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Multiplicam-se
se os sequestros no Sahel. Depois da libertação, a troco de
resgate, de P. Camatte, morreu depois de um ataque militar franco-mauritânio,
franco
em circunstancias não
o esclarecidas segundo a imprensa africana (de Argélia,
Mali, etc.), Michel Germmaneau. No Niger houve mais sete sequestros. Cada
sequestro pressupões uma oportunidade mais para um aumento da presença
militar francesa, agora reforçada com o apoio de tropas de elite e tecnologia
espacial estadunidense de vigilância. Mas porque é que o sequestro de reféns
em Arlit, Níger, de empregados do monopólio capitalista franco-africano
franco
não
levanta
a uma ponta do véu escondido pela imprensa burguesa?
O Níger
ger tem uma superfície
superf
de 1.267.000 km2, isto é, 2,3 vezes a França, e
13,5 milhões de habitantes, dos quais mais de 60% vive em pobreza extrema,
privada do acesso à alimentação,
alimentação, à agua, a instalações sanitárias, a infrainfra
estruturase à educação (71% das mulheres são analfabetas).
analfabetas). A esperança de
vida é de 43 anos.
Como os restantes povo de África, o povo do Níger sofreu nos anos 80 os
tormentos dos ditames liberais do FMI e do Banco Mundial que o obrigaram a
reembolsar uma dívida injusta e a vender ao desbarato as empresas nacionais,
nac
privatizadas após uma desvalorização do franco colonial, o Cfa, anteriormente
associado ao franco e actualmente ao euro.
Agora o Níger está no último lugar dos 182 países classificados no Índice de
Desenvolvimento Humano da ONU, com 0,340, precedido
precedido pelo Afeganistão
(lugar 181º) em guerra contra o agressivo exército ocidental, a Serra Leoa
(180º), a República Centro-africana
Centro africana (179º), o Mali (178º) e o Burkina Faso
(177º).
O saque perpetrado por Areva sobre o país desmascara-se:
desmascara se: «segundo as
nossas estimativas,
stimativas, o Níger produz entre 100.000 e 150.000 toneladas de
urânio desde 1960 a um preço
preço médio de 27.300 Cfa o quilo (42
(
euros),
claramente abaixo do preço médio mundial, que foi de 122.000 Cfa (187 euros)
nesse período. Na base desses preços médios e de uma produção que oscila
entre as 100.000 e as 150.000 toneladas, pode dizer-se
dizer se que a venda de urânio
do Níger se cifra entre os 4.200 e os 6.300 milhões de euros.
Se se tivesse aplicado o preço internacional, os accionistas (o Estado e os
seus sócios) teriam dividido entre 18.700 e 28.000 milhões de ueros. Isto é,
desde a independência e na base deste cálculo simples, sem ter em conta a
diferença de preços entre o «mercado spot» (transacções em dinheiro, N. do
T.) e o dos contratos, os accionistas de urânio do Níger perderam entre 14.500
e 21.000 milhões de dólares. Um enorme montante para uim país que que
apenas conta com 2.000 milhões do PIB e cujo modesto orçamento é
«generosamente» alimentado em mais de metade pela ajuda pública ao
desenvolvimento (Mondialisation.ca).
O cinismo de Areva vai todavia mais longe: «100% da electricidade (225
milhões de kWh) vem de energias fósseis e importa-se fundamentalmente da
vizinha Nigéria. Segundo Areva, em 2006, a companhia atingiu o cume com
100.000 toneladas de urânio extraído. O governo do Níger recebeu 300.000
milhões de Cfa de um total de 2,3 biliões de Cfa de produto das vendas»
(idem). Para chegar aí foi necessário reprimir e eliminar na véspera da
independência, 3 de Agosto de 1960, o patriota pan-africano Djibo Bakary daa
União Democrática Africana (RDA) que tinha o apoio dos progressistas Kwamé
Nkrumah, Sékou Touré y Abdou Moumouni, um dos fundadores marxistasleninistas do Partido Africano da Independência (PAI).
A estratégia da ocupação militar do Sahel
Como se dizia num relatório do Conselho Estadunidense de Relações
Exteriores de 2005, «Em finais da década, a África subsaariana pode
transformar-se numa importante fonte de importações energéticas para os
Estados Unidos, tão importante como o Médio Oriente. O Oeste de África
disporá de uns 60.000 milhões de barris de reservas petrolíferas comprovadas.
Os fracassos flagrantes das guerras depredadoras dos Estados Unidos e da
União Europeia no Afeganistão e no Iraque levam à projecção que o controlo
sobre o petróleo de África e a parte procedente do Golfo da Guiné nas
importações estadunidenses passará de 15 a 20% em 2010 e a 25% em 2015»
(idem).
Assim, a partir de «2003 lançou-se num programa de contra-terrorismo no
oeste de África, e em Março de 2004 as forças especiais estadunidenses
envolveram-se directamente numa operação militar com os países do Sahel
contra o grupo Salafista para a Predicação e o Combate (GSPC), que figura na
lista das organizações terroristas dirigida por Washington. O comando
estadunidense para a Europa está a desenvolver um programa de segurança
costeira para o Golfo da Guiné chamado «A Guarda do Golfo do Guiné». Os
Estados Unidos têm também prevista a construção de uma base militar naval
própria em S. Tomé e Princípe que, segundo o comandoestadunidense, poderá
rivalizar coma base naval Diego Garcia do Oceano Índico. Como se vê o
Pentágono está a movimentar-se energicamente por uma presençamilitar no
Golfo da Guiné que lhe permita o controlo da parte ocidental da rota transafricana do petróleo e das reservas vitais de petróleo que descobriram.
«A Operação Flintlock (Pedernal), uma manobra militar inicial, incluiu em 2005
cetca de 1.000 membros das forças armadas especiais estadunidenses. No
Verão seguinte (2006), o comando para a Europa dirigiu as manobras da sua
nova força de racção rápida para o Golfo da Guiné. No Oeste de África o
comando militar estadunidense para a Europa já instalou centros avançados de
operações no Senegal, Mali, Gana, Gabão e na Namíbia, na fronteira com
Angola, ao sul, que incluem a melhoria das pistas de aviação, o
armazenamento de reservas essenciais e de carburante, e estabeleceu
acordos (com os governos locais) que lhe permitem a deslocação rápida das
tropas estadunidenses» (idem).
Estados Unidos e União Europeia aprovaram um projecto militar de intervenção
rápida, o AFRICOM, instalado na Alemanha, cujo centro de comanda se
apressa por encontrar um quartel-general em África.
Se observarmos mais de perto, esta febre súbita de sequestros é,
simplesmente, uma autêntica estratégia de «manipulação massiva»,
parafraseando Noam Chomsky, que consiste em «criar problemas e depois
oferecer soluções» com o fim de, no quadro das intervenções militares dos
imperialistas estadunidenses e franceses no Shel, ampliar o controlo das
empresas monopolistas estadunidenses, europeias e francesas sobre as
matérias-primas. Não é esta uma nova estratégia franco-africana, euro-africana
e usa-africana?
Contra a cooperação chinesa
Há que sublinhar que a China – convertida na fábrica do mundo – e a Ásia
drenam 60% do comércio mundial; o Estado somali foi liquidado por uma
intervenção militar estadunidense e os pequenos pescadores do Corno de
África e do Mar Vermelho se converteram em «sequestradores» para
sobreviverem. A luta pacífica contra os contaminadores e destruidores do meio
ambiente que são a BP, a Shel ou a Total, tomaram a forma de «sequestros»
no Golfo da Guiné. O afrouxar a corda do FMI sobre a Angola, grande
produtora de petróleo, através de um empréstimo de 4.000 milhões de dólares
a juro muito baixo, foi seguido do atentado que custou a vida aos jogadores da
equipa de futebol do Togo, uma tentativa de «despertar o movimento, uma
tentativa de «despertar o movimento secessionista de Cabinda».
São estas apenas coincidências do acaso? Ou têm relação com o facto das
matérias-primas de as matérias-primas e o petróleo necessaários ao
desenvolvimento fulgurante a terem levado a tornar-se o primeiro parceiro
comercial e o primeiro investidor em África?
Durante a Primeira Guerra Mundial imperialista Lenine dizia, em 1915, que «O
imoperialismo desenvolveu as forças produtivas até ao ponto de a humanidade
só poder passar ao socialismo ou sofrer durante anos, ou inclusive durante
dezenas de anos, a luta armada das grandes potências para a manutenção
artificial do capitalismo com a ajuda das colónias, monopólios, privilégios e de
opressões nacionais de todo o tipo» (O socialismo e a guerra).
E é porque a re-globalização capitalista actual precisa da «manutenção artificial
do capitalismo com a ajuda de colónias, monopólios, privilégios e opressões
nacionais de todo o tipo, que o imperialismo estadunidense dominante
acompanhou a derrota da antiga URSS com o lançamento de um programa de
conquistas militares para o controlo das matérias-primas estratégicas,
particularmente do petróleo, sobre o que o memorando do Departamento de
Estado estadunidense de Setembro de 1950 já dizia que «O controlo desta
fonte de energia, o petróleo, tão importante na paz como na guerra, é um
objectivo desejável em si mesmo».
Depois do ataque militar à Sérvia para rematar o desmantelamento da exJugolásvia em 1999, a instrumentalização mediática e política dos atentados de
11 de Setembro de 2001 serviu para concretizar esse projecto, através de
ocupações militares coloniais, primeiro do Afeganistão depois do Iraque em
2003, e a instalação de bases militares nos antgos países da URSS, ou a
tentativa de os integrar na NATO. Controlar as matérias-primas estratégicas,
especialmente o petróleo e o gás, parar manter a dependência de eventuais
rivais com o objectivo de preservar a sua hegemonia mundial, é a equação com
que se defronta o imperialismo estadunidense.
Confirma-o o senador David L. Boren, que foi presidente da comissão
encarregada da espionagem: «Temos tido relações divergentes e simbióticas
com a URSS. (…) O declínio da União Soviética… poderá implicar também o
declínio dos Estados Unidos (…). Os países europeus, o Japão e outros países
aceitaram voluntariamente a liderança durante os últimos decénios. Porquê?
Porque precisam de nós (…) Neste novo contexto continuarão a aceitar a
direcção dos Estados Unidos, como acontecia há alguns meses? Não creio (Le
Monde Diplomatique, Abril de 1991?
As resistências nacionais afegãs e iraquianas começaram a derrotar as tropas
de ocupação da NATO. E as experiências antiliberais e anti-imperialistas na
América do Sul abrem caminho apoiando-se na heróica resistência de Cuba.
Esses factores foram determinantes para a eleição de Barack Hussein Obama
como primeiro presidente negro de uma potência capitalista-imperialista tão
racista como os Estados Unidos. No fundo, esta eleição é uma tentativa de
preservar a não-partilhada hegemonia estratégica da parceria Estados
Unidos/União Europeia, cobrindo a cara odiosa da arrogante agressividade
militarista com o verniz da oratória sedutora do sorridente Obama, primeiro
presidente negro ao serviço dos interesses do imperialismo estadunidense.
Quaisquer que sejam as suas formas, as políticas dos imperialistas obedecem
à necessidade de «Garantir o máximo lucro capitalista explorando, arruinando,
empobrecendo a maioria da população civil de um país determinado,
escravizando e despojando de forma sistemática os povos dos demais países
atrasados; e finalmente, desencadeando guerras e militarizando a economia
nacional para garantir o máximo de lucros» (J V Estaline, Os problemas
económicos do socialismo, 1952).
Este é o projecto do «Grande Médio oriente» sob controlo estadunidense que
se estende desde o Iémen na Ásia e do Este de África (o Corno de África e o
Mar Vermelho) ao Golfo da Guiné e ao Equador (Congo, República
Democrárica do Congo). É o mesmo programa predador que agora se estende
ao Sahel e ao Oeste de África.
A crise capitalista sistémica, o fracasso do liberalismo e a decadência dos
imperialismos dos Estados Unidos e da União Europeia levam ao confronto
com os países emergentes, especialmente os que alguma vez pertenceram ao
campo socialista vencido pela contra-revolução burguesa dos anos 90: China,
Coreia do Norte, Cuba e Vietname, a que há que acrescentar os países
antiliberais e anti-imperialistas da América do Sul. Isto é o que actualmente
constitui o campo progressista contra o imperialismo.
Uma solução pan-africana para os problemas de África
A colonização militar do Sahel manifestou-se recentemente por um ataque
franco-mauritano ao território do Mali sem aviso prévio ao governo daquele
país. As informações revelam que o banco Africano para o Desenvolvimento
(BAD) participa no financiamento do AFRICOM, esse mecanismo de
intervenção da NASTO em África, no qual os exércitos jogam o papel tirailleurs
[2], como na época colonial.
As neocolónias africanas dirigidas pelos burgueses apátridas liberais ou
sociais-democratas liberais actuam como procônsules da Francáfrica [1], da
Euráfrica e da Usáfrica. A célula pan-africana de Tamanrasset, em Argélia
planeia iniciar acções coordenadas contra grupos fascistas integralistas
armados; o narcotráfico é uma armadilha para as massas africanas. Os petrodólares do ridículo Kadafi juntam-se à corrupção que os imperialistas fazem
dos senhores feudais, dos burgueses e chefes locais. A inexistência de uma
política pan-africana fundada em princípios democráticos da livre disposição
dos tuaregues e da união dos povos livres de África torna explosiva a situação
actual de todo o Sahel.
É neste contexto global que as forças patrióticas e pan-africanas de esquerda
devem elaborar um programa e desenvolver uma acção antiliberal e antiimperialista. Nesta perspectiva, também os fóruns dos povos, especialmente de
Bandiagara no Mali, e os fóruns sociais africanos e mundiais devem converterse em espaços de mobilização pan-africana e internacionalista contra os
movimentos desestabilizadores e colonialistas dos imperialistas.
No momento em que a Ásia inicia o caminho do desenvolvimento económico e
social, o momento em que a América do Sul se compromete com o
antiliberalismo e o anti-imperialismo, pela via da libertação do jugo
estadunidense, e no desenvolvimento social e económico, África deve
encontrar o caminho da luta pela independência, pela soberania antiliberal e
anti-imperialista.
Neste aspecto o exemplo sul-americano é digno de estudo: as independências
políticas conseguidas no século XIX depois das lutas heróicas do Haiti com
Toussaint Louverture e Dessalines, de José Martí em Cuba ou de Simón
Bolívar, foram desviadas pelo imperialismo estadunidense para um sistema
neocolonial com ditaduras como as de Pinochet durante o século XX.
Actualmente a esquerda antiliberal e anti-imperialista avança numa nova
trajectória progressista inspirada pela heróica resistência de Cuba socialista.
«Os exércitos vencidos são uma boa escola», dizia Lenine. Assim, no actual
combate por uma segunda descolonização, a esquerda revolucionária, panafricana, antiliberal e anti-imperialista honra os seus predecessores partidários
da independência e da união pan-africana dos povos livres de África que foram
assassinados e vencidos pelo imperialismo, a colonização e o seu veneno fatal,
«etnicismo», durante a primeira etapa da descolonização entre 1945 e 1960.
Notas de tradutor:
[1] Francáfrica (Françafrique), termo que expressa a política neocolonial
francesa em África.
[2] Tirailleurs, população colonizada recrutada como soldados no exército
francês.
* Diagne Roland Fodé, senegalés, é professor de Historia e Geografía em
França.
Este texto foi publicado em www.rebelion.org
Tradução de José Paulo Gascão