo estadual e os municípios (SAMPAIO, 1982). Apesar das dificuldades encontradas por permanecer fora do Governo Executivo durante o período de 1954 a 1961, a organização pessepista se mostrava muito forte em São Paulo. Esta era a única estruturada em todo o estado, e que continuava funcionando normalmente mesmo em períodos em que não ocorriam eleições. Tal força, somada as características de funcionamento interno do partido, que ocasionavam a lealdade de sua clientela à própria organização, contribuiu de forma eficaz para que o PSP sobrevivesse durante tanto tempo fora do poder. Em 1962, Ademar concorre novamente às eleições, e desta vez com um tom mais conservador, defendendo a ordem democrática contra a ameaça comunista, acaba se elegendo e se tornando o último governador eleito de forma direta por São Paulo antes do golpe de 1964. Ao lado do ademarismo, sustentado pelo carisma de Ademar de Barros e sua poderosa organização partidária, São Paulo foi o berço de outro fenômeno tipicamente populista: o janismo. Segundo Weffort (1964) o ademarismo surgiu no interior do estado de São Paulo e nos bairros centrais mais antigos da capital, de escassa população operária, onde a pequena burguesia estava temerosa pelo crescimento da massa operária. A mensagem propagadora do ademarismo era a de um estado protetor, assistencialista, que se fosse preciso ultrapassaria os limites da ética para satisfazer o seu eleitorado. Por outro lado, o janismo, atingia grupos sociais mais esperançosos em relação a sua possibilidade de ascensão social, e por isso demandavam maiores oportunidades de trabalho, através de uma concepção de Estado justo, impessoal e eficiente, ao invés de protetor. Assim, Jânio Quadros, através do seu slogan “tostão contra milhão”, atingia principalmente setores da classe média e operários dos bairros novos em expansão. De maneira oposta a Ademar de Barros, Jânio era um legítimo apartidário, pois quando precisou de partidos para atingir o poder, não fez questão de montar a sua própria organização e utilizou as já existentes. Foi eleito vereador pelo PDC, em 1947, e chegou à prefeitura da capital sob a mesma sigla, em 1953; eleito Governador pelo PTN com apoio do PSB, em 1955; e presidente com o apoio da UDN e do PDC, em 1960. Como argumenta Cardoso (1981, p.50): “Seria ilusório, entretanto, pensar que Jânio se apoiou nestes partidos e grupos para obter sustentação de massa”. O que ocorria era exatamente o contrário, ou seja, “as pequenas organizações correram ávidas para o seio das massas na esteira do prestígio janista”. 5 Além de penetrar nas classes operárias, como argumenta Weffort (1964), o janismo também possuía um terreno fértil no eleitorado da periferia urbana. Como expõe Cardoso (1981, p.50) “Eram vilas sem água, sem esgoto, sem calçamentos, sem transportes adequados (...) que exprimiam uma enorme ansiedade por melhores condições de sobrevivência”. Eleito prefeito em 1953, Jânio se esforçou em garantir melhorias básicas para alguns bairros periféricos, como o asfalto em algumas das vias principais que davam acesso a eles. Estas medidas, embora de caráter tipicamente populista, garantiram a Jânio o apelido de candidato da Vila Maria, bairro periférico que simbolizava seus feitos. Tratamos até agora de duas forças que dominaram a política paulista de 1946 a 1965, afinal juntos controlaram três vezes a máquina política estadual, duas vezes pelo ademarismo e uma vez pelo janismo. Seria possível radicalizar este argumento apontando que o período todo foi dominado por estes dois fenômenos populistas, pois Carvalho Pinto também teve o apoio crucial de Jânio para ascender ao governo do estado. Entretanto o carvalhismo rompe com suas convicções iniciais e acaba se constituindo em uma corrente política particular em São Paulo. Através desta constatação é justificável a tentação dos pesquisadores reduzirem o passado político de São Paulo a estes dois fenômenos populistas. Contudo, outros fenômenos tipicamente regionais emergiram no estado, e em alguns casos também assumiram um relevo maior do que a tríade dominante a nível nacional. Em primeiro lugar é possível citar o PTN. Este partido, fundado em 1945, recebeu Hugo Borghi, Emílio Carlos, e outros políticos que foram expulsos do PTB. Borghi trabalhou continuamente pela expansão organizacional do partido e através da sua nomeação para a presidência do diretório paulista, bem como, de seu aliado Emílio Carlos para presidência nacional, passou a exercer amplo controle sobre a organização. O primeiro sucesso eleitoral significativo do PTN foi em 1953, através da eleição de Jânio Quadros para o governo do estado, em coligação com o PSB. Posteriormente, em 1960, o Partido elege novamente Jânio à presidência da República, através de uma aliança com a UDN, o PDC, o PL e uma dissidência do PSB. O PDC também era do ponto de vista eleitoral um partido tipicamente paulista. Nasceu em São Paulo, por iniciativa de Antonio Ferreira Cesarino Jr., professor da USP. Teve seus principais êxitos eleitorais e São Paulo e foi o partido formador de importantes lideranças políticas paulistas2. Governou o estado através da eleição de Carvalho Pinto em 1959. O nicho eleitoral do partido era na capital paulista, utilizando segundo Cardoso 2 O PDC foi o berço político de importantes lideranças políticas paulistas, como: Franco Montoro, Plínio de Arruda Sampaio, Jânio Quadros e Carvalho Pinto. 6 (1975) o rótulo de partido dos “homens de mãos limpas”. Este slogan o levou a obter apoio da classe média e ter como aliado no estado a UDN. Além dos partidos supracitados, tidos como os principais para bloquear o fortalecimento dos partidos hegemônicos a nível nacional em São Paulo, organizações como o PRP e PR, bem como, pequenos partidos trabalhistas como PST e PRT também contavam com apoio eleitoral vindo predominantemente do estado. 2.2 A TRÍADE DOS GRANDES PARTIDOS NO CONTEXTO PAULISTA Três partidos são identificados no período de 1946 por sua abrangência a nível nacional: o PSD, o PTB e a UDN (SOARES, 1981). Esta preponderância não é verificada em São Paulo, onde as três organizações tiveram que competir com forças tipicamente regionais. Diante das dificuldades de estruturação e perpetuação, surgem duas perguntas: o que efetivamente eram estas organizações em São Paulo? Por que o PTB não conseguiu obter êxitos no estado com o maior potencial trabalhista do país? O PSD paulista, como já apontado, sofreu grandes danos com a estruturação do PSP em São Paulo. Sem capacidade de competir com as duas principais lideranças populistas do estado, o PSD jamais conseguiu chegar a um governo estadual, participando apenas em 1962 da aliança que elegeu Ademar de Barros. Contrariando a tendência verificada a nível nacional, e segundo a afirmação de Tancredo Neves, “(...) o PSD de São Paulo era tão importante que cabia todo na sala de visitas do Cirilo Júnior.” (Apud. HIPPOLITO, 1985, p. 153). Este foi presidente do diretório paulista do partido graças ao seu bom relacionamento com as lideranças nacionais e locais. Cirilo Júnior era o principal representante das “raposas” pessedistas em São Paulo, enquanto Ulisses Guimarães e João Pacheco e Chaves eram típicos expoentes da “ala-moça” (HIPPOLITO, 1985). O PSD evoluiu em São Paulo como o grande partido de clientela, ligado à máquina burocrática Federal: à Caixa Econômica Federal, às Coletorias, às Seções de Renda, etc. Aliados a esta estrutura partidária, que não foi capaz de se desvincular do estado, existiam interesses do grande capital financeiro e interesses agrários que se articulavam com o PSD. Sua incapacidade de alcançar apoios de massa e a fraqueza relativa da burocracia federal em São Paulo, fez do PSD paulista um partido em frequente declínio (CARDOSO, 1975). O PTB, partido que mais fez alianças com o PSP em São Paulo no período, era fraco no estado. E esta é mais uma particularidade do sistema partidário paulista no período. Segundo Benevides (1989, p.134) “O velho PTB paulista foi eleitoralmente fraco, 7 politicamente desarticulado e ideologicamente inconsequente” 3 . Esta consideração passa a ser um tanto quanto paradoxal quando consideramos que São Paulo já era na época o estado mais industrializado do país e fornecia, portanto, ótimas condições de expansão para partidos como o PTB. Em nível federal o PTB foi o partido que mais cresceu durante o período, porém uma tendência contrária é observada em São Paulo, onde o número de votos dos trabalhistas nunca cresceu de forma estável. Alguns fatores podem explicar a fraqueza do PTB paulista. Em primeiro lugar, o trabalhismo como expressão partidária e ideológica era alvo de constante disputa entre: os ademaristas; os janistas; os comunistas (pertencentes a várias legendas partidárias) que controlavam grande parte dos sindicatos; e os pequenos partidos trabalhistas no estado, como o PTN, o PRT, o PST e, posteriormente, o MRT. Todos estes grupos disputavam com o PTB o controle do eleitorado trabalhista do maior parque industrial do país, algo que dificultou a hegemonia petebista em relação a este seguimento do eleitorado. Em segundo lugar, a trajetória do PTB paulista é marcada pelas diversas divisões internas, que determinaram sucessivos conflitos. As duas principais correntes que dividiam o partido eram encabeçadas pela deputada Ivete Vargas e pelo deputado Hugo Borghi, duas lideranças extremamente personalistas, que impediam a coesão e a estabilidade da cúpula estadual. Em terceiro lugar, a cúpula nacional do partido reagia de maneira drástica a qualquer tentativa de autonomia dos níveis estaduais4. Líderes com capacidade de mobilização, como Hugo Borghi, foram expulsos do partido. Afinal, não era interessante para os níveis nacionais da organização, predominantemente compostos por membros gaúchos e varguistas, que uma liderança paulista crescesse a ponto de controlar o partido5. Completando a tríade dos grandes partidos nacionais, em São Paulo, passamos a tratar da UDN. Apesar de nunca ter elegido um governador em São Paulo, a UDN 3 Um dos elementos que contribuem para explicar este fenômeno é a Revolução Constitucionalista de 1932. Para muitos paulistas, Vargas era um ditador que havia abusado do seu poder militar contra São Paulo para se manter no poder. 4 Ainda, segundo Benevides (1989) é possível citar alguns outros fatores que explicam as dificuldades do PTB em São Paulo: as divisões no movimento sindical (entre janistas e comunistas principalmente); a dificuldades para a consolidação dos diretórios municipais (leais a Adhemar ou Jânio); a indefinição programática; e a ambiguidade em relação aos comunistas, pois ao mesmo tempo em que dependiam da aliança eleitoral do PC, os petebistas se declaravam anticomunistas. 5 A inflexibilidade do PTB afastou da organização os diversos líderes populistas e trabalhistas do estado - como Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Hugo Borghi, que foram se filiar em partidos como PTN e PSP, respectivamente 8 paulista apoiou o governo de Carvalho Pinto à sucessão de Jânio Quadros6. Teve como principal liderança, Abreu Sodré. Este foi líder da bancada udenista em São Paulo e peça chave para costurar o apoio da UDN à candidatura de janista para a presidência da República. Como presidente do diretório regional da UDN em 1964, Sodré foi um dos principais elementos encarregados de buscar apoio para o “movimento” no estado, sendo um dos responsáveis, inclusive, por promover as articulações para a formação da ARENA paulista, algo que será tratado posteriormente neste artigo. A UDN paulista expressava o ponto de vista de uma elite ilustrada no estado, de tendência nitidamente liberal-democrática, mas favorável a uma democratização restrita (CARDOSO, 1975). Apesar de em termos de interesses de classe a UDN não pudesse ser considerada tão “capitalista” quanto o PSP, ela simbolizava para o trabalhismo e para as massas o “partido dos cartolas”. De acordo com Cardoso (1975) os eleitores da UDN paulista pertenciam às classes médias tradicionais, principalmente urbanas, de educação mais elevada do que a média. Tinha também vinculação com o interior e com os grandes proprietários de terra. 2.3 ALIANÇAS E RIVALIDADES REGIONAIS Como foi explicitado até agora, o contexto político paulista obedecia a uma lógica diferente da nacional, principalmente em termos da preponderância de partidos e lideranças políticas consideradas regionais. Diante deste quadro, alianças e rivalidades específicas do estado também foram criadas, e não se resumiam à dicotomia UDN e PSD. A identificação do formato da relação entre os diferentes atores e partidos que compunham o sistema partidário de 1946 em São Paulo, auxiliarão no mapeamento dos acontecimentos que marcaram a criação compulsória do partido no estado, e a responder a questão crucial deste artigo: as rivalidades e alianças construídas durante a vigência do sistema subpartidário paulista no período de 1946 a 1965, resistiram à sua extinção e definiram os principais conflitos durante a formação da organização arenista? A tarefa de mapear os conflitos e as alianças no contexto paulista neste período não é simples. As coligações partidárias mudaram de forma significativa, e os adversários políticos surgiam de forma inesperada. Contudo, através do trabalho de Soares (1982), das importantes informações coletadas no Dicionário Histórico- Biográfico Brasileiro (CPDOC, FGV) e de alguns ensaios biográficos dos principais expoentes políticos da 6 Eleito através do apoio de Jânio Quadros, o governador Carvalho Pinto estabeleceu sua base de apoio através da aliança entre o PTN e o PSB. E se fortaleceu, posteriormente, através do apoio da UDN, do PDC e do PR. 9 época, foi possível traçar um quadro das alianças e conflitos que se estabilizam antes do golpe de 1964 e que por isto, trouxeram mais implicações durante a construção do sistema bipartidário em São Paulo: a) O acentuado anti- ademarismo da UDN paulista; b) A rivalidade entre o PDC e o PSP, incorporada nas suas duas principais lideranças, Carvalho Pinto e Ademar de Barros, respectivamente; c) A resistência de uma das alas do PSD à aliança eleitoral com o PSP; d) A clássica rivalidade entre janistas e ademaristas; e) A aliança da UDN e do PDC contra o inimigo comum no estado: o PSP; f) A aliança conflituosa, e com vistas a ganhos eleitorais, entre o PSP e o PTB; Este é o quadro político partidário que se fixa em São Paulo pouco antes da extinção dos partidos políticos em 1965. Não parece exagerado considerar que o PSP determinava a maioria das relações político-partidárias no estado, algo muito ligado à sua força organizacional e eleitoral. É importante notar que as rivalidades acima citadas, em 1965, estavam constituídas em torno de nomes como: Jânio Quadros; Ademar de Barros (PSP); Faria Lima (janista); Auro de Moura Andrade (PSD) e Abreu Sodré (UDN). Todos estes expoentes, com a exceção do líder pessepista, passaram a integrar a ARENA em momentos específicos. Resta saber se estas rivalidades foram deixadas de lado na criação da organização arenista, ou permaneceram determinando as principais disputas iniciais pelo poder. Na próxima seção do artigo demonstraremos que as rivalidades e alianças construídas durante a vigência do sistema subpartidário paulista no período de 1946 a 1965 resistiram à sua extinção e definiram os principais conflitos durante a formação da organização arenista 3. A FORMAÇÃO DA ARENA EM SÃO PAULO O Ato Institucional número 2, imposto pelos militares em 1965, extinguiu os partidos que funcionaram durante a experiência multipartidária inaugurada em 1946. Logo após o AI-2, os militares estabeleceram as principais normas para a criação do novo sistema partidário. Com este intuito, o AC-4 foi baixado. Este estabelecia a criação de um sistema bipartidário compulsório, ou seja, os políticos remanescentes do período de 1946 a 1965 deveriam se alojar no partido do regime, ou no partido que faria oposição a ele. O principal objetivo dos militares com a instauração do bipartidarismo era impedir o 10 renascimento dos antigos partidos (principalmente do PSD e do PTB), bem como, garantir uma fachada democrática ao regime, permitindo que os grupos oposicionistas se organizassem enquanto partido (KINZO, 1988). Os dois partidos resultantes do AC-4 foram a ARENA, o partido de apoio ao regime militar, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) de oposição ao regime. A dificuldade principal encontrada para a formação dos dois partidos foi a acomodação de adversários políticos. No caso da ARENA a dificuldade principal, pelo menos a nível nacional, era a de acomodar sob uma mesma legenda elementos que haviam pertencido a UDN e ao PSD (KINZO, 1988; GRIMBERG, 2009). Sustentamos, porém, que em São Paulo as dificuldades para a formação do partido foram outras, pois as rivalidades advindas dos extintos partidos obedeciam a uma lógica diferente. A importância de analisar como estas rivalidades específicas se articularam para a formação do partido em São Paulo, decorre de uma preocupação específica da abordagem organizacional desenvolvida por Panebianco (2005). Para o autor a gênese de um partido, ou seja, a forma como o partido deu conta de seus dilemas organizativos iniciais, bem como, os primeiros conflitos travados pelo poder no interior da organização, continuarão influenciando o partido durante toda a sua trajetória. Portanto, para analisar uma organização de forma eficaz, em todos os pontos de sua trajetória, é indispensável retornar às circunstâncias da sua formação. O grande personagem do contexto paulista pós-64 continuava sendo Ademar de Barros. O líder do PSP foi um dos principais defensores do golpe militar em São Paulo. Em seus principais discursos, a defesa da ordem e o alerta a respeito da ameaça comunista eram os elementos mais enfatizados pelo governador7. Entretanto, o objetivo dos militares era o de não contar com Ademar para o prosseguimento do regime. Em primeiro lugar, ele era um elemento capaz de controlar politicamente o maior estado da Federação, a ponto de impedir que os planos centralizadores do modelo unionista autoritário descrito por Abrucio (1998) se concretizassem; e, em segundo lugar, Ademar de Barros era um político marcado por acusações de corrupção ao longo de sua trajetória, mantê-lo no controle de São Paulo significaria uma incoerência diante dos discursos de moralização administrativa em que o regime militar se pautava. Estava claro que a principal intenção de Ademar em apoiar o regime militar era atingir o cargo de Presidente da República. Porém, quando o líder pessepista percebe que a intenção dos militares não era a de estabelecer eleições diretas para a presidência, 7 A posição de colaboração manifestada por Ademar foi concretizada no começo de maio de 1964, quando a liderança do PSP na Câmara Federal assinou um termo de compromisso com o governo militar, junto com a UDN, PSD, PDC e alguns partidos menores (SOARES, 1982). 11 este passa a fazer duras críticas às medidas centralizadoras tomadas pelo novo regime, ficando politicamente isolado em São Paulo. Com a extinção dos partidos pelo AI-2, Ademar buscou influir diretamente na formação da ARENA paulista (DULLES, 1983). Sua estratégia inicial era a de unir as antigas correntes políticas paulistas e, com esta intenção, convida Abreu Sodré (exUDN) e Carvalho Pinto (ex- PDC) para uma reunião no palácio do governo. A partir deste momento parece claro que as rivalidades permanecem vivas, pois as duas lideranças não compareceram à reunião. O aparente predomínio ademarista na nova organização fez com que estes dois políticos não cogitassem a filiação no momento inicial. Com o intuito de neutralizar Ademar de Barros, um elemento disfuncional para a formação da ARENA, e ao mesmo tempo não abrir mão dos pessepistas que desfrutavam de amplas bases eleitorais em todo o estado e de uma estrutura organizacional vigorosa, o presidente Castello Branco escolhe Arnaldo Cerdeira para presidir o partido em São Paulo. Este era do extinto PSP, e apesar de ter sido Secretário da Agricultura de Ademar, era um político que detinha a confiança do presidente Castello Branco por ter raízes udenistas8. É bem verdade que um processo de “udenização” do partido foi a aspiração inicial de Castello Branco, com a tentativa de indicar Ernesto Pereira Lopes (ex- UDN) como presidente da organização no estado, entretanto a resistência do PSP impediu que isto ocorresse. Diante das dificuldades para unir as antigas correntes partidárias o presidente Castello Branco escolheu uma comissão que seria responsável pela formação do partido em São Paulo, e cujo principal esforço seria a acomodação de antigas rivalidades. Este grupo ficou conhecido popularmente como a “comissão dos cinco” e contava com representantes que possuíam facilidade de trânsito entre as principais lideranças políticas estaduais. Os nomes e suas respectivas origens partidárias estão elencados na tabela 1: Tabela 1- Nome e origem partidária dos membros da “Comissão dos cinco” Nome Arnaldo Cerdeira Ernesto Pereira Lopes João Batista Ramos Hamilton Prado Antônio Feliciano Origem Partidária PSP UDN PTB PSD PSD Fonte: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA, CPDOC, FGV. 8 Cerdeira foi um dos principais articuladores da marcha da família com Deus pela Liberdade. 12 Estes deputados tomaram uma decisão, juntamente com o presidente Castello Branco, de que uma Comissão Executiva composta por onze membros seria estabelecida no Estado, com o intuito de prosseguir nas tratativas para a formação do partido. Ao mesmo tempo, Castello concordou em deixar a presidência da ARENA paulista nas mãos de Cerdeira, devido à grande popularidade do PSP em São Paulo. A composição da primeira Comissão Executiva esta elencada na tabela 2: Tabela 2- Composição da primeira Comissão Executiva da ARENA em São Paulo Nome Cargo Filiação Partidária Arnaldo Cerdeira Ernesto Pereira Lopes João Batista Ramos Antônio Feliciano Hamilton Prado Lélio de Toledo Piza Abreu Sodré José Bonifácio Nogueira José Salvador Julianelli Luciano Nogueira Filho Manoel Figueiredo Presidente 1º vice-presidente 2º vice-presidente 3º vice- presidente Secretário geral Tesoureiro Vogal Vogal Vogal Vogal Vogal PSP UDN PTB PSD PSD UDN PR PR PSP PSP Fonte: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA, CPDOC, FGV. Parece claro que a composição da Comissão Executiva da ARENA paulista visou contemplar os principais partidos do período de 1946 a 1964. Era, por este motivo, muito heterogênea. A diversidade de origens dos membros dificultou a coordenação do grupo no sentido de formar o Diretório da Arena em São Paulo, fazendo com que o presidente Castello Branco cobrasse seguidas vezes agilidade dos membros da Comissão. Entretanto, a tarefa de formar a ARENA paulista não era fácil, pois além da necessidade de aglutinar muitas rivalidades regionais no mesmo partido, o Governador Ademar de Barros ainda estava no comando do estado, e suas posições indefinidas acerca dos rumos do regime ainda influenciavam muitos políticos paulistas, inclusive Arnaldo Cerdeira, presidente do diretório paulista. Diante deste quadro, dois acontecimentos foram cruciais para a formação no partido no estado. O primeiro deles foi o rompimento de Arnaldo Cerdeira com Ademar de Barros, que vinha sendo um elemento disfuncional para a formação do partido através de seu controle dos políticos vinculados a ele. Este rompimento ocasionou uma divisão entre os ex-pessepistas, já que parte deles permaneceu vinculada a Ademar, e outra aliada a 13 Cerdeira. O segundo fator fundamental para impulsionar a formação do partido no estado foi o fim da resistência dos udenistas a compartilhar a mesma organização do que os pessepistas, seus principais adversários na democracia de 1946 a 19659. A diversidade de origens dos integrantes do diretório estadual arenista fica clara na tabela 3, algo que ilustra a dificuldade encontrada pela Comissão Executiva estadual para formar o partido: Tabela 3- Origens Partidárias dos Deputados Federais que passaram a compor o Diretório Estadual da ARENA paulista Origem partidária % PSP UDN PDC 24 19 16 PTB PSD PTN PRT PR,PRP, PST 13 8 8 5 7 Fontes: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA e Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (ABREU, 2001). A análise dos nomes escolhidos para compor o Diretório Estadual da ARENA paulista indica que todos os 38 Deputados Federais eleitos durante o pleito de 1962, ainda sob o governo João Goulart, que optaram por aderir à ARENA, passaram automaticamente a fazer parte do Diretório Regional do partido. Também é possível ressaltar a diversidade de origens dos deputados federais que conformavam o partido do governo e, consequentemente, fazia com que o órgão dirigente paulista fosse muito heterogêneo. A respeito do número de Deputados Federais, o PSP era o partido majoritário contando com nove deputados, o que significava 24% do total. Em seguida a UDN com sete deputados possuía 19% do total. A respeito da quantidade de deputados estaduais pertencentes ao Diretório Estadual, cabe ressaltar, que o PSP e a UDN dividiam a condição majoritária em termos do número de representantes. Num total de 16, o PSP e a UDN, possuíam cada um três deputados, obtendo quase a metade da representação desta categoria na cúpula estadual do partido. Assim, justamente a principal rivalidade paulista da democracia de 9 Os apelos feitos por Ernesto Pereira Lopes aos seus companheiros de partido foram constantes. Entretanto, os udenistas só se convenceram a integrar no partido após Castello Branco enviar uma carta a Abreu Sodré, na qual o presidente ressaltava a importância dos udenistas na estruturação política da “revolução” e na organização da ARENA em âmbito nacional. 14 1946 a 1965, acabou ocupando majoritariamente o partido, logicamente com a predominância do PSP em termos numéricos. Formada a ARENA, o principal objetivo dos militares em São Paulo passou a ser outro: afastar o governador Ademar de Barros do seu cargo. Logo após a criação da ARENA em São Paulo, o líder do extinto PSP passou a fazer duras críticas ao bipartidarismo. Mesmo fora do partido Ademar continuou influenciando muitos políticos no interior da ARENA, e este era o principal acusado, principalmente pelos membros udenistas, pela falta de coesão interna do partido em São Paulo. E logo na primeira crise enfrentada pela ARENA, o ex-líder pessepista foi apontado como um dos culpados. Este conflito entre os membros da ARENA ocorreu nas eleições para a presidência da Câmara dos Deputados. As intenções de neutralizar a influência dos expessepistas da ARENA foram claras nesta ocasião. Isto ocorreu, pois foi derrubado o critério de proporcionalidade, segundo o qual, a presidência da chapa da ARENA paulista deveria ser dada ao partido que tivesse o maior número de deputados para a organização arenista, e este partido era o PSP. O critério foi mudado, e passaria então ocorrer através da escolha da maioria, pelos deputados do partido, e passaria pelo crivo da Comissão Executiva Estadual. O deputado Waldemar Lopes Ferraz foi escolhido como o candidato oficial da ARENA. E este foi derrotado de maneira surpreendente pelo candidato do MDB, Francisco Franco. O vencedor carregava em sua chapa Israel Novaes, Roberto Cardoso Alves, Solon Borges dos Reis e Mendonça Falcão. Os três primeiros eram ligados à Carvalho Pinto, e o último um apadrinhado janista. A derrota da ARENA ocorreu porque alguns membros do partido votaram no candidato da oposição. Mais precisamente, embora 89 fossem considerados arenistas, assegurando assim a maioria, 49 deles rejeitaram o candidato oficial do partido, e se aliaram aos 24 do MDB para eleger o Presidente10. Este episódio foi interpretado pelos elementos udenistas pertencentes à ARENA como algo ocasionado por Ademar de Barros, que ainda exercia ampla influência sobre o presidente do partido, e tentou através dele impedir a eleição de qualquer chapa que não fosse a sua. Cerdeira, que a esta altura já se encontrava desligado de Ademar, ao explicar o caso ao presidente Castello Branco, atribuiu a vitória da oposição às influências de Ademar, dos ex-governadores Quadros e Carvalho Pinto, e do prefeito Faria Lima, que ainda ditavam os rumos de muitos dos políticos agora vinculados à ARENA. Os udenistas, então, passaram a defender medidas drásticas por parte do 10 Fonte: O Estado de São Paulo, ano 1966. 15 Diretório Estadual, contra os deputados “da pesada”, ou seja, aqueles ligados a Jânio, Ademar, Carvalho Pinto e Faria Lima. O acontecimento supracitado deixa claro que seria impossível para a ARENA governar sem a neutralização definitiva de Ademar de Barros, e a cooptação dos seguimentos carvalhistas e janistas, que neste último caso orbitavam em torno do prefeito da capital, Faria Lima. E justamente na impossibilidade inicial de adequar estas três correntes numa só organização, é que temos a evidência de que as antigas rivalidades determinaram a formação do partido em São Paulo. Em junho de 1966, Ademar é finalmente cassado. E a reação de Carvalho Pinto, dada a impossibilidade de seu adversário pessepista entrar na ARENA, é o seu próprio ingresso no partido e sua candidatura ao Senado nas eleições de 1966. Faria Lima, entretanto, considerou por muito tempo impossível um janista como ele ingressar num partido predominantemente pessepista, opinião que fez com que ingresse na ARENA apenas em 1968, com vistas às eleições para governador em 1970. Portanto, cerca de dois anos foram necessários para aglutinar no interior de um mesmo partido as correntes políticas necessárias – udenistas, pessepistas, janistas, carvalhistas - para que a ARENA fosse de fato hegemônica em São Paulo. Embora hostis, principalmente em termos da presença do PSP na organização, todos estes grupos, que de certa forma, remontavam o passado partidário, eram fundamentais para que a ARENA desfrutasse principalmente: de um maior número de vereadores, prefeitos e deputados estaduais e federais; e de uma ampla estrutura organizacional, proporcionada principalmente pelo PSP. Contar com todas estas facções no mesmo partido tinha um preço: distribuir recursos de poder organizacional a todas elas. A distribuição destes recursos de poder se dava principalmente em termos de: a) cargos no gabinete Executivo; b) indicações para as secretarias municipais e estaduais; c) a seleção de candidatos para as eleições diretas e indiretas. Isto impediu que um centro forte, uma facção majoritária, controlasse e impusesse as suas diretrizes ao partido no estado. Algo que fez da coalizão dominante da ARENA paulista, nos termos definidos por Panebianco (2005) instável e pouco coesa. Na próxima sessão do artigo investigaremos a seleção de candidatos ao cargo de governador em São Paulo durante o período de 1966 a 1978 com o intuito de analisar como os conflitos pelo poder ocorriam entre as diferentes facções da ARENA. A dificuldade de obter consenso entre as diversas facções arenistas fez com que o critério para a escolha dos governadores fosse cada vez mais centralizado nas mãos dos presidentes militares. Entretanto a tentativa de colocar o controle da ARENA paulista nas 16 mãos dos governadores sempre foi um fracasso, dada a impossibilidade de coordenar os interesses divergentes das diferentes facções que conformavam os órgãos dirigentes. 4. O GOVERNO ABREU SODRÉ: EVIDÊNCIAS DO UDENISMO VERSUS ADEMARISMO NA ARENA PAULISTA A primeira evidência empírica de que seria impossível impor ao partido em São Paulo uma diretriz que beneficiasse apenas um dos grupos organizados ocorreu logo na primeira indicação para governador. A escolha do governador pelo presidente Castello Branco, e que foi homologada pela Comissão Executiva do partido tinha um interesse bem claro: tornar a UDN, ou melhor, os ex-udenistas, os principais atores do regime em São Paulo. Nesta seleção, os membros do diretório estadual da ARENA paulista deveriam votar e posteriormente o presidente Castello Branco escolheria um, dos três nomes mais votados. O resultado desta prévia foi uma conseqüência da heterogeneidade dos quadros internos da Arena no que diz respeito à origem partidária de seus membros, afinal, sete nomes foram escolhidos para a apreciação do Presidente Castelo. Dos sete nomes indicados pelos membros da ARENA paulista, o Presidente Castelo Branco indicou Abreu Sodré, ex-presidente do diretório regional da UDN em São Paulo. Caberia à convenção regional, portanto, apenas homologar o nome do novo governador, que posteriormente seria eleito pelo legislativo. A seleção do primeiro governador eleito indiretamente em São Paulo foi extremamente anti-democrática e tinha um interesse específico. Entretanto, os resultados desta escolha mostram que as facções intra-partidárias baseadas no pertencimento aos antigos partidos, não estavam dispostas a entregar o comando político do estado e da ARENA a um ex-udenista. E a maior resistência foi apresentada pelos ex-integrantes do PSP, rivais da UDN no estado e que agora conviviam no mesmo partido. A força do PSP no estado foi, sem dúvidas, o maior obstáculo para que a antiga UDN atuasse como a principal facção da coalizão dominante da ARENA paulista, como era de fato o interesse dos militares. Algo que se comprova pela imposição dos antigos pessepistas, que já obtinham a presidência do partido no estado, do vice-governador Hilário Torloni, um político vinculado a Ademar de Barros. Esta escolha não ocorreu ao acaso, mas pelo fato de 59 dos 74 Deputados Estaduais terem assinado um manifesto exigindo que o vice-governador saísse das fileiras do extinto PSP. A escolha do vice-governador mostra que a fragmentação da ARENA em São Paulo não permitiria que a alta cúpula militar indicasse nomes ao seu bel prazer e que seria necessário distribuir recursos de poder às diferentes facções internas. O convívio 17 de Abreu Sodré, ex- UDN, e Hilário Torloni, ex-PSP, nos cargos de governador e vice respectivamente, reativaram uma das principais rivalidades estaduais do período de 1946 a 1965, e determinaram os conflitos no interior do partido pelo poder organizacional. Durante o governo de Abreu Sodré grupos organizados integraram a ARENA e praticamente remontaram o passado partidário do estado. Lideranças políticas que representavam os extintos partidos ou fenômenos tipicamente populistas passaram a integrar a organização. As principais lideranças eram: Carvalho Pinto (ex-PDC); Faria Lima (herdeiro do janismo); Ademar de Barros Filho; e Hilário Torloni (ex-PSP). Os dois primeiros, hostis ao ademarismo, ingressaram na ARENA por se apresentar como a única possibilidade de concorrerem à sucessão estadual. Ademar de Barros Filho, herdeiro do pai embora nunca tivesse sido filiado ao PSP, entrou na ARENA para tentar coordenar os ademaristas. Entretanto muitos membros da “ala-velha” do PSP recusavam admitir o filho de Ademar como líder, e se alinhavam a Hilário Torloni. As facções que dividiam a ARENA paulista dificultaram tanto a administração quanto a imposição das diretrizes de Abreu Sodré no partido que deveria servir de sustentáculo para o seu governo. No que diz respeito ao aspecto administrativo, Abreu Sodré teve que escolher o seu secretariado de acordo com os interesses das facções que integravam o partido. Para isso consultou as principais lideranças de cada grupo interno para que indicassem nomes de sua escolha. No interior da ARENA as relações do governador com o presidente do partido, Arnaldo Cerdeira e com o vice Torloni foram extremamente conturbadas, fruto da rivalidade regional entre UDN e PSP. Esta pode ser empiricamente observada na eleição para escolha da segunda Comissão Executiva da ARENA paulista, em 1969. Nela, duas teses foram defendidas de maneira oposta no partido. Abreu Sodré e Carvalho Pinto eram partidários da renovação dos quadros dirigentes da ARENA, afim de que as rivalidades advindas dos extintos partidos deixassem de atrapalhar a unidade arenista. Por outro lado, Arnaldo Cerdeira comandava articulações, junto dos pessepistas para continuar na presidência do partido. A solução encontrada para tentar “pacificar” a organização foi a proposição de uma chapa única para a escolha do diretório regional, com a presença das lideranças das diversas facções que integravam o partido: a harmonização. Entretanto, o vice- governador Hilario Torloni recusou-se a participar da chapa integrada por Sodré. E o motivo da desavença foi a decisão do governador de afastar da Secretaria do Interior, um ex- pessepista, Waldemar Lopes Ferraz. Esta secretaria foi uma criação de Ademar de Barros, sempre foi tradicionalmente comandada pelo PSP, e funcionava como um eficiente órgão para distribuir cargos às bases do partido no interior. 18 Desta forma, enquanto o MDB paulista concorreu unido em torno de uma chapa para a eleição do diretório regional, a ARENA se dividiu em duas: a “harmonização” e os “municipalistas”. A primeira representava o governador Abreu Sodré, e contava com a presença de importantes lideranças estaduais, entre elas: Carvalho Pinto, Arnaldo Cerdeira, Faria Lima, Laudo Natel e Delfim Neto. O pertencimento destes políticos à chapa harmonização visava claramente a obtenção do apoio de Sodré para a sucessão estadual. Por outro lado, a chapa municipalista, comandada por Hilario Torloni, tinha feições do PSP, contando com prefeitos do interior, e desafetos de Abreu Sodré. Todavia, nesta ultima chapa também figuraram elementos ligados às facções políticas de Faria Lima, Carvalho Pinto e Laudo Natel. A chapa “harmonização” possuía interesses extremamente conflitantes, pois a maioria de seus membros buscava a sucessão estadual. Por outro lado, a “municipalista” contava com a presença das bases interioranas do PSP. De acordo com a legislação vigente, se uma das chapas conseguisse 81% da votação dos delegados, a outra não teria representação. Entretanto, desde que uma chapa obtivesse 20% dos votos dos delegados, poderia contar com ao menos seis dos trinta membros do diretório, crescendo essa representação de acordo com a votação alcançada. O resultado das eleições favoreceu a chapa harmonização com 66,35% dos votos. Entretanto, de acordo com o resultado da votação, a chapa municipalista pode contar com dez, dos trinta membros. O resultado foi visto como conseqüência da ação de elementos que figuraram na chapa de Sodré, mas apoiaram de forma velada os municipalistas. As maiores acusações recaíram sobre o presidente do partido Arnaldo Cerdeira, que teve a sua cassação determinada em novembro de 1969. O resultado da eleição para a Comissão Executiva estadual mostra que o acordo entre os membros da chapa “harmonização” era realmente precário, pois os municipalistas, mesmo contando com a minoria no diretório regional, conseguiram compor com 18 membros e contaram com a maioria para o pleito. A formação do chamado “grupo dos 18” demonstra que realmente havia elementos meramente formalizados na chapa do governador, como era o caso de Ademar de Barros Filho, José Maria Marin e Rafael Baldacci. E a resposta do chamado grupo harmonização, agora minoritário, foi simplesmente a abstenção do pleito. Rafael Baldacci Filho, da corrente do agora falecido Faria Lima, foi eleito o presidente da ARENA paulista. Este que havia aderido a chapa harmonização para as eleições do diretório mudou de lado nas eleições para a Executiva estadual. Esta vitória simbolizou uma derrota do governo e principalmente do regime de 1964. E rapidamente foi questionada com uma tentativa de anulação no TRE, através da iniciativa dos 19 deputados José Pereira Lopes (UDN) e João Batista Ramos (PTB). O motivo alegado para isto foi a falta de quórum. Por decisão unânime do TRE a eleição da Executiva paulista foi anulada. E em curto prazo não havia possibilidades de pacificação do partido. O primeiro mediador escolhido para tentar esta tarefa foi o Senador Auro Moura Andrade, ex-PSD, que não fazia parte das principais facções que se digladiavam pela Executiva do partido.No entanto, em nota divulgada à imprensa, o Senador comunicou a sua desistência de pacificar a ARENA em São Paulo, principalmente pela falta de interesse dos municipalistas na negociação, grupo que agora era composto por 15 membros: Depois de haver procedido a contatos pessoais com os companheiros da ARENA sobre um entendimento abrangente das forças políticas nela expressas, considerei oportuno solicitar uma audiência coletiva ao grupo dos 15(...) Ontem, porém, recebi a visita do deputado Rafael Baldacci, que me informou que se ausentaria de São Paulo, e que os seus liderados não compareceriam em obediência às suas instruções. (...) Não atribuo aos companheiros essa divisão. Ela vem de longe, fruto de 11 desentendimentos prolongados entre paulistas. A única fórmula encontrada para superar as divergências internas foi a intervenção do Diretório Nacional na ARENA paulista. Rondon Pacheco, presidente nacional da organização, realizou reuniões com os membros das duas chapas, em especial com Sodré e Torloni. E a fórmula imposta para contornar o conflito foi a composição de uma chapa em que a corrente do governador ficaria com a presidência do partido e mais dois dos sete órgãos, e os municipalistas ficariam com os demais 12. Sodré, fazendo uso das suas prerrogativas indicou o ex-governador Lucas Garcez como presidente, um político anti-ademarista13. A solução encontrada através do auxílio do Diretório Nacional não pacificou a ARENA paulista, e muito menos deu condições a uma das facções que compunham a sua coalizão dominante de se sobreporem sobre as demais. A polarização entre lideranças do PSP e da UDN, rivais regionais, tornou precários os acordos na coalizão dominante do partido. 4.1. O GOVERNO LAUDO NATEL E A TENTATIVA DE ALIJAMENTO DAS ELITES PARTIDÁRIAS PAULISTAS VINCULADAS AOS EXTINTOS PARTIDOS 11 Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/1969, p.4. A chapa harmonização ficou com a presidência, a segunda secretaria, e com o cargo de tesoureiro. Por outro lado, os municipalistas ficaram com a primeira vice-presidência; a segunda vice-presidência; a secretaria; e com a procuradoria. Fonte: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA. CPDOC, FGV. 13 Lucas Nogueira Garcez foi governador de São Paulo durante o período de 1951 a 1955. Ascendeu ao cargo através do apoio de Ademar de Barros, mas rapidamente rompeu com o líder do PSP. (SAMPAIO, 1982). 12 20 Em 1970, após a instauração do AI-5, eram claras as intenções do presidente Médici de influir diretamente na escolha do governador paulista que sucederia Sodré. Se, como aponta Grimberg (2009) era questionável, por parte dos militares, a possibilidade de continuar a contar com a ARENA como partido do regime; em São Paulo a desconfiança era ainda maior. Com o intuito de ouvir os diferentes grupos organizados, Sodré fez uma lista dos nomes apontados pelos dirigentes estaduais e enviou ao Diretório Nacional do Partido. Neste processo surgiram 18 candidatos, algo que demonstrava o quanto seria inviável para o regime deixar o processo de escolha nas mãos dos arenistas.14 A escolha foi feita pelo presidente Médici, impossibilitando a interferência dos membros do diretório paulista. E o selecionado foi Laudo Natel. Este foi escolhido com base nos relatórios elaborados pelo presidente nacional da agremiação, Rondon Pacheco, e enviados ao presidente Médici, tratando da situação da ARENA em São Paulo. A escolha não agradou as principais lideranças políticas regionais da ARENA, pelo método anti-democrático15, e por acreditarem que Natel não contava com o prestígio necessário para garantir o apoio eleitoral à ARENA nas eleições de 197016. A intenção do presidente Médici era impor na ARENA aquilo que Sodré não havia conseguido através da convenção regional: o controle total do partido nas mãos do governador designado. E para isto a campanha para as eleições de 1970 deveriam ser comandadas por Laudo Natel. O novo governador já teve idéia da fragmentação da ARENA paulista logo na convenção que homologou seu nome como candidato às eleições indiretas. O conflito foi ocasionado pela escolha dos candidatos que concorreriam a duas vagas ao Senado em eleições diretas. Nesta ocasião a facção do PSP indicou dois candidatos: Hilário Torloni e Orlando Zancaner; enquanto o governador Sodré, ex-udenista, com o apoio de Carvalho Pinto, indicou Auro Moura Andrade17. O resultado foi a vitória dos dois candidatos oriundos do PSP na convenção. Marginalizados no partido, Auro Moura Andrade e Abreu Sodré pouco participaram da campanha arenista. Nestas eleições os resultados foram favoráveis à ARENA no que diz respeito ao número de Deputados Estaduais e Federais eleitos. 14 Fonte: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA. CPDOC, FGV. Carvalho Pinto era o que mais fazia oposição à pouca importância atribuída à ARENA por parte do regime militar. Sobre a escolha de Natel o Senador afirmou: “(...) tenho manifestado, lealmente, a minha discordância com o processo vigente para a constituição dos governos estaduais”. Fonte: o Estado de São Paulo:12/05/1970, p. 4. 16 O vice-governador Rodrigues Filho, também foi escolhido por Médici, diante de uma lista de cinco nomes escolhidos pela executiva regional paulista. 15 21 Entretanto, Franco Montoro do MDB foi o candidato mais votado ao Senado. A ARENA só conseguiu eleger Orlando Zancaner para uma das duas vagas, algo que provocou a renúncia do presidente do diretório Lucas Garcez. Com a presidência da ARENA paulista vaga, Natel passou a por em prática seu plano de reestruturar a ARENA em 1971. A intenção do Governador era colocar membros de sua confiança na Comissão Executiva e, assim, comandar a organização arenista. Entretanto, somente com a intervenção do presidente do diretório Nacional, Batista Ramos, foi estabelecido um critério aceito por todas as facções intra-partidárias. Apesar de Natel poder contar com quatro indicações na Executiva, em especial, do novo presidente Salvador Julianelli, Abreu Sodré, Carvalho Pinto e a facção pessepista deveriam indicar um membro cada. Visando a convenção estadual de 1972, o governador passa a buscar apoio no partido para que seu grupo se imponha sobre as facções organizadas em torno dos antigos partidos. A reação mais drástica contra este processo partiu dos antigos pessepistas, através do senador Orlando Zancaner, secretário geral da ARENA paulista. Este acusou diversas vezes Natel de falar em nome do partido, sem levar em conta as facções existentes na organização, bem como, de ignorar a Executiva da organização para realizar a reestruturação partidária18. Submeter o ademarismo que ainda era a maior força eleitoral do Estado ao seu controle não seria uma tarefa possível ao governador Laudo Natel. Não só na facção pessepista, quanto na udenista e na carvalhista, havia lideranças consolidadas no estado que não se submeteriam ao controle de um chefe do Executivo sem raízes políticas, eleito pela via indireta, e sem a participação do partido. A escolha dos membros do diretório regional em 1972, portanto, teve que respeitar as facções intra-partidárias, através do seguinte critério: o ademarismo, o carvalhismo e o udenismo deveriam indicar quatro elementos cada; enquanto Laudo Natel indicaria os outros dezoito. Este critério, como é perceptível, esvaziou totalmente a importância da convenção regional. A respeito da nova Executiva, o governador contou com seis das nove indicações. Estas, por um critério fixado pelo presidente estadual do partido, Salvador Julianelli, deveriam sair da bancada da ARENA na Assembléia Legislativa de São Paulo. A justificativa para isto foi que a predominância dos deputados estaduais no órgão Executivo dificultaria a falta de quórum nas reuniões a serem realizadas. Entretanto, a hipótese que consideramos é a de que Laudo Natel não desfrutava do apoio de muitos Deputados Federais e muito menos dos Senadores arenistas. 18 Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do estado de São Paulo. 22 A estratégia de Laudo Natel de marginalizar as facções partidárias vinculadas aos antigos partidos obteve êxito. O governador foi acusado constantemente por irregularidades nas obras que envolviam a expansão das ferrovias da FEPASA. Foi obrigado a substituir o prefeito escolhido por ele para a cidade de São Paulo, Figueiredo Ferraz, um técnico, sem vinculações partidárias, que fazia questão de afirmar que não era um político. O secretariado de Natel, predominantemente composto por técnicos, foi um dos erros estratégicos do governador, que ao tentar o predomínio sob a cúpula partidária do partido em São Paulo, se esqueceu que a distribuição de incentivos seletivos entre as facções seria fundamental para que obtivesse o controle sobre o partido. 4.3. PAULO EGYDIO: O GOVERNADOR TÉCNICO A imposição do Governador Laudo Natel pelo presidente Médici descontentou as elites políticas regionais. E este, segundo Abrucio e Samuels (1998) foi um erro cometido pelo militar ao escolher um candidato que desfrutasse de poucas ligações com as elites políticas estaduais. A intenção de criar uma nova classe política identificada com o regime de 1964 não deu certo, principalmente por retirar das elites regionais os recursos de patronagem das governadorias, algo que as tornava a cada eleição cada vez mais descontentes com os rumos do regime. Em 1974, numa tentativa de prestigiar os grupos políticos estaduais, e ao mesmo tempo eleger governadores de sua confiança, Geisel tentou reintegrar as elites estaduais no processo de escolha do Senado e das Governadorias. Para isto foi enviado aos estados Petrônio Portela, presidente nacional do partido, para discutir a indicação dos nomes preferidos das elites regionais, procedimento que foi chamado de “Missão Portela”. Em São Paulo as principais lideranças políticas, representantes das facções partidárias que comandavam a ARENA, Abreu Sodré, Orlando Zancaner e Carvalho Pinto, articularam uma candidatura que significou um consenso relativo no partido. O nome encontrado foi o de Delfim Neto. Pretendiam com estas articulações influir na escolha do próximo governador. Os esforços dos membros da ARENA foram em vão, pois o verdadeiro intuito da chamada “missão Portela” era o de comunicar às elites estaduais uma decisão que já estava feita pelo presidente Geisel: a indicação do engenheiro Paulo Egydio. Dessa forma a ARENA foi à convenção estadual de agosto de 1974, apenas para homologar os nomes já escolhidos. Para o Senado, Paulo Maluf e Ademar de Barros Filho foram nomes preteridos em favor de Carvalho Pinto, que apenas foi homologado na convenção. 23 Com estas indicações, que contrariaram algumas das principais facções arenistas, o desinteresse pelas eleições foi evidente. José Pedro Carolo, presidente estadual da ARENA, fez declarações afirmando que o partido não toleraria indiferença de seus membros em relação à candidatura para o Senado. O futuro governador Paulo Egydio foi, assim, encarregado de coordenar a campanha no estado. Desvinculado das elites políticas regionais e portador de um caráter predominantemente técnico, Egydio relatou a situação da ARENA durante a campanha: (...) a Arena era uma colcha de retalhos. Cansei de ir para comício no interior com três participantes da Arena do meu lado, que se detestavam e se digladiavam entre si. E nós tínhamos que enfrentar o MDB, um partido mais unido. A Arena foi incrível, os problemas e as dificuldades que atravessamos foram muito sérios. Mais tarde, quando assumi o governo do estado, para mim esse foi um aspecto trágico. Havia a Arena 1, a Arena 2, a Arena 3, e em alguns lugares a Arena 4.Vinha o sujeito e dizia: “Eu represento a Arena 1. Não subo no caminhão com o senhor junto com o representante da Arena 3”. Era uma animosidade que vinha dos antigos partidos e que não cessou com o decreto presidencial que 19 os extinguiu. Nas eleições de 1974 os resultados foram péssimos para a ARENA em São Paulo. Para deputado estadual a ARENA elegeu 25 deputados, enquanto o MDB elegeu 36. A respeito dos deputados federais a ARENA elegeu 17 deputados e o MDB 29. No entanto, a pior derrota foi para a vaga ao Senado, pois Orestes Quércia derrotou de forma expressiva Carvalho Pinto, liderança inconteste da ARENA. Abrucio e Samuels (1998, p.148) creditam a derrota ao fracasso da “Missão Portella” no estado à derrota: A elite paulistana- tanto a política como a empresarial- tinha como candidato o ex-ministro Delfim Netto, que foi preterido em favor de Paulo Egydio, nome aceito à revelia pela maioria dos arenistas. No Senado o problema foi ainda maior, já que havia dois candidatos fortes dentro do partido (Paulo Maluf e Ademar de Barros Filho) e ambos foram preteridos(...) O descontentamento gerado pela escolha fez com que importante parcela de arenistas atuasse na campanha do candidato do MDB ao Senado. Paulo Egydio aprendeu com os erros de Laudo Natel, e ao escolher seu secretariado optou por lideranças das diferentes facções arenistas, em especial de elementos vinculados ao PSP e a UDN. 4.4. A ELEIÇÃO DE PAULO MALUF: EVIDÊNCIAS DE QUE A ARENA PAULISTA NÃO FOI O PARTIDO DESEJADO PELO REGIME DE 1964 No contexto de reforma eleitoral promovida pelo “Pacote de Abril” em 1977, a ARENA paulista pode mostrar a sua verdadeira face, afinal as convenções regionais 19 Paulo Egydio conta: Depoimento ao CPDOC, FGV. 24 foram revitalizadas, tornando o processo de escolha do governador e dos demais cargos mais inclusivo. Se a coalizão dominante, devido à existência de facções organizadas, já possuía acordos instáveis, num contexto de abertura as dificuldades de coordenação do partido seriam ainda maiores. A eleição de Paulo Maluf ao governo do estado em 1978 mostra que a ARENA paulista, não fosse as imposições dos Presidentes militares e de sua cúpula Nacional, não forneceria condições as mínimas de atender aos interesses do regime. É possível afirmar que o governo saiu derrotado das convenções da ARENA paulista em maio de 1978, pois Laudo Natel, indicado pelo futuro Presidente Figueiredo para o cargo de governador, foi derrotado por Paulo Maluf. Precisamente, 617 votos foram atribuídos a Maluf, enquanto 589 foram dirigidos à Natel. A quantidade de votos recebidos por Maluf na convenção mostra que ele se beneficiou da falta de coesão interna da coalizão dominante da ARENA paulista para compor com diferentes facções e ascender ao poder à revelia dos militares, que determinaram a Claudio Lembo, presidente estadual da organização na época, o máximo esforço para eleger Laudo Natel. Entretanto, maiores investigações ainda são necessárias para identificar quais grupos internos apoiaram a ascensão de Paulo Maluf. 5. CONCLUSÕES As especificidades do contexto político- partidário paulista do período de 1946-65 trouxeram conseqüências específicas para a formação do bipartidarismo no estado e, em especial na formação da ARENA, que aglutinou em seu interior as principais correntes políticas paulistas. Pela preponderância de forças políticas regionais, foi impossível repetir na ARENA em São Paulo, a condição de relevo que a UDN possuía nos níveis nacionais do partido. Para que a ARENA fosse hegemônica em São Paulo, era necessário contar com correntes políticas muitas vezes hostis entre elas, mas que desfrutavam de amplo apelo em relação ao eleitorado e, como no caso do PSP, de uma eficaz máquina organizacional em todos os municípios. Entretanto, seria um erro pensar que as rivalidades foram postas de lado em prol do fortalecimento da ARENA. Elas continuaram vivas, e estas foram as principais referências para que os membros do partido se organizassem e lutassem pelo poder organizacional. A aglutinação destes grupos hostis fez com que o acordo entre eles na coalizão dominante do partido em São Paulo fosse muito precário e instável. E a dificuldade de coordenação das divergências internas fez com que os presidentes militares tivessem 25 que interferir diretamente no processo de formação do partido e na escolha dos governadores. Estes mesmo sendo indicados pelos chefes do Executivo Nacional, nunca conseguiram ser unânimes em relação às diferentes facções do partido. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Arquivos CPDOC/FGV, Rio de Janeiro. Arquivo do Diretório Nacional da ARENA Periódicos Folha de São Paulo, São Paulo. O Estado de São Paulo, São Paulo. ABRUCIO, Fernando. Os Barões da Federação: os governadores e a redemocratização brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1998. BENEVIDES, Maria. Vitória. O velho PTB paulista: partido, sindicato e governo em São Paulo (1945-1865). São Paulo. In: Lua Nova nº 17, pp. 133-162, 1989. CARDOSO, Fernando Henrique. Os partidos políticos e a representação popular. In: FLEISCHER, David Verge. (org.) Os partidos políticos no Brasil (2vol.). Brasília: Ed. Universidade de Brasília, v. 2, 1981. CARDOSO, Fernando Henrique. Partidos e deputados em São Paulo. In: CARDOSO, Fernando Henrique e LAMOUNIER, Bolívar. (org.) Os partidos e as eleições no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. DULLES, John Watson Foster. Castello Branco: o Presidente reformador. Brasília: UNB, 1983. GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (Arena), 1965- 1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. HIPPOLITO, Lúcia. De raposas e reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira, 1945-1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. KINZO, Maria D’alva Gil. Oposição e autoritarismo. Gênese e trajetória do MDB. São Paulo: Idesp/Vértice, 1988. PANEBIANCO, Angelo. Modelos de Partido: organização e poder nos partidos políticos. Trad. Denise Agostinetti, São Paulo: Martins Fontes, 2005. SAMPAIO, Regina. Adhemar de Barros e o PSP. São Paulo: Global, 1982. SCHWARTZMAN, Simon. São Paulo e o Estado Nacional. São Paulo: Difel, 1975. 26 SIMÃO, Azis O voto operário em São Paulo. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 1, 1956. SOARES, Glaucio Ary Dillon. A democracia interrompida. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. WEFFORT, Francisco Correia. As raízes sociais do populismo em São Paulo. In: Revista Civilização Brasileira. Nº 2, 1964. 27