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PEGADA HÍDRICA AZUL DE UMA UNIDADE DE PROCESSAMENTO DE LEITE Zugman, Ilan1 & Palhares2*, Julio Cesar Pascale Resumo - A indústria de leite necessita de grandes quantidades de água para suas operações de recepção e processamento da matéria-prima e higienização da unidade de produção. O trabalho teve como objetivos calcular a pegada hídrica azul de um laticínio, bem como apontar possíveis práticas de gestão do recurso. A pegada azul refere-se ao consumo de água azul (superficial e subterrânea). No cálculo foi considerado somente o uso direto de água pela unidade industrial para suas demandas de processamento do produto e higienização das instalações. O consumo foi mensurado pela leitura diária de um hidrômetro instalado na rede hidráulica de entrada da unidade industrial. O valor médio da pegada foi de 0,25 L de água/kg de leite, sendo a máxima pegada de 1,29 a mínima 0,06 L de água/kg de leite. Comparando esses valores com outros estudos conclui-se que a unidade possuia significativa eficiência hídrica. Práticas e processos relacionados ao tratamento dos efluentes e posterior reúso destes terão impactos na redução do valor da pegada azul. Palavras-Chave - Água; Consumo; Gestão. BLUE WATER FOOTPRINT IN A MILK INDUSTRY Abstract -The dairy industry requires large quantities of water for its operations of reception and processing of the raw material and cleaning of the production unit. The study aimed to calculate the blue water footprint of a dairy, as well as identify possible water resource management practices. The blue footprint refers to the use of blue water (surface and groundwater). In the calculation was only considered the direct use of water by the industrial plant for its demands for product processing and for cleaning the facilities. Consumption was measured by daily reading of a water meter installed in the hydraulic network of the plant. The average footprint was 0.25 L of water/kg of milk with a maximum footprint of 1.29 and a minimum of 0.06 L of water/kg of milk. Comparing these values with other studies it is concluded that the unit had significant water efficiency. Practices and processes related to effluent treatment and subsequent reuse will have impacts on reducing the blue water footprint. Keywords - Water; Consume; Management. 1 2 [email protected] Embrapa Pecuária Sudeste – [email protected] INTRODUÇÃO Preocupações quanto à escassez de água em determinadas regiões do planeta e o desafio de alimentar uma população em ascendência a nove bilhões de pessoas (ONU, 2013) vem causando muitos questionamentos quanto à sustentabilidade dos processos agroindustriais, dentre esses, a industrialização de leite a derivados. A produção de leite está presente em todos os continentes e vem crescendo ano após ano. As taxas de crescimento para as produções de queijo manteiga e leite em pó são de 2% por ano Drasting et al.(2010). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística estima que a produção brasileira de leite em 2014 foi a terceira maior do mundo, alcançando a marca de 37 bilhões de litros de leite, atrás apenas de Índia e dos Estados Unidos. Comparando com 2013, houve um aumento de 5%. A indústria de leite necessita de grandes quantidades de água para suas operações de recepção e processamento da matéria-prima e higienização da unidade de produção. De acordo com a CETESB (2008), o consumo médio está entre 1,0 e 6,0 L/kg de leite recebido. No entanto, em alguns países como os nórdicos, onde existem melhores tecnologias e um melhor gerenciamento, este valor é menor. Riley (2009), afirma que cerca de 550 litros de água são consumidos para produzir 0,5 litro de leite. Para controlar e reduzir o risco da escassez hídrica é preciso primeiramente medir a quantidade de água usada no processo produtivo. Com o objetivo de contribuir para essas avaliações surgiu uma metodologia de cálculo da pegada hídrica. O cálculo se refere ao volume de água consumida durante a produção e consumo de bens e serviços. A literatura científica apresenta vários trabalhos relacionados ao cálculo da pegada azul (litros de água por quilograma de leite produzido) para fazendas leiteiras. Drasting et al.(2010) encontrou o valor de 3,58 L/kg; Huang et al.(2014),11 L/kg e Ridoutt et al.(2010), 14,4 L/kg. Devido a escassez de mais pesquisas nesta área todos os autores mencionaram a necessidade de futuras pesquisas. Também foi constatado que a grande parte dos cálculos foram realizados em fazendas leiteiras, portanto, há uma carência de cálculos para unidade industrial. O trabalho teve como objetivos calcular a pegada hídrica azul de um laticínio, bem como apontar possíveis práticas de gestão do recurso. METODOLOGIA A unidade industrial localizada no município de Descalvado-SP produz leite tipo A, queijos, iogurtes e manteiga. O leite é originado de um rebanho de 1,5 mil vacas em lactação, de um total de 3,6 mil fêmeas holandesas entre jovens e adultas, criadas em instalações FreeStall. A produção media é de 11.500 kg por vaca por ano, com vacas ordenhadas três vezes por dia em uma sala de ordenha “sidebyside” 2x30. O manejo alimentar é baseado em ração e volumoso acrescidos de caroço de algodão, polpa cítrica e minerais. 1 2 [email protected] Embrapa Pecuária Sudeste – [email protected] A pegada azul refere-se ao consumo de água azul (superficial e subterrânea). “Consumo” é entendido como a perda de água no espaço hidrográfico. Essa perda ocorre por evaporação, na incorporação ao produto, a água que retorna para outra unidade hidrográfica e a água que retorna em um período diferente (Mekonnen & Hoekstra, 2011). No cálculo foi considerado somente o uso direto de água pela unidade industrial para suas demandas de processamento do produto higienização e das instalações, portanto as águas incorporadas aos produtos e que retornaram a bacia hidrográfica em um período diferente. O consumo foi mensurado pela leitura diária, durante 63 dias, de um hidrômetro instalado na rede hidráulica de entrada da unidade industrial. A pegada é uma relação consumo de água por produto produzido. Desta forma, a unidade funcional utilizada para o cálculo foi litros de água por quilograma de leite. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 1 e Figura 1, observam-se os valores de consumo de água e quilogramas de leite processado por dia e da pegada hídrica azul, respectivamente. O valor médio da pegada foi de 0,25 L de água/kg de leite, sendo a máxima pegada de 1,29 a mínima 0,06 L de água/kg de leite. Silva (2006) e Castro (2007) encontraram relações de 6,1 L de água/kg de leite e 5,7 L de água/kg de leite, respectivamente. Saraiva et al. (2009) obteve 3,2 L/kg e Machado et al.(2002) valores entre 3 e 4,5 L/kg. Saraiva et al.(2009) é importante ressaltar que o consumo de água em um laticínio pode variar conforme as técnicas, os processos e equipamentos utilizados nas etapas de processamento e até mesmo o mês em que os dados foram coletados. Tabela 1 – Consumo de água e leite processado por dia na unidade industrial. DATA Consumo de Água (L) Leite Processado (kg) 24/2/15 25/2/15 26/2/15 27/2/15 2/3/15 3/3/15 4/3/15 5/3/15 6/3/15 7/3/15 9/3/15 10/3/15 11/3/15 12/3/15 13/3/15 14/3/15 1 2 [email protected] Embrapa Pecuária Sudeste – [email protected] 3.981 5.884 5.638 5.850 10.150 4.523 5.298 4.569 6.290 1.740 7.100 4.930 5.160 4.940 5.370 4.413 20.650 21.210 21.654 26.942 20.863 26.086 19.896 21.846 28.422 10.236 22.131 17.316 17.842 21.817 24.853 9.103 16/3/15 17/3/15 18/3/15 19/3/15 20/3/15 21/3/15 23/3/15 24/3/15 25/3/15 26/3/15 27/3/15 28/3/15 30/3/15 31/3/15 1/4/15 2/4/15 4/4/15 6/4/15 7/4/15 8/4/15 9/4/15 10/4/15 11/4/15 13/4/15 14/4/15 15/4/15 16/4/15 17/4/15 18/4/15 20/4/15 22/4/15 23/4/15 25/4/15 27/4/15 28/4/15 29/4/15 30/4/15 2/5/15 3/5/15 4/5/15 6/5/15 7/5/15 8/5/15 1 2 [email protected] Embrapa Pecuária Sudeste – [email protected] 2.217 4.670 3.906 5.096 5.090 6.008 3.202 5.068 4.925 4.835 5.070 4.830 4.870 5.070 4.160 4.040 4.130 1.362 5.136 4.937 4.095 4.816 4.089 34.065 4.575 3.955 5.070 4.220 4.117 4.763 3.238 5.267 3.687 3.808 2.875 3.025 3.050 1.900 3.955 3.680 2.550 2.907 3.063 20.500 19.877 22.792 10.261 19.724 10.261 19.724 20.363 20.967 23.914 9.613 21.660 23.392 21.536 22.173 16.152 15.823 22.837 22.828 22.013 22.699 23.399 6.849 26.389 20.705 21.994 23.934 22.307 9.079 28.700 22.355 17.850 12.019 28.763 22.222 19.080 30.870 14.372 24.799 24.435 21.457 23.446 25.020 9/5/15 11/5/15 12/5/15 13/5/15 Média Máximo Mínimo 2.927 2.163 3.910 3.570 4.822 34.065 1.362 9.334 23.670 21.164 22.004 20.416 30.870 6.849 1,40 L de água/ L de leite 1,20 1,00 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 1 4 7 10 13 16 19 22 25 28 31 34 37 40 43 46 49 52 55 58 61 Dias de Leitura Figura 1. Pegada hídrica azul da unidade industrial. Uma opção para redução do consumo de água azul é a utilização de fontes alternativas, como a água da chuva. Essa estratégia irá reduzir o valor da pegada hídrica azul e contribuir para ela ser mais sustentável. Entende-se como sustentável a relação da pegada com a disponibilidade hídrica (superficial e subterrânea) da propriedade e unidade hidrográfica. Considerando a disponibilidade de área de telhado da propriedade rural de estudo (instalações dos animais e laticínio) o potencial de captação se mostra viável. Um dos objetivos em quantificar o consumo de água é poder propor melhorias de gestão e economia. Uma opção é o reuso da água do efluente. O reuso reduzirá o consumo de água, pois segundo o referencial metodológico de cálculo da pegada hídrica, o volume reutilizado não seria computado como consumo. Portanto o valor da pegada será menor. Brião (2007) destaca que cerca de 80% da água utilizada em laticínios se dá na higienização das instalações. Durante a higienização além de água, também são perdidos resíduos ricos em proteínas. Brum et al.(2009) e Singh et al. (2014) testaram o uso de membranas em um laticínio, afim de reter esses resíduos que normalmente são perdidos no primeiro enxague do processo de 1 2 [email protected] Embrapa Pecuária Sudeste – [email protected] higienização. Os resultados mostraram que o efluente tratado apresentou propriedades físicoquímicas de acordo com a legislação, portanto possível de ser reutilizado. Radet al. (2014) cita o método de “pinchanalysis” como uma alternativa viável para reduzir o consumo de água em atividades industriais. O procedimento pode ser utilizado em qualquer atividade industrial e consiste em determinar qual é a quantidade mínima de água requerida para as várias operações (limpeza, desinfecção, aquecimento, resfriamento) e estipular a quantidade mínima de efluente que necessita ser tratada. Desse modo é possível utilizar apenas a quantidade de água realmente necessária para cada processo, evitando desperdícios e consequentemente reduzindo o valor da pegada hídrica. Oliver et al. (2008), utilizando o método obteve uma redução de 30% no uso de água durante o processo produtivo de vinho. Alternativas também mencionadas por Radet al. (2014) são: melhor manejo da sequência produtiva, já que certos produtos derivados do leite não necessitam de limpeza completa para serem produzidos; utilizar sistemas de recirculação para reciclar a água na pasteurização, esterilização e refrigeração; aplicar o princípio da osmose reversa para recuperar água. De acordo com relatório de sustentabilidade divulgado pela Indústria de Laticínios da Austrália (2008) através da osmose reversa o volume de água recuperada passou de 5 megalitros para 1.858 megalitros. CONCLUSÃO O estudo de caso demonstrou que leite e derivados podem ser produzidos com reduzida pegada hídrica azul. É importante destacar que existem diferenças entre unidades industriais de produção de leite e essa variabilidade deve ser objeto de futuras pesquisas para que mais melhorias e melhor gestão possam ser atingidas e propostas. Com isso o setor poderá desenvolver novos processos, visando reduzir a pressão sob os recursos hídricos. O cálculo da pegada hídrica azul foca a relação de consumo do recurso com a produção do produto, para ser utilizada como um indicador de sustentabilidade são necessárias análises econômicas e sociais. 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