Série documentos para pesquisa vol 02 relatorio sobre a
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Série documentos para pesquisa vol 02 relatorio sobre a
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO TAPAJÓS SÉRIE: DOCUMENTOS REGIONAIS PARA PESQUISA Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente da Província pelos engenheiros Julião Honorato Corrêa de Miranda e Antônio Manuel Gonçalves Tocantins, sobre a exploração do Rio Tapajós. Região Oeste do Pará ANO I – Número 02 - 2014 SÉRIE: DOCUMENTOS REGIONAIS PARA PESQUISA Copyright by Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós – IHGTap Diagramação: Cristiano Souza Marinho Santarém – Pará – Amazônia – Brasil Editor Responsável João Georgios Ninos (jornalista DRT/PA 2257) Comissão de Editoração e Publicação Anselmo Alencar Colares João Georgios Ninos Joaquim Cristovam de Andrade Sena Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós – IHGTap Endereço Provisório: Avenida Tropical, 977 Bairro Santana 68010-420 – Santarém – PA E-mail: [email protected] Facebook: www.facebook.com/ihgtap O Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós – IHGTap não é responsável pelas opiniões contidas no presente documento. Esta série objetiva única e exclusivamente a partilha de conhecimento sem comercialização ou qualquer outro lucro que seja. ESTE EXEMPLAR SERÁ DISTRIBUIDO GRATUITAMENTE Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente da Província pelos engenheiros Julião Honorato Corrêa de Miranda e Antonio Manuel Gonçalves Tocantins, sobre a exploração do Rio Tapajós. Ilmo. Exmo. Sr. Em execução ao disposto na lei provincial nº 678, de 29 de Setembro de 1871, V. Exc. se dignou mandar-nos em comissão ao Baixo e Alto Tapajós, para onde seguimos em Novembro último, e de cujos trabalhos temos a súbita honra de submeter à esclarecida apreciação de V. Exc. o resultado na seguinte exposição. I. No intuito de proceder a um estudo mais completo; e colher dados mais exatos para o bom desempenho desta comissão, foi nosso primeiro cuidado traçar a planta do Tapajós áquem e além das cachoeiras, o que fizemos começando do lago Cury, abaixo da Vila de Itaituba, ate a fóz do rio Jauan Xim (sic). Percorrendo a primeira secção encachoeirada, reconhecemos que com efeito uma estrada marginal é o único meio de estabelecer uma comunicação regular entre os dois pontos abaixo indicados. Pela planta, que a este acompanha, verá V. Exc. o traçado da estrada projetada, que compreende uma extensão de 33 milhas e meia, devendo começar abaixo do furo Pacú, nas proximidades da primeira cachoeira. Damos preferência a este ponto de partida pelas razões seguintes, que nos parecem valiosas: 1ª, porque de Uxituba até o furo Pacú, em uma extensão de 30 milhas, o Tapajós ainda é perfeitamente navegável por barcos a vapor; ora, aproveitando-se mais esta secção, o Baixo Tapajós compreenderá uma extensão de 210 milhas navegáveis: 2ª, porque, a partir a estrada de Uxituba, além de ter de percorrer maior extensão, teria de atravessar vários morros. Entendemos, também, que ela deve de preferência terminar no rio Jauan-Xim (sic), afluente oriental, porque desta maneira não se afastará muito das margens do Tapajós; e, logo que seja terminada, poderá ser utilizada não só para o transporte da borracha, que o Alto Tapajós produz, calculada em 10.000 arrobas anualmente, como para mercadorias importadas. Calculamos em 1:000$000 réis por milha, o custo da abertura e destacamento da estrada, devendo ter 4m e 50cm de largura. O custo total será, portanto, de 33:500$000 rs. adicionando-se a este 20% para despesas imprevistas. A estrada projectada até Jauan-Xim salvará as cachoeiras de Maranhãozinho, Maranhão-grande, Furnas, Coatá, Apuy, Oroá, Tamanduá e Boburé, todas de trânsito difícil e perigoso. Da parte superior da cachoeira de Apuy começam as barracas dos seringueiros. No lugar denominado Boburé, margem esquerda do rio, há um aldeamento de Mundurucus já civilisados, que habitavam a margem oposta, e foram obrigados a retirar-se dali por causa dos índios Parintintins, que os perseguiam constantemente. Deste ponto a 8 milhas está o rio Jauan-Xim, acima do qual avista-se um vasto estirão com ricos seringais, em uma e outra margem. Este último rio, que tem também uma grande extensão encachoeirada, e muitos seringais, começa a ser explorado por trabalhadores, que ali vão estabelecer-se durante o verão. Dizem que os índios, que pelo Jauan-Xim se vai a um outro rio muito largo, que provavelmente será o Xingu, e que em seu curso superior atravessa campos, onde se encontrará gado, que seria talvez dos campos de Diamantina. Na parte encachoeira do rio Tapajós até Apuy, encontramos apenas duas barracas, ambas abandonadas, preferindo os seringueiros estabelecer-se mais acima. Atribuímos isso não a falta de seringais, que existem em toda esta extensão, mas as dificuldades das cachoeiras. Então estabelecido na margem do Jauan-Xim o extremo da estrada, este ponto tornar-se-á o empório do Alto Tapajós. Acresce ainda que pode ser um meio eficaz de evitar a emigração que atualmente se tem dado, da população do Tapajós para os rios Purús e Madeira, na província do Amazonas. Por contrato, que V. Exc. ultimamente firmou com a Companhia da Amazonas, a começar do corrente mês em diante, fica estabelecida uma linha mensal de navegação a vapor até Itaituba, pondo todo o Baixo Tapajós em comunicação direta com a praça desta capital. Esta vantagem, de extrema importância para o comércio dessas regiões, se tornará extensiva ao Alto Tapajós. II. No porto de Santarém, isto é, na foz do Tapajós, a diferença do nível das águas entre a baixa-mar e a preamar é, termo médio, 5m e 28cm. Na cheia extraordinária de 1859 foi a diferença de 6m e 30cm. Estas medidas tinham sido tomadas em tempo conveniente pelos srs. Affonso Maugin Désincourt, engenheiro francês e negociantes Silva & Souza. Verificamos, também, que a referida cheia elevara-se de 1m e 05cm acima do preamar de 1870. Partimos de Santarém no vapor Pará em 17 de novembro do ano próximo passado. O Baixo Tapajós apresenta aspectos variados, e mui alegres horizontes. O Volume de suas águas é imenso; suas margens elevadas e orladas de extensas praias. As serras e colinas, que se avista de uma e outra margem, dão ao rio o cunho de não vulgar beleza. A princípio não se encontra muitas ilhas; mas de Brasília Legal em diante tornam-se mais numerosas, sucedendo-se sem interrupção e estendendo-se em todas as direções. São muitas as variedades de madeira de construcção: mesmo de bordo do vapor distinguimos algumas destas árvores tão uteis. Entre elas as de pau d’arco, que é de preço inestimável, estando em plena florescência, destacavam-se por suas copas cobertas de flores amarelo-vivo, cor de ouro, apresentando-se ora isoladas, ora em grupos sobre as faldas das colinas. Todas estas madeiras, aliás, de valor real, não têm sido aproveitadas para o comércio. Cerca de 25 milhas antes de Itaituba, à margem direita, passamos perto das ilhas do Guaranazal, junto ao morro Ipá-pixuna, todo formado de pedras calcarias (carbonato) caindo sobre a praia, esboroado pela ação constante das águas. Estas pedras estão sendo ultimamente exploradas por um ativo e inteligente comerciante, que as manda vir para calcinar em fornos construídos perto de Santarém, produzindo cal de qualidade superior, que ele fornece para consumo de todo o Amazonas. Acima de Itaituba, à margem ocidental, passamos também junto a ponta conhecida pela denominação Paredão. O Paredão, cortado a prumo pela corrente do rio, é uma extensa barreira toda do mesmo calcário, formando uma stratificação mais ou menos regular, distinguindo-se perfeitamente a separação de cada camada pela diversidade de cores, que apresenta. Estes lugares foram por nós visitados. O Paredão tem a altura de 5m, coberto de uma camada de terra vegetal pouco profunda. O calcário cai também sobre a praia em blocos enormes incrustados de cristais de aragonita, que a ação dissolvente das águas deixa por fim a descoberto. Apesar do costume geral da população do Tapajós, como de todo o interior da Província, de abandonar suas habitações para embrenhar-se nos seringais durante o verão, encontra-se, contudo, muitas casas a margem do rio, tratadas com esmero e apresentando aspecto risonho e animado, com boa plantação de árvores frutíferas e criações de animais domésticos. O terreno cortado pelo Tapajós passa, com bom fundamento, por um dos mais ricos do vale Amazonas, não só pela infinita variedade e valor de seus produtos naturais, como por sua prodigiosa fertilidade. Todo o baixo Tapajós, além das incontestáveis riquezas nativas, que encerra, apresenta também um quadro ameno e alegre; quando, porém, se penetra nas suas cachoeiras aquela cena risonha muda-se totalmente. Não nos foi possível chegar além das do Boburé; mas pelo que até ali vimos e experimentamos e pelo que pessoas de confiança nos informaram podemos concluir que é impossível estabelecerse navegação regular na parte encachoeirada. Subimos as cachoeiras em pequena igarité, de lotação de 200 arrobas, carregada apenas de mantimento necessário para o consumo da viagem. No limitado espaço, que ficava desembaraçado de carga, manobravam 20 homens para, com extremo esforço, arrastar a igarité contra a corrente. Raras vezes a tripulação pode empregar o remo, quase sempre é obrigada a recorrer a zingas, isto é, grandes hasteas de rija madeira armadas de ponteira de ferro. Aplicam esta sobre a pedra, que obstrui o leito do rio, e, apoiando-se com o peso do corpo sobre a hastea, impelem a canoa para diante. Em outras ocasiões, porém, nem mesmo das zingas podem fazer uso. Então, toda a tripulação salta a àgua e vai se agarrando, cada um como pode, pelas pedras, equilibrando-se a custo contra a força da corrente, estendem longas espias e por elas vão puxando, arrastando lentamente a igarité. Esta é a navegação nas partes intermédias das cachoeiras. Nas cachoeiras, novas precauções e novos esforços são necessários. Começa-se por baldear para a terra toda a carga e depois transporta-la a ombros por caminhos tortuosos até um ponto superior à mesma cachoeira. Neste trabalho emprega-se às vezes um dia inteiro e mais. Trata-se então de fazer transpor a canoa inteiramente descarregada. Parte da tripulação salta à água agarrando-se aos rochedos e trabalhando com espias; a outra parte trabalha com a zinga; o proeiro, evitando com todo o cuidado que a proa vá de encontro às pedras ou se desvie para o lado da corrente, e o piloto guiando a popa. Assim se vai arrastando a canoa até o ponto onde está a carga depositada, que se embarca para recomeçar de novo o mesmo trabalho, e para não fazer ás vezes mais de uma ou duas milhas de viagem por dia. Além de todos estes incommodos ainda sofremos chuvas frequentes, que nos ensopavam a bagagem e que apenas davam tempo de preparar a comida às pressas. O estampido das cachoeiras ensurdecia-nos e um enxame de mosquitos não nos deixava um momento de repouso, nem de dia nem de noite. O veneno sutil destes insetos e particularmente dos borrachudos nos fez inchar os pés, as mãos e o rosto, produzindo uma coceira desesperadora. Desde a cachoeira do Maranhãozinho até a de Boburé, o rio está todo obstruído por grandes ilhas, que só deixam entre si pequenos intervalos, formando assim um verdadeiro labirinto. Por toda a parte se encontra pedras, que ora surgem à superfície das águas, ora ficam submersas, produzindo grandes redemoinhos ou rebojos. Outras vezes as águas despenham-se sobre rochedos e rebentam em cachões. Convém precisar aqui o sentido da palavra – cachoeira. Nem sempre se encontra verdadeiramente cachoeiras ou catadupas, isto é, descarga de grande massa d’água despenhando-se para um nível muito inferior. Quando se diz cachoeira de Apuy ou Boburé, é porque nestes pontos a navegação se torna mais difícil; na verdade, porém, esta maior dificuldade provém mais da estreiteza, tortuosidade e obstrução dos canais do que da grande e repentina diferença de nível. Na descida do rio a navegação ainda é incontestavelmente mais perigosa. Pela sucinta descrição, que acabamos de dar, V. Exc. fará ideia de quão trabalhosa e dispendiosa é a navegação do Alto Tapajós. Entretanto, no princípio do verão quase toda a população do Baixo Tapajós penetra pelas cachoeiras para ocupar-se da extração da borracha. Há famílias, que fazem viagem de dois meses e mais para chegar ao ponto onde têm de fixar-se durante essa estação. Quando se pensa que estas viagens só podem ser feitas em canoas de pequena lotação; que são precisos dez, vinte e mais homens para tripula-las; que a maior parte da carga consta apenas de mantimento indispensável para o consumo; quando se pensa que os artigos de primeira necessidade são por preços elevadíssimos e que estas viagens, além de perigosas, são demoradas; deve-se logo calcular que o lucro da borracha não poderá cobrir tão desproporcionadas despesas, e que o comércio aqui se acha em condições mui desvantajosas. Infelizmente esta é a verdade! A população, que se emprega na extração da borracha nas cachoeiras do Tapajós, para vendê-la aos regatões, não pode obter e nem obtém efetivamente senão um lucro puramente ilusório. Quando regressamos de Boburé, um seringueiro veio pedir-nos que o deixássemos vir em nossa companhia para auxilia-lo na passagem das cachoeiras. Relataremos este fato, porque pinta ao vivo a maneira de viver daquela gente. Este homem vinha em uma pequena canoa trazendo consigo toda a sua família, que se compunha da mulher, um filho menor de 5 anos, outro de 5 e outro ainda de peito. A mulher guiava o leme e ele a proa, e o filho maior tomava cuidado do menor. No fim do dia, depois de muito trabalhar, armavam a rede na praia e dormiam tranquilamente ao relento. Contou-nos que trabalhara todo o verão, que extraíra 10 arrobas de borracha, mas que a entregara toda ao patrão, e restando-lhe menos de 20$000 em dinheiro! Era este todo o lucro, que obtivera, sofrendo rudes trabalhos, passando privações e expondo a cada momento nas cachoeiras a vida de sua mulher e tenros filhos. Note-se que este homem, bom trabalhador, possui no baixo Tapajós excelente casa, terrenos fertilíssimos, e uma boa plantação de café. Meia dúzia de negociantes ou lavadores mais abastados locupletam-se com o trabalho da população índia do Tapajós, que vive em completa ignorância de seus interesses e de seus direitos. Assim a população de uma das mais ricas regiões do mundo, vive quase na miséria e na desmoralização! Os homens mais sensatos, porém, já se vão desenganando dessa irresistível fascinação, que os arrastava para os seringais. Vimos várias casas, cujos proprietários tinham abandonado o tráfico da borracha, para ocupar-se da lavoura, nas quais reina a abundância e o bem estar, o espírito de família se desenvolve; os filhos recebem educação mais regular, e a moral reivindica o seu direito, porque a independência, e a paz e felicidade doméstica nunca deixam de vir coroar os esforços do lavrador. III. O clima do Tapajós é temperado e o calor moderado por constante viração. O termômetro, desde 18 de novembro a 18 de dezembro, oscilava de 25° a 29° centigrados. As febres, que em alguns lugares da província tornam-se endêmicas, aparecem ali poucas vezes, e isso mesmo na época em que o rio começa a encher, a que os habitantes chamam repiquete. As riquezas naturais contidas em seu seio são imensas; entretanto os moradores do baixo e alto Tapajós, em geral, entregam-se à extração da borracha e fabrico de guaraná. A salsa existe em grande abundância e poucos são os que se dedicam à extração deste producto. O óleo de copaíba e a castanha, que também podiam concorrer para a receita da província, e que se encontra em grande quantidade, não tem quem deles se ocupe, sendo a sua exportação quase nula. Ricas madeiras de construcção existem nas matas virgens do Tapajós, como o pau d’arco, murapinima e outras muitas de grande preço em nosso mercado. Aí também se nota extensas minas de calcário, que abragem uma área de muitas milhas quadradas, próprias para o fabrico da cal. O Sr. Silva, negociante em Santarém, nos informou que na pedreira de Ipá-Pixuna tem-se encontrado mármore, e nos deu uma amostra de gipso já calcinado, de que nos afirmou existir no rio Cupary (sic) uma grande mina, que se estende a mais de 9 milhas. Além da cal poderemos ter muito boa pedra de cantaria, talvez em nada inferior a que nos vem de Portugal. É nossa opinião que as minas calcarias, ali existentes, constituem uma das principais riquezas do rio Tapajós. A agricultura, porém, está em um completo atraso, como em quase todo o Brasil, e principalmente nesta província onde a ambição ilusória da borracha faz desprezar tudo e abandonar casas durante o verão para depois começar uma vida nova. No entanto, conta-se já alguns engenhos de cana para o fabrico de cachaça e mel. Alguns lavradores, convencidos de que é fictício o lucro proveniente da borracha, se têm ultimamente dedicado à cultura do café, cuja exportação anual é superior a 300 arrobas. Além disso, fazem roças e outras plantações, como a do tabaco, que é reputado por elevado preço, nesta praça, e que lhes deixa bom resultado. As terras do Tapajós, em geral, prestam-se a todo o gênero de cultura própria desta província. Não é raro ver-se algumas pequenas fazendas de gado. Mesmo em algumas malocas de índios mais civilizados encontra-se criação de carneiros, perus, patos, galinhas e algumas cabeças de gado vacum. Geralmente os índios Mundurucus são bastante trabalhadores, e em suas malocas sempre ai encontra boa farinha, peixe e carne de caça moqueados. Não deixou de causar-nos impressão o fato que observamos, de as mulheres trabalharem mais que os homens, o que não acontece pelo interior, somente entre os índios. Os homens ordinariamente dedicam-se à caça e à pesca, exercícios suaves, e mandam as mulheres para trabalhos de roças e da colheita de suas plantações, etc. Os dados estatísticos, que podemos colher são mui incompletos. Procuramos obtê-los oficial e particularmente, mas não fomos bem sucedidos, apesar de nossos esforços. Eles seriam de incontestável utilidade não só para o governo como para o comércio. A Vila de Itaituba, que está situada a 4° 19’ 25’’ de lat. S. e 12° 22’ 10’’ de long. Ocidental do meridiano do Rio de Janeiro, à margem esquerda do Tapajós, conta 33 casas, a maior parte delas cobertas de telha e bem construídas de excelentes materiais. A igreja Matriz está bastante velha e arruinada; achando-se começada a construção de uma outra, que já tem as paredes da frente e as duas laterais levantadas de pedra e cal, para cuja conclusão já existe no arquivo da Secretaria do Governo um plano, pelo que deixamos de entrar em maiores minuciosidades a respeito. Em todo o município há apenas uma escola de ensino primário para o sexo masculino, na sede da vila, a qual foi no ano passado frequentada somente por 7 alunos! Segundo a nota que nos foi oficialmente fornecida pelo colector, se conta dentro da vila de Itaituba 8 casas de comércio, sendo 4 nacionais e 4 estrangeiras; e existindo fora mais 7, e em todo o município 19 canoas de regatões, que vão anualmente negociar além das cachoeiras; e 7 lojas ambulantes, empregadas no comércio do guaraná com a tribo dos Maués. O rendimento da Coletoria, de janeiro de 1870 a junho de 1871 foi de rs 6:630$000. As mercadorias ali são vendidas por preços exagerados, principalmente nas cachoeiras, onde os gêneros de primeira necessidade são comprados a capricho do vendedor. Assim, o preço da farinha oscilla de 5$ a 10$000 rs., e do peixe seco, de 14$ a 18$000 e às vezes a 20$000 rs. Os cuiabanos vem anualmente à Itaituba comprar guaraná, que é vendido por 60$ e 80$000 rs. a arroba. Hoje que se acha estabelecida a navegação direta para Itaituba, tudo mudará de face. Haverá completa revolução no sistema de vida dos habitantes do Tapajós. A navegação a vapor é incontestavelmente um dos elementos mais poderosos de civilização e progresso, máximo quando emana de um centro, onde se pode encontrar todos os recursos. O comércio, que até hoje limitava-se à praça de Santarém, se desenvolverá mais facilmente, e em pouco tempo tomará maior incremento. Com a navegação direta evita-se a baldeação das mercadorias no porto de Santarém: ha diminuição nas despesas e tempo, e por consequência, poderão os comerciantes em Itaituba vender suas mercadorias por menor preço. O rio se tornará mais conhecido; a nossa praça estará mais ao fato das ocorrências comerciais; não faltarão especuladores, que ali se queiram estabelecer; haverá concorrência; aparecerá talvez o espírito de associação e, portanto, maior afluência de capitais: maior desenvolvimento de civilização e, consequentemente, maior número de braços livres para o trabalho. Em uma palavra, os produtos de exportação crescerão ao triplo e serão distribuídos pelas praças de Santarém e Pará. O comércio ali ainda está circunscrito a um círculo mui limitado. É, portanto, preciso a concorrência, uma das fases da liberdade, para extinção do monopólio, sem o que não poderá haver progresso, civilização, indústria, agricultura, nem mesmo liberdade de ação. A concorrência é uma potência, que dá vida e animação à atividade social e, segundo a expressão de Montesquieu, é “a alma e o aguilhão da indústria”. É ela incontestavelmente o elemento principal de todo o sistema mercantil, e debaixo de qualquer ponto de vista, que se considere, constitui um dos principais geradores da ordem das sociedades. A concorrência traz o estímulo, torna a indústria mais fecunda, e se ela por si só constitui um dos elementos de prosperidade, as associações concorrem por seu turno para a civilização e progresso. A falta de braços livres para o trabalho parece-nos resultar antes do modo de viver da população. Geralmente, cada índio do Tapajós não pode viver senão debaixo da tutela de um patrão, a quem confia toda a sua existência; assim como o obedece cegamente, assim também só dele espera a alimentação, a vestimenta, etc., e dali provém a ociosidade, os maus costumes e a completa indiferença para consigo mesmo; desta forma o trabalho desses homens consiste apenas no emprego da força bruta. São verdadeiros autômatos, que só fazem o que se lhes manda e ordena. Logo que ali penetrarem os raios da civilização, que lhes fizerem compreender os fóros de cidadão, de homens livres e independentes, podendo viver sobre si, tornando-se responsáveis pelos seus atos, quando compenetrarem-se dos deveres e das obrigações, que contraíram para com Deus e para com a sociedade, então haverá transformação completa nos costumes e em todo o sistema de vida, e serão eles felizes. IV. O Tapajós, que em seu seio encerra tanta riqueza, oferece um vasto campo de estudo ao espírito. Nas praias de Itaituba, além de grandes variedades de seixos rolados de quartzo, encontramos muitos fósseis pertencentes ao terreno carbonífero. Espécies diferentes de spirifer e productus (sic), outros pertencentes às famílias Nautilidoe gêneros Nautilus, Orthidoe, gênero Orthis Rhinchonellidoe, gênero Atrypa, etc; Só de Itaituba consta-nos que o ilustre professor Hart colecionara uma quantidade de fósseis para enriquecer um gabinete. No igarapé Bom Jardim colhemos muitas amostras de calcário, algumas de quartzo e quatro zoophitos fossiliferos. No Paredão encontramos muita variedade de grés, uns moles, outros de grão fino e bastante duros. Nas praias do Painim apenas achamos algumas amostras de grés ferruginoso e quartzo ágatha. Em uma barranca, à margem direita, três milhas acima do Painim, encontramos pequenas pedras mui brilhantes, de suphureto de ferro, enterradas em uma camada de schisto bastante mole, que formava a barranca, abrangendo uma pequena extensão. A tripulação, que nos ouvia falar nas riquezas do rio Tapajós julgou que fossem diamantes, e, escavando com mais afinco, fez uma boa colheita desse mineral. Uma milha abaixo do Painim existe uma ilha, que apresenta o aspecto de uma fortaleza, formada quase de um só bloco de Porphyro. Na parte encachoeirada o rio alarga-se consideravelmente: grande número de ilhas, semeadas aqui e ali, parecem fechar-lhe completamente o curso. Ali encontramos paredões de Porphyro (sic) à semelhança de muros, como se fossem feitos pela mão do homem. Blocos imensos de pedras com arestas mais ou menos vivas e entre estes um, que mais chamou a nossa atenção, pela forma regular, que afetava de uma pirâmide quadrangular. Informaram-nos que no leito de um córrego nas proximidades das cachoeiras de Coatá, algumas pessoas haviam tirado ouro. Apesar de nossos bons desejos, tivemos a infelicidade de encontrar o córrego cheio, porque o rio tinha crescido mais de 1 m e 30 cm. O sr. Silvério de Albuquerque Aguiar Leverger, natural de Goiás e prático na mineração do ouro, nos acompanha trazendo uma bateia para estas pesquisas. Asseveraram-nos que no rio S. Manuel, um dos maiores afluentes da margem direita do Tapajós, alguns Cuiabanos têm tirado ouro, e o sr. Leverger fez-nos o favor de mostrar uma pequena porção, que havia comprado, trazida desse rio. Posto que para nós a existência do ouro não seja a melhor fonte de riqueza, contudo a ambição, que se desenvolve na população, traz em resultado não só a afluência de trabalhadores como também a de capitais. Foi assim que a província de Minas Gerais tornou-se em pouco tempo uma das mais populosas e florescentes do Brasil. O Tapajós deságua no Amazonas por duas bocas formando um grupo de várias ilhas. Em todos os roteiros de viagem na província se faz constantemente a mesma observação relativamente a todos os outros rios. Pode-se, pois, estabelecer como um fato geral a formação de deltas à foz dos grandes rios do Vale do Amazonas. Sabe-se que este nome deriva-se do arquipélago, que jaz à foz do Nilo, porque afecta a forma triangular semelhante ao delta, 4ª Letra do alfabeto grego. Depois do Nilo observou-se o mesmo fenômeno na foz de todos os grandes rios, que deságuam no mar, entre os quais citaremos o Ganges e o Eufrates na Ásia, o Níger e o já citado Nilo na África o Ródano e o Reno na Europa, o Mississipi, Orenoco, Amazonas e outros muitos na América. No vale do Amazonas, onde os rios afluentes são inumeráveis e extensos como os maiores, que deságuam no mar, observa-se sempre os mesmos fenômenos, como na junção do Guamá com o Mojú, do Xingu com o Amazonas, etc. Estas ilhas, formadas pelos depósitos sedimentários transportados pela corrente do rio, cobrem-se, por fim, da terra vegetal, bastante espessa para deixar espaço ao livre desenvolvimento das árvores, que não tardam em vir sombreálas. A primeira ilha formada desvia a corrente das águas, e outra ilha se forma, e enfim o arquipélago pela ação incessante das mesmas causas naturais. V. De Itaituba fomos até o Bom Jardim, igarapé que deságua uma milha acima desta Vila. Este riacho, aliás, de um curso bastante extenso, abriu o seu leito pelo meio da mina de pedra calcaria até uma profundidade de 6m e 60cm. O leito, as margens, o terreno adjacente, é todo formado de excelente pedra mui própria para o fabrico da cal. É este, pois, o terceiro ponto onde a mina aflui à flor da terra: pois já notamos que ela se mostra também a descoberto em enormes massas, primeiro no morro de Ipá-pixuna, à margem direita, 20 milhas abaixo de Itaituba, e depois no Paredão, à margem esquerda, cerca de 7 milhas acima de Itaituba. Além destes pontos, pessoas que nos merecem confiança, informaram-nos que também se encontra à flor da terra no furo do Caranazal, 3 milhas abaixo de Ipá-pixuna, que é todo formado de calcário, e no morro de Camicá-peteca, que se encontra na estrada, que vai às terras dos Maués, cerca de 4 milhas distantes da margem esquerda do Tapajós. Pode-se, pois, com razão supor que a área compreendida entre as linhas, que se cortam nos pontos indicados, tenha por base rochas calcarias. As rochas de sedimento apresentam-se ordinariamente em grandes massas e extensão, e é possível que aqui também a mina se estenda além do polígono figurado, e que o próprio Tapajós como o Bom Jardim, seu afluente, tenha aberto seu leito através destas rochas. A mina, porém, se acha coberta em toda sua extensão, de uma espessa camada de terra vegetal mais ou menos profunda, e em todo o caso suficiente para a livre vegetação das matas. Como quer que seja, basta a parte que está a descoberto para afirmar-se que a mina é realmente grande, profunda, de fácil exploração por se achar á margem do rio. Deixamos de mencionar aqui outros pontos, onde se afirma haver a mesma substância, por não nos oferecerem muito crédito essas alegações. Também não nos descuidamos de procurar o mármore ao menos sob a forma de estalactites e estalagmites como costuma haver nas grutas formadas em terrenos desta natureza, mas por falta de tempo, como dissemos, deixamos de prosseguir as pesquisas mais minuciosas. No morro de Camicá-peteca, porém, se encontrará provavelmente grutas em que se descobre forma de estalactites e estalagmites, mármore, conhecido na arte estatuária pela denominação de “alabastro calcário”, e empregado de preferência pelos antigos para fabricar grandes alampadas destinadas a dar luz pálida e misteriosa em seus templos. O emprego da pedra calcária para o fabrico da cal, nos parece uma indústria de utilidade real, pois é geralmente sabido que a cal e diversos cimentos são elementos indispensáveis para a construção tanto de obras públicas como particulares, por conseguinte o consumo deste artigo é muito considerável. Levados por estas considerações submetemos ainda à esclarecida atenção de V. Exc. algumas reflexões sobre estas matérias. É opinião nossa que a indústria pode tirar grande partido das minas calcárias do Tapajós, criando um novo e importante ramo de comércio. À margem do Igarapé Bom Jardim existem dois pequenos fornos, construídos de adubos grosseiros e cobertos de ligeiro teto de folha. Ambos são, pouco mais ou menos, das mesmas dimensões, colocados sobre as camadas de pedra calcária. Medimos um deles e achamos um diâmento de 2 m e 80 cm, e altura de 3 m e 20 cm, o que lhe dá a insignificante capacidade de 20 metros cúbicos. Cada um destes fornos, disseram-nos ter custado menos de 200$000 réis, e além de se achar sobre uma mina calcária inesgotável, está também junto a extensas matas, onde se encontra combustível em grande abundância. Quando o forno está cheio ataca-se fogo, a combustão continua por si, e no fim de 4 ou 5 dias a calcinação está completa. Cada fornada tem dado regularmente 950 á 1.000 alqueires de cal e, portanto, cada forno pode produzir anualmente 25.000 alqueires; e em Itaituba tem sido vendido à razão de 1$000 rs. pouco mais ou menos cada alqueire. Ora no Tapajós o jornal de um trabalhador, até aqui, nunca atingiu a 1$000 rs. diários; supondo, porém, mesmo que seja elevado ao dobro, podemos fazer por cada forno o cálculo seguinte da despesa e produto anual: Receita 25.000 alqueires de cal a 800: ... 20:000$000 Despesas Jornal de 10 homens a 2$000 diários: 6:000$000 Diversas: ... 2:000$000 (Subtotal das Despesas): 8:000$000 Lucro anual: ... 12:000$000 Quem examinar os elementos deste cálculo verá que as despesas são tomadas ao máximo e a receita no mínimo e não o encontrará de certo exagerado. Assim, o custo de produções de cada alqueire de cal vem a ser 400 réis, podendo reduzir-se a muito menos; e um capital de 8 ou 10 contos, empregado nesta indústria, pode produzir no fim do ano o avultado lucro de 12:000$000. Infelizmente, porém, uma produção em maior escala não acharia consumidor no município, e teria necessariamente de circunscrever-se a um círculo mui limitado. A cal seria para Itaituba importante artigo de exportação; mas nas condições atuais o frete absorveria todo o lucro. A exploração, portanto, desta rica mina pela indústria depende sobretudo do frete. Compreendemos toda a importância deste problema, não ousando aventurar nossa opinião sobre a maneira de resolve-lo. O comércio é, sem dúvida, mais habilitado para auxiliar com sua experiência e prática os bons desejos da administração. Se não houver possibilidade de reduzir o frete a ponto de haver vantagens para essa indústria, a mina calcária será um tesouro perdido por muitos anos. Também é nossa opinião que será mais vantajoso exportar a pedra calcária tal qual sai da mina, para ser aplicada ao fabrico da cal em Santarém, Belém e outros centros de maior consumo, porque a pedra depois de reduzida a cal, no ato da caldeação, toma um volume duas ou três vezes maior. Calculada nestas condições esta importante indústria poderá sustentar a concorrência com a cal exportada do exterior; e se se desenvolvesse em condições vantajosas e em grande escala, talvez a população do Tapajós se aplicasse de preferência a ela, visto como a extração da borracha no meio das cachoeiras exige sacrifícios inauditos e traz consigo o grave inconveniente de converter populações fixas e agrícolas em hordas errantes e desmoralizadas. VI. Os autores, que se tem consagrado ao estudo das tribos indígenas do Brasil, as consideram todas oriundas de duas raças distintas, que são a dos Tapuyos e a dos Tupys; estes procedendo de algum ramo da raça caucásica, e aqueles da grande raça mongólica. Os Mundurucus, por seus caracteres físicos e morais, por sua índole e costumes, e por suas tradições e crenças, procedem evidentemente dos Tupys, e talvez sejam hoje em todo o Vale da Amazonas, a mais nobre relíquia dessa grande e infeliz raça. Desde o princípio do século atual (1817) Ayres de Casal dera o nome de Mondurucânia ao extenso e opulento território, que medeia entre o Madeira e o Tapajós, em honra da tribo Mondurucú (sic), que já então gozava de toda preponderância nessas regiões. É uma tribo industriosa e ativa; valente na guerra e indomável; amiga fiel, mas também inimiga terrível quando provocada. No baixo Tapajós existem as povoações de Uxituba, Cury, Santa Cruz, etc., provenientes em grande parte desta tribo. Entre as cachoeiras encontra-se as malocas Mundurucús, denominadas Boburé, da Montanha, da Maloquinha, Ponta Grossa, Rato, Curuçá, Babacal, Boa-Vista, Jacaré-canga, Iry, etc. Fora do Tapajós esta tribo concorreu também com gente sua para formar várias outras povoações; mas a maior parte dos Mundurucus acha-se agora fixada na grande taba das Campinas. Aí vivem independentes, segundo os seus antigos costumes, nus, empregando-se na caça e pesca e em alguma indústria agrícola, obedecendo mais a seus próprios caprichos do que às ordens de seus Tuxauas. A taba compõe-se de muitas malocas pequenas, colocadas à pouca distância uma das outras e comunicando todas entre si. Está situada à margem direita do Tapajós, um tanto distante do rio, na linha que separa as grandes florestas amazônicas dos campos gerais, que vão até Mato-Grosso. Todos os anos, no verão, os guerreiros Mundurucus armam-se e vão bater outras tribos com que não têm relações de paz e amizade. Antigo costume Tupy consagra maior consideração ao guerreiro, que mais valente se mostra nos combates; além deste, porém, outras razões principais incitam os Mundurucus a estas correrias, – a conveniência de possuir uma certa extensão de território em que possam caçar livremente sem encontrar inimigos nem concorrentes; e o interesse de aprisionar os filhos e mulheres das tribos inimigas, os quais ficam sendo tratados e considerados como fazendo parte da própria tribo Mundurucu, que assim vai engrossando todos os anos as suas fileiras. A habitação dos guerreiros, nas campinas, é separada da das mulheres. Para aqueles constroem uma espécie de quartel, extensa casa coberta de palha, onde estendem suas redes às vezes em número de 80 á 100, e à noite acendem uma fogueira em cada intervalo de duas redes. Encontramos o velho Tuxaua do Boburé gravemente doente, deitado em uma rede em frente de outra em que estava sua mulher, e entre eles ardia constantemente uma fogueira mesmo durante o dia. Este índio, de forma atléticas, tinha o peito e rosto pintado de jenipapo, e assim também a mulher e mais gente da maloca. Em frente dos quartéis os Mundurucus campineiros levantam outro casarão destinado às mulheres e às filhas dos guerreiros, às crianças de tenra idade e aos anciões decrépitos. Logo que curumi (índio pequeno) pode manejar o arco, é transferido da casa das mulheres para a dos guerreiros. A crença supersticiosa do feitiço ainda se acha profundamente arraigada no espírito destes silvícolas. O feiticeiro, que até os fins do século passado era punido de morte entre as nações mais cultas da Europa, ainda o é hoje entre os Mundurucus das campinas. Se alguma pessoa de consideração cai doente e a enfermidade se mostra rebelde à ação dos remédios, os parentes e amigos não tardam em suspeitar o feitiço. O curandeiro, que eles denominam pajé, procurando afastar de si a responsabilidade do mau efeito de seus remédios, trata de confirmar a suspeita. À força de insistir neste pensamento, os amigos do doente chegam a convencer-se de que algum dos desafetos é realmente a causa de seus sofrimentos e esse é logo olhado como o feiticeiro. Então quatro ou cinco dentre eles tomam as armas e dirigem-se para a maloca, residência do indigitado. Em qualquer parte onde o encontrem, em pleno dia, rodeado ou não de amigos e parentes, chegam-se a ele e o matam. Os próprios parentes da vítima, às vezes o pai, a mãe, ou filho, não ousam levantar a menor reclamação nem queixa e guardam silêncio profundo. O cadáver é então arrastado para um campo distante, e aí reduzido a cinzas. Por mais singulares que nos pareçam estas aberrações do espírito humano, não nos devem surpreender, porque nações mais civilizadas cercavam de maior aparato, e de maiores torturas estas atrozes execuções. Disseram-nos que há anos os Mundurucus esperavam que os cristãos se retirassem dos seringais para então entregar-se a estas tristes vinganças. Agora, porém, não guardam reserva alguma, animados pela indiferença dos regatões, que por aí vão traficar. Quando o Mundurucu mata o inimigo, em combate, corta-lhe a cabeça, que traz para a maloca como troféu, extrai-lhe os miolos e os olhos e a expõe cuidadosamente ao fumeiro por dias sucessivos. Esta operação é feita com tal habilidade, que a cabeça conserva-se com a cabeleira toda e quase com a cor natural. Em lugar dos olhos colocam breu no orifício e atravessam dois dentes de cutia, de tal sorte que a cabeça conserva certo ar animado. O vencedor leva este troféu de maloca em maloca, e em toda essa marcha triunfal é recebido com distinção e proclamado valente entre os guerreiros. Só a muito custo desfazem-se destes troféus, e às vezes os vendem aos regatões e aos raros viajantes, que ousam por ali penetrar. Se o Mundurucu é morto em combate, seus ossos são piedosamente recolhidos e em certo e determinado dia reúnem-se os companheiros de guerra e parentes para pranteá-lo, e comemorar seus feitos e suas virtudes. São os Mundurucus das campinas; intrépidos caçadores, afeiçoados aos cristãos a quem recebem com agrado quando penetram suas malocas. Os negociantes do Tapajós consideram todos desta tribo como muito bons fregueses, trabalhadores e fiéis a seus compromissos, e nestas condições podem auxiliar eficazmente a comunicação da Província do Pará com a de Mato-Grosso. Tinham apenas decorrido dez anos depois que Francisco Caldeira Castello Branco lançara os fundamentos desta cidade de Belém, quando penetrou no rio Tapajós (1626) o mais distinto de todos os oficiais da expedição portuguesa. Falamos de Pedro Teixeira, o mesmo que para ir levar a Maranhão a noticia do feliz resultado da expedição de Castello Branco não receou embrenhar-se em ínvias matas; o mesmo que, à frente de um pequeno destacamento e alguns índios teve a glória de subir o Amazonas e de transpor os Andes até Quito; o mesmo que expulsara os Holandeses do Xingu, e que se encontrava sempre na vanguarda de todos os combates, que se feriram para sustentar a nova e débil colônia contra as correrias e assaltos dos Tupinambás e outros inimigos do nome português. Baenna descreve seguindo Berredo, a entrada de Pedro Teixeira no Tapajós pelo modo seguinte: “Encarrega o governador e capitão general do Estado do Maranhão e Pará (Francisco Coelho de Carvalho), ao capitão Pedro Teixeira resgates de escravos indígenas bravios para o trabalho material da capitania. Parte este capitão da cidade com um religioso capucho, 26 soldados e avultado número de índios. Chega à aldeia dos Tapuyussús: sabe que estes têm tratos com os índios Tapajós no rio, que deles extrai o nome: endereça-se para lá; entra nele obra de doze léguas: descobre em um sítio alcatilado de viçosa relva, amenizado por uma nascente de água a mais cristalina, e cercado de frondosas árvores; os Tapajós, já noticiados desta visita pelos seus amigos Tapuyussús a quem ele generosamente subornava. Acha benévolo acolhimento e um trato menos bronco; o qual, segundo as suas pesquisas, lhe pareceu verossímil terem-no adquirido nas possessões castelhanas, onde haviam estado. Detêm-se ali pouco tempo: aquista algumas estrivas (sic) de palhinha e pacarás de gentil matiz, e poucos escravos, porque os Tapajós raras vezes toleram o uso de se comutar homens por mercadorias”. A tribo dos Tapajós, que todos, entretanto, consideram como valente e generosa, não conservou-se por muitos anos, e hoje dificilmente se encontraria vestígios dela. Em 1762 o bispo D. frei João de S. José, Monge Beneditino, em visita pastoral na Diocese, chegou até o rio Tapajós, e fala dessa tribo como já tendo existido, sem contudo dizer que fim levara. Nessa época ainda os Mundurucus não tinham conquistado o vale do Tapajós, onde hoje dominam e, portanto, é sem fundamento a opinião, geralmente admitida, de que os Tapajós foram por eles exterminados. Nós cremos que os índios Tapajós chegaram a dominar somente a foz do rio, em Santarém, hoje cidade, onde tinham sua principal taba, e as margens do Tapajós. Uma pequena aldeia, situada junto à cidade de Santarém, é a última relíquia, que nos ficou dessa tribo, que deu seu nome a todo o rio. Ainda hoje, perguntando-se aos habitantes como se chama o rio em língua Tupy, respondem: Tupayú-Paraná (rio dos Tapajós), ou então Paraná-Pixuna (rio preto) e, particularmente dão o nome de Tupayú a Santarém, porque ali existiu a principal taba. Parece que os Mundurucus, que apareceram pela primeira vez no rio Madeira, desceram das vertentes até a foz, passando depois para as margens do Tapajós, e levando de vencida diante de si as tribos, que encontravam em sua passagem, e vieram a dominar completamente toda a extensa região, que medeia entre os dois rios. A tribo dos Maués, ainda numerosa, aplica-se à importante cultura e fabrico do guaraná, e de bravia e errante que era, foi domada, dizem, pelos Mundurucus, que à força de constantes ataques obrigaram a fixar-se e estabelecer relações com os cristãos. O mesmo se diz dos Apiacás, que habitam o Alto-Tapajós, e que são um poderoso auxiliar aos Cuiabanos, que todos os anos descem à compra do guaraná. Os mundurucus exterminaram a bela tribo dos Parintins, e agora perseguem com ataques repetidos os Parintins, que andam vagando entre o Tapajós e o Xingu. Às vezes estes indígenas aparecem em pequenos grupos, e logo desaparecem, sem nunca fixar-se, porque receiam encontrar inimigos Mundurucus e não esperam encontrar amigos nem protetores entre os cristãos. Eram em grande número as tribos indígenas, que há um século habitavam o Tapajós. Citaremos entre outras as de Uarupás, Apaunuariás, Marixitás, Amanajás, Apicuricús, Morivás, Moquiriás, Jacareuarás, Anjuariás, Apecuriás, Senecuriás, Perequitos, Necuriás, Surinanas, Motuari, etc. O Bispo D. João de S. José, tinha dito: “Bastaria um sertão de qualquer rio, e não os maiores, para povoar Portugal (como está habitado o Minho) desde Ayamonte a Tuy”. Chegando às margens do Tapajós exclamou ele: “Reflita o leitor se bastaria um rio para povoar Portugal, sobejariam as 60 léguas do Arinos para ocupar as 80, que contém na sua maior longitude o reino desde Ayamonte a Tuy”. Os padres da Companhia de Jesus fundaram uma missão na grande Taba de Tupayú, e Manoel da Motta Siqueira colocou à sua custa um fortim, cujas ruínas existem ainda. Assim dominaram os portugueses a foz do Tapajós. O governador e capitão general, D. Francisco Xavier de Mendonça Furtado, criou a Vila de Santarém, de conformidade com a lei de 6 de junho de 1755, que mandava elevar à categoria de lugares ou vilas, segundo a sua importância, todas as aldeias missionadas pelos padres da Companhia, ficando sujeitos à jurisdicção do Ordinário. Esta lei, cuja execução foi incumbida ao capitão general, irmão do Marquês de Pombal, já denunciava o pensamento deste celebre ministro de expulsar essa Ordem Religiosa, como de fato expulsou, dos domínios de Portugal e Brasil, no ano de 1759. Achando-se os portugueses fortificados em Santarém começaram, como então era de costume, a invadir os sertões capturando os índios de tribos mais fracas, e reduzindo-os à escravidão. Já vimos que os Tapajós reprovavam esta iniquidade, quando em suas aldeias penetrou Pedro Teixeira, que, todavia, não julgou conveniente agredi-los. Uma destas expedições, partindo de Santarém, subiu em 1773 todo o baixo Tapajós, penetrou pelas cachoeiras e chegou a um rio desconhecido, que desde então até hoje ficou sendo chamado rio das Tropas. Os portugueses ali encontraram muitos Mundurucus a quem propuseram a compra de escravos; porém, sendo mal recebidos, chegaram a ponto de romper hostilidades. Então os Mundurucus pegaram em armas e opuseram viva resistência. Faltando munição, depois de dois ou três dias de combate, o comandante da expedição deu-se pressa em retirar-se. Os Mundurucus, porém, pondo-se sem perda de tempo em movimento, lançaram-se ao encalço de seus inimigos. Foram então devastando todas as aldeias, massacrando seus habitantes, que assombrados pelo terror, que o nome Mundurucu inspirava, nem podiam defender-se. Chegaram quase ao mesmo tempo que os portugueses em Santarém, que puseram sítio. A guarnição, correndo grande perigo, recolheu-se a toda pressa ao fortim, que dominava a povoação. Numerosos e ousados como eram, os Mundurucus não puderam, contudo, escalar o fortim defendido por armas de fogo. Por fim os sitiados propuseram paz, que foi aceita, e aqueles selvagens recolheram-se a suas tabas, devastando todo o baixo Tapajós. Ainda existem testemunhas presenciais deste acontecimento. Em casa do cidadão Silvério de Albuquerque Aguiar Leverger, junto as cachoeiras, encontramos uma índia velha, cuja idade calculamos em 120 anos. Ela nos disse que achava-se em Alter do Chão quando os Mundurucus desceram cortando a cabeça de todos, que encontraram até Santarém. Perguntamos-lhe se tinha conhecido os padres da Companhia de Jesus: respondeu-nos que sim, que conhecera uns padres, que andavam pelo mato, e que se diziam amigos dos índios. Alguns índios velhos ainda sabem de cor os cânticos, que os jesuítas composeram em língua tupy e faziam cantar nas festas religiosas, que denominavam Sairé. Os Mundurucus, em suas longínquas excursões, chegam até as margens do Xingu, e entretem relações de paz e amizade com os Jurunas. Estes dominam no Alto Xingu, como os Mundurucus no Alto Tapajós. Aqui se conta desses gentios o seguinte fato curioso: No verão os Peapaias, que habitam o centro, aparecem à margem do Xingú e, ao som de buzinas, dão aos Jurunas um sinal convencionado. Os tuxauas desta tribo reúnem então todos os seus guerreiros, e atravessam a margem oposta, onde os esperam os Peapaias. O Jurunas, que já tem relação e comércio com a população do Baixo Xingu, vendem-lhe terçados; e, como não os tem suficientes para todos, reduzem os que possuem a fragmentos, que os Peapaias empregam para fazer seus arcos. Feito este escambo, dá-se um sinal e os guerreiros das duas tribos, empunhando seus arcos e flechas, alinham-se em arco de círculo na praia, e entre eles tem lugar um duelo de morte. Um guerreiro Juruna e outro Peapaia, designados pelos respectivos tuxauas, saem a campo. Com a mão esquerda cada um dos dois guerreiros retém pela cabeleira o seu contrário, empunhando com a direita um curto e rijo tacápe. Assim ajustados, começam a dançar e cantar canções guerreiras, descrevendo círculos sobre a praia, até que a um momento dado os dois guerreiros descarregam simultaneamente um golpe terrível sobre seu inimigo. Se um dos guerreiros morre, a cabeça lhe é imediatamente cortada e arrebatada pelos contrários. Outro guerreiro da mesma tribo toma o seu lugar no torneio e o combate recomeça com as mesmas formalidades. O duelo tem lugar três vezes sucessivas, e combatentes, que sucumbem vão sendo imediatamente substituídos por outros da mesma tribo. Cada um exalta sua coragem com a mesma altivez, como faziam nas justas os antigos cavaleiros. No fim do 3º combate os guerreiros das duas tribos dão uma descarga de flechas sobre os inimigos, a modo de despedida; cortam a cabeça dos mortos contrários e desaparecem. O Juruna, que regressa à sua maloca trazendo uma cabeça de Peapaia é tratado com distinção, durante muitos dias recolhe-se a um lugar isolado, não pronuncia uma só palavra, toma alimentos estritamente necessários para sustentar a vida. Ocupa-se então em fazer flechas, e quando cada flecha é feita, o Juruna atira-a para as costas e os outros guerreiros vêm apanha-la na crença provavelmente de que tem mais virtude do que as outras, e que será mais feliz em suas guerras e caçadas. No fim do prazo determinado o vencedor é pintado com signal particular e considerado guerreiro privilegiado da tribo. Aqui terminamos o nosso trabalho. Sinceramente desejamos que o resultado de nossa comissão seja de alguma utilidade no empenho em que V. Exc. se acha, de desenvolver as forças produtivas da província animado a lavoura e alargando o círculo do comércio. Em resumo diremos a V. Exc. que o vale do Tapajós é extraordinariamente rico, mas ainda em grande atraso. A lavoura conserva-se em embrião. A indústria é quase nula e por consequência o comércio não pode ter grande incremento. A população, que se embrenha pelos seringais, não pode receber educação alguma. A escola de instrução primária que existe em Itaituba, e que é a única do município, só foi frequentada no ano passado por 7 alunos, como já acima dissemos. Entretanto mesmo na Vila vivem vários meninos entregues à ociosidade, ou distraídos em outros misteres. A população índia, na ignorância de seus legítimos interesses e de seus direitos, só trabalha para locupletar os patrões, de cuja tutela não pode ou não sabe prescindir. Havendo, como há, pouco cuidado da parte dos pais de família em dar instrução a seus filhos, não se pode esperar que a geração futura melhore sob este ponto de vista. A inteligência, que é a primeira de todas as forças produtivas, e a que deve dirigir todas as outras, fica ainda inculta como estava. Os descendentes dos aborígenes que foram em outro tempo aldeados e batizados, vivem no baixo Tapajós e às margens de seus afluentes, e só passam as cachoeiras os que, durante o verão, vão se ocupar da extração da borracha. Os gentios vivem nas regiões encachoeiradas. As vistas do governo, a sua ação benéfica e a regular administração de justiça dificilmente pode chegar àquelas alturas. É, todavia, de esperar que este estado de coisa mude pelo impulso, que a navegação a vapor costuma imprimir em todas as regiões por onde passa. É justo esperar-se que a grande revolução econômica, que a navegação tem produzido em todo o Amazonas, se estenda agora por todo o vale do Tapajós, que é um de seus mais ricos afluentes. A comunicação, que V. Exc. tem em vista estabelecer entre esta praça e a província de Matto Grosso, já está assim efetiva em toda linha fluvial do Tapajós, na extensão de cerca de 650 milhas. A estrada, que tem de atravessar as grandes matas passando pelos seringais do alto Tapajós, na direção de Diamantino, chegando às regiões dos vastos campos de Matto-Grosso, poderá se prestar desde logo ao transporte de gado. Enfim V. Exc., que, na qualidade de Juiz de Direito da Comarca de Santarém, bem conhece as necessidades e os recursos do Tapajós, se dignará suprir as lacunas, que por ventura encontre neste nosso trabalho. Deus guarde a V. Exc. Pará, 20 de janeiro de 1872. Antonio Manuel Gonçalves Tocantins. Julião Honorato Correia de Miranda. (Permitida reprodução desde que citada a fonte.) Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós – IHGTap Diretoria Executiva Gestão 2012/2015 Pe. Sidney Augusto Canto Presidente Anselmo Alencar Colares Vice-presidente João Georgios (Jota) Ninos 1º Secretário Paulo Henrique Lima 2º Secretário Alenilson Antônio Mota Ribeiro 1º Tesoureiro Antônia Terezinha Santos Amorim 2ª Tesoureira Conselho Fiscal Efetivos Raimunda Nonata Monteiro Wildson Pinto Queiróz Iza (Tapuia) Maria Castro dos Santos Suplentes: Yago Estouco Rodrigues Francisca Canindé Bezerra dos Santos Ib Sales Tapajós Região Oeste do Pará - 2014